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Filocalia
Pequena
Filocalia
SeleçiW e organizaçiW dos textos:
Capa:
Departamento Gráfico Paulinas
Pré-impressão:
Paulinas Editora - Prior Velho
ImpressiW e acabamentos:
Artipol - Artes Tipográficas, Lda. - Águeda
ISBN 978-989-673-578-4
A Filocalia ou o encantamento
pelo mistério de Deus
DIMAS DE ALMEIDA
SANTO ANTÃO
Abade
SANTO ANTÃO, Abade (251-355), nascido em 251, aos 20 anos de
dica-se a uma vida de ascese, primeiro numa aldeia, e depois
numa gruta perto do rio Nilo, em seguida em pleno deserto, junto
de umas ruínas abandonadas. Vai então constituir um grupo de
mosteiros de que ele se torna o pai ou abade. Mais tarde, Antão
ruma em direção ao Mar Vermelho, criando um mosteiro que con
servará particularmente a sua memória e onde passará o resto da
sua vida. Morreu em 355. Conhecemos a sua obra graças à bio
grafia que nos deixou Santo Atanásio, bispo de Alexandria, cida
de onde surgiu a heresia do arianismo. Antão devido à sua práti
ca espiritual é considerado o pai do monaquismo. O legado de
escritos de Antão consiste em 7 Cartas, dentre as quais o Tratado
sobre a conversão e a ascese. As outras seis são dirigidas aos seus
discí-pulos. A Vida de Antão dá um grande relevo ao demónio.
Este é apresentado como o Mestre do deserto. Nessa época em
que o Cristianismo se espalha cada vez mais, o deserto é o único
lugar que sobra ao demónio. Por isso, ele luta contra os monges
que vêm povoar o deserto. O combate do monge contra o demó
nio deve ser situado na mesma linha que a narração da tentação
de Jesus. O monge continua por isso a ação redentora. Nesta luta,
o combate dirige-se contra as paixões, que são as doenças do
coração. Este combate através da oração torna-se uma imitação
de Cristo e um seguimento dos seus passos. Segundo Gregório
Nazianzeno, a Vida de Antão é como uma regra monástica sob a
forma de narração.
O carácter dos homens
e da vida virtuosa
121. Visto Deus ser bom, tudo o que faz fá-lo por amor
do homem. Pelo contrário, tudo o que o homem faz - tan
to o verdadeiro bem como o mal que julga ser bem - fá-lo
52 PEQUENA FILOCALIA
Epítome
Os sonhos
O demónio da acédia
A vanglória
40. É justo que ores não somente pela tua própria puri
ficação mas também pela daqueles que são teus próximos.
Se assim fizeres imitarás os anjos.
108. Também tu, sem dúvida, deves ter lido as vidas dos
monges de Tabenesa, e conhecido o passo em que o abade
Teodoro faz um discurso aos irmãos. Enquanto ele falava,
duas víboras meteram-se debaixo dos seus pés. Ele, porém,
116 PEQUENA FILOCALIA
A continência do estômago
A avareza
A cólera
templar a luz divina. Está dito, com efeito: «Ü meu olho foi
turvado pela cólera» (SI 6,8) . Ficaremos longe da sabedoria
divina, não obstante sermos tidos por sábios por toda a
gente, pois está escrito: «Que a cólera não tome conta de
ti, pois ela campeia no seio dos tresloucados» (Ecl 7,9) . Nem
poderemos assumir as orientações pseudossalvíficas pro
venientes de um perturbado discernimento, mesmo quan
do os homens nos têm por prudentes, pois está também
escrito : «A cólera do homem não cumpre a j ustiça de
Deus» (Tg 1 ,20) . Tão-pouco poderemos alardear modera
ção e dignidade, ambas merecedoras de todo o louvor, pois
está igualmente escrito: «Um homem encolerizado perde
a dignidade» (Pr 1 1 ,25) . Por conseguinte, aquele que quer
atingir a perfeição e desej a travar disciplinadamente o
combate espiritual, deve ser alheio aos acessos de cólera, e
escutar a admoestação apostólica: «Que toda a espécie de
azedume, fúria, cólera, gritaria, blasfémia, seja de vós extir
pada, j untamente com toda a maldade» (Ef 4,3 1 ) . Ao dizer
«toda» está a excluir todo e qualquer pretexto para nos en
colerizarmos, que pudesse ser por nós evocado como ne
cessário ou razoável. Por conseguinte, aquele que pretenda
corrigir o irmão que peca, ou intente puni-lo, deve esfor
çar-se por se manter calmo, não aconteça que, ao querer
curar o outro, acabe ele próprio por contrair a enfermidade
e ouvir a inj unção do Evangelho : «Médico, cura-te a ti
mesmo! » (Lc 4,23), e ainda: «Por que motivo reparas no ar
gueiro que está no olho do teu irmão e não vês a trave que
está no teu? ! » (Mt 7,3) .
Com efeito, independentemente da causa dos acessos
de cólera, esta, fogosa como é, cega os olhos da alma e im
pede que se contemple o sol da justiça. Aquele que coloca
sobre os olhos placas de ouro ou de chumbo fica, em
qualquer dos casos, privado da sua capacidade de visão,
1 44 PEQUENA FILOCALIA
A tristeza
O tédio ou acédia
A vanglória
O orgulho
84. Não digas: «Como não sei o que devo fazer, não sou
responsável por não o ter feito. » De facto, se começares
por fazer o que sabes ser bom, o que deves fazer a seguir
tornar-se-te-á claro. Compreenderás as coisas uma a uma,
na sequência que é a delas, assim como ao visitarmos uma
casa se passa de um quarto a outro quarto. Não é indis
pensável, nem sequer importante, para ti, saberes o que
virá depois, antes de fazeres o que vem primeiro. Efetiva
mente, a ciência incha quando é inoperante, mas o amor
edifica porque a tudo resiste (cf. 1 Cor 8 , 1 ; 1 3 ,7) .
106. É por causa delas que nos foi ordenado não amar o
mundo nem o que no mundo está. Tenha-se, porém, pre
sente que um tal interdito de nenhum modo implica odiar
as criaturas de Deus. Um ódio dessa estirpe atingiria o pa
roxismo da insensatez, pois seria a negação do Evangelho.
Com um tal interdito o que se pretende é mergulhar no
âmago das causas dessas três paixões e cortá-las pela raiz.
142. Não digas «lá não querer não quero, mas o que não
quero isso acontece». Com efeito, não obstante dizeres «de
nenhum modo quero», lá bem no fundo de ti mesmo
acolhes de bom grado as causas do que dizes não querer.
por esse motivo voa alto, deve também olhar a terra, com
toda a simplicidade. É que, com efeito, ninguém se eleva
tanto como o humilde; pelo contrário, o arrogante, prisio
neiro do seu orgulho, tem como destino uma aparatosa
queda. Sabemos muito bem que todas as coisas se tornam
obscuras, tortuosas, tenebrosas, quando falta a luz; analo
gamente, quando a humildade claudica, tudo se torna vão
e corrompido, não obstante os nossos maiores esforços
para agradar a Deus.
149. Se a alma tem Cristo com ela e por ela, também não
será confundida pelos seus inimigos na altura da morte: às
258 PEQUENA FILOCALIA
Preâmbulo
A Elpídeo, presbítero
las que têm que ver com a parte racional: é o caso tanto do
esquecimento como da ignorância. A acédia, essa, agindo
como age sobre todas as potências da alma, suscita si
multaneamente todas as paixões, motivo pelo qual é ela a
mais grave de todas. Isso mesmo está implícito no dito do
Senhor ao dar um remédio contra ela: «Pela vossa cons
tância salvareis as vossas almas» (Lc 21 , 1 9) .
se deixa assim arrastar e faz uma tão feia coisa, ignora isto:
em todos os seus expedientes o fito do diabo consiste em
persuadir-nos não só a recusar a obra de Deus, mas tam
bém a não reconhecermos que a Ele devemos o que faze
mos. Caindo num tal logro, fica cativo de um autoelogio
como se tivesse sido só por si que atingiu o bem que atin
giu. Ora atingi-lo só com as suas próprias forças é coisa
impossível, já que o Senhor diz: «Sem mim nada podeis
fazer» Oo 1 5 ,5). Mesmo quando há em nós uma certa apti
dão para o bem, a verdade é esta: sendo fracos como
somos, estamos marcados por uma incapacidade de atingir
o bem final sem Aquele que é o dispensador dos bens.
29. Não digas que não odeias o teu irmão quando estás
pronto a imolar a sua memória no altar do ressentimento.
E diz-me uma coisa: que bem daí pode resultar tanto para
ele como para ti? Não te comportes desse modo! Escuta
antes as palavras de Moisés e deixa que a tua vida seja por
elas pautada: «Não odiarás o teu irmão na tua mente; e se
reprovas o teu próximo vê bem não incorras tu em falta! Eu
sou o Senhor e guardarás os meus decretos» (Lv 1 9, 1 7- 1 8) .
deiro) não ser tão ativo quanto pensa que deveria ser, já
está, por isso excluído dos dons do Espírito Santo. Não
pensemos desse modo! E em vez de alimentarmos pensa
mentos desse jaez, avancemos na via da sensatez, que é a
via da sageza, deixando-nos invadir pelo amor divino, esse
amor que nos introduz no conhecimento dos tesouros de
Deus, em nós ocultos.
89. Quanto mais oras com toda a tua alma por aquele
que te caluniou, mais Deus desvenda a verdade àqueles
que tinham ficado escandalizados.
nem folga com a maldade; tudo suporta, tudo crê, tudo es
pera. O amor j amais acabará» (1 Cor 1 3 ,4-7) . A expressão
jamais acabará enfatiza que, não obstante terem recebido os
carismas do Espírito (dons de que já falámos) , não vivem
de um modo determinado e seguro aqueles que ainda não
se libertaram comp letamente do cativeiro das paixões.
Com efeito, homens desses, enredados nas teias dos seus
passionais desvarios, não se libertam de uma vulnerabili
dade que, perante a ameaça do perigo, os encerra na impo
tência. Por conseguinte, incapazes de travar o combate que
se lhes impunha travar, e possuídos pelo medo, tornam-se
trânsfugas, desertando do caminho que os levaria à vida
autêntica. Ora, digamo-lo claramente: uma libertação do
SÃO MACÁRIO 43 1
No concernente à oração
não trabalha não pode ser fiel.» E no livro de Ben Sira en
contramos a declaração: «a ociosidade é mestra de nume
rosos vícios e gera muita malícia» (Sir 33,28) . Por conse
guinte, é necessário que toda a obra realizada em nome de
Deus, seja ela qual for, dê frutos e conduza a algum bem,
de modo que o homem não sej a condenado a uma vida
estéril já aqui neste mundo e, no futuro, não seja excluído
dos bens eternos.
No concernente à p ersistência
e ao discernimento
56. Até mesmo aqueles que são praticantes dos bons cos
tumes caem não poucas vezes em atitudes reveladoras de
uma arrogante vanglória. Motivo pelo qual serão j ulgados
por isso mesmo, o que implica um j ulgamento crítico até
mesmo das coisas boas que fizeram, coisas que podem
passar a ser vistas negativamente como se fossem práticas
más, semelhantes ao roubo, à inj ustiça, a outros pecados
graves. Lá diz a Escritura em tom de advertência: «todos eles
erraram, todos foram artífices da perversidade; não há um,
um sequer, que faça o bem, estão destituídos de um verda
deiro conhecimento, comem o meu povo tal como comem
pão; mas mergulharão num grande terror: efetivamente,
Deus dispersará os ossos daqueles que procuram agradar
aos homens em vez de o invocarem a Ele» (SI 53,3-4) .
Daí se depreende, de um modo óbvio, que o inimigo,
manhoso, versátil, tortuoso, inventivo como é, pode até
servir-se de uma prática boa para, ao corromper o prati
cante, ser ele, o inimigo, a ser honrado por isso, colhendo
para si próprio os louros.
77. Tal como a uma pessoa sem olhos, sem língua, sem
ouvidos, sem pés, lhe é impossível ver, falar, ouvir, cami
nhar, assim também sem Deus e sem a energia que dele
provém, é impossível a qualquer pessoa comungar nos
mistérios divinos, conhecer a sabedoria do Senhor, receber
a riqueza do Espírito. No concernente a esta questão, te
nhamos presente isto: enquanto os sábios gregos são trei
nados no uso das palavras, praticam a retórica, põem todo
o seu empenho em batalhas verbais, os servos de Deus,
esses, mesmo sem dizerem uma palavra, estão permanen
temente imbuídos do conhecimento das coisas divinas e
impregnados da graça conferida pelo Espírito.
No concernente ao amor
Tal como no domínio da exterioridade enveredaste
84.
por um processo de ascese em que renunciaste às coisas
SÃO MACÁRIO 5 07.
isso no-lo revelou pelo seu Espírito» (Fl 3,20; 2Cor 2,9- 1 0) .
São esses os homens verdadeiramente sábios e podero
sos, nobres e prudentes.
111. Atingir um tal estado não é tarefa nem fácil nem rá
pida. O incontornável caminho a percorrer tem as marcas
de uma exigência a toda a prova, o que implica combates
muitos, penas duras, ascese rigorosa. Mas outro caminho
não há para se atingir a medida perfeita, aquela que é dada
pelo hesicasmo, a medida da impassibilidade. É só depois
de termos sido provados por toda a espécie de dor, por
todas as tentações, por todas as fadigas, por todas as vicis
situdes, por todos os tentáculos do mal - é só depois de
tudo isso que seremos j ulgados dignos das honras celes
tes, dos carismas grandes, da riqueza divina. E, finalmente,
da herança do Reino celeste.
141 . Já
o temos dito não poucas vezes: o caminho da vida
é um caminho exigente que exige de um homem fé, esfor
ço, comunhão com a glória celeste do Espírito Santo, boas
obras, integridade no agir.
Pois bem: o modo como um tal homem se empenha em
tudo isso é de uma importância fundamental naquele dia
do fim (o da ressurreição) em que o seu corpo será j ulgado
digno de ser glorificado. Porque o que agora se guarda no
interior, como um tesouro, manifestar-se-á então no exte
rior. Passa-se com isto o que se passa com o fruto das ár
vores: recolhido no interior durante o inverno, sai para o
exterior na primavera.
Entre os santos, pois, a imagem do Espírito - essa ima
gem que reflete a imagem de Deus, e que desde agora está
como que impressa no interior - fará com que o corpo, em
toda a sua dimensão corporal exterior, se torne um corpo
celeste e semelhante a Deus. Pelo contrário, entre os im
puros e pecadores, o véu (que não é outro senão o da opa
cidade tecida pelo espírito mundano) cobre-lhes a alma e
desfigura-lhes a mente com a torpeza das paixões, e isso de
SÃO MACÁRIO 5 71
res? Mas então dizei-me: que coisa maior pode haver que
o temor de Deus (é ver como Gregório, o Teólogo, sublinha
enfaticamente este tema!) sendo que, no dizer da divina
Escritura, « O temor de Deus é o princípio da sabedoria»?
(Pr 1 ,7)
Efetivamente, sendo essa a nossa perspetiva, isto é, o
temor de D eus como fundamento da sabedoria, somos
levados a afirmar isto: lá, onde está o temor de Deus, está a
observância dos mandamentos; e onde está a observância
dos mandamentos está a purificação da carne (purificação
necessária por ser a carne uma nuvem que, qual véu, cobre
a alma e a impede de ver na sua pureza o esplendor divi
no) ; e onde está a purificação da carne está o esplendor di
vino; e onde está o esplendor divino está a realização da
vontade de Deus.
E, no fundo, bem vistas as coisas, é particularmente isso
que se visa: que a vontade de Deus seja feita aqui na terra
assim como ela o é no Céu. E ainda: onde quer que o es
plendor divino se manifeste na sua indizível beleza, e a ilu
minação outorgada pelo Espírito Santo se manifeste na
sua verdade, manifesta-se também a virtude na sua expres
são máxima. E todo aquele que pretenda atingir um tão
elevado ponto como esse, outra alternativa não tem que
não seja começar por percorrer todo o caminho do sensí
vel, do concreto, do experiencial, para só então entrar no
universo do conhecimento espiritual. Sem se percorrer
primeiro um tal caminho, essa entrada não passará de uma
ilusão.
Tais são, meus irmãos, as maravilhas de Deus. D esse
Deus que, na sua infinita sabedoria, desoculta os santos
que voluntariamente se ocultam a si mesmos. E desoculta
-os para os dar a ver como exemplos a seguir, de molde a
haver muitos que os possam assim imitar e, desse modo,
SÃO SIMEÃO 593
uma tal arte de viver que poderás, sem grande esforço, der
rubar a falange dos inimigos.
Se estás, pois, decidido a vencer as paixões, recolhe-te
em ti mesmo através da oração e, mediante a sinergia divi
na, desce às profundezas do coração e esforça-te por des
mascarar as três forças hostis (falo do esquecimento, da
negligência e da ignorância) que propiciam a ação das
outras paixões filhas da malícia, fazendo com que elas se
instalem, atuem, vivam e floresçam nas almas daqueles
cuj o horizonte não é outro senão o do prazer. Por conse
guinte, precisarás de te manter diligentemente lúcido e
atento para descobrir, com a ajuda do alto, aquilo que o
vulgo ignora. Desse modo, e com a prática da oração, po
derás libertar-te dessas três forças hostis, autênticos ins
trumentos tentaculares do mal.
Com efeito, lá onde se desej a inequivocamente atingir
não só o verdadeiro conhecimento como também a me
mória libertadora da Palavra de Deus e a concórdia genuí
na (mediante a graça do S enhor atuante num coração
firme) , lá onde há esse desejo apagam-se os traços quer do
esquecimento, quer da ignorância, quer da negligência.
Por conseguinte, impõe-se-te observar o acordo reinante
entre, por um lado, as palavras espirituais e, por outro lado,
o modo como elas lançam luz sobre a arte da oração. E
tem em conta também as que s e seguem tal como as
transmitimos.
De Isaías, o Anacoreta
Ao abandonarmos o caminho do engano estamos, salu
tarmente, a dizer não ao poder tentacular das trevas. E
onde há trevas há mentira e ignomínia. Ora, ao tomarmos
disso consciência compreendemos o quanto p ecámos
contra a bondade de Deus, pois aos pecados não os vemos
verdadeiramente senão quando deles nos separamos me
diante uma rigorosa rutura . Aqueles que atingem esse
estádio oram com lágrimas e, quando se lembram de como
tinham amado as paixões, enchem-se de vergonha diante
de Deus.
Travemos, pois, o combate da nossa libertação, nele nos
empenhando com denodo, tanto quanto pudermos. De
uma coisa podemos estar certos: não lutaremos numa
solidão atroz, pois Deus, na sua providência e misericór
dia, assistir-nos-á fielmente. E ainda mesmo que não te
nhamos sido integralmente vigilantes, no concernente à
custódia dos nossos corações, como o foram os nossos
Pais, esforcemo-nos por manter os nossos corpos livres do
pecado, tal como Deus no-lo pede. E podemos estar certos
de que Ele terá compaixão de nós quando chegarem os
612 PEQUENA FILOCALIA
De Macário, o Grande
A coisa mais importante para aquele que trava o com
bate espiritual consiste nisto: em entrar no seu próprio
coração e nele declarar guerra a Satanás. E não se trata de
uma guerra qualquer, pois o adversário ataca de modos di
ferentes e arma as ratoeiras mais imprevisíveis, motivo pelo
qual se nos impõe ser vigilantes, não negligentes, odiá-lo
com um ódio mortal.
E nesse combate não é só aparentemente que os nossos
corpos devem estar limpos da mácula, isentos da corrup
ção, livres da licenciosidade, pois para que nos servirá a
virgindade do corpo se formos adúlteros para com Deus e
prostitutos no pensamento? Que evoquemos a este res
peito o texto do Evangelho: «Todo aquele que olha uma
SÃO NICÉFORO 613
De Diadoco
Aquele que faz do seu coração um lugar permanente
mente por si habitado, consegue esta coisa essencial: não
ficar cativo das vacuidades desta vida. Assim, custodiarmos
o nosso coração é uma exigência de cada dia, na qual nos
devemos empenhar com todo o desvelo. Com efeito, se
queremos caminhar no Espírito não podemos render-nos
aos desejos da carne, o que implica travar um combate que
vale a pena, pois poderemos viver uma vida nova marcada
salutarmente pelo que é bom e belo. Quando um homem
vive essa experiência passa a caminhar na cidadela das vir
tudes que, tendo como guardiães das suas portas as pró-
614 PEQUENA FILOCALIA
De Isaac, o Sírio
Porfia em entrar no escrínio do teu coração, e verás o
tesouro celeste. Porque um e o outro são uma mesma
coisa. Não percas, pois, de vista que ambos têm uma só
entrada . E a escada conducente a esse Reino está dentro
de ti, isto é, no oculto da tua alma. Mergulha, pois, nela,
longe do pecado, e nela encontrarás os degraus pelos quais
te poderás elevar.
De João Carpácio
Um grande esforço e muita labuta são o pão-nosso de
cada dia quando se trata de viver e aprofundar a prática
orante, antes de atingirmos a quietude própria da contem
plação. E desta podemos dizer que é, verdadeiramente,
esse outro coração celeste onde, no dizer do apóstolo
Paulo, Cristo habita: «examinai-vos a vós mesmos para ver
se estais vivendo na fé; testai-vos, pois! Não compreendeis
SÃO NICÉFORO 615
45. Vive uma vida própria dos anjos aquele que, tendo
purificado com lágrimas a sua mente, se torna paulatina
mente incorpóreo e incorruptível, e que, na força do Espí
rito, j á agora nesta vida terreal experiencia a ressurreição
da alma, e que da carne (dessa estátua de argila que por
640 PEQUENA FILOCALIA
demos ver, esta pátria de que aqui falamos tem como habi
tantes a raça daqueles que pertencem à geração dos que
têm corações retos, aos quais já nada perturbará, nem
coisa alguma molestará.
gir o desej o.
No concernente ao hesicasmo
e aos dois modos de oração
Como orar
2. Quando, na tradição salomónica, se exorta a, logo de
manhã, «semear» a nossa semente, por «semear» deve en
tender-se a semente da oração. Vej amos: «De manhã se
meia a tua semente, e à noite que a tua mão não desfaleça,
de molde a não ser interrompida a tua oração, nem invia
bilizado o momento em que ela terá resposta favorável» - e
o texto continua sublinhando bem aquilo que se diz: «pois
tu não sabes se é isto ou se é aquilo que será bem suce
dido» (cf. Ecl 1 1 , 6 ) .
Pois bem: logo ao despontar da aurora, sentado num
pequeno banco com aproximadamente uns vinte e cinco
centímetros de altura, impele a tua mente, fazendo-a
descer da cabeça até ao coração e retém-na aí. Mantendo a
cabeça energicamente curvada, uma vívida dor no peito,
ombros e nuca, repete sem cessar com um total empenho
tanto da mente como da alma: «Senhor Jesus Cristo, tem
piedade de mim!» De seguida (por causa do cansaço que
possas sentir como resultado do teu empenho total, e não
por te sentires saciado do alimento do triplo nome, pois
706 PEQUENA FILOCALIA
Da respiração
3. Isaías, o Anacoreta (e com ele muitos outros) subli
nha o quanto é importante o domínio da respiração,
retendo-a quando é necessário. Um outro sage enfatiza a
importância de disciplinar a desenfreada mente no meio
da dispersão em que se encontra, levada pelos poderes sa
tânicos que, trazidos pela mão da nossa negligência,
regressam depois do batismo. Só que não regressam desa
companhados: juntamente com eles invadem-nos outros
espíritos ainda piores, com o que se cumprem as palavras
do S enhor, «a sua última condição é pior do que a pri
meira» (Mt 1 2 ,45) . Um outro mestre da espiritualidade enfa
tiza que, num monge, a consagração a Deus deve ocupar
o lugar da respiração. Um outro ainda declara que o amor
a D eus deve ser logo seguido pela expiração. E S ão Si
meão, o Novo Teólogo, esse, exprime-se assim: «Contém a
aspiração que vem do nariz, de molde a não respirares fa
cilmente. » E João Clímaco, que também sobre isto se
exprimiu, enfatiza: «Que a tua entrega a Jesus se una à tua
respiração, e conhecerás assim o valor único do hesi
casmo» (P. G . LXXXVIII, 1 1 1 2 e) . E o Apóstolo afirma já não
ser ele quem vive, mas sim ser Cristo quem vive nele, ope
rando e inspirando a vida divina (cf. G l 2 , 20) . O S enhor
Jesus, tomando como exemplo o soprar do vento atmosfé
rico, declara: «Ü Espírito sopra onde quer» Go 3 , 8) . Na ver
dade, ao sermos p urificados pelo b atismo, recebemos
indubitavelmente as arras do Espírito e, segundo Tiago, o
irmão de D eus, o Logos é-nos implantado qual semente
(cf. Tg 1 ,2 1 ) . Por conseguinte, Aquele cuja bondade é supe
rabundante faz morada em nós e, na comunhão que con
nosco assim estabelece, forma-nos com Ele. É o milagre de
uma comunhão única que ocorre: nela e através dela, Ele,
708 PEQUENA FILOCALIA
Como salmodiar
4. Nas palavras de João Clímaco, «quando o vigia é in
vadido pela fadiga levanta-se e ora; e de seguida volta a
sentar-se para, revigorado, continuar o seu trabalho» (P.G.
LXXXVIII, 1 1 00 b) . Por detrás da literalidade das suas pala
vras, ele fala do que a mente deve fazer quando se assume
como guardiã e vigia do coração. Mas não só isso: subj a
cente às suas palavras está também a prática da salmodia.
SÃO GREGÓRIO, O SINAÍTA 709
cultos pouco importa) aos quais ela não lhes será imposta:
visa-se com isso desenvolver neles a capacidade de resisti
rem a uma errância que nada de bom poderia trazer-lhes.
Aquele que se constitui em lei para si mesmo mostra
desse modo estar a ser vítima da presunção, que é uma
forma de arrogância. Cria assim um infeliz espaço onde, na
ótica de Santo Isaac, o erro medra e a mediocridade cam
peia. Não obstante, há alguns que - inconscientes das
consequências perigosas que daí advêm - influenciam
aqueles com quem se relacionam, levando-os a enveredar
pelo caminho de uma observância solitária da disciplina,
que dispensa a orientação espiritual de outrem. Invocam
esses tais, em defesa dessa sua ideia e com o desejo de se
autoj ustificarem, que, uma vez ela posta em prática, per
mitirá a esses observantes familiarizarem-se melhor com a
invocação de Deus e com o amor a Ele consagrado. Ora,
há que dizê-lo com toda a clareza e de um modo enfático:
uma tal ideia é inviável ! E é-o particularmente para os
observantes que ficam entregues a si mesmos, sem um
mestre, e que, sem a disciplina da obediência, correm o
risco de se verem metidos num beco sem saída. Com efei
to, sendo neófitos, a sua mente é ainda impura: ainda não
libertados da acédia, vulneráveis a um qualquer ataque, a
autosuficiência em que vivem macula a sua mente. Ela não
foi ainda purificada pelas lágrimas e, por conseguinte,
reflete sobretudo as imagens perversas dos pensamentos e
não o genuíno espírito da oração. Devemos, com efeito, ter
isto presente: aqueles que combatem por uma mente pura
(e nesse combate flagelam, no nome do Senhor Jesus, os
espíritos impuros que armam cerco ao coração) devem ser
extremamente vigilantes e sábios, pois os espíritos desse
j aez roncam desesperados no seu intuito de destruir
aquele que assim os flagela. Pois bem: se um monge, leva-
71 6 PEQUENA FILOCALIA
No concernente à ilusão
10. Tu que amas Deus, mantém viva e atenta a tua inte
ligência! Bem precisas disso, pois ao viveres a profundi
dade da oração, ao te sentires, como orante, profunda-
71 8 PEQUENA FILOCALIA
No concernente à leitura
1 1 . Que leituras, de um modo particular, devem ser feitas
por aqueles que estão empenhados em viver uma vida
fecundada pelo Espírito? João Clímaco discorre sobre isso,
sublinhando o quanto é importante para todos aqueles
que se entregam à realização de uma obra espiritual a lei
tura do que diz respeito à prática ascética, concentrando-
720 PEQUENA FILOCALIA
No concernente à oração
O modo como o hesicasta deve sentar-se
para a oração e não se apressar a levantar-se
Como salmodiar
5. De novo, ao voltarmos a falar sobre este tema, lem
bramos que há pontos de vista diferentes. Há, por exem
plo, aqueles que dizem ser um dever salmodiar frequente
mente; outros apenas algumas vezes; outros, nunca. Ora
bem, vou dizer-te o que penso ser importante: não salmo
dies frequentemente, pois ficarás confuso; nem nunca,
pois daí resultariam desleixo e negligência. Imita antes
aqueles que salmodiam só algumas vezes, pois todo o meio
termo é excelente, tal como no-lo dizem os antigos gregos.
S almodiar com frequência é próprio dos noviços, na
medida em que o seu percurso ascético se processa em
sintonia com uma atividade iniciática que integra a salmo
dia de um modo particular, pois é considerada como uma
peça importante pelo conhecimento espiritual que con
fere. Mas isso não convém aos hesicastas em virtude de já
terem atingido um estádio que exige deles que se concen
trem totalmente na oração. Ora a oração - sabemo-lo mui
to bem - constitui um centro essencial que só se atinge
mediante um aturado trabalho do coração (um aturado e
longo trabalho!) que passa pelo repúdio de todas as imagens
conceptuais. É que, na verdade - di-lo S. João Clímaco de
um modo exemplar - o hesicasmo supõe a rej eição de
734 PEQUENA FILOCALIA
A alimentação
6. Que dizer do ventre, ele que, entre as paixões, é rei?
Se podes paralisá-lo, reduzindo-o ao estado de meio mor
to, não deixes de o fazer! Ele, o bem-amado, dominou-me
738 PEQUENA FILOCALIA
No concernente à oração
e à pureza do coração
Três textos
1. Em virtude de D eus ser pura bondade, verdadeira
misericórdia, abismo de doçura - ou, antes, em virtude de
ser Aquele que abraça e abarca tudo isso, pois transcende
todo o nome nominável e ultrapassa todas as coisas con
cebíveis - só mediante a união com Ele poderemos encon
trar e viver a misericórdia.
Ora, unimo-nos a Ele - na medida do possível - quan
do amamos as virtudes que Ele ama, o que supõe uma
comunhão que, naturalmente, sente necessidade de expri
mir o seu j úbilo na oração e no louvor. E porque as virtu
des se tornam assim similitudes de Deus, vivê-las implica
uma atitude de permanente abertura àquilo que é a eterna
novidade de Deus, uma abertura-disponibilidade que se
renova em cada manhã.
É , com efeito, a oração vivida no poder do Espírito que
celebra essa comunhão e cumpre essa ascensão do ho
mem ao mundo de Deus. Um tal homem, ao vivenciar um
arrependimento, o seu, que o atinge no mais profundo de
si mesmo, experimenta o júbilo dessa celebração. Efetiva
mente, a oração é o elo que liga ao Criador as criaturas
dotadas de razão, e é graças a ela que o orante, imerso na
sua experiência de orante, resiste ao assédio das paixões e
à invasão dos pensamentos. Trata-se de uma resistência
essencial, pois quando as paixões vencem e os pensamen
tos devastam, a mente fica incapaz de atingir essa união
com Deus.
SÃO GREGÓRIO DE PALAMAS 777
Homilia 35
1.O profeta Isaías anunciou antecipadamente, acerca do
Evangelho : « Ü S enhor dará sobre a Terra uma palavra
concisa» (Is 1 0 ,23) . Ora, concisa é a expressão, que contém
em poucas palavras um mundo de sentido. Reflitamos,
pois, de novo, as palavras evangélicas que já hoj e merece
ram a nossa atenção, aj untando-lhes as restantes, de
molde a sermos de novo levados pelo sentido íntegro nelas
contido e possuídos por uma divina inspiração.
Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
Nota do tradutor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
De Isaías, o Anacoreta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. 61 1
De Macário, o Grande . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 612
De Diadoco . ........................................................................ 613
De Isaac, o S írio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 614
De ]oãíJ Carpácio . ................................................................ 614
De SimeãíJ, o Novo Teológo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 615
De Nicéforo, ele próprio . ....................................................... 61 7
4 Tratados e Sermões
- Mestre Eckhart
6 Pequena Filocalia