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REFERÊNCIAS........................................................................................................................................ 83
BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................................................ 83
ELETRÔNICAS ................................................................................................................................................. 85
JURISPRUDENCIAIS ........................................................................................................................................ 85
PROFESSOR-AUTOR ............................................................................................................................. 86
MÓDULO I – FUNDAMENTOS DO
DIREITO CONTRATUAL
Neste primeiro módulo, iremos estabelecer a principal diferença entre um negócio jurídico e
um fato, destacando o papel da autonomia das partes, na manifestação negocial da vontade delas, e
a liberdade, maior ou menor, com que participam da construção do contrato.
A autonomia privada será apresentada assim como o elemento fundamental de distinção dos
negócios jurídicos e do contrato, – principal espécie de negócios jurídicos –, possibilitando aos agentes
econômicos privados desenvolverem regras próprias que irão reger suas relações civis e comerciais.
Veremos também as transformações principiológicas pelas quais passou o contrato,
identificando os paradigmas da socialidade e da eticidade, por meio do estudo da função social do
contrato e, também, do dever de comportamento probo e de boa-fé exigidos dos contratantes.
10
condição ativa, de quem constrói o próprio direito a partir das necessidades do mercado no qual
está, direta ou indiretamente, inserido.
Mesmo em negócios jurídicos envolvendo estruturas normativas mais fechadas, em que a
tipicidade dos direitos se destaca, a autonomia privada concedida às partes permite que o
profissional que melhor domine o instituto do negócio jurídico possa encontrar a adequada solução
para o caso concreto. Tal autonomia privada, contudo, não confere aos particulares uma liberdade
ilimitada ou irresponsável, mas, ao revés, tem sofrido crescente interferência de normas de ordem
pública e caráter cogente, tanto normas de conteúdo fechado quanto de conteúdo aberto, por
exemplo, as que exigem a função social como causa dos contratos (art. 421, do CCB) e as que
exigem probidade e boa-fé (art. 422, do CCB).
Espécie do gênero negócio jurídico, o contrato se caracteriza por ser um acordo de vontades no
âmbito de exercício da autonomia privada, gerador de obrigações (civis, consumeristas, empresarias)
entre as partes contratantes e, excepcionalmente, em relação a terceiros não contratantes.
Evidencia-se a importância do contrato no desenvolvimento das relações sociais e
econômicas, pois é instrumento principal para a circulação de riquezas entre particulares, bem como
para a satisfação de necessidades existenciais dos indivíduos, desde as relações mais simples como a
compra e venda de um café, até as operações mais complexas, como a estruturação de um
financiamento sindicalizado internacional.
1
ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 11.
2
FARNSWORTH, Alan. 2004, p. 31 apud POSNER, Eric; SALAMA, Bruno Meyerhof (Orgs.). Análise econômica do direito
contratual: sucesso ou fracasso? São Paulo: Saraiva, FGV, 2010. p. 12.
11
No direito brasileiro, tem crescido nos últimos anos a influência dessa escola de pensamento,
como podemos observar em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em
questões de direito contratual:
O exposto acima não deve significar, contudo, que o direito contratual se limite a uma análise
meramente econômica da operação que instrumentaliza. O contrato é, sim, um instituto jurídico
que possui contornos formais e substanciais próprios do direito, sujeitando-se aos princípios
jurídicos que o norteiam e às regras que definem a sua estrutura e os seus efeitos.
Autonomia privada
Contrato como fruto da vontade das partes
Como espécie do gênero negócio jurídico, o contrato possui elementos essenciais à sua
existência e validade: a pluralidade de partes (capazes e legitimadas para o negócio), a licitude,
possibilidade e determinabilidade do objeto, a patrimonialidade desse mesmo objeto, a forma
prescrita ou não defesa em lei, o consenso e a causa.
Em uma visão conservadora do direito contratual, alicerçada nos princípios informadores do
século XIX, o contrato teria a sua origem fundamentalmente na vontade individual de satisfazer
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interesses predominantemente patrimoniais, nascido de um consenso entre particulares livres e em
igualdade formal (paridade presumida), com propósito de obrigar essas mesmas partes (pacta sunt
servanda) aos efeitos internos do que foi acordado (res inter alios acta), sendo tal contrato inalterável
ao arbítrio de outrem, mesmo que este seja o Estado (Princípio da intangibilidade do contrato e da
irretroatividade da lei nova).
A Constituição Federal de 1988, contudo, promulgou uma nova ordem jurídica, quando se
iniciou o movimento de constitucionalização do direito civil, somado a uma análise funcional do
exercício destes na esfera privada. Nesse sentido, o Código Civil de 2002 foi pautado nos
paradigmas da eticidade, da socialidade e da operabilidade, em que a interpretação do direito se
vincula à observação de valores sociais, éticos e morais, consagrados pela Carta Magna, que devem
ser observados pelo ordenamento pátrio.
O contrato, compreendido como um acordo de vontades em que se objetiva a criação,
modificação, transmissão ou extinção de direitos e obrigações, tem como natureza jurídica ser um
negócio jurídico bilateral ou plurilateral, de conteúdo patrimonial, e representa a maior fonte de
questões relacionadas à prática negocial.
No que tange ao direito contratual contemporâneo, a liberdade e a autonomia deverão ser
também dirigidas ao atendimento da função social do contrato, da função social da propriedade,
da função social da família e da função social da empresa (art. 2.035, parágrafo único, do CCB),
sob pena de invalidade ou ineficácia da convenção.
A vontade é o elemento genético que dá origem ao negócio jurídico e que terá por função a
produção dos efeitos desejados pela parte, no âmbito da sua autonomia privada. Tal vontade, por
isso, deve ser qualificada e exercida de forma livre, consciente e de boa-fé.
Por conseguinte, a vontade desqualificada importará invalidade do negócio jurídico,
mormente por defeito no consentimento, como ocorre nos casos de erro substancial (art. 138, do
CCB), dolo (art. 145, do CCB), coação (art. 151, do CCB), estado de perigo (art. 156, do CCB)
e lesão (art. 157, do CCB).
Desse modo, dentro da Teoria das Nulidades, o estudo dos vícios ou defeitos do negócio
jurídico ocupa papel de destaque, possibilitando ao prejudicado propor a competente ação
anulatória para ver invalidado o negócio a partir da sentença que o desconstitua (art. 177, do CCB),
em proveito daquele(s) que o tenha(m) impugnado.
Deve-se atentar para o fato de que, muito embora a vontade continue sendo a força
propulsora para a formação dos contratos, não é somente com a qualidade da vontade que o
ordenamento jurídico irá se ocupar, mas também e especialmente com os valores sociais
consagrados em nossa Constituição, tais como a dignidade da pessoa humana, a igualdade
substancial e a tutela do vulnerável, a solidariedade, entre outros.
13
Na lição de Anelise Becker:
3
BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 59.
4
CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di diritto processuale civile. p. 188. Apud FORGIONI, Paula. Contratos empresariais: teoria
geral e aplicação. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 115.
14
Por uma questão de segurança jurídica, não se pode imputar a outra parte às frustrações
daquele que vê os seus motivos, internos e nunca declarados, não alcançados pelo contrato. Afinal,
de que forma poderia a outra parte agir colaborativamente na consecução de objetivos
desconhecidos e não dedutíveis objetivamente?
É por isso que, no direito contratual contemporâneo, prestigia-se o comportamento claro e
preciso que permita à outra parte ter acesso às informações consideradas relevantes para a
contratação, tanto no que se refere às informações determinantes do risco contratual, como também
as motivações que a outra parte está considerando ao contratar.
É fundamental, em suma, a clareza de propósitos.
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buscar as vantagens não percebidas antes ou, ainda, elevar os custos da transação pela
especulação sobre os resultados.
Essa decisão, contudo, deverá ser tomada de forma refletida e ponderada, verificando quando
será importante vincular a outra parte às legítimas expectativas do agente.
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celebração da escritura, é editada norma nova alterando o gabarito para apenas dois pavimentos, fato
que restou ignorado pelo adquirente. Tal ignorância, embora não autorize o adquirente a descumprir a
lei (art. 3º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), pode servir de fundamento
ao pedido de anulação do negócio jurídico por erro substancial, nos moldes do art. 139, do CCB, uma
vez que neste caso o negócio não se teria realizado.
Quanto ao segundo requisito, diverge a doutrina quanto à teoria adotada pelo Código Civil,
se a Teoria da Vontade e a Teoria da Responsabilidade, que exigiriam apenas a essencialidade do
erro (a primeira) e a sua a escusabilidade (não decorrer de falta de diligência normal), ou se a Teoria
da Confiança, que exigiria a cognoscibilidade (o erro ser perceptível para a outra parte que agisse
com a diligência normal).
A doutrina contemporânea, fundada nos deveres de boa-fé, tem defendido a aplicação da
Teoria da Confiança, como se observa no teor do Enunciado 12, da I Jornada de Direito Civil
promovida pelo Conselho da Justiça Federal (CJF): “12 – Art. 138: na sistemática do art. 138, é
irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança”.
Já o vício do dolo pode ser compreendido como o erro qualificado pela má-fé da outra parte
ou de terceiro. Por envolver o comportamento malicioso, enseja, além da anulação do negócio,
também a cumulação de pedido indenizatório em favor da parte enganada ou mantida
intencionalmente em erro (art. 145, do CCB).
Assim como no vício do erro, para se anular o negócio jurídico por dolo, exige-se o requisito
da substancialidade, devendo recair o engano sobre elemento essencial, sendo o dolo sobre elemento
meramente acidental ensejador apenas de perdas e danos, mas desinfluente sobre a validade do
negócio (art. 146, do CCB).
O dolo pode ser, ainda, atribuído a um terceiro que não figura como parte contratante (art.
148, do CCB). Nos termos do citado artigo, a inexistência de dolo próprio da outra parte ou de
uma relação de preposição entre esta e o terceiro obstaria eventual pedido anulatório do negócio e
reservaria o dever de indenizar exclusivamente ao terceiro.
Por hipótese, podemos imaginar uma permuta realizada entre o permutante A e o permutante
B, com a intermediação do corretor de imóveis C, em que o serviço do corretor seja prestado a
ambas as partes, sem relação de emprego ou subordinação a nenhuma delas. Digamos que o referido
corretor haja dolosamente fornecido falsas informações sobre o objeto, a fim de viabilizar o negócio,
o que somente tenha sido descoberto depois da celebração pela parte prejudicada. Segundo o teor
do art. 148, do CCB, restaria à parte prejudicada pleitear do corretor de imóveis a indenização pelo
prejuízo suportado, mantendo-se válida a permuta.
O terceiro vício do consentimento é a coação. No dizer de Carlos Roberto Gonçalves, coação
“é toda ameaça ou pressão exercida sobre um indivíduo para força-lo, contra a sua vontade, a
praticar um ato ou realizar um negócio”.
Como requisitos, a coação deve: 1) ter sido causa determinante do negócio; 2) ser grave e
capaz de gerar fundado temor ao coacto (afastado o mero temor reverencial); 3) conter mal
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INJUSTO (afastada a ameaça de exercício regular do direito); 4) ser atual ou iminente (afastada a
ameaça de mal futuro e remoto); 5) recair sobre a própria pessoa, membro da família (admitida
equiparação pelo juiz) ou os seus bens.
Em que pese à coação ser apontada expressamente no Código Civil Brasileiro como vício de
consentimento, a ensejar a anulabilidade do negócio, é entendimento sólido que tal consequência
não se aplica aos casos de coação absoluta (vis absoluta), caso em que inexistiria a própria vontade
originária, acarretando a inexistência jurídica do negócio ou, ao menos, a sua nulidade absoluta.
Desse modo, é da coação relativa ou moral (vis compulsiva) que tratam os arts. 151 a 155, do CCB,
o que acarretaria a possibilidade de futura anulação do ato praticado.
Também no caso de coação é prevista a cumulação do pedido anulatório com o pedido
condenatório do coator ao pagamento de perdas e danos, causadas ao paciente ou coacto, sendo a
coação praticada por terceiro tratada pelo legislador de modo análogo ao do dolo de terceiro (arts.
154 e 155, do CCB).
O direito civil contemporâneo, fundado em uma nova principiologia, valoriza o equilíbrio
contratual e recusa a excessiva onerosidade estranha à natureza do negócio. Figuram, assim, no rol
dos defeitos que viciam o negócio jurídico: o estado de perigo (art. 156, do CCB) e a lesão (art.
157, do CCB).
O estado de perigo se caracteriza por dois requisitos de ordem subjetiva e um de caráter
objetivo. O primeiro requisito, de ordem subjetiva, é a premente necessidade do agente de evitar
grave dano à sua própria pessoa, a um membro da família ou a outra pessoa assim equiparada (art.
156, parágrafo único, do CCB). Vale dizer que a vontade do agente se encontra viciada pela
necessidade urgente, razão pela qual a sua manifestação pode estar comprometida.
Isso não significa que qualquer negócio celebrado sob necessidade premente seja anulável,
pois, se assim fosse, determinadas atividades econômicas seriam impossíveis de empreender, como
as atividades na área de saúde por exemplo. É necessário que outros dois requisitos estejam
cumulativamente presentes: o dolo de aproveitamento da parte favorecida (segundo requisito
subjetivo) e a onerosidade excessiva (requisito objetivo).
O estado de perigo, portanto, só se caracteriza quando, diante da premente necessidade do
agente, a outra parte dolosamente aufere uma vantagem desproporcional (onerosidade excessiva),
considerado o ônus ordinariamente exigível em situações semelhantes.
A figura da lesão como vício do negócio jurídico se justifica fundamentalmente pela oposição
do ordenamento às situações de onerosidade excessiva obtidas sobre aquele que se encontra em
situação de vulnerabilidade. Estatui o art. 157, do CCB: “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob
premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestadamente
desproporcional ao valor da prestação oposta”.
Depreende-se do texto legal que, para viciar a manifestação de vontade, não basta a
desproporcionalidade das prestações, mas a vulnerabilidade daquele que restou prejudicado na
avença. Essa vulnerabilidade, que no âmbito das relações de consumo se presume em razão do
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princípio da vulnerabilidade do consumidor em face do fornecedor, nas relações sujeitas ao Código
Civil deverá ser demonstrada pela premente necessidade ou pela inexperiência do agente no tipo de
negócio por ele realizado.
Vale lembrar, ainda, que a desproporção das prestações será apreciada segundo os valores
vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico art. 157, § 1º, do CCB), não se
confundindo com a excessiva onerosidade superveniente tratada no art.478, do CCB.
Ademais, o legislador, em atenção ao princípio da conservação do negócio jurídico
(Enunciado 149, da III Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF), oportuniza a modificação
das condições negociais a fim de evitar que se decrete a anulação do contrato (art. 157, § 2º, do
CCB), o que se entende também aplicável analogicamente ao estado de perigo (Enunciado 148, da
III Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF).
5
Idem, p. 279.
6
LYRA JR., Eduardo Messias Gonçalves de. Os princípios do direito contratual. In: Revista de Direito Privado, n. 12, out.-dez.
2002. p. 137.
19
cujas condições econômicas não estão sujeitas à discussão, devendo-se aplicar indistintamente às
diversas relações contratuais.
Em decorrência desses fenômenos históricos e culturais, na prática contratual, os homens
passaram a ser considerados enquanto grupo, enquanto massa, não havendo, em muitos casos,
tratamento individualizado aos contratos. Além disso, a globalização e o desenvolvimento
tecnológico e digital tornaram possível o desenvolvimento das relações humanas despersonificadas.
Assim, hoje é possível fazer compras pela internet, ou por meio de máquinas, sem que para isso seja
necessário o contato físico e mesmo verbal entre as partes. Nesse sentido, alguns autores explicam
que as relações contratuais se “digitalizaram”, passando a valer não só entre as partes, mas perante
toda a comunidade.
A mudança das formas contratuais acarretou a crise da liberdade de negociação contratual,
principalmente em se tratando de relações nas quais as partes são desiguais. Nesses casos, muitas vezes
é possível afirmar que a única liberdade que a parte econômica mais fraca tem é a de contratar, e
assumir aquele bloco de direitos e obrigações preestabelecidas pela outra parte, ou a de não contratar.
7
NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 298-299.
8
BECKER, Anelise. Teoria geral da lesão nos contratos. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 59.
20
Ainda como reflexo desse contexto, em 11 de janeiro de 2003, entrou em vigor no Brasil o
Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002), que inseriu novos princípios contratuais, quais sejam:
o princípio da boa-fé objetiva (arts. 113, 157 e 422), o princípio do equilíbrio econômico do
contrato9 e o princípio da função social do contrato (art. 421), os quais são denominados por alguns
doutrinadores como princípios sociais.10
Por essa razão, passa-se ao estudo dos vetores de funcionamento dos contratos, os quais
compreendem o contrato não somente como instrumento de expressão da vontade das partes, mas
também como instrumento que deve desempenhar uma função social que, consequentemente,
pode restringir o comportamento das partes.
9
No Código Civil de 2002, não há dispositivo que declare expressamente o princípio do equilíbrio econômico do contrato,
no entanto, a doutrina frequentemente relaciona o referido princípio ao instituto da onerosidade excessiva, prevista nos
arts. 478, 479 e 480, e ao instituto da lesão contratual, previsto no art. 157.
10
LOBO, Paulo Luiz Netto. Princípios contratuais dos contratos no Código de Defesa do Consumidor e no Novo Código Civil.
In: Revista do Direito do Consumidor, n. 42, p. 187-185. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr.-jun. 2002.
21
igualmente, a observância dos deveres de conduta impostos pela boa-fé objetiva, a exigir não apenas que
o devedor atue no sentido de executar a prestação principal, mas também, e com a mesma intensidade,
que o devedor se comporte de acordo com tais outros deveres.
Conclui-se, portanto, que a incidência de deveres de conduta na concreta relação obrigacional
provocou o alargamento do objeto da obrigação, que não pode mais ser concebido como o
comportamento do devedor que apenas executa a prestação principal. A relação obrigacional deve
ser funcionalizada em prol da realização dos valores presentes na relação e sempre em busca do
resultado útil programado pelas partes.
Nessa esteira, firma-se a ideia segundo a qual o objeto da obrigação abarca tanto os deveres
de prestação (principal e secundários) quanto os deveres de conduta, de tal sorte que somente o
comportamento do devedor que observa todos esses deveres se mostra capaz de realizar a função do
objeto contratado: a satisfação do interesse do credor.
Ademais, apesar de diversos os deveres impostos ao devedor, a prestação satisfativa configura
uma unidade, portanto, apenas o comportamento do devedor que executa todos esses deveres se
mostra capaz de produzir o resultado útil programado pelas partes.
Tutela da confiança
Neste novo ambiente contratual, o ordenamento jurídico passou a valorizar de modo especial
a tutela de confiança, isto é, a preservação das legítimas expectativas das partes envolvidas na relação
em concreto, adaptando-se o vínculo de forma dinâmica sempre que necessário.
Os deveres em face da proteção da confiança são impostos, portanto, tanto ao devedor quanto
ao credor da prestação principal, tornando-se a relação obrigacional complexa na medida da
reciprocidade de deveres de probidade e de boa-fé.
A confiança do devedor de que executando uma prestação satisfatoriamente útil estará
desobrigado, protegido de comportamentos contraditórios e abusivos do credor, ainda quando
amparados no pacta sunt servanda, bem como a confiança do credor de que a prestação será
executada de forma adequada à satisfação das suas expectativas legítimas, em um contexto concreto
e funcionalizado, e não apenas o direito de receber uma prestação determinada, pode, por diversas
razões, afastar-se da sua utilidade. Na lição de Clóvis do Couto e Silva, a obrigação passa a ser um
processo dinâmico e concreto, um conjunto de condutas coordenadas do credor e do devedor,
objetivando ao adimplemento útil, social e individualmente.
O problema
A mudança do regime liberal clássico para o regime contemporâneo pós-positivistas acarreta,
entretanto, um problema para o direito contratual, qual seja, a crise de confiança no contrato e nas
regras. Afinal, o sistema atual baseado tanto em princípios normativos, de conceito e aplicação abertos,
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como em regras legais e convencionais, de conteúdo fechado, conduz inúmeras vezes ao conflito entre
essas fontes e à necessidade de atuação do intérprete a fim de conformar umas às outras.
Com isso, um contrato, apesar de conter cláusula expressa conferindo determinado direito
ou sanção e apesar da sua aparente adequação às regras legais vigentes, pode ser considerado
conflitante com um princípio normativo, como a função social ou a boa-fé, de modo que o
conteúdo desse contrato, pode ser afastado ou mesmo revisado pelo julgador, frustrando a
expectativa da parte que visava a submissão literal ao contrato.
Para muitos, isso é, por si só, a razão para a desconfiança e a insegurança no ambiente de
negócios, o que justificaria tanto o abandono desse ambiente por parte dos agentes econômicos,
como também pelo comportamento oportunista de contratar já na expectativa de questionar o
conteúdo do contrato e não cumprir as obrigações inerentes.
Parece-nos, todavia, que a desconfiança e a sensação de insegurança não decorrem da simples
razão de se adotar um sistema composto de princípios normativos e cláusulas gerais, mas, sim, do
mau uso destes pelo intérprete, a adotar por vezes um comportamento arbitrário de imposição às
partes e à própria sociedade de um ponto de vista pessoal do que seja justo.
Se, ao invés de buscar identificar os conceitos universais, vigentes em determinado momento
histórico da sociedade, o julgador se valer da sua posição para contrariar a lei e fazer imperar a sua
particular visão do justo, temos uma imprevisibilidade insuperável ante a possibilidade de que seja
proferido um sem-número de decisões particulares sobre o tema, com contornos de “achismo”
realmente causadores de uma crise de confiança.
Diante desse problema, entendemos que a solução não seja o retorno ao modelo liberal
clássico, mas a melhoria dos padrões das decisões que se utilizam dos princípios para dar solução ao
caso concreto, propiciando um ambiente de previsibilidade e segurança jurídica, sem descuidar de
valores que nem sempre podem ser alcançados apenas pela lógica da eficiência econômica.
11
TEPEDINO, Gustavo José Mendes; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado:
conforme a Constituição da República. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 10-11. v. 2.
23
Expectativas da coletividade
A função social dos institutos, como é o caso dos contratos, perpassa por uma análise
funcional dos direitos, flexibilizando os contornos contratuais, alterando a sua essência, sendo
sancionado pela lei por serem úteis e justos. A função social impõe efeitos contratuais que
extrapolam o pacto negocial, respeitando os interesses socialmente relevantes alcançados pelo
resultado do contrato.12
O Código Civil de 2002, no seu art. 421, explicitou o princípio da função social, o que fez
em referência à nova dogmática trazida pela Constituição de 1988, validado pelo Código de Defesa
do Consumidor – CDC (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), valores que devem orientar os
procedimentos jurídicos no tratamento dos direitos contratuais pelo Poder Judiciário.
12
TEPEDINO, Gustavo José Mendes; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. p. 10.
24
Infere-se, assim, que a função social do contrato deve ser entendida como
Nessa nova realidade, João Hora Neto defende que a função social do contrato não é mais
meramente “translativo-circulatória de riquezas”, passando também, o contrato, a realizar “um
importante papel social atinente à desigualdade da pessoa humana e à redução de desigualdades
culturais e materiais, segundo os valores e os princípios constitucionais”. Além disso, o referido
autor defende que “a simbiose desses dois princípios constitucionais deve fundar o contrato
hodierno, o contrato constitucionalizado, o contrato que efetive o princípio da função social, por
se tratar de um mandado de otimização, consoante previsto no Código Civil”.14
Nesse aspecto, Arnoldo Wald15 chama atenção para o fato de que, considerando que a
concepção de bem social adotada pelo Código Civil de 2002 é mista (a qual tenta conciliar os
interesses coletivos e individuais), a aplicação do princípio da função social do contrato não deve
nem pode afastar o seu conteúdo econômico, devendo tão somente conciliar o interesse das partes
e o da sociedade. O referido autor argumenta que, para a correta aplicação desse princípio, faz-se
necessário superar a equivocada ideia de que função social é sinônima de proteção à parte
economicamente mais fraca da relação contratual.
Nessa medida, a dissonância entre a liberdade contratual e a função social do contrato deve
ser compreendida não necessariamente quando interesses da parte economicamente mais fraca
tiverem sido contrariados, mas, sim, quando os interesses sociais atinentes ao contrato não estiverem
sendo contemplados ou estiverem sendo violados.
13
Idem. p. 14.
14
HORA NETO, João. O princípio da função social do contrato no Código Civil de 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/
revista/texto/8262/o-principio-da-funcao-social-do-contrato-no-codigo-civil-de-2002>. Acesso em: 26 mai. 2011.
15
WALD, Arnoldo. A dupla função econômica e social do contrato. In: Revista Trimestral de Direito Civil, v. 17, jan.-mar.
16
2004, p. 3. ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra. Coimbra: Almedina, 1988. p. 64.
25
Isso ocorre de forma mais evidente na tutela dos interesses externos da coletividade, quando
atingida pelo contrato, mas pode ser também observada quanto ao terceiro que, embora não
integrando a relação contratual, nela interfere de forma intencional, aliciando uma das partes e
contribuindo de forma decisiva para o inadimplemento.
Configura-se, assim, a figura do terceiro cúmplice ou terceiro ofensor, a quem o credor poderá
responsabilizar, conjuntamente ao devedor, pelos prejuízos decorrentes do inadimplemento,
mesmo não tendo assumido a posição de devedor contratual.
Parte da doutrina atribui tal possibilidade justamente à limitação do exercício de direito à
função social do contrato, como se observa do teor do Enunciado 21, da I Jornada de Direito Civil
promovida pelo CJF, a saber: “Art. 421: A função social do contrato, prevista no art. 421 do novo
Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do
contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito”.
Os que discordam desse entendimento sustentam que a tutela do direito de crédito, visto como
direito subjetivo individual, ocorreria por meio dos instrumentos regulares de proteção ao credor, bem
como pela extensão dos efeitos a terceiro cúmplice por violação do dever geral de boa-fé.
Tal divergência é sustentada principalmente por conta da ideia de que o campo de atuação
da função social é o interesse coletivo ou difuso, enquanto o campo da boa-fé se daria no âmbito
dos interesses individuais.
Boa-fé objetiva
Em meio a esse novo ambiente contratual, o dever de colaboração imposto pela boa-fé exige
dos contratantes que se comportem de modo transparente, informando claramente ao outro a
respeito das suas intenções negociais, a fim de que o contrato realmente produza efeitos previstos e
desejados pelas partes, não por mera ficção jurídica imaginada pelo sistema liberal que inspirava o
nosso Código Civil de 1916, mas por um imperativo de ordem pública consagrado no ordenamento
jurídico vigente (CDC e CCB).
Enzo Roppo, analisando as mudanças operadas nos contratos, em virtude desse novo
paradigma, assevera:
26
também, e sobretudo, em bens imateriais, em relações, em promessas
alheias e no correspondente direito ao comportamento de outrem, ou seja,
a pretender de outrem algo que não consiste necessariamente numa res a
possuir em propriedade.16
É evidente que, afastada a paixão acadêmica sobre o tema, forçoso constatar que o processo
de transformação social que se pretende operar com a mudança de paradigmas contratuais é lento,
e não se atinge simples e imediatamente por ter o legislador contemplado positivamente uma regra
geral de coerência e probidade.
Quando o Judiciário consagra a regra que proíbe o comportamento contraditório em nome
da boa-fé17 (doutrina dos atos próprios ou nemo potest venire contra factum proprium) ou quando
reconhece a responsabilidade civil na fase das tratativas em proteção à confiança18 (responsabilidade
civil pré-contratual), serve de indicativo para a sociedade de que tais normas devem realmente ser
observadas, sob pena de serem impostas por meio do alargamento do papel do intérprete no
conteúdo do contrato por meio da sua atividade integrativa, como na modificação ou revisão de
cláusulas incompatíveis com os novos paradigmas contratuais.
Na precisa lição de Clóvis Veríssimo do Couto e Silva:
16
ROPPO, Enzo. O contrato. Trad. Ana Coimbra. Coimbra: Almedina, 1988. p. 64.
17
Ver STJ, REsp 95539/SP. Quarta Turma. Relator: Ruy Rosado de Aguiar, DJ 14/10/1996. p. 39.015.
18
Ver RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de justiça. Apelação Cível 591028295. Quinta Câmara Cível. Relator: Ruy Rosado de
Aguiar Júnior, Julgado em 6 de junho de 1991.
19
SILVA, Clóvis Veríssimo do Couto e. A obrigação como processo. São Paulo: José Bushatsky, 1976. p. 35.
27
A segunda função, limitativa de condutas abusivas, é, a nosso ver, a mais importante das três,
pois é por meio dela que se reprimirá o abuso de direito – ou, como preferem alguns, o abuso das
posições contratuais de vantagem, atuando em toda a relação, desde as tratativas (fase pré-
contratual) quando ainda não há obrigações contratualmente assumidas, até a fase pós-contratual
que se prolonga depois de executadas todas as prestações contratadas, passando pela celebração e
pela execução do contrato, estas últimas fases geradoras de responsabilidades contratuais
propriamente ditas.
A responsabilidade pré-contratual decorre da negligência aos deveres de transparência e de
respeito à confiança depositada. Em sentido figurado, significaria no plano contratual a lição de
Antoine de Saint-Exupéry, na sua obra O pequeno príncipe, a regra de que se é eternamente
responsável por aquilo que cativas. Não se pode, portanto, abandonar a outra parte quando as suas
expectativas se mostram justas e razoáveis, existindo o dever de lealdade, de informação, a fim de
que o outro possa antever também a dimensão dos riscos de uma mudança de interesses que
conduzam à não celebração do contrato, evitando assim investimentos desmedidos.
A terceira função da boa-fé objetiva diz respeito ao seu papel de cláusula criadora de deveres
anexos aos contratos, estabelecendo regras de conduta que independem da sua previsão expressa no
corpo do contrato celebrado para serem exigidas, uma vez que a lei determina que as partes devem
guardar observância à boa-fé e à probidade (art. 422, CCB).
28
Em razão disso, aquela Corte Superior entendeu que a contradição do comportamento da
esposa deveria ser reprimido em nome da boa-fé, determinando que ela atendesse às expectativas
criadas pelo seu comportamento anterior, isto é, assinasse a respectiva escritura.20
A coerência é, como visto, uma exigência da boa-fé aos contratantes, tanto na celebração
quanto na execução do contrato (art. 422, CCB), sendo abusiva a conduta contraditória (art. 187,
CCB), devendo ser por isso reprimida.
A esse respeito o Enunciado n° 362, da IV Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF:
“362 – Art. 422. A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium)
funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil”.
20
Ver STJ, REsp 95539/SP. Quarta Turma. Relator: Ruy Rosado de Aguiar. DJ, 14 de outubro de 1996. p. 39.015.
21
Ob. Cit.
22
REsp 1.202.514-RS.
29
Tu quoque: vedação ao uso de dois pesos e duas medidas na apreciação de situações
iguais
Curiosa figura cuja expressão é atribuída a Júlio César, quando surpreendido pela traição de
Brutus; representa uma forma específica de comportamento contraditório, em que uma das partes
adota comportamento oposto ao seu próprio, quando imputa ao outro conduta contratual
inadequada, valendo-se assim de dois pesos e duas medidas.
Pode-se reconhecer como uma espécie de venire, mais específica que aquela, contudo, o
comportamento do contratante aqui é representado por uma valoração diferenciada de duas
situações idênticas ou semelhantes, como a do cônjuge infiel que se vale da conduta adúltera do
outro como causa de mitigação do seu dever alimentar (art. 1.704, CCB).
É também a conduta do contratante que, estando inadimplente com a sua própria obrigação,
pretende exigir coercitivamente o cumprimento da prestação oposta, dando lugar à exceção de
contrato não cumprido (art. 476, do CCB).
23
REsp 758.518-PR.
30
deveres de conduta que integram a exigência de atuar segundo a boa-fé na
fase pré-contratual? No cerne dessa questão se encontram em xeque a
extensão e os limites das quatro exigências fundamentais no
comportamento das partes na fase pré-contratual, todas integrantes do
princípio da boa-fé:
a) o dever de informação; b) o dever de lealdade ou correção; c) os deveres
de proteção e cuidado; d) o dever de segredo ou sigilo.24
Antonio Junqueira de Azevedo, por sua vez, explica que, na fase pré-contratual, na qual se
têm as negociações preliminares e as tratativas, embora não haja contrato entre as partes, já são
devidas condutas coerentes com a correção de comportamento de uma parte perante a outra.
Da mesma forma, ressalta que o dever de lealdade deve ir além da fase de execução do
contrato, permanecendo mesmo depois do seu término. Nesse sentido, cita caso em que
Vê-se, assim, que os deveres que derivam da boa-fé são deveres de conduta que abrangem
todo o processo contratual, iniciado com a aproximação das partes que iniciam as tratativas, evolui
para a conclusão e execução do contrato e se prolonga para depois de findo o contrato, sempre em
vista da proteção da confiança depositada.
24
PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade civil pré-contratual: teoria geral e responsabilidade pela ruptura das
negociações contratuais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 89-90.
25
Exemplo citado por Antonio Junqueira de Azevedo. Insuficiências, deficiências e desatualização do Projeto de Código Civil
na questão da boa-fé objetiva nos contratos. In: RTDC, v. 1, jan./mar. 2000. p. 6.
31
MÓDULO II – NEGOCIAÇÃO E FORMAÇÃO
DO CONTRATO
Neste segundo módulo, trabalharemos uma das partes mais importantes do programa, trata-
se da formação do contrato, isto é, do nascimento do vínculo entre as partes que irá obrigá-las ao
cumprimento de prestações, ao longo do período de execução daquilo que foi programado entre
elas. Durante a formação do contrato, espera-se que as partes consigam transportar as suas
expectativas para o contrato, de modo que a utilidade dele advinda seja a maior possível.
Processo contratual
Obrigação como processo dinâmico
Como visto anteriormente, a obrigação não comporta mais uma visão meramente estrutural,
mas como um processo dinâmico que se desenvolve por meio de diversas condutas coordenadas das
partes credora e devedora, que objetivam o adimplemento, como expressão da satisfação das
legítimas expectativas.
Nesse contexto, concebendo a obrigação como um processo e sabendo-se que é por meio do
contrato que nasce a imensa maioria das obrigações, induvidoso que também o contrato deva ser
interpretado como um processo dinâmico e concreto, que se desenvolve em fases.
Fase pré-contratual
Etapa negociatória: tratativas e punctação
Na fase pré-contratual, a etapa negociatória é aquela que abrange os atos preparatórios, sem
intenção vinculante. Vai dos primeiros contatos entre as partes até a apresentação de uma proposta.
A partir daí, isto é, a partir da apresentação de uma proposta por qualquer das partes, os atos passam
a ser de conteúdo decisório, já contendo a obrigação unilateral quanto ao seu conteúdo.
No dizer de Caio Mario:
É de fundamental importância nesta etapa a análise de risco do negócio, por meio da consulta
da documentação necessária, antes da celebração do contrato.
Documentos pré-contratuais
Denominam-se documentos pré-contratuais todos os documentos produzidos antes da
celebração do contrato, cuja conclusão as partes pretendem, mas ainda não estão obrigadas a fazê-lo.
Como identificado por Angela Cristofaro,27 a finalidade preponderante desses documentos é:
traçar regras básicas de negociação para um acordo;
registrar etapas, pontos importantes ou acordos parciais da negociação e
retratar a completude da tratativa e subordinação a determinado evento do início da
vigência do contrato.
26
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 32. v. 3.
27
CRISTOFARO, Angela Lima Rocha. Memorando de entendimento: efeitos jurídicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n.
3.701, 19 ago. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/25097>. Acesso em: 1 mar. 2015.
34
Os documentos pré-contratuais mais frequentes são: memorandos de entendimento (MOU),
carta de intenções, termo de exclusividade, termo de confidencialidade (NDA), pré due diligence,
proposta, oferta e aceitação.
Na confecção dos documentos pré-contratuais, são pontos relevantes a considerar:
a inexistência de obrigação de contratar;
a possibilidade ou não de cessão;
a responsabilidade pelos custos pré-contratuais;
o tratamento das informações compartilhadas durante as tratativas;
se haverá ou não cláusula de exclusividade;
se haverá ou não direito de preferência;
condições suspensivas ou resolutivas e
sanções pré-fixadas ou pós-fixadas.
35
A aceitação, por sua vez, torna celebrado o contrato. O contrato se dá por celebrado a partir
da aceitação. O momento exato em que se considerará celebrado o contrato depende da teoria eleita
pelo legislador. As principais teorias são:
Teoria da Cognição ou Informação – forma-se o vínculo obrigacional com o
conhecimento, pelo proponente, da aceitação.
Teoria da Declaração propriamente dita – forma-se o vínculo no momento em que o
aceitante manifesta a sua vontade.
Teoria da Expedição ou Transmissão – forma-se o vínculo com o envio da aceitação, com
a realização pelo aceitante de todos os atos que lhe competiam.
Teoria da Recepção – o vínculo se forma quando a aceitação chega materialmente às mãos
do proponente.
O Código Civil Brasileiro adotou como regra a Teoria da Expedição (art. 434, do CCB). O
contrato conta como celebrado desde quando constar a expedição, salvo se estiver expresso o prazo
de validade ou se esse tiver se expirado. A Teoria da Recepção, contudo, aparece no art. 434, II, do
CCB, quando o proponente se compromete a esperar o recebimento da resposta para dar por
celebrado o contrato, e não apenas a expedição dela.
Não significa, entretanto, que inexistam deveres entre as partes durante a fase pré-contratual,
pois as partes são obrigadas a observar os deveres de probidade e de boa-fé independentemente de
terem concluído a contratação. Como se vê do Enunciado nº 170, da III Jornada de Direito Civil
promovida pelo CJF, a seguir transcrito: “170 – Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas
partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência
decorrer da natureza do contrato”.
28
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: contratos – teoria geral e contratos em espécie.
2. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 77. v. 4.
36
Observa-se a viabilidade de se imputar responsabilidade antes mesmo de se formar o contrato
sob o fundamento da violação dos deveres de probidade e boa-fé (art. 422, do CCB), também
exigíveis na fase das negociações preliminares.
Das lições de Menezes Cordeiro sobre boa-fé objetiva, podemos extrair que tais deveres são
divididos em deveres de lealdade, deveres de proteção e deveres de esclarecimento ou informação.
Em obra específica sobre o tema, Fichtner nos aponta as seguintes hipóteses de cabimento de
responsabilização pré-contratual:
29
PEREIRA, Regis Fichtner. A responsabilidade civil pré-contratual. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 102.
37
TOMATES, QUE DISTRIBUI SEMENTES, NO TEMPO DO
PLANTIO, E ENTÃO MANIFESTA A INTENÇÃO DE ADQUIRIR
O PRODUTO, MAS DEPOIS RESOLVE, POR SUA
CONVENIÊNCIA, NÃO MAIS INDUSTRIALIZÁ-LO, NAQUELE
ANO, ASSIM CAUSANDO PREJUÍZO AO AGRICULTOR, QUE
SOFRE A FRUSTRAÇÃO DA EXPECTATIVA DE VENDA DA
SAFRA, UMA VEZ QUE O PRODUTO FICOU SEM
POSSIBILIDADE DE COLOCAÇÃO. PROVIMENTO EM PARTE
DO APELO, PARA REDUZIR A INDENIZAÇÃO À METADE DA
PRODUÇÃO, POIS UMA PARTE DA COLHEITA FOI
ABSORVIDA POR EMPRESA CONGÊNERE, AS INSTÂNCIAS DA
RÉ. VOTO VENCIDO, JULGANDO IMPROCEDENTE A AÇÃO.
(12FLS – D.)
(Apelação Cível Nº 591028295, Quinta Câmara Cível, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior, Julgado em
06/06/1991)
38
O modelo liberal perfeito pressupunha equilíbrio e liberdade entre as partes envolvidas,
assumindo, quando bilaterais e onerosos os contratos, obrigações recíprocas e (supostamente)
equivalentes. No entanto, a produção de bens superava a capacidade de escoamento, em parte por
inadequação do modelo contratual, então vigente, às novas necessidades.
A proposta ou oferta, fase que antecede à celebração dos contratos, deixa de ser dirigida à
pessoa determinada e passa a dirigir-se ao público. Ganha relevo a figura do oblato indeterminado,
cuja personificação somente acontecerá se e quando aceitar a proposta. Aliás, algumas vezes, a
personificação do oblato somente ocorrerá se descumprido o contrato por uma das partes.30
A proposta, então, adquire contornos gerais, capazes de atingir um número indeterminado
de indivíduos e de adequar-se às necessidades básicas do negócio. Tal recurso pré-negocial muitas
vezes constituirá o chamado estado de oferta permanente, reclamando a formação de um instrumento
à altura dessa generalidade e despersonificação.
Oferta e adesão
O modo massificado de contratação não se restringe somente às relações de consumo, muito
embora este seja o seu ambiente mais frequente. Também em relações contratuais entre
empresários, pode-se observar a presença de oferta massificada, como no caso das franquias
empresariais em que o franqueador elabora uma circular de oferta de franquia (COF), dirigida a
todos os eventuais interessados em se tornar franqueados da marca.
No Código Civil de 2002, a oferta é tratada no art. 429, a saber:
Seção II – Da Oferta
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada
por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e
serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular
ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
30
Caio Mario (ob. cit., p. 21) cita como exemplo a oferta afixada nas máquinas automáticas, em que a manifestação do
oblato depende de simples inserção da moeda na ranhura respectiva.
39
A força vinculativa da oferta no CDC é claríssima, afastando prática comercial abusiva,
por parte do fornecedor, de recusar ou modificar unilateralmente a oferta, à revelia da adesão
do consumidor.
40
O fornecedor deverá entregar o orçamento, o que significa, em uma interpretação literal, que
não basta a negociação verbal, exigindo-se a prova documental do orçamento entregue ao
consumidor e por ele expressamente aprovado.
31
Apud RIZZARDO, Arnaldo. Direito das coisas. Rio de Janeiro: Forense, [20--]. p. 983.
32
FERNANDES, Wanderley. Fundamentos e princípios dos contratos empresariais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
41
Já o Código de 2002 não veda a cláusula de arrependimento, que pode ser pactuada, exigindo,
porém, que o direito de arrependimento esteja previsto expressamente (art. 462) e na sua ausência
caberá execução específica.
Mesmo quando prevista de forma expressa, a cláusula de arrependimento, para ser exercitada,
deve coadunar-se com a boa-fé objetiva, a afastar a abusividade do seu exercício, bem como a vedar
tal arrependimento depois do adimplemento substancial ou integral do contrato.
Questão polêmica é a da cláusula penal em caso de arrependimento, a funcionar como uma
compensação devida à outra parte pelo desfazimento do negócio. A possibilidade de previsão de
cláusula dessa natureza em si não suscita maior divergência. Já o seu quantum é o ponto central
da controvérsia.
Segundo o Código Civil, no seu art. 412, a cláusula penal não pode superar o valor da
obrigação principal. Em que pese à tamanha abertura para fixação da pena, a imposição de cláusula
penal manifestamente desproporcional impõe ao juiz o dever de reduzi-la equitativamente,
exercendo controle sobre a excessiva onerosidade, na forma do art. 413.
Já no âmbito das relações de consumo é expressamente proibida cláusula penal que imponha
o perdimento total dos valores pagos, vedação que se encontra no art. 53, do CDC. O referido
diploma legal não estipula, contudo, qual seria o percentual de perda admitido, nem define o prazo
para a respectiva restituição da diferença.
42
Na sistemática do Código Civil de 1916, o Supremo Tribunal Federal (STF), em meados do
século XX, editou as Súmulas 167 e 168,33 considerando o registro essencial para a propositura da
ação de adjudicação compulsória.
Posteriormente, superando a posição do STF, o STJ passou a considerar o registro apenas um
fator de eficácia em relação a terceiros, sendo dispensável o registro prévio para a execução do
contrato entre as partes contratantes: “Súmula 239 – O direito a adjudicação compulsória não se
condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”.
A doutrina tem defendido majoritariamente a continuidade do entendimento firmado pelo STJ,
como se observa dos enunciados aprovados pela I Jornada de Direito Civil promovida pelo CJF:
Conteúdo do contrato
Elementos essenciais
O primeiro elemento essencial de um contrato é a pluralidade de partes capazes e
devidamente legitimadas para o contrato que irão celebrar. O contrato pressupõe ao menos duas
partes, sendo o autocontrato apresentado como uma exceção à pluralidade de sujeitos. Na verdade,
dá-se o autocontrato quando alguém, por exemplo, recebe poderes de representação com a
autorização para atuar em causa própria, sendo então admitida a possibilidade de, na qualidade de
representante de alguém, o agente firmar um contrato como representante de um lado, e em causa
própria do outro, havendo assim unicidade de interesses já que o representante atua em causa
própria (interesse próprio).
Exemplo: posso ser procurador de alguém com poderes para transferir a propriedade de um
imóvel, cujos poderes já me foram transferidos por meio do mandato e cujo comprador seja eu
mesmo, hipótese em que serei o único interessado no negócio.
33
167 – Não se aplica o regime do Decreto-Lei 58, de 10 de dezembro de 1937, ao compromisso de compra e venda não
inscrito no registro imobiliário, salvo se o promitente vendedor se obrigou a efetuar o registro.
168 – Para os efeitos do Decreto-Lei 58, de 10 de dezembro de 1937, admite-se a inscrição imobiliária do compromisso de
compra e venda no curso da ação.
43
Como bem observa Silvio de Salvo Venosa, nas situações em que o representante conclui, ele
mesmo, o contrato por si e pelo representado, existe uma configuração formal de autocontrato: “Se
o representante pode tratar com terceiros em nome do representado, poderia, em tese, contratar
consigo mesmo, surgindo aí a figura do autocontrato. Temos no caso a figura de dois contratantes
numa só pessoa”.34
A capacidade de direito ou aquisição é a capacidade que se tem para adquirir direitos e
contrair obrigações na ordem civil. É a capacidade para figurar nas relações jurídicas.
A capacidade de fato ou de exercício, por sua vez, é a possibilidade de atuar por si mesmo nas
relações jurídicas, manifestando a vontade diretamente, não se confundindo com a possibilidade de
meramente figurar nessas relações jurídicas.
Quando se fala em agente capaz, há de se ter em mente que a capacidade a ser aferida é a
capacidade de fato, muito embora se admita excepcionalmente a legitimidade de entes
despersonalizados para figurarem como parte em certos contratos.
Exemplo 1: quem tem menos de 16 anos necessita ser representado para ter a sua vontade
considerada válida para a formação do vínculo contratual, seja pelos pais ou tutor. Nesse caso, a
presunção de incapacidade é absoluta, pelo fator idade, de modo que o agente não poderia figurar
sozinho na relação jurídica sob pena de nulidade (art. 166, I, do CCB).
Exemplo 2: a pessoa que tem um grau de deficiência que gera a necessidade de nomeação de
curador. Embora neste caso não haja uma situação de presunção absoluta, pois depende de prova
da necessidade, uma vez constatada, somente com a assistência do curador os contratos envolvendo
a pessoa com deficiência serão considerados válidos.
Enquanto a capacidade de direito confere ao ente a aptidão genérica para ser sujeito de
direitos e de deveres na ordem civil (art. 1º, do CCB) aproximando-se da própria noção de
personalidade jurídica, a capacidade de fato ou de exercício exprime a medida da aptidão da pessoa
para a prática, em concreto, dos atos da vida civil.
Já a legitimação negocial se refere a uma exigência específica do ordenamento jurídico para
determinados atos ou, como preferem Caio Mario e Washington de Barros, a legitimação negocial
representa limitações legais à prática de determinados atos pela natureza especial dos interesses
envolvidos. Desse modo, a legitimação negocial para a realização de negócios jurídicos é tão
importante quanto a verificação da capacidade de exercício do agente.
O segundo elemento essencial é o objeto. O contrato, como qualquer negócio jurídico, para
a sua validade, depende de objeto lícito, possível, determinado ou determinável (art. 104, II, do
CCB). Negócio jurídico sem objeto é inexistente. Negócio jurídico com objeto ilícito, impossível
ou indeterminável é, por sua vez, nulo.
34
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 428. v. 2.
44
A licitude do objeto está relacionada não somente com a sua não contrariedade à norma
expressa, mas também com a moral e os bons costumes. Assim é que um contrato pode ser
considerado nulo pela contrariedade à moral, prevalente naquele meio social.
Já o requisito da possibilidade do objeto diz respeito tanto à possibilidade jurídica quanto à
fática. A possibilidade fática é aquela que alcança a força humana ou à própria natureza, ou seja, o
fato pode ou não acontecer segundo as limitações naturais. Ela pode ser absoluta e atingir a todos,
por exemplo, como a contratação de alguém para remover o morro do Pão de Açúcar do lugar onde
se encontra com a força do próprio corpo.
Outras vezes, a impossibilidade atinge apenas uma pessoa em especial, o devedor. Por
exemplo, um prefeito resolve contratar um surdo-mudo para executar uma ária de ópera no
réveillon. Para o devedor (surdo-mudo), é impossível executar essa tarefa.
A possibilidade jurídica ou impossibilidade jurídica não se confunde, por sua vez, com a
ilicitude do objeto, pois o negócio não é ilícito, mas também não é fisicamente impossível. Existe
um obstáculo legal que impede a execução da tarefa contratada que, em si, não é ilícita.
Exemplo: um despachante é contratado para desmembrar um terreno que mede 1.000 m2
em quatro lotes de 250 m2. É fisicamente possível? Sim. Desmembrar terreno ou contratar
despachante para esse serviço é lícito? Sim. Porém, quando o despachante inicia a execução da
tarefa, depara-se com a legislação municipal que, naquela área, limita o lote mínimo em 360 m2.
Então, será juridicamente impossível executar a tarefa contratada.
O terceiro elemento essencial diz respeito à forma como deve ser manifestada a vontade.
Quanto à forma, a regra está prevista no art. 107, do CCB, que assim dispõe: “A validade da
declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente exigir”.
Pode ser tácita ou expressa, verbal ou escrita, por instrumento público ou escrito particular,
podendo até mesmo ser obtida por meio do silêncio circunstanciado. Todavia, quando houver a
exigência legal e o contrato for celebrado sem observar a forma, ter-se-á um contrato nulo para o
fim ao qual se destina. É exemplo a exigência feita pelo legislador no art. 108, do CCB, que exige
escritura pública para a validade dos negócios jurídicos que envolvam direitos reais sobre imóveis,
cujo valor supere 30 salários-mínimos.
O exercício de alguns direitos, quando têm por fundamento um contrato, pode prescindir
de força probante ou mesmo de validade se determinada forma foi utilizada, como a forma
verbal, por exemplo.
Quando se trata de contrato, o objeto deve conter, ainda, patrimonialidade, pois o fim
econômico é típico dos contratos. As prestações de dar, fazer e não fazer originadas no contrato
devem ser aferíveis em pecúnia, de modo que, em se tornando inútil ou impossível a prestação por
culpa do devedor, o credor terá o direito de exigir o equivalente pecuniário dessa prestação, além
das outras perdas e danos que o caso ensejar.
O quarto elemento essencial é o consenso. Tratando-se de negócio jurídico bilateral ou
plurilateral, a formação do contrato válido exigirá consenso quanto ao seu conteúdo e aos seus efeitos.
45
A contratação, idealmente, não é imposta, mas, sim, uma manifestação de vontade livre e
consciente do contratante e outra do contratado que convergem para o mesmo ponto. Por essa
razão, é equívoco achar que a doação, enquanto contrato, não depende da aceitação do donatário.
Apenas em algumas hipóteses, presume-se aceita pelo silêncio, em razão das circunstâncias.
É de tamanha importância a vontade na formação do contrato que a sua ausência implica a
inexistência do negócio, como ocorre no contrato celebrado sob coação física (vis absoluta).
A vontade deve ser livre, consciente e de boa-fé, para ser apta a formar um vínculo contratual
válido. Vontade livre é uma vontade que não está motivada pela coação, nem premida de necessidade,
não está sendo exercida em estado de perigo, vontade de quem não foi conduzido coercitivamente para
aquela posição contratual. Vontade consciente requer conhecimento do que se está contratando. A
falta de consciência vai alterar a validade desse contrato. Vontade de boa-fé, pois não se admite
manifestação de vontade simulada, valendo-se de ardil para obter um ganho que não é justificado ou
que admita a onerosidade excessiva de quem passa por uma premente necessidade.
Como visto anteriormente, afetam o consentimento e tornam anulável o contrato: vícios na
manifestação da vontade – estado de perigo (art. 156, do CCB), lesão (art. 157, do CCB), erro (art.
138, do CCB), dolo (art. 145, do CCB) e coação (art. 151, do CCB).
Uma vez que o consenso se apresenta como requisito essencial para a formação do contrato,
é oportuno tecer mais algumas considerações sobre a vontade. Autonomia da vontade é o princípio
pelo qual se reconhece na vontade o poder criador de efeitos jurídicos. No dizer do mestre Caio
Mario da Silva Pereira, “o indivíduo é livre para, pela declaração de sua própria vontade, em
conformidade com a lei, criar direitos e contrair obrigações”.
Entretanto, quando a vontade é confrontada com uma lei, qual verdadeiramente seria
responsável pelos efeitos jurídicos do negócio? Não se tratando de matéria de ordem pública, a
vontade é que direcionaria o negócio rumo aos efeitos desejados pelos agentes, tendo as partes de
suportar as consequências asseguradas pelo ordenamento jurídico à sua disciplina.
O art. 112, do CCB, na esteira do que dispunha o art. 85 do Código Civil de 1916, dá o tom
da importância da manifestação de vontade na interpretação dos contratos.
Doutrinariamente, aponta-se, ainda, a causa como elemento essencial do contrato. Apesar de
o art. 104 ter silenciado a esse respeito, o art. 421 faz menção à razão (causa) de contratar,
relacionando-a com a função social do contrato. A divergência maior está em se atribuir à
autonomia privada a causa que integra essencialmente o contrato, ou à função social como sendo
essa causa.
Para aqueles que defendem a autonomia privada como causa essencial,35 a justificativa do
contrato existir seria justamente a autonomia conferida às partes para criarem as suas próprias
estruturas jurídicas e estabelecer os efeitos que desejam ver produzidos entre elas. Assim, a razão do
contrato existir seria justamente essa autonomia.
35
Neste sentido, Flávio Tartuce, Giselda Hironaka, Antonio Junqueira de Azevedo, entre outros.
46
Por outro lado, seguindo o movimento de funcionalização dos direitos subjetivos e ancorados
na literalidade do art. 421, os autores que defendem a função social como causa essencial ao
contrato36 justificam que, para o direito contemporâneo, a existência de uma vontade não alinhada
a uma função social conduziria a um contrato nulo, sendo, portanto, essencial que a liberdade
contratual seja exercida em razão da função social do contrato.
36
Entre outros, Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Moraes, Nelson Rosenvald e Paulo Lobo.
37
A doutrina costuma distinguir, embora não uniformemente, os contratos desta natureza, previamente elaborados,
classificando-os em Contratos de Adesão, contratos sujeitos a Condições Gerais, Contratos-tipo e Contratos Dirigidos. Cf.
MARQUES, Ob. cit., p. 55; PEREIRA, Ob. cit., p. 44; GOMES, Ob. cit., p. 111; VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil. São Paulo:
Atlas, 2001. p. 343. v. 2.
47
Como leciona Cláudia Lima Marques:
Como se extrai dos conceitos acima, para a autora, os contratos de adesão e os sujeitos às
condições gerais possuem algumas características que os distinguem, de forma que as expressões
condições gerais e contratos de adesão não são sinônimas, podendo a primeira expressão englobar
não só os contratos de adesão, como todos aqueles contratos (tipo, dirigidos, formulários)
compostos de cláusulas prévia, unilateral e uniformemente elaboradas.
Orlando Gomes critica a expressão condições gerais, visto que, a seu ver, haveria impropriedade
técnica tanto na escolha do substantivo (condição), quanto do adjetivo (geral). Nas suas palavras:
38
Ob. cit., p.53.
39
Idem, p. 59.
40
Ob. cit., p. 111 e 112.
41
Idem, p. 112.
48
É verdade que os contratos de adesão (ou por adesão) são formados por condições (ou cláusulas)
gerais, não passíveis de qualquer modificação pelo aderente, cláusulas estas elaboradas unilateral e
uniformemente pelo ofertante e, no mais das vezes, dirigidas ao público de modo geral.42
O próprio legislador brasileiro, aliás, conceituou o contrato de adesão de forma abrangente,
não se prendendo a distinções e classificações doutrinárias, como se observa da leitura do art. 54,
da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo
fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir
ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Elementos naturais
Além dos já mencionados elementos essenciais e dos elementos acidentais, os contratos
possuem também elementos naturais, assim considerados aqueles que se verificam presentes
independentemente de expressa menção a eles no contrato, em virtude da sua natureza jurídica.
Por exemplo, em um contrato comutativo, as partes esperam que as prestações recíprocas
sejam equivalentes, de modo que a descoberta posterior de um vício oculto naturalmente irá frustrar
essa legítima expectativa. A garantia legal quanto aos vícios ocultos é, portanto, um elemento natural
em contratos comutativos (art. 441, do CCB).
Contratos eletrônicos
Conceito de contrato eletrônico
Contrato eletrônico é antes de tudo um negócio jurídico com os mesmos elementos
essenciais, os mesmos requisitos de validade e de eficácia dos contratos em geral. O que vai
caracterizá-lo como eletrônico é o fato de ser celebrado por meio de redes, equipamentos e
programas que possibilitam o encontro das vontades das partes na formação do negócio.
É, portanto, o meio eletrônico utilizado pelas partes para interagirem no momento da
conclusão do contrato que vai determiná-lo como sendo um contrato eletrônico.
42
Neste sentido: MARQUES, Claudia Lima. Ob. cit. p. 61.
49
Inegavelmente, a facilidade de comunicação entre as pessoas propiciada principalmente pela
internet, diminuiu substancialmente as fronteiras comerciais, e o comércio eletrônico passou a
realizar-se entre partes situadas nos mais diversos países, adquirindo direitos e assumindo
obrigações entre si.
Todavia, tal liberdade territorial apresenta-se como um desafio ao jurista, na identificação da
lei aplicável, do juízo competente, na criação de mecanismos que deem efetividade a contratos dessa
natureza, etc.
Observamos hodiernamente os próprios agentes econômicos buscando fornecer ferramentas
on-line de resolução de conflitos entre as partes, como no caso do Alibaba. Afinal, uma das grandes
barreiras ao comércio eletrônico ainda é a desconfiança na outra parte e na eficácia dos meios de
execução dos contratos.
50
Princípio da identificação – devida identificação das partes que celebram um contrato
pela internet – e
Princípio da verificação – todos os documentos eletrônicos relacionados devem ser
armazenados, para possibilitar a sua verificação futura.
51
Seção VIII
Dos Documentos Eletrônicos
Art. 439. A utilização de documentos eletrônicos no processo
convencional dependerá de sua conversão à forma impressa e da verificação
de sua autenticidade, na forma da lei.
Art. 440. O juiz apreciará o valor probante do documento eletrônico não
convertido, assegurado às partes o acesso ao seu teor.
Art. 441. Serão admitidos documentos eletrônicos produzidos e
conservados com a observância da legislação específica.
A legislação específica, por sua vez, trata da certificação digital, na forma seguinte:
52
Por fim, as relações contratuais entre fornecedores e consumidores é regida, ainda, pelo
Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013.
Smart contracts
A expressão smart contracts ou contratos inteligentes tem sido utilizada para designar contratos
eletrônicos que se caracterizam por serem autoexecutáveis, isto é, por alcançarem os seus efeitos
dentro do próprio sistema, como ocorre nas transações com criptomoedas, por exemplo.
Os smart contracts são escritos do mesmo modo como são escritos os códigos de programação
e podem ser executados em um ambiente digital, sem a necessidade de geração de documentos
impressos. Esse código pode definir regras estritas e consequências da mesma forma que um
documento legal tradicional, estabelecendo as obrigações, os benefícios e as penalidades que podem
ser devidas a qualquer das partes em várias circunstâncias diferentes. Porém, ao contrário de um
contrato tradicional, ele também pode estar programado para transferir os benefícios, debitar os
pagamentos e gerar as penalidades, sem que a questão precise sair do ambiente eletrônico.
A tecnologia block chain, por exemplo, apresenta grande potencial de aplicação nos contratos
inteligentes, tanto públicos quanto privados.
53
MÓDULO III – GESTÃO E
DESENVOLVIMENTO DO CONTRATO
Neste módulo, trataremos da fase contratual propriamente dita, isto é, dos efeitos do contrato
em relação às partes e aos terceiros, do adimplemento e do inadimplemento contratual. Trataremos
também, do desequilíbrio econômico-financeiro do contrato.
O ponto alto deste módulo é estudo do inadimplemento, dos encargos incidentes e das
cláusulas penais que podem ser ajustadas para minimizar os transtornos da quebra do contrato –
sendo também de enorme aplicabilidade prática.
Fase contratual
Eficácia do contrato entre as partes: execução das obrigações
O objeto da obrigação consiste no comportamento do devedor, positivo (dar ou fazer) ou
negativo (não fazer) dirigido à realização do interesse do credor, que se alcança por meio da
produção do resultado útil programado pelas partes ao contratar. Ao devedor impõe-se a realização
do programa contratual concretamente traçado pelas partes, de modo a satisfazer os interesses
legítimos do credor na prestação, proporcionando-lhe o resultado útil programado.43
Em que pese à prestação possuir uma equivalência pecuniária, a satisfação do interesse do
credor passa, primeiramente, pela utilidade específica proporcionada pela prestação, sendo o
equivalente pecuniário tão somente um parâmetro indenizatório para a hipótese em que a prestação
não possa mais ser executada, quer por impossibilidade, quer pela perda da utilidade.
43
COSTA, Mário Júlio de Almeida. Noções fundamentais de direito civil. 4. ed. rev. e atual. Coimbra: Almedina, 2001. p. 137.
Assim, a prestação deve ser executada pelo devedor com atenção aos fins aos quais se destina,
de modo a alcançar concretamente as expectativas do credor e proporcionar-lhe a utilidade esperada.
Atente-se que, para tanto, a simples execução da prestação principal pelo devedor pode não
garantir ao credor o resultado útil esperado. Isso ocorre quando o devedor não atenta para outros
deveres que decorrem da boa-fé, denominados deveres anexos ou laterais, necessários à
compatibilização da prestação com as expectativas da outra parte.
Exemplo: imaginemos que o dono da obra tenha contratado um empreiteiro para a
construção de um imóvel comercial em que não constou a altura exata do pé-direito da edificação,
havendo apenas referência ao termo “altura usual” e o empreiteiro se valeu disso para construir
utilizando a altura padrão de lojas comerciais de 4,00 metros, com isso poupando substancialmente
recursos. Porém, para a operação de supermercado, a altura executada é insuficiente, reduzindo
significativamente a utilidade da obra. Sob o ponto de vista literal, o empreiteiro alega ter cumprido
corretamente o contrato, mas, sob o ponto de vista da utilidade, a obra frustrou as expectativas do
credor. Tal situação poderia, contudo, ter sido evitada se houvesse maior atenção do empreiteiro
com as especificações, de modo que as informações resultassem simétricas para os contratantes.
De onde se conclui que a execução da prestação principal não é capaz de, por si só, atender
ao interesse objetivo e concreto do credor. A sua satisfação pressupõe, igualmente, a observância
dos deveres de conduta impostos pela boa-fé objetiva, a exigir não apenas que o devedor atue no
sentido de executar a prestação principal, mas também, e com a mesma intensidade, que o devedor
se comporte de acordo com tais outros deveres.
Conclui-se, portanto, que a incidência de deveres de conduta na concreta relação obrigacional
provocou o alargamento do objeto da obrigação, que não pode mais ser concebido como o
comportamento do devedor que apenas executa a prestação principal.
Sob a ótica tradicional oitocentista, o adimplemento da prestação é identificado com o mero
ato do pagamento (ou execução), onde “o credor recebe a própria prestação, varia conforme a
natureza do direito conferido – tradição da coisa nas obrigações de dar, execução do ato ou
abstenção dele nas obrigações de fazer ou não fazer”.44
Trata-se da obrigação sob o ponto de vista meramente estrutural, como apontado
anteriormente. Entretanto, esse ponto de vista não é capaz de abarcar a complexidade da obrigação
como um processo dinâmico e englobante de inúmeros outros deveres além do dever de prestação.
Nesse contexto complexo, o devedor deverá atuar de modo a proporcionar ao credor a satisfação
das suas legítimas expectativas por meio da entrega de uma prestação concretamente útil, bem como
o credor deverá adotar conduta coerente e colaborativa para alcançar tal finalidade.
Em razão da releitura contemporânea das relações obrigacionais ora proposta, há que se entender
o adimplemento como o “cumprimento da prestação concretamente devida, presente a realização dos
44
ALMEIDA, Francisco de Paula Lacerda de. Obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1916. p. 295-296.
56
deveres derivados da boa-fé que se fizeram instrumentalmente necessários para o atendimento
satisfatório do escopo da relação, em acordo ao seu fim e às suas circunstâncias concretas”. 45
Conclui-se que, no curso do processo contratual, as partes deverão comportar-se de modo a
construir, a cada etapa, o propósito útil que objetivam alcançar por meio do negócio, o que envolve
atos antecedentes ao início da execução propriamente dita, ajustes de curso quando necessários e
comportamentos leais após o término da execução.
Tempo do pagamento
Para que a prestação possa atender ao interesse do credor, além de corresponder ao objeto
esperado, de forma concretamente útil, deverá também ser entregue no tempo devido. Uma
prestação tardia pode não mais apresentar a utilidade pretendida, como no caso de um vestido de
noiva entregue depois do casamento.
O Código Civil cuida do tema nos arts. 331 a 333, prevendo como regra que a prestação deva
ser executada na data do vencimento. Ocorre que, por vezes, as partes deixam de estabelecer o termo
de vencimento da obrigação, sendo necessário suprir essa lacuna, o que o legislador o faz por meio do
art. 331, ao estabelecer que se presume o direito do credor de exigir a execução imediatamente.
Apesar de o credor poder exigir a prestação de imediato, é fundamental atentar que ao credor
também são impostos os deveres de boa-fé, devendo por isso exercer o referido direito de modo
compatível, conferindo prazo razoável para o cumprimento. Caso tenha sido concedido prazo
razoável, cientificado o devedor de forma inequívoca, o não cumprimento da obrigação acarretará
a denominada mora ex persona (art. 397, parágrafo único, do CCB).
Em se tratando de obrigação sob condição suspensiva, somente depois do implemento da
condição o credor poderá exigir o pagamento, cabendo a este dar ciência ao devedor de que o
implemento se deu (art. 332, do CCB).
Vencimento antecipado
Há hipóteses em que ao credor será lícito exigir o pagamento antes do termo inicialmente
avençado. São situações que autorizam o vencimento antecipado da dívida, na forma do art. 333,
in verbis:
Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes de vencido
o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código:
I - no caso de falência do devedor, ou de concurso de credores;
II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem penhorados em
execução por outro credor;
45
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense,
2003. p. 67. v. 5. t. 2.
57
III - se cessarem, ou se se tornarem insuficientes, as garantias do débito,
fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar a reforçá-las.
Parágrafo único. Nos casos deste artigo, se houver, no débito, solidariedade
passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.
Atente-se para o teor do parágrafo único que representa a característica de pessoalidade presente
no direito obrigacional, preservando o direito dos demais devedores ao prazo estabelecido.
Lugar do pagamento
O lugar do pagamento também integra a ideia de execução satisfatória, sendo direito do credor
receber a prestação no lugar indicado, bem como é direito do devedor pagar onde se combinou.
Imagine que tenha sido ajustado pagamento consistente na entrega de carga, transportada
por navio, no Porto de Santos (SP). O credor não poderá ser obrigado a receber, nem o devedor a
entregar, no Porto de Paranaguá (PR).
Não tendo sido estipulado o lugar do pagamento, presume-se que este deva ocorrer no
domicílio do devedor, denominando-se de obrigação quesível (querable). Caso seja estabelecido
local diverso ou atribuído ao credor o direito de indicar o lugar do pagamento, teremos a
denominada obrigação portável (portable).
Em se tratando de prestações de natureza imobiliária, salvo disposição em contrário, o
pagamento deve ocorrer no lugar onde está situado o imóvel.
Por fim, cabe destacar a incidência expressa da figura da supressio em relação ao lugar do
pagamento, uma vez que o art. 330, do CCB, prevê que o pagamento reiterado e sem ressalvas em
lugar diverso do pactuado faz presumir a renúncia do credor ao lugar inicialmente indicado.
58
São situações em que um dos contratantes, denominado estipulante, indica um terceiro,
estranho à contratação, como beneficiário da prestação ou do encargo que deverá ser executado pelo
outro contratante.
Exemplo: mutuante e mutuário celebram contrato de empréstimo e preveem como garantia
que o mutuário estipulará um seguro de vida com a Seguradora X, cujo objeto é quitar a dívida no
caso de morte do devedor e, portanto, tem como beneficiário do pagamento do seguro o mutuante.
Nessa hipótese, teremos no contrato de seguro duas partes – o segurado estipulante (mutuário) e o
segurador, e como terceiro beneficiário o mutuante.
Na hipótese ora tratada, interessa saber quem poderá exigir o cumprimento da obrigação, se
o estipulante ou o próprio beneficiário. O art. 436, do CCB, oferece a resposta: “Art. 436. O que
estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação”.
Dependendo das razões que determinaram a escolha do terceiro beneficiário, o estipulante
poderá reserva-se o direito de substituí-lo por outra pessoa, independentemente da sua anuência e
da do outro contratante, como preceitua o art. 438, do CCB.
59
Garantias prestadas por terceiros
As garantias em face do eventual inadimplemento de um contrato podem ser fidejussórias ou
reais. Denominam-se fidejussórias as garantias pessoais, em que o garantidor não oferece nenhum
bem específico, mas, sim, a universalidade dos seus bens, o seu patrimônio, para assegurar que a
obrigação garantida será paga, enquanto as garantias reais são vinculadas a um bem ou a bens
específicos, que ficam afetados à satisfação da obrigação garantida.
As garantias pessoais (fidejussórias) mais frequentes são a fiança, o aval e, mais recentemente,
as Cartas de Conforto. Vale lembrar que as garantias pessoais não se limitam a modelos previamente
tipificados em lei, podendo ser fruto da autonomia privada, como é o caso das Cartas de Conforto.
Já as garantias de natureza real são necessariamente previstas em lei, em rol taxativo, sendo
constituídas sobre um bem alheio (do devedor ou de terceiro), como o penhor, a hipoteca e a
anticrese, ou sobre bem próprio (alienado pelo devedor ou por terceiro ao credor), constituindo a
propriedade ou titularidade fiduciária.
Quando as garantias contratuais são prestadas por terceiros que não o devedor principal,
temos um pacto acessório que subordina o patrimônio pessoal ou bens específicos desse terceiro ao
eventual descumprimento da obrigação pelo devedor. Nessas hipóteses, o contrato poderá gerar
efeitos em relação ao garantidor, embora não seja parte do contrato principal.
60
do encargo oposto (da outra parte). Assim, a obrigação somente será exigível se houver a
concretização das justas expectativas das partes.
Os contratos aleatórios, ao revés, são aqueles em que uma das partes tem por obrigação
satisfazer algo que está sujeito a uma álea, à incerteza, a um evento futuro e incerto.
Não há necessidade de verificação de equivalência nos contratos aleatórios. Não existiria, em
regra, onerosidade excessiva a ser alegada, vez que o risco faz parte da natureza do negócio.
61
Nos séculos seguintes, com o trabalho dos pós-glosadores – séculos XIV a XVI – e com a
consagração do modelo liberal das codificações – séculos XVIII e XIX –, a cláusula rebus sic stantibus
foi enfraquecida e praticamente esquecida.
Foi com o pós-guerra e a crise do modelo liberal de contrato que se deu o resgate da cláusula
rebus sic stantibus, inicialmente na França, com o caso do fornecimento de energia (1916). O leading
case da possibilidade de aplicação da Teoria da Imprevisão na França ocorreu no campo do direito
público, com uma decisão do Conseil d’État francês, em 30 de março de 1916, ao apreciar litígio
entre a Prefeitura de Bordeaux e a Compagnie Générale d’Éclairage daquela cidade, relativamente
a contrato de concessão de serviços públicos de energia. Posteriormente, a referida Teoria foi
consagrada com a edição da Loi Faillot, em 1918.
A Teoria da Imprevisão apresenta como pressupostos para a sua aplicação:46
imprevisibilidade e excepcionalidade do evento causador do desequilíbrio e
extraordinariedade da álea causada a um dos contratantes.
No atual Código Civil, encontra-se a Teoria da Imprevisão disposta no art. 317, que trata do
instituto da revisão judicial das prestações, em virtude de desequilíbrio ou desproporção,
superveniente à relação obrigacional. Essa hipótese, embora não contemplada expressamente no
Código anterior, já era objeto de reconhecimento pela jurisprudência, especialmente em virtude
dos efeitos da guerra e, mais particularmente no caso do Brasil, das crises econômicas.
46
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil: do direito das obrigações, do adimplemento e da extinção
das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, [20--]. p. 237. v. 5, t. 1.
47
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Comentários ao Novo Código Civil: da extinção do contrato. Coord. Sálvio de Figueiredo
Teixeira. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 900. v. 6. t. 2.
62
Em 1942, o Código Civil Italiano adotou, nos seus arts. 1.467, 1.468 e 1.469, a excessiva
onerosidade como uma das causas de resolução dos contratos em geral. Buscava-se incorporar a
ideia de direito justo em matéria contratual e afastar-se da concepção contratual rígida baseada no
dogma da vontade, sustentando a onerosidade excessiva como reflexo do conceito de (des)equilíbrio
objetivo entre as prestações, assim, evidenciando marcas do sinalagma funcional que, atualmente,
vem traçando as diretrizes das relações contratuais.
Entende-se, de acordo com essa teoria, que, ao tempo do adimplemento, nos contratos de
execução diferida, prolongada ou continuada, deverão estar presentes as circunstâncias que garantam
a equivalência entre as obrigações recíprocas e a obtenção do fim natural do contrato (função).
A teoria da onerosidade excessiva superveniente tem como função precípua manter a
sinalagma entre as prestações no decorrer do tempo. Também nos casos em que a superveniência
de determinados acontecimentos abale acentuadamente as bases contratuais sobre as quais está
firmada a vontade das partes na época da celebração da avença.
Efetivamente, ao firmarem um contrato comutativo, as partes assumem uma álea
determinada, porém, que não abarca todas e quaisquer variações incontroláveis de valores
contratuais supervenientes. A ocorrência de determinado acontecimento que acarrete a ruptura do
sinalagma presente na base contratual poderia ensejar a revisão ou a resolução contratual.
A teoria em questão aparece no atual Código Civil prevista no Livro I “Do Direito Das
Obrigações”, Título V “Dos Contratos Em Geral”, na Seção IV que trata “Da Resolução Por
Onerosidade Excessiva”, sendo disciplinada nos arts. 478 a 480.
Assim, nas hipóteses de contratos de execução continuada ou diferida em que a prestação de
uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude
de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, admite-se a resolução do negócio jurídico com
base no art. 478, do CCB.
Os pressupostos historicamente relacionados à Teoria da Onerosidade Excessiva são: a)
ocorrência de fatos supervenientes que atinjam a prestação de modo a dotá-la de um valor muito
distinto do anterior, o que caracteriza a onerosidade excessiva; e b) imprevisibilidade e
extraordinariedade dos fatos.48
Todavia, de acordo com a redação do art. 478, do CCB, os requisitos para a aplicação da
resolução por onerosidade excessiva seriam os seguintes: a) contratos de execução continuada ou
diferida; b) excessiva onerosidade; c) extrema vantagem para uma das partes; e d) acontecimentos
extraordinários e imprevisíveis.
48
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Adimplemento e extinção das obrigações. In: REALE JR., Miguel; MARTINS-COSTA, Judith
(Coords.). Biblioteca de direito civil: estudos em homenagem ao Professor Miguel Reale. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2007. p. 170 e 171. v. 6.
63
a) Contratos de execução continuada ou diferida
De uma maneira geral, não cabe a aplicação da teoria da imprevisão com relação a contratos
de execução imediata ou instantânea, pois a equivalência neste caso seria medida no momento de
formação do contrato, e não no seu curso de execução, sendo pertinente apenas àqueles cuja
execução se prolongue no tempo, tais como os contratos de execução diferida, onde a prestação será
programada para ser executada em momento futuro; a execução continuada por trato sucessivo, em
que cada prestação sucessiva vincula-se a um sinalagma específico; e a execução parcelada, em que
a prestação, por ser divisível e comportar parcelamento, é fracionada por vontade das partes ou
excepcionalmente da lei, sendo a sua execução desenvolvida ao longo do tempo até a integral
satisfação do sinalagma que representa.
b) Excessiva onerosidade
Variante da Teoria da Imprevisão, esta exige a verificação da existência de um aumento
excessivo da obrigação de uma das partes, como resultado dos efeitos da superveniência de um
evento imprevisível sobre as bases do contrato. Apresenta-se como o principal requisito para a
Teoria da Onerosidade Excessiva, de modo que a prova da sua existência tem sido considerada, em
sede jurisprudencial, como forte indício a favor da imprevisibilidade do evento superveniente.
Prega-se, hoje, que a parte prejudicada não consente, ao contratar, com um sacrifício
ilimitado do seu patrimônio, mas apenas se sujeita a determinados riscos razoáveis e suportáveis que
possam concretizar-se durante a execução contratual. Nesse sentido, entende-se que, se de fato
ocorreu acentuado desequilíbrio, é possível inferir que se deu um fato imprevisto.
Dessa maneira, pode-se pensar, inclusive, em uma separação entre o caráter imprevisível e o
fato superveniente, de modo que a imprevisão não esteja vinculada ao evento em si, que pode ser
previsível, mas, sim, necessariamente aos seus efeitos, estes certamente imprevisíveis, no contrato.49
A resolução por onerosidade excessiva tem como característica o fato de poder ser utilizada por
ambas as partes do negócio jurídico, seja o credor, seja o devedor, sendo determinante a aferição concreta
de qual deles sofreu demasiado ônus proveniente da quebra da correspectividade das prestações.
Entende-se, hodiernamente, que há a necessidade da ocorrência de algo que modifique a relação
contratual de sorte a romper o sinalagma presente na sua base, faz-se, pois, mister que se verifique a
existência de uma alteração que ultrapasse os limites da álea normal de determinado contrato.
49
SILVA, Jorge Cesa Ferreira da. Princípios de direito das obrigações no Novo Código Civil. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).
O novo Código Civil e a Constituição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 125.
64
Muito embora, em grande parte dos casos, esse “efeito gangorra” esteja presente – perde-se
de um lado, enquanto lucra-se do outro –, não poderia, de nenhuma forma, ser este requisito
indispensável à aplicação de tal teoria e possível resolução do contrato. Ainda que sirva de reforço
para comprovar a configuração do desequilíbrio contratual, a exigência de vantagem exagerada não
lhe é essencial, uma vez que as vantagens de um dos contratantes podem restar inalteradas, sem
impedir que a obrigação do outro se torne excessivamente onerosa.
Ressalta-se que a jurisprudência brasileira, muitas vezes, dispensa tal requisito, fazendo incidir
o art. 478 sem a necessária aferição concreta da extrema vantagem. Nesse sentido, Nelson Borges:
é tudo aquilo que está fora do ordinário curso das coisas, assumindo-se,
portanto, como índice da previsibilidade das circunstâncias os critérios de
valorização do homem médio, que prevê, precisamente, somente aquilo
que entra no normal desenrolar dos acontecimentos.51
50
BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão no direito civil e no processo civil. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 323.
51
BESSONE, Mario. Adempimento e rischio contrattuale, 1998 apud FRANTZ, Laura Coradini. Revisão dos contratos:
elementos para sua construção dogmática. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 76.
65
Conclui-se assim que, no âmbito do Código Civil, o art. 317 daria suporte para a aplicação
da Teoria da Imprevisão, enquanto o art. 478 adotaria a Teoria da Onerosidade Excessiva
Superveniente. A distinção estaria, então, na análise da capacidade subjetiva de prever (ou não) o
fato superveniente (Teoria da Imprevisão) ou na análise objetiva da previsibilidade (ou não) da
excessiva onerosidade superveniente como efeito (Teoria da Onerosidade Excessiva).
Outro aspecto que pode ser ressaltado é que o art. 317 trata da revisão judicial do contrato,
enquanto o art. 478, do CCB, por sua vez, é aplicado para os casos em que se verifique
impossibilidade superveniente de execução da prestação, sendo esta uma causa extintiva do
contrato. Muito embora a redação do Código Civil de 2002 nos apresente a figura da resolução no
art. 478, é bem verdade que o próprio legislador reconheceu a eventual possibilidade de revisão
amigável como modo de conservação do vínculo no art. 479.
Fora do Código Civil, encontramos a cláusula rebus sic stantibus sendo aplicada também no
Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, a doutrina consumerista, de um modo geral, aponta
a Teoria da Base do Negócio Jurídico, criada por Oertmann e desenvolvida por Karl Larenz, como
sendo o fundamento da revisão contratual por onerosidade excessiva superveniente, prevista no art.
6°, V, daquele diploma legal. Essa teoria está fundada na cláusula geral de boa-fé.
A posição original de Oertmann aponta para a base subjetiva do negócio (aspecto psicológico
da “representação”), sendo solucionada na origem pela anulação (por erro substancial) ou pela
modificação da cláusula visando a atender às justas expectativas das partes contratantes (princípio
da confiança, teoria da aparência).
Essa posição inicial foi posteriormente desenvolvida por Larenz, concentrando-se o foco de
atenção na base objetiva do negócio, considerando os elementos objetivos (legislação, economia,
etc.) no momento da contratação e a superveniente onerosidade excessiva, para restabelecer as bases
objetivas originais e equânimes do contrato, independentemente dos aspectos subjetivos da Teoria
da Imprevisão.
Desse modo, são pressupostos para a aplicação da Teoria da Base Objetiva que: a) o contrato
seja de execução continuada ou diferida; e b) em consequência de circunstâncias externas, ocorra o
desequilíbrio das obrigações avençadas, tornando o cumprimento excessivamente oneroso para uma
das partes, acarretando violação interna, relacionando-o com a boa-fé, ou a impossibilidade de
alcançar o seu fim, relacionando-o com a função social.
52
OERTMANN apud NERY JR., Nelson. Código Civil anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, [20--]. p. 339.
66
Revisão do contrato
O Código Civil atual, cujo projeto de lei foi apresentado no ano de 1975, refletiu no seu
texto uma fase ainda tímida da doutrina contratual, em que se concebia o contrato como um
instrumento intangível, intocável, impenetrável, de modo que somente as partes poderiam, por
vontade livre e consciente, estabelecer os efeitos desejados para as suas relações.
Mesmo em hipóteses de exceção ao pacta sunt servanda, como nos casos de onerosidade
excessiva decorrente de causa supervenientes, o legislador preferiu consagrar a Teoria da Imprevisão,
estabelecendo a imprevisibilidade e a extraordinariedade como requisitos para a aplicação da
resolução por onerosidade excessiva (art. 478, do CCB).
Além disso, o legislador demonstrou o seu pudor em invadir o conteúdo do contrato, ao
dispor que a resolução poderá ser evitada se a outra parte concordar em alterar as bases do negócio
(art. 479, do CCB), não deixando expressa a possibilidade de o próprio juiz rever o conteúdo
contratual, mesmo sem a anuência da parte favorecida.
A doutrina e jurisprudência contemporâneas, todavia, já deram prova de que não comungam
com o pensamento tímido refletido no Código Civil e têm defendido a possibilidade de revisão
judicial do contrato com base na função social e na boa-fé objetiva, interpretação dada ao disposto
nos arts. 421 e 422, do CCB.53
A discussão residiria na possibilidade ou não de intervenção judicial na esfera privada do
contrato para afastar a onerosidade excessiva sem romper o vínculo contratual.
O art. 478, do CCB, trata de RESOLUÇÃO do contrato por onerosidade excessiva, somente
admitindo a modificação do seu conteúdo por mútuo acordo (art. 479, do CCB), e impondo como
requisito a imprevisibilidade e extraordinariedade do fato superveniente. Esta seria a interpretação
isolada e literal dos citados dispositivos.
Contra tal entendimento verificam-se os Enunciados nº 26 e nº 27 da I Jornada de Direito
Civil, promovida pelo CJF e pelo STJ, dispondo, em síntese, que é possível a revisão judicial do
contrato em observância à boa-fé objetiva, para preenchimento e observância desta cláusula geral.
A interpretação conferida por Nelson Nery Jr., Marco Aurélio Bezerra de Melo, Silvio de
Salvo Venosa (com a ressalva de que se não for requerido pelo autor não poderá ser realizada pelo
juiz) e Sylvio Capanema, por exemplo, é que poderá haver revisão judicial do contrato,
independentemente da anuência do réu, em observância à função social, à boa-fé e à ideia de que
quem pode o mais (resolução) pode o menos (revisão). Já para Caio Mario da Silva Pereira, Maria
Helena Diniz e Silvio Rodrigues, por sua vez, somente poderia haver a revisão do contrato com a
concordância do réu.
53
NERY JR., Nelson. Código civil anotado. São Paulo: Revista dos Tribunais, [20--].
67
Outra questão controvertida versa sobre a validade da inserção de cláusula de exclusão da
revisão judicial nos contratos. Na opinião de Venosa, no Código de Defesa do Consumidor, em se
tratando de contrato de adesão, com cláusulas predispostas, a cláusula não deverá ser admitida. Já
na esfera paritária do Código Civil, será nula a cláusula que estabelecer a vedação genérica, mas
poderá ser válida a que excluir o direito à revisão ou resolução por fatos específicos (por exemplo,
variação cambial).
Inadimplemento contratual
Inexecução e inadimplemento
Na visão tradicional de obrigação, estrutural e estática, o inadimplemento se restringia à
inexecução da prestação, por conduta culposa do devedor.
Contemporaneamente, na medida em que é na satisfação do credor que se encontra a visão
ampliada do adimplemento, na mesma medida temos a ampliação do conceito de inadimplemento
para além dos limites da inexecução culposa. Assim, se o credor se encontra frustrado nas suas
expectativas legítimas, haverá o inadimplemento, independentemente de ter havido ou não o
pagamento. Inadimplemento vai além do simples não pagamento.
Isso não significa que não continuemos reconhecendo hipóteses de inadimplemento que são
consideradas tradicionais, por exemplo, a mora. Essas figuras já eram tratadas doutrinariamente na
visão tradicional e permaneceram. O que ocorreu foi o acréscimo de outras figuras, incluindo o
descumprimento de outros deveres laterais como também determinante do inadimplemento e
conferindo-se um valor maior À violação positiva do contrato.
O tradicional comportamento do devedor que caracteriza o inadimplemento é a violação
negativa, que se dá pela falta de pagamento ou inexecução voluntária. A voluntariedade, contudo,
somente será exigida quando a responsabilidade for subjetiva, isto é, fundada na culpa. Em se
tratando de responsabilidade objetiva, fundada no risco, como a do Código de Defesa do
Consumidor, basta que a inexecução ocorra por um fortuito interno da atividade.
Exemplo: “A” celebra contrato com a Construtora “B”, de promessa de compra e venda de
imóvel na planta. Ficou acordado que o imóvel seria entregue em prazo determinado. No
vencimento acordado, o imóvel não foi entregue. Houve inexecução? Sim. Por parte da construtora?
Sim. Se esse atraso tiver sido em decorrência de não ter o órgão público dado a licença no prazo
estimado, o que atrasou o início da construção, isso afasta o inadimplemento? Não, pois se trata de
relação de consumo, o construtor está sob o risco do seu empreendimento, e o atraso da construção
é fortuito interno da sua atividade.
68
Mora e consequências
Denomina-se relativo o inadimplemento quando a prestação, apesar de inadimplida,
mantiver-se útil ao credor, possibilitando a purga da mora pelo devedor. Nesse caso, a recusa do
credor a receber o pagamento tardio pode caracterizar-se como abuso de direito e autorizar a
consignação em pagamento, desde que o devedor ofereça também os encargos moratórios.
Até o início dos anos 1990, entendia-se que isso não era possível, pois o devedor não poderia
consignar em pagamento se fosse confessadamente inadimplente, então, o devedor que estivesse
confessadamente em mora não poderia obrigar o credor a receber. Prevalece atualmente a
compreensão de que a purga da mora, em situações de utilidade manifesta da prestação,
afigura-se como direito potestativo do devedor, ao qual está sujeito o credor.
No inadimplemento relativo, a prestação ainda interessa ao credor, mas isso não impede que
as partes, prevendo a possibilidade da sua ocorrência, estabeleçam cláusula penal para esse fim. Se
houver, ela não substitui a prestação, pois se esta ainda interessa ao credor, a purga da mora
importará a execução específica da prestação. Desse modo, se houver uma cláusula penal nesse caso,
ela vai ser acrescida à prestação e cobrada cumulativamente.
Então, qual é a função da cláusula penal nesse caso? Compelir o devedor a cumprir a prestação
tempestivamente, servindo como um mecanismo de coerção (sob pena de...), como sanção pelo
atraso. Trata-se da denominada cláusula penal moratória.
A cláusula penal moratória não substitui a prestação devida, que ainda é útil, sendo exigível
cumulativamente com a prestação. A sua função é reforçar a pontualidade, punindo o atraso. Além
disso, ela não impede que o credor exija perdas e danos pelo descumprimento do contrato.
Há limite para essa penalidade? O art. 412, do CCB, estabelece que não poderá ultrapassar o
valor da obrigação principal. Esse é um limite genérico da cláusula penal, que raramente se coaduna
com a cláusula penal moratória. Na relação de consumo, por exemplo, se o consumidor atrasar o
pagamento da sua prestação, a cláusula penal moratória permitida é de até 2% do valor da obrigação.
Assim, por mais que o art. 412, do CCB, aponte o valor da dívida principal como limite,
dificilmente a penalidade moratória será neste valor. Mas e se, na literalidade da lei, for estabelecido
no contrato o valor da cláusula penal moratória em 80% do valor principal?
Nesse caso, a regra contida no art. 413, do CCB, serve de instrumento de controle judicial
dos excessos, sendo um dispositivo de ordem pública. Sempre que a multa se mostrar excessiva, o
juiz deve, como imperativo legal, reduzir o valor dessa multa. Vale lembrar que a cláusula penal
moratória tem a função apenas de reforçar a pontualidade. Ela não afasta a exigibilidade da
obrigação em si, nem de perdas e danos, não podendo ser tão elevada a ponto de representar o
enriquecimento abusivo do credor.
Por força do que dispõe o art. 395, do CCB, mesmo que inexista cláusula penal moratória
estipulada no contrato, a mora acarretará incidência de encargos. São eles: juros de mora, atualização
monetária da prestação, danos emergentes, lucros cessantes, honorários advocatícios e, dependendo
das circunstâncias, danos morais.
69
Os juros de mora serão aqueles fixados no contrato e, no silêncio, observarão o disposto no
art. 406, do CCB. A contagem dos juros moratórios variará conforme a espécie de obrigação
inadimplida, conforme apresentado no quadro abaixo:
modalidade da
constituição em mora juros de mora
obrigação
Inadimplemento absoluto
Diz-se inadimplemento absoluto (ou em sentido estrito) aquele que se caracteriza pelo
desaparecimento da utilidade da prestação para o credor, de modo que este legitimamente não tem
mais interesse em receber, sendo-lhe facultado resolver a obrigação em perdas e danos (art. 395,
parágrafo único, do CCB):
Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa,
mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao
credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.
(grifamos)
70
O inadimplemento absoluto fundamenta, assim, a cláusula resolutiva contratual a que se
referem os arts. 474 e 475, ambos do CCB:
No caso do inadimplemento absoluto, a prestação não é mais útil, o credor não tem mais
interesse nela, o que autoriza o credor a resolver o contrato em perdas e danos. A cláusula penal,
nesse caso, é a prefixação do prejuízo, permitindo ao credor a execução imediata do valor da cláusula
sem a necessidade de provar ter sofrido efetivamente perdas e danos. Aqui a cláusula penal compensa
a rescisão do contrato, denominando-se cláusula penal compensatória.
Para exigir a cláusula penal, o credor não precisa alegar prejuízo (art. 416, do CCB), sendo
necessário tão somente provar o inadimplemento.
O limite dessa indenização prefixada é, como anteriormente dito, o valor da obrigação
principal (art. 412, do CCB). Se a cláusula penal exceder esse limite, caberá ao juiz reduzi-lo, bem
como se o percentual estiver dentro do limite do art. 412, do CCB, mas, ainda assim, mostrar-se
excessivamente onerosa, o juiz deverá reduzi-lo na forma do art. 413, do CCB.
A vantagem para o devedor com a estipulação da cláusula penal compensatória é que ela
funcionará, salvo disposição em contrário, como limite indenizatório, possibilitando melhor
provisão dos custos contratuais.
Art. 477. Se, depois de concluído o contrato, sobrevier a uma das partes
contratantes diminuição em seu patrimônio capaz de comprometer ou
tornar duvidosa a prestação pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se à
prestação que lhe incumbe, até que aquela satisfaça a que lhe compete ou
dê garantia bastante de satisfazê-la.
71
Exemplo: o contratante que tem obrigação de pagar parcelas sucessivas do preço antes de
receber a coisa, toma conhecimento de que, no curso do contrato, o outro contratante entrou em
estado de insolvência. Nesse caso, ainda que não vencida a obrigação da outra parte de entregar a
coisa, o comprador pode notificar o vendedor informando que, em razão da insolvência, irá suspender
o pagamento das parcelas até que a coisa seja entregue ou novas garantias sejam prestadas.
(ii) O contratante ameaçado pelo inadimplemento futuro poderá ter justa causa para perder,
de imediato, o interesse no contrato, o que lhe autorizaria a pedir a resolução do contrato e a conversão
em perdas e danos. Nesse caso, embora a obrigação da outra parte não esteja vencida ainda, já há
elementos para se imputar a ela a responsabilidade pela frustração do contrato.
Exemplo: “A” programou as férias e comprou um pacote turístico. Três meses antes da
viagem, é veiculada pela imprensa a notícia de que a empresa de turismo não está cumprindo os
contratos e passa por dificuldades financeiras. “A”, justificadamente temeroso da impossibilidade
de viajar no período das suas férias, opta por não assumir o risco e pleiteia a imediata resolução
do contrato.
72
Parte da doutrina nacional tem, entretanto, questionado a real necessidade de se classificar a
violação positiva como uma terceira modalidade de inadimplemento. Nesse sentido, Gustavo
Tepedino e Anderson Schreiber:
54
TEPEDINO, Gustavo José Mendes; SCHREIBER, Anderson. Código Civil comentado: direito das obrigações. AZEVEDO,
Álvaro Villaça (Coord.). São Paulo: Atlas, 2008. p. 343-344.
73
MÓDULO IV – EXTINÇÃO DO CONTRATO
Distrato
A primeira seção cuida da resilição do contrato, por meio da figura do distrato, que pode ser
bilateral ou unilateral. Resilir o contrato é, de todas as formas de extinção, a mais excepcional. Isso
se dá porque a resilição independe de justa causa, o que significa que é fruto do exercício de um
direito potestativo que, em casos especiais, as partes, ou uma delas, podem titularizar.
Resilição bilateral
Sendo bilateral o distrato, as partes estarão de acordo com o fim do contrato, ambas
consentirão com o término antecipado da relação contratual justamente por entenderem ser a
solução que melhor atenderá aos interesses dos envolvidos. Nesse caso, as restrições ao exercício da
liberdade de distratar estarão relacionadas à ordem pública, como a eventual necessidade de forma
especial (art. 472, do CCB) e o respeito à função social (art. 421, do CCB). Respeitados os interesses
de ordem pública, o distrato poderá ser ultimado pelo consenso das partes e pôr fim ao contrato até
então vigente.
76
Resilição unilateral ou denúncia
Por outro lado, a forma unilateral de distratar, ou resilir, é corretamente prevista pelo art.
473, do CCB, como sendo modalidade que depende de expressa ou implícita permissão legal, pois
se assenta em uma posição potestativa de uma das partes que sujeita a outra ao término indesejado
do contrato. Assim prevê o caput do art. 473: “Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a
lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte”.
Em se tratando, por exemplo, de contrato de trato sucessivo e vigendo por prazo
indeterminado, é comum haver a possibilidade de denúncia por qualquer das partes que, não mais
desejando permanecer na relação contratual, notifica a outra e dá por extinto o contrato. É o que
ocorre nas relações locatícias, observadas as exigências legais quanto ao prazo mínimo de vigência
(art. 4º; art. 46, § 2º; art. 47, V; art. 56, todos da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991).
Já nas relações de consumo, a solução estabelecida pelo legislador é diferente, uma vez que
considera a necessidade de proteção da parte vulnerável, o consumidor. Nesse diapasão, o Código
de Defesa do Consumidor prevê o seguinte:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...]
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo
fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir
ou modificar substancialmente seu conteúdo. [...]
Da leitura atenta dos dispositivos supra, pode-se extrair que a resilição unilateral em contratos
de consumo somente será admitida se: a) não sendo contrato de adesão, o direito couber a ambas
as partes; e b) sendo contrato de adesão, o direito couber exclusivamente ao consumidor.
De toda forma, o exercício do direito de denunciar imotivadamente o contrato deverá ser
analisado sob o ponto de vista da sua compatibilidade com a natureza do contrato, a fim de não
configurar exercício abusivo de posição contratual ou mesmo nulidade da cláusula resilitória.
77
Multas por distrato
Cumpre-se atentar para o sistema a ser aplicado no que se refere às penalidades que podem
ser impostas ao contratante que, potestativamente e sem justa causa, decide pela desistência do
contrato. Assim, teremos:
Desistência depois do pagamento de arras penitenciais – neste caso, será aplicável a regra
disposta no art. 420, do CCB, que entendemos não colidir com o art. 53, do CDC, pois
não se trata de resolução do contrato na sua fase de execução, mas, sim, de arrependimento
em fase antecedente à execução das obrigações. Desde que o sinal dado não seja
manifestamente excessivo, a desistência imotivada do contratante importará a perda
integral do sinal dado e o não prosseguimento da relação negocial.
Desistência depois do início da execução do programa contratual – nesta hipótese,
entendemos por inaplicável a regra de arras penitenciais, pois é incompatível o instituto
com o prosseguimento dos atos de execução do contrato, de modo que a desistência pelo
adquirente somente será admissível se estiver expressamente assegurada em cláusula
contratual própria, e poderá ensejar penalidade ao consumidor que dá causa ao fim do
contrato. Essa penalidade não poderá contrariar o disposto no art. 53, também do CDC,
ou seja, deverá utilizar critério punitivo-compensatório que não seja a fórmula “perda
integral dos valores já pagos”.
Cláusulas resolutivas
Cláusula resolutiva é aquela que fundamenta hipótese de extinção motivada do contrato. Tal
cláusula pode ser convencionada de comum acordo entre as partes, introduzindo condição
resolutiva ao negócio, ou pode ter o seu fundamento em causa juridicamente legítima, a ser
apreciada pelo juiz no caso concreto.
78
A segunda seção do Código Civil Brasileiro sobre o tema da extinção do contrato versa sobre a
resolução motivada pelo inadimplemento (art. 475), estabelecendo a necessidade ou não de intervenção
judicial de acordo com a existência ou inexistência de cláusula resolutiva expressa (art. 474).
Nesse diapasão, qualquer dos contratantes pode dar causa, por meio do inadimplemento
inescusável das obrigações contratuais, à extinção do contrato, com a sua conversão em perdas e
danos em favor da parte inocente.
É essencial compreender que essa situação difere completamente da resilição unilateral, pois
aquela dispensa motivação legítima, bastando tão somente o não querer de uma das partes. Logo,
se na resilição unilateral quem decide pelo fim do contrato é quem deve compensar a outra parte;
neste caso de inadimplemento, aquele que opta pela resolução é quem deve ser indenizado.
Se o atraso no cumprimento do contrato é breve e o termo não é essencial à utilidade da
prestação, a questão deve ser tratada como simples mora, não ensejando a resolução do contrato,
mas apenas os encargos moratórios, na forma do art. 395, caput, do CCB. Todavia, se o atraso é
substancial, o contratante poderá considerar o inadimplemento como absoluto (art. 395, parágrafo
único, do CCB) e optar pela resolução do contrato (art. 475, do CCB).
79
Cláusula resolutiva e adimplemento substancial
Outro aspecto que deve ser considerado é a perda de eficácia da cláusula resolutiva quando
se está diante do denominado adimplemento substancial. Com a ampliação do sentido de
adimplemento para compreender a noção de satisfação dos interesses do credor e do
inadimplemento como sendo sinônimo de frustração desses mesmos interesses, tem-se que o
adimplemento substancial se caracteriza pela satisfação dos interesses do credor, apesar da
inexecução parcial da obrigação.
Tendo sido de mínima importância o inadimplemento e tendo o credor alcançado
substancialmente os seus objetivos, então, não haverá mais que se falar em inadimplemento absoluto
e, por conseguinte, em resolução motivada do contrato.
A Conversão Formal
Hipótese menos comentada entre os institutos jurídicos relacionados ao Princípio da
Conservação. Trata-se de um mecanismo pelo qual se aproveita o objeto da manifestação de
vontade, desprezando-se somente a formalidade defeituosa com que foi realizado o ato.
80
Para tanto, é indispensável que a forma defeituosa não seja essencial ao contrato que,
portanto, poderia ter sido realizado de forma diversa sem prejuízo à sua validade. Dessa forma, a
mera nulidade do instrumento não invalida o seu conteúdo, se a forma não for obrigatória.
A Conversão Substancial
Especialmente se considerarmos a validade do contrato preliminar celebrado por instrumento
particular (art. 462, do CCB), a possibilidade de conversão de um negócio nulo por ausência de
forma especial, em um contrato preliminar válido e apto a produzir efeitos, é sem dúvida um
instrumento de grande valia na conservação do contrato.
O instituto da conversão substancial do negócio jurídico requer a compatibilidade entre o
objeto que resulta da conversão e a vontade efetivamente declarada pelas partes, de modo que se
possa supor que os contratantes teriam querido esse negócio se houvessem previsto a nulidade, bem
como que o conteúdo do negócio nulo sirva de suporte fático para o novo negócio que resulta da
conversão. Presentes os pressupostos, o juiz converterá o negócio em decisão que operará efeitos
retroativos à data da sua celebração, a fim de que a declaração de nulidade do negócio original não
afaste os efeitos compatíveis com aquele no qual se converteu.
Por meio da conversão, a função social e econômica do negócio restará preservada, como
também estarão preservadas as expectativas legítimas das partes compatíveis com a boa-fé, enquanto
a não conversão conduziria à declaração de nulidade e ao retorno das partes ao estado anterior ao
da celebração do negócio.
Fase pós-contratual
Garantias pós-cumprimento do contrato
Como visto alhures, os deveres de probidade e de boa-fé são exigíveis antes, durante e depois
do contrato. Desse modo, pode-se reconhecer e responsabilizar um dos contratantes por violação
pós-contratual. Tal violação se caracteriza quando, depois da extinção do contrato, um dos ex-
contratantes adota comportamento contrário à boa-fé, que produz efeito prejudicial ao outro ex-
contratante, ensejando responsabilidade por um contrato findo.
Além disso, o padrão de boa-fé não será uniforme para sempre, ele vai variar de acordo com
a vida em sociedade.
Exemplo: na década de 1990, uma montadora lançou um automóvel. Naquela época, cada
montadora só lançava um modelo por ano. A montadora lançou outro modelo completamente
diferente no mesmo ano. Os consumidores que compraram o primeiro modelo no início do ano
tiveram os seus automóveis muito depreciados, acima do esperado. Naquela oportunidade, o STJ
condenou a montadora, pois o que aconteceu não era esperado pelos consumidores, era totalmente
81
surpreendente. Causou um prejuízo pós-contratual. Depois disso, essa prática se tornou frequente,
vários modelos foram lançados no mesmo ano, de modo que hoje já não seria uma surpresa, não se
configurando como violação.
Vício redibitório
Vícios redibitórios são defeitos, imperfeições ou inadequações que tornam a coisa imprópria
ao uso a que se destina ou lhe diminuem o valor e que, sendo ocultos, não poderiam ser percebidos
no momento da tradição pelo adquirente. Considera-se oculto o vício em relação ao padrão de
diligência normal.
A sujeição do alienante, em relação aos pedidos de redibição ou de abatimento de preço por
vício redibitório, independe de dolo ou culpa deste. Porém, se o alienante sabia da existência do
vício e dolosamente o ocultou, responderá também por perdas e danos. A responsabilidade
permanece mesmo que a coisa alienada deixe de existir em razão do vício (art. 444, do CCB).
O direito do adquirente de redibir o contrato ou exigir o abatimento proporcional do preço
é potestativo, portanto, sujeito a prazo de natureza decadencial. Dessa forma, as ações edilícias
redibitória e quanti minoris devem ser interpostas antes do término do prazo, sob pena de extinção
do próprio direito.
O prazo para o exercício do direito, no Código Civil, é de 30 dias a contar da tradição
(entrega), conforme art. 445, do CCB, em se tratando de bens móveis. Em se tratando de vício
oculto de difícil constatação, o prazo de 30 dias será contado da descoberta do respectivo
vício, desde que essa descoberta se dê no prazo de garantia, de até 180 dias da tradição, conforme
art. 445, § 1º, do CCB.
Para os bens imóveis, o prazo para o exercício do direito é de um ano, a contar da tradição
(entrega), conforme art. 445, do CCB, e, em se tratando de vício oculto que pela sua natureza ou
extensão não puder ser constatado antes, o prazo de um ano será contado da descoberta, desde que
esta ocorra dentro da garantia legal de um ano, contada da tradição (art. 445, § 1º, do CCB).
Evicção
Evicção é a perda da coisa em virtude de direito alheio. Significa que o alienante transferiu
um direito para o adquirente que posteriormente foi contestado por terceiro e mostrou ser o pior
direito. Quem aliena é responsável pela evicção, e essa responsabilidade é objetiva, pois independe
de culpa (art. 450, do CCB).
Acrescente-se que o alienante responde pelo preço de mercado no momento da evicção,
conforme o art. 450, parágrafo único, do CCB. Por fim, as partes podem negociar a extensão dessa
garantia ou mesmo excluí-la do contrato, na forma dos arts. 448 e 449, do CCB.
82
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______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 95539/SP. Quarta Turma. Relator: Ruy Rosado de
Aguiar. DJ, 14 de outubro de 1996. p. 39.015.
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Apelação Cível 591028295. Quinta Câmara Cível.
Relator: Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Julgado em 6 de junho de 1991.
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PROFESSOR-AUTOR
André Roberto de Souza Machado é sócio sênior e fundador do escritório SMGA
Advogados, atua principalmente na área de Direito Civil, com ênfase em contratos e em Direito
Patrimonial. Possui 21 anos de experiência no mercado. É mestre em Direito das Relações
Econômicas (2002) e advogado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio de
Janeiro (OAB/RJ) desde 1995. É também professor de Direito Contratual dos programas de pós-
graduação da Fundação Getulio Vargas (LLM e MBA), expositor da Escola Nacional da
Magistratura (ENM) da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj), entre outros.
Coordenador do Núcleo de Direito Civil do Instituto Brasileiro de Direito dos Negócios (IBDN),
é membro do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr).
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