Você está na página 1de 4

Em seu texto, Walter Mignolo já inicia propondo a tese de que a emergência da

ideia de um “hemisfério ocidental” trouxe uma mudança no imaginário e nas estruturas


de relações de poder do mundo moderno, afetando relações dentro da América, seja
dentro da “latinidade” norte-americana como também nas relações afro-americanas.
Para definir “imaginário” Mignolo utiliza a definição dada por Édouard Glissant de uma
construção simbólica mediante a qual uma comunidade define a si mesma. A construção
desse imaginário no mundo moderno/colonial tem forte influência da “interioridade” da
Europa, formando assim uma espécie de identidade dentro da comunidade. Em Mignolo
o imaginário ocidental fundou-se a partir da instituição do Mediterrâneo como local
central na geopolítica mundial antiga, e com fatos histórico a partir do séc. XVI como a
expansão da rota comercial do Atlântico.

Mignolo também busca explicar o que é o mundo moderno/colonial ou sistema


mundo/moderno colonial, e para isso utiliza a metáfora de outro sociólogo, Immanuel
Wallerstein, e pode ser definido como o funcionamento da sociedade e suas relações,
sejam sociais, econômicas e políticas durante o curso do tempo. Mas para Mignolo o
sistema mundo/moderno colonial que surgiu a partir do circuito comercial do Atlântico
do séc. XVI em diante não pode ser dissociado da ideia de colonialidade do poder, um
conceito introduzido por Anibal Quijano. Ou seja, o autor nos leva a crer que mais
importante que o sistema mundo/moderno colonial são as consequências deste sistema
para o mundo, como a questão da colonialidade do poder e diferença colonial.

A partir do séc. XVI e o surgimento desse sistema mundo moderno/colonial,


juntamente com o advento do capitalismo devido as transações comerciais desde esse
período em diante faz surgir intrinsicamente (pois Mignolo diz que são faces obscuras
da modernidade) a colonialidade do poder e a diferença colonial, ou seja, formas de
dominação a partir da Europa como centro do mundo moderno. O que o autor aponta
nesse momento é que o conceito de sistema mundo/moderno colonial em Wallerstein
deixa de lado a colonialidade do poder e diferença colonial. Ambos fatos começaram a
serem percebidos no período de descolonização, junto com o conceito de modernidade,
assim afirma que não existe modernidade sem colonialidade.

Uma ideia presente no texto do autor refere-se a dupla consciência, mas para
aprofundar essa questão é feito uma costura dentro do contexto histórico do surgimento
de hemisfério ocidental no imaginário do sistema mundo moderno/ colonial, a partir do
entendimento de Thomas Jefferson nos EUA e Simon Bolivar na América de
ascendência ibérica. O segundo pensava a união das Américas e sua integração no
Hemisfério Ocidental, enquanto o primeiro pensava em sua nação como líder desse
movimento de união e consequentemente num movimento do que viria se tornar
colonialismo interno. Ainda dentro desse contexto havia a consciência criolla branca
(anglo-saxã ou ibérica) que podia se integrar nesse chamado hemisfério ocidental por
serem herdeiros dos colonizadores enquanto a consciência criolla negra não se
percebida de tal forma por serem herdeiros da escravidão. O que seria então a dupla
consciência? Deste lado dos nativos brancos é uma negação da Europa sem negar uma
europeidade, ou seja, formação de uma ideia dentro do imaginário moderno/colonial de
integração baseada nas relações de poder e subjetividade da diferença colonial. Disso
não se tratava uma questão racial, mas para os nativos brancos uma questão puramente
geopolítica. A integração da América ao Ocidente ou pelo menos do coletivo dentro da
consciência criolla branca fez com que estes não notarem essa dupla consciência, mas
para a consciência criolla negra isso era impossível (não perceber a dupla consciência).
Nesse sentido percebe-se que o conceito de “hemisfério ocidental” torna-se ambíguo. A
América é diferente, mas ao mesmo tempo é a mesmidade. É outro hemisfério, mas é
ocidental. É diferente da Europa, pois não é Oriente, mas está totalmente ligada a ela. É
diferente, no entanto, da África e da Ásia, continentes e culturas que não formam parte
da definição de hemisfério ocidental. Percebe-se aí a ambiguidade, pois a integração
parecia ser o caminho natural para a consciência criolla branca, embora não para a
criolla negra.

Apesar da emergência de uma formação de hemisfério ocidental ter acontecido


na independência nas Américas dos anglo-saxões, latinos e criollos, a consolidação se
dará de forma mais consolidada a partir do início do séc. XX com a presidência de
Theodore Roosevelt nos EUA e uma guerra hispano-americana a partir da Venezuela.

A guerra eclodiu pelo poder sobre o canal do Panamá e os mares ao redor com a
tentativa de dominação de países da Europa Ocidental. Isso serviu para reavivar a
urgência do surgimento do “hemisfério ocidental”. Nessa urgência surgiram ideias a
partir da Argentina, no que ficou conhecido como Doutrina Drago, devido ao
idealizador, Luis Maria Drago, Ministro das Relações Exteriores Argentino. Esta
Doutrina na verdade viria a ser uma versão da Doutrina Monroe que apareceu nos EUA
como solução para os conflitos, porém nos EUA a Doutrina Monroe se tratava mais de
uma política nacional e de certa forma unilateral. Já a Doutrina Drago buscava se tornar
multilateral, democrática e interamericana sendo válida para todo o hemisfério
ocidental. O que acabou ocorrendo foi uma força maior e a implementação da Doutrina
Monroe, o que reconfigurou o sistema mundo/moderno colonial e o imaginário
moderno/colonial com a ascensão de um país neocolonial ou pós-colonial (os EUA), o
que fez aumentar as diferenças percebidas no imaginário entre a América Anglo-saxã e
a América Latina. Segundo Mignolo, esse movimento é conhecido na literatura como
Ode a Roosevelt.

Segundo Mignolo, para responder a algumas críticas ao perfil econômico do


sistema mundo-moderno, Wallerstein introduz o conceito de geocultura a partir da
Revolução Francesa. A construção do imaginário do mundo moderno/colonial pela
classe dominante se dá por várias perspectivas como econômicas, políticas, sociais,
religiosas, etc. Para Wallerstein geocultura é o imaginário hegemônico da segunda fase
da modernidade (deixando no passado, esquecido, o séc. XVI e o sul da Europa), é o
eurocentrismo no sentido restrito do termo, principalmente centrado na França,
Inglaterra e Alemanha. Assim, percebe-se que a colonialidade, a partir de movimentos
considerados periféricos na descolonização, acaba sendo constitutiva da modernidade, e
não consequência da mesma. Com o estabelecimento de relações de poder e a
participação da diferença colonial como já colocado acima na expansão do circuito
comercial do Atlântico mostram a necessidade do termo “colonialidade do poder” e
“diferença colonial) dentro do conceito de geocultura de Wallerstein.

Ao final do texto, Mignolo ainda traça algumas conclusões sobre geopolítica


utilizando-se do autor Samuel Huntington que definiu 9 civilizações após a Guerra Fria
e o estabelecimento do Ocidente como primeiro mundo no sistema-mundo moderno
após esta guerra. O autor ressalta algumas questões sobre essa formação geopolítica de
Huntington, como o fato deste não reconhecer o fascimo e nazismo como regimes
autoritários, e nem reconhecer o colonialismo sem território dos EUA a partir de 1945.
De qualquer forma Mignolo ressalta como essa geopolítica tem uma formação mais
baseada em relações de mercado e economia do que uma “missão civilizadora” como
havia sido no período colonizador. Já o crescimento da importância do Atlântico Norte
em substituição ao hemisfério ocidental nessa nova configuração ressalta como a
civilização ocidental sobrevive mas marginaliza a América Latina. Mignolo encerra o
texto com uma reflexão interessante: o problema da “ocidentalização” do planeta é que
todo o planeta, sem exceção e nos últimos quinhentos anos, teve que responder de
alguma maneira à expansão do Ocidente. Portanto “além do hemisfério ocidental e do
Atlântico Norte” não significa que exista algum “lugar ideal” que é necessário defender,
mas sim implica um “além da organização planetária baseada na exterioridade interior
contida no imaginário da civilização ocidental, do hemisfério ocidental e do Atlântico
Norte”.

Você também pode gostar