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CURSO CINEMA COMO RECURSO PEDAGÓGICO MÓDULO: CINEMA COMO RECURSO

PEDAGOGICO

Por que cinema e escola? A resposta a essa pergunta remete às indagações sobre as
possibilidades educativas do cinema, e, especificamente, sobre a importância dele na
mudança das práticas pedagógicas da matriz curricular. O cinema conduz a um novo
enfoque dos conteúdos dessa matriz, porque implica na mudança de percebê-los, de
avaliá-los e de entendê-los. O cinema (imagem e som) modifica os processos de
transmissão de conhecimentos dessa matriz, tradicionalmente apoiados na leitura e na
escrita. Falar de cinema na escola implica pensar uma política audiovisual para o
ensino formal, seja ele público ou privado. O uso do cinema na escola exige uma
discussão de caráter filosófico: as relações entre cinema e educação. E uma discussão
de caráter pragmático: o uso do cinema como agente no processo de ensino e
aprendizagem na rotina escolar. As possibilidades educacionais do cinema e o seu
aproveitamento na atividade escolar orientam-nos para uma resposta afirmativa. A arte
cinematográfica contribui para disseminar a arte e a cultura, e pode exercer influência
positiva nos estudantes. A esperança é que o cinema, pela sua natureza afetiva, abra
as portas da percepção para o prazer da descoberta das disciplinas das Ciências
Sociais, da Literatura, da Filosofia, da Física, da Biologia ou da Química.
O cinema como prática pedagógica pode fazer o aluno a se interessar pelo
conhecimento, pela pesquisa, de modo mais vivo e interessante que o ensino
tradicional, apoiado em aulas expositivas e seminários. O porquê do cinema na escola
só se justifica se ele desperta o interesse pelo ensino no sentido tradicional, e, ao
mesmo tempo, mostra novas possibilidades educacionais apoiadas na narrativa
cinematográfica. Educar pelo cinema ou utilizar o cinema no processo escolar é
ensinar a ver diferente. É educar o olhar. É decifrar os enigmas da modernidade na
moldura do espaço imagético. Cinéfilos e consumidores de imagens em geral são
espectadores passivos. Na realidade, são consumidos pelas imagens. Aprender a ver
cinema é realizar esse rito de passagem do espectador passivo para o espectador
crítico. O cinema é uma prática social que colabora com a construção do imediatismo
mítico do presente. O cinema pode colaborar para destruir esse imediatismo, esse
continuum cultural que prolonga o tempo do novo sempre-igual. O filme é uma
fantasmagoria que pode destruir o fantasmagórico. O cinema pode ser um feitiço
contra o feiticeiro. Entender a feitiçaria do cinema é um processo educacional que leva
a recusa do mito, supera a alienação, destrói o fetiche da mercadoria.
Educar é ir além das aparências. Educar significa reconhecer aquilo que o historiador
Marc Ferro chama de não-visível nas imagens. Ferro criou um eficaz modelo de
análise fílmica. Ele revela que no cinema a história surge como contra-história, uma
história crítica da historiografia oficial. Para Ferro, a contra-história no cinema está
condicionada ao processo de produção do filme. A produção é que determina a
negatividade do filme, o que vai lhe conferir maior ou menor grau de adesão ou recusa
ao status quo. Considero discutível esse modelo. A sociologia do cinema desenvolvida
por Marc Ferro é uma contribuição efetiva no universo da educação, e, em particular,
no campo da história. Filmes que em aparência confirmam o sistema devem ser
desmistificados no processo educacional, no processo escolar. Fredric Jameson é
outro teórico importante, cujas contribuições podem fortalecer a ideia de um cinema na
escola. O novo caminho que vem sendo percorrido através do estudo das imagens
apresentadas na obra, bem como seu poder na formação de uma memória específica,
torna-se importante na medida em que cada vez mais o cinema e os filmes vêm sendo
utilizados como ferramentas de instrução em salas de aula.
Mesmo os filmes comerciais contribuem no processo de escolarização. É preciso
desenvolver teorias críticas na direção de uma teoria da mídia, que, sem excluir o
caráter mercadológico da arte, favoreça a emancipação dos sentidos. O imagético em
“Flinstones”, “2001” e a “Guerra do fogo”, produzem um saudável choque de conceitos
em uma revisão dos valores mais básicos da existência. Esses filmes esnobados pela
crítica cinematográfica são exemplares de um modelo de apropriação de filmes no
processo educacional, numa perspectiva de educação dos sentidos. O filme não deve
funcionar como suporte para conteúdos desta ou daquela disciplina. O filme deve o
conteúdo à matriz do conhecimento. Nessa perspectiva, o cinema é uma sala de aula.
A sala de aula é o filme. Não se trata de deslocar para o espaço da sala de aula o
vídeo, o DVD ou um projetor. Esses recursos têm sido utilizados na sala de aula de
modo mecânico, ilustrativo, o que conduz à inércia do pensamento. A questão é se
apropriar da narrativa cinematográfica no processo da escolarização. A escola vai se
apropriar desses produtos culturais para seus fins específicos. A educação
proporcionada pelo cinema é uma educação informal. O cinema, ou pelo menos o
cinema no modelo hegemônico, que é o norte-americano, educa segundo as regras de
um mundo social alienado. Entretanto, é preciso reconhecer que a própria indústria
cinematográfica apresenta suas fissuras, e que temos nos Estados Unidos, se assim
podemos chamar, um cinema de dissidência, um cinema de esquerda.
Do ponto de vista metodológico, a noção de espaço imagético pode ser aplicada tanto
a filmes nitidamente comerciais como a filmes alternativos, em face à indústria cultural.
A educação pelo cinema deve se beneficiar quer de Godard quer de Spielberg.
Digamos que a educação deve seduzir e ser seduzida pelo discreto charme do
fotograma. Deve-se argumentar que o cinema tem sido um valioso campo de trabalho
para cientistas que investigam a relação arte e sociedade no contexto da indústria
cultural. A noção do cinema e da sala de aula como meios de reflexão da sociedade
ganha aliados no esforço para a consolidação das possibilidades educacionais do
cinema. A sala de aula deve ser considerada como um espaço imagético. Espaços da
realidade ou da fantasia, da racionalidade econômica e burocrática da vida
administrada. Espaços de uma objetividade que é a morte da alma e da curiosidade, a
falência do estímulo e da criatividade diante do mistério da existência. A sala de aula já
vem incorporando, vem sofrendo, a intervenção dos meios de comunicação de massa
com a utilização de jornais, revistas, programas de televisão. Porém, é preciso ver que
esses meios podem ser considerados como salas de aula, como espaços de
transformação de consciência, de aquisição de conhecimentos; que eles dependem de
uma pedagogia crítica, e que o sucesso dessa pedagogia crítica depende de como
vamos ver e ouvir os produtos da indústria cultural.
Um filme é um local em que questões sociais são discutidas segundo valores explícitos
ou implícitos do diretor, da estória, das condições de produção. Se as condições de
produção condicionam o filme, é possível reconhecer diretores que, mesmo atuando
segundo as convenções do mercado, tentam ir mais além de representações singelas
da sociedade. Se a sala de aula é um espaço da discussão e da reflexão, o filme é
este mesmo espaço ampliado em uma escala maior, em que seus procedimentos
formais e narrativos passam a ser a linha condutora do viés educacional. A educação
necessita lançar um olhar crítico sobre o cinema. Precisa se libertar da crítica
especializada e construir seu próprio corpo teórico visando a fins específicos. O
cinema é um meio de reflexão da sociedade. Esse meio só depende dos educadores
para atender fins educacionais. Depende do que se entende por educação com
utilização de recursos midiáticos. O cinema cada vez mais é objeto de estudos e teses
acadêmicas. Muitos educadores se esforçam para a construção de um olhar
cinematográfico que possa na renovação das práticas pedagógicas. Ciência artística
ou arte científica, conjugação da razão e da imaginação, do rigor e da intuição, o
cinema deve ser o agente de uma nova educação que dote o sujeito de uma razão
sensual, isto é, de uma razão estética que saiba debruçar sobre si mesma e saiba
explorar as possibilidades de um mundo melhor, de uma sociedade de não-excluídos.
A sala de aula cinematográfica deve oportunizar que os alunos tenham uma
cosmovisão do mundo, da sociedade em que vivemos, e entender que as relações de
produção de nossa época informam sobre o sentido e significado do nosso presente. O
olhar cinematográfico enriquece o olhar sobre a educação e sobre o processo escolar.
O cinema pode ser definido como uma educação informal, que necessita de uma
metodologia para melhor aproveitamento na sala de aula. O cinema atua como um
elemento de aprimoramento cultural e intelectual dos docentes e dos discentes e, ao
mesmo tempo, problematiza para além da ciência da história o uso do cinema no
campo da educação. Pensar a contribuição do cinema na educação é buscar o
pensamento, a filmografia deste ou aquele diretor, e inseri-lo no processo educacional.
Jean-Luc Godard fez mais pela educação no sentido tradicional e usando o cinema
como meio de reflexão. Entretanto, sua aplicação no processo educacional, as
possibilidades educativas do cinema de Godard, continuam assustando muitos
educadores. E este é o desafio: como Godard e outros podem ser lidos pela narrativa
escolar? Muitas de suas formulações poderiam ser levadas adiante pelos educadores
ou pela Academia; porém, o cinema continua enfrentando obstáculos para uma
inserção arrojada, quer na filosofia e na sociologia da educação, quer na elaboração
de novos métodos de ensino e aprendizagem. E talvez seja este o segredo do cinema
na escola: a educação é um cinema de invenção, de invenção permanente.
Um tema de grande importância é a formação social do sujeito e a prática educativa,
trazendo contribuições extremamente relevantes para o campo da educação. Claro,
muito se tem escrito acerca da relação entre educação e audiovisual, mas pouco a
respeito da relação entre educação e uma práxis social e política. Portanto, essa
natureza criativa que permeia a ligação entre cinema, história e política é
evidentemente mediada na práxis social. o audiovisual pode ser entendido como uma
prática formadora de sujeitos sócio-históricos, uma vez que no âmbito do próprio
audiovisual há a produção de um potencial educativo. Além disso, a prática criativa
também constitui sujeitos, em lugares e épocas específicos, mas principalmente sob
condições sociais particulares. Independente da intencionalidade dos diretores, as
produções audiovisuais inseridas na indústria cultural tendem a expressar ideologias
de manutenção da ordem, de desqualificação das diferenças e, principalmente, de
combate às posições dissidentes.
Todo filme, qualquer que seja, é passível de ser utilizado como fonte da qual o
educador pode valer-se em conformidade com suas necessidades, desde que saiba
fazer-lhe as perguntas de forma adequada. No entanto, é preciso lembrar sempre que
o filme é uma representação da realidade e que, ainda que aborde fatos reais, nunca
abolirá a sua condição de representação, pois por mais que seus realizadores
quisessem, um filme nunca poderia conter a verdade plena sobre um acontecimento
histórico, nunca poderia recuperar a história tal como ela aconteceu. Evidentemente, é
preciso ressaltar que um filme não tem a pretensão de abordar, de lançar um olhar
sobre a totalidade da vida social. O olhar produzido pelo cinema é uma construção de
uma determinada visão de mundo acerca de algumas dimensões do social. Desde a
sua gênese, ele implica uma série infinita de escolhas, revelando sempre o ponto de
vista que a equipe envolvida na produção (diretor, atores, roteirista, produtor etc) tem
sobre a temática abordada. O que interessa para o educador é que,
independentemente do tratamento dado ao tema, os filmes sempre lançam mão e
revelam dimensões da consciência coletiva que é produto social da experiência de
viver em uma determinada sociedade.
A importância do cinema para a pesquisa história em educação está nos sinais
históricos captados e registrados em imagens que se constituem em testemunhas
visuais da história. O que significa dizer que os filmes possibilitam, a partir da
reconstituição feita do contexto e dos fatos tratados, apreender práticas concepções e
processos educativos, valores, ideologias, mentalidades coletivas que permeiam e
subsidiam práticas educativas. Na análise de suas imagens prenhes de historicidade, o
educador pode realizar sua investigação, apreendendo a educação como uma prática
social constituída e instituída em uma determinada sociedade. Pode responder
indagações sobre práticas e processos educativos, ou seja, como expõe Zaia Brandão
(1998, p.100), refletir sobre o processo de direção e formação social dos grupos mais
jovens, nos mais variados espaços e tempos sociais, que têm como parâmetro uma
forma de agir coletiva objetivando desenvolver, nas crianças e jovens, habilidades,
conhecimentos, formas de conduta, que facilitam o entrosamento com os membros da
coletividade. O cinema é fonte privilegiada que coloca à disposição do educador
registros e conhecimentos criando condições para que ele trabalhe com um conceito
de educação mais amplo, para além do que se denomina educação escolar. O
educador pode investigar experiências variadas que se constituíram em contextos
educativos informais ou que mantiveram escolas não reconhecidas oficialmente. Uma
abordagem que permite, também, captar diferenciações sociais existentes na
complexa realidade social presente nos vários momentos históricos, admitindo a
possibilidade de práticas e problemas educacionais terem sido vivenciados de modos
distintos pelos grupos sociais.
Ao estabelecer a relação entre cinema, história e educação, o educador pode realizar
a investigação do seu objeto de estudo que lhe permite o entendimento das questões
sociais, políticas e econômicas que originam e fundamentam as diversas práticas
educativas que, necessariamente, assim como os filmes, são sempre datadas. A
análise fílmica, que se processa na mediação estabelecida entre o olhar que produz a
imagem e a do educador que a interpreta, permite estabelecer uma analogia com o
objeto educação, tratando-a, também, como mediação, referência por meio da qual as
relações na sociedade e na cultura são constituídas por instâncias educativas
instituídas em muitos espaços e processos educativos (incluindo a escola). Em outras
palavras, a importância do cinema advém do fato de ele ser um dos meios que
permitem aos sujeitos sociais expressarem, registrarem e conhecerem melhor a sua
realidade e a de outras épocas do passado. Em suas imagens estão os sinais
históricos que instrumentalizam a apreensão da educação como parte do processo de
transformação social, pois não há como esta se produzir de modo autônomo da
história que os homens fazem como resultado de suas lutas. Por ser tecnologia e meio
de produção, transmissão, reprodução e registro de imagens, portanto, de
conhecimentos que expressam o movimento e a velocidade das relações humanas
constituídas e instituídas na prática social, o cinema é fonte de fundamental
importância para o ensino e a pesquisa histórica em educação.
A chegada do cinema no século XX veio acompanhada de uma intensa
industrialização e comercialização da cultura. Sem dúvida há essa possibilidade de
padronização, mas o uso do filme em sala de aula, analisado sobre o prisma da crítica
e sob olhares atentos, é um importante instrumento de prática educativa. Talvez a falta
de concentração dos jovens alunos seja o maior desafio a ser enfrentado pelos
educadores na sociedade contemporânea. O filme que segue o modelo videoclíptico é
um grande atrativo para os jovens, mas educar o olhar, o ouvir e o sentir é
necessidade prioritária. Como fazer isso diante de tanta banalidade e rapidez nas
telas? Não que os filmes de ação não sejam também instrumentos favoráveis à busca
do conhecimento, pelo contrário, esses filmes também trazem pontos favoráveis a
serem utilizados pelos educadores. Aguça a percepção das nuances que muitas vezes
estão nas entrelinhas do filme e que o espectador não percebe por estar preso e
perplexo diante das cenas de ação. Cabe ao professor não deixar que o filme caia no
mero entretenimento e resgate questões fundamentais que podem ser exploradas de
forma crítica. O uso do cinema em sala de aula é um importante referencial de
resistência à soberba da racionalidade científica e da objetividade excessiva do
conhecimento. Ainda há quem pense de maneira estereotipada que o uso do filme em
sala de aula serve para o professor “matar” aula. É óbvio que a desconexão do filme
com qualquer conteúdo ou sua simples demonstração, sem vir acompanhada de
qualquer discussão ou atividade, caia no vazio ou no mero esquecimento.
Introduzir o filme nas práticas educativas em sala de aula auxiliaria em reaprender a
conviver e dialogar com esses elementos até então ignorados, além de religar
processos educativos. As artes em geral e o cinema em particular constroem imagens
e um mundo fantástico de emoções e cosmovisões, criam realidades outras e se
desprendem de conceitos, certezas e explicações lógicas para tudo. Quando se
assiste a um filme e as ce- nas marcantes deste, ele permanece para sempre em
nossa mente como referências subjetivas e objetivas, lembranças fiéis que nos
auxiliam a lidar com as adversidades da realidade. Ajuda-nos a compreender que não
estamos sós em nossa sofreguidão ou em nosso prazer. Ficamos mais leves frentes
aos ditames da razão e passíveis de usufruir as manifestações do imaginário. Ciência
e imaginação são elementos complementares no sentido de decifrar o mundo e os
enigmas da vida. Por isso, é fundamental que a educação evite a separação entre a
cultura científica e a cultura das humanidades e procure integrar razão e paixão, arte e
ciência, unidade e multiplicidade. O conhecimento é o fruto de uma
tradução/reconstrução por meio da linguagem e do pensamento. Comporta a
interpretação que introduz o risco do erro na subjetividade do sujeito do conhecimento.
Mas, como nos diz Edgar Morin, a educação consiste em lidar com o erro e a ilusão.
Não há como separar o desenvolvimento da inteligência do mundo da afetividade, da
curiosidade, da paixão, do sonho, do devaneio, da loucura, da demência.
A afetividade, ao invés do que apregoa o senso comum, pode sim fortalecer a prática
educativa e fortalecer emocionalmente a relação do indivíduo com a chamada
educação formal. A utilização do cinema em sala de aula é um aprendizado que lida
diretamente com os aspectos afetivos e emocionais do sujeito e traz uma experiência
estética que a dureza da ciência apreendida nos bancos escolares não aborda.
Segundo Morin (1970), “Toda a imagem, simbólica por natureza, tende a libertar um
significado, e, ao mesmo tempo, uma participação afetiva”. O desenvolvimento do
conhecimento científico também inclui essa formação afetiva e emocional do indivíduo.
Apenas o conhecimento estritamente científico não pode tratar sozinho dos problemas
epistemológicos, filosóficos e éticos. Segundo Edgar Morin, nenhum dispositivo
cerebral permite distinguir a alucinação da percepção, o sonho da vigília, o imaginário
do real, o subjetivo do objetivo. De acordo com essa perspectiva morianiana, é
fundamental a fantasia e o imaginário na busca do conhecimento, cuja atividade
racional da mente é que fará essa distinção. Qual o grau de racionalidade num
racionalismo que ignora os seres, a subjetividade, a afetividade e a vida? Portanto, a
verdadeira racionalidade reconhece os limites da lógica, do determinismo e do
mecanicismo, negocia com a irracionalidade, o obscuro e o irracionalizável. Diante da
proliferação das disciplinas acadêmicas na educação formal, o cinema e o filme podem
proporcionar aquele olhar global do qual o indivíduo se ressente.
As imagens e os símbolos veiculados pela linguagem do cinema tendem a interromper
a linearidade de nosso pensamento, pois os mitos continuam a ser indispensáveis aos
diálogos e estabelecimento de linhas consensuais e articuladas do pensar. No entanto,
a má interpretação desses ou a falta de clareza da sua significância e amplitude
podem corroborar comportamentos violentos e destrutivos, por isso é fundamental a
intervenção do educador na sua prática educativa. As metáforas do filme podem ou
não ser tomadas como reproduções exatas do real, e desse modo reaplicadas à
prática. Precisa ser discutido, debatido e comentado por pessoas que tenham um olhar
não estereotipado e ausente de preconceitos e ideias pré-concebidas. Isso nos lembra
a preocupação de Marx: “Quem educa os educadores?” Esse é um dado fundamental,
pois a sociedade vive um momento marcado fortemente pelo individualismo e
compulsão ao consumo. A realização de nós mesmos sob a ótica do consumo precisa
ser problematizada pela educação contemporânea. O imaginário fantástico das
propagandas e a efemeridade das satisfações são oriundos de uma cultura de massa
sufocante que está presente tanto no cinema quanto em qualquer outro meio de
comunicação e entretenimento. Pensar o filme como prática educativa nessa
perspectiva é, portanto, pensar numa espécie de “contracultura” utilizando-se das
próprias ferramentas da indústria cultural que alimentam a linguagem do cinema.
Dissecar essa linguagem e problematizá-la é tarefa primordial da educação, além de
permitir que o educando vivencie uma experiência estética significativa para a
construção de conhecimento.
O cinema, assim como todas as demais tecnologias que apelam primordialmente aos
sentidos da visão e audição, com o objetivo de excitar e reorganizar as narrativas e
imagens socialmente compartilhadas pode ser entendido como “tecnologias do
imaginário”. Com isso, essas tecnologias também são responsáveis pela criação e
manutenção de vínculos sociais mais profundos que os produzidos pelas instituições
consideradas mais “racionais” tais como a escola ou os discursos da política e da
ciência. Isso justifica a importância do uso estratégico da tecnologia do imaginário e do
cinema dentro da sala de aula. O cinema é o atual difusor de mitologias e os mitos são
realidades psicológicas que vivem em nosso inconsciente coletivo. Embora esse fato
seja, por um lado, significativo para se pensar o cinema como prática educativa, por
outro, a indústria cultural se aproveita da necessidade que o homem tem de se projetar
em mitos e transforma isso em mercadoria. A educação deve garantir a comunicação
entre o imaginário e a realidade. Walter Benjamin (1994), por exemplo, entende que os
filmes épicos podem resgatar períodos históricos da humanidade ao retratar e
reconstituir contextos que jamais seria possível imaginar. Se não se imagina
automaticamente, não se vê imagem nenhuma, pois a possibilidade da imagem é que
permite a possibilidade de percebê-la. Na imagem, o homem projeta seus anseios e
seus temores, em sentido freudiano, o seu ego e o seu superego.
Em um mundo marcado principalmente pela estética e pela força da imagem penso
que o cinema tem a possibilidade de trazer boas referências para pensar novas
práticas educativas. Um exemplo claro disso é o uso do filme distópico em sala de aula
caracterizado pela sociedade de consumo e avanço descontrolado da tecnociência. A
distopia é importante. Ela traz um incômodo e uma mensagem intrínseca de fazermos
algo. Uma propensão à ação. É nesse sentido que o imaginário distópico tem um papel
relevante. Serve como alerta e como crítica. Com tudo isso, o ensino tradicional não é
mais capaz de dar conta da complexidade do processo de ensino-aprendizagem. A
educação transcende o espaço restrito às salas de aula, pois não há como ignorar os
meios de comunicação de massa e o avanço significativo da tecnociência. Lutar contra
isso é caminhar na direção contrária ao tempo, por isso utilizar o cinema em sala de
aula significa intensificar as relações do indivíduo consigo próprio e com o mundo que
o cerca. Graças à popularização dos videocassetes e agora dos DVD’s, é impossível
ignorar a força do cinema e dos filmes para compor o processo de ensino-
aprendizagem enquanto prática educativa totalmente adaptada para o atual contexto
histórico. Fazer com que o cinema dialogue com as disciplinas científicas e tornar o
processo de ensino-aprendizagem mais prazeroso é um desafio que cabe ao
educador. Trabalhar a materialidade de um filme e tornar o inverossímil real demanda
perspicácia e argúcia por parte do professor, assim como concentração e reflexão
crítica por parte do aluno.
Uma grande vantagem do uso do cinema em sala de aula é a gama de temas que um
filme pode engendrar. Por meio da imagem em movimento, temais gerais, científicos,
filosóficos, históricos, cotidianos, poéticos ou culturais, podem e deve ser trabalhados
de maneira interdisciplinar, como linguagem de formação e produção de
conhecimento. Não basta assistir a um filme, é preciso saber ver um filme,
compreendê-lo em seu contexto, na sua conjuntura, e compreender o seu potencial de
recurso reflexivo. Aprender a ver cinema é realizar esse rito de passagem do
espectador passivo que só enxerga o filme única e exclusivamente como
entretenimento para o espectador crítico. Uma leitura crítica das imagens implica
aprender como apreciar, decodificar e interpretar essas imagens, além de analisar as
formas como são construídas e o conteúdo que elas comunicam. Na realidade, não só
o cinema, mas também a literatura, o teatro etc. nos ajudam a entender muitas coisas,
mas tão logo voltamos à vida real, esquecemos tudo. Precisamos desenvolver essa
benevolência que permite compreender o outro.
O filme é uma forma de linguagem, assim como os textos escritos, só que ele precisa
ser desconstruído para ser reorganizado com novos significados que não estão
explícitos. A vantagem da realização dessa tarefa é que ela pode tanto ser realizada
individualmente ou compartilhada em pequenos ou grandes grupos. Além disso, o
cinema, como prática educativa, possibilita trabalhar com a sensibilização e a
experimentação. O professor ganha o papel de destaque como mediador entre o
sujeito e o filme, é um facilitador de um diálogo que outrora pareceria inatingível. Ao
utilizar o filme como fonte de estudo ou como ferramenta pedagógica que visa a
construir uma sociedade multirracial com base na diversidade cultural, é preciso
trabalhar em uma perspectiva critica. O registro das ações humanas, representadas na
tela, precisa ser decodificado e interpretado, muitas vezes, desconstruídos, porque o
filme traz um discurso, uma representação do real que geralmente estão eivados de
ideologias. O uso de filmes na educação escolar seja tratado como um elo para
repensar a relação professor-conteúdo-aluno. Não caberá mais ao aluno assimilar o
conteúdo do discurso dominante, mas com a mediação do professor, constituir a sua
própria visão sobre a sociedade, para que professor e aluno desenvolvam as
ferramentas necessárias para descontrução e reconstrução da linguagem filmica, a fim
de possibilitar a construção democrática do saber sistematizado.

O cinema, considerado a Sétima Arte, cumpre uma infinidade de funções no processo


educativo do ser humano. A utilização do cinema no âmbito acadêmico parte da
convicção de que é possível educar as pessoas através da estética, isto é, da Filosofia
da Arte. Embora os estudos sobre cinema estejam estabelecidos em instituições do
mundo todo, a sociedade agora numa fase crucial de seu desenvolvimento. O cinema
é revelado não tanto quanto uma disciplina separada, mas como um conjunto de
práticas sociais distintas, um conjunto de linguagens e uma indústria. A experiência
das pessoas com o cinema contribui para desenvolver o que se pode chamar de
competência para ver, isto é, uma certa disposição, valorizada socialmente, para
analisar, compreender e apreciar qualquer história cinematográfica. Ver filmes, analisá-
los, deve também compreender a vontade de entender a sociedade massificada. Uma
sociedade que se educa por imagens e sons, principalmente da televisão, quase uma
população inteira (ricos, médios e pobres) que não tem contato com a escrita, o
contato da memória escrita, a reflexão com a escrita. E também a vontade de entender
o mundo pela produção artística do cinema.

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