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Quem visse a enfermeira Cora Summers, linda, jovem, competente e com um

passaporte rumo ao Caribe, diria: Ela tem é sorte! Mas seria sorte sofrer as pressões
da enfermeira Hart, desde que pusera os pés naquele hospital do Caribe? Para
afastá-la do dr. Kenning, que Cora adorava, para arruinar a sua carreira, essa mu-
lher fazia de tudo: dava-lhe as piores tarefas, falava mal dela. E de nada adiantavam
beleza e juventude; de nada adiantava amar aquele homem, porque ela jamais
conseguiria apagar tantas mentiras. Para Philip Kenning o que Cora oferecia era um
falso amor, um meio de agarrar-se ao emprego.

Lydia Balmain

Passaporte para o Caribe

Copyright: LYDIA BALMAIN


Título original: "CARIBBEAN NURSE"
Publicado originalmente em 1981 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra
Tradução: LUZIA ROXO PIMENTEL
Copyright para a língua portuguesa: 1982
ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL
Caixa Postal 2372— São Paulo
Composto e impresso em oficinas próprias
Foto da capa: KEYSTONE
CAPÍTULO I

— Cora! Entre, querida! Acho que veio se despedir, não?


Cora Summers entrou no escritório da enfermeira-chefe, onde sua amiga enfermeira Pamela
estava confortavelmente sentada, lendo uma revista e tomando chá.
— Pam, o que você tem feito? Tenho trabalhado tanto à noite, que quase nem sobra tempo para
tomar um chá!
Pamela sorriu e apontou para a cadeira diante dela.
— Sente-se, enfermeira. Agora que fui promovida, vou ficar encarregada dos turnos da noite, e
isso faz uma grande diferença. Tenho uma estagiária para ficar de olho e me chamar se precisar de mim
ou algum médico aparecer. A enfermeira-chefe tem que cuidar de quase todo este andar, e por isso não
vamos vê-la muito, graças a Deus. Quer uma xícara de chá?
— Não, obrigada — Cora disse. — Tenho que ir para casa. — No entanto, afundou-se na
cadeira que a outra tinha oferecido e perguntou: — Gosta das minhas sandálias novas?
Ainda estava usando o uniforme, nos ombros, mas, em vez dos sapatos de saltos baixos que as
enfermeiras deviam usar durante o trabalho, calçava sandálias vermelhas de tirinhas e saltos altíssimos e
muito finos.
Pamela assobiou.
— Já começou a gastar? Acho que vai mesmo aceitar aquele emprego nas Bahamas, hein?
— Você não aceitaria? Já passei pela entrevista sem nenhum problema, e o salário é
bom. Daqui a uma semana, estarei no Hospital St. Clare, na ilha de Cacanos, no Caribe. — Fechou os
olhos e suspirou. O sol, o ma,. as praias imensas! Quem pode querer mais do que isso?
— Sorte sua, Cora! Mas, agora que Derek e eu vamos casar, meus dias de aventura acabaram.
Pode parecer estranho, mas acho que escolher cortinas combinando com o carpete é tão excitante quanto
pensar num paraíso tropical. Até mesmo coisas como louças e toalhas para o banheiro. . . — Pam se
interrompeu e arregalou os olhos. — Querida, desculpe. Que estupidez a minha, que falta de tato!
Cora levantou-se e arrumou o casaco vermelho com capuz sobre os ombros.
— Falta de tato? Pam, eu nunca fingi nem para mim mesma que estava apaixonada por Peter.
Portanto, quando ele terminou tudo, foi apenas o meu orgulho que ficou ferido e não o coração. Não
estou fugindo porque o romance acabou, garanto a você. Se houvesse um bom emprego disponível aqui,
eu teria me candidatado correndo; mas não há. Então, como tenho que trabalhar longe de casa mesmo,
não tem importância que seja tão longe. Meus pais vão ocupar logo o meu quarto; minhas três irmãs estão
brigando para ter um cantinho só delas.
Pamela colocou a xícara na mesa e se levantou.
— Vou levá-la até a saída.
Caminharam juntas pelos corredores e escadas que conheciam muito bem.
— Tudo vai parecer estranho sem você aqui, Cora. E será que não vai estranhar um novo
hospital, depois de anos trabalhando aqui no Stanley?
As duas moças cruzaram o vestíbulo deserto e pararam diante das portas de vidro.
— Vai ser diferente, claro, e sentirei falta de tudo. De você e das
outras. Mas virei aqui nas férias e vou escrever sempre.
Deu um abraço rápido na amiga, depois abriu a porta e se encolheu por causa do vento frio.
— Também vou escrever, querida — Pamela disse, enquanto Cora caminhava na direção do
estacionamento. — Adeus, cuide-se bem!
Com a cabeça baixa, Cora caminhou até seu velho carro, que a acompanhava desde que tinha
vindo trabalhar no Hospital Royal Stanley. Abriu a porta e entrou, ficando imóvel por um momento,
olhando para o prédio através da chuva que começava a cair.
Tinha passado muitas horas felizes ali! Dois anos como enfermeira estagiária, três estudando
duro; depois, passara nos exames finais, mas nada de emprego. Não era culpa do hospital, nem dela, ela
sabia disso. Desde o começo, tinha deixado bem claro que, quando terminasse o curso, ela devia procurar
emprego fora do Stanley; talvez até mesmo fora de Birkenhead. Então o dr. Peter Maugham assumiu o
departamento como cirurgião-chefe e começou a convidá-la para sair. Mais tarde, Cora ficou sabendo que
ele tinha um fraco por loiras de cabelos compridos e olhos azuis. Mas, na época, acreditou que ele estava
apaixonado e que o amava também. Apesar do que tinha dito a Pamela, o fim do romance foi doloroso.
Ainda mais do jeito que aconteceu.
Já estavam namorando há três meses, quando Peter a levou ao barco de uns amigos e tentou
seduzi-la. Ele não pareceu zangado com sua recusa, nem ela levou o incidente muito a sério. Mas, no dia
seguinte, Peter estava correndo atrás de outra enfermeira loira, uma sueca que trabalhava no pronto-
socorro. Ele mal falou com Cora, depois do que linha acontecido, o que a deixou profundamente
magoada, a princípio. Depois, percebeu que Peter nunca tinha sentido nada por ela, a não ser atração
física.
Agora, o caso todo lhe parecia uma boa lição. Aprendera que não estava apaixonada por Peter
Maugham. Se aquilo fosse amor, não teria lutado tanto para se defender de seus avanços. Mesmo assim,
houve um momento de dúvida em que ela quase. . .
Procurou não pensar mais naquilo e deu a partida. Seu velho carrinho era um amigo de
confiança. Gostava muilo dele, mas já o tinha vendido para o primo Alan, que trabalhava nas docas
e era considerado o biruta da família. Esperava que ele não pintasse seu pobre carro de
vermelho, azul e branco, nem que escrevesse nada nos pára-choques, mas sabia que, do primo
Alan, só poderia esperar o pior.
Ao entrar na rua principal, a chuva aumentou, e ela fechou o vidro, apressada, ligando
os faróis altos. Felizmente, não havia muito trânsito àquela hora da noite. O carro não tinha
faróis muito possantes e, por isso mesmo, detestava dirigir com chuva.
Para chegar ao Túnel Mersey, que ela conhecia tão bem como os corredores e
escadarias do Hospital Stanley. Aproximando-se do pedágio, diminuiu a velocidade e preparou
o dinheiro.
De repente, viu algo passar correndo na frente do carro. Logo em seguida, ouviu uma
freada e sentiu uma violenta pancada que a jogou para a frente. Nervosa, custou a soltar o cinto
de segurança. Algum motorista maluco devia estar correndo atrás dela, não conseguindo frear a
tempo. Pelo barulho de vidro quebrado, os dois carros tinham sofrido danos.
Cora saiu do carro, puxando o capuz sobre a cabeça para se proteger da chuva. O
motorista do carro de trás também saltava e, pelo seu jeito impaciente, parecia furioso. Era só o
que faltava! Ele é quem vinha depressa demais; caso contrário, conseguiria parar a tempo.
Respirou fundo e se preparou para dizer o que pensava. Mas o homem falou primeiro:
— Placa.
— Como? Claro que sou eu quem deve pedir a "sua" placa. Você estava correndo
demais. . .
— Eu pedi a sua placa!
— Bem, é MUJ 267M, mas. . .
— Nome.
A rudeza dele deixou-a aborrecida. Era alto, moreno claro, estava de pé ao lado do carro
e seu terno começava a ficar encharcado. Cora sentiu que enrubescia, mas resolveu não se
deixar intimidar, perguntando:
— Qual é o "seu" e a placa do "seu" carro?
Viu que ele segurava uma caneta e um papel e que a olhava com ar de espanto.
— Olhe aqui, moça, não tenho nenhuma vontade de discutir de quem foi a culpa.
Acho que você freou e derrapou porque um cachorro atravessou na frente do seu carro.
Francamente, eu estava quase ultrapassando você, porque estava indo muito devagar, quando
então resolveu pisar no maldito freio.
— Você não pode ultrapassar perto da entrada do pedágio — Cora respondeu, agora
muito zangada. — Eo que queria que eu fizesse? Atropelasse o cachorro?
Ele deu um suspiro impaciente e abriu a poria do próprio carro.
— Estou com uma pressa danada. Qual é o seu nome, garota? Tenho que saber, para
informar ao seguro.
Ele era de uma arrogância e tinha um jeito tão autoritário, que Cora se viu dizendo seu
nome, quase sem pensar. O homem entrou no carro e ligou o motor.
— Muito bem, srta. Cora Summers, vou entrar em contato com você mais tarde para
resolvermos este problema.
Estava dando marcha à ré e se preparando para ir embora, quando, de repente, pisou no
breque e saltou. Abriu a porta e se aproximou dela.
— Vai ter que me dar uma carona, srta. Summers. Meus faróis estão quebrados, e não
vou dirigir sem luzes nesta chuva. Na verdade, acho que é melhor "eu" dirigir o seu carro.
Estendeu a mão, calmamente, esperando que ela lhe entregasse as chaves, como se fosse
a coisa mais natural do mundo.
— Não pode abandonar o seu carro aqui — Cora protestou. — Olhe, eu posso ir até um
posto rodoviário, explico o que aconteceu e peço para mandarem ajuda.
O desconhecido a ignorou, abriu a porta do carro dela e entrou. Vendo que a moça
hesitava, talvez achasse que era algum maluco, ele sorriu pela primeira vez, e ela notou que não
era apenas alto e moreno, mas muito bonito.
— Desculpe, eu devia ter explicado por que estou com tanta pressa. Sou médico e
estou a caminho do Hospital Royal. É um caso muito urgente. Portanto, se não se importa. . .
Estendeu a mão para as chaves novamente e ela as entregou, entrando do outro lado,
completamente convencida pela explicação. Olhou as mãos dele, longas e fortes, que agora
seguravam a direção. Sim, tinha certeza de que eram mãos de um médico.
— Muito bem, você dirige. O dinheiro do pedágio está no porta-luvas.
— Não sou nenhum aproveitador, srta. Summers. Eu pago.
— Quanta generosidade!
E!a queria ser bem sarcástica, mas seu tom de voz saiu apenas resignado. Tirou o casaco
ensopado e jogou-o no banco de trás, no momento em que passavam pelo pedágio.
Ao se aproximarem de um posto rodoviário o desconhecido explicou rapidamente aos
policiais que destino deviam dar ao carro que tinha deixado no meio da pista. Entregou as
chaves, documentos e deu a partida, virando-se para Cora para comentar:
— Viu como foi simples, srta. Summers? E. . . — Parou, arregalando os olhos ao ver o
uniforme dela. — Ora, mas você é enfermeira!
— Sou. Não é uma coincidência? — ela ironizou. — Olhe, não verifiquei os meus
faróis, imagine só se não estiverem funcionando! E você ainda não me disse o seu nome, nem a
placa daquele imenso Rolls Royce que bateu em mim.
— Não em você; no seu carro. E não é um Rolls, é um Jaguar. Ele dirigia depressa,
mas muito bem. Entraram num túnel; lá
dentro, tudo parecia muito quieto, depois do barulho da estrada, do vento e da chuva.
Ele disse, baixinho:
— Meu nome é Philip Kenning. Vou anotar a placa do carro e o endereço da
companhia de seguros no meu cartão, quando chegarmos ao Royal. Está bem assim?
— Claro. — Cora parou para pensar por um momento e depois disse: — Mas não vou
criar caso por causa de uma batidinha à toa. Não vai adiantar nada mesmo. Só fiquei zangada
porque você estava errado!
Saíram do túnel e ela viu que Philip Kenning a olhava de modo enigmático.
— Muito bem. Como parece que só os meus faróis foram quebrados, acho que
podemos esquecer a coisa toda.
Ligou o pisca-pisca e entrou à direita, fazendo uma curva tão fechada que quase jogou
Cora fora do banco. No entanto, foi uma manobra tão bem-feita que ela teve que reconhecer que
ele dirigia muito bem. Nunca teria conseguido fazer aquela curva com tanta perfeição; ainda
mais em pista molhada. Logo que entraram na reta, ele pisou fundo no acelerador e perguntou:
— Espero que não tenha medo de velocidade.
— Você diminuiria, se eu dissesse que estou apavorada? — O homem apenas riu. —
Como vai voltar para casa, dr. Kenning?
Ele deu de ombros, diminuindo a velocidade e mudou de marcha, entrando numa das
ruas mais largas, da qual Cora se lembrava vagamente. Tinha estado ali uma ou duas vezes, para
ver pacientes.
— Alguém pode me dar uma carona. — Parou diante da porta principal do hospital,
desligou o carro e entregou as chaves para Cora. — Vai encontrar meu nome na lista telefônica,
se quiser entrar em contato comigo, mas tenho certeza de que não houve danos no seu carro!
Então, para surpresa da moça ele se inclinou, segurou-a pelo ombro e beijou-a nos
lábios.
— Meus agradecimentos, princesa. Desculpe por ter sido tão grosseiro.
Antes que ela pudesse dizer qualquer palavra de protesto, o homem já tinha saído do
carro e batido a porta. A chuva caía violentamente, e ele correu para a entrada, sem olhar para
trás. Agora, Cora estava sozinha, sentada no carro, com as chaves na mão e vermelha de raiva e
vergonha.
Que atrevimento! Ele, sem dúvida, devia achar que um beijo do grande dr. Philip
Kenning era recompensa mais do que suficiente para todos os problemas que lhe causou. Olhou
novamente para a porta do hospital e deu a partida no carro.
Que jeito diferente de terminar seu último dia de trabalho! A batida, a corrida pela noite
com um estranho dirigindo, aquele beijo!
De repente, sentia-se terrivelmente cansada, exausta. Imaginou se o dr. Kenning teria o
hábito de atormentar e depois beijar as enfermeiras do Royal. Riu de si mesma. Que ridículo!
Tinha mais com que se preocupar e precisava de uma boa noite de sono, para enfrentar a viagem
no dia seguinte, e se preparar para o novo emprego.
Dentro de uma semana, estaria no St. Gare. Parecia maravilhoso. A equipe de lá morava
em pequenos chalés ligados ao hospital, o salário era mais do que bom e as horas de trabalho e
os turnos pareciam excelentes. Começou a imaginar as praias, o mar e as palmeiras, mas seu
pensamento fugia, voltando para o dr. Kenning, seus modos rudes, sua arrogância e seu beijo
forçado.
Chegando em casa, tomou uma bebida quente e foi para a cama, quase desejando não
ter que partir tão cedo para o Caribe. Se tivesse mais tempo, iria procurar o dr. Kenning, só para
dizer como o desprezava. Era tão cheio de si, tão seguro, provavelmente achava que todas as
enfermeiras do mundo deviam estar loucas por seus beijos. Bem, ela não estava!
Deitou-se zangada, mas logo sorria. E não era em sua ilha tropical que estava pensando.

CAPITULO II

— Você deve ser Cora Summers. Bem-vinda a Cacanos! Sou Patty Anderson.
Patty Anderson era uma garota baixa e gordinha, de cabelos avermelhados e sardas,
mais ou menos da idade de Cora. Pegou a maleta da mão de Cora e dirigiu-se para um homem
que estava de pé ali perlo, usando um uniforme de motorista.
— Suas malas são aquelas verdes? Foi o que pensei. Roberto, pode levar para o
carro, sim? — A moça virou-se para Cora, sorrindo: — Deve estar cansada. Mas é bom sentir
o sol, não? Eu passei duas semanas de férias na Inglaterra, em junho, e choveu sem parar. Fez
boa viagem?
— Acho que sim, mas como é minha primeira viagem, não dá para avaliar ainda.
Gostei do vôo, mas detestei as decolagens e aterrissagens, Meu estômago parecia que ia sair
pela boca.
Patty riu.
— Você vai se acostumar. Já estou aqui há dois anos e meio e os vôos não me
preocupam, mas no começo ficava apavorada. Bem, então vamos.
Era um automóvel comprido e brilhante, e Cora afundou-se no banco macio,
suspirando de prazer. Era tão bom estar em terra firme novamente! O chofer, Robert. virou-se
para elas sorrindo.
— Direto para o hospital, srta. Anderson? Ou vamos pelo caminho mais bonito?
— Direto, Rcibert. — O carro partiu e Patty explicou; — O problema, Cora, é que
temos duas enfermeiras doentes e algumas de férias. Por isso, acho que devemos ir o mais
depressa possível. A srta. Avery, diretora do hospital, geralmente recebe as novas enfer meiras,
mas hoje ela está muito ocupada e me mandou substituí-la. Vou levar você ao seu alojamento.
Seremos vizinhas; na verdade, vamos dividir a mesma cozinha. Assim que eu a instalar, tenho
que correr para o trabalho. Achei que seria bom para você se alguém viesse buscá-la no
aeropono. É um jeito mais amigável de ser recebida.
— Agradeço muito. Eu me sinto esquisita, meio tonta, confusa. Acho que foi por causa
da correria e por este ser o meu primeiro vôo longo. — Cora olhou pela janela e viu o mar
brilhante, emoldurado por palmeiras, à esquerda; mais além, uma enorme plantação. — Que
lugar maravilhoso! O que são aquelas plantas?
Patty seguiu o olhar da outra.
— Cana-de-açúcar. Não há muitas plantações dessas em Cacanos; há mais bananeiras.
A outra fonte de renda é o turismo. — Riu e deu um tapinha na mão de Cora. — Não há nada
melhor para o moral do que um lindo e bronzeado americano com muito dinheiro para gastar e
que resolve gastá-lo com uma enfermeira inglesa!
— Imagino. Mas como vamos conhecer os turistas? Só se eles ficarem doentes, não?
— Há muitas discotecas por aqui. Há as praias e as festas, às quais somos sempre
convidadas.
— Parece ótimo. Mas também se trabalha bastante, não é?
— Certo. Tanto quanto em qualquer hospital da Inglaterra. Só que nos divertimos
muito mais.
— Estou preparada para trabalhar duro e. . . — Cora parou, arregalando os olhos.
— Patty, o que é aquilo?
— É o nosso vulcão de estimação. É possível entrar na cratera e cozinhar um ovo na
água quente que escorre lá. É chamado de Petitfrère e a outra montanha é o Grandfrère. Posso
levar você para conhecer, mas... — Olhou para os cabelos louros e o corpo bem-feito da
companheira. — Acho que terá convites de pessoas bem mais interessantes dentro de pouco
tempo!
— Espero que esteja certa, mas gostaria de passear com você — Cora disse, sorrindo.
— Aquele é o hospital?
— Isso mesmo.O St. Clare, Bonito, não?
Era uma construção baixa, toda pintada de branco, com colunas na freme e uma
trepadeira. Parecia mais uma mansão do que um hospital. Cora comentou isso com Patty, que
concordou.
— Mas já foi uma casa particular. Daqui não dá para ver as enfermarias novas, mas
são bem modernas. Robert, se você for direto para os fundos, podemos descarregar as malas
da enfermeira Summers no apartamento dela. Já estou com a chave.
O carro dobrou à direita e entrou no pátio das enfermeiras, que formava um L. Havia
também um lindo gramado e uma piscina, separada do resto do hospital por uma treliça e várias
plantas. Cora logo imaginou se as enfermeiras teriam permissão para usar aquela área.
Patty levou-a para a pequena entrada dos apartamentos e lhe entregou uma chave.
— Você vai ficar no número 7; eu, no 8. Vá abrindo a porta, enquanto ajudo Robert
com a bagagem.
Cora pegou a chave e correu escada acima. A porta da esquerda tinha um grande 7;
abriu-a no momento em que Robert surgia a seu lado. Ele deixou as malas no meio do quarto,
depois virou-se e piscou para ela. Patty aproximou-se e perguntou:
— O que acha?
— É lindo!
Cora olhou em volta, encantada. O chão brilhava de tão encerado; as cortinas eram
amarelas e os tapetes, amarelos e brancos. Não havia muitos móveis, só uma cama, uma
poltrona, e uma mesinha lateral, mas tudo parecia muito confortável.
— Um telefone! Que luxo! E que portas são aquelas?
— A da esquerda é do banheiro e a da direita, da cozinha que vamos dividir. E as
portas de correr são de um armário embutido.
Parece pouco, mas acho que você logo se acostuma. Olhe, nós duas temos que nos trocar. O que
acha de tomar um banho rápido, vestir roupas limpas e depois tomar um chá comigo, lá na cozinha? —
Ótimo. É melhor desfazer as malas também.
— Se fosse você, eu deixava tudo como está, agora. Deve ter dado suas medidas na
entrevista, como nós todas fizemos; portanto acho que seu uniforme está no armário. Mas não
os sapatos. Avisaram para que trouxesse sandálias baixas brancas? — Cora confirmou. —
Ótimo. Mas, por enquanto, pode vestir o uniforme com sapatos comuns. A srta. Avery não gosta de nos
ver na enfermaria com saltos altos, e ela vai querer mostrar tudo a você, apesar de ainda não começar a
trabalhar.
Cora atravessou o quarto e escancarou a porta do armário.
— Nossa! Quantos uniformes!
Havia vestidos em azul-claro e aventais e toucas brancos.
Patty tinha parado na entrada da cozinha e a observava.
— Ao todo, são seis vestidos, dez aventais e meia dúzia de toucas. Seu enxoval, garota. Vou
colocar a chaleira no fogo, está bem? Posso emprestar uma touca de banho e uma toalha, para você não
mexer nas malas agora.
— Que maravilha! Obrigada. Como funciona o chuveiro?
— Ã direita, água quente; à esquerda, água fria. Vejo você daqui a cinco minutos.
Cora levou bem mais do que cinco minutos para sair do chuveiro e vestir seu novo uniforme
engomado. Mas foi ela quem apareceu na cozinha primeiro. Olhou em volta, surpresa e entusiasmada. A
personalidade marcante de Patty estava bem evidente ali: havia cartazes em todas as paredes, plantas nas
janelas, e os móveis eram vermelhos. Em cima da mesa, encontrou as xícaras arrumadas, uma travessa
com um cesto com torradas e um vidro de mel. Havia manteiga derretida e um pouco de alface.
Com cuidado. Cora colocou o chá na chaleira e resolveu pegar o leite na geladeira. Foi difícil
encontrar, no meio de tantas tigelas com restos de comida. Bateu a porta, apressada. Patty era muito
simpática. . . mas que desorganização!
— Terrível, não? — A outra perguntou alegremente, entrando na cozinha. — Ei, você é bem
rápida, não? Deixa que eu sirvo o chá. Deve estar pensando que sou muito bagunceira, mas não se deses -
pere; dividi a cozinha com Minny, antes de você chegar, e metade dessa confusão é dela. Com o tempo, a
gente dá um jeito.
Cora concordou, rindo.
— Tudo bem. Estou ansiosa é para conhecer o hospital.
— Você vai ficar na enfermaria de cirurgia masculina. Minny estava lá antes e as duas
enfermeiras doentes também trabalham lá; portanto, precisam mesmo de você. É uma enfermaria que dá
muito trabalho. A enfermeira Hart, a encarregada. ..
O telefone tocou no quarto de Patty t ela se levantou, apressada.
— Aposto que é a Avery! Volto já.
Atravessou o apartamento e pegou o telefone, ouvindo uma voz indignada durante um momento.
— Sim, srta. Avery, cinco minutos. Eu digo a ela, srta. Avery. — E desligou.
— Avery quer ver a gente o mais depressa possível — disse, apressada, colocando as xícaras
vazias na pia. Podemos ir?
Cora levantou-se, arrumou os cabelos, colocou a touca e ajeitou o avental.
— Estou bem? Meus cabelos estão presos direito?
— Está com ótima aparência. Em que hospital você fez o curso? Eu fiz no Clatterbridge, em
Birkenhead. Tem muita gente de lá por aqui. O curso é ótimo. — Sem esperar resposta, Patty começou
a descer, sempre falando: — Não precisa trancar a porta; só as enfermeiras vêm aqui. Um pessoal muito
simpático, você vai ver.
— Que estranho. Eu fiz meu curso no Stanley. Atravessaram o pátio e entraram no hospital por
uma pequena porta lateral.
— Não é estranho. Cora? A maioria de nós vem do mesmo hospital; a direção prefere assim
para facilitar a adaptação. A srta. Avery também estudou lá. Aqui é a recepção. Oi, Wanda; a srta. Avery
está livre? Essa é a nossa recepcionista, Wanda Fleming. A nova enfermeira, Cora Summers.
As duas moças sorriram uma para outra. Wanda tinha busto grande e era uma morena
muito atraente.
— Oi, Cora. Espero que goste daqui. Podem entrar, Assim que se afastaram Patty disse:
— Gostou da nossa sereia? Parece uma mulher fatal, mas não passa de uma tonta. É
muito boazinha e está sempre perdidamente apaixonada pelo cara errado, que a trata feito lixo.
Aqui é a gaiola da Avery.
Bateu e entraram sem esperar resposta. Cora, um pouco atrás, sentiu-se um pouco
insegura, pela primeira vez naquele dia.
A srta. Avery era uma mulher alta, por volta dos cinquenta anos, com cabelos castanhos
puxados para trás e olhos castanhos, escondidos atrás de óculos pesados. Levantou a vista do
trabalho e sorriu.
— Obrigada, enfermeira Anderson; pode ir para a sua enfermaria agora. Eu cuidarei
para que a enfermeira Summers veja tudo aqui.
— Esperou Patty sair e virou-se para Cora. — Você vai trabalhar na cirurgia masculina
e é muito bem-vinda, pois essa enfermaria está cheia. A enfermeira Neilson está em lua-de-mel
há uma semana e duas outras moças estão doentes, com uma infecção de estômago. Agora, é só
preencher uns formulários para mim, me dar algumas informações, e logo teremos terminado
com a parte burocrática.
Na verdade, a parte burocrática demorou meia hora; mas, para Cora, o tempo parecia
voar. A srta. Avery conversou e fez perguntas; quando deu a entrevista por terminada, Cora
sentiu que a outra a aceitara plenamente. Foram juntas até a recepção.
Wanda vai levar você para conhecer a enfermaria e o pessoal. Mas quero que comece a
trabalhar só na quinta-feira. Acho que as novatas merecem quarenta e oito horas de descanso,
por causa da viagem e da mudança de clima. — Estendeu a mão para Cora.
— Não esqueça: tudo que precisar e qualquer problema que tiver, estou aqui para
ajudá-la a resolver, enfermeira Summers.
— Ela é muito simpática — Cora comentou, enquanto as duas caminhavam para a
enfermaria. — O tipo de pessoa que parece entender os problemas da gente. Não que eu
pretenda ter algum. Deus me livre!
Wanda riu.
— Ela é simpática, mas muito exigente. Vou levar você direta-mente à enfermaria
Edith. Não estranhe: por aqui, cada enfermaria tem um nome. Patty lhe falou sobre a enfermeira
Hart? Ela é uma linda criatura, mas. . .
Parou diante de uma porta e piscou:
— Depois eu conto.
No entanto, "depois" seria muito mais tarde do que as duas garotas poderiam imaginar.
A enfermaria estava terrivelmente movimentada. Uma enfermeira de avental branco
com cinto verde-escuro supervisionava a chegada dos pacientes que vinham da sala de
operações. Um desses pacientes era um homem bonito, muito bronzeado, de cabelo escuro e um
grande bigode. Ainda estava inconsciente, e as duas ajudantes tiveram a maior dificuldade para
tirá-lo da maca. Não havia sinal de mais enfermeiras, apesar de todas as camas estarem
ocupadas.
Wanda, a recepcionista, hesitou.
— Estão muito ocupadas. Acha que devemos. . .
Sem que nenhuma das duas percebesse, a porta se abriu e uma voz disse, rispidamente:
— Enfermeira! Você aí de cabelos loiros! Não fique parada fofo-cando com Wanda, vá
ver o sr. Frears, na última cama. Ande logo, ele esteve na mesa de operações quase três horas.
Cora virou-se. Ele estava bem perto e tinha um ar cansado. Seu olhar era o mesmo que
ela via no rosto de um cirurgião que tinha acabado uma operação complicada. Mas aquela voz e
aquela arrogância. . . o dr. Philip Kenning!
— Eu... eu... —ela respondeu. — O sr. Frears é. ..
Ele a olhou novamente, parecendo não reconhecê-la.
— Você é nova? Desculpe, eu não tinha percebido. O sr. Frears está na última cama.
Seja bem-vinda, enfermeira; precisamos muito de gente aqui, no momento.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele se virou e saiu.
— Acho melhor explicar. . . — Wanda começou, quando a enfermeira se aproximou
Só podia ser a tal Hart: era linda mesmo, com imensos olhos escuros, cabelos pretos brilhantes e
pele muito bronzeada. Sorriu para Cora, ignorando completamente a recepcionista.
— Enfermeira Summers? Minha querida, sei que não deve começar ainda, mas estamos
realmente desesperados. Se puder dar uma olhada no sr. Frears durante uma hora será grande ajuda.
— Claro que posso — Cora falou, depressa.
— As anotações sobre o sr Frears estão em cima da mesa, no meu escritório. — Wanda saiu,
apressada, e ela explicou a Cora: — Daniel Frears é mergulhador e foi atacado por um tubarão. O dr.
Kenning é um cirurgião maravilhoso e acha que conseguiu salvar a perna dele, mas o paciente perdeu
muita sangue e precisa de cuidados constantes. Não há nenhuma prescrição por enquanto, pois foi
um caso de emergência. Portanto, se ficar sentada perto dele, tirando a temperatura e a pressão e
preenchendo o relatório, já vai ajudar muito. Deixe-me ver o que mais. . . Oh, sim: claro, você deve
cuidar para que ele não mexa o braço, e fique de olho na transfusão. Vai precisar de uma injeção de
Ampicilina e Odiamorfina também, se ele sentir muita dor mais tarde. — A enfermeira Hart passou a
mão na testa. — O que mais. . . Tem alguma dúvida, enfermeira Summers?
— Ele foi preparado para a cirurgia ou entrou direto? Eu estava pensando no Stematil, para que
não sinta enjôo.
— Isso mesmo! Stematil! Já deve ter mais de quatro horas, desde a última injeção. Vou preparar
a seringa, enquanto você preenche o relatório.
Saiu, apressada, e Cora se aproximou da cama do sr. Frears, onde os assistentes tinham acabado
de deixá-lo. Um deles, um homem baixo de cabelos vermelhos, sorriu para ela.
— Hart já começou a fazer você correr? Ela é uma preguiçosa. A única vantagem é que o
pessoal dela trabalha tanto, que logo ganha muita prática e é promovido.
Piscou para Cora, deu-lhe um tapinha no braço e depois caminhou para a porta. Pouco depois,
Wanda chegou, com um envelope, parecendo ansiosa.
— Enfermeira Summers, sinto muito. Vejo que já começou a trabalhar. Eu não sabia o que
dizer. Tem certeza de que está tudo bem?
— Tudo bem, obrigada, Wanda.
Cora pegou a ficha, colocando-a nos pés da cama. Tirou a temperatura do paciente e pegou o
pulso, para contar as pulsações.
Mas não estava de relógio. Foi procurar a enfermeira Hart e explicar seu problema.
— Pegue o meu emprestado. — A outra tirou o relógio, e estava prendendo no pulso de Cora,
quando o dr. Kenning apareceu.
— Enfermeira, por que não há ninguém com o sr, Frears?
A enfermeira Hart explicou-lhe rapidamente a razão, e o olhar de censura dele fez Cora ficar
vermelha.
— Entendo. Você é uma enfermeira formada? — Cora confirmou e ele continuou: — Bem, é
nova e acho que. . . — Parou de repente e gritou: — Sr. Frears! Não se mexa! Oh, meu Deus. . .
Cora virou-se e viu o sr. Frears se debatendo violentamente, quase derrubando o vidro de plasma
soltando a agulha presa no braço. Esquecendo tudo e pensando apenas no bem-estar do paciente. Cora
começou a correr. Mas escorregou no chão encerado e caiu nos braços do dr. Kenning, que vinha logo
atrás dela.
— Sua estúpida! Meu Deus, que sapatos ridículos! Como se atreve a entrar na minha
enfermaria usando uma coisa assim? — Empurrou-a para o lado e chegou ao leito do paciente
antes dela, segurando o braço que se debatia. — Está tudo bem, sr. Frears: está salvo, mas precisa ficar
quieto.
Durante um momento, ele e Cora trabalharam em silêncio, até ajustarem os aparelhos e o
paciente adormecer. Então, o dr. Kenning voltou ao ataque:
— Enfermeira, espero que esse não seja o seu comportamento habitual. Não quero idiotas
na minha.
— Dr. Kenning, se já terminou com o sr. Frears, será que pode dar uma olhada no sr.
Barkiss? Ele está reclamando de dor no estômago. — A enfermeira Hart tinha se aproximado e
estava no comando da situação, sem dar nem um olhar para Cora,
Kenning pareceu indeciso por um momento; depois, resolveu-se.
— Muito bem, enfermeira: voltarei para ver o sr. Frears novamente dentro de uma hora mais ou
menos, quando ele recobrar a consciência.
Sem mais uma palavra para Cora, virou-se e foi até a cama do sr. Barkiss, acompanhado pela
enfermeira.
Durante um momento. Cora ficou tão zangada com os dois que teve vontade de jogar a ficha do
paciente no chão e ir embora. Estava ali fazendo um favor à outra e ela não se dera ao trabalho de explicar
isso ao médico. Deixou que Cora passasse por incompetente e irresponsável. Depois, o problema dos
sapatos. . . Aquilo não fora sua culpa; não mais do que a trombada que o dr. Kenning lhe dera na entrada
do pedágio.
Mas os anos de treinamento foram mais fortes do que a raiva, e ela procurou se acalmar.
Acontecia muita coisa desagradável na enfermagem, assim como nas outras profissões. O dr. Kenning
não sabia que ela não devia estar trabalhando; portanto tinha todo o direito de esperar que estivesse de
relógio e com os calçados certos. A enfermeira Hart era linda, mas totalmente incapaz, pois não conseguia
dar conta do serviço, e tinha de arranjar desculpa para tudo. O sr. Frears gemeu na cama e começou a se
debater novamente, tentando arrancar a agulha de transfusão.
— Não, sr. Frears!
Segurou com força a mão dele e procurou convencê-lo de que estava tudo bem. O homem gemeu
de novo e abriu os olhos. Sua boca estava seca, e Cora se inclinou para lhe falar no ouvido.
— Sr. Frears, vou umedecer seus lábios. Não posso lhe dar nada para beber ainda, mas isso fará
com que se sinta melhor. Está tudo bem, mas perdeu muito sangue: fique quieto, que não vou sair de
perto daqui.
Pegou a embalagem de higiene oral e abriu, colocando algumas gotas de uma solução e se pôs a
limpar-lhe os lábios e a parte de dentro da boca. Depois, passou glicerina nos lábios rachados do paciente
e ele sorriu.
— Melhor. Vou lhe dar uma injeção que vai ajudar a suportar a dor.
Ele começou a concordar, mas, então, sua mão se mexeu, desesperada, debaixo das cobertas, e
Cora tentou acalmá-lo:
— Não se preocupe: o dr. Kenning salvou sua perna. Agora tem que ficar quietinho, até se
recuperar da perda de sangue. A enfermeira Hart virá logo com a injeção. Não vai doer. Será dada no
músculo da perna que não está enfaixada, claro.
Cora sabia que ele estava sofrendo. Uma operação de três horas é sempre muito grave, e seu lado
direito estava cheio de ataduras, desde as axilas até o tornozelo. Esperava que ele fosse mesmo tão forte
como parecia.
— Quem é. . .
Cora procurou adivinhar o que ele queria dizer.
— Sou a enfermeira Summers, sr. Frears. Ele sacudiu a cabeça.
— Eu. . . sou Dan. Você. . .
— Meu primeiro nome é Cora, Dan. Está se sentindo melhor? Ele segurou-lhe a mão de leve e
ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas. O contato humano significava muito para os pacientes, e
Cora ficaria contente em permanecer ao lado de Dan Frears, até que alguém a substituísse.
Quando uma enfermeira chamada Lusan Morris se aproximou para ficar no seu lugar, Cora
estava completamente exausta. Não saíra do lado de Dan a tarde inteira, a não ser para ajudar outros
pacientes, enquanto ele se acalmava. Todo esse tempo a enfermeira Hart tinha andado de um lado para o
outro, parecendo muito ocupada, mas sem fazer realmente nada. Não havia dúvida de que era uma total
incompetente. Mas Cora estava muito cansada para pensar naquilo. Foi para o quarto, morta de fome e
sede. Será que seria direito pedir alguma comida emprestada a Patty? Já tomara chá com torradas, mas
não tinha idéia se havia por perto uma lanchonete que ficasse aberta até aquela hora da noite.
Hesitou, antes de entrar na cozinha. Depois, abriu a porta e deu uma olhada. Encontrou um
bilhete em cima da mesa:
"Cora, você não apareceu na cantina na hora do jantar, foi o que as minhas espiãs me
contaram. Isso não pode se transformar em hábito. Há chocolate quente na garrafa térmica e
sanduíches de tomate com queijo na lata de tampa vermelha. Comporte-se. Patty".
Cora primeiro tomou um banho, colocando uma camisola curtinha; depois pegou a garrafa
térmica, e a lata de tampa vermelha e voltou para o quarto, sentindo um nó na garganta. Como Patty era
gentil com ela, uma completa estranha! Não pensava em comer mais do que um sanduíche, mas eram
deliciosos, feitos com pão fresquinho. Quando percebeu, já tinha comido o último e bebido todo o choco-
late. Deitou-se e deixou aceso só o abajur, sentindo-se bem alimentada e satisfeita.
Parecia que tinham se passado horas, quando ouviu o telefone tocar.
Durante um momento, não lembrou de onde ficava o aparelho e como poderia atender. Mas o
barulho insistente vinha da mesinha lateral perto da janela.
Cruzou o quarto e atendeu, mas estava tão tonta de sono que deixou o aparelho cair no chão. O
barulho despertou-a completamente. Ajoelhou-se ansiosa.
Uma voz indignada fez com que ela piscasse e olhasse espantada o fone.
— Aqui é o dr. Kenning. Eu lhe devo desculpas, enfermeira Summers: não tinha idéia de
que havia acabado de chegar. Quando a srta. Avery me contou, fiquei muito aborrecido por ter sido tão
rude.
— Oh!
— Como está o seu carro? O meu não teve problema, a não ser os faróis quebrados.
— Bem... O meu está... em ordem. — Então, ele a tinha reconhecido!
— Ótimo. — Percebeu que havia um tom de deboche na voz dele. — Por acaso, eu a acordei?
Tive a impressão. . .
— Não, não. . . Isto é, eu estava quase dormindo, mas. . .
— Estava na cama? Eu devia ter procurado você antes, mas parecia muito ocupada, quando
entrei na enfermaria às nove e vi que Frears tinha recobrado a consciência. Acabei de chegar ao meu
quarto agora. — Houve uma pausa. — Será que está aí, sozinha como eu, que só tenho como companhia
uma jarra de ponche e o telefone? Deve estar vestindo uma camisola transparente de náilon e. . .
— Como sabe? Isto é, onde você dorme?
— No andar acima do seu. Por quê? Ouer vir me visitar? Tenho dois copos.
— Não! Claro que não!
— Não? Que pena! Bem, eu liguei para lhe dizer que não quero que vá á enfermaria amanhã. A
enfermeira Hart não deveria ter pedido que ajudasse.
— Não me importei — Cora disse depressa. — Quando devo começar a trabalhar, doutor?
— Na manhã de quinta-feira. A enfermaria está com pouca gente, mas amanhã você
pode ficar de folga. Eu a procuro. Boa noite.
Ele desligou, e ela já estava se aproximando da cama, quando o aparelho tocou novamente.
Praguejando baixinho. Cora voltou, ajoelhou-se no tapete e atendeu.
— Alô, aqui é a enfermeira Summers.
— Quando eu disse que dormia no andar acima do seu, não quis dizer que dormia no chão.
Tenho uma cama muito boa, até.
Ela riu e, como parecesse esperar uma resposta disse:
— Sim, senhor.
— Entendeu? Bem, boa noite, enfermeira.
Esperou que ele desligasse, ajoelhada no tapete; depois, colocou o aparelho na mesinha e se
preparou para ouvi-lo tocar novamente.
Ele não a tinha esquecido! Era bom saber disso. Imaginou que depois de um dia de trabalho
duro, talvez o ponche lhe tivesse subido à cabeça um pouquinho. Com certeza, se não tivesse bebido,
nunca telefonaria, e, muito menos, ia sugerir que subisse para vê-lo! Mesmo assim. . .
Corou violentamente. Ele podia ser detestável e arrogante, mas havia momentos em que era
muito agradável e insinuante.
Acabou desistindo de esperar que o telefone tocasse de novo e foi dormir.

CAPÍTULO III

— Eu sei que não estou de serviço hoje, mas gostaria de ir até a enfermaria visitar o sr. Frears.
Isso é permitido, não?
Patty e Cora estavam sentadas na cozinha, comendo torradas com mel e tomando café. Patty
tinha ficado de plantão e acordara Cora às nove, assim que chegara.
— Visitar? Sim, claro, nós sempre vamos visitar os pacientes. Como é ele? Bonito?
— Bem, foi atacado por um tubarão e está quase todo enfaixado. Mas parece muito simpático, e
eu odiaria que pensasse que não me importo com seu estado. Portanto, vou até lá perguntar se
quer alguma coisa. Depois gostaria de ir até Barbella. Pego um ônibus ou dá para ir a pé?
— Não dá para ir a pé. O ônibus passa de uma em uma hora e é bem velho. E se você vai à
cidade, precisa conhecer o porto. Está sempre cheio de iates lindíssimos e turistas. Os pescadores
trazem os peixes e também vendem esponja. Cora, gosta de lagostas? Se gosta, pode comprar uma
para nós, e verduras para a salada. A gente prepara à noite antes do meu plantão.
— Vai ser ótimo. Mas, por que não comemos na cantina?
Patty sacudiu a cabeça.
— Não, só quando estamos de uniforme e trabalhando. É por isso que temos cozinha: para fazer
nossas próprias refeições, quando estamos de folga. E é ótimo, assim não precisamos ir até o hospital.
Significa também que podemos receber amigos nos apartamentos. Você sabe cozinhar?
— Para dizer a verdade, sou uma ótima cozinheira. Sem muita experiência, mas boa. Se você
vai ter plantão hoje à noite, pode comer
na cantina, não?
— Posso. Mas, depois que você conhecer a comida de lá, vai entender por que é bom ter uma
amiga que sabe cozinhar. — Patty riu da expressão de Cora. Não fique tão horrorizada: é como qualquer
outra cantina, eu acho.
— É por isso mesmo que estou horrorizada — Cora respondeu. Depois, levantou-se e olhou o
vestido rosa de verão que tinha escolhido. — Será que posso entrar na enfermaria vestida assim?
— Acho que pode. Quer caprichar, hein? Desconfio que este tal de Frears é bem bonito.
Imagine só... todo enfaixado!
— É que não quero ter problemas outra vez com o dr. Kenning.
Ele é horrível, não?
— Quem? O lindo Philip? Ele é o ideal de todas as enfermeiras. — Patty riu e também se
levantou, tirando a touca e soltando os cabelos, — Por que você disse "'outra vez"? Será que já conseguiu
aborrecê-lo?
— Ele me passou um sermão porque eu não tinha relógio e, depois, porque escorreguei na
enfermaria. Eu o acho arrogante e desagradável.
— Certo. Ele pode ter um temperamento terrível, mas deve ter
seus motivos.
Enquanto conversavam, as duas tinham arrumado a cozinha e colocado a louça na pia. Agora,
com as mãos na água quente. Cora começava a lavar tudo.
— Pode ir, Patty. Eu termino.
— Não. Eu só vou deitar daqui a pouco. Pegou um pano e começou a enxugar os
pratos com mais rapidez do que cuidado.
— Vamos, pergunte sobre a vida amorosa do dr. Kenning. Estou louca para contar.
— Considere-se perguntada.
— Bem, ele já foi casado há muitos anos. Deve ter uns trinta e quatro anos e é muito cínico para
as mulheres.
— Odeia as mulheres, é isso?
— Não. Ele só acha que somos todas frívolas e superficiais. É por isso que grita com as
enfermeiras e faz comentários terríveis. — Patty enxugou a última xícara, pendurou o pano no gancho e
caminhou para o seu quarto.
Cora foi para a enfermaria, direto ao leito de Dan Frears.
— Bom dia, Dan. Você está muito melhor! Estou indo à cidade e pensei em perguntar se
gostaria que eu lhe trouxesse alguma coisa.
O tubo de transfusão já havia sido retirado, ainda estava pálido e fraco. Sorriu, e o sorriso
pareceu iluminar seus olhos cinzentos.
— Cora! Que gentileza a sua em vir me visitar! E que vestido bonito. Vai a um encontro?
Ela puxou uma cadeira para perto da cama, sentou-se e sorriu para ele.
— Acho que sim. Vou ver um homem que vai me vender uma lagosta.
— Não brinque! Aonde você vai?
— Já disse: vou ver um homem que vende lagostas. Minha companheira de quarto me pediu
para comprar uma em Barbella para o jantar de hoje.
— Então, é o Paulo, no porto. Ele tem as melhores lagostas da ilha. É baixinho, de cabelo
branco e pele bem escura. Diga que Dan mandou você; é meu amigo e lhe dará o melhor peixe.
— Peixe?
Dan deu de ombros e fez uma careta.
— Como dói! Você descobriu que o pessoal da ilha chama de peixe quase tudo que sai do mar?
Cora percebeu que a conversa estava deixando Dan cansado e levantou-se para sair, mas ele
estendeu a mão e pediu que ela ficasse mais um pouco.
— Você vem me ver na volta? Não está de serviço hoje. está? Eu me sinto muito melhor quando
vejo você por perto.
— Vou trabalhar o dia inteiro aqui, amanhã. Agora, é melhor eu ir andando. Tem certeza de que
não quer nada da cidade?
Ele ia responder, quando uma voz interrompeu.
— Bom dia, enfermeira Summers. Bom dia, Frears. Se isso é só uma visitinha, está na hora de
acabar. Não quero que meu pacienie fique cansado. — O dr. Kenning pegou a ficha e a examinou, sem
olhar para Cora, que enrubescia violentamente. — Vejo que está bem melhor esta manhã. Dan!
A moça afastou-se rapidamente, ouvindo o barulho dos sapatos de sola de borracha do dr.
Kenning que a seguia. Ele logo a segurou pelo braço.
— Vai à cidade, enfermeira? Será que pode esperar por mim? Vou terminar a ronda e a
encontro dentro de alguns minutos perto da piscina. — Voltou para perto da cama de Dan Frears. sem
esperar resposta.
Vinte minutos depois, sentada perto da piscina numa espreguiçadeira, Cora dizia a si mesma que
era uma idiota. Devia ter dito não a ele, pensou, zangada. Estava desperdiçando sua primeira manhã de
folga. Podia já estar no ônibus ou até na cidade, andando pelo porto no mercado. Podia já ter ido para a
praia. . . podia ter feito milhares de coisas.
Mas vinte minutos tinham se passado, ela então se levantou resolvida a ir embora, antes que a
manhã ficasse completamente arruinada. Se saísse agora, ainda poderia pegar o próximo ônibus! Chegou
até a beira da estrada, transpirando muito, quando ouviu passos na areia logo atrás de si.
— Enfermeira! Aonde vai?
Ela parou, afastando os cabelos loiros do rosto suado.
— Já disse: para Barbella. Um ônibus vai passar aqui, dentro de cinco minutos e .. .
Ele já esrava a seu lado, segurando-lhe o braço.
— Não, enfermeira, nada de ônibus. Está um dia muito quente e acho que o mínimo que posso
fazer, depois de deixá-la me esperando tanto tempo, é cuidar para que chegue na cidade sem derreter.
Vamos, meu carro está estacionado logo ali.
Ela tentou se liberlar, mas Philip Kenning praticamente a arrastou até um carro esporte
conversível. A zanga de Cora desapareceu como por encanto.
— Que carro lindo! Bem que eu queria ter um assim. O que aconteceu com o seu Jaguar?
— Vendi. E o que aconteceu com o seu carro?
— Também vendi. Acho que posso comprar outro aqui, se a minha licença para dirigir for
válida. Ou será que terei que fazer outro exame?
— Pode dirigir com a sua licença inglesa. — Philip Kenning abriu a porta para ela e
ajudou-a a entrar. Ligou o motor, sorriu como um menino que mostra seu brinquedo favorito. — Adoro
este carro. Você precisa ver as marchas suaves que tem!
— Imagino!
Ficaram em silêncio, aproveitando a paisagem e o vento, até a estrada de Barbella.
— Enfermeira, posso chamá-la de Cora, fora do hospital? É um nome diferente. — Ela não
respondeu, pois não sabia o que dizer. Ele virou-se c a olhou nos olhos, — Tem alguma objeção?
— Não, claro que não, dr. Kenning. Sabia que devia chamá-lo de Philip, mas não se atreveria.
— Deve me chamar de Philip.
Aquilo era uma ordem, e não uma sugestão. Ela murmurou algo, olhando para a frente,
esperando que ele considerasse a carona terminada, pois tinham chegado à cidade.
Mas com aquele ar de superioridade dominadora que sempre usava no hospital, Philip
estacionou, saltou, abriu a porta do lado dela dizendo:
— Agora, Cora, o que quer ver primeiro? Podemos dar uma volta no mercado, ir ao shopping
center almoçar no Lobster Pat e ir nadar. Conheço um lugar onde se pode nadar com toda segurança. Isto
é, se não estiver se sentindo amedrontada pelo que aconteceu com Dean Frears. É claro que ele estava
mergulhando fora da baía e não perto das praias. Houve um naufrágio por aqui, e Dan tem certeza de que
vai encontrar o tesouro. — Philip riu. — Todos esses jovens daqui pensam a mesma coisa! Depois, eu a
levo de volta ao St. Clare a tempo de você jantar e antes da minha ronda. O que acha?
— Não quero tomar o seu tempo... — Cora começou, mas foi interrompida.
— É para que me desculpe por ontem. Bem, se não quer fazer compras, o que acha de nadar?
Ou será que prefere ver o Petitfrère, ou ir pela estrada costeira . . .
— Não, não — Cora disse, depressa. — Não quero que pense que precisa fazer isso. Muitos
médicos já gritaram comigo antes!
Ele virou-se e sorriu. Seus dentes eram muito brancos, em contraste com a pele bronzeada,
— Não duvido disso, enfermeira. E aposto que mereceu. Agora, vamos ao mercado.
As horas seguintes foram maravilhosas. Passaram pelo mercado e Cora ficou espantada com a
quantidade de frutas, flores e peixes exóticos que havia lá. Comprou a lagosta, mas recusou a sugestão de
seu acompanhante, que lhe apontava para uma viva. Depois, escolheu as verduras e legumes para a
salada. Saíram do mercado e andaram pela área do porto. Cora visitou diversas lojinhas escuras e
comprou alguns enfeites para o novo quarto, presentes para as irmãs e um coador de chá com o cabo
trabalhado.
— Agora, vamos almoçar — Philip disse, com firmeza. — Venha, você está gastando muito
dinheiro em porcarias. É um absurdo comprar tantos presentes para a sua família. Acabou de chegar e vai
ficar aqui muitos meses, antes da primeira licença.
— Sim, mas minhas irmãs só têm a escola e a chuva de Birkenhead — Cora disse em tom de
remorsos, com os braços carregados de compras. — Posso mandar algumas destas coisas, ou guardar,
até que uma delas venha passar as férias aqui.
— Mandar para a Inglaterra um péssimo quadro a óleo de porto ou um pote de geléia? Você
deve estar maluca!
— Oh, não. Isso é para o meu quarto.
— Já estavam no restaurante. Cora sentou-se, e o garçom acomodou os pacotes em outra
cadeira. Ela pegou o cardápio e deu uma olhada. — Dr. Ke . . . isto é, Philip, espero que faça o pedido por
nós dois, porque não sei o que significam os nomes dos pratos.
O almoço estava delicioso: pedacinhos de carne de porco em molho agridoce, arroz, passas e
pimentões vermelhos. A salada era de abacate, aspargos, uvas douradas & alface.
Cora sempre comia apressada, mas aquela era uma refeição para ser saboreada. Comeu com
reverência e alegria, tomando o delicioso vinho branco. Quando terminou, disse, com sinceridade;
— Esta foi a melhor refeição que já provei. Muito obrigada. Espe-ro que não vá me impedir de
nadar!
Ele a estava observando quase com ternura.
— Por que não poderia nadar? Claro que terá de esperar um pouco. Mas não sou nenhum
monstro e não pretendo atrapalhar seu passeio. Café?
— Por favor.
— Com creme?
— Com creme. — O café foi servido e Cora apontou para um pratinho com biscoitos. — E um
daqueles também, por favor.
Voltaram para o carro e colocaram os pacotes no porta-malas. Por insistência de Philip saíram
andando a pé, durante algum tempo, antes de seguirem de carro, até uma praia.
Foi um passeio gostoso. Cora se sentia quase à vontade. Agora, iam nadar juntos e . ..
— Ah, meu Deus!
— O que foi?
Ela riu e disse, sem jeito.
— Vou fazer você ficar zangado novamente. Ele olhou, com ar irônico.
— Vai? E isso é difícil?
— Não para mim. Acontece que não trouxe maiô nem toalha. Sinio muito.
Ele continuou dirigindo, sorrindo.
— Não tem importância. Você pode se secar ao sol. Além disso, é bem isolada.
Enquanto falava estacionou debaixo de umas palmeiras. Cora viu a areia e o mar, as pedras
cinza-prateadas e o céu maravilhoso. Continuou olhando a paisagem, com medo de ter que encará-lo.
— Eu não posso, mesmo! De jeito nenhum! — Virou-se para ele, que já estava abrindo a porta
do seu lado, parecendo muito grande e forte. — Será que . . . você se importa de me levar de volta ao
hospital, por favor?
— Claro que me importo, viemos aqui para nadar. Você vai sair daí, ou tenho que carregá-
la e jogá-la na água?
Ele era bem capaz de cumprir a ameaça. Cora teve certeza disso, só de ver a expressão dele. Saiu
lentamente do carro.
— Então, só vou ficar olhando você — disse, hesitante.
— Vai? Será que não notou que eu também não trouxe calção? Ela ficou vermelha e virou o
rosto, mais furiosa do que embaraçada.
— Eu não ... eu . , . talvez seja diferente. . . você está acostumado a... a ...
Ele a segurou pelo queixo e levantou seu rosto. Estava sorrindo.
— Não quer nadar comigo?
— Não!
— Que pena. Porque lá na praia há dois vestiários, um para homens e outro para
mulheres, com toalhas e maiôs, e acho que você gostaria de nadar até os recifes de cora! e ver os peixes.
Mas se prefere não ir...
— Você estava me gozando! — Cora disse, num tom acusador, caminhando por entre as
palmeiras, em direção à praia. — Podia ter falado isso antes! Eu pensei. . .
— O quê?
Cora entrou no primeiro vestiário e, parando na porta, comentou:
— Sabe muito bem o que eu pensei! E agora vou pegar um maiô e uma toalha emprestados, se
tem certeza de que há isso aí dentro.
— Tenho certeza. — Ele lhe lançou um olhar muito malicioso, mas continuou sério. — Mas
ainda preferia que aceitasse a minha primeira sugestão!
Ela entrou no vestiário e escolheu um biquini estampado e uma toalha escura. Cinco minutos
depois, já tinha trocado de roupa e saía.
Philip saía do outro vestiário, usando calção preto e carregando uma toalha laranja e uma sacola
de algodão. Seus cabelos estavam despenteados, e o coração de Cora deu um pulo. Procurou se controlar.
Só porque ele era alto, bronzeado e musculoso, não significava que . . . Não, não podia ser...
— Ei! — Os olhos dele percorreram seu corpo com ar de aprovação. — Esse biquini ficou
ótimo! Vamos nadar, tomar banho de sol, e se der tempo podemos dar outro mergulho antes de voltar,
certo?
Ela fez que sim. Philip entrou na água, mergulhou e apareceu mais adiante.
— A água está uma delícia, venha! Cora mergulhou e foi até ele.
— Vamos ver quem ganha?
Nadaram até os recifes. Ele chegou, mas com pouca diferença. Lá era fundo, e Philip começou a
mostrar as várias espécies de peixes na água transparente. Cora nunca tinha visto nada mais bonito. Fica-
ram algum tempo no recife, até que ele a segurou pelo ombro e disse:
— Já tomou sol demais. Desculpe, mas eu esqueci. Você é muito clara, não pode abusar.
Voltaram para a praia. Depois de Cora se enxugar, ele tirou um vidro do fundo da sacola.
— Estenda a toalha e deite-se. Vou passar uma leve camada de loção nos lugares mais sensíveis.
Ela obedeceu e .ficou olhando para ele. Viu que seus olhos agora tinham um brilho divertido e
que gotinhas de água escorriam pelo rosto. Sentiu-se inquieta mas não podia fazer nada. . .
— Fique quieta e pare de me olhar desse jeito: não vou violentar você..— E com as pontas dos
dedos continuou a passar a loção em seus ombros, braços e pescoço. Tinha mãos suaves e agradáveis.
— Agora, vire.
Cora pensou que ia passar aquilo só em suas costas. De repente sentiu as mãos dele nas coxas.
Imediatamente, encolheu-se toda e se preparou para protestar. Mas era tarde: ele já estava espalhando
bronzeador em suas pernas. Depois, levantou-se e fechou o vidro.
— Pronto. Não doeu nada, não foi? — disse Philip e deitou-se, fechando os olhos.
Cora aproveitou para observá-lo: Não, não tinha sido violentada. Mas ele era bem apressadinho
para quem só queria passar um pouco de bronzeador!
Cochilou ao sol. Foi acordada por ele, sentindo a pele arder:
— Cinco minutos. Agora, vire e cozinhe do outro lado.
Ela obedeceu, e estava quase dormindo novamente, quando ouviu-o dizer:
— Está bem, já ficou dez minutos. Chega! Tinha ajoelhado ao lado dela, com a mão estendida,
para ajudá-la a levantar.
— Meu Deus, como a sua pele é branca!
Era um comentário comum, mas algo no tom de voz dele a fez arregalar os olhos. Philip
segurou-a pelos ombros, empurrando-a de volta para a toalha. Então, seus lábios se encontraram.
De repente, ele estava deitado sobre ela e lhe acariciava o pescoço e os ombros, seus dedos
seguiam a linha dos seios e puxavam o biquini para baixo.
— Pare com isso, dr. Kenning! Pare já com isso!
Ele ignorou-a, sua respiração se acelerou, e ela ficou com medo. Mas estava com as mãos livres
e, juntando todas as forças, deu-lhe um violento tapa no rosto.
Philip afastou-se. Seus olhos brilhavam, mas a expressão era de espanto.
— Desculpe. Não no primeiro encontro, não é? Deixe-me ajudá-la. Ela lutou com o biquini e ele
a ajudou a colocá-lo novamente no
lugar, sem sequer olhar para seus seios nus. Cora encarou-o com os olhos arregalados de
espanto.
— O que quer dizer com "não no primeiro encontro"? Não, nunca!
— Nunca! Então, prefere ficar intacta? Minha criança querida, com um corpo como
esse, seria um crime! — Estendeu a mão para ajudá-la, mas ela ignorou, levantando-se sozinha.
— Quer dizer que não pretende fazer amor, nunca? É uma coisa muito bonita e exci tante,
acredite.
Ela o encarou, perturbada e aborrecida.
— Claro que não pretendo ficar intacta. Mas quero guardar toda essa beleza e excitação
para o meu . . . bem, para o meu marido.
— Isso é muito bonito de dizer e um bocado difícil de fazer. Estamos no século vinte,
querida. As mulheres já podem fazer amor, sem ficarem grávidas, sabia?
Olhou-o séria.
— Eu sei. mas não mudo de opinião.
Philip então pegou a toalha, a sacola e caminhou para o vestiário.
— Bem, acho que eu tinha que encontrar uma garota fora de moda, qualquer dia
destes. Pena que tenha corpo tão bonito. Acho que terei de pensar em você como uma irmã.
— Ou só como uma enfermeira.
Viu por um momento que o rosto dele se abria numa risada, uma risada diferente que
poderia ser até um sinal de simpatia. Mas, então, ele se virou e foi para o vestiário; e ela seguiu
para o outro, imaginando se aquela seria sua vida dali em diante: passar o tempo todo dizendo
não a médicos atrevidos.

CAPÍTULO IV

Cora já estava em plena atividade e, numa manhã, ao aproximar-se da cama de Daniel


Frears, perguntou:
— Como está passando? Sabe que já pode levantar um pouco hoje? — Sorriu e
colocou a bandeja com o café na mesinha-de-cabeceira.
— Estou muito melhor, obrigado, Cora.
— Se não se importa, Dan, prefiro que me chame de enfermeira Summers e vou
chamá-lo de sr. Frears enquanto a enfermeira-chefe ou os médicos estiverem por perto. A
enfermeira-chefe ficou de cara feia comigo porque nos ouviu rindo quando troquei sua roupa
ontem, e o dr. Kenning é muito convencional.
— Eu não diria isso. Mas, se quer dizer que ele é um pouco ríspido com as
enfermeiras, isso é porque se tornou médico-chefe há pouco tempo.
Cora achou aquilo interessante.
— Ora, o que sabe sobre isso?
— Bem, o dr. Duval, cirurgião-chefe até pouco tempo, quando se aposentou, deixou o
dr. Kenning, que era seu assistente, assumir o lugar.
— Ah, sei. De qualquer modo, não se esqueça de me chamar de enfermeira Summers
quando alguém da equipe estiver por perto.
Dan se pôs a comer o mingau.
— Está bem, desde que ninguém a impeça de me trocar, só porque demos risadas! É
melhor do que chorar, não? Você é muito boazinha, Cora.
— Obrigada, senhor. — Cora fez uma mesura. — Volto logo para ajudar; depois, pode
ir até o banheiro para movimentar-se, mas aos poucos, o que as ataduras lhe permitirem.
Cora saiu da enfermaria e foi buscar mais bandejas com café da manhã, pensando que
desde o primeiro dia tinha gostado muito de Dan. A princípio, o rapaz esteve mal e, depois, o
pior ferimento de sua perna tinha infeccionado. Ficou com diversas sondas e a perna em tração.
Várias vezes, quando ardia de febre, ela segurou-lhe a mão e, com voz bem baixa, o fez sair de
algum pesadelo.
Agora arrumava a bandeja do café ao lado do sr. Selwyn e lembrou que a doença de
Dan tinha ajudado a acalmar a tensão que existia entre ela e o dr. Kenning. Pois não tinha sido
fácil agir naturalmente, depois de ter lhe dado aquele tapa no rosto, na praia. Tinham voltado em
silêncio para o hospital. Ele a ajudou a levar as compras para cima e, agradecendo friamente a
companhia, subiu para seu quarto.
A primeira vez em que o encontrou na enfermaria, depois do incidente, Philip foi
ríspido, que até a enfermeira Hart pareceu um pouco surpresa.
A estudante de enfermagem, Dulce Peberton, ficou chocada, e quando ele saiu pôs-
se a imitá-lo:
— Faça isso, enfermeira, faça aquilo. Não, assim não; por que não ouve, enfermeira?
Fique aqui e não ali; não, aqui não. Quem
esse cretino pensa que é?
— O meu chefe, Dulce — Cora disse. — Desde o começo, parece que sempre levanto
com o pé esquerdo quando encontro o dr. Kenning.
Dulce a olhou, com ar preocupado.
— Mas foi culpa dele. Hart disse que ele até se desculpou da primeira vez que a
destratou e levou você à cidade. O que mais aconteceu? Você o aborreceu de novo?
— Só de me ver respirando ele já fica aborrecido — Cora respondeu, em tom
brincalhão. — Acho que, no fundo, ele sabe que sou esforçada.
Patty, a sua vizinha de quarto, foi mais categórica.
— Será que por acaso você não se atirou aos pés dele, quando foram à cidade? Esse
sujeito está muito mal acostumado: as enfermeiras são todas gamadas. Não deixe que ele a
atormente, Cora.
Mas, por fim, os dois tinham chegado ao que se podia chamar de um acordo amigável.
Em certa ocasião, quando Dan passou muito mal durante o dia, Philip voltou para ver o paciente
e lhe dar uma injeção de Cidamorfina, porque a dor não o deixava dormir, e encontrou Cora,
ainda de uniforme, sentada na beira da cama, segurando a mão do rapaz.
— Enfermeira, o que significa isso? Sentada ao lado de um paciente adormecido?
Devia estar...
— Estou de folga, doutor, e sr. Frears estava chamando por mim.
— Ah, ele estava? Não posso deixar que minhas enfermeiras passem suas horas
de folga atendendo um paciente, só porque ele é um mergulhador americano e bonito. Eu não. . .
— Meus horários livres são meus, doutor — Cora disse, com uma firmeza que estava
longe de sentir. — E já estou indo embora, porque o sr. Frears adormeceu.
Largou a mão de Dan e a colocou gentilmente debaixo das cobertas; depois saiu
lentamente da enfermaria. Para sua surpresa, Philip seguiu-a, com uma expressão difícil de
interpretar.
— Não tem obrigação, enfermeira, de estar nesta enfermaria a esta hora da noite, a
não ser que esteja de plantão! Como eu disse . . .
— Dr. Kenning, se não está contente com o meu trabalho, avise à enfermeira-chefe e
ela pode me transferir — falou sem pensar, e imediatamente se arrependeu. Não queria sair da
Enfermaria Edith. Gostava dos outros pacientes. Além de Dan, havia o velhinho Daddy Horga,
que tinha vindo para fazer uma operação de hérnia e se recuperava lentamente; o jovem Sandy
Wright, que só não estava na enfermaria infantil porque havia leito vago, e .. .
— Acho esta atitude muito radical, enfermeira. Se puder agir de outro jeito...
Cora estava muito cansada e farta daquela perseguição; mais uma vez, respondeu sem pensar:
— Agir de outro jeito significa que devo dormir com o senhor? Ele a olhou com ar sério durante
um momento.
— Enfermeira Summers, amanhã vai se arrepender desse comentário; portanto, vou fingir que
não ouvi nada. — De repente, sorriu, e não era mais o médico, e sim, o homem. — Cora, não podemos
fazer uma trégua?
— Não estou numa guerra com você. E é sempre você que acha tudo errado.
— É verdade, desculpe. Confesso que senti. . . bem, acho que estava sendo um bobo. —
Estendeu a mão. — Podemos. . . fazer as pazes?
— Está bem.
Apertaram as mãos e ele voltou para a enfermaria.
Cora foi para o seu apartamento, com o coração leve, apesar do cansaço. A vida seria muito mais
agradável se o dr. Kenning cumprisse a sua promessa e não ficasse constantemente procurando erros no
que ela fazia.
Ele manteve. Agora, distribuindo as bandejas de café, Cora tinha certeza de que adorava aquele
lugar, que fazia bem o seu trabalho, e que era muito querida pela equipe e pelos pacientes. Além disso,
estava começando a ter vida social muito animada. Sempre havia alguém dando uma festa e que
convidava as enfermeiras. Havia churrascos na praia, festas à beira de piscina, bailes à fantasia,
excursões.
Depois de ver que todos os pacientes já tinham recebido café, Cora foi até o escritório da
enfermeira-chefe para ver a lista das operações daquele dia.
— O sr. Perkins vai ser operado hoje, enfermeira Hart? Nesse horário? Será horrível se ele for
preparado já, vai ter de ficar horas sonolento e apreensivo.
A enfemeira Hart olhou a lista.
— Sim, Perkins deve ser operado hoje, por volta de meio-dia. A estagiária Pemberton já
chegou?
— Ainda não, mas tenho certeza que não vai demorar.
A enfermeira Hart sorriu, com ar lânguido; ela sabia que a estagiária tinha saído para buscar um
chá para ela.
— Fico contente em saber, porque estarei muito ocupada esta manhã. Tenho certeza de que
Pemberton vai conseguir preparar o sr. Perkins junto com você. Ele é o único que será operado hoje.
Cora controlou a vontade de dizer: e o resto dos pacientes? No entanto, sabia muito bem que a
outra não precisava se preocupar, o dr. Kenning parecia aceitar perfeitamente as artimanhas da enfer-
meira-chefe; parecia acreditar que a falta de pessoal e as enfermeiras doentes eram a causa dos problemas
dali. Até mesmo o dr. Dick Cosgrove, o assistente do dr. Kenning, parecia pouco à vontade quando o
assunto era mencionado, e o dr. Sammy Webster, o outro médico da enfermaria, sabia que não era bom
reclamar da enfermeira-chefe. Entretanto, certa vez, o dr. Sammy tinha insinuado, com malícia, se
ninguém a convenceria a trabalhar um pouco, só para variar. A enfermeira-chefe interrompeu os
pensamentos de Cora:
— Vou com você para a enfermaria agora dar uma olhada nos pacientes.
Foram juntas, mas foi Cora quem tirou as temperaturas, o pulso, e preencheu as fichas; a
enfermeira-chefe Hart, enquanto isso, sentava-se ao lado das camas e começava a ler uma revista em
quadrinhos.
— Os médicos estão chegando, enfermeira Hart! Cora avisou, baixinho, e imediatamente a outra
começou a agir, como se estivesse muito ocupada. Pegou a ficha da cama do paciente e fingiu que pre -
enchia os espaços. Depois, virou-se, fazendo de conta que só então notava a chegada dos médicos.
— Dr. Kenning, veio ver o sr. Perkins? O anestesista já o examinou ontem à noite. O dr.
Frears está tentando seus primeiros passos . . .
Ela caminhou entre as camas e parou, confiante, diante do dr. Kenning. Cora afastou-se,
recolhendo as bandejas do café e empilhando-as no carrinho para que o pessoal da copa viesse buscar.
A equipe médica saiu, mas o dr. Kenning ficou conversando com a Hart. Agora sim ela ia
esquecer da vida e dos pacientes. Cora pensou. Cora se pôs a ajudar a outra enfermeira na higiene dos
doentes.
— Está pronto, sr. Frears? Sente-se de lado e coloque as pernas para fora da cama. Já fez isso
outras vezes.
Com os olhos brilhando de alegria, Dan obedeceu a calçou os chinelos.
— Já saí da cama e fui até o corredor — ele disse. — Mas essa vai ser a primeira vez que ando
sem as muletas, desde que cheguei aqui. Me ajude, queridinha.
— Não sou queridinha, e o dr. Kenning está aí ao lado com a enfermeira-chefe. Portanto, não
me chame assim — Cora murmurou, ajudando Dan a vestir o roupão. — Acho que terá que ficar de pé
para se vestir direito.
— Ótimo. Ei, não vou dar um longo passeio esta manhã?
Com o roupão amarrado e insistindo em enfiar o chinelo no pé enfaixado, Dan anunciou que
estava pronto para sua primeira longa caminhada.
— Acho que os outros vão ficar com inveja de mim, pois vou andar abraçado com vocês, lindas
garotas — disse, apoiando-se no ombro de Dulce, que acabara de chegar para ajudar. — Mas não vou
conseguir nada. Não com vocês duas e eu todo machucado!
— Não coloque muito peso sob a perna doente — Cora avisou. — A enfermeira-chefe devia
estar comigo para ajudá-lo nesta primeira vez, porque ela é mais alta . . . Dulce é baixinha. Mas vamos
fazer o melhor que pudermos, não é, enfermeira?
Estavam quase chegando na porta do banheiro, quando um chamado desesperado vindo da
enfermaria fez com que parassem um momento e encostassem Dan na parede.
— É melhor você voltar a ver se tudo está bem, Dulce — Cora disse, resignada. — Acho que
a Hart não vai atender ninguém correndo, a não ser que ouvisse uma sirene de ambulância.
Dulce, correndo, entrou na enfermaria e depois reapareceu.
— Daddy Hogan quer uma comadre. Acho que posso resolver o problema dele. Cora riu,
— Acho que você deve. Olhe, o sr. Frears pode se apoiar com uma das mãos na parede e a outra
em mim; não se preocupe conosco. — Virou-se para Dan, enquanto a moça desaparecia novamente.
— Está certo assim? Acha que vai conseguir?
— Se tudo fosse assim tão fácil — Dan disse, quase sem fôlego, e os dois caminharam
lentamente para o banheiro. — Vou adorar uma banheira de verdade!
— De jeito nenhum. Não com essas ataduras todas. Mas, pelo menos, pode se lavar e escovar
bem os dentes. Até fazer a barba, se quiser.
Cora acomodou o paciente diante do espelho e lhe ofereceu um aparelho de barbear; abriu as
torneiras e colocou toalhas ao alcance dele.
— Pode ficar sozinho alguns momentos? Só vou ver como Dulce está se arranjando.
Ele sorriu e depois fingiu-se ofendido,
— Não sou nenhum bebê, enfermeira. Corra e se divirta. Vou tentar me barbear sem cortar o
pescoço.
Cora voltou à enfermaria, e encontrou Dulce atarefada. Havia pacientes para tirar da
cama, fichas para preencher, uma porção de coisas. Cora ficou preocupada. Pelo menos uma vez, a
enfermeira Hart poderia ajudar. Onde estaria agora? Ela e o dr. Kenning tinham ido à copa, mas
certamente não estavam mais lá,
Saiu da enfermaria e deu uma olhada na copa. Ninguém. Bateu na porta do escritório, mas
também estava vazio. Ia voltar para a enfermaria, quando uma intuição a fez enfiar a cabeça no armário
dos lençóis. E lá estava a enfermeira Hart nos braços do dr, Kenning, com a cabeça contra o peito dele.
Durante um momento de surpresa, Cora ficou parada; depois, retirou-se cautelosamente na ponta
dos pés. Nem a enfermeira, nem o médico notaram sua presença. Então, aquela era a razão pela qual o dr.
Kenning não censurava a preguiça da outra? Porque eram amantes. Aquilo foi uma surpresa
dolorosa; entretanto, não tinha tempo para pensar muito no assunto. O mais importante, no
momento, era tirar a enfermeira de lá. sem precisar admitir que os tinha visto juntos.
Quando já estava a uma boa distância do armário, ela pigarreou e chamou:
— Enfermeira Hart! Será que pode vir até a enfermaria, por favor?
— Depois, virou-se para o banheiro, demorando o tempo necessário para que
pensassem que Cora estava indo para lá, permitindo que a outra saísse de seu ninho de amor!
— Enfermeira Summers, estava me chamando?
Cora engoliu a resposta que gostaria de dar. Apenas virou-se, e deu com a enfermeira-
chefe, corada, os olhos arregalados, os cabelos negros despenteados e sem o costumeiro ar
ausente.
— Sim, estava. Pode dar uma mãozinha à Pemberton? Deixei o sr. Frears se lavando e
preciso voltar para lá, senão eu mesma teria ajudado. Mas, se preferir, pode cuidar do sr. Fears.
— Não, pode deixar, eu vou ajudar a enfermaria.
Dan já tinha terminado de se barbear e estava passando a toalha no pescoço. Olhou para
Cora, pelo espelho, quando ela falou:
— Ela não se importa com o trabalho, mas notei que estava num estado lamentável.
Será que esteve chorando? E me admiro de que lenha concordado em ajudar Dulce. Pensei que
ela fosse empurrar para outra o serviço.
Cora apanhou a toalha das mãos do convalescente e pôs-se a ajudá-lo.
— A Hart chorando? Acho que não. — E Dan mudou de assunto:
— isso é o que chamo de limpeza, e não aquele banho de gato que vocês, do hospital,
parecem achar suficiente!
— Agora, se estiver pronto, Dan ... — Estendeu as mãos e ele as segurou.
Dan ergueu-se, colocou o braço nos ombros de Cora e comentou:
— Pensando bem, quando uma moça fica meio descontrolada, das duas uma: ou
estava chorando ou sendo beijada. Se você diz que ela não estava chorando, então . . .
E antes que Cora pudesse responder, ele já a estava beijando. Não de modo rude, nem
com ardor, mas quase fraternalmente.
Espantada. Cora deu um passo para trás, afastando-o. Rindo, Dan inclinou-se para a
frente, tropeçou e foi de encontro à beira da banheira. Deu um grito de dor e ela tentou ampará-
lo, mas Dan acabou caindo pesadamente em cima dela, derrubando-a.
Durante um momento, ficaram no chão, rindo. Cora começou a se desvencilhar dele,
sem forças, e foi então que a porta se abriu.
Tem que ser o dr, Kenning, claro, ela pensou, desesperada, procurando se levantar e
olhando, com ar de culpa para o banheiro todo desarrumado. Na queda Dan tinha derrubado a
toalha e o barbeador. O tapete tinha ido parar longe, uma lata de talco virara em cima dele e seu
roupão estava enroscado no chinelo. Cora parecia a imagem do desespero.
— Desculpe, doutor, o sr. Frears escorregou . . .
Sua explicação foi interrompida por Dan, que começou a se apoiar nos ombros de Cora
para se levantar.
— Está tudo bem, dr. Kenning, a coisa não é tão depravada como parece! Eu
escorreguei e derrubei a enfermeira Summers. Foi sorte não ter caído em cheio em cima dela,
pois não sou nada leve.
A expressão grave do médico suavizou-se um pouco.
— Compreendo. Vejo que o sr. Frears é mesmo muito pesado para você, enfermeira.
— Mas eu não preciso de ajuda. — Ela defendeu-se, em tom de desafio. — A
Pemberton pode continuar na enfermaria. Aliás, a enfermeira Hart também deveria estar lá.
Viu que o olhar dele ficava mais duro, mas continuou a encará-lo, tentando controlar-se.
Dessa vez. Cora ia ter coragem, pois sabia que estava com a razão.
— A enfermeira-chefe, minha cara, tem responsabilidades e chamados o tempo todo,
coisas que você nem imagina. Acredito que agora ela já esteja na enfermaria. — Ele virou-se
para Dan, que olhava de um para o outro. Sr. Frears, vou ajudá-lo a voltar para a enfermaria,
enquanto a enfermeira limpa esta confusão toda.
— Obrigado, doutor. — Dan apoiou-se no ombro do médico. — Mas é claro que prefiro ir
abraçado com uma garota bonita.
— Não se preocupe, sr. Frears. A enfermeira Summers voltará assim que terminar o trabalho
aqui. Dan deu de ombros, vencido.
— Gostaria de ajudá-la, querida, mas acho que eu seria mais um transtorno.
Saiu mancando, com o dr. Kenning; e Cora, de joelhos, começou a arrumar e a limpar tudo,
deixando o banheiro pronto para o próximo paciente.
Ficou pouco tempo sozinha, pois logo ouviu o trinco da porta estalando. Virou-se e deu com o
dr. Kenning.
— Bem, finalmente à sós. Estive pensando em convidá-la para sair na nossa próxima folga.
Acho que é amanhã. Que tal visitarmos o Petitfrère? — Aproximou-se mais. — Não vou sugerir outro
banho de mar. De modo que não precisa sentir a sua virtude ameaçada.
Cora afastou-se, até encostar nas prateleiras. Ali, naquele mesmo lugar, era bem capaz de ele já
.ter feito amor com a enfermeira Hart! Claro, claro que ele não se atreveria . . .
Agora, Philip estava mais perto e, como ela não respondesse, levantou a mão e acariciou-lhe o
rosto. Cora jogou a cabeça para trás e ele riu, segurando-lhe os pulsos com força.
— Bem, estou tentando transformar a nossa convivência num relacionamento agradável;
portanto não tenho medo, não vou passar dos limites. Vai sair comigo?
Por algum motivo, ela estava com medo de encará-lo. Será que ele sabia que Cora o tinha visto
com a enfermeira Hart? Como ela continuasse em siiêncio, a expressão dele endureceu.
— Cora! É isso que você quer? — Tomou-a rudemente nos braços e a beijou com tanta força,
que ela bateu a cabeça nas prateleiras e gemeu. A dor foi a sua sorte, porque ela teve um bom pretexto
para empurrá-lo.
— Pelo amor de Deus, dr. Kenning! Imagine se alguém entrar aqui? O que iriam pensar?
Ele ainda a segurava com força contra o corpo, mas foi em tom de brincadeira que respondeu:
— Então, me dê uma resposta. Não se finja de difícil! Vai comigo ao Petitfrère. ou já tem algum
compromisso?
— Eu... não sei o que dizer! Não sei por que quer me levar, sabendo que eu não .. .
Ele se afastou um pouco e, soltando seus ombros, segurou seu queixo, forçando-a a encará-lo.
— Minha querida criança, será que não deixei as coisas bem claras? O corpo é sua
propriedade, para entregar a quem quiser, assim como o prazer da sua companhia. E como parece
resolvida a guardar seu corpo para o futuro marido, então tenho que me contentar com a sua companhia.
Entendeu melhor agora?
Contra a vontade, ela sorriu.
— Ainda não, mas vou ser honesta também. Adorarei ir ao Petitfrère com você, nestas
condições.
Ele começou a aproximar-se e ela percebeu que seria beijada novamente. Começou a tremer,
mas, quando ele se inclinou quase tocando seus lábios, ouviram passos no corredor.
O dr. Kenning afastou-se calmamente, dizendo;
— Muito bem, enfermeira, vamos depressa com isso. Já pegou todas as toalhas de que
precisa?
Ela se pôs a obedecê-lo maquinalmente. Estava claro que ele percebera o medo de Cora de que
alguém entrasse, pois Philip falava como que para ser ouvido!
— Enquanto pega as toalhas, vou voltar para a enfermaria. Cora pegou as toalhas apressada,
ajeitou-as nas prateleiras. Tinha
quase certeza de que a enfermeira-chefe é quem tinha estado no corredor e ela se recriminava
agora porque tinha deixado que ele se comportasse daquele jeito, depois de tê-lo visto poucos minutos
atrás beijando Hart. Isso para não mencionar que concordara em sair com ele no dia seguinte.
Philip tinha feito certas promessas, naturalmente. Mas promessas de homem são como massa de
torta, fáceis de quebrar. As carícias dele eram as de quem tem muita prática. Talvez tentasse fazê-la
mudar de idéia. Devia achar que era seu dever de macho pelo menos tentar. Lembrou de Peter e
levantou o queixo. Ia aproveitar o passeio; dessa vez, não queria problemas, pois Philip Kenning já devia
ter entendido o que ela pensava de garotas que dormem com todo mundo. A desculpa de Peter fora de que
ele pensava que Cora era desse tipo. Cora voltou para a enfermaria e começou a trabalhar como um
autômato, esperando que ele aparecesse a qualquer momento para lhe segredar o dia do encontro. Que
sórdido ter que se esconder porque estava tendo um caso com a enfermeira Hart! Disse a si mesma que ia
ficar fria e indiferente, e que só o estava usando como um acompanhante simpático.
Enquanto preparava o sr. Perkins para a operação, foi mais fácil se convencer de que estava feliz;
afinal, Dan Frears estava se recuperando, a manhã estava linda e porque o dia seguinte seria sua folga. Era
muito mais fácil aceitar isso que admitir que fervia de excitação só de pensar que passaria um dia inteiro
na companhia do detestável dr. Philip Kenning!
CAPÍTULO V

— Onde vai, enfermeira? Está muito bonita! — ERA a voz da enfermeira-chefe Hart, que
espionava Cora da porta do seu apartamento.
— É meu dia de folga. Vou dar um passeio. Acho que, se tiver
sorte, chegarei até o Petitfrère.
Os olhos escuros da outra estavam curiosos. Observou demoradamente a blusa de seda amarrada
soh o busto, a pele nua do estômago e o lindo short azul.
— Vai é? Sozinha?
— Nao, com um amigo. Agora preciso correr: senão, vou chegar
atrasada.
Cora virou-se para sair, mas a enfermeira-chefe ficou no caminho.
— Um homem?
Antes que Cora pudesse responder, ouviram outra voz.
— Isso mesmo, Lorna: um homem. Ou acha que uma linda moça como a enfermeira Summers
não tem acompanhantes? — O dr. Kenning ficou do lado de Cora e a segurou pelo braço. — Não deve
deixá-lo esperando, enfermeira. Eu lhe dou uma carona até Barbella. Acho
que isso vai diminuir o atraso.
Cora murmurou qualquer coisa confusa, mas já a caminho libertou o braço e virou-se para ele:
— Por que fingiu que está só me dando uma carona? Será que mudou de idéia? Não pretende
mais me levar para passear? Porque eu acho que deve . ..
Ele olhou de um jeito que a fez calar.
— Vou responder suas perguntas pela ordem. Fingi que só ia lhe dar uma carona porque a
etifermeira-chefe pode não gostar que as subalternas saiam com o pessoal da equipe medica. E não mudei
de idéia, pretendo levá-la para passear. Mas se quiser que a enfermeira Hart saiba a verdade, é muito
simples: posso voltar agora mesmo e contar.
Fez menção de voltar e Cora o segurou pelo braço.
— Não. Acho que assim é melhor . . . Isto é, não quero aborrecer
a enfermeira Hart e .. .
— Largue-me, enfermeira — Philip disse, mas seu sorriso era brincalhão. — Estou falando
sério, Cora: não disse a verdade para evitar possíveis problemas para você. — Chegaram ao carro e ele
abriu a porta para ela.
Cora entrou. Quando ele sentou ao seu lado, Cora não pôde deixar de perguntar:
— Por que a enfermeira-chefe ficaria aborrecida por você sair comigo? Ela é sua amiga?
Philip ligou o motor e por um momento não respondeu. Manobrou e pegou a estrada. Então,
relaxou e olhou-a:
— Uma amiga? Também, mas, na verdade, era minha cunhada. Eu a conheço e ao marido muito
bem.
— Eu não sabia que era casada!
Ele sorriu, sem olhá-la, e colocou a mão em seu joelho.
— Acho que também não sabe que eu era casado! Que está acontecendo com as fofoqueiras do
hospital? Não contaram a você ainda?
— Eu sabia! Eu sabia que tinha sido casado há muito tempo, mas nunca me ocorreu que tinha
sido aqui, na ilha. Nem que a enfermeira Hart fosse . . . Bem, eu pensei...
Ele apertou mais o joelho dela; depois colocou a mão novamente na direçào e a olhou, com ar
brincalhão.
— O nome de minha esposa era Lissa, Ela e Lorna se pareciam muito. É por isso que entendo
Lorna melhor do que a maioria das pessoas. É cinco anos mais nova do que Lissa, e fiz o melhor que pude
para ... evitar os mesmos problemas que Lissa teve. Mas parece que não fui muito bem-sucedido. Está
satisfeita? E, por favor, não vá repetir isso para todo o hospital, principalmente porque parece que a
equipe ainda ignora que há um relacionamento entre a enfermeira Hart e eu.
— Não vou falar nada. Mas não se importa que eu faça outra pergunta?
— Fique à vontade — ele disse, sem tirar os olhos da estrada.
— Você e sua esposa eram felizes?
— Não. Ela não tinha paciência para com o meu trabalho, e nem idéia dos problemas de um
cirurgião. Ao contrário de Lorna, nunca trabalhou em toda a sua vida. Era ... era uma mulher bonita, com
apenas um talento. — Olhou-a novamente, dessa vez com um ar distante e frio. — Ao contrário de você,
Lissa usava seu talento com metade da população de Cacanos ... a metade masculina. Isso me deu uma
idéia sobre sexo bem diferente da sua.
— Compreendo. Lamento ter feito a pergunta, pois acho que preferia não ter respondido. Eu não
tinha percebida . . .
Ele inclinou a cabeça.
— Nada disso. E agora vamos esquecer esse assunto. Se está com medo de que eu possa beijá-la
e pensar em Lissa, esqueça isso também. Quando minha esposa finalmente me deixou, só o que senti foi
alívio. Ela me ensinou uma lição dolorosa, mas está tudo acabado e agora estou aproveitando bem a vida.
E acho que você devia fazer isso também! Quer saber o que planejei para hoje?
— Vou tentar adivinhar .. . Vamos ao vulcão?
— Só se quiser mesmo ir. A verdade é que meu amigo Robin Delaney me ofereceu seu barco
emprestado. Encomendei duas cestas de piquenique e acho que podíamos aproveitar para passear pela
costa. Há grutas lindas, se é que você se interessa por este tipo de coisa. E só se pode chegar até elas de
barco.
— Grutas? Eu não sabia.
— Não? Há quanto tempo está aqui? Três semanas? — Mais ou menos.
— Então, ainda não teve tempo de saber muita coisa sobre a ilha!
Olhou-o, com ar de suspeita, mas ele estava prestando atenção na estrada, numa atitude tranquila
e divertida. Tinha se recostado no assento, as mãos bronzeadas pousadas na direção, e o vento lhe
desmanchava os cabelos. Usava óculos escuros e uma camisa azul-clara combinando com as calças
brancas. Parecia um artista de cinema, um milionário . . .
— Chegamos à casa de campo de Robin.
Pegaram uma estrada lateral, de onde já se via uma casa de madeira baixa, rodeada de árvores,
com uma linda varanda. Um homem eslava deitado numa espreguiçadeira, com o jornal sobre o rosto. Ele
não se moveu, até ouvir os gritos de Philip; só então, jogou o jornal para o lado, revelando a cabeça
completamente careca e dois lindos olhos azuis. Sorriu e levantou-se. Era muito alto e forte.
— Phil, seu barulhento, eu sabia que só podia ser você, assustando um velho amigo! E quem é a
sua encantadora amiguinha?
Philip segurou Cora pelo braço e a levou para a varanda.
— Cora, este é Robin Delaney, o dono do barco, gerente de uma galeria de arte e, às vezes,
pintor. Rob, a enfermeira Summers; Cora, para os amigos.
Os dois apertaram as mãos, e ela disse timiciameme:
— Você é Rob Delaney? O dos quadros . . .
— O próprio.
— Não deixe o pobre homem sem graça, Cora. Ele está sempre fingindo que é só um
principiante.
— Adoro o seu trabalho — confessou, com sinceridade. — Já gostava antes de conhecer o
Caribe, mas agora o entendo muito melhor.
— Obrigado, minha querida. — Rob curvou-se para ela e depois virou-se para Philip. — Tenho
minhas fãs, viu só? Agora, acho que vão querer o barco. Como não sabia que ia trazer Cora, sugeri que
um dos meninos fosse junto para ajudar. Acha que ainda vai querer um deles?
— Rob e a esposa têm filhos — Philip disse, solenemente. — Não apenas um nem dois,
mas. . .
— Dez — disse uma voz, atrás deles. — Trouxe uma cerveja para você.
Uma nativa da ilha, muito gorda, tinha parado atrás deles com uma bandeja. Havia copos,
cerveja, um jarro de limonada e uma travessa cheia de bolinhos.
— Acho que Cora prefere limonada — Philip disse, pegando a bandeja e colocando-a sobre uma
mesa de bambu. — Toinette, minha querida, você é a melhor cozinheira de Cacanos. Esta é
Cora Summers, enfermeira lá do hospital; esta é Toinnette, a esposa de Robin, a razão de esse homem ser
feliz.
— Como vai, querida? — A nativa estava rindo do comentário de Philip. — Homem feliz,
mesmo. Sente-se, Cora, enquanto eles bebem. Pegue um desses bolinhos cor-de-rosa. São os melhores.
Cora esperou não estar demonstrando toda a surpresa que sentia, e Toinette se pôs a conversar
animadamente com ela. Mas, quando o filho mais velho apareceu, respondendo ao chamado do pai, ela
não conseguiu disfarçar seu espanto.
— Ele é um lindo rapaz, não, Cora? — falou a mãe toda orgulhosa, — Lembra um pouco Rob e
eu, mas Caspin parece mesmo é com Ornar Shariff.
O rapaz parecia acostumado com a corujice da mãe e sorriu ao entrar na varanda.
— Oi, Phil. Bom dia, senhorita .. .
— Ela é Cora Summers, a nova enfermeira de Phil. Não seja muito encantador para com ela,
Caspin; senão Phil não vai gostar.
— Oi, Cora. Soube que vão sair no Bambino.
A semelhança com Omar Shariff era inegável, mas o sotaque era britânico e tinha o modo teatral
de falar da mãe. Cora piscou, e disse:
— É, acho que vamos sair de barco, sim. Para ver umas grutas.
Philip interrompeu, pedindo a ela que bebesse logo o suco, pois pretendia sair antes que o dia
ficasse muito quente.
— Se me emprestar Caspin por dez minutos, Rob, ele pode me ajudar a colocar o barco na água
e dar a partida. Se for possível, quero ir direto para a costa, no Master, e isso significa que devemos sair
logo, para voltar antes do anoitecer.
— Vai ao Master? Então, precisam do equipamento de mergulho — Caspin comentou,
levantando-se. — Devo ir buscar, ou já está tudo a bordo do Bambino, papai?
— Acho que não vamos mergulhar — Pliilip disse, depressa. Cora nunca mergulhou antes.
Vamos apenas visitar o Master.
— Está tudo no barco — Rob garantiu. — Eu mesmo coloquei lá. E Cora precisa aprender a
mergulhar logo, a beleza da costa só pode ser vista debaixo da água.
— Eu a ensinarei a mergulhar — Caspin se ofereceu, com o rosto iluminado de
entusiasmo. — Sou muito bom nisso, e ainda vou passar alguns meses em Cacanos.
— Por que você não está na Inglaterra, Caspin? — Philip perguntou, fingindo zanga. — Não me
diga que foi mandado de volta.
— Phil, o meu Caspin é um bom menino, não faria nada que nos aborrecesse. — Toinette
acariciou o filho. — Não, ele ... como se diz, Rob?
— Ele tem um ano de licença para fazer a pesquisa de doutorado para a Fundação Noon. Está
estudando a insignificante bilharzia.
Tão bonito como inteligente e com seus vinte e três ou vinte e quatro anos, Cora pensou,
enquanto se levantava e agradecia a gentileza do casal.
— Um bolinho não é nada — Toinette disse, satisfeita. — Espere só até provar um jantar
preparado por mim. Que tal, Phil? Quando voltarem esta noite, vamos jantar. Um dia, Cora, você vai ser a
nossa convidada especial, quando dermos um grande jantar; então, verá o que é a verdadeira cozinha de
Cacanos.
Os comentários foram feitos num inglês tão perfeito como o de Caspin. Cora olhou rapidamente
para Philip e desviou os olhos depressa. Que família extraordinária!
Já na cabine do barco, entraram na baía e ela sentiu que precisava dizer o que sentia.
— Que família incrível! Dez filhos! E o mais velho ... ele é tão diferente!
— Tive a impressão de que achou todos estranhos. — Philip eslava no leme e virou-se para
olhá-la nos olhos. — Bem. .. Ficou espantada?
— Espantada? Não, claro que não. Mas, fiquei . .. bem confusa. — Deve ter ficado. Robin
agora é um homem muito rico e
famoso. Mas não era assim, quando veio para Cacanos, há alguns anos quando se apaixonou por
Toinette, que era uma nativa magri-nha, generosa e, imagine, uma beldade de tirar o fôlego. — Tirou a
mão do leme e pousou sobre a dela. — Ela está enorme agora mas ele não percebeu que perdeu um pouco
da beleza que possuía.
Era como se Cora estivesse vendo a imagem de Toinette: olhos imensos e escuros; lábios
graciosos, cabelos abundantes e ondulados. Sim, ela devia ter sido muito bonita e o filho mais velho
herdara seus traços.
— Por isso Caspin é tão bonito.
Philip concordou.
— Os outros meninos também. Todos são muito bonitos e por sorte herdaram a inteligência do
pai. Nem todos serão cientistas ou pesquisadores como Caspin e Thaddeus, mas vão se sair bem. Natu -
ralmente, não seria bom se nascessem com a cabeça de Toille e a aparência de Rob, que sempre foi
branquela e grandão, com cabelos cor de palha ... quando tinha cabelo. Mas, quem sabe? Toinette não
é nenhuma estúpida e talvez os garotos tenham herdado a inteligência dos dois. Se ela fosse burra, Rob
jamais teria casado com ela.
— Por quê? Eu não vejo . . .
Philip diminuiu a velocidade, sentou-se no banco de couro ao lado do leme e puxou-a para perto.
— Garotinha inocente! Toinette teve quatro filhos, antes que Rob resolvesse fazer dela uma
"senhora"! Mas ninguém pensava mal dela por causa disso. Se não passasse de um rosto bonito, meu
amigo não teria casado, porque já estava se tornando famoso e rico. Podia ter facilmente dado uma linda
casa para ela, uma empregada e uma pensão, e casar com uma européia, que enfeitaria seus jantares e suas
exposições e o ajudaria a subir socialmente. Mas, não. Em vez disso, ele se casou com Toinette.
— Talvez ele tivesse um problema de consciência — Cora respondeu friamente. — Talvez
achasse que era errado deixar de lado a mãe de seus filhos e ficar com outra.
— Nada disso! Não transforme uma história de amor num drama-lhão de piedade, por favor! Ele
não tinha nenhuma necessidade de casar com ela, e os dois sabiam disso.
Falou num tom tão rude que Cora ficou sentada, muito ereta, em silêncio, sem saber o que dizer.
Se ele achava que podia comandar seus pensamentos como se ela fosse uma criança boba . . .
— Não me olhe com essa cara séria, moça! Está vendo aquela baía lá longe? É a Terra de Pedro.
Vamos fazer o piquenique lá. Você trouxe maiô, ou ainda não confia em mim?
— Trouxe — ela disse, depressa. Olhando-o, notou que sorria, ternamente. — Ora, sinto muito.
— Não pretendia estragar o passeio, nem dizer que era dever de Rob casar com Toinette! Por algum
motivo, você sempre entende errado o que eu digo.
— Hum . . . Estou educando você. — Ele levou o barco para perto da praia e parou o motor.
Desceu e lhe estendeu a mão. — Acho que vamos nadar um pouco para abrir o apetite. Depois,
comeremos na praia. Deixe que eu apanho as cestas.
Cora obedeceu e pulou no ancoradouro de madeira, olhando em volta. A baía fazia uma curva de
areia prateada, emoldurada por palmeiras tropicais. Havia um recanto de pedras sombreado pelas árvores.
Apontou para lá.
— Vamos comer ali?
Não podia disfarçar a excitação que sentia. Aquele lugar era tão romântico! A gruta solitária, as
pedras, a paisagem, o mar azul. . .
— Isso mesmo. Há um riacho, está vendo?
De onde estava, ela não conseguia ver. Mas, ao chegarem às pedras, notou que era um riacho
largo, deslizando sobre as rochas e desaguando num lindo delta, no mar.
— Espere aí, vou colocar as cestas lá.
Cora sentou-se na areia, com as costas apoiadas numa pedra. Empurrou os óculos escuros para a
testa, pois agora estava na sombra, e esfregou os olhos.
— Este lugar parece um sonho. O que está fazendo, Philip?
Ele se curvara sobre o riacho, num ponto onde as rochas formavam uma piscina.
— Estou colocando o vinho para esfriar. Dentro de dez minutos, poderemos comer.
— Vinho! Que luxo! Nunca tomei vinho num piquenique. Nós, enfermeiras, não estamos
acostumadas a toda essa elegância. Um refresco sempre foi suficiente.
Ele se aproximou e deitou ao lado dela, caçoando:
— Refresco? Meu Deus, mulher, como você pode ser tão simplória? Quer refresco numa ilha do
Caribe, tendo um homem bonito e sofisticado a seus pés? Não acredito!
— Se acha que é bonito, o que me diz de Caspin? — Cora riu. — Mas concordo que vinho é
mais chique. Você não disse que íamos nadar para abrir o apetite?
— Nadar?!
Ele passou os braços ao redor dela, sem apertá-la muito, para não assustá-la, mas sem deixar que
escapasse. Cora, por sua vez. não tinha vontade de escapar. Olhou-o sorrindo, e ia falar, quando ele a
beijou.
Seus lábios estavam mornos e gentis. Foi um beijo rápido. Philip soltou-a e disse tranquilo:
— Não foi tão desagradável, foi?
— Não. Está aprendendo, dr. Kenning!
Ele arregalou os olhos e em seguida ficou sério. Tentou abraçá-la novamente. Mas ela o
empurrou, rindo.
— Não esqueça do vinho! Ah, e mate minha curiosidade, por favor. O que é a tal insignificante
bazz... bell. . . não lembro como se pronuncia.
Com o braço em volta dos ombros dela, ele deu uma risada.
— A bilharzia não é assunto para um piquenique, estou lhe
avisando.
— Eu sou uma enfermeira! Na última vez em que serviram fígado na cantina, Sammy... isto
é. o dr. Wesbster insistiu em discutir cirrose. Ele linha acabado de ver uma operação e estava louco
para me contar todos os detalhes.
— Bem, a bilharzia causa a esquistossomose. É um caramujo que infecciona uma terrível
porcentagem da população do terceiro mundo. .. o pobre terceiro mundo, devemos dizer. É um parasita e.
..
— Acho que você tinha razão — Cora disse, depressa. — Deve haver assuntos mais agradáveis!
Vamos comer, antes de nadar?
Ele foi buscar as cestas.
— Eu ajeito tudo, mas, se quiser ajudar, Cora, pode colocar a toalha e os talheres. — Tirou
uma toalha xadrez e lhe entregou. — Agora, pratos, copos, sal, pimenta... hum, onde está a maionese?
Ah, aqui!
Em poucos minutos, a comida estava posta. Era simples, mas deliciosa. Havia fatias generosas
de galinha fria, pão fresco, uma embalagem térmica cheia de salada, frutas e bolo.
— O vinho já deve estar getado. Passe seu copo. Cora.
Meia hora depois, ela se recostou novamente na pedra, com as mãos cruzadas no colo.
— Estava tudo ótimo. Nunca pensei que a cantina tivesse uma comida tão boa. O bolo, então,
que delícia. Quem fez? Não pode ter sido a cozinheira do hospital,
— Ela preparou a salada e a galinha. Toinette me deu o bolo e as frutas. É uma cozinheira
magnífica, não acha?
— É mesmo. — Cora recostou-se novamente e olhou para a garrafa de vinho. — Meu
Deus, está vazia! Não diga que eu tomei mais que você!
— Uma alcoólatra, na sua idade! Sossegue, eu bebi mais e estou tonto de sono. Acho que vou
dar um cochilo de uns dez minutos. Quer se esconder atrás das pedras e vestir o maiô? Podemos nadar,
antes de ir ver as grutas. Ou prefere nadar de roupa mesmo?
— Não. Vou aceitar a sua sugestão.
Cora foi para trás das pedras e voltou, minutos depois, com um biquini vermelho.
— O que acha?
Ele abriu ligeiramente os olhos, imitou o rugido de um tigre e sentou-se, agora com os olhos
completamente arregalados.
— Venha cá, vou lhe mostrar uma coisa!
— Não, você disse que queria descansar. — Sorriu para ele e deitou-se ao seu lado, ia só
fechar os olhos por um momento. ..
— Cora!
A moça abriu os olhos e viu o rosto de Philip e, ao fundo, o céu.
— O quê?
— Você pegou no sono, garota. O pior é que eu também! Dormimos uma hora inteira. Vamos,
levante!
Mãos macias e musculosas a ajudaram a levantar-se.
Cora esfregou os olhos e piscou. O mar e o céu estavam ainda muito brilhantes, mas, sem
dúvida, havia se passado um bom tempo, desde que se deitaram.
— Que pena, perder tempo dessa maneira. — Ela foi caminhando para o barco e Philip a seguiu
com as coisas do piquenique, que ele já recolhera. Ajudou-a a subir a bordo e soltou a amarra.
— Está tudo a bordo? — instalou-se no deck, ao lado dela. — Então, vamos;
Ao saírem para o oceano, o vento soprava. Era um alívio, depois de tanto calor.
— Eu queria ter dado uma volta pela costa, para você ver as baías e os vilarejos; se formos na
velocidade máxima, poderemos passar direto por Master, mudando os planos — disse Philip. — Agora,
estavam enfrentando ondas fortes, que batiam nas bordas do barco, molhando tudo dentro. — Está
sentindo enjôo?
Cora sacudiu a cabeça, jogou o cabelo para trás, deu um suspiro, feliz.
— Não. Estou adorando.
Philip o1hou-a dos pés à cabeça, com aprovação.
— Quando lembro que já viajamos de carro e de barco, fizemos uma refeição,
dormimos por uma hora. . . Bem, quero dizer, você ainda parece calma e arrumada, como se
tivesse acabado de entrar na enfermaria. — Seus olhos pousaram no biquini, e sorriu. —
Talvez esteja um pouco mais nua, mas não menos elegante.
— Eu diria que estou um pouco despenteada.
O rosto dela irradiava felicidade e Philip apanhou uma mecha de seus cabelos dourados.
— Hum. . . parece seda. É assim que eu gosto. Agora, segure firme. — Então,
acelerou mais o barco e levantou a voz, para ser ouvido acima do ruído do motor.
— O Master é na base daquelas rochas, — Ele apontou. Virou a direção e manteve a
atenção no mar, conduzindo o barco
para as rochas. As ondas, iluminadas pelo sol, formavam milhares de arco-íris.
— Vamos chegar dentro de dois minutos. Está muito cedo para você?
Ela sacudiu a cabeça, sabendo que sua voz não seria ouvida. O barco continuou em
direção das rochas mais altas. As pedras eram impressionantes, cheias de limo, com grandes
grutas formadas pela erosão causada pelas ondas. Havia lagos de água de chuva, por entre as
rochas, outros trechos eram cheios de vegetação tropical, e alguns lisos e brilhantes.
O barco agora parecia deslizar sobre a água. Mas Cora percebeu que Philip não se
arriscava a desviar a atenção nem por um segundo: tinha os olhos fixos na abertura entre os
rochedos que se aproximavam a cada minuto. Devia ser uma manobra muito difícil.
— Lá vamos nós! Segure firme, Cora!
O motor novamente estava apenas ronronando, e uma onda mais forte bateu em um dos
lados. Cora achou que o barco ia ser jogado contra o paredão de pedra e ficaria em pedaços, mas
logo estavam flutuando nas águas calmas de uma imensa caverna.
Philip levou o Bambino para perto de uma rocha, desligou o motor e jogou a âncora.
Virou-se para ela, com os olhos brilhantes e sorrindo.
— Lindo, não? Não é qualquer um que pode trazer você para dentro do Master com a
maré assim alta. Agora, vamos dar uma olhada por aí!

CAPITULO VI

— Nunca vi essas cores! É fantástico! Acho que vou adorar aprender a mergulhar.
Cora estava sentada numa rocha, diante do Bambino, segurando uma máscara de
mergulho. Philip tinha consentido que ela experimentasse esse equipamento; o resto só depois
de receber algumas lições.
— Mas pode pôr a máscara e dar uma olhada — ele disse. — Vamos, flutue na
superfície e olhe para baixo.
Tinha feito isso. As paredes da caverna estavam completamente povoadas de vida
marinha: esponjas, anêmonas das mais variadas cores e tamanhos, conchas, algas. Por algum
motivo, os peixes pareciam ainda mais coloridos e brilhantes.
Philip, que havia entrado na água, estava avisando que ia mergulhar durante alguns
momentos e que ela esperasse por ele no barco. — Vou ensinar você a usar os tubos de
oxigênio, assim que tivermos mais tempo de folga — prometeu. — Mas, agora, você tem que
se contentar um pouco. Não demoro. Mergulhou, e ela viu seus pés-de-pato desaparecendo.
Cora nadou até o barco e subiu a bordo. Se andasse depressa, poderia trocar de roupa antes de
ele voltar. Enxugou-se e foi até a pequena cabine. Era bem decorada, com um pequeno fogão,
uma mesa comprida e bancos longos. Vestiu a blusa, por cima do sutiã do biquini e trocou a
parte de baixo por calcinhas, colocando o short. Subiu para o deck novamente, e estava
penteando os cabelos, quando viu que ele surgia na superfície, com uma lagosta.
— Pegue a cesta de piquenique!
Cora esvaziou a cesta e empurrou-a para Philip.
— Espero que não pense que vou matar essa pobre criatura para cozinhá-la. Por que
não podemos fazer uma refeição normal na cantina? Ah, esqueci: estamos de folga. Bem, que
tal irmos para o meu apartamento e eu preparo uma omelete?
Philip jogou a lagosta dentro da cesta, fechou a tampa e pulou a bordo.
— Não se preocupe: vou dá-la a Toinette para que prepare para nós. Ela nos
convidou para jantar qualquer dia, mas conheço Toinette: pode apostar que está
nos esperando com um jantar delicioso.
— Bem, neste caso. .. — Cora olhou para a água que escorria pelo corpo dele e fazia
poças no fundo do barco. — Quer trocar de roupa? Ou, pelo menos, se enxugar?
— Mais tarde. Primeiro, vamos sair daqui. Será que pode colocar a cesta da lagosta no
chão, lá dentro, sem que seja mordida?
— Claro; sou muito jeitosa, como todas as enfermeiras, você sabe. Olhou-a, com ar de
quem não acreditava.
— Está falando daquela enfermeira que bateu no meu carro perto do pedágio? A
mesma garota que deu uma trombada em mim na enfermaria? A mesma que encontrei
brigando com um dos meus pacientes, no banheiro?
Cora sorriu e levou a lagosta. Voltou e soltou a amarra, toda confiante.
— Ótimo, garota. Agora, sente-se. Vamos zarpar!
No pequeno espaço da caverna, o ruído do motor ecoou com força. Cora tapou os
ouvidos e esqueceu o aviso de Philip para que ficasse sentada. Estava na ponta dos pés no
momento em que o barco dava a partida, indo direto para a entrada da gruta. Ouviu Philip gritar
alguma coisa, mas não entendeu nada. Então, saíram da sombra da caverna para o sol brilhante.
Ofuscada, deu um passo para trás, perdeu o equilíbrio e, dando um grito de susto, caiu
pesadamente no chão.
Philip ouviu seu grito, mas não podia abandonar o leme. Entretanto, por um momento,
ele virou a cabeça e o barco bateu. Acelerou imediatamente, e o Bambino conseguiu se libertar
das rochas, indo para o mar alto.
Mas, abaixo da linha d'água, havia um grande buraco por onde a água entrava. Cora
levantou-se e Philip virou-se, apontando.
— Hum... isso não é bom. — Olhou para o horizonte: a terra mais próxima era só um
amontoado de pedras. — Não fique aí olhando, enquanto afundamos, menina. Tente tapar esse
buraco, até podermos chegar em terra.
Cora olhou em volta, desesperada. A toalha servia. Enfiou-a no buraco, mas a água
continuava escorrendo. Philip fez sinal para que ela segurasse o leme. — Mantenha a direção
firme. Temos que sair daqui: não é um lugar bom para ancorar. Vou cuidar desse buraco.
Trocaram de lugar e Cora, com o canto dos olhos, via Philip
enfiando um plástico, com mais força, até formar um amontoado.
Depois disso, pegou um balde e começou a tirar a água rapidamente.
— Posso ajudar? Isso não há jeito de eu errar, não é? Você pode pegar o leme
novamente — ela disse, trêmula. — Não quero causar problemas, levando o barco mais íonge.
Philip lhe estendeu o balde e pegou o leme. Olhou para as rochas que surgiam à frente,
analisou o horizonte e a terra à direita e olhou novamente a ilha.
— Acho que dá para chegarmos em terra. Lamento, mas o melhor que posso lhe
oferecer é a Terra de Pedro novamente. Mas se a água continuar entrando deste jeito, terá de ser
Smale's Point. Pelo menos, precisamos tentar chegar lá.
Era uma viagem lenta. Philip não se atrevia a aumentar a velocidade porque entraria
mais água a bordo. Assim, navegavam lentamente pela costa, com Cora tirando baldes de água
sem parar. Seus cabelos longos já estavam encharcados e o suor escorria pela sua testa. Com as
mãos firmes no leme, Philip observava tudo à sua volta. O sol descia lentamente no horizonte.
Chegaram à Terra de Pedro quando Cora estava quase no fim de suas forças, exausta.
As costas, braços e pernas doíam; os joelhos estavam machucados de tanto baterem no piso, e o
fôlego era quase nenhum. Philip conduziu o barco ao longo do ancoradouro e ajudou-a a pôr-se
em pé.
— Vamos, moça! Temos que levar o barco para a praia, senão ele afunda, mesmo sem
o nosso peso, e teremos problemas para tirá-lo da água. Vamos tentar puxá-lo para além da
arrebentação.
E foi o que fizeram, puxando a corda com todas as forças. Quando o Bambino ficou a
salvo, Cora caiu na areia e ficou observando Philip esvaziar o barco.
— Vamos tirar o que sobrou da comida e faremos um piquenique na hora do jantar.
Sobrou só pão, tomates. Hum... temos que nos arranjar com isto, por enquanto. Tem um pouco
de chá para acalmar os nervos. Os seus, porque os meus precisam de algo mais forte.
Cora levantou-se.
— Chá? Seria maravilhoso, mas ...
— Temos chá e uma chaleira, na cabine. Não olhei, mas acho que no armário, embaixo
do fogão, deve ter até leite em pó. Você não viu? — Ela sacudiu a cabeça. — Uma mulher que
não é curiosa! A maioria teria olhado, na primeira oportunidade, só para saber se poderia brincar
de casinha.
— Eu tenho muitas oportunidades de brincar de casinha e poucas de ver o Caribe. Será
que tem mesmo leite?
— Vou ver — Philip hesitou. — Não quero pôr mais peso do que o necessário no
barco. Você é mais leve do que eu, será que.. .
— Claro.
Cora pulou para dentro e foi até a cabine. Havia combustível num canto, parecendo
muito perigoso. Abriu o armário e encontrou o bule, um pacote de chá, uma lata de leite em pó,
biscoitos e um saco de açúcar. Colocou tudo numa sacola que encontrou e voltou para a praia,
— Há combustível para acender um fogo. Depois do lanche, vamos andar um
pouco e procurar ajuda; não podemos ficar aqui a noite toda.
— A não ser que nos vejam do mar, acho que é impossível sair daqui. As rochas são
perigosas, escorregadias. Se entrarmos numa das grutas que ainda não foram exploradas,
estaremos fritos; não dá para arriscar. Poderemos ficar perdidos para sempre!
— Muito animador! Quer que procure madeira seca? Ele riu.
— Eu faço isso, enquanto você enche a chaleira no riacho. Acho que devemos preparar
um acampamento entre as rochas. Se um barco passar por aqui, verá o fogo e virá dar uma
olhada.
Cora decidiu que, como não podia fazer mais nada, era melhor seguir a sugestão dele. O
que não tem remédio, remediado está, como dizia sua avó.
Depois do fogo aceso e a água já fervendo, percebeu que estava se divertindo. Era uma
aventura diferente ficar presa numa ilha com um homem tão atraente. Claro que notariam a
ausência deles e viriam procurá-los.
— Enquanto você toma o chá, vou pegar uns peixes — Philip disse. — Não deixe o
fogo apagar. Há mais madeira seca perto das pedras.
Ele foi até o barco e Cora levou sua xícara de chá até a praia. Encontrou-o já no mar,
com água até os joelhos e uma grande rede de pescar nas mãos.
Ela deixou a xícara na areia e voltou para perto do fogo. Aos poucos, foi colocando os
pedacinhos de madeira seca e começou a imaginar quando Patty sentiria sua falta. Talvez, só
quando saísse do plantão. Nesse caso, se fossem descobertos depressa, ela poderia
fingir, no dia seguinte, que passara a noite em sua própria cama,
Então lhe ocorreu que a família Delauey certamente iria se preocupar com a demora
deles. Afinal, o casal tinha sido convidado para o jantar.
Quando Philip voltou, ela estava cochilando, embalada pelos estalos da madeira no
fogo. Acordou com a voz dele.
— Está vendo isto? Um peixão que há poucos minutos estava nadando no mar —
comentou, alegre. — Temos manteiga? Não? Que pena. Não faz mal, corte o pão em fatias bem
fininhas, depois corte os tomates e passe para mim. Vou assar tudo, quando o peixe estiver
pronto. Acho que agora aceito uma xícara de chá, se ainda estiver quente.
Cora serviu o chá.
— Philip, está escurecendo.
Ele a olhou, através do fogo, procurando proteger os olhos contra o brilho das chamas.
— Como você é esperta! Teremos que ficar aqui até o amanhecer. Nenhum barco de
resgate vai se atrever a enfrentar essas rochas à noite. Passe-me o pão, Cora, o peixe já está no
ponto.
Em silêncio, ela passou-lhe o pão, percebendo que não adiantava reclamar. Se alguém
era culpado de estarem naquela ilha, era ela. Devia ter ficado sentada, quieta, quando ele
mandou. Assim, o barco não estaria furado. Devia estar agradecida por ele não a acusar disso
nem uma vez.
Quando acabaram de comer, sentia-se sonolenta. A noite estava agradável, as estrelas
brilhando num céu que parecia de veludo. Tinha comido bem, estava acomodada sobre a areia
macia e com as costas apoiadas confortavelmente numa rocha. A seu lado, Philip, um
companheiro muito agradável.
— Vai tentar dormir agora, menina? As toalhas secaram e são bem grandes. Pode se
enrolar na amarela, que eu fico com a azul. Pelo menos, teremos a ilusão de que são lençóis.
Não parecia bobagem pedir a ele que se afastasse, mas o fogo precisava ser alimentado
de vez em quando e, naquele lugar tão ermo. . . Cora hesitou em sugerir tal coisa. Se um dos
dois se mantivesse alerta haveria a chance de serem vistos. Tinham armado o acampamento
perto de uma rocha, e aquele era o melhor lugar para dormirem. Mas.. .
— Onde você vai ficar?
Cora fez a pergunta, num impulso, sem pensar. A luz das chamas, viu o rosto de Philip,
sério e impassível. Parecia a estátua de um deus grego: incrivelmente bonito, mas um pouco
perigoso.
— Aqui. Por quê?
— Mas. . . O que as pessoas vão pensar?
— O pior possível, eu acho. Mas nós sabemos a verdade, e é isso que conta, não, Cora?
— Acho que sim — ela disse, relutante. Devia ser verdade, ela sabia disso. — Então,
não. . .
Ele pegou a toalha amarela e colocou-a, cuidadosamente, em volta dos ombros de Cora.
Seu rosto estava meigo, com um olhar brincalhão.
— Não o que? Não sei o que quer dizer!
Ele se enrolou na toalha azul e deitou perto dela. Havia poucos centímetros de areia
entre eles, e Cora se encostou na rocha, como se ele de repente pudesse atacá-la.
— Por Deus, Cora, acha que é tão irresistível assim? — A voz de Phiíip soou
brincalhona. — Acredite ou não, posso passar a noite inteira ao lado de uma mulher, sem ter a
menor vontade de agarrá-la.
Cora ficou vermelha e continuou de costas para ele.
— Desculpe. Claro que sei que não sou irresistível. Mas você já tentou. . .
— Durma. Você está em segurança. Eu não violento virgenzinhas bobas só porque
estou sozinho com elas.
A moça achou melhor não discutir. Acomodou-se o melhor que pôde e tentou dormir,
sem se preocupar com o dia seguinte.
Mas dormir foi mais difícil do que tinha imaginado. Os perigos do dia não deixavam
sua cabeça descansar e ela lembrou, momento a momento, tudo que tinha acontecido na gruta,
os problemas com o barco, a batida, a hora em que tinha perdido o equilíbrio, tudo. Como tinha
sido boba! E nem uma vez ele havia tentado.. .
Ficou tensa. Havia algo se mexendo sobre a toalha que a cobria. Ficou paralisada, Era
como se dedos estivessem tentando soltar a toalha e deslizassem por suas costas. Achava que
Philip estava dormindo mas. . .
Os dedos pararam. Depois, começaram a mexer novamente, procurando o caminho para
a abertura da sua blusa, na direção dos seios quase nus.
Indignada, ela se sentou, gritando.
— Como você se atreve? Pare com isso!
No mesmo instante, Philip também se sentou, com os cabelos despenteados e os olhos
pesados de sono. Cora esbofeteou-o no rosto com toda a força.
— O quê. .. Ficou maluca? Por quê. ..
Ela estava trémula de ódio e humilhação: o cretino ainda se atrevia a fingir que tinha
dormido. Apontou com um ar acusador, procurando ignorar a expressão aborrecida dele.
— Não se faça de idiota! Pensou que eu estava dormindo, não é? Pondo essas mãos. . .
Você é detestável, odioso. ..
Ele continuou sentado e tentou pegar as mãos dela, que lutou, mas ele a segurou, sem
esforço aparente.
— Cora, você deve ter sonhado! Eu estava dormindo; juro que não toquei em você.
Agora, controle-se. Se continuar me tratando com essa histeria, vou lhe jogar água fria no rosto
e lhe dar uns bons tapas.
Mas ela não aceitou a explicação. Sentira os dedos dele, sabia que não tinha sido
imaginação.
— Não minta para mim! Senti sua mão tentando abrir a minha blusa. . .
Empertigou-se, arregalando os olhos. Ali estava ele sentado a seu lado, com as duas
mãos segurando seus pulsos. No entanto. . . alguma coisa. . . estava se mexendo debaixo de sua
blusa!
Gritou e se jogou nos braços dele, trêmula de terror, sem o menor vestígio de raiva,
sabendo que só Philip poderia salvá-la daquele perigoso desconhecido que se movia sobre sua
pele.
De repente, percebeu que ele estava rindo.
— Bobinha! Sua bobinha! É a lagosta! A cesta deve ter aberto, e ela conseguiu escapar.
O crustáceo deve ter pensado que você era uma boa pedra coberta de musgo, onde poderia se
esconder.
Naquele momento, ela estava no colo dele, sentindo-se protegida
69por aqueles grandes ombros, com o rosto escondido em seu peito, apertando-o
convulsivamenie.
— Ela ainda está em mim, Philip? Tire-a daí! Eu. . .
— Já foi embora, minha querida. Acho que ficou assustada com os seus gritos. Não tenha medo.
— Seus corpos estavam tão próximos que, quando ele levantou o rosto dela, seus lábios quase se tocaram.
— A única coisa que tem a temer agora sou eu.
Philip parou de sorrir. Ela viu que suas pálpebras baixavam e ele observava os seus lábios. A
respiração de Cora acelerou, quando ele colocou a mão sobre seus seios palpitantes,
— Não tenha medo.
Seus lábios se encontraram e, desta vez, o beijo foi de verdade: tão intenso e profundo, que ela
gemeu. Não em protesto, mas de prazer. Ele continuou beijando e lhe acariciou os seios, apertando-os de
leve, até sentir os bicos ficarem rijos sob as suas mãos.
Soltou-lhe os lábios e passou a beijar-lhe o pescoço, os ombros nus e a pele macia dos seios. Ela
o abraçou pelo pescoço, meio tonta.
Seus ombros... nus?
Abriu os olhos, chocada. Deus, sua blusa estava desabotoada, e praticamente o estava
encorajando a seduzi-la.
— Philip! Dr. Kenning!
Ele levantou a cabeça e a olhou, sério; mas podia sentir um brilho de desejo naquele olhar, na
curva daqueles lábios sensuais.
— Sim, enfermeira?
Ela riu, uma risadinha quase sem fôlego.
— Desculpe, eu estava sendo boba. Acho melhor nós. . . Philip olhou para a blusa aberta que
deixava à mostra seus seios.
Suspirou e depois sorriu do embaraço dela.
— Você está certa, claro. Talvez seja melhor nós. . . — Philip rolou e ficou deitado sobre o
estômago, com o queixo apoiado na mão, olhando-a sentada na areia. — Mas eu sou humano, e você se
atirou em meus braços.
— Eu sei. Desculpe.
— Não peça desculpas. Adorei cada segundo. Se não tivesse me pedido para parar, acho que
estaria adorando ainda... Mas acho melhor dormirmos agora, senão vamos parecer mais depravados do
que somos, amanhã. E a culpa é toda da lagosta.
Enrolou-se na toalha novamente, Cora não resistiu a mais uma provocação.
— Toda? Eu nunca soube que lagostas eram capazes de desabotoar blusas.
— Não? Então, você não entende nada de lagostas, querida. Apesar de tentar, ela não conseguiu
controlar a risada.
Philip acordou Cora na manhã seguinte com uma xícara de chá fresquinho. Ela abriu os olhos,
atordoada. Não tinha sido fácil dormir, depois daquela terrível experiência com a lagosta. Sua imaginação
havia povoado a areia escura com milhares de monstros do mar, e ela não teria ficado surpresa se tivesse
sido atacada por um polvo, ali mesmo, e ela só ansiava em procurar segurança; isto é, se aproximar de
Philip. Sabia que, mesmo tendo feito com que ele parasse com as carícias, tinha adorado cada momento,
tanto quanto ele. Estaria usando o medo como pretexto para voltar aos seus braços? Essa idéia a deixou
pouco a vontade, mas, por fim, conseguiu adormecer, já de madrugada; seu sono foi agitado.
— Chá? Oh, Philip, que gentileza!
Pegou a xícara e sorriu, com ar agradecido. Ele sorriu também, mas seu olhar estava cansado e
preocupado.
— Quando terminar o chá, vamos colocar tudo novamente no barco e esperar. Se ninguém
aparecer logo, acho que terei que dar um jeito de tampar o buraco para podermos percorrer mais um
pedaço da costa. Ainda bem que eu não estou escalado para nenhuma cirurgia hoje, mas tenho que fazer
as minhas rondas.
— E a enfermeira Hart não vai gostar de descobrir que faltei — Cora disse. No entanto, havia
uma certa satisfação em sua voz, que fez Philip olha-la, pensativo, por um momento.
Estavam terminando o chá, quando um barco surgiu atrás das rochas, vindo do leste.
— Socorro! Socorro! — Cora gritou, subindo numa pedra alta e acenando furiosamente. — Se
aquele barco nos pegar, nem notarão a nossa falta. Anda, Philip, acene!
— Por que vou me incomodar, se você está se comportando feito um farol. Só pode ser Robin.
— Como sabe? Eu não consigo ver ninguém a bordo.
— Nem eu, meu amor, mas reconheci o barco. E ele deve estar com seu magnífico filho. Quer
saber mais alguma coisa?
— Oh! — Cora alisou os cabelos loiros o melhor que pôde e ajeitou a blusa e o short. O dr.
Kenning a observava, com ar cínico.
— Está de olho em Caspin? Se está, vai ter que entrar na fila: metade das mulheres da ilha é
louca por ele. E as garotas daqui não têm os seus preconceitos sobre o sexo antes do casamento. Ou será
que estou errado e você só está querendo bancar a difícil comigo?
— Você é realmente abomina. . . — Cora começou, mas viu que não precisava responder, pois
Caspin tinha desembarcado e corria pela praia na direção deles.
— Phil, Cora, o que aconteceu? Papai achou que vocês iam voltar ontem à noite, mas, quando
anoiteceu, já era tarde demais para uma busca. — Olhou para a moça e depois deu um olhar significativo
para Philip. — Você queria mesmo voltar ontem, não?
— "Nós" queríamos — Philip disse, calmamente, começando a pegar as coisas. — Mas, devido
a uma certa . . . falta de jeito da minha parte, o barco bateu na entrada da gruta e só conseguimos chegar
até aqui. O dano não é grande, eu mando arrumar tudo assim que voltarmos, e você pode continuar com
suas pesquisas. — Virou-se para Cora e explicou: — Caspin usa o Bambino para trabalhar sossegado,
longe dos irmãos mais novos. Robin Delaney tinha se juntado a eles.
— Ficaram presos aqui por acidente, papai.
Mas Robin, depois de uma olhada rápida para Cora, que estava terrivelmente vermelha e com os
olhos baixos, disse:
— Tenho certeza de que não por causa de nada grave. E não precisam se preocupar por não
ter voltado como planejaram. Se alguém perguntar, vocês podem dizer que passaram a noite na minha
casa. Ouviu bem, Caspin?
— Claro — o filho disse, depressa, olhando de um para o outro. — Que tal virem para bordo
agora? Vou preparar um café para todo mundo. Papai volta mais tarde para rebocar o Bambino.
Cora sentiu que voltava a ficar à vontade e subiu para o barco maior, junto com Caspin.
Enquanto o observava fazendo torradas com presunto e ovos. pensou que, apesar de toda a
beleza e inteligência dele, tinha sido o pai o mais sensível, o que entendera logo o problema deles e ofere -
cera uma solução.
— Que horas são, Caspin? Meu relógio quebrou com esse inci-dente.
Caspin quebrou cuidadosamente outro ovo dentro da panela, a gordura espirrou e ele pulou para
trás.
— Droga! Não sei por que sempre acontece isso. — Consultou um relógio de pulso caríssimo.
— Quase sete horas. Por quê? Não quer que as pessoas comentem sua pequena aventura?
Era mais uma afirmação do que uma pergunta, e Philip achou que devia esclarecer os fatos.
— Não. Não quero, porque só pensariam o pior. E eu me comportei como um cavalheiro.
O rapaz deu-lhe um olhar curioso.
— Mesmo? E o que acha que é o comportamento de um cavalheiro? Os nativos dizem que
ignorar os encantos de uma moça bonita é terrivelmente indelicado.
Cora respirou fundo, olhando, furiosa, para Philip.
— Não tente me enrolar, Caspin Delaney! Sabe muito bem o que eu quis dizer. Portanto,
agradeceria se você fizesse como o seu pai sugeriu e fingisse que passamos a noite em sua casa.
Ele sorriu, de repente, parecendo muito jovem e ingênuo.
— Farei isso, se você quer! Mas devo dizer que só temos um quarto de hóspedes e há. . . — ele
se interrompeu, ao vê-lo pegar uma faca, ameaçadora. Então correu para o deck, gritando que o café
estava pronto e rindo de um modo que fazia lembrar um garoto de doze anos, e não o elegante sósia do
astro de cinema com quem tanto se parecia.
Para alívio de Cora, tudo deu certo. Quando terminou de tomar café, o barco já estava
atracando no ancoradouro dos Delaney. Pouco depois, subia os degraus do seu apartamento,
para se preparar para mais um dia de trabalho, segurando suas coisas nas mãos e acenando para
Philip, que subiu a escada ao lado.
Cora fechou a porta e se encostou nela, suspirando de alívio. Tinham chegado a tempo.
Em menos de uma hora, devia estar entrando em serviço, na enfermaria.

CAPITULO VII

— Será que pode me ajudar com o carrinho de remédios, enfermeira? Pemberton está
ocupada, e quero verificar alguns remédios.
Cora concordou, irritada. Aquela tinha sido uma semana difícil para toda a equipe,
menos para a enfermeira Hart, que a cada dia se tornava mais negligente e preguiçosa. Passava a
maior parte do tempo no escritório, sem fazer nada. E o dr. Kenning não dizia uma palavra.
Ser cunhada dele devia trazer certas vantagens, Cora pensou, desanimada. Será que
estava apaixonada por Lorna Hart, apesar dela ser casada e ter uma criança?
Verificaram os remédios e depois a chefe voltou à sua mesa.
— Hoje é um dia muito importante para o sr. Frears, não? Ele vai tirar os pontos de
manhã e sai do hospital depois do almoço. Um táxi virá buscá-lo. Mas acho que não é a
última vez que vamos vê-lo. Ele gosta muito de você, Summers.
Cora sorriu sem vontade.
— Os homens sempre gostam das enfermeiras. Principalmente, quando estão
longe de casa, como é o caso do sr. Frears. Ele não tem mãe, nem namorada, para virem visitá-
lo.
Lorna olhou-a com ar curioso.
— Então, se considera uma mãe-substituta, enfermeira? Como é inocente!
— Eu não disse isso. — Cora percebeu que seu tom era defensivo e sorriu. — Bem, talvez
esteja certa: ele me pareceu um garoto quando entrei aqui e o encontrei tão doente.
A outra suspirou.
— Não se deixe enganar, enfermeira. Os homens fingem que são garotos, mas quando chega a
hora de pegarem o que querem verá
que já são bem crescidos!
— Isso parece um tanto amargo — Cora disse. Naquele dia, Hart se comportava de um modo
quase humano. Geralmente, evitava qualquer tipo de conversa com o resto da equipe.
— Eu me sinto amargurada. Já fui casada duas vezes, enfermeira, e se há uma coisa que aprendi
a respeito dos homens. . . — Parou e verificou a lista de pacientes. — Temos uma admissão hoje, um tal
Bartholomew Hughes. Vai chegar às nove horas; gostaria que você cuidasse disso.
— Claro, enfermeira mas... o que aprendeu sobre os homens, depois de dois casamentos? —
A voz de Cora agora vibrava de curiosidade. Será que ia saber por que a enfermeira-chefe estava se
comportando de modo tão estranho ultimamente?
— O quê? Oh. . . eu já lhe disse! Não importa quanto um homem pareça encantador, só quer
uma coisa e sempre acaba conseguindo. E vai deixar você chorando. Portanto, cuide só dos medicamentos
e tire os pontos do sr. Frears; depois trate da internação do sr. Hughes, e eu ficarei livre para... — Olhou
em volta distraída. — Para cuidar das minhas coisas.
— Então, acho bom eu começar. — Cora disse, tirando o carrinho do escritório. Enquanto ia
para a enfermaria, pensou que Lorna Hart não mudava nada, afinal. Apesar de parecer amiga, não
tinha feito nada além do de sempre: dera um jeito de jogar todo o trabalho nas costas dela, sem uma
explicação!
Entrando na enfermaria, chamou Dulce e as duas começaram as rondas.
— Como está, Daddy? Trouxe uma bebidinha para você — ela disse, alegremente,
estendendo para Daddy Hogan uma dose de laxante. — Não faça essa careta horrível; senão, não
lhe darei uma
bala de hortelã.
— Eu não estou nada bem — Daddy murmurou. — Tudo me incomoda. — Mas estendeu a
mão e pegou a bala escondendo-a debaixo das cobertas.
Indo para o leito seguinte, Cora olhou para o sr. Saunders. Ele linha sido admitido há pouco
tempo e só estava na ilha há quarenta e oito horas. Tinha bebido, de acordo com o dr. Kenning, e caído de
uma pedra, fraturando a tíbia. Agora parecia infeliz como qualquer outra pessoa em férias se sentiria, ao
se ver preso num leito de hospital e sendo submetido à tração, logo nos primeiros dias de folga.
— Enfermeira, esse peso no meu pé está me matando! Minha perna direita dói e as costas
também. Não sei o que você fez comigo, mas está terrível. Não posso comer, sinto enjôo o tempo todo. . .
— Eu sei, sr. Saunders, mas tenha paciência. Nem faz doze horas que foi operado e tenho certeza
de que o dr. Kenning fez um bom trabalho na sua perna. Logo ela estará boa. Tenho uma injeção aqui que
vai aliviar a dor. Não se preocupe, não vai doer nada.
— Tudo dói. Estou cheio de dores. Ai! Essa agulha parece de aço! — O sr. Saunders deu um
longo gemido. — Tudo que sei é que essas são as minhas férias. Enconomizamos durante anos, eu e
minha mulher!
— Eu sei. Que pena. Mas a companhia de seguros vai pagar tudo e poderá se recuperar numa
linda praia, tomando sol — Cora disse. — A sra. Saunders vem visitá-lo esta noite, para conversarem
sobre
isso.
O homem olhou-a, com ar de suspeita.
— O que quer dizer com isso?
Cora viu que Dulce começava a rir e não entendeu nada.
— Cometi uma gafe, não foi? Dulce, pare de rir e me diga o que há de errado em falar que a sra.
Saunders vem aqui hoje?
— Mas ele disse que a sra. Saunders ficou doente no último momento: por isso trouxe a
sobrinha, para não perder as passagens.
Só que o John, o porteiro, você sabe. . . eles estavam no mesmo quarto e registrados
como marido e mulher.
— Oh, entendo. E que tal é a sobrinha?
Aproximaram-se da cama de Daniel Frears, que perguntou:
— Do que vocês duas estão rindo? E quando vão tirar meus pontos? Você vai
falar com eles, não vai, Cora? Prometo não gritar.
— Muito alta, magra, toda maquilada. cabelo oxigenado exagera-damente, saltos
altíssimos e jóias imitando brilhantes. Você conhece
o tipo.
— Oh, está falando sobre a sobrinha do sr. Saunders? — Dan se meteu na conversa. —
Daddy Hogan até esqueceu a hérnia dupla e quase arrebentou os pontos quando ela entrou na
enfermaria rebolando, sacudindo os...
— Chega, sr. Frears. Senão, vou pedir que a enfermeira-chefe venha tirar os seus
pontos — Cora disse, severa. — Então quer dizer que o velho está paquerando garotinhas,
naquela idade? Quantos anos tem o sr. Saunders? Sessenta?
— Cinquenta e quatro. Ele envelheceu muito, desde que encontrou a sobrinha. — Dan
riu para as garotas. Depois, ficou sério. — Ei, olhem, estão chegando os médicos!
Cora virou-se e viu a enfermeira Hart e o dr. Kenning, seguidos de um pequeno grupo
de médicos. A enfermeira conversava rapidamente com Philip e Cora achou que ele apenas
fingia prestar atenção, enquanto observava os pacientes. Deve ser difícil para ele, pensou, de
repente sentindo uma certa simpatia, dividir as atenções com a enfermeira e seu trabalho, de um
modo tão público!
— Você está pronto para ir à outra sala, quando eu terminar a ronda dos
medicamentos? Assim poderei tirar seus pontos — ela disse para Dan. — Oh, Dulce, por
favor, veja onde Daddy Hogan se enfiou; aquele homem é terrível.
— Você com certeza deu a ele alguma coisa nojenta. O infeliz deve estar no banheiro
— Dan disse, em tom brincalhão, e Cora notou que alguém se aproximava.
— Sim, dr. Kenning?
— Soube pela enfermeira-chefe que vai cuidar da admissão do sr. Hughes. É melhor
chamá-lo de Barty como todos fazem. Ele já chegou.
— Oh, chegou? — Dulce ainda estava de pé perto da cama esperando para saber se
devia trazer Daddy Hogan de volta do banheiro de modo que o dr. Kenning pudesse vê-lo
durante a ronda e não ficasse assustado com o leito vazio. — Dulce, talvez você pudesse fazer. .
. Barty vestir o pijama e acomodá-lo. — A outra sorriu e saiu. Cora voltou para Philip. —
Desculpe, doutor, mas preciso terminar a ronda dos remédios e depois tirar os pontos do sr.
Frears. Então, cuidarei da admissão de Barty. O dr. Kenning olhou-a surpreso.
— Vejo que temos uma equipe de uma enfermeira só. Por acaso, está tentando se tornar
indispensável?
Antes que Cora pudesse responder, Dan pigarreou e disse:
— Ela é indispensável. E a única que consegue as coisas por aqui. Ela e a outra nova.
Prefiro tirar meus próprios pontos do que entregá-los a qualquer pessoa do hospital. Prefiro
que ela tire, pois é gentil e tem tempo para todos nós e. . .
— Só isso, sr. Frears? Bem, concordo que a enfermeira está um tanto ocupada hoje;
portanto, vou lhe dizer o que faremos: enquanto ela termina a ronda e cuida da nova admissão,
eu tirarei os seus pontos. Eu os coloquei aí; logo. acho que sou capaz de tirá-los. Venha.
Dan fez uma careta e não leve outro jeito senão seguir Philip, maneando. Cora foi
terminar a ronda. Que homem detestável! pensou, furiosa. Ele nunca admitiria que a enfermeira-
chefe não fizesse o trabalho, e estava certa de que Philip só tinha interferido para evitar que ela
ficasse a sós com Dan. Não que quisesse ficar a sós com ele, mas ...
— Enfermeira, quer cuidar de Barty agora? Ele quer que o chame assim. É muito
simpático. Muito, mesmo.
— Obrigada, Dulce. — Cora passou para ela os últimos remédios e sorriu. — Você
acabou de ser elogiada por Dan: ele disse que só nós duas trabalhamos aqui. Não foi gentil?
— Oh, Deus, ele não disse para o dr. Kenning, disse? Cora fez que sim.
— Ele é muito corajoso. Mas é que está indo embora esta tarde.
Agora mesmo, deve estar pagando pelo atrevimento: dr. Kenning disse que, como eu estava tão
sobrecarregada, ele mesmo tiraria os pontos de Dan.
— Não acredito que maltrate o pobre. Posso levar o carrinho de remédios de volta para o
escritório da enfermeira-chefe?
— Sim, por favor. Vou ver o tal Barty.
Cora abriu as cortinas que ainda estavam fechadas ao redor da cama do sr. Hughes e preparou
seu sorriso profissional para o homem sentado na cama. . . e teve uma surpresa.
Barty Hughes era o maior homem que já tinha visto. Mesmo sentado, ele era maior do que ela.
Devia ter pelo menos uns dois metros, e era bem forte também. Tinha a pele morena como um cigano, o
cabelo e olhos pretos, e era muito peludo. Parecia um grande e perigoso gorila, esquisito naquele pijama
azul e branco.
— Bom dia, Barty — Cora aproximou-se com a mão estendida.
— Sou a enfermeira Cora Summers e vim tirar a sua pressão e temperatura e saber mais
alguns detalhes. Como está se sentindo?
— Horrível. Completatnente horrível. Mas continue, enfermeira.
— Sim, está bem. Acho que se sentirá mais confortável se deitar. Você é muito alto e facilitará
as coisas para mim — Ele obedeceu e respondeu às perguntas que ela ia fazendo para preencher a ficha.
— Agora, Barty, por favor, enrole a manga. Vou tirar a pressão. Dulce tinha deixado o
equipamento necessário ali perto e Cora levou-o para junto da cama. Enrolou a borracha no braço do
homem, que parecia tão grosso como um tronco de árvore.
— Não vai doer. Só vou bombar em volta do seu braço e depois saberemos qual é a pressão.
Pronto, está terminado.
— Foi muito rápida, enfermeira. Estou bem?
— Está ótimo. Barty. Pelo menos, a sua pressão está. Vejamos a temperatura. Por favor,
coloque o termômetro na boca. Depois, o sr. Wilkes, do laboratório, virá colher amostras de sangue.
Então, será a hora dos drinques da manhã — brincou. — Vou voltar e mostrar o lugar de tomar sol.
Poderá sentar lá com os outros homens que estão se recuperando. Acho que conhece a maioria deles, pois
já morou aqui muito tempo, não?
Ele fez que sim com a cabeça.
— Toda a minha vida. Vi Dan mancando por aí agora mesmo. Conheço Daddy Hogan também.
Enfermeira?
Cora parou de fechar as cortinas.
— Sim, Barty?
— Quando vou ser operado?
— Acho que amanhã. Mas só o anestesista lhe dirá com certeza. Ele virá vê-lo mais tarde.
Para consternação dela aquele rosto imenso pareceu desabar como o de um garoto que ficará sem
sobremesa. Lágrimas surgiram em seus olhos e escorreram pelas bochechas. Os lábios tremeram e ele
começou a esfregar os olhos, soluçando forte.
Cora imediatamente se aproximou e ofereceu um lenço de papel.
— Não se preocupe, Barty: tudo vai dar certo — disse, bem alto para que os outros não ouvissem
os soluços dele. Depois, abraçou-o e murmurou em seu ouvido: — Calma, calma, não fique assim! Na
primeira vez que a gente vem para um hospital, tudo parece dar medo e ser estranho.
Ele engoliu em seco, assoou o nariz e fez que sim.
— Eu entrei no hospital de Barbella quando cortei a mão mas só deram uns pontos e me
deixaram ir embora. Não foi nada parecido com isso. — Indicou a cama e as cortinas em volta.
— O que aconteceu com sua mão?
Em resposta, ele mostrou uma longa cicatriz que cruzava a palma direita, do pulso até o dedo
indicador.
— Eles só costuraram e me mandaram para casa. — Sacudiu a cabeça novamente e as lágrimas
continuaram. — Vocês podiam me dar uma injeção de alguma coisa e me deixar ir embora. Nunca fiquei
num hospital antes e para dizer a verdade, estou com medo. Esse lugar... esse cheiro,., tudo branco, as
paredes. Estou odiando isso!
Cora estava sentada na cama com ele, explicando o mais gentilmente que podia que não
precisava ter medo, que logo se acostumaria. Então, o sr. Wilkes disse, de fora das cortinas:
— Posso entrar?
— Sim, claro. Bom dia. Lens. Vai pegar as amostras? Este é o sr. Hughes, que gosta de ser
chamado de Barty. Ele não aprecia muito hospitais, por isso. . .
Wilkes era um homem alto, magro, de cabelos claros e olhos muito penetrantes. Olhou para
Barty e virou-se para a moça:
— Acha que pode ficar, enfermeira?
Cora ainda tinha todo o trabalho da enfermaria pela frente, mas controlou um suspiro e disse:
— O que acha, Barty?
— Prefiro que fique, enfermeira.
O sr. Wilkes não precisou de muito tempo para tirar as amostras, e Barty parecia bem a vontade
com os dois. Minutos depois, Cora abriu novamente as cortinas.
— Pronto, Barty, está tudo feito. Acho que agora merece o seu lanche da manhã. Vou levá-lo
para tomar sol e apresentá-lo aos outros. Poderá ver televisão, conversar ou jogar cartas. É
mais agradável do que a enfermaria e as poltronas são muito confortáveis.
Deixou-o na sala, aparentemente à vontade, e foi para o escritório da enfermeira-chefe. Acho que
devia haver algum motivo para aquele medo do homem. Obviamente, não era a dor que o amedrontava, a
julgar pela horrível cicatriz na mão e pelo modo calmo como aceitava
o exame de sangue.
Entretanto, a enfermeira Hart não estava lá, e Cora, com um suspiro de aborrecimento, ia saindo
da sala, quando dr. Kenning saiu de uma das outras enfermarias.
— Como se saiu com Barty, enfermeira? Entre no escritório da enfermeira-chefe: quero ter uma
conversa com você.
Deus sabe que não quero beijos nem romance quando estou trabalhando, Cora pensou,
aborrecida. Mas um sorriso, algumas palavras amigáveis seriam bem-vindos. Principalmente, porque nós
nos damos tão bem longe do trabalho. Há duas noites ele a tinha levado à casa dos Delaney. para o
prometido jantar, e haviam se divertido muito. Entretanto, logo ficou claro que ele também só estava
pensando em
trabalho.
— Agora, o sr. Frears já está livre dos pontos e sairá do hospital esta tarde. A enfermeira-chefe
não estará disponível durante várias horas esta semana. Por isso, eu disse à srta. Avery que a Enfermaria
Edith precisa de mais enfermeiras. Ela recrutou duas novas, que virão da Inglaterra, mas até que
cheguem, a enfermeira Anderson vai ficar emprestada, trabalhando com você.
Patty! Cora deu um suspiro de alívio. Patty podia ser desajeitada no apartamento, mas era uma
enfermeira competente e responsável.
— Isso vai ajudar muito — Cora comentou, procurando tratá-lo tão formalmente como ele a
tinha tratado. Afinal, estavam sozinhos e ele poderia tê-la chamado pelo primeiro nome.
— Ótimo. Agora, fale sobre Barty.
— Ele estava muito nervoso. Não devia estar, pois não parece ter medo da dor. Como as
anotações sobre ele ainda não estão na enfermaria.. .
— Não é da dor que tem medo. É de hospitais. Do edifício. Ele é um cigano.
— Meu Deus, pobrezinho. Não é de admirar que estivesse tão aterrorizado. Só ver a porta se
fechar atrás dele deve ter sido uma experiência horrível.
— Sim. Ele sempre morou em acampamentos, por toda a ilha, mas nunca debaixo de um teto.
Foi por isso, enfermeira, que pedi que cuidasse da admissão dele. Você tem jeito para cuidar de pessoas
amedrontadas; portanto, espero que facilite as coisas para ete.
— Como o convenceu a se internar para a operação? — Cora perguntou, incrédula. — Nós
tivemos um caso assim. Uma cigana que desmaiou perto do hospital de Birkenhead. Ficamos com ela só
durante vinte e quatro horas, mal recuperou a consciência, saiu e nunca mais a vimos de novo. A polícia
nos disse que ela tinha ido embora, imagine, naquelas condições, para a carroça da filha, e de jeito
nenhum voltaria para o hospital para fazer o tratamento de que precisava.
— Barty sempre foi muito trabalhador — Philip explicou. — Ele corta cana, colhe cocos... o que
você imaginar ele já fez. E agora, não pode trabalhar mais por causa da dor. Claro que não sabe que terá
que ficar aqui depois da operação. Pensa que irá embora logo em seguida. Eu acho melhor colocá-lo
numa enfermaria separada e garantir que uma enfermeira da equipe fique sempre com ele, até estar
recuperado o suficiente para partir.
— Numa enfermaria separada, com uma enfermeira junto o tempo todo? Não pode ser feito —
Cora falou, com franqueza. — Depois que ele puder andar, nenhuma de nós poderá impedi-lo de partir, se
decidir que quer isso. Ele é um homem muito forte. Mesmo na enfermaria principal, seria preciso uma
porção de enfermeiras para cuidar dele depois da operação, para tirar pressão, temperatura, amostras de
sangue. . . Tenho certeza de que não poderemos cuidar dele, se ficar numa enfermaria separada!
— Mesmo? Acho que está exagerando. Se tratá-lo com simpatia e gentileza, acredito que possa
ser tratado na enfermaria principal. E talvez queira ficar conosco por duas ou três semanas. Falou aquilo
num tom ríspido, e Cora reagiu. — Não sou encarregada da enfermaria, dr. Kenning! Por que não dá
essas instruções à enfermeira Hart? Só poderei tratar Barty com simpatia e tato, se a minha chefe me
mandar fazer isso!
O dr. Kenning levantou-se e se aproximou de Cora. Estendeu as duas mãos e ajudou-a levantar.
De repente, deu-lhe um beijo na ponta do nariz.
— Como você fica bonita quando está zangada! Faça o melhor que puder, minha querida, e
deixe que eu cuide da sua chefe. Se eu digo que deve se concentrar no Barty, é assim que deve ser.
Ele saiu, calmamente, segurando a porta para ela e, quando Cora passou, deu-lhe um tapinha no
bumbum.
— Vamos logo. Vou acompanhá-la para ver como o sr. Saunders está se sentindo hoje. Ele já
tomou a injeção que receitei?
— Já. Mas continua furioso!
Lado a lado, entraram na enfermaria e caminharam até a cama do sr. Saunders. Philip olhou para
Cora e lhe acariciou o braço, de modo
condescendente.
— Vai ver como não tenho problemas com o paciente, enfermeira. Algumas pessoas respondem
ao seu charme e outras, ao meu. Agora, é assim que se lida com um paciente difícil!
Parou ao lado do leito, pegou a ficha e analisou-a por um momento, sem olhar o sr. Saunders.
Depois, ajustou a tração. . . ou pareceu fazer isso. Cora achou que ele não tinha alterado nada.
— Bom dia, sr. Saunders. Agora, vamos fazer um ligeiro teste. Como está a perna?
— Bem. doutor. Ficou melhor agora. Estas garotas são muito boazinhas, mas.não têm a sua
experiência.
— É verdade. — Ele virou-se para Cora e piscou. — Enfermeira. a perna deve ser mantida nesta
altura até que eu visite o paciente novamente. Fstá claro?
— Seu tom era zangado, e Cora fez o possível para não rir. — Sim, dr. Kenning. Cuidarei disso.
Entendi. Afastaram-se juntos e Philip disse, baixinho:
— Não precisa exagerar. No futuro, tem que parecer humilhada e subserviente, sempre que o sr.
Saunders estiver por perto. Acho que já percebeu isso.
— Oh, sim, se sua majestade acha que é preciso, eu obedecerei. Ele tirou, indiscretamente, algo
do cabelo dela.
— Isso mesmo, enfermeira. — Afastou-se, e o cabelo de Cora caiu sobre os ombros.
A moça saiu atrás dele.
— Não está certo! Quer me devolver a fivela? Ele devolveu.
— Agora estou indo para a cirurgia feminina e. . . aqui está a enfermeira-chefe!
Lorna Hart veio, apressada, na direção deles, com um ar de
ansiedade.
— Enfermeira Summers, vou ter que sair por algumas horas. Tentarei voltar antes que tenha
acabado. Pode aguentar?
Philip estendeu a mão e tocou o braço da cunhada.
— Gentilmente, Lorna, gentilmente! Antes de sair, quer telefonar para a srta. Avery e perguntar
se a enfermeira Anderson não pode vir agora mesmo, em vez de começar amanhã como tínhamos com-
binado? E talvez deva avisar para a enfermeira Summers o que esperar em matéria de admissões e
operações nos próximos dias.
— Por quê? Não acha... — Os olhos escuros dela refletiam sofrimento e cansaço, mas
pareciam menos amedrontados. — Claro que estarei de volta a tempo.
— Duvido. Faça o que eu disse, por favor, enfermeira.
— Bem, eu. . . mas. , . tenho que ir agora!
Ela virou-se e praticamente saiu correndo da enfermaria. Cora suspirou e começou a andar para o
escritório, para descobrir alguém que pudesse levar um paciente para o raio X, quando se lembrou das
amostras. Tinham de ser mandadas para o sr. Wilkes no laboratório e, como a enfermeira-chefe passaria
por lá ao sair do edifício, poderia levá-las.
Pegou a pequena caixa e correu para o escritório, mas já o encontrou vazio. Olhou em volta e
resolveu levar ela mesma. Aproveitaria para falar com a srta. Avery e verificar se a chefe havia mesmo
conversado sobre o fato de Patty começar a trabalhar na Enfermaria Edith naquele dia.
Caminhando pelos corredores, sentiu uma certa satisfação. O dr. Kenning tinha sido bem firme
com Lorna Hart. Ele havia deixado bem claro que suas ausências estavam sendo notadas e não eram
aprovadas, que aquele comportamento não era digno de uma enfermeira-chefe responsável!
Abriu uma porta lateral e saiu do edifício. Estava ama manhã linda, mas não tinha tempo para
apreciar. Precisava levar logo a amostras para o laboratório; depois falaria com a srta. Avery. Ela era uma
mulher razoável e certamente não recusaria a transferêrcia de Patty, mesmo que fosse no meio do
expediente.
Ao passar perto do estacionamento, viu os dois: Hart e o dr. Kenning de pé perto do carro
esporte vermelho. A mulher usava um blazer de seda verde que lhe ficava muito bem. Enquanto Cora
observava, ele tomou as mãos da outra e puxou-a para si.
Durante um momento. Cora não conseguiu ver nada, porque sentiu lágrimas nos olhos. Depois,
Philip ajudou Lorna a entrar no carro e partiram. Cora continuou ali, de pé, enquanto o veículo
desaparecia em direção a Barbella, numa nuvem de poeira.
Há dez minutos, eles estavam rindo juntos e ele a havia beijado no nariz e depois brincando com
seu cabelo. Tinha conversado com a enfermeira-chefe, sem fazer nenhuma referência ao fato de que ia
levá-la a Barbella. No entanto, acabavam de ir embora e, antes de partirem, ela o abraçara em público,
diante do hospital! Era doloroso admitir, mas Philip parecia estar sendo vítima de uma paixão
desesperada por Lorna Hart.
Cora sentiu que a beleza da manhã desaparecia.
CAPÍTULO VIII

Para alívio de Cora, ninguém percebeu nada e muito menos sua vizinha de apartamento, a
enfermeira Patty, pois a primeira vez em que se encontraram a conversa girou sobre o hospital; foi na
cantina, na hora do almoço.
— Foi uma das manhãs mais terríveis. Patty, mas a srta. Avery disse que você pode ficar
conosco até segundo aviso. Ela já contou? — Cora colocou a bandeja na mesa, perto da amiga e analisou
o conteúdo. — Espaguete á bolonhesa. Se eu engordar, a culpa é da cantina. Por que nunca tem salada?
Patty sorriu, servindo-se.
— O cozinheiro nunca pensa no regime da gente. Sim, Avery disse que eu tinha sido
transferida e minha felicidade foi enorme. A enfermaria de geriatria não é das melhores!
— É, mas a Enfermaria Edith, no momento, está terrível. A enfermeira Hart saiu novamente. . .
e você não imagina o que aconteceu.
— O que?
— Eu levei umas amostras para o laboratório e vi a Hart e Philip Kenning se abraçando. Depois,
partiram para Barbella.
Patty largou o garfo e, percebendo o interesse da amiga, foi logo perguntando:
— Está apaixonada pelo Kenning, Cora? Espero que não, porque ele não é do tipo que casa e
você é. Ele teve um casamento infeliz e isso o tornou amargurado para com as mulheres. Ou será que é só
uma desculpa para se comportar do jeito que se comporta?
— E a Hart? Ele a trata com muita consideração. Patty voltou ao espaguete.
— Acho que você está enganada — comentou. — Os homens são sempre gentis para com as
mulheres que lhes dão o que eles querem, e não pedem nada em troca. É a mulher comum que eles
tratam mal. Veja o que ele fez com a enfermeira Dodson: quando era apenas assistente, disse que Deus
podia ter lhe dado pés grandes, mas que ela não precisava usar botas de policial na enfermaria. Dodson
ficou muito aborrecida, na hora, mas depois riu.
Cora riu também.
— Posso até ouvir como ele falou isso. Ela usava mesmo botas?
— Claro que não. Você ainda não a encontrou, mas ela é uma mulher enorme, muito
trabalhadeira, uma ótima enfermeira, e gosta de sapatos masculinos. Claro que se podia ouvir quando
andava pela enfermaria, pois não é do tipo que tem passos leves. E o comentário dele, tão na cara, fez
com que a Dodson percebesse que precisava usar sapatos mais leves. Mas ninguém gosta de ouvir um
comentário desses.
— Patty, eu seria a última pessoa a dizer que Philip é gentil para com as enfermeiras. Por isso,
acho que não está andando por aí com Hart, só por gentileza. Ele me disse, certa vez, que ela é cunhada
dele, irmã mais nova da ex-esposa e já foi casada. Portanto, acho que não eslá fendo um caso com ela.
— Do jeito que você fala, parece que não. A não ser que seja um problema de família! Conheci
o irmão do marido dela, e é um tipo à-toa. Daqueles que dançam com você duas vezes, depois a levam
para ver a lua e tentam tirar a sua blusa! Talvez o marido de Hart seja do mesmo jeito e ela não goste
dele.
— Ela sempre olha Philip com aquele ar de carneiro — Cora admitiu. — Mas ele não
corresponde. Você o conhece.
— Não quando você está por perto — Patty corrigiu. — Descul pe querida, não sei o que me
fez dizer uma coisa tão estúpida. Se Hart está tendo um caso com Kenning, todos no hospital já
saberiam, e eu nunca ouvi nenhum boato. Portanto, esqueça. Mas por favor, não vá se apaixonar
por ele.
Cora terminou o espaguete e se levantou.
— Vou fazer o melhor possível para resistir. — E mudou de assunto: — Até que a
comida não estava tão ruim assim, mas não posso esperar pelo pudim. Deixei a pobre Dulce e a
enfermeira que nos emprestaram sozinhas lá. É uma tal de Simmonds, você conhece?
— É noiva do administrador do serviço médico. — Patty levantou-se. — Também não
vou esperar pelo pudim.
Logo que entraram na enfermaria, notaram que precisavam delas. O dr. Kenning tinha
acabado de chamar a atenção de Dulce, que, toda chorosa, se encostara num dos armários.
Como a enfermeira Simmonds não estava por perto, Cora correu e segurou a mão trêmula de
Dulce.
— Qual é o problema?
— Alta incompetência! — Philip gritou, furioso. — Onde você estava? Deixou essa
menina encarregada de. . .
— Eu não a deixei encarregada de nada. Deixei é a enfermeira Simmonds. Saí vinte
minutos para almoçar. — Enfremou o olhar dele. — O que aconteceu?
— Barty foi embora!
Cora virou-se para encarar a coitada da Dulce.
— Foi embora? Não pode ser! Você tirou as roupas dele, não tirou?
O dr. Kenning interrompeu, zangado.
— Muito bem, enfermeira, eu explicarei tudo. Vamos para a sala da enfermeira-chefe
e telefonaremos de lá para tentar localizar o homem. — Chamou Cora com um aceno de
cabeça, de um modo que ela achou ofensivo. — Venha!
No escritório, Philip bateu a poria e desabou sobre a cadeira, indicando outra para que
ela se sentasse.
Cora obedeceu, procurando manter a dignidade.
— Me diga uma coisa, enfermeira: antes de sair para seu almoço, contou às
enfermeiras encarregadas a história de Barty? Avisou que ele poderia fugir?
— Bem, não, porque...
— Não interessa! Eu a avisei a respeito de Barty. Fiz questão de lhe dizer os riscos que
corríamos e que poderia tentar fugir, e você não fez nada. E agora, graças a isso, ele fugiu!
— Mas você não comentou nada sobre o período antes da operação. Disse que depois
ele poderia tentar fugir. Eu o deixei tomando sol, conversando com os outros pacientes e parecia
muito feliz. Droga, dr. Kenning! Se eu estivesse aqui, não poderia ter evitado que ele fugisse!
— Ela agora estava furiosa e completamente descontrolada. — E se a culpa é minha, por que
estava arrasando com a pobre da Dulce? Não pode culpar a nós duas, eu por não ter dito a ela e
ela por não saber de nada!
Ele pegou o telefone e discou um número. Continuou conversando com Cora, enquanto,
com a outra mão, tampava o bocal do aparelho.
— Eu não estava arrasando com ela por não saber de nada. Estava chamando sua
atenção porque ela não levou logo embora as roupas do Barty. A estúpida. . . — Parou e falou
ao telefone: — Inspetor Edward? Reconheci a sua voz. Olhe, sabe que conseguimos colocar
Barty aqui esta manhã? Bem, ele fugiu. Não, nem foi operado, mas depois de tantos
problemas. , . — Ouviu por um momento. — Sim, está bem. Sim. Sim. Muito obrigado. —
Desligou e virou-se para Cora: — Como eu estava dizendo, aquela garota estúpida deixou as
roupas ao alcance dele numa sacola com etiqueta e tudo, largando bem no meio da enfermaria.
Acho que Barty entrou, viu aquilo e resolveu que já tinha aguentado muito.
— Já procuraram por ele? Não está no banheiro nem nas outras enfermarias? Quando
notaram a falta dele?
— Quando os pacientes estavam almoçando. Dulce Temberton viu que ele não estava
na mesa e entrou na enfermaria para ver se o encontrava. Eu tinha acabado de chegar de... —
Fez uma breve pausa. — Eu tinha acabado de chegar e ouvi que ela o chamava. Então,
naturalmente, tirei minhas conclusões.
Cora levantou-se.
— Vou procurá-lo.
O dr. Kenning também se levantou.
— Não seja ridícula. Como poderia, se está na ilha há tão pouco tempo? Se Barty pretende
continuar escondido. . .
— Eu não acho que ele tenha fugido.
Cora saiu da sala, resistindo à tentação de bater a porta do mesmo jeito que o dr. Kenning tinha
feito. Foi para a sala de estar dos pacientes, onde Dan estava sentado, lendo uma revista; Cora foi logo
perguntando:
— Dan, Barty estava presente quando o almoço foi servido ou sobrou algum almoço no carrinho
da enfermeira?
— Não sei onde ele estava. Com todo mundo se aglomerando em volta do carrinho, não deu
para ver. Mas não sobrou almoço nenhum, isso eu garanto, porque Saunders é o único paciente que está
preso na cama, no momento, e Dulce levou o almoço para ele. Por isso, ela estava na enfermaria, quando
o dr. Kenning apareceu por lá.
— Compreendo. Obrigada, Dan, você é um anjo. Acho que ele não deve ter ido longe.
Deixando-o com um ar um tanto confuso, Cora voltou para a enfermaria e olhou ao seu redor:
depois, saiu para o jardim, cruzou o imenso gramado e foi direto para a piscina. Lá estava Barty sentado
confortavelmente numa espreguiçadeira com a bandeja do almoço ao lado. Virou-se, quando ela se
aproximou, e sorriu, feliz.
— Está me procurando, enfermeira? Resolvi almoçar fora. Alguém está perguntando por mim?
Usava suas próprias roupas por cima do pijama.
— Sim, o dr. Kenning quer conversar com você — Cora disse sorrindo. — Na próxima vez,
Barty, avise onde está indo. Assim, não vamos ficar preocupados. . .
— Sim, claro — Barty concordou, seguindo-a docilmente. — Mas dentro do hospital estava tão
quente.
— Está muito quente mesmo. Mas vai esfriar um pouco dentro de um minuto.
Barty murmurou qualquer coisa e continuaram seguindo para a enfermaria principal. Dulce, que
pegava as travessas vazias do sr. Saunders, ficou nervosa quando o viu. Mas o dr. Kenning aproximou-se
com um olhar furioso.
Cora olhou para ele e tomou uma decisão rápida:
— Barty, vá deitar na sua cama, estarei com você dentro de um minuto. — Virou-se e ameaçou
Philip baixinho: — Se disser uma palavra a Barty, antes de saber o que aconteceu, nunca mais falarei
com você.
Ele pareceu um pouco espantado, mas concordou:
— Muito bem, vamos à sala da enfermeira-chefe, depois de acomodar Barty novamente.
Não demorou muito, pois o cigano teve apenas que tirar a camisa azul e a calça marinho para
deitar-se.
— Assim está bem, enfermeira? Agora posso ir ver televisão?
— Claro que pode. Mas na outra vez que sentir vontade de tomar ar, primeiro avise alguém. Se
disserem que sim, aí saia. Não com suas roupas, é claro, pois confundirá a equipe.
— Não farei mais isso. Por que faria, se você já me disse que não gostou? Logo serei operado e
estarei em casa, foi o que o dr. Kenning prometeu.
— Isso é verdade. Agora, preciso ir. — Cora despediu-se. Apesar de suas palavras corajosas,
Cora se aproximava da sala da
enfermeira-chefe, nervosa. Se Kenning estava zangado antes, poderia estar ainda mais agora.
Mas não tinha a menor intenção de deixá-lo gritar com um paciente, pois isso só tornaria ainda mais
difícil o trabalho das enfermeiras.
Bateu na porta e entrou, encontrando-o no telefone. Ele apontou uma cadeira e ela teve a
satisfação de ouvi-lo pedindo desculpas ao policial por tê-lo feito perder tempo, admitindo que Barty
estava no hospital e se despedindo com a promessa de aparecer para fazer uma visita ao inspetor
Edwards, assim que tivesse um momento livre.
Desligando, ele voltou-se para Cora:
— Bem, enfermeira, deve ter percebido que estou tremendo de medo que não fale mais
comigo, não?
O tom era sarcástico, e Cora respirou fundo.
— Desculpe se fui rude, dr. Kenning, mas eu simplesmente não podia deixar que começasse a
brigar com Barty! Como já deve ter percebido, não vai ser fácil mantê-lo aqui, depois da operação. E se o
fizesse se sentir errado, como ia fazer. . . Bem, não estaria facilitando as coisas para as enfermeiras.
— Hum. . . Bem, o que ele aprontou?
— Levou o almoço lá para fora, para comer perto da piscina. Vestiu as calças e a camisa por
cima do pijama porque achou que seria mais certo. .. ele obviamente pensou que o jardim não era um
lugar para ir de pijama. Felizmente, o sr. Frears é muito observador e disse que não tinha sobrado
nenhuma refeição no carrinho.
— Compreendo. Acho que devo pedir desculpas a você também. Parece que seu inteligente
trabalho de detetive mostrou que o sr. Barty não tinha levantado vôo.
— Não se incomode em me pedir desculpas — Cora disse, com arrogância. É melhor ir lá e. . .
— Eu já fiz isso, enfermeira. Assim que você e Barty se fecharam atrás das cortinas, eu tinha
certeza de que teria que engolir algumas das minhas palavras. Portanto, procurei a enfermeira Pemberton
e, no tom mais humilde possível. . .
Ele estava recostado na poltrona da enfermeira Hart. com os pés sobre a mesa, o avental branco
aberto, e o estetoscópio pendurado no pescoço. Tinha um ar brincalhão, e Cora engoliu em seco, de
repente percebendo o quanto era atraente e como ela poderia facilmente. . .
— Bem, Cora? Não vai me dar um elogio? A moça levantou-se.
— Já ouvi o que tinha a dizer, e isso é tudo! Aposto que não deu para a Dulce diferenciar se a
sua conversa foi um pedido de desculpas ou um novo sermão.
Philip derrubou a poltrona ao se levantar e aproximou-se dela, agarrando-lhe os pulsos e
puxando-a para si, rindo.
— Não acredita que pedi humildemente desculpas? Pois está enganada, enfermeira Summers.
Eu me arrependo sinceramente da minha falta de habilidade em controlar meu temperamento diante dos
meus pacientes. Peço desculpas também pelos problemas que ia criar, pois estava quase dizendo a Barty o
que pensava dele. — Segurava-a com força, com ar sério, mas seus olhos a observavam, divertidos. —
Isso não é um pedido de desculpas de primeira?
— Muito bem, senhor. Se já terminou. ..
— Terminei o quê? Eu mal comecei.
Percebeu a intenção dele e virou-se para a porta. Philip observou-a calmamente, passando as
mãos ao longo dos braços dela. Ouviram um ruído no corredor.
— Bem, enfermeira Hart, voltou muito mais depressa do que eu esperava.
Cora olhou. Lorna Hart estava parada na porta, ainda usando o blazer verde. Os cabelos pretos
caíam soltos ao redor do rosto e estava mais branca do que cera, os olhos feito carvões queimando.
Parecia mais linda do que nunca, mas extremamente aborrecida.
— Sim, voltei mais cedo do que ... — Ela se interrompeu. — Philip, preciso falar com você. —
Virou-se para Cora, com a voz muito ríspida: — Enfermeira, não tem nenhum trabalho a fazer?
A moça respirou fundo e sentiu que Philip apertou de leve seus braços.
— Sim, enfermeira.
Saiu, mas ainda ouviu-o dizer:
— Bem, minha querida Lorna, o quê. .. — E então, ela fechou a porta.
Caminhando apressada pelo corredor, ela imaginou o que a enfermeira Hart teria visto... ou
imaginado. Será que tinha notado que o dr. Kenning estava prestes a beijá-la? Esperava que não e que
fosse ficar muito aborrecida com aquilo. Havia sofrimento naqueles olhos escuros. Será que a enfermeira
Hart estava apaixonada por Philip Kenning?
Entrou na enfermaria e encontrou Patty.
— Você está muito agitada, Cora. Viu a enfermeira Hart? Ela chegou aqui feito um foguete.
Não me diga que a pegou com o adorável dr. Kenning?
— Patty, fique quieta! — Cora olhou em volta. — Nós estávamos só conversando, quando a
Hart entrou como se. . .
— Como se fosse a dona dele?
— Não! Bem, talvez. . . Cuidado! Lorna e Philip estavam na porta.
— Enfermeiras Summers e Anderson, por favor, venham até minha sala.
As duas obedeceram, curiosas. Ao entrar no escritório a enfer-meira-chefe já estava
sentada e o dr. Kenning, parado perto da janela.
— Garotas, eu as chamei para dizer que estarei ausente por aqui. . . por uma
semana, mais ou menos. Possivelmente, mais. O dr. Kenning e eu já conversamos com a srta.
Avery e apesar de a Summers estar conosco há pouco tempo, concordamos que deve assumir o
cargo de enfermeira-chefe até que eu volte ou até que novas ordens sejam dadas. — Olhou de
modo penetrante para Cora, que conseguiu sorrir. — Pode aguentar, enfermeira? Claro que será
por um período curto.
— Acho que sim.
— Ótimo. Tenho confiança em você, enfermeira Cora Summers, e conto com a ajuda
de iodos. Ficará na Enfermaria Edith de agora em diante. . . e até quando for preciso. Está tudo
bem claro?
Elas disseram que sim.
— Se precisarem de alguma ajuda, os doutores Kenning, Cosgrove ou Webster farão o
que puderem. E a srta. Avery estará sempre no escritório. Vou partir agora; portanto, se
quiserem saber mais alguma coisa, é só perguntar.
Cora sorriu para a mulher e quis saber:
— Enfermeira, há algo que possamos fazer? Não disse por que ficará afastada, mas está
preocupada e cansada!
— É muita gentileza sua, Cora. — Durante um momento, a enfermeira Hart
pareceu quase humana. Mas depois colocou novamente a máscara. — Não há nada que alguém
possa fazer. É só um assunto de família.
Discutiram mais alguns detalhes, depois as duas moças saíram do escritório e voltaram
para a enfermaria.
— O mundo é estranho, não? — Patty comentou. — Eu diria que há um príncipe
encantado se aproximando. Aquele não é o seu Dan?
— Ele não é o "meu" Dan. ele é. . . — Cora parou e sorriu para o rapaz. — Sr.
Frears, deixe-me apresentar minha amiga Patty Anderson. Ela vai trabalhar nesta
enfermaria de agora em diante.
Dan, de jeans e suéter creme, segurava uma maleta e parecia diferente, muito mais
atraente. Cora entendeu por que Patty o linha achado encantador.
— Oi, Patty, prazer em conhecer você. Cora, o meu táxi já está chegando. Quando será
a sua próxima folga?
Cora levou as mãos à cabeça.
— Claro, eu devia ter perguntado à enfermeira Hart, se ela já tinha feito a escala. —
Sorriu para Dan. — Hart vai tirar uma licença de uma semana ou duas e eu a substituirei. Acho
que quase não terei folgas, durante algum tempo.
— Bobagem! Se você é a enfermeira-chefe substituta. . . — Dan riu. — Lembre-se de
como a Hart se comportava! Poderá ter folga todos os dias! Dê folga a você amanhã à tarde. . .
— Se continuar com isso, vou internar você de novo — Cora ameaçou.
— Se ela não sair com você, Dan, me convide — Patty disse. . .
— Patty, que oferecida! — Cora brincou e virou-se para o rapaz: — Agradeço o
convite, Dan. Encontro com você amanhã às oito e meia e poderemos jantar juntos, antes que
Patty o roube de mim, debaixo dos meus próprios olhos!
— Então, está combinado. Venho buscar você de táxi na entrada principal, às oito e
meia. Até amanhã, Cora. Prazer em conhecê-la, Patty.
As garotas acenaram e voltaram ao trabalho. Um paciente, o sr. Saunders, queria a
comadre; depois, reclamou que alguém tinha alterado sua tração. Outro paciente tinha que ir
para o raio X, e naquele momento Daddy Hogan tropeçou no fio da antena da televisão, dei-
xando-a fora do ar, bem na hora do programa que todos queriam assistir. Então, Cora descobriu
que a enfermeira-chefe tinha saido sem preencher os formulários da semana e que Barty estava
ficando nervoso. É. . . as coisas não iam ser nada fáceis, ainda por cima Cora já estava sentindo falta de
Dan.
Às seis horas, chegou um recado da enfermeira Dóris Phipps, avisando que o marido ia trabalhar
até tarde e que não poderia chegar ao hospital para substituí-la antes das oito.
— Não tem importância. Vou ficar e preencher estas fichas — Cora disse, arrumando uma mesa
na enfermaria. — Hoje é um daqueles dias que a bruxa está solta.
No final, ficou em seu posto, até que a enfermeira da noite aparecesse, às dez; estava cansada e
nervosa. Entretanto, a enfermeira Morris e a outra garota, a estagiária chamada Phyllis Coe, eram muito
experientes e ela sabia que ia deixar a enfermaria em boas mãos.
Depois de um afarme falso com relação ao cigano Barty, ela agora era cuidadosa com todo o
pessoal que ia cuidar dele, e Phyllis prometeu ficar de olho, durante a noite. Sentindo que ela faria o
melhor possível, Cora voltou para o alojamento. A lista de operações para o dia seguinte já estava
pendurada no escritório. . . discretamente, debaixo do calendário: assim, nenhum paciente poderia ver. O
nome de Barty era o primeiro de todos.
Pensou se havia esquecido alguma coisa e achou que estava sendo boba. Se tivesse esquecido,
era porque não se tratava de nada importante. Daria tempo para tudo, pois chegaria com uma hora de
antecedência, pelo menos, para preparar Barty. Uma gasterectomia parcial não era nada simples, e tinha
certeza de que os pacientes respondiam melhor, quando sabiam o que ia acontecer com eles e por quê.
Abriu a porta e olhou a cama, com certo alívio. Ia descansar bastante e estaria pronta para o novo
dia de trabalho como encarregada da enfermaria.

CAPITULO IX

No dia seguinte, Cora procurava confortar o cigano que seria operado dali a instantes:
— Não tem que se preocupar, Barty, porque o próprio dr. Kenning vai fazer sua operação e ele
é um ótimo cirurgião. Quando você voltar, eu estarei aqui. Já lhe falei da máscara de oxigênio e do tubo
que vai entrar pelo seu nariz até chegar ao estômago; já falei sobre o sangue, porque acho que assim
ficará menos preocupado quando acordar, tendo conhecimento de tudo. Algumas enfermeiras acham que
os pacientes ficam mais preocupados se sabem, mas eu não concordo. Como está se sentindo?
Barty estava pálido, mas sorriu de modo comovente, e procurou fechar mais o camisolão com
que iria para a sala de operações.
— Estou me sentindo um idiota, nesta roupa, Cora! Quanto à operação, se você estiver aqui
quando eu voltar, acho que vou sobreviver! Quando será a hora terrível?
— Será levado para a sala de operações às nove horas. É o primeiro, sabe?
Barty fez que sim e engoliu em seco.
— Gostaria de tomar um drinque, estou com sede! Cora sorriu.
— Sinto muito mas não pode tomar nada agora, nem depois da operação. Está sentindo
sede por causa do nervoso e da injeção que acabou de tomar. Ela faz com que a boca fique seca,
mas tem um efeito, e logo sentirá sono. Então, antes de perceber o que aconteceu, já estará
voltando para cá!
— Sim, e vou acordar cheio de tubos — Barty comentou, já com menos ansiedade,
mais calmo, pois o efeito do remédio era rápido.
Cora acariciou seu braço e saiu pela enfermaria, indo até Dulce, que levava Daddy
Hogan, pacientemente. Ela levantou os olhos, quando Cora se aproximou, e lhe entregou um
pedaço de papel.
— Patty acabou de chegar com um novo internamento. Adivinhe quem é?
— Nem posso imaginar. Não conheço ninguém em Cacanos. Quem?
— Malcolm Hart, o marido da enfermeira Hart. Cora assobiou baixinho, arregalando os
olhos.
— Foi por isso que tirou licença? Têm uma criança, não? Talvez soubesse que o
marido viria para cá e precisou da licença para cuidar do filho. Qual é o problema do marido?
— Está com as costelas e o queixo quebrados — Dulce contou. — Acho que não é o
tipo de coisa que uma esposa iria saber com antecedência. Ele veio ontem à noite, mas a
enfermeira-chefe do pronto-socorro disse que estava bêbado e o dr. Kenning não ia operar.
Ficou adiada para hoje, é o segundo da lista.
— Estranho. Quando ele virá para a enfermaria?
— Depois da operação. Qual a cama que devo preparar? Cora pensou.
— Acho que a que Dan ocupou. É no fim da enfermaria; assim não será muito
incomodado. Sim, coloque-o naquela.
Observou a ficha. Malcolm David Hart, casado, trinta e seis anos. Bem, seria
interessante conhecer o marido da enfermeira-chefe; significava também que teria a Hart
fazendo visitas por lá, o tempo todo.
Virou-se e viu um assistente entrando com uma maca.
— Bom dia, enfermeira. Vim buscar Barty. Onde está ele?
— Ali mesmo. Vou com você. — Cora indicou a cama do paciente.
— Acordado, Barty? Vamos levá-lo para a sala de operações agora.
O cigano dormia e Cora achou que ele nem tinha notado que o estavam carregando.
— Boa sorte, Barty: espero ver você de novo logo — disse, baixinho. Ele parecia bem
e logo foi levado para fora da enfermaria, que voltou à rotina.
Quando Cora e Dulce terminaram de tirar as temperaturas e pressões, arrumaram a
cama de Barty, para quando ele voltasse.
— Vou puxar a mesinha também, para haver bastante espaço para o tubo de oxigênio
— Cora disse. — O dr. Kenning mandou dar uma injeção para tirar a dor, se for necessário,
quando o paciente começar a voltar a si. Vou deixá-la pronta, trancada no armário dos remédios.
Deixei a Patty trabalhando mais com a papelada, porque tem mais experiência nesse tipo de
coisa do que eu. Assim terei tempo de ajudar você com o Barty. Já cuidou de algum operado de
gasterecto-mia antes, Dulce?
— Não. E jamais vi uma sonda nasogástrica, mas li a respeito disso ontem à noite.
Parece horrível! Mais de meio melro de tubo plástico enfiado pelo nariz e para chegar até o
estômago. — Virou-se para Cora com os olhos arregalados. — Ele vai se sentir muito mal
quando voltar da anestesia, não?
— Infelizmente, vai. Mas não será por muito tempo porque o anestesista disse que ele
é forte como um touro! Só que é um sujeito muito nervoso, apesar do tamanho. Quero que uma
enfermeira fique sempre com ele. Precisa de muita assistência, mas acho que vai con seguir
superar a pior fase. Já que temos a enfermeira Hart aqui, vamos ter que trabalhar duro, mas a
enfermeira Anderson vale por duas delas.
— Sei disso. Quanto tempo demora uma gasterectomia?
— Duas a três horas, eu acho. O dr. Kenning é muito rápido: deve levar só duas.
Acredito que Barty voltará mais ou menos às onze horas.

Estavam tirando as bandejas do almoço, quando ouviram que o cigano voltava. E a má


sorte fez com que Barty começasse a se mexer no momento em que Malcolm Hart era admitido
na enfermaria.
— Patty, preciso cuidar de Barty. Pode atender o sr. Hart?
A outra concordou e, por isso. Cora não viu muito o novo paciente, a não ser seus cabelos
escuros e ondulados.
Barty deu muito trabalho. Logo que voltou a si, começou a se debater e gemer. Tentou tirar a
máscara de oxigênio, depois puxou a sonda, e Cora passou maus momentos. Ele continuava resmungando
uma porção de coisas que ela não entendia, percebendo apenas uma ou duas palavras. Estava segurando
sua mão quando ele começou a gemer mais alto e abriu os olhos, com uma expressão de sono e dor.
— Cora? Enfermeira?
— Está tudo bem, Barty, estou aqui. Sente muita dor? — Ele piscava sem parar e ela lhe
acariciou o ombro. — Vou buscar uma injeção que vai ajudar e. . .
— Não precisa, enfermeira: eu já trouxe.
Cora virou-se e deu com o olhar cansado do dr. Kenning.
— Desculpe, não notei que estava na enfermaria, doutor. Eu vou...
— Já trouxe tudo, enfermeira. — Apontou para o carrinho. — Por favor, tire as cobertas dele,
sim?
Ela obedeceu e viu o brilho da agulha. Poucos momentos depois, Barty começou a relaxar, sorriu
de leve e fechou os olhos.
— Ele passará bem durante algum tempo — Philip garantiu. — Vai ver outros pacientes
agora?
— Sim se achar que posso deixar Barty sozinho. Foi uma operação difícil? Ele passou mal?
— Não foi muito fácil. É um homem enorme e tem um estômago grande. Mas é forte e vai se
recuperar bem, tenho certeza.
Tinham chegado ao lado do leito de Hart e pararam para olhá-lo. Era um homem bonito
parecendo mais velho do que trinta e seis anos. O rosto bronzeado estava parcialmente escondido pelas
ataduras.
Dulce pigarreou.
— Ele chegou há uns quinze minutos, doutor, mas logo adormeceu. Não parece estar sentindo
nenhuma dor.
— Ótimo. Mesmo assim vou receitar uma injeção, caso sinta algum desconforto mais tarde. —
Virou-se para Cora. — Pode conversar comigo um momento, em particular?
— Bem... posso sair da enfermaria? Tenho medo que Barty acorde e precise de alguém. A
enfermeira está ocupada. ..
— Barty não vai acordar durante umas três horas, pelo menos. Os dois entraram no escritório e
Cora hesitou. Agora, aquela era
a sua sala. Quem devia sentar na poltrona atrás da mesa e quem sentaria na cadeira de visitas?
O dr. Kenning resolveu o problema, sentando-se calmamente na cadeira da enfermeira-chefe e
indicando a outra para ela.
— Enfermeira, acho que deve saber algo sobre Malcolm Hart. Sabe, ele é o segundo marido
da enfermeira Hart e ela tem um filho do primeiro casamento.
O dr. Kenning fez uma pausa.
— Malcolm Hart nunca foi fiel a Lorna, mas ela parecia não se importar. Mas agora, Malcolm
começou a atormentar o filho dela, Gavin, e Lorna ficou preocupada. Neste último mês, descobriu que
Malcolm andou batendo no garoto. Gavin fica com uma vizinha, enquanto eles trabalham.
Ultimamente, Malcolm tem chegado cedo e pega o garoto na casa da vizinha. A princípio, a mulher achou
que estava tudo bem, mas depois notou que a criança estava arranhada, com manchas no corpo. . .
— Pobre menino!
— O problema é que Lorna não pode negar a Malcolm nenhum direito sobre a criança, pois ele
adotou Gavin legalmente, quando se casaram. Assim, cada vez que o marido pegava o garoto, a vizinha
telefonava e Lorna saía correndo para casa.
— Compreendo. Gostaria de ter sabido disso antes.
— Sim, sei que compreende. Mas Lorna estava tão envergonhada. Não queria nem tocar nisso.
— Por que ela não abandonou o marido? Podia levar a criança para um lugar mais seguro, não?
Philip tamborilou sobre a mesa.
— É difícil acreditar, mas ela ama o sujeito. Também sabia que Malcolm não ia se conformar
facilmente. Ela é quem tem o dinheiro. O primeiro marido era um homem muito rico: a casa e as
terras pertencem a Lorna. Se ela fugisse, estaria tirando a herança de Gavin e Malcolm
continuaria sua boa vida.
— Que situação horrível! Mas ontem ela estava decidida a partir, não? Por quê?
De repente, o dr. Kenning pareceu muito interessado em alguns papéis sobre a mesa.
Arrumou-os cuidadosamente, depois abriu-os como um leque e voltou a empilhá-los.
— Sim. Bem, Cora, essa é uma parte que prefiro manter só entre nós e não quero que a
repita a mais ninguém.
Confusa, ela concordou, depressa:
— Claro que não contarei a ninguém.
— Ontem, depois que Lorna pediu a licença, eu a levei para casa. Cora inclinou a
cabeça. Seu coração estava começando a bater
mais forte. O que iria ouvir em seguida?
— Quando chegamos lá, Maicolm estava com Gavin na sala de estar. Não vou lhe dizer
o que estava fazendo, pois terá que cuidar do homem. Eu entrei e o acertei várias vezes. A única
desculpa para o comportamento dele é que estava muito bêbado. É claro que com isso não estou
justificando o "meu" comportamento. A enfermeira-chefe e eu inventamos uma história e tenho
certeza de que Malcolm não vai desmentir, pois tudo aconteceu depressa demais. Contaremos, a
quem perguntar, que ele surpreendeu um ladrão. Estamos certos de que ele vai concordar com
essa história, porque fará com que pareça um herói. Disse que ele lutou e expulsou o ladrão.
— E o que ela pretende fazer agora?
— Nós dois percebemos que Malcolm teria que passar algum tempo no hospital,
por causa do queixo quebrado. Portanto, Lorna decidiu tirar partido da situação. Ela já arranjou
um comprador para a casa e para as terras e, assim que fechar o negócio, vai viver com Gavin
nos Estados Unidos. Acho que. .. um amigo irá encontrá-la. .. quando tudo estiver resolvido.
— Compreendo. — Cora sentiu os olhos cheios de lágrimas. Será que ele era o tal
amigo? Não acreditava: mas Philip tinha brigado com Malcolm Hart e quem faria isso, se não
estivesse apaixonado? Poderia ter sido para salvar a criança, claro, mas. . .
— Bem, enfermeira, vai ter algumas semanas difíceis com Barty e Malcolm. Mas acho
que logo a enfermeira Jenny Dobson voltará das férias e se encarregará da Enfermaria Edith. —
Levantou-se e colocou a mão no ombro dela. — Minha pobre criança, estou tirando vantagem
da sua força e entusiasmo pelo trabalho, mas a medicina "é" assim mesmo, não? Devo sacrificar
você durante algumas semanas. O diabo é que não poderei ajudar. Dick Cosgrove é um bom
sujeito, ele estará sempre por perto quando for necessário. Vai operar o Hart e acompanhar o
caso. Ficarei fora do caminho o máximo que puder.
Ela mal confiava na própria voz.
— Ficará fora do caminho? E. .. quanto a Barty?
— Claro que vou manter um olho nele. — Bateu de leve no ombro dela. — Aceite o
meu conselho e não tente fazer nada nas próximas semanas, a não ser correr para a enfermaria,
comer bem e dormir o que puder. Adeus, Cora.
Ela ficou onde estava, confusa com tudo que tinha ouvido. Philip não poderia passar
muito tempo com ela. Ia deixá-la com toda a responsabilidade daquela enfermaria: um homem
cuja esposa o havia abandonado; e um paciente imenso, que parecia uma criança, e con-
valescendo de uma operação complicada. Isso, além dos outros pacientes. Durante um
momento, sentiu vontade de chorar; depois, endireitou os ombros e voltou ao trabalho. A
enfermagem era o seu trabalho, e agora, tinha que pensar não no dr. Kenning ou em Lorna Hart,
mas nos pacientes cujas vidas dependiam dela e do resto da equipe.
Se Philip ia mesmo partir para se encontrar com a enfermeira Hart nos Estados Unidos,
era problema dos dois. Não podia se preocupar com isso. Pensaria no assunto quando não
estivesse tão cansada, nem chocada e tinha certeza de que, então, conseguiria ver as coisas de
modo diferente.
— Cora, graças a Deus você voltou. Fiz uma comidinha gostosa para nós. E quero
conversar uma coisa com você.
Cora quase desabou na cadeira que a amiga lhe oferecia.
— Patty, você é um anjo! Estou morta de fome, e não podia encarar a comida da
cantina. Oh, puxa vida!
A outra tomou um susto.
— O que é? Esqueceu de verificar a transfusão ou a tração do sr. Saunders? Ou
deixou uma comadre fervendo no esterilizador? Deixa pra lá! A equipe da noite é responsável
por tudo isso agora.
— Dan!
Patty deu um pulo.
— Cora, eu também esqueci! Olhe, passa das oito, mas você pode ligar para ele,
avisando que vai se atrasar um pouco.
Cora colocou a cabeça nas mãos.
— Não posso sair. Não posso, mesmo. Estou caindo aos pedaços. Tudo que quero é
comer e dormir pelo menos dez horas.
— E não sabe o número do telefone dele? Cora sacudiu a cabeça e começou a comer.
— Sei que ele está hospedado na casa da sra. Frederichs, perto do porto. Vou ligar para
ele — falou Patty, indo para seu apartamento, e voltou pouco depois dizendo:
— Está tudo certo. Dan ficou triste e desapontado, mas telefonará para você no fim da
semana e vai levá-la ao cinema ou para jantar. Ligará amanhã, mais ou menos a essa hora, para
conversar.
— Como você é gentil, Patty! E uma ótima cozinheira também! Agora, sobre o quê
queria conversar? Se quer me dizer alguma coisa, é melhor falar antes que eu adormeça.
— Lembra que eu contei que conheci o irmão de Malcolm Hart?
— Sim. Tem chá no bule?
— Cora, essa é uma fofoca fresquíssima, e você fica perguntando sobre chá? Como eu
estava dizendo, conheci o irmão de Malcolm e ele me deu uma cantada minutos depois das
apresentações. Bem, na verdade, não era o irmão dele. Era o próprio Malcolm!
Aquilo despertou Cora completamente,
— Não! Quer dizer que o homem que está na nossa enfermaria se fazia passar pelo
irmão solteiro de Malcolm?
— Isso mesmo. — Patty riu. — Quando, ele apareceu ontem, levei um choque. Claro
que nem sonho em contar para a Hart, mas. . .
— Ela não vai se importar; está abandonando o marido. Enquanto Patty a olhava com
espanto, Cora contou toda a história;
inclusive a agressão de Philip.
— O dr. Kenning pediu que eu não contasse isso a ninguém, mas precisava dizer a
você, Patty. Senão, ia ficar imaginando o porquê de sua ausência. O que acha de todo esse
drama?
— Horrível! Foi por isso que você e ele ficaram fechados durante horas na sala de
Hart? — Olhou, preocupada, para a amiga. —E por que saiu tão pálida e calada? Acha que há
alguma coisa entre o dr, Kenning e a Hart?
— E o que mais posso pensar? — Cora perguntou, infeliz. — Acho que, quando ele
disse que um amigo ia se encontrar com ela nos Estados Unidos, estava falando dele mesmo.
— Bobagem! Besteira completa! O dr. Kenning acabou de se tornar cirurgião-chefe
aqui e adora a ilha, adora o hospital. Você não pensa que desistiria disso por causa de uma
mulher; ainda mais, de Lorna Hart.
Cora encarou-a por um momento; depois, suspirou e pegou a xícara de chá.
— Um brinde a você. Patrícia Anderson! Nem sabe como me faz sentir melhor. Acho
que você está certa! Ele não está apaixonado pela horrível Hart!
Patty também pegou a xícara e olhou para Cora, com um ar solene.
— E você não sabe como me faz sentir horrível, Cora Summers, porque tenho certeza
de que também estou certa outra vez: você está apaixonada por ele!
— Eu, apaixonada por ele? Ficou maluca? Nem vou com a cara dele!
— Está apaixonada e ele nem pensa em casar. É um homem egoísta, você sabe. Vai
pegar o que você tem a oferecer e deixá-la por causa da outra. Oh, Cora, onde isso vai acabar?
— Não sei. Mas, se estou apaixonada por ele, acho ótimo.
— Oi, Barty. Como está passando?
Ele ainda estava pálido e com olheiras, mas sorria, numa tentativa corajosa de
demonstrar alegria. A máscara de oxigênio já tinha sido retirada, mas continuava a tomar
sangue e a sonda ainda descia pelo nariz. Cora examinou a ficha e disse:
— Vou limpar sua sonda, Barty. Acho que já viu isso ser feito várias vezes. Olhe, pego
essas seringas bem grandes e tiro o líquido. Veja a cor: está esverdeada e saudável, sinal de que
você está indo bem. Hoje, já pode tomar um pouco de água. Amanhã, entrara numa dieta leve à
base de purês e mingaus. Aposto que não vê a hora.
Pela primeira vez, um grande sorriso surgiu no rosto dele. Cora tomou a mão imensa do
homem.
— Agora que você sorriu, sei que está melhor! O que acha de erguermos a cama durante
alguns minutos? Só um pouquinho, para você mudar de posição.
Ele fez que sim com a cabeça.
— Certo. Vou chamar a enfermeira Anderson para me ajudar. A recuperação de Barty
foi espantosa, logo tiraram a sonda, e
ele passou a comer e a caminhar pelos corredores da enfermaria.
Com relação ao resto dos pacientes, Cora estava se saindo bem, só evitava Malcolm
Hart o máximo que podia, mas ele parecia apreciá-la e raramente a deixava passar sem puxar
conversa.
Quanto ao dr. Kenning, raramente aparecia na enfermaria, mas ele e Cora tinham longas
conversas na sala da enfermeira Hart, e sempre estritamente profissionais.
Se não estivesse tão cansada, poderia ter se preocupado com a falta de interesse do
médico. Mas, como se sentia sempre exausta à noite e muito ocupada durante o dia, dormia
pesadamente e mal percebia os dias passando.

CAPITULO X

— Enfermeira Summers, esta aqui é a enfermeira Dobson. Sei que não a conhece,
porque ela saiu de férias no dia em que você chegou a Cacanos. — E olhando para Dobson
disse: — A enfermeira Summers tem trabalhado demais desde que a enfermeira Hart decidiu
nos deixar. — O dr. Kenning sorriu para as duas. — A enfermeira Dobson pode assumir na
manhã de segunda-feira.
Jenny Dobson era muito alta, com um rosto forte e simpático. Lembrando a história de
Patty sobre as botas e pés grandes, Cora teve grande dificuldade em não olhar para os pés dela.
Mas gostou do sorriso gentil de Jenny e achou que seria agradável trabalhar com ela.
Jenny também gostou de Cora, pois apressou-se em dizer:
— Terá folga neste fim de semana, enfermeira Summers. Pode deixar tudo por minha
conta e descansar. É bom dividir as responsa-bilidades com outra pessoa. Quando for uma
enfermeira-chefe, e pelo que o dr. Kenning me disse, isso não vai demorar, aprenderá a delegar
poderes. Assim, poderá cuidar bem das partes mais importantes da enfermaria.
— Não espero ser chefe tão cedo — Cora comentou. — Comecei na enfermagem há pouco
tempo.
Dobson olhou, curiosa, para o dr. Kenning, que tinha ido para a enfermaria depois das
apresentações e estava conversando com Barty.
— Não foi isso que ele me disse. Falou que você não ficará comigo por muito tempo.
— Bem, prometo a você que não vou me inscrever para um posto de chefia durante um ano ou
dois. E, agora, com licença.. .
Cora voltou para a sala e sentou-se diante de uma pilha de relatórios. Começou a escrever, mas
não estava com o pensamento no trabalho.
O dr. Kenning tinha dito que não ficaria muito tempo na enfermaria. Será que pretendia demiti-
la? Ou transferi-la? Gostava do trabalho ali, mas pensando bem tinha sido empurrada para a Enfer maria
Edith ao chegar só porque estava precisando desesperada-mente de gente. E se as coisas voltassem ao
normal e ela não fosse mais necessária? Patty já voltara para a geriatria há dois dias, com a promessa de
ser transferida para a enfermaria infantil, dentro de um mês.
Lembrou, de repente, do desastrado passeio com Dan. Foram ao cinema, ele a abraçou e ela
simplesmente dormiu durante o filme todo. Para piorar as coisas dormira também no táxi, a caminho de
casa, e tinha esquecido de convidá-lo para entrar quando chegaram ao alojamento. Tudo isso por causa do
trabalho; subira lentamente as escadas e caíra na cama.
Foi sua primeira e única tentativa de sair e se divertir à noite enquanto substituía a enfermeira-
chefe. Patty vivia lembrando a ela que o trabalho da enfermeira não é de vinte e quatro horas por dia, mas
havia tão pouca gente na enfermaria e estava sempre tão ocupada. Não podia deixar de ajudar, e ainda
aqueles relatórios para preencher! Tomar notas, trabalhar em horas-extras, verificar quanta comida
seria necessária, vigiar as dietas, planejar a distribuição do serviço ... O trabalho parecia não acabar mais!
Dulce entrou na sala.
— Eu bati, enfermeira, mas acho que não ouviu. É hora de ir embora!
Cora olhou o relógio e se levantou.
— Meu Deus, tem razão! Preciso ir correndo!
As duas saíram juntas e foram, apressadas, para seus apartamentos. Dulce, que dividia o último
andar de um outro bloco com uma estagiária, acenou para Cora, que subiu a escada depressa.
Tinha pouco tempo para se arrumar. Dan vivia insistindo para ela se divertir e esquecer um
pouco o hospita!, e Cora queria deses-peradamente que tudo desse certo naquela noite, depois do fiasco
do outro encontro. Sabia que Dan tinha planejado algo especial, e provavelmente caro, e estava resolvida
a apagar a péssima impressão que deixara.
Entrou no chuveiro e lavou a cabeça. Enxugou-se e saiu nua para a sala. Patty bateu na porta da
cozinha e gritou:
— Quer um lanche quando estiver pronta? — Cora enrolou-se na toalha e rápido , . . abriu a
porta.
— Estou me preparando para encontrar Dan. Não vou comer nada, porque vamos jantar. Mas
aceito uma xícara de chá.
Patty colocou leite nas xícaras e serviu o chá.
— Também vou sair. Com aquele sujeito que conheci no churrasco, outro dia. Vou usar preto,
para parecer mais magra.
— Eu vou usar meu vestido indiano. Mostrarei a você, depois que estiver pronta. Às vezes,
acho que é lindo; outras, acho que não fica bem em mim. Vou desfilar para você e quero sua opinião
sincera.
Depois de tomar o chá, Cora voltou para o apartamento e vestiu a lingerie mais fina que tinha,
pois a noite estava bem quente. Depois, colocou o vestido que era de musselina indiana e parecia apenas
um leve véu vermelho-escuro, entremeado de fios prateados. Era justo no busto e caía até abaixo dos
joelhos. As mangas e os punhos tinham botões imitando pérolas. Olhou-sé no espelho, procurando
resolver se usaria os cabelos soltos ou presos, mas preferiu presos, por causa do calor. Acabou de se
arrumar e bateu na porta de Patty.
— Está pronta? Eu estou.
Patty abriu, parecendo muito diferente, de preto, com os cabelos soltos e as sardas disfarçadas
pela maquilagem.
— Cora, você está linda! Tão magra! Que sapatos vai usar?
— Vou mostrar. — E foi buscar em seu quarto as sandálias vermelhas de tirinhas que tinha
trazido da Inglaterra.
— Machucam à beça, mas não vou andar a pé, porque Dan já está de carro. Se ele sugerir um
passeio a pé, eu tiro os sapatos e finjo que é moda agora andar descalça.
Quando Cora voltou ao apartamento para dar os toques finais na maquilagem, o telefone tocou.
Atendeu olhando-se no espelho. Devia usar bota? Uma flor nos cabelos?
— Cora? É Philip. Como nós dois estamos de folga esta noite, achei que poderíamos jantar
juntos.
O tom dele era o de um amigo e o coração de Cora murchou. Como adoraria aceitar, mas era
impossível. Dan tinha esperado tanto por aquela noite!
— Oh, Philip, sinto muito! Vou sair.
Houve um momento de silêncio, antes que ele falasse de novo:
— Ah! É alguma coisa importante. Porque eu gostaria de conversar com você sobre Lorna
e o menino. Não pode cancelar o encontro?
— Não posso, mesmo. Já cancelei tantas vezes! De qualquer forma, não daria mais tempo:
faltam só cinco minutos.
— Sei. Alguém que conheço?
Será que tinha percebido um leve tom de ciúmes na voz dele?
— Conhece, sim. Já foi nosso paciente. É o Dan.
— Sim, lembro dele. Um rapaz simpático. E que tal amanhã, então?
— Seria ótimo. A que horas?
— Anda não sei. Telefono para você. Até logo. Cora. Desligou, sentindo-se deprimida
novamente. Não havia ciúme na
voz dele; tinha sido apenas sua imaginação. Ele só queria conversar sobre a enfermeira Hart;
provavelmente, achava que lhe devia uma explicação.
Mas não tinha tempo de sentir pena de si mesma: ouviu o som dos passos de Dan, subindo os
degraus. Pegou a bolsa de noite, muito delicada, prateada, e abriu a porta.
— Na hora certa, sr. Frears. Vamos?
Dan parecia diferente, com os cabelos loiros muito bem penteados e um terno escuro. Parecia
mais velho e sério. Ela desceu na frente e caminharam até o carro dele. Era um jipe velho, sujo de areia, e
dava a impressão de estar inteiro por puro milagre.
— Não encoste em nada — Dan disse, ansioso, ajudando-a a entrar. — Limpei bem a parte
de dentro, mas não deu tempo de limpar fora. Lamento. Você está tão bonita, e o carro tão sujo.
— Sujo? — Riu da preocupação dele. — Dan, deixe de bobagem. Meu vestido e eu somos
laváveis.
— Que bom. Bem, como passou os dias difíceis? E como vai aquele mau cárater do
Malcolm? Espero que o queixo quebrado esteja doendo bastante.
— Ninguém parece gostar de Malcolm Hart, a não ser Dulce, que acha que ele está sendo muito
difamado. O queixo já está melhor: tiramos as ataduras e ele está nos presenteando com um sorriso torto.
Nunca o vi antes, mas Patty disse que sempre sorriu assim.
— Aquele sujeito é terrível! Mas não vai ficar contente quando sair do hospital. A casa e as
terras foram vendidas e a enfermeira Hart com o garoto pegaram um barco para St. Lúcia hoje ao meio-
dia.
Agora estavam na estrada principal para Barbella e Dan tocou o jipe um pouco para a lateral,
apesar de manter a mesma velocidade.
— Por que ele não passa? — comentou, irritado, olhando para o espelho retrovisor. — Tem
bastante espaço.
Cora virou-se e levou um susto. O carro esporte vermelho era inconfundível, assim como o
motorista. O dr. Kenning tinha resolvido passear. E não estava sozinho. Não conseguia ver quem o acom-
panhava, mas deu para perceber duas pessoas no carro, quando numa nuvem de poeira ele ultrapassou, na
direção de Barbella.
— Aquele não era o dr. Kenning? — Dan disse, num tom casual. — Bonito carro.
— Sim.
Então, Philip nem tinha se importado por não saírem juntos, convidou outra pessoa, e
bem depressa. Cora sentiu que sua indignação crescia. Como ele podia se comportar desse
modo? Dan tinha chegado assim que desligaram o telefone e ele deve ter ligado imediatamente
para outra enfermeira! Bem, pelo menos, aquilo provava uma coisa: não valia a pena se
preocupar com o dr. Philip Kenning.
Começou a conversar com Dan. contando sobre a vida na enfermaria e fazendo-o rir.
Quando chegaram ao porto, já se sentia mais alegre. Ia se divertir naquela noiie. Não teria
tempo de se preocupar com Philip. Nem quando deitasse na cama em seu alojamento, desejando
...
— Chegamos! Vou apresentar você à Martha. Espero que não tenha estado aqui
antes!
— Martha? Não. Por quê? É algo especial? Ele sorriu e a ajudou a descer.
— Espere para ver. Mas acho que vai gostar.
Era impossível não gostar de Martha. Era uma gruta na rocha, ao lado do porto,
transformada num restaurante muito elegante, especializado em frutos do mar. Em uma das
paredes da pedra, havia um grande aquário natural, com peixes de todas as cores e formatos que
nadavam preguiçosamente entre algas e plantas aquáticas.
— Reservei mesa. É mais garantido — Dan disse, quando a gar-çonete vestida com
roupas de marinheiro se aproximou e os levou para um cantinho isolado. — Às vezes a gente
não consegue lugar aqui.
Cora olhou em volta, com ar de aprovação. As mesas eram iluminadas discretamente
com velas. Mais pessoas estavam chegando, e ela podia ver todas, pois tinham sentado de frente
para a porta. Parecia que .. .
— O que está olhando, Cora? Alguém que você conhece?
Cora pegou o cardápio, apressada, fingindo estar mais interessada nos pratos.
Dan virou-se.
— Hum ...
— Veja, Cora! É o dr. Kenning com o dr. Cosgrove?
— Por que está me dizendo isso?
— Não percebeu? Quando o carro passou por nós, na estrada, o dr. Kenning estava
dirigindo e o dr. Cosgrove, sentado ao lado.
Dan olhou-a com ar de suspeita e comentou:
— Parece que o dr. Kenning vinha sozinho. Deve ter dado uma carona ao outro de
última hora.
De repente, o pequeno restaurante pareceu se iluminar para Cora; tudo estava perfeito: a
mesa, as garçonetes... tudo! Então, Philip não tinha convidado mais ninguém! Ela podia ficar
tranquila e se divertir.
— Bem, acho que vou querer um coquetel de camarão para começar. — Cora estava
animada.
— Dois coquetéis de camarão, por favor — Dan pediu ao garçom. Quando o homem
saiu, ele virou-se para ela: — O coquetel daqui é especial, você vai ver.

Uma hora depois, terminavam a refeição com café e creme, e Cora sentia-se um pouco
tonta, por causa do vinho.
— O que vamos fazer agora? — perguntou, quando o garçom, discretamente, passou a
conta para Dan. — Nada muito agitado, espero, porque comi demais. Foi a melhor comida que
já provei!
Dan assinou um cheque e sorriu.
— Este lugar é o meu investimento, garota. Se estou gastando este dinheirão, espero
um grande retorno.
Cora riu e levantou-se.
— Bem, onde iremos?
Ele também se levantou e segurou-a pelo braço.
— Já ouviu falar da pescaria iluminada? Caminharam lentamente para sair do
restaurante.
Philip estava sentado e espiando os dois com o canto dos olhos, e Cora lançou um olhar
de encantamento para seu companheiro. — Pescaria iluminada? O que é isso?
Já tinham saído, e ele a levou para o porto.
— Bem, na Grécia eles fazem isso de verdade, mas aqui significa que iluminam o fundo de um
barco, e os passageiros sentam em volta para ver os peixes sendo atraídos para a superfície. Claro que é
um barco com fundo de vidro.
— É isso que vamos fazer? Parece ótimo.
— Certo — Dan consultou o relógio. — Tenho um amigo que sairá de barco esta noite e
reservei um lugar para nós. Ele sai dentro de uma hora. O que quer fazer até lá? Vamos dar uma volta
pela costa? Ou prefere andar pelo porto? Há muitas lojas abertas.
Cora hesitou. Por causa das sandálias, queria passear de jipe, mas depois lembrou que qualquer
rapaz iria aproveitar aquela oportunidade para algumas carícias. Não sabia o que Dan tinha em mente,
mas resolveu aguentar o desconforto dos pés.
— Vamos olhar as lojas. Não tive chance de ver quase nada, desde que cheguei na ilha.
Ele pareceu um pouco desapontado, mas deu-lhe o braço.
— Ótimo. Vamos ao lugar onde fazem tapetes. Isso sempre me fascinou.
Entraram numa loja onde várias garotas teciam tapetes coloridos, para os turistas verem. Cora
percebeu então que estavam sendo seguidos. Philip se mantinha à distância e aparentemente não prestava
atenção neles, mas ela o via de vez em quando.
Fora ver as cerâmicas depois. Dan parecia não perceber a presença do outro homem, mas Cora
sentia o olhar dele, toda vez que falava com o rapaz, ria com e!e ou o tocava em seu braço.
Depois de quarenta minutos, Dan sugeriu que voltassem ao porto. Cora concordou, satisfeita.
Estava começando a se sentir cansada. Ser seguida por toda parte por Philip podia ser lisonjeiro, mas
também embaraçoso. Dan talvez tentasse beijá-la e, como não tinha a menor intenção de impedir, preferia
que o dr. Kenning não visse.
— Aqui está o barco, Cora. Entre. Tenha cuidado para não cair . . . — Dan se
interrompeu. — Boa noite, doutor. Eu não o tinha visto.
Cora arregalou os olhos. Philip estava sentado na proa do barco, recostado, parecendo muito à
vontade, observando-a, enquanto Cora tentava entrar no barco, sem tropeçar.
— Boa noite, Dan, Cora . .. Está mesmo uma linda noite. Cora olhou-o friamente.
— Uma linda noite para que, dr. Kenning?
Ele pareceu levemente surpreso, mas ela viu um brilho divertido em seus olhos.
— Para uma pescaria iluminada. O que mais poderia ser? Entre e sente ao meu lado: eu lhe direi
o nome de todos os peixes.
Seu tom autoritário irritou-a ainda mais. Estava tentando arruinar sua noite de propósito! O pior
é que ia aborrecer Dan. Não estava certo. Dan era um rapaz decente, não esperaria que ela ... não iria tirar
vantagem . ..
— Acho que vamos sentar aqui mesmo, doutor. Teremos uma vista melhor.
Dan ajudou-a a sentar e Cora arrumou o vestido; depois, virou-se para o acompanhante e
cochichou:
— Quanto tempo vamos ficar aqui? Não quero estragar a nossa noite, mas o dr. Kenning é o
meu chefe e não me sinto a vontade perto dele. Será que não podemos descer e fazer este passeio depois?
— Querida, eu gostaria, mas Ned nos fez uma reserva e .. .
— Então, como Phi . . . como o dr. Kenning conseguiu um lugar? Se sairmos agora, o tal de Ned
vai encontrar outro casal de turistas que adorarão o passeio, não?
— Bem, Cora . ..
— Lá vamos nós, pessoal.
Quem falava era Ned, com um amplo sorriso. Cora deu de ombros e se acomodou melhor. Sabia
que não era culpa de Dan, claro, mas estava começando a ficar aborrecida.
— Dan, você não respondeu à minha pergunta: quanto tempo demora esse passeio?
Com um ar de desafio, ele passou o braço pelos ombros dela e puxou-a para perto de si.
— Mais ou menos uma hora, querida. Depois, vamos entrar no jipe e ficar sozinhos.
— Sim, ótimo. — Levantando um pouco a voz, de modo que Philip pudesse ouvi-la,
disse, num tom de desafio: — E você vai subir no meu alojamento e tomar um drinque, antes de
voltar para casa.
Dan abraçou-a mais. Philip recostou-se e olhou-os, com ironia. Cora sorriu e fez o
melhor que pôde para demonstrar felicidade e autoconfiança, mas sentia uma raiva enorme.

CAPÍTULO XI

Não tinha sido culpa de Dan que o dono do barco resolvesse esticar o passeio, mas, no
fim de duas horas, quando voltaram ao porto, Cora sentiu-se cansada, com frio e enjoada de ver
tanto peixe. Abraçada com Dan, mas consciente do olhar do dr. Kenning, tinha achado o passeio
aborrecido, com milhares de peixes batendo com o nariz no fundo de vidro do barco. A voz de
Ned a deixara sonolenta e os comentários dos outros passageiros a tinham irritado. Olhando
furiosa para Philip, sempre que sentia a atenção dele sobre ela. Cora sabia que sua noite estava
estragada. Mas, por quanto tempo?
Dan ajudou-a a desembarcar e caminharam para o jipe. Ia entrar, mas parou.
— Essa não! Estamos com um pneu furado! Isso não é hora para trocar um pneu.
Prefiro chamar um táxi — Cora reclamou.
— O que aconteceu? Algum problema?
O dr. Kenning, com as mãos nos bolsos, eslava ali parado, olhando os dois.
— Um pneu furado — Dan disse, —Vou chamar um táxi e levar Cora para casa.
— Não precisa, sr. Frears: estou voltando agora e posso dar uma carona a ela.
— Nada disso! Eu a trouxe e eu...
— Eu insisto, sr. Frears. Os táxis já estão se recolhendo, a que horas pretende levá-la
para casa? Ela precisará voltar cedo, minhas enfermeiras têm que dormir pelo menos oito horas.
Philip pegou Cora pelo braço esquerdo e Dan segurou-a pelo direito. A moça sentiu-se
como um osso disputado por dois cães.
— Doutor, Cora veio comigo .. .
— Em circunstâncias normais, claro que eu nem sonharia em interferir nos seus sonhos
de amor, mas vamos ser práticos. Tem tempo pela frente, sr. Frears. Por que não convida Cora
para sair outra vez? E da próxima vez escolha um meio de transporte capaz de levá-la para casa.
— Esse foi um comentário muito desagradável. — Cora arrancou o braço das mãos do
cirurgião e se libertou também de Dan. — Odeio ter que concordar com o dr. Kenning, mas
acho que é melhor aceitar a carona. Está esfriando e me sinto terrivelmente cansada.
Dan chutou o pneu murcho e suspirou:
— Certo, certo. Telefono para você. Cora segurou o braço dele.
— Obrigada pela noite maravilhosa, Dan. Foi mesmo inesquecível. Ele sorriu.
— Claro, querida, claro. Nós três nos divertimos muito! — De repente, puxou-a para si,
dizendo: — Boa noite, meu amor!
Ela deixou que ele prolongasse o beijo só para aborrecer o dr. Kenning. Quando se
separaram, olhou para o médico e ficou surpresa ao ver sua expressão: havia raiva, dor, fúria.
Como um simples beijo podia provocar tais emoções?
Olhou de novo. Agora, seu rosto estava calmo. É só minha imaginação, pensou.
— Estou pronta, dr. Kenning.
O conversível vermelho estava estacionado ali perto e ele a ajudou a entrar, sem dizer
uma palavra.
— Boa noite, amor! — A voz de Dan parecia um tanto artificial.
Cora, já acomodada, abriu a janela. Pouco depois, passavam pela cidade adormecida e
pegavam a estrada costeira.
Philip dirigiu em silêncio durante algum tempo, concentrado na estrada. Mas, quando
chegaram à baía, virou-se para ela e parou o carro.
— Se Dan tivesse mais um ano ou dois, eu não conseguiria me livrar dele!
— Conseguiria o quê?
— Se Dan tivesse um pouco mais de experiência, eu não conseguiria tirá-la dele e parar
o carro para beijar seus lábios adoráveis .. .
Cora empertigou-se.
— Acho que está sendo desagradável e desprezível . . . Você foi o médico dele e. . .
Philip, você é detestável.
Ele estava bem próximo.
— Não! Me leve para casa. Já!
Para sua surpresa, ele ligou o motor, deu de ombros e a olhou, divertido.
— Como quiser, madame.
Chegaram ao alojamento. Philip estacionou, ajudou-a a descer, e subiram as escadas.
Quando Cora parou diante do apartamento e se virou para agradecer, viu que o médico a seguia
sem esperar por nenhum convite.
— Não tente agradecer. Estou sempre disposto a ajudar alguém em dificuldade. E
agora, mocinha, acho que gostaria de lhe dar uma bebida quente para garantir que você durma
assim que cair na cama, para não pensar nas coisas "agradáveis" desta noite.
Seguiu-a até a cozinha, acendeu a luz e abriu a geladeira.
— Quieto! — Cora andava na ponta dos pés. — Não faça nenhum barulho, por favor.
Patty já deve estar dormindo.
Ele imediatamente apagou a luz e saiu da cozinha, segurando a mão dela.
— Então, vamos para o meu apartamento.
— Honestamente, prefiro não ir. Quero cair na cama, e estarei dormindo dentro de dois
segundos. Amanhã você telefona para mim, está bem?
Ele a olhou, pensativo.
— Está com a consciência pesada? Por acaso prometeu a ele ir direto para a cama?
— Sim, é isso.
— Certo, princesa. Então, vá direto para a cama.
Deu-lhe um tapinha distraído no ombro e saiu, fechando a porta.
Era bom ele ter ido embora sem maiores confusões. Cora pensou enquanto tirava o
vestido e pendurava cuidadosamente no cabide. Vestiu a camisola e caiu na cama. O que queria
agora era dormir muito. Oito horas inteirinhas, se possível. E quando acordasse de manhã,
Philip ia telefonar e lhe contar sobre a enfermeira Hart e o filho. Tlivez ele lhe revelasse seus
sentimentos a respeito dela... se é que tinha algum.
Desligou a luz e ia fechar os olhos quando a porta se abriu e viu o dr. Kenning parado,
Ele trazia uma bandeja. Com toda certeza ia entrar em seu quarto.
— Ei! — Cora sentou-se, arregalando os olhos. Depois, lembrou que a camisola era
transparente e procurou cobrir-se com os lençóis. — Já estou na cama!
— Ótimo, garota. E obedeça as ordens do médico. — Ele entrou, tropeçando nas
sandálias dela. — Vejo que arrumou uma armadilha para os visitantes! — Inclinou-se, acendeu
o abajur, sentou-se ao lado dela, na cama e estendeu-lhe uma caneca:
— Philip, você não deve ... eu acho que não.
Estava confusa, e os dois sabiam. Uma mecha de cabelos lhe caía na testa, de um modo
muito atraente. Cora engoliu em seco, preocupada.
— Qual o problema? Não esperava que eu voltasse? Devia saber que eu não ia desistir
facilmente. Disse que você precisava de uma bebida quente, e vai tomar uma. Agora, beba!
Cora suspirou e bebeu. Era chocolate quente, com brandy e estava muito bom. Ele
também tomou e sorriu para ela.
— Está tudo bem?
— Sim, claro! — Segurou os lençóis debaixo do queixo. — Você não precisa se
preocupar.
Ele colocou a caneca no chão, cuidadosamente.
— Que falta de educação! E a caneca? Como vou saber que você não vai fugir com ela
esta noite? E eu quero ter certeza de que vai beber tudo.
Cora colocou a caneca na mesinha de cabeceira e sentiu o rosto pegando fogo.
— Dr. Kenning . . . Philip . . . apesar de eu saber que sua presença aqui é inocente, se
alguém ... Ele inclinou-se para a frente e segurou-a pelos ombros. Estava com um olhar muito
estranho.
— Quem disse que minha presença é inocente? Quando eu trago uma garota para casa,
depois de uma noite animada, espero pelo menos um beijo!
— Mas você não . .. Você me trouxe para casa, mas foi Dan . .. Ele pareceu não ouvir.
Tomou-a nos braços e Cora sentiu que o
lençol era puxado. Tentou empurrá-lo, mas os braços de Philip pareciam de aço.
— Quem é Dan?
Apesar da preocupação, Cora riu. Então, ele a beijou. Não foi um beijo suave nem
casual. Ele a segurou contra o peito e seu beijo parecia mágico. Sentiu que o abraçava pelo
pescoço e seu coração batia mais depressa. Philip começou a lhe acariciar as costas.
— Cora?
A voz sonolenta de Patty quase fez Cora morrer de susto. Afastou-se dele, depois
abraçou-o de novo, pedindo que ficasse quieto.
— Responda a ela, meu amor!
O tom baixo dele parecia divertido, mas Cora não achava nenhuma graça naquela
situação. Se Patty entrasse, ela não ia aguentar a vergonha.
— Sim, Patty?
— Acabei de chegar. Você teve uma noite divertida?
— Adorável. E você?
— Ótima, Dan ... me convidou para nadar amanhã, e acho que estou apaixonada.
Philip inclinou-se e desligou o abajur, Cora deu um pulo.
— Patty, querida, estou exausta. Conversaremos amanhã. Boa noite.
— Boa noite, Cora!
Os dois ficaram quietos, escutando Patty andar pela cozinha. Depois, ouviram quando
ela entrou no quarto. Philip deu um suspiro.
— Foi muito embaraçoso!
Cora acendeu a luz. Nunca tinha sentido tanto medo em toda a vida. Como poderia
encarar a amiga na manhã seguinte, se a outra a encontrasse na cama com Philip Kenning? Não
queria nem pensar isso.
— Philip, por favor, vá embora agora! Ele sorriu e lhe acariciou o rosto quente.
— Meu amor, ela não vai voltar, não há mais perigo! Droga! Eu só beijei você e . . .
Cora pegou a caneca de chocolate e olhou para ele o mais friamente possível.
— Se jurar que vai embora agora, eu bebo tudo e durmo. Se não, vou jogar tudo isso no
seu rosto e gritar por socorro.
Ele a olhou, rindo.
— Acredito. Se pudesse se ver, meu amor, sentada aí, com o rosto vermelho e os
olhos brilhando de raiva, com os seios arfando, debaixo dessa camisola . .. Bem você
entende por que estou quase preparado para sacrificar minha reputação e ficar. Mas não se
assuste. Se quer mesmo que eu vá embora, eu vou.
Seus olhos se encontraram. Os dele com a expressão que ela amava: terna e
brincalhona. Philip era o herói dos sonhos de toda mulher. Cora sabia que não queria mais que
ele fosse embora; desejava-o de todo coração.
Curvou-se sobre a cama e beijou-a nos lábios. De leve, demoradamente.
— Não se preocupe, princesa. Vou embora agora. Eu amo você. Boa noite.
Estava saindo, quando ela reagiu. Saltou da cama, esquecendo a transparência da
camisola, sua reputação, tudo; lembrando apenas das palavras dele.
— O quê? O que você disse, Philip? Ele virou-se e ela viu que estava sério.
— Eu amo você, Cora Summers.
Depois de um momento de silêncio ela se atirou nos braços dele.
— Oh, Philip, por que não falou antes? Estou apaixonada por você há tanto tempo,
mas pensei que você só quisesse . ..
— Sei o que está pensando e a princípio era verdade, mas depois tudo mudou. Quero
que case comigo, amor.
— Casar com você? Mas ... eu pensei que . . .
O ar divertido tinha voltado aos olhos dele e as mãos que a seguravam pela cintura se
estreitaram um pouco.
— Sei o que pensou. Quero você só para mim; esqueça o resto e vá para a cama agora.
Por que está tremendo? Só quero lhe ensinar todos os prazeres do amor, mas só quando
estivermos casados.
Ela se aproximou, até seus corpos se tocarem, levantou o rosto cheio de confiança, e
murmurou:
— Está certo de que quer mesmo casar comigo?
— Claro. Encontrei a garota certa, e é isso que faz um casamento ser feliz. Mas não
respondeu à minha pergunta.
Ela sorriu, preguiçosamente, desejando os beijos dele.
— Qual pergunta?
— Enfermeira Summers, quer casar comigo?
— Ah, essa pergunta? Bem. vou lhe dar minha resposta quando você responder uma
pergunta que estou morrendo de vontade de fazer.
De repente, ele a olhou, preocupado; depois, abraçou-a com mais força, de tal forma
que ela não podia ver seu rosto.
— Vamos, pergunte! O que quer saber?
O coração dela estava batendo com tanta força que parecia prestes a estourar. As mãos
dele lhe acariciavam as costas. Ela o amava tanto!
— O que você fez com o jipe de Dan?
— O que eu ... Cora, que pergunta mais absurda! Me beije, querida!
— Só quando tiver respondido. — Estava quase sem fôlego, mas manteve a cabeça afastada. —
Vamos!
— Está bem: eu furei o pneu.
— Que coisa horrível! Que homem abominável você é!
— Concordo. Mas achei que os fins justificavam os meios. E agora meu amor...
FIM

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