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Notas de aulas

Análise
Real

Clessius
Silva
Sumário

Sumário 3

1 Topologia da reta 5
1.1 Conjuntos abertos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.2 Conjuntos fechados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.3 Fronteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.4 Cisão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.5 Pontos de acumulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.6 Conjuntos compactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.7 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

2 Limites de funções 35
2.1 Definição e propriedades básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.2 Limites Laterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
2.3 Limites no infinito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
2.4 Limites infinitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

3 Continuidade 65
3.1 Definição e propriedades básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
3
3.2 Funções contínuas em um intervalo . . . . . . . . . . . . . . . 71
3.3 Funções contínuas em conjuntos compactos . . . . . . . . . . 74
3.4 Continuidade uniforme . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
3.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

4 Derivadas 85
4.1 O conceito de derivada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
4.2 Regras Operacionais das derivadas . . . . . . . . . . . . . . . . 89
4.3 Derivada e crescimento local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
4.4 Funções deriváveis num intervalo . . . . . . . . . . . . . . . . 96
4.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101

Referências 103
Capítulo 1

Topologia da reta

1.1 Conjuntos abertos


Definição 1.1. Dizemos que um ponto a é interior a um conjunto X ⊂ R
quando existir um  > 0 tal que o intervalo aberto (a − , a + ) esteja contido
em X. De maneira menos formal, a é ponto interior de X se todos os pontos
suficientemente próximos de a ainda pertencem ao conjunto X. Se a é um
ponto interior de X, então dizemos que X é uma vizinhança de a. O conjunto
de todos os pontos interiores a X é chamado interior de X e será denotado
por intX.

Não é difícil perceber que se a é ponto interior a um conjunto X ⊂ R,


então a ∈ X. De fato, se a é ponto interior de X, então existe  > 0 tal que
a ∈ (a − , a + ) ⊂ X, logo a ∈ X. Desta forma, int(X) ⊂ X para qualquer
conjunto X ⊂ R. Veremos no exemplo 1.3 que podem existir pontos de um
conjunto X que não são pontos interiores a X.

Definição 1.2. Um conjunto A ⊂ R é chamado aberto quando A = intA, isto


é, quando todos os pontos de A são interiores a A.

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Clessius Silva Análise Real

Exemplo 1.3. (a) Considere o conjunto X = [0, 1]. O ponto a = 1/3 é um


ponto interior de X, pois se tomarmos  = 1/6, observamos que
   
1 1 1 1 1 1
(a − , a + ) = − , + = , ⊂ X.
3 6 3 6 6 2
Geometricamente,

De maneira similar, podemos mostrar que todo ponto a ∈ (0, 1) é um


ponto interior a X = [0, 1]. Faremos dois esboços abaixo para clarear
esse fato, o primeiro esboço trata caso 0 < a ≤ 1/2, o segundo esboço
trata o caso 1/2 ≤ a < 1.

Por outro lado, os pontos 0 e 1 não são interiores a X = [0, 1], visto que,
para qualquer  > 0

(0 − , 0 + ) 6⊂ [0, 1] e (1 − , 1 + ) 6⊂ [0, 1].

Geometricamente,

Por tudo isso, podemos concluir que

int[0, 1] = (0, 1),

desta forma, o intervalo [0, 1] não é um conjunto aberto.

(b) Sendo X = (0, 1), usando o mesmo argumento do item (a) podemos
mostrar que int(0, 1) = (0, 1). Sendo assim, o intervalo aberto (0, 1) é
um conjunto aberto.
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Capítulo 1 Topologia da reta

(c) De maneira similar (e mais geral), sendo a < b, int[a, b] = int[a, b) =


int(a, b] = int(a, b) = (a, b). Desta forma, os intervalos [a, b], [a, b) e
(a, b] não são conjuntos abertos, entretanto, o intervalo aberto (a, b) é um
conjunto aberto.

(d) Seja a ∈ R. Por argumentos similares aos apresentados no item (a),


podemos observar que int[a, ∞) = int(a, ∞) = (a, ∞), e também,
int(−∞, a] = int(−∞, a) = (−∞, a). Portanto, os intervalos [a, ∞)
e (−∞, a] não são conjuntos abertos, entretanto, os intervalos abertos
(a, ∞) e (−∞, a) são conjuntos abertos.

(e) O intervalo (−∞, +∞) = R é um conjunto aberto. Esse fato é simples


de ser verificado, pois dado a ∈ R qualquer, então (a − , a + ) ⊂ R
para qualquer  > 0. Então a ∈ intR. Como a foi considerado qualquer,
logo intR = R, isto é, R é um conjunto aberto.

(f) Pelos itens (c), (d) e (e), todo intervalo aberto, limitado ou ilimitado, é um
conjunto aberto.

Exemplo 1.4. a) O conjunto Q dos números racionais não possui pontos


interiores, isto é, intQ = ∅. Para demonstrar esse fato, lembre que dados
dois números reais a < b, existe um número irracional s 6∈ Q tal que
a < s < b. Consideremos um número racional r ∈ Q qualquer, então pela
propriedade citada, dado qualquer  > 0, existe um número irracional
s 6∈ Q tal que r −  < s < r + . Desta forma

(r − , r + ) * Q, ∀ > 0.
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Sendo assim, nenhum racional r é ponto interior a Q, ou seja, intQ = ∅.


Por conseguinte, Q não é um conjunto aberto.

b) O conjunto vazio é aberto. Isto acontece porque int∅ ⊂ ∅, logo int∅ = ∅.

c) O conjunto R dos números reais é aberto. Isso já foi provado no Exemplo


1.3 (e).

Exercício 1.5. Prove que um ponto x um ponto interior de X se, e somente se,
existe um intervalo aberto (a, b) tal que x ∈ (a, b) ⊂ X.

Exercício 1.6. Seja X = {x1 , x2 , . . . , xn } um conjunto finito não-vazio de R.


Prove que intX = ∅. Conclua que X não é aberto.1

Teorema 1.7. a) Se A1 e A2 são conjuntos abertos, então a interseção A1 ∩ A2


é um conjunto aberto. Em outras palavras, a interseção de dois conjuntos
abertos é um conjunto aberto.

b) Se (Aλ )λ∈L é uma família qualquer de conjuntos abertos, então a união


[
A= Aλ é um conjunto aberto. Em outras palavras, a união de abertos
λ∈L
(mesmo que sejam infinitos conjuntos abertos) é ainda um conjunto aberto.

Demonstração. a) Se x ∈ A1 ∩ A2 então x ∈ A1 e x ∈ A2 . Como A1 e A2


são abertos, existem 1 > 0 e 2 > 0 tais que

(x − 1 , x + 1 ) ⊂ A1 e (x − 2 , x + 2 ) ⊂ A2 .

Tomando  o menor entre 1 e 2 , então

(x − , x + ) ⊆ (x − 1 , x + 1 ) ⊂ A1 ,
1 Sugestão: suponha por contradição que existe xi ∈ intX, conclua que X não é finito.
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Capítulo 1 Topologia da reta

e
(x − , x + ) ⊆ (x − 2 , x + 2 ) ⊂ A2 ,

portanto
(x − , x + ) ⊂ A1 ∩ A2 ,

o que implica que x é interior a A. Como x foi tomado arbitrariamente


em A1 ∩ A2 , logo todo ponto de A1 ∩ A2 é ponto interior, isto é, A1 ∩ A2
é um conjunto aberto. Abaixo segue a ideia geométrica para a escolha de
.

[
b) Se x ∈ A = Aλ , então x ∈ Aλ0 para algum λ0 ∈ L. Como Aλ0 é um
λ∈L
conjunto aberto, existe  > 0 tal que (x − , x + ) ⊂ Aλ0 ⊂ A. Logo
todo ponto x ∈ A é ponto interior, isto é, A é um conjunto aberto.

Corolário 1.8. A interseção A1 ∩ · · · ∩ An de um número finito de conjuntos


abertos é um conjunto aberto.

Demonstração. Para provar essa afirmação basta utilizar o Teorema 1.7 (a) (n−1)
vezes. De fato, sabemos que A1 ∩ A2 é aberto, dessa forma a interseção

A1 ∩ A2 ∩ A3 = (A1 ∩ A2 ) ∩ A3

pode ser vista como a interseção de dois conjuntos abertos, logo é um conjunto
aberto. Repetindo esse processo várias vezes, vemos que A1 ∩ · · · ∩ An−1 é um
conjunto aberto, e consequentemente a interseção

A1 ∩ · · · ∩ An−1 ∩ An = (A1 ∩ · · · ∩ An−1 ) ∩ An


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Clessius Silva Análise Real

pode ser vista como a interseção de dois conjuntos abertos, logo é um conjunto
aberto.

Observação 1.9. Embora o Teorema 1.7 b) garanta que a união de uma infini-
dade de conjuntos abertos é ainda aberto, a interseção de um número infinito
de abertos pode não ser aberto. Por exemplo, se considerarmos os intervalos
abertos
1 1 1 1
A1 = (−1, 1), A2 = (− , ), · · · , An = (− , ), · · · ,
2 2 n n
então a interseção dessa família infinita de abertos é

A1 ∩ · · · ∩ An ∩ · · · = {0},

que não é um conjunto aberto (pois nenhum conjunto finito é aberto pelo
Exercício 1.6).

1.2 Conjuntos fechados


Definição 1.10. Dizemos que um ponto a é ponto de aderência de um con-
junto X ⊂ R (ou que a é aderente a X) quando existir uma sequência de
pontos xn ∈ X que tende para o ponto a.

Não é difícil perceber que todo ponto a ∈ X é ponto de aderência de X, de


fato, basta considerar a sequência constante xn = a, para todo n ∈ N. Veremos
no Exemplo 1.13 que podem existir pontos aderentes a um conjunto X que não
pertence a X.

Definição 1.11. O conjunto formado por todos os pontos de aderência de um


conjunto X ⊂ R é chamado fecho de X e é denotado por X. Como falamos,
todo ponto a ∈ X é ponto de aderência de X, logo X ⊂ X. Um conjunto X
é chamado conjunto fechado quando X = X, isto é, quando todo ponto de
aderência de X pertence a X.
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Capítulo 1 Topologia da reta

Observação 1.12. Vimos na seção anterior que todo ponto interior a um con-
junto X, pertence a X. Agora, vimos que todo ponto de X é ponto de aderência
de X. Resumindo, temos as seguintes inclusões

intX ⊂ X ⊂ X,

para todo conjunto X ⊂ R.

Exemplo 1.13. (a) Seja X = (0, 1), observe que os pontos 0 e 1 não perten-
cem ao conjunto X, entretanto os pontos 0 e 1 são aderentes a X. De fato,
1
a sequência xn = está contida no intervalo (0, 1) e tende para 0;
n+1
1
enquanto a sequência yn = 1 − também está contida no intervalo
n+1
(0, 1) e tende para 1.

(b) Veremos a seguir (ver Corolário 1.23) que se existir um intervalo aberto
que contém a que não contém pontos de X, então a não é ponto de
aderência do conjunto X. Usaremos este fato, e o item anterior, para
concluir que (0, 1) = [0, 1]. Não é difícil perceber que todo ponto fora de
[0, 1] está contido num intervalo aberto cuja interseção com o intervalo
(0, 1) é vazia. Veja a ideia geométrica abaixo:

Desta forma, (0, 1) = [0, 1]. Logo o intervalo aberto (0, 1) não é um
conjunto fechado.
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Clessius Silva Análise Real

(c) Com os mesmos argumentos utilizados nos itens anteriores, observamos


que [0, 1] = [0, 1]. Sendo assim, o intervalo fechado [0, 1] é um conjunto
fechado. Além disso, (0, 1] = [0, 1) = [0, 1], logo os intervalos (0, 1] e
[0, 1) não são conjuntos fechados.

Exemplo 1.14. (a) De maneira similar ao Exemplo 1.13, os pontos a e b são


aderentes aos intervalos [a, b], (a, b), (a, b] e [a, b). De fato, a sequência
b−a
xn = a + está contida no intervalo (a, b) (consequentemente
n+1
nos outros intervalos) e tende para a; enquanto a sequência yn = b −
b−a
está contida no intervalo (a, b) e tende para b. Façamos uma ideia
n+1
geométrica das sequências:

(b) Todo intervalo fechado [a, b] é um conjunto fechado. Utilizamos para


demonstrar isso a mesma ideia do Exemplo 1.13. De fato, utilizando o
item anterior e o Corolário 1.23 (a seguir), podemos verificar que [a, b] =
(a, b) = (a, b] = [a, b) = [a, b]. Sendo assim, o intervalo fechado [a, b] é
um conjunto fechado. Além disso, intervalos (a, b), (a, b] e [a, b) não são
conjuntos fechados.

Exemplo 1.15. (a) R é um conjunto fechado. Isso é fácil de ser verificado,


pois R ⊂ R, portanto R = R (lembre que R é nosso “conjunto maior”).

(b) O conjunto vazio é fechado. Isso acontece por vacuidade, pois se existisse
algum elemento em ∅, então deveria existir uma sequência de pontos
contida em ∅, o que é um absurdo.
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Capítulo 1 Topologia da reta

Observação 1.16. Conjuntos não são portas! É comum alguns alunos con-
cluírem, de maneira equivocada, que se um conjunto não é aberto, então ele é
fechado, e vice-versa. Isso é um erro, existem conjuntos que nem são abertos e
nem são fechados, por exemplo, os intervalos (a, b] e [a, b) (ver Exemplos 1.3 e
1.14). Além disso os conjuntos ∅ e R são abertos e fechados, simultaneamente,
como vimos nos Exemplos 1.4 e 1.15. Dessa maneira, conjuntos não são portas
que ou estão abertas ou estão fechadas!

Exercício 1.17. Mostre que o ponto a é aderente aos intervalos (−∞, a) e


(a, +∞). Em seguida, prove que os intervalos (−∞, a] e [a, +∞) são conjuntos
fechados.

Exercício 1.18. Se X ⊂ Y , prove que X ⊂ Y .

Definição 1.19. Sejam X ⊂ Y, dizemos que X é denso em Y quando Y ⊂ X,


isto é, quando todo ponto de Y é aderente a X.

Exemplo 1.20. O intervalo aberto (a, b) é denso no intervalo fechado [a, b],
pois (a, b) = [a, b].

Exemplo 1.21. O conjunto Q dos números racionais é denso em R. Isto é


consequência do (próximo) Teorema 1.22. Lembre que todo intervalo (não-
degenerado) contém números racionais e irracionais. Essa propriedade é muito
importante para a Matemática, inclusive isso implica em temas relacionados a
matemática do ensino básico, que podemos discutir mais adiante.

Teorema 1.22. Um ponto a é aderente a um conjunto X se, e somente se, todo


intervalo aberto que contém a também contém algum ponto de X.

Demonstração. Suponha que a é aderente ao conjunto X, logo existe uma


sequência (xn ) contida em X que converge para a. Dado um intervalo aberto
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qualquer I que contém a, existe ε > 0 tal que (a − ε, a + ε) ⊂ I. Uma vez que
lim xn = a, logo existe N0 tal que xn ∈ (a − ε, a + ε) ⊂ I para todo n > N0 ,
logo xn ∈ X ∩ I para todo n > N0 .
Reciprocamente, se todo intervalo aberto que contém a também contém
pontos de X, então para cada n ∈ N podemos escolher um ponto xn ∈ (a −
1
n, a + n1 ) ∩ X, daí a sequência (xn ) está contida em X e tende para o ponto a.
Portanto, a é aderente a X.

O seguinte corolário é apenas a contrapositiva do Teorema 1.22.

Corolário 1.23. Um ponto a não é aderente a um conjunto X se, e somente se,


existe um intervalo aberto que contém a que não contém pontos de X.

Corolário 1.24. O fecho de um conjunto é um conjunto fechado. Em outras


palavras, X = X para todo X ⊂ R.

Demonstração. Seja a ∈ X, isto é, a é aderente ao conjunto X, logo se um


intervalo aberto I que contém a, I deve conter um ponto b de X. Uma vez que b
é aderente a X e b pertence ao intervalo aberto I, logo deve existir um elemento
x de X pertencente ao intervalo aberto I. Resumindo, todo intervalo aberto
que contém a também contém um elemento x de X. Portanto a é aderente a
X, isto é, a ∈ X. Logo, X = X, como queríamos demonstrar.

O seguinte resultado relaciona os conceitos de conjuntos abertos e fechados.

Teorema 1.25. Um conjunto F ⊂ R é fechado se, e somente se, seu complementar


F c = R − F é aberto.

Demonstração. Sejam F um conjunto fechado e a ∈ F c , isto é, a 6∈ F . Como


F é fechado e a 6∈ F , logo a não é aderente a F (caso contrário a pertenceria a
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Capítulo 1 Topologia da reta

F = F ). Daí, pelo Corolário 1.23, existe ε > 0 tal que (a − ε, a + ε) ∩ F = ∅, ou


seja, (a − ε, a + ε) ⊂ F c . Portanto a é ponto interior de F c . Logo F c é aberto.
Reciprocamente, suponha que F c é aberto e seja a aderente a F . Logo, pelo
Teorema 1.22, para todo ε > 0 o intervalo (a − ε, a + ε) contém pontos de
F , sendo assim, nenhum intervalo (a − ε, a + ε) está contido em F c , ou seja,
a 6∈ int(F c ). Como int(F c ) = F c , logo a 6∈ F c , isto é, a ∈ F. Portanto F
contém todos seus pontos de aderência, logo F é fechado.

Lembrete. Para próxima demonstração usaremos o seguinte fato: sejam


(Xi )i∈L uma família de subconjuntos de um conjunto Y , então
[ \ \ [
Xic =( c
Xi ) e Xic =( Xi )c .
i∈L i∈L i∈L i∈L

Em outras palavras, a união dos complementares é o complementar da interse-


ção e a interseção dos complementares é o complementar da união.

Teorema 1.26. a) Se F1 e F2 são fechados, então F1 ∪ F2 é fechado.

b) Se (Fλ )λ∈L é uma família qualquer de conjuntos fechados, então a interseção


\
F = Fλ é um conjunto fechado.
λ∈L

Demonstração. a) Se F1 e F2 são conjuntos fechados, pelo Teorema 1.25, os


complementares F1c e F2c são abertos. Logo, pelo Teorema 1.7, F1c ∩ F2c =
(F1 ∪ F2 )c é aberto. Portanto, pelo Teorema 1.25, F1 ∪ F2 é fechado.

b) Se cada conjunto Fλ é fechado, então seu complementar Fλc é aberto, pelo


[
Teorema 1.25. Portanto, pelo Teorema 1.7, a união Fλc é aberto. Mas
!c λ∈L
[ \
Fλc = Fλ = F c , portanto F é fechado.
λ∈L λ∈L

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Clessius Silva Análise Real

Corolário 1.27. A união F1 ∪· · ·∪Fn de um número finito de conjuntos fechados


é um conjunto fechado.

Demonstração. Basta utilizar a mesma ideia aplicada no Corolario 1.8 e o Teo-


rema 1.26.

Exercício 1.28. Seja X = {x1 , · · · , xn } um conjunto finito não-vazio. Prove


que X é um conjunto fechado. Sugestão: Prove que o complementar X c é
aberto.

Observação 1.29. A união de infinitos conjuntos fechados pode não ser um


conjunto fechado. De fato, pelo Exercício 1.28, todo conjunto unitário é fechado,
e todo conjunto (fechado ou não) é a união de todos os conjuntos unitários que
contém cada um de seus pontos. Por exemplo, o intervalo (0, 1) não é fechado,
[
mas pode ser expresso pela união dos fechados (0, 1) = {x}.
x∈(0,1)

1.3 Fronteira
Definição 1.30. Seja X ⊂ R um conjunto. O conjunto frX formado pelos
pontos x ∈ R tais que toda vizinhança de x contém pontos de X e pontos que
não pertencem a X é chamado fronteira de X.

Exemplo 1.31. a) Sendo X = [1, 2), então frX = {1, 2}. De fato, todo
intervalo aberto que contiver o número 1, contém algum número menor
que 1 (que não pertence a [1, 2)) e também contém algum número maior
que 1 e menor que 2 (que pertence ao intervalo [1, 2); portanto, 1 está na
fronteira de X = [1, 2). De maneira similar, 2 também está na fronteira
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Capítulo 1 Topologia da reta

de [1, 2). Veja a ideia geométrica

Observe ainda que um ponto x ∈ (1, 2) está no interior de [1, 2), logo
existe um intervalo aberto I que contem x que está contido em [1, 2), desta
forma I não contém elementos fora de [1, 2), portanto x não pertence a
fronteira de [1, 2). De maneira similar, um ponto y 6∈ [1, 2] está no interior
do complementar de [1, 2), dessa forma, y não pertence a fronteira de
[1, 2).Veja a ideia geométrica

Por tudo isso, concluímos que fr[1, 2) = {1, 2}.

b) Sendo X um intervalo qualquer com extremidades a, b ∈ R, então frX =


{a, b}. A ideia é a mesma que a apresentada no item anterior.

c) frQ = R. De fato, todo intervalo aberto contém números racionais e


números irracionais. Desta forma, dado x ∈ R qualquer, todo intervalo
aberto que o contiver, conterá também um ponto de Q e um ponto fora
de Q, portanto x ∈ frQ. Sendo assim, frQ = R.

d) Sendo Y = [0, 2) ∪ (2, 3], então frY = {0, 2, 3}. Pelos argumentos
apresentados no item 1, percebemos que os pontos 0 e 3 estão na fronteira
de Y . Além disso, todo intervalo aberto que contiver o 2, contém também
algum ponto de Y e contém o 2 que não está em Y , desta forma, 2 também
está na fronteira de Y . Pelos mesmos argumentos do item 1, nenhum
outro ponto está na fronteira de Y . Sendo assim, frY = {0, 2, 3}. Veja a
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Clessius Silva Análise Real

ideia geométrica abaixo:

Teorema 1.32. Seja X ⊂ R um conjunto qualquer. Então

a) frX ∩ intX = ∅;

b) frX = fr(X C );

c) intX ∩ frX = ∅;

d) X = X ∪ frX = intX ∪˙ frX;

e) R = intX ∪˙ frX ∪˙ int(X C ).

Demonstração. Exercício.

Corolário 1.33. Um conjunto A ⊂ R é aberto se, e somente se, A ∩ frA = ∅.

Demonstração. Suponha que A é aberto, isto é, intA = A. Pelo item (c) do


Teorema 1.32, intA ∩ frA = ∅, mas, uma vez que intA = A, então A ∩ frA =
intA ∩ frA = ∅.
Reciprocamente, suponha que A ∩ frA = ∅. Pelo item (d) do Teorema 1.32,
A = intA ∪˙ frA, logo A ⊂ intA ∪˙ frA. Como a união é disjunta, subtraindo frA
em ambos os lados da relação, obtemos A−frA ⊂ intA. Como A∩frA = ∅, logo
A = A − frA ⊂ intA. Portanto A = intA, como queríamos demonstrar.

Corolário 1.34. Um conjunto X ⊂ R é fechado se, e somente se, X ⊃ f rX.

Demonstração. Suponha que X é fechado, logo, X = X. Utilizando o item (d)


do Teorema 1.32, X = X ∪ frX, portanto X = X ∪ frX, disto, concluímos que
frX ⊂ X.
18
Capítulo 1 Topologia da reta

Reciprocamente, suponha que frX ⊂ X, logo X = X ∪ frX. Mas, pelo


item (d) do Teorema 1.32, X = X ∪ frX, portanto X = X. Isso conclui a
demonstração.

1.4 Cisão
Definição 1.35. Uma cisão de um conjunto X ⊂ R é uma decomposição
X = A ∪ B tal que A ∩ B = ∅ e A ∩ B = ∅, isto é, nenhum ponto de A é
aderente a B e nenhum ponto de B é aderente a A. A decomposição X = X ∪ ∅
é chamada cisão trivial.

Se X = A ∪ B é uma cisão de X, não é difícil perceber que A e B são


disjuntos, pois, uma vez que A ⊂ A (e B ⊂ B), então A ∩ B ⊂ A ∩ B = ∅ (e
A ∩ B ⊂ A ∩ B = ∅).

Exemplo 1.36. a) Sejam a < c < b. A decomposição [a, b] = [a, c] ∪ (c, b]


não é uma cisão, pois c pertence a [a, c] e é aderente a (c, b].

b) Se X = R − 0, então X = (−∞, 0) ∪ (0, ∞) é uma cisão. De fato,


(−∞, 0) ∩ (0, ∞) = (−∞, 0] ∩ (0, ∞) = ∅ e (−∞, 0) ∩ (0, ∞) =
(−∞, 0) ∩ [0, ∞) = ∅.

c) Dado um número irracional α, sejam A = (−∞, α)∩Q e B = (α, ∞)∩Q.


A decomposição Q = A ∪ B é uma cisão do conjunto dos números
racionais Q. De fato, observe que A = (−∞, α] e B = [α, ∞), logo
A ∩ B = ∅ e A ∩ B = ∅.

d) A decomposição R = Q ∪ (R − Q) não é uma cisão. Basta lembrar que


Q = R, logo Q ∩ (R − Q) 6= ∅.
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Clessius Silva Análise Real

Teorema 1.37. Um intervalo da reta só admite a cisão trivial.

Demonstração. Suponhamos, por absurdo, que um intervalo I admita uma


cisão não trivial I = A ∪ B. Tomemos a ∈ A e b ∈ B, e suponhamos sem
perda de generalidade que a < b, logo [a, b] ⊂ I. Consideremos c o ponto
médio do intervalo [a, b]. Como c ∈ [a, b] ⊂ I = A ∪ B, logo c ∈ A ou
c ∈ B. Se c ∈ A, escrevemos a1 = c e b1 = b. Porém, se c ∈ B, escrevemos
a1 = a e b1 = c. Em qualquer caso, obteremos um intervalo [a1 , b1 ] ⊂ [a, b]
de comprimento b−a
2 com a1 ∈ A e b1 ∈ B. Procedendo da mesma maneira,
obteremos um intervalo [a2 , b2 ] ⊂ [a1 , b1 ] de comprimento b1 −a1
2 = b−a
4 com
a2 ∈ A e b2 ∈ B. Indutivamente, construiremos uma sequência de intervalos
encaixados [a, b] ⊃ [a1 , b1 ] ⊃ · · · ⊃ [an , bn ] ⊃ · · · com bn − an = b−a
2n , an ∈ A
e bn ∈ B para todo n ∈ N. Pelo Teorema dos intervalos encaixados, existe
d ∈ R tal que an ≤ d ≤ bn para todo n ∈ N. O ponto d ∈ I = A ∪ B não pode
estar em A pois d = lim bn ∈ B, nem pode estar em B pois d = lim an ∈ A.2
Contradição.

Corolário 1.38. Os únicos subconjuntos de R que são simultaneamente abertos


e fechados são ∅ e R.

Demonstração. Se A ⊂ R é um conjunto aberto e fechado, então R = A ∪ Ac é


uma cisão. De fato, como A é aberto, seu complementar Ac é fechado; sendo
assim, A ∩ Ac = A ∩ Ac = ∅. Ademais, como A é fechado, logo A ∩ Ac =
A ∩ Ac = ∅. Portanto, pelo Teorema 1.37, ou A = ∅ e Ac = R, ou A = R e
Ac = ∅.
2 Para
provar que lim an = d, observe que para todo n ∈ N, an ≤ d ≤ bn , logo 0 ≤ d − an ≤ bn − an ,
tomando o limite obtemos 0 ≤ lim(d − an ) ≤ lim(bn − an ) = 0. Portanto lim an = d. De maneira similar,
podemos provar que lim bn = d.
20
Capítulo 1 Topologia da reta

1.5 Pontos de acumulação


Definição 1.39. Dizemos que a ∈ R é ponto de acumulação do conjunto
X ⊂ R quando para todo  > 0 existir x 6= a tal que x ∈ X e x ∈ (a − , a + ).
Denotamos por X 0 o conjunto formado por todos os pontos de acumulação de
X. Se a ∈ X não é ponto de acumulação de X, dizemos que a é um ponto
isolado de X, isto significa que existe um  > 0 tal que a é o único elemento
de X no intervalo (a − , a + ). Quando todos os pontos de um conjunto X
são isolados, dizemos que X é um conjunto discreto.

Exercício 1.40. Prove que todo ponto de acumulação de um conjunto X é


aderente a X.

Exemplo 1.41. Consideremos o conjunto X = [0, 1] ∪ {3}. Como 3 ∈ X, logo


3 é ponto de aderência de X. Entretanto, 3 é um ponto isolado de X, isto é,
3 não é um ponto de acumulação de X. De fato, tomando  = 1, vemos que
(3 − , 3 + ) = (2, 4) é um intervalo que não possui nenhum elemento de X
diferente de 3. Veja a ideia geométrica abaixo.

O próximo resultado caracteriza pontos de acumulação e vai nos ajudar a


determinar quais são os pontos de acumulação de um conjunto.

Teorema 1.42. Dados X ⊂ R e a ∈ R, as seguintes afirmações são equivalentes:

1. a é ponto de acumulação de X;

2. a é aderente a X − {a}, isto é, a é limite de uma sequência de pontos


xn ∈ X − {a};

3. todo intervalo aberto que contém a contém infinitos pontos de X.


21
Clessius Silva Análise Real

Demonstração. Supondo que a é ponto de acumulação de X, então todo inter-


valo aberto que contém a deve conter pontos de X − {a}, logo pelo Teorema
1.22, a é aderente a X − {a}.
Agora, supondo que a é aderente a X − {a} e sendo I um aberto que contém
|x0 −a|
a, pelo Teorema 1.22, existe x0 ∈ I com x ∈ X − {a}. Tomemos 1 = 2

e I1 = (a − 1 , a + 1 ), logo, pelo Teorema 1.22, existe x1 ∈ I1 ⊂ I com


x1 ∈ X − {a}. Uma vez que x0 6∈ I1 (ideia geométrica abaixo), logo x1 6= x0 .

|x1 −a|
Repetindo o processo acima com 2 = 2 e I2 = (a−2 , a+2 ), obteremos um
ponto x2 ∈ I2 ⊂ I com x2 ∈ X − {a} e x2 , x1 , x0 todos distintos. Procedendo
dessa forma repetidas vezes, obteremos uma infinidade pontos xn ∈ I com
xn ∈ X − {a}.
Por fim, supondo válida (3), não é difícil verificar que a é ponto de acumulação
de X.

Exemplo 1.43. a) Se X = (a, b), então X 0 = [a, b]. Para provar este fato,
basta considerar o item 3 do Teorema anterior.

b) Seja X = {1, 1/2, 1/3, . . . , 1/n, . . . } então o único ponto de acumulação


de X é 0, isto é, X 0 = {0}. Note que todos os pontos de X são isolados,
isto é, X é um conjunto discreto. Algumas pessoas se confundem e acham
que conjuntos discretos não admitem pontos de acumulação. Observe
que X é discreto, mas admite um ponto de acumulação que não pertence
a ele.

c) Se X é finito, então X não admite pontos de acumulação. De fato, pelo


item 3 do Teorema anterior, se X possuísse um ponto de acumulação,
22
Capítulo 1 Topologia da reta

deveriam existir infinitos pontos de X. Em particular, todos os pontos de


X são isolados, isto é, X é um conjunto discreto.

d) Z é um conjunto infinito em que todos seus pontos são isolados. Além


disso, Z0 = ∅. Segue abaixo a ideia geométrica intuitiva.

e) Q0 = R, isto é, todo número real é ponto de acumulação de Q. Para


verificar isso, basta observar o item 3 do Teorema anterior.

Teorema 1.44. Todo conjunto infinito limitado de números reais admite pelo
menos um ponto de acumulação.

Demonstração. Seja X ⊂ R um conjunto infinito limitado. Logo, X possui


um subconjunto enumerável infinito {x̃1 , x̃2 , . . . , x̃n , · · · }. Uma vez que X é
limitado, a sequência (x̃n ) é limitada, logo, pelo Teorema de Bolzano-Weierstrass,
admite uma subsequência (xn ) convergente. Seja a = lim xn . Como os termos
xn são todos distintos, no máximo um deles é igual a a, descartando-o caso seja
necessário, teremos uma sequência de pontos de X − {a} que converge para a.
Portanto, a é ponto de acumulação do Teorema 1.42.

1.6 Conjuntos compactos


Definição 1.45. Um conjunto X ⊂ R é chamado compacto se X for limitado
e fechado.

Exemplo 1.46. 1. Todo intervalo fechado [a, b] é limitado e fechado, logo é


um conjunto compacto.
23
Clessius Silva Análise Real

2. Uma união finita de intervalos fechados e limitados é um conjunto com-


pacto. (Uma demonstração formal será cobrada como exercício).

3. Já vimos (no Exercício 1.28) que todo conjunto finito é fechado, além
disso, claro que todo conjunto finito é limitado. Portanto, todo conjunto
finito é compacto.

4. Um intervalo aberto (a, b) é limitado mas não é fechado, logo não é


compacto.

5. Z é fechado (exercício) mas não é limitado, logo não é compacto.

Teorema 1.47. Um conjunto X ⊂ R é compacto se, e somente se, toda sequência


de pontos em X possui uma subsequência que converge para um ponto de X.

Demonstração. Se X ⊂ R é compacto, então toda sequência de pontos de X é


limitada, logo, pelo Teorema de Bolzano-Weierstrass, possui uma subsequência
convergente, cujo limite é um ponto aderente a X, consequentemente o limite
pertence a X (pois X é fechado).
Reciprocamente, suponha que toda sequência de pontos de X possui uma
subsequência que converge para um ponto de X. Supondo por contradição que
X não é limitado, então para cada n ∈ N deve existir xn ∈ X tal que |xn | >
n, daí (xn ) é uma sequência que pontos de X que não admite subsequência
limitada, consequentemente, não admite nenhuma subsequência convergente,
o que seria uma contradição. Por outro lado, supondo por contradição que X
não é fechado, então existe um ponto a que é aderente a X que não pertence a
X. Assim, deve existir uma sequência (xn ) de pontos de X que converge para
a 6∈ X, então toda subsequência de (xn ) converge para a que não pertence a
X, o que é uma contradição.
24
Capítulo 1 Topologia da reta

Sabemos, pela completude de R, que todo conjunto limitado admite um


supremo e um ínfimo em R, entretanto nem sempre um conjunto limitado
possui maior ou menor elementos. O próximo teorema nos dá um propriedade
importante de conjuntos compactos, conjuntos compactos possuem maior e
menor elementos. Para demonstrá-lo, precisaremos do seguinte exercício.

Exercício 1.48. Seja X ⊂ R limitado, não-vazio. Prove que a = inf X e


b = sup X são aderentes a X.

Teorema 1.49. Se X ⊂ R é um conjunto compacto, então X possui um menor e


um maior elemento.

Demonstração. Se X é compacto, então X é limitado, logo, pelo Exercício 1.48,


inf X e sup X são aderentes a X. Uma vez que X é fechado, então inf X e
sup X pertencem a X, portanto X possui um menor e um maior elemento.

O próximo resultado generaliza o Teorema dos intervalos encaixados, tro-


cando a hipótese de intervalo limitado e fechado por conjuntos compactos.

Teorema 1.50. Dada uma sequência decrescente X1 ⊃ X2 ⊃ · · · Xn ⊃ · · · de


conjuntos compactos não-vazios, existe (pelo menos) um número real que pertence
a todos os Xn .

Demonstração. Para cada n ∈ N, consideremos xn ∈ Xn . Como X1 contém to-


dos os Xn , logo (xn ) é uma sequência contida em X1 , que é compacto, portanto,
pelo Teorema 1.47, existe uma subsequência (xnk ) que converge para um ponto
a ∈ X1 . Observando que, para cada n ∈ N, a (sub)subsequência (xnk )nk >n está
contida em Xn e também converge para a, logo a ∈ Xn para todo n ∈ N, pois
a é aderente a Xn e Xn é fechado. Isto conclui a demonstração.
25
Clessius Silva Análise Real

Definição 1.51. Uma família de conjuntos (Cλ )λ∈L é chamada cobertura de


um conjunto X quando a união dos Cλ contém o conjunto X, isto é, quando
X ⊂ λ∈L Cλ . Quando todos os conjuntos Cλ são abertos, dizemos que (Cλ )λ∈L
S

é uma cobertura aberta de X. Quando L = {λ1 , . . . , λn } é um conjunto finito,


dizemos que (Cλ )λ∈L é uma cobertura finita, neste caso, X ⊂ Cλ1 ∪ · · · ∪ Cλn .
Se L̃ ⊂ L é tal que ainda se tenha X ⊂ λ̃∈L̃ Cλ̃ , dizemos que (Cλ̃ )λ̃∈L̃ é uma
S

subcobertura de (Cλ )λ∈L .


1 1
Exemplo 1.52. Seja X = [0, 1] e consideremos A0 = (− , ) e An = (1/n, 2)
5 5
para n ∈ N. Observe que a união

[ 1
An = (− , 2)
n=0
5

contém o conjunto X. Portanto (An )n∈N∪{0} é uma cobertura de X. Além disso,


todos os conjuntos An são abertos, logo esta cobertura é uma cobertura aberta
de X. Por fim, observe que

X ⊂ A0 ∪ A1 ∪ · · · ∪ A6 .

Portanto, {A0 , A1 , · · · , A6 } é uma cobertura finita de X, isto é,


{A0 , A1 , · · · , A6 } é uma subcobertura finita de X.

Lema 1.53. Toda cobertura aberta de um intervalo fechado [a, b] possui uma
subcobertura finita.

Demonstração. Suponhamos, por absurdo, que existe uma cobertura aberta


(Aλ )λ∈L de [a, b] que não admite uma subcobertura finita. Podemos decompor o
intervalo [a, b] em dois subintervalos com a metade de seu comprimento, isto é,
dois subintervalos de comprimento b−a
2 . Um desses subintervalos não pode ser
coberto por uma quantidade finita dos abertos da cobertura, pois caso contrário,
o intervalo [a, b] também seria coberto por uma quantidade finita de abertos da
26
Capítulo 1 Topologia da reta

cobertura. Chamemos de [a1 , b1 ] o subintervalo que não pode ser coberto por
uma quantidade finita de abertos da cobertura. Indutivamente, prosseguindo
desta maneira, construiremos uma sequência de intervalos fechados [a, b] ⊃
[a1 , b1 ] ⊃ [a2 , b2 ] ⊃ · · · ⊃ [an , bn ] ⊃ · · · onde nenhum [an , bn ] pode ser coberto
b−a
por uma quantidade finita de abertos da cobertura e bn − an = . Pelo
2n
Teorema dos intervalos encaixados, existe c que pertence a todos [an , bn ]. Em
[
particular, c ∈ [a, b]. Como [a, b] ⊂ Aλ logo c pertence a algum Aλ0 . Como
λ∈L
Aλ0 é aberto, existe  > 0 tal que (c − , c + ) ⊂ Aλ0 . Tomando n ∈ N tal
b−a
que n < , teremos [an , bn ] ⊂ Aλ0 , o que é uma contradição, pois nenhum
2
intervalo [an , bn ] pode ser coberto por uma quantidade finita de Aλ .

Teorema 1.54. Borel-Lebesgue.Toda cobertura aberta de um conjunto compacto


possui uma subcobertura finita.

Demonstração. Seja X um conjunto compacto e (Aλ )λ∈L uma cobertura aberta


de X. Como X é limitado, logo existem a, b ∈ R tais que X ⊂ [a, b]. Como
X é fechado, logo seu complementar é aberto, daí acrescentamos a cobertura
mais um aberto Aλ0 = X c e obtemos uma cobertura de todo o conjunto R (pois
quem pertence a X de pertencer a algum aberto da antiga cobertura, e quem
não pertence a X deve pertencer ao seu complementar Aλ0 = X c ), consequen-
temente obtemos uma cobertura do intervalo [a, b]. Portanto, pelo Lema 1.53,
existe uma subcobertura finita [a, b] ⊂ Aλ0 ∪ Aλ1 ∪ · · · Aλn . Somando a isto os
fatos que X ⊂ [a, b] e que nenhum ponto de X pertence a seu complementar
Aλ0 , concluímos X ⊂ Aλ1 ∪ · · · Aλn . Isto conclui a demonstração.

Observação 1.55. A recíproca do Teorema de Borel-Lebesgue também é ver-


dadeira. Sua demonstração pode ser encontrada em [3].
27
Clessius Silva Análise Real

Exemplo 1.56. Veremos agora que as hipóteses de ser limitado e fechado são
necessárias no Teorema de Borel-Lebesgue.

1. Consideremos X = Z. Sendo An = (−n, n) com n ∈ N, (usando a


propriedade arquimediana) não é difícil perceber que

[
An = R.
n=1

Logo (An )n∈N é uma cobertura aberta de Z (pois cobre toda a reta). En-
tretanto, (An ) não admite uma subcobertura finita de Z, caso contrário,
existiria N ∈ N tal que Z ⊂ AN = (−N, N ), o que é um absurdo. Ob-
serve que Z é fechado (exercício), mas não é limitado, por isso o Teorema
de Borel-Lebesgue não pode ser aplicado nesse caso. Dessa forma, per-
cebemos que a hipótese de X ser limitado é necessária no Teorema de
Borel-Lebesgue.

2. Consideremos agora X = (−1, 1) e seja An = −1 + 1 1


com

n+1 , 1 − n+1

n ∈ N. Observe que
1 1 2 2 3 3 n n
A1 = (− , ), A2 = (− , ), A3 = (− , ), · · · An = (− , ),
2 2 3 3 4 4 n+1 n+1
note ainda que

A1 ⊂ A2 ⊂ A3 ⊂ · · · An ⊂ An+1 ⊂ · · · .

Uma vez que lim(−1 + 1


n+1 ) = −1 e lim(1 − 1
n+1 ) = 1, não é difícil
verificar que

[
An = (−1, 1).
n=1
Portanto, (An )n∈N é uma cobertura aberta de X, entretanto essa cobertura
não admite uma subcobertura finita, caso contrário, teríamos (−1, 1) ⊂
AN para algum N ∈ N, o que não ocorre. Note que X é limitado mas
28
Capítulo 1 Topologia da reta

não é fechado, desta forma, percebemos que a hipótese de ser fechado é


necessária no Teorema de Borel-Lebesgue.

1.7 Exercícios
1. Considere o conjunto X ⊂ R dado abaixo. Determine X 0 e frX. Deter-
mine se X é discreto, e se X é compacto.
 
a) X = (0, 1) ∪ (2, 3); g) X =
1
;n ∈ N ;
n
b) X = (−1, 1) ∪ (1, 2] ∪ {π};  
1
h) X = {0} ∪ ;n ∈ N ;
c) X = (−∞, 2) ∪ {3} ∪ (4, ∞); n
d) X = Z; i) X = R − N;

e) X = Q; j) X um conjunto finito qual-


f) X = R − Q; quer.

2. Para cada um dos conjuntos abaixo, determine se é fechado, se é aberto,


se é discreto e se é compacto.
 
a) X = (0, 1) ∪ (2, 3); g) X =
1
;n ∈ N ;
n
b) X = (−1, 1) ∪ (1, 2] ∪ {π};  
1
h) X = {0} ∪ ;n ∈ N ;
c) X = (−∞, 2) ∪ {3} ∪ (4, ∞); n
d) X = Z; i) X = R − N;

e) X = Q; j) X um conjunto finito qual-


f) X = R − Q; quer.

3. Seja X um conjunto enumerável não-vazio de R. Prove que intX = ∅.


Conclua que X não é aberto. Sugestão: suponha por contradição que
existe xi ∈ intX, conclua que X não é enumerável.
29
Clessius Silva Análise Real

4. Sejam A, X, Y subconjuntos de R.

a) Se X ⊂ Y, prove que intX ⊂ intY.

b) Considere a, b ∈ R com a < b. Se (a, b) ⊂ X, prove que (a, b) ⊂


intX.

c) Prove que intX é um conjunto aberto. Isto é, prove que int(intX) =


intX.

d) Suponha que A ⊂ X. Se A é um conjunto aberto, prove que A ⊂


intX. Conclua que intX é o “maior” aberto contido em X.

5. Seja A ⊂ R um conjunto e considere a ∈ A com a seguinte propriedade:


“toda sequência (xn ) que converge para um ponto a ∈ A tem seus termos
xn pertencentes a A para todo n suficientemente grande”. Prove que a é
interior a A.

6. Prove que int(A ∪ B) ⊃ intA ∪ intB e int(A ∩ B) = intA ∩ intB


para quaisquer A, B ⊂ R. Se A = (0, 1] e B = [1, 2), mostre que
int(A ∪ B) 6= intA ∪ intB

7. Seja X ⊂ R um conjunto qualquer. Prove que:

a) frX ∩ intX = ∅;

b) frX = fr(X C );

c) intX ∩ frX = ∅;

d) X ⊂ intX ∪˙ frX;

e) R = intX ∪˙ frX ∪˙ int(X C ).

8. Seja X = {x1 , · · · , xn } um conjunto finito não-vazio. Prove que X é um


conjunto fechado. Sugestão: Prove que o complementar X c é aberto.
30
Capítulo 1 Topologia da reta

9. Seja X ⊂ R limitado, não-vazio. Prove que a = inf X e b = sup X são


aderentes a X.

10. Prove que Z é um conjunto fechado. Sugestão: prove que seu comple-
mentar é aberto.

11. Seja X ⊂ R :

a) Se a ∈ R é aderente a X e a 6∈ X, prove que a ∈ frX.

b) Conclua, usando o item anterior, que X = X ∪ f rX.

12. Para todo X ⊂ R, prove que R−intX = R − intX e R−X = int(R−X).


Sugestão: use as Questões 7 e 11.

13. Se X ⊂ R é fechado e X = A ∪ B é uma cisão, prove que A e B são


fechados.

14. Se X ⊂ R é aberto e X = A ∪ B é uma cisão, prove que A e B são


abertos.

15. Prove que, se X ⊂ R tem fronteira vazia, então X = ∅ ou X = R.


Sugestão: Use os Corolários 1.33, 1.34 e 1.38.

16. Sejam X, Y ⊂ R. Prove que X ∪ Y = X ∪ Y e X ∩ Y ⊂ X ∩ Y . Dê


um exemplo em que X ∩ Y 6= X ∩ Y .

17. Sejam X, Y, F ⊂ R subconjuntos de R.

a) Se X ⊂ Y, prove que X ⊂ Y.

b) Se X ⊂ F e F é fechado, prove que X ⊂ F . Isto é, X é o “menor”


fechado que contém X.

18. Seja X um subconjunto de R.


31
Clessius Silva Análise Real

a) Seja a um ponto aderente a X. Se a 6∈ X, prove que a é ponto de


acumulação de X.

b) Conclua, usando o item anterior, que X = X ∪ X 0 .

c) Conclua, usando o item anterior, que X é fechado se, e somente se,


contém todos seus pontos de acumulação.

19. Seja X ⊂ R, mostre que o conjunto dos pontos de acumulação X 0 é um


conjunto fechado. Em outras palavras, prove que X 0 = X 0 .

20. Prove que um número real a é ponto de acumulação de X ⊂ R se, e


somente se, for ponto de acumulação de X. Em outras palavras, prove
0
que X 0 = X .

21. Prove que (X ∪ Y )0 = X 0 ∪ Y 0 .

22. a) Prove que a união finita de conjuntos limitados é um conjunto


limitado.

b) Conclua, utilizando o Teorema 1.26, que a união finita de compactos


é compacto.

23. a) Prove que a interseção arbitrária de conjuntos limitados é um con-


junto limitado.

b) Conclua, utilizando o Teorema 1.26, que a interseção arbitrária de


compactos é compacto.

24. Dê exemplo de uma sequência decrescente de conjuntos fechados não-


vazios F1 ⊃ · · · ⊃ Fn ⊃ · · · e uma sequência decrescente de conjuntos
\∞
limitados não-vazios L1 ⊃ · · · ⊃ Ln ⊃ · · · tais que Fn = ∅ e
n=1

\
Ln = ∅.
n=1
32
Capítulo 1 Topologia da reta

25. Prove que um conjunto compacto cujos pontos são todos isolados é finito.
Dê exemplos de um conjunto fechado ilimitado X e um conjunto limitado
e não-fechado Y , cujos pontos são todos isolados.

Mais alguns exercícios do livro do Elon

26. Sejam I1 ⊃ I2 ⊃ · · · ⊃ In ⊃ · · · intervalos limitados dois a dois distintos,


cuja interseção I ∞ n=1 In não é vazia. Prove que I é um intervalo, o qual
T

nunca é aberto.

27. Sejam I um intervalo não-degenerado e k > 1 um número natural. Prove


que o conjunto dos números racionais m/k n pertencentes a I, cujos
denominadores são potências de k com expoente n ∈ N, é denso em I.

28. Dada uma sequência (xn ), prove que o fecho do conjunto dos termos
X = {xn ; n ∈ N} é X = X ∪ A, em que A é o conjunto dos valores de
aderência da sequência (xn ).

29. Prove que toda coleção de intervalos não-degenerados dois a dois disjun-
tos é enumerável.

30. Prove que se todos os pontos do conjunto X ⊂ R são isolados então


pode-se escolher, para cada x ∈ X, um intervalo aberto Ix , de centro x,
tal que x 6= y ⇒ Ix ∩ Iy = ∅.

31. Prove que todo conjunto não-enumerável X ⊂ R admite algum ponto


de acumulação a ∈ X. Sugestão: Prove a contrapositiva usando as duas
questões anteriores.
33
Clessius Silva Análise Real

32. Seja a um ponto de acumulação do conjunto X. Prove que existe uma


sequência crescente ou uma sequência decrescente de pontos xn ∈ X
com lim xn = a.

33. Prove que o conjunto A dos valores de aderência de uma sequência (xn )
é fechado. Se a sequência for limitada, A é compacto, logo existem l e
L, respectivamente o menor e o maior valor de aderência da sequência
limitada (xn ). Costuma-se escrever l = lim inf xn e L = lim sup xn .

34. Sejam X e Y conjuntos não-vazios, com X compacto e Y fechado. Prove


que existem x0 ∈ X, y0 ∈ Y tais que |x0 − y0 | ≤ |x − y| para quaisquer
x ∈ X e y ∈ Y.

35. Prove que se X é compacto então os seguintes conjuntos também são


compactos:

a) S = {x + y; x, y ∈ X};

b) D = {x − y; x, y ∈ X};

c) P = {x · y; x, y ∈ X};

d) Q = { xy ; x, y ∈ X} se 0 6∈ X.

Exercícios para pesquisa

36. (Teorema de Baire) Seja (Xn )n∈N uma sequência de conjuntos fechados

[
de R. Se int(Xn ) = ∅ para todo n ∈ N, então prove que int( Xn ) = ∅.
n=1

37. ( Teorema de Lindelöf) Seja X ⊂ R um subconjunto qualquer. Mostre


que toda cobertura aberta de X possui uma subcobertura enumerável.

34
Capítulo 2

Limites de funções

2.1 Definição e propriedades básicas


Definição 2.1. Seja X ⊂ R um conjunto de números reais, f : X → R uma
função real com domínio X e a um ponto de acumulação de X. Dizemos que
o limite de f (x) quando x tende para a é o número real L, e escrevemos
lim f (x) = L, quando para todo  > 0 existir δ > 0 tal que, para x ∈ X,
x→a

0 < |x − a| < δ implicar que |f (x) − L| < .

Observação 2.2. Note que |x − a| < δ significa que a distância de x para a é


menor que δ > 0, enquanto |f (x) − L| <  significa que a distância de f (x)
para L é menor que  > 0. Desta forma, de maneira informal, lim f (x) = L
x→a
significa que podemos tornar os valores de f (x) tão próximos de L quanto
quisermos, bastando tornar os valores de x ∈ X suficientemente próximos de
a com x 6= a. Além disso, observe que

|x − a| < δ ⇔ −δ < x − a < δ

⇔ a−δ <x<a+δ

⇔ x ∈ (a − δ, a + δ).
35
Clessius Silva Análise Real

Analogamente,

|f (x) − L| <  ⇔ L −  < f (x) < L + 

⇔ f (x) ∈ (L − , L + ).

Geometricamente,

Exemplo 2.3. Seja f : R → R definida por f (x) = x2 . Mostraremos que


lim f (x) = 4. De fato, dado  > 0 arbitrário, podemos tomar δ = min{1, 5 },
x→2
daí, para x ∈ R

0 < |x − 2| < δ ⇒ |x − 2| < e |x − 2| < 1
5
⇒ 5|x − 2| <  e 1 < x < 3

⇒ 5|x − 2| <  e 3 < x + 2 < 5

⇒ |x + 2||x − 2| < 5|x − 2| < 

⇒ |x2 − 4| < 

Portanto lim x2 = 4. Veremos mais a frente que se p : R → R é uma função


x→2
polinomial, então lim p(x) = p(a). Veja o gráfico de f na Figura 2.1.
x→a

Observação 2.4. Em relação a definição de limite de uma função, observe que

0 < |x − a| ⇔ |x − a| =
6 0

⇔ x 6= a.

Desta forma, f (a) não tem importância ao definirmos lim f (x), inclusive f (a)
x→a
pode não estar definido, o importante é o comportamento de f (x) com x
36
Capítulo 2 Limites de funções

7 y
6
5
4
3
2
y = x2
1
x
−4 −3 −2 −1 1 2 3 4
−1
Figura 2.1: Gráfico de f (x) = x2

próximo de a, mas x 6= a. Assim, não é necessário a pertencer ao domínio


de f para podermos definir lim f (x), é apenas necessário que a seja ponto de
x→a
acumulação do domínio de f . Veja o exemplo a seguir.

x2 − 4
Exemplo 2.5. Seja X = R − {2} e f : X → R definida por f (x) = .
x−2
Não é difícil verificar que f (x) = x + 2 para todo x ∈ X = R − {2}, e que 2
é ponto de acumulação de X. Mesmo f não estando definida em 2, podemos
provar que lim f (x) = lim (x + 2) = 4. Na Figura 2.2 vemos o gráfico de f e
x→2 x→2
podemos entender melhor a observação anterior.

Teorema 2.6. Sejam f, g : X → R, a ∈ X 0 , lim f (x) = L e lim g(x) = N.


x→a x→a
Se L < N então existe δ > 0 tal que f (x) < g(x) para todo x ∈ X com
0 < |x − a| < δ.

L+N
Demonstração. Consideremos M = o ponto médio entre L e N . To-
2
N −L
memos  = = M − L = N − M > 0. Logo, pela definição de limites,
2
existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que para x ∈ X

0 < |x − a| < δ1 ⇒ |f (x) − L| <  ⇒ L −  < f (x) <L +  = M


37
Clessius Silva Análise Real

8
7
6
f
5
4
3
2
1

−3−2−1
−1 1 2 3 4 5

x2 − 4
Figura 2.2: Gráfico de f y = .
x−2

0 < |x − a| < δ2 ⇒ |g(x) − N | <  ⇒ M = N − < g(x) < L + .

Portanto, se tomarmos δ = min{δ1 , δ2 } então, para x ∈ X

0 < |x − a| < δ ⇒ f (x) < M < g(x),

como queríamos demonstrar.

Observação 2.7. No Teorema 2.6, a hipótese L < N não pode ser substituída
por L ≤ N . Isso acontece porque se L = N não temos como relacionar f (x) e
g(x).

Exercício 2.8. Considere a função constante g(x) = c com domínio R. Prove


que lim g(x) = c para qualquer a ∈ R.
x→a

Corolário 2.9. Se lim f (x) = L < N então existe δ > 0 tal que f (x) < N
x→a
para todo x ∈ X com 0 < |x − a| < δ. Analogamente, lim f (x) = L > N então
x→a
existe δ > 0 tal que f (x) > N para todo x ∈ X com 0 < |x − a| < δ.

Demonstração. Bastar considerar g(x) = N constante e aplicar o Teorema


2.6.
38
Capítulo 2 Limites de funções

Corolário 2.10. (Permanência do sinal) Se lim f (x) = L 6= 0, então existe δ > 0


x→a
tal que f (x) tem o mesmo sinal de L para todo x ∈ X com 0 < |x − a| < δ.

Demonstração. Segue direto do Corolário 2.9 considerando N = 0.

Corolário 2.11. Sejam lim f (x) = L e lim g(x) = N. Se existir δ > 0 tal que
x→a x→a
f (x) ≤ g(x) para todo x ∈ X − {a} com |x − a| < δ, então L ≤ M.

Demonstração. Suponha, por contradição, que tivéssemos N < L, então pelo


Teorema 2.6 existiria δ̃ > 0 tal que para x ∈ X

0 < |x − a| < δ̃ ⇒ g(x) < f (x),

o que é uma contradição, pois para x ∈ X−{a} satisfazendo |x−a| < min{δ, δ̃}
deveríamos ter, por um lado, f (x) ≤ g(x), e por outro lado, g(x) < f (x).

Demonstraremos agora o Teorema do Confronto (ou Teorema do Sanduíche),


o qual é bastante utilizado em Cálculo para determinar alguns limites.

Teorema 2.12. Teorema do confronto. Sejam f, g, h : X → R, a ∈ X 0 e


lim f (x) = lim g(x) = L. Se existir δ > 0 tal que f (x) ≤ h(x) ≤ g(x) para
x→a x→a
todo x ∈ X − {a} com |x − a| < δ, então lim h(x) = L.
x→a

Demonstração. Dado  > 0 arbitrário, sejam δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que, para
x∈X

0 < |x − a| < δ1 ⇒ |f (x) − L| <  ⇒ L −  < f (x) < L + ,

0 < |x − a| < δ2 ⇒ |g(x) − L| <  ⇒ L −  < g(x) < L + .


39
Clessius Silva Análise Real

Considerando δ̃ = min{δ, δ1 , δ2 }, então para x ∈ X

0 < |x − a| < δ̃ ⇒ L −  < f (x) ≤ h(x) ≤ g(x) < L + 

⇒ L −  < h(x) < L + 

⇒ |h(x) − L| < .

Portanto, lim h(x) = L.


x→a

Vejamos abaixo a ideia geométrica do Teorema do Confronto.

1
Exemplo 2.13. Vamos determinar lim x2 cos( ). Nós sabemos que para todo
x→0 x
x ∈ R − {0}
1
−1 ≤ cos( ) ≤ 1,
x
logo, multiplicando por x2 toda a inequação acima, e lembrando que x2 ≥ 0
para todo x ∈ R, obtemos
1
−1x2 ≤ x2 cos( ) ≤ x2 , ∀x ∈ R − {0}.
x
Uma vez que, limx→0 −x2 = limx→0 x2 = 0 (exercício), pelo Teorema do San-
duíche obtemos
1
lim x2 cos( ) = 0.
x→0 x
Abaixo, segue os gráficos das funções referidas próximo do x = 0.

Teorema 2.14. Unicidade do limite. Sejam f : X → R e a ∈ X 0 . Se


lim f (x) = L e lim f (x) = M, então L = M .
x→a x→a
40
Capítulo 2 Limites de funções

y = x2

y = x2 cos( x1 )

y = −x2

L+M
Demonstração. Suponhamos, por absurdo, que L < M. Tomando K =
2
M −L
o ponto médio entre L e M , e escolhendo  = = K − L = M − K,
2
então existem δ1 > 0 e δ2 > 0 tais que, para x ∈ X

0 < |x − a| < δ1 ⇒ |f (x) − L| <  ⇒ L −  < f (x) <L +  = K,

0 < |x − a| < δ2 ⇒ |f (x) − M | <  ⇒ K = M − < f (x) < M + .

Desta forma, tomando δ = min{δ1 , δ2 }, então para x ∈ X

0 < |x − a| < δ ⇒ f (x) < K < f (x),

o que é um absurdo. Isto completa a demonstração.

Exercício 2.15. Sejam a um ponto de acumulação de um conjunto X ⊂ R e


f : X → R. Verifique que lim f (x) = L se, e somente se, lim (f (x) − L) = 0.
x→a x→a

Teorema 2.16. Sejam f : X → R e a ∈ X 0 . Se existe lim f (x), então f é


x→a
limitada numa vizinhança de a, especificamente, existem δ > 0 e c > 0 tais que
|f (x)| ≤ c para todo x ∈ X satisfazendo 0 < |x − a| < δ.

Demonstração. Seja L = lim f (x). Tomando  = 1 na definição de limite, existe


x→a
δ > 0 tal que para x ∈ X

0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − L| < 1.


41
Clessius Silva Análise Real

Portanto, para x ∈ X com 0 < |x−a| < δ, tem-se (pela desigualdade triangular)

|f (x)| = |f (x) − L + L| ≤ |f (x) − L| + |L| < 1 + |L|.

Sendo assim, bastar tomar c = 1 + |L| para concluir a demonstração.

Exemplo 2.17. a) Seja X = R − {0}. A função f : X → R definida por


f (x) = 1
x2 não é limitada em nenhum intervalo da forma (−δ, δ), com
δ > 0. De fato, dados δ > 0 e M > 0 arbitrários, pela propriedade
1
arquimediana existe n ∈ N tal que n > e n > M, desta forma
δ

1 1
< δ e f ( ) = n2 ≥ n > M.
n n

Isso demonstra que f não é limitada no intervalo (−δ, δ), para qualquer
δ > 0.

1
b) Não existe lim 2
. De fato, pelo item anterior, f (x) = x12 não é limitada
x→0 x
em nenhum intervalo da forma (−δ, δ) com δ > 0, desta forma, pelo
1 1
Teorema 2.16, não existe lim 2 . Embora o limite lim 2 não exista (como
x→0 x x→0 x
um número), veremos depois que podemos dar uma interpretação ao
comportamento dessa função quando x → 0. Na Figura 2.3 podemos ver
o gráfico de f .

Lema 2.18. Sejam a ∈ X 0 e g : X → R uma função. Se lim g(x) = M e M 6= 0,


x→a
então existem K > 0 e δ > 0 tais que para x ∈ X, K < |g(x)| sempre que
0 < |x − a| < δ.

|M |
Demonstração. Consideremos  = , como M 6= 0, logo  > 0. Uma vez
242
Capítulo 2 Limites de funções
y

1
y=
x2 x

1
Figura 2.3: Gráfico de y = .
x2

que lim g(x) = M , logo existe δ > 0 tal que, para x ∈ X


x→a

|M |
0 < |x − a| < δ ⇒ |g(x) − M | <  =
2
|M | |M |
⇒ M− < g(x) < M +
 2 2
 0 < M < g(x) < 3M , se M > 0
2 2

 3M < g(x) < M < 0, se M < 0
2 2
|M |
⇒ < |g(x)|.
2
|M |
Desta forma, o resultado segue se tomarmos K = 2 .

Teorema 2.19. Operações com limites. Sejam f, g : X → R, a ∈ X 0 , suponha


que existem lim f (x) e lim g(x). Então
x→a x→a

i) lim [cf (x)] = c lim f (x), para c ∈ R;


x→a x→a

ii) lim [f (x) + g(x)] = lim f (x) + lim g(x);


x→a x→a x→a

iii) lim [f (x) − g(x)] = lim f (x) − lim g(x);


x→a x→a x→a

iv) lim [f (x) · g(x)] = lim f (x) · lim g(x);


x→a x→a x→a

1 1
v) lim = , se limx→a g(x) 6= 0;
x→a g(x) limx→a g(x)
43
Clessius Silva Análise Real

f (x) limx→a f (x)


vi) lim = , se limx→a g(x) 6= 0.
x→a g(x) limx→a g(x)
Demonstração. Para simplificar a notação, denotemos limx→a f (x) = L e
limx→a g(x) = M

i) Caso c = 0, a demonstração fica simples. Caso c 6= 0, então dado  > 0


arbitrário, existe δ > 0 tal que, para x ∈ X,

0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − L| < .
|c|
Portanto, para x ∈ X

0 < |x − a| < δ ⇒ |cf (x) − cL| = c|f (x) − L| < |c| = .
|c|
Sendo assim, lim [cf (x)] = cL.
x→a

ii) Dado  > 0 arbitrário, existem δ1 , δ2 > 0 tais que, para x ∈ X,



0 < |x − a| < δ1 ⇒ |f (x) − L| < ,
2
e

0 < |x − a| < δ2 ⇒ |g(x) − M | < .
2
Tomando δ = min{δ1 , δ2 }, se x ∈ X e 0 < |x − a| < δ então,
 
|f (x) − L| < e |g(x) − M | <
2 2
usando a desigualdade triangular, obtemos
 
|f (x) + g(x) − L − M | ≤ |f (x) − L| + |g(x) − M | < + = .
2 2
Portanto, lim [f (x) + g(x)] = L + M.
x→a

iii) Utilizando os dois itens anteriores, obtemos

lim [f (x) − g(x)] = lim f (x) + lim [−g(x)] = lim f (x) − lim g(x).
x→a x→a x→a x→a x→a
44
Capítulo 2 Limites de funções

iv) Pelo Teorema 2.16, existem δ1 > 0 e c > 0 tais que

x ∈ X e 0 < |x − a| < δ1 ⇒ |f (x)| ≤ c.

Dado  > 0 arbitrário, existem δ2 , δ3 > 0 tais que



x ∈ X e 0 < |x − a| < δ2 ⇒ |M ||f (x) − L| < ,
2
e

x ∈ X e 0 < |x − a| < δ3 ⇒ |g(x) − M | < .
2c
Desta forma, sendo δ = min{δ1 , δ2 , δ3 , } se x ∈ X e 0 < |x − a| < δ,
então, pela desigualdade triangular

|f (x)g(x) − LM | = |f (x)g(x) − f (x)M + f (x)M − LM |

= |f (x)(g(x) − M ) + (f (x) − L)M |

≤ |f (x)||g(x) − M | + |f (x) − L||M |


 
< c +
2c 2
= .

Portanto lim [f (x)g(x)] = L · M.


x→a

v) Pelo Lema 2.18 existem δ1 > 0 e K > 0 tais que


1 1
x ∈ X e 0 < |x − a| < δ1 ⇒ 0 < K < |g(x)| ⇒ < .
|g(x)| K
Como M 6= 0, dado  > 0 arbitrário, existe δ2 > 0 tal que

x ∈ X e 0 < |x − a| < δ2 ⇒ |g(x) − M | < |M |K.

Portanto, tomando δ = min{δ1 , δ2 } > 0, se x ∈ X e 0 < |x − a| < δ,


então

1 1 M − g(x) |M − g(x)| |M |K
g(x) − M = g(x)M ≤ K|M | < |M |K = .

1 1
Portanto, lim = .
x→a g(x) M
45
Clessius Silva Análise Real

vi) Pelos itens iv) e v)

f (x) 1 1 L
lim = lim f (x) lim =L = .
x→a g(x) x→a x→a g(x) M M

Teorema 2.20. Sejam a ∈ X 0 e f, g : X → R. Se lim f (x) = 0 e g é limitada


x→a
em uma vizinhança de a, então lim [f (x) · g(x)] = 0.
x→a

Demonstração. Como g é limitada em uma vizinhança de a, existem δ1 > 0 e


K > 0 tais que para x ∈ X

|x − a| < δ1 ⇒ |g(x)| ≤ K.

Dado  > 0 arbitrário, como lim f (x) = 0, existe δ2 > 0 tal que, para x ∈ X,
x→a


0 < |x − a| < δ2 ⇒ |f (x)| < .
K

Tomando δ = min{δ1 , δ2 }, para x ∈ X, tem-se


0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) · g(x) − 0| = |f (x)| · |g(x)| < · K = .
K

Portanto, lim f (x) · g(x) = 0, como queríamos demonstrar.


x→a

Considere f : X → R e a ∈ X 0 . Negar que lim f (x) = L significa que existe


x→a
 > 0 tal que para cada δ > 0 existe xδ ∈ X tal que 0 < |xδ − a| < δ mas
|f (xδ ) − L| ≥ . Desta forma, negar que lim f (x) = L implica que existe um
x→a
 > 0 tal que para cada n ∈ N existe xn ∈ X tal que 0 < |xn − a| < 1
n mas
|f (xn ) − L| ≥ .

Teorema 2.21. Sejam f : X → R e a ∈ X 0 . Afim de que seja lim f (x) = L é


x→a
necessário e suficiente que, para toda sequência de pontos xn ∈ X − {a} com
lim xn = a, tenha-se lim f (xn ) = L.
46
Capítulo 2 Limites de funções

Demonstração. Suponhamos que lim f (x) = L e consideremos uma sequência


x→a
xn ∈ X − {a} tal que lim xn = a. Dado  > 0, como lim f (x) = L, existe
x→a
δ > 0 tal que, para x ∈ X

0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − L| < . (2.1)

Além disso, como lim xn = a e xn 6= a, existe n0 ∈ N tal que

n > n0 ⇒ 0 < |xn − a| < δ. (2.2)

Das equações (2.1) e (2.2), obtemos

n > n0 ⇒ |f (xn ) − L| < ,

logo, lim f (xn ) = L.


Reciprocamente, consideremos que xn ∈ X −{a} e lim xn = a impliquem em
lim f (xn ) = L. Suponhamos, por contradição, que não tenhamos lim f (x) =
x→a
L, isso implica que existe  > 0 e, para cada n ∈ N, existe xn ∈ X tais que
1
tenhamos 0 < |xn − a| < e |f (xn ) − L| ≥ . Desta forma, a sequência
n
xn ∈ X − {a} tende para a, entretanto f (xn ) não tende para L, o que contraria
a hipótese. Isto completa a demonstração.

Exemplo 2.22. Seja X = R − {0}, logo 0 ∈ X 0 .

(a) A função f : X → R, definida por f (x) = sen , não possui limite


1

x
1
quando x → 0. De fato, consideremos as sequências xn = e yn =
2πn
1
π . Não é difícil verificar que lim xn = lim yn = 0, porém
2 + 2πn

1
lim f (xn ) = lim sen( ) = lim sen(2πn) = 0,
xn
e
1 π
lim f (yn ) = lim sen( ) = lim sen( + 2πn) = 1.
yn 2
47
Clessius Silva Análise Real

Assim, uma vez que lim xn = lim yn = 0 mas lim f (xn ) 6= lim f (yn ),
usando o Teorema 2.21, concluímos que limx→0 f (x) não existe. O gráfico
de f está esboçado na Figura 2.4.

1.5

0.5

−2 −1.5 −1 −0.5 0.5 1 1.5 2

f −0.5

−1

Figura 2.4: Gráfico de f (x) = sen(1/x)

1
(b) A função h : X → R definida por h(x) = x·sen possui limite quando
x
1 1
x → 0, e neste caso, lim x · sen = 0. De fato, como g(x) = sen( )
x→0 x x
1
é limitada e lim x = 0, logo, pelo Teorema 2.20, lim x · sen = 0. O
x→0 x→0 x
gráfico de h está esboçado na Figura 2.5.

Exemplo 2.23. Seja f : R → R definida por



 0, se x ∈ Q
f (x) = .
 1, se x ∈ R − Q

Para qualquer a ∈ R, não existe lim f (x). De fato, para qualquer a ∈ R, existe
x→a
uma sequência de números racionais xn 6= a e uma sequência de números
irracionais yn 6= a tais que lim xn = lim yn = a, mas nesse caso, lim f (xn ) = 0
e lim f (yn ) = 1. Portanto, pelo Teorema 2.21, não existe lim f (x).
x→a
48
Capítulo 2 Limites de funções

1.5

1
h
0.5

−2 −1.5 −1 −0.5 0.5 1 1.5 2


−0.5

−1

Figura 2.5: Gráfico de h(x) = xsen(1/x)

É bastante comum no Cálculo fazermos uma mudança de variável nos limites.


A seguir veremos o resultado que nos garante fazer tais mudanças.

Teorema 2.24. Sejam f : X → Y , g : Y → R, a ∈ X 0 e b ∈ Y 0 . Suponha


lim f (x) = b e lim g(x) = L. Se L = g(b) ou se existir δ > 0 tal que f (x) 6= b
x→a x→b
para x ∈ X com 0 < |x − a| < δ, então

lim g(f (x)) = lim g(u).


x→a u→b

Demonstração. Primeiro, suponhamos que L = g(b), isto é, lim g(u) = g(b),


u→b
portanto dado  > 0 existe δ̃ > 0 tal que

u ∈ Y e |u − b| < δ̃ ⇒ |g(u) − g(b)| < . (2.3)

Além disso, como lim f (x) = b, existe δ > 0 tal que


x→a

x ∈ X e 0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − b| < δ̃. (2.4)

De (2.3) e (2.4), obtemos

x ∈ X e 0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − b| < δ̃ ⇒ |g(f (x)) − g(b)| < .


49
Clessius Silva Análise Real

Portanto, lim g(f (x)) = g(b) = lim g(u).


x→a u→b
Agora, suponhamos que existe δ > 0 tal que f (x) 6= b para x ∈ X com
0 < |x−a| < δ. Dada uma sequência xn ∈ X −{a} com xn → a, pelo Teorema
2.21 temos f (xn ) → b. Além disso, como xn → a, logo 0 < |xn − a| < δ
para n suficientemente grande. Desta forma, por hipótese, f (xn ) 6= b (para n
suficientemente grande). Como f (xn ) → b e f (xn ) 6= b, pelo Teorema 2.21,
g(f (xn )) → L. Portanto, mais uma vez pelo Teorema 2.21, concluímos que
lim g(f (x)) = L = lim g(u).
x→a u→b

Exercício 2.25. Sejam a, c ∈ R e sejam p, q : R → R funções polinomiais.


Prove que

(a) lim c = c;
x→a

(b) lim x = a;
x→a

(c) lim xn = an , com n ∈ N;


x→a

(d) lim p(x) = p(a);


x→a

p(x) p(a)
(e) lim = , se q(a) 6= 0.
x→a q(x) q(a)
Exemplo 2.26. Sejam p, q : R → R funções polinomiais e a ∈ R. Se p(a) =
q(a) = 0, então existem m, n ∈ N e funções polinomiais p̃, q̃, tais que

p(x) = (x − a)m p̃(x), com p̃(a) 6= 0,

e
q(x) = (x − a)n q̃(x), com q̃(a) 6= 0.

(i) Se m > n, então pelo exercício 2.25,


p(x) (x − a)m p̃(x) (x − a)m−n p̃(x) p̃(a)
lim = lim = lim = 0 · = 0.
x→a q(x) x→a (x − a)n q̃(x) x→a q̃(x) q̃(a)
50
Capítulo 2 Limites de funções

(ii) Se m = n, então
p(x) (x − a)m p̃(x) p̃(x) p̃(a)
lim = lim = lim = .
x→a q(x) x→a (x − a)n q̃(x) x→a q̃(x) q̃(a)

p(x)
(iii) Se m < n, então o limite limx→a não existe. De fato, suponhamos,
q(x)
p(x)
por absurdo, que existe limx→a = L, então utilizando o Teorema
q(x)
2.19 obtemos

p̃(a) = lim p̃(x)


x→a
(x − a)m q(x)
 
= lim p̃(x)
x→a (x − a)m q(x)
p(x) q(x)
= lim
x→a q(x) (x − a)m
 
p(x)
= lim · (x − a)n−m q̃(x)
x→a q(x)

= L · 0 = 0,

o que é uma contradição, pois p̃(a) 6= 0.

2.2 Limites Laterais


Definição 2.27. Seja X ⊂ R. Dizemos que um número a ∈ R é chamado
ponto de acumulação à direita de X, e escrevemos a ∈ X+0 , quando para
todo  > 0 existir x ∈ X ∩ (a, a + ), isto é, quando para todo  > 0 ocorre
X ∩ (a, a + ) 6= ∅. Em outras palavras, a ∈ R é ponto de acumulação à direita
de X quando toda vizinhança de a contiver algum ponto x ∈ X com x > a.

O exercício seguinte é similar ao Teorema 1.42.

Exercício 2.28. Sejam X ⊂ R e a ∈ R. Prove que as seguintes afirmações são


equivalentes:

i) a é ponto de acumulação à direita de X;


51
Clessius Silva Análise Real

ii) a é limite de uma sequência de pontos xn ∈ X com xn > a;

iii) a é ponto de acumulação do conjunto Y = X ∩ (a, +∞).

De maneira análoga, definimos ponto de acumulação à esquerda de um


conjunto, como segue.

Definição 2.29. Seja X ⊂ R. Dizemos que um número a ∈ R é chamado


ponto de acumulação à esquerda de X, e escrevemos a ∈ X−0 , quando para
todo  > 0 ocorre X ∩ (a − , a) 6= ∅. Quando a ∈ X−0 ∩ X+0 , dizemos que a é
um ponto de acumulação bilateral de X.

Exemplo 2.30. a) Seja X = { n1 ; n ∈ N}, então 0 ∈ X+0 porém 0 6∈ X−0 .

b) Considere um intervalo X limitado com extremos a < b. Então a ∈ X+0 ,


mas a 6∈ X−0 . Além disso, b ∈ X−0 , mas b 6∈ X+0 . Por fim, se a < c < b,
então c ∈ X−0 ∩ X+0 .

Definição 2.31. Sejam f : X → R. Sendo a um ponto de acumulação à direita


de X, dizemos que o limite de f (x) quando x tende para a pela direita é
o número real L, e escrevemos lim+ f (x) = L, quando dado  > 0 qualquer,
x→a
existir δ > 0 tal que |f (x) − L| <  sempre que x ∈ X e a < x < a + δ.
Analogamente, sendo a um ponto de acumulação à esquerda de X, dizemos
que o limite de f (x) quando x tende para a pela esquerda é o número real
L, e escrevemos lim− f (x) = L, quando dado  > 0 qualquer, existir δ > 0 tal
x→a
que |f (x) − L| <  sempre que x ∈ X e a − δ < x < a.

Observação 2.32. As propriedades de limites apresentadas na seção anterior


podem ser adaptadas facilmente para limites laterais.

Teorema 2.33. Sejam a ∈ X−0 ∩ X+0 e f : X → R. Existe lim f (x) = L se, e


x→a
somente se, existem e são iguais os limites laterais lim− f (x) = lim+ f (x) = L
x→a x→a
52
Capítulo 2 Limites de funções

Demonstração. Exercício.

Exemplo 2.34. Consideremos X = R − {0}, é simples de verificar que 0 é um


ponto de acumulação bilateral de X.

1. Seja g : X → R definida por



|x|  1, se x > 0,
g(x) = =
x  −1, se x < 0.

Neste caso, lim+ g(x) = 1 e lim− g(x) = −1, e, pelo Teorema 2.36, não
x→0 x→0
existe lim g(x).
x→0

2. Seja f : X → R definida por f (x) = sen(1/x). Com o mesmo argumento


utilizado no Exemplo 2.22 (no caso do limite lateral pela esquerda, usamos
1 1
xn = − e yn = − π ), podemos concluir que os limites laterais
2πn 2 + πn
lim+ f (x) e lim− f (x) não existem.
x→0 x→0

3. Seja h : X → R definida por f (x) = x1 . Não é difícil verificar que h não


é limitada em nenhum intervalo da forma (−δ, 0) e (0, δ) com δ > 0,
assim, utilizando uma adaptação do Teorema 2.16, concluímos que os
1 1
limites laterais lim+ e lim− não existem. Na Figura 2.6 está esboçado
x→0 x x→0 x
o gráfico de h.

Definição 2.35. Seja f : X → R. A função f é chamada monótona não-


decrescente quando, para x, y ∈ X, f (x) ≤ f (y) sempre que x < y. Se para
x, y ∈ X, f (x) ≥ f (y) sempre que x < y, a função f é chamada monótona
não-crescente. A função f é chamada crescente quando, para x, y ∈ X,
f (x) < f (y) sempre que x < y. Se para x, y ∈ X, f (x) f (y) sempre que x < y,
a função f é chamada decrescente. Em qualquer dos casos acima, dizemos que
f é monótona.
53
Clessius Silva Análise Real
y

1
y= x x

Figura 2.6: Gráfico de y = 1


x

Teorema 2.36. Seja f : X → R uma função monótona limitada. Então, para


todo a ∈ X+0 e todo b ∈ X−0 existem lim+ f (x) e lim− f (x). Em outras palavras,
x→a x→b
os limites laterais de funções monótonas limitadas sempre existem.

Demonstração. Suponhamos, para fixar ideias, que f é não-crescente. Como


f é limitada, o conjunto A = {f (x); x ∈ X, x > a} é limitado. Seja L =
sup A. Afirmamos que lim+ f (x) = L. De fato, dado  > 0 arbitrário, como
x→a
L −  < L = sup A, logo L −  não é cota superior de A, isto é, existe y ∈ A
tal que L −  < y ≤ L. Uma vez que y ∈ A = {f (x); x ∈ X, x > a}, logo
y = f (c) para algum c ∈ X com c > a. Desta forma, sendo δ = c − a,
como f é monótona não-crescente, se x ∈ X e a < x < a + δ = c, então
L −  < y = f (c) ≤ f (x) ≤ L, o que prova nossa afirmação. De maneira
análoga, prova-se que M = inf{f (x); x ∈, x < b} é o limite à esquerda de
b.

O seguinte resultado nos diz que a hipótese de f ser limitada, no Teorema


2.36, pode ser substituída por a, b ∈ X.

Corolário 2.37. Seja f : X → R uma função monótona. Então, para todo


a ∈ X+0 ∩ X e todo b ∈ X−0 ∩ X existem lim+ f (x) e lim− f (x).
x→a x→b
54
Capítulo 2 Limites de funções

Demonstração. Suponhamos, para fixar ideias, que f é não-crescente. Neste


caso, como a ∈ X e f é não-crescente, logo o conjunto A = {f (x); x ∈
X, x > a} é limitado superiormente por f (a). Dessa forma, podemos considerar
L = sup A e a demonstração segue como no Teorema 2.36 para provar que
lim f (x) = L. Similarmente, o conjunto B = {f (x); x ∈, x < b} é limitado
x→a+
inferiormente por f (b), e usando a demonstração do Teorema 2.36, mostramos
que lim− f (x) = M em que M = inf B.
x→b

2.3 Limites no infinito


Definição 2.38. Sejam X ilimitado superiormente e f : X → R. Escrevemos

lim f (x) = L,
x→+∞

com L um número real, quando para todo  > 0 existir M > 0 tal que, para
x∈X
x > M implicar que |f (x) − L| < .

Definição 2.39. Sejam X ilimitado inferiormente e f : X → R. Escrevemos

lim f (x) = L,
x→−∞

com L um número real, quando para todo  > 0 existir M > 0 tal que, para
x∈X
x < −M implicar que |f (x) − L| < .
1 1
Exemplo 2.40. Afirmamos que lim = lim = 0. Para provar que
x→∞ x x→−∞ x
1
lim = 0, observe que, dado  > 0 arbitrário, escolhemos M = 1 , daí
x→−∞ x

1 1 1
x < −M ⇒ x < − ⇒ 0 < − <  ⇒ | − 0| < .
 x x
1 1
Portanto, lim = 0. De maneira similar, podemos provar que lim = 0.
x→−∞ x x→∞ x
Veja a Figura 2.7.
55
Clessius Silva Análise Real
y

1
y= x x

Figura 2.7: Gráfico de y = 1


x

Observação 2.41. Os resultados demonstrados na Seção 2.1 pra limites com


x → a são verdadeiros para x → ∞ com adequadas modificações.

1 1
Exemplo 2.42. Vimos no Exemplo 2.40 que lim = lim = 0. Usando
x→+∞ x x→−∞ x
uma adaptação da regra do produto do Teorema 2.19 para os casos x → +∞ e
x → −∞, concluímos que

1 1
lim = lim = 0,
x→+∞ xn x→−∞ xn

para todo n ∈ N.

Exemplo 2.43. Vamos analisar o limite da função racional

an x n + · · · + a1 x + a0
lim ,
x→+∞ bm xm + · · · + b1 x + b0

com an , bm diferentes de 0. Dividiremos esse estudos em casos

a) Caso n = m. Neste caso, podemos reescrever o limite da seguinte forma


an−1 a1 a0
an xn + · · · + a1 x + a0 xn (an + x + ··· + xn−1 + xn )
lim = lim bn−1
x→+∞ bn xn + · · · + b1 x + b0 xn (bn +
x→+∞ + ··· + + b1 b0
x xn−1 xn )
an−1 a1 a0
an + x + · · · + xn−1 + xn
= lim ,
x→+∞ b + bn−1 + · · · + b1 + b0
n x xn−1 xn
56
Capítulo 2 Limites de funções

assim, utilizando o Exemplo 2.42 e as regras de operações de limites


adaptadas para o caso x → +∞, concluímos que
an x n + · · · + a1 x + a0 an
lim = .
x→+∞ bm xm + · · · + b1 x + b0 bn
b) Caso n < m. Neste caso,
an x n + · · · + a1 x + a0
lim
x→+∞ bm xm + · · · + b1 x + b0
an an−1 a1 a0
xm ( xm−n + xm−n+1 + · · · + xm+n−1 + xm+n )
= lim
x→+∞ xm (bm + bm−1 b1
x + · · · + xm−1 + xm )
b0

an an−1 a1 a0
xm−n + xm−n+1 + · · · + xm+n−1 + xm+n
= lim ,
x→+∞ bm + bm−1 x + · · · + b1
xm−1 + b0
xm
assim, utilizando o Exemplo 2.42 e as regras de operações de limites
adaptadas para o caso x → +∞, concluímos que
an x n + · · · + a1 x + a0
lim = 0.
x→+∞ bm xm + · · · + b1 x + b0

c) O caso n > m será tratado na próxima Seção.

Exemplo 2.44. Não existem os limites lim cos(x) e lim cos(x). De fato,
x→+∞ x→−∞
se considerarmos as sequências xn = 2πn e yn = π
2 + 2πn, então lim xn =
lim yn = +∞, entretanto os limites lim cos(xn ) = 1 e lim cos(yn ) = 0 são
diferentes. Desta forma, utilizando uma adaptação do Teorema 2.21 para o caso
x → +∞, concluímos que não existe lim cos(x). Para provar que não existe
x→+∞
lim cos(x) basta considerarmos as sequências xn = −2πn e yn = π
2 − 2πn.
x→−∞
Na Figura 2.8 está esboçado o gráfico da função cosseno.

Podemos adaptar o Teorema 2.36 para os casos x → ∞ e x → −∞ como


mostra o próximo resultado.

Teorema 2.45. Sejam X um conjunto ilimitado superiormente (resp. inferior-


mente) e f : X → R. Se f é monótona limitada, então existe lim f (x) (resp.
x→∞
lim f (x)).
x→−∞
57
Clessius Silva Análise Real

Figura 2.8: Gráfico de y = cos x

Demonstração. A ideia para demonstrar tais afirmações é bastante similar a


demonstração do Teorema 2.36 e é um exercício ao leitor.

2.4 Limites infinitos


Definição 2.46. Sejam a ∈ X 0 e f : X → R. Escrevemos

lim f (x) = +∞
x→a

quando para cada K > 0 existir δ > 0 tal que

x ∈ X e 0 < |x − a| < δ implicar que f (x) > K.

De maneira similar, escrevemos

lim f (x) = −∞
x→a

quando para cada K > 0 existir δ > 0 tal que

x ∈ X e 0 < |x − a| < δ implicar que f (x) < −K.


1
Exemplo 2.47. Afirmamos que lim = +∞. De fato, dado K > 0 arbitrário
x→0 x2
consideremos δ = √1 ,
K
então
1 1
0 < |x − 0| < δ = √ ⇒ 0 < |x2 | <
K K
1 1
⇒ K < 2 = 2.
|x | x
1
Isto prova que lim = +∞. Na Figura 2.9 está esboçado o gráfico dessa
x→0 x2
função.
58
Capítulo 2 Limites de funções
y

1
y=
x2 x

1
Figura 2.9: Gráfico de y = .
x2

Exercício 2.48. Defina, de maneira formal, os seguintes limites

i) lim+ f (x) = +∞; v) lim f (x) = +∞;


x→a x→+∞

ii) lim− f (x) = +∞; vi) lim f (x) = +∞;


x→a x→−∞

iii) lim+ f (x) = −∞; vii) lim f (x) = −∞;


x→a x→+∞

iv) lim− f (x) = −∞; viii) lim f (x) = −∞.


x→a x→−∞

1 1
Exemplo 2.49. a) Afirmamos que lim+ = +∞ e lim− = −∞. Pro-
x→0 x x→0 x
1
vemos que lim− = −∞. De fato, dado K > 0 escolhemos δ = K1 ,
x→0 x
então
1
0−δ <x<0 ⇒ − <x<0
K
1
⇒ 0 < −x <
K
1
⇒ 0<− <K
x
1
⇒ < −K.
x
1
Isto prova que lim− = −∞. De maneira similar, podemos provar que
x→0 x
1
lim = +∞.
x→0+ x
59
Clessius Silva Análise Real

b) Não é difícil verificar que lim xn = +∞ para todo n ∈ N. Além disso,


x→+∞
se n é um natural par, então lim xn = +∞; enquanto, se n é um natural
x→−∞
ímpar, então lim x = −∞.
n
x→−∞

Quando vamos operar com limites infinitos, devemos ficar atentos, visto que
∞ não é número. Isto é, nem sempre dá para adaptar os resultados de limites
visto na Seção 2.1 para limites infinitos, por exemplo, se lim f (x) = +∞
x→a
e lim g(x) = +∞, não temos como determinar de maneira geral o limite
x→a
lim [f (x) − g(x)]. O próximo resultado pode nos ajudar a operar com ∞.
x→a

Teorema 2.50. Sejam L ∈ R e f, g : X → R e consideremos válidas as hipóteses


necessárias para definir os seguintes limites. Então
 
 lim f (x) = +∞
  lim [f (x) + g(x)] = +∞

x→+∞ x→+∞
i) ⇒
 lim g(x) = +∞
  lim f (x)g(x) = +∞

x→+∞ x→+∞
 
 lim f (x) = L
  lim f (x)g(x) = +∞, se L > 0

x→+∞ x→+∞
ii) ⇒
 lim g(x) = +∞
  lim f (x)g(x) = −∞, se L < 0

x→+∞ x→+∞

 lim f (x) = −∞

x→+∞
iii) ⇒ lim f (x)g(x) = −∞
x→+∞
 lim g(x) = +∞

x→+∞

 lim f (x) = L

x→+∞
iv) ⇒ lim [f (x) + g(x)] = +∞
x→+∞
 lim g(x) = +∞

x→+∞

 lim f (x) = L

x→+∞
v) ⇒ lim [f (x) + g(x)] = −∞
x→+∞
 lim g(x) = −∞

x→+∞
 
 lim f (x) = −∞
  lim [f (x) + g(x)] = −∞

x→+∞ x→+∞
vi) ⇒
 lim g(x) = −∞
  lim f (x)g(x) = +∞

x→+∞ x→+∞
60
Capítulo 2 Limites de funções
 
 lim f (x) = L
  lim f (x)g(x) = −∞, se L > 0

x→+∞ x→+∞
vii) ⇒ .
 lim g(x) = −∞
  lim f (x)g(x) = +∞, se L < 0

x→+∞ x→+∞

Demonstração. Provaremos apenas o item (i) e (ii), os outros itens serão deixados
como exercícios.

i) Dado K > 1 (podemos considerar K > 1 sem perda de generalidade),


como lim f (x) = +∞ e lim g(x) = +∞, logo existem M1 > 0 e
x→+∞ x→+∞
M2 > 0 tais que

x ∈ X e x > M1 ⇒ f (x) > K,


x ∈ X e x > M2 ⇒ g(x) > K.

Assim, considerando M = max{M1 , M2 }

x ∈ X e x > M ⇒ f (x) > K e g(x) > K



 f (x) + g(x) > 2K > K
⇒ .
 f (x)g(x) > K 2 > K

Com isso concluímos que lim [f (x) + g(x)] = +∞ e que


x→+∞
lim f (x)g(x) = +∞.
x→+∞

Observação 2.51. O teorema anterior pode ser adaptado, sem muita dificuldade,
para os casos “x → −∞”, “x → a”, “x → a+ ” e “x → a− ”.

Observação 2.52. De maneira informal, o Teorema 2.50 nos diz algumas “ope-
rações” que podemos fazer com o símbolo ∞, a saber,

• +∞ + (+∞) = +∞; • L · (+∞) = +∞ se L > 0;

• −∞ + (−∞) = −∞; • L · (+∞) = −∞ se L < 0;


61
Clessius Silva Análise Real

• L · (−∞) = −∞ se L > 0; • (+∞) · (+∞) = +∞;

• L · (−∞) = +∞ se L < 0;
• (−∞) · (−∞) = +∞;
• L + (+∞) = +∞, ∀L ∈ R;

• L + (−∞) = −∞, ∀L ∈ R; • (−∞) · (+∞) = −∞.

Entretanto algumas expressões não podem ser determinadas de maneira


geral, tais expressões são comumente chamadas de indeterminações, são elas:

• +∞ + (−∞) • 0
0

• −∞ − (−∞) • 1∞

• 0·∞ • 00

• ∞
∞ • ∞0

2.5 Exercícios
1. Prove, usando apenas a definição de limite, que

a) lim (x2 − 3x + 4) = 2; 1
x→2 e) lim = 1;
x→1 x
b) lim x3 = 8; x 2
x→2
f) lim = ;
c) lim senx = sena; x→2 x + 1 3
x→a
3x + 1 1
d) lim cos x = cos a; g) lim = .
x→a x→2 5x + 4 2
√ √
2. Prove que lim x= a, para todo a ≥ 0.
x→a

3. Prove, usando apenas a definição de limite no infinito ou de limite infinito,


que

62
Capítulo 2 Limites de funções
2x + 1 2x + 1
a) lim = −2; c) lim− = +∞;
x→+∞ −x + 2 x→2 −x + 2
2x + 1
d) lim+ = −∞;
x→2 −x + 2
2x + 1
b) lim = −2; e) lim (x2 − 2x) = ∞.
x→−∞ −x + 2 x→+∞

4. Sejam a ∈ X 0 e f : X → R. Se lim f (x) = L, prove que lim |f (x)| =


x→a x→a
|L|. Sugestão: Use a desigualdade: ||r| − |s|| ≤ |r − s|.

5. Considere f, g : R → R. Prove ou apresente um contra-exemplo.

a) Se f tem limite em x = a e g não tem, então f · g não tem limite


em x = a.

b) Se f tem limite em x = a e g não tem, então f + g não tem limite


em x = a.

c) Se f e f + g têm limite em x = a, então g tem limite em x = a.

d) lim f (x) = L ⇔ lim (f (x) − L) = 0.


x→a x→a

e) lim f (x) = L ⇔ lim |f (x)| = |L|.


x→a x→a

6. Sejam f : X → R, a ∈ X 0 e Y = f (X − {a}). Se lim f (x) = L, prove


x→a
que L ∈ Y .

7. Prove que a ∈ X+0 (respectivamente, a ∈ X−0 ) se, e somente se, a = lim xn


é limite de uma sequência decrescente (respectivamente, crescente) de
pontos pertencentes ao conjunto X.

8. Prove que lim+ f (x) = L se, e somente se, para toda sequência decres-
x→a
cente de pontos xn ∈ X com lim xn = a tem-se lim f (xn ) = L.
63
Clessius Silva Análise Real

9. Sejam f : X → R monótona e a ∈ X+0 . Se existir uma sequência


de pontos xn ∈ X com xn > a, lim xn = a e lim f (xn ) = L então
lim f (x) = L.
x→a+

10. (Critério de Cauchy para funções) Sejam X ⊂ R, a ∈ X 0 , e f : X → R.


Mostre que para que exista lim f (x) é necessário e suficiente que, dado
x→a
 > 0, se possa obter δ > 0, tal que x, y ∈ X, 0 < |x − a| < δ, 0 <
|y − a| < δ impliquem |f (x) − f (y)| < .

64
Capítulo 3

Continuidade

3.1 Definição e propriedades básicas


Definição 3.1. Seja X ⊂ R. Uma função f : X → R é chamada contínua no
ponto a ∈ X quando, para todo  > 0 arbitrário, existir δ > 0 tal que x ∈ X e
|x − a| < δ impliquem que |f (x) − f (a)| < . Se f não for contínua num ponto
a ∈ X, dizemos que f é descontínua em a ∈ X. Dizemos que f é contínua se f
for contínua em todos os pontos de X.

Exercício 3.2. Sejam X ⊂ R e f : X → R uma função. Prove que f é


descontínua num ponto a ∈ X se, e somente se, existirem  > 0 e uma
sequência xn ∈ X tais que lim xn = a e |f (xn ) − f (a)| ≥  para todo n ∈ N.

Exercício 3.3. Sejam X ⊂ R um conjunto, f : X → R uma função e a ∈ X.


Prove que se a é ponto isolado de X, então f é contínua em a. Conclua que se
X for um conjunto discreto, então f é uma função contínua.

Observação 3.4. Existe uma (talvez pequena) diferença entre o conceito de


continuidade apresentado aqui e o conceito que geralmente é apresentado nas
disciplinas de cálculo. Observe que se a ∈ X não for ponto de acumulação de
X, ou seja, se a ∈ X for um ponto isolado, então f : X → R é contínua em a
65
Clessius Silva Análise Real

(Exercício 3.3) e não podemos definir o limite de f quando x → a. Entretanto,


se a ∈ X ∩ X 0 , então f : X → R é contínua em a se, e somente se, lim f (x) =
x→a
f (a).

Exemplo 3.5. Como consequência da Observação 3.4, segue os seguintes exem-


plos:

a) Toda função polinomial p : R → R é uma função contínua. Basta ver o


Exemplo 2.25.

b) Toda função racional f (x) = p(x)/q(x), com domínio X = {x ∈


R; q(x) 6= 0}, é contínua (em todo seu domínio). Veja o Exemplo 2.25.

c) A função f : [0, +∞) → R definida por f (x) = x é contínua (em todo
seu domínio). Veja o Exercício 2 do Capítulo 2. 1

d) As funções seno e cosseno são contínuas (em toda a reta real). Isso decorre
do Exercício 1 do Capítulo 2. 2

e) A função f : R → R definida por



 sen( 1 ), se x 6= 0;
x
f (x) =
 0, se x = 0
não é contínua no ponto 0. Isso ocorre porque vimos no Exemplo 2.22
1
que não existe o limite lim sen( ). Veremos ainda nessa seção que essa
x→0 x
função é contínua em todo ponto diferente de 0.

f) A função g : R → R definida por



 xsen( 1 ), se x 6= 0;
x
g(x) =
 0, se x = 0
1A existência da raiz quadrada de um número real não-negativo será demonstrada na próxima seção.
2 Parademonstrar o exercício citado, deve-se usar algumas identidades trigonométricas que não foram
demonstrar aqui nessa disciplina.
66
Capítulo 3 Continuidade de funções

é contínua no ponto 0. Isso ocorre porque vimos no Exemplo 2.22 que


1
lim xsen( ) = 0, ou seja, lim g(x) = g(0). Veremos ainda nessa seção
x→0 x x→0
que essa função é contínua (em toda a reta).

Teorema 3.6. Sejam f, g : X → R funções contínuas num ponto a ∈ X. Se


f (a) < g(a), então existe δ > 0 tal que f (x) < g(x) para todo x ∈ X ∩ (a −
δ, a + δ).
f (a) + g(a)
Demonstração. Consideremos o ponto médio M = entre f (a) e
2
g(a) − f (a)
g(a). Tomemos  = M − f (a) = g(a) − M = , logo  > 0 e
2
f (a) +  = M = g(a) − . Pela continuidade de f e g em a, logo existe δ > 0
tal que

 f (a) −  < f (x) < f (a) +  = M
x ∈ X e |x − a| < δ ⇒
 M = g(a) −  < g(x) < g(a) + 

portanto
x ∈ X e |x − a| < δ ⇒ f (x) < M < g(x).

Isto demonstra o teorema.

Corolário 3.7. Seja f : X → R uma função contínua no ponto a ∈ X. Se


f (a) 6= 0, então existe δ > 0 tal que f (x) tem o mesmo sinal de f (a), para todo
x ∈ X ∩ (a − δ, a + δ).

Demonstração. Basta utilizar o Teorema 3.6 com uma das funções identicamente
nula.

Corolário 3.8. Dadas f, g : X → R funções contínuas, sejam Y = {x ∈


X; f (x) < g(x)} e Z = {x ∈ X; f (x) ≤ g(x)}. Existem A ⊂ R aberto e
F ⊂ R fechado tais que Y = X ∩ A e Z = X ∩ F. Em particular, se X for aberto
então Y é aberto; se X for fechado então F é fechado.
67
Clessius Silva Análise Real

Demonstração. Pelo Teorema 3.6, para cada y ∈ Y existe δy > 0 tal que

f (x) < g(x), ∀x ∈ X ∩ (y − δy , y + δy ),

isto implica que


X ∩ (y − δy , y + δy ) ⊂ Y.

Denotando Iy = (y − δy , y + δy ), uma vez que y ∈ X ∩ Iy ⊂ Y para todo


y ∈ Y, logo
[ [
{y} ⊂ (X ∩ Iy ) ⊂ Y,
y∈Y y∈Y

daí,
[
Y ⊂X ∩( Iy ) ⊂ Y,
y∈Y
portanto
[
Y =X ∩( Iy ).
y∈Y

Pondo A = Iy , como cada Iy é aberto, pelo Teorema 1.7, A é aberto e


S
y∈Y

Y = X ∩ A.
Para o conjunto Z, observe que pelo que acabamos de demonstrar, existe um
conjunto aberto B tal que

{x ∈ X; g(x) < f (x)} = X ∩ B.

Observe ainda que Z = X − {x ∈ X; g(x) < f (x)}, logo

Z = X − {x ∈ X; g(x) < f (x)} = X − (X ∩ B) = X ∩ B C ,

e pelo Teorema 1.25, F = B C é fechado. Portanto Z = X ∩ F com F fechado,


como queríamos demonstrar.

O próximo resultado nos ajudará a estabelecer alguns resultados e também


resolver alguns exercícios. Sua demonstração é bastante similar a demonstração
do Teorema 2.21, por isso omitiremos a demonstração.
68
Capítulo 3 Continuidade de funções

Teorema 3.9. A fim de que uma função f : X → R seja contínua no ponto a é


necessário e suficiente que, para toda sequência de pontos xn ∈ X com lim xn = a,
se tenha lim f (xn ) = f (a).

Demonstração. Adapte a demonstração do Teorema 2.21.

Observação 3.10. Sejam f, g : X → R com g não identicamente nula. Con-


sideramos o domínio da função f /g por D = {x ∈ X; g(x) 6= 0}. Observe
que se g é contínua e g(a) 6= 0, então pelo Corolário 3.7 existe δ > 0 tal que
X ∩(a−δ, a+δ) está contido no domínio de f /g. Essa observação é importante
para estabelecer o teorema abaixo.

Teorema 3.11. Se f, g : X → R são contínuas no ponto a ∈ X, então também


são contínuas em a as funções f + g, f − g, f · g : X → R, e a função f /g caso
g(a) 6= 0.

Demonstração. A demonstração segue na mesma linha do Teorema 2.19, fica a


cargo do leitor adaptá-la.

Exemplo 3.12. a) Vimos no Exemplo 3.5 que as funções seno e cosseno


são contínuas (tem toda a reta). Utilizando o Teorema 3.11 podemos
concluir em as funções trigonométricas: tangente, secante, cotangente e
cossecante são também contínuas (em seus respectivos domínios).

b) A função ϕ : R → R, definida por



 0, se x ∈ Q
ϕ(x) = ,
 1, se x ∈ R − Q

é descontínua em todos os pontos. De fato, dado a ∈ R qualquer, existem


sequências xn ∈ Q e yn ∈ R − Q tais que lim xn = lim yn = a, mas
lim ϕ(xn ) = 0 e lim ϕ(yn ) = 1. Pelo Teorema 3.9, ϕ não é contínua em a.
69
Clessius Silva Análise Real

c) A função ψ : R → R definida por ψ(x) = x · ϕ(x) é contínua apenas


no 0. De fato, se ψ fosse contínua em algum ponto a 6= 0, pelo Teorema
3.11, como ϕ(x) = ψ(x)/x, a função ϕ seria contínua em a 6= 0, o que é
contradição ao item anterior. Para verificar que ψ é contínua em 0, basta
observar que se xn converge para 0, então lim ψ(xn ) = lim[xn · ϕ(xn )] =
0, pois lim xn = 0 e ϕ(xn ) é uma sequência limitada.

Teorema 3.13. Sejam f : X → R contínua no ponto a ∈ X com f (X) ⊂ Y, e


g : Y → R contínua no ponto b = f (a) ∈ Y. Então g ◦ f é contínua em a. Em
outras palavras, a composta de duas funções contínuas é contínua.

Demonstração. Usaremos o Teorema 3.9 para demonstrar esse resultado. Con-


sideremos uma sequência (arbitrária) xn ∈ X com lim xn = a. Pelo Teorema
3.9, como f é contínua em a ∈ X, f (xn ) ∈ Y é uma sequência que converge
para f (a) = b. Por sua vez, como g é contínua em b = f (a) e lim f (xn ) = b,
pelo Teorema 3.9, lim g(f (xn )) = g(b) = g(f (a)). Portanto, pelo Teorema 3.9,
g ◦ f é contínua em a ∈ X.

Exemplo 3.14. Revisitemos algumas das funções apresentadas no Exemplo


3.5.

a) Vimos que a função f : R → R definida por



 sen( 1 ), se x 6= 0;
x
f (x) =
 0, se x = 0

não é contínua no ponto 0. Entretanto essa função é contínua em todo


ponto diferente de 0. De fato, basta observar que para x 6= 0, é uma
composição de duas funções contínuas.
70
Capítulo 3 Continuidade de funções

b) Vimos que a função g : R → R definida por



 xsen( 1 ), se x 6= 0;
x
g(x) =
 0, se x = 0

é contínua no ponto 0. Veremos agora que essa função é contínua (em


toda a reta). Isso ocorre devido o produto e a composição de funções
contínuas serem contínuas.

3.2 Funções contínuas em um intervalo


Teorema 3.15. Teorema do valor intermediário (TVI). Seja f : [a, b] → R
contínua. Se f (a) < d < f (b) (ou f (b) < d < f (a)) então existe c ∈ (a, b) tal
que f (c) = d.

Demonstração. Suponhamos que f (a) < d < f (b). Consideremos os conjuntos


A = {x ∈ [a, b]; f (x) ≤ d} e B = {x ∈ [a, b]; f (x) ≥ d}. Pelo Corolário 3.8,
os conjuntos A e B são fechados, logo A ∩ B = A ∩ B = A ∩ B.
Afirmamos que A ∩ B 6= ∅. De fato, se tivéssemos A ∩ B = ∅, então
A ∩ B = A ∩ B = A ∩ B = ∅; além disso, é fácil perceber que [a, b] = A ∪ B,
e como a ∈ A e b ∈ B, então [a, b] = A ∪ B seria uma cisão não trivial do
intervalo [a, b], o que seria um absurdo. Portanto A ∩ B 6= ∅.
Sendo assim, existe c ∈ A ∩ B, isto é, existe c ∈ [a, b] tal que f (c) ≤ d e
f (c) ≥ d, ou seja, f (c) = d. Isto conclui a demonstração.

Observação 3.16. Dizemos que uma função f definida num intervalo I satisfaz
a propriedade do valor intermediário se: para f (a) < d < f (b) com a, b ∈
I, existir c ∈ (a, b) tal que d = f (c). Em outras palavras, f satisfaz a propriedade
do valor intermediário se ela assume todos os valores compreendidos entre dois
outros valores assumidos por f . O TVI nos garante que toda função contínua
num intervalo satisfaz a propriedade do valor intermediário. No século XIX
71
Clessius Silva Análise Real

chegou-se a acreditar, erroneamente, que apenas funções contínuas possuíam


tal propriedade. Por exemplo, se considerarmos

 sen( 1 ), se x 6= 0,
x
f (x) = ,
 0, se x = 0

então f possui a propriedade do valor intermediário sobre qualquer intervalo


da forma [−a, a], mas f não é contínua no 0 como já vimos no Exemplo 3.5.

Corolário 3.17. Se I ⊂ R é um intervalo e f : I → R é contínua então f (I) é


um intervalo.

Demonstração. Caso f seja constante, então f (I) é um conjunto unitário, e


nada mais temos a demonstrar. Consideremos agora o caso em que f não é
constante. Denotemos α = inf f (I) e β = sup f (I) (caso f (I) não seja limitado
inferiormente, então α = −∞; similarmente caso f (I) não seja limitado supe-
riormente, então β = ∞). Provaremos que f (I) é um intervalo cujos extremos
são α e β. Primeiro vamos mostrar que (α, β) ⊂ f (I), ou seja, “se α < d < β,
então d = f (c) para algum c ∈ I”. De fato, se α < d < β então, pela definição
de ínfimo e supremo (ou de conjuntos ilimitados), existem f (a), f (b) ∈ f (I)
com a, b ∈ I tais que

α < f (a) < d < f (b) < β,

logo, pelo TVI, existe c ∈ (a, b) tal que d = f (c). Portanto

(α, β) ⊂ f (I).

Além disso, como α = inf f (I) e β = sup f (I), logo nenhum número menor
que α ou maior β pertence a f (I) (nos casos α = −∞ ou β = ∞ isso é um
abuso de notação). Sendo assim, f (I) é um intervalo com extremos α e β.
72
Capítulo 3 Continuidade de funções

Exemplo 3.18. Vejamos alguns exemplos referentes ao Corolário 3.17. A fun-


ção seno, que é contínua, leva o intervalo (0, 2π) no intervalo [−1, 1] e [0, 3π
2 )

em (−1, 1]; já a função f (x) = tan(πx− π2 ) leva o intervalo (0, 1) em (−∞, ∞);
por fim, a função g(x) = 1
x2 +1 leva o intervalo [0, ∞) em (0, 1]. Na próxima se-
ção veremos que uma função contínua leva intervalos compactos em intervalos
compactos (ainda que seja um conjunto unitário).


Corolário 3.19. (Existência de a.) Dados a ≥ 0 e n ∈ N, existe um único
n


c ≥ 0 tal que cn = a. Denotamos c = n a.

Demonstração. O caso a = 0 é imediato. Seja a > 0. Consideremos a função


f : [0, ∞) → [0, ∞) definida por f (x) = xn . A função f é contínua e f (0) = 0.
Além disso, como lim f (x) = ∞, concluímos que f ([0, ∞)) é um intervalo
x→∞
ilimitado superiormente, logo existe f (d) > a para algum d ∈ [0, +∞). Uma
vez que f (0) < a < f (d), pelo TVI, existe c ∈ (0, d) tal que f (c) = a, isto é,
cn = a. Além disso, como f é crescente, logo f é injetiva. Sendo assim, dado
a ≥ 0, existe um único c ≥ 0 tal que f (c) = a, isto é, cn = a.

Corolário 3.20. Todo polinômio com coeficientes reais de grau ímpar possui ao
menos uma raiz real.

Demonstração. Seja p(x) = an xn + · · · + a1 x + a0 com n ímpar e an 6= 0.


Suponhamos que an > 0. Se colocarmos an xn em evidência, então

an−1 1 a1 1 a0 1
p(x) = an xn r(x), em que r(x) = 1 + + ··· + + .
an x an xn−1 an xn

Não é difícil verificar que lim r(x) = lim r(x) = 1. Portanto, como n é
x→+∞ x→−∞
ímpar

lim p(x) = +∞, lim p(x) = −∞.


x→∞ x→−∞
73
Clessius Silva Análise Real

Portanto p(R) é ilimitado inferior e superiormente, portanto existem a, b ∈ R


tais que p(a) < 0 < p(b); logo, pelo TVI, existe c ∈ R tal que p(c) = 0, como
queríamos demonstrar.

Definição 3.21. Sejam X, Y ⊂ R. Um homeomorfismo entre Xe Y é uma


bijeção f : X → Y contínua cuja a inversa f −1 : Y → X é contínua.

Exemplo 3.22. Sejam X = [−1, 0] ∪ (1, 2] e Y = [0, 4]. A função f : X → Y,


definida por f (x) = x2 , é uma bijeção de X sobre Y , a qual é obviamente

contínua (Adicionar figura). Sua inversa g : Y → X é dada por g(y) = − y

se 0 ≥ y ≥ 1 e g(y) = y se a < y ≥ 4. Logo g é descontínua no ponto y = 1,
pois lim g(y) = −1 e lim+ g(y) = 1.
y→1− x→1

No exemplo anterior, vimos que nem toda bijeção contínua f : X → Y é um


homeomorfismo. O próximo teorema garante que se X é um intervalo, então f
é um homeomorfismo.

Teorema 3.23. Seja I ⊂ R um intervalo. Toda função contínua injetiva f :


I → R é monótona e sua inversa g : J → I, definida no intervalo J = f (I), é
contínua.

Demonstração. Digitar demonstração.

3.3 Funções contínuas em conjuntos compactos


Problemas que envolvem a determinação de máximos ou mínimos de uma
função são bastante presente em toda a Matemática. Quem já estudou Cálculo
sabe que as técnicas para determinar máximos ou mínimos de uma função
envolvem o conceito de derivada, mas antes de desenvolvermos técnicas para
determinar máximos ou mínimos de funções, é importante estabelecer resul-
tados que garantam a existência de tais pontos. É claro que se a função for
74
Capítulo 3 Continuidade de funções

ilimitada superiormente (resp. inferiormente) ela não assume um valor de


máximo (resp. de mínimo). Entretanto, veremos agora alguns exemplos de
funções que mesmo sendo limitadas, e até contínuas, elas não assumem o valor
de máximo ou mínimo em algum ponto.

Exemplo 3.24. a) Consideremos a função f : (0, +∞) → (0, +∞) de-


1
finida por f (x) = . Sabemos que f é ilimitada superiormente, pois
x
1
limx→0+ = +∞, logo f não assume um valor máximo. Observe ainda
x
1
que f é limitada inferiormente, pois > 0 para x > 0, entretanto f não
x
assume um valor mínimo, pois sua imagem é o intervalo aberto (0, +∞).
Veja o gráfico de f na Figura 3.1.
y

1
y= x x

Figura 3.1: Gráfico de y = 1


x com x > 0.

b) Vamos agora restringir o domínio da função f para um intervalo compacto


[a, b] com 0 < a < b. Observe que a função é contínua e está definida num
intervalo compacto [a, b]. Como essa função é decrescente, ela atinge seu
valor máximo quando x = a e seu valor mínimo quando x = b. Veja o
gráfico dessa função na Figura 3.2. Veremos nos próximos resultados que
toda função contínua definida em um conjunto compacto assume valores
de máximo e mínimo.
75
Clessius Silva Análise Real
y

f(a)
1
y= x f(b)
x
a b

Figura 3.2: Gráfico de y = 1


x com a ≤ x ≤ b.

Exemplo 3.25. Nesse exemplo utilizaremos alguns fatos sobre funções trigo-
nométricas que não foram demonstradas aqui, entretanto a consideraremos
verdadeiras e conhecidas apenas para uma melhor compreensão do assunto.

a) A função f : (− π2 , π2 ) → R definida por f (x) = tan(x) não é limitada


nem superior nem inferiormente, logo ela não assume nem valor de
máximo nem valor de mínimo. Observe que f é contínua, note ainda
que se restringirmos o domínio de f para um intervalo compacto [−a, a]
com 0 < a < 2,
π
então f assume valores de máximo e mínimo, para
determinar tais valores basta lembrar que essa função é crescente nesse
intervalo, logo f (−a) = tan(−a) e f (a) = tan(a) são os valores mínimo
e máximo, respectivamente. Veja o gráfico de f na Figura 3.3.

b) A função g : R → (− π2 , π2 ) definida por g(x) = arctan(x) é limitada


(inferior e superiormente), entretanto g não assume nem valor máximo
nem valor mínimo, isso acontece pois a imagem de g é o intervalo aberto
(− π2 , π2 ) que não possui maior nem menor elementos. Afirmamos que
g é contínua (não demonstraremos este fato), além disso, g é crescente
logo se restringirmos o domínio de g para um intervalo compacto [−a, a]
com a > 0, então g assume valores de mínimo e máximo, os quais são
76
Capítulo 3 Continuidade de funções

-π/2 π/2

Figura 3.3: Gráfico da função y = tan x com − π2 < x < π2 .

Figura 3.4: Gráfico da função y = arctanx.

g(−a) = arctan(−a) e g(a) = arctan(a) respectivamente. Veja o gráfico


de g na Figura 3.4.

Teorema 3.26. Seja f : X → R. Se f for contínua e X for compacto, então a


imagem f (X) é um conjunto compacto.

Demonstração. Pelo Teorema 1.47, devemos mostrar que toda sequência de


pontos yn ∈ f (X) possui uma subsequência que converge para algum ponto
de f (X). Como yn ∈ f (X), logo yn = f (xn ) com xn ∈ X. Como (xn ) é uma
sequência de X e X é compacto, logo (xn ) possui uma subsequência (x̃n ) que
converge para algum a ∈ X. Uma vez que f é contínua e lim x̃n = a, pelo
Teorema 3.9, lim f (x̃n ) = f (a). Portanto, pondo ỹn = f (x̃n ) ∈ f (X), (ỹn )
77
Clessius Silva Análise Real

é uma subsequência de (yn ) que converge para f (a) ∈ f (X). Isso conclui a
demonstração.

Teorema 3.27. Weierstrass. Seja f : X → R contínua e X compacto. Então


existem a, b ∈ X tais que f (a) ≤ f (x) ≤ f (b) para todo x ∈ X.

Demonstração. Pelo Teorema 3.26, f (X) é compacto, logo, pelo Teorema 1.49,
f (X) possui um maior e um menor elemento, ou seja, existem f (a), f (b) ∈
f (X) tais que f (a) ≤ f (x) ≤ f (b) para todo x ∈ X.

Corolário 3.28. Seja f : X → R. Se f for contínua e X for compacto, então f é


limitada, isto é, existe c > 0 tal que |f (x)| ≤ c para todo x ∈ X.

Demonstração. Imediato do Teorema 3.26.

Teorema 3.29. Se X ⊂ R é compacto, então toda bijeção contínua f : X →


Y ⊂ R tem inversa contínua g : Y → X.

Demonstração. Digitar demonstração.

3.4 Continuidade uniforme


Seja f : X → R. Dizer que f é contínua (em todos os pontos de X) significa que
para cada a ∈ X e cada  > 0, existe um δ = δ(, a) > 0 tal que |f (x)−f (a)| <
 sempre que |x − a| < δ com x ∈ X. Escrevemos δ = δ(, a) para atentarmos
ao fato que o δ depende não apenas do  > 0 mas também do ponto a ∈ X no
qual a função é contínua. Nem sempre podemos conseguir um δ > 0 que não
dependa do a ∈ X, dependendo apenas do  > 0. Vejamos o próximo exemplo.

Exemplo 3.30. a) A função f : (0, +∞) → R definida por f (x) = 1


x é
contínua. Vejamos agora que, embora a função seja contínua em todos os
pontos do domínio, “não podemos tomar o δ > 0 dependendo apenas do
78
Capítulo 3 Continuidade de funções

."De fato, dado  > 0 com 0 <  < 1, e tomando um δ > 0 arbitrário,
podemos escolher um número natural n > 1
δ e ainda a = 1
n ex= 1
2n .

Assim, temos |x − a| = 1
2n < δ, entretanto |f (x) − f (a)| = 2n − n =
n ≥ 1 > .

b) Se restringirmos o domínio de f para um intervalo da forma [c, +∞) com


c > 0, então é possível conseguirmos “o δ dependendo apenas do  e não
dependendo de a ∈ [c, +∞). Para provar este fato, primeiro observemos
que para x ≥ c e a ≥ c tem-se
1 1 a−x 1
|f (x) − f (a)| = | − | = | | ≤ 2 |x − a|. (3.1)
x a ax c
Desta forma, dado  > 0 escolhemos (independente de a ≥ c) δ = c2 ,
assim dados a ≥ c e x ≥ c
1 1
0 < |x − a| < δ ⇒ |f (x) − f (a)| ≤ 2
|x − a| < 2 c2  = . (3.2)
c c
Definição 3.31. Sejam X ⊂ R e f : X → R. Dizemos que f é uniforme-
mente contínua no conjunto X quando, para todo  > 0 arbitrário, existir um
δ > 0 tal que

x, y ∈ X e |y − x| < δ implicam |f (y) − f (x)| < .

Observação 3.32. Direto da definição percebemos que toda função uniforme-


mente contínua é uma função contínua, além disso, o “δ"é escolhido dependendo
apenas do . No Exemplo 3.30 (a), vemos que nem toda função contínua é uni-
formemente contínua.

3.5 Exercícios
1. Mostre que a função valor absoluto f (x) = |x| é contínua em qualquer
ponto x ∈ R.
79
Clessius Silva Análise Real

2. Mostre que se f : X → R for contínua em a ∈ X então a função


|f | : X → R, dada por |f |(x) = |f (x)|, para todo x ∈ X, também é
contínua em a.

 x, se x ∈ Q
3. Seja f : R → R dada por f (x) = . Mostre que f é
 −x, se x ∈ R\Q
contínua em x = 0 e descontínua em x 6= 0, mas que |f | é contínua para
todo x ∈ R.

4. Seja f : R → R contínua. Prove que se f (x) = 0 para todo x ∈ X, então


f (x) = 0 para todo x ∈ X.

5. Sejam f, g : R → R funções contínuas. Prove que se f (x) = g(x) para


todo x ∈ X, então f (x) = g(x) para todo x ∈ X.

6. Seja f : R → R.

a) Prove que se f é contínua, então f (X) ⊂ f (X), para todo X ⊂ R.

b) Prove que se f não é contínua em a ∈ R, existe um conjunto X tal


que a ∈ X mas f (a) 6∈ f (X).

c) Conclua dos itens anteriores que f : R → R é contínua se , e


somente se, para todo X ⊂ R, tem-se f (X) ⊂ f (X).

7. Prove que uma função f : R → R é contínua se, e somente se, dado


um subconjunto fechado qualquer F ⊂ R tem-se que f −1 (F ) = {x ∈
R; f (x) ∈ F } é um conjunto fechado. Sugestão: Use o exercício anterior.

8. Prove que uma função f : R → R é contínua se, e somente se, dado


um subconjunto aberto qualquer A ⊂ R tem-se que f −1 (A) = {x ∈
R; f (x) ∈ A} é um conjunto aberto. Sugestão: Use o exercício anterior.
80
Capítulo 3 Continuidade de funções

9. Sejam f, g : X → R contínuas. Prove que se X é aberto então o conjunto


A = {x ∈ X; f (x) 6= g(x)} é aberto e se X é fechado então o conjunto
F = {x ∈ X; f (x) = g(x)} é fechado. Sugestão: usar Corolário 3.8.

10. Em cada caso, encontre um inteiro n e uma raiz do polinômio entre n e


n + 1:

a) p(x) = x3 − x + 3;

b) p(x) = x5 + x + 1;

c) p(x) = 4x2 − 4x + 1.

11. Sejam a < b < c e considere duas funções contínuas f : [a, b] → R e


g : [b, c] → R tais que f (b) = g(b). Mostre que a função h : [a, c] → R,
definida por 
 f (x) se a ≤ x ≤ b
h(x) = ,
 g(x) se b ≤ x ≤ c

é contínua no intervalo [a, c].

x2 + x − 6
12. Seja f : R − {2} → R, definida por f (x) = . Esta função
x−2
é contínua? É possível defini-la no ponto x = 2 de modo a torná-la
contínua em R?

13. Uma função f : X → R é chamada Lipschitziana quando existir uma


constante L > 0 tal que |f (x) − f (y)| ≤ L|x − y| para todos x, y ∈ X.
Mostre que toda função Lipschitziana é contínua. Prove que a função

f : [0, ∞) → R com f (x) = x é contínua mas não é Lipschitziana.

14. Sejam f, g : R → R, com g contínua em b e lim f (x) = b. Mostre que


x→c
lim(g ◦ f )(x) = g(b).
x→c
81
Clessius Silva Análise Real

15. Seja f : R → R uma função contínua tal que f (x) = 1 para todo x ∈ Q.
Mostre que f é constante. E se f (x) = x para todo x ∈ Q, o que se pode
afirmar sobre a função f ?

16. Seja f : [a, b] → R uma função contínua tal que f ([a, b]) ⊂ Q. O que se
pode afirmar sobre f ?

17. Seja f : R → R uma função aditiva, isto é, f (x + y) = f (x) + f (y) para


todos x, y ∈ R. Mostre que f é contínua se, e somente se, f é contínua em
0. Se f é uma função contínua e aditiva, mostre que f é do tipo f (x) = cx
para algum c ∈ R. Sugestão: primeiro mostre que a relação é válida em
Z, depois em Q, e, usando a densidade de Q, prove que é válida para R,
neste caso, c = f (1).

18. Seja f : [a, b] → R uma função contínua tal que, para cada x ∈ [a, b],
existe z ∈ [a, b] tal que |f (z)| ≤ 12 |f (x)|. Mostre que f possui um zero
em [a, b].

19. Sejam f, g : X → R contínuas no ponto a. Suponha que, em cada


vizinhança V de a, existam pontos x, y ∈ X tais que f (x) < g(x) e
f (y) > g(y). Prove que f (a) = g(a). Sugestão: use o Teorema 3.6.

20. Seja f : [0, 1] → R contínua tal que f (0) = f (1). Mostre que existe
x ∈ [0, 1/2] tal que f (x) = f (x + 12 ). Sugestão: considere a função
φ : [0, 1/2] → R dada por φ(x) = f (x) − f (x + 21 ) e use o TVI.

21. Mostre que se f : [0, 1] → [0, 1] é contínua, então f admite pelo menos
um ponto fixo, isto é, existe x0 ∈ [0, 1] tal que f (x0 ) = x0 . Sugestão:
considere a função φ : [0, 1] → R dada por φ(x) = f (x) − x e use o TVI.
82
Capítulo 3 Continuidade de funções

22. Sejam a e b números reais tais que a < b e ab > 0. Seja f : [a, b] → [a, b]
uma função contínua. Mostre que existe um real x em [a, b] tal que
xf (x) = ab. Sugestão: Considere φ(x) = xf (x) − ab, prove que φ é
contínua e que muda de sinal.

23. Seja f contínua em [a, b] tal que f (a) < f (b). Se f é injetiva, prove
que f é estritamente crescente em [a, b]. Sugestão: suponha que f não é
crescente e prove, usando o TVI, que f não é injetiva.

24. Prove que não existe função contínua f : [a, b] → R que assuma cada
um de seus valores f (x), x ∈ [a, b], exatamente duas vezes.

25. Uma função f : R → R diz-se periódica quando existe p ∈ R+ tal que


f (x + p) = f (x) para todo x ∈ R. Prove que toda função contínua
periódica f : R → R é limitada e atinge seus valores máximo e mínimo.
Sugestão: Prove que f (R) = f ([0, p]).

Exercícios para pesquisar

26. Seja X ⊂ R compacto. Mostre que toda bijeção contínua f : X → Y ⊂ R


tem inversa contínua g : Y → X.

27. (Teorema do Ponto Fixo para Contrações) Uma função f : R → R é dita


uma contração se existir uma constante λ ∈ [0, 1) tal que |f (x) − f (y)| ≤
λ|x − y|, para todos x, y ∈ R. Prove que toda contração f : R → R
possui um único ponto fixo.

83
Capítulo 4

Derivadas

4.1 O conceito de derivada


Definição 4.1. Sejam f : X → R e a ∈ X ∩ X 0 . A dizemos que f é derivável
no ponto a quando existe o limite

f (x) − f (a) f (a + h) − f (a)


f 0 (a) = lim = lim ,
x→a x−a h→0 h

neste caso, o número f 0 (a) é chamado derivada de f em a. Dizemos que f é


derivável no conjunto X quando f é derivável em todos os pontos x ∈ X ∩ X 0 ,
neste caso, definimos a função f 0 : X ∩ X 0 → R, em que x 7→ f 0 (x), que é
chamada função derivada de f . Por fim, dizemos que uma função f derivável
em X é de classe C 1 quando a função f 0 é contínua.

Inserir gráfico com ideia geométrica do conceito de derivada.

Teorema 4.2. Se f : X → R é derivável num ponto a ∈ X ∩ X 0 , então f é


contínua em a.

Demonstração. Observe que para x ∈ X − {a}

f (x) − f (a)
f (x) = f (x) − f (a) + f (a) = (x − a) + f (a).
85
x − a
Clessius Silva Análise Real

Tomando o limite quando x → a em ambos os lados da equação, obtemos

lim f (x) = f 0 (a) · 0 + f (a) = f (a).


x→a

Teorema 4.3. Sejam f : X → R e a ∈ X ∩ X 0 . f é derivável em a se, e


somente se, existe uma constante c ∈ R tal que, se a + h ∈ X então f (a + h) =
r(h)
f (a) + c · h + r(h), em que lim = 0. Em caso afirmativo, c = f 0 (a).
h→0 h

Demonstração. Consideremos Y = {h ∈ R; a+h ∈ X} = {h = x−a; x ∈ X}


Observe que 0 ∈ Y ∩ Y 0 , pois a ∈ X ∩ X 0 . Suponhamos que f é derivável em
a. Definamos r : Y → R por

r(h) = f (a + h) − f (a) − f 0 (a)h,

logo para h 6= 0
r(h) f (a + h) − f (a)
= − f 0 (a),
h h
aplicando o limite, obtemos

r(h) f (a + h) − f (a)
lim = lim − f 0 (a) = 0.
h→0 h h→0 h
r(h)
Reciprocamente, se f (a + h) = f (a) + c · h + r(h) com lim = 0, então
h→0 h
 
r(h) f (a + h) − f (a)
0 = lim = lim −c ,
h→0 h h→0 h

portanto, f é derivável em a e

f (a + h) − f (a)
f 0 (a) = lim = c.
h→0 h

Inserir gráfico com ideia geométrica do teorema acima.


86
Capítulo 4 Derivadas

Definição 4.4. Seja f : X → R. Considere a ∈ X ∩ X+0 , quando existe o limite

f (x) − f (a) f (a + h) − f (a)


f+0 (a) = lim+ = lim+ ,
x→a x−a h→0 h

chamamo-lo a derivada à direita de f no ponto a. Analogamente, se a ∈ X ∩X−0 ,


quando existe o limite

f (x) − f (a) f (a + h) − f (a)


f−0 (a) = lim− = lim− ,
x→a x−a h→0 h

chamamo-lo a derivada à esquerda de f no ponto a.

Observação 4.5. 1. Se a ∈ X ∩ X+0 ∩ X−0 , f é derivável em a se, e somente


se, existem e são iguais as derivadas laterais de f em a. Em caso afirmativo,
f 0 (a) = f+0 (a) = f−0 (a).

2. O Teorema 4.3 é verdadeiro para derivadas laterais.

3. O Corolário 4.2 é verdadeiro para derivadas laterais. Por exemplo, se f é


derivável à esquerda no ponto a, então f é contínua a esquerda no ponto
a, isto é, f (a) = lim− f (x).
x→a

Exercício 4.6. 1. Prove que toda função constante é derivável e que sua
derivada é a função nula.

2. Seja f : R → R uma função afim, dada por f (x) = ax + b. Prove que f


é derivável e que f 0 (x) = a para todo x ∈ R.

Exemplo 4.7. Considere f : R → R dada por f (x) = xn com n ∈ N. Então


f é derivável e f 0 (x) = nxn−1 . De fato, para qualquer h 6= 0, pelo binômio de
Newton,
f (x + h) = (x + h)n = xn + nhxn−1 + h2 p(x, h),
87
Clessius Silva Análise Real

em que p(x, h) é um polinômio em x e h. Desta forma,

f (x + h) − f (x)
f 0 (x) = lim
h→0 h
(x + h) − xn
n
= lim
h→0 h
[x + nhxn−1 + h2 p(x, h)] − xn
n
= lim
h→0 h
n−1
= lim [nx + hp(x, h)]
h→0
n−1
= nx .

O próximo exercício mostra que a recíproca do Teorema 4.2 não é verdadeira.

Exercício 4.8. Considere a função valor absoluto f : R → R dada por f (x) =


|x|. Prove que f é contínua mas não é derivável em 0.

Exemplo 4.9. a) Já provamos no Exemplo 3.5 que a função f : R → R,


definida por 
 x sin( 1 ), se x 6= 0,
x
f (x) =
 0, se x = 0
é contínua (em toda a reta). Com as propriedades que provaremos na
próxima seção, pode-se mostrar que f é derivável em todo ponto x 6= 0.
Entretanto, no ponto 0 observamos que

f (0 + h) − f (0) h sin( h1 ) 1
= = sin( ),
h h h
1
e como não existe lim sin( ) (ver Exemplo 2.22), logo f não é derivável
x→0 x
no ponto 0, embora seja contínua nesse ponto.

b) A função g : R → R definida por g(x) = xf (x), isto é,



 x2 sin( 1 ), se x 6= 0,
x
g(x) =
 0, se x = 0
88
Capítulo 4 Derivadas

é derivável no ponto 0 pois

g(0 + h) − g(0) 1
g 0 (0) = lim = lim h sin( ) = 0.
h→0 h h→0 h

Embora g seja derivável em toda a reta, g não é de Classe C 1 , pois g 0


não é contínua no ponto 0. Podemos provar esse fato, usando regras de
derivação que ainda não provamos, pois g 0 (x) = 2x · sin( x1 ) − cos( x1 ), daí
podemos concluir que não existe o limite lim g 0 (x), logo g 0 não é contínua
x→0
no ponto 0.

Teorema 4.10. Regra de L’Hôspital. Sejam f, g : X → R funções deriváveis


num ponto a ∈ X ∩ X 0 . Se f (a) = g(a) = 0 e g 0 (a) 6= 0, então

f (x) f 0 (a)
lim = 0 .
x→a g(x) g (a)

Demonstração. A demonstração é simples e direta, de fato

f (x) f (x)−f (a)


f (x) x−a x−a limx→a f (x)−f
x−a
(a)
f 0 (a)
lim = lim = lim g(x)−g(a) = = .
x→a g(x) x→a g(x) x→a limx→a g(x)−g(a) g 0 (a)
x−a x−a x−a

Como queríamos demonstrar.

4.2 Regras Operacionais das derivadas


Teorema 4.11. Sejam f, g : X → R deriváveis num ponto a ∈ X ∩ X 0 . As
funções f ± g, f · g, e f /g (caso g(a) 6= 0) são deriváveis em a e

(f ± g)0 (a) = f 0 (a) ± g 0 (a),

(c · f )0 (a) = cf 0 (a),

(f · g)0 (a) = f 0 (a)g(a) + f (a)g 0 (a),


 0
f f 0 (a)g(a) − f (a)g 0 (a)
(a) = .
g g(a)2
89
Clessius Silva Análise Real

Demonstração. Considerando a regra das operações de limites (Teorema 2.19)


e lembrando da definição de derivada, as regras (f ± g)0 (a) = f 0 (a) ± g 0 (a) e
(c · f )0 (a) = cf 0 (a) seguem diretamente.
Provemos agora a regra do produto. Repare que para x 6= a
f (x)g(x) − f (a)g(a) f (x)g(x) − f (a)g(x) + f (a)g(x) − f (a)g(a)
=
x−a x−a
(f (x) − f (a)) (g(x) − g(a))
= g(x) + f (a) .
x−a x−a
Passando o limite em ambos os lados da equação, obtemos

(f · g)0 (a) = f 0 (a)g(a) + f (a)g 0 (a).

Por fim, vamos demonstrar a regra do quociente. Para isso, primeiro observe
que para x 6= a, como g é contínua em a e g(a) 6= 0, pelo Corolário 3.7
existe δ > 0 tal que g(x) 6= 0 para todo x ∈ (a − δ, a + δ) ∩ X. Assim, para
x ∈ (a − δ, a + δ) ∩ X
1 1
g(x) − g(a) g(a) − g(x) 1 (g(x) − g(a)) 1
= =− .
x−a g(x)g(a) x − a x−a g(x)g(a)
Tomando o limite com x → a dos dois lados da equação, obtemos
1 0 g 0 (a)
(a) = − . (4.1)
g g(a)2
Agora, usando a regra do produto e a regra acima, obtemos
f 0 1 0
(a) = f· (a)
g g
1 1 0
= f 0 (a) + f (a) (a)
g(a) g
f 0 (a) f (a)g 0 (a)
= −
g(a) g(a)2
f 0 (a)g(a) − f (a)g 0 (a)
= .
g(a)2
Isso conclui a demonstração.
90
Capítulo 4 Derivadas

Teorema 4.12. (Regra da cadeia). Sejam f : X → R, g : Y → R, a ∈ X ∩X 0 ,


b = f (a) ∈ Y ∩ Y 0 e f (X) ⊂ Y. Se f é derivável em a e g em f (a), então
g ◦ f : X → R é derivável em a, com (g ◦ f )0 (a) = g 0 (f (a))f 0 (a).

Demonstração. Vamos dividir em dois casos. Primeiro consideremos o caso em


que existe δ > 0 tal que f (x)neqb para todo x ∈ (a − δ, a + δ) ∩ (X − {a}).
Neste caso, para x ∈ (a − δ, a + δ) ∩ (X − {a}) podemos escrever

g(f (x)) − g(f (a)) g(f (x)) − g(f (a)) f (x) − f (a)
= ,
x−a f (x) − f (a) x−a

e tomando o limite quando x → a em ambos os lados da equação e usando o


Teorema 2.24, obtemos

g(f (x)) − g(f (a)) f (x) − f (a)


(g ◦ f )0 (a) = lim · lim
x→a f (x) − f (a) x→a x−a
g(u) − g(b) 0
= lim f (a)
u→b u−b
= g 0 (b)f 0 (a) = g 0 (f (a))f 0 (a).

Consideremos agora o caso em que não existe δ > 0 tal que f (x) 6= b para
todo x ∈ (a − δ, a + δ) ∩ (X − {a}), isto implica que existe uma sequência
xn ∈ X − {a} tal que xn → a e f (xn ) = b para todo n ∈ N. Desta forma, pelo
Teorema 2.21,

g ◦ f (xn ) − g ◦ f (a)
(g ◦ f )0 (a) = lim = 0,
xn − a

além disso,
f (xn ) − f (a)
f 0 (a) = lim = 0,
xn − a
disto segue que
(g ◦ f )0 (a) = 0 = g 0 (f (a)) · f 0 (a).

Isto conclui a demonstração.


91
Clessius Silva Análise Real

Corolário 4.13. Seja f : X → Y uma bijeção entre os conjuntos X, Y ⊂ R, com


inversa g = f −1 : Y → X. Se f é derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 e g é contínua
no ponto b = f (a) então g é derivável no ponto b se, e somente se, f 0 (a) 6= 0. No
1
caso afirmativo, tem-se g 0 (b) = 0 .
f (a)

Demonstração. Antes de tudo, mostremos que b = f (a) ∈ Y 0 . De fato, como


a ∈ X 0 , existe xn ∈ X − {a} com lim xn = a. Como xn 6= a e f é injetiva,
logo, f (xn ) 6= f (a). Além disso, como lim xn = a, pela continuidade de f em
a, lim f (xn ) = f (a). Desta forma b = f (a) ∈ Y 0 .
Suponhamos agora que g = f −1 é derivável em b = f (a). Como g◦f (x) = x,
pela regra da cadeia, g 0 (f (a))f 0 (a) = 1, logo f 0 (a) 6= 0.
Reciprocamente, suponhamos que f 0 (a) 6= 0. Dada uma sequência arbitrária
yn ∈ Y − {b} com lim yn = b, da continuidade de g em b, obtemos lim g(yn ) =
g(b). Observe que, como f é bijetiva, existem xn ∈ X −{a} tais que yn = f (xn ),
e, uma vez que g = f −1 , logo g(yn ) = xn . Desta forma, a = g(b) = lim g(yn ) =
lim xn , por conseguinte

g(yn ) − g(b)
g 0 (b) = lim
yn − b
xn − a
= lim
f (xn ) − f (a)
 −1
f (xn ) − f (a)
= lim
xn − a
0 −1
= (f (a)) .

Exemplo 4.14. Sejam n ∈ N e g : [0, +∞) → [0, +∞) a função definida por

g(x) = n x, então g é derivável em (0, ∞) e

1 1 −1
g 0 (x) = xn .
92
n
Capítulo 4 Derivadas

De fato, g é a inversa da bijeção f : [0, +∞) → [0, +∞) definida por f (x) = xn .
Escrevendo y = xn , pelo Corolário 4.13, então g 0 (y) = 1
f 0 (x) se f 0 (x) = nxn−1 6=
0, isto é, se x 6= 0. Dessa forma,
1 1 1 1 1 1 −1
g 0 (y) = n−1
= n−1 = 1 = yn .
nx ny n ny n
1− n
Mudando apenas a notação
1 1 −1
g 0 (x) = xn .
n
Se n > 1, g não é derivável no ponto x = 0 (exercício).

4.3 Derivada e crescimento local


Teorema 4.15. Se f : X → R é derivável à direita no ponto a ∈ X ∩ X+0 ,
com f+0 (a) > 0, então existe δ > 0 tal que x ∈ X e a < x < a + δ implicam
f (a) < f (x).

Demonstração. Temos
f (x) − f (a)
lim+ = f+0 (a) > 0.
x→a x−a
Logo, tomando  = f+0 (a) > 0, existe δ > 0 tal que para x ∈ X

f (x) − f (a)
− f+ (a) <  = f+0 (a)
0

a<x<a+δ ⇒
x−a
f (x) − f (a)
⇒ f+0 (a) − f+0 (a) < < 2f+0 (a)
x−a
f (x) − f (a)
⇒ 0<
x−a
⇒ f (a) < f (x).

Teorema 4.16. Se f : X → R é derivável à esquerda no ponto a ∈ X ∩ X−0 ,


com f−0 (a) > 0, então existe δ > 0 tal que x ∈ X e a − δ < x < a implicam
f (x) < f (a).
93
Clessius Silva Análise Real

Demonstração. Análoga a demonstração anterior.

Teorema 4.17. Se f : X → R é derivável à direita no ponto a ∈ X ∩ X+0 ,


com f+0 (a) < 0, então existe δ > 0 tal que x ∈ X e a < x < a + δ implicam
f (a) > f (x).

Demonstração. Análoga a demonstração do Teorema 4.15 tomando  =


−f+0 (a) > 0.

Teorema 4.18. Se f : X → R é derivável à esquerda no ponto a ∈ X ∩ X−0 ,


com f−0 (a) < 0, então existe δ > 0 tal que x ∈ X e a − δ < x < a implicam
f (x) > f (a).

Demonstração. Análoga a demonstração do Teorema 4.16 tomando  =


−f−0 (a) > 0.

Corolário 4.19. Seja f : X → R. Se f é monótona não decrescente, então suas


derivadas laterais, onde existirem, são ≥ 0. Se, entretanto, f é monótona não
crescente, então suas derivadas laterais, onde existirem, são ≤ 0.

Demonstração. Suponha, por absurdo, que f é monótona não decrescente e que


f+0 (a) < 0 (poderia ser f−0 (a) < 0) para algum a ∈ X ∩ X+0 . Pelo Teorema 4.17,
existe δ > 0 tal que para x ∈ X

a < x < a + δ ⇒ f (a) > f (x),

o que contradiz o fato de f ser monótona não decrescente.


A demonstração para f monótona não crescente é análoga.

Corolário 4.20. Seja a ∈ X um ponto de acumulação bilateral. Se f : X → R


é derivável em a, com f 0 (a) > 0 então existe δ > 0 tal que para x, y ∈ X

a − δ < x < a < y < a + δ ⇒ f (x) < f (a) < f (y).


94
Capítulo 4 Derivadas

Definição 4.21. Seja f : X → R. Dizemos que f possui um máximo local


num ponto a ∈ X quando existe δ > 0 tal que f (x) ≤ f (a) para todo x ∈
(a − δ, a + δ) ∩ X. Dizemos que f possui um máximo local estrito num ponto
a ∈ X quando existe δ > 0 tal que f (x) < f (a) para todo x ∈ (a−δ, a+δ)∩X
com x 6= a. Dizemos que f possui um mínimo local num ponto a ∈ X quando
existe δ > 0 tal que f (a) ≤ f (x) para todo x ∈ (a − δ, a + δ) ∩ X. Dizemos
que f possui um mínimo local estrito num ponto a ∈ X quando existe δ > 0 tal
que f (a) < f (x) para todo x ∈ (a − δ, a + δ) ∩ X com x 6= a.

Definição 4.22. Seja f : X → R. Dizemos que f possui um máximo absoluto


num ponto a ∈ X quando f (x) ≤ f (a) para todo x ∈ X. Dizemos que f
possui um mínimo absoluto num ponto a ∈ X quando f (a) ≤ f (x) para todo
x ∈ X.

Corolário 4.23. Seja f : X → R.

(i) Se f é derivável à direita em a ∈ X ∩ X+0 e possui um máximo local em a,


então f+0 (a) ≤ 0.

(ii) Se f é derivável à esquerda em a ∈ X ∩ X−0 e possui um máximo local em


a, então f−0 (a) ≥ 0.

(iii) Se f é derivável à direita em a ∈ X ∩ X+0 e possui um mínimo local em a,


então f+0 (a) ≥ 0.

(iv) Se f é derivável à esquerda em a ∈ X ∩ X−0 e possui um mínimo local em


a, então f−0 (a) ≤ 0.

Corolário 4.24. Seja a ∈ X um ponto de acumulação bilateral. Se f : X → R é


derivável no ponto a e possui um máximo ou mínimo local em a, então f 0 (a) = 0.
95
Clessius Silva Análise Real

Demonstração. Suponhamos que f possui um máximo (mínimo resp.) local em


a. Pelo Corolário 4.23, f+0 (a) ≤ 0 e f−0 (a) ≥ 0 (resp f−0 (a) ≤ 0 e f+0 (a) ≥ 0).
Como f 0 (a) = f+0 (a) = f−0 (a), logo f 0 (a) = 0.

Exemplo 4.25. a) A recíproca do Corolário 4.24 não é verdadeira, isto é,


f 0 (a) = 0 não implica que f possui um máximo ou mínimo local em a.
O (contra)exemplo mais comum para essa afirmação é f : R → R com
f (x) = x3 , que não possui máximo ou mínimo local pois f é sempre
crescente, mas f 0 (0) = 0.

b) É importante também observar que f pode possuir um máximo ou mínimo


local num ponto a, mas não ser derivável em a. Por exemplo, a função
g : R → R definida por g(x) = |x| possui um mínimo local no ponto 0,
mas já vimos que g não derivável no 0.

c) Por fim, se a não for ponto de acumulação bilateral de X, então f pode


possuir um máximo ou mínimo local em a, mas ainda assim termos
f 0 (a) 6= 0. Por exemplo, se considerarmos f : [0, 1] → R definida por
f (x) = x, então f possui um mínimo em 0 e um máximo em 1, entretanto
f 0 (0) = f 0 (1) = 1.

4.4 Funções deriváveis num intervalo


O próximo resultado nos garante que a função derivada goza da propriedade
do valor intermediário, mesmo que ela não seja contínua.

Teorema 4.26. Darboux. Seja f : [a, b] → R derivável. Se f 0 (a) < d < f 0 (b)
então existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = d.

Demonstração. Digitar demonstração.


96
Capítulo 4 Derivadas

Teorema 4.27. Rolle. Seja f : [a, b] → R contínua, com f (a) = f (b). Se f for
derivável em (a, b) então existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = 0.

Demonstração. Como f é contínua e [a, b] é compacto, pelo Teorema de Weiers-


trass (Teorema 3.27), f atinge um valor máximo (global) M e um valor mínimo
(global) m. Dividiremos a demonstração em dois casos.
Caso 1: Se os valores de máximo e mínimo forem atingidos nos extremos do
intervalo, como f (a) = f (b), tem-se m = M, o que implica que f é constante.
Neste caso f 0 (x) = 0 para todo x ∈ [a, b].
Caso 2: Se o valor de máximo ou mínimo for atingido fora do extremo, isto é,
se existir c ∈ (a, b) tal que f (c) = M ou f (c) = m, então pelo Corolário 4.24,
f 0 (c) = 0.

A ideia geométrica do Teorema de Rolle é que, se f é contínua em [a, b],


derivável em (a, b) e f (a) = f (b), então existe um ponto P = (c, f (c)) do
gráfico cuja reta tangente ao gráfico que passa por esse ponto é horizontal. Veja
Figura.
Se supormos que f é contínua apenas em (a, b), então podemos não ter um
ponto c tal que f 0 (c) = 0, por exemplo... De maneira similar, se f não for
derivável em todos os pontos de (a, b), então podemos não conseguir a mesma
tese do Teorema de Rolle.

Teorema 4.28. Teorema do Valor Médio (TVM). Seja f : [a, b] → R contínua.


f (b) − f (a)
Se f é derivável em (a, b), então existe c ∈ (a, b) tal que f 0 (c) = .
b−a

Demonstração. Considere a função g : [a, b] → R dada por g(x) = f (x) − dx,


f (b) − f (a)
com d = . Como g é a soma da função f com uma função polinomial
b−a
de grau 1, logo g é contínua em [a, b] e derivável em (a, b). Além disso, note
97
Clessius Silva Análise Real

que

g(a) = f (a) − d · a
[f (b) − f (a)]
= f (a) − a
b−a
[f (b) − f (a)]
= f (a) + (−a + b − b)
b−a
[f (b) − f (a)] [f (b) − f (a)]
= f (a) + (−a + b) −b
b−a b−a
= f (a) + [f (b) − f (a)] − b · d

= f (b) − d · b

= g(b).

Portanto, g é contínua em [a, b], derivável em (a, b) e g(a) = g(b). Pelo Teorema
de Rolle, existe c ∈ (a, b) tal que g 0 (c) = 0. Por fim, observe que

g 0 (x) = f 0 (x) − d,

logo
0 = g 0 (c) = f 0 (c) − d,

isto é,
f (b) − f (a)
f 0 (c) = d = .
b−a
Isto conclui a demonstração.

A ideia geométrica do Teorema do Valor Médio é que, se f é contínua em


[a, b] e derivável em (a, b), então existe um ponto P = (c, f (c)) do gráfico cuja
reta tangente ao gráfico que passa por esse ponto é paralela a reta secante que
passa pelos pontos A = (a, f (a)) e B = (b, f (b)). Veja Figura.

Corolário 4.29. Seja f : I → R uma função contínua no intervalo I e derivável


em intI. Se f 0 (x) = 0 para todo x ∈ intI, então f é constante.
98
Capítulo 4 Derivadas

Demonstração. Dados x, y ∈ I com x < y, pelas hipóteses, f é contínua no


intervalo [x, y] e derivável no intervalo (x, y), logo, pelo TVM, existe c ∈ (x, y)
tal que
f (y) − f (x)
= f 0 (c) = 0,
y−x
portanto f (y) = f (x). Sendo assim, f é constante.

Corolário 4.30. Sejam f, g : I → R são contínuas e deriváveis em intI. Se


f 0 (x) = g 0 (x) para todo x ∈ intI então existe c ∈ R tal que f (x) = g(x) + c
para todo x ∈ I.

Demonstração. Basta aplicar o Corolário 4.29 na função h = f − g.

O próximo resultado nos mostra condições suficientes para uma função ser
Lipschitziana.

Corolário 4.31. Seja f : I → R derivável no intervalo I. Se existe k ∈ R tal


que |f 0 (x)| ≤ k para todo x ∈ I, então

|f (x) − f (y)| ≤ k|x − y| ∀x, y ∈ I.

Demonstração. Dados x, y ∈ I com x < y, pelas hipóteses, f é contínua no


intervalo [x, y] e derivável no intervalo (x, y), logo, pelo TVM, existe c ∈ (x, y)
tal que
f (y) − f (x)
= f 0 (c),
y−x
logo
f (y) − f (x) = f 0 (c)(y − x),

portanto
|f (y) − f (x)| = |f 0 (c)||y − x| ≤ k(y − x).

99
Clessius Silva Análise Real

O resultado seguinte é uma importante ferramenta do Cálculo para construção


do gráfico de funções, bem como para determinarmos máximos e mínimos locais
de funções.

Corolário 4.32. Seja f : I → R uma função derivável no intervalo I. Então:

i) f 0 (x) ≥ 0 para todo x ∈ I se, e somente se, f é monótona não-decrescente


no intervalo I;

ii) se f 0 (x) > 0 para todo x ∈ I, então f é crescente no intervalo I;

iii) f 0 (x) ≤ 0 para todo x ∈ I se, e somente se, f é monótona não-crescente no


intervalo I;

iv) se f 0 (x) < 0 para todo x ∈ I, então f é decrescente no intervalo I.

Demonstração. i) Suponhamos inicialmente que f 0 (x) ≥ 0 para todo x ∈ I.


Dados x < y em I, pelo TVM, existe z ∈ I tal que

f (y) − f (x) = f 0 (z)(y − x) ≥ 0.

Portanto f é monótona não-decrescente. Reciprocamente, se f é mo-


nótona não-decrescente em I, pelo Corolário 4.19, f 0 (x) ≥ 0 para todo
x ∈ I.

ii) Pelo menos argumento da item anterior, se f 0 (x) > 0 para todo x ∈ I,
então para x, y ∈ I com x < y,, pelo TVM, existe z ∈ I tal que

f (y) − f (x) = f 0 (z)(y − x) > 0.

iii) Similar ao item i).

iv) Similar ao item ii).

100
Capítulo 4 Derivadas

As recíprocas dos itens ii) e iv) não são verdadeiras, por exemplo, a função
f : R → R dada por f (x) = x3 é crescente, entretanto f 0 (0) = 0.

4.5 Exercícios
1. Em cada caso, use a definição para calcular f 0 (x).

a) f (x) = x3 , x ∈ R; c) f (x) = 1/x, x 6= 0;


√ 1
b) f (x) = x, x > 0; d) f (x) = √ , x > 0.
x

2. Mostre que a função f (x) = x1/3 , x ∈ R, não é derivável em x = 0.

3. Considere a função f : R → R definida por f (x) = x2 , para x racional,


e f (x) = 0 para x irracional. Mostre que f é diferenciável em x = 0 e
encontre f 0 (0).

4. Se uma função f : R → R é diferenciável em c e f (c) = 0, mostre que a


função x 7→ |f (x)| é diferenciável em c se, e somente se, f 0 (c) = 0.

5. Mostre que se uma função par f : R → R tem derivada em todo ponto,


então a derivada f 0 é uma função ímpar.

6. Um número a é uma raiz dupla do polinômio p(x) quando p(x) = (x −


a)2 q(x), para algum polinômio q(x). Prove que a é raiz dupla de p se, e
somente se, p(a) = p0 (a) = 0.

7. Mostre que f : X → R é derivável no ponto a ∈ X ∩ X 0 se, e somente


se, existe uma função η : X → R, contínua no ponto a, tal que

f (x) = f (a) + η(x)(x − a), ∀x ∈ X.


101
Clessius Silva Análise Real

8. Se f : R → R é derivável no ponto a, então prove que


f (a + h) − f (a − h)
lim = f 0 (a). Dê um exemplo em que este limite
h→0 2h
existe porém f não é derivável no ponto a.

9. Sejam a > b > 0 e n um número natural. Mostre que

1 1 1
a n − b n < (a − b) n .

Sugestão: mostre que a função f (x) = x1/n − (x − 1)1/n é decrescente


em [1, +∞) e calcule f (1) e f (a/b).
c1 cn−1 cn
10. Mostre que se c0 + + .. + + = 0, onde c0 , c1 , ..., cn−1 , cn são
2 n n+1
constantes reais, então a equação c0 + c1 x + ... + cn−1 xn−1 + cn xn = 0
tem pelo menos uma raiz entre 0 e 1.

11. Seja f : X → R derivável em a ∈ X ∩ X+0 ∩ X−0 . Sejam (xn ) e (y)n


sequências em X tais que para todo n ∈ N, xn < a < yn e lim xn =
f (yn ) − f (xn )
lim yn = a. Prove que lim = f 0 (a).
yn − x n
12. Seja f : R → R derivável e suponha que f (0) = 0 e |f 0 (x)| ≤
|f (x)|, ∀x ∈ R. Mostre que f ≡ 0.

13. Seja f : R → R diferenciável na origem tal que f (tx) = |t|f (x), ∀t, x ∈
R. Mostre que f ≡ 0.

0
14. Prove que se f : X → R é derivável e f 0 : X ∩ X → R é contínua no
ponto a então para quaisquer sequencias de pontos xn 6= yn ∈ X com
f (yn ) − f (xn )
lim xn = lim yn = a tem-se lim = f 0 (a).
yn − x n

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Referências

[1] ÁVILA, Geraldo. Introdução à análise real. São Paulo, Blucher, 1999.

[2] LIMA, Elon Lages. Análise real. Impa, 2004.

[3] LIMA, Elon Lages. Análise Real volume 1. Projeto Euclides, 2008. 1.55

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