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BIBLIOTECA COMUNITÁRIA

COMUNIDADE E UNIVERSIDADE

ENTREVISTAS

Jonathas Carvalho
Por Corpo Editorial

OPINIÃO

Biblioteca escolar e
interculturalidade
Por Cássia Furtado

Sabor de um sonho realizado


Por Soraia Magalhães

ARTIGOS

Crimes pela internet


Por Moisés Cassanti

A biblioteconomia e a religião
Por Vagner Rodolfo da Silva
1

Foto por Guga Pimentel


A N O 3 – N. 2 - F E V. 2 0 1 3 – I S S N: 2 2 3 8 – 3 3 3 6

S U M Á R I O E XP E D I E N T E
ARTIGOS Chico de Paula
EDITOR-CHEFE
Deixem fotografar as bibliotecas
3 por Moreno Barros

Crimes pela internet


Emilia Sandrinelli
8 por Moisés Cassanti
EDITORA EXECUTIVA

A Biblioteconomia e a religião
11 por Vagner Rodolfo da Silva
Hanna Gledyz
EDITORA DE CRIAÇÃO

Resenha:
14 Organização da Informação e do Conhecimento Rodolfo Targino
EDITOR ADJUNTO

REVISORES:
REPORTAGENS Isis Brum
15 O livro e o leitor, por Thiago Cirne Vanessa Souza
COLABORADORES FIXOS:
19 Comunidades e universidades, por Rodolfo Targino
Thiago Cirne
Adriano da Silva
ENTREVISTA CHARGISTA

25 Jonathas Carvalho, por Corpo Editorial Aldo Henrique


COLUNISTAS:

Agulha
OPINIÃO
Cássia Furtado
COLUNA DO AGULHA3AL Claudio Rodrigues
33 Assunto tabu Janda Montenegro
COLUNA DO JONATHAS CARVALHO Jonathas Carvalho
36 Estudos de usuários da informação
Ronison Laeber
COLUNA DA SORAIA MAGALHÃES Soraia Magalhães
39 Sabor de um sonho realizado

COLUNA DO CLAUDIO RODRIGUES COLABORARAM NESTA EDIÇÃO:


44 A autoridade do autor e o autor anônimo Moreno Barros
COLUNA DA JANDA MONTENGRO Moisés Cassanti
46 Resenha: A Batalha do Apocalipse
Vagner Rodolfo da Silva
COLUNA DA CÁSSIA FURTADO BookPartiners
48 Biblioteca escolar e interculturalidade

COLUNA DO RONY LAEBER


51 O homem que odiava a segunda-feira

W W Revista
W . B I BBiblioo
L I O O-. I2N F O
DEIXEM FOTOGRAFAR
AS BIBLIOTECAS
BIBLIOTECAS QUE INVESTIRAM EM ARQUITETURA E DESGN PREVALECERAM
por Moreno Barros

Tendo visitado as muitas bibliotecas que visitei até minha atenção. Pode ser a fotografia, pode ser a
hoje me ocorreu que o espaço arquitetônico delas é biblioteca. Preferencialmente, as duas coisas juntas.
um grande influenciador do seu uso. Uma biblioteca
preenchida de móveis da tok stok não a torna arquiteturadebibliotecas.blogspot.com é o endereço
automaticamente um bem público de qualidade,
concordo com o Ricardo. Mas seria uma Em um momento futuro esgotarei meu
coincidência que todas as bibliotecas esteticamente conhecimento acumulado sobre as bibliotecas
incríveis sejam mais frequentadas? As feias que me “interessantes” e contarei com a ajuda de colegas e
desculpem, mas… usuários para alimentar o site. Não se trata apenas de
evidenciar bibliotecas per se (o mapa do Murakami
Bibliotecas são feitas de livros e pessoas, claro. Mas faz isso), mas sim evidenciar o que temos de melhor
o que estou dizendo é o seguinte: bibliotecas que e como estamos servidos.
investiram em arquitetura e design, prevaleceram.
—–
Aliando meu interesse pessoal em arquitetura e
bibliotecas, decidi criar um blog/site que irá Nesse trabalho de compilação de imagens cativantes
compilar o que melhor temos de biblioteca no Brasil. das bibliotecas brasileiras, me impressionou a
Não sou arquiteto. Gosto é que nem bunda. Então o dificuldade que é encontrar fotografias dos espaços
que eu faço é simplesmente reunir como um arquivo internos das bibliotecas.
pessoal fotografias de bibliotecas que chamaram

Revista Biblioo - 3
Por que as bibliotecas não se deixam fotografar? bibliotecas, com acolhedor desenho arquitetônico. E
delas, pouquíssimas fotos estão disponíveis
Muitas bibliotecas possuem normas que impedem livremente na web, que creio eu, se dá graças à
fotografar seu espaço interno e acervo. Exceto proibição de fotografar os espaços internos.
fotografias que podem expor outros usuários que não Meras fotografias não erradicam a privacidade da
consentem aparecer nas fotos ou danos que os biblioteca e seus frequentadores. As bibliotecas
flashes das máquinas podem exercer sobre os brasileiras insistem em ser anti-internet e fazem de
documentos, não consigo pensar em nada que tudo para se esconder, como Diego brilhantemente
justifique essas proibições. De todo modo, esses dois escreveu.
casos parecem ser do tipo em que o benefício trazido
ultrapassa as perdas potenciais. Bastariam regras Biblioteca Euclides da Cunha no Rio, Biblioteca
claras sobre a reprodução e uso das imagens do Nacional do Rio e Biblioteca Nacional de Brasília,
espaço; consentimento daqueles por ventura por exemplo, três das maiores representantes do
retratados; digitalização apropriada dos materiais, conceito de biblioteca no Brasil e três das mais belas
para salvaguarda e disseminação. bibliotecas do país, ao que consta, não permitem que
se fotografe seu espaço interno, sem autorização
Bibliotecas são feitas de livros e pessoas, claro. Mas prévia da direção.
o que estou dizendo é o seguinte: fotografias de seus
espaços físicos e acervos, devidamente tornadas Colegas de trabalho, faço meu apelo: se estiver
públicas na internet, são excelente método de dentro da responsabilidade de vocês, sugiro que
marketing e divulgação para as bibliotecas. liberem integralmente a possibilidade de fotografia
dos ambientes internos de suas bibliotecas. Não
Sei de muitas bibliotecas que têm medo de verem sejam anti-internet. Deixem que fotografem as
seus espaços expostos, para não mostrarem como bibliotecas e quem sabe elas terão uma chance de
precárias são. Mas não são essas bibliotecas que aparecer mais do que pratos de comida no instagram.
procuro aqui. São lindas e amplas e novas

Biblioteca Central da UnB

Revista Biblioo - 4
Tem bibliotecas demais nesse Brasil. Tem
bibliotecas demais sendo inauguradas. Prefeitos
adoram inaugurar bibliotecas tanto quanto adoram
ignora-las.

Resolver o problema do desconhecimento das


bibliotecas é apenas uma questão de
autoconsciência? Resolver o problema das
Biblioteca Nacional
bibliotecas é apenas uma questão de marketing?
Uma das grandes causas conhecidas pela qual os
cidadãos brasileiros não frequentam bibliotecas é o
simples desconhecimento: não sabem que as
bibliotecas existem, não conhecem sua localização,
o que elas oferecem e o que podem conseguir delas.

@fuckyeahmoreno estou encantada. nunca tinha


visto algumas daquelas bibliotecas, não sabia
que tinhamos bibliotecas daquele nivel Biblioteca Parque de Manguinhos – RJ
— Elani Régis (@elaniregis) Fevereiro 6, 2013
Meu dilema é evidenciar as bibliotecas que são

Criar uma consciência sobre os problemas é, funcionais e plenas na vasta maioria das cidades

sabidamente, uma coisa que os brancos gostam. O brasileiras, sem soar governista, e o desafio é

“awareness” dos americanos. Os brasileiros se mostrar que usufruir esses espaços públicos nada

apropriam muito bem dessa ideia de apontar e sofrer mais é do que um direito e exercício de cidadania.

na pele os problemas, mas não fazer nada para


resolve-los. Em uma das muitas reflexões sobre o porquê as
bibliotecas importam, tentei desmistificar alguns dos

Resolvi que uma das intenções do blog de argumentos chavões para o não frequentar das

arquitetura de bibliotecas seria criar uma consciência bibliotecas: não tem o livro que eu quero, fica longe

sobre a existência das nossas belas bibliotecas. de casa, o horário de funcionamento é ruim, etc.

Caberá aos visitantes in loco, eu e você, definir se


além de belas elas são boas e baratas.

Revista Biblioo - 5
O que levou a uma combinação lógica do status
antropológico do brasileiro que não (re)conhece
bibliotecas:
1) os ricos desconhecem porque não precisam;
2) classe média não reconhece porque prefere livrarias;
3) os pobres não conhecem.

A classe média bunda mole brasileira (eu e você)


prefere pagar triplicadamente (valor do produto,
imposto sobre o produto, imposto de renda) para ter
acesso ao serviço/bem, nesse caso, os livros.
Lembrando que as bibliotecas públicas são financiadas
pelo erário público.

Por alguma razão que eu não sei explicar, temos fé que


livros e bibliotecas mudam e salvam pessoas (Mario
Quintana? pois bem). Não sei explicar também porque
muitos de meus amigos que foram educados como eu,
são chefes de família como eu, pessoas de bem como
eu, conseguem seguir adiante com suas vidas sem ter
nunca frequentado uma biblioteca ou lido mais do que
dois livros por ano desde que saíram do ensino médio
(quando liam por obrigação). Essas pessoas estão bem
empregadas, são capazes de articular uma conversação,
traçar inferências lógicas, pagam seus impostos, e
mesmo sem ter frequentado bibliotecas ao longo da
vida ou terem sido leitores minimamente aceitos, não
são a escória da sociedade. Para elas, a biblioteca nunca
fez falta, nem fará. E não por isso precisam ser salvos,
para mudar o mundo. Então, livros e bibliotecas
importam?

Se importam a você, não sei dizer. A mim, importam. O


que eu não aceito como desculpa é: não sabia que a
biblioteca existia.

Revista Biblioo - 6
Então, toma:
Bibliopraia – PR

Biblioteca da FEAD – BH

Biblioteca Pública do Acre

Biblioteca Pública de Pelotas

Biblioteca Pública do Amazonas

.
MORENO BARROS é
bibliotecário do Centro de
Tecnologia da UFRJ. Graduado
pela UFF, mestre em Ciência
da Informação pelo IBICT e
doutorando em História das Ciências na UFRJ.

Biblioteca da 28º Bienal de SP

Revista Biblioo - 7
CRIMES PELA INTERNET
NOVAS LEIS REFORÇAM A LUTA CONTRA ESSAS AÇÕES
por Moisés Cassanti

No último dia 3 de dezembro foi publicada no Diário 7.716/89, sobre racismo, para que juízes possam
Oficial da União as leis nº 12.735/12 e 12.737/12, determinar suspensão de transmissões radiofônicas,
que alteram o Código Penal para tratar de crimes televisivas e eletrônicas de símbolos nazistas. Para
cibernéticos. A primeira (Lei nº 12.735) tipifica esse crime, a pena vai de dois a cinco anos de prisão
condutas realizadas mediante uso de sistema e multa.
eletrônico, digitais ou similares, que sejam
praticadas contra sistemas informatizados. O projeto A segunda lei, nº 12.737/12, criminaliza as condutas
original dessa lei tramitou no congresso desde 1999 cometidas através da internet, tais como: invasão de
(PL 84/99, na Câmara). computadores, roubo e/ou furto de senhas e de
conteúdos de e-mails e a derrubada intencional de
O texto original era bastante abrangente e criou sites, inclusive oficiais, o que tem ocorrido com
polêmica, por exemplo, no que se refere à frequência em todo o mundo. Esta lei ganhou o
responsabilidade dos provedores de internet. apelido de Lei Carolina Dieckmann, porque o
Durante a longa tramitação, no entanto, o texto foi projeto (PL 35/12) foi elaborado na época em que as
reduzido a quatro artigos e, na sanção, a presidente fotos da atriz global foram espalhadas pela internet.
Dilma Rousseff vetou dois. Um dos que ficaram
para entrar em vigor determina a instalação das Muitas são as opiniões formadas em relação a está
delegacias especializadas. O outro altera a Lei nº Lei nº 12.737/12. Uma das criticas é em relação às

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punições previstas que são muito brandas, pois no Procure a delegacia de policia do seu bairro para
Brasil pena de até quatro anos de reclusão para registrar a ocorrência. Em alguns estados existem
crime sem violência se transformam em restrição de delegacias especializadas em crimes virtuais. Veja se
direitos. Ou seja, na prática ninguém sofrerá perda o seu estado já possui este serviço.
de liberdade, porque a nova lei prevê no máximo um
ano de detenção.
O que é uma Ata Notarial?
Uma regulamentação mais completa da internet
brasileira é esperada com o Marco Civil, que vem Ata notarial é um instrumento público por meio do
sendo discutido na Câmara. O Marco Civil da qual o tabelião ou preposto, a pedido da pessoa
Internet pretende definir responsabilidades e deveres interessada, constata fielmente os fatos, as coisas,
de provedores e usuários. comprova o seu estado, a sua existência e a de
pessoas ou situações que lhe constem, com seus
próprios sentidos, portando por fé que tudo aquilo
Como agir em caso de crimes presenciado e relatado representa a verdade plena.
virtuais
Este ato é redigido e lavrado por um tabelião de
1. Colete e preserve as evidências notas em livro próprio – podendo evidentemente ser
Imprima e salve: arquivos, e-mails, telas, paginas de obtida em qualquer Tabelionato de Notas ou
internet e tudo que possa comprovar o crime. “No Registro Civil cumulado com Notas.
mundo virtual as evidências podem desaparecer de
uma hora para outra”;
Preserve as provas em algum tipo de mídia protegida Para que serve?
contra alteração, como um CD-R ou DVD-R.
Todas as provas ajudam como fonte de informação A ata notarial serve para pré-constituir prova dos
para a investigação da polícia. fatos. Muitas vezes não temos como provar uma
situação potencialmente perigosa ou danosa. O
2. Atribua validade jurídica nas provas obtidas tabelião é, portanto, uma testemunha oficial em cujo
Procure um cartório para registrar uma Ata Notarial ato vai desencadear a fé pública e fazer prova plena
das evidências. Este documento pode ser usado perante qualquer juiz ou tribunal.
como prova na justiça.

3. Faça um Boletim de Ocorrência

Revista Biblioo - 9
Essas atas notariais – utilizadas em juntadas em atos
Preciso de advogado? processuais ou extrajudiciais, se revelam meio
seguro e adequado para se constatar um sítio
Não, você pode solicitar diretamente ao tabelião. Se eletrônico na Internet. Isso porque esse meio é
você tiver um advogado, consulte-o e decida com ele suficiente para autenticar o conteúdo de um
sobre a conveniência de fazer uma ata notarial. endereço eletrônico (www) em determinado
momento, e preservá-lo para o futuro com plena
segurança (sob manto da fé pública).
Como utilizar nos casos de
internet?

A ata notarial comprova inúmeros fatos na internet,


dentre eles:
 Prova o conteúdo divulgado em páginas da internet;
 Prova o conteúdo da mensagem e o IP emissor;
 Textos que contenham calúnia, injúria e/ou
difamação;
 Uso indevido de imagens, textos [livros], filmes,
logotipos, marcas, nomes empresariais, músicas e
infrações ao direito autoral e intelectual;
 Concorrência desleal;
 Consulta em páginas de busca;
 Comunidades on-line que conecta pessoas através de
uma rede de amigos;
 Consulta do CPF no sítio da receita federal, etc.

Nas verificações, tanto no meio físico, quanto no MOISÉS CASSANTI é analista

eletrônico, o tabelião constata os fatos, relatando de Sistemas, Administrador de

fielmente tudo àquilo que presenciou. A ata notarial Redes, programador, bachare-

tem força certificante para comprovar a integridade e lando em Direito, Membro da

veracidade destes documentos, atribuir Comissão de Direito Eletrônico e de Crimes de Alta

autenticidade, fixar a data, hora e existência do Tecnologia da OAB SP e editor do Blog Crimes pela

arquivo eletrônico. Internet onde o leitor encontrará uma campanha


contra o cyberbullying.

Revista Biblioo - 10
BIBLIOTECONOMIA
E RELIGIÃO
A INFLUÊNCIA RELIGIOSA SOBRE AS BIBLIOTECAS E A LAICIDADE EM QUESTÃO
por Vagner Rodolfo da Silva

O Natal nos remete a questões religiosas diversas, seja


você religioso ou não, nascido no Ocidente ou não. E A Bíblia copiada a mão, sacra, se tornou profana pela
os bibliotecários, isentos de querer discutir ou se reprodução da imprensa de Gutenberg. Lutero, ao
envolver com o assunto religião, inconscientemente, se desafiar a Igreja com a tradução da Bíblia para outras
esquecem das origens formadoras da profissão línguas e a pregação da livre interpretação dela por
bibliotecária e a influência que o Cristianismo teve na cada um mediante sua leitura, fez com que o
biblioteconomia. Seria hoje a biblioteconomia laica? monopólio do saber saísse dos mosteiros, e por
consequência criou-se um ar alfabetizador nas
Dos mosteiros e conventos com seus monges copistas populações que queriam ler este livro sagrado. Agora
(séculos V e VI), os bibliotecários herdaram o ar muitos podiam lê-la em sua língua mãe. Porém, para a
sagrado que por séculos influenciaram a profissão e o Igreja, estas leituras seriam atos pecaminosos capazes
seu desenvolvimento. A atmosfera religiosa da de levar ao julgamento do fogo do inferno.
biblioteca e até mesmo o uso da “beca” pelos
“bibliotecários sacerdotes” fizeram sagrado este A história mostra que a Igreja não perdeu as rédeas da
espaço de conhecimento. Com os livros sendo educação e do conhecimento diante da revolução da
propriedades das ordens religiosas ricas, os que imprensa. Sob sua tutela e das ordens religiosas,
ficavam disponíveis ao público estavam sempre presos surgiram às universidades na Europa e suas bibliotecas
por correntes às estantes, e em latim, uma língua que onde o saber seria novamente “controlado”, agora de
poucos tinham entendimento fora da Igreja, pois o uma forma mais institucionalizada na sociedade, e com
analfabetismo atingia a maioria absoluta da população uma força ainda maior perante a família e o Estado.
daquela época. Ainda hoje a Igreja exerce em todo o mundo

Revista Biblioo - 11
influências tanto gerenciais como educacionais nas Companhia de Jesus montaram bibliotecas nos
universidades a que as diversas ordens religiosas estão colégios anexos aos conventos no século XVI, e outras
ligadas, e também quanto às decisões que o Estado tem ordens religiosas como: Beneditinos, Franciscanos e
tomado a favor de questões religiosas direcionadas ao Carmelitas. Constituíram bibliotecas em escolas nos
ensino secular e as bibliotecas públicas. Assim conventos, nos três primeiros séculos do período
podemos visualizar uma futura pressão sobre as colonial. Com a falta de bibliotecas públicas, essas
bibliotecas escolares, por consequência. bibliotecas exerceram um grande papel na
alfabetização do povo brasileiro até o final do XVIII.
O silêncio oriundo do interior das Igrejas medievais e Estes espaços eram constituídos por preciosas coleções
dos mosteiros, como respeito ao lugar sagrado, se que abrangiam os mais diversos ramos do
transferiu para o ambiente das bibliotecas. conhecimento como: livros de direito canônico e civil,
Primeiramente como necessário para o trabalho dos teologia, de santos padres, história e geografia, livros
monges copistas na leitura e na cópia dos livros de sermões, filosofia, literatura, além da Bíblia.
considerados sagrados, pois a leitura se constituía no
alimento espiritual dos monges e entrar em uma Hoje a discussão cresce sobre a disponibilização de
biblioteca equivaleria a adentrar em um ambiente livros ligados ao tema religião nas bibliotecas. Um
sagrado, assim como hoje o silêncio nas bibliotecas é exemplo é a Lei nº 5.998 de 01 de Julho de 2011, que
justificado para que ocorra o fluxo das atividades tanto obriga as bibliotecas públicas do estado do Rio de
dos leitores quanto dos bibliotecários. Janeiro a terem em seu acervo pelo menos um
exemplar da Bíblia, sob pena de multa pelo seu
Religião e bibliotecas no Brasil descumprimento. A partir da aprovação desta Lei,
deputados de outros estados se movimentam para
O silêncio também acabou por fazer parte da estendê-la nacionalmente, o que nos faz refletir sobre a
constituição das bibliotecas brasileiras, com sentido de ética bibliotecária e a liberdade de escolha dos acervos
restrição e censura, onde não se permitia uma pelos bibliotecários diante das necessidades de seu
circulação de dizeres por parte dos sujeitos-leitores, público. Além da questão maior, socialmente falando,
com um sentido dominante relacionado às tensas sobre a ingerência da religião nas decisões do Estado e
relações de poderes religiosos e políticos, suas instâncias, ferindo assim o “suposto” Estado laico
historicamente tecidos na constituição das bibliotecas brasileiro democrático.
europeias e brasileiras.
O outro lado da moeda
A história das bibliotecas no Brasil tem início com a
criação das bibliotecas monásticas, na Bahia e em Se por um lado nos surpreendemos, negativamente ou
outras capitais onde as primeiras instituições religiosas positivamente, com a atitude do Estado de integrar a
instalaram-se. Os bibliotecários-padres Jesuítas da vida pública e privada no quesito fé através de leis, em

Revista Biblioo - 12
outros somos surpreendidos com atos tais como os que bibliotecas, principalmente nas bibliotecas escolares
ocorreram em fevereiro de 2012 quando quatro oficiais com a pressão cada vez mais forte para o retorno do
do Exército norte-americano e dois soldados alistados ensino religioso nas escolas do País.
enviaram caixas com cópias do Alcorão de uma
biblioteca e de uma penitenciária de guerra no Assim, a laicidade da biblioteconomia e das
Afeganistão para um centro de incineração na base da instituições onde o profissional bibliotecário atua, ou
Bagram. Uma atitude antiética por parte do Estado atuou antigamente, parece não existir. Sobretudo se
americano, que se diz o mais democrático do mundo. levarmos em consideração os tempos remotos, por
causa de sua concepção como espaço sagrado ligado à
Nas bibliotecas públicas em nosso país, em geral, Igreja, e hoje, diante das decisões que o “poder
temos uma grande variedade de obras religiosas, sem a instituído” do Estado as impõem, atingindo
necessidade da obrigatoriedade do Estado, como: obras diretamente a liberdade de atuação do profissional
cristãs, a própria Bíblia e um sem número de obras bibliotecário em seu Código de Ética do Conselho
espíritas. Certamente não temos muitos livros do Federal de Biblioteconomia, que prega como direito
Alcorão e nem da Torá, mas aquém de qualquer deste “exercer a profissão independentemente de
seleção de livros religiosos nestes espaços, o que nos questões referentes à religião”. Portanto, o
deve mover são os sonhos de uma biblioteca cada vez bibliotecário, acaba ferido no seu direito quando, por
mais plural, acessível e democrática, como por “força maior”, trabalha com ferramentas de
exemplo, as iniciativas da Biblioteca Digital Mundial e classificação do conhecimento estritamente
muitas outras, exceto a Biblioteca do Vaticano e seus ideológicas, e em um segundo plano, veem seus
“eternos” arquivos secretos que há centenas de anos espaços de trabalho atingidos por leis autoritárias do
nos são privados. Estado, que cada vez mais não se mostra laico.

As classificações biblioteconômicas, Classificação


Decimal Universal e Classificação Decimal de Dewey,
carregam em suas concepções influências diretas do
Cristianismo e do Ocidente nas suas facetas “religião”.
Isso tem sido alvo de diversas críticas pelos privilégios
não dados às outras religiões consideradas “menores” Vagner Rodolfo da Silva
ou fora do “círculo civilizado ocidental”. Esses Estudante do 4º ano de
críticos, ao longo dos anos, fizeram ressalvas na Biblioteconomia e Documentação
medida do possível, mas diante da pluralidade do na ECA/USP, autor do blog:
quesito fé, estes instrumentos ainda precisarão de
Biblioteconomia, Filmes e Poesias, e
ajustes para tratar deste assunto que promete estar
“bibliopoeta” nas horas vagas.
presente cada vez mais nos diversos ambientes de

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ORGANIZAÇÃO DA
INFORMAÇÃO E DO
CONHECIMENTO
CONCEITOS, SUBSÍDIOS INTERDISCIPLINARES E APLICAÇÕES
por Equipe Biblioo

A Obra Autores

Como analisar informação e conhecimento? De que Organizado por Lillian Alvares, reúne um elenco de
maneira compreendemos e representamos professores ligados à UNB, da disciplina
informação e conhecimento? Que padrões utilizar Fundamentos em Organização da Informação do
para organizar e recuperar informação? São estes os programa de pós-graduação, conta ainda com a
temas tratados nessa obra, que apresenta colaboração de Jair Cunha Cardoso Filho, José
contribuições sobre vários aspectos conceituais, Leonardo Oliveira Lima, Marcelo Schiessl, Márcia
teóricos e práticos que caracterizam a área de Mazo Santos, Milton Shintaku, Paulo Roberto
pesquisa da ciência da informação. Processos Gomes Pato e Sérgio Albuquerque.
centrais da cadeia documental e vitais para o ciclo da
informação e a organização do conhecimento
revestem-se de interesse particular para a ciência da Título: Organização da
informação e do conhecimento:
informação. Os estudos descortinam a natureza conceitos, subsídio
intediciplinares e aplicações
complexa de organizar e representar informação e
Organizador: Líllian Alvares et
conhecimento, instigando os pesquisadores a seguir al.
novos rumos de pesquisa, revendo ou revalidando
Páginas: 148
velhos direcionamentos esquecidos e ignorados,
Editora: B4 Editores
sendo por isso uma alavanca a mais para os
Veja o livro no Skoob.
estudantes de biblioteconomia.

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O LIVRO E O LEITOR
D O E S C R I T O A O D I S P O N Í V E L,
AS NOVAS FORMAS DE LEITURA
por Thiago Cirne

Revista Biblioo - 15
RIO - Pensar o indivíduo leitor no século XXI é sugerir algo inerente ao cotidiano
social, mesmo que guardadas as exceções dignas de serem ressaltadas oportunamente.
Um olhar retrospectivo, no entanto, pode lançar uma visão quase romântica sobre a
relação entre o leitor e o livro: aquele que lê e aquilo que é lido.

O texto digital, disponível na tela do computador, ou em suas “nano” derivações, é mais


um capítulo na longa História que permeia a escrita através dos tempos.

Não há dúvidas: hoje se lê de maneira diferente. A informação digital é facilmente


absorvida pelo mais jovem estudante, o qual possui a capacidade de assimilar, editar,
enviar e compartilhar o conteúdo.

De tempos em tempos, o usuário da informação se depara com mudanças radicais em


seu modo de ler. Essas alterações, com características cronológicas diferentes,
impactaram e continuarão a impactar os leitores.

Durante séculos, a sociedade presenciou reis, governadores, religiosos e intelectuais


“desfraldando” seus papiros em formato de rolo, girando-os com agilidade ímpar e
espantosa naturalidade. Encontrar um trecho ou citação, por mais que parecesse
trabalhoso, era o necessário e predominante à época.

Os anos do papiro como principal suporte deram lugar ao pergaminho. Se antes os


livros eram escritos sobre material vegetal, agora a pele ou couro animal, especialmente
os de cabra, carneiro e ovelha, passam a ser a nova tendência.

O leitor da Idade Média viu o rolo se transformar em Códice (formato quadrado). Em


lugar do texto envolto à aste, agora as páginas são viradas, passadas uma a uma, até o
fim da obra. Certamente mais uma necessidade de adaptação e, quem sabe,
estranhamento.

O pergaminho era, sem dúvida, mais resistente e nobre do que os outros materiais.
Como exemplo desta produção, podemos citar a Bíblia de Mogúncia, de 1462,

Revista Biblioo - 16
salvaguardada nos Cofres da Biblioteca Nacional brasileira. Mas, na história das
mudanças, ele também teve seu fim.

Encadernação da Bíblia de Mogúncia, 1462 (Foto: divulgação)

Chegamos ao papel - mais leve, claro e prático -, passando do artesanal às largas


produções industriais. Com ele, o aumento considerável das tipografias e as grandes
tiragens de exemplares. Ao mesmo tempo em que o papel proporciona o baixo custo
para produção, se comparado ao pergaminho, o aspecto artístico do livro diminui. As
ricas encadernações em couro com filetes e dourações; as páginas com gravuras,
capitais ornamentadas especialmente por artistas e belos ex libris, sucumbem às novas
regras de produção. É o valor da informação que parece caminhar em direção oposta a
do objeto.

Do manuscrito único à exemplaridade do livro impresso; do papel à tela. O novo século


despontou junto com a era digital e o fascínio pelos feitos virtuais. A relação tátil entre
leitor e informação ganhou mais interação no campo das novas tecnologias. O texto
pode, de uma nova maneira, ser tocado. Obviamente essa relação física possui outros
rituais, pois a liberdade de manuseio, de “ir e voltar” com a página; a possibilidade de
fazer anotações marginais; a marcação sublinear das partes que tenham destaque para o
leitor, por exemplo, ficará a cargo de uma adaptação que está em curso. Ao amante do

Revista Biblioo - 17
livro e de seus formatos, resta esperar pela próxima transformação que, ao que parece,
não levará muito tempo para acontecer.

Manuscrito com iluminuras (Foto: divulgação)

Figura 4: Letras capitulares (Foto: divulgação)

THIAGO CIRNE é graduado em Biblioteconomia pela Universidade


Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Pós graduando em
Jornalismo Cultural pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), bibliotecário do Centro de Estudos Jurídicos da
Procuradoria Geral do Estado (PGE-RJ), atua em Acervos de Memória e Coleções
Especiais.

Revista Biblioo - 18
COMUNIDADES E
UNIVERSIDADES
A BIBLIOTECA COMUNITÁRIA COMO (POSSÍVEL) MECANISMO DE
INTEGRAÇÃO ENTRE ESSES DOIS ESPAÇOS

por Rodolfo Targino

Revista Biblioo - 19
RIO - As bibliotecas comunitárias geralmente são espaços organizados por moradores
ou líderes comunitários que através de iniciativas próprias procuram fornecer acesso aos
livros e à leitura em regiões economicamente desfavorecidas. Normalmente, nesses
lugares, as políticas públicas de acesso aos bens culturais, como a leitura, a cultura e a
comunicação são precárias, uma vez que o poder público não tem dado a devida
importância para essas questões.

As dificuldades de acesso aos aparatos culturais nas periferias das grandes cidades
brasileiras e até mesmo nas regiões rurais levaram os moradores dessas regiões a se
organizarem e criarem espaços que fornecem acesso aos livros, à leitura, além de
atividades que envolvem peças teatrais e contações de histórias. Na maioria das vezes,
esses espaços não contam com parcerias e sobrevivem através dos esforços de seus
organizadores e da própria comunidade.

No improviso, devido à falta de recursos e até mesmo de espaço físico, as bibliotecas


comunitárias se tornam um grande catalisador do desenvolvimento do hábito da leitura
e, também do potencial das comunidades. Pelo Brasil existem inúmeras bibliotecas
comunitárias que desenvolvem atividades enriquecedoras nas localidades em que estão
inseridas.

Bibliotecas comunitárias e suas conquistas

Uma dessas iniciativas de sucesso é a da Biblioteca Comunitária Maria das Neves


Prado, idealizada pelo professor Geraldo Prado, popularmente conhecido como Mestre
Alagoinha. Localizada no povoado de São José do Paiaiá, sertão da Bahia, com um
acervo de aproximadamente 62 mil livros, além de CDs e DVDs, é considerada a maior
biblioteca comunitária rural do mundo.

Em entrevista concedida na edição oito da revista biblioo, Prado aponta os desafios que
enfrentou na construção da biblioteca, dentre elas a ausência do poder público e a
carência de políticas de leitura na região. Antes da criação da biblioteca, grande parte da
população de São José do Paiaiá nunca tinha tido acesso a um livro.

Revista Biblioo - 20
No ano de 2004, a biblioteca foi transformada em uma Organização da Sociedade Civil
de Interesse Público (OSCIP) e atualmente, além de ser uma biblioteca comunitária,
exerce a função de biblioteca pública e escolar da região.

Uma curiosidade revelada por Geraldo Prado foi a escolha do nome da biblioteca. Ela
foi uma homenagem a sua tia, Maria das Neves Prado, moradora da região e
responsável pela alfabetização dele próprio e de muitos moradores daquela localidade.

Outra biblioteca comunitária que vêm contribuindo em prol da democratização da


leitura, pressionando o poder público através de suas ações é a Solano Trindade,
localizada no bairro do Cangulo, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Coordenada e idealizada pelo professor e historiador Antônio Carlos Oliveira, a


biblioteca foi inaugurada em 2006 e, além de fornecer acesso a livros e a leitura,
contribui para a formação dos moradores da região através de cursos, oficinas e um pré-
vestibular comunitário.

Em entrevista concedida a Revista Biblioo, Antônio Carlos destacou que a biblioteca


comunitária Solano Trindade têm feito um papel de pressionar o poder público a
reconhecer suas ações.

A prova desse reconhecimento e do início do processo de democratização da leitura e


das bibliotecas da região foi a criação da Rede Estadual de Bibliotecas Comunitárias do
Rio de Janeiro (REBCRJ) e a implantação do Plano Municipal do Livro e da Leitura
(PMLL), naquele município. Nesse processo, a união do poder público e dos
movimentos populares foi fundamental para a concretização dessas ações, mas cabe
destacar que a criação da Rede partiu de uma iniciativa própria das bibliotecas
comunitárias da região.

Apesar dos grandes esforços de exemplos como esses, nem sempre a realidade é
favorável. Grande parte desses espaços não conta com uma organização de acervo
adequada, com atividades de catalogação, classificação e indexação. Muitas vezes a
distribuição do acervo conta com técnicas próprias e, em outras situações, o responsável
pelo espaço utiliza sua capacidade de memória para identificar os livros na estante. A

Revista Biblioo - 21
figura do bibliotecário nem sempre é vista nesses espaços, já que grande parte da classe
não tem uma tradição de se envolver em ações culturais, frente às demandas do mercado
tão atrativas e tentadoras.

Por outro lado, os abismos existentes entre as atividades de estágio da matriz curricular
dos cursos de Biblioteconomia e os projetos de extensão das universidades brasileiras
referentes às bibliotecas comunitárias contribuem para a continuidade desse
distanciamento, tanto do graduando quanto do profissional.

Um grande passo para promover a integração entre a universidade e as bibliotecas


comunitárias está sendo dado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
através do Projeto de Requalificação de Bibliotecas Comunitárias.

Projeto de Requalificação de Bibliotecas Comunitárias

O projeto de extensão Requalificação de Bibliotecas Comunitárias da UFPE, que tem a


coordenação da professora do Departamento de Ciência da Informação da UFPE
Edilene Silva, desenvolve atividades junto às bibliotecas comunitárias Poço da Panela e
Amigos da Leitura.

Com contações de histórias, animações, organização dos acervos, entre outros, o projeto
procura fornecer apoio para as bibliotecas comunitárias trazendo o conhecimento da
Biblioteconomia como, por exemplo, a reorganização dos acervos, catalogação,
classificação, mediações de leitura e toda a dinâmica que uma biblioteca precisa ter.

A ideia de criação do projeto Requalificação de Bibliotecas Comunitárias surgiu a partir


da inquietação da professora Edilene Silva e das alunas Ana Carolina Sobral, Ana
Letícia de Coimbra, Caroline Soares, Juliana Albuquerque e Micaelle Veríssimo. A
intenção era conhecer de perto a realidade e as dificuldades das bibliotecas comunitárias
do Recife. Essas trocas de experiências envolvem as comunidades em que estão
inseridas as bibliotecas comunitárias, os idealizadores desses espaços, os professores e
alunos da UFPE.

Revista Biblioo - 22
Mesmo sendo um projeto de extensão, as situações vivenciadas nas atividades aparecem
nas salas de aula ainda muito timidamente, de acordo com Ana Carolina Sobral,
integrante do projeto e aluna do curso de Biblioteconomia da UFPE: “[Esses casos]
apenas são citados por alguns professores como exemplo de prática profissional”,
ressalta a estudante. Isso demonstra o distanciamento, talvez por falta de interesse,
talvez por falta de conhecimento, por parte da academia em relação às novas formas de
aprendizado que extrapolam os muros a universidade.

Outra dificuldade enfrentada pelo projeto é a falta de verbas. As atividades de preparo


do acervo, as oficinas literárias e culturais exigem custos e os recursos disponíveis no
edital de verbas não são suficientes.

Mesmo com esses impasses, o projeto de Requalificação de Bibliotecas Comunitárias


vem desempenhando um papel de interação entre a comunidade e a Universidade,
estimulando a leitura, propiciando experiências que extrapolam os muros da instituição,
das salas de aula e potencializando as ações das bibliotecas comunitárias.

As ações culturais e a matriz curricular

De acordo com dados do Conselho Regional de Biblioteconomia da 15ª região, existem


39 cursos de Biblioteconomia e/ou Ciência da Informação entre Universidades Federais
e Particulares. Mesmo com cursos de graduação existentes nas cinco regiões do país,
percebe-se um distanciamento dessas graduações em relação às bibliotecas
comunitárias.

Evidentemente não é possível que os cursos de graduação dialoguem com todas as


bibliotecas comunitárias existentes. Isso não é uma tarefa simples. O que deve ser
questionado é a baixa abordagem nos currículos e na matriz curricular dos cursos de
graduação em Biblioteconomia e/ou Ciência da Informação em relação às ações
culturais e na construção de diálogos com as bibliotecas e espaços comunitários.

Por que grande parte dos estágios curriculares e supervisionados concentram suas
atividades somente em bibliotecas universitárias, públicas ou privadas? Por que não

Revista Biblioo - 23
abrir esse leque e fornecer aos graduandos uma experiência mais próxima com as ações
culturais?

No caso da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), que adotou


novo formato de Projeto Político Pedagógico, implantado no ano de 2010, as disciplinas
de estágio supervisionado foram divididas em quatro partes, Estágio Supervisionado I,
II, III e IV, com um total de 300 horas. Os alunos só podem fazer estágios em
bibliotecas conveniadas com a Universidade e que tenham a figura de um bibliotecário.
Sabemos que essa determinação atende a demandas e obrigações que estão previstas na
Lei 11.788/2008, que dispõe sobre o estágio de estudantes, para alterações se faz
necessário mudar pontos na lei o que requer uma reflexão coletiva, esforços
burocráticos e vontade política.

Talvez o caminho para incentivar uma maior presença das ações culturais na matriz
curricular do graduando em Biblioteconomia e/ou Ciência da Informação seria a criação
de projetos de extensão que venham formar parcerias com as bibliotecas comunitárias,
fornecendo oportunidades de diálogos e aprendizado entre os alunos, a comunidade e os
espaços comunitários.

A criação de mecanismos e incentivos para que os alunos utilizem os conceitos e


aprendizados adquiridos na universidade em atividades em prol das bibliotecas
comunitárias seria como uma espécie de troca, um situação de benefício mútuo: o aluno
forneceria o seu conhecimento em Biblioteconomia colocando em prática o seu
aprendizado e, consequentemente, desenvolvendo suas aptidões profissionais enquanto
estará dando retorno para a sociedade com seu conhecimento e, ainda em um terceiro
momento, poderá compartilhar relatos dessa experiência para a reflexão em sala de aula.
Essa é uma boa forma de se pensar no verdadeiro papel social tanto da Biblioteconomia,
como dos profissionais, dos estudantes e da própria Universidade brasileira.

Clique aqui para ler integralmente a entrevista de Ana Carolina Sobral que compôs essa
reportagem.
Rodolfo Targino (Che) é Editor Adjunto da biblioo.

Revista Biblioo - 24
JONATHAS CARVALHO
“NOSSO CONSELHO HISTORICAMENTE FOI MARCADO POR SER SUBSERVIENTE”

RIO – O professor do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará,


Campus Cariri e colunista da Revista Biblioo, Jonathas Luiz Carvalho da Silva, fala
sobre o desafio de ser professor no Brasil, além de pontos envolvendo questões de
identidade da Biblioteconomia nacional que abordou em seu novo livro intitulado: Uma
análise sobre a identidade da Biblioteconomia: perspectivas históricas e objetos de
estudo, lançado no ano passado. Na entrevista realizada nas dependências da Biblioteca
Centro de Educação e Humanidades (CEH), da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Carvalho traçou um panorama das bibliotecas escolares e ainda revelou
dificuldades e particularidades do recente curso de Biblioteconomia do Campus Cariri.

Chico de Paula: Jonathan, a primeira fazem essa pergunta: o que me estimulou a ser
curiosidade é o fato de você ser bastante jovem e professor? Sempre fui muito comunicativo, desde
professor. O que te levou a escolher a profissão, os dez, onze anos de idade me via sendo
sobretudo no curso de Biblioteconomia? professor. Até brincava com os professores
Jonathas Carvalho: Primeiramente é um prazer porque eles perguntavam para mim o que eu
estar aqui com vocês. Ser professor para mim queria ser, eu dizia professor. Eles diziam para
sempre foi um desafio, normalmente quando me mim: “professor!”. “Queira não, queira outra

Revista Biblioo - 25
coisa para sua vida”. Aquela ideia de precisa. Com relação ao corpo discente é uma
desmoralização mesmo da imagem do professor. perspectiva muito promissora porque até então
Ser professor para mim, sempre foi um desafio, eles não tinham a oportunidade de um curso
porque sempre vi que a educação brasileira é uma superior a partir de uma universidade federal.
educação marginalizada, o meu propósito Tem a Universidade Regional do Cariri (URCA),
enquanto tal seria de auxiliar na transformação que tem aproximadamente uns trinta anos, mas
desse processo. Se tornar professor para mim não ela nunca desempenhou o papel de pesquisa.
é apenas a realização de um sonho é a Aquele papel de referência de universidade de
concretização de uma necessidade que eu sentia. ponta. Então quando chegou a Universidade
Federal do Ceará (UFC), ela chegou com essa
C. P: Em relação à realidade de onde você vive e nova proposta de incentivar a pesquisa, a prática
trabalha do ponto de vista da formação e do de extensão, e isso proporcionou aos nossos
curso de Biblioteconomia em si, onde você alunos essas oportunidades. São alunos que
trabalha e leciona, e a realidade dos valorizam muito esse processo de construção
profissionais, como que é? acadêmica, sendo uma oportunidade única para a
J. C.: Vamos por partes. O curso de maioria. Agora os problemas estruturais
Biblioteconomia da Universidade Federal do interferem substancialmente na atividade
Ceará (UFC), Campus Cariri, foi criado a partir profissional. Nós temos problemas de acesso de
de Projeto Político Pedagógico (PPP), que hoje se ônibus: ele passa com uma regularidade pré-
chama Projeto Pedagógico Curricular (PPC), a determinada, com horários de 07h20, 07h30,
partir do curso de Biblioteconomia de Fortaleza. chega outro 08h00 e só vem passar depois por
Então ele veio importado. Não houve uma volta de 09h00, 09h30, depois passa outro 11h00.
adaptação de fato. Somente agora que estamos Muitas vezes o horário de aula é para começar as
mexendo em nosso projeto. A maior parte dos 07h30, na verdade começamos as aulas por volta
professores que entraram não tinha qualificação e de 08h00, 08h10, porque infelizmente nossos
de fato isso foi um estímulo e uma necessidade alunos têm problemas de acesso à universidade,
muito grande. Hoje se fizer um comparativo, em ou seja, a vontade é visível tanto por parte de
2009 nós não tínhamos um doutor entre os professores como de alunos, mas os problemas
docentes. Em 2015, creio eu, teremos seis estruturais interferem de fato na qualificação e
doutores. Não que esse saldo quantitativo de fato ampliação do ensino superior.
vai apontar que tudo está ótimo, mas a
qualificação docente vem acontecendo até no C. P: Um dos temas que mais você tem
sentido de promover mais projetos e atividades de trabalhado é o da biblioteca escolar. Você
pesquisa, pontos que uma região como o Cariri poderia dar um panorama da biblioteca escolar?

Revista Biblioo - 26
J. C.: A biblioteca escolar quando comecei deveria ser, mas não é. Muito difícil você
trabalhar com ela ainda não era muito falada, era encontrar uma biblioteca escolar referencial.
marginalizada. A concretização da lei Evidente que a realidade vem mudando, o
12244/2010 para mim não é um contexto final e mercado de biblioteca escolar vem crescendo
sim principiante porque a luta pela concretização ainda com uma qualificação salarial deixando a
da lei é uma luta antiga. Até publiquei um artigo desejar. A tendência com a criação dessa lei é que
na revista da Associação Catarinense de colocamos debaixo do braço e lutemos para que
Bibliotecários (ACB) em que traço esse ela seja concretizada da melhor forma possível.
panorama. Desde 2000 que existe essa proposta. Não se trata somente da ampliação de mercado
Ela foi votada no Congresso favoravelmente em para os bibliotecários, se trata da concepção de
2001 e em 2002 foi arquivada. Um deputado ação pedagógica da biblioteca escolar. Se
paulista, com o aval do senador Cristovam conseguirmos mostrar isso, provavelmente o
Buarque, conseguiu essa lei. A verdade é que nós mercado para os bibliotecários vai se expandir, a
temos mais de 300 mil escolas entre públicas e minha preocupação é: a área de Biblioteconomia
privadas no Brasil. A ampla maioria não tem está eminentemente preocupada com o mercado.
bibliotecas. Você pode chamar do que quiser. No Ela se esquece de que na verdade não é o
Ceará é comum centro de multimeios. Segundo o bibliotecário que vai ser reconhecido na
governo do estado do Ceará, centro de biblioteca escolar é a biblioteca escolar a partir da
multimeios seria maior que a biblioteca, porque a ação do bibliotecário que vai ser reconhecido
biblioteca escolar só é composta de livros e o como um todo. Não existe isso de a biblioteca
centro de multimeios seria composto por toda escolar aqui e o bibliotecário em outro lugar.
uma gama de materiais que seriam tratados Ambos precisam ser parceiros. O bibliotecário
tecnicamente. Pergunto: qual seria esse como profissional e a biblioteca enquanto
profissional? Porque você coloca o centro de instituição sócio-pedagógica.
multimeios e inválida a presença do bibliotecário,
então eles tentam modificar o nome como uma Rodolfo Targino: Anteriormente você tocou em
questão ideológica. Na verdade não é ideológica e questões referentes à estrutura da universidade.
sim política, se você inibe a participação do A política do governo federal em relação às
profissional habilitado e especializado como o universidades ficou muito caracterizada na
bibliotecário. Na prefeitura chama salas de adoção da Reestruturação e Expansão das
leitura, então isso me incomodava, mas ao mesmo Universidades Federais (REUNI). Como o
tempo me trazia para a realidade. Isso é verdade: REUNI chegou até vocês no Cariri? Houve
a biblioteca escolar que nós estudamos e algum debate entre docentes e discentes? Qual
queremos que seja é apenas normativa, ou seja,

Revista Biblioo - 27
avaliação que você faz em relação à política do o apoio necessário. Infelizmente quando se fala
governo federal em relação às universidades? em educação com a prefeitura ela só quer saber
J .C.: O governo do Partido dos Trabalhadores de ter o retorno sem se doar primeiro e isso não
(PT), o qual eu apoiei muito desde 1998, é de fato existe como você tem retorno sem doar. A
firmado como o governo da mudança. Não posso prefeitura não doava e o governo do PT ficava
negar que o PT tentou implementar essas distante. Percebeu que lançando universidades
mudanças. Só que a grande questão que me todo mundo vai gostar, vou contratar professores
preocupa no governo do PT é que eles e técnicos administrativos em nível superior e
perceberam que é mais fácil valorizar a médio, vou dar acesso educacional aos estudantes
quantidade do que a qualidade, porque a e tudo vai ser maravilhoso. Quando você entra na
quantidade ganha votos e a qualidade ganha realidade você sente de fato que isso não é bem
críticos. Quando você ganha apenas votos é muito intencionado e tão bem concretizado quanto
mais fácil do que ganhar críticos. Então o que o parece. A UFC foi com a maior boa vontade do
PT percebeu: a educação é um ponto chave e se mundo e abriu três campi: um em Sobral, na
qualifica em um processo muito rápido é um região norte do estado, um em Quixadá, da região
gasto muito forte. Vai faltar dinheiro para central e o campus Cariri, que concentraria
banqueiro, para empresário, para a elite e vai ter Juazeiro, Crato e Barbado. Na verdade o curso de
dinheiro para quem precisa. Então o REUNI, na Barbado já existia, curso de mestrado desde 2001.
verdade como ele se deu: o governo lançou edital Quando o REUNI surgiu de fato, eles emendaram
e as universidades se inscreveram. Várias e criaram os cursos. Quando esses cursos foram
universidades se inscreveram. No Nordeste, que é criados a proposta era ótima, a perspectiva de
a minha realidade mais próxima, a UFC, a acesso educacional era ótima, mas depois
Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), a começou a sentir os problemas: a comida era
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a ruim, ás vezes não tinha lugar de almoço, não
Universidade Federal da Bahia (UFBA) se tinha onde tirar xerox, não tinha onde imprimir, o
inscreveram. Então várias universidades se acesso aos transportes era extremamente
inscreveram visando serem contempladas com o deficitário... Então o governo do PT lançou a
edital do REUNI. A priori a ideia era maravilhosa quantidade e não se preocupou com a qualidade.
e fantástica: “vamos dar oportunidades aquelas Os professores começaram a fazer movimentos e
pessoas que pesquisam”. O que não foi protestos. Tanto é que a greve dos professores
imaginado era o que tinha por trás disso: o desse ano estava muito bem pautada em duas
governo do PT lançou a proposta e quando ela condições: a primeira estruturação do plano de
começou a ser implantada não teve recursos. Os carreira e a segunda que era a expansão
terrenos eram precários, as prefeituras não davam qualificada do REUNI e o governo infelizmente

Revista Biblioo - 28
reduziu o movimento grevista ao aumento de que o salário mínimo maior da história foi o de
salário. As pessoas vão ganhar 25% no mínimo, 1959. Era de R$ 1.732,28. Mostra que nem
nenhum profissional vai ganhar isso. Nem preciso sempre o Brasil tinha aquela condição miserável
discutir a questão salarial porque de fato não é o que parecia. Na verdade o Brasil não é um país
mais importante. O ideal é ter uma boa estrutura pobre e sim desigual, um país explorado. Essa
para trabalhar, condições efetivas de pesquisa. questão histórica ocasionou uma mentalidade de
Por exemplo, o professor universitário hoje que o Brasil é um país pobre e que não tem
quando ele faz um projeto de extensão ele não recursos. Quando o DIEESE fez o estudo da
tem nenhuma gratificação, então aquele professor evolução do salário mínimo, ele chegou à
que faz porque gosta de fazer, gosta da seguinte conclusão... Isso foi em 2009. O próprio
oportunidade, qual é o grande problema: o governo do PT foi desmascarado, a verdade é
professor que faz o projeto vai ganhar o mesmo essa. Sabe quanto é gasto para pagar a dívida
daquele professor que não faz nada. Temos interna do país? Não era a dívida externa o
aquela disparidade acadêmica: aquele que faz problema. O PT sempre se orgulhou de ter
muito e se sacrifica e aquele que faz pouco e se acabado com a dívida externa, mas esse nunca foi
sacrifica pouco. O fato é que cria um o problema. O problema sempre foi a dívida
desequilíbrio, mas no final das contas a interna. O governo do PT pagava em 2009/2010
valorização financeira e institucional é muito 44% do orçamento só com dívida interna do país,
semelhante. O REUNI a priori é uma proposta o que equivale aproximadamente a 635 bilhões de
excelente, mas do ponto de vista empírico tem reais, quase metade desse valor era de metajuros.
sido deficitário porque o governo não tem Eram os juros que o país não sabia que existia,
investido corretamente. Tem sido muito falado na mas os bancos cobravam. Os bancos determinam
mídia sobre os 10% para a educação e o PT e se não pagar eles não emprestam mais
quando foi oposição era favorável. O ministro da dinheiros, por isso que as campanhas de hoje são
educação, Aloísio Mercadante, grande defensor milionárias. Hoje parece que esse valor já chega a
da educação, e era professor universitário, lutava quase 900 bilhões, quase 50% do orçamento.
por isso e hoje ele diz que quer 8% ao invés de Então você pergunta: “o que isso tem a ver com o
10% porque não tem orçamento. Por que não tem REUNI?” Ora, se você tem quase 50% do
orçamento? O Departamento Intersindical de orçamento público comprometido com dívida
Estatísticas e Estudos Socioeconômicos para banqueiro, vai sobrar o que para educação?
(DIEESE) fez um estudo sobre a evolução do Claro que o PT vai dizer que 10% não é possível
salário mínimo no Brasil, o que desmistificou e acaba humilhando mais os professores porque o
toda essa caracterização do PT de que tudo antes atual ministro da Educação, Aloizio Mercadante,
era ruim e agora está melhor. A pesquisa revelou fez a imagem do professor mais vergonhosa do

Revista Biblioo - 29
que já era. Mercadante mostrou que professor Emília Sandrinelli: Temos utilizado na Revista
universitário só serve se tiver no mínimo Biblioo o termo a Nova Biblioteconomia. Na
doutorado. Então o professor vale o título que ele verdade foi um termo que nos apropriamos e
tem. Olha que interessante: você sabe quanto vimos pela primeira vez na Bienal do Livro do
tempo o Aloizio Mercadante demorou a fazer Rio de Janeiro de 2011, em uma mesa que fomos
mestrado e doutorado? Vinte e sete anos, sendo convidados a participar. Ela trás uma série de
12 anos para fazer o mestrado e quinze para fazer reflexões sobre a Biblioteconomia atual. Gostaria
o doutorado. Como um professor e ministro de saber a sua visão a respeito da
chega dizendo na mídia que o professor tem que Biblioteconomia que temos hoje e se existe uma
ter um doutorado, quando ele por si só não Nova Biblioteconomia, o que ela é ou o que ela
justifica nem o título que ele tem. O mais deveria ser?
interessante que ele entrou no doutorado em 1995 J. C.: Como pesquisador da etimologia da
e terminou em 2010. A tese dele era sobre o Biblioteconomia esse assunto é muito instigante.
governo Lula. De 1995 a 2003 ele ficou Particularmente não falaria em nova
brincando? Deve ter brincado de estudar, porque Biblioteconomia e sim as novas
ele passou oito anos analisando outro governo Biblioteconomias. Porque a Biblioteconomia ela
utópico. Isso mostra que o PT não valorizou a é pregada de acordo com a conveniência sócio-
educação, porque percebeu que a educação é profissional que você está inserido, ou seja, a
investimento a médio e longo prazo e isso trás Biblioteconomia do bibliotecário, do estudante de
críticos e o PT quer se manter no poder. É muito graduação, do professor e dos órgãos de classe
mais fácil investir nas bolsas. Não considero de (Conselhos, Associações e Sindicatos). Muitas
fato uma coisa ruim, mas é muito mais fácil das vezes não sabemos de fato o papel deles para
investir em um programa periodicamente compor a representação institucional. A
assistencialista do que desenvolver um programa Biblioteconomia como disciplina profissional
periodicamente construtivo intelectualmente. O surgiu com essa ênfase a partir do século XIX.
REUNI na verdade é uma espécie de programa No Brasil se destacou a partir do século XX. Ela
para ampliar porque é necessário ampliar, mas a sempre teve uma identidade antinacionalista.
qualidade não é garantida. Quem sente de fato são Teve influência francesa quando a Biblioteca
os estudantes, os professores e servidores que Nacional abriu o curso em parceria com a
estão nas universidades. A priori o REUNI é uma Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
proposta excelente, mas a prática está muito (UNIRIO). Antes era Federação das Escolas
aquém de conquistar o que se propôs. Federais Isoladas do Estado do Rio de Janeiro
(FEFIERJ) e depois a influência tecnicista dos
Estados Unidos. Por um lado teve a concepção de

Revista Biblioo - 30
necessidade de um curso superior em sério. Nosso Conselho historicamente foi
Biblioteconomia, mas por outro lado criou uma marcado por ser subserviente. Acredito que hoje
concepção de uma Biblioteconomia estagnada, ele está se libertando de uma forma mais
antes daquele bibliotecário ligado a igreja do cotidiana e hoje também temos um problema
século XVIII que era considerado um intelectual. acadêmico sério, que é a relação entre
Ele deixou de ser! o bibliotecário passou a ser Biblioteconomia e Ciência da Informação.
aquele profissional que executa atividades. Não Alguns pesquisadores estão querendo colocar que
pensava mais, era apenas arbitrado a fazer algo. a Ciência da Informação é uma evolução da
Hoje talvez seja o novo momento de construirmos Biblioteconomia e por isso a Biblioteconomia vai
de fato uma Biblioteconomia nacional. Assim se extinguir e a Ciência da Informação vai
talvez se aplique o termo nova Biblioteconomia, emergir como um campo. A nova
no sentido de uma Biblioteconomia nacionalista, Biblioteconomia na minha concepção ela não
que ufane e bata no peito dizendo: “eu sou pode ser efetivamente colocada como tal. Precisa
nacionalista!” Essa influência declaradamente definir esses números nacionalmente. Nenhuma
estrangeira não me serve mais, mas é necessário das questões se exclui. Um campo cientifico do
romper com essa influência? Não conhecimento chamado Ciência da Informação
necessariamente. É necessário reconhecer que a que compõe três disciplinas, as chamadas três
realidade nacional é uma e a realidade Marias: Biblioteconomia, Arquivologia e
estadunidense e europeia são outras. Por que digo Museologia. A Ciência da Informação é um
as novas Biblioteconomias? Porque elas são a campo do conhecimento de prática investigativa
composição de cada segmento da área? O que é de informação, enquanto a Biblioteconomia é
um novo Conselho Federal? O que é uma nova uma disciplina da Ciência da Informação. No
Associação? O que são os novos órgãos de classe Brasil é a única que se assumi como tal. A
da área? O que são os novos bibliotecários? O Arquivologia não o faz. É outro problema
que são os novos professores? E o que são os político. E a Museologia pela CAPES nem é
novos estudantes? Essa composição junta pode considerada disciplina da Ciência da Informação.
ser pensada a partir da concepção da nova Essa nova Biblioteconomia ela ainda está sendo
Biblioteconomia. Qual é o grande problema que gestada pelas gerações anteriores que lutaram e
vivemos hoje? Mesmo que esteja em um processo pelas novas gerações que estão vestindo esse
de adaptação nacional, ainda há problemas de espírito de luta. Tem um autor da área, Francisco
cunho político. Por exemplo, hoje temos um das Chagas de Souza, que já usou um pouco esse
problema de cunho político da atuação do termo nova Biblioteconomia ou modernização da
Conselho [Federal de Biblioteconomia]. Não Biblioteconomia, mas ou menos por esses
podemos negar: é um problema político muito meandros. Ele vai mostrar que a área tem que

Revista Biblioo - 31
parar com essa mentalidade de colocar a culpa conhecimento vai ocupar o lugar da
dos nossos problemas na sociedade e nos órgãos Biblioteconomia. Sinceramente não sei por que
maiores. Tem que começar assumir a nossa pensam assim. A Biblioteconomia é uma
responsabilidade no sentido de ação profissional, disciplina profissional e nunca vai precisar perder
ação social, ação acadêmica. Uma área que o espaço dela. O pessoal gosta sempre de citar o
realmente se mostre para a sociedade, porque se exemplo dos Estados Unidos, mas no Brasil a
não reconhecemos esse nosso papel, quem é que Biblioteconomia está desenvolvendo um nível de
vai reconhecer? Se nos apropriamos de uma interdisciplinaridade interessante. A Ciência da
identidade negativa que se inferioriza perante os Informação como campo do conhecimento e as
demais e como pode falar em uma nova três disciplinas profissionais. Talvez a nova
Biblioteconomia? Existe um galgar para uma Biblioteconomia seja de fato concretizada quando
nova Biblioteconomia, mas ainda é preciso ela pensar que a informação não é um elemento
qualificar mais essas relações. Qual é a relação abstrato e sim concreto. Ela está no mendigo da
política entre os órgãos de classe e os cursos de esquina, no motorista de ônibus, no comerciante,
Biblioteconomia? Quais são as relações no empresário, ou seja, a Biblioteconomia é uma
acadêmicas entre a Ciência da Informação e a profissão que precisa entender a necessidade de
Biblioteconomia? Sabemos que ainda não temos acesso à informação.
um grande número de pós-graduação em Ciência
da Informação. Ainda há a concepção que a .
Ciência da Informação enquanto campo do

Rodolfo Targino (Che) é Editor Adjunto da Revista Biblioo.

EMILIA SANDRINELLI é editora executiva da Revista Biblioo.

CHICO DE PAULA é editor-chefe da Revista Biblioo.

Revista Biblioo - 32
Revista Biblioo - 33
COLUNA DO
AGULHA
Não é no livro dela que quero me focar. E sim, que
existem inúmeros outros livros capazes de
Agulha3al é um boneco de retalhos. Costurado por despertar a capacidade multiorgástica com alguns
sinestesia de leituras, vivências, olhares, toques e parágrafos, obras essas muito mais interessantes e
distração. Tão distraído que esquece de pessoas excitantes.
que foi apresentado ontem... esquece objetos,
lugares, e na maioria das vezes até como deve agir
Assunto tabu, o sexo sempre foi! Contudo sexo ao
corretamente... A maior contradição é ser Anthony
mesmo tempo é informação e liberdade. Então
Lessa, e ainda atende pelo apelido de José
porque não, uma sessão de literatura erótica nas
Antonio, Zé e Toinho.
bibliotecas?

Um bom livro erótico não precisa ser


EROTISMO E A ORGIA DAS exclusivamente voltado para agradar os

PALAVRAS adolescentes que nunca saem do banheiro. Na


verdade, a boa pornografia consegue provocar o
PORQUE NÃO UMA SESSÃO DE LITERATURA ERÓTICA
desejo com suas narrativas, geralmente, mais
NAS BIBLIOTECAS?
explícitas e diretas. A escrita erótica sem
eufemismos e floreios, às vezes assusta os leitores
menos habituados a esse tipo de leitura, porém
Aproveitando o tema do Carnaval e a explosão de
depois de alguns capítulos deixa de incomodar e
cinzas na literatura brasileira, escrevi o texto desse
passa a desencadear reações bem diferentes. O
mês.
novo vocabulário pode até ajudar no repertório de
sacanagens para usar durante o ato, que nem
Antes, um aviso: não li Cinquenta tons de cinza!
sempre sai com facilidade da boca de algumas
Não lerei e não considero aquilo como literatura
pessoas.
erótica. De início tive interesse, depois refletindo
sobre, enterrei a vontade. Talvez porque os livros
Ler pornografia, de preferência a de boa qualidade,
sexualizados escritos pela balzaquiana britânica
ajuda a estimular a libido e as fantasias. O erotismo
estejam mais para ki-suco adoçado com contos de
muitas vezes sofre preconceito até dentro do
fadas do que para literatura erótica para gente
relacionamento. Namoradas e esposas falando que
grande, de tão rala que é. Considero a relação entre
não precisam disso, ficantes, maridos, amantes,
as personagens extremamente abusiva e me assusto
namorados e afins inseguros com o que esse tipo
quando em colóquios, outros não percebam.
de leitura pode provocar na mulher.

Revista Biblioo - 34
diferenças claras. A autora vai na contramão dessa
Incentivar esse tipo de literatura não é dar um tiro história e mostra que é possível que mulheres (ela)
no pé! A mulher e o homem até podem (e devem) façam sexo por sexo e narra de maneira
querer gozar sozinhos, livres para se encaixar na “extremamente honesta” suas mais variadas
história como bem entendem. Certamente vai experiências sexuais de forma crua e libertária.
sobrar fome e desejo para completar a leitura até o Catherine Millet se entrega ao sexo sem restrições,
final, juntos! com homens, mulheres, travestis, feios, sujos, a
dois, a três, a quatro, a muitos, deixando-se levar
Então nesse clima de carnaval, como uma oferta sem resistência. A francesa não economiza
para Baco separei alguns livros, de diversas épocas detalhes na descrição de suas experiências
e estilos, de literatura erótica para valer, sem transgressoras.
muitos disfarces. São obras bem diferentes, assim
pretendo agradar a todos os paladares.
Pornopopeia,
de Reinaldo Morais.
Pequenos pássaros Bom humor sempre ajuda no sexo.
de Anais Nïn. Zeca é um cineasta marginal que,
Anais Nïn, nascida na França, foi sem dinheiro, se mete em um rolo atrás do outro. A
uma vanguardista do feminismo e linguagem é original e repleta de neologismos
da revolução sexual. Os contos engraçados. O enredo que mistura caos, bebedeira,
eróticos foram escritos na década de 1940, mas o drogas e mulheres. Não por acaso, lembra
livro somente foi publicado na década de 1970, Bukowski.
depois da morte da autora. Anais foi amante do
escritor Henry Miller e retratou com detalhes a sua
vida dupla em diários, editados somente após a A Casa dos Budas Ditosos
morte de seu marido. Seus textos retratam bastante (Luxúria)
o perfil da mulher da época, cheia de desejos e de João Ubaldo Ribeiro.
repressões. É a transcrição de fitas entregues
anonimamente com os
originais relatos de CLB, uma senhora de 68 anos,
A vida sexual de Catherine M.
nascida na Bahia, mas moradora do Rio de Janeiro,
de Catherine Millet
que viveu o sexo pelo prazer sem nenhum tabu ou
Homem x Mulher. Sexo x Amor.
culpa. De tão obscena, a velhinha quase parece um
Crescemos acreditando nas
homem, mas é incrivelmente divertida e excitante

Revista Biblioo - 35
do mesmo jeito. Para ela, tudo é natural no sexo e submissos. E isso porque ao longo da história O –
as taras mais escabrosas, incluindo o incesto, são uma fotógrafa de moda parisiense - é dominada,
descritas em um só fôlego, sem máscaras nem vendada, humilhada, acorrentada, marcada e ainda
preliminares (entre elas: menor seduzindo um por cima é treinada para ser uma verdadeira
adulto, incesto, sexo com garotos de programa, o escrava sexual.
casamento com um bissexual, surubas com
religiosos…) nos leva à reflexão sobre temas tabus
relacionados à sexualidade. E por ultimo o livro do nosso adorável poeta:

O amor natural
A Filosofia na Alcova de Carlos Drummond de
de Marquês de Sade. Andrade
Difícil escolher apenas um livro na O livro de poemas pornográficos,
obra do Marquês de Sade. Se for lançado em 1992, choque entre as
para indicar um, nada melhor que mocinhas e senhores desavisado, expõe contornos
este. Imagine uma apologia à liberdade individual, radicais do poeta. Há um desfile pelas páginas,
levando o conceito a um ponto tão extremo, onde uma galeria recheada de vulvas, línguas, falos,
qualquer crime ou pecado pode ser justificável com lambidas, pelos... O que mais houvesse para haver
base no prazer. Publicado em 1795, esse romance na cama entre homens e mulheres, está lá. “Mas
na forma de diálogos faz a maior parte dos livros como pode? Aquele velhinho que escrevia sobre
eróticos de hoje parecer literatura infantil. Em meio pedras no caminho...? Tarado!”
a orgias com intuito de educar sexualmente uma
jovem, o autor critica os costumes burgueses e a
religião. E desdenha de toda e qualquer restrição “Oh! Sejamos pornográficos
social.
(docemente pornográficos).

Por que seremos mais castos

História de O. Que o nosso avô português?”


de Pauline Reage.
Eis um clássico da literatura
sadomasoquista. Não conheço uma
submissa que não se derreta diante
da História de O. Aliás, este livro está para as
submissas assim como a “Vênus das peles” para os

Revista Biblioo - 36
ESTUDOS DE USUÁRIOS DA COLUNA DO
JONATHAS CARVALHO
INFORMAÇÃO
PERSPECTIVAS NO ÂMBITO DO PARADIGMA SOCIAL DA
CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO Jonathas Carvalho é professor do curso de
Biblioteconomia da Universidade Federal do
É muito comum o uso do termo ‘estudos de Ceará - Campus Cariri. Mestre em Ciência da
usuários da informação’ e ‘usuários da informação’ Informação pela UFPB. Doutorando em Ciência
a partir da década de 1940, especialmente no que da Informação pela UFBA. Atua nos seguintes
segmentos: epistemologia e pesquisa em
toca a realização da Royal Society Conference que
Biblioteconomia e Ciência da Informação;
abre os caminhos para o advento da Ciência da
mediação e estudos de usuários da informação;
informação. Logo, é possível afirmar que a
bibliotecas escolares, comunitárias e públicas;
institucionalização dos estudos de usuários da
fundamentos sociais, políticos, éticos e
informação enquanto linha de pesquisa está
profissionais aplicadas a Biblioteconomia.
intrinsecamente ligada ao surgimento da Ciência da
Informação. Estudos quantitativos e
qualitativos
Porém, é na década de 1960 que os estudos de
usuários começam a ganhar destaque mais efetivo.
Os estudos quantitativos, embora padeçam de
Historicamente há um conjunto de categorias ou
muitas críticas, ainda são razoavelmente utilizados
divisões que definem os estudos de usuários, a
em pesquisas e práticas profissionais, visando
saber: a primeira é referente ao tipo de estudo que
saber sobre o uso (ou a frequência de uso) do
pode ser centrado no centro/sistema de informação
acervo (ou parte dele) de um centro de informação,
(como os centros de informação são utilizados,
assim como sobre a facilidade do uso do acervo e
planejados ou avaliados) ou no usuário
ainda sobre a possibilidade de planejamento das
propriamente dito (como os usuários buscam, usam
ações e serviços do centro de informação.
e constroem informação visando satisfazer suas
necessidades); a segunda é relativa a natureza do
Já os estudos qualitativos se inserem em uma
estudo que pode ser quantitativa ou qualitativa
perspectiva marcadamente voltada para o
salientando ser muito comum o discurso temporal
paradigma cognitivo que busca conceber
dos estudos quantitativos entre as décadas de
estratégias para satisfação das necessidades de
1960/80 e os estudos qualitativos a partir da década
informação. É a partir da década de 1980 que os
de 1980 até os dias atuais.

Revista Biblioo - 37
estudos qualitativos se destacam a partir da criação informação; avaliação dos serviços de informação;
de metodologias, tais como: planejamento das ações e serviços do centro de
informação; satisfação dos usuários da informação;
- modelo de informação com valor agregado de avaliação e uso do acervo.
Taylor: os processos de seleção, análise e
julgamento podem transformar um dado em Contudo, um dos desafios mais relevantes dos
informação útil. Essa informação poderá ser estudos de usuários da informação é desenvolver a
empregada para esclarecer, informar e contribuir perspectiva do paradigma social da Ciência da
em relação ao crescimento pessoal, cultural e afetar Informação, visando constituir novas perspectivas
as decisões e ações pessoais do usuário de um para o acesso, uso e apropriação da informação.
sistema de informação; Acredito que o grande fundamento dos estudos de
- Sense Making de Brenda Dervin: se ocupa da usuários da informação está centrado na autonomia
necessidade de fazer sentido sobre determinadas dos usuários entendendo essa autonomia a partir de
ações e práticas da vida a partir de práticas um usuário consciente de suas perspectivas e de
cognitivas de interpretação dos problemas, uma prática que estimule o usuário de forma
estratégias para solução de problemas e construção dialógica e não prime por um construto arbitrário,
de conhecimentos e como reiniciar as impositivo e negociador, já que é o usuário o
possibilidades para solução de novos problemas; elemento ontológico que vai estabelecer a
- Modelo de Kuhlthau: observação do processo da informação quando de sua apropriação.
busca da informação prevê etapas como o início Desse modo, apresento algumas atribuições dos
(acontece quando o usuário sente a falta de uma estudos de usuários da informação, visando pensá-
informação para a solução de um problema), los no âmbito do paradigma social:
seleção (o usuário seleciona a informação mais
relevante para resolver seu problema, nesta fase os a) o estudo de usuário deve incentivar ao usuário
sentimentos de incerteza e otimismo são comuns), da informação escolhas em diversos contextos do
exploração (estratégias para lidar com as incertezas uso da informação (acervo e serviços oferecidos,
e os problemas enfrentados) e formulação (os assim como as formas/suportes de utilização);
sentimentos de incerteza diminuem e a
compreensão aumenta, ficando mais clara a b) o estudo de usuário não precisa ser
resposta para questão inicial). necessariamente formal (questionário, entrevista,
grupo focal, técnica de Delfos, técnica do incidente
Em suma, diante das categorias apresentadas é crítico, entre outras), mas deve primar pelo diálogo
possível definir algumas finalidades dos estudos de constante com os usuários, assim como pela
usuários: identificação de necessidades de observação das atitudes dos usuários;

Revista Biblioo - 38
centros e espaços culturais, salas de exposições,
c) o estudo de usuários deve ter como um dos galerias de arte, estádios, órgãos ligados ao
pontos centrais a preocupação em trabalhar esporte); utilidade pública (assistência social ao
assuntos do cotidiano dos usuários, visando afirmar menor, à mulher, ao idoso e etc., associações,
o centro de informação como instrumento do dia-a- assistência legal, juizados, tribunais, prisões,
dia do usuário. Em outras palavras, os estudos de serviço de assistência gratuita, projetos públicos,
usuários no contexto do paradigma social serviços públicos de pagamento como gás, luz,
apresentam uma tarefa árdua na transformação de água, telefone, etc., sindicatos, como tirar
não-usuários/usuários potenciais (parecem ser a documentos de identidade, CPF, título de eleitor e
maioria na realidade brasileira) em usuários outros, segurança, telefones úteis como bombeiros,
efetivos; emergências, polícia, imprensa local); Trabalho
(agências de emprego e estágios, oportunidades de
d) como complemento do ponto anterior, é empregos, cursos e eventos de qualificação
pertinente observar que o centro de informação tem profissional, etc.), além de outros assuntos
funções muito relevantes de acesso à informação, referentes à realidade cotidiana dos usuários.
especialmente que contemplam o incentivo a
construção do conhecimento. Todavia, essas Finalmente, observo que os estudos de usuários da
funções parecem ser muito estanques, de modo que informação demandam com urgência um novo
há a necessidade do desenvolvimento de estratégias olhar voltado para a transformação social dando
para atrair o usuário, assim como não autonomia para o usuário da informação
necessariamente os serviços oferecidos se adéquam definir/decidir aquilo que considerar pertinente,
as necessidades dos usuários. Desse modo, o centro pois os estudos de usuários da informação no
de informação precisa desenvolver atividades que âmbito do paradigma social buscam transfigurar o
façam parte do cotidiano do usuário, atraindo-o e centro de informação em múltiplos contextos,
estabelecendo diálogos e construções coletivas e espaços e suportes a fim de que esteja inserido no
plurais, como questões de saúde (informações cotidiano geral dos usuários e não apenas seja um
sobre saúde pública, higiene, prevenção de espaço formal em que os usuários visitem por
doenças, exercícios físicos, além de informações formalidade, exigência ou atividade turística. Sem
sobre hospitais públicos, particulares, postos de dúvidas, a dinâmica do paradigma social é o
saúde, ambulâncias, farmácia popular, farmácias grande desafio dos centros de informação, sendo os
particulares, laboratórios, SUS, clínicas, unidades estudos de usuários um grande instrumento para
sanitárias, academias populares, academias enfrentamento e construção de sentidos desse
particulares, etc.); Cultura e lazer (agenda cultural, desafio.
calendário de eventos, cinemas, teatros, museus,

Revista Biblioo - 39
COLUNA DA 2013, esperamos o anúncio que deveria vir da
SORAIA MAGALHÃES Secretária de Cultura. Não houve anúncio,
tampouco uma satisfação providencial para aplacar
Soraia Magalhães nasceu em Manaus, Amazonas. a ansiedade daqueles que aguardavam desde 2010
Mestra em Sociedade e Cultura na Amazônia. pela reabertura e que já não acreditavam mais em
Participa do Núcleo de Estudos e Pesquisas das
datas que não se cumpriam.
Cidades na Amazônia Brasileira (NEPECAB). É
Bibliotecária voluntária do Instituto Ler para
Crescer e editora do Blog Caçadores de
Bibliotecas.

SABOR DE UM SONHO REALIZADO


A BIBLIOTECA PÚBLICA DO AMAZONAS REABRE SUAS
PORTAS
Escadarias da Biblioteca Pública do Amazonas – foto por
Soraia Magalhães

Abriu!!! A tão esperada e reivindicada Biblioteca


O certo é que abriu, discretamente, sem alarde, sem
Pública do Estado do Amazonas finalmente abriu
fogos e sem contar com os apaixonados pelos
suas portas e trouxe para todos os que estiverem
espaços da cidade que com certeza se houvessem
envolvidos direta ou indiretamente, o gosto pela
tomado conhecimento, teriam feito todo o possível
conquista.
para estar presente na hora oficial da reabertura.
Creio que o governo perdeu a oportunidade de
O acontecimento se deu no dia 31 de janeiro de
fazer algo bonito e as claras como devem ser as
2013 e de forma quase inaudível, pegou a todos de
ações que envolvem serviços e recursos públicos.
surpresa, inclusive nós do Movimento Abre
Biblioteca. Contudo, foi tão positivo saber que a
Quanto a nós, do Abre Biblioteca, se por acaso
espera pela reabertura havia acabado que
tivéssemos sido convidados para a reinauguração
dificilmente conseguiremos expressar em palavras.
do espaço, teríamos valorizado em muito o
momento que repercutiria de forma muito mais
Havia uma promessa feita por Omar Aziz,
favorável do que uma entrega feita às escondidas.
governador do estado do Amazonas, de que em até
janeiro de 2013, a Biblioteca seria entregue
Pensando sobre a opção do governo em nos colocar
novamente à sociedade. Durante todo o mês de
de fora nesse momento tão oportuno, lembrei do
dezembro de 2012 e até meados de janeiro de
livro O direito à cidade de Henry Lefebvre (1991,

Revista Biblioo - 40
p. 135), especificamente da passagem em que o ruas da cidade de Manaus e até outras localidades.
autor aponta que: Em alguns meses já havíamos extrapolado
O direito a cidade se manifesta como forma fronteiras e íamos tocando a sensibilidade de
superior dos direitos: direito à liberdade, à muitos que ao seu modo torceram e contribuíram
individualização na socialização, ao habitat e ao pela reabertura da Biblioteca Pública do
habitar. O direito à obra (à atividade Amazonas.
participante) e o direito à apropriação (bem
distinto do direito à propriedade...) Ao longo de dez meses, várias ações e
providências foram tomadas visando instigar a
Lefebvre, em seus estudos, aponta problemas que visibilidade para o problema da Biblioteca fechada.
envolvem sociedades urbanas e seus conflitos. Se A primeira medida foi à criação de uma marca para
lembro dele enquanto escrevo esse artigo é por a campanha, seguida de uma petição pública que
pensar no quanto nosso direito ao uso do espaço e teve a participação do total de 2.686 assinaturas em
dos recursos e serviços da Biblioteca Pública do formatos online e impresso, com adesão de
Amazonas nos foi negado, assim como também o assinaturas de vários estados e até de outros países.
foi, o direito de comemorar seu retorno ao nosso A veiculação nas redes sociais de pessoas que
convívio. cederam sua imagem posando com o cartaz ou a
camisa do Movimento fez toda a diferença. Dentre
as mobilizações de rua realizadas podemos
O Movimento Abre Biblioteca destacar:

Nascido em abril de 2012, o Abre Biblioteca, foi


idealizado objetivando atrair a atenção da opinião
pública para as perdas que a cidade de Manaus
estava sofrendo com a elevada demora na
concretização das obras de reforma do edifício,
fechado desde 2007.

O movimento foi iniciado a partir de uma reunião


com um grupo restrito formado por Thiago O abraço ao prédio da Biblioteca Pública do Amazonas - foto
Sebastião Alves
Siqueira, Katty Anne Nunes, Evany Nascimento,
Gutemberg Praia, José Bustamante e eu. Em 1. O Abraço: ação simbólica que envolveu um
poucos dias conseguimos fazer um trabalho de abraço ao prédio da Biblioteca Pública do
mobilização tantos nas redes sociais, quanto nas Amazonas e que contou com mais de 100 pessoas

Revista Biblioo - 41
que ecoavam palavras de ordem pedindo a cinquenta pessoas, que chamaram a atenção do
reabertura da Biblioteca pelas ruas do Centro governador do estado, num grito que expressava o
histórico de Manaus; desejo pela reabertura da Biblioteca Pública do
Amazonas.
2. Biblioteca na rua: teve por fim disponibilizar
aos transeuntes atividades culturais e ações de
incentivo à leitura. Consistiu numa manhã inteira
oferecendo livros, jornais e revistas. Foram
realizados também lançamentos de livros,
abordagens poéticas e outros. A ação aconteceu em
frente ao prédio fechado da Biblioteca;

O grito - a guarda militar e os integrantes do ABRE


BIBLIOTECA – Foto por Peter Janzon

As ações do Abre Biblioteca podem ser


consideradas expressões de movimentos populares
urbanos e com uma significação relevante por ter
reunido de forma ampla profissionais das áreas de
informação e cultura do país. A viabilização desse
Grafiteiros fazem arte pedindo o abertura da biblioteca - trabalho obteve alcance considerável graças aos
Foto por Evany Nascimento
avanços da tecnologia e a adesão cada vez maior
3. Mural Abre Biblioteca: o objetivo foi criar uma de pessoas às redes sociais.
aproximação dos artistas de rua com a causa e para
tal convidamos dois grafiteiros para criarem uma
arte voltada para o incentivo à leitura no tapume A Biblioteca Pública Estadual do
que segregava a população do acesso ao espaço da Amazonas
Biblioteca;
A Biblioteca Pública do Amazonas remonta o ano
4. O Grito: última ação de rua realizada pelo Abre de 1870 e passou por vários espaços da cidade até
Biblioteca que aconteceu no dia 2 de dezembro de ser definitivamente instalada em prédio próprio em
2012, durante a reinauguração da Praça do 1910. A construção do edifício reflete um período
Congresso em Manaus. Contou com cerca de em que o Amazonas vivia uma fase de privilegiada

Revista Biblioo - 42
posição na economia brasileira graças às excelentes acessibilidade motora e aparatos tecnológicos de
receitas obtidas com a comercialização da leitura.
borracha.
Um aspecto que deve ser ressaltado foi à ampliação
do horário de atendimento. A Biblioteca agora
funciona de segunda à sexta, das 8h às 20h, e aos
sábados, de 8h às 14h. Entre os serviços
oferecidos, constam consulta local e empréstimo
domiciliar e registro de direitos autorais.

Biblioteca Pública do Amazonas

Foi construído em estilo neoclássico, com escadas


originárias da Escócia, bem como outros aparatos
arquitetônicos da Inglaterra. Possui dois pisos que
estão divididos em quatro salões. O prédio passou
Uma das alas da Biblioteca Púbica do Amazonas - Foto
por um incêndio em 1945 e grande parte do seu Soraia Magalhães

acervo foi consumido pelas chamas, mas através de


Tem chamado bastante atenção dos jovens os 38
doações feitas por moradores da cidade de Manaus,
computadores com acesso a internet que funcionam
o acervo foi novamente ampliado.
em espaço agradável e climatizado. Contudo,
observei que seria ideal que esse setor contasse
Durante anos, o prédio da Biblioteca foi ponto de
com a presença de um bibliotecário que pudesse
encontro de estudiosos, escritores, pesquisadores,
interceder de forma interpessoal, apresentando
estudantes e transeuntes que viam o local como
outros mecanismos informacionais para motivação
espaço de referência da cultura da cidade, até ser
da leitura dessa clientela.
fechado para reforma em 2007.

Reinaugurado no dia 31 de janeiro de 2013, o


Abre Biblioteca... Brasil
prédio passou por várias adaptações para
atendimento a pessoas portadoras de deficiências,
Infelizmente existem outras bibliotecas públicas no
tendo sido instalados equipamentos de
Brasil com suas portas fechadas. Um dos casos
mais graves é a Biblioteca Pública Estadual

Revista Biblioo - 43
Benedito Leite, do Maranhão, que passa há anos Uma vitória coletiva
por reforma e assim como aconteceu no Amazonas,
à população vive a expectativa de datas para a Após quase 10 meses de trabalho intenso por meio
reabertura que não são cumpridas. Também a do Movimento Abre Biblioteca, envolvendo
Biblioteca Pública do Estado do Rio de Janeiro está mobilizações nas redes sociais, manifestações nas
passando por reformas. Em dezembro de 2012, ruas, produções e imagens com participação
anunciou sua reabertura, mas não conseguiu popular de inúmeras pessoas de cidades do Brasil e
cumprir o prazo. outros países, o que podemos perceber é que o
tema biblioteca ainda comove e sensibiliza. Mas é
Sei ainda que a Biblioteca Pública Estadual do Rio oportuno repensar modelos e ampliar as discussões
Grande do Sul também está em obras desde 2009, sobre o sentido da existência das bibliotecas
mas adotou uma medida interessante para públicas para o desenvolvimento das cidades e seu
minimizar os danos, pois oferece a possibilidade de papel no auxílio à formação dos cidadãos.
visitas guiadas para acompanhamento do restauro
do prédio. Aproveito para agradecer a todos que contribuíram
ao seu modo, seja assinando a petição pública,
Em 2011 estive em Alagoas e vi que a Biblioteca cedendo sua imagem, todas as curtidas,
Pública do Estado de Maceió também fechou suas comentários e compartilhamentos no Facebook,
portas para uma reforma iniciada em 2010. Ainda bem como toda a energia positiva emanada. Essa
não reabriu... vitória é de todos nós!

Soube que a Biblioteca Pública Estadual de


Rondônia também já não atua e alguém me falou
que a de Biblioteca Pública de Câmara Cascudo,
no Rio Grande do Norte, também não. Mas essas
não posso afirmar. Fica, porém, aqui o registro e
desde já deixo claro que ficarei feliz se alguém, por
ventura, apontar que estou cometendo um engano e
que essas bibliotecas estão em pleno
funcionamento.

Revista Biblioo - 44
COLUNA DA
O USO INDEVIDO DO NOME ALHEIO CLÁUDIO RODRIGUES
A AUTORIDADE DO AUTOR E O AUTOR ANÔNIMO EM
QUESTÃO Cláudio Rodrigues é maranhense e mora no Rio
de Janeiro. Mestre e doutor em Teoria Literária,
Odeio autor desconhecido. Odeio mesmo. Não
dá aulas para a EJA; escreveu os livros Um rei que
estou me referindo àquele desconhecido porque a
virou lenda (2009), Cirandeira do Menino-Deus
mídia e o mercado editorial não o viram ou não
(2009), e O encontro do Corvo inglês com o
querem vê-lo. Não é esse desconhecido que é
Urubu brasileiro na terra do sol inclemente (2012),
objeto da minha crônica ferina e, quem sabe,
geralmente colocados na prateleira dos
ferida. Odeio o desconhecido que tenta manter-se
infantojuvenis, mas voltados para o leitor de todas
desconhecido a qualquer custo. Que não se as idades.
compromete com o que escreve, seja poesia barata,
seja crônica infeliz de autoajuda, seja um relato de
uma mente que se pretende espiritualizada, seja o ao extremo, piegas, coisa que nada tem a ver com a
diabo. Odeio esse autor que, para ter um texto lido
grandeza dela. Do mesmo modo, vejo Shakespeare
pela grande massa incapaz de pesquisar origens,
falando como ser feliz, como amar e transcender,
usa criminosamente o nome de outro autor famoso.
E o texto ganha dimensões, se agiganta, se como ser paspalhão em nome do amor. Ainda vejo

desdobra e passa a frequentar inclusive escolas, um Drummond tão meloso, dando conselhos
num desserviço ao pensamento reflexivo. moralizantes para a felicidade geral da nação

(danação) neoleitora. Vejo Bob Marley falando de


Odeio esse imbecil que não se apresenta com
vida como se fora um adolescente. Vejo,
autoridade. Que promove a deturpação da
literatura, ainda que eu não concorde com os igualmente, um Mário Quintana quase como um

termos “alta” e “baixa” literatura. Estou falando de pregador das verdades celestes dizendo o que
valores ou contra-valores disseminados num devemos ou não fazer para ganhar a vida eterna.
ingênuo texto anônimo que recebe a patente de
Vejo Sócrates, Platão e Aristóteles – meu pai –
autores consagrados. Infelizmente poucos leitores
dizendo frase tão ao gosto da contemporaneidade
têm a competência para perceber que há algo de
muito errôneo no estilo desses textos, não que mais parecem idiotas falando de sentimentos

combinando absolutamente com sua “falsa” (aliás, a palavra idiota deriva do grego idiotés, que
autoria. De repente, vejo uma Clarice Lispector nada mais era que aquele que se preocupava com
dando conselhos chulos para os amantes,
suas próprias coisas, ou seja, alguém que estava na
apresentando-se como uma alma caridosa, religiosa

Revista Biblioo - 45
esfera do privado, por oposição ao polités, aquele alheio em busca de uma promoção. Os escritores e

que contribuía para o todo). O autor desconhecido poetas difamados devem se remoer na sua tumba e,

é o idiota no sentido pejorativo, aquele que se como não podem voltar para punir o autor

mantém no privado (ou na privada) como pessoa, desconhecido, devem esperá-los não sei onde para

mas exibe seu texto de mau gosto usando como o ajuste de contas. Ainda tem um tal de “autor

marca um autor conhecido. anônimo” obscurecido propositalmente para ficar

no limbo da segurança, enquanto destila seu

Odeio esse autor desconhecido porque ele é venenoso palavrório. “Ah, mas existem qualidades

covarde e não assume sua condição de autor em alguns desses textos” - você pode me dizer.

desconhecido; porque quer a qualquer preço (a Tudo bem, não queimo todos, mas que sejam lidos

custo da desonra alheia) disseminar suas com desconfiança, não como certezas; que sejam

convicções, obrigando os outros a ler seus textos, lidos no justíssimo lugar deles: a zona

confundindo aqueles que não tiveram ainda o desconhecida, o anonimato proposital, o

acesso a uma literatura de qualidade. Odeio esse problemático limbo dos inconsequentes. A senda

autor desconhecido porque é desonesto, dos sem coragem de assumir o que escrevem,

egocêntrico e virulento (nem vou explicar esses sejam textos bons ou ruins.

adjetivos todos). Repito, o autor desconhecido usa

os nomes dos autores conhecidos, geralmente Disse que odeio o autor desconhecido que usa

mortos, que não podem defender-se da calúnia de máscara de um conhecido. Odeio, mas não vou

textos mal escritos, mal digeridos, mal lutar para que ele seja disseminado. Não. Apenas

intencionados. Psicologia barata para quem não vou estudar literatura, ler os autores nos seus

pode pagar psicólogo. Ou então poesia inútil, que devidos lugares, o livro, para não aceitar seu usado

não chega ao inferno nem sobe aos céus, por gente inescrupulosa que não assume o que

simplesmente porque não tem asas nem pernas. escreve.

Sou a favor da democracia, inclusive na escrita e

na leitura. Escrevam e leiam o que quiserem, mas

sou terminantemente contra o roubo do nome

Revista Biblioo - 46
COLUNA DA
JANDA MONTENEGRO
A BATALHA DO APOCALIPSE
Janda Montenegro é carioca e trabalha como

O ROMANCE DE EDUARDO SPOHR É UMA DESSAS coordenadora numa empresa de traduções.


OBRAS QUE MARCAM PARA SEMPRE OS RUMOS DAS Formada em Letras pela UFRJ e pós-graduada em
ESCRITAS QUE SEGUIREM DEPOIS produção editorial, é produtora, idealizadora e
mediadora do projeto "Nós, Autores" em parceira

Existem livros e livros. Há aqueles que são puro com a Saraiva e autora dos livros "Antes do 174"
(ed. Íbis Libris, 2010), "O Incrível Mundo do
entretenimento e aqueles que são puro conteúdo.
Senhor da Chuva" (ed. Vermelho Marinho, 2011)
Há que se dosar ambos na mesma medida e Spohr e do conto "Outras onomatopeias", publicado na
o consegue. Este livro não é um mero livro, coletânea "Geração Subzero" (ed. Record, 2012).
Em 2011 foi indicada ao prêmio Codex de Ouro
tampouco um mero fenômeno editorial. É um título
na categoria Melhor Autora.
que marca esse início de década e que tem tudo

para ser a grande alavanca do mercado editorial

brasileiro. A Batalha do Apocalipse (ABdA) é uma


enquanto o autor dedica-se em tornar coerente
obra, uma grande referência, dessas que marcam
fatos obscuros da história da humanidade, de modo
para sempre os rumos das escritas que seguirem
que os leitores (estas criaturas desconfiadas e
depois. E digo isso sem medo ou puxa-saquismo,
questionadoras) se sentirão mais à vontade nesta de
pois tenho total consciência de que a partir de
“aprender errado”, ao contrário, isso vira um
ABdA o mercado editorial brasileiro será forçado a
estímulo para que o leitor busque a real fonte, os
entender que existe um grande potencial em nossos
trechos bíblicos, os fatos históricos, e os compare
autores e que tudo o que eles precisam é serem
com a trama – e, assim, acaba estudando e
acreditados. Não é pedir muito.
aprendendo.

É importante ressaltar que ABdA não é um livro


Há partes na trama em que é mais fácil acreditar na
religioso e nem pretende sê-lo. Qualquer analogia
proposta de Spohr do que na versão apresentada na
nesse sentido é mero descaso e desentendimento da
Bíblia, uma vez que esta não se preocupa em ser
parte do leitor. Se você chegou a essa conclusão,
coerente ou explicar as coisas na ordem lógica,
recomendo a releitura. O fato de utilizar elementos
apenas apresentar os fatos e suas consequências,
comuns às religiões (personagens, nomes, lugares,

Revista Biblioo - 47
fatos) não significa que o autor esteja fazendo uma absurdo. São seiscentas páginas fáceis de ler e

recriação dos fatos históricos, mas sim difíceis de abandonar.

ficcionalizando em cima destes. E a ficção, meus

caros, é livre e inerente ao ser humano. Mas chega a hora e preciso deixar Ablon e os

outros seguirem em frente. O que há de melhor fica

Ponto alto da jornada é a parte da Babilônia. em quem leu.

Narrativa extenuante, dessas que não te deixam

dormir até terminar!

Tal título deveria ser adotado em escolas. Por um

lado, seria muito mais fácil aos estudantes

acompanhar a trajetória da humanidade através dos

séculos através das aventuras de Ablon, que

acompanha o mundo desde sua criação. Por outro,

facilitaria em muito o gosto pela leitura dos jovens,

que se identificam muito mais rápido por esse tipo

de narrativa e, a partir daí, pulariam para outros

gêneros literários.

Spohr criou personagens fortes e corajosos, mas Título: A Batalha do

com características humanas, ainda que anjos. Por Apocalipse

isso os amamos e torcemos por eles. Até mesmo os Autor: Eduardo Spohr

vilões são passíveis de compaixão. Não existe uma Edição: 2

página, um parágrafo, uma linha escrita por Spohr Editora: Verus

que você não perceba sua preocupação em tornar ISBN: 9788576861041

sua obra perfeita. Tudo foi calculado e cuidado Ano: 2010

como um verdadeiro tesouro e com um carinho Páginas:647

Revista Biblioo - 48
COLUNA DA
CÁSSIA FURTADO
BIBLIOTECA ESCOLAR E
INTERCULTURALIDADE Cassia Furtado possui graduação em
RECOMENDAÇÕES DOS ORGANISMOS Biblioteconomia e em Comunicação Social pela
INTERNACIONAIS Universidade Federal do Maranhão,
Especialização em Usuário, na Universidade
A temática da interculturalidade tem sido uma Federal de Paraíba, Mestrado em Ciências da
preocupação corrente das organizações Informação pela Universidade de Brasília,
internacionais, de tal modo que, a Organização das participante do Programa Doutoral em Informação
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a e Comunicação em Plataformas Digitais, da
Cultura (UNESCO), em 2001, publicou o Relatório Universidade de Aveiro e Universidade do Porto,
Mundial da UNESCO: investir na diversidade em Portugal. Atualmente é Professor Adjunto da
cultural e no diálogo intercultural, com objetivo de Universidade Federal do Maranhão. Tem

analisar a diversidade cultural em todas as suas experiência na área de Educação, com ênfase em
Biblioteca Escolar. Linhas de pesquisa: leitura ,
facetas; mostrar a importância da diversidade
literacias, tecnologias da informação, web 2.0,
cultural nos diferentes domínios de intervenção
redes sociais, biblioteca 2.0 e Portal Biblon.
(línguas, educação, comunicação e criatividade) e
convencer os gestores públicos e as diferentes
No referido documento, a diversidade cultural,
partes intervenientes sobre a importância em
sinônimo de multiculturalismo, é definida
investir na diversidade cultural como dimensão
como a coexistência e interação harmoniosa de
essencial do diálogo intercultural.
diferentes culturas. O documento atribui que
todos os tipos de bibliotecas devem: “[...]
Acompanhando o exemplo, o Conselho da
International Federation of Library Associations refletir, apoiar e promover a diversidade

(IFLA) aprovou em agosto de 2006, o cultural e linguística a nível local, nacional e


Multicultural Library Manifesto, que em 2008, foi internacional, e, portanto, trabalhar para o
endossado pelo Conselho Intergovernamental de diálogo intercultural e a cidadania ativa”.
Informação para Todos - IFAP, da UNESCO. O
documento integra a coleção de diretrizes que Por uma biblioteca multicultural
norteiam as bibliotecas em todo o mundo e
completa o Manifesto da IFLA / UNESCO sobre Dentre as missões atribuídas à biblioteca
Biblioteca Pública, o Manifesto IFLA/UNESCO da
multicultural, estabelecidas pela IFLA,
Biblioteca Escolar e o Manifesto sobre Internet da
destaca-se: incentivar e respeitar a língua
IFLA.
materna; salvaguardar o patrimônio linguístico

Revista Biblioo - 49
e cultural; dar suporte para a criação de consideradas relevantes para estudos sobre a
expressão e difusão em todas as línguas e língua como vetor e transmissor da cultura.
apoiar o intercâmbio de conhecimento e as
melhores práticas em relação ao pluralismo A responsabilidade da biblioteca escolar
cultural.
Assim sendo, os dados acima devem pontuar as
Refletindo a preocupação com a temática, a ações da biblioteca multicultural, no seu papel
Seção Library Services to Multicultural de centro de memória da literatura e da língua
Populations, da IFLA, em 2009, publicou a nacional, em particular a responsabilidade da
terceira edição do Multicultural Communities: biblioteca escolar, junto ao público estudantil,
Guidelines for Library Services, com no acesso e disseminação das produções
atualizações e revisões do documento original, literárias e no estímulo a arte de criar e recriar
de 1982, titulado Standards for Multicultural escritos artísticos da cultura pátria.
Public Library Service, por considerar que a
evolução das tecnologias e os avanços No mundo globalizado, com novos desenhos de

profissionais e sociais tiveram impacto na relacionamento humano, as línguas

prestação de serviços da biblioteca dominantes, além de meio de comunicação

multicultural. imperativo, carregam e disseminam as suas


expressões e identidades culturais. Por esta

A Comissão Europeia publicou, em maio de razão, a UNESCO alerta para a fragilidade dos

2011, os resultados de pesquisa realizada com sentimentos de pertença e do sentido de se

europeus, sobre o uso da língua em atividades reconhecer culturalmente quando os jovens

na Internet. O documento titulado User fazem uso dos idiomas de maior comunicação

language preferences online ressalta que 90% na web, que difere da sua língua nativa.

dos utilizadores preferem navegar na internet


na língua materna; 44% dos inquiridos acusam Nesse sentido, considera-se que a biblioteca

que faltam sítios provedores de informações escolar tem contribuições importantes a

em sua língua nativa e um percentual de 55% oferecer para a sociedade ao desenvolver ações

da amostra, ocasionalmente, usa outra língua criativas e dinâmicas para preservação da

para acesso online. O uso e a difusão da língua língua, memória literária e promoção da

ao longo dos canais na web apontam questões herança cultural e, conjuntamente, oportunizar
a interculturalidade, entre as crianças e jovens

Revista Biblioo - 50
da mesma comunidade linguística. Neste texto, questões culturais, como patrimônio, tradições,
entende-se por interculturalidade como a literatura, arte e música. Por conseguinte, além
relação intencional entre sujeitos de diferentes do engajamento social, proporcionará às
culturas e atividades que oportunizem tal pessoas a oportunidade de aprender com o
situação, buscando incitar a construção de outro, compreender perspectivas e concepções
identidade social e o reconhecimento das díspares, fazer novas amizades e ainda praticar
diferenças culturais, em uma relação crítica e, a língua.
ao mesmo tempo, solidária entre eles.
Dessa forma as referidas atividades não devem
Para tanto, a instituição deve recorrer à ter como requisito essencial o encontro físico
literatura para transmissão da língua e da entre os sujeitos, pois o sentimento de
cultura e ao uso das redes sociais, visando compreensão mútua aflora ao saber que pessoas
estimular a permuta de valores simbólicos e de outras culturas estão a usar o mesmo
culturais. O trabalho com a leitura e a escrita serviço. Sugere-se a biblioteca valer-se das
de textos literários, aliadas a expressões ferramentas da web social, a exemplo das redes
multimídias da cultura e sua propagação em sociais, e promover o contato e aproximação
mídias colaborativas contribuem para entre os utilizadores do mesmo serviço
potencializar e salvaguarda a cultura nata, além cultural, oportunizando encontros virtuais.
de fomentar a interculturalidade e a diversidade
cultural, junto ao público infanto-juvenil. Com base nos argumentos elencados,
considera-se que a biblioteca escolar pode aliar
A biblioteca é tradicionalmente um espaço de as suas funções habituais, de formação de
encontro cultural, a partir da constituição do leitores e atividades com os textos literários, os
seu acervo bibliográfico, reunindo livros e serviços em prol da interculturalidade de
documentos diversos com pensamentos, crianças e jovens e usar como instrumento os
opiniões e doutrinas que refletem as oposições recursos da web 2.0.
do pensamento humano, de todas as épocas.
Para além dessa aliança, a biblioteca deve ser
lugar de encontro de pessoas de diferentes
culturas. A IFLA recomenda a realização de
atividades, com comunidades multiculturais, na
mesma família linguística, envolvendo

Revista Biblioo - 51
COLUNA DO
RONY LAEBER que é bem interessante e me despertou a
curiosidade já que, todo mundo odeia o
raio da segunda-feira.
Ronny Laeber , 28 anos, formado em letras, com
escritor, mediador de leitura.
No livro, um cara comum, com trabalho,
casa, mulher, começa a passar mal toda

O HOMEM QUE ODIAVA


vez que se aproxima o fim do domingo e
ele se pega vendo as programações finais

A SEGUNDA-FEIRA dessa noite típica. Na segunda, ele passa a


ficar tão mal, que nenhum médico
TEXTO DE IGNÁCIO DE LOYOLA DE BRANDÃO QUE
consegue diagnosticar o que realmente
TRANSITAM ENTRE O COTIDIANO E O LÚDICO este homem tem. E como se não bastasse
não ir trabalhar na segunda -feira porque
Eu também vou aderir ao movimento tudo dá errado, ainda neste dia, perde a
organizado que pretende extinguir as mão na caixa de correio e a sombra pelo
segundas-feiras e como se também não me caminho. Agora perder a mulher na
bastasse, irei sair por aí caçando a minha segunda-feira, é mera coincidência ou
sombra. A minha sombra? É isso mesmo, não? Pensemos por este pobre homem que
meu caro amigo leitor: a minha sombra. está tão só e sóbrio que começa a
Pois bem, nessa vida “amalucada” onde se conversar com uma formiga depois dessa
tem de tudo, porque não sair por aí gota d’água.
procurando por uma sombra ou fazer um
abaixo assinado para acabar de vez com Fico então horrorizado, preso nessa
este dia da semana que todo mundo odeia? história: o que queremos saber é o que de
Ora que ainda vem depois do Domingo e fato poderá mais acontecer a este pobre
que é o começo da semana. Acordamos homem no fim do último capítulo? Faço -
sem querer sair da cama. me de vez esta pergunta e chego assim a
conclusão que a segunda -feira só serve
Deve estar pensando que surtei de vez. P ra mesmo para os cinéfilos que pagam meia e
isso falta pouco, eu sei, mas andei lendo o que de resto, ninguém a merece tanto. J á
livro “O Homem que odiava a segunda - que não se pode ser feliz em plena
feira”, de Ignácio de Loyola de Brandão, segunda-feira, poderemos extingui r de vez

Revista Biblioo - 52
do calendário este dia nefasto? E, quando realmente de força maior me impediu. E
não pudermos ser felizes nas terças, que segunda-feira, se for um feriado, a terça
elas também sejam deletadas das nossas faz o mesmo papel, não é mesmo? E pode
vidas! Depois as quartas, as quintas, as ser a sexta, a quarta. Apenas não se pode
sextas, os sábados e os domingos... Até ser feliz as segundas -feiras. E segundo,
que desapareçamos nós também na nossa Loyola, não se pode ser feliz nunca. A
infelicidade e mesquinhez. segunda-feira é só um pretexto.

Então, um dia, também nossa sombra Enfim, se algum dia formos felizes,
sumirá de baixo dos nossos pés e aí não seremos só seis dias felizes. Depois cinco,
restará mais nada e nem sequer os quatro, três, dois. Até não sobrar espaço
pequenos, os grandes e os patéticos algum para felicidade. Aí então, pede -se
motivos que nos levam todos os domingos de vez um decreto em que só exista o fim
a odiar a segunda-feira - pobre dia de semana.
símbolo dos nossos recalques, culpas e
desilusões como Zezé Brandão já dizia.

De certo, eu só sei que qualquer coisa


crível, agora serve. Dobrar uma esquina
errada, pegar uma rua errada, continuar
por avenidas erradas e nunca chegar a Titulo: O homem que
lugar nenhum. Depois ligar pra d izer que odiava a Segunda-Feira
um flanelinha me ameaçou de morte, que Autor: Ignácio de
uma enchente inundou o décimo segundo Loyola de Brandão
andar, que uma horda de corintianos me Editora: Global
perseguiu. Menos um pneu furado ou a ISBN: 8526006290
morte de uma avó, que ninguém Ano: 1999
acreditaria. Ou uma desculpa lógica como Páginas: 168
uma mão caída na caixa do correio, ou o Veja livro no skoob.
súbito desaparecimento da minha própria
sombra. Assim, todos acreditariam que eu
só não fora trabalhar porque alguma coisa

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