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Adail Sobral
2008
Introdução
1
Trata-se de propostas que têm pontos de contato com a filosofia da vida de Henri Bergson (1859-
1941) e com a filosofia do processo de Schelling (1775-1854), além de ter vínculos com teorias de
Husserl, Merleau-Ponty e Heidegger, entre outras (para detalhes, cf. SOBRAL, 2007a). Além disso,
fundam-se fortemente num proveitoso diálogo, sempre tenso, com neokantianos como Hermann
Cohen (1842-1918) e principalmente com o próprio Immanuel Kant (1724-1804), de quem Bakhtin
retomaria e reformularia radicalmente o conceito de arquitetônica (para detalhes, cf. SOBRAL,
2007b). Há ainda, entre outros elementos, concepções materialistas dialéticas que são
retrabalhadas no que chamei de “síntese bakhtiniana” (em analogia com a célebre “síntese
kantiana”).
sabido, a algumas noções e conceitos bastante disseminados hoje: gênero 2 ,
dialogismo, enunciado concreto, polifonia, carnavalização, ato ético,
responsabilidade, entoação avaliativa, responsividade ativa, forças centrípetas e
forças centrífugas, esferas de atividade etc. Nesse sentido, a questão da autoria
das obras do Círculo continua problemática, mas ainda assim preferimos distinguir
os autores de acordo com o conhecimento recente que atribui certas obras a
certos membros do Círculo (cf., p. ex., VASILEV, 2006). Por outro lado, tem-se a
impressão — a nosso ver parcialmente positiva, porque indício da riqueza da obra
do Círculo — de haver uma profusão de maneiras distintas (e mesmo
incompatíveis) de entender toda essa rede conceitual, inclusive no ambiente
formado por pesquisadores dedicados às obras do Círculo, em que se vêem
divergências sobre seu alcance e implicações, divergências que, paradoxalmente,
contribuem para que novas facetas da obra venham à luz. Não obstante, como
têm caráter científico, esses conceitos e noções apresentam, no interior da(s)
teoria(s) do Círculo, um dado núcleo de sentido parcialmente estabilizado (ainda
que sempre em deslocamento, inclusive em obras de um mesmo autor do Círculo)
que nos permite empregá-los na teoria e na prática.
E podemos fazê-lo, mesmo com compreensões diferentes desse ou
daquele aspecto específico, porque há uma linha de continuidade que está não na
especificidade desses conceitos e noções, mas no plano epistemológico, na
concepção, filosoficamente fundada, do estatuto dos seres humanos, da
linguagem, do enunciado, do ato etc. e de um dado modo de estudar os
fenômenos humanos. Diga-se de passagem que aquilo que uma mente dita
científica, e que seria melhor dizendo positivista, consideraria uma indefinição é
algo bem ao gosto de Bakhtin “ele mesmo”, o qual nunca se empenhou em
estabelecer uma versão canônica do que propunha, e as reformulava sempre que
julgava necessário, chegando mesmo a apresentar várias versões de algumas
propostas, além de dar a impressão de tudo fazer para “confundir”, em vez de
explicar, a questão da autoria. Afinal, não temos no discurso um autor-pessoa,
mas um autor-criador, e sua criação, um autor de linguagem, de discurso – mas
nem por isso menos concreto — um autor que não se define por um nome, mas
por um fazer tematicamente identificável.
Este livro pretende precisamente destacar a unidade epistemológica do
referido núcleo de sentido, o acordo mínimo sobre o sentido desses conceitos e
noções que permite a uma comunidade de falantes usá-los em suas
comunicações e se entender quanto a isso, assim como discutir os parâmetros
dessa compreensão, numa produtiva polêmica. Seu objetivo é portanto explorar
aspectos essenciais desses conceitos e noções em termos das principais relações
que mantêm entre si do ponto de vista da teoria do conhecimento proposta pelo
Círculo em suas várias obras. Não quer isso dizer que outros comentadores não
tenham dado conta da tarefa a que se propuseram, mas antes que, no Brasil, não
parece ter havido até o momento uma descrição desses conceitos e noções que
explorasse suas bases filosóficas nos mesmos termos aqui propostos, ainda que o
2
Nem sempre “de discurso” ou “discursivo”, como deveria ser, mas sempre com menção ao
Círculo, como se bastasse citar Bakhtin para que designações semelhantes tenham o mesmo
sentido axiológico.
artigo precursor de COSTA (1997) e alguns ensaios contidos em FARACO,
TEZZA e CASTRO (2006), especialmente o de Amorim, sejam um passo nesse
sentido; houve também uma abordagem parcial da questão em SOBRAL 2005a, b
e c, que é aqui retomada de outra perspectiva.
Trata-se assim da proposição de um roteiro de leitura dessas bases, dado
que não pretendemos evocar todas as questões nem explicar a contento todas as
teses do Círculo. Mas não é um roteiro superficial ou diluidor, visto que, embora
siga uma dada ordem na discussão dos conceitos aqui privilegiados, em vez de se
perder em infinitas especulações sobre detalhes nem sempre relevantes, 3 o livro
não é uma “explicação” da obra do Círculo. E como também não é um estudo
aprofundado das obras, pode-se defini-lo como uma primeira incursão, de nossa
perspectiva, na complexidade da obra do Círculo em termos de suas concepções
epistemológicas. Sem torná-las o seu foco (o que daria ao livro um caráter menos
acessível a leitores menos afeitos à filosofia), empenha-se em situar as propostas
do Círculo no horizonte dessas concepções, ou, se se preferir, aborda as
concepções do Círculo da perspectiva de seus fundamentos filosóficos, sem
prejuízo da explicação da produtividade prática dessas concepções.
Sustentamos que a compreensão de uma obra tão complexa quanto a do
Círculo torna ainda mais vital a idéia de que tentar entender — ou aplicar — uma
proposta sem buscar entender suas bases filosóficas, explícitas e principalmente
implícitas, pode criar uma dificuldade de compreensão por vezes paralisante,
quando não distorce, dilui, reduz a obra a uma técnica, proposta de aplicação ou
coisa parecida – nesse caso, um “Bakhtin de bolso”. Sustentamos igualmente que
entender essas bases implica, em vez de pensar os conceitos e noções em
termos de sua(s) definição(ões), ou deter-se longa e inutilmente em minúcias
filosóficas, refletir sobre essas definições em termos da perspectiva filosófica e do
método filosófico de pensamento do Círculo, sem prejuízo de sua elucidação. Na
verdade, como explicar os conceitos e noções contidos nas obras do Círculo é
algo necessário mas não suficiente para entender as propostas deste (e é preciso
lembrar que não faltam obras que expliquem esses conceitos e noções), tentamos
oferecer aqui uma primeira exploração dos fundamentos do pensamento do
Círculo em suas implicações sobre as propostas mais conhecidas deste. Percorre
o livro, por esse motivo, uma insistência — marcada por constantes retomadas
desse “núcleo de sentido parcialmente estabilizado” — que busca destacar de que
maneira as teses básicas do Círculo contribuem para uma análise do discurso
que, fincada no conceito de gênero do discurso, vai além de boa parte das
propostas de análise do discurso que são em verdade propostas de análise textual
— com maior ou menor grau de sucesso.
3
Naturalmente, cada autor apresenta seus escritos segundo sua própria entoação avaliativa;
outros autores que abordam as obras do Círculo privilegiam outros conceitos e/ou propõem outros
percursos; sobre as tantas leituras do Círculo e os tantos “Círculos de Bakhtin” em circulação, cf.,
para uma “versão” recente, WALL, 2006. Claro está que alguns conceitos deixaram de ser
abordados detidamente neste livro, o que nos parece inevitável, por não ser nossa proposta fazer
um glossário — nem uma enciclopédia —, mas propor um dos roteiros possíveis para a leitura das
obras do Círculo do ponto de vista de suas bases, não da definição de conceitos e/ou noções per
se.
TODA ESCOLHA É UMA AVALIAÇÃO (OU “UMA DEFESA PRÉVIA DO
PERCURSO SEGUIDO”)
1) as obras que nos chegaram até o momento foram elaboradas por vários
autores numa época politicamente muito complicada, e não só para eles;
2) as Obras Completas de Bakhtin ainda não foram publicadas por inteiro em
russo;
3) os conceitos e noções não puderam ser, na época de vida dos membros do
Círculo, sistematizados à maneira hoje tida por aceita no mundo ocidental,
devendo-se ainda considerar o fato de que os vários autores trabalharam em
conjunto, mas nem sempre juntos e muitas vezes sem ter contato entre si durante
anos, o que levou tanto a repetições como a omissões, afirmações superficiais,
inclusões indevidas e mesmo incoerências etc., algo que não invalida a concepção
do Circulo mas dificulta a tarefa de descrevê-la;
4) as obras não chegaram ao conhecimento dos estudiosos na ordem em que
foram elaboradas nem os autores foram conhecidos na ordem em que haviam
produzido seus textos que está na base das “disputas autorais” e das várias
“versões” das obras, tanto em termos de textos como de comentários dos textos;
5) os diferentes comentadores criam por assim dizer uma multiplicidade de
"Bakhtins", "Voloshinovs" e "Medvedevs" (os principais autores do Círculo), de
acordo com sua área específica de atividade, . E mesmo no interior de cada uma
dessas áreas há diferenças de interesses e ênfases (cf. quanto a isso, p. ex.
BRAIT, 2005; WALL, 2006; SOBRAL, 2006);
6) os interesses do Círculo vão do uso oral da língua ao ato ético, da enunciação à
estética etc., sendo a sua uma obra de cunho transdisciplinar e translingüístico
complicada por sua "multi-autoria" e, paradoxalmente, pelo próprio sucesso que
suas teses alcançaram, o que levou o conceito de gênero, por exemplo, a ser
apropriado das mais diversas maneiras, algumas delas sumamente distantes do
que propõe o Círculo.
***
4
Cf. IVANOVA, 2003, que usamos amplamente aqui, e MATIEYKA, 1976.
Círculo, dado que, naturalmente, várias outras teorias e concepções filosóficas,
estéticas, lingüísticas e discursivas convergem para as propostas do Círculo
Podemos descrever esquematicamente as novas problemáticas surgidas,
que foram desenvolvidas pelo Círculo de Bakhtin, da seguinte maneira:
DIALOGISMO
Não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites para o contexto
dialógico (este se estende ao passado sem limites e ao futuro sem limites).
Nem os sentidos do passado, isto é, nascidos do diálogo dos séculos
passados, podem jamais ser estáveis (concluídos, acabados de uma vez por
todas): eles sempre irão mudar (renovando-se) no processo de
desenvolvimento subseqüente, futuro, do diálogo. Em qualquer momento do
desenvolvimento do diálogo, existem, massas imensas e ilimitadas de
sentidos esquecidos, mas em determinados momentos sucessivo
desenvolvimento do diálogo, em seu curso, tais sentidos serão relembrados
e reviverão em forma renovada (em novo contexto). Não existe nada
absolutamente morto: cada sentido terá sua festa de renovação (2003, p.
410).
Quando diz a si mesmo sobre alguma coisa “Não é tão ruim assim”, aquele
que o diz está respondendo a um enunciado “não-dito”: “é ruim”, “é bem ruim” etc.
No caso da representação do diálogo no discurso, tanto marcado por aspas ou
travessões etc. como não marcado, há uma oposição de forma com respeito à
forma de composição “monólogo” algo comum, por exemplo, na enunciação
poética. Esse sentido mais “restrito” foi explorado recentemente, em termos
práticos, por FIORIN (2006a, 2006b), e dele não nos ocupamos especificamente,
dado que o nosso objetivo é examinar as bases do conceito.
Neste ponto, é preciso esclarecer que embora haja formas monológicas e
formas dialógicas, para o Círculo nenhum enunciado/discurso pode ser
constitutivamente, intrinsecamente, monológico nos dois outros sentidos, que são
translingüísticos, ou seja, vão além do lingüístico: o simples fato de alguém
enunciar algo como “a verdade” já pressupõe a existência de alguma outra
“verdade” possível (do mesmo modo como toda negação pressupõe alguma
afirmação, como bem viu Wittgenstein, 2005). 5 Quando se leva em conta o
“confronto” de vozes de que fala o Círculo, o fato de cada voz ser única e de que,
ao falar, cada sujeito trazer de certo modo “sua” versão do mundo, percebe-se
com clareza que todo discurso (e mesmo toda palavra) é arena, lugar de
enfrentamento, de presença do outro, não se podendo pois conceber um discurso
monológico no sentido de discurso que neutralize todas as vozes que não a
daquele que enuncia, mesmo que essa seja a impressão causada pela
materialidade do texto. Em outras palavras, “confronto” não é necessariamente
“conflito”, podendo ser igualmente “acordo”, o que pressupõe mais de um sujeito,
e que esse “confronto” é fator constitutivo do intercâmbio verbal, fundado, como
todo processo de produção de sentido, na diferença. Para o Círculo, interagir,
dialogar, não é nem a falsa harmonia que neutraliza ou apaga a diferença, nem
uma luta sem quartel que cala a voz do outro por meio da força. Do mesmo modo,
não se pode julgar idealista a relação eu-tu aí envolvida: a concepção de “outro”
5
Ao falar adiante da concepção de estética do Círculo, retomamos essa questão em termos da
distinção entre o “prosaico” e o “poético”.
do Círculo (como vamos desenvolver adiante) é complexa, porque o outro pode
ser amigável, submisso, autoritário, inimigo etc., mas permanece em todos os
casos constitutivo do eu, tal como o eu é, como já dissemos alhures, “o outro do
outro”.
Pode-se, não obstante, perceber nos discursos o que denominamos
“tendência ao monológico” e “tendência ao dialógico” (cf. SOBRAL, 2006), para
dar conta dos extremos que são o dialogismo e o monologismo “mostrados”, ou
seja, as formas “monólogo” e “diálogo” como dominantes de uma dada
materialidade textual. Esses extremos só são possíveis, naturalmente, em termos
teóricos, mas não concretamente verificáveis — não há na prática discursos
monológicos e/ou dialógicos “puros” nem mesmo nesse sentido “mostrado”: o
discurso em forma monológica continua a ser dirigido a alguém, mesmo que este
alguém seja imaginário ou aparentemente apagado. O discurso “tendencialmente
monológico” é aquele que se mostra, em termos de sua organização, e de seu
projeto enunciativo (a intencionalidade do sujeito ao enunciar, aquilo que ele
pretende dizer), voltado, tanto em termos de incorporação como de negação, para
a “neutralização”, na superfície discursiva, das vozes que o constituem, pondo em
destaque a voz do locutor/enunciador, ou seja, criando o efeito de instauração de
uma só voz como a voz dominante. Isso pode ser feito tanto de maneira explícita
como de maneira implícita. O discurso “tendencialmente dialógico” é aquele que
se mostra, nesses mesmos termos, voltado para tornar presentes, tanto em
termos de incorporação como de negação, as vozes que o constituem. Trata-se do
discurso que busca criar o efeito de instauração, explícita ou implícita, de um
concerto de vozes, que naturalmente podem ser dissonantes. Isso explica a
possibilidade de haver discursos que, em sua organização superficial, se mostram
dialógicos, mas tendem ao monológico (um discurso demagógico, ou populista,
por exemplo, que, ao “agradar” ao outro e, assim, parecer levá-lo em conta, na
verdade tenta impedi-lo de manifestar-se reivindicatoriamente). Do mesmo modo,
há discursos que na superfície se organizam em termos monológicos, mas que
tendem ao dialógico, como é o caso de um discurso acadêmico que faz com
veemência certas afirmações, dando a impressão de abafar a voz do outro, mas
que em seu âmbito reconhece a presença de outros discursos, de outras vozes,
no próprio ato de afirmar: recordemos que negar é reconhecer uma dada
afirmação!
Há na verdade vários graus de dialogismo e de monologismo, dado que,
insistimos, não há formas “puras”, exceto como artifício metodológico e tendo em
vista que, como dissemos, o discurso, por mais autoritário que seja ou pareça ser,
ainda se dirige a um outro que o constitui. Por outro lado, mesmo um tal discurso
(claro que se não for o da condenação à morte do adversário ou coisas desse
tipo), que envolve, pelo simples fato de existir, um projeto enunciativo de que o
locutor tem consciência, apresenta inúmeros aspectos que fogem ao seu controle:
ele também responde a vozes que só se fazem ouvir, paradoxalmente, em suas
réplicas — apesar dele mesmo! Pode-se portanto afirmar que dialogismo é um
conceito que busca dar conta do elemento constitutivo não apenas dos discursos
como da própria linguagem e mesmo do ser e do agir humanos. Para o Círculo, a
recepção presumida dos discursos é tão parte da criação do sentido quanto o são
sua produção e sua circulação: não há sentido fora da diferença, da arena, do
confronto, da interação dialógica, e assim como não há um discurso sem outros
discursos, não há eu sem outro, nem outro sem eu. Em suma, a concepção
dialógica sustenta que, antes mesmo de falar, o locutor altera, “modula”, sua fala,
seu modo de dizer, de acordo com a “imagem presumida” que cria de
interlocutores típicos, ou seja, representativos, do grupo a que se dirige. Esse
modo de entender as relações dialógicas marca a concepção de interação do
Círculo, tratada a seguir.
INTERAÇÃO
3. Age sempre (o que inclui todos os atos: cognitivos, verbais etc.), segundo
uma avaliação/valoração daquilo que faz ao agir/falar, e pela qual se
responsabiliza, e o faz a partir tanto da identidade que forma e vê
reconhecida como das coerções que suas relações sociais lhe impõe ao
longo da vida e que vão alterando essa identidade que ele veio a formar.
EM OUTRAS PALAVRAS
6
Baseamo-nos amplamente aqui em SOBRAL, 2005a.
circunstâncias de seu ato, mas nem sempre justificar esse ato: não é por haver
atenuantes que o “crime” deixou de ser cometido!
A avaliação responsível, ou ato valorativo ético, organiza os atos do (inter-)
agente, sendo portanto o aspecto arquitetônico (organizacional) do ato, o cimento
que cria a totalidade que é o ato, sempre ético (mesmo apesar dos sujeitos). O
caráter situado, circunstancial, do sujeito que isso implica não o isenta, como
vimos, da responsabilidade/responsividade éticas, e pelo contrário, requer dele
que as assuma. O valor do ato é o valor que ele tem para o agente no momento
do agir, sempre nos termos de uma dada interação de que ele participa, com base
na totalidade de suas relações sociais, em vez de um valor absoluto, um valor em
si, fora de contexto, que se impusesse a todos os sujeitos indistintamente.
Para Bakhtin, o “dever-ser”, a obrigação ética (que vai além do dever-ser,
sollen, de Kant), não é essencialista nem absolutista, mas “relacional”, situado,
endereçado, contextualizado. Isso, se não nega o valor dos preceitos morais,
requer que, tal como a fé, estes se traduzam em obras, incluindo assunções de
responsabilidade e ações de responsividade, que são a base do ato ético e dos
atos em geral, discursivos e outros. Vemos assim que faz sentido dizer que o
conceito de dialogismo, e seu correlato, o de interação, se baseiam em algo que
vai além do campo da lingüística e mesmo do discurso: uma concepção filosófica
do ser e do agir dos sujeitos humanos, uma maneira específica de pensar a
condição desses sujeitos, baseada numa ampla discussão de idéias de alguns dos
principais filósofos ocidentais e que leva em conta ainda algumas concepções
orientais (cf. esp. SOBRAL, 2005c e a bibliografia dos artigos do autor em BRAIT,
2005).
Capítulo 3
Autoria e estilo
EM OUTRAS PALAVRAS
7
“Pronunciamento opinativo explícito” é designação usada aqui para dizer que a “reportagem” mais
“objetiva”, ou mesmo a montagem da “capa” do jornal (cf. BRAIT, 2005c), são, por sua própria
existência e arquitetônica, uma opinião. A organização da capa, a escolha de um tópico etc. já são
uma opinião. O que cria a diferença é o fato de que, socialmente, quando se fala em editorial ou
coluna como formas discursivas, pensa-se de modo mais imediato em opinião. Contudo, por mais
que os órgãos de imprensa diferenciem entre “opinião” e “reportagem”, buscando criar neste último
caso um “efeito de objetividade” (e eles de fato falam de fatos concretos, mas os fatos nunca
“falam por si”), toda enunciação é uma opinião, uma avaliação, porque enunciar é valorar.
Capítulo 4
Significação e Tema
8
Cf. Stella, 2005 para um tratamento aprofundado.
ligado a nenhuma dessas funções nem se limita a elas.
Vemos em (c) que o signo é o meio de realização da interação e que,
portanto, sempre que há interação há signos. Nesse sentido, os signos são
“instrumentos” da interação, não em termos equivalentes aos de uma ferramenta,
mas como recursos expressivos de mediação dos contatos entre seres humanos,
porque o mundo humano não é só biológico nem só material, mas simbólico, um
mundo de sentido, de produção de sentido.
Vemos em (d) que o signo, assim como existe fora do sujeito, no mundo
simbólico dos seres humanos, existe também na consciência individual do sujeito.
Unindo-se (b) e (d), fica mais claro entender o ponto de contato que o
Círculo estabelece entre o individual e o social pela mediação do signo: o signo,
constituído ideologicamente, penetra a consciência individual para manifestar-se
e, como elemento presente à consciência individual, penetra o ideológico. Sem o
signo, portanto, nem a consciência individual nem a ideologia podem existir e, sem
elas, o mundo seria apenas biológico e material, sem construção simbólica e,
portanto, não humano.
Vemos em (e), por fim, que o signo é condição necessária à consciência, e
que, portanto, todo ato consciente implica a presença de signos. Em outras
palavras, a consciência tem como condição de possibilidade a existência e a
presença de signos, o que não nega a existência de pensamento sem linguagem,
mas indica uma concepção filosófica de grande alcance que não vai ser
aprofundada aqui; para essa concepção, a consciência se constitui mediante
signos, é, digamos assim, “comunicável”, pode ser expressa, quase como se o
que não é expresso não existisse, e o próprio sujeito que tem consciência sabe
que tem porque ela lhe chega na forma de signos. Por ora basta entender que o
signo, ou seja, a linguagem verbal (expressão que atualmente designa as línguas
orais e as línguas de sinais) é o próprio elemento definidor do sujeito humano,
visto que está presente em todos os processos propriamente humanos (isto é, os
que não são só biológicos ou só materiais), processos de produção de sentidos,
processos individuais-sociais inseridos na história.
Essas características da linguagem, ao lado da natureza dos discursos e da
criatividade ideológica, constituem para o Círculo a psicologia social, cuja
manifestação é uma variedade de discursos condicionados pela organização
social dos participantes dos atos discursivos, bem como pelas condições
imediatas em que se dá a interação desses participantes. A ideologia está assim
ligada de modo inseparável à realidade material do signo, de só é perceptível no
âmbito das formas concretas do intercâmbio social, determinadas pela base
material. Só o que tem valor social faz parte do universo da ideologia, e o
reconhecimento social atribui um dado valor ao signo, o que lhe permite “ingressar
no mundo da ideologia, tomar forma e estabelecer-se” (VOLOSHINOV, Op. cit., p.
35). Além disso, ao afirmar que “a psique anula a si mesma, ou é eliminada, no
processo de converter-se à ideologia, e a ideologia anula a si mesma no processo
de converter-se à psique”, o Círculo contesta tanto as correntes de estudo
lingüístico ou discursivo que julgam ser o sujeito, em sua psicologia individual,
centro da produção de sentidos, como as tendências que, exagerando as
diferenças entre individual e social, querem ver o discurso como o lugar em que o
falante, em vez de dizer, é dito (em termos concretos, não como uma metáfora
para indicar que o sujeito não controla inteiramente a sua própria fala).
As considerações feitas até o momento permitem tomar a idéia de
significação e tema como um dos pontos de convergência de vários conceitos:
diálogo, interação, sujeito, enunciação, contexto, projeto enunciativo, avaliação,
ideologia. Isso a nosso ver ocorre porque
1. A avaliação do locutor
2. A avaliação do interlocutor
3. A resposta do locutor
4. A resposta do interlocutor
Para compor sua avaliação (1) e sua resposta (3), o locutor leva em conta a
avaliação (2) e a resposta (4) presumidas do interlocutor. A avaliação e a resposta
do interlocutor, por sua vez, que foram consideradas (presumidas) pelo locutor,
dependem da avaliação e da resposta do locutor, num jogo de imagens individuais
e sociais dos protagonistas, porque as avaliações e as respostas/reações
dependem da posição, do papel social, dos protagonistas do discurso, das
relações sociais que há ou passa a haver entre eles, e essas posições ou lugares
envolvem valores ideológicos correspondentes a essas posições, além de toda a
configuração psíquica dos envolvidos etc. no âmbito de uma dada sociedade e da
história (cf. SOBRAL, 2008a).
A entoação avaliativa e a responsividade ativa são assim atitudes vitais
presentes em todo ato e em toda enunciação, vinculados com todo processo de
apropriação social e histórica do mundo pelos sujeitos. Como se trata de
fenômenos que só se manifestam em enunciados e discursos, tratamos a seguir
mais especificamente desses conceitos.
Capítulo 6
Enunciado concreto e discurso
9
Baseamo-nos aqui em BAKHTIN, 1997, p. 354, que não usa o termo “intergenericidade”. Para
detalhes, cf. SOBRAL, 2006.
a presença inevitável do outro. O pressuposto da alternância e o acabamento são
precisamente o que permite a resposta do outro; o enunciado envolve quanto a
isso três fatores inter-relacionados: a exaustividade, o projeto enunciativo do
locutor e a estruturação do acabamento em termos das “formas típicas do gênero
do acabamento” (BAKHTIN, 1997, p. 300. Cf. ainda p. 290-327).
A exaustividade varia de acordo com as coerções da esfera de atividade (o
campo da ação humana em que o enunciado é produzido; ver adiante) em que o
enunciado é proferido: num lado do espectro, as perguntas sobre eventos factuais,
nas relações cotidianas, são quase totalmente exaustivas, ao passo que um
tratado exibe uma exaustividade relativa apenas suficiente para despertar uma
resposta ativa. Esse acabamento mínimo está naturalmente vinculado, tanto em
termos de grau como de forma, ao projeto enunciativo do locutor, que estabelece
sua extensão e suas fronteiras: a depender do que queira dizer e da resposta que
deseje provocar ou evitar, o locutor dirá mais ou menos, delimitará seu enunciado
de uma ou de outra maneira, nos termos das formas típicas dos enunciados. O
projeto enunciativo se liga ao objeto de sentido, o tema, e forma com ele uma
unidade indissolúvel (Op. cit., p. 301), associada por sua vez com as
circunstâncias concretas de produção do enunciado. As formas típicas dos
enunciados são os gêneros do discurso: o projeto enunciativo do locutor o leva a
escolher um gênero. Estão envolvidos aqui as especificidades das esferas, os
aspectos específicos da interação, as necessidades temáticas etc.
Vemos já na definição de enunciado a fundamental presença dos gêneros,
e, o que é mais importante, o fato de que o projeto enunciativo “do locutor, sem
que este renuncie à sua individualidade e à sua subjetividade, adapta-se e ajusta-
se ao gênero escolhido, compõe-se e desenvolve-se na forma do gênero
determinado” (Idem, p. 302; grifos nossos). Vemos ainda que a assimilação das
formas da língua depende da assimilação das formas típicas dos enunciados: não
aprendemos a língua em dicionários nem em gramáticas, mas através de
enunciados concretos: “falar é aprender a estruturar enunciados (porque falamos
por enunciados e não por orações isoladas e, menos ainda, é óbvio, por palavras
isoladas) [Ibid., p. 303]. Se aprender a falar é aprender a estruturar enunciados de
acordo com suas formas típicas, aprendemos a falar mediante a assimilação de
regras de gênero, ou critérios de estruturação e uso de enunciados de acordo com
as esferas de atividade em que surgem os gêneros.
As formas típicas dos enunciados são bem mais flexíveis do que as formas
da língua, havendo um espectro de padronização cujo ponto máximo são gêneros
cotidianos como as felicitações, os votos etc., e cujo ponto mínimo são as obras
literárias. Mas nem por isso há uma total rigidez padronizadora nos gêneros
cotidianos, que variam a depender das relações entre os protagonistas do
discurso, nem uma total liberdade nos gêneros literários, que são parte da esfera
da literatura, que tem suas normas. Cabe pois fazer um importante esclarecimento
acerca da relação entre as formas da língua e as formas típicas do enunciado.
Bakhtin (Op. cit., p. 306), desenvolve a idéia de que a escolha de um tipo de
oração depende do todo do enunciado completo. Segundo ele, (1) a frase é
mobilizada em função do “todo do enunciado completo”, isto é, depende do projeto
enunciativo do locutor; (2) esse todo “determina nossa opção”; e (3) esses
elementos dirigem o processo discursivo, que é o espaço em que as frases,
unidades da língua, adquirem sentido por serem mobilizadas num enunciado,
unidade da comunicação discursiva.
Assim, o sentido dos enunciados, expresso por meio da materialidade das
frases, é estruturado de acordo com as formas típicas dos enunciados, e estas
dependem da concepção do todo do enunciado completo, assim como a própria
composição de um conjunto de frases. Assim, enunciado e frase não se
confundem, porque as frases são mobilizadas pelos enunciados nos termos das
normas flexíveis de composição do todo destes: uma mesma frase pode dizer
coisas distintas a depender das formas típicas dos enunciados que a mobilizam,
não havendo portanto uma relação direta entre frases e formas típicas de
enunciados – assim como não há uma relação direta entre uma dada forma textual
e um dado gênero (cf. SOBRAL, 2006, passim e ver adiante o capítulo sobre
gênero). Todo enunciado pressupõe uma enunciação e um enunciador, aquele
que o produz, bem como um enunciatário, alguém a quem essa enunciação é
dirigida, e tanto o enunciador como o enunciatário são, obviamente, sujeitos. Não
há enunciação sem enunciado, nem enunciado sem enunciação.
O sentido, retomando o que foi dito até agora, é produzido portanto “entre
sujeitos”, nas relações entre esses sujeitos, é produto de um processo que nasce
na e da relação entre enunciador e enunciatário, criando uma realidade segunda,
uma realidade de discurso, que não altera o mundo material, mas também não é
um reflexo “objetivo” dele. A enunciação é grosso modo o ato de proferir um
enunciado, de dizer alguma coisa, que é sempre dirigida, “endereçada” a alguém,
com um dado objetivo. O enunciado, assim, não é o mesmo que a frase: a frase é
unidade do sistema lingüístico, e uma dada frase pode significar muitas coisas e
ser dita por qualquer pessoa, enquanto o enunciado é unidade do sistema de uso
da língua (SOBRAL, 2005, 2006), e o que pode significar depende de seu autor,
daquele a quem ele se dirige, do lugar e momento em que é proferido e do “querer
dizer” (ou projeto enunciativo) desse seu autor.
Na qualidade de locutor, todo sujeito recorre a significações fixadas no
sistema lingüístico e a valorações (a sua e a dos interlocutores a que se dirige)
que não estão no sistema, mas nas circunstâncias de uso da língua; e é a união
entre significação e valoração que cria sentidos nas circunstâncias históricas e
sociais dadas de enunciação. O sujeito sempre avalia, ainda que aí estejam
envolvidos aspectos inconscientes que ele não pode controlar, o que pretende
dizer e causar com seu dizer (seu projeto enunciativo) e modula/adapta seu modo
de dizer de acordo com a situação em que diz, o que envolve outros sujeitos,
instituições etc., bem como as reações concretas ou presumidas dos outros
sujeitos etc. E chegamos assim a um importante aspecto da definição do sujeito
da enunciação: o sujeito da enunciação é entendido como um sujeito concreto,
mas não em termos empíricos estritos e sim como sujeito do discurso: de certo
modo, o sujeito sempre se constitui no discurso como uma personagem de si
mesmo, uma “máscara”, um “papel” construído na situação em que se encontra.
Mas o discurso remete inevitavelmente ao mundo empírico, que de certo
modo não é recuperável integralmente no enunciado, mas deixa neste marcas que
remetem à concretude da enunciação – sempre do ponto de vista dos
protagonistas dessa enunciação, não nos termos supostamente absolutos de
certas análises imanentes ou de certa sociologia. Assim, pode-se dizer que, em
todo discurso, há uma espécie de “contrato” “firmado” entre as “personagens” do
enunciador e do enunciatário em sua relação específica. Nessa situação, o sujeito
é responsável pela “verdade” de seu discurso, uma verdade de discurso, mas que
nem por isso nega o concreto. Se o sujeito não existe sem o social, mas não se
anula diante desse social, o discurso do sujeito não existe sem o mundo mas não
se anula diante desse mundo. De igual forma, o social não é anulado pelo sujeito
nem o discurso anula o mundo concreto.
As formas típicas dos enunciados são escolhidas nas circunstâncias
específicas da interação, envolvendo a relação do locutor com seus próprios
enunciados (o tom avaliativo) e com o interlocutor (a responsividade ativa). Assim,
é a ação do locutor em interação que realiza a escolha de formas típicas do
enunciado, em vez de haver uma imposição rígida de uma dada forma típica numa
dada situação. Logo, cada vez que uma dada forma típica é usada, as
circunstâncias do uso alteram elementos dessas formas, o que permite que o
locutor tanto realize seu projeto enunciativo – mas não como o falante criador das
teorias subjetivistas – ao mesmo tempo em que obedece às regras das formas
típicas, que dependem do ambiente social, da esfera de atividades em que os
enunciados são produzidos, da relação específica entre os interlocutores etc. –
mas não mediante a sujeição a regras impessoais incontornáveis que façam das
formas típicas dos enunciados fórmulas a ser repetidas.
O enunciado é portanto a unidade da interação, sendo determinado pelas
especificidades da interação, em vez de ser seu determinante:
(...) O discurso na arte não é e nem pode ser tão estreitamente dependente
de todos os fatores do contexto extraverbal, de tudo aquilo que e visto é
sabido, quanto o discurso na vida. Uma obra poética não pode apoiar-se
em objetos e eventos do meio imediato como coisas “entendidas”, sem
fazer sequer uma ligeira alusão a eles na parte verbal do enunciado. (...)
muito mais é exigido do discurso na literatura(...). Nada deve ser deixado
não dito numa obra poética do ponto de vista pragmático-referencial.
O gênero possui sua lógica orgânica, que em certo sentido pode ser
entendida e criativamente dominada a partir de poucos protótipos ou até
fragmentos de gênero. Mas a lógica do gênero não é uma lógica abstrata.
Cada variedade nova, cada nova obra de um gênero sempre a generaliza
de algum modo, contribui para o aperfeiçoamento da linguagem do gênero.
11
“Intergenericidade” não tem relação com a “auto-narration” e o “inter-genre” de Rajan (1998),
nem com a “ficção auto-reflexiva” de Andrew (2004), e de Halmari e Virtani (2004), ou com a
“genericidade” interna de Schaeffer (1986). Trata-se de um conceito fundado numa exploração das
propostas do Círculo; Cf. SOBRAL, 2006.
O que define a noção de “fase parasitária” é portanto o fato de as próprias
formas composicionais, de validação das relações interlocutivas, e em alguns
casos, de textualização etc. e o tipo de recepção e circulação que o gênero em
formação procura assegurar exibirem tal esforço de escamoteamento da presença
tensa dos gêneros apropriados, por assimilação ou rejeição, que tornam patente a
ambivalência de suas propostas de libertação dos sujeitos das profissões de
ajuda, da “hetero-ajuda”, esfera ampla dos gêneros parasitados. Por paradoxal
que pareça, esse procedimento torna os discursos assimilados/contestados ainda
mais presentes no gênero parasitário identificado, o que prova de outro ângulo
uma tese bakhtiniana acerca da polêmica oculta, e parece revelar que a formação
de gêneros, embora ocorra o tempo inteiro, é melhor percebida no tempo longo: a
irrupção, consolidação, morte etc. identificável de gêneros seria assim o ponto
culminante de um processo, não o próprio processo, que de certo modo é
“invisível”.
12
Agradeço a minha companheira conjugal-teórica, Maria Stela Gonçalves, a sugestão da
formulação desse parágrafo, bem como pelo olhar crítico-analítico que lançou sobre a análise
como um todo.
gênero e que por isso o texto só faz sentido se articulado à sua inserção
discursiva e genérica. O que vamos mostrar busca articular a definição de gênero
em sua vertente mais completa, a de Medvedev, considerando ainda,
naturalmente, as propostas de Voloshinov e as análises e propostas de Bakhtin.
Por razões metodológicas (porque não nos sentimos autorizados a, nem
competentes para, uma análise tal como as feitas pelo Círculo), a análise segue a
seqüência descrição - análise – interpretação proposta (s.d.) e magistralmente
usada por Brait (várias datas) e que descrevi com detalhes, adaptando-a, em
Sobral (2006; esp. p. 49-55), com a gentil permissão de sua autora. Vamos assim
analisar, a título de exemplo, a capa de um livro de auto-ajuda trabalhada com
outros objetivos e de maneira distinta por Sobral (2006). 13
Dividimos didaticamente a análise de acordo com essas etapas, mas não
pretendemos com isso propor que se façam análises não ilustrativas usando
essas divisões. Grosso modo, não há propriamente uma divisão, exceto se a
pensarmos como recurso de “demonstração” do percurso de abordagem do
objeto, mas antes ênfases distintas: a descrição busca ater-se à materialidade per
se da capa do ponto de vista de um levantamento dos componentes dessa
materialidade; a análise busca, a partir dessa descrição, arrolar dados do ponto de
vista das “dominantes” discursivas, ou seja, os elementos da materialidade que
são privilegiados no projeto enunciativo dos textos; e a interpretação busca reunir
todos esses dados, com destaque para os vários elementos contextuais que a
capa autoriza — do ponto de vista da concepção teórica — a fim de dar uma idéia
da relação entre o projeto enunciativo, as modulações do projeto enunciativo ao
longo de sua realização e o “produto” final. Quando falamos em “autoriza”,
referimo-nos ao fato de a dimensão intradiscursiva da capas — e de todo discurso
— remeter a certas realidades extradiscursivas de que parte e nas quais é
produzida — o “cenário” do evento de sua produção —, mas não a outras. Em
suma, só as realidades extradiscursivas que são “intradiscursivizadas”, tornadas
partes do todo do discurso, podem ser mobilizadas legitimamente pelo analista.
Do contrário, pode-se aplicar uma camisa-de-força ao objeto e deixar de vê-lo
quer em sua especificidade ou naquilo que ele compartilha com outros objetos.
Não vamos fazer um tratamento exaustivo da capa, mas é preciso alertar
para o fato de que não se propõe aqui uma análise de uma capa per se, mas
enquanto capa de um livro, e de um certo tipo de livro, o de uma vertente de auto-
ajuda. O estudo original envolveu uma série de operações cujos resultados serão
descritos sumariamente aqui para dar uma idéia dos procedimentos e elementos
que foram considerados. Para isso, apresentamos parte do que foi amplamente
desenvolvido em Sobral 2006.
O corpus original é formado por 4 livros de uma vertente de livros de auto-
ajuda, e leva em conta inúmeros outros livros, de várias épocas cronológicas, que
se destacaram na história do gênero, publicados principalmente nos EUA, vários
deles traduzidos no Brasil. O objetivo original foi o estudo qualitativo da construção
discursivo-genérica desses textos enquanto gênero em formação, em sua fase
“parasitária”. Naturalmente, esses textos em português no Brasil não podem ser
tomados, por maior que seja a “fidelidade” da tradução, como se fossem os textos
13
Para uma versão da análise, com outros objetivos, cf. SOBRAL, 2008b.
em inglês que circulam nos Estados Unidos/no Reino Unido e no resto do mundo.
Isso impôs levar em consideração sua produção, circulação e recepção em
português do/no Brasil, sem contudo desconsiderar que o foco do estudo original
foi determinar a origem e desenvolvimento das características dos livros de auto-
ajuda e destacar sua importância e/ou popularidade em todo o mundo do ponto de
vista da formação dos gêneros, o que fez o estudo original aproximar-se de uma
semiótica da cultura que no entanto não foi desenvolvida ali.
Os quatro livros privilegiados no estudo original constituem o corpus
justamente por serem representativos das principais tendências atuais dos textos
de auto-ajuda de cunho “psico-espiritual”, ou seja, que buscam a alteração ou o
aprimoramento do eu a partir de propostas de cunho espiritual. A escolha,
portanto, não se restringe a critérios meramente estatísticos, mas da ordem da
relevância: o estudo revelou quais eram as “tendências atuais”, marcando “atuais”
um dado período de tempo. Os livros em questão foram traduzidos do inglês
americano, com exceção de A Força da Paz Interior (COOPER, 1994; Ed. Bras.:
1997), da Inglaterra, e escolhido para fins da identificação de possíveis contrastes.
Os livros especificamente estudados podem ser descritos da seguinte
forma: há um de raízes temporalmente mais antigas e que incorpora uma dada
versão norte-americana do espiritismo, adaptada aos modernos princípios da
“Nova Era”, mais compatível com a idéia, nova para o espiritismo tradicional, de
auto-ajuda: é o caso de O Crescimento Através da Crise Pessoal (BRO e BRO,
1988. Ed. Bras.: 1992). Outro, essencialmente moderno, vincula-se com uma
ressignificação particularíssima da ciência moderna (especialmente da física
quântica, e de diversas psicologias e espiritualidades ora em circulação) nos
termos da “Nova Era” e que se sustenta de modo geral na autoridade científica do
autor, cuja condição de “Ph.D.” (assim mesmo!) é explicitada. Trata-se de um
dado bastante comum em vários dos livros do gênero (e de modo particular na
vertente de aconselhamento, que exibe a meu ver especificidades que a
distinguem da de auto-ajuda propriamente dita). Essa modalidade é representada
por Na Plenitude da Alma (BORYSENKO, 1993. Ed. Bras.: 1996).
Outro livro, igualmente moderno, funda-se em habilidades e experiências
extra-sensoriais, competência hoje mais aceitável no nível do grande público, e
que exibe inúmeras variedades: A Força da Paz Interior (COOPER, 1994. Ed.
Bras.: 1997); esta obra vem, como se disse, do inglês britânico, mas há muitos
livros norte-americanos que também se fundam nessas habilidades e
experiências. Há também Um livro, fruto dileto da “Nova Era”, que apresenta
textos que se qualificam mais declaradamente a partir da experiência prática dos
autores, em geral agentes de cura (em particular não institucionais). A autora
específica estudada norteia sua prática de cura pela força do amor, reinterpretado
à luz dos princípios da “Nova Era”: Crise Espiritual (YOUNG-SOWERS, 1993 [Ed.
Bras.: 1995).
Foi feito no estudo original um levantamento dos tipos de títulos disponíveis
na última década e no período 1973-1996. Distinguiram-se as seguintes
tendências, bastante disseminadas nos Estados Unidos, e que também se fazem
presentes no Brasil:
a) livros dirigidos principalmente ao público por eles entendido como
feminino no que se pretende que tem de específico em termos de cuidado
dos filhos etc. (ainda hoje);
b) livros dirigidos ao público entendido como masculino, nos mesmos
termos, centrados na questão da obtenção de melhor desempenho
profissional, sucesso etc. (ainda hoje);
c) os chamados, nos EUA, how to books [como fazer], que não se dirigem
a um público específico, e são manuais práticos que ensinam de como
comprar camisas a como consertar naves espaciais etc.;
d) livros de aconselhamento, em que conselheiros (nos EUA, categoria
genérica de “terapeutas”, que vai de psicólogos a pastores) de várias
tendências transmitem suas conclusões sobre terapias com seus
“pacientes”; e
e) livros de auto-ajuda “propriamente ditos”, marcados pelo simulacro de
veículos de apresentação de experiências pessoais de vários tipos que
constituem a base de diversas propostas de “cura da vida” dos leitores.
Crise Espiritual, livro traduzido do inglês (Spiritual Crisis – What’s Really Behind
Loss, Disease and Life’s Major Hurts) é de fácil manuseio: pouco maior que um livro de
bolso, tem 14 centímetros de largura por 21 de altura – um tamanho médio na esfera
editorial.
A capa da edição brasileira de que nos ocupamos mostra um fundo de cor púrpura a
que se sobrepõe uma forma que poderíamos descrever como redonda, alongada – algo
como um vaso, um recipiente –, que começa no alto da capa e que ocupa quase todo o
espaço desta. Essa forma é de cor azul escura, quase roxa.
Começa no alto da capa e ocupa quase todo o espaço desta. Contém o nome da
autora (caixa alta e baixa em itálico, na cor branca) – Meredith L. Young-Sowers –, o título
do livro, em grandes letras amarelas maiúsculas – CRISE ESPIRITUAL – e o subtítulo
(caixa alta e baixa, letras centralizadas quase na base da forma alongada azul-roxa, em
três linhas, letras brancas menores):
O verdadeiro significado
das perdas, das enfermidades
e dos sofrimentos da vida
Na parte púrpura há, ao redor do local em que se acham os trechos de texto – que
estão centralizados –, uma moldura fina de cor branca, com o lado superior aberto; na
parte inferior, ela traz um corte, no centro, onde se encontra o nome da editora. Essa
moldura ocupa assim as partes inferior, esquerda e direita da capa, no interior do fundo
púrpura. Temos portanto uma capa cujo fundo traz cores do mesmo campo cromático.
Alguns centímetros abaixo da parte azul-roxa, centralizado, em letras amarelas
minúsculas, aparece um texto de cinco linhas, quatro de comprimento simétrico e a quinta
centralizada em relação a estas últimas. O texto diz o seguinte:
Um pouco abaixo desse trecho vem o nome da editora, cuja disposição já foi
descrita; as letras, amarelas como o texto acima mostrado, são igualmente minúsculas,
com exceção da inicial “C”, de “Cultrix”.
Uma informação relevante, mas que não índice diretamente na análise é que a
capa do original em inglês tem fundo claro, traz o título em letras garrafais, seguido em
ordem descendente pelo subtítulo e pelo nome da autora. Apresenta uma estilização da
parte central de um famoso fragmento do painel do teto da Capela Sistina, “A Criação do
Homem” (1511-12), de Michelangelo. Não traz nenhum trecho descritivo. Esse dado é
relevante na medida em que indica que o “mesmo” livro se apresenta a diferentes
públicos leitores de maneira distinta, revelando distintas relações enunciativas vinculadas
a fatores sócio-histórico-culturais.
A capa brasileira mostra, em seqüência descendente, o nome da autora, em itálico,
e na cor branca; o título, em letras cerca de cinco vezes maiores que as dos outros
segmentos textuais, e em amarelo – “crise” está sobre “espiritual”; o subtítulo, em branco
e itálico, compõe-se de três linhas, a saber, “O verdadeiro significado”, “das perdas, das
enfermidades” e “e dos sofrimentos da vida”, o que mantém a simetria entre as linhas.
Quanto ao texto inserido na parte púrpura da capa, já o mostramos em sua formação
original: quatro linhas de comprimento simétrico e a quinta centralizada.
Em termos da capa como um todo, os vários componentes ocupam o centro da
página e o foco da visão, o que é parte da cenografia cristalizada de capas de livros. Essa
cenografia apresenta como elementos fixos o nome do autor, de modo geral na parte
superior da capa; o título do livro, e; o nome da editora na parte inferior. A centralização
dos segmentos textuais é a disposição costumeira. O subtítulo e eventuais trechos
descritivos do livro ou transcritos deste são, na prática brasileira, opcionais, mesmo
quando o livro traz um subtítulo.
O trecho que aparece na parte inferior da capa parece constituir, em nível de
descrição, algo como um segmento-síntese do livro como um todo, formando, ao lado do
título e do subtítulo, a unidade maior capa no que se refere à parte “explicativa” do texto
verbal.
2. Uma análise
Rica em elementos passíveis de análise e interpretação, a capa de Crise Espiritual
já nos apresenta num primeiro nível a questão das cores. Como dissemos, a capa da
edição brasileira exibe um fundo de cor púrpura a que poderíamos acrescentar,
analisando, o adjetivo cardinalícia, algo que a literatura mística associa à religião – bispos,
cardeais –, ao mistério (a indistinção do púrpura), dois fortes componentes a merecer uma
análise, tanto mais porque à cor púrpura é acrescentada a referida cor azul-roxa da forma
ovalada também presente na capa. Esta última cor, ou, mais precisamente, essa nuança
cromática, parece intensificar o sentido religioso abrangente, espelhado em nosso
material de análise.
O azul escuro, quase roxo, é um matiz cromático que a literatura mística associa ao
campo semântico do misterioso, do sacrifício santificado, em suma, uma cor de intensas
conotações religiosas. Talvez possamos acrescentar a isso a questão da forma do
desenho em que o azul-roxo aparece na capa: ele lembra um recipiente com a boca
voltada para cima, o que remete, por um lado, à tradição do Graal (ainda que o “cálice” se
mostre no caso desprovido de uma base) e, por outro, à alquimia, em que os elementos
químicos são misturados num cadinho (embora a superfície inferior do recipiente contido
na capa não lhe permita ficar “de pé” como um cadinho). Até este ponto, podemos dizer
que o conjunto desses elementos remete portanto à esfera do misticismo, se assim se
pode dizer.
A capa já nos apresenta num primeiro nível a questão das cores, um fundo de cor
púrpura a que poderíamos acrescentar, analisando, o adjetivo cardinalícia, algo que a
literatura mística associa à religião – bispos, cardeais –, ou ao mistério (a indistinção
dopúrpura); à cor púrpura é acrescentada a cor azul-roxa da forma ovalada. Essa nuança
cromática parece intensificar o sentido “religioso” abrangente, espelhado em nosso
material de análise. Quanto à forma do “desenho” que o azul-roxo forma, ele lembra um
recipiente com a boca voltada para cima, o que remete, por um lado, à tradição do Graal
e, por outro, à alquimia, em que os elementos químicos são misturados num cadinho É
útil ressaltar que a alusão cromática a textos esotéricos etc., da edição em português, se
associa igualmente ao fato de a casa editorial Pensamento publicar livros esotéricos há
vários anos.
Observamos aqui múltiplas significâncias. Num primeiro momento, vemos já na
presença da cor púrpura cardinalícia uma primeira interpelação enunciativa, um “contrato
fiduciário”, ao público a que se dirige o livro e, portanto, uma indicação da “esfera”: só
“conhecedores” poderiam identificar a alusão ao religioso, ao misterioso efetuada por
essa cor, por sua indistinção. Notemos esse primeiro recorte relativo ao “auditório”, ao
“interlocutor”, produtor de sentido.
Mencionamos na parte descritiva que a forma ovalada azul-roxa lembra, entre
outras coisas, um cálice (embora desprovido de base) e que remete tanto à tradição do
Graal como à alquimia. O conjunto desses elementos remete portanto à esfera do
misticismo, se assim se pode dizer, o que nos induz a buscar novos aspectos dessa
possibilidade de análise.
Se tomamos, por exemplo, o texto em letras amarelas na parte inferior da capa,
observamos que é apresentado com uma inversão dos períodos que o compõem na
contracapa, criando outros efeitos de sentido: na contracapa, ao contrário da capa, esse
trecho traz o período “O amor... cura” antes do outro período (“Nossa... desafios”).
Verifica-se na capa uma estrutura textual que parece voltada para refutar por antecipação,
de modo reforçado no segmento final, mas já no subtítulo, eventuais restrições feitas à
proposta básica do livro quando do contato inicial do interlocutor, na condição de possível
comprador do livro, com a capa. Num exame que se pretende minucioso, mas não
exaustivo, faço as considerações a seguir.
O título apresenta um estado presumido como negativo – “crise” –, modulado pelo
atributo “espiritual”, o que cria o âmbito de uma crise específica, e não de qualquer crise.
À guisa de explicação do “diagnóstico” feito, vem o segmento formado pelo subtítulo, no
qual se destaca a modulação do seu principal elemento, “significado”, pelo atributo
“verdadeiro”, e que incide sobre outros elementos negativos mais definidos do que “crise”:
perdas, enfermidades, sofrimentos da vida, o que une o material ao espiritual.
Observa-se que esses elementos são apresentados, por meio de “da vida”, como
típicos, comuns, corriqueiros. Vemos no subtítulo o primeiro movimento de uma refutação
de objeções: se eventualmente discorda do diagnóstico – a existência de uma “crise” de
cunho “espiritual” e não de outra natureza –, o interlocutor o faz, pelo que o texto permite
dizer, porque não conhece o “verdadeiro” significado dos “sintomas”, o que presume que,
se eles tiverem mais de um significado, só o apresentado pelo locutor é verdadeiro.
Temos aí uma entoação avaliativa inter-incompreensiva das bases da proposição do
contrato fiduciário.
Os “sintomas” da crise vêm a seguir. Os locutores (o enunciador é a editora, mas
são locutores a editora e a autora) afirmam no título que há uma situação negativa de um
dado tipo e explicam essa sua asserção por meio do subtítulo, que refuta eventuais
objeções ao ser modulado em determinada direção, a da existência de um “significado
verdadeiro” para certos presumidos, conhecidos pelo locutor, mas que o interlocutor pode
não conhecer com o mesmo sentido que o locutor propõe, o que motiva a explicação da
parte da “autoridade” que é o locutor. O uso de “verdadeiro” como recurso de contestação
é bastante comum em discursos que têm por objeto questões polêmicas ou que abordam
assuntos de maneira polêmica, como é o caso deste, o que é claramente comprovado no
segmento adicional.
Uma análise interpretativa mostra que a proposição do “amor” como “energia de
cura”, tendo em vista a concepção típica do amor no mundo ocidental, propõe uma
entoação avaliativa específica que requer explicação, defesa etc., não do ponto de vista
do texto, mas do discurso e do gênero, o que está centrado no tipo de relação
interlocutiva proposta: o locutor se diz alguém capaz de transmitir um saber e uma
competência, a autocura, a partir de determinados elementos e procedimentos.
A unidade temática do gênero, que gira em torno do valor “autocura”, está vinculada
com o tópico “o amor como energia de cura”, algo que se opõe a um dado presumido
(relativo ao amor e à cura, e, mais do que isso, à sua junção nos termos desse discurso),
e requer o uso de uma expressão compatível, no caso “Crise Espiritual”, para dar sentido
a essa proposta. O “valor” desse título é explicado por um dado segmento textual, no
caso, “O verdadeiro significado das perdas, das enfermidades e dos sofrimentos da vida”.
O que se entende por “verdadeiro significado”? Essa expressão retoma obviamente
“Crise Espiritual” e redefine a “causa” das perdas, das enfermidades e dos sofrimentos da
vida”, o que leva o discurso a opor-se a outras valorações dos elementos mobilizados.
Nesse sentido, o trecho adicional que vem na parte inferior da capa, um recurso presente
a alguns livros, parte opcional da cenografia típica das capas, vem em favor dessa
oposição: ele apresenta os elementos básicos que sustentam a proposta temática, a
autocura, nos termos específicos do tópico do livro cuja discursivização é mobilizada pelo
gênero, o que determina a escolha de uma dada textualização.
No segmento complementar, há o pressuposto de que um “nós” inclusivo (com que
o locutor já inclui o interlocutor no âmbito dos sujeitos dotados de uma dada comunidade
de interpretação, dotada de uma dada competência) que pode curar a si mesmo,
associado ao implícito /precisamos de cura (porque) estamos em crise espiritual/ e que
retoma os referidos “sintomas”. Isso reforça a evocação denegada do discurso médico em
geral (cura) e mesmo do discurso da religião (cura espiritual) e indica que o livro se
pretende propositor de uma terapia, de um remédio, mas que não tem a mesma natureza
dos remédios da medicina, dado ser de cunho espiritual, mas que também não é religioso.
Analisando com fins interpretativos, vemos que, num só movimento, buscam-se
redefinir os presumidos sobre o amor, sobre a doença, sobre a cura, sobre a
espiritualidade e seus benefícios em sua vertente religiosa a fim de propor uma nova
avaliação de tudo isso. Não há menção explícita à medicina nem à religião, mas, para
ficar num indício, “verdadeiro”, modificando “significado”, serve para sugerir que o
diagnóstico e a prescrição médicos e religiosos são falsos!
Fica evidenciado aqui que essa competência, cuja obtenção é apresentada como
meta do interlocutor, é concebida como algo que (apesar do “nós” inclusivo) só será
transmitido integralmente ao sujeito que passar pelas “provas” apresentadas pelo locutor
como necessárias. Observa-se que o locutor se propõe como doador dessa competência,
algo que interfere na composição da contracapa, e que ele propõe ao interlocutor uma
modificação de condição, a passagem de alguém potencialmente capaz de exercer essa
habilidade a alguém que de fato a exerce. O convite fiduciário é reforçado: “junte-se a
nós”, e, portanto, “afaste-se deles”.
Associam-se nesse âmbito alguns valores apresentados como positivos, o que dá
uma inflexão específica ao “diagnóstico”: há uma dada situação negativa que tem
determinados atributos e cuja resolução depende do entendimento do “verdadeiro”
significado de certos elementos e de ações determinadas (ter “equilíbrio espiritual” e “usar
o amor”); o interlocutor pode se tornar capaz de superar essa situação, mas só se adquirir
as competências x e y, que permitem realizar z, que é portanto a condição de
possibilidade dessa superação. Isso prepara o interlocutor para a proposição de um novo
valor, sobreposto àquele que é objeto de uma concessão, e que é vital para a proposição
desse segundo sentido, para “amor”: o de “a energia da cura”, diferente de “emoção”, mas
não oposto a esse sentido, dado que é “mais do que uma emoção” (e aqui uno na análise
genérica elementos do discurso e elementos do texto, numa sobreposição que vai
necessariamente ocorrer).
Retomando interpretativamente a questão do amor, vemos que o sentido atribuído
pelo locutor inclui o que o interlocutor presumivelmente conhece, ao mesmo tempo em
que, nos termos do locutor, o ultrapassa. Ou seja, não se nega o sentido do senso comum
que tem “amor”, mas acrescenta-se a ele um novo atributo. Temos aqui o valor para o
qual convergem todos os segmentos precedentes, e que vai nortear igualmente o
desenrolar do livro. Logo, o modelo médico parece receber aqui uma sutil contestação: a
“doença” é concebida em termos não corporais e não psíquicos. Essa contestação não é
clara – e aqui entram elementos empíricos relativos à esfera de atividades –, devido à
dificuldade de contestar em nossos dias o caráter científico da medicina, além da
necessidade de evitar a aplicação de leis como as que proíbem o abuso da fé e que têm
levado alguns livros de auto-ajuda a fazer afirmações que deixem claro não estarem se
propondo a substituir os tratamentos médicos “tradicionais” da medicina científica. Não
obstante, ainda é a autocura que o livro propõe.
Observa-se que /amor/, tal como definido pelo locutor, se torna o valor no qual se
funda toda essa primeira proposição do contrato fiduciário. O interlocutor vai mais tarde
constituir-se em agente, devendo antes passar por uma transformação da compreensão x
das coisas à compreensão y – desde que aceite o contrato proposto, mediante um
determinado agir: ele deverá aceitar as operações que levam do poder ser e do poder
fazer ao saber fazer e ao poder fazer. Dessa aceitação inicial parece depender todo o
resto – a leitura, a adesão, a transformação: se se qualificar e vencer a prova, o príncipe
receberá a mão da princesa! E, a julgar pela disposição “propositória” dos textos de auto-
ajuda estudados, não lhe faltam adjuvantes...).
A continuação da análise permite-nos ver aqui, num caso específico, os momentos
de preparação de um percurso a ser realizado pelo interlocutor, mas que já o é pelo
discurso examinado, ao menos a julgar pelo que vimos até agora. Isso instaura uma
estrutura composta essencialmente por, digamos, DIAGNÓSTICO, PRESCRIÇÃO e
INSTRUÇÕES DE USO (para a auto-aplicação da prescrição). Não se trata de buscar
apenas a adesão a determinadas teses, mas de levar o interlocutor a agir em termos de
um dado percurso com vistas a alcançar um dado fim, desde logo positivo, oposto a uma
situação presente caracterizada como negativa. Esse tipo de discurso talvez pudesse por
isso ser caracterizado como uma modalidade de discurso programador (cf. Greimas,
1983, p. 157-169): trata-se de descrever os passos que levam, por meio de um dado agir,
da situação x à situação y, caracterizando-se esta última como melhor, a partir de
ingredientes dados e de uma receita de combinação desses ingredientes, chega-se a um
dado “prato”, desde sempre suculento, a ser devorado, desde que aceito o
posicionamento do locutor.
Além disso, como a pesquisa revelou, os métodos clássicos de autocura, como os
da AA [Alcoólicos Anônimos], baseiam-se em “passos” de um dado percurso. O discurso
programador requer de modo geral o tipo de texto “instativo” e é parte de um gênero em
que x detém uma competência a ser transmitida. Esse gênero não pertence
necessariamente a uma dada esfera, e só a ela, mas a todas as esferas nas quais seja
concebível algum tipo de relação assimétrica de transmissão de saber e de competência
que requeiram um agir que vai além do ato cognitivo de compreensão. Logo, é um indício
de que também os gêneros e as esferas não se acham em correlação necessária, apesar
da existência de cristalizações históricas.
3. Uma interpretação
A abordagem descrita muito deve ao materialismo dialético, mas vai além dele,
aproximando-se de uma fenomenologia da linguagem na linha de Herder, Husserl e
Heidegger. Podemos resumi-la da seguinte maneira:
Seu projeto de construção do objeto parte do terreno da ação verbal para chegar ao
da língua e, depois, voltar ao da ação verbal. Ou seja, ele vê as formas cristalizadas da
língua presentes nas ações verbais como objeto da influência destas, o que muda seu
sentido na interação e altera em última análise essas mesmas formas.
As etapas da análise do discurso no âmbito dessa proposta de dialogismo
generalizado do Círculo são:
Resumindo, percebe-se que a ênfase é sempre dada aos processos e não aos
resultados, ao concreto e não ao abstrato, à interação e não às intenções subjetivas de
um sujeito extra-social e extra-histórico, à organização dos textos por um sujeito situado
e, portanto, que as altera de acordo com a situação. Ênfase nos processos não significa
desprezo do produto, porque é só no produto que se podem identificar as “marcas” do
processo. No caso do produto texto, pode-se dizer que, para o Círculo, um dado texto não
é como é por algum efeito mecânico decorrente da situação em que é produzido, porque
essa situação também está sujeita a alterações conjunturais, mas algo que traz marcas do
processo ocorrido nessa situação, e são essas marcas que estão no produto que nos
levam a identificar, dentro do humanamente possível, o processo. Há a insistência na idéia
de que a linguagem como sistema abstrato de formas ou como criação individual dos
sujeitos não é seu objeto; insiste que o tom avaliativo que o sujeito imprime a suas
atuações está integrado à própria forma do texto, interpelado por um discurso e,
principalmente, um gênero, abrangendo ainda a materialidade lingüística (a linguagem
verbal, línguas de sinais etc.).
O ser e o agir do sujeito no mundo são desde sempre um constante embate (tensão
sustentada) entre o repetível e o irrepetível, o mesmo e o outro, a significação e o tema,
polêmica do sujeito consigo mesmo no nível da consciência, em que lutam as noções
coletivas impostas e a necessidade que ele tem de criar noções para si mesmo; polêmica
com o dito, as enunciações passadas, e com o dizível, as futuras enunciações
presumíveis; polêmica com enunciações presentes, em que nem sempre o presumido por
um sujeito é exatamente o presumido pelo outro; polêmica, enfim, entre a imagem que o
sujeito tem de si e a imagem que o outro lhe traz, e entre a imagem que ele faz do outro e
que o outro tem de si mesmo.
O sentido (e o sujeito), em todos os seus níveis, surge sempre da tensão, da
polêmica, da diferença, unindo na arena da simultaneidade arquitetônica o centrífugo e o
centrípeto, o singular e o universal, o repetível e o irrepetível, o eu e o outro. Portanto,
dizer é dizer-se. E, ao dizer, o sujeito se compromete, corre riscos, em sua relação
interconstitutiva com o outro. Viver, por conseguinte, é não só comprometer-se (com o
outro), responder por si e ser responsivo ao outro, mas igualmente levar o outro a
comprometer-se, responder pelo outro e ser responsivo a si mesmo.
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