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PROTEUS 2017 Palestras e Reuniões Organização para Preparação ao Título de


Especialista em Urologia SBU

Book · August 2020

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2 authors, including:

João Luiz Amaro


São Paulo State University
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REABILITAÇAO DO ASSOALHO PELVICO: NAS DISFUNÇOES URINARIAS E ANORRETAIS View project

Avaliação funcional do assoalho pélvico pós prostatectomia radical View project

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PROTEUS
Palestras e
Reuniões
Organização para Preparação ao
Título de
Especialista em
Urologia
SBU

Editores:
João Luiz Amaro
André Luiz Farinhas Tomé
Colaboradores

PROTEUS
Palestras e
Reuniões
Organização para Preparação ao
Título de
Especialista em
Urologia
SBU

Editores:
João Luiz Amaro 1ª edição
São Paulo
André Luiz Farinhas Tomé 2017

1
© 2017 Planmark Editora Ltda.
PROTEUS
André Luiz Farinhas Tomé
João Luiz Amaro

Proibida a reprodução total ou parcial deste livro sem a permissão escrita da


Planmark Editora Ltda. ou da Sociedade Brasileira de Urologia - SBU/SP

Diretora executiva: Marielza Ribeiro


Diretor de Produção: Carlos Alberto Martins
Gerente administrativa: Kelly Faria
Gerente editorial: Karina Ribeiro
Coordenadora editorial: Beatriz Moreno
Revisão: Antônio Palma
Capa e diagramação: Editora Planmark

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Proteus : palestras e reuniões organização para preparação ao título de especialista em


urologia SBU / [editores] João Luiz Amaro, André Luiz Farinhas Tomé. -- São Paulo : Planmark, 2017.
‘SBU-Sociedade Brasileira de Urologia - Secção São Paulo’.
Vários organizadores.

Bibliografia

ISBN: 978-85-9525-002-4

1. PROTEUS 2. Urologia - Estudo e ensino 3. Urologistas - Formação profissional I.


Amaro, João Luiz. II. Tomé, André Luiz Farinhas.

17-02550 CDD-616.607

Índices para catálogo sistemático:


1. PROTEUS : Palestras e Reuniões Organizadas para
Preparação ao Título de Especialista em
Urologia SBU : Medicina 616.607

Planmark Editora Ltda. CNPJ: 04.635.084/0001-90. www.editoraplanmark.com.br


Rua Dona Brigida, 754 - Vila Mariana - São Paulo - SP - CEP 04111-081
Tel.: (11) 2061-2797 - E-mail: administrativo@editoraplanmark.com.br
© 2017 Planmark Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste material poderá ser
reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia por escrito
da Planmark Editora Ltda. O conteúdo científico desta publicação é de exclusiva responsabilidade de seus
autores e coautores e não reflete a opinião da SBU/SP ou da Planmark Editora Ltda. 6042
Diretoria SBU 2016-2017
Presidente: João Luiz Amaro
Vice-Presidente: Flavio Eduardo Trigo Rocha
1º Secretário: Pedro Luiz Macedo Cortado
2º Secretário: Gilberto Saber
1º Tesoureiro: Geraldo Eduardo de Faria
2º Tesoureiro: Iderpol Leonardo Toscano Junior
Delegados: Leonardo Oliveira Reis
Fernando Nestor Facio Junior
Roberto Vaz Juliano
Suplentes Delegados: André Luiz F. Tomé
Gilberto Chavarria
Francisco Kanasiro
Editor de BIU: José Carlos Truzzi

Editores: André Luiz Farinhas Tomé


João Luiz Amaro

Coordenadores: Pedro Luís Macedo Cortado


Gilberto Saber
André Luiz Farinhas Tomé
Gilberto Chavarria
Iderpol Toscano Júnior
Francisco Kanasiro

Comissão organizadores - SBU/SP: Pedro Luís Macedo Cortado


Gilberto Saber
André Luiz Farinhas Tomé
Gilberto Chavarria
João Luiz Amaro
Flávio Eduardo Trigo Rocha
Geraldo Eduardo de Faria
Iderpol Toscano Júnior
Fernando Nestor Facio Júnior
Leonardo de Oliveira Reis
Roberto Vaz Juliano
Franscisco Kanasiro
Colaboradores
Abelardo Alves de Araujo Junior Ana Paula Barberio Bogdan
Urologista Responsável pelo Setor de Uroneurologia do Hospital Doutorado pela Universidade de São Paulo - USP - Ribeirão Preto;
Otávio de Freitas - PE; Preceptor na Residência de Urologia do Hospital Responsável pelas Unidades de Disfunções Miccionais, Urologia
Otávio de Freitas - PE. Feminina e Urodinâmica do Hospital de Base/FAMERP - São José
do Rio Preto.
Affonso Celso Piovesan
Doutorado em urologia pela Faculdade de medicina da USP; Diretor André Costa Matos
Cirúrgico da Unidade de Transplante renal do HCFMUSP. Doutor em Urologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo - FMUSP; Urologista dos Hospitais São Raphael e Santo
Alberto Antonio de Hollanda Ferreira Neto Antônio de Salvador.

Residente do Serviço de Urologia do Instituto de Assistência Médica


ao Servidor Público Estadual – IAMSPE. André Luiz Farinhas Tomé
Assistente da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do
ABC - FMABC; Assistente do Serviço de Residência de Urologia do
Alberto Azoubel Antunes
Hospital Ana Costa - Santos.
Professor Livre Docente de Urologia FMUSP; Professor Associado
da Disciplina de Urologia e Chefe do Setor de Próstata do Hospital
Antonio Carlos Lima Pompeo
das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo - FMUSP. Professor Titular da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina
do ABC - FM-ABC; Urologista do Instituto da Próstata do Hospital
Alemão Oswaldo Cruz.
Alexandre Cesar Santos
Coordenador do Departamento de Uro-Oncologia do Hospital de
Antonio Correa Lopes Neto
Câncer de Barretos; Mestre em Oncologia.
Chefe do Grupo de Endourologia e Litíase Urinária da Disciplina de
Urologia da Faculdade de Medicina do ABC.
Alexandre Crippa Sant´Anna
Urologista e Coordenador da Seção Técnica de Urologia do Hospital
Aparecido Donizeti Agostinho
do Servidor Público Municipal – HSPM; Pós-Doutorado pela
Universidade de São Paulo - USP. Mestre e Doutor em Cirurgia pela UNESP; Professor Assistente Doutor
da Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.

Alexandre Danilovic
Arie Carneiro
Doutor em Urologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo - FMUSP; Urologista do Hospital das Clínicas da FMUSP Urologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
e do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Artur Agostinho Beraldi
Alexandre Saad Feres Lima Pompeo Médico Assistente do Hospital Brigadeiro.
Assistente do Grupo de Uro-oncologia da Faculdade de Medicina
do ABC - FM-ABC; Urologista do Instituto da Próstata do Hospital Augusto Luiz Hilkner
Alemão Oswaldo Cruz. Médico formado na Universidade São Francisco.

Amilcar Martins Giron Auro Antonio Simões de Souza


Livre-Docente Divisão de Urologia; Chefe do Setor de Urologia Preceptor de Urologia do Hospital Santa Marcelina; Mestre em
Perinatal do Hospital das Clinicas da Faculdade de Ciências Médicas Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
da Universidade de São Paulo - FMUSP. - FMUSP.

4
Colaboradores

Bruno C. Tiseo Cristiano Mendes Gomes


Assistente da Divisão de Urologia do Hospital das Clínicas da Professor Livre-Docente de Urologia da Faculdade de Medicina da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. USP; Urologista do Setor de Disfunções Miccionais do HCFMUSP.

Bruno Diórgenis Bomfim Carneiro Daniel Calich Luz


Mestrado pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP; Médico
Médico Pós-Graduando do Departamento de Imagem do Hospital
Assistente do Hospital Beneficiência Portuguesa de São Paulo.
Israelita Albert Einstein.

Bruno Nicolino Cezarino


Diego Moreira Capibaribe
Urologista Assistente do Grupo de Uropediatria da Divisão de Urologia
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. TiSBU; Uro-oncologia e Cirurgia Minimamente Invasiva pelo AC
Camargo Cancer Center.
Caio Cesar Cintra
Professor da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do Eder Silveira Brazão Junior
ABC; Urologista responsável pelo Serviço de Urodinâmica da AACD. Fellow em Urologia Oncológica - Hospital AC Camargo.

Carlo Camargo Passerotti Edison Daniel Schneider-Monteiro


Pós-doutorado na Harvard Medical School; Professor Livre Docente Responsável do Setor de Urologia Pediátrica e Uroneurologia do
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP;
Serviço de Urologia - PUC – Campinas; Médico responsável pela
Coordenador da Urologia e Cirurgia Robótica do Hospital Alemão
Residência Médica em Urologia da PUC - Campinas.
Oswaldo Cruz.

Carlos Augusto Fernandes Molina Elaine Cristina de Athaide


Professor Assistente Doutor da Divisão de Urologia do Departamento Professora da Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestivo, Grupo
de Cirurgia e Anatomia da FMRP-USP. de Cirurgia do Fígado, Transplante Hepático e Hipertensão Portal da
Universidade Estadual de Campinas da Universidade Estadual de
Carlos Ricardo Doi Bautzer Campinas – Unicamp.
Médico assistente da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina
do ABC - FMABC; Membro do Núcleo Avançado de urologia do Eliney Ferreira Faria
Hospital Sirio-Libanês. Doutor pela USP e Pós Doutorado pelo MD Anderson Cancer Center,
Houston, TX; Urologista e Diretor do Hospital de Câncer de Barretos/
Carolina Mayumi Haruta IRCAD.
Urologista da Unidade de Disfunção do Assoalho Pélvico do Instituto
de Medicina Integral Professor Fernando Figueira - IMIP; Urologista Fábio Atz Guino
do Hospital dos Servidores do Estado de Pernambuco - HSE.
Assistente do Serviço de Residência de Urologia do Hospital Ana
Costa - Santos - SP.
Cássio Luís Zanettini Riccetto
Professor Livre-Docente de Urologia da Faculdade de Ciências
Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP. Fábio José Nascimento
Professor de Urologia da FMABC; Mestrado em Ciências da Saúde
Celso Gromatzky pela Faculdade de Medicina do ABC - FMABC.
Professor Afiliado da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina
do ABC - FMABC; Membro do Núcleo Avançado de Urologia do Fábio Lorenzetti
Hospital Sirio-Libanês. Doutor em Urologia e Pós-Doutorado em Urologia - UNIFESP.

Celso Heitor de Freitas Júnior


Fábio Peretti Prieto Fernandes
Doutor em Urologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de
Residente do Serviço de Urologia do Hospital Ana Costa - Santos - SP.
São Paulo; Serviço de Urologia do Hospital Beneficência Portuguesa
de São Paulo (SP).
Fabio Thadeu Ferreira
César Augusto Braz Juliano Doutor em Urologia pela Universidade Estadual de Campinas -
Assistente da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do UNICAMP; Professor de Urologia da Faculdade de Medicina São
ABC - FMABC. Leopoldo Mandic - Campinas.

5
Felipe Ambrósio Chicoli Gabriel Neves Carneiro
Residência de Urologia pela Faculdade de Medicina do ABC; Médico Residência em Urologia pelo Hospital Roberto Santos.
Assistente da Disciplina de urologia da Faculdade de Medicina do ABC.
Geraldo Eduardo de Faria
Fernando Ferreira Gomes Filho
Diretor Médico da Master Clínica de Rio Claro - SP; Membro Titular
Médico Assistente do Departamento de Urologia da Faculdade da Academia Internacional de Sexologia Médica.
de Medicina de Botucatu - UNESP; Membro Titular da Sociedade
Brasileira de Urologia (TiSBU).
Gilberto Chavarria
Membro dos Serviços de Uro-oncologia dos Hospitais São Francisco
Fernando Gonçalves de Almeida de Assis, Jacareí e Pio XII, São José dos Campos; Membro Titular
Professor Adjunto Livre Docente - Escola Paulista de Medicina - da SBU e da AUA.
UNIFESP; Chefe dos setores de disfunções do trato urinário inferior
e reconstrução do assoalho pélvico. Gilberto Saber
Chefe do Serviço de Urologia e residência médica em Urologia da
Fernando Ide Yamauchi Santa Casa de Ribeirão Preto; Chefe Responsável pela Serviço de
Médico Assistente do Instituto de Radiologia do HC-FMUSP; Transplante Renal da Santa Casa de Ribeirão Preto.
Radiologista do Grupo de Imagem Abdominal do Hospital Israelita
Albert Einstein. Guilherme de Almeida Prado Costa
Fellow em cirurgia minimamente invasiva no Institut Mutualist
Fernando Nestor Fácio Júnior Motsouris, Paris, França; Urologista do Serviço de Urologia do Hospital
Professor responsável pelo Ambulatório de Saúde Masculina Amaral Carvalho - HAC - Jaú.
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto - FAMERP; Doutor
em Urologia FAMERP e Pós-Doutorado em Medicina Sexual, Johns Guilherme J. A. Wood
Hopkins University, USA.
Médico Colaborador da Divisão de Urologia do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Flávio Eduardo Trigo Rocha
Professor Livre-Docente de Urologia da Faculdade de Medicina da Hamilto Akihissa Yamamoto
Universidade de São Paulo; Coordenador do Centro de Incontinência Professor Assistente Doutor da Faculdade de Medicina de Botucatu,
Urinária do Hospital Sírio Libanês. UNESP; Vice-chefe do Departamento de Urologia FMB-UNESP.

Francisco Kanasiro Hamilton de Campos Zampolli


Responsável pelo Grupo de Disfunções Miccionais, Urodinâmica e Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP; Chefe da Divisão
Uretra do Hospital Santa Marcelina; Membro titular da SBU e Membro de Urologia do Instituto do Câncer Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho e da
internacional da AUA. Uro-Oncologia do Centro de Oncologia do Hospiral Alemão Oswaldo Cruz.

Francisco Paulo da Fonseca Homero Gustavo de Campos Guidi


Doutor em Oncologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de Urologista Consultante da Clínica Ginecológica do Hospital das
São Paulo - FMUSP; Professor de Urologia da Faculdade de Medicina Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
da Universidade 9 de Julho. - FMUSP; Chefe do Setor de Urodinâmica e Endoscopia Urinária da
Clínica Ginecológica do HC-FMUSP.
Francisco Tibor Dénes
Professor livre docente da faculdade de medicina da Universidade Iderpol Toscano Júnior
de São Paulo - USP; Chefe do grupo de Uropediatria da Divisão de Médico Assistente do Serviço de Urologia do Hospital Ipiranga; Médico
Urologia do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP. Diretor da Uroserv Serviços Urológicos.

Frederico Arnaldo de Queiroz e Silva Jean Felipe Prodocimo Lestingi


Ex-Professor Associado do HC-FMUSP; Ex-Chefe do Setor de Médico Assistente da Divisão de Urologia do Hospital das Clínicas
Uropediatria da Clínica Urológica do HC-FMUSP. da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP e
do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo – ICESP.
Frederico Teixeira Barbosa
Preceptor do Departamento de Cirurgia da Escola Paulista de João Luiz Amaro
Medicina - Universidade Federal de São Paulo; Médico Assistente da Professor Titular de Urologia da Faculdade de Medicina de Botucatu
equipe de Urologia do Hospital Ericlydes de Jesus Zerbini - Hospital - UNESP; Presidente da Sociedade Brasileira de Urologia - São Paulo
Brigadeiro - São Paulo. - Biênio 2016/2017.

6
Colaboradores

João Pádua Manzano Leonardo Oliveira Reis


Professor Afiliado de Urologia da Escola Paulista de Medicina - Professor Titular de Urologia e Oncologia da Pontifícia Universidade
UNIFESP; Doutor Pós Graduado em Ciências - Urologia - Escola Católica de Campinas – PUC-Campinas; Post-doc Fellow Johns
Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo. Hopkins Hospital, Baltimore, MD, USA.

João Paulo Pretti Fantin Leonardo Eiras Messina


Professor de Urologia PUC-SP - Sorocaba; Mestre em Ciências pela
Doutorando em Urologia pela Faculdade de Medicina de São José do
Universidade Federal de São Paulo - EPM.
Rio Preto - FAMERP; Fellow Cirurgias vídeo-laparoscópicas e robótica
da Urologia do Hospital de Câncer de Barretos..
Luciana T. Santamaria Saber
Doutora em Nefrologia pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
João Roberto Paladino Jr.
USP; Nefrologista cordenadora clínica do serviço de transplante renal
Pós-graduando stricto sensu da Faculdade Medicina do ABC - FMABC; da Santa Casa de Ribeirão Preto.
Andrologista do Serviço de Reprodução Humana do Centro de
Referência em Saúde da Mulher Hospital Pérola Byington. Luis César Fava Spessoto
Chefe da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina de São
João Victor Teixeira Henriques José do Rio Preto – FAMERP; Professor Adjunto da Disciplina de
Residente do Serviço de Urologia do Instituto de Assistência Médica Urologia da FAMERP.
ao Servidor Público Estadual – IAMSPE.
Luís César Zaccaro da Silva
Jônatas Pereira Assistente do Serviço de Urologia da Santa Casa de Ribeirão Preto.
TiSBU; Assistente do Serviço de Cirurgia Abdominal do Departamento Mestre em Oncologia - Hospital do Câncer de Barretos – Fundação
Pio XII.
de Uro-Oncologia do Hospital Erasto Gaertner - Curitiba.

Luís Gustavo Morato de Toledo


José Carlos Cezar Ibanhez Truzzi
Chefe da Disciplina de Urologia da Faculdade de Ciências Médicas
Doutor em Urologia pela Escola Paulista de Medicina - UNIFESP;
da Santa Casa de São Paulo; Chefe da Uroginecologia da HMEC e
Chefe do Departamento de Uro-Neurologia da Sociedade Brasileira Membro da Clínica Urológica do Hospital Ipiranga.
de Urologia.
Maíra Cristina Silva
José Ferreira da Rocha Grohmann Residente da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC.
Médico Assistente da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina
do ABC; Titular da Sociedade Brasileira de Urologia. Marcelo Antonio S. Coccuza
Doutor em medicina pela FMUSP. Chefe do Setor de Andrologia do
José Pontes Júnior Centro de Reprodução Humana Mario Covas do Hospital das Clínicas
Médico Assistente do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, do da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Hospital das Clínicas da FMUSP e do Instituto da Prostata do Hospital
Alemão Oswaldo Cruz. Marcelo Langer Wroclawski
Urologista do Hospital Israelita Albert Einstein; Professor Afiliado da
Joseph Chammas Dib Neto Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC.

Professor de Urologia PUC-SP - Sorocaba; Membro Titular Sociedade


Marcelo Murucci Oliveira Magalhães
Brasileira de Urologia.
Urologista do Departamento de Uro-oncologia do Hospital do Câncer
de Muriaé - Fundação Cristiano Varella.
Julio Geminiani
Pós-graduando do Setor de Cirurgia Uretral da Escola Paulista de
Marco Antonio Arap
Medicina.
Assistente Doutor da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo; Docente permanente do programa de
Kendi Fukuda pós-graduação do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio
Residente do Serviço de Urologia do Hospital Ana Costa - Santos - SP. Libanês.

7
Marco Aurélio Silva Lipay Murilo Ferreira de Andrade
Doutor em Urologia pela Universidade Federal de São Paulo - Mestrado em Urologia - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da
UNIFESP; Título de Especialista em Urologia pela Sociedade Brasileira Universidade de São Paulo - FMRP-USP; Médico Assistente da Divisão
de Urologia. de Urologia do Hospital das Clínicas da FMRP-USP.

Paulo Afonso de Carvalho


Marcos Francisco Dall’oglio
Urologista do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo do Hospital
Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade de das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
São Paulo - USP. Paulo - HC-FMUSP.

Marcos Tobias Machado Paulo Emilio Fuganti


Chefe do Setor de Uro-oncologia da Disciplina de Urologia da Urologista do Instituto do Câncer de Londrina; Doutor em cirurgia
Faculdade de Medicina do ABC – FMABC; Urologista do Instituto do pela Universidade de São Paulo - USP.
Câncer Dr Arnaldo Vieira de Carvalho.
Paulo Roberto Kawano
Marcus Augusto Elias de Mattos Professor Assistente Doutor da Faculdade de Medicina de Botucatu
- UNESP; Chefe do Departamento de Urologia da FMB - UNESP.
TiSBU; Urologista da Clínica Mattos - Saúde do Homem - SP.

Pedro Luís Macedo Cortado


Maria Helena Palma Sircili
Mestre em Cirurgia e Doutor em Urologia pela Universidade Estadual
Doutora pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade de São de Campinas - UNICAMP; Chefe de equipe de Urologia do Hospital
Paulo - FMUSP; Departamento de Endocrinologia da FMUSP. Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Mariana Bertoncelli Tanaka Pedro Nogueira Mousessian


Médica Residente Sênior da Disciplina de Urologia da Faculdade de Radiologista do Hospital Israelita Albert Einstein.
Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP.
Péricles Auad
Mário Henrique Elias de Mattos TiSBU; Assistente da Divisão de Urologia do Instituto do Câncer
Dr. Arnaldo Vieira de Carvalho.
TiSBU; Assistente do Grupo de Endourologia e Litíase Urinária da
Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC.
Petrônio Melo
Residente de Urologia do Hospital Ericlydes de Jesus Zerbini - Hospital
Mario Henrique Grilo Silva
Brigadeiro; Residência em Cirurgia Geral na Escola Paulista de
Médico residente de Urologia da PUC - Campinas. Medicina - Universidade Federal de São Paulo.

Matheus Ferreira Amaral Rafael Favero Ambar


Médico do Serviço de Urologia do Hospital do Servidor Público Médico do Serviço de Urologia do Hospital do Servidor Público
Estadual de São Paulo. Estadual de São Paulo.

Melina da Silva Pinto Chicoli Rafael Ferreira Coelho


Chefe de equipe de Urologia do Instituto do Câncer do Estado de
Médica endocrinologista pela Faculdade de Medicina da Universidade
São Paulo - FMUSP.
de São Paulo; Professora colabora do programa de residência médica
de Endocrinologia e Metabologia do Departamento de Clínica Médica
Rafael Rocha Tourinho Barbosa
da Faculdade de Medicina do ABC.
Residente da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC.

Mikael Vieira da Silva


Raquel Dória Ramos Richetti
Fellow em Uro-Oncologia e Laparoscopia do Hospital de Câncer de
Mestranda da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São
Barretos. Paulo. Uroginecologista da Maternidade Cachoeirinha.

Miriam Dambros Lorenzetti Renato Panhoca


Livre-Docente em Urologia pela Universidade Federal de São Paulo Chefe do Setor de Uro-oncologia do Hospital do Servidor Público
- UNIFESP. Estadual de São Paulo.

8
Colaboradores

Ricardo Luiz Martins Silvio Tucci Jr.


Especialista em Transplante de Rim pela Universidade Federal de São Paulo Livre-docência em Urologia - FMRP-USP; Professor Associado II Chefe
(Escola Paulista de Medicina) Hospital do Rim e Hipertensão; da Divisão de Urologia e Chefe do Departamento de Cirurgia e Anatomia
Urologista assistente do Serviço de Urologia e Transplante Renal, residência da FMRP-USP.
Médica de Urologia da Santa Casa de Ribeirão Preto.
Stefano Augusto Francisco Garisto
Ricardo Miyaoka
Médico residente de Urologia da PUC - Campinas.
Doutor em Ciências da Cirurgia pela Universidade Estadual de Campinas
- UNICAMP; Assistente da Divisão de Urologia - UNICAMP. Stephanie Hanorah Philips
Médica Especialista em Cirurgia Geral pela Universidade Estadual de
Roberto Vaz Juliano
Campinas de Campinas – Unicamp.
Professor auxiliar da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do
ABC - FMABC; Responsável pelo grupo de Medicina Sexual e Reprodutiva
Susane Mei Hwang
da Disciplina de Urologia da FMABC; Membro do Instituto de Urologia do
Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Mestranda da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo;
Uroginecologista da Maternidade Cachoeirinha.
Roberto Zatz
Professor Titular da Disciplina de Nefrologia do Departamento de Clínica Thales Franco de Andrade
Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Estagiário/Aperfeiçoando do Serviço de Urologia do Hospital Beneficência
Portuguesa de São Paulo (SP).
Rodrigo Guerra da Silva
Médico Assistente Doutor do Departamento de Urologia da Faculdade de Thiago Augusto Cunha Ferreira
Medicina de Botucatu da Universidade Estadual de São Paulo - UNESP; Médico Urologista do Centro de Referência do Homem - Hospital Brigadeiro;
Preceptor-Chefe da Residência Médica em Urologia do Hospital das Clínicas Membro Titular da Sociedade Brasileira de Urologia.
de Botucatu – FMB-UNESP.
Thiago da Silveira Antoniassi
Rogério Heggendorn Sayão Filho Pós-graduando Mestrado FAMERP; Médico contratado da Urologia da
Médico residente da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina da FUNFARME - Hospital de Base São José do Rio Preto/Instituto do Câncer
Universidade de São Paulo. FUNFARME/FAMERP - São José do Rio Preto.

Ronaldo Hueb Baroni Thiago Souto Hemerly


Doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Pós-graduando da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Paulo – FMUSP; Coordenador Médico do Setor Ressonância Magnética e - USP (Programa de Urologia); Médico Assistente do Serviço de Urologia
Chefe do Grupo de Imagem Abdominal Hospital Israelita Albert Einstein; do IAMSPE - Setor de Disfunções Miccionais e Laparoscopia.

Rui Nogueira Barbosa Valdemar Ortiz


Chefe de Cirurgia Urológica do Hospital Infantil Dom Henrique (Benefi-
Professor Titular de Urologia da Escola Paulista de Medicina da
cência Portuguesa) de São José do Rio Preto; Professor de Urologia na
Universidade de São Paulo - UNIFESP (2004-2015)..
Escola de Medicina da UNILAGO (Universidade dos Grandes Lagos).

Samuel Saiovici Vinícius Terra Porfírio


Mestrado em Urologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de Estagiário/Aperfeiçoando do Serviço de Urologia do Hospital Beneficência
São Paulo - FMUSP; Chefe do setor de Urologia Pediátrica da disciplina Portuguesa de São Paulo.
de Urologia da Uiversidade Federal de São Paulo - UNIFESP.
Wesley Justino Magnabosco
Sandro Nassar de Castro Cardoso Doutor em Cirurgia pela Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP.
Urologista do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos; Chefe do serviço
de Urologia do Hospital Ipiranga. William Carlos Nahas
Professor Titular de Urologia da Faculdade de Medicina da Universidade
Sérgio Felix Ximenes de São Paulo.
Chefe do Setor de Cirurgia Uretral da Escola Paulista de Medicina.
Wilmar Azal Neto
Sidney Glina Pós-graduando da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp; Membro
Professor Titular da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina Titular da Sociedade Brasileira de Urologia; Membro da American Urological
do ABC. Association

9
Prefácio

A urologia é uma das especialidades médicas de maior evolução das técni-


cas e da tecnologia e isso foi claramente verificado nos últimos anos. Desde a
incorporação de técnicas de endourologia, cirurgia minimamente invasiva e,
mais recentemente, a cirurgia assistida por robô, a urologia tem visto grande
avanço, tanto em termos de resultados, quanto em qualidade de vida para os
pacientes.
Um dos problemas principais decorrentes desse avanço é que a informação
médica é cada vez mais gerada com maior velocidade e, portanto, fica muito difí-
cil acompanharmos esse progresso de forma constante. Livros médicos têm uma
grande quantidade de informação, mas normalmente quando publicados estão
desatualizados, pela grande demora no processo editorial. Na contramão dessa
tendência, os diretores da SBU vêm fazendo um grande esforço para que a disse-
minação de conhecimento seja cada vez mais ampliada de forma rápida e eficaz.
Este livro do Proteus conta com autores de grande qualificação nacional e
internacional, cada qual versando sobre um tema de grande importância em
urologia. Talvez a maior qualidade deste livro seja a grande quantidade de
conhecimento sumarizada de forma objetiva e de fácil entendimento. Tenho
certeza de que essa obra será um marco na urologia nacional e irá ajudar uro-
logistas em formação e até aqueles que querem fazer uma atualização dos
temas mais discutidos em urologia. A reedição periódica deste livro permitirá
atualização dos conhecimentos na mesma velocidade em que eles são gerados.
A todos que consultarem esta obra, desejo que ela contribua de forma efi-
ciente na aquisição do conhecimento, e para aqueles que estão prestando a
prova do título de especialista pela SBU, desejo sorte e sucesso!

Dr. Sami Arap


Sumário

SEÇÃO I
LITÍASE
Coordenador: Gilberto Saber
CAPÍTULO 1
Fisiopatologia e epidemiologia
Valdemar Ortiz.......................................................................................................................................... 21

CAPÍTULO 2
Avaliação e tratamento clínico
Alexandre Danilovic e Thiago Augusto Cunha Ferreira................................................................................ 25

CAPÍTULO 3
Litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LEOC ou LECO)
Mário Henrique Elias de Mattos, Antonio Correa Lopes Neto e Marcus Augusto Elias de Mattos................. 33

CAPÍTULO 4
Tratamento cirúrgico do cálculo renal
Rodrigo Guerra, Paulo Roberto Kawano, Hamilto Akihissa Yamamoto e Fernando Ferreira Gomes Filho...... 37

CAPÍTULO 5
Tratamento cirúrgico do cálculo ureteral
Hamilto Akihissa Yamamoto, Rodrigo Guerra da Silva e Paulo Roberto Kawano.......................................... 41

SEÇÃO II
LAPAROSCOPIA E ROBÓTICA
Coordenador: Iderpol Toscano Júnior
CAPÍTULO 6
Princípios básicos da laparoscopia urológica
Bruno Diórgenis Bomfim Carneiro, Diego Moreira Capibaribe e Gabriel Neves Carneiro.............................. 45

12
CAPÍTULO 7
Princípios da cirurgia robótica, aplicações atuais
e perspectivas futuras
Rafael Ferreira Coelho e Paulo Afonso de Carvalho................................................................................... 61

CAPÍTULO 8
Complicações
Eliney Ferreira Faria................................................................................................................................... 69

SEÇÃO III
ANDROLOGIA E REPRODUÇÃO HUMANA
Coordenador: Rui Nogueira Barbosa
CAPÍTULO 9
Disfunção erétil: fisiologia da ereção, fisiopatologia,
avaliação e tratamento
Roberto Vaz Juliano, César Augusto Braz Juliano e Carlo Camargo Passerotti............................................ 75

CAPÍTULO 10
Doença de Peyronie: fisiopatologia,
avaliação e tratamento
Celso Gromatzky, Carlos Ricardo Doi Bautzer e João Roberto Paladino Jr................................................... 85

CAPÍTULO 11
Priapismo: fisiopatologia, avaliação e tratamento
Fernando Nestor Fácio Júnior, Luis César Fava Spessoto e João Paulo Pretti Fantin.................................... 91

CAPÍTULO 12
Reprodução masculina: fisiologia, fisiopatologia e
avaliação do homem infértil
Sidney Glina.............................................................................................................................................. 97

CAPÍTULO 13
Infertilidade masculina: tratamentos
cirúrgico e não cirúrgico
Marcello A. S. Cocuzza, Bruno C. Tiseo e Guilherme J. A. Wood.............................................................. 103

13
CAPÍTULO 14
Hipogonadismo e reposição de testosterona
Geraldo Eduardo de Faria........................................................................................................................ 109

SEÇÃO IV
UROLOGIA GERAL I
Coordenador: Fernando Nestor Facio Júnior
CAPÍTULO 15
Urgências urológicas não traumáticas
Carlos Ricardo Doi Bautzer e João Roberto Paladino Junior..................................................................... 113

CAPÍTULO 16
Estenose de uretra
Sérgio Felix Ximenes e Julio Geminiani.................................................................................................... 119

CAPÍTULO 17
Trauma de rim e ureter: avaliação e tratamento
Leonardo Eiras Messina, Joseph Chammas Dib Neto e Augusto Luiz Hilkner............................................ 125

CAPÍTULO 18
Trauma de bexiga e uretra: avaliação e tratamento
Sandro Nassar de Castro Cardoso........................................................................................................... 131

CAPÍTULO 19
Trauma genital: avaliação e tratamento
José Ferreira da Rocha Grohmann, Rafael Rocha Tourinho Barbosa e Maíra Cristina Silva........................ 137

SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II
Coordenador: Pedro Luís Macedo Cortado
CAPÍTULO 20
Embriologia
Frederico Arnaldo de Queiroz e Silva e Fábio José Nascimento......................................................... 143

14
Sumário

CAPÍTULO 21
Anatomia cirúrgica aplicada
Celso Heitor de Freitas Júnior, Vinícius Terra Porfírio e Thales Franco de Andrade.................................... 159

CAPÍTULO 22
Radiologia genitourinária
Daniel Calich Luz, Fernando Ide Yamauchi e Ronaldo Hueb Baroni................................................... 165

CAPÍTULO 23
Hematúria
Alexandre Crippa Sant’Anna.................................................................................................................... 171

CAPÍTULO 24
Sarcomas retroperitoneais
Leonardo Oliveira Reis, Stephanie Hanorah Philips e Elaine Cristina de Athaide......................................... 177

CAPÍTULO 25
Infecção do trato urinário
Auro Antonio Simões de Souza............................................................................................................... 181

CAPÍTULO 26
Tuberculose urogenital
Fábio Atz Guino, Kendi Fukuda e Fábio Peretti Prieto Fernandes................................................................ 187

CAPÍTULO 27
Síndrome da bexiga dolorosa
Cristiano Mendes Gomes, Abelardo Alves de Araujo Junior e Carolina Mayumi Harutar............................ 193

CAPÍTULO 28
Doenças sexualmente transmissíveis
Homero Gustavo de Campos Guidi.......................................................................................................... 197

CAPÍTULO 29
Fisiologia renal (incluindo fluídos e eletrólitos)
Roberto Zatz........................................................................................................................................... 203

CAPÍTULO 30
Hipertensão renovascular
Affonso Celso Piovesan.......................................................................................................................... 207

15
CAPÍTULO 31
Transplante renal
Ricardo Luiz Martins, Gilberto Saber e Luciana T. Santamaria Saber........................................................ 211

SEÇÃO VI
CÂNCER DE PRÓSTATA
Coordenador: Francisco Kanasiro
CAPÍTULO 32
Diagnóstico e rastreamento
Alexandre Cesar Santos, Mikael Vieira da Silva e Wesley Justino Magnabosco......................................... 221

CAPÍTULO 33
PSA, imagem e biópsia
José Pontes Jr. e Artur Agostinho Beraldi................................................................................................ 227

CAPÍTULO 34
Tratamento da doença localizada: radiação, irradiação
intersticial, cirurgia, criocirurgia e terapia hormonal
Leonardo Oliveira Reis e Wilmar Azal Neto............................................................................................... 233

CAPÍTULO 35
Vigilância ativa
Hamilton de Campos Zampolli, Péricles Auad e Jônatas Pereira............................................................... 237

CAPÍTULO 36
Tratamento da doença localmente avançada
Marco Antonio Arap e Rogério Heggendorn Sayão Filho.......................................................................... 243

CAPÍTULO 37
Tratamento da doença metastática e resistente à castração
Renato Panhoca, Rafael Favero Ambar e Matheus Ferreira Amaral............................................................ 249

CAPÍTULO 38
Papel da linfadenectomia: local x ampliada
William Carlos Nahas e Jean Felipe Prodocimo Lestingi........................................................................... 255

16
Sumário

SEÇÃO VII
URO-PEDIATRIA
Coordenador: Leonardo Oliveira Reis
SEÇÃO VII255; CAPÍTULO 39
Anomalias congênitas do trato urinário II
Francisco Tibor Denes e Bruno Nicolino Cezarino.................................................................................... 261

CAPÍTULO 40
Anomalias genitais I (intersexo, hipospádias e epispádias-extrofia)
Amilcar Martins Giron e Maria Helena Palma Sircili.................................................................................. 269

CAPÍTULO 41
Anomalias genitais II
Samuel Saiovici...................................................................................................................................... 285

CAPÍTULO 42
Disfunção miccional e bexiga neurogênica
Caio César Cintra.................................................................................................................................... 289

CAPÍTULO 43
Tumores urológicos na infância (tumor de Wilms,
rabdomiossarcoma, neuroblastoma e tumores testiculares)
Edison Daniel Schneider-Monteiro, Mario Henrique Grilo Silva e Stefano Augusto Francisco Garisto............. 293

SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA, DISFUNÇÃO MICCIONAL E HPB
Coordenador: André Luiz Farinhas Tomé
CAPÍTULO 44
Anatomia e fisiologia da micção
José Carlos Cezar Ibanhez Truzzi............................................................................................................. 301

CAPÍTULO 45
Urodinâmica
Ana Paula Barberio Bogdan, Thiago da Silveira Antoniassi e João Paulo Pretti Fantin................................ 305

17
CAPÍTULO 46
Neurourologia
Fernando Gonçalves de Almeida.............................................................................................................. 311

CAPÍTULO 47
Bexiga hiperativa/incontinência de urgência
Thiago Souto Hemerly, Alberto Antonio de Hollanda Ferreira Neto e João Victor Teixeira Henriques........... 315

CAPÍTULO 48
Fístulas urinárias
Cássio Luís Zanettini Riccetto e Mariana Bertoncelli Tanaka..................................................................... 319

CAPÍTULO 49
Prolapsos de órgãos pélvicos
Miriam Dambros Lorenzetti, Fábio Lorenzetti e Fabio Thadeu Ferreira....................................................... 323

CAPÍTULO 50
Incontinência urinária de esforço feminina
Paulo Roberto Kawano, Hamilto Akihissa Yamamoto, Rodrigo Guerra e Aparecido Donizeti Agostinho...... 327

CAPÍTULO 51
Incontinência urinária masculina
Flávio Eduardo Trigo Rocha..................................................................................................................... 333

CAPÍTULO 52
Massas vaginais/divertículo uretral
(leiomioma uretral, cisto de
Gartner, cisto da glândula de Skene,
divertículo de uretra feminina)
Luís Gustavo Morato de Toledo, André Costa Matos, Raquel Doria Ramos Richetti e Susane Mei Hwang........... 341

CAPÍTULO 53
HPB: anatomia, epidemiologia, diagnóstico e tratamento clínico
Murilo Ferreira de Andrade, Carlos Augusto Fernandes Molina e Silvio Tucci Jr......................................... 349

18
Sumário

CAPÍTULO 54
HPB: tratamento cirúrgico
Alberto Azoubel Antunes......................................................................................................................... 355

SEÇÃO IX
CÂNCER DE RIM
Coordenador: Geraldo Eduardo de Faria
CAPÍTULO 55
Câncer de rim: epidemiologia, diagnóstico,
escores e biópsia percutânea
João Pádua Manzano, Petrônio Melo e Frederico Teixeira Barbosa............................................................ 359

CAPÍTULO 56
Câncer de rim localizado: massas pequenas,
tratamentos cirúrgicos, terapias ablativas
Alexandre Pompeo e Antonio Carlos Lima Pompeo.................................................................................. 365

CAPÍTULO 57
Carcinoma da pelve renal e ureter
Francisco Paulo da Fonseca.................................................................................................................... 373

CAPÍTULO 58
Adrenal I: epidemiologia, diagnóstico e imagem
(incluindo Cushing, hiperaldosteronismo, feocromocitoma,
câncer e massas adrenais incidentais)
Melina da Silva Pinto Chicoli e Felipe Ambrósio Chicoli ........................................................................... 377

CAPÍTULO 59
Adrenal II: tratamento - incluindo feocromocitoma, câncer,
hiperaldosteronismo, incidentaloma e doença metastática)
Ricardo Miyaoka e Eder Silveira Brazão Junior......................................................................................... 385

19
SEÇÃO X
CÂNCER DE BEXIGA, TESTÍCULO, PÊNIS E URETRA
Coordenador: Gilberto Chavarria
CAPÍTULO 60
Câncer de bexiga: epidemiologia, diagnóstico e imagem
Marcelo Langer Wroclawski, Arie Carneiro e Pedro Nogueira Mousessian................................................ 391

CAPÍTULO 61
Câncer de bexiga não invasivo: diagnóstico,
terapias intravesicais e terapias cirúrgicas
Marco Aurélio Silva Lipay........................................................................................................................ 399

CAPÍTULO 62
Câncer de bexiga invasivo e doença metastática:
cirurgia, quimioterapia, linfadenectomia e
terapia de resgate/preservação vesical
Guilherme de Almeida Prado Costa e Marcelo Murucci Oliveira Magalhães............................................... 405

CAPÍTULO 63
Derivações urinárias: técnicas cirúrgicas e complicações
Marcos Francisco Dall’Oglio.................................................................................................................... 409

CAPÍTULO 64
Câncer de testículo
Luís César Zaccaro da Silva.................................................................................................................... 415

CAPÍTULO 65
Câncer de pênis e uretra
Marcos Tobias Machado e Paulo Emilio Fuganti....................................................................................... 421

20
SEÇÃO I
LITÍASE

CAPÍTULO 1
Fisiopatologia e
epidemiologia

Valdemar Ortiz
Epidemiologia Fisiopatologia
A prevalência da litíase urinária varia consideravel- A litíase urinária é uma doença de etiologia complexa,
mente em diferentes regiões geográficas do mundo, os- que envolve fatores ambientais e genéticos. Estilo de vida,
cilando entre 5% e 15%. É maior na Europa (9%), no temperatura ambiente, umidade relativa do ar, infecções
Canadá (12%) e nos EUA (12 a 15%) e menor nos países urinárias, obesidade, diabetes, hipertensão, hábitos alimen-
asiáticos (1% a 5%). A maior prevalência da litíase uri- tares, desidratação e síndrome metabólica estão associados
nária, no mundo, ocorre nos Emirados Árabes Unidos e com aumento do risco da doença. Alterações anatômicas
na Arábia Saudita, com 20%. Além da região, fatores cli- ou funcionais do trato urinário, distúrbios hormonais como
máticos, distribuição racial, estado socioeconômico e há- o hiperparatireoidismo e predisposição genética são outros
bitos alimentares também contribuem para a prevalência. fatores geradores da litíase urinária.
Ocorre em todas as faixas etárias e em ambos os gêne-
ros. Embora o gênero masculino seja mais afetado (2:1),
observa-se nas últimas décadas um incremento maior da
Classificação da litíase segundo sua
prevalência da litíase urinária no gênero feminino. Mudan- etiologia e composição química
ças de estilo de vida, maior participação no mercado de Litíase cálcica: oxalato de cálcio (60%) e fosfato de
trabalho e aumento da obesidade são alguns fatores que cálcio (20%).
contribuem para o crescimento da litíase em mulheres. Litíase não cálcica: ácido úrico (7%), estruvita (7%),
A população adulta jovem é a mais afetada, embora cistina (2%) e outros (4%).
nos últimos anos tenha ocorrido um aumento da doença
em idosos. A prevalência em crianças é muito menor e os Distúrbios metabólicos
cálculos renais predominam sobre os ureterais. Geralmen-
associados à litíase urinária
te estão associados a malformações do trato urinário e às
Hipercalciúria absortiva (20%-40%): Definida
infecções urinárias, e raramente a distúrbios metabólicos.
quando o cálcio urinário é maior que 200 mg/dia. Con-
A composição química dos cálculos também se mo-
sequente de uma hiperabsorção intestinal de cálcio, que é
dificou nas últimas décadas, atribuída a mudanças cli-
dependente dos receptores da 25(OH)2D3.
máticas, dieta e estilo de vida. O cálculo de estruvita,
associado à infecção urinária, tem se tornado cada vez Hipercalciúria renal (5%-8%): Devida a uma dimi-
menos frequente, devido ao melhor controle das infec- nuição da reabsorção tubular de cálcio.
ções urinárias. Importante ressaltar que nos últimos anos Hiperuricosúria (10%-40%): Definida quando o áci-
ocorreu um aumento significativo nos cálculos de fosfato do úrico na urina é maior que 600 mg/dia. Associada a
de cálcio. Os cálculos de ácido úrico são mais prevalentes hiperuricemia e pH urinário baixo.
em países subdesenvolvidos do que nos desenvolvidos. Hipocitratúria (10%-50%): Definida quando o oxa-
No Brasil, segundo dados do DATASUS, houve um lato urinário é menor que 320 mg/dia. A acidose metabó-
aumento de 10% dos gastos em cirurgias para litíase en- lica reduz o citrato urinário devido a um aumento da sua
tre os anos de 2011 e 2014, representando 0,61% das in- reabsorção tubular.
ternações hospitalares da rede pública. Os pacientes hos-
Hiperoxalúria (2%-15%): Definida quando o oxalato
pitalizados nesse período tinham uma média de idade de
urinário é maior que 40 mg/dia. Pode ser primária, devido
36,9 anos, com predomínio entre os 20 e 49 anos; 49,9%
a defeito metabólico na conversão do glioxalato em glici-
eram do gênero masculino e 51,1% do gênero feminino.
na; pode ser entérica, por hiperabsorção intestinal; pode
Além da litíase urinária ser altamente prevalente, ela
ser de origem dietética, por alta ingestão de alimentos ri-
também é bastante recorrente. O risco de recorrência da li-
cos em oxalato ou idiopática.
tíase após um ano do primeiro episódio é de 15%, para cinco
anos é de 35% e para dez anos, de 50%. Contribuem para a Baixo volume urinário (10%-50%): Desidratação,
alta recorrência: a não aderência do paciente às recomenda- baixa ingestão líquida e exposição ocupacional a altas
ções de aumentar a ingesta líquida, a fazer mudanças dietéti- temperaturas.
cas e de hábito de vida. Além da baixa aderência ao eventual Hiperparatireoidismo primário (3%): Causado por
tratamento para correção de algum distúrbio metabólico. um adenoma de paratireoide secretor de paratormônio.

22
Fisiopatologia e epidemiologia

dall. Depois de certo tempo, com a supersaturação man-


Alterações físico-químicas
tida, a cristalização se expande e invade a luz do cálice,
da urina na litíase cálcica formando o cálculo.
A formação de um cálculo está associada ao dese-
quilíbrio entre a solubilidade e a precipitação de sais na
urina. Os rins conservam a água do organismo e excre- Cálculos de ácido úrico
tam alguns elementos de baixa solubilidade, como os A alta concentração de ácido úrico na urina (hiperuri-
sais de cálcio. Situações que aumentam a conservação de cosúria) associada a um pH urinário baixo (5,0) é o prin-
água (desidratação) e a excreção de sais de cálcio (dieta) cipal determinante para a formação de cálculos de ácido
acarretam uma supersaturação, com formação de cristais, úrico. A hiperuricosúria pode ou não estar associada à hi-
agregação dos mesmos, gerando o cálculo. peruricemia. Dos pacientes portadores de gota, cerca de
As cinco fases do processo físico-químico são: super- 20% desenvolvem cálculos de ácido úrico. A litíase úrica
saturação, nucleação, crescimento, agregação e adesão dos geralmente está associada a um estilo de vida envolvendo
cristais ao urotélio. Pacientes litiásicos tendem a excretar excessos de carne vermelha e álcool, associados a obesida-
uma urina mais supersaturada que os não litiásicos, em- de e vida sedentária. Algumas drogas, como os diuréticos,
bora nem todos os indivíduos com supersaturação sejam
a pirazinamida, quimioterápicos e imunossupressores po-
formadores de cálculos.
dem causar hiperuricemia e hiperuricosúria, predispondo
à litíase úrica.
Formação e crescimento
do cálculo de cálcio Cálculos de estruvita
Existem três hipóteses que procuram explicar a forma-
Algumas bactérias causadoras de infecções urinárias
ção e o crescimento dos cálculos. São chamadas de: mode-
são produtoras de ureases que transformam a molécula de
lo de partículas livres, modelo de partículas fixas e modelo
ureia, presente na urina, em amônia e dióxido de carbo-
intersticial (placas de Randall).
no, elevando o pH urinário acima de 7,2. Esse pH alcalino
No modelo de partículas livres, os núcleos cristalinos
favorece a formação de cristais de estruvita, compostos
são formados na luz tubular do néfron, em condições de
supersaturação. Esses núcleos crescem por agregação de por fosfato amoníaco magnesiano, resultando nos cálculos
mais partículas de cristais, obstruem aquele segmento tu- coraliformes. A bactéria mais frequente é o Proteus mi-
bular e podem migrar para um cálice menor, onde crescem. rabilis, embora outros Gram-negativos, Gram-positivos e
No modelo de partículas fixas, os núcleos cristalinos pro- fungos já tenham sido relatados como produtores de urea-
duzidos pela supersaturação se fixam ao epitélio tubular e se. A incidência de cálculos coraliformes está diminuindo
crescem, podendo causar obstrução intratubular, denomi- em países desenvolvidos devido ao melhor controle das
nada nefrocalcinose tubular. infecções urinárias e ao uso mais frequente de exames de
A terceira teoria, modelo intersticial, se apoia em da- imagem, sobretudo o ultrassom. Esses cálculos são mais
dos recentes obtidos pela endoscopia calicinal durante a frequentes em mulheres e em diabéticos.
ureterorrenoscopia. Segundo essa teoria, a maioria dos cál-
culos de oxalato de cálcio se forma a partir de um proces-
so de cristalização no interstício medular. Após a adesão
Cirurgia bariátrica e litíase urinária
A incidência de litíase de oxalato de cálcio em pacien-
do cristal de oxalato de cálcio à célula epitelial tubular,
tes submetidos a cirurgia bariátrica varia entre 3% a 7% e
segue-se a internalização do cristal. Uma vez endocitados,
os cristais interagem com as células tubulares e dão início está associada a hiperoxalúria, hipocitratúria e baixo volu-
a uma resposta inflamatória diretamente envolvida na for- me urinário. A cirurgia de by-pass gástrico em Y-de-Roux,
mação do cálculo. que é a mais utilizada, produz uma hiperabsorção intesti-
A agregação de novos cristais gera placas que se for- nal de oxalato, devido à má absorção de gorduras que cau-
mam na membrana basal dos ramos finos da alça de Henle, sa um aumento da concentração de sais biliares e ácidos
crescendo pelo interstício até se projetarem no espaço su- graxos livres, que se complexam com o cálcio, resultando
bepitelial do cálice, formando as chamadas placas de Ran- em maior quantidade de oxalato livre para absorção.

23
Cálculos associados a medicamentos Referências recomendadas
Algumas drogas, ou seus metabólitos, podem se crista- 1. Campbell-Walsh Urology. 11th edition. Elsevier Canada, 2014.
2. Heilberg IP, Schor N. Cálculo renal. Investigação e terapêutica. 1ª edi-
lizar na urina e formar cálculos de compostos orgânicos: ção. São Paulo: Livraria Balieiro. 2016.
indinavir, triantereno, efedrina e ciprofloxacino. Outras 3. Bagga HS, Chi T, Miller J, Stoller ML. New insights into the pathoge-
nesis of renal calculi. Urol Clin North Am 2013;40(1):1-12.
drogas podem causar distúrbios metabólicos que resultam 4. Gambaro G. The Consensus Conference Group. J Nephrol
na formação de cálculos: corticosteroides, vitamina D, an- 2016;29:715-34.
5. Evan AP. Physiopathology and etiology of stone formation in the kid-
tiácidos, diuréticos, acetazolamida, topiramato e alguns ney and the urinary tract. Pediatr Nephrol 2010;25(5):831-41.
quimioterápicos. 6. Guidelines AUA, EAU e SBU.

24
SEÇÃO I
LITÍASE

CAPÍTULO 2
Avaliação e
tratamento clínico

Alexandre Danilovic
Thiago Augusto Cunha Ferreira
cio, creatinina, ácido úrico, urina tipo I e cultura de urina.
Introdução Suspeitamos de hiperparatireoidismo primário quando o
A litíase urinária é um problema de saúde pública
cálcio sérico está elevado e devemos solicitar uma do-
global que apresenta incidência crescente tanto em ho-
sagem de paratormônio (PTH). Um exame de potássio
mens quanto em mulheres.1-3 Medidas preventivas como
sérico baixo deve chamar atenção para acidose tubular
estimular o consumo de água acima de 2 L ao dia podem
renal e devemos solicitar uma gasometria venosa. A sus-
reduzir os gastos com o tratamento da urolitíase primária
peita de gota ocorre quando o ácido úrico está elevado e
ou recorrente em até 50%.4,5
o pH urinário está baixo. O exame de urina tipo I revela
a presença de cristais que por vezes podem ser típicos,
Prevenção primária como os de cistina ou de ácido úrico. Além disso, um pH
Uma análise secundária, baseada em questionários urinário baixo sugere cálculo de ácido úrico e um pH uri-
alimentares validados, do estudo prospectivo WHI-OS nário elevado sugere cálculo de infecção ou de fosfato de
(Women’s Health Initiative Observational Study) em mu- cálcio. Uma urina piúrica ou infectada deve causar a sus-
lheres sem história de urolitíase, demonstrou que o risco peita de cálculo de infecção. Quando o cálculo urinário
de cálculo urinário diminuiu de 5% para até 28% (p = for disponível, ele deve ser analisado ao menos uma vez.9
0,01) com o aumento de ingestão de cálcio na dieta e di-
minuiu de 13% para até 31% (p = 0,002) com o aumento
no consumo de água. O mesmo estudo demonstrou que
Avaliação metabólica
Os pacientes com alto risco de recorrência (≥ 3 cál-
o alto consumo de sódio aumenta o risco de urolitíase de
culos em 3 anos) devem ser investigados.10 Infelizmente,
11% para 61% (p < 0,001) e que mulheres com maior
mesmo em pacientes com alto risco de recorrência, a in-
índice de massa corpórea têm risco maior para urolitía-
vestigação metabólica é pouco frequente. Embora a pre-
se (OR ajustada: 1,19-2,01, p < 0,001).6 Recente estudo
valência de testes de urina de 24 h nos EUA tenha aumen-
sugere que vegetarianos têm menor risco (RR: 0,69; IC
tado nestes pacientes de 7% em 2003 para 7,9% em 2006
95% 0,48-0,98) de desenvolver cálculos urinários do que
(p = 0,011), ainda é muito baixa. Por outro lado, quando
pacientes que consomem grandes quantidades de carne
o paciente com alto risco de recorrência é acompanhado
(> 100 g/dia).7
por um urologista, a chance de ele ser avaliado com tes-
Assim, recomendamos um consumo de cálcio entre
tes de urina de 24 h é três vezes maior do que se fosse
1.000 e 1.200 mg/dia, um consumo de água para um volu-
acompanhado por um clínico geral.11 Além dos pacientes
me urinário > 2,5 L/dia, evitar o excesso de sódio (não mais
de alto risco de recorrência, devemos investigar aqueles
que 5 g/dia) e de proteínas de origem animal na dieta para a
pacientes que formaram cálculo pela primeira vez e que
prevenção primária de formação de cálculos urinários.
desejam a investigação.9

Avaliação clínica Pacientes com alto risco


O paciente adulto que formou cálculo de cálcio pela
primeira vez, sem história familiar ou história de alte-
de recorrência
ração metabólica, tem 50% de chance de formar outro • cálculos de infecção;
cálculo assintomático entre 5 e 10 anos.8 Faz parte da • cálculos de ácido úrico;
avaliação de um paciente com cálculo urinário, mesmo • ≤ 18 anos;
que seja o primeiro episódio, uma história clínica deta-
• cálculos por doença genética (cistinúria, hiperoxa-
lhada visando investigar acidose tubular renal, hiperpa-
lúria primária, acidose tubular renal tipo I, defici-
ratireoidismo, diabetes mellitus, gota, obesidade, malab-
ência de adenina fosforibosiltransferase, xantina,
sorção intestinal, cirurgia bariátrica e uso de medicações
fibrose cística);
como topiramato, inibidores de protease, vitamina C e
• cálculos de bruxita;
suplementos de cálcio ou proteína. A avaliação nutricio-
nal deve investigar o consumo de cálcio, ingesta hídrica, • hiperparatireoidismo;
proteica e de frutas e vegetais. • doenças gastrointestinais (doença de Crohn, malabsor-
Os exames laboratoriais mínimos são: potássio, cál- ção, colite);

26
Avaliação e tratamento clínico

• rim único;
Causas hereditárias de urolitíase
• fragmentos residuais, após três meses de um trata- História de cálculos urinários recorrentes e nefrocal-
mento; cinose, particularmente em crianças, devem chamar a
• nefrocalcinose; atenção do urologista para erros inatos do metabolismo.
• cálculos bilaterais;
Deficiência de adenil
• história familiar. fosforibosiltransferase (APRT)
A deficiência de adenil fosforibosiltransferase é uma
Exames laboratoriais doença autossômica recessiva que leva a aumento da
A avaliação metabólica, sem a necessidade de uma produção de 2,8 di-hidroxiladenina (DHA), que é pouco
dieta específica, tem 75% de chance de diagnosticar um solúvel na urina.16 A DHA é radiotransparente. O diag-
distúrbio metabólico.12 O momento da análise deve ser, nóstico é feito pela identificação de DHA na urina através
no mínimo, 20 dias após a eliminação ou remoção de um de exame morfológico com estereomicroscópio e espec-
cálculo urinário.13 O exame de coleta de urina de 24 horas troscopia por infravermelho ou estudo cristalográfico na
é trabalhoso e muitos pacientes não o fazem corretamen- primeira urina da manhã.17 A análise bioquímica não con-
te. Assim, é importante analisar a creatinina urinária, que segue diferenciar a DHA de ácido úrico. O tratamento é
é constante e próxima de 20 mg/kg/24 horas. baseado na administração de alopurinol 200-300 mg/dia
Existem várias técnicas disponíveis para a análise em adultos ou 5-10 mg/kg/dia em crianças. A alcaliniza-
química e física de cálculos urinários. A análise deve ção da urina não é recomendada, pois a DHA continua
identificar não só os componentes do cálculo com sua insolúvel em pH abaixo de 8,5.16
exata quantidade, como também a estrutura molecular e
Cistinúria
seus cristais.14 As análises de preferência são espectros-
A cistinúria é uma doença autossômica recessiva do
copia por infravermelho ou difração de raios X.15
transporte tubular e intestinal de aminoácidos dibásicos,
A análise visual dos cálculos também pode ser útil
que resulta em aumento na excreção de cistina, ornitina,
para orientar a prevenção. Cálculos escuros compactos
lisina e arginina. A cistina é formada pela ligação de duas
geralmente são formados por oxalato de cálcio mono-hi-
moléculas de cisteína através de uma ponte dissulfeto. A
dratado e são muitas vezes causados por baixo volume
baixa solubilidade da cistina pode resultar na formação
urinário e excesso de oxalato urinário. Cálculos de cor
de cálculos urinários.18
amarelo-ouro com cristais maiores e menos agrupados
são geralmente formados por oxalato de cálcio di-hi- Doença de Dent
dratado e são causados por hipercalciúria. Os cálculos A doença de Dent é um distúrbio ligado ao cromos-
de ácido úrico são de cor amarelo-escuro e de consis- somo X que promove uma disfunção do túbulo proximal.
tência macia. Os cálculos de cistina geralmente são de É caracterizada por proteinúria de baixo peso molecular
cor amarela com cristais mais bem agrupados e quando (patognomônico), hipercalciúria, nefrocalcinose, nefro-
pulverizados com LASER produzem odor característico litíase (cálculos de cálcio) e insuficiência renal crônica.
de sulfeto. Um teste de rastreamento útil é a dosagem de 2 micro-
globulina na urina. O diagnóstico deve ser confirmado
Solicitar com a mutação de CLCN5 (doença de Dent 1 – 60% dos
• análise do cálculo; casos) ou OCRL (doença de Dent 2 – 15% dos casos).
• 2 x cálcio, creatinina, ácido úrico, PTH (hormônio Entre 30% e 80% dos homens afetados desenvolvem in-
da paratireoide), pH séricos; suficiência renal crônica entre 30 e 50 anos. Raramente
mulheres desenvolvem insuficiência renal.19
• 2 x cálcio, ácido úrico, oxalato, citrato, sódio, po-
tássio, cistina, ureia, creatinina e volume urinários Hipomagnesemia familiar com
de 24 horas; hipercalciúria e nefrocalcinose (FHHNC)
• 2 x urina tipo I (pH urinário) e urocultura. A hipomagnesemia familiar com hipercalciúria e ne-

27
frocalcinose é uma tubulopatia autossômica recessiva. A diurético tiazídico em pacientes com hipercalciúria reduz
reabsorção de magnésio e cálcio na alça de Henle é redu- o risco de recorrência de cálculo urinário (RR: 0,52; IC
zida por um defeito na expressão da proteína paracelina-1 95% 0,39-0,69).29 Um estudo retrospectivo sugere que a
pela mutação de CLDN16.20 clortalidona 25 mg/dia tem maior efeito na redução do
cálcio urinário (41%) do que a hidroclorotiazida 25 mg/
Hiperoxalúria primária dia (21%), p = 0,01. Nenhum dos dois diuréticos na dose
A hiperoxalúria grave (> 75 mg/d) pode ser causa- de 12,5 mg/dia reduziu o cálcio urinário de forma signifi-
da por hiperoxalúria primária (HP), doença autossômica cativa.30 A associação de tiazídico com citrato ou alopuri-
recessiva ou hiperoxalúria entérica, causada por mala- nol não reduz o risco de recorrência de cálculo de cálcio
bsorção (ressecção intestinal, insuficiência pancreática comparado a tiazídico isolado.31 O efeito colateral mais
ou cirurgia bariátrica). A HP tipo I, encontrada em 80% comum dos tiazídicos é a hipotensão, principalmente no
dos casos de HP,21 é causada por deficiência de alanina verão e em mulheres. Sugerimos iniciar o tiazídico com
glioxalato aminotransferase (AGT), que promove a con- uma dose mais baixa, fracionar em duas tomadas diárias
versão de glioxalato em glicina. O excesso de glioxalato e aumentar gradativamente até a dose-alvo. A hipocale-
leva a aumento na síntese de oxalato no hepatócito. A pi- mia, hiperuricemia, hiperglicemia e hipocitratúria devem
ridoxina é um cofator essencial da AGT e pode reduzir a ser monitorizadas. Sugerimos associar citrato de potássio
hiperoxalúria na dose de 5-20 mg/kg/dia.22 Esses pacien- 10 mEq VO 12/12 h para reparar a perda de potássio in-
tes têm maior risco de perda de função renal e devem ser duzida pelo tiazídico.32
monitorizados constantemente. O tratamento definitivo é A hipercalciúria idiopática também está associada
o transplante rim-fígado combinado.23 a diminuição da densidade mineral óssea e aumento de
reabsorção óssea.33 Um estudo clínico randomizado com-
Tratamento preventivo binou o uso de alendronato e tiazídico para o tratamento
de recorrência de hipercalciúria associada a osteoporose em mulheres
menopausadas com redução da calciúria e melhora na
Pacientes formadores de cálculo de cálcio densidade mineral óssea.34 No entanto, faltam evidências
Aproximadamente 80% dos pacientes com urolitíase para recomendar essa associação. O uso de suplementos
formam cálculos de cálcio, a maioria de oxalato de cálcio de cálcio pode causar hipercalciúria.35 Sugerimos ingerir
e menos frequentemente de fosfato de cálcio.24 A maioria os suplementos durante uma refeição que contenha ali-
dos pacientes não tem doenças sistêmicas graves, mas, em mentos com oxalato. Se um paciente formador de cálculo
alguns casos, os cálculos de cálcio são formados em con- de cálcio estiver em uso de suplementos, a calciúria deve
sequência de hiperparatireoidismo primário, síndromes ser dosada com e sem o suplemento. Se ocorrer hipercal-
de malabsorção ou acidose tubular renal. Geralmente, a ciúria, o suplemento deve ser descontinuado.9
formação de cálculos de cálcio está associada a altera- O citrato na urina tem papel protetor, pois quela
ções metabólicas que levam a supersaturação de oxalato o cálcio e também inibe a nucleação e crescimento do
de cálcio ou fosfato de cálcio, sendo a mais comum a cristal.36,37 O uso do citrato de potássio reduz o risco de
hipercalciúria idiopática.25 Hiperoxalúria, hipocitratúria, formação de cálculos de cálcio em pacientes com hipoci-
pH urinário persistentemente elevado e hiperuricosúria tratúria.38 Entretanto, o tratamento com citrato eleva o pH
também aumentam o risco de formação de cálculos por urinário e pode aumentar o risco de formação de cálculos
supersaturação de oxalato ou fosfato de cálcio. A restri- de fosfato de cálcio se a hipercalciúria e o baixo volume
ção de sódio na dieta é capaz de reduzir a hipercalciúria urinário não forem corrigidos. Sugerimos evitar o uso de
em pacientes que formam cálculos de cálcio.26 A única te- citrato se o pH urinário for > 6,5 ou se a supersaturação
rapia medicamentosa direcionada para a redução do cál- de fosfato de cálcio permanecer elevada.39 A acidificação
cio urinário é o uso de diuréticos tiazídicos.27 O provável da urina é feita com L-metionina 500 mg VO 1-3x/dia,
mecanismo de ação do diurético tiazídico é o aumento da mas deve-se monitorizar acidose sistêmica.40 O citrato de
reabsorção de cálcio no túbulo proximal pela inibição do potássio pode causar sintomas gastrointestinais e hiper-
cotransportador Na+Cl- que reduz a reabsorção de Na+ calemia que forçam a suspensão do seu uso.
e de Cl-, permitindo a reabsorção de cálcio.28 O uso de A hiperoxalúria idiopática leve é o tipo mais comum

28
Avaliação e tratamento clínico

de hiperoxalúria. Uma história alimentar detalhada pode Recomendações


revelar excessos de ingestão de oxalato e baixa ingestão
• Aumentar a ingestão hídrica – > 2 L em 24 horas.48
de cálcio. Os pacientes com hiperoxalúria entérica devem
Um volume urinário > 2,5 L/dia reduz a recorrên-
evitar o consumo de alimentos com oxalato e aumentar o
cia de cálculos (RR: 0,39; IC 95% 0,19-0,80). Pre-
consumo de cálcio alimentar ou de suplementos durante ferir sucos de frutas com citrato como laranja ou
as refeições para promover a ligação do oxalato ao cálcio limão.49-51
na luz intestinal.41
• Reduzir a ingestão de oxalato – os seguintes ali-
A hiperuricosúria diminui a solubilidade do oxalato
mentos contêm nível elevado de oxalato: ruibarbo
de cálcio e é um fator de risco para formação de cálculos 530 mg Ox/100 g, espinafre 570 mg Ox/100 g, ca-
de oxalato de cálcio.42 A primeira medida para normali- cau 625 mg Ox/100 g, chá 375-1.450 mg Ox/100 g,
zar a uricosúria é a restrição de purinas na dieta. Se não nozes 200-600 mg Ox/100 g.52
for suficiente, o alopurinol deve ser empregado, pois re-
• Reduzir a ingestão de proteínas de origem animal
duz a recorrência de cálculos de cálcio em pacientes com – 0,8-1 g/kg peso.53 Não há evidência de que como
hiperuricosúria e normocalciúria.43 medida isolada diminua o risco de recorrência de
Cálculos com mais de 50% de fosfato de cálcio são cálculo.29
raros. O pH urinário > 6,3 e a hipercalciúria são as princi-
• Reduzir a ingestão de sódio – < 5 g/d.53
pais causas para a formação de cálculos de fosfato de cál-
• Aumentar a ingestão de fibras.52 Não há evidência
cio.44 A formação de cálculos de fosfato de cálcio puros
de que como medida isolada diminua o risco de re-
deve chamar atenção para acidose tubular renal distal. O
corrência de cálculo.29 Dieta DASH (Dietary Appro-
tratamento de formadores de cálculo de fosfato de cálcio
aches to Stop Hypertension) – grande consumo de
deve ser direcionado para a redução da ingestão de sódio
frutas e vegetais, moderado consumo de laticínios
e proteína, aumento da ingestão de líquidos e uso de tia- com baixo teor de gordura e baixo consumo de pro-
zídicos.39 O uso do citrato é controverso, pois apesar de teína animal.54 A dieta DASH pode ser uma alterna-
aumentar o citrato urinário, reduzir o cálcio urinário e tiva eficaz à dieta com baixo conteúdo de oxalato
inibir o crescimento e nucleação de cristais, ele aumenta para reduzir a supersaturação de oxalato de cálcio
o pH urinário que predispõe a supersaturação de fosfato em pacientes com hiperoxalúria.55
de cálcio.45 Se o citrato for utilizado, uma avaliação uri- • Evitar ingestão excessiva de vitamina C – > 1 g/d.56
nária 24h deve ser feita para avaliar qual efeito vai pre-
• Tiazídicos – Hidroclorotiazida ou clortalidona 25-
dominar. O citrato deve ser utilizado nos pacientes com
50 mg VO 2x/d para hidroclorotiazida e 1x/d para
acidose tubular renal distal para tratar a acidose e hipo- clortalidona.57
citratúria. A correção da acidose metabólica pode reduzir
• Administrar citrato de potássio ou citrato de potás-
o cálcio urinário e reduzir a supersaturação de fosfato de
sio e magnésio – citrato de potássio 10-20 mEq VO
cálcio.46 Muitas vezes é necessário associar tiazídico para
8/8h.58,59 O uso de citrato reduz o risco de formação
reduzir o cálcio urinário.46 de cálculo (RR: 0,25; IC 95% 0,14-0,44).29
O rim esponja medular é caracterizado por malforma-
• Alopurinol – em pacientes com hiperuricosúria60
ção na porção terminal dos dutos coletores. Geralmen-
(RR: 0,59; IC 95% 0,42-0,84).29
te, os pacientes são assintomáticos e a associação com
acidose tubular renal distal incompleta, hipocitratúria e Pacientes formadores de cálculo de ácido úrico
hipercalciúria são comuns. Os cálculos desses pacientes Os cálculos de ácido úrico são mais frequentes em pa-
são de oxalato ou fosfato de cálcio e o tratamento é o cientes com síndrome metabólica.61 O pH urinário ácido
mesmo dos pacientes formadores de cálculos de cálcio é o fator mais importante para o desenvolvimento de cál-
idiopático.47 culos de ácido úrico e a alcalinização da urina é a forma
Aqueles pacientes que formam cálculos de cálcio de mais efetiva de tratamento desses pacientes.27 Os outros
forma recorrente, mas que a investigação metabólica fa- dois fatores são baixo volume urinário e hiperuricosúria.
lhou em identificar uma alteração devem ser tratados com Preferimos o citrato de potássio ao bicarbonato de sódio
tiazídicos e citrato.9 para a alcalinização, pois a sobrecarga de sódio pode au-

29
mentar a excreção de cálcio urinário.62
Acompanhamento
Recomendações O Guideline da AUA 2014 sugere que seja solicitada
uma avaliação de urina de 24h em até 6 meses para avaliar
• Aumentar a ingestão hídrica – 2-2,5 L/d.
a resposta ao tratamento clínico e depois disso, no míni-
• Reduzir a ingestão de proteína animal – 0,8 g/kg/d. mo, uma avaliação de urina de 24h anual. A repetição da
• Alcalinizar a urina com citrato de potássio – 10-20 análise do cálculo é interessante, pois a composição do
mEq VO 8/8h (pH 6,2-6,8 para diminuir recorrência cálculo pode variar com o tratamento instituído. Os efei-
e pH 7,0-7,2 para dissolução de cálculos).63 tos colaterais das medicações precisam ser monitorizados
• Alopurinol – 100-300 mg/d.64 inclusive com exames de sangue. Exame de imagem deve
ser solicitado para avaliar a massa de cálculo, mas não
Pacientes formadores de cálculo de cistina está estabelecido qual ou sua periodicidade.9
A solubilidade da cistina aumenta com a elevação do
pH. O objetivo do tratamento é manter a concentração
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32
SEÇÃO I
LITÍASE

CAPÍTULO 3
Litotripsia extracorpórea
por ondas de choque
(LEOC ou LECO)
Mário Henrique Elias de Mattos
Antonio Correa Lopes Neto
Marcus Augusto Elias de Mattos
taxas de sucesso extremamente variáveis (33%-91%).4
Introdução O método pode, excepcionalmente, ser indicado no tra-
A litotripsia extracorpórea por ondas de choque
tamento de cálculos renais maiores que 2 cm, desde que
(LEOC), também chamada de LECO, faz parte do rol de
seja previamente implantado cateter de derivação interna
estratégias a serem consideradas no tratamento da litíase
(duplo J), porém com resultados habitualmente ruins à
urinária, dividindo espaço com técnicas endourológicas
custa de múltiplas intervenções. O método também pode
como ureterorrenolitotripsia endoscópica, cirurgia renal
ser indicado no tratamento de cálculos ureterais menores
percutânea, cirurgia laparoscópica e robótica.1 O advento
que 1,5 cm. Meta-análise de 2012 apontou taxas livres
e o desenvolvimento destas técnicas tornaram a cirurgia
de cálculos de 79%, 78% e 79%, respectivamente, para
aberta para tratamento de cálculos urinários excepcional.
cálculos em ureter proximal, médio e distal.5 O método
pode, excepcionalmente, ser indicado no tratamento de
Aspectos históricos cálculos ureterais maiores que 1,5 cm, desde que seja
Em 1980, Chaussy e colaboradores desenvolveram a previamente implantado cateter de derivação interna
primeira geração de litotridores, representada pelos apa- (duplo J), porém com resultados habitualmente ruins à
relhos eletro-hidráulicos HM2 e HM3 (Fabricante: Dor- custa de múltiplas intervenções.
nier). À época representava maneira inovadora no trata-
mento dos cálculos renais, com metodologia não invasiva, Contraindicações
segura, eficaz e de baixo custo. Os primeiros resultados Nos casos de gestação (suspeita ou confirmada),
clínicos foram apresentados mais tarde, em publicação de coagulopatias não controladas ou não revertidas, hiper-
1982: 221 pacientes tratados, com 88,5% dos pacientes li- tensão arterial não controlada, arritmias não controla-
vres de cálculos.2 Os excelentes resultados iniciais e a bai- das, aneurisma de aorta > 4,0 cm, infecção urinária e
xa morbidade rapidamente tornaram-na a primeira opção obstrução urinária não se deve realizar LEOC, e outra
para a maioria dos casos de litíase urinária. Posterior evo- modalidade terapêutica deve ser escolhida. São contrain-
lução tecnológica proporcionou o surgimento de apare- dicações relativas: aneurismas de artéria renal, obesida-
lhos de segunda e terceira gerações, com geradores piezo- de (com distância pele x cálculo > 10 cm), marca-passo
elétricos e eletromagnéticos, mais compactos, com bolha cardíaco e deformidades esqueléticas.6 Crianças necessi-
líquida de acoplamento, que substituiu a banheira na qual tam de proteção gonadal (radiação) e pulmonar quando
o paciente era imerso nas máquinas de primeira geração. possível. O tratamento de cálculos em ureter distal em
Tais equipamentos oferecem posicionamento mais fácil, meninas e mulheres no menacme deve ser evitado, pois
uma sessão menos dolorosa e mais confortável, mas com não há evidências de que as ondas de choque não afetem
resultados inferiores aos aparelhos de primeira geração. a função reprodutiva dos ovários.

Princípios físicos Complicações


As ondas de choque na LEOC são ondas mecânicas Trata-se de procedimento seguro, mas podem ocor-
de alta energia, elevada amplitude e baixa frequência, rer algumas complicações, como arritmias, hematúria
geradas e emitidas por uma fonte de energia externa cha- macroscópica persistente, cólica ureteral, rua de cál-
mada litotridor, que atravessam um meio líquido (bolha) culos, prejuízo transitório da função renal, infecção
e o corpo do paciente, em direção ao ponto focal, onde urinária e/ou eventos sépticos, hematomas renais, abs-
se localiza o cálculo. A pedra fragmenta-se por mecanis- cessos (renais, esplênicos ou hepáticos), pancreatite e
mo de força na superfície do cálculo que vence a coesão lesões de órgãos adjacentes. Questiona-se o surgimento
interna, por gradiente de pressão entre componente com- de diabetes e de hipertensão arterial pós-LEOC, o que
pressivo/tensional e por forças de cavitação.3 ainda é motivo de estudo e discussão.6

Indicações Princípios técnicos


De maneira geral, a LEOC pode ser considerada no O preparo do paciente deve incluir, sempre que pos-
tratamento de cálculos renais menores que 2 cm, com sível, estudo tomográfico helicoidal, que vai oferecer

34
Litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LEOC ou LECO)

informações importantes para a indicação do método e tempo e o paciente pode tolerar maior número de impul-
também prognóstico de fragmentação e eliminação dos sos com maior energia.8
fragmentos.7 É prudente realizar análise de urina e tes- Finalmente, e não menos importante, é utilizar um
tes de coagulação antes do procedimento. O paciente é método de interface no acoplamento do paciente ao li-
habitualmente acomodado em decúbito dorsal (exceto totridor que permita a menor perda possível de energia
em cálculos em ureter distal, onde o decúbito ventral é durante sua passagem e o meio gel sem bolhas de ar é
preferido para se evitar o osso ilíaco) e o cálculo visua- imprescindível.12,13
lizado por fluoroscopia ou ultrassom.3 O procedimento é
realizado preferencialmente sob anestesia geral ou seda-
Adjuvantes
ção,8 sendo aplicados em média 3.000 a 4.000 impulsos
Não é necessária antibioticoterapia em pacientes
em um tratamento que dura em média 50-60 minutos.
com urina estéril.14 Após o tratamento, o uso de alfablo-
queadores traz benefícios no clareamento de fragmentos
Fatores preditivos de sucesso,
relacionados ao cálculo através do ureter: maiores taxas de eliminação em menor
tempo.15
Cálculos renais de até 2 cm podem ser tratados por
LEOC, mas aqueles menores de 1 cm apresentam maio-
res taxas de fragmentação e eliminação.4 Da mesma for- Considerações finais
ma, cálculos menos densos, especialmente aqueles com A LEOC representa opção minimamente invasiva
densidade tomográfica em unidades Hounsfield (UH) e de baixa morbidade no tratamento de cálculos renais
menores de 1.000, respondem melhor ao tratamento.7 menores que 2 cm e ureterais menores de 1,5 cm. A oti-
mização de seus resultados depende de seleção adequa-
Fatores preditivos de sucesso, relacionados da dos pacientes considerando fatores relacionados aos
à anatomia renal e ao paciente cálculos e à anatomia do trato urinário, além de técnica
Cálculos renais em pelve e grupamentos caliciais su- de aplicação adequada. Crianças também podem se be-
perior e médio apresentam melhores taxas de fragmen- neficiar e os alfabloqueadores no pós-tratamento aparen-
tação e eliminação em comparação a cálculos de gru- temente podem colaborar para melhores resultados.
pamento inferior. Cálculos em cálice inferior complexo
(ramificado), com ângulo infundíbulo-pélvico fechado
(< 90o) e com infundíbulos longos (> 3 cm) e/ou estrei-
Referências
1. Lopes Neto AC. Litotripsia extracorpórea e tratamento cirúrgico da
tos (< 4 mm)9 são especialmente desafiadores e devem litíase urinária. Urologia Fundamental 2010, p.127-34.
ser consideradas muitas vezes como primeira escolha 2. Chaussy CG, Schmidt E, Jocham D, Brendel W, Forssmann B, Wal-
ther V. First clinical experience with extracorporeally induced des-
outras modalidades endourológicas, e não a LEOC. A truction of kidney stones by shock waves. J Urol 1982;127(3):417-
obesidade é fator preditivo de insucesso, pois maiores 20.
distâncias entre o cálculo e a pele do paciente implicam 3. Rassweiler JJ, Knoll T, Kohrmann KU, McAteer JA, Lingeman JE,
Cleveland RO et al. Shock wave technology and application: an
significativa perda de energia das ondas de choque ao update. Eur Urol 2011;59:784-96.
longo do trajeto. Cálculos distantes em mais de 10 cm 4. Lingeman JE, Siegel YI, Steele B, Nyhuis AW, Woods JR. Mana-
gement of lower pole nephrolithiasis: a critical analysis. J Urol
da pele do paciente não respondem bem ao tratamento 1994;151:663-7.
com LEOC.10 5. Picozzi SC, Ricci C, Gaeta M, Casellato S, Stubinski R, Ratti D et
al. Urgent shock wave lithotripsy as first-line treatment for ureteral
stones: a meta-analysis of 570 patients. Urol Res 2012;40:725-31.
Fatores preditivos de sucesso, 6. Streem SB. Contemporary clinical practice of shock wave lithotrip-
relacionados à qualidade da aplicação sy: a reevaluation of contraindications. J Urol 1997;157:1197-203.
Aplicar as ondas de choque a baixas frequências im- 7. El-Nahas AR, El-Assmy AM, Mansour O, Sheir KZ. A prospective
multivariate analysis of factors predicting stone disintegration by
plica melhores resultados, especialmente em cálculos extracorporeal shock wave lithotripsy: the value of high-resolution
menores de 1 cm. Recomenda-se aplicar as ondas de noncontrast computed tomography. Eur Urol 2007;51:1688-93.
8. Sorensen C, Chandhoke P, Moore M, Wolf C, Sarram A. Compari-
choque em frequência de no máximo 90 impulsos por son of intravenous sedation versus general anesthesia on the effica-
minuto.11 Como já mencionado, a anestesia é fundamen- cy of the Doli 50 lithotriptor. J Urol 2002;168:35-7.
tal para melhores resultados, pois garante que o cálculo 9. Sampaio FJ, DAnunciacao AL, Silva EC. Comparative follow-up
of patients with acute and obtuse infundibulum- pelvic angle sub-
mantenha-se na área focal de impacto a maior parte do mitted to extracorporeal shockwave lithotripsy for lower caliceal

35
stones: preliminary report and proposed study design. J Endourol 2007;51:1680-6. [ Links ]
1997;11:157-61. 13. Li G, Williams JC Jr, Pishchalnikov YA, Liu Z, McAteer JA. Size
10. Perks AE, Schuler TD, Lee J, Ghiculete D, Chung DG, D’A Honey and location of defects at the coupling interface affect lithotripter
RJ et al. Stone attenuation and skin-to-stone distance on computed performance. BJU Int 2012;110:E871-7.
tomography predicts for stone fragmentation by shock wave litho-
tripsy. Urology 2008;72:765-9. 14. Lu Y, Tianyong F, Ping H, Liangren L, Haichao Y, Qiang W. Anti-
biotic prophylaxis for shock wave lithotripsy in patients with sterile
11. Li K, Lin T, Zhang C, Fan X, Xu K, Bi L et al. Optimal frequen-
cy of shock wave lithotripsy in urolithiasis treatment: a systematic urine before treatment may be unnecessary: a systematic review and
review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Urol meta-analysis. J Urol 2012;188:441-8.
2013;190:1260-7. 15. Zhu Y, Duijvesz D, Rovers MM, Lock TM. Alpha-blockers to assist
12. Jain A, Shah TK. Effect of air bubbles in the coupling medium stone clearance after extracorporeal shock wave lithotripsy: a meta-
on efficacy of extracorporeal shock wave lithotripsy. Eur Urol -analysis. BJU Int 2010;106:256-61.

36
SEÇÃO I
LITÍASE

CAPÍTULO 4
Tratamento cirúrgico
do cálculo renal

Rodrigo Guerra
Paulo Roberto Kawano
Hamilto Akihissa Yamamoto
Fernando Ferreira Gomes Filho
• situações específicas (ex.: pilotos de avião e helicóp-
Introdução tero) e preferência do paciente.
A litíase (ou calculose) renal constitui-se numa entida-
de patológica complexa, com diversas facetas e nuances.
Manifesta-se clinicamente de forma amplamente variável, Opções de tratamento
havendo desde casos assintomáticos e inócuos à fisiologia A LECO e as opções endourológicas de tratamento,
do sistema excretor até aqueles graves, com hidronefrose como a nefrolitotripsia percutânea (NLP) e a ureterorreno-
e comprometimento da função renal, passando por um es- litotripsia flexível (URF), são todas em princípio aceitáveis
pectro de manifestações clínicas que inclui principalmen- para o tratamento de cálculos renais menores que 2 cm, cada
te crises de dor nefrética em cólica, hematúria e infecção qual com suas vantagens e desvantagens, relacionadas prin-
do trato urinário. A forma de ocorrência de tais achados cipalmente a grau de invasividade da técnica versus taxas
clínicos depende principalmente do tamanho, posição e “stone-free” (ausência de cálculo após o procedimento pro-
número dos cálculos renais, assim como da presença ou posto). A NLP é mais eficaz nesse sentido que a URF, que
ausência de obstrução do sistema coletor renal. Variações por sua vez é mais eficaz que a LECO, o que acaba por refle-
da própria anatomia do sistema pielocalicial podem in- tir-se nos índices de retratamento. Para cálculos maiores que
fluenciar na eliminação ou mesmo na recorrência de cál- 2 cm, a NLP impõe-se como opção terapêutica de primeira
culos renais. Todos esses fatores têm grande implicação linha, uma vez que a URF apresenta menores taxas de suces-
prática no raciocínio clínico, e devem ser considerados so e maior risco de necessidade de múltiplas intervenções,
em conjunto para chegarmos à melhor decisão terapêutica devendo esta atualmente ser considerada de segunda linha,
em cada situação. nesta situação, e LECO não deve ser recomendada. No caso
Nos dias de hoje, graças à enorme e constante evolução específico de cálculos do polo renal inferior, NLP e URF po-
tecnológica aplicada à prática cirúrgica, quando indicado, o dem ambas ser recomendadas, inclusive para cálculos a par-
tratamento ativo da calculose renal é preponderantemente tir de 1,0 cm, considerando que nesta situação, a efetividade
minimamente invasivo. O desenvolvimento inicial da li- da LECO é muito limitada. A decisão entre tais opções deve
totripsia extracorpórea por ondas de choque (LECO) e da ser feita caso a caso, baseando-se nas características anatô-
cirurgia renal percutânea, há cerca de quatro décadas, foi micas do caso, na experiência da equipe e na preferência do
seguido de forma paulatina pelo refinamento dos equipa- paciente. Para cálculos menores, em especial abaixo de 1
mentos e pela miniaturização das óticas endourológicas no cm, a LECO torna-se primeira opção, podendo também ser
geral (nefroscópios e ureteroscópios), chegando ao desen- considerada a URF, particularmente em casos com múltiplos
volvimento atual de endoscópios urológicos flexíveis e de cálculos, espalhados por diversos cálices renais.
pequeno calibre, que possibilitam o acesso intrarrenal por A composição dos cálculos deve ser também levada em
via ascendente através do ureter. Em paralelo a isso, o aper- conta, na decisão da técnica terapêutica a ser adotada, seja
feiçoamento na aplicação do laser como fonte de energia através da medida de densidade dos cálculos na tomogra-
para litotripsia cirúrgica possibilitou aos urologistas a pro- fia computadorizada ou mesmo pela história clínica do pa-
posta de tratamentos cada vez menos agressivos para situa- ciente e análise de cálculos anteriores. Cálculos renais com
ções cada vez mais complexas. densidade superior a 1.000 unidades Hounsfield (UH) têm
menor chance de serem fragmentados pela LECO, sendo aí
preferível a adoção de método endourológico; e aqueles de
Indicações de tratamento ácido úrico podem ser suscetíveis a dissolução com agen-
O tratamento do cálculo renal estará indicado:
tes alcalinizadores da urina, configurando possível opção à
• ao atingir tamanho maior ou igual a 15 mm;
abordagem cirúrgica.
• nos cálculos menores que 15 mm, em que o segui- De forma geral, antibioticoprofilaxia perioperatória é
mento evolutivo não seja aceito como opção; recomendada, para URF e NLP, sendo que regimes cur-
• nos cálculos renais sintomáticos; tos ou de dose única devem ser favorecidos. No entanto,
• em pacientes com risco elevado de litogênese e reci- é sempre mandatória a realização de exames microbioló-
diva já previamente conhecido; gicos da urina, previamente a qualquer modalidade de tra-
• na ocorrência de obstrução pielocalicial e/ou insufi- tamento intervencionista, assim como deve-se assegurar
ciência renal devido à presença de cálculos renais; tratamento efetivo de eventual infecção urinária, antes de
• na presença de comorbidades que aumentem o risco qualquer abordagem para extração de cálculos urinários.
de complicações associadas à presença do cálculo re- Nos pacientes que se apresentem com sepse decorrente de
nal, como infecção urinária ou insuficiência renal; infecção urinária em sistema coletor obstruído, a drenagem

38
Tratamento cirúrgico do cálculo renal

de urgência do mesmo é imperativa, devido ao risco de serem obtidas com sucesso após realizadas a dilatação e a
progressão do quadro infeccioso e morte, devendo então manipulação de um trajeto prévio, devido ao extravasamen-
a abordagem direta do cálculo ser postergada apenas para to de contraste que tende a ocorrer.
após a resolução completa do quadro infeccioso. Se houver Para prevenção de lesões de órgãos adjacentes ao rim, em
achado de urina purulenta durante procedimento endouro- especial o cólon, é importante o estudo prévio das relações
lógico eletivo, o mesmo deve ser interrompido e drenagem anatômicas locais, com tomografia computadorizada pré-ope-
adequada associada a antibioticoterapia ser instituída. As ratória. Na eventualidade ser constatada presença de cólon ou
opções de derivação do rim acometido tanto com stent ure- outro órgão muito próximo ao trajeto do acesso percutâneo, ou
teral (duplo-J) como com sonda de nefrostomia são aceitá- mesmo em posição retrorrenal, a laparoscopia concomitante à
veis e consideradas igualmente eficazes. NLP permite mobilização medial da estrutura e maior segu-
rança durante a punção renal. A cirurgia percutânea videoas-
Nefrolitotripsia percutânea sistida pode ser de grande valia também em variações da ana-
A NLP consiste em método cirúrgico endourológico tomia renal, como rins pélvicos, ao possibilitar a visão direta
para remoção de cálculos renais, que classicamente segue da agulha de punção e do processo de dilatação do trajeto, evi-
os seguintes passos: tando lesões inadvertidas. A realização de punção guiada por
• cistoscopia; ultrassonografia, ao invés de pela pielografia exclusivamente,
• colocação de cateter ureteral no mesmo lado do rim pode também possibilitar a identificação de órgãos interpostos
a ser abordado; entre a parede abdominal e o rim, e aumentar a segurança do
• pielografia ascendente; procedimento.
• punção percutânea do sistema coletor renal com agulha Para otimizar a retirada completa dos cálculos renais, o
trocar, guiada pela pielografia, em cálice previamente ideal seria sempre haver disponibilidade de nefroscópio fle-
escolhido de acordo com as características do cálculo xível, que deverá ser utilizado na revisão de cálices não aces-
e da anatomia renal (a punção também pode, de forma síveis inicialmente à nefroscopia rígida, identificando poten-
alternativa, ser orientada por ultrassonografia); ciais fragmentos residuais que passariam despercebidos.
• posicionamento de fio-guia, preferencialmente des- A decisão ao final do procedimento, em relação à ne-
cendo pelo ureter até a bexiga; cessidade de derivação pós-operatória, deve levar em conta
• dilatação do trajeto percutâneo até diâmetro compatí- diversos aspectos. Em casos não complicados, a ausência
vel com o nefroscópio a ser usado (usualmente entre de derivação renal é considerada segura. No entanto, na
24 e 30 Fr), podendo neste passo serem utilizados di- presença de extravasamento urinário devido a perfuração
latadores miofasciais sequenciais ou balão dilatador; no sistema coletor, obstrução ureteral, sangramento intra-
• posicionamento de bainha de Amplatz; operatório significativo, cálculos residuais, potencial au-
• nefroscopia e localização do cálculo; mentado de infecção urinária devido à presença de cálculos
• tripsia do cálculo e retirada de fragmentos; infectados, rim único, ou necessidade prevista de procedi-
• colocação de cateter duplo-J e/ou sonda de nefrosto- mento de revisão (“second look”), a drenagem do sistema
mia, se drenagem do sistema coletor renal seja consi- coletor com duplo-J, sonda de nefrostomia, ou ambos, deve
derada necessária. ser realizada. Nefrostomia com sondas de menor calibre
O posicionamento do paciente pode ser feito em posição traz menor desconforto pós-operatório ao paciente.
supina ou prona, sendo que ambas são consideradas igual- A complicação grave de maior frequência tende a ser
mente seguras para a realização de NLP, e não foi demonstra- a ocorrência de sangramento com necessidade de transfu-
do benefício de uma sobre a outra, de forma conclusiva. Al- são sanguínea, em torno de 7% dos casos operados. Na sua
gumas séries demonstram menor tempo cirúrgico associado ocorrência, a primeira medida a ser tomada é o clampea-
à posição supina, mas também possivelmente menores taxas mento da nefrostomia, para formação de coágulo intra-re-
“stone-free”. A posição prona pode oferecer mais opções para nal que promova tamponamento da hemorragia. Em caso
acesso ao sistema coletor, principalmente para acesso ao cáli- de insucesso no controle do sangramento, embolização su-
ce superior ou na necessidade de múltiplos trajetos. perseletiva por angiografia deve ser indicada.
Caso seja antevista a realização de múltiplos trajetos de Antes da indicação de realização de NLP, devem ser lem-
acesso renal percutâneo, é desejável a punção individual de bradas e ponderadas as seguintes contraindicações ao proce-
cada cálice de interesse e posicionamento de um fio-guia dimento: gestação, uso de anticoagulantes, presença de in-
em cada, previamente a qualquer dilatação. Punções secun- fecção urinária não controlada, presença de massas tumorais
dárias comumente apresentam maior grau de dificuldade de no trajeto de punção e de neoplasia renal maligna.

39
gens intraoperatórias. A técnica cirúrgica e visão endoscópi-
Ureterorrenolitotripsia flexível ca proporcionadas são relativamente familiares ao urologista
A URF consiste em método endourológico realizado in-
teiramente através das vias naturais do sistema urinário, sem tarimbado em ureteroscopia rígida, estando as principais
necessidade de incisões cutâneas, por via ascendente retró- diferenças no manuseio mais delicado do ureteroscópio
grada, e que via de regra segue a seguinte sistematização: flexível e na necessidade de adaptar-se ao uso da deflexão,
• cistoscopia; além obviamente da própria anatomia abordada. No entan-
• posicionamento de dois fios-guia (de trabalho e de se- to, há grande dependência do uso de materiais descartáveis
gurança) no ureter ipsilateral ao rim a ser abordado; apropriados, que encarecem o procedimento mas devem es-
• dilatação ureteral, seja com dilatadores sequenciais tar prontamente disponíveis. Atualmente, ocorre um grande
ou com ureteroscópio rígido; aumento na indicação de URF, uma vez que é procedimento
• colocação de bainha de acesso ureteral no ureter su- realmente minimamente invasivo e que atinge boas taxas de
perior; resolução dos cálculos renais, na maior parte das situações.
• realização de pielografia ascendente, utilizando o Apesar disso, em casos complexos e com grande volume li-
mandril da própria bainha, para estudo da anatomia tiásico, outras abordagens devem ser consideradas. Por ou-
do sistema coletor renal; tro lado, em pacientes com coagulopatias de difícil correção
• acesso com ureteroscópio flexível ao sistema coletor ou necessidade de anticoagulação contínua, a URF pode ser
renal, seguido da identificação dos cálculos a serem usada como primeira linha de tratamento.
tratados;
• fragmentação dos cálculos com laser;
• retirada de fragmentos com sonda extratora sem pon- Outras opções
ta (basket tipless); A depender das características de cada caso, em especial
• retirada da bainha ureteral; nos com maior volume litiásico, uma única modalidade de
• colocação de cateter duplo-J. tratamento pode ser insuficiente para resolução completa.
Durante a realização da URF, a manobra de deslocamen- Dessa forma, uma combinação de técnicas minimamente
to de um cálculo inicialmente localizado no cálice inferior invasivas comumente faz-se necessária, como a realização
para o superior facilita sua fragmentação, possibilita elimi- inicial de NLP, seguida de complementação com LECO ou
nação mais fácil dos fragmentos gerados, além de poupar o URF para cálculos menores residuais.
ureteroscópio flexível e prolongar sua vida útil. O método de Quando houver falha prévia das técnicas aqui discuti-
fragmentação utilizado pode almejar gerar fragmentos que das, considerar-se baixa a chance de sucesso através delas,
sejam removidos ativamente com sonda extratora de cálculos ou houver impossibilidade de sua aplicação, seja por algu-
(“basketing”), ou simplesmente pulverizar o cálculo e aguar- ma característica clínica, ou limitação de material/exper-
dar eliminação espontânea pela própria urina (“dusting”). tise para sua aplicação, as abordagens laparoscópicas ou
A opção por basketing (realizado com laser em frequências mesmo por via aberta podem ser oferecidas, embora em
mais baixas e pulso de energia maior) tem intuito de remo- princípio não devam ser usadas como primeira linha de tra-
ver ativamente todos os fragmentos de cálculo e aumentar tamento. Finalmente, nos casos em que a função renal foi
as chances de “stone-free”, mas tem o inconveniente de ne- comprometida de forma significativa, a nefrectomia pode
cessitar múltiplas entradas e saídas do ureteroscópio flexível ser necessária, geralmente com função diferencial abaixo
através da bainha ureteral e do sistema coletor, o que torna de 10%-15% à cintilografia com DMSA.
o procedimento mais desconfortável, laborioso, e aumenta o
risco de avaria ao aparelho. Por outro lado, o risco associado
ao dusting (realizado com laser em frequências mais altas e
Referências recomendadas
1. Neto ACL. Litotripsia extracorpórea e tratamento cirúrgico da litíase
pulso de energia menor) reside na não eliminação total de urinária. In: Nardozza Jr A, Filho MZ, Reis RB (eds.). Urologia Fun-
fragmentos no pós-operatório, o que pode levar à necessida- damental. São Paulo: Planmark, 2010, p. 128-134.
2. Turk C, Petrik A, Sarica K et al. EAU Guidelines on interventional
de de procedimento adicional. treatment for urolithiasis. Eur Urol 2016;69:475-482.
A factibilidade do desenvolvimento da URF dependeu 3. Asimos D, Krambeck A, Miller NL et al. Surgical management of sto-
nes: American Urological Association/Endourological Society Guide-
largamente da evolução tecnológica e avanços na fabricação line. In: American Urological Association (AUA)/Endourological So-
de endoscópios flexíveis de pequeno calibre, com mecanis- ciety Guideline 2016. https://www.auanet.org/common/pdf/education/
clinical-guidance/Surgical-Management-of-Stones.pdf
mo de deflexão apropriado. Óticas digitais são atualmente 4. EAU Urolithiasis Guideline 2016. https://uroweb.org/guideline/uroli-
disponíveis, atingindo nitidez e qualidade ímpares às ima- thiasis/

40
SEÇÃO I
LITÍASE

CAPÍTULO 5
Tratamento cirúrgico
do cálculo ureteral

Hamilto Akihissa Yamamoto


Rodrigo Guerra da Silva
Paulo Roberto Kawano
A litíase urinária é a terceira afecção urológica mais Hoje, com a disponibilidade e melhora dos instru-
frequente, perdendo apenas para a infecção do trato uri- mentais endourológicos, a ureteroscopia semirrígida e
nário e patologia prostática, afetando de 5% a 15% da a flexível têm sido a primeira opção, para muitos uro-
população mundial. É duas vezes mais comum no sexo logistas, no tratamento do cálculo ureteral, devido as
masculino, com o pico de incidência entre 30 e 40 anos e seguintes vantagens: procedimento rápido, ausência de
apresenta alta taxa de recorrência ao longo da vida (50%- cicatrizes, menor período de hospitalização, menos dor
70%). A presença de cálculo ureteral sempre é motivo de no pós-operatório, menor período de convalescença,
preocupação médica, principalmente pela possibilidade retorno mais precoce às atividades profissionais e me-
de dor persistente e não eliminação do cálculo. lhor satisfação pelo paciente. É também a opção para a
O tratamento do cálculo ureteral é necessário no gestante, com complicações similares às das realizadas
caso de dor persistente, infecção, dilatação da via ex- em mulheres não gestantes e uma boa técnica cirúrgi-
cretora, insuficiência renal e baixa probabilidade de ca para paciente com coagulopatia. É uma boa técnica
eliminação espontânea, que constituem indicações de nos pacientes com cálculos ureterais e renais concomi-
remoção do cálculo. Os tipos de tratamentos sofreram tantes, pois permite sua remoção em um único tempo
inúmeras mudanças nas últimas três décadas, como in- cirúrgico (flexível). A cirurgia cursa com poucas com-
trodução do tratamento medicamentoso, melhora téc- plicações intra e pós-operatórias, entre as principais
nica e instrumental endourológico e LECO (litotripsia são a perfuração ureteral e a estenose de ureter, que
extracorpórea). acontecem em 0,5% a 1% dos procedimentos. Sempre
Como podemos observar, em 1997 a orientação do com cuidado especial para remoção do cálculo ureteral
guideline americano para tratamento do cálculo urete- proximal com Dormia® devido ao risco de avulsão ure-
ral proximal era a LECO como a primeira opção; já em teral. Em casos complexos (múltiplos cálculos, esteno-
2007, a LECO ou ureteroscopia como primeira escolha se, reabordagem e tortuosidade ureteral) há necessida-
e, em 2016, a ureteroscopia é a primeira escolha para de da utilização de fio-guia, contraste iodado, dilatador
cálculo maior que 10 mm. ureteral e auxílio do RX e, em algumas vezes, opta-se
apenas por derivação percutânea ou implante de cate-
O tipo de tratamento para o cálculo ureteral depen-
ter ureteral para uma segunda intervenção em melhores
de de alguns fatores que interferem na escolha do tipo
de cirurgia, como os relacionados ao cálculo (seu tama- condições cirúrgicas.
nho, densidade e localização no trato urinário) e fatores Cálculos de ureter proximal menores que 10 mm
do paciente (idade, gestante e presença de comorbida- devem ser tratados preferencialmente pela litotripsia
des – obesidade, diabetes, cardiopatias, deformidades extracorpórea, com até 90% de bons resultados e os
esqueléticas, coagulopatias e infecção). maiores que 10 mm são mais bem tratados pela urete-
Em geral, a LECO está indicada para cálculos de roscopia, sendo a litotripsia extracorpórea o método de
ureter proximal menores que 10 mm e a ureteroscopia segunda escolha. O melhor método para tratar cálculo
nos maiores que 10 mm, uma vez que os resultados da de ureter distal maior que 10 mm é a ureteroscopia, que
LECO pioram à medida que aumenta o tamanho do cál- produz entre 93% e 97% dos pacientes livres de cálcu-
culo. É importante avaliar os fatores desfavoráveis para los, sendo a litotripsia extracorpórea a segunda escolha
indicação de LECO, como: densidade tomográfica aci- e para cálculo menor que 10 mm pode se optar pela
ma de 1.000 UH, cálculos de cistina, pacientes muito litotripsia ou a ureteroscopia (Figura 1).
obesos e distância pele-cálculo maior que 10 cm. Tam- O tratamento laparoscópico é a opção na falha dos
bém existem contraindicações, como: gravidez, infec- tratamentos endourológicos ou LECO, ou quando asso-
ção urinária, estenose distal ao cálculo, coagulopatia e ciado com outras patologias urológicas ou não, que po-
outras. Em crianças, a LECO é a primeira escolha para dem ser corrigidas no mesmo ato cirúrgico. A ureteroli-
tratamento de cálculo ureteral. totomia laparoscópica é uma boa opção para tratamento

42
Tratamento cirúrgico do cálculo ureteral

Figura 1. Algoritmo do tratamento do cálculo ureteral (EAU, março 2016).

Cálculo ureteral proximal

> 10 mm LECO ou Ureteroscopia

< 10 mm 1 - LECO
2 - Ureteroscopia

Cálculo ureteral distal

> 10 mm 1 - Ureteroscopia
2 - LECO

< 10 mm LECO ou Ureteroscopia

de cálculos maiores que 2 cm, apesar de apresentar culo ureteral é uma exceção, mas pode ser necessária
maior tempo de internação e dor pós-operatória. Outra quando existir uma complicação importante no proce-
opção técnica é o procedimento robótico, que fica limi- dimento endourológico (avulsão ureteral), dificuldade
tado aos custos e à disponibilidade tanto de profissio- técnica ou instrumental.
nais e aparelho. A cirurgia percutânea anterógrada para O tratamento intervencionista para o cálculo urete-
cirurgia em cálculo ureteral proximal também é uma ral é individualizado. Apesar da orientação pelo algorit-
opção na falha da ureteroscopia ou LECO. mo, há situações de falta de equipamento e treinamento
Atualmente, a cirurgia aberta para remoção de cál- cirúrgico que podem interferir na escolha terapêutica.

43
Referências recomendadas
1. Segura JW, Preminger GM, Assimos DG, Dretler SP, Kahn RI, Lin- 3. Türk C, Petřík A, Sarica K, Seitz C, Skolarikos A, Straub M et al.
geman JE et al. Ureteral stones clinical guidelines panel summary EAU guidelines on interventional treatment for urolithiasis. Eur
report on the management of ureteral calculi. The American Urolog- Urol 2016 Mar;69(3):475-82.
ical Association. J Urol 1997 Nov;158(5):1915-21.
4. Noureldin YA, Elkoushy MA, Andonian S. Changes in urolithia-
2. Preminger GM, Tiselius HG, Assimos DG, Alken P, Buck AC,
Gallucci M et al.; American Urological Association Education and sis referral patterns for shock wave lithotripsy over a decade: was
Research, Inc.; European Association of Urology. Guideline for the there adherence to AUA/EAU guidelines? Current Urology April
management of ureteral calculi. Eur Urol 2007 Dec;52(6):1610-31. 2015;8(3):144-148.

44
SEÇÃO II
LAPAROSCOPIA E
ROBÓTICA

CAPÍTULO 6
Princípios básicos da
laparoscopia urológica

Bruno Diórgenis Bomfim Carneiro


Diego Moreira Capibaribe
Gabriel Neves Carneiro
com uma história meticulosa dos antecedentes pessoais,
Introdução
uso de medicações, exame físico pormenorizado com
A história da laparoscopia remonta desde 1901, ao se
avaliação de cicatrizes abdominais prévias. Pacientes
realizar um pneumoperitônio com uso de um cistoscópio e
com doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) grave
trocater em um cão pelo cirurgião alemão Georg Kelling.1
devem ser avaliados quanto a provas de função pulmo-
Nos últimos 25 anos houve um grande avanço nas téc-
nar, como espirometrias e gasometrias arteriais, além da
nicas minimamente invasivas da laparoscopia urológica.
necessidade eventual do uso de gás hélio. Arritmias car-
Em 1990, Ralph Clayman e colaboradores realizaram a
díacas graves devem ser compensadas previamente ao
primeira nefrectomia na Universidade de Washington
procedimento devido a possíveis exarcerbações clínicas
com sucesso.2 Com a disseminação da técnica em 1995,
secundárias a acidose causadas pelo uso de dióxido de
Winfield e colaboradores realizaram a primeira nefrecto-
carbono (CO2). No centro cirúrgico, dispositivos como
mia parcial videolaparoscópica,3 assim como nefrectomia
insufladores, câmeras, agulhas de Veress, fontes de luz,
para doador vivo por Kavoussi e colaboradores na Johns
ópticas e toda equipe médica devem ser checados para
Hopkins University.4
início da cirurgia.
O menor uso de analgésicos no pós-operatório, fator
As contraindicações ao procedimento laparoscópico
estético, retorno precoce às atividades laborais e curta
podem divididas em:
internação hospitalar encorajaram os cirurgiões, uma
Absolutas: coagulopatia não corrigida, obstrução in-
vez que a curva de aprendizado inicial era longa. Hoje,
testinal sem a intenção de tratamento cirúrgico, infecção
por exemplo, a nefrectomia radical videolaparoscópica significativa da parede abdominal, hemoperitônio maciço
é o padrão ouro nos casos em que não se é factível a ou hemorretroperitônio, peritonite generalizada e suspeita
cirurgia parcial.5 de ascite maligna.
Diversos outros mecanismos foram incorporados à Relativas: Obesidade mórbida, cirurgia abdominal
laparoscopia, como a cirurgia transluminal endoscópi- prévia extensa ou cirurgia pélvica, fibrose pélvica, or-
ca (Natural Orifice Transluminal Endoscopic Surgery - ganomegalias, ascites com conhecida etiologia benigna,
NOTES) ou cirurgia com portal único (Laparo-Endoscopic gestação, hérnias, aneurisma de artéria aorta ou ilíacas.
Single-Site - LESS), com o intuito de torná-las menos
invasivas, até o surgimento da plataforma Da Vinci, com
Acessos e dispositivos
a realização da primeira nefrectomia parcial robótica por
Os acessos podem ser tanto transperitoneais quanto
Getmman e colaboradores em 2004.6 Desde então, houve
extraperitoneais. O pneumoperitônio pode ser realizado
um crescimento muito acentuado da cirurgia videolapa-
por técnica fechada (agulha de Veress, com fluxo máxi-
roscópica assistida por robô, principalmente nos países
mo de 2L/min) ou aberta, principalmente em casos que
desenvolvidos, apesar dos elevados custos da técnica.7
apresentam cirurgias abdominais prévias (Hasson ou dis-
Revisão sistemática recente mostra, ao avaliar 44 estu-
positivos hand-assisted). O gás mais utilizado por sua ex-
dos, que embora a curva de aprendizagem possa variar
celente solubilidade, não combustão e custo é o CO2. O
entre os cirurgiões individuais, deve existir um consenso
gás hélio é menos solúvel do que o CO2, no entanto, deve
em relação ao número mínimo de casos para que se atin-
ser usado em casos com alto risco de hipercarbia. O óxido
ja a proficiência.8
nitroso pode ser usado, entretanto o mesmo tem alto risco
de combustão e embolia gasosa.
Indicações/Contraindicações Existe hoje uma infinidade de dispositivos que facili-
O termo de consentimento cirúrgico deve ser forne- tam a técnica laparoscópica como trocartes descartáveis
cido previamente ao procedimento para que o paciente (Figura 1) endotip entry, endocath bags, fios escamados,
possa ter acesso a todas as informações referentes à ci- trocartes balão (Figura 2), hemo-o-locks, colas biológicas,
rurgia à qual será submetido. O sucesso de uma cirurgia pinças de hemostasia ultrassônicas, silos ports para LESS
laparoscópica, assim como de qualquer cirurgia, se inicia (Figuras 3).

46
Princípios básicos da laparoscopia urológica

Figura 1.
Procedimentos
Prostatectomia radical videolaparoscópica
A cirurgia de prostatectomia radical laparoscópica foi
executada com sucesso pela primeira vez em 1997 por
Schuessler.9 Na sua série de nove pacientes, o procedimen-
to durava uma média de extensas 8 a 11 horas. Apesar de
apresentar resultados semelhantes à cirurgia aberta, não fo-
ram identificadas vantagens e o procedimento não ganhou
força no meio urológico. Avanços tecnológicos no campo
da ótica, equipamento de vídeo digital e de computadores,
levaram urologistas a reavaliar a prostatectomia laparos-
cópica. Dois urologistas franceses, Abbou e Guillonneau,
encabeçaram essa mudança e relataram sua técnica e ex-
periência.10,11 O tempo cirúrgico foi então diminuído para
mais aceitáveis 4 a 5 horas e taxas de margens positivas en-
tre 15% e 28%. A técnica foi então adotada mundialmente
Figura 2.
por diversos centros.

Indicações
As indicações cirúrgicas são idênticas à prostatec-
tomia convencional aberta. Contraindicações absolutas
incluem coagulopatias incorrigíveis e impossibilidade
de submeter-se a anestesia geral por comprometimento
severo cardiopulmonar.

Posicionamento
Após indução anestésica geral, o paciente é colocado
em posição de litotomia, para acesso ao períneo, ânus e
aproximação do suporte de vídeo. Os ombros são fixa-
dos com esparadrapo largo e acolchoamento para o tórax,
Figura 3.
como na foto (Figura 4).

Figura 4. Posicionamento.

47
Técnica transperitoneal Figura 6.
O cirurgião e segundo auxiliar devem permanecer à
esquerda do paciente, enquanto o primeiro auxiliar e o
instrumentador devem se posicionar à sua direita. O car-
rinho de vídeo é posicionado entre as pernas do paciente
e aproximado até o máximo, sem contaminar o campo. O
pneumoperitônio é confeccionado com agulha de Veress
ou pela técnica aberta de Hasson. Após punção de trocar-
ter inicial de 12 mm para a câmera, o gás é insuflado até
uma pressão entre 12 e 15 mmHg. Os demais trocartes são
posicionados sob visão laparoscópica formando um V in-
vertido, como na figura 5.
Figura 5.
Benefícios e dificuldades
de cada abordagem
Em um estudo retrospectivo de Hoznek12 foi aferi-
do menor tempo cirúrgico pela técnica extraperitoneal
(169,6 vs. 224,2 minutos, P < 0,001), devido ao tempo
economizado na confecção do espaço de Retzius. Tempo
até dieta completa foi menor na abordagem extraperito-
neal (1,6 vs. 2,6 dias, P = 0,002) devido ao peritônio ter
se mantido íntegro e minimizado o íleo paralítico. Eden13
em 2004 identificou benefícios semelhantes, acrescidos
de uma melhor taxa de continência, que atribui a menor
dissecção da bexiga e assim menor disfunção vesical. A
maioria dos estudos no assunto, no entanto, não demons-
trou diferenças no tempo cirúrgico e resultados periope-
ratórios entre as duas abordagens.14-17
A abordagem extraperitoneal minimiza o potencial de
lesão de alças intestinais e evita a entrada destas no cam-
Técnica extraperitoneal
po de visão, pois o peritônio rebatido serve como uma
Para uma abordagem extraperitoneal, uma incisão
barreira de proteção natural. Além disso, essa abordagem
infraumbilical é realizada e a dissecção é continuada até
mantém confinada ao espaço extraperitoneal a anasto-
a lâmina anterior da bainha do reto, que é então incisa- mose uretral e qualquer vazamento de urina que possa
da longitudinalmente. Dissecção digital é então realizada resultar.
caudalmente, deixando a musculatura para cima e o peri- Outro benefício da técnica extraperitoneal é a necessi-
tônio inviolado para baixo, até alcançar a sínfise púbica, ou dade de menor ângulo na posição de Trendelemburg. En-
pelo menos o mais próximo dela. Trocartes montados com quanto na abordagem transperitoneal é necessário algo em
balões específicos são colocados no espaço realizado e in- torno de 20-25 graus de declínio da mesa, na abordagem
suflados até aproximadamente 500 mL, sob direta visuali- extraperitoneal o procedimento pode ser feito com 10-15
zação laparoscópica, evitando excesso de dissecção e uma graus ou até mesmo sem alteração do ângulo da mesa,
possível lesão vascular lateralmente ou do colo vesical algo de extremo benefício em pacientes que não suportam
anteriormente. Os trocartes são então introduzidos como a posição declive ou em procedimentos mais demorados
descritos posteriormente, de forma semelhante. A cirurgia (Figuras 7 e 8). Uma limitação importante em relação à
é então realizada a partir desse ponto, da mesma exata ma- abordagem extraperitoneal é o espaço cirúrgico reduzido,
neira que a técnica transperitoneal (Figura 6). que é mais confortável na técnica transperitoneal.

48
Princípios básicos da laparoscopia urológica

Figura 7. Angulação da mesa na técnica de abordagem extraperitoneal.


Linfadenectomia pélvica
Ainda motivo de muito debate, a indicação de linfa-
denectomia, apesar de já definida, não determina ganho
de sobrevida de forma evidente, o que gera bastante
discussão sobre seus benefícios. É uma ferramenta de
estadiamento e permite início precoce de tratamento ad-
juvante nos casos positivos. Indicada em casos de neo-
plasias de risco intermediário ou maior, geralmente com
PSA total maior que 10, nódulo palpável, ou escore de
Gleason maior ou igual a 7. A linfadenectomia obturató-
ria ou limitada vem sendo abandonada e é dado lugar a
linfadenectomia estendida. O template mais comumente
utilizado envolve remoção dos linfonodos a partir de 2 cm
cranialmente à bifurcação dos vasos ilíacos, onde o ureter
Figura 8. Angulação da mesa na técnica de abordagem transperitoneal. cruza os vasos, até o linfonodo de Cloquet distalmente. A
margem lateral é composta pelo nervo genitofemoral e a
margem medial, pela parede vesical. Linfonodos pré-sa-
crais são comumente incluídos. Os vasos linfáticos devem
ser clipados ou cauterizados com energia bipolar ou bis-
turi ultrassônico.

Reimplante ureteral
Ureteroneocistostomia minimamente invasiva
A abordagem laparoscópica do reimplante ureteral é
uma alternativa já bem descrita e sedimentada, mas re-
quer bastante experiência laparoscópica e habilidade em
sutura intracorpórea. Em um esforço maior para reduzir
cicatrizes, as técnicas com sítio único de punção (LESS)
Manejo pós-operatório são atrativas do ponto de vista cosmético, mas extrema-
Nos casos de anastomose uretrovesical realizada sem mente desafiadoras do ponto de vista cirúrgico. A técnica
intercorrências, com teste negativo para vazamentos, uma laparoscópica robô-assistida traz os benefícios da cirurgia
semana de uso de sonda de Foley costuma ser o suficiente. minimamente invasiva, somados a ergonomia e facilidade
Em casos de anastomose difícil ou vazamento da anasto- na sutura.
mose, pode-se abrir mão de duas semanas de uso de son- Indicações: São incluídos nesta lista o refluxo vesi-
da vesical. O dreno deve ser removido quando menos de coureteral, obstrução e lesões ureterais. A obstrução ure-
100 mL de líquido for drenado e quando não houver dúvi- teral pode ser em consequência de litíase ureteral, etiolo-
das quanto a sua origem linfática. Se houver possibilidade gias inflamatórias, infecciosas, iatrogênicas e traumáticas,
de fístula urinária, tanto o dreno quanto a sonda vesical como também neoplasias malignas ou benignas. Quando
de demora devem ser mantidos até resolução do quadro. abordagens medicamentosas ou endoscópicas falham, o
A dieta pode ser iniciada logo que o paciente estiver bem reimplante está indicado.
acordado e sem queixas gástricas. Deambulação precoce
é orientado quando possível, para diminuição do risco de Lich-Gregoir ou técnica extravesical
tromboembolismo e trombose venosa profunda. Ativida- O posicionamento dos trocartes para o reimplante ure-
des normais diárias são possíveis logo após a retirada da teral laparoscópico pode variar, mas mantém o princípio
sonda vesical de demora, mas esforço físico intenso deve da triangulação com o alvo. Uma conformação possível é
ser adiado por 3 a 4 semanas. a demonstrada na figura 9, que demonstra a triangulação

49
com alvo em ureter esquerdo. Outra opção é a disposição A técnica segue os mesmos princípios da cirurgia aberta.
dos trocartes de forma semelhante a prostatectomia radical 1. O ureter é identificado medialmente ao ligamento
laparoscópica, que os coloca em um V invertido a partir do umbilical obliterado e o peritônio sobreposto é incisado
umbigo (Figura 10). e dissecado. 2. O ureter deve ser mobilizado até a sua
junção ureterovesical, preservando o tecido periureteral
Figura 9.
para não comprometer sua vascularização. 3. O ureter
deve então ser seccionado o mais próximo da bexiga e
espatulado. 4. Quando necessário, podemos optar pela
fixação mais alta da bexiga no músculo psoas, com um
fio não absorvível 2-0, conhecido como técnica de psoas
hitch, diminuindo assim a tensão na anastomose uretero-
vesical, nos casos em que a lesão ressecada for extensa.
5. A bexiga é então preenchida com solução salina e o
local de reimplante determinado. 6. Deve-se dissecar o
músculo detrusor até identificação da mucosa. Cuidado
deve ser tomado para não perfurar a bexiga antes do tem-
po, pois com a bexiga vazia é mais difícil a dissecção
do detrusor. 7. Um cateter duplo J é passado transcutâ-
neo guiado pelo cirurgião, sob visão laparoscópica. 8. O
ureter é então anastomosado no local selecionado com
sutura contínua ou interrompida.18-20
Grandes séries relatadas demonstram taxas de sucesso
de até 96%.21 Trabalhos comparando a técnica aberta com
a laparoscópica evidenciaram menor dor pós-operatória,
menor taxa de sangramento, estadia hospitalar, necessi-
dade de analgesia, tempo até dieta completa e tempo de
Figura 10. convalescença.22

Boari flap laparoscópico


O procedimento transcorre seguindo os mesmos prin-
cípios da cirurgia aberta, com confecção do flap de bexiga,
que será suturado de forma contínua sobre um stent urete-
ral, sem tensão (Figura 11).

Figura 11.

50
Princípios básicos da laparoscopia urológica

sivas, nos Estados Unidos, entre 1998 e 2009, impulsiona-


Pieloplastia laparoscópica da principalmente pela robótica, que acumulou 45,1% das
Diversas são as causas de estenose da junção urete-
pieloplastias realizadas em 2009.
ropélvica (JUP). Variam desde estenose congênita (mais
As indicações são semelhantes às utilizadas para cirur-
comum), presença de vasos anômalos (presente em 63%
gia endoscópica e aberta. As principais contraindicações
dos pacientes com estenose de JUP),23-25 litíase urinária,
são coagulopatias não corrigidas, impossibilidade de se
fibrose pós-operatória, estreitamento inflamatório ou neo-
submeter a pneumoperitônio (doenças cardiopulmonares
plasias. A abordagem laparoscópica transperitoneal é con-
proibitivas ao método) e infecções urinárias ativas.
siderada hoje em dia o “padrão ouro” para a realização da
A técnica transperitoneal clássica é a abordagem mais
pieloplastia. Com resultados semelhantes à cirurgia aberta,
apresenta diversos benefícios óbvios, como menor sangra- difundida. Outras técnicas como a retroperitoneal, extrape-
mento, morbidade, dor e tempo até retorno das atividades ritoneal anterior, laparoendoscópica de sítio único (LESS)
e bom resultado estético. e robô-assistida são também descritas. As diferentes abor-
dagens geralmente permitem a realização das diversas téc-
nicas existentes, como a desmembrada de Anderson-Hy-
Pieloplastia desmembrada nes, Y-V e Flap (Culp).
É o procedimento de escolha da maioria dos urologis-
tas, para tratamento da estenose de JUP, devido a sua apli-
cabilidade na maioria dos cenários encontrados. Permite Pieloplastia tranperitoneal
adaptação em casos de ureter com implantação alta, pelves laparoscópica
ou ureteres redundantes e permite correção nos casos de Na pieloplastia do lado esquerdo, o paciente vai ser
necessidade de transposição de vasos anômalos.26 Restri- colocado em uma posição semelhante à utilizada para ne-
ções à técnica existem nos casos associados a múltiplos frectomia esquerda. Decúbito lateral direito, com flexão
pontos de estenose, estenoses longas ou em pacientes com da mesa ou coxim lombar para extensão do flanco esquer-
pelves renais muito pequenas, intrarrenais ou inacessíveis. do. Os braços são posicionados transversais ao corpo e
Nesses casos, pieloplastias endoscópicas podem apresen- apoiados em travesseiro ou braçadeiras, em posição que
tar melhores resultados. não coloque tensão nas articulações. Um coxim pequeno é
colocado na axila direita para proteção do plexo braquial
Pieloplastia laparoscópica clássica e um coxim longo é fixado no dorso para manter o de-
Os primeiros casos datam de 1993, realizada por cúbito lateral sem queda para a posição supina. A perna
Schuessler e colaboradores,27 e desde então tem se apre- esquerda é estendida e a direita dobrada, com acolchoa-
sentado como uma opção cirúrgica cada vez mais indicada mento em todas as áreas de pressão, como calcanhares,
e reconhecida. É também reconhecida como um procedi- joelhos e quadril. Um suporte para a cabeça do pacien-
mento de alta complexidade técnica e de longa curva de te não deve ser esquecido, evitando assim lesão nervosa
aprendizado.28 Nas mãos de cirurgiões habilidosos e com ou muscular por hiperextensão do pescoço. O ângulo do
experiência na técnica, resultados bastante satisfatórios decúbito lateral pode ser entre 45 e 60 graus. O pacien-
podem ser atingidos, com taxas de sucesso além de 90%. te deve estar com sonda vesical de demora e com sonda
A plataforma robótica, com sua curva de aprendizado oro ou nasogástrica para esvaziamento do estômago, que
menor e maior mobilidade de pinças tende a encurtar o pode atrapalhar o campo de visão ou ser mais facilmente
tempo cirúrgico e facilitar os casos mais complexos, tor- atingido nas punções dos trocartes. O tronco é fixado com
nando a via minimamente invasiva, cada vez mais a esco- faixa ou esparadrapo largo, protegendo a pele de contato
lha do cirurgião. Jacobs e colaboradores29 demonstraram com a parte adesiva. As punções são também semelhantes
um aumento de 360% no uso de técnicas minimamente à nefrectomia. A confecção do pneumoperitônio pode ser
invasivas no tratamento da estenose de JUP, entre 2001 e realizada pela técnica de Hasson ou por punção com agu-
2009, parcialmente por conta da adoção da robótica nesse lha de Veress, em pacientes sem cirurgia abdominal prévia,
cenário, por diversos centros. De forma semelhante, Suku- entre 12 e 15 mmHg. A punção inicial para uso da ótica
mar e colaboradores30 identificaram um aumento de 2,4% (30 graus) pode ser no umbigo, ou paralelo a este, na borda
para 55,3% no número de pieloplastias minimamente inva- esquerda do músculo reto abdominal. As demais punções

51
são colocadas sob visão laparoscópica. Trocarte de 12 mm Modificação transmesentérica
na borda do reto abdominal, a 2-3 cm do rebordo costal, A técnica tem como benefício a menor mobilização do
trocarte de 5mm paralelo ao trocarte da ótica, no flanco cólon, com menor tempo cirúrgico e menor tempo até dieta
esquerdo, distando pelo menos 6-8 cm uns dos outros, em completa.31-34 O procedimento inicia-se pela dissecção di-
triângulo. Um trocarte extra de auxílio, de 5 mm, pode ser reta da pelve renal através do mesentério, ganhando tempo
colocado entre o trocarte do umbigo e o de 5 mm de tra- cirúrgico quando é evitada a dissecção do cólon. Deve-se
balho, numa posição mais inferior, próximo à fossa ilíaca evitar o uso de cateter duplo J antes do procedimento, pois
ou lateral ao trocarte do flanco, discretamente superior a este, ao diminuir a distensão da pelve renal, torna mais di-
esse. Na pieloplastia à direita, as punções são semelhantes, fícil a identificação do alvo. Pelves distendidas se apresen-
com o acréscimo de uma punção extra de 5 mm próximo tam com mais facilidade através do mesentério e afastam os
ao apêndice xifoide, para rebater o fígado cranialmente. vasos sanguíneos que por ali passam. Deve-se ter extremo
cuidado nesta técnica, para não lesar vasos do mesentério.
Técnica cirúrgica
1. Inventário da cavidade e lise de bridas. 2. Descola- Abordagem retroperitoneal
mento do fígado inferiormente e do ligamento triangular Posicionamento e colocação de trocartes é tambem se-
lateralmente e fixação cranialmente, nas pieloplastias a di- melhante ao procedimento de nefrectomia retroperitoneal.
reita. 3. Descolamento do cólon, que será rebatido medial- O paciente é posicionado em decúbito lateral e fixado à
mente até altura do hilo renal. 4. Identificação do ureter, mesa. O acesso se inicia pela técnica de Hasson até o retro-
que se encontra paralelo ao músculo psoas, agora visível, peritônio. Dissecção digital é realizada para colocação de
seguindo junto com os vasos gonadais. 5. Dissecção do balão dilatador. Sob visão laparoscópica o espaço é con-
trajeto do ureter até identificação da pelve renal, que deve feccionado e logo o ureter é identificado. São posicionados
ser liberada em toda sua circunferência, evitando exces- dois trocartes de trabalho, com a opção de mais um trocar-
so de uso do eletrocautério ou dissecção muito extensa do te de 5 mm de auxílio. Após identificação e dissecção do
ureter inferiormente. 6. Identificação do motivo da este- ureter até a pelve renal, os demais passos da cirurgia se
nose de JUP. Vasos polares anômalos? Estenose? Optar mantêm idênticos. O menor espaço de trabalho e poucas
pelo melhor reparo. 7. Na técnica desmembrada, deve-se referências anatômicas tornam o procedimento mais desa-
seccionar a pelve renal e o ureter, de forma a remover a fiador e deve ser executado por cirurgiões com experiên-
região estenosada, até uma área de aspecto sadio. No caso cia no retroperitônio. As vantagens são um menor risco de
de vasos anômalos, remover o mínimo possível de pelve e lesão de alças intestinais, menor tempo de progressão da
ureter. Dissecar cuidadosamente os vasos polares e evitar dieta e contenção de vazamentos no retroperitônio que se
a todo custo sua lesão, pois isso pode acarretar áreas de mantém inviolado.35-42
isquemia renal, uma vez que a circulação arterial é termi-
nal. 8. Após remoção da área doente ou transposição dos Laparoendoscopia por sítio único (LESS)
vasos aberrantes, deve-se dar início a anastomose. O fio Após a aceitação inquestionável dos métodos minima-
utilizado deve ser absorvível, 3-0 ou 4-0. Pode-se optar mente invasivos, LESS foi desenvolvida e aprimorada, no
por sutura contínua ou interrompida. 9. Antes do término intuito de diminuir ainda mais o trauma cirúrgico, morbi-
da sutura, quando se optar por implante de cateter duplo dade e melhorar os aspecto cosmético final.43 Diminuindo o
J, que é sempre a preferência do autor, o mesmo deve ocor- número de portais a apenas um, que pode ser introduzido no
rer da seguinte maneira. Uma punção com jelco 14 deve umbigo e permanecer escondido após síntese da pele, é uma
ser realizada no rebordo costal ipsilateral ao alvo e por ideia convidativa, mas vem associada com aumento da com-
dentro do cateter, passado o fio-guia, que deve ser guiado plexidade do procedimento, maior desafio técnico e curva
laparoscopicamente pelas pinças do cirurgião, até a bexiga de aprendizado. Uma incisão única de 2,5 a 3,0 cm é feita
do paciente. O cateter duplo J é então passado transcutâneo no umbigo e a confecção do pneumoperitônio realizada pela
até ficar visível saindo do ureter, apenas o loop. O fio-guia técnica de Hasson. Pinças curvas e articuladas diminuem as
é removido e o loop do cateter introduzido na pelve renal. colisões de pinças dentro da cavidade. A introdução da pla-
A sutura então pode ser completada. 10. Posicionamento taforma robótica à técnica diminui a curva de aprendizado e
de dreno é da opção de cada cirurgião. torna o procedimento mais factível tecnicamente.44-48

52
Princípios básicos da laparoscopia urológica

mesa para eventual modificação do ângulo. Um coxim pode


Adrenalectomia ser colocado paralelo e no dorso do paciente, ao longo do
Descrita pela primeira vez em 1992, por Gagner,49 é
corpo, geralmente indo do ombro à região lombar baixa,
considerada hoje o “padrão ouro” para os tumores benig-
para suporte da posição de inclinação a 60º, evitando que o
nos e tumores malignos selecionados. É uma opção se-
paciente tombe na posição supina. Os braços ficarão esten-
gura que apresenta menor morbidade, maior conforto ao
didos perpendiculares ao corpo, com devido cuidado contra
paciente e retorno precoce às atividades, benefícios esses
hiperextensão. A mesa pode ser flexionada para acentuar a
já reconhecidos pela literatura.50-60 As doenças da adrenal
extensão do tronco ipsilateral ao alvo e aumentar o espaço
são inúmeras e podem ser divididas em lesões benignas
de posicionamento dos trocartes em pacientes brevilíneos
funcionantes e não funcionantes, lesões malignas metas-
ou obesos. O pneumoperitônio é confeccionado através da
táticas e carcinoma primário da adrenal. A abordagem ci-
punção com agulha de Veress em pacientes virgens de cirur-
rúrgica de cada caso vai depender da etiologia, tamanho
gia abdominal, ou pela técnica de Hasson. Na abordagem
da lesão e experiência do cirurgião. Nos últimos anos, a
transperitoneal supina, para adrenalectomias bilaterais, ape-
abordagem cirúrgica na adrenalectomia foi profundamen-
te modificada devido à evolução da cirurgia laparoscópica sar do benefício do acesso às duas glândulas, sem neces-
pura e robô-assistida em Urologia. A cirurgia aberta ainda sidade de mudança de decúbito do paciente, apresentam o
mantém seu espaço nos casos de tumores avançados, de incoveniente da necessidade de maior dissecção e mobiliza-
tamanho proibitivo para abordagem laparoscópica ou em ção de alças e demais órgãos adjacentes.
locais onde é indisponível o material cirúrgico necessário
para abordagem laparoscópica. Abordagem transperitoneal esquerda
Indicações: Hiperaldosteronismo primário (síndrome
de Conn), síndrome de Cushing (quando excluída doença Posicionamento dos trocartes
hipofisária), feocromocitoma, incidentalomas (seguir cri- O trocarte da câmera pode ser posicionado de di-
térios de funcionalidade, tamanho e idade) e metástases versas formas, a depender da experiência e conforto do
(metástase única de tumor ressecável). cirurgião. Pacientes magros e brevilíneos podem ter sua
Contraindicações à cirurgia laparoscópica: São punção realizada justaposta ao umbigo, enquanto pacien-
semelhantes a qualquer outro procedimento pela via mi- tes longilíneos devem ser puncionados mais próximo ao
nimamente invasiva, como coagulopatias intratáveis e alvo, na linha pararretal, na altura do umbigo ou mais
impossibilidade de se submeter ao pneumoperitônio por próximo do rebordo costal, respeitando 1-2 cm de dis-
distúrbios cardiorrespiratórios. O tamanho da lesão é uma tância das costelas (Figura 12). Os demais torcartes são
contraindicação relativa, uma vez que vai depender da ex- posicionados sob visão laparoscópica, de forma triangu-
periência de cada cirurgião, apresentando como limite na lar, para evitar choque de mãos externamente e de pinças
maioria das séries, o tamanho entre 6-8 cm.61-67 internamente. O pneumoperitônio deve ser ajustado a 12-
15 mmHg.50,55,60
Adrenalectomia laparoscópica Figura 12.
via transperitoneal
A via transperitoneal dá ao cirurgião um maior e mais
confortável campo de visão para trabalho e visualização de
marcos anatômicos do que a via retroperitoneal. Deve-se
sempre que possível solicitar ao anestesiologista que passe
uma sonda orogástrica no paciente, para esvaziar o estô-
mago, diminuindo assim as chances de lesão do mesmo e
oferecendo maior campo cirúrgico e conforto ao cirurgião.
Na abordagem transperitoneal lateral do paciente, posicio-
namos o paciente em uma inclinação de aproximadamente
60º, na mesa, com acolchoamento nas áreas de pressão (joe-
lhos, calcanhares e plexo braquial) e fixação do paciente à

53
Técnica cirúrgica Técnica cirúrgica
1. O procedimento deve sempre ser iniciado pela visua- 1. O primeiro passo é sempre o inventário da cavidade
lização de todo campo cirúrgico, identificação de pontos para lesões inadvertidas na confecção do pneumoperitônio
anatômicos e lise de bridas que possam haver. 2. O passo e identificação e lise de bridas. 2. Liberação de aderências
seguinte deve ser a liberação do cólon esquerdo, com tra- na face inferior do fígado e do seu ligamento triangular,
ção suave, pela linha de Toldt, até o nível do pedículo re- da parede lateral do abdome. A pinça de afastamento do
nal e glândula adrenal. 3. Dissecção da fáscia de Gerota na fígado deve ser fixada na parede abdominal com cuidado
altura do hilo renal e identificação da veia renal esquerda. para não lesionar fibras do diafragma e levar a um pneu-
Essa dissecção pode se estender superiormente até liberação motórax, elevando o fígado na posição anterossuperior. 3.
do baço medialmente. Um bom parâmetro de liberação do Manobra de Kocher é realizada para exposição da segun-
baço é a visualização que o mesmo cai medialmente sem da porção do duodeno. 4. Dissecção cuidadosa da segun-
necessidade de tração, devido a gravidade e posicionamento da porção do duodeno vai expor a veia cava na altura do
do paciente. 4. Identificação da veia adrenal esquerda, tri- hilo renal direito. 5. Os demais passos do procedimento
butária inserida na borda cranial da veia renal esquerda, em seguem semelhantes a partir deste ponto, com a diferença
posição análoga à veia gonadal esquerda, que se apresenta de que a veia adrenal pode ser, eventualmente, tributária
inserida na borda inferior da veia renal. 5. Dissecção cui- da veia cava inferior e não da veia renal. O tipo de energia
dadosa da veia adrenal esquerda de suas porções anterior e utilizado nas dissecções é de preferência do cirurgião e da
posterior, para possibilitar colocação de clipes metálicos ou disponibilidade no local, mas damos preferência ao uso
de polímero. 6. A glândula deve ser tracionada elevando-a, de energia bipolar ou ultrassônica, pela maior segurança
para liberação das suas porções inferior e laterais, com cau- próximo de estruturas nobres como o hilo renal, veia cava
terização e ligadura de ramos arteriais provenientes da aorta, inferior, hilo esplênico e aorta (adrenalectomia esquerda).
artéria renal e/ou frênica inferior. 7. Dissecção e liberação
das aderências entre a adrenal e o rim esquerdo e sua Ge- Adrenalectomia laparoscópica
rota, com cuidado para não haver fratura e permanência de transperitoneal sem gás
fragmentos do espécimen, ou lesão dos órgãos adjacentes. O pneumoperitônio é associado a efeitos hemodinâ-
8. Ensacamento do produto da ressecção e remoção por um micos, metabólicos, neurológicos e humorais severos e
dos trocartes de 12 mm ao fim do procedimento. proibitivo em pacientes com doenças graves cardiopulmo-
nares. Giraudo descreveu em 200968 sua técnica de adrena-
lectomia laparoscópica sem uso de gás, com um aparelho
de suspensão da parede abdominal chamado de Laparoten-
Abordagem transperitoneal direita ser. Após confecção da distensão da cavidade peritoneal,
o procedimento de adrenalectomia transcorria de forma
Posicionamento dos trocartes
semelhante à técnica convencional.
Semelhante à adrenalectomia esquerda, com o acrés- O benefício principal advogado seria dar uma alternati-
cimo de um trocater lateral e superiormente no rebordo va a pacientes com contraindicação para pneumoperitônio,
costal direito, para tração do fígado (Figura 13). mantendo os benefícios da cirurgia minimamente invasiva.
Figura 13.
Abordagem retroperitoneal
É um procedimento desafiador para o cirurgião, mas
tem dentre seus benefícios o fato de manter inviolado o
espaço peritoneal, que assim geraria menor tempo de íleo
paralítico e risco de lesão de alça intestinal. Pacientes com
cirurgias abdominais prévias com violação de cavidade
peritoneal também se beneficiam da abordagem, principal-
mente quando a cirurgia prévia tem maior risco de ade-
rências, como em casos de abdome agudo inflamatório ou
traumático. Ausência de pneumoperitônio durante o proce-
dimento retroperitoneal beneficia pacientes com condições
pulmonares ou hemodinâmicas que poderiam ser agrava-

54
Princípios básicos da laparoscopia urológica

das pelo procedimento transperitoneal. Uma grande des- Técnica cirúrgica


vantagem do procedimento é o espaço cirúrgico bastante
1. Dissecção medial levará a identificação da aorta,
diminuído e a falta de marcos anatômicos e retroperitônios
que pode ser identificada pela pulsação e curso paralelo
ricos em gordura, podem tornar mais difícil a dissecção
ao músculo psoas. 2. A artéria renal é identificada pri-
por cirurgiões sem muita experiência com o retroperitô-
meiro devido a sua posição mais posterior no hilo re-
nio e em cirurgias de tumores maiores. O risco tende a ser
nal. A dissecção da sua porção superior levará até a veia
maior de lesão de alça apenas durante o posicionamento
adrenal esquerda. 3. Esta é então clipada e seccionada.
dos trocartes, devido ao pequeno espaço determinado para
4. Bisturi bipolar ou harmônico podem ser utilizados na
punção dos mesmos.69 A abordagem retroperitoneal pode
ser lateral ou posterior. Na posição lateral do paciente, em irrigação arterial proveniente dos ramos já menciona-
casos de conversão para cirurgia aberta, não há necessi- dos, mobilizando a face medial da glândula. 5. As de-
dade de reposicionamento do paciente, diferentemente da mais porções da glândula são então dissecadas do polo
posição prona (posterior), porém, na adrenalectomia bila- renal superior. A adrenalectomia direita é executada de
teral, a última apresenta vantagem pelo mesmo aspecto. forma semelhante, seguindo o curso da veia cava infe-
rior, ao invés da aorta.
Posicionamento e colocação de trocartes
O paciente é posicionado em posição lateralizada se- Adrenalectomia posterior retroperitoneal
melhante à posição clássica de lombotomia e fixado na Abordagem interessante nos casos de adrenalectomia
mesa. Um coxim no dorso do paciente ajuda a mantê-lo bilateral, devido a conveniência de não precisar mudar o
em posição. Acolchoamento deve ser colocado em todos decúbito do paciente. O paciente é colocado em posição
os pontos de pressão, como calcanhares, joelhos e ombros. pronada (decúbito ventral), semelhante a via lombar pos-
Evitar hiperextensão de articulações e manter a cabeça do terior aberta.
paciente bem apoiada a todo momento. Uma incisão de
1-2 cm deve ser feita na ponta da 12ª costela e abaixo da Laparoendoscopia por sítio único (LESS) e
11ª, transversal e dissecados os planos até a aponeurose, cirurgia por orifícios naturais (NOTES)
pela técnica de Hasson. A aponeurose é então incisada e Apesar de desafiadoras, as cirurgias por sítio único
os músculos subjacentes divididos até identificada a fáscia (LESS), apresentam um apelo cosmético que não pode ser
lombodorsal. Esta é então incisada e com dissecção digital descartado facilmente. Incisão única transumbilical pode
cranial, deve ser identificada a porção posterior da 11ª e ser um atrativo poderoso para mulheres em idade jovem.
12ª costelas superiormente e a crista ilíaca inferiormen- Esta técnica pode ser reproduzida pela via transperitoneal
te. Um espaço deve ser confeccionado de forma romba, e retroperitoneal.
mantendo o músculo psoas posteriormente e a fáscia de É recomendada para lesões benignas de tamanho re-
Gerota anteriormente e o peritônio medialmente. Com um duzido devido à posição tangencial ao alvo, comprome-
balão de dissecção, o espaço retroperitoneal é expandido timento da mobilidade e da triangulação das pinças, que
sob visão direta laparoscópica. Um trocarte de 5 ou 10 mm tornam o procedimento mais demorado e complexo. As
é posicionado no ângulo entre o músculo paraespinhal e cirurgias por orifícios naturais (NOTES) geralmente uti-
a origem da 12ª costela. Outro trocarte de 5 ou 10 mm é lizam o esôfago, estômago, vagina ou reto como sítios de
colocado a aproximadamente 4 cm ou dois dedos das mãos entrada. Ainda são consideradas experimentais e necessi-
paralelos, da crista ilíaca anterossuperior (Figura 14).
tam de maiores avanços antes de se tornarem uma opção
Figura 14. cirúrgica recomendável.

Complicações
As complicações mais comuns envolvem sangramento
intra e pós-operatório, lesão de órgãos adjacentes, eventos
cardiovasculares, tromboembólicos, infecção de parede e
hérnia em sítios de punção.70-73 Quanto menor a experiên-
cia da equipe, maior índice de massa corporal do pacien-
te e nos casos de feocromocitomas, maior será o risco de
complicações.

55
Nefrectomia radical Nefrectomia esquerda
videolaparoscópica 1- Inicia-se com a incisão da fáscia de Toldt desde o
cruzamento dos vasos ilíacos até o ligamento esplenorrenal
A nefrectomia radical laparoscópica é hoje uma reali-
com exposição da fáscia de Gerota. 2- Liberação do liga-
dade em diversos serviços de urologia e, por vezes, porta
mento esplenocólico com exposição da fáscia de Gerota, as-
de entrada do jovem urologista nos procedimentos laparos-
sim como músculo diafragmático. 3- Identificação do plano
cópicos. Múltiplos estudos tem demonstrado que cirurgias
entre o mesentério do cólon esquerdo e a fáscia superficial
renais laparoscópicas possibilitam melhores resultados em
anterior da Gerota. 4- Identificação da veia gonadal e ureter
recuperação pós-operatória (tempo de internação, sangra-
esquerdos com manuseio cuidadoso dos mesmos até o hilo
mento, efeito estético), comparados à cirurgia aberta.74
renal, uma vez que a gonadal esquerda drena na veia renal,
Para as nefrectomias radicais videolaparoscópicas te-
tendo o músculo psoas como referência.
mos as seguintes indicações: tumores renais maiores que 7
cm, porém não há um consenso sobre qual volume tumoral Nefrectomia direita
limítrofe para o procedimento laparoscópico, sendo que 1- Liberação do cólon ascendente até o ligamento trian-
até mesmo casos com trombose de veia cava de pequena gular hepático via incisão da fáscia de Toldt. 2- Exposição
monta podem ser realizados a depender da experiência do da veia cava após liberação da segunda porção duodenal
cirurgião. Contraindicações: além de todas as contraindi- (manobra de Kocher). 3- Identificação da veia gonadal e
cações descritas, presença de volumosa trombose tumoral ureter direito usando o músculo psoas como referência.
de veia cava e tumores muito extensos > 10 cm. À direita, após a liberação do duodeno, a face medial da
veia renal e da veia cava apresentam-se praticamente dis-
Técnica cirúrgica
secadas. Uma janela logo acima da veia cava, junto a veia
Após cuidadoso posicionamento do paciente em decú-
renal, é aberta para localização do músculo psoas maior e
bito lateral que varia de 45 a 90 graus contralateralmente identificação da artéria renal.
ao rim a ser operado com fixação adequada junto a mesa Múltiplas artérias devem ser clipadas antes da ligadu-
cirúrgica para evitar deslocamento durante a mobilização. ra da veia renal. A realização da adrenalectomia, quando
Atenção a todos os pontos de contato do paciente para evitar indicada, deve ser realizada após o controle do hilo renal.
queimaduras, lesões de plexos ou ulcerações. O posiciona- O tecido adiposo que contém o ureter e a veia gonadal é
mento dos portais é algo muito importante e varia de acordo dissecado e seccionado a critério do cirurgião e, então, são
com o rim a ser operado. Entretanto, pontos básicos devem clipados e seccionados. Com o rim todo liberado de sua face
ser levados em consideração como: portal óptico posicio- anterior e do músculo psoas, resta somente a liberação da
nado a aproximadamente 6 cm da linha média abdominal e face posterior, junto à parede abdominal. O rim é coloca-
paralela ao músculo reto abdominal para não causar injúria do em saco próprio para retirada do espécimen. A incisão
aos vasos epigástricos. Dois outros portais de 12 mm devem para exérese da peça fica a critério do cirurgião. Utilizamos
ser posicionados 1 cm abaixo do rebordo costal e local da habitualmente uma incisão de Pfannenstiel ou Gibson. O
inserção da agulha de Veress, obedecendo sempre o princí- morcelamento não deve ser realizado devido ao risco de
pio da triangulação, uma vez que será introduzido aplica- ruptura do saco extrator e disseminação tumoral, além da
dor de clipes de polímero grande ou stapler vascular. Para possibilidade de implante nos portais. A adrenalectomia
as nefrectomias direitas um outro portal de 5 mm deve ser associada a nefrectomia radical não deve ser realizada de
locado 1 cm abaixo do apêndice xifoide para afastamento forma imperiosa, a menos que se tenha um exame de ima-
hepático após liberação do ligamento hepatorrenal. Outros gem que demonstre um acometimento claro da mesma, uma
portais de 5 mm podem ser alocados de acordo com a neces- vez que o mais importante é o tamanho tumoral e não sua
sidade do cirurgião e uso de dispositivos como aspiradores, topografia.75 Não há consenso em termos da realização da
por exemplo, respeitando sempre a ergonomia e conforto da linfadenectomia e sua extensão. Revisão recente demonstra
equipe médica. O cirurgião fica em posição mais cefálica benefício em procedimentos estendidos nos pacientes T3/
em relação ao auxiliar nos procedimentos à esquerda, e ao T4 e com comemorativos de alto risco como presença de
contrário nas nefrectomias à direita. Isto garante que a mão alto grau histológico de Furhman, variação sarcomatoide.
dominante esteja sempre de frente para o órgão. Pacientes T1/T2 sem adenopatias clinicamente detectáveis

56
Princípios básicos da laparoscopia urológica

ou comemorativos clínico-patológicos de alto risco não se da global em pacientes submetidos a nefrectomia parcial
beneficiaram da linfadenectomia.76 A drenagem da cavidade laparoscópica versus aberta quando ajustados para idade,
é feita de rotina com dreno de aspiração e os portais de 10 sexo, raça, índice de Charlson-Romano, tamanho do tu-
mm e 12 mm devem ser fechados. mor, hipertensão, taxa de filtração glomerular.81 O uso ou
Em casos selecionados ou em que o cirurgião não é não do clampeamento do pedículo renal durante a nefrec-
tão experiente ou se prevê uma dissecção difícil, pode- tomia parcial laparoscópica não mostrou benefícios em
-se realizar a técnica Hand-Assisted com uso ou não de termos de taxa de filtração glomerular ou evolução para
dispositivos com o Hand port para melhor controle tátil. doença renal crônica.82 Inclusive a técnica com isquemia
Outro ponto importante é um controle de sangramentos zero é descrita. A melhora real dos resultados funcionais
em casos de emergência médica. O posicionamento da renais com a diminuição do tempo de isquemia quente ain-
mão varia de acordo com a lateralidade a ser operada, da não está resolvida. Estudos avaliam, em sua maioria,
sempre usando a mão esquerda intracavitária e a direita a quantidade de parênquima renal preservado, mas não o
para dissecção. A peça é retirada pela incisão realizada tipo ou a duração da isquemia, o que torna esse tópico ain-
para o dispositivo. da controverso na literatura.83,84
Outra forma de abordagem é com o single-port ou
LESS que visa melhorar ainda mais os efeitos cosméticos Técnica transperitoneal
das múltiplas incisões ao locar todos os portais em um úni- 1. Colocação de cateter ureteral via cistoscópica uma
co sítio operatório. vez que o uso de azul de metileno no sistema coletor auxi-
lia na visualização de danos. Esse procedimento pode ser
dispensado em casos de tumores exofíticos ou baixo risco
Nefrectomia parcial de comprometimento do sistema coletor. 2. O posiciona-
videolaparoscópica mento do paciente, assim como pneumoperitônio e portais
Existem hoje diversas formas de abordagem e manejo são semelhantes aos da nefrectomia radical. 3. A liberação
das massas renais clinicamente localizadas com suspeitas do cólon deve ser realizada com a exposição da fáscia de
de câncer, incluindo vigilância ativa, ablação térmica e Gerota. Mediante isso, a fáscia de Gerota é aberta com a
nefrectomia radical ou parcial. Segundo revisão sistemá- identificação e isolamento do tumor. Em casos duvidosos ou
tica e meta-análise recente com 107 estudos a sobrevida difíceis tecnicamente o uso do ultrassom em campo cirúrgi-
global e câncer-específica são semelhantes entre as mo- co deve ser empregado. 4. Deve-se isolar os vasos hilares e
dalidades, tendo a ablação melhores resultados periopera- realizar o clampeamento seletivo com pinça de bulldogs ou
tórios e a nefrectomia radical piores resultados em termos satinsky dos mesmos. Anteriormente a isso uma hidratação
de doenças renais crônicas.77 Não há diferenças em termos vigorosa e uso do manitol 12,5 g devem ser empregados.
de sobrevida global, câncer-específica ou recidiva tumoral Um adequado campo cirúrgico diminui as margens posi-
nas nefrectomias radicais ou parciais em tumores maiores tivas tumorais e lesões do sistema coletor. 5. Com uso de
do que 4 cm.78 Revisão recente da literatura que avalia a tesoura laparoscópica fria de Metzenbaum realiza a exérese
importância do conhecimento preciso da anatomia renal da lesão, devendo ser essa etapa a mais breve possível para
e, assim, como de técnicas de controle vascular e escores o não prolongamento do tempo de isquemia, e é feito o fe-
renais são essenciais para preservação de margens livres e chamento do leito cirúrgico, após minuciosa avaliação de
minimizar os danos secundários a isquemia prolongada.79 tumor residual ou abertura do sistema coletor, que pode ser
A disseminação dos métodos de imagem provocou uma realizado com sutura contínua ou separada com uso de fio
mudança nos paradigmas no que tange ao tratamento dos absorvível e clamps de polímeros. 6. Realiza-se a liberação
tumores renais. Em um passado não distante os nódulos dos vasos hilares e fechamento da fáscia de Gerota.
ou massas renais eram tratados sempre com nefrectomia
radical. Hoje se consegue precisamente, via estudo em Técnica retroperitoneal
3D, visualizar toda trama arterial renal e até mesmo fazer Segundo meta-análise recente85 não há diferença em
um clampeamento superseletivo causando menos danos termos de resultados funcionais entre as técnicas retro ou
ao rim. A laparoscopia é, sem dúvidas, um método segu- transperitoneal. Aliado a isso, o controle hilar é precoce e
ro, menos mórbido e esteticamente melhor comparado a não há necessidade de mobilização intestinal o que adianta
técnica convencional.80 Observa-se benefício de sobrevi- sobremaneira a alta hospitalar.

57
Indicações está mais ambientada e afeita a este método terapêutico
minimamente invasivo, o que tem levado a uma expansão
• Nefrectomias parcias ou radicais levando-se em con-
vigorosa da laparoscopia urológica. Os notórios ganhos,
ta o volume tumoral
sob diversos aspectos clínicos, devem nos manter ritmados
• Marsupialização de cisto renal na manutenção e crescimento dessa técnica.
• Pieloplastia
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60
SEÇÃO II
LAPAROSCOPIA E
ROBÓTICA

CAPÍTULO 7
Princípios da cirurgia
robótica, aplicações atuais
e perspectivas futuras
Rafael Ferreira Coelho
Paulo Afonso de Carvalho
é ideal para o caso de cirurgias em viagens espaciais
Introdução e para remover os cirurgiões especializados do campo
A incorporação de tecnologia é um evento essencial
de batalha em guerras, de tal maneira que os protótipos
para modernização e evolução de uma sociedade. É as-
originais foram criados para fins militares. O princípio
sim nos seus mais diversos setores, que vão de logística,
básico envolve o controle de três (ou quatro) braços ro-
comunicação, transporte, produção agrícola e industrial,
bóticos por um cirurgião sentado em um console. O sis-
aeroespacial, militar e obviamente na medicina.
tema tem três componentes: (a) o console manipulado
Dentro desta realidade, a tecnologia robótica ingres-
pelo cirurgião, (b) um componente que fica ao lado do
sou na prática clínica de forma contundente, propondo
paciente contendo os braços robóticos e (c) um “set” de
minimizar a invasibilidade que um procedimento ci-
processamento de imagem (Figura 1). O console con-
rúrgico clássico gera a um paciente, diminuindo stress
tém os manipuladores mestres que controlam os braços
operatório, incisões de acesso cirúrgico e sangramento.
robóticos, os suprimentos de imagem e pedais para con-
Adicionalmente, a cirurgia assistida por robô objetiva
trole da câmera e manipulação dos instrumentos (Figura
suplantar as limitações da cirurgia laparoscópica conven-
2). Os controles disponíveis no console convertem os
cional como:
movimentos dos dedos e punho em sinais elétricos, que
1. Falta de coordenação entre olhos e mãos; são traduzidos em movimentos dos braços robóticos no
2. Falta de percepção de profundidade; campo operatório, controlando a câmara e instrumentos
3. Realização de movimentos não intuitivos; cirúrgicos.
Estes instrumentos são articulados, apresentando
4. Amplificação de tremores manuais;
sete graus de liberdade e dois graus de rotação axial
5. Graus de liberdade de movimentação limitados
associados a controle de tremor. O sistema gerador de
quando comparada com cirurgia aberta;
imagem dispõe de duas unidades de controle de câmera
6. Fadiga cirúrgica. e duas fontes de luz que são sincronizadas para proje-
Atualmente, a única plataforma robótica disponível tar uma imagem estereoscópica no console do cirurgião
para prática clínica em nosso meio é o “da Vinci®” da (Figura 3). A câmera oferece assim uma visão tridimen-
Intuitive Surgical Inc. (Sunnyvale, CA). Um sistema sional verdadeira com aumento de 6-15 vezes do cam-
que se baseia na realização de uma “cirurgia telepre- po cirúrgico, características que permitem contornar as
sente” na qual o cirurgião é capaz de realizar o proce- seguintes limitações da cirurgia laparoscópica conven-
dimento situado em um local remoto, com a utilização cional. Abaixo segue um resumo dos benefícios que a
do chamado “sistema mestre-escravo”. Este conceito tecnologia robótica oferece.

Figura 1. Sistema robótico “da Vinci Si”. Figura 2. Console do sistema


robótico “da Vinci Xi”.

62
Princípios da cirurgia robótica, aplicações atuais e perspectivas futuras

Figura 3. Sistema óptico duplo para captação de imagem. No Brasil, já existem 25 programas com plataformas
robóticas instaladas e em funcionamento. Deste total, 20
estão na Região Sudeste (11 na cidade de São Paulo, 6
no Rio de Janeiro, 1 em Belo Horizonte, 1 em Barretos e
outra em Santo André), o restante está nas regiões Sul e
Nordeste. Quando analisamos a distribuição dos procedi-
mentos por área médica no nosso país, identificamos que
a especialidade que mais emprega a técnica robótica é a
urologia. Dados nacionais ilustrados na demonstram que
em 2015 os procedimentos urológicos foram responsá-
veis por 61,7% do total de cirurgias robóticas realizadas,
provavelmente porque os urologistas foram os pioneiros
no aprendizado da tecnologia através de programas bem
Posição da cirurgia robótica estabelecidos de treinamento em centros internacionais
no Brasil e no mundo e porque a prostatectomia robótica é uma cirurgia mui-
Os benefícios da cirurgia robô-assistida vêm progres- to bem estabelecida. Ainda na figura 5, fica evidente o
sivamente entusiasmando a comunidade médica, que pau- aumento constante de procedimentos robóticos ao longo
latinamente vem se dedicando ao treinamento para sua do tempo, com uma perspectiva para 2016 de 3.314 cirur-
manipulação. gias, número que demonstra um aumento consistente no
Hoje, a distribuição de plataformas robóticas ainda se mercado nacional.
concentra nos EUA, porém outros centros vêm incorpo-
rando esta tecnologia com instalação de robôs em diversos Figura 5. Distribuição de cirurgias robóticas por especialidade.
locais do mundo (Figura 4). Yearly Procedure Evolution

3.000
Proc Level 2.924
Cardiac
Figura 4. Distribuição de plataformas robóticas no mundo. Other 346
2.500 Thoracic
Proc Actual + RR

Head & Neck 2.058 639


2.000 Gynecology 227
1.841
General Surgery
1.403 208
1.500 Urology 480
390
1.000 353
710 1.804

500 450 1.274 1.125


857
310 482
0
2011 2012 2013 2014 2015 2016

Proc Level 2011 2012 2013 2014 2015 2016

Urology 310 482 857 1.274 1.804 1.125

General Surgery 84 108 353 480 639 390

Gynecology 42 64 131 227 346 208

da Vinci da Vinci da Vinci Grand


da Vinci Head & Neck 2 45 53 58 85 38
S Si Xi total
Asia Direct 4 92 159 45 300 Thoracic 5 7 5 14 43 39

Distributor 44 93 317 94 548


Other 37
EU Direct 14 73 250 82 419
Cardiac 7 4 4 5 7 4
US 41 110 1.820 498 2.469

Grand Total 103 368 2.546 719 3.736 Grand Total 450 710 1.403 2.058 2.924 1.841

63
Figura 7. Posição de decúbito 45º com quebra da mesa para acesso
Princípios técnicos gerais transperitoneal do retroperitônio.

Contraindicações
Segundo Campbell, as principais contraindicações para
a cirurgia laparoscópica robô-assistida são:
1. Incapacidade técnica da equipe cirúrgica;
2. Peritonite generalizada;
3. Coagulopatia incorrigível;
4. Doença pulmonar obstrutiva crônica severa;
5. Ascite de origem oncológica;
6. Obstrução intestinal;
7. Hemoperitônio ou hemorretroperitônio;
8. Hérnia diafragmática (relativa); 3. Inserção dos portais: após a confecção do pneu-
9. Gravidez (relativa); moperitônio com agulha de Veress ou com de forma
10. Obesidade mórbida (relativa); aberta, inserimos um trocater de 12 mm que é o por-
11. Aneurisma de aorta ou ilíaca (relativa);
tal da câmera. A colocação dos portais subsequentes
12. Fibrose pélvica importante ou presença de inúme-
dependerá da cirurgia realizada; na sequência ilustra-
ras cirurgias prévias (relativa);
remos a disposição de portais para prostatectomia e
13. Organomegalia (relativa).
nefrectomia (Figuras 8 e 9).
Etapas operatórias 4. Docking ou acoplamento: nesse momento, o carri-
Após ter optado por realizar uma cirurgia videolaparos- nho com braços robóticos é aproximado do paciente
cópica robô-assistida, alguns passos perioperatórios devem e são acoplados aos portais (Figura 10). Subsequen-
ser respeitados: temente, o instrumental de trabalho escolhido é en-
1. Preparo pré-operatório: a maioria dos procedi- caixado (tesoura, Maryland, porta-agulha ou outro) e
mentos urológicos que serão realizados com tec- o equipamento fica pronto para ser utilizado.
nologia robótica dispensa preparos específicos.
Figura 8. Posicionamento dos portais para prostatectomia robótica.
Basicamente orientamos dieta líquida sem resíduos
na antevéspera, jejum de oito horas, tricotomia, an-
tibiótico profilático na indução anestésica e passa-
gem de sonda nasogástrica.
2. Posicionamento do paciente: o posicionamento do
paciente dependerá da cirurgia realizada. A seguir, se-
rão apresentadas algumas figuras com as posições mais
comumente utilizadas pelo urologista (Figuras 6 e 7).

Figura 6. Posição de litotomia com Trendelenburg para acesso da região pélvica.

64
Princípios da cirurgia robótica, aplicações atuais e perspectivas futuras

Figura 9. Posicionamento dos portais robóticos para nefrectomia robótica: ponde à grande maioria de procedimentos e inclui
a) lado esquerdo e b) lado direito.
todas as cirurgias já realizadas pela via laparoscópi-
ca convencional.
• Prostatectomia radical;
• Prostatectomia simples para hiperplasia prostática
benigna;
• Nefrectomia radical/total ou parcial;
• Nefroureterectomia radical;
• Cistectomia radical com conduto ileal intracorpó-
reo;
• Adrenalectomia;
• Linfadenectomia pélvica ou de retroperitônio;
• Ureterolitotomia/pielolitotomia;
• Reimplante ureteral (intra e extravesicais – co-
mum na população pediátrica);
• Pieloplastia (comum na população pediátrica);
• Pielostomia e ureteroureterostomia (comum na
população pediátrica);
• Confecção de ileocitoplastia ou Mitrofanoff.
Como podemos notar, a cirurgia robótica permite ao
urologista uma vasta área de atuação: uro-oncologia, litía-
Figura 10. Acoplamento de braço robótico em trocater (single port).
se, uropediatria, afecções da adrenal, derivações urinárias,
entre outras.
A seguir descreveremos sumariamente alguns aspectos
dos procedimentos mais comuns em urologia.

Prostatectomia radical robô-assistida


A prostatectomia radical é a principal opção terapêuti-
ca para tratamento do câncer de próstata localizado.
Até 2016, todos os estudos comparando a técnica ro-
bótica com a prostatectomia radical retropúbica eram re-
trospectivos e com limitações. Os principais parâmetros
avaliados neles como: sangramento, necessidade de trans-
fusão, tempo de internação parecem ter uma tendência de
resultados favoráveis para a cirurgia robótica.
Principais aplicações em urologia Ficarra e cols., em meta-análise comparando a potên-
A tecnologia robótica permite ao urologista realizar cia sexual e recuperação da continência entre a abordagem
robótica e a cirurgia retropúbica, identificaram em um se-
uma gama enorme de procedimentos. De maneira didáti-
guimento de 12 meses que a recuperação da função sexual
ca podemos dividi-los em duas categorias:
(OR: 2.84; p = 0,002) e a preservação da continência uri-
1. Microcirurgia: em que incluímos a vasovasoanasto- nária (OR: 1,53; p = 0.03) eram melhores em pacientes
mose de deferente, vasoepididimostomia (também submetidos à cirurgia robótica.
para reversão de infertilidade) e microdenervação Novarra e cols., avaliando a taxa de complicações
testicular para tratamento de orquialgia; entre as técnicas, também em meta-análise, verificaram
2. Cirurgia laparoscópica robô-assistida: que corres- uma taxa de sangramento (OR: 7.55; p < 0,00001) e

65
transfusão menores (OR: 2,55, p < 0,00001) para cirurgia mesmos tempos dos cirurgiões mais experientes. Quan-
robótica. do comparamos estes números com o número necessário
Em 2016, Yaxley e cols., publicaram o primeiro es- para aprendizado da nefrectomia parcial laparoscópica
tudo prospectivo sobre o assunto, com um follow-up de disponível na literatura (existem trabalhos que citam até
12 semanas. Nele, não houve diferença estatística entre 500 casos necessários), a curva de aprendizado da nefrec-
as duas técnicas cirúrgicas quando foram analisados os tomia parcial robótica é muito mais curta do que a mesma
resultados relacionados à função urinária (p = 0,48), fun- cirurgia por via laparoscópica convencional.
ção sexual (p = 0,18) e margens cirúrgicas (p = 0,21). Na maior série multi-institucional publicada, com-
Entretanto, quando avaliamos outros parâmetros, perce- parando 129 pacientes que se submeteram à NPRA com
bemos o benefício da cirurgia robótica com menor tempo 118 pacientes que se submeteram a NPL, Benway et al.,
de cirurgia (p < 0,0001), menor taxa de sangramento – demonstraram menor tempo de isquemia quente médio
cerca de 3 vezes menos (p < 0,0001), uma tendência para (19,7 vs. 28,4 min, respectivamente – p < 0,05), menor
menos complicações, embora sem diferença estatística (p sangramento médio estimado (155 vs. 196 mL - p < 0,05)
= 0,052) e um maior número de linfonodos ressecados (p e menor tempo de internação (2,4 vs. 2,7 dias - p < 0,05)
< 0,05). Esse estudo tem limitações, uma delas é o curto para a NPRA; o tamanho médio do tumor (2,8 vs. 2,5 cm,
tempo de follow-up e o fato de que cada braço do estudo respectivamente) e o tempo operatório médio (189 vs. 174
foi operado por um cirurgião, o que dificulta a validação min) foram similares entre os grupos. As taxas de transfu-
externa destes dados. Para tentar contornar estas limita- são de sangue para NPRA e NPL foram 1% e 2%, respec-
ções, o grupo de Uro-Oncologia do Instituto do Câncer tivamente. Ambos os grupos também tiveram baixas taxas
do Estado de São Paulo (ICESP) está conduzindo um es- de conversão, (1,6% no grupo da NPRA contra 4,5% no
tudo prospectivo que em breve fornecerá novas informa- grupo LPN).
ções sobre o assunto. Hoje, os dados disponíveis na literatura evidenciam
que a NPRA tem resultados superiores à NLP quando ci-
Nefrectomia parcial robô-assistida rurgiões igualmente experientes realizam o procedimento.
A nefrectomia parcial robô-assistida (NPRA) surgiu
com o objetivo de superar as barreiras técnicas e a curva de Cistectomia radical robótica
aprendizado inerentes à nefrectomia parcial laparoscópica A cistectomia radical é a principal opção de tratamento
(NPL) pura no tratamento de lesões sólidas renais. do câncer de bexiga músculo invasivo.
Os relatos iniciais descrevendo as primeiras experiên- A urologia tem abraçado a cirurgia minimamente in-
cias institucionais com nefrectomia parcial assistida por vasiva para diminuir o impacto do tratamento da doença
robô não conseguiram identificar vantagens tangíveis so- nos pacientes, o que foi claramente visto pela mudança na
bre uma abordagem laparoscópica tradicional em termos abordagem da nefrectomia radical e parcial e na prosta-
de parâmetros operatórios e resultados iniciais. No entan- tectomia radical. Esta tendência também foi seguida para
to, conforme a experiência amadureceu e à medida que a cistectomia radical, mas o seu crescimento é mais lento,
a técnica foi refinada, as análises mais contemporâneas pois o procedimento é mais desafiador.
começaram a demonstrar notáveis melhorias nos parâme- Com a introdução do sistema “da Vinci”, o número
tros operatórios, mesmo para as massas renais desafia- de cistectomias robóticas vem crescendo com sucesso.
doras, ao mesmo tempo em que demonstram excelentes Alguns aspectos técnicos e fisiológicos podem poten-
resultados funcionais e oncológicos e morbidade mínima cialmente se traduzir em diminuição da morbidade para
e com curvas de aprendizado melhores do que aquelas os pacientes. O pneumoperitônio, que diminui a perda de
apresentadas na cirurgia laparoscópica convencional. sangue e perdas menos insensíveis devido a um abdome
Mottrie, avaliando o papel da curva de aprendizado em fechado, resultando em diminuição dos deslocamentos de
cirurgiões com diferentes tempos de experiência na ci- fluidos. Uma incisão menor e menos lesão por retração na
rurgia robótica sobre a nefrectomia parcial, identificou musculatura abdominal levando a diminuição na necessi-
menores tempos de isquemia quente e console com re- dade de analgésicos e permitindo deambulação precoce. E
lação àqueles cirurgiões menos experientes; entretanto, finalmente, uma menor manipulação do intestino por conta
com cerca de 30-40 casos estes conseguiam chegar aos do pneumoperitônio e do posicionamento em Trendelen-

66
Princípios da cirurgia robótica, aplicações atuais e perspectivas futuras

burg, que permite que eles sejam deslocados do campo caso e consequentemente viabilize a construção de um
operatório apenas por gravidade, o que em teoria deve plano operatório em 3D, auxiliando-o nas suas tomadas
contribuir para a função intestinal mais precoce. de decisão.
Ng e cols., relataram em uma série retrospectiva de Uma tecnologia semelhante à anterior permite a oti-
casos que a cistectomia radical robótica apresenta perda mização de recursos visuais. Melhorando a resolução da
sanguínea, taxa de transfusão e internação hospitalar me- imagem fornecida pelo robô, utilizando a integração de
nores em relação à cistectomia radical aberta e uma taxa imagens geradas por computador de estudos pré-operató-
de complicações semelhante entre as duas abordagens. rios sobrepostos à imagem de vídeo ao vivo durante a pró-
Com relação à margem cirúrgica, alguns estudos pria cirurgia, acrescentando as informações dos exames
apresentam que a cistectomia radical robótica tem uma de imagem de maneira mais interativa ao campo operató-
taxa de margens positivas que oscila entre 0%-7,2%, nú- rio. Além de permitir a resolução visual além da anatomia
meros compatíveis com os disponíveis na literatura para superficial de um órgão para visualizar estruturas anatô-
cistectomia radical aberta. Já com relação ao número de micas intraparenquimatosas (vasos, nervos) ou pequenos
linfonodos dissecados, algumas séries de casos apresen- tumores difíceis de ver a olho nu e que seriam fornecidas
tam que cirurgiões robóticos experientes retiram entre através de escalas de cores que orientariam o cirurgião no
18 e 25 gânglios, número equivalente à cistectomia ra- seu plano cirúrgico (Figura 11).
dical aberta. Outro campo que deverá ser explorado é a otimização
Em 2016, Collins e cols., em estudo multicêntrico da realização de cirurgia telepresente, com o paciente e ci-
europeu avaliando recorrência em pacientes submetidos rurgião em locais muito distantes entre si. Isto já foi reali-
à cistectomia radical robótica por neoplasia de bexiga zado em 2001 pelo professor Jacques Marescaux em uma
músculo invasiva apresentaram uma taxa de sobrevida colecistectomia robótica, que foi batizada de procedimen-
livre de doença com 3, 12 e 24 meses de 95,9%, 80,2% to de Lindbergh (primeiro aviador solitário a atravessar o
e 74,6% valores semelhantes as séries de cistectomia ra- Atlântico), que foi uma operação telecirúrgica completa
dical aberta. realizada por uma equipe de cirurgiões franceses loca-
Portanto, mesmo sendo um procedimento tecnicamen- lizados em Nova York em um paciente em Estrasburgo,
te desafiador, a cistectomia radical robótica tem evidên- França, usando soluções de telecomunicações baseadas
cias que mostram vantagens relevantes sobre a cirurgia em serviços de alta velocidade. Esta foi a primeira vez
radical aberta. na história médica que uma solução técnica mostrou ser
capaz de reduzir o atraso inerente às transmissões de lon-

Perspectivas futuras ga distância o suficiente para tornar possível este tipo de


procedimento.
A cirurgia robótica já está bem estabelecida na prática
Portanto, a cirurgia robótica e suas perspectivas futu-
urológica e as perspectivas futuras são interessantes.
ras parecem apontar para um planejamento tático do pro-
Uma das principais tendências é a miniaturização
cedimento que seja cada vez mais preciso, que diminua
do robô, com diminuição de todos os componentes do
situações imprevistas e que consequentemente melhore os
sistema “da Vinci”, console, carro contendo os braços
resultados, além de permitir a realização de cirurgias com
robóticos e central de processamento de dados. Esta mi-
cirurgiões e pacientes em lugares muito distantes entre si.
niaturização é particularmente importante, pois facilita-
rá a manutenção e permitirá otimização da utilização do
Figura 11. Cirurgia robótica com fusão de imagens em procedimento no
equipamento, que poderá ser usado em diferentes salas aparelho digestivo.
cirúrgicas.
Uma perspectiva que também vem se abrindo é a
utilização dos softwares que são responsáveis pelas
confecções de modelos utilizados em impressões 3D.
A ideia é o armazenamento destas imagens no HD do
robô e consequentemente permitir uma simulação pré-
-operatória, mas baseada já no caso do próprio paciente.
Permitindo que o cirurgião entenda a dificuldade de cada

67
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68
SEÇÃO II
LAPAROSCOPIA E
ROBÓTICA

CAPÍTULO 8
Complicações

Eliney Ferreira Faria


Também no Trendelemburg prolongado pode ocorrer
Introdução aumento da pressão intraocular, resultando em neuropa-
A cirurgia minimamente invasiva (CMI), incluindo
tia óptica isquêmica em casos severos.5 As complicações
tanto a laparoscopia convencional quanto a robô-assistida,
desta posição podem ser minimizadas reduzindo-se o
tem se tornado procedimento padrão para cirurgia uroló-
grau de inclinação. Os braços, cotovelos e polegares são
gica. Entretanto, nenhum destes procedimentos é isento
envolvidos em coxins, prevenindo danos. Podemos usar
de complicações. Observando-se pelo aspecto legal ou de
perneiras, de modo que tanto na cirurgia robótica quan-
custos, assim como, da morbidade, a prevenção e detecção
to na laparoscópica, a posição do quadril e pernas fique
precoce de complicações se faz fundamental. A grande
adequada.
maioria das complicações de CMI, tanto laparoscópicas
como robóticas, são parecidas e tratadas similarmente, e A posição lateral é usada para cirurgia em andar supe-
serão muito relacionadas ao método usado e a experiência rior do abdome, posição que pode levar a lesão por com-
do cirurgião, e a melhor maneira de se evitar e se diagnos- pressão de plexo braquial e também compressão do om-
ticar as complicações é conhecê-las e tê-las em mente na bro. Recomenda-se proteção na axila ou deixar o paciente
prática diária. Dar-se-á neste capítulo apenas uma visão em menor inclinação e apoiado sobre a escápula, asseme-
global das principais complicações. lhando-se à posição de “dormir”. Deve-se tomar cuidado
com os braços e deixá-los em posição anatômica.1

Aspectos gerais
Complicações intraoperatórias
Seleção do paciente
Considerar as comorbidades do paciente, bem como Acesso
história de cirurgias prévias é fundamental para prevenir Uma revisão da Cochrane Database de 2015 não
complicações.1 Apenas como exemplos: condição cardio- mostrou diferença nas complicações entre acesso aberto
pulmonar e função renal: pois devido ao pneumoperitônio ou por punção em CMI abdominal em termos de lesões
pode haver risco de hipercarbia e acidose. Pacientes obe- vasculares ou injúrias viscerais.6 A punção com agulha de
sos, onde há necessidade de instrumentos mais longos e Veress é usada com um ângulo de 45 graus e em direção
maior pressão de pneumoperitônio para manter o espaço, à pelve no umbigo. Se a punção for em região lombar, ge-
bem como aumento tempo cirúrgico. Pacientes grávidas, ralmente se usa ângulo de 90 graus com a aponeurose. Re-
que necessitam de menor pressão de pneumoperitônio comenda-se sonda de Foley e sonda nasogástrica para es-
devido ao menor retorno venoso e ainda deve-se evitar vaziar a bexiga e o estômago, respectivamente. Pacientes
cirurgia no primeiro e terceiro trimestres, devido ao risco com cirurgia abdominal/pélvica prévia, obesos mórbidos,
de malformação e parto prematuro, respectivamente.2 com hepatoesplenomegalia, aneurisma de aorta, hérnia de
parede abdominal, ou gravidez, devem ser acessados com
Posicionamento cuidado e considerar a via aberta e/ou o local de punção
Deve-se tomar extremo cuidado com o posicionamen- cautelosamente.
to do paciente. O posicionamento deve ser imaginado de
forma que o alvo cirúrgico seja a extensão do docking do Trocateres
robô ou dos instrumentos laparoscópicos. Lesões por colocação de trocateres são em geral pe-
As complicações neurológicas e de partes moles de- quenas, porém são bastante frequentes. Numa revisão
vido a mau posicionamento do paciente são importantes, reportada ao FDA em um período de três anos, foram re-
frequentes e são sub-reportadas. Por exemplo, a posição de latadas lesões de grandes vasos (65%), injúrias viscerais
Trendelemburg pode levar ao risco de injúria nos ombros (29% – basicamente intestinal) e hematoma de parede ab-
devido ao suporte, que pode ser neurológica ou por rabdo- dominal (5%).7-10
miólise, principalmente em pacientes obesos e em cirurgias
acima de 4 horas.3,4 Dor lombar ou na região glútea pode Agulha perdida
sugerir também rabdomiólise, que pode levar, dependendo “Agulha perdida” é uma situação que deve ser evitada
da gravidade, a insuficiência renal e mioglobinúria, exigin- através de contagem dos fios, não deixando agulhas den-
do controle da acidose metabólica e hidratação vigorosa. tro da cavidade e sempre que terminar a sutura retirar a

70
Complicações

agulha sob visualização na laparoscopia. Na robótica de- ter sido controlado pelo cirurgião. Outra manobra é a
ve-se manter a comunicação com o auxiliar, que informa compressão direta da área sangrante até que o local exa-
o cirurgião sistematicamente após cada agulha ser retira- to seja identificado. Algumas vezes, pequenos sangra-
da da cavidade. As agulhas devem ser removidas sempre mentos em vasos venosos e/ou arteriais cessam apenas
com porta-agulhas laparoscópico. Entretanto, caso ocorra por compressão local. Caso exija sutura de vasos maio-
a perda de agulha, não se deve mover os instrumentos no res, recomendamos o uso de fio monofilamentar e ina-
abdome e sim apenas a óptica, pois a movimentação das bsorvível (como Prolene® 4-0 ou 5-0), tanto para lesão
pinças pode “esconder” a agulha em meio às alças intesti- venosa quanto arterial. Caso a lesão seja muito pequena,
nais ou no campo cirúrgico.4 o uso de clipes metálicos ou Hem-o-lok® é suficiente.1,4
E é claro, caso o controle laparoscópico ou robótico da
Lesões intestinais lesão não seja possível, recomenda-se conversão para ci-
A taxa de lesão de intestino em cirurgia laparoscó- rurgia aberta.
pica é de menos de 1%.1 Porém, quando existe cirurgia
prévia, estas taxas aumentam expressivamente (1,4% Lesões ureterais
vs. 0,2%).11 Em casos onde o material laparoscópico ou Algumas manobras podem ser usadas para prevenir
pontas de tesoura robótica não estão propriamente co- lesões ureterais, como por exemplo colocação de cate-
bertos, eles podem conduzir energia e levar a lesões a teres duplo J, principalmente no caso que necessite de
outros órgãos. Em outras vezes, a própria ativação do identificação ureteral durante a dissecção, como por
cautério muito próximo a outros instrumentos pode exemplo quando haja fibrose local ou quimioterapia e
também conduzir energia e levar a danos.4 A correção radioterapia prévias. Outra manobra que pode ser usada
se faz com sutura primária, a depender da extensão da para identificar eventual lesão ureteral seria injeção re-
lesão. As injúrias com tecidos desvitalizados ou lesões trógrada de azul de metileno ou mesmo soro fisiológico
múltiplas muito próximas umas das outras necessitam sob pressão, através de um cateter de pielografia.2 Em
de ressecção com anastomose primária, que pode ser caso de lesão é necessária dissecção cuidadosa e atrau-
feita usando stapler ou sutura convencional com fio ab- mática do ureter, mantendo o tecido conjuntivo e peque-
sorvível em 1 ou 2 planos. A correção pode ser feita por nos vasos em volta para evitar sua desvascularização, e
CMI ou via aberta, ficando a critério de cada cirurgião e realizando anastomose primária ou reimplante ureteral
dependendo de sua experiência. Deve-se fazer irrigação dependendo da extensão e da localização. É recomendá-
do abdome com solução salina e utilizar antibiótico de vel uso do duplo J no momento do reparo, que será re-
largo espectro. tirado após 4-6 semanas. Em alguns casos pode-se usar
O mais grave ocorre quando as lesões inadvertidas “flap” de omento para cobrir a área reparada.
não são reconhecidas no intraoperatório, o que gera em
torno de 20% de mortalidade.12 No caso de perfurações
intestinais podem ocorrer sinais de peritonite: íleo fun- Complicações na
cional, piora de dor abdominal, leucocitose, febre, e ainda prostatectomia radical (PR)
evoluir com taquicardia e hipotensão. Porém, alguns pa-
cientes podem evoluir com sinais e sintomas sutis, como
Lesão do nervo obturador
febrícula, leucopenia discreta, dor persistente em algum A lesão do nervo obturador é uma complicação pos-
portal (trocater), hiperemia de ferida operatória, e discreta sível durante a PR laparoscópica ou robô-assistida em
diminuição de ruídos hidroaéreos.11,13 que se faz dissecção linfonodal pélvica. Lesões por neu-
ropraxia devido a tração se resolvem em um período de
Lesões vasculares aproximadamente seis semanas. Caso sejam colocados
Essas complicações são importantes, principalmente clipes acidentalmente, estes devem ser retirados. Porém,
em urologia, onde fazemos dissecções próximas a gran- lesões por transecção completa levam a prejuízo da fun-
des vasos. No caso de lesão venosa, o aumento da pres- ção muscular do adutor, sendo controversos os resulta-
são do pneumoperitônio para 25 mmHg pode ajudar a dos de cicatrização por sutura de aproximação dos cotos
diminuir ou eventualmente parar o sangramento até este seccionados.14-16

71
Lesão retal para elevar o fígado (mais comum) ou baço. Que é corri-
O índice de lesão retal em PR é baixo, em torno de gida por sutura da lesão envolvendo um cateter, que é uti-
0,3% a 1% para cirurgia robô-assistida ou laparoscópi- lizado para aspirar e exaurir o ar interpleural. Devendo ser
ca.17 Essas lesões ocorrem comumente durante dissec- retirado no mesmo momento em que a sutura é apertada
ção do ápice prostático e região posterior. Na suspeita ao máximo com o objetivo de ficar hermético. A coloca-
de lesão, o toque retal pode mostrar sangue do proce- ção de dreno em selo d’água é opcional para casos com
dimento migrado para o reto devido à pressão do pneu- pneumotórax muito extenso.
moperitônio. Outra manobra é irrigar a pelve com soro
Lesão esplênica e hepática
fisiológico e injetar ar no reto com sonda retal, o que é
chamada popularmente de “manobra do borracheiro”. Em torno de 40% das lesões esplênicas são iatrogêni-
A saída de bolhas de ar confirma a lesão de toda a es- cas e podem atingir de 4% a 13%.21 As pequenas lesões
pessura da parede retal. O reconhecimento do trauma podem ser tratadas apenas com cauterização elétrica/argô-
inadvertido do reto é fundamental e vital. A correção nio associados ou não a agentes hemostáticos. Em alguns
deve ser feita com sutura primária sem tensão e em dois casos pode ser necessária sutura usando fios absorvíveis
planos. Caso haja possibilidade, recomenda-se interpor com Hem-o-lok® como é feito em nefrectomia parcial,22
um “flap” de omento entre o reto e a anastomose ure- ou ainda em casos extremos pode ser necessária esple-
trovesical/bexiga.18-20 nectomia. As lesões hepáticas seguem o mesmo roteiro
das lesões esplênicas com relação a cauterização e uso
Lesão vesical de agentes selantes. Caso a hemorragia seja mais vultosa,
Caso haja laceração vesical durante confecção do es- pode ser necessário pedir auxílio ao cirurgião de aparelho
paço retropúbico, como no caso de pacientes com história digestivo.
de correção de hérnia prévia (principalmente com tela).
Essas lesões são reconhecidas pelo extravasamento de uri- Lesões pancreáticas e gástricas
na e são facilmente corrigidas com sutura em dois planos As lesões de cauda pancreática acontecem principal-
usando fio absorvível. mente durante cirurgia renal e adrenal esquerda e são tra-
tadas conservadoramente com drenagem e observação.
Lesão ureteral distal (intra ou extravesical) Sendo em alguns casos recomendados nutrição parenteral
As lesões intravesicais do meato ureteral ocorrem e jejum. No caso das lesões gástricas, o tratamento se faz
tipicamente na dissecção da parede posterior da bexiga, com sutura primária.2
principalmente em casos de próstatas com grandes lobos
medianos ou com RTU da próstata prévia. Ambas as si- Complicações na cistectomia radical
tuações distorcem a anatomia e envolvem os meatos ure- As complicações da cistectomia radical incluem as
terais. As lesões extravesicais são mais comuns durante complicações da PR mais as complicações das deriva-
linfadenectomia pélvica estendida, ou durante a dissec- ções urinárias, que em geral são altas e importantes,
ção das vesículas seminais na abordagem posterior (téc- independente da via de acesso, 30% a 70%.1,2 O maior
nica de Montsouris). Algumas vezes, no início da curva estudo prospectivo e randomizado (> 250 pacientes) que
de aprendizado, os ureteres podem ser confundidos com comparou abordagem aberta e robótica não mostrou di-
ductos deferentes. Nestes casos de ureter distal, tanto em ferença entre as complicações.23 O tempo operatório foi
lesões intra como extra é necessário realizar o reimplante maior no grupo robótico, que também teve menor san-
primário do ureter.4 gramento. Esse estudo foi criticado pelo grupo da cistec-
tomia robótica ter realizado derivação urinária por via
Complicações na cirurgia aberta.24 Outro estudo mencionou 30% menos de com-
renal/adrenal plicações nos primeiros 90 dias no grupo de cistectomia
e derivação totalmente intracorpórea.25 Outro detalhe
Pneumotórax importante é que esta cirurgia se mostra com menores
Pode ocorrer por lesão diafragmática durante dissec- taxas de morbidade e mortalidade quando é realizada em
ção do polo superior ou pelo uso de grasper/retratores centros de alto volume cirúrgico.26,27

72
Complicações

casos de via extraperitoneal. Que evoluem com dor pélvi-


Complicações pós-operatórias ca, íleo funcional, edema unilateral de membros inferiores,
Trombose venosa profunda trombose venosa profunda, e ainda pode evoluir com febre
Eventos tromboembólicos são minimizados pelo uso e sinais de sepse. A incidência de linfocele pode variar de
de heparina de baixo peso molecular subcutânea antes da 4% a 8%.32,33 O uso de clipes diminui o risco de linfocele.
anestesia e mantida até o paciente ter alta, uso de deam- Algumas vezes, uma linfocele sintomática e volumosa de-
bulação precoce e ainda meias pneumáticas compressivas manda drenagem cirúrgica.
intermitentes. Sempre se deve estar alerta para pacientes
Estenose do colo vesical
com risco para estes eventos.2
Essa complicação se apresenta como retenção urinária
Infecção dos portais aguda, disúria, diminuição do jato urinário. A incidência
Atualmente é uma complicação rara, porém se ocorrer em séries contemporâneas é baixa (0,5% a 3%).34 Esta re-
deve ser tratada com antibiótico iniciado empiricamente e dução é atribuída à tecnologia laparoscópica e robótica,
dirigido após resultado de cultura da ferida operatória.28 que propiciam magnificação da imagem, sutura contínua e
Em caso de abcesso, deve-se drenar cirurgicamente e rea- delicada da anastomose uretrovesical.35
lizar curativo local.
Sangramento
Hérnia de portal O índice de sangramento pós-operatório com necessi-
Pode ocorrer em até 0,5% das CMI. Sutura é reco-
29,30 dade de transfusão sanguínea em nefrectomia parcial robó-
mendada para os portais com 10 mm ou mais, principal- tica foi relatado em cerca de 4%36 e varia de 2,7% a 4,5%
mente na linha mediana. Devido ao efeito piramidal de ma- para laparoscopia pura.37 Na maioria dos casos, o sangra-
nipulação dos trocateres, às vezes a incisão da pele é menor mento é tratado apenas com medidas de suporte (reposição
que a dilaceração muscular e fascial dos planos profundos. volêmica e/ou transfusão sanguínea). Caso essas medidas
falhem e/ou em sangramento muito intenso pode-se usar a
Fístula urinária radiologia intervencionista para embolização arterial su-
No pós-operatório de qualquer cirurgia envolvendo o perseletiva.
trato urinário pode haver extravasamento de urina. O diag-
nóstico pode ser feito dosando-se ureia e creatinina do lí- Migração de clipes
quido do dreno. A maior incidência de fístula urinária é Os clipes metálicos ou Hem-o-lok® deixados na ne-
após PR (4% a 17%).31 Outra maneira de confirmar a fístu- frectomia parcial se ficarem dentro do defeito renal podem
la seria através de cistografia. Os principais fatores de ris- migrar para dentro do sistema coletor, causando cálculos.38
co para fístula urinária na PR são: obesidade, grande lobo Da mesma maneira após anastomose da uretra com a be-
mediano, sangramento excessivo, tensão na anastomose. A xiga ou neobexiga, eles também podem migrar, causando
maioria das fístulas é resolvida com manutenção prolonga- sintomas obstrutivos e formação de cálculos.1,2
da de sonda vesical de Foley, porém em alguns casos pode
ser necessária revisão cirúrgica.31 Conclusão
Outras fístulas, como as ureterais, são mais raras e Concluímos que: “Ter em mente as possibilidades de
diagnosticadas em geral em exames de imagem (pielogra- complicações é a melhor maneira de preveni-las. O pacien-
fia retrógrada, tomografia computadorizada, ressonância te que foi operado por CMI melhora rápido e a cada dia;
nuclear magnética) e podem ser tratadas com colocação naquele que eventualmente está com quadro mais arras-
de cateter duplo J deixado por 4-6 semanas. Caso não seja tado, devemos sempre suspeitar de alguma complicação.”
possível colocação deste, considerar nefrostomia ou abor-
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74
SEÇÃO III
ANDROLOGIA E
REPRODUÇÃO HUMANA

CAPÍTULO 9
Disfunção erétil:
fisiologia da ereção, fisiopatologia,
avaliação e tratamento

Roberto Vaz Juliano


César Augusto Braz Juliano
Carlo Camargo Passerotti
A população mundial está aumentando a expectativa
Introdução de vida e o Brasil acompanha esta tendência, devendo ser,
A função sexual, além da questão reprodutora, é um dos
em breve, o sexto país mais populoso de idosos nas próxi-
alicerces da qualidade de vida no ser humano de acordo
mas décadas, como ilustra a figura 1.4
com avaliação da Organização Mundial da Saúde. O conhe-
cimento da fisiologia do mecanismo da ereção, assim como
da fisiopatologia dos seus distúrbios, é fundamental para Fisiologia
a correta adequação terapêutica. Não podemos entender a O processo de ereção é neurovascular com participação
sexualidade sem contextualizar o indivíduo em seu meio. hormonal.
Os aspectos culturais, religiosos, sociais, étnicos e hábitos, Estímulos sensitivos visuais são transmitidos às áreas
além das relações com os parceiros, devem sempre ser ex- de córtex temporais e giro occipital. Processos somatos-
plorados e entendidos na tentativa de esclarecer a diversida- sensitivos e estados motivacionais na ínsula e informação
de de fatores envolvidos no comportamento sexual humano. sensorial e motivacionais no lobo frontal especialmente o
Qualquer disfunção sexual peniana pode ser um grande córtex inferior direito. O hipotálamo direito relaciona-se a
problema pessoal e do casal. comportamento de cópula masculino e estímulos do meio
ambiente são processados no lobo caudato (striatum) e
Definição conduzidos ao córtex cingulado, especialmente em sua
A disfunção erétil (DE) pode ser definida como a inca- porção anterior esquerda, responsável pelo controle auto-
pacidade persistente do homem obter ou manter a rigidez nômico e neuroendócrino. Há vários neurotransmissores
peniana o suficiente para o ato sexual satisfatório,1 o que envolvidos no sistema nervoso central, como os excitató-
leva à dificuldade para a penetração, no ato sexual. rios como dopamina, prostanoides acetilcolina, oxitocina
e peptídeo vasointestinal (Burnett). O estímulo sensitivo
Incidência a partir dos nervos dorsais percorre pelas raízes sacrais,
A disfunção erétil (DE) pode ocorrer em qualquer idade, até a medula espinal especialmente S3-S4 e os nervos au-
porém é mais frequente com o envelhecimento, especialmen- tonômicos emergem das raízes de gânglios simpáticos de
te após os 40 anos. A incidência de DE na região de Boston T10 a L2, enquanto os nervos somáticos e parassimpáti-
nos EUA é de 52% em homens entre os 40 e 70 anos, sendo cos relacionam-se às raízes sacrais S2-S3 e S4 e daí aos
10% grave.2 No Brasil, os dados indicam números semelhan- nervos cavernosos.
tes. Entre 18 e 39 anos, 32% dos brasileiros têm disfunção O pênis é formado por três estruturas tubulares, sen-
erétil mínima, 10,3% moderada e 1,1% severa (impotência). do um corpo esponjoso que envolve a uretra e se expan-
Acima dos 70 anos, há 21,1% de disfunção erétil mínima, de na glande, que fica tumefeita com o estímulo sexual
35,1% moderada e 12,3% de disfunção severa (Figura 1).3
e dois corpos cavernosos (CC) dorsais. Estes são forma-
Figura 1. População no Brasil em 1950 e projeção para 2050.
dos por lacunas revestidas por um endotélio e circun-
dadas por células musculares lisas, conforme ilustram
Jovens < 15 anos (milhões)
Idosos > 60 anos (milhões)
as figuras 2A e 2B. O tecido cavernoso é revestido por
60 estrutura com elasticidade limitada, semelhante a uma
aponeurose, chamada albugínea. A ereção ocorre por
50 um processo ativo onde o estímulo nervoso colinérgi-
40
co estimula as células endoteliais dos CC a produzirem
óxido nítrico e inibem as fibras adrenérgicas. As fibras
30 a partir dos nervos cavernosos liberam de neurônios não
adrenérgicos e não colinérgicos o óxido nítrico que atua
20
na enzima guanililciclase a transformar guanililtrifosfa-
10 to (GTP) em guanililmonofosfato cíclico (cGMP). Este
permeia as membranas celulares e do retículo endoplas-
0 mático ao cálcio, levando a uma diminuição significa-
1950 2050
tiva de sua concentração intracelular com consequente
Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores
Sociais. Projeção da população do Brasil 2050: Revisão 2004. relaxamento da musculatura lisa por distensão da acti-

76
Disfunção erétil

na-miosina, com consequente aumento das lacunas que Figura 3. Neurotransmissores envolvidos com relaxamento e contração muscular
que desencadeiam o mecanismo de ereção e detumescência peniana.
se enchem de sangue, proveniente das artérias penianas
que dilatam-se. Este aumento de sangue e dilatação dos
espaços lacunares juntamente com a rigidez da túnica
albugínea comprimem as veias, por mecanismo passivo,
levando à ereção. A transmissão de informações entre
as células musculares também ocorre por meio de cone-
xões intercelulares chamadas GAP, que permite a troca
de íons de cálcio e também de GMP cíclico, o que ex-
plica a simultaneidade do relaxamento das células mus-
culares durante a ereção.
Figura 2A. Anatomia peniana.

Etiologia
A DE, pelo exposto, tem mesmos fatores de risco que
as doenças cardiovasculares, como sedentarismo, obesida-
de, tabagismo, hipercolesterolemia, síndrome metabólica
e sedentarismo.
A DE pode ser classificada conforme sua etiologia ou
fatores de risco associados, como origem vascular, neuro-
gênica, hormonal, farmacogênica, psicogênica e iatrogêni-
ca (radioterapia e cirurgias).5
Figura 2B. Mecanismo de ereção.
Estes fatores normalmente estão associados.
Aspectos psicogênicos: como ansiedade moral que sur-
ge quando realizamos ou pensamos em realizar ato contrá-
rio ao padrão ético, aos valores morais da nossa consciência,
gerando sentimentos de culpa e vergonha. A ansiedade neu-
rótica que ocorre por expressar desejos impulsivos e o medo
de punição e ainda a ansiedade de desempenho, que ocorre
pelo “desafio e obrigação” de se obter uma ereção frente
a parceira para uma relação prazerosa que a satisfaça ple-
namente. Transtornos de identidade sexual, aversão sexual,
depressão devem ser considerados. Outras queixas como
cansaço, pouco tempo reservado ao sexo, falta de atenção
da parceira e relacionamento antigo deteriorado, parceira
muito ativa ou muito passiva, relacionamento pessoal ruim
A prostaglandina tem ação semelhante, porém por ou- do casal, falta de entendimento, de erotização ou participa-
tra via, a da adenilciclase, que transforma ATP em cAMP ção de uma terceira pessoa no relacionamento devem ser
(Figura 3). investigados e são relatados como origem possível da DE.
A detumescência ocorre por transformação do Doenças cardiovasculares: A DE pode ser o primeiro
cGMP e 5’GMP por ação da fosfodiesterase 5 com sintoma de uma insuficiência coronariana, doenças cardio-
aumento da concentração de cálcio intracelular e con- vasculares como aterosclerose, hipertensão arterial, disli-
tração dos músculos das lacunas, com diminuição do pidemias, arteriopatias como síndorme de Leriche e por
fluxo arterial e descompressão venosa levando ao es- diabetes mellitus (DM).
tado de flacidez. Drogas: como anti-hipertensivos, antidepressivos,

77
antipsicóticos, diuréticos, dutasterida e finasterida, estró- e de sua(seu) parceira(o), incluindo aspectos clínicos, ante-
genos, análogos LHRH, cimetidina, propanolol, cocaína, cedentes cirúrgicos e de doenças, alergias e infecções e as-
maconha, álcool, fumo, heroína, metadona. pectos psicológicos. Uso de drogas e doenças sexualmente
Doenças neurológicas: neuropatia diabética, alcoó- transmissíveis.
lica, polineuropatia, trauma de sistema nervoso central, Escolaridade (houve associação inversa entre nível edu-
doenças degenerativas como Parkinson, acidente vascular cacional e risco para DE). Fatores como desemprego, algu-
cerebral, esclerose múltipla, síndrome de Guillain-Barré, ma afiliação religiosa, história de tumor de próstata, hiper-
tumores. tensão arterial sistêmica (HAS) e depressão aumentaram a
Doenças metabólicas e endócrinas: Causas endócri- chance para DE.7
nas mais comuns incluem o hipogonadismo hipogonado- Número de parceiros e hábitos sexuais. Sempre que pos-
trófico, o hipogonadismo hipergonadotrófico e a hiperpro- sível, a(o) parceira(o) deve ser avaliada(o) nas consultas. É
lactinemia. Estas causas estão entre 2 a 6% das causas de fundamental a avaliação do casal para melhor compreensão
DE6 e cursam com os níveis de testosterona livre e total do problema e adequada proposta de tratamento.
baixos e diminuição de libido. Na história sexual deve-se explorar história das relações
A ação dos hormônios sexuais não está totalmente es- sexuais passadas e presentes, início e duração dos sintomas
clarecida. Há receptores androgênicos em neurônios hipo- relacionados à ereção, assim como todos os tratamentos pré-
talâmicos, límbicos e espinais parassimpáticos. Há uma vios, estado emocional atual e situação conjugal, detalhes
área pré-óptica medial do hipotálamo relacionada à libido sobre a ereção, tanto a ereção matinal quanto na masturba-
que tem receptores androgênicos. ção e no intercurso sexual, avaliar a duração e grau de rigi-
Interessante que pacientes com testosterona em níveis dez, queixas relacionadas ao orgasmo e ejaculação. Deve-se
de castração podem ter ereção por estímulo visual, o que pesquisar uma eventual deficiência androgênica do enve-
sugere que baixos níveis do hormônio são necessários para lhecimento. Esta condição, popularizada como andropausa,
sua ação no mecanismo de ereção. melhor denominada disfunção androgênica do envelheci-
A reposição de testosterona leva a aumento da libido, mento masculino (DAEM), pode cursar sem que o homem
mas tem efeito menor sobre a ereção. dê a devida atenção aos sintomas, como perda de disposição
O excesso de prolactina interfere na atividade de tes- geral, tendência a estados melancólicos e irritabilidade, di-
tosterona, inibe a transformação de testosterona em di- minuição da libido, perda de massa muscular e cansaço. A
-hidrotestosterona e por retroalimentação. do hipotálamo presença desses sintomas deve motivar avaliação hormonal.
diminui a secreção de LH e FSH, causando um hipogona- Há questionários aplicáveis que podem orientar a história
dismo hipogonadotrófico. de forma sistemática como o IIEF (International Index of
Hipotireoidismo pode estimular a produção de prolac- Erectil Function).8 São 15 questões que avaliam basicamen-
tina, o mesmo poderá ocorrer no diabetes mellitus, doen- te cinco dimensões, que são: função erétil, orgasmo, desejo
ças hepáticas, pacientes em diálise e drogas. sexual, satisfação sexual, satisfação geral.
Doenças com repercussão sistêmica: doenças con- Há um questionário simplificado com cinco questões, o
suntivas como AIDS, insuficiência renal e hepática, cân- IIEF-5, que inclui as questões 1-2-4-5-7 da tabela 1. Neste
cer, linfoma, leucemia, colagenoses, entre outras. caso, às respostas são dadas notas de 1 a 5 e a soma leva à
Disfunções erétil por doença peniana: fibrose pós- seguinte interpretação:

-priapismo, doença de Peyronie, câncer de pênis. Tabela 1. IIEF. Tradução e adaptação cultural do índice internacional de
Disfunção erétil de causas iatrogênicas: cirurgias função erétil para a língua portuguesa.9,10
pélvicas e retroperitoneais como prostatectomia radical, IIEF-5 - pontuação:
linfadenectomias, amputação de reto e cirurgias arteriais
O escore IIEF-5 é a soma das respostas ordinais aos 5 itens.
no território aortoilíaco.
22-25: Não há disfunção erétil

História e avaliação clínica 17-21: Disfunção erétil leve

Como vimos, a DE é uma condição que decorre poten- 12-16: Disfunção erétil leve a moderada
cialmente de múltiplos fatores. Devemos portanto explorar 8-11: Disfunção erétil moderada
os fatores de risco, hábitos, história pessoal, com possíveis
5-7: Disfunção erétil grave
fatores de ansiedade. História médica detalhada do paciente

78
Disfunção erétil

Estas questões referem-se ao efeito que os seus pro- quadradinho correspondente.


blemas de ereção têm acarretado na sua vida sexual nas Se você não tem certeza de como responder, por favor,
últimas quatro semanas. Por favor responda estas ques- dê a melhor resposta que você puder.
tões o mais honestamente e claramente possível. Por Ao responder estas questões observe as seguintes de-
favor, responda a cada questão marcando com um X o finições:

1. Nas últimas quatro semanas, com que frequência você foi capaz de ter uma ereção durante uma relação sexual**?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Sem atividade sexual
Quase sempre ou sempre
A maioria das vezes (muito mais que a metade das vezes)
Algumas vezes (aproximadamente a metade das vezes)
Poucas vezes (muito menos que a metade das vezes)
Quase nunca ou nunca

2. Nas últimas quatro semanas, quando você teve ereções sexuais com estimulação****, com que frequência foram suas ereções,
duras o suficiente para penetração?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Sem estimulação sexual
Quase sempre ou sempre
A maioria das vezes (muito mais que a metade das vezes)
Algumas vezes (aproximadamente a metade das vezes)
Poucas vezes (muito menos que a metade das vezes)
Quase nunca ou nunca

As próximas três questões irão perguntar sobre as ereções que você pode ter tido durante a relação sexual*.

3. Nas últimas quatro semanas, quando você tentou ter relação sexual* com que frequência foi capaz de penetrar (entrar) na sua parceira?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Não tentei ter relação sexual
Quase sempre ou sempre
A maioria das vezes (muito mais que a metade das vezes)
Algumas vezes (aproximadamente a metade das vezes)
Poucas vezes (muito menos que a metade das vezes)
Quase nunca ou nunca

4. Nas últimas quatro semanas, durante uma relação sexual* com que frequência você foi capaz de manter sua ereção após ter
penetrado (entrado) na sua parceira?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Não tentei ter relação sexual
Quase sempre ou sempre
A maioria das vezes (muito mais que a metade das vezes)
Algumas vezes (aproximadamente a metade das vezes)
Poucas vezes (muito menos que a metade das vezes)
Quase nunca ou nunca

5. Nas últimas quatro semanas, durante uma relação sexual*, o quanto foi difícil para você manter sua ereção até o fim da relação?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Não tentei ter relação sexual
Extremamente difícil
Muito difícil
Difícil
Pouco difícil
Não difícil

6. Nas últimas quatro semanas, quantas vezes você tentou ter relação sexual*?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Não tentou o
1-2 tentativas
3-4 tentativas
5-6 tentativas
7-10 tentativas
11 ou mais tentativas

79
7. Nas últimas quatro semanas, quando você tentou ter relação sexual* com que frequência ela foi satisfatória para você?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Não tentei ter relação sexual
Quase sempre ou sempre
A maioria das vezes (muito mais que a metade das vezes)
Algumas vezes (aproximadamente a metade das vezes)
Poucas vezes (muito menos que a metade das vezes)
Quase nunca ou nunca

8. Nas últimas quatro semanas, o quanto você aproveitou a relação sexual*?


Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Não teve relação sexual
Aproveitou extremamente
Aproveitou muito
Aproveitou um tanto
Aproveitou muito pouco
Não aproveitou

9. Nas últimas quatro semanas, quando você teve estimulação sexual**** ou relação sexual com qual frequência você teve uma
ejaculação***?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Não teve estimulação sexual ou relação sexual
Quase sempre ou sempre
A maioria das vezes (muito mais que a metade das vezes)
Algumas vezes (aproximadamente a metade das vezes)
Poucas vezes (muito menos que a metade das vezes)
Quase nunca ou nunca

10. Nas últimas quatro semanas, quando você teve estimulação sexual**** ou relação sexual com que frequência você teve a
sensação de orgasmo com ou sem ejaculação***?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Não teve estimulação sexual ou relação sexual
Quase sempre ou sempre
A maioria das vezes (muito mais que a metade das vezes)
Algumas vezes (aproximadamente a metade das vezes)
Poucas vezes (muito menos que a metade das vezes)
Quase nunca ou nunca

As próximas duas questões se referem ao desejo sexual. Vamos definir desejo sexual como uma sensação que pode incluir querer
ter uma experiência sexual (por exemplo, masturbação ou relação), pensamento sobre sexo ou sentimento de frustração devido à
falta de sexo.

11. Nas últimas quatro semanas, com que frequência você tem sentido desejo sexual?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Quase sempre ou sempre
Frequentemente (muito mais que a metade do tempo)
Algumas vezes (aproximadamente a metade do tempo)
Poucas vezes (muito menos que a metade do tempo)
Quase nunca ou nunca

12. Nas últimas quatro semanas, o quanto você consideraria o seu nível de desejo sexual?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Muito alto
Alto
Moderado
Baixo
Muito baixo ou inexistente

13. Nas últimas quatro semanas, de modo geral, o quão satisfeito você tem estado com sua vida sexual?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Muito satisfeito
Moderadamente satisfeito
Igualmente satisfeito e insatisfeito
Moderadamente insatisfeito
Muito insatisfeito

80
Disfunção erétil

14. Nas últimas quatro semanas, de modo geral, o quão satisfeito você tem estado com o seu relacionamento sexual com a sua parceira?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Muito satisfeito
Moderadamente satisfeito
Igualmente satisfeito e insatisfeito
Moderadamente insatisfeito
Muito insatisfeito

15. Nas últimas quatro semanas, como você consideraria a sua confiança em conseguir ter e manter uma ereção?
Por favor, marque com um X somente uma das alternativas.
Muito alta
Alta
Moderada
Baixa
Muito baixa

* Relação sexual
É definida como penetração (entrada) na vagina da parceira.
** Atividade sexual
Inclui relação sexual, carícias, brincadeiras amorosas e masturbação.
*** Ejaculação
É definida como a ejeção de sêmen pelo pênis (ou a sensação desta ejeção).
**** Estimulação sexual
Inclui situações como brincadeiras amorosas com uma parceira, olhar fotos eróticas, etc.
*****Satisfatória é definida como atingir suas expectativas, ter sucesso na relação sexual.
******Insatisfatória é definida como falha nas suas expectativas, falha na relação sexual.

Avaliação de saúde mental Exames subsidiários


Geralmente há sempre um componente psicogênico A avaliação diagnóstica da disfunção erétil a priori
envolvido independentemente de ser DE de origem orgâ- é essencialmente clínica, mas, considerando que é um
nica ou não. Cabe ao urologista orientar de forma médico, sinal de advertência a risco cardiovascular (CV), dia-
psicológica e pedagógica, sem preconceitos, respondendo betes mellitus e de presença de doenças graves, pode e
adequadamente às dúvidas simples e procurando explorar deve, nestes casos, ser complementada com exames que
situações de doença psiquiátrica relevante ou relaciona- incluem: hemograma, glicemia em jejum, colesterol to-
mento complexo que justifiquem um encaminhamento ao tal e frações, triglicérides, ácido úrico, ureia e creatinina.
profissional de saúde mental. Pessoalmente entendo que Exames de função hepática e de doenças sexualmente
nestes casos o encaminhamento muitas vezes só será con- transmissíveis e hormonais podem estar indicados em
sumado se uma forte relação de confiança for estabelecida casos potencialmente suspeitos, assim como bilirrubinas,
com o clínico e isto implica motivação e envolvimento por enzimas hepáticas e pancreáticas, hormônios de tireoi-
parte do urologista. de e andrógenos. Pacientes com fatores de risco médio
ou alto de doença cardiovascular (três ou mais fatores de
Exame físico risco CV) devem ser avaliados por cardiologista antes de
O exame físico na avaliação da disfunção erétil deve qualquer tratamento específico. Casos complexos como
buscar fatores que possam estar relacionados à gênese da antecedente de priapismo, trauma perineal, genital ou
disfunção, apesar de na maioria dos casos não definir uma pélvico, pacientes jovens resistentes a tratamento e possi-
causa específica. Devem ser avaliados o sistema cardio- bilidade de doença psiquiátrica significativa concomitan-
vascular, neurológico (neuropatias periféricas e lesão me- te ou de base pode-se indicar o teste farmacodinâmico,
dular) e genital, com foco para características como o de- realizado com injeção intracavernosa de prostaglandina
senvolvimento de caracteres sexuais secundários, estigmas associada ou não a fentolamina e/ou papaverina, obser-
de alterações genéticas, como síndrome de Kallmann ou vando-se a ereção após injeção e ecodoppler peniano
Klinefelter, que estão comumente relacionadas a sintomas colorido das artérias penianas. Cavernografia está em de-
de hipogonadismo, alterações penianas como micropênis e suso e os testes de tumescência peniana noturna e caver-
placa de Peyronie. nometria são pouco utilizados hoje em dia. Arteriografia

81
ou angiorressonância são de indicação excepcional em da medicação, é pouco provável que a medicação seja
eventuais casos de lesão vascular com possibilidade de causa única de DE.
revascularização e melhora de fluxo arterial peniano. O A terapia de reposição hormonal (TRH) deve ser feita
mesmo para exames neurológicos como eletroneuromio- em casos de deficiência androgênica, uma vez que ocorre
grafia e potencial evocado. a melhora dos sintomas e prevenção de eventos relacio-
nados ao déficit hormonal, como a osteoporose e eventos

Tratamento clínico cardiovasculares. As contraindicações à TRH como câncer


de próstata ativo devem ser observadas.
O tratamento clínico deve abordar o paciente como
um todo. De acordo com o segundo consenso de Prince-
ton recomenda-se que em pacientes de risco médio e alto Inibidores da 5 fosfodiesterase (I5FD)
cardiovascular (CV) sejam avaliados inicialmente por car- Os I5FD não provocam ereção sem estímulo sexual,
diologista antes de qualquer tratamento. pois eles não aumentam o óxido nítrico, mas impedem a
A Segunda Conferência de Consenso de Princeton degradação do GMP cíclico. Todos os produtos disponí-
classifica os indivíduos com DE em três riscos cardiovas- veis são efetivos, embora apresentem diferenças farmaco-
culares: baixo, intermediário e alto. dinâmicas e em intensidade de efeitos colaterais. A indica-
Baixo risco – pacientes assintomáticos com menos que ção inicial era uso sob demanda de estímulo sexual, mas a
três fatores de risco cardiovasculares; hipertensão contro- possibilidade de dispor do efeito da medicação a qualquer
lada; angina estável (AE) leve; pacientes revascularizados instante e as características de meia-vida da tadalafila le-
sem isquemia residual; infarto agudo do miocárdio (IAM) varam à utilização de seu uso diário. A dose diária de 5
há mais de 6 semanas; fibrilação atrial (FA) com frequên- mg de tadalafila levou a uma concentração plasmática de
cia cardíaca controlada; insuficiência cardíaca (IC); doen- 8 mg/dia apos o quinto dia de utilização. A posologia foi a
ça valvular leve. preferida pela maioria dos homens.11
Risco intermediário – pacientes assintomáticos com ≥ As características farmacocinéticas e de absorção des-
3 fatores de risco cardiovasculares; angina estável mode- tas drogas estão resumidas na tabela 2.
rada; IAM entre 2 a 6 semanas; doença aterosclerótica não Tabela 2.
cardíaca (AVC prévio, doença arterial periférica).
Parâmetros Sildenafila Vardenafila Tadalafila
Alto risco – pacientes com angina instável, IAM <2
semanas; hipertensão não controlada; IC grave; arritmias Absorção com Sim Sim Sim
álcool
de alto risco; cardiomiopatia hipertrófica; estenose valvar
moderada ou grave. Absorção c/ Diminui Diminui Não é
gordurosos eficácia eficácia influenciado
Os pacientes de baixo risco podem seguramente man-
ter relações sexuais e um programa de exercícios, enquan- T ½ horas 4 4,1 17,5
to aqueles de alto risco devem evitar tais atividades até que T máx min 60 40 120
sua condição cardíaca tenha sido adequadamente estabili- Início de ação 12 min 15 min 30 min
zada. Pacientes de risco intermediário devem realizar tes-
Duração 12 horas 12 horas 36 horas
tes adicionais para reestratificação cardiovascular antes de
reiniciar a atividade sexual.
A decisão de suspender um medicamento que pode- As contraindicações incluem, além de alergia a qual-
ria estar associado a DE deve ser racional e comparti- quer componente, o uso de medicamentos que doem óxi-
lhada com o clínico do paciente. Apesar de evidências do nítrico, como a nitroglicerina, nitroprussiato de sódio,
limitadas ou conflitantes, algumas medicações têm sido nitrito de amila em uso crônico. Cuidados com homens
associadas com DE (inibidores de bomba de prótons, para os quais a relação sexual não é recomendável devido
antidepressivos, betabloqueadores, tiazídicos, inibidores aos fatores de risco cardiovascular necessitam de avaliação
da ECA e bloqueadores dos canais de cálcio). Se a DE prévia do cardiologista.
desenvolve ou piora dentro de 4 semanas do início da Deve-se evitar a administração em pacientes que sofre-
medicação, é razoável suspeitar e interromper a mesma. ram um AVC ou IAM menos de 12 semanas e desordens
Se a DE se desenvolve com mais de 4 semanas do início de retina como a retinite pigmentosa

82
Disfunção erétil

Os efeitos colaterais incluem rubor facial, epigastral- infecção genital e deve haver habilidade do paciente ao
gia, cefaleia, congestão nasal, tontura, diarreia, dispepsia, seu manuseio. Na escolha da prótese deve considerar-se
distúrbios visuais e taquicardia. A tadalafila pode dar dor fatores como habilidade, treinamento, hábitos e preço.
muscular. A vardenafila pode alterar a condução cardíaca Um paciente com doença de Parkinson ou problemas de
e portanto deve-se ter precaução com uso de antiarrítmi- mobilidade das mãos pode ter dificuldade de inflar uma
co. Os inibidores da isoenzima CYP3A4 do citocromo prótese de dois ou três volumes, mas pode usar uma se-
P450 (cetoconazol, itraconazol, ritonavir, indinavir, ci- mirrígida, que por outro lado pode causar constrangimen-
metidina, eritromicina, suco de toranja) podem aumentar to numa sauna, ou banho público pelo volume aparente,
a ação dos I5FD. também pode haver dificuldade de implante por fibrose
Dexametasona, rifampicina e drogas anticonvulsivan- dos CC e em caso de necessidade de endoscopia urinária
tes (carbamazepina, fenitoína e fenobarbital) podem acele- a inflável supera a semirrígida. O preço é bem diferente,
rar o metabolismo de I5FD, assim aplicação conjunta com pois a prótese inflável é bem mais cara. Tecnicamente um
os medicamentos acima pode diminuir o efeito dos I5FD. implante de prótese inflável de 3 volumes é bem mais
Deve-se usar doses mínimas de I5FD em conjunto com complexo e exige mais treinamento. As complicações
alfabloqueadores por eventual hipotensão arterial. mais temidas são a infecção, que pode inviabilizar sua
manutenção pelo risco de necrose do pênis ou sepse e
Medicações de uso local morte. Em situação muito particular cabe a cirurgia de
Oferecem a vantagem de menor ou nenhum efeito sis- resgate, realizada com intensa irrigação dos corpos ca-
têmico, especialmente aos pacientes que não suportam vernosos com soluções de antibióticos e troca de campos
efeito colateral de medicação via oral ou em que ela está para aplicação de um novo implante com taxas de recupe-
contraindicada. A prostaglandina (PGE) utilizada via ure- ração entre 80 a 97%.13 Enquanto a técnica estéril padrão
tral é efetiva em 35% dos pacientes, mas é absolutamente com aplicação de antibióticos perioperatórios e técnica
contraindicada na relação com parceiras grávidas. A PGE operatória cuidadosa continuam a ser a pedra angular da
chega ao CC por comunicações entre o corpo cavernoso e prevenção de infecção de prótese peniana, projetos mais
esponjoso e a indicação é para pacientes refratários a pra- recentes de próteses penianas com revestimento antibió-
ticarem a autoinjeção. O principal efeito colateral é dor.12 tico resultaram em uma melhoria na prevalência e inci-
Aparelhos de vácuo são outra alternativa a estes pacientes. dentes de infecção de prótese peniana.14
Autoinjeção de drogas vasoativas (IIC). Há várias As complicações tardias mais frequentes são: insatisfa-
opções para uso de drogas vasoativas intracavernosas, ção do paciente quanto as suas expectativas, alteração de
isoladas ou misturadas em duas ou três delas. As utili- temperatura ou sensibilidade do pênis, inflar os cilindros
zadas são a prostaglandina, a papaverina e a fentolamina involuntariamente e falhas mecânicas, fratura de prótese
utilizada em diversas combinações. O principal efeito co- semirrígida ou vazamento e não circulação de líquido pe-
lateral é a fibrose do corpo cavernoso e priapismo, que los componentes da prótese inflável. Evolução tecnológica
devem ser tratados com punção de corpo cavernoso ou destas próteses tem sido fator de diminuição destas com-
drogas adrenérgicas como a fentolamina intracavernosa. plicações.14
O uso de dose adequada e titulada evita esta complicação. Erro ou acidente na operação de implante incluem per-
Outras complicações menores como dor e hematoma po- furação de uretra, neste caso se um cilindro já foi aplicado
dem ocorrer. pode-se suturar a uretra e seguir a cirurgia mantendo-se
cistostomia ou sonda uretral por pelo menos 7 dias, caso
Tratamento cirúrgico contrário a cirurgia deve ser abortada. Perfuração de corpo
A falha do tratamento clínico por qualquer motivo cavernoso distal ou proximal, pode ser suturado ou um re-
leva à necessidade de solução cirúrgica. Preparo para a talho de pericárdio bovino ou outro enxerto pode ser apli-
cirurgia deve incluir todas as informações pertinentes ao cado se a sutura primária não for possível. Erros de medida
procedimento e entrevista com a parceira. A prótese pe- a menor (defeito) em concorde ou a maior necessita revi-
niana semirrígida, inflável de dois ou três volumes são são cirúrgica. Extrusão pela uretra, glande ou períneo pode
as opções disponíveis. Está contraindicada em caso de ocorrer e necessitam de nova intervenção cirúrgica.

83
Referências
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84
SEÇÃO III
ANDROLOGIA E
REPRODUÇÃO HUMANA

CAPÍTULO 10
Doença de Peyronie:
fisiopatologia, avaliação
e tratamento
Celso Gromatzky
Carlos Ricardo Doi Bautzer
João Roberto Paladino Jr.
ou degradadas, resultando em produção excessiva de
Definição
fibras de colágeno e matriz, o que leva à destruição da
O último guideline da Associação Americana de
delicada rede de colágeno e da elasticidade tecidual.3
Urologia, publicado em 2015, define a doença de
Paralelamente, destaca-se o papel do TGF-, fator
Peyronie (DP) como uma anomalia adquirida do pênis,
de crescimento solúvel da superfamília de TGF- que
caracterizada por fibrose da túnica albugínea, que pode
se liga a receptores específicos de serina/treonina qui-
ser acompanhada por dor, deformidade, disfunção eré-
nase na superfície celular, desencadeando a ativação
til e/ou estresse emocional.1
dos fatores de transcrição. Células inflamatórias, tais
como plaquetas, macrófagos e fibroblastos sintetizam
Epidemiologia TGF-, que é um peptídeo latente inativo. Na ativação,
A prevalência da DP varia de 0,5% a 20,3% dentro o TGF-beta liga-se a um receptor de superfície celular
de populações específicas e depende da metodologia específico que induz uma cascata de transdução de si-
empregada, da amostra em estudo, de como a DP é nal. Tal cascata leva ao aumento da síntese do tecido
definida e de como os homens são questionados.1 As conjuntivo e à inibição da enzima colagenase. O TGF-β
taxas podem ser maiores entre os homens que apre- é capaz de induzir a síntese própria, bem como de re-
sentem comorbidades, tais como disfunção erétil2 e ceptores específicos. Tal autorregulação conduz a um
diabetes.3 Estudos mais recentes sugerem que as taxas ciclo contínuo de tecido conjuntivo e alterações fibróti-
de prevalência foram historicamente subestimadas, su- cas anormais, conduzindo assim à formação de placas.4
gerindo uma maior consciência da doença e seus sinto- Outro fator importante no processo fisiopatológico
mas atualmente.1 da doença envolve a importância molecular da mios-
tatina, membro da família TGF-beta, também conhe-
Fisiopatologia da doença cida como GDF-8. A miostatina é expressa em mio-
de Peyronie fibroblastos, células que têm um papel principal na
Aceita-se que o trauma peniano possa ser um indu- fibrose, presumível a partir da diferenciação de células
tor da DP. A divisão das camadas interna e externa da fibroblásticas dentro da placa de DP. A proteína induz
túnica albugínea poderia levar ao acúmulo de sangue a formação de novas placas e também condensa a placa
no espaço extravascular, criando um ambiente propício já formada por TGF-. A expressão excessiva da mios-
à fibrose (hipótese da delaminação). 2 tatina foi encontrada na maioria das placas de DP. Ve-
O mecanismo fisiopatológico é descrito a partir da rificou-se também que a síntese e a liberação de fatores
ocorrência de lesões microvasculares repetidas à túnica pró-fibróticos como o inibidor-2 e espécies reativas de
albugínea, que poderiam desencadear a ruptura das fi- oxigênio, do ativador do plasminogênio, juntamente
bras elásticas e consequente deposição de fibrina. Nes- com o TGF-beta, agravam a placa à medida que entra
se processo, o fibrinogênio passa a ser convertido em no seu estado crônico. Isso levaria à formação de uma
fibrina pela ação da trombina, formando uma matriz placa densa fibrótica, que também pode se tornar calci-
temporária para o suporte da resposta das células endo- ficada e ossificada.4
teliais. A fibrina por sua vez exerce o papel de um forte
quimiotáxico, promovendo o influxo de células infla- Quadro clínico
matórias e mediadores como macrófagos, neutrófilos, A apresentação mais comum é de homens na sexta
mastócitos, citocinas e fibroblastos. O influxo de leu- década de vida que apresentam início recente da cur-
cócitos e macrófagos, como uma resposta inflamatória, vatura do pênis acompanhado de dor peniana leve a
continuaria por via arterial, resultando na produção de moderada. O paciente normalmente não se lembra de
uma grande quantidade de citocinas. Devido ao fluxo um evento traumático, sexual ou não sexual específico
venoso reduzido, as citocinas não podem ser dispersas que tenha precedido o início dos sintomas.

86
Doença de Peyronie: fisiopatologia, avaliação e tratamento

Geralmente sua ereção é ainda firme o suficiente na E com L-carnitina.1 Alguns estudos demonstraram
para relações sexuais. A curvatura do pênis, entretanto, alguma eficácia em redução de curvatura e diminuição
pode impedir a penetração ou fazê-la difícil para o pa- do tamanho das placas com a associação de colchicina
ciente e/ou parceira. e vitamina E.7,8
No início do quadro clínico, não consegue palpar
quaisquer anormalidades na haste peniana no estado
Tratamento com colagenase intralesional
flácido. Curvatura do pênis e graus variados de dor A aplicação intralesional de colagenase de Clostridium
peniana podem ser considerados diagnósticos, embora histolyticum em combinação com modelagem manual é
patologias raras (por exemplo, tumores penianos) de- utilizada para a redução da curvatura peniana em pacientes
vam ser excluídas.5 com doença de Peyronie estável, curvatura do pênis entre
300 e 900 e função erétil intacta (com ou sem uso de medi-
camentos inibidores da fosfodiesterase tipo 5).1
Fases da doença A colagenase intralesional é uma terapia destinada
É útil clinicamente distinguir entre doença ativa e
para a curvatura, não exercendo efeito no tratamento da
estável, porque as opções de tratamento são diferentes.
dor ou da disfunção erétil.
Doença ativa Os ensaios IMPRESS I e II estabeleceram como
A doença ativa caracteriza-se por sintomas dinâ- padrão atual para o tratamento de curvatura dorsal a
micos e em mudança. A dor peniana ou desconforto aplicação de colagenase intralesional, bem como sua
com ou sem ereção é o sintoma definidor do estágio aprovação pela FDA (Food and Drug Administration).
ativo. O paciente pode ou não manifestar a presença de Os ensaios concentraram-se em até oito injeções de
induração palpável na haste peniana. Placas e deformi- 10.000 U em 24 semanas e seguiram os pacientes por
dades do pênis podem não estar totalmente desenvol- mais 7,5 meses após o tratamento e duração total de
vidas nesta fase. O estresse emocional pode estar pre- acompanhamento de um ano. Todos os pacientes expe-
sente em resposta à dor e à deformidade progressiva. A rimentaram modelagem, que foi realizada pelo médico
função erétil pode estar intacta ou pode ser comprome- após cada ciclo de tratamento. Os pacientes foram ins-
tida pela dor e/ou deformidade. truídos a realizar a modelagem em casa três vezes por
dia entre os ciclos de tratamento e a tentar endireitar
Doença estável o pênis sem dor durante as ereções espontâneas, uma
No doente com doença estável, os sintomas estão vez por dia.9
clinicamente inalterados durante pelo menos três me-
Tratamento com interferon (IFN) intralesional
ses com base no relatório do doente ou na documenta-
ção clínica. Dor com ou sem ereção pode raramente es- O tratamento com interferon intralesional consiste
tar presente, mas é tipicamente leve. A curvatura pode em injeções quinzenais de IFN de 2.000.000 U sus-
ser uniplanar ou biplanar e pode não ser dependente do pensas em 10 mL de soro fisiológico através de múlti-
tamanho e da magnitude da placa. Uma ou mais placas plas punções da placa. A resposta ao IFN foi definida
podem ser palpáveis ​​ou aparentes no ultrassom. O pa- como uma melhora de 20% ou mais na curvatura do
ciente típico apresenta uma deformidade peniana dor- pênis pré-tratamento, com taxa de sucesso global de
sal, dorsolateral ou ventral.6 54%.10

Terapia de ondas de choque


Tratamento não cirúrgico extracorpórea (TOCE)
Não há comprovação científica com relação às tera- Gao et al., em recente meta-análise publicada em
pias orais com vitamina E, tamoxifeno, procarbazina, 2016, concluíram que a dor e o tamanho da placa apre-
ácidos graxos ômega-3 ou uma combinação de vitami- sentaram melhora significativa com a TOCE, diferente-

87
mente dos fatores de curvatura e função erétil, que não tar outros estados fibróticos, tais como a contratura
sofreram melhora significativa. 11
de Dupuytren. O para-aminobenzoato de potássio es-
Recomenda-se que antes do uso generalizado desta tabiliza a atividade da serotonina-monoamina oxida-
tecnologia seja estabelecida uma dose terapêutica se- se do tecido e tem um efeito inibitório direto sobre a
gura que possa ser aplicada a vários dispositivos com secreção de glicosaminoglicanos de fibroblastos. Não
diferentes pontos de foco e distribuições de energia. existem atualmente provas que demonstrem o papel
Da mesma forma, torna-se importante elucidar o me- clinicamente benéfico do para-aminobenzoato de po-
canismo de ação e examinar o efeito da TOCE em pla- tássio na DP e, por conseguinte, não é recomendado
cas de Peyronie precoces e tardias, além de se afasta- para utilização no tratamento da DP.14
rem os danos a outras estruturas penianas, incluindo a
túnica albugínea, nervo do pênis, vasculatura, músculo
Tratamento cirúrgico
liso e da uretra.12
Embora as terapias cirúrgicas sejam tradicional-
Verapamil intralesional mente consideradas o padrão ouro para a correção da
O uso de verapamil no tratamento da DP ganhou curvatura do pênis, estas estão associadas a potenciais
prestígio na literatura médica desde a publicação de complicações, tais como risco de encurtamento da
Lee e Ping, que descreveram sua ação no aumento da haste peniana, diminuição da sensibilidade, piora da
atividade da colagenase. Diversas publicações na li- função erétil e recorrência da curvatura com o tem-
teratura, em estudos randomizados controlados e em po.15
série de casos resultaram em resultados conflitantes, Um estudo de revisão de registro de dados médicos
talvez motivados por diferentes protocolos, critérios nos EUA demonstrou que dentre as cirurgias realiza-
de seleção de pacientes, doses e formas de aplicação. das no tratamento da DP, 73,2% foram correções de
No guideline de DP da AUA, 2015 há recomendação curvatura sem excisão da placa, 20,5% com excisão
de que essa medicação pode ser utilizada em aplicação de placa (com possível enxerto) de até 5 cm e 6,2%
intralesional. 1 com excisão de placa (com possível enxerto) maior
que 5 cm.16
Colchicina
Colchicina é um medicamento anti-inflamatório Tratamento cirúrgico com plicaturas
que tem sido amplamente utilizado por via oral em As corporoplastias com abordagem da borda con-
doenças reumatológicas, como a gota. Mais recente- vexa do pênis, tais como técnicas de Nesbit e Yachia,
mente, tem sido utilizado na doença de Peyronie devi- são de escolha para correção de curvaturas menores de
do a sua capacidade de inibir mitoses de células pro- 60 graus e pênis com comprimento superior a 10 cm,
dutoras de colágeno e de inibir o fator de crescimento sem retração ou deformidade em ampulheta ou defeito
dos fibroblastos. complexo.
O uso de colchicina injetada diretamente na pla- Atualmente é a técnica de escolha devido à sua
ca peniana durante a fase aguda da doença parece ter simplicidade e bons resultados.17
maior eficácia do que o uso oral, devido aos níveis
mais altos do fármaco no tecido. No entanto, o uso Tratamento cirúrgico com
incisão da placa e enxertia
parenteral de colchicina pode causar depressão da me-
São descritos diferentes tipos de enxerto, tanto au-
dula óssea, com pancitopenia grave e morte.13
tólogos quanto heterólogos, sendo estes últimos xe-
POTABA (Para-aminobenzoato de potássio) noenxertos ou sintéticos.
O para-aminobenzoato de potássio tem efeitos an- O enxerto ideal deve ser econômico, flexível, elás-
ti-inflamatórios e antifibróticos e é utilizado para tra- tico, resistente, com baixa antigenicidade e baixo ris-

88
Doença de Peyronie: fisiopatologia, avaliação e tratamento

co de infecção, fácil de obter, disponível em diferentes implante determina o tratamento cirúrgico adicional,
tamanhos, com baixa morbidade e eventual colocação o que ocorre com 19% a 42% dos pacientes.19
no menor tempo cirúrgico. Dessa maneira, o enxerto
ideal ainda não está disponível.17 Tratamento com enxerto versus
Enxertos autólogos são ideais em termos de me-
implante de prótese peniana
nor probabilidade de rejeição ou infecção, mas têm
Ambas as opções cirúrgicas para pacientes com
a desvantagem de agregarem morbidade à obtenção
DP com deformidade em ampulheta são seguras e
do enxerto e também a possiblidade de retração do
proporcionam resultados satisfatórios. A exérese par-
mesmo.17
cial e a enxertia são oferecidas a pacientes com função
Xenoenxertos são atualmente os mais utilizados,
erétil normal, enquanto a prótese peniana é a opção
incluindo pericárdio bovino e submucosa de intestino
recomendada para pacientes com disfunção erétil sem
suíno. Não há atualmente um ensaio clínico em huma-
resposta à medicação oral.19
nos para comparar os diferentes materiais utilizados
como enxerto.
A cirurgia corretiva da doença de Peyronie com Referências
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90
SEÇÃO III
ANDROLOGIA E
REPRODUÇÃO HUMANA

CAPÍTULO 11
Priapismo: fisiopatologia,
avaliação e tratamento

Fernando Nestor Fácio Júnior


Luis César Fava Spessoto
João Paulo Pretti Fantin
Introdução Priapismo recorrente (intermitente)
O termo priapismo tem sua origem em referência ao Condição distinta caracterizada por episódios repetiti-
deus grego Priapus, que foi adorado como um deus da fer- vos e dolorosos de ereções prolongadas. As ereções são
tilidade e protetor da horticultura, sendo memorializado em autolimitadas com períodos de detumescência. A duração
esculturas pelo seu phallus gigante. O primeiro relato regis- dos episódios eréteis é geralmente mais curta do que no
trado na literatura médica aparece no Lancet e é atribuído a priapismo isquêmico. O termo historicamente descreveu
Tripe (1845). Alguns estudos epidemiológicos têm relatado ereções recorrentes indesejadas e dolorosas em homens
a incidência de 0,3 a 1,0 por 100.000 homens por ano,1,2 com doença falciforme.8
e ocorre, tipicamente, em pacientes com idade entre 40 e
50 anos.3 Dentre as causas, destacamos a anemia falciforme Priapismo não isquêmico (arterial ou de alto fluxo)
como a mais comum na infância.4 Outra causa frequente é Ereção persistente causada por influxo arterial caver-
evidenciada em pacientes com aplicação intracavernosa de noso não regulado, o qual não se torna isquêmico, além da
medicação à base de papaverina.5 Desde a introdução do uso gasometria não evidenciar hipóxia. O paciente geralmen-
de inibidores da fosfodiesterase 5 (IPDE-5), alguns relatos te relata uma ereção que não é totalmente rígida, embora
de priapismo foram publicados, porém não se comprovou possa ocorrer com o estímulo sexual, e não está associada
ele ser fator independente causal desta patologia.6 a dor. Esse tipo de priapismo, uma vez diagnosticado cor-
retamente, não requer intervenção de emergência. Antece-
Definição dente de trauma é a etiologia mais comum, e geralmente
É definido como uma ereção persistente, prolongada e associado a um trauma perineal que provoca formação de
dolorosa, que dura mais de quatro horas sem estímulo se- fístula na artéria cavernosa drenando diretamente no corpo
xual, e geralmente necessita de tratamento de emergência.6 cavernoso.9

Priapismo isquêmico (veno-oclusivo ou de baixo fluxo)


Diagnóstico
É uma ereção persistente marcada pela rigidez dos
corpos cavernosos e pouco ou nenhum influxo arterial História
cavernoso. É a forma mais comum de priapismo, respon- O diagnóstico é clínico e evidente no paciente não tra-
dendo por 95% de todos os episódios.6,7 Os pacientes nor- tado. A história tem muito valor, assim como anteceden-
malmente relatam dor e intervenções além de 48 a 72 ho- tes pessoais, principalmente no que se refere às doenças
ras do início podem ajudar a aliviar a ereção e dor, mas têm
de base, a medicamentos em uso e a traumas prévios à
pouco benefício em preservar a potência. A gasometria do
ereção indesejada. Compreender a etiologia é importante
sangue cavernoso é anormal e mostra hipercapnia, hipó-
e pode determinar o tratamento mais eficaz. Característi-
xia e acidose. O priapismo isquêmico é uma emergência,
cas que devem ser identificadas são (adaptado de Brode-
e quando não tratado, a resolução pode levar dias e resul-
rick et al.6):
ta, invariavelmente, em disfunção erétil (DE). O quadro 1
• Duração da ereção; presença de dor e sua intensi-
mostra as possíveis causas do priapismo de baixo fluxo.
dade;
Quadro 1. Condições associadas com priapismo de baixo fluxo. • História anterior de priapismo e método de trata-
Idiopática Antidepressivos: trazodona mento;
Doença falciforme Drogas: cocaína, crack • Função erétil atual, e uso de drogas que possam ter
precipitado o episódio (anti-hipertensivos, anticoa-
Hemoglobinopatia de Olmsted, Doenças neoplásicas: pênis, uretra,
Talassemia, leucemias, policitemia próstata, bexiga, rins, testículos gulantes, antidepressivos e outras drogas psicoativas,
álcool, maconha, cocaína e outras substâncias ilíci-
Antipsicóticos: clorpromazina Nutrição parenteral hiperlipídica
tas, e agentes vasoativos usados para a terapia de in-
Toxinas - picada de escorpião, Pacientes em hemodiálise usando
jeção intracavernosa, como alprostadil, papaverina,
picada de aranha, raiva, malária eritropoietina
prostaglandina E1, fentolamina e outros);
Anestesia geral ou regional Tratamento com heparina
• História de anemia falciforme, hemoglobinopatias
Farmacoterapia intracavernosa: pa- Doenças neurológicas: trauma ou estados de hipercoagulabilidade;
paverina, Trimix, Bimix, alprostadil raquimedular
• História de trauma pélvico, perineal ou no pênis.

92
Priapismo: fisiopatologia, avaliação e tratamento

Tabela 1. Achados principais na avaliação do priapismo.

Achado Priapismo isquêmico Priapismo não isquêmico

Corpos cavernosos totalmente rígidos Normalmente presente Raramente presente

Ereção dolorosa Normalmente presente Raramente presente

Trauma perineal Raramente presente Algumas vezes presente

Uso de drogas Algumas vezes presente Raramente presente

Doenças hematológicas Algumas vezes presente Raramente presente

PO2< 30; PCO2> 60; PO2> 90; PCO2< 40;


Gasometria
pH < 7,25 pH +-7,4

Tumescência crônica sem ereção completa Raramente presente Normalmente presente


Adaptado de Broderick et al.6

Avaliação laboratorial diagnóstico de priapismo não isquêmico.


A avaliação do priapismo deve se concentrar na dife- O papel da ressonância nuclear magnética (RNM) na
renciação de priapismo isquêmico do não isquêmico, sen- avaliação diagnóstica do priapismo é controverso. Pode ser
do a gasometria do sangue cavernoso essencial para essa útil em casos de priapismo isquêmico para avaliar a viabi-
diferenciação. (Tabela 1). lidade dos corpos cavernosos e a presença de fibrose penia-
No de baixo fluxo, o sangue é escuro e muito visco- na. A Associação Europeia de Urologia, em seu guideline
so, e no de alto fluxo, é vermelho rutilante. A avaliação 2016, orienta a realização de RNM do pênis nos casos de
laboratorial deve incluir um hemograma completo, com priapismo isquêmico prolongado, para prever a viabilidade
atenção especial para diferencial de glóbulos brancos e do músculo liso e confirmar a restauração da função erétil.14
A arteriografia pudenda seletiva pode revelar um ru-
contagem de plaquetas. Infecções agudas ou anomalias he-
bor característico no local da lesão da artéria cavernosa
matológicas que possam causar priapismo, como anemia
no priapismo de alto fluxo.15,16 No entanto, devido à sua
falciforme, leucemia e alterações plaquetárias, podem ser
invasividade, deve ser reservada para o manejo do priapis-
sugeridas ou identificadas pelo hemograma.10 Caso exista
mo arterial, quando a embolização está sendo considerada.
suspeita de doença falciforme ou traço, e como eletrofore-
se de hemoglobina não é um exame realizado em regime
de emergência, a triagem deve ser realizada por qualquer Tratamento
teste ou exame de esfregaço periférico.
Priapismo isquêmico
Exames de imagem É considerado uma síndrome compartimental e deve
Outro método confiável para o diagnóstico diferencial ser tratado o mais precocemente possível para evitar com-
de priapismo isquêmico do não isquêmico é a ultrasso- plicações tardias. A complicação mais comum do priapis-
nografia com Doppler (US), que pode ser utilizada como mo é a DE, que pode ocorrer em até 59% dos casos.17 A
alternativa à gasometria do sangue cavernoso ou adjuvan- seguir descreveremos a sequência preconizada atualmente
te a ela.11-13 Os pacientes com priapismo isquêmico têm para o manejo do priapismo de baixo fluxo.
pouco ou nenhum fluxo sanguíneo nas artérias caverno- 1º passo: Após a anestesia peniana, que pode ser reali-
sas, enquanto pacientes com priapismo não isquêmico têm zada desde o bloqueio do nervo dorsal até sedação anestési-
velocidade de fluxo sanguíneo normal ou aumentado. A ca, como no caso de crianças, um escalpe 16-19 Gauge deve
US revelará também a ausência de qualquer fluxo de san- ser inserido em um dos corpos cavernosos. Esta inserção
gue significativo dentro dos corpos cavernosos. Ela pode pode ser transglandar (punção de Winter) ou lateralmente
também ser realizada como um teste de rastreamento para na haste peniana. Prosseguir com aspiração do sangue do
detectar anomalias anatômicas, como fístula da artéria corpo cavernoso até a drenagem de sangue vermelho-vivo.
cavernosa ou pseudoaneurisma, em homens que já têm o A aspiração sozinha pode aliviar até 36% dos casos.1

93
2º passo: Quando a aspiração é difícil devido ao au- A tabela 2 ilustra outras possíveis drogas que podem
mento da viscosidade do sangue dentro do corpo caverno- ser administradas.
so, a irrigação com soro fisiológico 0,9% pode promover 4º passo: Tratamento mais invasivo deve ser utiliza-
a evacuação do sangue hipóxico viscoso.18 do quando, apesar da lavagem dos corpos cavernosos e
3º passo: Caso não seja bem-sucedida a aspiração, a uso de simpatomimético por horas, não se alcança de-
terapia atual de primeira linha é a administração de fenile- tumescência. O objetivo da cirurgia é criar um canal ou
frina na dose de 200 microgramas, a cada 3 a 5 minutos fístula que permita que o sangue desoxigenado seja dre-
até que a detumescência seja atingida (dose máxima de 1 nado dos corpos cavernosos ao corpo esponjoso ou até
miligrama em 1 hora). Fenilefrina é um agente agonista mesmo ao sistema venoso do paciente.1 Os shunts distais
alfa-1 seletivo que promoverá contração da musculatura devem ser realizados preferencialmente, pois os proxi-
lisa do corpo cavernoso, podendo liberar veias emissárias, mais são mais demorados e tecnicamente mais difíceis
drenagem do sangue represado e resolução do priapismo, (Tabela 3).
com a vantagem de não agir nos receptores beta.19 5º passo: Discutir a implantação imediata de uma

Tabela 2.

Medicamento Dosagem/Instrução para uso.

Etilefrina Injeção intracavernosa na concentração de 2,5 mg em 1-2 mL de solução salina.

Azul de metileno Injeção intracavernosa de 50-100 mg, deixada por cinco minutos. É então aspirado e o pênis comprimido por mais cinco minutos.

Adrenalina Injeção intracavernosa de 2 mL de solução de adrenalina 1/100.000 até cinco vezes ao longo de 20 minutos.

A administração oral de 5 mg para ereções prolongadas com duração superior a 2,5 horas que surgiram após injeção intracaver-
Terbutalina nosa de agentes vasoativos.

Tabela 3.

Shunts distais
Shunt distal percutâneo
Winter Uma agulha é inserida através da glande em direção ao corpo cavernoso várias vezes, criando uma fístula.

Ebbehoj Uma lâmina de bisturi 11 é passada várias vezes através da glande em direção ao corpo cavernoso, criando uma fístula maior.

Ebbehoj modificado usando o bisturi da lâmina 10 e girando o bisturi 90° e puxar para fora, criando abertura em forma de “T” na
T Shunt
túnica albugínea.

Shunt distal aberto


Uma incisão de 1 cm é feita distal ao sulco coronal com excisão de 5 × 5 mm de segmento cônico da túnica albugínea distal de
Al-Ghorab
cada corpo.

Burnett
Al-Ghorab modificado usando um dilatador Hegar 7/8 para evacuar o sangue isquêmico através de uma janela distal – proximal.
(Corporal Snake)

Shunts proximais
Shunt proximal aberto
Quackels (uni) ou Na posição de litotomia, o músculo bulbocavernoso é dissecado do corpo esponjoso e 1 cm de elipses dos corpos cavernosos e
Sacher (bilateral) esponjosos são incisadas/excisadas, e os defeitos são anastomosados juntos.

Shunt safenocavernoso/shunt cavernoso-veia dorsal


Grayhack A veia safena é ligada e anastomosada com o corpo cavernoso.

Barry A veia dorsal superficial ou profunda é ligada e anastomosada ao corpo cavernoso.

94
Priapismo: fisiopatologia, avaliação e tratamento

prótese peniana em casos de priapismo com início > 36 como manejo primário em homens adultos. Outras drogas
horas, ou nos casos em que todas as outras intervenções também descritas que podem ser utilizadas em pacientes
falharam. com recorrência frequente e difícil controle são digoxina,
baclofeno, gabapentina, terbutalina e hidroxiureia. A tera-
Priapismo não isquêmico pia com inibidores de PDE5, quando utilizada em regimes
Tratamento de priapismo de alto fluxo não é uma ur- de longo prazo não associados a condições estimulantes
gência, podendo ser programado. Resolução espontânea de ereção, alivia episódios de priapismo recorrente em ho-
ou resposta a terapia conservadora tem sido relatada em mens com priapismo associado a anemia falciforme e sem
até 62% das séries publicadas.1,20 A aspiração dos corpos afetar a capacidade erétil normal.27,28
cavernosos é utilizada somente para o diagnóstico, não
sendo útil para o tratamento e o uso de antagonistas al-
fa-adrenérgicos não é recomendado, devido a potenciais
Referências
1. Montague DK, Jarow J, Broderick GA, Dmochowski RR, Heaton
efeitos adversos graves. O tratamento conservador inclui JP, Lue TF et al; Members of the Erectile Dysfunction Guideline
Update Panel; Americal Urological Association. American Urolo-
aplicação de gelo ou compressão do sítio específico no gical Association guideline on the management of priapism. J Urol
períneo,21 principalmente em crianças.22 A terapia de pri- 2003;170:1318-24.
vação androgênica tem sido relatada para permitir o fe- 2. Roghmann F, Becker A, Sammon JD, Ouerghi M, Sun M, Sukumar S
et al. Incidence of priapism in emergency departments in the United
chamento da fístula reduzindo ereções espontâneas e re- States. J Urol 2013;190:1275-80.
lacionadas ao sono,23 sendo contraindicada em crianças. 3. Kulmala RV, Lehtonen TA, Tammela TL. Priapism, its incidence and
seasonal distribution in Finland. Scand J Urol Nephrol 1995;29:93-6.
Os pacientes que desejam alívio imediato podem receber
4. Nelson JH 3rd et al. Priapism: evolution of management in 48 pa-
embolização arterial seletiva, mesmo sabendo dos riscos tients in a 22-year series. J Urol 1977;117:455.
de DE (em caso de embolização bilateral), além de ra- 5. Porst H. The rationale for prostaglandin E1 in erectile failure: a sur-
vey of worldwide experience. J Urol 1996;155:802.
ros casos descritos de gangrena peniana, isquemia glútea, 6. Broderick GA, Kadioglu A, Bivalacqua TJ, Ghanem H, Nehra A,
cavernosite e abscesso perineal.6 Reservar a ligadura ci- Shamloul R. Priapism: pathogenesis, epidemiology, and manage-
ment. J Sex Med 2010;7:476-500.
rúrgica seletiva da fístula como opção de tratamento final
7. Berger R et al. Report of the American Foundation for Urologic Di-
quando a embolização falhar. sease (AFUD) Thought Leader Panel for evaluation and treatment of
priapism. Int J Impot Res 2001;13(Suppl 5):S39.
Priapismo recorrente 8. Serjeant GR, de Ceulaer K, Maude GH. Stilboestrol and stutte-
ring priapism in homozygous sickle-cell disease. Lancet 1985 Dec
Tem na doença falciforme a sua causa mais comum 7;2(8467):1274-6.
(42%-64%).24 Mas a causa também pode ser idiopática e, 9. Witt MA et al. Traumatic laceration of intracavernosal arteries: the
pathophysiology of nonischemic, high flow, arterial priapism. J Urol
em casos raros, pode ser devido a um distúrbio neuroló- 1990;143:129.
gico. O principal objetivo no manejo desses pacientes é 10. Burnett AL et al. Priapism: new concepts in medical and surgical
a prevenção de futuros episódios, que geralmente podem management. Urol Clin North Am 2011;38:185.
11. Bertolotto M et al. Color Doppler imaging of posttraumatic priapism
ser alcançados farmacologicamente. O manejo de cada before and after selective embolization. Radiographics 2003;23:495.
episódio agudo é semelhante ao do priapismo isquêmico. 12. Bertolotto M et al. Color Doppler appearance of penile cavernosal-s-
A pseudoefedrina, amplamente utilizada como descon- pongiosal communications in patients with high-flow priapism. Acta
Radiol 2008;49:710.
gestionante oral, pode ser utilizada como tratamento de 13. Hakim LS et al. Evolving concepts in the diagnosis and treatment of
primeira linha.25 arterial high flow priapism. J Urol 1996;155:541.
14. Eracleous E et al. Use of Doppler ultrasound and 3-dimensional
No entanto, o seu efeito no músculo liso do corpo ca-
contrast-enhanced MR angiography in the diagnosis and follow-
vernoso não é totalmente compreendido. A etilefrina tem -up of post-traumatic high-flow priapism in a child. Pediatr Radiol
sido utilizada com sucesso para prevenir o priapismo devi- 2000;30:265.
15. Kang BC et al. Post-traumatic arterial priapism: colour Doppler
do à anemia falciforme. É tomada por via oral em doses de examination and superselective arterial embolization. Clin Radiol
50-100 mg por dia, com taxas de resposta de até 72%.26 A 1998;53:830.
16. Kolbenstvedt A. et al. Arterial high flow priapism role of radiology in
principal ação da terapia hormonal sistêmica no priapismo
diagnosis and treatment. Scand J Urol Nephrol Suppl 1996;179:143.
recorrente é a supressão dos efeitos androgênicos sobre a 17. Montorsi F, Adaikan G, Becher E, Giuliano F, Khoury S, Lue TF et
ereção. Dos agentes hormonais sugeridos para a preven- al. Summary of the recommendations on sexual dysfunctions in men.
J Sex Med 2010;7:3572-3588.
ção, os agonistas da GnRH e os antiandrogênicos parecem 18. Ateyah A, Rahman El-Nashar A, Zohdy W, Arafa M, Saad El-Den H.
ser os mais eficazes e seguros. Eles são recomendados Intracavernosal irrigation by cold saline as a simple method of trea-

95
ting iatrogenic prolonged erection. J Sex Med 2005;2:248-53. globinopathies: prevalence, natural history and sequelae. J Urol
19. Salonia A, Eardley I, Giuliano F, Hatzichristou D, Moncada I, Vardi 1991;145:65.
Y et al. European Association of Urology guidelines on priapism. Eur 25. Lowe FC et al. Placebo-controlled study of oral terbutaline and pseu-
Urol 2014 Feb;65(2):480-9. doephedrine in management of prostaglandin E1-induced prolonged
20. Pryor J, Akkus E, Alter G, Jordan G, Lebret T, Levine L et al. Pria- erections. Urology 1993;42:51.
pism. J Sex Med 2004 Jul;1(1):116-20. 26. Olujohungbe AB et al. A prospective diary study of stuttering pria-
pism in adolescents and young men with sickle cell anemia: report of
21. Hatzichristou D et al. Management strategy for arterial priapism: the-
an international randomized control trial - the priapism in sickle cell
rapeutic dilemmas. J Urol 2002;168:2074.
study. J Androl 2011;32:375.
22. Corbetta JP et al. High flow priapism: diagnosis and treatment in pe- 27. Bivalacqua TJ et al. New insights into the pathophysiology of sickle
diatric population. Pediatr Surg Int 2011;27:1217. cell disease-associated priapism. J Sex Med 2012;9:79.
23. Mwamukonda KB et al. Androgen blockade for the treatment of high- 28. Pierorazio PM et al. Daily phosphodiesterase type 5 inhibitor therapy
-flow priapism. J Sex Med 2010;7:2532. as rescue for recurrent ischemic priapism after failed androgen abla-
24. Fowler JE Jr. et al. Priapism associated with the sickle cell hemo- tion. J Androl 2011;32:371.

96
SEÇÃO III
ANDROLOGIA E
REPRODUÇÃO HUMANA

CAPÍTULO 12
Reprodução masculina:
fisiologia, fisiopatologia e
avaliação do homem infértil
Sidney Glina
Com o advento da injeção intracitoplasmática do es- no.5 Pesticidas, sulfassalazina, nitrofurantoína, cimetidina,
permatozoide (ICSI), onde poucos espermatozoides são cafeína, nicotina, álcool e maconha têm sido incrimina-
suficientes para se obter uma gestação, muitos especia- dos como agentes gonadotóxicos. O uso de androgênios
listas passaram a ver o homem apenas como uma fonte esteroides anabolizantes e de testosterona pode suprimir
de gametas masculinos. Paralelamente, os tratamentos a secreção de gonadotrofinas hipofisárias e bloquear a es-
para infertilidade masculina evoluíram muito pouco nas permatogênese.
últimas décadas, o que tem reforçado a posição de que Da mesma forma, o uso dos inibidores da 5-alfa-redu-
não é necessária uma avaliação completa do homem com tase, principalmente a finasterida, pode afetar a produção
dificuldade para obter uma gestação, indo-se diretamente espermática.6 Normalmente, esses efeitos são revertidos
para as terapêuticas que utilizam as técnicas de reprodu- quando do término da exposição. É importante saber se o
ção assistida;1 além disso, 30%-40% dos casos de inferti- casal faz uso de lubrificantes, muitas vezes para facilitar a
lidade masculina são idiopáticos e não têm sua causa co- penetração vaginal, pois a maioria dos existentes no mer-
nhecida, o que impossibilita um tratamento específico.2 cado é espermicida.
Aproximadamente 15% dos casais não conseguem A espermatogênese depende de uma correta produ-
engravidar após um ano de relações sexuais constantes e ção de gonadotrofinas pelo hipotálamo e hipófise. O hi-
sem o uso de métodos anticoncepcionais. Nestes, o fator pogonadismo hipogonadotrófico, onde a produção destes
masculino é o responsável em 20% e contribui em outros hormônios está diminuída, pode levar à infertilidade no
30%-40%.2 homem adulto. Caracteriza-se por níveis diminuídos de
Entretanto, a avaliação do homem infértil traz vários be- LH, FSH e testosterona, além de concentrações espermá-
nefícios para o casal e eventualmente para a prole. Ela pode ticas inferiores a 5 milhões de espermatozoides/mL. Pode
apontar causas corrigíveis de infertilidade, que podem levar estar associado a anosmia, configurando a síndrome de
o casal a obter uma gestação espontaneamente. Por outro Kalmann.2
lado, pode identificar doenças genéticas que poderiam ser Varicocele é uma anormalidade encontrada em cerca
transmitidas para a prole ou mesmo orientar o melhor tra- de 10% dos homens adultos e em cerca de 25% nos ho-
tamento (microdeleção de AzfA no cromossomo Y implica mens inférteis. Não se conhece com precisão a relação
uma chance quase nula de se encontrar espermatozoides em causal entre esta anomalia e a infertilidade. Mas existem
uma biópsia testicular de um homem com azoospermia não evidências significativas de que a sua correção cirúrgica
obstrutiva) e por último pode identificar causas sistêmicas melhora a qualidade seminal e pode reverter o dano do
que levam à infertilidade como, por exemplo, as neoplasias.3 DNA espermático.2
Qualquer obstrução entre os testículos e a uretra
Causas da infertilidade masculina pode levar o homem a não ejacular espermatozoides,
caracterizando uma azoospermia obstrutiva. É menos
Em geral, a infertilidade masculina pode ser resultado
comum que a azoospermia não obstrutiva e ocorre em
de anormalidades urogenitais congênitas (ex.: criptorquidia)
15%-20% dos homens com azoospermia. Estes homens
ou adquiridas (ex.: orquite pós-caxumba, cirurgias, distúr-
apresentam testículos de volumes normais, epidídimos
bios ejaculatórios), neoplasias (50%-70% dos pacientes
aumentados e níveis normais de FSH. Epididimites po-
com câncer de testículo e até 30% dos pacientes com linfo-
dem causar obstrução nos epidídimos, a vasectomia é a
ma de Hodgkin apresentam alterações no espermograma no
causa mais frequente de obstrução deferencial e pode
momento do diagnóstico), infecções do trato urogenital, au-
ocorrer obstrução dos ductos ejaculadores. Na grande
mento da temperatura escrotal (varicocele), anormalidades
maioria das vezes estas causas podem ser corrigidas ci-
genéticas e fatores imunológicos, e ainda, endocrinopatias
rurgicamente.2
tais como: hipogonadismo, hiperprolactinemia.2,4
Infecções do trato genital masculino, como, por exem-
plo, as prostatovesiculites, são consideradas causas curá-
Causas corrigíveis da veis de infertilidade masculina, principalmente por altera-
infertilidade masculina rem a motilidade espermática.7
A exposição a drogas e toxinas ambientais pode alterar A ejaculação retrógrada é outra causa que pode ser
a espermatogênese diretamente ou pelo sistema endócri- tratada e caracteriza-se por diminuição da concentração

98
Reprodução masculina: fisiologia, fisiopatologia e avaliação do homem infértil

espermática, volume ejaculatório diminuído e presença Quadro 1. Limites do espermograma (percentil 5)


de número significativo de espermatozoides na urina. Parâmetro Valor
Pode ser idiopática, causada por cirurgias sobre o colo
vesical, neuropatia diabética e o uso de drogas simpato- Volume seminal (mL) 1,5
miméticas.7
Número total de espermatozoides (x 106) 39

Quem e quando investigar? Concentração espermática (106/mL) 15


Devem ser investigados casais que estão tentando obter
Motilidade total (%) 40
gestação há pelo menos um ano com relações sexuais sem
proteção; em casais onde a parceira tem mais de 35 anos
Motilidade progressiva (%) 32
esta avaliação pode ser antecipada. Tanto o homem como a
mulher devem ser avaliados, pois a alteração em um deles Vitalidade (%) 58
não exclui a possibilidade do(a) parceiro(a) também ter al-
guma causa de infertilidade.2 Morfologia (formas normais, %) 4

pH >7,2
Como investigar?
Na primeira consulta o urologista deve avaliar a histó- Leucócitos Peroxidase-positiva (106/mL) <1,0

ria médica e reprodutiva do casal. São pontos importantes:


Frequência das relações sexuais e momento em que O sêmen deve ser coletado por masturbação ou durante
ocorrem, para ver se o período ovulatório foi atingido; coito com o uso de condons atóxicos após período de abs-
duração da infertilidade e fertilidade prévia (não exclui tinência de dois ou três dias. A amostra pode ser coletada
infertilidade secundária); doenças sistêmicas nos últimos no laboratório, ou se em casa deve ser mantido à tempera-
meses; cirurgias prévias; uso de medicações e alergias, tura corporal e examinado em até uma hora.7
passado de doenças sexualmente transmissíveis e exposi- Como a coleta seminal pode não ser a ideal pelas con-
ção a gonadotoxinas.3 dições locais ou pelo constrangimento do paciente, um
No exame físico é fundamental avaliar caracteres se- exame anormal deve ser confirmado por uma segunda co-
xuais secundários, volume dos testículos, presença e tama- leta feita 2 a 3 semanas após a primeira.7
nho dos epidídimos, presença de deferentes (o diagnóstico As alterações seminais são classificadas em:
da agenesia congênita dos ductos deferentes é feita pela
• oligozoospermia: < 15 x 106 espermatozoides/mL;
ausência destes no exame físico), tamanho do pênis e posi-
ção do meato uretral. Além disso, o urologista deve palpar • azoospermia: ausência de espermatozoides no eja-
os cordões espermáticos do paciente em pé, em repouso culado (confirmado por centrifugação da amostra);
e durante manobra de Valsalva para avaliar a presença de • astenozoospermia: < 32% espermatozoides com
varicocele.7 motilidade progressiva;
Nessa consulta inicial devem ser revistos os exames • teratozoospermia: < 4% formas normais.
que o paciente já fez e se não tiver feito nenhum deve ser
O valor clínico da teratozoospermia isolada continua
solicitado um espermograma.
controverso. No passado já foi considerado muito impor-
tante e era por si só um indicador para a realização de in-
Espermograma3,7 jeção intracitoplasmática de espermatozoides. Hoje várias
O espermograma é a base da análise laboratorial da evidências mostram que a teratozoospermia isolada não
fertilidade masculina e ajuda a definir a gravidade do fa- deve ser utilizada como valor prognóstico ou indicador de
tor masculino. O exame deve ser realizado em laborató- terapêutica.7
rios que seguem os padrões da Organização Mundial da A avaliação de leucócitos a fresco no esperma é difícil
Saúde (OMS). No quadro 1 estão os padrões considera- e estes podem ser confundidos com células germinativas
dos normais pela OMS; na realidade são os valores no li- jovens. A sua identificação correta é pela coloração com
mite inferior de amostras de homens férteis (percentil 5). peroxidase.7

99
Na análise da urina (centrifugada por 10 minutos),
Outros testes a serem considerados o achado de qualquer número de espermatozoides em
Avaliação hormonal um paciente com azoospermia ou aspermia sugere for-
O hipogonadismo hipo ou hipergonadotrófico, além temente o diagnóstico de ejaculação retrógrada.7
da hiperprolactinemia são etiologias reconhecidas da in-
Avaliação de infecção do trato
fertilidade masculina.
urogenital masculino
Por esta razão na avaliação do homem infértil deve
A presença de leucospermia (mais de 1 milhão de
ser incluída a dosagem de testosterona e FSH, princi-
leucócitos/mL de esperma), com ou sem a presença de
palmente se o espermograma mostrar concentração es-
permática inferior a 10 milhões de espermatozoides/mL. astenospermia sugere a possibilidade de uma prostatove-
Estas dosagens normais excluem a causa endócrina; se o siculite. A espermocultura é um exame pouco valorizado,
nível de testosterona estiver baixo deve–se pedir dosa- pois a coleta por masturbação dificulta a manutenção da
gem de LH e prolactina.2,7 A interpretação dos exames assepsia. Assim, prefere-se a cultura fracionada, onde se
está no quadro 2. cultiva a urina do primeiro jato, jato médio, líquido pros-
tatovesicular (LPV), obtido por massagem prostática ou
Exame de urina após ejaculação espermocultura e a urina emitida após a ejaculação. Na
Volume do ejaculado diminuído (hipospermia) ou maioria das vezes estas infecções são causadas por ger-
ausente (aspermia) pode indicar ejaculação retrógrada, mes Gram-negativos.2 Interpretação do resultado da cul-
obstrução dos ductos ejaculatórios, diminuição da pro- tura fracionada está no quadro 3.
dução de testosterona ou agenesia congênita dos defe-
rentes. Nos pacientes que não tiverem quadro de hipo- Ultrassonografia escrotal
gonadismo ou tiverem deferentes palpáveis e o volume A ultrassonografia escrotal pode ser útil para avaliar
seminal for menor que 1 mL, o urologista deve pedir situações não claras ao exame físico ou para confirmar
exame da urina emitida após a ejaculação. os achados deste, como no caso das massas testiculares.

Quadro 2. Níveis sanguíneos hormonais e condições endócrinas.

Condição clínica Testosterona FSH LH Prolactina

Normal Normal Normal Normal Normal

Hipogonadismo hipogonadotrófico Baixo Baixo Baixo Normal

Hipogonadismo hipergonadotrófico Baixo/Normal Elevado Elevado Normal

Hiperprolactinemia Baixo Normal Normal Alto

Quadro 3. Interpretação da cultura fracionada para avaliação de infecção urogenital.

Condição clínica Primeiro jato urina Jato médio urina LPV/espermocultura Urina pós-ejaculação

Contaminação Positivo Positivo Positivo Positivo

Cistite Negativo Positivo Positivo/negativo Positivo

Prostatovesiculite Negativo Negativo Positivo Positivo

100
Reprodução masculina: fisiologia, fisiopatologia e avaliação do homem infértil

O diagnóstico de varicocele subclínica (não palpável ao diagnóstico e prognóstico nos casos de azoospermia; en-
exame clínico) pelo exame ultrassonográfico não tem sig- tretanto, hoje ela deve ser utilizada associada à captação
nificado clínico.2,7 de espermatozoides para ICSI nos casos de azoospermia
não obstrutiva e para comprovação da espermatogênese
Ultrassonografia transretal nos casos de azoospermia obstrutiva, quando se objetiva a
A ultrassonografia transretal está indicada na avalia- reconstrução microcirúrgica.2
ção de pacientes que apresentam ductos deferentes e têm
oligospermia grave ou azoospermia, além de baixo volu- Testes genéticos
me de sêmen (hipospermia) para avaliar a possibilidade Homens com infertilidade têm significativamente
de obstrução total ou parcial dos ductos ejaculatórios. maior prevalência de anomalias genéticas. O uso da ICSI
Nestes casos pode-se observar dilatação das vesículas em homens com oligospermia grave ou azoospermia não
seminais e dos ductos ejaculatórios ou cistos na linha obstrutiva pode fazer com que estas anomalias passem
média prostática.2,7 para a prole e esta transmissão genética pode incorrer em
abortamentos, defeitos genéticos e infertilidade.7
Teste da fragmentação do DNA espermático As três principais alterações genéticas relacionadas
A integridade do DNA espermático parece ser impor- com infertilidade são as alterações cromossômicas (a
tante para a ocorrência da gestação. Entretanto, os ensaios principal é a síndrome de Klinefelter), as microdeleções
clínicos atualmente utilizados para esta avaliação têm do cromossomo Y e a mutação do gene da fibrose cística
sensibilidade e especificidade inadequadas para serem (Cystic fibrosis transmembrane conductance regulator
usados como teste diagnóstico de rotina no homem com gene).7
infertilidade e não existem evidências suficientes na lite- Nos homens com oligospermia grave (< 5 milhões
ratura que sustentem este uso.7 espermatozoides/mL) ou azoospermia não obstrutiva
devem ser solicitados o cariótipo e a pesquisa da micro-
Teste para espécies reativas de oxigênio
deleção do cromossomo Y e em caso de resultado posi-
(Reactive oxygen species-ROS)
tivo, o casal deve ser encaminhado para aconselhamento
As ROS são geradas no sêmen pelos leucócitos e cé-
genético. O cromossomo Y tem três regiões que impac-
lulas espermáticas; em quantidades normais têm papel na
tam na espermatogênese, AZFa, AZGb e AZFc; meninos
capacitação do espermatozoide e na reação acrossômica
nascidos de pais com microdeleção devem herdar esta
e em concentrações elevadas podem ser causa de inferti-
condição e também serão inférteis. Por outro lado, não
lidade, por afetarem a função do espermatozoide. Entre-
tem sido reportado ou achado de espermatozoides em
tanto, os testes utilizados para o diagnóstico de ROS não
homens com azoospermia não obstrutiva e microdeleção
têm se mostrado adequados como preditores de gestação,
de AZFa ou b, dando a este achado um fator prognóstico
além do que não existem terapias comprovadamente efeti-
clínico.7
vas para o tratamento da condição clínica onde ocorresse
A mutação do gene da fibrose cística está relacionada à
excesso de ROS.7
agenesia congênita dos ductos deferentes. É um gene que
Testes para anticorpos antiespermatozoides apresenta mais de mil mutações descritas e estas ocorrem
É reconhecido que os anticorpos antiespermatozoides em cerca de 4% dos caucasianos. O homem com agene-
diminuem a chance de gestação; eles causam geralmente sia congênita dos ductos deferentes tem espermatogênese
uma astenospermia isolada e aglutinação espermática na normal e seus espermatozoides são facilmente captados
avaliação seminal. Nestes casos, o único tratamento efe- na cabeça dos epidídimos e utilizados para ICSI com bom
tivo é a realização de reprodução assistida com injeção resultado. Entretanto, como a mutação é comum e existe
intracitoplasmática de espermatozoides. Sendo assim, os risco para a prole ter fibrose cística (doença grave e muitas
testes para anticorpos antiespermatozoides não têm sido vezes incompatível com a vida) é necessário que ambos
utilizados na prática clínica.3 os membros do casal sejam testados para esta mutação.
Normalmente os laboratórios testam as 30-50 mutações
Biópsia testicular mais frequentes e o sequenciamento do gene é deixado
Tradicionalmente a biópsia testicular era usada para para casos duvidosos.2,7

101
Referências
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Jan;14(1):103-8. Tratado de Clínica Médica. 1ª ed. São Paulo: Roca, 2006. p. 2950-
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C, Tournaye H. Guidelines on male infertility. EUA, 2015.
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Finasteride-associated male infertility. Rev Hosp Clin Fac Med Sao
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lity? Sperm parameters of men with cancers. Andrologia 2016 7. The optimal evaluation of the infertile male. AUA Best Practice Sta-
Apr;48(3):333-40. tement – 2010.

102
SEÇÃO III
ANDROLOGIA E
REPRODUÇÃO HUMANA

CAPÍTULO 13
Infertilidade masculina:
tratamentos cirúrgico
e não cirúrgico
Marcello A. S. Cocuzza
Bruno C. Tiseo e
Guilherme J. A. Wood
seminal e desemboca como ductos ejaculatórios na
Introdução
próstata, no vero montanum.
A infertilidade atinge aproximadamente 15% dos
Testículos, hipófise e hipotálamo compõem o eixo
casais em idade reprodutiva, alterando de maneira pro-
hormonal, que regula a função reprodutiva masculina.
funda os aspectos essenciais na vida dessas pessoas.
O hipotálamo produz o hormônio liberador da gona-
Em aproximadamente 30% dos casos a infertilidade é
dotrofina (GnRH) de modo intermitente, e o libera no
causada apenas por fatores masculinos, enquanto ou-
sistema porta-hipofisário, estimulando a hipófise para
tros 20% apresentam causas masculinas e femininas
a produção do hormônio luteinizante (LH) e do hor-
combinadas. Portanto, a avaliação e o tratamento do
mônio folículo-estimulante (FSH).
homem assumem importância vital na condução de
O FSH atua nas células de Sertoli promovendo a
um casal infértil.
estimulação da espermatogênese. Já o LH atua nas
células de Leydig, estimulando a produção de testos-
Sistema reprodutivo masculino terona (T), que tem função de virilização e atua no
A fertilidade de um indivíduo depende da integri- ciclo da espermatogênese. A T é convertida no tecido
dade do complexo mecanismo anatômico e endócrino gorduroso periférico em estradiol (E) pela aromatase,
envolvido na reprodução masculina. A produção de a qual tem efeito de feedback negativo sobre hipotála-
espermatozoides ocorre nos testículos, os quais tem mo e hipófise, inibindo a produção e liberação de FSH.
o suprimento sanguíneo realizado pelas artérias testi-
culares, deferenciais e cremastéricas, com predomínio
Avaliação clínica
da primeira. O retorno venoso ocorre através do plexo
pampiniforme, que corresponde a uma rede anasto- Anamnese
mótica que em conjunto com a posição pendente do A infertilidade conjugal é definida após 12 meses
testículo o mantém com temperatura cerca de 2 a 4°C de relações sexuais desprotegidas sem que seja esta-
abaixo da corporal e confere o bom funcionamento belecida uma gravidez. Quanto mais tempo um casal
da gônada. O parênquima testicular é composto por permanecer infértil, menor a chance de conceber na-
túbulos seminíferos onde se localizam as células de turalmente. Portanto, recomendamos que a avaliação
Sertoli e Leydig, as quais são responsáveis pela esper- seja iniciada tão logo o paciente se apresente com a
matogênese e pela produção de testosterona, respec- queixa principal de infertilidade. A história clínica, o
tivamente. Estes túbulos se interligam e desembocam exame físico e os testes laboratoriais são essenciais no
na região posterior do testículo onde se inserem na diagnóstico, tratamento e orientação do homem infér-
cabeça do epidídimo. til. A idade do casal, duração da infertilidade, história
No epidídimo ocorre a coalescência destes túbulos prévia de gravidez, métodos contraceptivos utilizados
em apenas um túbulo convoluto que se estende por 3 a no passado, bem como a frequência e o período do
5 metros de comprimento e corresponde a quase tota- ciclo menstrual em que o paciente vem mantendo re-
lidade do conteúdo epididimário. Este túbulo enovela- lações sexuais devem ser investigados. A maioria dos
do tem como função a maturação espermática, trânsito especialistas orienta os pacientes a manter intercurso
e armazenamento de espermatozoides. sexual a cada dois dias no período ovulatório e perio-
A porção final do epidídimo é denominada cauda e vulatório, para garantir a presença de espermatozoi-
é onde o túbulo epididimário se continua com o ducto des móveis na tubas uterinas durante a passagem do
deferente que inicialmente é convoluto e ao se distan- ovócito.
ciar do epidídimo torna-se reto. Este ducto percorre A criptorquidia unilateral ou bilateral é associada
o funículo espermático até o canal inguinal e após a com a diminuição da espermatogênese. Aproximada-
passagem pelo anel inguinal interno penetra o retro- mente 75% dos homens que se submeteram ao trata-
peritônio até a próstata onde se une com cada vesícula mento adequado da criptorquidia unilateral serão ca-

104
Infertilidade masculina: tratamentos cirúrgico e não cirúrgico

pazes de engravidar suas esposas, enquanto que a taxa ratospermia. Trabalhadores expostos ao calor intenso
de fertilidade dos homens que tiveram criptorquidia também desenvolvem uma alteração transitória da
bilateral é de 50%. qualidade espermática, assim como o uso frequente
Infecções do trato genital masculino tais como de saunas e banheiras com água quente. Muitos conta-
prostatite e epididimite, podem levar à obstrução do minantes ambientais já foram associados a alterações
trato reprodutivo e subsequente infertilidade. História em gametas femininos e masculinos, entre eles, me-
prévia de orquite pós-caxumba é importante. O aco- tais pesados, substâncias químicas, pesticidas, xeno-
metimento testicular ocorre em 40 – 70% dos casos de -hormônios.
caxumba pós-puberal.
Pacientes com câncer testicular podem ser trata- Exame físico
dos com quimioterapia, radioterapia, cirurgia retro- O exame físico do homem infértil deve ser reali-
peritoneal, ou uma combinação destas técnicas. Em zado em sala aquecida ou após a aplicação de bolsa
média, 60% dos pacientes apresentam alteração no de água quente ao escroto para que haja adequado
espermograma previamente ao tratamento da neopla- relaxamento do dartos e do cremáster. Deve-se dar
sia. Após o tratamento, pode demorar até 10 anos para atenção especial à genitália e aos caracteres sexuais
que o paciente volte a apresentar espermatozoides no secundários. Alguns sinais como a rarefação nas áreas
seu ejaculado. axilares, púbicas, faciais e corporais, podem indicar
A idade em que o paciente atingiu a puberdade deficiência androgênica.
também é importante, já que a puberdade precoce A ginecomastia é um indicador importante de
pode indicar a presença de uma síndrome adrenoge- estados feminilizantes ou de anormalidades endo-
nital, enquanto a puberdade atrasada pode indicar um crinológicas. Ocorre mais frequentemente bilateral-
hipogonadismo ou síndrome de Klinefelter. mente e é percebida facilmente ao examinarmos o
Cirurgias vesicais, pélvicas, retroperitoneais e paciente sentado, palpando o tecido glandular com as
transuretrais podem resultar em disfunção ejaculató- pontas dos dedos. O desenvolvimento rápido sugere
ria. Lesão iatrogênica do deferente pode ter ocorrido manifestações endócrinas de um tumor testicular. A
em pacientes submetidos à herniorrafia previamente. presença de testículos pequenos e firmes associada à
Exposição a medicamentos e toxinas ambientais ginecomastia é típica da síndrome de Klinefelter.
podem afetar a fertilidade. O fumo pode afetar a con- Uma diminuição no volume e na consistência tes-
centração, motilidade espermática e estrutura do DNA ticular está frequentemente associada a uma alteração
do espermatozoide. Alcoólatras com cirrose hepática na espermatogênese. O tamanho testicular geralmente
exibem alteração no eixo hipotálamo-hipófise-testicu- se correlaciona com a qualidade do sêmen. Os túbu-
lar assim como deficiência em algumas vitaminas que los seminíferos são responsáveis por cerca de 90 a
levam a uma função testicular inadequada. Maconha 95% do volume testicular, sendo o restante composto
e haxixe diminuem a densidade e a motilidade esper- pelas células de Leydig e estruturas de sustentação.
mática e aumenta as anormalidades morfológicas dos A presença de anorquia ou de testículos não desci-
espermatozoides. A administração de anabolizantes dos deve ser verificada. No caso de criptorquidismo,
esteroides resulta em diminuição da secreção de FSH o testículo pode estar localizado no canal inguinal ou
e LH, produzindo hipogonadismo hipogonadotrófico em posições intra-abdominais ou no retroperitônio.
e consequente alteração na espermatogênese. A presença de um testículo pequeno unilateral pode
A exposição ocupacional a gonodotoxinas é uma indicar infecção prévia, inflamação, lesão vascular ou
preocupação crescente dos países industrializados. O varicocele.
uso de pesticidas e o contato com cádmio, chumbo Cada cordão espermático deve ser individualmen-
e manganês interferem na função reprodutiva mas- te avaliado. Agenesias de ducto deferente bilateral
culina, causando oligospermia, astenospermia e te- estão associadas à fibrose cística e unilateral a alte-

105
rações embriológicas dos ductos mesonéfricos resul- Tabela 1. Parâmetros de referência sugeridos pela Organização Mundial
de Saúde.
tando em agenesia renal ipsilateral. Deve-se atentar
para a presença de varicocele ao exame, que pode ser Parâmetros seminais
palpadas ou até mesmo observadas visualmente con-
Volume seminal 1,5 mL (1,4 – 1,7)
forme o grau de dilatação dos vasos do plexo pam-
piniforme. Varicocele deve ser graduada clinicamente Número total de espermatozoi-
39 milhões (33 – 46)
como Grau I quando apenas é palpada à manobra de des no ejaculado
Valsalva, Grau II quando é palpada em repouso e Grau
Concentração espermática 15 milhões/mL (12 – 16)
III quando pode ser observada através da pele do es-
croto ao repouso. Vitalidade total 58% (55 – 63)

Motilidade progressiva 32% (31 – 34)


Avaliação laboratorial
Motilidade total (progressiva +
40% (38 – 42)
Análise seminal não progressiva)

Apesar do espermograma ser o exame disponível Morfologia (Kruger) 4% (3 – 4)


mais utilizado na prática clínica, os parâmetros se-
minais avaliados isoladamente possuem limitações Exames hormonais
relacionadas à etiologia da disfunção espermática
Testosterona sérica, LH e FSH devem ser coletados
assim como na determinação da sua capacidade de
de pacientes com infertilidade ou quando algum sinal
fertilização. O valor prognóstico dos parâmetros se-
do exame físico sugira alterações endocrinológicas. Se
minais como concentração, motilidade e morfologia a T estiver abaixo dos valores normais, o FSH e o LH
é limitado como forma de diagnóstico de fertilidade contribuem para a definição da etiologia do hipogona-
ou infertilidade. A análise seminal deve ser realizada dismo em central ou periférico. LH e FSH diminuídos
preferencialmente ao menos em duas ocasiões e com caracterizam hipogonadismo hipogonadotrófico, e a
intervalos de 7 a 14 dias entre as coletas, precedidas de investigação da hipófise com ressonância nuclear mag-
um período de 3 a 5 dias de abstinência de ejaculação. nética auxilia na distinção entre patologia hipofisária
Baixo volume seminal pode corresponder a coleta ou hipotalâmica. A prolactina sérica também deve ser
incompleta da amostra, mas pode também correspon- coletada nestes pacientes, pois a causa mais comum
der a hipogonadismo, ejaculação retrograda ou obs- de hipogonadismo hipogonadotrófico é a presença de
trução dos ductos ejaculatórios. Quando o pH é ácido microprolactinoma hipofisário que gera inibição da se-
e não é detectada frutose no líquido seminal, a qual creção de GnRH. Diminuição da relação T/E2 deve ser
é produzida nas vesículas seminais, o diagnóstico de investigada em pacientes com índice de massa corpó-
obstrução dos ductos ejaculatórios deve ser suspeitado. rea elevado devido a conversão periférica da T em E2
A integridade do DNA espermático é essencial pela aromatase.
para a transmissão de informações genéticas. Estudos
demonstram que a fecundidade diminui quando mais Avaliação genética
de 30% dos espermatozoides apresentam fragmenta- Pacientes com azoospermia ou oligospermia se-
ção do DNA, e este é um fator independente das de- vera devem ser investigados para a presença de al-
mais características da qualidade seminal. A pesquisa terações genéticas. Os achados mais comuns nestes
de fragmentação no DNA do espermatozoide é es- pacientes são anormalidades no cariótipo ou microde-
pecialmente importante nos casais com infertilidade leções no Y.
idiopática e naqueles que serão submetidos a técnicas A alteração genética mais comumente encontrada é
de reprodução assistida (Tabela 1). a síndrome de Klinefelter (46XXY). As microdeleções

106
Infertilidade masculina: tratamentos cirúrgico e não cirúrgico

no Y são relacionadas a alterações na zona AZF (azoos- ser realizado com ligadura dos vasos poupando-se a
permia factor), e são encontradas em cerca de 10% dos artéria e os vasos linfáticos através de acesso subingui-
pacientes com alteração grave no espermograma. Pa- nal e técnica microcirúrgica, a qual tem menor taxa de
cientes com microdeleção do Y devem ser diagnosti- recorrência e de hidrocele pós-operatória.
cados e corretamente aconselhados, já que 60% destes A correção cirúrgica da varicocele deve ser consi-
são biologicamente estéreis e os outros 40% transmiti- derada mesmo em pacientes portadores de azoosper-
rão este fenótipo de subfertilidade para a prole. mia não-obstrutiva. Em 30 a 50% dos casos é possível
Mutações no gene da fibrose cística devem ser in- encontrar espermatozoides móveis após o tratamento,
vestigados em pacientes com agenesia bilateral ou uni- reduzindo a necessidade do uso de injeção citoplasmá-
lateral dos ductos deferentes. Se presente, a parceira tica (ICSI) para fecundação ou de técnicas de captação
também deve ser avaliada já que esta pode apresentar de espermatozoides, desonerando o tratamento do pa-
a mutação em um dos alelos em cerca de 4% dos ca- ciente.
sos, e o uso de técnicas de reprodução assistida neste
casal pode acarretar em uma prole com risco elevado Tratamento hormonal
de fibrose cística. O hipogonadismo hipogonadotrófico pode ser tra-
tado a partir da determinação da causa base. Nos casos
Tratamento de hiperprolactinemia o uso de agonistas do receptor
da dopamina tem bons resultados. A gonadotrofina co-
Aconselhamento riônica (hCG) e o FSH recombinante podem ser utili-
A correção da causa da infertilidade deve ideal- zados nos casos de hipogonadismo primário. O citrato
mente possibilitar o retorno da fertilidade do casal e de clomifeno é uma droga sintética não esteroide e
possibilitar a gravidez espontânea. Inicialmente deve- com ação antiestrogênica central, estimulando a secre-
-se orientar sobre a relação sexual em si, a ejaculação ção de gonadotrofinas. Pode ser utilizado em pacientes
intravaginal, e sobre o período ao redor da ovulação hipogonádicos com baixos níveis de T sem elevação
ideal para a fecundação. Deve-se também orientar con- compensatória de FSH adequada.
tra a utilização de lubrificantes que podem alterar a
função do espermatozoide.
Azoospermia obstrutiva
O estilo e hábito de vida também afetam a fertili-
O tratamento de pacientes com obstrução do siste-
dade masculina. Uma dieta rica em frutas, vegetais e
ma ductal pode seguir dois caminhos: a correção ci-
grãos integrais pode promover aumento da integridade
rúrgica da obstrução ou a coleta de espermatozoides
do DNA do esperma. O uso do álcool e o tabagismo es-
para ICSI. A escolha da estratégia é baseada em alguns
tão relacionados a alterações na fertilidade masculina e
fatores.
devem ser interrompidos, assim como o uso de drogas A obstrução dos ductos deferentes pode ser de-
ilícitas. A exposição continuada a altas temperaturas, corrente de lesão iatrogênica (mais comumente va-
como saunas e banhos quentes deve ser desencorajada sectomia prévia), ou por infecção do trato genital por
no homem infértil, visto que a hipertermia tem sido Neisseria gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis ou
relacionada a uma variedade anormalidades do sêmen, Mycoplasma tuberculosis. A demanda pela reversão de
particularmente de concentração e motilidade. vasectomia aumentou nos últimos anos pela crescente
aceitação da vasectomia como um método seguro e efi-
Varicocele caz na contracepção, além do aumento das separações
Pacientes com varicocele palpável e infertilidade matrimoniais em idade reprodutiva. Os principais fa-
beneficiam-se do seu tratamento com varicocelectomia tores que influenciam o sucesso do procedimento são
melhorando a qualidade seminal e aumentando as ta- o intervalo entre a obstrução e a reversão, técnica mi-
xas de gravidez espontânea. O tratamento ideal deve crocirúrgica, experiência do cirurgião e a qualidade do

107
fluido seminal avaliado do coto epididimário.
Azoospermia não obstrutiva
A reconstrução deve ser realizada por um cirurgião
Este grupo de pacientes é afetado por uma disfun-
experiente e com técnica microcirúrgica. O achado de
ção na espermatogênese normalmente com testículos
espermatozoides inteiros em pelo menos um dos cotos
atróficos e com FSH elevado. O tratamento destes ca-
deferenciais durante o procedimento significa sucesso
sos mudou drasticamente nas últimas décadas devido a
na permeabilidade da anastomose superior a 90%. O
introdução da microdissecção testicular (Micro-TESE)
tempo de obstrução é importante já que casos com mais
na qual é possível coletar espermatozoides diretamente
de 15 anos de obstrução tem menor chance de patência
dos túbulos seminíferos. O sucesso deste procedimento
dos ductos deferentes e epidídimo. Ausência de esper-
varia de 35 a 60%, e é particularmente efetivo em ca-
matozoides ou líquido espesso (aspecto de “pasta de
sos de azoospermia secundária a hipogonadismo hipo-
dente”) proveniente do coto testicular do ducto deferen-
gonadotrófico e criptorquidia, por exemplo. Casos com
te sugerem obstrução epididimária, e são indicações in-
síndrome de Klinefelter, microdeleção do cromossomo
traoperatórias de vasoepidídimo anastomose. Em casos
Y (especialmente na região AZFa), e síndrome Sertoli
de obstrução no nível dos ductos ejaculatórios a conduta
cell only, no entanto, tem piores taxas de sucesso e estão
adequada é a ressecção transuretral, atingindo taxas de
associados a implicações genéticas na prole que devem
gravidez sem reprodução assistida de 25%.
ser discutidas extensamente com o casal previamente ao
O uso da ICSI é indicado na impossibilidade ou
insucesso da correção cirúrgica ou nos casos em que procedimento, incluindo adoção ou utilização de esper-
existe também causa feminina associada que necessita- ma de doadores no leque de terapias alternativas.
rá de reprodução assistida. A coleta de espermatozoides
através de aspiração epididimária (PESA) é a preferida Referência recomendada
já que é de baixo custo, baixa complexidade e tem alta 1. Niederberge CS. Male Infertility. IN: Wein A, Kavoussi LR, Partin
AW, Peters CA, editors. Campbell’s urology. 11. ed. Philadelphia:
taxa de sucesso. W.B. Saunders; 2016.

108
SEÇÃO III
ANDROLOGIA E
REPRODUÇÃO HUMANA

CAPÍTULO 14
Hipogonadismo
e reposição de
testosterona
Geraldo Eduardo de Faria
O hipogonadismo de início tardio, ou hipogona- vada ainda mais pela falta de atividade física. Pode
dismo do homem idoso, também definido como de- ocorrer uma diminuição da densidade mineral óssea,
ficiência androgênica do envelhecimento masculino resultando em osteopenia e osteoporose.7
(DAEM), é uma síndrome clínica e bioquímica carac- Não necessariamente todos os pacientes com
terizada por sinais e sintomas típicos e níveis baixos DAEM apresentam estes sintomas na íntegra. Mui-
de testosterona sérica que podem causar prejuízo im- tas destas manifestações clínicas são inespecíficas e
portante na qualidade de vida e afetar negativamente a podem ter origem multifatorial. Comorbidades, uso
função de múltiplos órgãos e sistemas.1 de medicamentos, alcoolismo, tabagismo, depressão,
Com o envelhecimento, diversas alterações fisio- inatividade física e falta de parceria sexual são fato-
lógicas são responsáveis pela diminuição da produção res que podem mimetizar o mesmo quadro do hipogo-
de testosterona. Existe um progressivo grau de falên- nadismo do idoso. Portanto, o diagnóstico do DAEM
cia testicular, com diminuição do número de células deve estar alicerçado na constatação de níveis labora-
de Leydig e redução da perfusão arterial testicular. A toriais de testosterona inferiores à normalidade e pre-
diminuição do nível sérico de testosterona pode tam- sença de sintomas característicos do problema.8
bém estar relacionada à modificação da resposta fisio- Os valores normais de testosterona variam de acor-
lógica do eixo hipotálamo-hipofisário-gonadal.2 do com a metodologia empregada pelos laboratórios
A partir da quarta década de vida, os níveis de tes- e a definição bioquímica de hipotestosteronemia em
tosterona declinam em média 1% ao ano. No entanto, homens idosos ainda não está claramente estabeleci-
este fenômeno não é constante, sendo o hipogonadis- da. A utilização de diferentes técnicas resulta em fai-
mo bioquímico encontrado em apenas 12% dos ho- xas de normalidade bastante variáveis. Recomenda-se
mens na faixa etária de 50 anos, aumentando a inci- que a coleta de amostras para a dosagem do hormônio
dência para até 68% aos 70 anos de idade. Entretanto, seja realizada no período matinal. Para se estabelecer
percentual expressivo destes homens não apresenta o diagnóstico de DAEM, a dosagem subnormal de tes-
manifestações clínicas acompanhando o déficit hor- tosterona deve ser confirmada por meio de uma segun-
monal e a caracterização do DAEM como síndrome da dosagem.7
clínica e bioquímica é encontrada somente entre 6% Quando houver dúvida no diagnóstico laboratorial
a 12% dos homens entre 40 e 60 anos e 18% daqueles de hipogonadismo pela dosagem da testosterona total,
com mais de 70 anos.3 recomenda-se utilizar a medida da testosterona livre
calculada a partir das dosagens dos valores do SHBG

Diagnóstico e da albumina.9

O DAEM é caracterizado por um início insidioso e


uma progressão clínica lenta, com manifestações sis- Tratamento
têmicas variáveis, normalmente atribuídas às conse- A terapia de reposição hormonal com testosterona
quências naturais e indesejáveis do envelhecimento.4 é a forma mais utilizada no tratamento dos homens
Na esfera sexual pode ocorrer diminuição da libido, com DAEM e tem como objetivo atenuar os sintomas
redução na frequência das ereções matinais e noturnas relacionados ao hipogonadismo. A reposição andro-
e na qualidade das ereções, com diminuição da rigi- gênica deve seguir certos parâmetros, de maneira a
dez e dificuldade de sustentação durante o coito.5 A respeitar as necessidades biológicas do paciente e a
resposta às drogas inibidoras da fosfodiesterase tipo 5 manutenção de concentrações fisiológicas de testoste-
está reduzida nos indivíduos hipogonádicos.6 rona no sangue.10
Frequentemente ocorrem alterações cognitivas, A forma ideal de reposição de testosterona deve
como mudança do humor, menor atividade intelectual, contemplar características de segurança, conveniên-
dificuldade de concentração, problemas de memória cia, liberação adequada da substância com princípio
e desorientação espacial. O déficit de testosterona no ativo, flexibilidade de doses, eficácia em normalizar os
cérebro leva também a constantes episódios depressi- níveis séricos fisiológicos da testosterona e dos seus
vos. Há um aumento progressivo da gordura visceral metabólitos (estradiol e di-hidrotestosterona) e ser vi-
abdominal e perda sistêmica da massa muscular, agra- ável do ponto de vista do custo e benefício. Outras

110
Hipogonadismo e reposição de testosterona

características adicionais incluem a ausência de hepa- pelos. Recomendam-se como início de tratamento 60
totoxicidade, aplicação fácil e tolerável, e respeito a mg diariamente.17
privacidade do paciente.4,7,8 Nas formulações de gel e solução hidroalcoólica
A terapia de reposição de testosterona pode ser fei- recomenda-se que o paciente lave as mãos após a apli-
ta através das vias oral, transdérmica, subcutânea, ou cação e evite o contato direto com outras pessoas pelo
intramuscular. Todas as preparações comercialmente risco de transferência do medicamento.16-18
disponíveis, com exceção dos derivados 17 alfa-alqui- Os adesivos, que também apresentam eficácia clí-
lados, são eficazes e seguras.8 nica, têm apresentação de 5 e 10 mg de testosterona,
sendo que a concentração sérica máxima é obtida em
Formulações orais
2 a 4 horas após a administração. Devem ser aplicados
O undecanoato de testosterona, que é absorvido na pele seca e limpa das costas, abdome, coxas, braço
pelo sistema linfático a partir do intestino e metabo-
ou escroto. Podem induzir irritação na pele e, em al-
lizado em testosterona, é uma opção para a reposição
guns locais, serem de difícil fixação, além do descon-
oral. Sua utilização tem uso limitado devido à neces-
forto causado pelo seu uso.19
sidade de várias tomadas diárias e a alta variabilidade
de absorção.11 Formulações injetáveis
As formas alquiladas de uso oral (metiltestostero- Essas formas de reposição hormonal incluem o uso
na e fluoximesterolona) revelaram índices inaceitáveis intramuscular e os implantes. As formulações intra-
de hepatotoxicidade, inclusive com a indução de neo- musculares de testosterona podem ser de curta ação
plasias hepáticas, o que motivou terem sido proscritas (cipionato, enantato, propionato e associação de éste-
das opções terapêuticas do DAEM.12 res de testosterona) ou as de longa ação (undecilato).
A formulação bucal, com absorção através da mu-
As de curta ação devem ser administradas a cada
cosa oral, também serve de opção. Faz-se a aplicação
duas a quatro semanas, em dosagens que variam de 50
do adesivo duas vezes ao dia. A preparação apresenta
a 250 mg. Têm a desvantagem de produzirem níveis
uma concentração de 30 mg e tem liberação controla-
supra e infrafisiológicos da testosterona sérica. As
da. Os resultados são comparáveis com apresentações
grandes variações das concentrações séricas de testos-
transdérmicas.13
terona podem ocasionar efeitos secundários frequen-
Formulações transdérmicas tes, entre eles a policitemia.4,7,8
As formas transdérmicas de reposição de testoste- O undecilato de testosterona é uma formulação de
rona – gel, solução alcoólica e adesivos – são as que depósito e está disponível em ampolas de 1.000 mg
mais se assemelham à fisiologia masculina, não pro- em 4 ml de solução oleosa. Recomenda-se o interva-
duzindo níveis infra ou suprafisiológicos. Trata-se de lo de 6 semanas entre a primeira e segunda injeção
uma alternativa segura e bem tolerada pelos pacien- e, após, de 10-14 semanas entre as aplicações. Tem
tes.4,14 A elevação da testosterona se dá em um curto a vantagem de não apresentar variações indesejáveis
espaço de tempo e a reaplicação diária mantém níveis dos níveis séricos de testosterona após sua adminis-
séricos consistentes devido a liberação do hormônio tração.20
continuamente por 24 horas.15 Os implantes subcutâneos são administrados na
A testosterona na forma de gel hidroalcoólico a 1% forma de cilindros de 200 mg (4 a 6 implantes: 800–
deve ser aplicada na pele limpa e seca dos ombros, 1.200 mg) a cada 4-6 meses. Não promovem níveis
braços ou abdômen. Sugere-se como início do trata- séricos supra ou subfisiológicos de testosterona.21
mento 5 g de gel de testosterona a 1% aplicado uma Na tabela 1 encontram-se as doses comumente usa-
vez ao dia.16 das das diversas formas de reposição de testosterona.
A solução hidroalcoólica de testosterona a 2%, Os pacientes candidatos à terapia de reposição com
para aplicação diária nas axilas é dispensada com au- testosterona devem entender que o tratamento requer
xílio de um aplicador específico, sem contato direto monitoramento médico e acompanhamento periódico.
com as mãos. A aplicação na axila não é comprome- A terapia com testosterona não está indicada na ausên-
tida pelo uso de desodorantes e nem pela presença de cia do DAEM.1,4,7

111
Tabela 1.

Via Droga Dose/intervalo

Oral Undecanoato de testosterona 120 – 160 mg em várias doses

Subcutânea – Implantes* Buciclato de testosterona 800 – 1.200 mg/4-6 meses

Transdérmica gel Gel de testosterona hidroalcoólica 25 – 100 mg/dia

Transdérmica solução alcoólica Solução alcoólica de testosterona 30 – 120 mg/dia

Transdérmica adesivo* Testosterona 2,5 – 10 mg/dia

Transmucosa – bucal* Testosterona 60 mg/dia

Intramuscular Ésteres de testosterona 250 mg/2 – 4 semanas

Intramuscular Cipionato de testosterona 200 mg/2 – 4 semanas

Intramuscular* Enantato de testosterona 250 mg/2 – 4 semanas

Intramuscular* Propionato de testosterona 50 – 100 mg/2 – 3 x por semana

Intramuscular Undecilato de testosterona 1.000 mg/10 – 14 semanas


Obs.: *Produtos não disponíveis comercialmente no Brasil.

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112
SEÇÃO IV
UROLOGIA GERAL I

CAPÍTULO 15
Urgências urológicas
não traumáticas

Carlos Ricardo Doi Bautzer


João Roberto Paladino Junior
A prioridade de urgência compreende as alterações que uma alteração congênita onde a túnica vaginal se insere
devem ser atendidas em questão de minutos a horas devido mais proximalmente no cordão espermático, o que permi-
ao risco de perda de função do órgão ou da vida, em con- te maior mobilidade do testículo. O fator desencadeante
traste com a emergência que traz esse risco imediato. da torção não é conhecido, mas pode incluir temperaturas
Dentre as urgências urológicas de causa não traumáti- mais baixas7 ou mudança na temperatura8 que ativariam
ca, podemos destacar: dor testicular aguda, priapismo, sín- o reflexo cremastérico, associado ao crescimento rápido
drome de Fournier, hematúrias não traumáticas, obstrução do testículo na puberdade, apesar de que a torção pode
do trato urinário superior e inferior, entre outras. ocorrer ao repouso ou durante o sono. Testículos criptor-
Abordaremos a seguir cada uma delas em detalhes. quídicos apresentam maior predisposição para torção e
maior dificuldade de exame físico.
Dor testicular aguda A história típica de torção testicular é relatada como
A correta avaliação da dor testicular aguda, em termos dor de início agudo, podendo haver relato de episódios
de urgência urológica, é importante devido ao diagnóstico anteriores, associados ou não a náuseas e vômitos e com
possível de torção testicular. Os demais diagnósticos di- edema e eritema em bolsa escrotal. O testículo se apre-
ferenciais incluem: torção de apêndice testicular; orquite, senta com dor ao exame físico, mais elevado, em posição
epididimite e orquiepididimite; eritema ou edema escrotal; horizontalizada e com ausência de reflexo cremastérico.9
trauma; hérnia inguinoescrotal; hidrocele; varicocele; tu- Para confirmação diagnóstica, a ultrassonografia com
mores testiculares ou paratesticulares; alterações muscu- doppler colorido oferece a melhor opção em termos de
loesqueléticas no anel inguinal ou dor referida (como em rapidez e segurança, uma vez que confirma a redução ou
cálculo ureteral ou outras anomalias). Estes diagnósticos ausência de fluxo testicular, além de outras informações
serão abordados em outros capítulos. como hidrocele ou sinais inflamatórios.10 Outros exames
A torção testicular ocorre em pacientes jovens, com in- como urina do tipo I, termografia com infravermelho ou
cidência de 1:4000 jovens abaixo de 25 anos.1,2 Biópsias do ressonância nuclear magnética são menos indicados, mui-
testículo contralateral também mostram comprometimento tas vezes por retardar a indicação de cirurgia.
em 57% a 88% dos casos, sugerindo que possam ocorrer O tratamento da torção testicular é cirúrgico e não
torções intermitentes no testículo contralateral silenciosas deve ser postergado caso não seja possível a realização
ou outras alterações anatômicas da bolsa escrotal, dis- de exames confirmatórios, uma vez que a viabilidade do
funções espermatogênicas ou mecanismos imunológicos testículo está diretamente relacionada ao tempo de isque-
(como a quebra da barreira hematotesticular, evidenciada mia3 e ao grau de torção. 11 A torção na maioria das vezes
também pelo aumento de anticorpos antiespermatozoides se apresenta como torção no sentido lateral para medial.
na circulação).3-5 Pode ser tentada manobra manual de destorção, no senti-
A torção testicular pode ser classificada como intra- do medial para lateral, com anestesia local e confirmação
vaginal ou extravaginal. A torção extravaginal inclui todo com o doppler.3
o cordão espermático e ocorre no período perinatal, que A cirurgia é realizada através de incisão escrotal me-
inclui o período pré-natal, parto ou pós-parto. Essa torção diana e acesso ao testículo afetado. Após a destorção, o
ocorre por falta de fixação da túnica vaginal e dartos dentro testículo acometido é envolto em compressas aquecidas
do escroto. No momento do diagnóstico, muitas vezes não e será reavaliado após a orquidopexia contralateral. A
se encontra o testículo (“vanishing”) ou apenas uma estru- decisão de orquiectomia ou manutenção do testículo é
tura endurecida associada a hematoma em bolsa escrotal. tomada pelo cirurgião de forma subjetiva. Em termos
Não há consenso sobre a conduta a ser tomada devido à di- prognósticos, existem alguns estudos que confirmam
ficuldade em encontrar um testículo viável e pela raridade uma alteração na qualidade do sêmen em pacientes que
de torção contralateral,6 porém se o quadro se apresentar sofreram torção, mesmo com preservação do testículo
após um exame perinatal com testículos normais, ele deve afetado.12,13
ser encarado como uma torção intravaginal e com indica- Se houver suspeita diagnóstica de torção intravaginal
ção de tratamento imediato. intermitente ou se for possível a destorção manual do testí-
Dentre os fatores que podem facilitar a torção intrava- culo, está indicada orquidopexia bilateral eletiva para evi-
ginal, o testículo em badalo (“bell-clapper”) representa tar eventos futuros.

114
Urgências urológicas não traumáticas

gerando apoptose e fibrose local.16 Além disso, ocorre


Priapismo maior liberação de radicais livres de oxigênio e de TGF-17
Priapismo se define por uma ereção parcial ou total que
que parecem estar envolvidos na progressão da muscu-
dura mais de quatro horas após relação sexual ou orgasmo
latura lisa para fibrose.18 As células endoteliais do corpo
ou que não esteja relacionada a estimulação sexual.
cavernoso no priapismo isquêmico também apresentam
O priapismo pode ser classificado em isquêmico ou
liberação excessiva de adenosina e óxido nítrico, em con-
de baixo fluxo; intermitente; arterial ou de alto fluxo. Esta
traste a menor liberação de fatores vasoconstritores como
classificação é primordial, pois a mesma irá definir urgên-
RhoA/Rho-quinase.19 Por fim, o ambiente anóxico resulta
cia, conduta e prognóstico dos pacientes que sofrem com
em menor expressão de PDE-5, de modo que o cGMP
priapismo.
produzido através do excesso de óxido nítrico não conse-
Durante a avaliação inicial do paciente com priapis-
gue ser degradado, levando a vasodilatação e consequen-
mo, deve ser levado em consideração o tempo de ereção,
te ereção em excesso.20
bem como a presença de dor, presença de episódios ante- Além da história e do exame físico, deve ser feita uma
riores, função erétil basal e uso de medicações para dis- avaliação laboratorial com hemograma, coagulograma,
função erétil, uso de drogas, presença de discrasias san- eletroforese de hemoglobina (se história sugestiva de ane-
guíneas (principalmente anemia falciforme), traumas em mia falciforme) ou pesquisa de drogas recreacionais (se
pelve, períneo ou pênis. Estas características ajudarão no história compatível).
diagnóstico diferencial do tipo de priapismo, como vere- Deve ser feita também uma gasometria do corpo ca-
mos a seguir. vernoso para diferenciar o priapismo isquêmico do não
isquêmico, visto que a mesma tem papel diagnóstico e te-
Priapismo isquêmico
rapêutico. No priapismo isquêmico, encontraremos san-
No priapismo isquêmico, ocorre rigidez importante
gue mais escurecido, com PO2 menor, bem como PCO2
dos corpos cavernosos associado a baixo fluxo ou ausên-
mais elevada e pH mais baixo do que no sangue venoso.
cia de fluxo arterial. Devido a essa isquemia, ocorrem al-
Pode ser realizada também ultrassonografia com doppler
terações que levam a hipóxia, hipercarbia e acidose den-
colorido para auxiliar no diagnóstico, que terá mais uti-
tro do corpo cavernoso. Desta maneira, intervenções após
lidade principalmente se houver falha no tratamento de
48 a 72 horas podem aliviar a ereção, porém não revertem priapismo isquêmico. A ressonância nuclear magnética
as alterações na estrutura dos corpos cavernosos que irão pode ser utilizada com três objetivos: demonstrar a pre-
comprometer a capacidade de ereções espontâneas após sença de trombos ou infarto no corpo cavernoso, verificar
o priapismo.14 a presença de infiltração neoplásica ou metástases e para
Na idade adulta, a maior parte dos episódios de pria- identificar a fistula arteriossinusoidal (no caso de priapis-
pismo isquêmico é de etiologia idiopática. Entretanto, as mo não isquêmico).21
discrasias sanguíneas representam o maior fator de risco O tratamento do priapismo isquêmico deve ser feito
para esse tipo de priapismo, sendo que a anemia falci- através de aspiração do corpo cavernoso com intuito de
forme é a mais comum.15 Outras causas para o priapis- remoção do sangue, descompressão e redução da dor. As-
mo isquêmico incluem: bloqueadores alfa-adrenérgicos, sociadamente, podemos injetar solução salina gelada.22
ansiolíticos, anticoagulantes, antidepressivos, antipsicó- Caso não haja resolução do priapismo, deve ser realizada
ticos, medicações para déficit de atenção, drogas, altera- injeção ou irrigação com agente alfabloqueador, sendo a
ções geniturinárias, hormônios, envenenamento, amiloi- fenilefrina a mais indicada.23,24 Esta aplicação deve ser re-
dose, neoplasias, alterações neurológicas ou drogas para alizada com monitorização contínua do paciente devido
disfunção erétil. ao risco de hipertensão, taquicardia, tontura, cefaléia e
Esse tipo de priapismo ocorre porque há um desba- arritmia. A fenilefrina deve ser usada em concentração de
lanço entre os fatores vasoconstritores e vasorrelaxado- 100 a 500 μg/ml, utilizando-se doses de 1 ml a cada 3 a 5
res dentro dos corpos cavernosos, predispondo a hipóxia minutos, limitando o uso a 1 mg em 1 hora.25
e acidose local. Durante a hipóxia, ocorre redução da No caso de falha do tratamento medicamentoso, de-
contratilidade da musculatura lisa do corpo cavernoso, vemos indicar o tratamento cirúrgico em priapismo is-

115
quêmico que durem 72 horas ou menos, principalmente sonância nuclear magnética também pode ter valor para
se houver trombose dos corpos cavernosos e não for mais tentar identificar o local da fístula, como já mencionado.
possível aspiração dos mesmos.26 O tratamento cirúrgico O priapismo não isquêmico pode atingir taxas de re-
consiste na confecção de um “shunt” entre os corpos ca- solução espontânea de até 62%. Caso não haja melhora,
vernosos e outra estrutura como: glande, corpo esponjoso, pode-se indicar o uso de compressas geladas, principal-
veia dorsal ou veia safena. mente em crianças. A arteriografia seguida de embolização
As derivações distais (como por exemplo Winter, seletiva atinge taxas de resolução de até 75%, utilizando
Ebbehoj, T-shunt, Al-Ghorab) devem ser tentadas antes materiais absorvíveis ou permanentes, e podendo ser repe-
das derivações proximais (exemplo: Quackels, Grayhack), tida se necessário.25 Existe indicação de cirurgia se houver
devido ao maior risco de disfunção erétil quanto mais pro- formação de pseudocápsula, utilizando ultrassonografia
ximal for o shunt. 27 Após 48 a 72 horas, devido ao compro- doppler intraoperatória, porém com taxas elevadas de dis-
metimento da função erétil, podemos indicar a colocação função erétil.
de prótese peniana no mesmo ato cirúrgico, com intuito
de reduzir a taxa de complicações de colocação de prótese Síndrome de Fournier ou gan-
peniana no futuro e com maior fibrose local. 28
grena de Fournier
Priapismo intermitente A síndrome de Fournier é uma infecção do períneo e
O priapismo intermitente é definido pela recorrência da genitália, rapidamente progressiva e que pode levar a
dos episódios isquêmicos, com ereções indesejadas e do- risco de morte. Também conhecida como fasciite necro-
lorosas. É mais comum em pacientes com anemia falcifor- tizante do períneo, esta infecção se espalha pelas fáscias
me.29 Durante as crises agudas, devemos proceder como no locais e tem origem polimicrobiana, com associação entre
tratamento do priapismo isquêmico. bactérias Gram-negativas, Gram-positivas e anaeróbicas.
Para prevenção, são sugeridas diversas medicações, Esta infecção ocorre a partir de uma porta de entrada local
com ações em locais diferentes, para tentar reduzir a re- que acomete pacientes com fatores predisponentes,30 como
corrência. São elas: hormonais (agonista ou antagonista veremos a seguir.
GnRH, antiandrogênios periféricos, inibidores da 5-al- Durante a progressão da infecção, ocorre uma endar-
fa-redutase, cetoconazol); inibidores de PDE-5 (quando terite obliterante de vasos do subcutâneo, levando a ne-
atingir o estado de flacidez peniana); agonistas alfa-adre- crose do tecido subcutâneo e da pele adjacente. Dessa
nérgicos orais (pseudoefedrina, etilefrina); digoxina; ter- maneira, forma-se enfisema de subcutâneo e crepitação
butalina; gabapentina; baclofeno oral ou intratecal e hidro- pela produção de hidrogênio e nitrogênio por anaeróbios,
xiureia (em caso de anemia falciforme).24 associado à pressão parcial reduzida de oxigênio, o que
facilita a progressão da infecção e que pode levar a sep-
Priapismo não isquêmico ticemia em questão de horas.31 Acomete mais pacientes
O priapismo não isquêmico ocorre por aumento do flu- do sexo masculino (homens 10:1 mulheres), após os 50
xo arterial nos corpos cavernosos. Dessa maneira, o pênis anos e com incidência de 1:7500 a 1:750.000. As taxas de
em geral está intumescido, porém não rígido, e indolor. mortalidade variam de 3% a 67% dependendo do serviço
Existe história de trauma associado ou de acidente de e do atendimento.32
punção por agulha, que leva a formação de fístula arterio- Os fatores de risco que podem predispor os pacientes
lar-sinusoidal. Uma vez identificado, não há indicação de ao quadro de síndrome de Fournier estão relacionados a
intervenção de emergência e ocorre recuperação completa aspectos de imunossupressão, como: diabetes mellitus (em
da ereção. 20% a 70% dos casos), alcoolismo, trauma local, portado-
A utilização da gasometria do corpo cavernoso fica res de HIV, pacientes com neoplasia maligna ou a presença
mais restrita, principalmente se a história e o exame físi- de doenças renais ou hepáticas.33
co sugerirem priapismo não isquêmico. Pode-se utilizar O diagnóstico é clínico, com exames laboratoriais ines-
a arteriografia para identificar a fístula, porém somente pecíficos e sugestivos de infecção. Podem ser realizados
se houver intuito de embolização para tratamento. A res- índices para cálculo de risco e prognóstico dos pacientes

116
Urgências urológicas não traumáticas

com Fournier, como o Fournier’s Gangrene Severity In- lavagem da bexiga com sonda de três vias.
dex e o Laboratory Risk Indicator for Necrotizing Fasciitis Diversos protocolos são estabelecidos de acordo com
(LRINEC).34 a patologia de base que causou o sangramento. Para he-
O tratamento deve ser instituído com urgência, com o matúria de causa prostática, o tratamento varia de medica-
uso de reposição volêmica e drogas vasoativas de acordo mentoso (como o uso de inibidores da 5-alfa-redutase em
com o quadro clínico. A cobertura antibiótica deve atingir casos de hiperplasia prostática, ou de deprivação andro-
bactérias Gram-positivas, Gram-negativas e anaeróbios. gênica em neoplasia de próstata), até condutas cirúrgicas
Entre as opções, merece destaque a associação de antibi- endoscópicas ou para derivação urinária. A embolização
óticos ou a monoterapia com carbapenêmicos ou pipera- arterial fica reservada para casos refratários.41
cilina-tazobactam. O uso de medicação antifúngica deve No caso das hemorragias de origem vesical, além da
ser feito se houver identificação inicial ou se houver piora evacuação de coágulos, podemos usar também substâncias
clínica mesmo com uso de antibióticos.35 esclerosantes em irrigação vesical, como o alumen, formol
Em associação ao tratamento medicamentoso, temos ou prostaglandina, com protocolos específicos e particula-
que indicar o debridamento cirúrgico extenso, para retira- ridades para cada solução.42
da dos tecidos necrosados e para facilitar a drenagem da
secreção purulenta. Dessa maneira, ocorre a média de 3,5
Obstrução urinária
procedimentos por paciente até que se consiga o controle
Na urgência urológica, a retenção urinária com con-
completo da infecção.36 Durante a resolução do quadro,
sequente bexigoma encontra-se como um dos mais fre-
podemos utilizar fechamentos por segunda intenção, en-
quentes motivos de intervenção. O objetivo principal é a
xertos ou retalhos fasciocutâneos pediculados para con-
passagem de sonda vesical via uretral ou por cistostomia
trole local.37
para preservação da função vesical (evitar hiperdistensão
A oxigenoterapia hiperbárica, se possível, deve ser
e prejuízo na função detrusora) e da função renal (insufi-
utilizada em conjunto, pois auxilia no controle mais rá-
ciência renal pós-renal).
pido da infecção local, através de diversos mecanismos
Em relação ao trato urinário superior, a obstrução uni-
celulares e teciduais.38 Devemos atentar a algumas con-
lateral ou bilateral leva a isquemia renal por vasoconstri-
traindicações (como pneumotórax, terapia com doxorru-
ção para compensação do aumento da pressão no sistema
bicina, cisplatina) e alguns efeitos colaterais (como ba-
coletor e, consequentemente, gera atrofia do parênquima
rotrauma de ouvido médio, convulsões, perda de drive
renal.43 Dessa maneira, quanto mais precoce a intervenção,
respiratório em pacientes hipercapnêmicos e vasoconstri-
seja nefrostomia ou cateter duplo jota, maior a chance de
ção), usando períodos de repouso em ar ambiente inter-
preservação da função renal.
calados às sessões.39
Além disso, é primordial o uso de técnicas avançadas Outras
de curativos e pomadas para auxiliar no tratamento, como Como outras causas de urgências urológicas não tra-
colagenase liofilizada e curativos a vácuo.40 tadas, devemos destacar ainda as infecções urinárias,
principalmente a pielonefrite. Esta infecção precisa de
Hematúrias não traumáticas tratamento precoce, principalmente se houver sintomas
As causas de hematúria serão abordadas em outros ca- de sepsis, como náuseas, febre alta, vômitos e queda do
pítulos, sendo que aqui vale ressaltar apenas as medidas estado geral. Além disso, temos que observar e tratar
de urgência. obstrução urinária ou abscessos que podem surgir nessa
Além da estabilização hemodinâmica, é importante de- situação.44
terminar a origem do sangramento urológico e direcionar Merece destaque também os quadros de parafimose,
o tratamento. Para isso, podemos utilizar exames laborato- devido ao edema e isquemia que pode ocorrer na porção
riais e radiológicos, com destaque para a ultrassonografia distal peniana. A parafimose deve ser reduzida com preco-
e para a tomografia computadorizada. Associadamente, cidade através de manobras manuais ou cirúrgicas depen-
devemos tratar retenção urinária por coágulos e iniciar a dendo da dificuldade.

117
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118
SEÇÃO IV
UROLOGIA GERAL I

CAPÍTULO 16
Estenose de uretra

Sérgio Felix Ximenes


Julio Geminiani
devemos considerar situações especiais nas quais essa
Introdução
irrigação é anômala (como em casos de hipospadia, no
Antes de iniciarmos é preciso esclarecer a nomen-
qual não há comunicação das artérias cavernosas com
clatura atual associada a esta entidade. A SIU/ICUD
o corpo esponjoso uretral), ou se a irrigação foi com-
(Société Internationale d’Urologie/International Con-
prometida, em casos de abordagens prévias ou casos
sultation on Urologic Diseases) de 2014,1 com o intuito
traumáticos, como no caso de fratura de bacia (rotura
de facilitar as pesquisas futuras e promover o desenvol-
traumática da uretra).4 Nesses casos, optamos por não
vimento científico na área, definiu a nomenclatura ba-
seccionar a uretra, utilizando técnicas de não transecção
seada em dados anatômicos, determinando três termino-
ou técnicas de substituição.5
logias para descrever o que antes era conhecido apenas
como “estenose de uretra”. Uretra bulbar
O termo “estreitamento uretral” (do inglês urethral A uretra bulbar é o segmento que se inicia a partir da
stricture) é utilizado para definir o afilamento anormal uretra membranosa, após o esfíncter externo, terminan-
de qualquer segmento da luz uretral que é envolvido por do na uretra peniana, junto à junção penoescrotal. Tem
corpo esponjoso, como consequência da espongiofibro- como característica um corpo esponjoso exuberante,
se ou cicatriz do corpo esponjoso. principalmente na região proximal e em sua face ven-
O termo “estenose de uretra” (do inglês urethral ste- tral.6 Nessa porção, observa-se uma maior quantidade
nosis) deve ser utilizado no afilamento anormal de seg- de glândulas de Littré (bulbouretrais – glândulas estas
mento da uretra membranosa, com exceção dos traumas que são acometidas em casos de uretrite). É o segmento
de bacia, da uretra prostática e do colo vesical, isto é, uretral com o maior diâmetro.7
onde não há corpo esponjoso. A principal etiologia de estreitamentos nessa área é
O termo “lesão da uretra pela fratura de bacia” (do a idiopática, seguida da iatrogênica, inflamatória e trau-
inglês pelvic fracture urethral injuries) deve ser utiliza- mática.8
do nas roturas da uretra decorrentes deste tipo de trau- Estreitamentos curtos, menores que 2 cm, de causa
ma, o que causa uma descontinuidade da luz uretral na idiopática, ou seja, que tenham pouca espongiofibrose,
junção bulbomembranosa. podem ser tratados com uretrotomia endoscópica sob
A uretra pode anatomicamente ser dividida em ure- visão (uretrotomia interna), com boas taxas de sucesso
tra anterior e posterior. Os tratamentos das alterações – 70%~80%.9 Apesar do tratamento endoscópico ser
destes dois segmentos têm as suas particularidades e simples e com menor morbidade, casos recorrentes ou
serão aqui descritos separadamente. estreitamentos maiores que 2 cm não devem ser tra-
tados com essa modalidade, devido ao alto índice de
Uretra anterior recidiva.10,11
A uretra anterior é dividida em três segmentos: ure- Estreitamentos de origem traumática na uretra bul-
tra bulbar, uretra peniana e a fossa navicular. Para se
2
bar são decorrentes de queda a cavaleiro, no qual há um
considerar o tratamento do estreitamento da uretra ante- esmagamento da uretra bulbar contra borda inferior do
rior, devemos considerar a etiologia, a extensão (consi- púbis e um anteparo. A lesão uretral pode ser completa
derando-se a espongiofibrose) e o segmento acometido. (secção total da uretra) ou parcial. Devido ao mecanismo
A irrigação da uretra é baseada nas artérias bulbares, de lesão há um comprometimento vascular do segmento
que fazem o fluxo anterógrado, e um fluxo retrógrado acometido, além de extensa espongiofibrose. Nesses ca-
através das artérias cavernosas e dorsal do pênis (que se sos, o tratamento deve ser realizado tardiamente, pois o
comunicam na glande peniana), além das artérias cir- trauma por esmagamento com lesão vascular associada
cunflexas perfurantes. Dessa forma, pode-se seccionar
3
está associado a maiores taxas de recidiva se realizado
completamente um segmento uretral, garantindo-se uma na fase aguda.12
irrigação adequada na área de anastomose. Entretanto, A etiologia inflamatória compreende estreitamentos

120
Estenose de uretra

pós-processos infecciosos (uretrite bacteriana) ou por de liberação e rotação do corpo esponjoso. Já a porção
líquen escleroatrófico (LSA). A uretrite gonocócica que distal é envolta por um corpo esponjoso menos espesso,
leva ao estreitamento uretral é menos comum em gran- dando-se preferência para enxertos locados dorsalmen-
des centros urbanos, onde o acesso à saúde é mais fácil te, que podem ser estendidos para uretra peniana.
e o tratamento é realizado precocemente. A infecção
inicia-se nas glândulas bulbouretrais, gerando proces-
Uretra peniana/fossa navicular
so inflamatório intenso e abscessos, que após a reso- A uretra peniana é o segmento que compreende
lução cicatrizam, causando estreitamentos, e evoluem desde a junção penoescrotal até a fossa navicular. Tam-
da região distal para proximal. Isso leva a uma intensa bém conhecida como uretra pendular, essa porção mo-
espongiofibrose, podendo levar a estreitamentos críticos vimenta-se juntamente com o pênis, estando fixa no
(obliteração da luz uretral), com abscessos periesponjo- corpo cavernoso. Os estreitamentos na uretra peniana
sos e fístulas uretrocutâneas. Já o LSA é uma doença
7 são menos frequentes, contudo tendem a ser mais lon-
dermatológica autoimune,13 com componente inflama- gos que na uretra bulbar.8 Devido a proximidade com o
tório, que inicia-se na glande e vai evoluindo para re- prepúcio, podemos considerar a utilização de retalhos.
gião mais proximal, e pode acometer toda a extensão da A etiologia mais frequente é a iatrogênica (trauma
uretra anterior (doença pan-uretral). de sondagem ou procedimentos urológicos) e inflama-
O tratamento depende da etiologia, e inicialmente tória (LSA).8 Um fator etiológico importante a se con-
planeja-se remover, quando possível, a espongiofibrose siderar na uretra peniana é o estreitamento pós-correção
e realizar uma anastomose espatulada entre dois cotos de hipospadia.19 As lesões traumáticas são decorrentes
saudáveis – principalmente em casos traumáticos ou em de trauma penetrante (ferimento por arma de fogo ou
que há uma completa obliteração da luz uretral.14 Devi- estilhaços de explosão) ou de fratura peniana.12
do a elasticidade do tecido esponjoso, podemos contar Devido ao corpo esponjoso ser menos espesso na
com um alongamento de cerca de 40% do comprimen- uretra peniana, e, consequentemente, a espongiofibrose
to da uretra bulbar. Isso permite uma anastomose sem
15 ser mais importante, o tratamento endoscópico tem me-
tensão em segmentos de até 5 cm, a depender do caso. nores taxas de sucesso e deve ser realizado em estenoses
Devido ao risco de chordee ou de encurtamento penia- ultracurtas (anelares).10,20
no, indicamos a excisão e anastomose primária em es- A proximidade da uretra peniana com o corpo caver-
tenoses de 1 a 3 cm. Em estreitamentos mais curtos, po- noso pendular é uma característica que faz dos estreita-
de-se utilizar a técnica que não há transecção do corpo mentos neste local pouco propensos a tratamento com
esponjoso.5 excisão e anastomose, devido ao alto risco de chordee
Em estreitamentos não obliterantes, com extensões ou de encurtamento peniano. Assim, o tratamento pre-
mais longas e de etiologia não traumática, pode-se uti- ferencial é a uretroplastia de substituição (enxerto ou
lizar técnicas de substituição, neste caso, uretroplastia retalho), ou, em casos mais complexos, cirurgia em di-
com uso de enxerto de mucosa oral. Em casos mais ferentes estágios.
complexos, com importante espongiofibrose, diâme- Os retalhos de prepúcio são considerados por serem
tro uretral reduzido e extensão longa, utilizamos uma mais acessíveis na uretra peniana, diminuindo a mor-
técnica mista, com ressecção e enxerto de mucosa oral bidade e o tempo cirúrgico da retirada do enxerto de
(anastomose ampliada). 16 mucosa oral. Contudo, retalhos têm taxa de sucesso in-
O enxerto pode ser locado na região ventral 17
ou ferior ao uso de mucosa oral, além de serem proscritos
dorsal da uretra, com resultados semelhantes. A região
18 em caso de LSA, devido a alta taxa de recidiva do líquen
proximal da uretra bulbar possui um corpo esponjoso na pele utilizada para substituição.21 Isso restringe as
exuberante, capaz de nutrir a mucosa oral locada ven- indicações de utilização de retalho, sendo usados em
tralmente de maneira satisfatória. Essa posição é tecni- casos excepcionais. O uso de mucosa oral é largamente
camente mais simples e rápida, pois não há necessidade empregado e o enxerto é locado em posição dorsal.

121
Nos casos de LSA extenso ou estreitamentos pós- mente pela ausência de corpo esponjoso. Em cerca de
cirurgia de hipospadia, com múltiplas operações e fi- 3% a 25% delas a lesão da uretra posterior está associada
brose peniana, optamos por cirurgia em dois ou mais a fratura de bacia. O mecanismo básico é a rompimento
tempos. Caso a placa uretral esteja comprometida, rea- do anel pélvico.26 A uretra membranosa situa-se entre a
liza-se a excisão da placa uretral e enxertia no primeiro membrana perineal e o ápice prostático, que por sua vez
estágio. Se a placa está pouco comprometida ou com
22
está ligado ao arco púbico pelos ligamentos puboprostá-
diâmetro razoável (>5 mm), não há necessidade de ex- ticos, o que torna este segmento uretral fixo. Assim fica
cisá-la, podendo-se enxertar no primeiro tempo ou no fácil compreender por que movimentações e fraturas
segundo tempo, com 1 enxerto locado no meio da placa dos ossos da bacia podem lesar a uretra.
(inlay) ou dois enxertos nas laterais. O segundo tem-
23 24
A lesão da uretra nesta região tem nomenclatura es-
po é realizado após quatro a seis meses, e devem ser pecífica. O termo “lesão da uretra por fratura de bacia”
consideradas a pega do enxerto e a cicatrização local, tenta diferenciar estas lesões das dos demais segmentos
antes de se realizar o fechamento definitivo. uretrais, pois aqui ocorre um desgarramento e afasta-
Estenoses na fossa navicular têm etiologia seme- mento dos cotos uretrais, ocasionando formação de fi-
lhante à uretra peniana, e LSA deve ser avaliado. Uma brose e oclusão da luz uretral. Desta maneira, só existe
meatotomia ampliada tem bons resultados, contudo sem fibrose entre os cotos, o que explica a falência dos trata-
uma aparência estética adequada. Em estenoses mais mentos endoscópicos.
extensas, podemos realizar meatoplastia com enxerto A abordagem imediata da lesão de uretra pela fratura
ou cirurgia estagiada. de bacia é tema de outro capítulo. Aqui vamos discorrer
apenas sobre a abordagem tardia da sequela decorrente
Doença pan-uretral desta lesão.
Estreitamentos pan-uretrais, que envolvem toda a Após três a quatro meses do trauma estamos autori-
uretra anterior (peniana e bulbar), são casos desafiado- zados a realizar abordagem da lesão. Isto porque deve-
res devido ao longo comprimento do segmento compro- mos esperar a lesão se definir e a absorção do hematoma
metido. Para o tratamento dessas lesões, devemos ter e outras secreções decorrentes do trauma.
em conhecimento todas as técnicas de enxerto, retalho e A uretrocistografia combinada, com uso de contraste
cirurgia em dois ou mais tempos. pela uretra e pela cistostomias, é o exame preferencial
O uso de retalhos nestes casos ajuda principalmen- para avaliação do defeito a ser corrigido. Mais recen-
te na porção mais distal. Contudo, se a causa for LSA, temente, a ressonância magnética vem sendo utilizada
devemos evitar o uso de retalhos e utilizar preferencial- com protocolos específicos para a uretra, fornecendo
mente enxerto de mucosa oral. preciosas informações.
A tática inicial é a exposição de toda uretra ante- Sabe-se que a junção bulbomembranosa é o local
rior, podendo ser realizada por uma incisão longitudinal predominante da disjunção uretral durante o trauma.
desde a porção mais distal até o períneo. Essa incisão, Em raras situações, ocorre lesão da uretra bulbar. Assim
além de muito extensa, pode ter uma morbidade asso- a cirúrgia a ser realizada é a anastomose bulbomem-
ciada, pois deve-se abrir o escroto, levando a edema e branosa. A missão do cirurgião é encontrar estes cotos,
dor no pós-operatório. Temos uma melhor alternativa reavivá-los e reaproximá-los para uma anastomose sem
realizando uma incisão perineal e desenluvando o pênis tensão. Seria simples se não fosse a intensa fibrose que
pela própria incisão, tendo uma boa exposição de toda esconde o coto proximal, o afastamento dos cotos, o
uretra anterior.25 acesso estreito para abordá-lo e as estruturas nobres que
circundam a dissecção, como o reto, corpo cavernoso,
Uretroplastia posterior nervos e vasos envolvidos na ereção.
A uretra membranosa e a uretra prostática consti- Após entendermos o conceito da cirurgia, vamos de-
tuem a uretra posterior, que é caracterizada principal- talhá-la tecnicamente. O acesso preferencial é perineal,

122
Estenose de uretra

através de uma incisão longitudinal ou em Y invertido. male urethra. The Urologic Clinics of North America. May
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21. Armenakas NA, Morey AF, McAninch JW. Reconstruction of re-
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123
22. Bracka A. A versatile two-stage hypospadias repair. British Journal sclerosus of the male genitalia and urethra: surgical options and
of Plastic Surgery Sep 1995;48(6):345-352. results in a multicenter international experience with 215 patients.
European Urology Apr 2009;55(4):945-954.
23. Asopa HS, Garg M, Singhal GG, Singh L, Asopa J, Nischal A. Dor-
sal free graft urethroplasty for urethral stricture by ventral sagittal 26. Gomez RG, Mundy T, Dubey D, et al. SIU/ICUD Consultation on
urethrotomy approach. Urology Nov 2001;58(5):657-659. Urethral Strictures: Pelvic fracture urethral injuries. Urology Mar
2014;83(3 Suppl):S48-58.
24. Schreiter F, Noll F. Mesh graft urethroplasty using split thickness skin
27. Flynn BJ, Delvecchio FC, Webster GD. Perineal repair of pelvic frac-
graft or foreskin. The Journal of Urology Nov 1989;142(5):1223-
ture urethral distraction defects: experience in 120 patients during
1226.
the last 10 years. The Journal of Urology Nov 2003;170(5):1877-
25. Kulkarni S, Barbagli G, Kirpekar D, Mirri F, Lazzeri M. Lichen 1880.

124
SEÇÃO IV
UROLOGIA GERAL I

CAPÍTULO 17
Trauma de rim e ureter:
avaliação e tratamento

Leonardo Eiras Messina


Joseph Chammas Dib Neto
Augusto Luiz Hilkner
Trauma renal
Introdução flancos ou cuja trajetória inclua a região paravertebral
O rim é o órgão do sistema geniturinário mais fre- abdominal pode apresentar lesão renal associada.
quentemente acometido no trauma. Lesões renais estão Outros sinais, como dor ou hematoma em flanco,
presentes em aproximadamente 10% dos traumas ab- lesão de fígado ou de baço, e fratura de costelas infe-
dominais fechados, na proporção 3:1 (homem/mulher). riores ou do processo transverso de vértebras lombares
O acidente automobilístico é o principal mecanismo também podem estar associadas a traumas renais.
de trauma, seguido por quedas, esportes e agressões.
Desaceleração súbita ou choque podem resultar em Diagnóstico
contusão e laceração do parênquima ou sistema coletor Atualmente a tomografia computadorizada (TC)
e, mais raramente, em lesão vascular. Já as lesões pe- helicoidal contrastada é o padrão ouro para investiga-
netrantes, causadas por armas de fogo ou brancas, são ção de trauma renal, para diagnóstico, estadiamento e
geralmente mais severas, necessitando de exploração depois acompanhamento do tratamento não cirúrgico.
cirúrgica. A TC é superior à ultrassonografia, pielografia in-
Pacientes com patologias renais preexistentes, travenosa e ressonância magnética. Permite avaliar
como rins em ferradura, policísticos, hidronefrose ou com rapidez a localização da lesão parenquimatosa,
tumores são mais suscetíveis a apresentar lesões renais contusões, lesões vasculares, hematomas retroperito-
secundárias ao trauma, mesmo os de baixa intensidade. neais, o estado funcional do rim contralateral, lesões
As crianças, por terem os rins em posição mais in- abdominais e pélvicas associadas.
tra-abdominal e com maior mobilidade, merecem aten-
ção redobrada. Classificação
A maioria das lesões renais é leve. Os traumatis- A classificação do trauma renal mais utilizada é a
mos renais mais graves, incluindo lacerações e lesões Organ Injury Scaling (OIS) for Kidney Trauma, de-
vasculares, correspondem a 27% a 68% em pacientes senvolvida pela American Association for Surgery of
com trauma penetrantes comparados a 4% a 25% nos Trauma (AAST), baseada nos aspectos das lesões pa-
contusos. renquimatosas e vasculares visualizadas na tomografia
(Figura 1).
Quadro clínico • Grau I: Contusão ou hematoma subcapsular não
A hematúria é o maior indicador clínico da presen- expansivo. Sem laceração parenquimatosa;
ça do trauma renal, embora 25% a 50% dos pacien- • Grau II: Hematoma perirrenal não expansivo.
tes possam não apresentá-la. Todos os pacientes com Laceração do córtex renal com extensão inferior
instabilidade hemodinâmica e hematúria (microscópi- a 1 cm. Sem extravasamento urinário;
ca ou macroscópica) ou com hematúria macroscópica • Grau III: Laceração parenquimatosa superior a 1
necessitam de investigação específica, pois até 12,5% cm (estende-se até a medula renal). Sem ruptura
podem apresentar lesão renal importante. Em contra- do sistema coletor ou extravasamento urinário;
partida, somente 0,2% dos adultos com hematúria mi- • Grau IV: Laceração parenquimatosa maior que
croscópica apresentam lesão renal significativa. Crian- 1 cm atingindo córtex, medula e sistema coletor.
ças podem apresentar trauma renal significativo mesmo Lesão da artéria ou das veias renais segmentares
com hematúria microscópica. A intensidade da hema- com hemorragia contida;
túria não apresenta correlação clínica com a gravidade • Grau V: Várias lacerações de grau 4 ou rim com-
e/ou prognóstico da lesão do rim. pletamente fragmentado e/ou avulsão do pedículo
Qualquer paciente com ferimento penetrante em com desvascularização renal.

126
Trauma de rim e ureter: avaliação e tratamento

Figura 1. Classificação do trauma renal. zação deve ser tentada obrigatoriamente nos casos de
obstrução bilateral ou rim único funcionante.
Outra modalidade diagnóstica e terapêutica mini-
mamente invasiva é a arteriografia associada à emboli-
zação arterial ou com colocação de stents. Existem tipi-
camente duas situações em que a embolização pode ser
usada: no sangramento arterial na fase aguda da lesão
e no sangramento tardio. Na fase aguda, TC mostra um
blush de contraste na fase arterial, que sugere lesão vas-
cular. Na fase tardia, em geral o sangramento ocorre 10
a 14 dias após a lesão inicial. Nessa fase, o hematoma
começa a sofrer lise, destamponando áreas de sangra-
mento. É nesse período que ocorre também a formação
de pseudoaneurismas (Gráfico 1).

Tratamento
O objetivo primordial no tratamento do trauma renal
Complicações
As complicações precoces ocorrem dentro de um
é minimizar a morbimortalidade e preservar o máximo
mês do trauma e incluem: hemorragia, que pode ser
de função renal possível. Atualmente, com a melhor
tratada com embolização endovascular; abscesso perir-
qualidade dos exames de imagem, o tratamento não
renal, abordada com drenagem e antibioticoterapia; e
cirúrgico apresenta altos índices de sucesso, principal-
urinoma, corrigido com drenagem endoscópica do sis-
mente nos traumas de baixo grau (I, II, III). Em 90%
tema coletor com cateter duplo J.
dos traumas grau III, o tratamento conservador apresen-
As tardias são: fistulas arteriovenosas, tratadas com
ta elevadas taxas de sucesso.
embolização vascular; hipertensão arterial, que ocorre
Nos traumas renais de alto grau (IV), a conduta ex-
em 5% dos casos, devido as cicatrizes parenquimatosas
pectante é frequente, porém com menores índices de
ou lesão e estreitamento de vasos renais; insuficiência
sucesso.
renal, relacionada ao grau da lesão e a quantidade de
O controle dos pacientes com trauma renal não
tecido desvitalizado.
operados deve ser rigoroso, com seguimento clínico,
laboratorial e radiológico nas horas seguintes ao diag-
nóstico do trauma. A equipe médica deve estar atenta
às modificações nos parâmetros do paciente e intervir Trauma ureteral
imediatamente.
Lesões por armas de fogo, rim fragmentado, mais de Introdução
20% de tecido renal desvitalizado e grande extravasa- Anatomicamente o ureter é uma estrutura muscular
mento urinário são consideradas indicações cirúrgicas com cerca de 30 cm de comprimento, revestida pela
relativas, desde que ocorra estabilidade hemodinâmica. gordura retroperitoneal. Pode ser dividida em três por-
Entretanto, correções cirúrgicas ajudam a diminuir as ções: proximal, da JUP até a borda superior do sacro;
complicações do sistema urinário. As únicas indicações média, entre a borda superior e inferior do sacro; e dis-
absolutas de exploração cirúrgica de trauma renal são tal, desta até a JUV (junção ureterovesical).
instabilidade hemodinâmica, hematoma perirrenal pul- Sua lesão é rara nos traumas externos, ocorrendo em
sátil ou em expansão e sangramento persistente. 4% dos traumas abdominais penetrantes e em menos de
O trauma renal grau V, com lesões dos grandes va- 1% dos fechados. A porção proximal do ureter é a mais
sos, apresenta tratamento controverso. A revasculari- acometida nos traumatismos externos.

127
Gráfico 1. Fluxograma de atendimento ao trauma renal no adulto.

Hematúria microscópica
Trauma Renal Fechado Trauma Penetrante
ou macroscópica

Hematúria microscópica
estável

Instável Estável

Estudo de imagem renal


sem lesões associadas
CT abdominal/pelve
Exploração cirúrgica PIV
(PIV opcional)

Observação PIV normal PIV alterado ou inconclusivo

Hematoma retroperitoneal Hematoma retropiritonea Lesão renal Lesão renal Lesão renal
estável em expansão Grau IV-V Grau III Grau I/II

Observação Exploração cirúrgica Exploração cirúrgica seletiva Observação

Laparotomia necessária Laparotomia desnecessária

Exploração cirúgica seletiva Observação

PVI: Pielografia Intravenosa - “One shot”

128
Trauma de rim e ureter: avaliação e tratamento

A lesão iatrogênica é a principal causa de trauma ure- • Grau III: Laceração; > 50% da circunferência;
tral, podendo ocorrer tanto em cirurgias endoscópicas • Grau IV: Laceração; transecção completa com < 2
urológicas como durante procedimentos ginecológicos cm de desvascularização;
ou colorretais.
• Grau V: Laceração; transecção completa com > 2
cm de desvascularização;
Quadro clínico
Não existem sinais patognomônicos de lesão ureteral Tratamento
aguda. Nos traumas fechados de grande impacto, com O principal objetivo do reparo ureteral é preservar a
lesões de vários órgãos ou nos traumas penetrantes em função renal e manter a drenagem urinária. O tratamen-
topografia ureteral, a hipótese deve ser considerada. A he- to definitivo vai depender da localização e extensão das
matúria não é fator preditivo. Cerca de 25% a 45% das lesões.
lesões penetrantes de ureter não apresentam nem mesmo Angulações ureterais, lesões puntiformes, e até tran-
hematúria microscópica.
secções parciais do ureter podem ser resolvidas apenas
Entre as manifestações clínicas podemos ter peritoni-
com cateter ureteral por tempo prolongado (duplo J).
te, quando a urina extravasa na cavidade peritoneal, ou
Lesões que atingem o terço superior do ureter podem
tumoração e dor se o extravasamento for para o retroperi-
ser tratadas com anastomose término-terminal espatulada
tônio. Febre e infecção secundária podem ocorrer.
(T-T) do segmento lesado. No trauma da JUP, frequente-
Se houver lesão ureteral bilateral, por secção ou por
mente em crianças, anastomose T-T ureteropiélica tam-
ligadura, o paciente apresentará anúria no pós-operatório
bém é o tratamento de escolha.
imediato. Se for unilateral, pode ocorrer dor lombar e no
Lesões no terço médio ureteral, acima da bifurcação
flanco, evoluindo em algumas ocasiões para íleo paralíti-
dos vasos ilíacos, também apresentam bons resultados
co, náuseas, vômitos e febre.
com a anastomose T-T.
Nos casos de lesão iatrogênica durante procedimento
Quando o segmento lesado for extenso, podemos fazer
cirúrgico, pode ocorrer fístula urinária pela cicatriz cirúr-
anastomose do coto proximal do ureter lesado lateralmen-
gica ou pela vagina.
te ao ureter contralateral, procedimento conhecido como
transureterouretero-anastomose. Outra forma de resolver
Diagnóstico essa complicação é a interposição de um segmento de in-
O exame radiológico padrão ouro para diagnóstico
testino delgado entre o ureter proximal e a bexiga.
de lesão traumática de ureter é a pielografia retrógrada,
O autotransplante renal, com translocação do rim à
que diagnostica e quantifica a extensão da lesão. Entre-
área pélvica e reimplante ureterovesical, também é uma
tanto, é mais demorado e trabalhoso, além de necessitar
alternativa para casos de lesões extensas do ureter, mas
da presença de um urologista para ser realizado.
que apresenta alto índice de complicações.
A TC também permite avaliação das lesões ureterais.
Lesões do ureter pélvico abaixo da bifurcação dos va-
Precisa de cortes mais tardios para avaliação das vias ex-
sos ilíacos são mais bem tratadas com reimplante uretero-
cretoras (15 a 20 minutos pós-contraste), sendo também
vesical. Muitas vezes, quando o segmento ureteral lesado
o melhor exame para avaliação do retroperitônio, identi-
for de maior extensão, é necessário mobilizar e fixar a
ficando e quantificando hematomas e coleções.
bexiga ao músculo psoas, técnica conhecida como bexiga
psoica. O flap de parede vesical anterior ou de Boari, pode
Classificação - American Association for Surgery of ser utilizado para lesões do ureter médio.
Trauma (AAST):
• Grau I: Hematoma; contusão ou hematoma sem Complicações
desvascularização; As complicações pós-operatórias das lesões ureterais
• Grau II: Laceração; < 50% da circunferência; podem ser precoces ou tardias. As precoces podem ocor-

129
rer desde o pós-operatório imediato até algumas semanas
Referências recomendadas
após a correção da lesão e as tardias depois de seis se-
1. Chiron P et al. Grade IV renal trauma management. A revision of the
manas. Dentre as complicações precoces temos fistulas, AAST renal injury grading scale is mandatory. Eur J Trauma Emerg
hematomas, urinoma e abscessos. Já as tardias são a este- Surg 2016;42:237-241.
2. Bryk D and Zhao L. Guideline of guidelines: a review of urological
nose, refluxo e até a perda da função renal.
trauma guidelines. BJU Int 2016;117:226-234.
Os casos precoces são em geral resolvidos por drena-
3. Serafetinides E et al. Review of the current management of upper
gem interna (duplo J) ou externa e, em alguns casos, se urinary tract injuries by the EAU trauma guidelines panel. Eur Urol
faz necessário refazer a anastomose. Já nas tardias, quando 2015;67:930-936.
4. Morey A. Urotrauma: AUA Guideline. J Urol 2014;192:327-335.
existe estenose da anastomose, a abertura com faca fria ou
5. Heller M, Schnor N. MDCT of renal trauma: correlation to AAST
a laser é a primeira escolha; nos casos de refluxo, pode-se
organ injury scale. Clinical Imaging 2014;38:410-417.
usar injeções de substâncias submucosas ou até mesmo re- 6. Urologia Moderna. 1ª edição, São Paulo, Sociedade Brasileira de
fazer o plano submucoso do reimplante. Urologia Secção São Paulo, 2013.

130
SEÇÃO IV
UROLOGIA GERAL I

CAPÍTULO 18
Trauma de bexiga
e uretra: avaliação
e tratamento
Sandro Nassar de Castro Cardoso
nada à fratura pélvica, a maioria dos especialistas sugere
Trauma de uretra reparo primário imediato ou, pelo menos, realinhamento
Etiologia uretral sobre um cateter, para evitar fístulas uretrovaginais
subsequentes ou obliteração uretral.7 A reconstrução tardia
Lesões da uretra posterior são quase exclusivamente
é problemática porque a uretra feminina é muito curta (cer-
associadas a fraturas pélvicas e ocorrem entre 1,5 e 10%
ca de 4 cm) para poder ser mobilizada durante uma repa-
das fraturas da pelve; lesões vesicais concomitantes estão
ração anastomótica quando se torna embutida na cicatriz.8
presentes em 15% dessas lesões uretrais.1 A fratura do anel
pélvico anterior ou diástase púbica está quase sempre pre-
Cistostomia suprapúbica
sente quando ocorre lesão de uretra posterior e um maior
A colocação imediata de cateter vesical suprapúbico
grau de deslocamento tem sido correlacionado com um
continua sendo a melhor opção em homens com lesões de
maior risco de lesão uretral.2 Como a uretra posterior é den-
uretra posterior. A colocação pode ser realizada através de
samente aderida ao púbis através do diafragma urogenital
uma pequena incisão infraumbilical, que permite a inspe-
e dos ligamentos puboprostáticos, a junção bulbomembra-
ção e reparo da bexiga e colocação adequada de um cateter
nosa é mais vulnerável a lesões durante a fratura pélvica do
na cúpula da bexiga. Colocação de cateter vesical suprapú-
que a junção prostatomembranosa.3
bico é segura e conveniente quando a bexiga é obviamente
distendida e não existem outras indicações para a cirurgia.3
Apresentação clínica
Sinais indicativos de lesão uretral incluem sangue no Realinhamento primário
meato uretral, hematoma escrotal ou perineal, próstata ele- Uma tentativa de realinhamento primário com um cate-
vada ou descolada que não pode ser palpada no toque re- ter uretral é razoável em pacientes cuja condição é estável9
tal, retenção urinária aguda caracterizada por globo vesical e pode ser feita de forma aguda ou dentro de vários dias
palpável. Sangue no meato uretral (uretrorragia) é o achado após a lesão. Prefere-se uma técnica simples que consiste
mais comum, presente em 37 a 93%.4 em passar um cateter coudé anterógrado de uma cistosto-
mia anterior para o meato uretral, depois ligá-lo a outro ca-
teter que é levado de volta para a bexiga. Várias abordagens
Diagnóstico mais elaboradas foram descritas, frequentemente com cis-
O diagnóstico é feito por uretrografia retrógrada e deve
toscópios flexíveis retrógrados e anterógrados.10 Tentativas
sempre ser realizada após um trauma pélvico ou genital
prolongadas de realinhamento endoscópico podem infectar
com suspeita de lesão uretral.4 A uretrografia retrógrada
o hematoma pélvico e não podem ser recomendadas.11
pode demonstrar lesão parcial ou completa da uretra, com
Quando o cateter uretral é removido após 4 a 6 sema-
orientações sobre a melhor formar de realizar a drenagem
nas, é imperativa a colocação de um cateter vesical supra-
vesical. Extravasamento de contraste com ausência de deli-
púbico porque muitos pacientes, apesar do realinhamento,
neação da uretra proximal e da bexiga indica ruptura com-
desenvolverão estenose uretral posterior. Se o doente urinar
pleta da uretra, enquanto extravasamento com chegada de
satisfatoriamente através da uretra, o cateter suprapúbico
contraste até a bexiga traduz lesão parcial. A passagem do
pode ser removido 7 a 14 dias mais tarde. O realinhamento
cateter vesical antes da realização da uretrografia retrógra-
primário às vezes pode permitir a cicatrização sem este-
da deve ser evitado. No quadro de uma lesão parcial da ure-
nose, mas uma estenose leve de 1 a 2 cm de comprimento
tra, uma única tentativa com cateter bem lubrificado pode
se desenvolve em muitos pacientes.12 Os pacientes tratados
ser tentada por um membro da equipe experiente.5
com cateter suprapúbico quase sempre desenvolvem este-
nose completa, necessitando de uretroplastia posterior. Em-
Tratamento bora o realinhamento nem sempre possa impedir a estenose
sintomática, pode permitir que as estenoses resultantes se-
Reconstrução aberta imediata jam administradas endoscopicamente ou aliviar a dificulda-
Reconstrução anastomótica imediata de lesões de uretra de da uretroplastia posterior aberta, alinhando a próstata e a
posterior em homens foi abandonada devido à sua associa- uretra e reduzindo o comprimento da estenose.13
ção com resultados insatisfatórios, tais como impotência As lesões uretrais incompletas são melhor tratadas por
e incontinência, formação de estenose e perda sanguínea sondagem com um cateter uretral. Não existe nenhuma evi-
operatória.6 Nos casos de ruptura uretral feminina relacio- dência de que uma tentativa delicada de colocar um cateter

132
Trauma de bexiga e uretra: avaliação e tratamento

uretral possa converter uma lesão incompleta em uma tran- extremidades inferiores quando se realiza qualquer recons-
secção completa.14 A confirmação radiográfica do posicio- trução uretral complexa.19
namento adequado é imperativa. Em nenhum caso a tração
é utilizada após a colocação do cateter uretral. É desneces- Complicações
sária e pode causar incontinência.15 Disfunção erétil: Alguns níveis de impotência são ob-
servados em 82% dos pacientes com fratura pélvica e lesão
Reconstrução tardia uretral,20 embora a taxa média relatada seja de aproximada-
Na lesão uretral posterior, o defeito entre as duas extre- mente 50%.21 A etiologia é multifatorial e atribuída de forma
midades lesadas enche-se de tecido cicatricial, resultando em variável à lesão do nervo cavernoso, à insuficiência arterial,
completa falta de continuidade uretral. Esta separação não é à fuga venosa e à lesão corpórea direta.22 Fatores que cor-
uma estenose, na verdade é um verdadeiro defeito de ruptura respondem à gravidade da lesão, como diástase da sínfise
uretral preenchido com fibrose. Aos 3 meses, o tecido cica- púbica, deslocamento lateral da uretra, têm correlação com
tricial no local de ruptura uretral é estável o suficiente para a disfunção erétil.23 Algumas séries cirúrgicas mostraram um
permitir que a uretroplastia posterior seja realizada de forma pequeno número de pacientes com disfunção erétil de novo
segura, desde que as lesões associadas sejam estabilizadas e aparecimento ou agravada após a reconstrução; entretanto,
o paciente seja ambulatorial. Após esse período são neces- as complicações da lesão pélvica original são difíceis de di-
sários estudos de imagem para delinear as características do ferenciar das complicações das tentativas de reparar lesões
defeito de ruptura uretral. A drenagem de cistostomia supra- uretrais e da bexiga. Vários estudos têm demonstrado que
púbica deve ser mantida até que as lesões associadas tenham pacientes tratados com técnicas modernas de realinhamento
cicatrizado e o paciente possa ser adequadamente posiciona- endoscópico primário têm taxas de impotência e incontinên-
do para o procedimento reconstrutivo.16 cia semelhantes às dos pacientes que não tiveram nenhum
Tratamentos endoscópicos: Tratamentos endoscó- tratamento ou reconstrução aberta tardia.13 Estes estudos
picos, como a uretrotomia interna por via direta, são me- suportam a conclusão de que essas complicações são geral-
lhor reservados para estenoses uretrais curtas selecionadas, mente o resultado da própria lesão e não do tratamento.9,24
como lesões parciais, para as quais o cateterismo preco- Estenose recorrente: Após a uretroplastia posterior,
ce alcançou a continuidade uretral. Na maioria dos casos, 5% a 15% dos pacientes apresentam estenose recorrente
quando a avaliação pré-operatória indica defeitos de 1 cm na anastomose.25 O tratamento endoscópico (por exemplo,
ou mais, procedimentos endoscópicos são ineficazes e não com uretrotomia interna de visão direta) é frequentemente
têm outra vantagem além do tempo operatório reduzido.17 bem sucedido neste contexto porque a maior parte do teci-
Reconstrução cirúrgica: A uretroplastia posterior do fibrótico foi eliminado.26
aberta através de uma abordagem anastomótica perineal é Incontinência: A continência urinária após a lesão
o tratamento de escolha para a maioria das lesões de uretra uretral é a regra e não a exceção, apesar da destruição do
posterior, porque cura definitivamente o paciente sem a ne- esfíncter externo da própria lesão ou da reparação subse-
cessidade de múltiplos procedimentos. Quando os estudos quente. As taxas de incontinência após a reconstrução são
pré-operatórios determinaram que o ápice uretral prostático baixas - menos de 4%.21 Acredita-se que o mecanismo da
pode ser atingido por uma abordagem perineal, o paciente é
continência seja em grande parte atribuível à função do
colocado na posição de litotomia alta, e uma incisão na linha
colo da bexiga.27 Dados urodinâmicos mostram que uma
média é feita. A uretra bulbar é liberada e mobilizada a partir
proporção significativa de pacientes também possuem fun-
do local da ruptura uretral para o meio do escroto. O tecido
ção rabdoesfíncter distal identificável.28
cicatricial do defeito de ruptura uretral é excisado, e a uretra
prostática é identificada no ápice da próstata. Deve-se tomar
cuidado para eliminar com cuidado e meticulosamente todo Lesões uretrais anteriores
o tecido fibrótico da margem uretral proximal até que pelo A maioria das lesões na uretra anterior são causadas por
menos uma vela de 28 Fr passe sem resistência.11 A uretra trauma perineal que comprime a uretra contra o púbis e a
bulbar é então anastomosada de uma forma livre de tensão forma mais comum é conhecida como “queda a cavaleiro”.
para a uretra prostática. Em 95% dos pacientes, a anasto- Envolvem a uretra bulbar, que é suscetível a lesões por com-
mose uretral posterior é conseguida com sucesso por uma pressão devido à sua localização fixa debaixo do púbis. Uma
abordagem perineal isolada.18 É importante limitar o tempo porcentagem menor de lesões na uretra anterior são resul-
de litotomia a 5 horas ou menos para evitar complicações nas tado de lesão penetrante direta no pênis. Como no caso da

133
lesão uretral posterior, deve ser mantido um índice elevado
de suspeita em todos os pacientes com trauma na região uro-
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genital, e uretrografia deve ser realizada em qualquer caso de pelvic fracture morbidity and mortality using the National Trauma
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jury associated with pelvic fracture in 25 female patients. J Urol
sive uretral), está associada a melhores resultados se com- 2006;175:2140-5.
parada com a exploração tardia ou manejo não cirúrgico.31 8. Podesta ML, Jordan GH. Pelvic fracture urethral injuries in girls. J
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Armenakas e McAninch32 propuseram um esquema de 9. Elliott DS, Barrett DM. Long-term follow up and evaluation of primary
classificação simples e prático dividindo lesões uretrais realignment of posterior urethral disruptions. J Urol 1997;157:814-6.
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endoscopic realignment as a treatment for traumatic urethral injuries. J
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e lesões incompletas podem ser tratadas apenas passagem 11. Morey AF, McAninch JW. Reconstruction of posterior urethral disrup-
tion injuries: outcome analysis in 82 patients. J Urol 1997;157:506-10.
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como tratamento inicial das lesões contusas da uretra bul- nment of pelvic fracture associated urethral injuries at a level 1 trauma
center. J Urol 2012;188:174-8.
bar nos oferece segurança tanto no manejo de lesões com-
13. Mouraviev VB, Coburn M, Santucci RA. The treatment of posterior ure-
pletas como parciais.30 Entretanto, o realinhamento uretral thral disruption associated with pelvic fractures: comparative experience
anterior primário mostrou resultados promissores com rela- of early realignment versus delayed urethroplasty. J Urol 2005;173:873-6.
14. Kotkin e Koch, 1996 - faltando
ção à taxa de estenose e à disfunção erétil.33 15. Asci R, Sarikaya S, Buyukalpelli R et al. Voiding and sexual dysfunc-
tions after pelvic fracture urethral injuries treated with either initial
cystostomy and delayed urethroplasty or immediate primary urethral
Reconstrução tardia realignment. Scand J Urol Nephrol 1999;33:228-33.
16. Koraitim MM. Assessment and management of an open bladder neck
Antes de qualquer procedimento planejado, uma cisto- at posterior urethroplasty. Urology 2010;76:476-9.
grafia miccional e uma uretrografia retrógrada devem ser 17. Levine L, Wessels H. Comparison of open and endoscopic treat-
ment of posttraumatic posterior urethral strictures. World J Surg
obtidos para definir claramente o local e o comprimento da 2001;25:1597-601.
uretra obliterada. A uretroplastia anastomótica é o proce- 18. Carr LK, Webster GD. Posterior urethral reconstruction. Atlas Urol
dimento de escolha na uretra bulbar totalmente obliterada. Clin North Am 1997;5:125-37.
19. Anema JG, Morey AF, McAninch JW et al. Complications related
A cicatriz típica tem 1,5 a 2 cm de comprimento e pode to the high lithotomy position during urethral reconstruction. J Urol
ser facilmente excisada. A uretra proximal e distal pode ser 2000;164:360-3.
20. Flynn et al., 2003 – faltando.
mobilizada para uma anastomose termino-terminal livre de
21. Koraitim MM. On the art of anastomotic posterior urethroplasty: a 27-
tensão. Este é um procedimento altamente bem sucedido year experience. J Urol 2005;173:135-9.
em mais de 95% dos casos.34,35 22. Shenfeld OZ, Kiselgorf D, Gofrit ON et al. The incidence and causes
of erectile dysfunction after pelvic fractures associated with posterior
A incisão endoscópica através do tecido cicatricial de urethral disruption. J Urol 2003;169:2173-6.
uma uretra obliterada é um procedimento condenado ao 23. Koraitim MM. Predictors of erectile dysfunction post pelvic fracture
urethral injuries: a multivariate analysis. Urology 2013;81:1081-5.
fracasso. O estreitamento parcial da uretra pode inicial- 24. Corriere JN. 1-Stage delayed bulboprostatic anastomotic repair of
mente ser tratado por incisão endoscópica ou dilatação posterior urethral rupture: 60 patients with 1-year follow up. J Urol
2001;165:404-7.
com maior sucesso. A manipulação endoscópica repetida
25. Cooperberg MR, McAninch JW, Alsikafi NF et al. Urethral recons-
não é eficaz para o tratamento de estenoses uretrais.36 Os truction for traumatic posterior urethral disruption: outcomes of a 25-
pacientes submetidos a procedimentos endoscópicos repe- year experience. J Urol 2007;178:2006-10.
26. Koraitim MM. Failed posterior urethroplasty: lessons learned. Urolo-
tidos também são mais propensos a requerer procedimentos gy 2003;62:719-22.
reconstrutivos complexos, como enxertos.30,37 27. Iselin CE, Webster GD. The significance of the open bladder neck

134
Trauma de bexiga e uretra: avaliação e tratamento

associated with pelvic fracture urethral distraction defects. J Urol pentina aplicada a uma bexiga cheia pode resultar em um
1999;162:347-51.
28. Whitson JM, Tanagho EA, Metro MJ et al. Mechanism of continence
aumento rápido nas pressões intravesical e levar à ruptura
after repair of posterior urethral disruption: evidence of rhabdosphinc- intraperitoneal sem fratura pélvica, e é a cúpula a área de
ter activity. J Urol 2008;179:1035-9.
lesão mais comum.7,12,13 
29. Husmann DA, Boone TB, Wilson WT. Management of low velocity
gunshot wounds to the anterior urethra: the role of primary repair ver- Quase metade de todas as lesões da bexiga são iatro-
sus urinary diversion alone. J Urol 1993;150:70-2. gênicas, sendo estas as mais comuns do sistema urinário,
30. Park S, McAninch JW. Straddle injuries to the bulbar urethra: manage-
ment and outcomes in 78 patients. J Urol 2004;171:722-5. entre as causas estão procedimentos obstétricos ou gineco-
31. Ibrahiem EI, EI-Tholoth HS, Mohsen T et al. Penile fracture: long- lógicos, cirurgia geral e procedimentos urológicos.14
-term outcome of immediate surgical intervention. J Urol 2010;75:108.
32. Armenakas NA, McAninch JW. Acute anterior urethral injuries: diag-
nosis and initial management. In: McAninch JW, editor. Traumatic and
reconstructive urology. Philadelphia: Saunders; 1996. p. 543-50.
Diagnóstico 
33. Ying-Hao S, Chuan-Liang X, Xu G et al. Urethroscopic realignment of O diagnóstico de lesão vesical pode ser mascarado por
ruptured bulbar urethra. J Urol 2000;164:1543-5. outros traumas, pela magnitude do mecanismo, nas le-
34. Santucci RA, Mario LA, McAninch JW. Anastomotic urethroplasty for
bulbar urethral stricture: analysis of 168 patients. J Urol 2002;167:1715-9. sões extraperitoneais da bexiga geralmente está associada
35. Jordan et al., 2010 – faltando. à fratura pélvica. As lesões intraperitoneais podem estar
36. Greenwell TJ, Castle C, Andrich DE et al. Repeat urethrotomy and associadas à fratura pélvica, mas são geralmente causadas
dilation for the treatment of urethral stricture are neither clinically ef-
fective nor cost-effective. J Urol 2004;172:275-7. por lesões penetrantes ou em trauma direto em um bexiga
37. Hudak SJ, Atkinson TH, Morey AF. Repeat transurethral manipulation repleta. O principal sinal de lesão vesical é hematúria ma-
of bulbar urethral strictures is associated with increased stricture com-
plexity and prolonged disease duration. J Urol 2012;187:1691-5. croscópica, e pode ocorrer em até 95 % dos casos.7-9
38. Não mencionadas no texto acima: Pacientes conscientes apresentam sintomas inespecífi-
39. Koraitim MM, Marzouk ME, Atta MA et al. Risk factors and mecha- cos como dor abdominal, distensão abdominal e retenção
nism of urethral injury in pelvic fractures. Br J Urol 1996;77:876-80.
40. Koraitim MM. Effect of early realignment on length and delayed re- urinária. Os principais sinais são hematúria macroscópica,
pair of postpelvic fracture urethral injury. Urology 2012;79:912-5. hematomas no abdome inferior, abdome em tábua, edema
41. Turner-Warwick R. Prevention of complications resulting from pelvic
fracture urethral injuries—and from their surgical management. Urol
de períneo e/ou escrotal e ruídos intestinais diminuídos.
Clin North Am 1989;16:335-58. O cateterismo imediato deve ser realizado quando se
suspeita de ruptura brusca da bexiga, pois o indicador mais
confiável é a hematúria macroscópica, que está presente em
Lesões de bexiga quase todos os casos. Se o sangue for observado no meato ou
Etiologia o cateter não passar facilmente, a uretrografia retrógrada está
indicada pois lesões uretrais ocorrem concomitantemente em
A bexiga é geralmente protegida de trauma externo de-
10% a 29% dos pacientes com ruptura da bexiga.1,14 
vido à sua localização profunda na pelve óssea. A causa
No trauma contuso, a hematúria franca associada à fra-
mais comum de trauma contuso são acidentes automobi-
tura pélvica é indicação absoluta de cistografia imediata,
lísticos, mas muitas também ocorrem por quedas, traumas
pois aproximadamente 29% dos pacientes que apresentam
pélvicos e traumatismo direto (no abdome inferior com a
esta combinação de achados têm ruptura da bexiga.15 As
bexiga cheia).1-5 Outras causas importantes de ruptura da
indicações relativas à cistografia após trauma contuso in-
bexiga incluem trauma penetrante, complicações cirúrgicas
cluem hematúria macroscópica sem fratura pélvica e mi-
iatrogênicas e ruptura espontânea em pacientes com histó-
cro-hematúria com fratura pélvica. Em trauma penetrante a
ria de doença neuropática, doença preexistente da bexiga
presença orifício de entrada e/ou saída em abdome inferior,
ou cirurgia urológica prévia.6-9
períneo e nádegas deve sempre suspeitar de lesão vesical. 
As lesões vesicais isoladas são raras, 80% a 94% dos pa-
cientes têm lesões não-urológicas associadas e geralmente as
lesões não-urológicas são causa de morte. Existe uma rela- Exames de imagens 
ção direta entre fraturas pélvicas e lesões vesicais, que está A cistografia retrógrada é o método preferido para o
associada a 83% a 95%. Por outro lado, a lesão da bexiga diagnóstico de lesão vesical, pois possui uma alta sensi-
foi relatada em apenas 5% a 10% das fraturas da pelve.1,10,11  bilidade se executado adequadamente. A bexiga deve ser
A lesão vesical extraperitoneal é a mais comum e pode preenchida por pelo menos 350 mL, e deve obter três ima-
estar associada a lesão intra-abdominal de outros órgãos em gens: uma antes da administração do contraste, da bexiga
44%, e estar associado a lesão de uretra em 15%, e estão completa e uma da drenagem.
quase sempre associadas a fraturas pélvicas. A força re- Uma coleção densa, em forma de chama, de material de

135
contraste na pelve é característica do extravasamento extra- Nas lesões penetrantes ou intraperitoneais deverá ser re-
peritoneal. Dependendo da integridade fascial, o material de alizado tratamento cirúrgico imediato, com reparo da lesão
contraste pode se estender além dos limites da pelve e ser devido o elevado risco de peritonite e sepse. Devemos sem-
visualizado no retroperitônio e escroto. A quantidade de ex- pre avaliar os meatos ureterais, e se houver lesão do mesmo,
travasamento nem sempre é proporcional à extensão da lesão realizar o reimplante ou mesmo colocação de um cateter ure-
da bexiga. O extravasamento intraperitoneal é identificado teral. No reparo direto deve se empregar o uso de dreno peri-
quando o material de contraste delineia as alças do intestino vesical, devido ao risco de fístula, e manter antibioticoterapia
e/ou a porção lateral inferior da cavidade peritoneal.16 terapêutica. Uma cistografia deverá ser obtida 7 a 10 dias
Contudo, a tomografia é o principal exame para pacien- após a cirurgia,18,19 antes de retirar a sonda de Foley. 
tes politraumatizados estáveis, sendo assim a cistotomogra- O diagnóstico imediato e o manejo adequado das lesões
fia vem substituindo a cistografia convencional, com sensi- da bexiga promovem excelentes resultados e morbidade mí-
bilidade e especificidade semelhante a mesma, desde que a nima. No entanto, em casos que o tratamento inadequado e no
bexiga seja preenchida de forma retrógrada com material diagnóstico tardio, podem ocorrer complicações graves. Nos
de contraste diluído a 2% a 4% (6: 1 com Salina) para um casos de fraturas pélvicas graves podem causar lesões neuro-
volume de 350 mL.16 lógicas transitórias ou permanentes e resultar em dificuldades
A diluição do material de contraste é obrigatória porque miccionais apesar de um reparo adequado da bexiga. 
o material de contraste não diluído é tão denso que a quali-
dade do CT é comprometida pelo artefato de dispersão. A
tentativa de distensão anterógrada da bexiga por meio de
Referências
1. Cass AS. The multiple injured patient with bladder trauma. J Trauma
contraste intravenoso é inadequada para o diagnóstico de 1984;24:731-4.
ruptura da bexiga - é necessário preenchimento retrógrado. 2. Bjurlin MA, Fantus RJ, Mellett MM et al. Genitourinary injuries in
pelvic fracture morbidity and mortality using the National Trauma
A TC abdominal convencional de um paciente com trauma Data Bank. J Trauma 2009;67:1033-9.
pode apresentar achados sugestivos de lesão na bexiga, mas 3. Parry NG, Rozycki GS, Feliciano DV et al. Traumatic rupture of
the urinary bladder: is the suprapubic tube necessary? J Trauma
não é considerada adequada para a avaliação da bexiga sem 2003;54:431-6.
distensão de contraste retrógrada.  4. Hsieh C, Chen R, Fang J et al. Diagnosis and management of bladder
A cistoscopia é método preferido para avaliação de le- injury by trauma surgeons. Am J Surg 2002;184:143-7.
5. Volpe MA, Pachter EM, Scalea TM et al. Is there a difference in out-
sões intraoperatórias, que não houve abertura abdominal, come when treating traumatic intraperitoneal bladder rupture with or
como sling, histerectomias vaginais e outras. without a suprapubic tube? J Urol 1999;161:1103-5.
6. Wirth GJ, Peter R, Poletti PA et al. Advances in the management of
A ultrassonografia não é um método eficiente para o blunt traumatic bladder rupture: experience with 36 cases. BJU Int
diagnóstico.  2010 Nov;106(9):1344.
7. Gomez RG, Ceballos L, Coburn M et al. Consensus statement on bla-
dder injuries. BJU Int 2004 Jul;94(1):27.
 Tratamento  8. Tonkin JB, Tisdale BE, Jordan GH. Assessment and initial manage-
ment of urologic trauma. Med Clin North Am 2011 Jan;95(1):245.
 No tratamento de lesões extraperitoneais não compli- 9. Bjurlin MA, Goble SM, Fantus RJ et al. Outcomes in geriatric genitou-
cadas da bexiga, em condições ideais, o tratamento conser- rinary trauma. J Am Coll Surg 2011 Sep;213(3):415.
10. Peters PC. Intraperitoneal rupture of the bladder. Urol Clin North Am
vador é o preferido, com drenagem uretral com um cateter 1989;16:279-82.
de Foley de grande diâmetro (20 a 24-Fr) para promover 11. Aihara R, Blansfield JS, Millham FH et al. Fracture locations influen-
drenagem adequada. Idealmente, uma cistografia é realiza- ce the likelihood of rectal and lower urinary tract injuries in patients
sustaining pelvic fractures. J Trauma 2002;52:205-9.
da após 14 dias da lesão para avaliar se houve a cicatriza- 12. Rödder K, Olianas R, Fisch M. Bladder injury. Diagnostics and treat-
ção completa. Durante o período do tratamento, o uso de ment. Urologe A 2005 Aug;44(8):878.
13. Deibert CM, Spencer BA. The association between operative repair of
antibióticos é recomendado para evitar infecção em retro- bladder injury and improved survival: results from the National Trau-
peritônio. No entanto, se apresentar lesão de colo vesical, ma Data Bank. J Urol 2011 Jul;186(1):151.
presença de fragmento ósseo na parede vesical ou lesão de 14. Dobrowolski ZF, Lipczynski W, Drewniak T et al. External and ia-
trogenic trauma of the urinary bladder: a survey in Poland. BJU Int
reto associada, está indicada a reparação aberta imediata 2002;89:755-6.
para evitarmos complicações como fístula, abscesso e ou- 15. Morey AF, Carroll PR. Evaluation and management of adult bladder
trauma. Contemp Urol 1997;9:13-22.
tras, devendo sempre avaliar o meato ureteral. 16. Campbell-Walsh Urology, Eleventh Edition, 2016;101:2384-2388.
Se um paciente com lesão extraperitoneal for submetido 17. Urologia Brasil 2013;35:383-385.
a uma laparotomia e/ou fixação interna de fratura pélvica, a 18. Corriere JN, Sandler CM. Management of extraperitoneal bladder rup-
ture. Urol Clin North Am 1989;16:275-7.
rafia concomitante da bexiga deve ser realizada evitando-se 19. Sandler CM, Corriere JN Jr. Urethrography in the diagnosis of acute
assim possíveis complicações.17 urethral injuries. Urol Clin North Am 1989;16:283-9.

136
SEÇÃO IV
UROLOGIA GERAL I

CAPÍTULO 19
Trauma genital:
avaliação e tratamento

José Ferreira da Rocha Grohmann


Rafael Rocha Tourinho Barbosa
Maíra Cristina Silva
Introdução Fratura peniana
Trauma é um importante tema de saúde pública, sen- A fratura peniana é um trauma contuso da haste do
do considerado a principal causa de morte entre indiví- pênis caracterizado por lesão da túnica albugínea com
duos jovens, de ambos os sexos, no Brasil e em países ruptura do corpo cavernoso. Esse tipo de trauma ocor-
desenvolvidos. Aproximadamente 10% das lesões trau- re durante a ereção peniana, geralmente, durante o ato
máticas ocorrem sobre o aparelho geniturinário. A geni- sexual vigoroso ou, com menor frequência, durante a
tália masculina, por sua localização externa, se encontra masturbação, sono ou autoinfligida. As lesões dos cor-
vulnerável ao trauma, porém lesões genitais traumáticas pos cavernosos podem ser uni ou bilaterais e costumam
são incomuns, em parte pela grande mobilidade de suas ser distais ao ligamento suspensor do pênis e ventrais ou
estruturas. laterais, áreas onde a túnica albugínea é menos espessa.
Lesões da genitália externa podem ser ocasionadas O diagnóstico de fratura peniana é clínico, caracte-
por uma grande variedade de mecanismos. Embora ra- rizado por um estalido seguido de detumescência, dor
ramente sejam ameaçadoras à vida, essas lesões podem e hematoma peniano, ao que alguns atribuem o nome
acarretar grande morbidade, principalmente se não tra- de “pênis em berinjela”. O hematoma disseca os teci-
tadas adequadamente. Sequelas de ordem miccional, se- dos adjacentes podendo se estender ao escroto, períneo
xual, reprodutiva e psicológicas podem trazer danos de- e região suprapúbica. O hematoma, quando volumoso,
vastadores aos pacientes acometidos por lesões genitais. causa desvio da haste peniana para o lado contralateral
Os profissionais envolvidos no atendimento inicial ao da lesão albugínea por efeito de massa. A presença
ao trauma e os especialistas devem estar familiarizados de uretrorragia ou impossibilidade para urinar deve le-
vantar suspeita de lesão uretral que deve ser avaliada no
com esses tipos de lesões. Na fase aguda, o mais impor-
pré-operatório por uretrocistografia ou no intraoperató-
tante é distinguir os ferimentos que devem ser imediata-
rio por uretrocistoscopia flexível.
mente tratados daqueles que devem ter sua reconstrução
Os achados clínicos são suficientes para o diagnós-
postergada, e oferecer todo o suporte necessário para
tico na maioria dos casos, dispensando exames comple-
posteriores intervenções.
mentares. Cavernosografia, outrora preconizada, não
deve ser realizada de rotina, visto que consome tempo
Mecanismos de lesão e não é familiar a urologistas ou radiologistas e apre-
Os mecanismos de lesão genital são diversos e, suas senta baixa acurácia. A ultrassonografia, muitas vezes
consequências, irão variar tanto em relação à etiologia solicitada na urgência, depende de examinador habilita-
quanto à magnitude da lesão. do e apresenta taxas de falso-negativos elevadas. Uma
São mecanismos de lesão genital: ultrassonografia negativa para fratura de pênis não deve
• Fratura peniana dispensar a exploração cirúrgica diante de uma forte
• Ferimentos penianos penetrantes suspeita clínica. O exame de melhor acurácia em caso
• Mordedura humana e animal de apresentação clínica atípica é a ressonância magnéti-
• Amputação peniana traumática ca, mas não deve ser realizada de rotina.
• Lesão por zíper Diagnóstico diferencial de fratura de pênis deve ser
• Estrangulamento feito com lesões vasculares como lesão da veia dorsal
• Lesões testiculares penetrantes ou contusas do pênis ou, menos comumente, da artéria dorsal do pê-
• Perda de pele genital nis. Embora de tratamento conservador, muitas vezes
• Queimaduras esses diagnósticos são feitos apenas após exploração
• Complicações cirúrgicas cirúrgica.
Abordaremos cada um desses mecanismos de trau- A exploração cirúrgica imediata e reparo da túnica
ma em detalhe, exceto os dois últimos, que fogem ao albugínea lesada podem ser feitos através de incisão di-
escopo deste capítulo. reta sobre o local de fratura em caso de hematoma pe-

138
Trauma genital: avaliação e tratamento

queno e defeito palpável ou, de forma mais ampla, pelo manejo inicial com lavagem exaustiva da lesão, des-
desluvamento peniano ou incisão ventral com exposi- bridamento de tecidos desvitalizados, fechamento pri-
ção de ambos os corpos cavernosos e uretra. A lesão al- mário e profilaxia antibiótica garante baixas taxas de
bugínea deve ser localizada após ereção artificial, se ne- complicações infecciosas. Deve-se considerar vacinas
cessário, e rafiada com fios absorvíveis 2-0 ou 3-0. Em antirrábica e antitetânica às vítimas de mordedura ani-
caso de lesão uretral, esta deve ser reparada no mesmo mal. Antibioticoterapia empírica baseada em cefalospo-
ato cirúrgico. Circuncisão limitada deve ser oferecida rina de segunda geração, betalactâmico com inibidor de
aos pacientes após desluvamento peniano pelo risco de betalactamase ou quinolona associada a clindamicina
isquemia do prepúcio distal. Antibioticoterapia de am- deve ser oferecida aos pacientes.
plo espectro deve ser oferecida a todos os pacientes. No A mordedura humana ocorre com mais frequência
pós-operatório, os pacientes devem se abster de relação em adultos e, por conta do atraso à procura de aten-
sexual por 4-6 semanas. dimento médico, muitos se apresentam com infecção
Fraturas penianas não exploradas de imediato apre- grosseira dos ferimentos. Tratamento semelhante à
sentam incidência de curvatura peniana > 10%, possibi- mordedura animal deve ser oferecido, porém ferimen-
lidade de abscessos focais e presença de placas fibrosas tos claramente infectados não devem ser reparados pri-
em 25%-30% dos pacientes. O reparo imediato oferece mariamente. Tratamento antibiótico empírico deve ser
menor tempo de recuperação e diminui as taxas de cur- feito com betalactâmicos com inibidor de betalactamase
vatura peniana para menos de 5%. Pacientes tratados ou quinolonas.

em até 8 horas do trauma apresentam resultados a lon-


go prazo superiores aos encontrados naqueles operados Amputação traumática
após 36h do evento. Amputação traumática do pênis, embora rara, é ge-
ralmente o resultado da automutilação genital. Em to-

Lesões penianas penetrantes dos os casos de automutilação a avaliação psiquiátrica


se faz mandatória, visto que até 87% dos pacientes têm
As lesões penianas penetrantes são causadas em sua
distúrbio psiquiátrico.
maior parte por ferimentos por arma de fogo e, geral-
Diante de uma amputação traumática, deve-se tentar
mente, necessitam de tratamento cirúrgico imediato.
localizar, limpar e preservar a porção amputada em so-
Os princípios para esse tratamento, além da exploração
lução salina dentro de um saco plástico estéril envolta
imediata, incluem lavagem exaustiva do ferimento, re-
por outro plástico com gelo evitando assim lesão térmi-
tirada de materiais estranhos, antibioticoprofilaxia e re-
ca. O reimplante bem-sucedido é possível até 16 horas
construção anatômica por planos.
de isquemia fria ou até 6 horas de isquemia quente.
Lesões uretrais associadas são reportadas em 15%-
A reconstrução da uretra e reanastomose dos cor-
50% dos ferimentos por arma de fogo e devem ser roti-
pos cavernosos com reparo microcirúrgico dos vasos
neiramente avaliadas por uretrocistografia ou durante a
e nervos dorsais do pênis apresentam bons resultados,
exploração cirúrgica. Todas as lesões uretrais passíveis
com recuperação de ereção em mais da metade dos ca-
de reparo devem ser tratadas imediatamente. Lesões
sos e retorno à sensibilidade tátil em mais de 80% dos
mais extensas, com perda de substância, podem neces-
pacientes. Em caso de indisponibilidade, o reparo ma-
sitar de derivação urinária e reparo tardio.
croscópico da uretra e corpos cavernosos pode ser rea-
lizado com bons resultados em relação à função erétil,
Lesões por mordedura porém com comprometimento da sensibilidade peniana
Lesões por mordedura genital podem ser ocasiona- na grande maioria dos pacientes. Na técnica macroscó-
das por animais ou mesmo por humanos. A mordedura pica também são vistas maiores taxas de necrose da pele
animal é a mais frequente, sendo causada principalmen- peniana.
te por cães e tendo crianças como sua maior vítima. O Na impossibilidade de localizar a parte amputada,

139
o coto peniano deve ser tratado como em amputações edema, seguido de lubrificação e tentativa de reti-
oncológicas, com fechamento dos corpos cavernosos e rada do dispositivo
confecção de um novo meato uretral. • Para objetos metálicos: uso de equipamentos es-
Passos da reconstrução na amputação traumática: peciais (bombeiros) com a devida proteção da has-
• Cistostomia suprapúbica te peniana
• Reconstrução uretral “entubada” por cateter com • Considerar cistostomia para alívio urinário
fio absorvível (5-0) Em caso de necrose distal, o cirurgião deve estar
• Dissecção mínima sobre o feixe vasculonervoso preparado para aplicar técnicas reconstrutivas tais como
• Fechamento da túnica albugínea com sutura ab- o enxerto de pele.
sorvível (3-0)
• Reconstrução microcirúrgica da artéria dorsal Lesões testiculares
com fio inabsorvível 11-0 As lesões testiculares ocorrem por trauma fechado
• Reconstrução microcirúrgica da veia dorsal com em cerca de 75% dos casos. A mobilidade dos testículos,
fio inabsorvível 9-0 o reflexo cremastérico e a túnica albugínea conferem
• Reparo microscópico epineural do nervo dorsal proteção a essas estruturas diante do trauma contuso.
com fio inabsorvível 10-0 No trauma escrotal penetrante, estruturas vizinhas como
• Cobertura da pele coxa, pênis, períneo, bexiga, uretra e vasos femorais são
acometidas em até 80% dos casos. Lesões testiculares
Lesão por zíper bilaterais são vistas em 1,5% dos traumas fechados e
em até 30% dos traumas penetrantes.
Lesões penianas por zíper ocorrem com mais fre-
A lesão de testículo deve ser considerada em todos
quência em adultos jovens ansiosos ou em pacientes
os casos de trauma escrotal fechado. Edema e equimo-
intoxicados. Várias são as manobras para liberação da
ses são variáveis e​​ o grau de hematoma pode não se
pele e remoção do zíper:
correlacionar com a gravidade da lesão testicular. O he-
• Lubrificar com óleo mineral e tentar liberação da
matoma escrotal somado à hipersensibilidade à palpa-
pele
ção, muitas vezes limitam um exame físico completo. A
• Liberar o tecido ligado ao zíper para permitir que
lesão uretral concomitante deve ser suspeitada e avalia-
o dispositivo se separe
da quando o exame revela sangue no meato, uretrorra-
• Cortar a parte metálica do zíper dividindo-o em
gia ou de acordo com o mecanismo de trauma. Nos pa-
duas partes
cientes com lesão escrotal penetrante deve ser realizado
• Circuncisão ou retirada elíptica da pele acometida
exame minucioso das estruturas vizinhas.
A ultrassonografia pode ser útil para avaliar a inte-
Estrangulamento gridade e vascularização do testículo em casos duvido-
As lesões por estrangulamento podem ser ocasiona- sos. É um exame rápido, prontamente disponível e não
das por causas diversas, tais como abuso sexual e fins invasivo, porém sua acurácia é limitada. Embora possa
eróticos. O estrangulamento peniano ocasiona edema da auxiliar na detecção de fratura testicular ou hematoma,
haste, diminuição do fluxo sanguíneo e, em casos mais sua realização não deve atrasar a exploração cirúrgica
graves, necrose genital. quando os achados de exame físico sugerirem lesão tes-
O tratamento de emergência requer descompressão ticular. A ressonância magnética apresenta maior acurá-
do pênis para permitir o fluxo sanguíneo e micção. De- cia na avaliação da integridade testicular, mas seu uso
pendendo do dispositivo de constrição, muitos recursos rotineiro não é a regra, em vista dos custos, disponibi-
podem ser exigidos do médico: lidade limitada e atraso potencial da cirurgia definitiva.
• Incisão do dispositivo O diagnóstico diferencial de fratura testicular inclui
• Garroteamento do tecido distal visando diminuir o hematocele sem lesão da albugínea, torção testicular ou

140
Trauma genital: avaliação e tratamento

de hidátides, hidrocele reacional ao trauma, hematoma Reconstrução escrotal


do epidídimo ou do cordão espermático e hematoma in- Os defeitos com perdas de pele escrotal de até 50%
tratesticular. podem frequentemente ser fechados com reconstrução
O diagnóstico definitivo é frequentemente feito no primária. Para lesões extensas, os testículos podem ser
ato operatório. Exploração escrotal e reparos precoces alojados na raiz da coxa ao nível do anel inguinal exter-
estão associados a melhor taxa de salvamento testicular, no ou tratado com curativos e posterior reconstrução.
a menor tempo de convalescência e a melhor preserva- Deve-se evitar alojar tecido infectado em raiz de coxa
ção da fertilidade e da função hormonal. pelo risco de disseminação microbiana para tecidos es-
A exploração imediata objetiva salvar testículo, téreis. Nesses procedimentos cabe ao cirurgião cuida-
prevenir infecção, controlar sangramento e reduzir o do para evitar desvascularização de possíveis fontes de
tempo de recuperação. Lesões menores podem ser tra- retalho, pois retalhos de coxa podem ser a forma mais
tadas conservadoramente com analgesia e suspensório viável de se reconstruir grandes defeitos escrotais.
escrotal.
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142
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 20
Embriologia

Fábio José Nascimento


Frederico Arnaldo de Queiroz e Silva
onde começa a involuir um par e a evoluir o outro.
Introdução Estas gerações de pares de órgãos têm origem no folhe-
A gênese dos órgãos do trato urinário é indissociável da-
to mesodérmico, situam-se no retroperitônio, ao longo do
quela do trato genital porque algumas estruturas urinárias
eixo craniocaudal, e cada unidade do par posiciona-se de
primitivas convertem-se em genitais definitivas, com ativi-
cada lado do corpo do embrião. Admite-se que esses três
dade funcional determinada pelo sexo do embrião. No mas-
pares de órgãos sejam segmentos diferentes de uma mes-
culino, por exemplo, os dutos que coletaram e conduziram
ma matriz, o cordão nefrogênico, no qual o segmento mais
secreções urinárias primitivas transformam-se em dutos que
cranial corresponderia ao pronefro, o intermediário, ao
conduzirão as secreções espermáticas. No embrião femini-
mesonefro, e o pélvico, ao metanefro (Figura 1). As secre-
no aqueles mesmos dutos sofrerão atrofia, mas seus resíduos
ções urinárias drenam para uma câmara de reserva, menos
serão identificados em órgãos genitais. Na embriologia em
ou mais diferenciada em função da fase de desenvolvimen-
geral, as matrizes que não evoluem, involuem, mas deixam
to do embrião. As pronéfricas drenam para um órgão de re-
vestígios da sua existência. Como decorrência desta mudan-
serva primitivo, a câmara alantoidecloacal, mais conhecida
ça de função e do aspecto temporal dos eventos, consagrou-
como cloaca (Figura 2).
-se estudar a organogênese do trato urinário antes daquela
Respeitando a sequência fisiológica de que a urina for-
do genital, e a normal, antes da patológica.
mada é coletada, conduzida, armazenada e eliminada, a
embriologia do trato urinário será dividida em três blocos
Trato urinário sequenciais: aquele dos elementos secretores e coleto-con-
Na espécie humana, as funções de elaboração e cole- dutores, dos armazenadores e o bloco dos emissores.
ção-condução das secreções urinárias são realizadas por
três gerações de pares de órgãos que se sucedem crono-
lógica, topográfica e funcionalmente. Cronologicamen- Organogênese dos elementos
te, o primeiro par de órgãos é o pronefro, o segundo, o
mesonefro e o terceiro, o metanefro. Topograficamente, que formam, coletam
o pronefro ocupa a região cefálica do embrião, o mesone- e conduzem a urina
fro, a lombar e o metanefro, a pélvica. Funcionalmente, o
pronefro é o rim mais primitivo, o mesonefro tem função Pronefro
intermediária e o metanefro é o rim definitivo. Ao mesmo Serve o embrião do fim da terceira ao término da
tempo que involui o pronefro, evolui o meso, e à medida quarta semana e sendo, tanto morfológica quanto funcio-
que este involui, evolui o metanefro. Esta renovação faz-se nalmente, uma unidade muito rudimentar, é difícil distin-
em uma fase muito precoce da organogênese, é sequencial guir os elementos secretores dos coleto-condutores e o
e subentrante, sendo impossível determinar com precisão destino dos mesmos.

Figura 1. Cordão nefrogênico. Figura 2. Câmara alantoide-cloacal.

144
Embriologia

da oitava. Localiza-se na região pélvica e, assim como os


Mesonefro pares que o antecederam, é formado por túbulos, que se-
À medida que o embrião se desenvolve, o trato urinário
cretam urina, e dutos, que a coletam e a conduzem até a
passa para a fase de mesonefro, o qual irá servir o embrião
cloaca.
da quarta à oitava semana. Tem maior atividade funcional
Há evidências de que no metanefro existe uma rela-
que o pronefro e também é constituído de elementos secre-
ção “binária” determinante entre os elementos que o com-
tores e coleto-condutores, os túbulos e os dutos mesonéfri-
põem; os dutos induzem a diferenciação e o desenvolvi-
cos, mais conhecidos como dutos de Wolff. Normalmente
mento dos túbulos metanéfricos. Em outras palavras, os
dois, são grosseiramente cilíndricos e relativamente longos,
elementos coleto-condutores, os dutos, são considerados
motivo pelo qual é didático considerar os dutos de Wolff
as “matrizes indutoras”, enquanto os secretores, os túbu-
como sendo constituídos de três segmentos, superior, médio
los, as “matrizes induzidas”. Como consequência desta de-
e inferior. Observe-se, no entanto que, sendo estruturas con-
pendência organogênica, é mais lógico iniciar o estudo do
tínuas, é implícita a dificuldade de determinar com precisão
metanefro pelas matrizes indutoras, os dutos metanéfricos,
onde termina um segmento e começa o outro.
mais conhecidos como brotos ureterais.
Destino dos túbulos mesonéfricos. A maior densidade
destes túbulos se localiza nas regiões lombares, próximo das
matrizes que formarão as gônadas. Em razão desta posição, Brotos ureterais
os resíduos dos túbulos mesonéfricos serão identificados Em número de dois, são identificados como estru-
nos hilos dos testículos ou dos ovários, sob a forma de ór- turas com forma diverticular (“em dedo de luva”), que
gãos de Giraldes ou Rosenmüller, respectivamente. São es- emergem das faces póstero-laterais do segmento pélvico
truturas vestigiais, localizáveis por microdissecação e sem de cada duto de Wolff, de cada lado da cloaca (Figura
qualquer função reconhecida. 2). A partir do momento em que se identificam os bro-
Destino dos dutos mesonéfricos, ou de Wolff. Depen- tos ureterais implantando-se nos dutos de Wolff, os seg-
de do sexo do embrião e seu estudo será feito com base na mentos destes, situados abaixo dessas implantações, são
divisão dos mesmos em três segmentos. Há evidências de denominados dutos comuns. Recebem tal denominação
que as extremidades superiores dos dutos de Wolff deixam porque servem simultaneamente ao meso e ao metane-
como vestígios as hidátides pediculadas de Morgagni, es- fro, em vias de involução e de evolução, respectivamen-
te. No processo de ampliação e adequação da câmara
truturas atróficas identificadas na cabeça dos epidídimos ou
alantoide-cloacal, ou cloaca, os dutos comuns devem
das trompas de Falópio.
ser progressivamente incorporados a ela, de forma que,
Nos embriões masculinos, a maior extensão dos dutos
ao final, os brotos ureterais e as estruturas que lhe deram
de Wolff converte-se nas vias espermáticas. Respeitadas as
origem, os dutos de Wolff, devem ficar independentes
dificuldades demarcatórias, aceita-se que os segmentos su-
e se distanciarem entre si à medida que a câmara de
periores formem os epidídimos, os intermediários, os canais
reserva cresce. Progressivamente, os meatos dos brotos
deferentes e as vesículas seminais, e os inferiores, os canais
ureterais vão sendo deslocados súpero-lateralmente e
ejaculadores. Nos embriões femininos, os dutos de Wolff
os meatos dos dutos de Wolff, ínfero-medialmente, ou
sofrem atrofia e se convertem nos dutos de Malpighi-Gart-
seja, um movimento na mesma direção, mas em senti-
ner, resíduos embrionários ordoniformes dificilmente iden-
dos diametralmente opostos. Completadas tais migra-
tificáveis nas faces laterais da vagina e do útero.
ções, configura-se na câmara de reserva uma estrutura
É consenso que, a partir do momento em que se iden-
de forma grosseiramente triangular denominada trígono
tificam as matrizes que se converterão nas estruturas se-
urogenital (Figura 3). A base desse triângulo é determi-
cretoras e coleto-condutoras do trato urinário definitivo, o
nada pelos meatos ureterais e o vértice, pelos meatos
embrião vai deixando a fase mesonéfrica e ingressando na
de dutos genitais, qualquer que seja o sexo do embrião.
metanéfrica.
No masculino, o vértice do trígono urogenital está po-
sicionado ao nível dos meatos dos dutos ejaculadores,
Metanefro no verumontano, ao lado do utrículo. No sexo feminino,
É o terceiro e último par, começa a diferenciar-se a par- aquele vértice está posicionado ao nível dos meatos dos
tir da quinta semana e começará a servir o embrião a partir dutos de Malpighi-Gartner, correspondentes organogê-

145
Figura 3. A - Esquema do duto comum e sua incorporação pela câmara deverá desenvolver-se de forma independente do contra-
alantoide-cloacal B - Esquema da migração dos meatos ureterais e dos dutos
de Wolff para determinar o trígono urogenital. lateral e ir “induzindo” a diferenciação das matrizes que
lhe são adjacentes, os blastemas metanefrogênicos, ma-
Duto de Wolff
Duto comum trizes que irão se diferenciar nos nefrons, elementos que
Broto ureteral
irão formar a urina do embrião. No retroperitônio, cada
broto ureteral primitivo deverá alongar-se superiormente
e dilatar a extremidade superior para ir configurando, res-
pectivamente, o ureter e o bacinete. Neste, tem início um
processo de divisão progressiva, inicialmente macro e
Câmara Câmara urogenital
depois microscópica, da qual resultarão os cálices renais
alantoi­
decloacal e os dutos coletores intrarrenais, de primeira, segunda e
terceira ordem (Figura 5).
As principais anomalias ureterais podem ser de nú-
mero, dicotomização, implantação e percurso. Na hipóte-
se do embrião não apresentar brotos ureterais, não haverá
Meato do broto ureteral
condições para os blastemas serem induzidos, ou seja, a
agenesia ureteral bilateral gera a agenesia renal bilate-
Meato do duto de Wolf
ral, condição incompatível com a sobrevida. Se houver
apenas um broto, está configurada uma agenesia ureteral
nicos das vias espermáticas, posicionados de cada lado unilateral, condição que gera a agenesia renal unilateral,
do colo do útero. O trígono urogenital dos embriologis- ou rim único congênito. Se dois brotos ureterais se desen-
tas não deve ser confundido com o trígono vesical dos volverem normalmente, mas apenas um deles promover
anatomistas. O vértice do trígono vesical posiciona-se a diferenciação do blastema adjacente, o outro configura
no nível do colo da bexiga, enquanto o do trígono uro- o que se conhece como ureter em fundo cego. Quando
genital situa-se no nível dos meatos de dutos genitais, de um único duto de Wolff emergem dois brotos urete-
qualquer que seja o sexo do embrião (Figura 4). Estas rais, uni ou bilateralmente, está caracterizada a duplici-
considerações são importantes porque explicam a loca- dade ureteral, dita também completa (Figura 6). Nessa
lização de meatos ureterais ectópicos fora dos limites eventualidade, cada broto ureteral poderá induzir áreas
do trígono vesical, mas posicionados dentro dos limites de um mesmo blastema, ou áreas de um blastema que se
do trígono urogenital do embrião de ambos os sexos. fragmentou, configurando o rim duplo fundido e o supra-
Destino dos brotos ureterais. Do desenvolvimento numerário, respectivamente. Não se deverá confundir os
desses brotos resultará todo o sistema coletocondutor do supranumerários com os rins duplos fundidos, os quais
trato urinário definitivo, desde os meatos ureterais até os
Figura 5. Esquema de dicotomização dos dutos coletores
dutos coletores intrarrenais de terceira ordem. Cada broto intrarrenais.

Figura 4. Trígono urogenital e trígono vesical.

146
Embriologia

Figura 6. Esquema de duplicidade ureteral. Figura 7. Duplicidade ureteral. Esquema de migração dos
meatos ureterais e dos dutos de Wolff (lei de Weighert-Meyer).

possuem parênquima contínuo e apenas duplicidade das plicidade houver associação de ureter com trajeto mucoso
vias excretoras. Em qualquer dos casos, cada broto indu- longo e estenose de meato, a dilatação ureteral tem início
zirá a diferenciação das áreas do blastema metanefrogê- dentro da bexiga, configurando uma ureterocele, dita do
nicos que lhes são topograficamente adjacentes. tipo infantil. No sexo feminino estas ureteroceles podem
Diante de uma duplicidade ureteral completa, como se insinuar no colo da bexiga e exteriorizar-se pelo meato
consequência da ampliação da câmara alantoide-cloacal, o uretral configurando o prolapso da ureterocele, dita, tam-
broto que se implanta inferiormente no duto de Wolff será bém, ureterocele parida. No sexo masculino, pela extensão
alcançado antes daquele que se implanta superiormente, da uretra, a ureterocele não se exterioriza pelo meato, mas
ou seja, o broto inferior fica independente da estrutura que provoca quadros obstrutivos graves. Outras anomalias de
lhe deu origem antes que o superior. Em virtude daque- número são mais raras e ocorrem quando de um único duto
la ampliação, o ureter que se implantava inferiormente de Wolff nascem três, ou mais, brotos ureterais.
naquele duto vai sendo deslocado súpero-lateralmente, Das anomalias de dicotomização, as mais frequentes
enquanto que o ureter que se implantava superiormente, ocorrem quando um único broto se bifurca precocemente,
permanecendo conectado ao duto de Wolff, vai sendo des- seja no nível do que será o ureter, seja no nível do que
locado ínfero-medialmente. Este tipo de crescimento da será o bacinete, configurando a bifidez ureteral e piélica,
câmara alantoide-cloacal fará com que o broto posiciona- respectivamente (Figura 8). Não é obrigatório que os dois
do inferiormente no duto de Wolff fique posicionado sú- ramos de um broto bífido induzam as estruturas secretoras
pero-lateralmente na bexiga, enquanto o que se posiciona adjacentes e, na hipótese de apenas um broto induzir a área
superiormente no duto fique posicionado ínfero-medial- do blastema correspondente, o outro ramo será “em fundo
mente na mesma. A inversão da posição primitiva do mea­ cego”, anomalia conhecida como divertículo ureteral.
to do broto no duto de Wolff para a posição do meato do Figura 8. Esquema de bifidez à direita e duplicidade à esquerda.
ureter na bexiga é conhecida como lei de WeighertMeyer,
que estabelece: “nas duplicidades ureterais, o ureter que
drena a unidade renal superior tem o meato posicionado
medial e inferiormente em relação ao meato que drena a
unidade renal inferior” (Figura 7). Estas particularidades
fazem com que numa duplicidade ureteral o meato que
drena a unidade renal superior, tendo implantação mais
baixa e trajeto submucoso mais longo, tem predisposição
para provocar uma ureterohidronefrose. O ureter que drena
a unidade renal inferior, por sua vez, implantando-se mais
alto na bexiga tem o trajeto submucoso mais curto, condi-
ção que o predispõe ao refluxo vesicoureteral. Se numa du-

147
As anomalias de implantação dos meatos, as ectopias gião pélvica e de cada lado da câmara de reserva alantoi-
ureterais, são consequentes a vícios de emergência dos brotos de-cloacal (Figuras 2 e 5).
ureterais nos dutos de Wolff. As ectopias podem ser encon- Aceita-se que o desenvolvimento dos blastemas me-
tradas com ureteres simples, bífidos ou duplos, porém, ocor- tanefrogênicos está subordinado ao desenvolvimento
rem com maior frequência com os últimos. A sintomatologia dos brotos ureterais ou seja, os elementos que formam
das implantações ectópicas depende não só do grau da ecto- a urina são induzidos focalmente por aqueles que a co-
pia, mas também da uni ou bilateralidade e, sobretudo, do letam e a conduzem. Esse modelo de desenvolvimento
sexo do embrião. Os ureteres podem ter seus meatos implan- focal faz com que, primitiva e transitoriamente, cada um
tados fora do trígono vesical anatômico, mas estarão den- dos blastemas adquira aspecto que lembra um cacho de
tro do trígono-urogenital, cujo vértice é determinado pelos uvas (Figura 5). Posteriormente, cada blastema deverá
meatos dos dutos ejaculadores nos embriões masculinos, ou regularizar sua superfície até que atinja a forma do rim
dos seus correspondentes femininos, os meatos dos dutos de definitivo, comparável a um grão de feijão. Durante seu
Malpighi-Gartner, posicionados de cada lado do colo e corpo desenvolvimento, os blastemas devem manter-se como
uterinos, em situação extravesical, portanto. Estas diferenças estruturas contínuas e independentes, mas devem abdicar
anatômicas entre os sexos permitem concluir que no sexo da contiguidade, pois afastam-se entre si e migram da
masculino as implantações ureterais ectópicas, mesmo que região pélvica primitiva para a lombar definitiva (Figura
fora da bexiga, mais frequentemente nas vias espermáticas, 9). Simultaneamente à ascensão ipsilateral, os blastemas
não geram incontinência porque o esfíncter uretral externo deverão rodar internamente em direção à coluna em um
se situa abaixo dos locais onde pudesse haver meato ureteral ângulo de aproximadamente 90°. Na região pélvica, os
ectópico. No sexo feminino, ao contrário do masculino, as blastemas e os hilos respectivos estão anteriorizados,
ectopias podem gerar incontinência porque os meatos ectó- mas, ao final desse movimento, grosseiramente helicoi-
picos, ainda que situados den ro do trígono uro-genital, po- dal e inclinado em direção à linha média, os rins deverão
dem se implantar ao nível dos genitais externos, ou internos, ficar posicionados nas regiões lombares com a distância,
mais frequentemente próximo do meato uretral externo. No entre os pólos superiores, menor que a dos inferiores, e
sexo feminino, na hipótese de haver meato ureteral tópico hilos mediais aos parênquimas respectivos.
na bexiga e ectópico fora dela, haverá perdas urinárias con- O afastamento dos pólos inferiores em relação aos
tínuas pelo ureter extravesical e micções conservadas pelo superiores faz com que os eixos bipolares de cada rim te-
intravesical. Se a ectopia for bilateral extravesical, a bexiga nham o ponto de convergência localizado superiormente,
não se desenvolve, configurando a bexiga anã. condição que favorece uma boa drenagem pieloureteral.
As anomalias de trajeto ocorrem quando o ureter não Destino dos blastemas metanefrogênicos. Formarão
cursa ipsilateralmente ao meato respectivo, ou seja, cru- todos os elementos secretores do rim definitivo, ou seja,
za a linha média e se dirige para o lado oposto, condição toda a população de néfrons, estruturas responsáveis pela
que habitualmente coexiste com a ectopia cruzada do rim formação da urina do embrião definitivo. As malforma-
correspondente. As anomalias de trajeto do ureter também ções que comprometem os diversos segmentos dos né-
podem ocorrer em relação aos grandes vasos, arteriais
ou venosos. Quando cruza os vasos ilíacos pela sua face Figura 9. Esquema de migração dos blastemas metanefrogênicos da região
pélvica para a lombar.
posterior é denominado ureter retroilíaco e, quando cursa
atrás da veia cava, de ureter retro ou circuncava.
A partir do momento em que se identificam os brotos
ureterais emergindo dos segmentos inferiores dos dutos de
Wolff, na periferia dos mesmos começa a diferenciação de
um maciço celular, os blastemas metanefrogênicos.

Blastemas metanefrogênicos
São dois grupamentos celulares primitivamente amor-
fos, contínuos, independentes entre si, adjacentes a cada
um dos brotos ureterais, inicialmente posicionados na re-

148
Embriologia

frons ou dos dutos coletores intrarrenais que, respecti- térias e veias renais tributárias dos segmentos inferiores
vamente, se originam dos blastemas metanefrogênicos e da aorta, cava inferior ou dos vasos ilíacos. Na hipótese
brotos ureterais, configuram as anomalias microscópicas de haver fusão apenas dos segmentos mais inferiores dos
dos parênquimas renais. O somatório de lesões micros- blastemas, mantendo-se independentes os mais superio-
cópicas pode alterar, ou não, as características macros- res, a anomalia resultante é denominada rim em ferra-
cópicas dos parênquimas renais, e o prejuízo funcional dura. O grau de fusão dos pólos inferiores desses rins é
que podem causar é função da sua gravidade e extensão. muito variável, desde uma pequena faixa de tecido fibro-
As anomalias micro e macroscópicas dos parênquimas so até um parênquima com características praticamente
renais não são excludentes, isto é, podem coexistir e estar normais. O tecido que os une é denominado istmo e pode
associadas a malformações dos brotos ureterais. A título abrigar cálices, os quais, de maneira característica, se si-
ilustrativo, a desconexão, ou conexão patológica entre as tuam medialmente aos respectivos bacinetes. Da mesma
estruturas que formam a urina e aquelas que a coletam, forma que no rim em bolo, a vascularização múltipla e
dá origem aos cistos renais congênitos, com todas as suas a artéria mesentérica inferior são fatores limitantes para
variantes. que o rim em ferradura migre superiormente e rode me-
As principais malformações macroscópicas são aque- dialmente, razões pelas quais habitualmente se posiciona
las que alteram o número, superfície, volume, forma, mi- mais baixo que os normais, porém mais alto que o rim
gração e rotação dos parênquimas renais. Com relação em bolo, e apresenta bacinetes anteriorizados em vez de
àquelas de número, algumas já foram referidas quando medializados. Como consequência do afastamento dos
do estudo das malformações de número dos brotos ure- pólos superiores e fusão dos inferiores, resulta um desvio
terais, matrizes indutoras do desenvolvimento dos blas- do eixo bipolar de cada rim. O ponto de convergência
temas metanefrogênicos. Esta dependência organogênica com o do lado oposto ficará posicionado inferiormente
permite concluir que pode haver ureter sem rim, mas não aos parênquimas e não superiormente como seria o nor-
haverá rim sem ureter. Na hipótese de haver aproximação mal. Tal inversão e a presença de cálices medialmente
excessiva entre os blastemas na região pélvica, deverão aos bacinetes respectivos impõem o diagnóstico de rim
resultar parênquimas definitivos com vícios de fusão, que em ferradura (Figura 11). A união do segmento inferior
obrigatoriamente alteram a forma dos mesmos. A forma de um blastema que migrou de forma ipsolateral com o
que esses rins adquirem é muito variável e as malforma- superior do outro, que o fez contralateralmente, dará ori-
ções resultantes são identificadas de acordo com algo que gem à ectopia renal cruzada com fusão. Tal anomalia re-
se lhes assemelhe. Quando a fusão dos blastemas é total, produz grosseiramente a forma de um S, razão pela qual é
resulta massa renal única conhecida como rim em bolo também conhecida como rim sigmoide (Figura 12). Rara-
(Figura 10). Nessa anomalia, os parênquimas fundidos mente pode ocorrer fusão apenas dos segmentos superio-
ocupam mais frequentemente posição pélvica, apresen- res e inferiores dos blastemas, mantendo-se separados os
tam vascularização bizarra, bacinetes anteriorizados, ar- médios, anomalia que sugere a forma de anel: rim anular.

Figura 10. Rim em bolo. Figura 11. Rim em ferradura.

149
Figura 12. Ectopia renal cruzada com fusão. ma que migrou para o lado oposto arrasta consigo apenas
as vias excretoras superiores, ou seja, o meato ureteral está
normalmente posicionado na bexiga. Quando os blastemas
conservam independência com relação ao outro e migram
contralateralmente, darão origem à ectopia renal cruzada bi-
lateral. No processo de migração ascendente, pode ocorrer
que, uni ou bilateralmente, o blastema ultrapasse a cúpula
diafragmática, malformação conhecida como ectopia renal
torácica. Nessas condições, o rim ficará alojado, parcial ou
totalmente, na cavidade torácica. O diagnóstico dessa ano-
malia é habitualmente feito durante uma propedêutica por
imagem do tórax ou do trato urinário. A ectopia renal to-
rácica é rara, geralmente não compromete a função renal
nem a pulmonar, não necessitando de qualquer forma de
tratamento. A migração ascendente dos blastemas é simul-
tânea à rotação interna de cada um em relação à coluna,
ao final da qual os hilos ficarão posicionados medialmente
Qualquer desvio do padrão de migração ascendente aos rins definitivos. Quando esse movimento é incompleto
ipsilateral dos blastemas fará com que os rins definitivos ou incorreto, os hilos renais ficarão em posições variáveis,
apresentem vícios de migração. Quando o rim, uni ou bi- caracterizando os vícios de rotação, cujos graus extremos
lateralmente, estiver em uma posição pélvica ou lombar são representados pela rotação reversa e a super-rotação. Na
baixa, caracteriza a ectopia renal simples (Figura 13). Nes- reversa, o blastema roda externamente em relação à coluna,
sa anomalia, a suprarrenal ipsilateral é tópica e o ureter é enquanto na super-rotação o faz internamente, mas ultrapas-
caracteristicamente curto, aspecto que distingue as ectopias sa o limite da normalidade. Em ambas, os bacinetes ficarão
renais simples das nefroptoses, nas quais é redundante. lateralmente aos rins, não sendo possível caracterizar uma
Quando um dos blastemas não obedece à ipsilateralidade ou outra com base no exame urográfico. Deve-se recorrer a
da migração ascendente, mas conserva independência com métodos de imagem que localizem o trajeto dos vasos, pois,
relação ao outro, a anomalia resultante é denominada ecto- na reversa localizam-se anteriormente ao parênquima e na
pia renal cruzada sem fusão. Se não houver motivo que o superrotação posteriormente a ele. Desde que não haja do-
justifique, distinguir a cruzada com fusão daquela sem fusão enças associadas, o interesse em distingui-las é acadêmico
tem interesse apenas acadêmico. Habitualmente, o blaste- (Figura 14). Quando existe fragmentação do blastema me-

Figura 13. Ectopia renal simples pélvica à direita. Figura 14. Rotação reserva e super-rotação.

150
Embriologia

tanefrogênico, uni ou bilateralmente, resulta parênquimas Figura 15. Câmara alantoide-cloacal: zona de transição e futuro septo
urorretal.
independentes, rins supranumerários, que podem ser tópi-
cos ou ectópicos e drenar as secreções para ureteres bífi-
dos ou duplos. As anomalias de número, fusão, migração
e rotação dos blastemas podem associar-se aleatoriamente,
dando origem a malformações renais complexas, que de-
verão ser interpretadas individualmente.
Terminada a organogênese dos elementos urinários
secreto-coleto-condutores primitivos e definitivos, de
acordo com a proposição inicial, será iniciado o estudo
do segundo bloco.
As câmaras de reserva do trato urinário, diferente-
mente das estruturas que formam, coletam e conduzem
a urina, não são substituídas, ou seja, a mesma estrutura
de reserva primitiva passa por adequações morfológicas
e funcionais até que se transforme na câmara de armaze-
namento definitiva. Em condições normais, são sempre culdade de definir, na câmara alantoide-cloacal, onde
únicas, medianas e posicionadas na região pélvica. termina o alantoide e começa a cloaca, surgem dúvidas
no que se refere ao destino de cada um dos elementos
que a configuram. Propõe-se que no alantoide sejam
Organogenese dos elementos identificados três segmentos, ou níveis, que são con-

que armazenam a urina tínuos, mas não se equivalem. Cada um deles terá um
destino diferente, mas que independe do sexo do em-
brião. Em ambos os sexos, o superior atrofia-se para
Cloaca ou câmara alantoidecloacal converter-se em uma estrutura vestigial obliterada, o
Serve o embrião na fase promesonéfrica e tem como
úraco. Conhecido também como ligamento vesical mé-
característica fundamental ser um elemento de reserva
dio, distingue-se dos laterais, que se originam da obli-
comum ao trato urinário e digestivo, razão pela qual é
teração das artérias umbilicais. Há consenso de que o
mais conhecida como cloaca. Pelo fato de as secreções
segmento médio do alantoide passa por uma ampliação
urinárias e digestivas drenarem na câmara alantoide-
centrífuga para formar a maior parte da bexiga supratri-
-cloacal por condutos diferentes, há embriologistas que
reconhecem nela dois componentes distintos, um mais gonal, mas não há consenso se o segmento inferior, que
abdominal que pélvico, o alantoide, e outro mais pélvi- forma a região do trígono vesical, deriva do compo-
co que abdominal, a cloaca. Desses compartimentos, o nente alantoideano ou do cloacal. Essa dúvida origina-
alantoideano serviria mais ao trato urinário e o cloacal -se do fato de ser difícil determinar os limites de cada
mais ao digestivo. Com base nessa proposta e por jul- um ao nível da zona de transição da câmara alantoi-
gar mais didático, preferiu-se denominar essa câmara de-cloacal, uma área de grande competição epitelial e
primitiva de alantoide-cloacal, reservando o nome de que explicaria a maior incidência de tumores de células
alantoide a seu segmento anterossuperior e de cloaca de transição nesta região da bexiga. Apesar desta difi-
ao póstero-inferior. O alantoideano continua na cloaca culdade demarcatória, há autores que admitem que o
e se comunica amplamente com ela, sendo impraticá- componente alantoideano forma os segmentos trigonal
vel determinar com precisão onde termina um e começa e supratrigonal da bexiga.
o outro. Por essa razão, aceita-se que entre ambos há Destino da cloaca. Para aqueles que admitem que o
uma região intermediária que será denominada zona de alantoide converte-se no úraco e na totalidade da bexiga,
transição da câmara alantoide-cloacal, no nível da qual a cloaca daria origem apenas à ampola retal. Há, no en-
emerge uma estrutura que irá separar o componente tanto, outra proposição, a cloaca participaria na formação
alantoideano do cloacal (Figura 15). não só do intestino terminal, mas também da região que
Destino do alantoide. Como consequência da difi- corresponde ao trígono vesical.

151
Em condições patológicas pode haver insinuação de
Membrana cloacal mesênquima entre os folhetos endo e ectodérmico da
Na fase promesonéfrica, as secreções uroentéricas
membrana anal, resultando em algum tipo de imperfura-
estão impedidas de atingir a cavidade aminiótica pela
ção anal.
existência de uma membrana que o impede, a membrana
A câmara alantoide-cloacal primitiva é uma estrutura
cloacal. Estrutura laminar única, contínua, que oblitera a
de reserva comum aos tratos urinário e digestivo. Portan-
extremidade inferior da câmara alantoidecloacal, é cons-
to, acumula secreções uroentéricas, as quais deverão ser
tituída de apenas dois folhetos embrionários, o endo e o
armazenadas em câmaras diferentes no embrião definitivo.
ectoderma, elementos que determinam sua evolução.
Será o mesmo das estruturas não penetradas pelo me-
soderma. Ou seja, o desaparecimento. Antes de desapare- Septo urorretal
cer, no entanto, a câmara alantoide-cloacal e a membrana Aparece sob a forma de um esporão, posteriormente
cloacal deverão ser atingidas por um septo, dito urorretal, aos dutos de Wolff e anteriormente ao intestino terminal.
o qual separará as secreções urinárias das entéricas. Após a Isto é, no nível da zona de transição da câmara alantoide-
chegada daquele septo à membrana, nela serão identificados -cloacal. A finalidade do septo urorretal é dividir a câmara
dois segmentos: um ântero-superior, a membrana urogenital alantoide-cloacal em duas outras, o alantoide e a cloaca.
e outro, póstero-inferior, a membrana anal (Figura 16). Da Esse septo cresce inferiormente, direciona-se para a mem-
ruptura dessas membranas resultam o orifício urogenital e o brana cloacal e, antes de completar todo o percurso, o alan-
orifício anal, respectivamente. A partir desse momento, as toide continuará comunicando-se com a cloaca apenas por
secreções urogenitais e as entéricas não mais se misturam e uma pequena abertura, o canal cloacal. Essa comunicação
passam a drenar para a cavidade aminiótica de forma inde- uroentérica, normal durante certa fase do desenvolvimen-
pendente (Figura 17). to, deve desaparecer com a chegada do septo urorretal à
À medida que o embrião vai adquirindo essas aberturas membrana cloacal (Figuras 16 e 17).
perineais, começa o fechamento da parede abdominal an- Destino do septo urorretal. Depois de dividir a câ-
terior ao redor do úraco e dos vasos do cordão umbilical. mara alantoide-cloacal, o septo urorretal forma a muscu-
Recorde-se que o desenvolvimento do septo que separa as latura perineal, que separa o trato urogenital da ampola
secreções urogenitais das digestivas, a permeabilização retal, qualquer que seja o sexo do embrião. Após o septo
dos orifícios perineais e o fechamento da parede abdomi- ter completado seu desenvolvimento, os orifícios urogeni-
nal anterior obedecem a um cronograma. Em outras pala- tal e anal estarão definitivamente separados e drenando as
vras, são eventos sequenciais subentrantes e absolutamen- secreções respectivas de forma independente.
te harmônicos, nos quais a normalidade de um interfere Quando uma membrana cloacal de dimensões maiores
reciprocamente na do outro. que o normal se rompe antes, ou depois, da septação da câ-

Figura 16. Membrana cloacal com os segmentos urogenital e anal. Figura 17. Orifícios urogenital e anal.

152
Embriologia

mara alantoide-cloacal pelo septo urorretal, resultam mal- Figura 18. Esquema do seio urogenital: A - Visão ântero-lateral. B - Visão lateral.
formações conhecidas como extrofia de cloaca e de bexiga,
respectivamente. À medida que o septo vai completando a
divisão da câmara alantoide-cloacal em duas, começam a
ser identificadas matrizes de órgãos genitais externos na
borda superior do orifício urogenital. Por essa razão, a
mesma câmara de armazenamento, que já foi conhecida
como alantoide-cloacal e que servia aos tratos urinário e
digestivo, passa a ser denominada câmara urogenital.

Câmara urogenital
Esta câmara de reserva passa por adequações com-
plexas até que se converta na urogenital. A rigor, não é
possível determinar, com precisão, quando deixou de ser Seio urogenital primitivo
uma e passou a ser outra porque as adequações são su- É delimitado superiormente pelo futuro colo vesical e
bentrantes. Estruturalmente, a câmara urogenital se es- inferiormente pelo orifício urogenital, na periferia do qual
tende desde a extremidade inferior do úraco até o orifício começam a ser identificadas matrizes que se converterão
urogenital. em estruturas urogenitais masculinas e genitais femininas.
Destino da câmara urogenital. O segmento superior Na visão ântero-posterior, o seio urogenital primitivo tem
da câmara urogenital passa por uma ampliação centrífuga configuração ligeiramente cônica, enquanto na lateral os
e converte-se na bexiga supratrigonal, enquanto o seg- elementos que o compõem reproduzem aproximadamente
mento médio afunila-se, assume a forma que lembra um a forma de um Y (Figura 18).
triângulo, o trígono vesical. Até o colo da bexiga, a or- Nesse Y, o braço anterossuperior é denominado seg-
ganogênese do trato urinário é idêntica em ambos os se- mento uretral, o póstero-superior, segmento mülleriano, o
xos, mas, a partir desta referência anatômica, difere fun- superior da base, segmento pélvico e seu inferior, segmen-
damentalmente num e noutro sexo. Em outras palavras, to fálico. O fato de a extremidade inferior de um segmento
o nível inferior da câmara urogenital formará a uretra e se continuar com o superior do outro gera dificuldade para
também os órgãos genitais, estruturas que serão estuda- a individualização de cada um, ou seja, o limite entre eles
das no terceiro bloco. é mais presumido que comprovado.
A convergência dos segmentos uretral, mülleriano e

Organogênese dos elementos pélvico determina uma saliência mamilar na face posterior
do seio urogenital primitivo, o tubérculo de Müller.
eliminam a urina Destino do seio urogenital primitivo. Essa região da
Neste espaço, deveriam ser estudadas estruturas emis- câmara urogenital dará origem a estruturas exclusivamente
soras exclusivamente urinárias, ou seja, a totalidade da urinárias em ambos os sexos, urogenitais masculinas e geni-
uretra feminina e o segmento da uretra masculina situa- tais femininas. Ou seja, o destino do seio urogenital primitivo
da acima dos meatos dos dutos ejaculadores, situados no será diferente, tanto em um como em outro sexo. No mascu-
verumontano. Ocorre, no entanto, que a uretra supramon- lino, o segmento uretral dará origem à uretra supramontanal
tanal, que veicula apenas secreções urinárias, se continua enquanto o pélvico formará a uretra membranosa e o fálico,
com a inframontanal, que veicula também secreções es- a uretra bulbar (Figura 19). Os segmentos membranoso e
permáticas. Por sua vez, o meato uretral externo feminino bulbar da uretra inframontanal são elementos emissores dos
posiciona-se na fúrcula superior de uma estrutura eminen- tratos urinário e genital, motivo pelo qual foi dito que no
temente genital, o vestíbulo vaginal. Em razão da estreita sexo masculino o seio urogenital primitivo forma estruturas
relação entre as o trato urinário com aquelas do trato ge- urogenitais. No embrião masculino, o tubérculo de Müller
nital no segmento mais inferior da câmara urogenital, os mantém a configuração mamilar primitiva, pois se converte
embriologistas o estudam em separado sob a denominação no verumontano, na cúpula do qual se identifica o resíduo
seio urogenital primitivo. do segmento mülleriano atrofiado, o utrículo prostático, ao

153
Figura 19. Esquema do seio urogenital. primitivo na visão lateral e seu processo da reprodução, ou seja, gônadas, dutos genitais,
destino no sexo masculino (M) e no feminino (F).
órgãos da cópula e glândulas anexas. Com exceção dos
dutos que conduzirão os gametas masculinos e femininos,
que derivam de matrizes diferentes, os outros órgãos ge-
nitais se originam de matrizes primitivas indiferenciadas
ambivalentes, presentes de forma correspondente, mas não
equivalente, no embrião de qualquer sexo.
Considera-se que a organogênese dos genitais internos,
gônadas e dutos vai da quarta à oitava semana, mas no que
se refere aos genitais externos, começam a ser identifica-
dos a partir da sexta, e se completam ao redor da décima
segunda semana. É aceito que todo o embrião passa pela
fase indiferenciada do desenvolvimento genital, fase em
lado do qual são identificados os meatos dos dutos ejacu- que, com exceção dos dutos genitais, as matrizes dos ór-
ladores. Com o desenvolvimento, ao longo do segmento gãos genitais, internos ou externos, são ambivalentes. Em
uretral do seio urogenital identificam-se ácinos glandulares, outras palavras, são matrizes presentes de forma equiva-
que formarão a próstata e ao redor do segmento pélvico ha- lente no embrião primitivo de qualquer sexo, razão pela
verá concentração de fibras musculares, as quais se dispõem qual os órgãos genitais que se originam das mesmas matri-
em círculo para formar o esfíncter uretral externo. Em razão zes são considerados como correspondentes.
do virtual desaparecimento do segmento mülleriano mascu- A prática consagrou classificar os órgãos da reprodu-
lino, na visão lateral o Y primitivo assume características de ção humana em genitais internos e externos. Tal classifi-
um I, “maiúsculo” cuja extremidade inferior deve alongar, cação também é ambígua, pois tanto se pode tomar como
“quanto mais, melhor” para formar a uretra peniana, a qual referencial as matrizes no embrião primitivo, quanto os
não mais se origina desse seio, mas da fusão das lâminas órgãos genitais do embrião definitivo, mas pela natureza
uretrais na face ventral do tubérculo genital. do texto em pauta, optou-se pelo primeiro.
No sexo feminino, o seio urogenital primitivo também
forma estruturas urinárias e genitais. O segmento uretral
Genitais internos
formará a totalidade da uretra definitiva, o mülleriano for-
Serão assim considerados as gônadas e os dutos geni-
ma os dois terços proximais da vagina, o segmento pélvi-
tais de ambos os sexos. As gônadas, masculinas ou femi-
co origina o terço distal da vagina e o fálico, o vestíbulo
ninas, podem ser consideradas os elementos secretores dos
vaginal. Neste sexo, os segmentos pélvico e fálico muito
gametas e derivam de matrizes indiferenciadas ambivalen-
mais se alargam do que se alongam e, ao final dessas am-
tes, as cristas genitais.
pliações centrífugas, desaparece o cilindro que formava a
base daquele Y primitivo, e o segmento uretral fica sepa-
rado do mülleriano, ou seja, suas extremidades inferiores Ristas genitais
passam a ter aberturas independentes. Em outras palavras, Também conhecidas como epitélios germinativos de
o Y primitivo adquire características de dois “i minúscu- Waldeyer, são duas estruturas contínuas, simétricas, posi-
los”, sendo que o anterossuperior corresponderá à uretra e cionadas nas regiões lombares, medialmente aos túbulos
o póstero-superior, à vagina proximal. promesonéfricos. Em cada crista genital identificam-se
duas camadas, uma periférica, camada cortical, e outra
mais central, camada medular, as quais terão destinos dife-
Trato genital rentes, tanto em um como em outro sexo (Figura 20).
Destino das cristas genitais. A diferenciação dessas
Introdução estruturas começa ao redor da sexta semana e depende do
As principais diferenças entre o sexo masculino e o sexo genético do embrião em vias de diferenciação genital.
feminino residem nos órgãos genitais. São assim conside- A razão de essas matrizes alvo ambivalentes terem um des-
rados todos os que, direta ou indiretamente, participam do tino diferente em um e em outro sexo é atribuída ao fator

154
Embriologia

Figura 20. Esquema das cristas genitais: A - Localização nas regiões lombares gir a bolsa testicular, configurando os vícios de migração
B - Camadas cortical e medular.
testicular. Aceita-se que quando não atingem a bolsa, mas
estão posicionados ao longo do trajeto habitual de descida,
ou fora dele, configurem as criptorquias e ectopias, respec-
tivamente. Os testículos formam os espermatozoides e os
ovários, os óvulos, sendo esses gametas coletados e condu-
zidos pelos dutos genitais.

Dutos genitais
Diferentemente das gônadas, que se originam de uma
matriz organogênica ambivalente, os dutos masculinos deri-
vam dos dutos de Wolff e os femininos, dos dutos de Müller,
que deverão se harmonizar com as gônadas, com os órgãos
da cópula e com as glândulas anexas de cada um dos sexos.
Nos embriões masculinos, as células de Sertoli do testí-
culo elaboram o fator inibidor dos dutos de Müller (Mülle-
rian Inhibiting Factor, MIF), ou fator antimülleriano, e as
de Leydig produzem a testosterona. Aquele fator provoca
atrofia dos dutos de Müller, enquanto a testosterona induz
a hipertrofia dos wolffianos. De forma inversa, nos embri-
ões femininos, pelo fato de não terem o fator antimülle-
riano e praticamente não elaborarem testosterona, os dutos
de Müller continuam o desenvolvimento, enquanto os de
de diferenciação testicular (TDF) ou gene SRY, localizado Wolff estão condenados à atrofia.
no braço curto do cromossomo Y e constituído de 204 ami- Na fase indiferenciada do desenvolvimento genital do
noácidos. Na presença desse gene, haverá hipertrofia da ca- embrião de ambos os sexos, as extremidades inferiores dos
mada medular para dar origem aos testículos. Na sua ausên- dutos genitais, masculinos e femininos, fazem uma saliên-
cia, hipertrofia-se a camada cortical para formar os ovários cia mamilar na parede posterior do seio urogenital primi-
(Figura 20). Durante o desenvolvimento, cada crista genital tivo, o tubérculo de Müller, cujo destino é diferente tanto
deve manter continuidade e independência e migrar da re- em um como em outro sexo. No masculino, o tubérculo de
gião lombar para o períneo ou para a cavidade pélvica, se Müller converte-se no verumontano, enquanto no sexo fe-
for testículo ou ovário, respectivamente. Simultaneamente a minino, como consequência da hipertrofia dos dutos mülle-
essa migração linear descendente, os testículos devem rodar rianos, perde a configuração mamilar primitiva, mas guarda
externamente em direção à coluna, de forma que ao final des- correspondência com a região do colo do útero.
ses movimentos, seus hilos, primitivamente lateralizados na Masculinos. São os mesmos que nas fases iniciais do de-
região lombar, fiquem definitivamente posteriorizados na re- senvolvimento embrionário coletaram e conduziram as secre-
gião perineal. A descida e a rotação das gônadas masculinas ções urinárias promesonéfricas, ou seja, os dutos de Wolff.
são muito semelhantes ao de subida e rotação dos blastemas, Femininos. Derivam dos dutos de Müller, em número de
só que em sentidos diametralmente opostos. dois, são estruturas que não desempenharam outras funções
As artérias gonadais, testiculares ou ovarianas, que no embrião primitivo e que cursam quase que paralelamente
emergem da aorta lombar, são testemunhas da migração aos dutos mesonéfricos, razão pela qual são também deno-
descendente das cristas genitais. Discutese a causa da mi- minados paramesonéfricos. Os dutos wolffianos e mülleria-
gração dos testículos; no trajeto abdominal seria devido à nos são estruturas com grande relação topográfica, mas ainda
ação da gonadotrofina coriônica e no inguinoescrotal con- não foi demonstrado que tenham relação organogênica. Nas
sequente à pressão abdominal associada à retração das fi- regiões lombares, os dutos de Müller posicionam-se lateral-
bras do guber-naculum testis. mente aos de Wolff, e na região pélvica, medialmente aos
Em condições patológicas os testículos podem não atin- mesmos. Depois de cruzarem a linha média, os dutos mülle-

155
Figura 21. Esquema do processo de diferenciação e fusão dos dutos de Figura 22. Esquema das matrizes indiferenciadas dos genitais externos e
Müller no sexo feminino. diferenciação para o sexo masculino (M) e para o
feminino (F).

rianos aproximam-se e devem fundir-se. São consideradas matrizes dos órgãos genitais externos
Destino dos dutos de Müller. Aceita-se que suas extre- o tubérculo genital, as lâminas uretrais e as eminências la-
midades superiores se convertem nas hidátides sésseis de bioescrotais (Figura 22).
Morgagni, identificadas nos pólos superiores dos testículos ou
próximo dos ovários, no entanto, a maior extensão dos dutos
de Müller terá seu destino determinado pelo sexo do embrião.
Tubérculo genital
Começa a ser identificado por volta da sétima semana
No masculino, o fator antimülleriano desencadeia atrofia de
no limite anterossuperior da membrana urogenital sob a for-
quase toda a extensão destes dutos, sendo que seus resídu-
ma de um cilindro sólido, único e mediano.
os são identificados como o utrículo prostático, ou vagínula
Destino do tubérculo genital. No sexo masculino desen-
masculina. No sexo feminino, os segmentos mais superiores
volve-se bastante e forma no pênis, enquanto que no feminino
dos dutos müllerianos formam as trompas de Falópio, e os
desenvolve-se pouco e forma o clitóris. Sendo elementos que
intermediários se fundem para formar os vários segmentos do
se originaram da mesma matriz, as hastes peniana e clitori-
útero (Figura 21). A partir do colo uterino, os segmentos mais
inferiores dos dutos de Müller se continuam com os demais diana apresentam estrutura muito semelhante e ambas são
segmentos do seio urogenital primitivo. Aceita-se que nesse constituídas por corpos cavernosos, corpo esponjoso e glande.
segmento o mülleriano forme os dois terços proximais da va-
gina, o pélvico, o terço distal e o fálico, o vestíbulo vaginal. Lâminas uretrais
A vagina como um todo tem, portanto, dupla organogênese, Além do tubérculo genital, há um par de matrizes ge-
mas, pelo fato de ser uma estrutura cilindroide contínua, é di- nitais ambivalentes presentes de forma equivalente no em-
fícil estabelecer, com precisão, o quanto de sua extensão deri- brião de ambos os sexos, as lâminas uretrais. São estruturas
va dos dutos de Müller ou do seio urogenital primitivo. O hí- simétricas indiferenciadas que se desenvolvem na região
men sinalizaria o limite: a vagina supra-himenal teria origem inferolateral do tubérculo genital e que acompanham de-
mülleriana e a infra-himenal, sinusal. Em ambos os sexos, as senvolvimento deste. As lâminas uretrais vão crescendo e
malformações dos dutos de Müller podem se associar às do entre as faces internas de cada lâmina vai-se formando uma
seio urogenital, resultando malformações urogenitais comple- depressão, a goteira uretral, cujos lábios terão um compor-
xas, as quais devem ser individualmente interpretadas. tamento diferente num e noutro sexo.
Destino das lâminas uretrais. No sexo masculino, as ex-
Genitais externos tremidades livres dos lábios da goteira uretral se aproximam
Serão considerados externos os órgãos que derivam de e se fundem na linha média, do que resulta um cilindro oco,
matrizes que se posicionam na periferia do corpo do em- posicionado na face ventral do tubérculo genital, mais pre-
brião primitivo. Tais matrizes indiferenciadas são ambiva- cisamente no seu sulco intercavernoso inferior (Figura 23).
lentes e estão presentes de forma equivalente no embrião Completada aquela fusão em toda a extensão do tubérculo,
de ambos os sexos. No entanto, a diferenciação dessas es- está formada a uretra peniana, cuja extremidade proximal se
truturas para órgãos genitais, masculinos ou femininos, é continua com a uretra bulbar, originária do seio urogenital
monitorada, principalmente, pelos hormônios originários primitivo. A extremidade distal da uretra peniana configura o
dos testículos ou dos ovários. meato uretral externo, posicionado no vértice do cone glandar.

156
Embriologia

Figura 23. Esquema da goteira uretral. falta de fusão das lâminas uretrais na face ventral do tu-
bérculo genital. As hipospádias femininas são explicadas
por um erro no desenvolvimento do segmento uretral do
seio urogenital primitivo (Figura 19).
No sexo feminino, em razão de toda extensão da uretra
definitiva originar-se do seio urogenital primitivo e o tu-
bérculo genital desenvolver-se pouco, as lâminas uretrais
permanecem separadas e formarão os pequenos lábios. O
tecido esponjoso que se desenvolve entre os folhetos de
cada lâmina também é pouco desenvolvido, mas, difusa-
mente distribuído, pode ser identificado na face inferior dos
cilindros cavernosos clitoridianos. Esse tecido também se
adensa na extremidade distal daqueles cilindros para for-
mar a glande do clitóris, também recoberta pelo prepúcio.

Este meato teria origem ectomesodérmica, razão pela qual, Eminências labioescrotais
nas hipospádias distais, não é raro se encontrar uma depressão A organogênese dos genitais externos só se completa
no vértice do cone glandar que sugere ser o meato da uretra. após o desenvolvimento das eminências labioescrotais,
À medida que o cilindro uretral vai-se desenvolvendo duas matrizes ambivalentes que fazem saliência nas regiões
e ganhando uma abertura distal, começa o fechamento do inferolaterais da base do tubérculo genital, qualquer que
orifício urogenital primitivo, de maneira que os segmentos seja o sexo do embrião.
uretrais originários do seio urogenital se continuem com a Destino das eminências labioescrotais. O desenvolvi-
uretra peniana, originaria das lâminas uretrais. A rafe cutâ- mento dessas estruturas está subordinado a fatores hormo-
nea da bolsa testicular e da face inferior do pênis testemu- nais, portanto, diferente em cada um dos sexos. No mas-
nha a fusão das lâminas uretrais na linha média. culino, por atuação da diidrotestosterona, cada eminência
Durante o desenvolvimento, entre as faces interna e labioescrotal forma a hemibolsa testicular correspondente,
externa de cada lâmina, vai-se formando um tecido de na- que tende a se fundir na linha média com a do lado oposto
tureza esponjosa, revestindo toda a circunferência externa e dar origem a uma estrutura cavitária, única e mediana, a
do cilindro uretral, o corpo esponjoso da uretra peniana. bolsa testicular, ou escroto. A rafe cutânea e o septo inter-
Esse revestimento tem uma distribuição relativamente ho- testicular são testemunhos da fusão daquelas matrizes na
mogênea ao longo do cilindro uretral, porém, se desen- linha média. Antes de ser habitada pelos testículos, a super-
volve mais nas extremidades; na proximal, forma o corpo fície interna de cada hemibolsa é revestida pela mesma se-
esponjoso da uretra bulbar e na distal, a glande. À medida rosa que reveste a cavidade abdominal, o peritônio parietal.
que a glande vai se formando, na sua superfície externa se Nas regiões inguinais, como consequência da descida das
inicia um processo de vacuolização, ao final do qual re- gônadas, o folheto posterior daquela serosa será comprimi-
sulta uma lâmina que a reveste por completo, o prepúcio, do em direção ao anterior, e o que era uma comunicação
cuja face interna é revestida por mucosa e a externa, pela ampla entre o abdome e a hemibolsa fica resumida a uma
mesma pele que recobre o corpo do pênis. As aderências comunicação estreita, o conduto peritônio-vaginal. Os fo-
balanoprepuciais, fisiológicas no recém-nascido, são resí- lhetos serosos que o formam devem se fusionar de forma
duos daquela relação organogênica e devem desaparecer que o conduto primitivo desapareça como tal. No processo
na época das automanipulações. Quando o meato uretral de descida dos testículos para as hemibolsas corresponden-
não se posiciona no vértice do cone glandular, estão ca- tes, o folheto seroso posterior adere-se à túnica albugínea
racterizadas as ectopias do meato uretral externo, as quais e passa a ser denominado túnica vaginal visceral, ou pró-
podem ser ventrais, hipospádias, ou dorsais, epispádias, e pria. O folheto anterior é conhecido como túnica vaginal
atingem embriões de qualquer sexo. As hipospádias mas- parietal, ou comum, e apresenta-se separado da visceral por
culinas podem ser consideradas como indício de femini- um espaço virtual, a cavidade vaginal . O revestimento dos
zação, maiores quanto mais posteriores, e são devidas à testículos é em tudo semelhante ao de outros órgãos reves-

157
tidos por serosas, nos quais se distingue um folheto visceral média. As vesículas seminais, que derivam dos segmentos
e outro parietal e, entre eles, um espaço virtual. A túnica terminais dos ductos de Wolff, localizam-se de cada lado
vaginal visceral reveste quase toda a superfície externa dos das ampolas dos canais deferentes. As glândulas de Cowper,
testículos, só não o fazendo em uma extensão que corres- identificadas entre os folhetos superior e inferior da apo-
ponde à de implantação dos epidídimos. neurose perineal média, possuem dutos que drenam de cada
Em condições patológicas o conduto peritôniovaginal lado da uretra bulbar.
pode não se obliterar, ou obliterar-se em alguns segmentos No sexo feminino, são consideradas anexas as glândulas
do mesmo, configurando uma hérnia inguino-escrotal con- de Skène e as de Bartholin. As primeiras, também conhecidas
gênita, ou um cisto de cordão, respectivamente. A cavidade como parauretrais, são estruturas pouco desenvolvidas, seus
vaginal, por sua vez, habitualmente um espaço virtual, pode meatos se localizam mais frequentemente de cada lado do me-
acumular liquido seroso, sangue ou pus, caracterizando uma ato uretral e são confundidos com os meatos dos dutos de Mal-
hidro, hemato ou piocele, respectivamente. pighi-Gartner. A polêmica surge do fato de que esses orifícios
No sexo feminino, as eminências labioescrotais formam drenam estruturas atróficas, sem qualquer função reconhecida.
os grandes lábios. Primitivamente, a superfície interna des- As glândulas de Bartholin, mais desenvolvidas que as de Skene,
sas saliências também é revestida pela serosa peritoneal, são identificadas nas paredes laterais do terço distal da vagina.
mas, em razão dos grandes lábios não estarem destinados a Na fase indiferenciada do desenvolvimento genital, cada
dar abrigo a gônadas, ocorre fusão extensa daqueles folhetos segmento do seio urogenital primitivo tem um destino dife-
serosos, resultando um conduto vestigial, o canal de Nück. rente, tanto em um como em outro sexo. A correspondência
No sexo feminino, a hiperplasia adrenal congênita “alon- observada entre os órgãos masculinos e femininos que de-
ga” o tubérculo genital, clitoromegalia, fazendo com que o rivaram do mesmo segmento desse seio pode ser estendi-
mesmo se assemelhe a um pênis, e não “alarga” o seio uro- da para as glândulas anexas. Em razão de se originarem do
genital primitivo o suficiente para que a uretra e a vagina segmento uretral, as glândulas periuretrais supramontanais,
tenham aberturas independentes. Estes casos podem sugerir que formam a próstata, e as periuretrais femininas, prostate
que se trate de pacientes do sexo masculino com vício de mi- femelle de Testut, podem ser consideradas correspondentes.
gração testicular e hipospádia perineal, configurando o que Um indício laboratorial disso seria que o antígeno prostático
se conhece como genitais ambíguos. Em outras palavras, a específico é dosável também no sexo feminino. Esse fato
virilização dos genitais externos femininos pode ser confun- permite supor que o antígeno não seria específico da próstata
dida com a feminização dos genitais externos masculinos. e sim, das matrizes das glândulas que se posicionaram no
nível do segmento uretral do seio urogenital primitivo.
Glândulas anexas É consenso que os dutos de Wolff convertem-se nas vias
espermáticas ou nos dutos de MalpighiGartner. Portanto, é
Localizam-se de cada lado dos órgãos genitais definiti-
razoável admitir que as estruturas glandulares adjacentes a
vos e derivam de matrizes ambivalentes presentes de forma
esses meatos sejam correspondentes, ou seja, as vesículas
equivalente no embrião indiferenciado de qualquer sexo.
seminais corresponderiam às glândulas de Skene. Pela mes-
Essas estruturas devem hipertrofiarse ou atrofiar-se em fun-
ma linha de raciocínio, as de Cowper seriam homólogas às
ção de vários fatores, nos quais os hormonais desempenham
de Bartholin, pois se situam lateralmente a estruturas que
papel relevante. Em geral, desenvolvem-se mais no sexo
derivam do segmento do seio urogenital primitivo que forma
masculino que no feminino, o que se atribui à atuação da
a uretra membranosa e o terço distal da vagina.
testosterona e da diidrotestosterona sobre aquelas matrizes.
No sexo masculino, são consideradas glândulas anexas
do trato genital a próstata, as vesículas seminais e as glân- Referências recomendadas
dulas de Cowper. Com exceção das vesículas seminais, as 1. Emmet Jl. Embryology of the genitourinary tract. In: Clinical Urogra-
phy. 1964;2(2). Philadelphia: Saunders.
glândulas anexas derivam de ácinos dispostos ao longo dos 2. Moore Kl, Persau TVN. O sistema urogenital. In: Embriologia clínica.
segmentos do seio urogenital primitivo de ambos os sexos. 1993; (5). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.
3. Silva E. Embriologia urogenital: organogênes normal e patológica.
A próstata tem origem em ácinos que se situam de cada lado 1997. São Paulo: Sarvier.
do segmento uretral do seio urogenital primitivo e termina 4. Testut L. Appareil uro-génital. In: Traité d’anatomie humaine.1912;
4(6). Paris: Octave Doin.
por circundar a uretra supramontanal; o sulco mediano é um 5. Tuchmann-Duplessis Hm, Haegel, P. Organo-gè-nese. In: Embryologie.
testemunho do processo de fusão daqueles ácinos na linha 1979; 2(2). Paris: Masson.

158
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 21
Anatomia
cirúrgica aplicada

Celso Heitor de Freitas Júnior


Vinícius Terra Porfírio
Thales Franco de Andrade
direito relaciona-se com o fígado, fixado a ele pelo
Suprarrenais
ligamento hepatorrenal, e à suprarrenal; na porção
Anatomia e relações medial encontra-se o duodeno e, no polo inferior, a
Cada rim tem seu polo superior recoberto por uma flexura hepática do cólon. O rim esquerdo, em sua
glândula suprarrenal, e ambos os órgãos são circun- face anterior, relaciona-se com a suprarrenal (supe-
dados pela fáscia de Gerota. Cada suprarrenal adulta romedialmente), à cauda do pâncreas (cranialmente),
mede de 3 a 5 cm em seu maior diâmetro e pesa em aos vasos esplênicos (polo superior), ao baço (lateros-
torno de 5 gramas. superiormente) e à flexura esplênica do cólon (porção
A suprarrenal direita tem formato triangular ou pi- inferior). Envolvendo o rim e separando-o dessas es-
ramidal, localizada mais retroperitonealmente, sendo truturas está a fáscia de Gerota.
envolvida pelo fígado anterolateralmente, duodeno
Suprimento sanguíneo
anteromedialmente e pela veia cava inferior medial-
Na altura do hilo renal, a artéria renal divide-se
mente. A suprarrenal esquerda é mais arredondada e
em artérias segmentares, sendo o primeiro ramo o
crescentiforme, situada medialmente ao polo superior
posterior, que irriga a porção média da face posterior,
do rim esquerdo, estando anterossuperiormente rela-
cruzando por trás da pelve. Os ramos apical e infe-
cionada ao estômago, à cauda do pâncreas e aos vasos
rior irrigam, respectivamente, o polo superior e o polo
esplênicos.
inferior em suas faces anterior e posterior. O supe-
Suprimento sanguíneo rior e o médio irrigam a face anterior e a parte lateral
Cada suprarrenal é irrigada por ramos da artéria da face posterior. Entre os seguimentos irrigados por
frênica inferior, aorta e artéria renal. A drenagem ve- esses ramos e o posterior existe um plano longitudi-
nosa varia de lado: à direita, drena diretamente para nal avascular, chamado de plano de Brodel. No seio
a veia cava inferior, e à esquerda, drena para a veia renal, as artérias segmentares dividem-se nas artérias
renal esquerda. Os vasos linfáticos seguem o curso lobares, sendo uma para cada pirâmide, entrando no
da veia suprarrenal e drenam para os linfonodos lom- parênquima pelas colunas de Bertin e dividem-se em
bares. artérias interlobares. Estas progridem até a base da
pirâmide, onde dividem-se em ângulo reto em artérias

Rins arqueadas e caminham até a região corticomedular.


Das artérias radiais (interlobulares) saem as artérias
Anatomia e relações aferentes, que irão formar os glomérulos, que filtram
Geralmente medem de 10 a 12 cm em seu maior o sangue pelas arteríolas eferentes.
comprimento e cada rim pesa em torno de 130 a 150 O sistema venoso renal apresenta correlação com
gramas. São constituídos pelo córtex, medula, cálices o sistema arterial. As veias interlobulares drenam os
e pela pelve renal. Os rins estão localizados no retro- capilares pós-glomerulares, progredindo para as veias
peritônio, entre a 12ª vértebra torácica e a 3ª vértebra arqueadas, interlobulares, lobares e para os ramos
lombar. São sustentados pela gordura perirrenal, pelo segmentares; estes ramos drenam para o tronco ve-
pedículo vascular renal, pelo tônus dos músculos ab- noso que forma a veia renal, que por sua vez drena
dominais e pela massa geral das vísceras abdominais. para a veia cava inferior. No sistema venoso há anas-
Na face posterior, o terço superior relaciona-se com tomoses livres entre os diferentes ramos, permitindo
o diafragma, cujo limite inferior é a 12ª costela; os a oclusão sem repercussões no segmento acometido.
dois terços inferiores relacionam-se com o quadrado A veia renal, no hilo, é anterior à artéria renal. A veia
lombar (lateralmente) e com o psoas (medialmente). renal esquerda mede de 6 a 10 cm e é mais longa que
Em sua face anterior, na porção cranial, o rim a direita (2 a 4 cm); drena para a veia cava inferior

160
Anatomia cirúrgica aplicada

numa posição mais cranial e anterior, e recebe tribu- ção da artéria ilíaca comum em artérias ilíacas exter-
tárias da veia suprarrenal esquerda (superiormente), na e interna. Nas mulheres, as artérias uterinas estão
da veia gonadal esquerda (inferiormente) e tributárias intimamente relacionadas com a porção justavesical
lombares (posteriormente). dos ureteres. Anteriormente, o ureter direito está rela-
O sistema linfático acompanha os vasos pela co- cionado com o cólon ascendente, o ceco, o mesocólon
luna de Bertin, drenando para o seio renal e destes e o apêndice. O ureter esquerdo está relacionado ao
para o hilo renal. Do lado esquerdo drena para os lin- cólon descendente, ao sigmoide e aos seus respectivos
fonodos para-aórticos laterais esquerdos, incluindo mesocólons.
linfonodos anteriores e posteriores à aorta, entre a ar-
téria mesentérica inferior e o diafragma. A drenagem
Suprimento sanguíneo
à direita ocorre para os linfonodos paracavais direito e É de grande importância cirúrgica a orientação da
interortocavais, incluindo linfonodos anteriores e pos- irrigação arterial do ureter: no ureter abdominal, o
teriores à veia cava inferior. suprimento sanguíneo alcança o ureter predo­minan­
A inervação autonômica renal simpática é originá- temente pela sua face medial; enquanto no ureter
ria de sinapses pós-ganglionares dos gânglios celíaco pélvico, a irrigação é principalmente lateral. Esse co-
e aorticorrenal, tendo como função primária vaso- nhecimento é de suma importância para a dissecção
constrição. A inervação parassimpática origina-se do correta do ureter. O ureter abdominal é irrigado por
vago, causando vasodilatação. ramos da artéria renal, da artéria gonadal, da aorta
abdominal e da ilíaca comum. Ao adentrar a pelve, o
ureter é irrigado principalmente por ramos da artéria
Ureter ilíaca interna (principalmente artérias vesicais e uteri-
Anatomia e relações na), além da artéria retal média e artéria vaginal e de
São estruturas tubulares bilaterais, medindo apro- ramos superior é irrigado por ramos da artéria renal,
ximadamente cerca de 30 cm, adotando um trajeto em a parte média do ureter é irrigada pelas artérias esper-
S bastante uniforme. Divididos em (1) ureter abdo- máticas (ou ovarianas) internas. As drenagens venosa
minal, desde a pelve renal até os vasos ilíacos, e (2) e linfática são paralelas ao suprimento arterial.
ureter pélvico, estendendo-se dos vasos ilíacos até a
bexiga – divisão anatômica. Também pode ser dividi- Bexiga
do em (1) superior, estendendo-se da pelve renal até A bexiga é um órgão totalmente abdominal no re-
a borda superior do sacro; (2) ureter médio, da parte cém-nascido e crianças, e durante o crescimento passa
superior até a borda inferior do sacro; e (3) ureter in- a localizar-se totalmente na cavidade pélvica. Quando
ferior, que se estende desde a borda inferior do sacro em repleção total, adentra a cavidade abdominal – a
até a bexiga – divisão radiológica. capacidade da bexiga é de aproximadamente 500 ml.
O ureter começa em sua junção ureteropélvica, O úraco fixa a bexiga à parede abdominal, atra-
que fica posterior à artéria e à veia renais, progredindo vés de inserção na cúpula vesical – área predispo-
inferiormente ao longo da borda anterior do múscu- nente para desenvolvimento de divertículos, devido à
lo psoas e medialmente às articulações sacroilíacas, redução da densidade de fibras musculares. Próximo
inclinando-se lateralmente próximo das espinhas is- à inserção umbilical, o úraco torna-se mais fibroso,
quiáticas, antes de medializar e inserir-se na base da podendo fundir-se com uma das artérias umbilicais
bexiga. Aproximadamente após percorrer um terço do obliteradas. Eventualmente, o pertuito intrauracal
trajeto até a bexiga, o ureter é cruzado anteriormente pode persistir no adulto, comunicando a bexiga com o
pelos vasos gonadais. Ao adentrar na pelve, o ureter umbigo, predispondo ao desenvolvimento de abscesso
cruza anteriormente os vasos ilíacos, junto à bifurca- ou fístula urinária. Em casos raros, o epitélio uracal

161
pode diferenciar-se malignamente, originando adeno- mural de 1,5 a 2 cm, até o orifício ureteral. Esse pon-
carcinomas de comportamento agressivo. to constitui estreitamento ureteral fisiológico, onde
O peritônio recobre a parede anterior da bexiga, frequentemente há impactação de cálculos ureterais.
porém, quando ocorre o enchimento vesical, há des- Durante o enchimento vesical, a compressão da pare-
locamento da membrana peritoneal até a cúpula ve- de neste ponto gera mecanismo fisiológico de válvula
sical – em posição intra-abdominal. Dessa forma, as antirrefluxo vesicoureteral. A ocorrência de refluxo
cistostomias de urgência são realizadas sem o risco de vesicoureteral está relacionada a ureteres com trajeto
punção da porção intra-abdominal da bexiga. O fun- intramural curto ou musculatura detrusora debilitada
do de saco retovesical é formado pelo peritônio que na porção intramural – principalmente.
se estende posteriormente da bexiga até às vesículas
seminais, com o peritônio da parede anterior do reto.
Suprimento sanguíneo
Numa pequena extensão, ao nível das vesículas semi- A bexiga é irrigada pelas artérias vesicais supe-
nais e ampolas dos ductos deferentes, a face posterior rior, média e inferior, derivadas do tronco anterior da
da bexiga é separada do reto apenas pela fáscia de artéria ilíaca interna (hipogástrica); e por ramos das
Denonvilliers. Nas mulheres, o peritônio que recobre artérias glútea inferior e obturatória. Do ponto de vis-
a parede anterior da bexiga estende-se pela cúpula ta prático, o suprimento sanguíneo da bexiga é desig-
vesical e se reflete sobre o útero, formando o espaço nado em pedículos lateral e posterior, de acordo com
vesicouterino. O fundo de saco retouterino é formado a abordagem via espaço retovesical: pedículo lateral,
pela união do peritônio da parede anterior do reto e localizado lateralmente ao ureter (ligamento ou asa
da face posterior do útero. A interposição dos órgãos lateral); e pedículo posterior, localizado posterome-
genitais femininos entre o reto e a bexiga tem impacto dialmente ao ureter (ligamento posterior).
na incontinência urinária de esforço: a parede vagi- O plexo venoso vesical é formado pelas veias que
nal anterior está firmemente sustentada pelo músculo circundam a bexiga e drena para a veia ilíaca interna.
elevador do ânus, sendo que contrações do diagrama Os vasos linfáticos da bexiga drenam desde a lâmi-
pélvico promovem a anteriorização e discreta eleva- na própria e muscularis mucosa, até o plexo vesical
ção do colo vesical – em mulheres com incontinência (junto à superfície da bexiga), através de canais en-
urinária de esforço, o colo vesical desloca-se abaixo tremeados à musculatura vesical. A partir do plexo
do limite inferior da sínfise púbica, favorecendo a per- vesical podem drenar para linfonodos ilíacos comuns,
da urinária involuntária. externos e internos.
O espaço de Retzius é acessado através de incisão
da fascia transversalis e contém gordura perivesical Próstata
e tecido conjuntivo frouxo, que protegem a superfí- A próstata tem peso aproximado de 18 gramas e é
cie anterior e paredes laterais da bexiga – é via de atravessada pela uretra prostática. É envolta por uma
acesso extraperitoneal para os vasos ilíacos e urete- cápsula de colágeno, elastina e músculo liso, que na
res também. região anterolateral funde-se com o folheto visceral
Na histologia vesical tem destaque o arranjo da da fáscia endopélvica. Em direção ao ápice prostáti-
musculatura detrusora na junção ureterovesical. As co, os ligamentos puboprostáticos fixam a próstata ao
fibras musculares lisas do ureter mudam sua orienta- púbis. A veia superficial do pênis encontra-se nesse
ção de circulares para longitudinais próximo à bexi- nível, externamente à fáscia endopélvica, em meio a
ga; uma bainha fibromuscular (Waldeyer) origina-se tecido areolar e gordura pré-vesical – após perfurar a
a cerca de 2 ou 3 cm da bexiga e acompanha longi- fáscia endopélvica, drenará para o complexo da veia
tudinalmente o ureter até o trígono vesical. O ureter dorsal profunda do pênis.
penetra obliquamente na bexiga e segue trajeto intra- A próstata encontra-se ancorada lateralmente pela

162
Anatomia cirúrgica aplicada

porção pubococcígea do músculo elevador do ânus, uretra e a zona de transição com ramos posteriores. A
que tem íntima relação com a fáscia endopélvica. Du- artéria capsular progride em paralelo com o nervo ca-
rante a prostatectomia radical, na abertura da fáscia vernoso na região posterolateral (feixe vasculonervo-
endopélvica junto ao arco tendíneo (confluência entre so) e emite ramos, que perfuram a cápsula para nutrir
os folhetos parietal e visceral da fáscia endopélvica), o tecido glandular.
separam-se medialmente a fáscia endopélvica e a As veias envolvem a próstata em um plexo na por-
fáscia prostática, e lateralmente, o elevador do ânus. ção anterolateral, posterior ao ligamento arqueado. A
As bandas neurovasculares têm trajeto posterolate- principal tributária é a veia dorsal do pênis, que tam-
ral junto à fáscia prostática lateral (folheto parietal bém recebe as veias vesicais e ramos prostáticos, que
da fáscia endopélvica). O ápice prostático alcança se conectam com o plexo vesical e a veia pudenda
as fibras estriadas do esfíncter uretral externo, não interna, e drenam para a veia vesical e a veia ilíaca
havendo divisão abrupta entre as estruturas – já foi interna. A drenagem linfática do deferente são os lin-
demonstrado que o ápice pode inclusive adentrar o fonodos ilíacos internos e externos e os linfonodos
esfíncter uretral externo. Entrelaçamento semelhante prostáticos drenam para a ilíaca interna, sacral e ob-
ocorre entre as fibras musculares do colo vesical e da turatórios.
cápsula prostática.
A próstata é composta por aproximadamente Uretra membranosa
70% de elementos glandulares e 30% de estroma A uretra membranosa tem comprimento médio de
fibromuscular. A zona de transição possui 5 a 10% 2 a 2,5 cm (1,2-5,0 cm), do ápice prostático até a
do tecido glandular prostático e é separada dos de- membrana perineal. É envolvida pelo esfíncter ure-
mais compartimentos por uma lâmina fibromuscular tral externo (estriado), que possui uma conformação
que pode ser identificada na ultrassonografia. A zona em forma de “sino”, com uma base larga seguida de
transicional é sede da hiperplasia prostática, na qual estreitamento – durante trajeto pelo hiato urogenital
ocorre crescimento glandular comprimindo a lâmina do músculo elevador do ânus – em direção ao ápi-
fibromuscular, delimitando uma cápsula cirúrgica ce prostático. As fibras do esfíncter uretral estriado
facilmente identificável nas ressecções transuretrais não se unem posteriormente à medida que circundam
ou nas enucleações de próstata. A zona central con- a uretra membranosa – posteriormente, essas fibras
tém 25% do tecido glandular prostático, enquanto a inserem-se na membrana (corpo) perineal. Dessa
grande massa glandular prostática (cerca de 70%) forma, o esfíncter tem uma forma de “ferradura” ao
localiza-se na zona periférica, que ocupa as regiões redor da uretra membranosa. Quando ocorre contra-
posterior e laterais da próstata. Do ponto de vista ção do esfíncter, há uma compressão uretral contra o
prático, a próstata é dividida em dois lobos laterais, corpo do períneo. Anteriormente o esfíncter uretral
separados por um sulco mediano – identificados ao externo relaciona-se com o complexo da veia dorsal
toque retal – e um lobo médio, que se projeta para a profunda do pênis e, lateralmente, com o músculo
bexiga – correspondem aos crescimentos laterais da elevador do ânus.
zona transicional e central das glândulas periuretrais, A inervação principal do esfíncter uretral exter-
respectivamente. no é dada pelo nervo pudendo. Secundariamente, por
A irrigação é feita por ramos da artéria vesical in- ramo do plexo sacral (porção pélvica do músculo ele-
ferior, pudenda interna e artéria retal média. A artéria vador do ânus).
prostática, ramo da artéria vesical inferior, divide-se
em artérias uretrais e artérias capsulares. As artérias Pênis
uretrais penetram a glândula na junção da próstata Os corpos cavernosos são envolvidos pela túnica
com a bexiga, na região posterolateral, e irrigam a albugínea, constituída predominantemente por colá-

163
geno; separados por septo que distalmente torna-se vel glandar (fossa navicular) e posterior estreitamento
delgado, permitindo a comunicação vascular de seus no meato uretral externo. A fáscia de Buck envolve os
compartimentos. Feixes de fibras musculares lisas ar- dois corpos cavernosos dorsalmente e divide-se para
ranjam-se em sinusoides, conferindo o aspecto espon- circundar o corpo esponjoso ventralmente.
joso aos corpos eréteis.
O corpo esponjoso localiza-se na face ventral do
pênis, abaixo dos corpos cavernosos, expandindo-se
Referências recomendadas
1. Anatomy of the retroperitoneum, adrenals, kidneys and ureters.
na extremidade distal da haste peniana para formar a In: Campbell-Walsh Urology. 10a ed. pp. 3-32.
glande. É atravessado pela uretra anterior, que inicia- 2. Anatomy of the lower urinary tract and male genitalia. In: Cam-
-se na membrana perineal, sofrendo dilatação em ní- pbell-Walsh Urology. 10a ed. pp. 33-70.

164
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 22
Radiologia
genitourinária

Daniel Calich Luz


Fernando Ide Yamauchi
Ronaldo Hueb Baroni
Avaliação por imagem Avaliação por imagem
da litíase urinária de tumores renais
A tomografia computadorizada sem contraste (TCSC) é Em mais de 50% dos casos os tumores renais são acha-
considerada o método padrão ouro para avaliação da urolití- dos incidentais em exames de imagem.5 O primeiro papel
ase, dada sua alta sensibilidade (> 95%) e especificidade (> dos métodos de imagem é diferenciar lesões císticas de
96%) no diagnóstico.1 Além do diagnóstico, a TCSC forne- lesões sólidas.
ce as principais informações necessárias para a escolha do
tratamento mais adequado como: presença ou ausência de Lesões císticas
hidronefrose, localização e tamanho do cálculo, quantida- São homogêneas e sem realce pelo meio de contraste.
de total de cálculos, atenuação e distância cálculo-pele.2 TC Na TC, possuem atenuação inferior a 20 UH, salvo quan-
dual-energy é uma forma eficiente de predizer composição do hemorrágicas. A presença de calcificações, septos fi-
do cálculo e melhor que a medida simples da atenuação, nos, septos espessos e nódulo mural aumenta progressi-
embora seja pouco disponível na prática clínica.3 vamente o risco de malignidade nas lesões císticas, sendo
A ultrassonografia (USG) possui alta sensibilidade este risco estratificado pela classificação de Bosniak.6
para cálculos nas extremidades (JUP e JUV), mas é limi- Bosniak I: lesão cística de paredes finas, sem septações e
tada na avaliação dos demais segmentos ureterais, princi- sem realce (risco de malignidade próximo de 0).
palmente em pacientes obesos. A USG deve ser o método Bosniak II: lesão cística com finas septações, sem realce
de escolha na avaliação de dor lombar aguda em pacientes mensurável, ou cistos hemorrágicos ≤ 3,0 cm
gestantes e pediátricos, pela ausência de radiação ionizan- (risco de malignidade inferior a 5%).
te (Figura 1).4
Bosniak IIF: septos com calcificações ou irregulares,
Figura 1. Mulher, 33 anos, com queixa de dor lombar bilateral. A e B, USG, com realce duvidoso e não mensurável. Cis-
cálculo em ambos os ureteres distais, em topografia justameatal. Em C, tos hemorrágicos > 3,0 cm (risco de malig-
TC sem contraste realizada para avaliação de possíveis outros cálculos,
identificando os dois cálculos ureteres distais, em perfeita correlação com
nidade de 5 a 20%).
os achados ultrassonográficos. Bosniak III: lesão com paredes espessas, septo com realce
mensurável ou calcificações grosseiras (risco
de malignidade de 40 a 60%).
Bosniak IV: lesão cística com componente nodular só-
lido, independente de ter septações ou não
(risco de malignidade de cerca de 90%).

Lesões sólidas
O papel fundamental dos métodos de imagem nas
lesões sólidas renais é o estadiamento local. Parâmetros
importantes no planejamento cirúrgico podem ser obti-
dos pela TC e RM, como tamanho, invasão vascular, va-
riações anatômicas vasculares, componente exofítico da
A radiografia simples do abdome possui baixa sensi- lesão e invasão do seio renal e sistema coletor. Estes pa-
bilidade na detecção de litíase do trato urinário. Pode ser râmetros muitas vezes são agrupados em escores nefro-
utilizada para seguimento de cálculo ureteral identificado métricos, sendo o mais utilizado o escore R.E.N.A.L.7,8
pela TC, reduzindo assim o número de exames e, portanto, Recentemente, avanços nos métodos de imagem, par-
de radiação. ticularmente a RM, permitem predizer com razoável acu-
A RM tem papel restrito na avaliação da urolitíase, ten- rácia o diagnóstico histológico das lesões sólidas. O car-
do em vista a menor sensibilidade do método. Pode ser em- cinoma de células renais do subtipo células claras possui
pregada como método alternativo em pacientes gestantes.4 padrão de imagem típico: lesão sólida hipervascularizada
Escores tomográficos são capazes de predizer o sucesso heterogênea, com necrose central e hipersinal na sequên-
da LECO. Os principais fatores prognósticos parecem ser a cia T2 de RM (Figura 2). Já o CCR papilífero apresenta-se
dimensão e a atenuação, além do biotipo do paciente. Cál- como lesão de baixo sinal em T2 na RM, maior restrição à
culos ≥ 2,0 cm, com atenuação média ≥ 1000 UH e distância difusão das moléculas de água (indicando maior celulari-
cálculo-pele ≥ 10 cm têm menores chances de sucesso.2 dade) e discreto realce progressivo pós-contraste.9,10

166
Radiologia genitourinária

Figura 2. Homem, 50 anos, em investigação de lesão renal vista em USG de


rotina. Em A, sequência coronal T2, mostrando lesão parcialmente exofítica, Avaliação por imagem da hematúria
medindo de 2,5 cm, no polo superior do rim direito (seta branca) e apresentando
alto sinal heterogêneo em T2. Em B1 (coronal in-phase) e B2 (coronal out-
A urotomografia (Uro-TC) é considerada o método de
phase), a lesão mostra discreta queda de sinal, o que sugere presença de gordura escolha para avaliação inicial da hematúria (microscópi-
microscópica (setas). Em C, coronal pós-contraste na fase corticomedular,
mostrando que a lesão é hipervascularizada (seta curva). Anatomopatológico
ca ou macroscópica).11 Possui alta acurácia na detecção
mostrou tratar-se de um CCR do tipo células claras - Fuhrman II. de litíase do trato urinário, lesões uroteliais e lesões pa-
renquimatosas (Figura 4). Outras lesões mais raras como
alterações vasculares e infecções também podem ser diag-
nosticadas pela Uro-TC.
As desvantagens da Uro-TC são a radiação ionizante e a
necessidade do uso do contraste iodado. Protocolos de baixa
dose com reconstrução interativa, uso da técnica de dupla in-
jeção de contraste (reduzindo o número de fases do exame),
TC de dupla energia (dual-energy) e suas combinações, são
estratégias eficazes em reduzir a dose de radiação.12
A urorressonância pode ser um método alternativo na
avaliação de hematúria em pacientes com contraindica-
ção ao contraste iodado ou restrições à radiação ionizante
(crianças e gestantes), embora possua menor sensibilidade
na detecção de cálculos.13,14 Ressalva-se ainda a baixa sen-
sibilidade na detecção de pequenas lesões uroteliais vesi-
cais em ambos os métodos.

Figura 4. Mulher, 45 anos, vem ao pronto-atendimento com queixa de


hematúria macroscópica e dor lombar. Em A, reconstrução coronal da Uro-
TC na fase excretora, mostrando lesão hipoatenuante infiltrando a pelve
renal e o grupamento calicinal inferior esquerdo. B, imagem axial da fase
nefrográfica, mostrando infiltração do parênquima renal no terço inferior,
Vale ressaltar que, apesar da melhora na predição his- com áreas de necrose. Em C, reformatação volumétrica tridimensional
tológica por imagem, algumas neoplasias benignas como (análoga à urografia excretora) evidenciando as falhas de enchimento do
sistema coletor. Realizada nefrectomia radical que mostrou tratar-se de um
angiomiolipoma pobre em gordura e oncocitoma são por carcinoma urotelial de alto grau.
vezes indistinguíveis das neoplasias malignas citadas aci-
ma (Figura 3).
Figura 3. Mulher, 40 anos, em exame para avaliação de dor pélvica com
achado incidental renal à USG. Em A, sequência coronal T2, evidencia-se
lesão nodular cortical com baixo sinal homogêneo no polo superior do rim
esquerdo (seta). B, sequência T1 pós-contraste mostrando que a lesão é
sólida, pois tem realce discreto (seta). Os achados eram sugestivos de AML
pobre em gordura ou CCR de linhagem papilífera. A lesão foi ressecada e o
anatomopatológico confirmou etiologia benigna.

O emprego da técnica de difusão por RM auxilia na


detecção de pequenos focos de neoplasias transicionais
vesicais, sendo superior à Uro-TC para essa finalida-
de. No entanto, o valor preditivo negativo do método

167
deve ser visto com cautela, sobretudo em pacientes com Os 30% restantes são adenoma ditos pobres em gor-
maior risco de neoplasia.15 dura, os quais se apresentam como lesões com atenua-
ção superior a 10 UH na TCSC, sendo portanto lesões
indeterminadas e indistinguíveis de outros tumores adre-
Avaliação por imagem de nais. Não existem estudos randomizados que comparem
incidentalomas adrenais os métodos de imagem neste caso, de maneira que, na
Incidentaloma adrenal é definido como uma lesão avaliação de lesões indeterminadas na TCSC, pode-se
adrenal maior que 1,0 cm identificada incidentalmente em prosseguir com estudo de ressonância magnética (RM)
um exame de imagem realizado por outro motivo.16 Cons- com a técnica de chemical shift (método mais utilizado
titui um dos principais achados incidentais nos exames de na prática clínica), tomografia com contraste para cálcu-
imagem do abdome17 e a maior parte deles corresponde a lo de washout ou mesmo PET/CT (Figura 5). Ambos os
adenomas não funcionantes (75-80% dos casos). Outras adenomas (ricos e pobres em gordura) possuem padrão
lesões mais raras podem se apresentar de forma incidental, de realce característico e cálculos de washout superiores
como mielolipomas e feocromocitomas.18 a 40% (relativo) e 60% (absoluto).19,20
Além da atenuação, outras características importantes
Adenomas para o diagnóstico de um adenoma são tamanho inferior a
A maior parte dos adenomas contém gordura intracelular 4,0 cm, conteúdo homogêneo e contornos regulares.
suficiente para caracterização por imagem (adenoma rico em Vale ressaltar que não é possível distinguir lesões fun-
gordura). Tal fato se traduz na tomografia computadorizada cionantes de não funcionantes por imagem, e a avaliação
sem contraste (TCSC) como atenuação inferior a 10 unida- bioquímica deve ser considerada individualmente.16,21
des Hounsfield (UH), tendo este critério sensibilidade de
Outras lesões adrenais incidentais
70% e especificidade de 98% para adenomas.18
Mielolipoma adrenal é caracterizado na TC e na RM
Figura 5. Mulher, 53 anos, investigação de nódulo adrenal visto em RM de por conter gordura macroscópica. O hematoma adrenal
coluna lombar. Em A, sequência axial T2, nota-se lesão nodular de 1,5 cm
(seta), homogênea, na asa lateral da adrenal esquerda. B1 e B2 (sequência pode ser caracterizado por alta atenuação na TC sem con-
T1 out-phase e in-phase, respectivamente), evidenciando significativa queda traste (≥ 50 e ≤ 90 UH), ausência de realce e surgimento
de sinal na lesão (setas), inferindo a presença de gordura microscópica. Tais
súbito em contexto clínico apropriado. Cistos adrenais
achados são compatíveis com adenoma.
são lesões homogêneas sem realce, de baixa atenuação
na TC (≥-10 e ≤ 20) e com alto sinal homogêneo em T2
na RM.21
O carcinoma adrenal comumente se apresenta como
lesão ≥ 4,0 cm, de margens irregulares. O tamanho su-
perior a 6,0 cm e o realce heterogêneo (maior na peri-
feria do que no centro) parecem ser os achados mais
importantes na diferenciação com outras lesões. Áreas
de necrose e hemorragia são frequentes. Calcificações
podem estar presentes. Invasão da veia renal ou cava
inferior podem ocorrer, além de infiltração de outras es-
truturas adjacentes.21
O feocromocitoma não tem um padrão característico
por imagem, podendo ser heterogêneo, sólido ou cístico,
com ou sem calcificações. O aspecto clássico na RM é
visto em cerca de 70% dos casos: lesão sólida, hipervas-
cularizada e com marcado alto sinal nas sequências pon-
deradas em T2.22

Ressonância magnética nos tumores prostáticos


A ressonância magnética multiparamétrica da prós-
tata (RMmp) fornece informações ao urologista que vão
muito além do estadiamento local do adenocarcinoma.
O protocolo de exame padrão de RMmp deve conter

168
Radiologia genitourinária

sequências ponderadas em T2 (necessárias para adequa- Figura 6. Homem, 65 anos, com PSA = 5,5 ng/ml e toque retal com
irregularidade na base esquerda, solicitada RMmp pré-biópsia. Em A1 e A2,
da avaliação anatômica e da glândula central), sequên- axial T2 e sagital T2, evidencia-se lesão com baixo sinal no aspecto posterior
cia ponderada em difusão (DWI) e seu correspondente da base da zona periférica esquerda (seta branca), com sinais de extensão
mapa de coeficiente de difusão aparente - ADC (que extraprostática e invasão da vesícula seminal esquerda (seta curva). B,
sequência pós-contraste, mostrando realce precoce da lesão. C, mapa de
se correlacionam com a celularidade das lesões e são ADC com marcado baixo sinal (seta). Achados caracterizados como PI-
imprescindíveis para adequada avaliação da zona peri- -RADS™ 5 (muito alta probabilidade de neoplasia de próstata clinicamente
significante), posteriormente confirmada como adenocarcinoma Gleason 8
férica) e sequências dinâmicas após a injeção do meio (4+4) na biópsia com fusão de imagens.
de contraste. Idealmente (mas não obrigatoriamente) o
exame deve ser feito em aparelho de 3 Tesla, conten-
do as sequências supracitadas, sendo o uso da bobina
endorretal dispensável nos exames de rastreamento tu-
moral.23,24
As indicações atuais do estudo de RMmp da próstata
são elevação do PSA com biópsia(s) prévia(s) negati-
va(s) e candidatos a vigilância ativa.25 Um estudo re-
cente publicado na revista LANCET (estudo PROMIS),
demonstrou também a importância da RMmp em pa-
cientes com elevação do PSA e virgens de biópsia.26
O emprego da RMmp da próstata pré-biópsia é pro-
missor. Além de excluir doença clinicamente significan-
te com alto valor preditivo negativo e potencialmente
evitar biópsias desnecessárias, pode-se identificar áreas
suspeitas para neoplasia e guiar biópsias dirigidas pe-
las imagens conjugadas de USG e RMmp (chamadas
de biópsias com fusão de imagens), com menor número
de fragmentos e maior positividade segundo os estudos
mais recentes.27 Isto é especialmente válido para lesões
anteriores da zona periférica ou da zona de transição,
que podem ser facilmente perdidas em biopsias transre-
tais randômicas.
O sistema de estratificação de risco utilizado é o PI- O uso da RMmp nos candidatos a vigilância ativa per-
-RADS versão 2™.24 O sistema estratifica os achados mite melhor estratificação de risco desses pacientes. A
em 5 categorias em relação probabilidade de neoplasia possibilidade de mensurar e predizer a agressividade da
prostática clinicamente significante: lesão (baseada nas sequências de difusão) permite incluir
PI-RADS 1: muito baixa probabilidade de neoplasia candidatos de baixo risco com maior especificidade (le-
prostática clinicamente significante. sões pequenas e sem alterações de difusão ou perfusão),
ou excluir candidatos nos casos de lesões grandes e com
PI-RADS 2: baixa probabilidade de neoplasia prostáti-
grande celularidade.28
ca clinicamente significante.
Em relação à avaliação linfonodal, a RMmp possui
PI-RADS 3: intermediária probabilidade de neoplasia
baixa sensibilidade.29 Nesse quesito, a avaliação com
prostática clinicamente significante.
marcadores moleculares de medicina nuclear específi-
PI-RADS 4: alta probabilidade de neoplasia prostática cos (em especial o antígeno de membrana específico da
clinicamente significante. próstata-PSMA) são promissores. O PET-CT com PS-
PI-RADS 5: muito alta probabilidade de neoplasia MA-Ga68 demonstra excelentes resultados em pacien-
prostática clinicamente significante. tes com recidiva bioquímica para avaliação de recidiva
C
Naqueles pacientes com RMmp PI-RADS 1 e 2, local, doença residual, metástases linfonodais e doença
a biópsia pode ser evitada. Lesões classificadas como à distância.30 O papel do PSMA-Ga68/PET-CT no esta-
PI-RADS 4 e 5 devem ser biopsiadas, guiadas pelas diamento pré-operatório ainda está sendo estudado, as-
alterações da RM (biópsia com fusão de imagens) (Fi- sim
B como o papel do PET-RM na avaliação global dos
gura 6). tumores prostáticos.

169
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170
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 23
Hematúria

Alexandre Crippa Sant’Anna


nário é maior em casos de Hmicro com > 25 hemácias
Definição e classificação
por campo, hematúria macroscópica ou fatores de risco,
Hematúria, por definição, é a micção com presença de
conforme descrito na tabela 2.
hemácias na urina. Existem diversas classificações para
hematúria, sendo as principais descritas na tabela 1. Tabela 2. Fatores de risco associados a malignidade do trato urinário em
pacientes com hematúria microscópica

Tabela 1. Classificações de hematúria Gênero masculino História de doença urológica

Macroscó- Visível a olho nu Idade maior que 35 anos Sintomas irritativos


pica Mais de 50 hemácias no campo de grande
aumento
Mais de 1 ml de sangue por litro de urina História de tabagismo Radioterapia pélvica

Microscó- 3 ou mais hemácias no campo de grande aumento Exposição a químicos ou História de ITU de repetição
corantes (benzenos ou aminas
pica
aromáticas)

Inicial Hematúria visível ao iniciar o jato urinário. Sugere


Abuso de analgésicos Exposição a carcinogênicos
sangramento uretral
conhecidos

Terminal Hematúria visível no final do jato urinário. Sugere


História de hematúria macros- Cateterização vesical crônica
sangramento do colo, trígono vesical ou da
cópica
próstata

Total Hematúria visível durante toda a micção. Sugere


sangramento da bexiga ou trato urinário alto O Grupo Kaiser investigou pacientes de alto risco
para neoplasia (>50 anos, tabagista, história de hema-
túria macroscópica, >25 hemácias/campo ou homem),
Diagnósticos diferenciais possíveis são: pigmentúria
identificando a doença em 10,7%-11,6% dos pacientes.
(bilirrubinas, mioglobina, porfirinas, alimentos - beter-
Nos demais, o risco foi de 0%-2,5%. Sugerindo, portan-
raba e ruibardo) e nas mulheres, sangramento vaginal.
to, quais seriam os pacientes mais indicados para ava-
liação completa da Hmicro.
Hematúria microscópica Vale ressaltar que ITU deve ser excluída e, persistin-
A hematúria microscópica (Hmicro) está presen-
do a Hmicro após o tratamento, uma avaliação completa
te em até 6,5% de pessoas saudáveis, tornando-se um
deve ser realizada. Pacientes em uso de anticoagulantes
desafio diagnóstico. É considerado normal um pequeno
ou antiagregantes plaquetários devem ser investigados
número de hemácias na urina durante o exercício físico
da mesma maneira que pacientes não anticoagulados,
e atividade sexual. Um painel realizado pela American
pois o seu uso pode mascarar uma neoplasia em está-
Urological Association (AUA) em 2012 definiu a pre-
gios iniciais. Uma série de casos evidenciou que 82%
sença de 3 ou mais hemácias por campo em 1 análise
dos pacientes masculinos em uso de anticoagulante com
isolada de urina suficiente para investigação diagnósti-
hematúria macroscópica apresentavam lesão urológica
ca. Neste grupo de pacientes, o diagnóstico de câncer do
significativa, dentre estes 13,9% de malignidade.
trato urinário é em torno de 3,6%.
Entre 30% e 60% dos pacientes investigados para
Hmicro apresentam uma causa demonstrável, como Avaliação da hematúria
hiperplasia prostática benigna - HPB (12,9%), litía- microscópica assintomática
se (6%), estenose de uretra (1,4%), neoplasia (1,8%- (HmicroA)
4,3%), infecção, inflamação (ex.: cistite hemorrágica), A avaliação da HmicroA descrita segue o Guideline
nefropatia, doença renal policística, estenose de JUP, publicado pela AUA em 2012. Esta avaliação deve ser
divertículo de uretra, fístulas, endometriose, doenças completa, mesmo que já se encontre uma causa na pri-
hematológicas, necrose de papila, MAV, entre outras. meira fase de investigação. Por exemplo, caso encontre
A possibilidade de identificar neoplasia do trato uri- um tumor renal na tomografia, a cistoscopia ainda é in-

172
Hematúria

dicada para afastar outras causas. FISH, UroVysion, entre outros, nenhum possui sensibi-
A história clínica e o exame físico são fundamen- lidade suficiente para substituir a cistoscopia ou URO-
tais, dirigidos para causas identificáveis como: infec- -TC na avaliação inicial do paciente com HmicroA.
ção, menstruação, exercício físico vigoroso, tabagismo, Entretanto, a citologia pode ser utilizada nos pacientes
doença renal conhecida, doença viral, trauma, corpo es- com investigação inicial negativa quando o carcinoma
tranho, manipulação recente do trato urinário, história urotelial ainda é um diagnóstico suspeito, assim como
de hematúria macroscópica, sintomas do trato inferior, nos pacientes com Hmicro sintomáticos.
dor em flanco, entre outros. O exame físico deve ser di- A ausência de evidências de alta qualidade para
rigido ao sistema geniturinário, como massa em flanco, seguimento dos pacientes com avaliação inicial nega-
exame abdominal e suprapúbico, toque retal e exame tiva resultou em 3 recomendações da AUA baseada na
físico da uretra. opinião de especialistas: 1) Análise de urina anual em
A urina I é mandatória para confirmação da hematú- HmicroA persistente após avaliação inicial negativa 2)
ria, verificação do dismorfismo eritrocitário (no Brasil, Após 2 análises de urina anuais negativas, não é mais
este exame costuma ser solicitado separadamente), pre- necessária investigação 3) Caso persista, considerar
sença de células ou proteinúria, função renal e urocul- reavaliação completa entre 3 a 5 anos.
tura caso a urina I sugira ITU. A investigação de Hmicro sintomática é pratica-
A cistoscopia deve ser realizada em todos ou pa- mente a mesma da assintomática. Entretanto, o risco de
cientes acima de 35 anos com critérios para avaliação malignidade é significativamente maior na sintomática
e/ou fatores de risco para malignidade. Em um estudo (10% versus <5%). Infecção do trato urinário deve ser
avaliando 3.762 pacientes com HmicroA, observou-se
sempre excluída e, persistindo os sintomas, a cistosco-
98 (2,6%) casos de câncer do trato urinário e destes
pia é indicada em qualquer idade. Em casos de sintomas
97% possuíam mais de 35 anos, justificando esta con-
de armazenamento, a citologia oncótica urinária deve
duta. Apesar da cistoscopia fluorescente ser aprovada
ser considerada.
pelo FDA para investigação de câncer de bexiga, a rea-
A figura 1 descreve o fluxograma mais recente de in-
lização de estudos que validem o método foi realizado
vestigação para HmicroA da AUA publicado em 2012.
em pacientes sabidamente portadores de câncer de be-
xiga, o que limita seu uso na investigação de HmicroA.
Portanto, a AUA não indica a realização de cistoscopia Hematúria macroscópica
fluorescente na investigação de HmicroA. Nos pacientes portadores de hematúria macroscó-
A tomografia computadorizada de abdome e pelve pica (Hmacro), em aproximadamente 50% a causa é
com contraste endovenoso multifase (pré-contraste, identificável e, destes, de 20% a 25% são cânceres uro-
fase nefrográfica e fase excretora) ou URO-TC é o exa- lógicos, principalmente bexiga e rim.
me de escolha na investigação do trato urinário alto na Pacientes com Hmacro sem história de trauma ou
HmicroA. Vale ressaltar as contraindicações clássicas ITU documentada devem ser avaliados com citologia
ao exame, como gravidez, alergia ao contraste iodado e urinária oncótica, cistoscopia e URO-TC.
insuficiência renal. A história clínica e o exame físico são de grande
A citologia urinária oncótica possui alta sensibili- importância. Atenção especial deve ser dada à estabi-
dade e especificidade para detecção de carcinoma uro- lidade hemodinâmica com sinais vitais, hemograma e
telial de alto grau, porém a sensibilidade diminui con- coagulograma.
sideravelmente no tumor de baixo grau, resultando em Um fluxograma específico para Hmacro não está
sensibilidade global de 15,4% a 54,5% e especificidade disponível, porém podemos utilizar o fluxograma da
de 95% a 100%. Não sendo, portanto, um exame de es- Hmicro como referência, ressaltando que, caso haja
colha na avaliação inicial. Apesar de diversos biomar- recidiva da Hmacro, nova avaliação completa deve ser
cadores urinários aprovados pelo FDA, como NMP-22, realizada.

173
Figura 1. Adaptação do algoritmo AUA para investigação de adultos com hematúria microscópica assintomática. HmicroA: Hematúria microscópica assintomática; ITU:
Infecção do Trato Urinário; Uro-TC: Urotomografia computadorizada; Uro-RNM: Uroressonância Nuclear Magnética; US: Ultrassonografia. AUA - Publicado em 2012.

HmicroA
≧ 3 Hemácias/campo

+
História clínica e exame físico dirigido para causas
Repetir urianálise após
potenciais. Ex. ITU, menstruação, manipulação
tratamento de outras causas

+ - -
Alta
Uro-TC inviável
Opções menos ideais:
Função renal - Uro-RNM
Cistoscopia Uro-TC - Pielografia retrógrada combinada
Tratamento nefrológico concomitante se com TC sem contraste, RNM ou US
proteinúria, dismorfismo eritrocitário ou
outros sinais de causa nefrológica -

+ Seguimento com urianálise


Tratamento anual por pelo menos 2 anos

- Hmicro persistente na Urianálise anual


Considere avaliação Nefrologista
Seguimento conforme diagnóstico +
Repetir avaliação anatômica entre 3 a
Reavaliar para Hmicro após Alta 5 anos* ou antes se clinicamente indicado
resolução do quadro

* O limite de tempo para reavaliação deve levar em consideração os fatores de risco do paciente para patologias urológicas como neoplasia.

Tabela 3. Agentes hemostáticos na cistite hemorrágica

Agente Mecanismo de ação Modo de uso Sucesso

1 a linha

Alume Precipitação do urotélio, vasoconstrição 50 g alume em 5 L água Destilada, irrigação vesical 66%-100%
200-300 ml/h

Prostaglandinas Vasoconstrição, agregação plaquetária Instilação vesical 50%-60%

Nitrato de prata Coagulação química Solução 0,5%-1% instilada por 10-20 min 50%

Ac. aminocaproico Inibição dos Ativadores de plasminogênio Irrigação vesical com 200 mg/L de SF, mantido até 92%
24h após cessar hematúria

2a linha - Hematúria persiste com paciente hemodinamicamente estável

Formol Precipitação proteica, oclusão capilar Solução 1%-2%, volume 300 ml, pressão 15 cm 80-90%
H2O por 10-15 min

174
Hematúria

xo sanguíneo prostático, com redução ou resolução dos


Cistite hemorrágica
sintomas em até 90% dos casos no período de 2 semanas
Cistite hemorrágica é caracterizada por inflamação
até 9 meses. Pacientes com persistência da Hmacro têm
difusa e sangramento da mucosa vesical. Existem inúme-
indicação de RTUp. Em casos de câncer de próstata, o
ras causas, como: infecção bacteriana, viral (principal-
bloqueio androgênico ou radioterapia externa podem ser
mente vírus BK), ciclofosfamida e ifosfamida (incidência
utilizados. Além de, como segunda linha, RTUp, emboli-
de 2%-40% e dose-dependente).
zação, prostatectomia ou cistoprostatectomia.
O manejo inicial consiste em suporte clínico com hi-
dratação venosa, irrigação vesical contínua e transfusão
sanguínea se necessário. Esta primeira linha de conduta é Hematúria de origem no
suficiente para resolução de casos leves. Persistindo a he- trato urinário alto
matúria, é recomendada uma cistoscopia com evacuação A hematúria de origem no trato alto frequentemen-
de coágulos e eletrocauterização pontual. te é assintomática. Os coágulos podem obstruir o ureter,
Em caso de persistência da hematúria apesar das me- causando cólica renal. Normalmente a hematúria é total
didas acima, pode-se utilizar agentes hemostáticos, câ- e pode urinar coágulos em “forma de verme”. As causas
mara hiperbárica, angioembolização e, em último caso, mais comuns são: litíase, trauma e câncer. Como já des-
derivações urinárias. Infelizmente não existem estudos crito anteriormente, o exame de escolha é a URO-TC.
suficientes para comparar a eficácia e segurança dos Doenças glomerulares são condições em que o dano ao
glomérulo pode causar hematúria, proteinúria, dismorfismo
agentes, mas tentaremos descrevê-los de forma organiza-
eritrocitário (presença de acantócitos, codócitos, entre ou-
da e sequencial, conforme tabela 3.
tros). Clinicamente o paciente pode apresentar insuficiência
Nas hemorragias causadas por radioterapia e ciclo-
renal e anasarca. A "Teoria Mecânica" de que as hemácias
fosfamida, a câmara hiperbárica é uma ótima alternativa,
ao atravessarem a membrana basal gromerular sofrem com-
com respostas entre 80% e 90%. O mecanismo de ação é
pressão e consequente deformação é a teoria mais aceita
por diminuição de edema e neovascularização.
para explicar o fenômeno. Entretanto, a presença isolada de
Em pacientes clinicamente instáveis com sangramen-
dismorfismo tem uma sensibilidade de 31,9%-100% e es-
to incoercível, a angioembolização da artéria ilíaca inter-
pecificidade de 33,3%-100% para o diagnóstico de doença
na seria o próximo passo. Normalmente se faz necessária
glomerular como causa de Hmicro. O valor de referência do
a embolização do ramo anterior bilateralmente para he-
dismorfismo é assunto de controvérsia na literatura, tanto
mostasia adequada. Na falha na embolização e em último
que o guideline da AUA de 2012 não cita valor algum. O
caso o procedimento é cistectomia com derivação uriná-
guideline de 2001 utiliza >80% de dismorfismo como re-
ria. Em pacientes com muitas comorbidades e instáveis,
ferência. Estudos mais recentes sugerem considerar valores
a derivação urinária sem cistectomia pode ser realizada,
>5%. Como os principais exemplos de doença gromerular,
com intuito de diminuir a exposição da bexiga a uroqui-
temos: doença de Berger, doença de membrana basal fina,
nase, teoricamente facilitando a hemostasia.
glomerulonefrite aguda, nefrite lúpica e síndrome de Alport.
Pacientes com suspeita de doença glomerular devem ser en-
Hematúria de origem prostática caminhados ao nefrologista. Contudo, a AUA recomenda
A hematúria de origem prostática pode ser causada que a avaliação completa pelo urologista seja realizada mes-
pela HPB, câncer de próstata ou prostatite. A HPB é a mo com identificação do dismorfismo.
principal causa de sangramento prostático em maiores de Uma série de doenças vasculares pode causar hema-
60 anos e pode ser responsável por até 20% dos casos túria, como fístula ureteroilíaca, cujas causas podem ser
de Hmacro. O manejo inicial é conservador com hidrata- cirurgia vascular, radioterapia, cateter duplo J crônico, en-
ção e irrigação vesical se necessário. O uso de inibidores tre outros. O tratamento preferencial é endovascular com
da 5-alfa-redutase (ex.: finasterida) evidenciou redução colocação de endoprótese. As malformações arterioveno-
da expressão de VEGF, densidade microvascular e flu- sas congênitas ou adquiridas (causadas por biópsia renal,

175
nefrectomia parcial, nefrolitotripsia percutânea) devem ser
Sangramento uretral
diagnosticadas e tratadas por arteriografia com emboliza-
A uretrorragia é definida como a exteriorização de
ção. A “síndrome do quebra-nozes”, com a veia renal es-
sangue pelo meato uretral, sem micção. O diagnóstico
querda comprimida entre a artéria mesentérica inferior e a
deve ser realizado através de minuciosa história clínica e
aorta, também pode causar hematúria. O tratamento pode
exame físico. Na mulher, a diferenciação de sangramento
ser realizado por transposição da veia renal, da artéria me-
vaginal pode ser um desafio. Entre os principais diagnós-
sentérica ou nefrectomia. Mais recentemente, a utilização
ticos, temos: trauma uretral, trauma peniano (com lesão
de stent endovascular tem mostrado bons resultados.
uretral), uretrite, carúncula e tumores uretrais. Os princi-
A hematúria essencial lateralizada ou hematúria es-
pais exames utilizados são uretrocistografia retrógrada e
sencial benigna é definida como Hmacro identificada de
miccional, e uretrocistoscopia.
um lado do trato urinário alto na cistoscopia na ausência
de lesões identificáveis na URO-TC. Nestes casos, o exa-
me de escolha é a ureteropieloscopia com ureteroscópio Referências recomendadas
1. Campbell-Walsh Urology. 11th International Edition. Wien AJ, El-
flexivel. O exame deve ser cuidadoso (evitar fio-guia até sevier, 2015.
a pelve renal), sistemático (visualização dos cálices su- 2. Nardi AC. Urologia Brasil. PlanMark, 2013.
periores para inferiores) com e sem irrigação. O objetivo 3. Davis R. Diagnosis, evaluation and follow-up of asyntomatic mi-
crohematuria in adults: AUA guideline. J Uro 2012 Dec;188 (6 Su-
é identificar pequenas lesões, como tumores uroteliais do ppl):2473-81.
trato alto ou hemangiomas. Pode-se realizar biópsia com 4. Loo RK. Stratifying risk of urinary tract malignant tumors in pa-
tients with asyntomatic microscopic hematuria. Mayo Clin Proc
Basket e/ou fulguração com laser. 2013;88:129-38.

176
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 24
Sarcomas
retroperitoneais

Leonardo Oliveira Reis


Stephanie Hanorah Philips
Elaine Cristina de Athaide
Os tumores retroperitoneais são raros, representam rém, não há dados específicos sobre os sarcomas primá-
0,2% de todas as neoplasias diagnosticadas atualmente. rios do retroperitônio no registro brasileiro de tumores.
Têm origem mesenquimal, a maioria, em torno de 70%, Frequentemente são esporádicos e poucos têm uma causa
são tumores malignos e uma minoria de lesões benignas, identificável, como SIDA (síndrome da imunodeficiência
dentre as quais destacam-se schwanoma, lipoma, lipoma- adquirida), irradiação, exposição a carcinógenos, síndro-
tose pélvica, mielolipoma, xantogranuloma, leiomioma, mes genéticas e edema crônico.4,5
ganglioneuroma e hemangiopericitoma. Dos tumores Dentre os sarcomas, os tipos mais frequentes são o li-
malignos originários do retroperitônio, 1/3 são sarcomas. possarcoma (20%), o histiocitoma fibroso maligno (14%)
Acometem preferencialmente indivíduos entre a 4ª e 6ª e o leiomiossarcoma (15%), sendo a análise imuno-his-
décadas, porém podem estar presentes em qualquer ida- toquímica importante na classificação histológica. Além
de, com discreto predomínio masculino. 1,2
dos sarcomas retroperitoneais primários, outras doenças
Os sarcomas de partes moles são tumores raros, 1%- malignas sistêmicas, como linfoma retroperitoneal e tu-
2% de todos os tumores malignos sólidos. A maioria dos mores de células germinativas metastáticas, podem se
casos de sarcomas afeta as extremidades, área da cabeça manifestar como massas retroperitoneais e precisam ser
e pescoço e genitália, a minoria, 10%-20%, está localiza- consideradas no diagnóstico diferencial.3,5
da no retroperitônio.1-3 Atualmente, a tomografia computadorizada (TC) ou
Os tumores retroperitoneais compartilham algumas ressonância magnética (RM) fornecem dados precisos
características biológicas importantes; tais característi- sobre o tamanho do tumor, localização, relações com es-
cas incluem uma tendência para o crescimento extensivo truturas próximas e outras características, incluindo hete-
antes de tornar-se clinicamente evidente (Figura 1). Há rogeneidade, limites, contato vascular (Figura 2), necrose
uma propensão para a invasão local de órgãos adjacen- e calcificação.3
tes e disseminação hematogênica tipicamente para os O estadiamento é definido pelo sistema TNM e con-
pulmões e fígado, em vez de metástase através de vias sidera principalmente o tamanho, a profundidade, o grau
linfáticas. Frequentemente estes tumores não se originam histológico e a presença de metástases. Recentemente es-
em um órgão específico, mas sim crescem a partir de teci- tima-se que 77% das mortes relacionadas com sarcoma
dos conjuntivos normalmente presentes no retroperitônio de retroperitônio estão associadas a recidiva local, sem
e pelve. a presença de metástases a distância. Portanto, o contro-
Estima-se que no Brasil ocorram 3.400 novos casos le local é medida importante no tratamento de pacientes
por ano e essa incidência tem aumentado, talvez como adultos com sarcoma de partes moles retroperitoniais.3
resultado do melhor reconhecimento e diagnóstico. Po- O sistema utilizado para estadiamento, TNM, define

Figura 1. Tomografia de abdome evidenciando massa tumoral volumosa à direita; após ressecção com 13 kg e 45 cm de extensão.
Fonte: Arquivo dos autores.

178
Sarcomas retroperitoneais

Figura 2. Angiotomografia de abdome com lesão englobando aorta terapia do linfoma não é a cirurgia, mas sim a quimio-
abdominal.
Fonte: Arquivo dos autores. terapia sistêmica, uma biópsia percutânea por agulha
pode acelerar o diagnóstico e direcionar o paciente para
um tratamento adequado. Outros cenários clínicos em
que uma biópsia pode ser indispensável incluem pa-
cientes nos quais se suspeita de metástase de um câncer
preexistente, pacientes com massa cirurgicamente não
ressecável.
A ressecção cirúrgica é o esteio do tratamento da
maioria dos sarcomas de tecidos moles retroperitoneais
primários considerados ressecáveis. É essencial que os
cirurgiões que conduzam a cirurgia de sarcoma retro-
peritoneal foquem na ressecção cirúrgica com margens
negativas, isso muitas vezes envolve a remoção de ou-
tros órgãos.
Recomendações relativas à radioterapia adjuvante
a extensão local e sistêmica dos tumores da seguinte devem ser individualizadas e não apenas com base no

forma: estado da margem no momento da ressecção original


ou posterior. É imperativo entender que a radiotera-
T0 Nenhum tumor demonstrável
pia adjuvante não deve ser considerada uma compen-
T1 Tumor medindo < 5 cm de diâmetro máximo sação para a ressecção cirúrgica incompleta ou mal
T2 Tumor medindo ≥ 5 cm em diâmetro máximo conduzida. Pacientes com sarcomas retroperitoneais
T3 Evidência de invasão macroscópica de estrutu- ressecados cirurgicamente, mas com doença residual
ras próximas pelo tumor microscópica (R1) devem ser considerados candidatos

N0 Nenhuma evidência histológica de linfonodo re- à radioterapia adjuvante pós-operatória.3,6


A quimioterapia sistêmica adjuvante é melhor indi-
gional
cada nos casos de sarcomas de partes moles de extremi-
N1 Nódulo linfático regional acometido histologi-
dades. O determinante mais importante da probabilida-
camente
de de recidiva do sarcoma retroperitoneal refere-se ao
M0 Sem metástase a distância estado da margem cirúrgica.
M1 Metástases distantes presentes O prognóstico dos sarcomas retroperitoneais é geral-
A extensão da ressecção cirúrgica do tumor primá- mente pobre. Isto é provavelmente devido à sua locali-
rio tem implicação prognóstica e é classificada como se zação profunda na cavidade retroperitoneal e ao grande
segue: espaço abdominal, os quais permitem seu crescimento
para um tamanho considerável e estágio avançado an-
R0 foi totalmente ressecado sem tumor residual e
tes de se tornar clinicamente aparente. De fato, mais de
margens cirúrgicas negativas
50% dos tumores excedem 15 cm de diâmetro no mo-
R1 Tumor residual microscópico = margens cirúr-
mento do diagnóstico e os tumores com peso superior a
gicas positivas
30 kg foram relatados.3
R2 Tumor residual macroscópico Melhores resultados são conseguidos em centros
R3 Derramamento e disseminação do tumor duran- multidisciplinares especializados, os quais têm expe-
te a ressecção riência na ressecção multivisceral, acometimento vas-
Uma biópsia pré-tratamento é importante nos casos cular nobre, alcançando baixas taxas de recorrência lo-
em que se suspeita de linfoma. Uma vez que a principal cal e boas taxas de sobrevida.

179
Referências
1. Spiess PE, Leibovici D and Pisters LL. Campbell Walsh Urology. 11ª dictors of outcomes in patients with primary retroperitoneal dedif-
ed. cap. 59, Retroperitoneal Tumors, p.1403-1413. ferentiated liposarcoma undergoing surgery. J Am Coll Surg 2014
2. Anaya DA et al. Multifocality in retroperitoneal sarcoma: a prog- Feb;218(2):206-17. doi: 10.1016/j.jamcollsurg.2013.10.009. Epub
nostic factor critical to surgical decision-making. Annals of Surgery 2013 Oct 25.
2009;249(1):137-142. 5. Demetri GD et al. Soft tissue sarcoma. Journal of the National Com-
3. Corrêa JHS, Farina R, Santos CER et al. Experiência do programa prehensive Cancer Network 2010;8(6):630-674.
de gestão pela qualidade total (PGQT) em um serviço de cirurgia on- 6. Gemici K, Buldu, Acar T, Alptekin H, Kaynar M, Tekinarslan E et al.
cológica. In: Congresso Brasileiro de Cirurgia, 24, 2001, São Paulo. Management of patients with retroperitoneal tumors and a review of
Anais... São Paulo, Colégio Brasileiro de Cirurgiões, 2001, p. 322. the literature. World J Surg Oncol 2015 Apr 9;13:143. doi: 10.1186/
4. Keung EZ, Hornick JL, Bertagnolli MM, Baldini EH, Raut CP. Pre- s12957-015-0548.

180
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 25
Infecção do
trato urinário

Auro Antonio Simões de Souza


Definição ITU recorrente por reinfecção
Entende-se por ITU (infecção do trato urinário) a res- ITU causada por novos micro-organismos em inter-
posta inflamatória na via urinária determinada por um valos variáveis após a erradicação da infecção prévia.
agente microbiano (bactéria e/ou vírus e/ou fungo e/ou Entende-se por recorrência a presença de três episódios
parasita) que pode causar ou não sintomatologia clínica. de ITU por ano ou dois episódios de ITU em seis meses.

ITU recorrente por recidiva


Epidemiologia ITU causada pelos mesmos micro-organismos duran-
Acomete 3% a 5% da população mundial e corres- te ou após o término do tratamento. Entende-se por re-
ponde anualmente nos EUA a mais de 8.600.000 consul- corrência a presença de três episódios de ITU por ano ou
tas médicas, aproximadamente 1 milhão de consultas de dois episódios de ITU em seis meses.
emergência e mais de 100.000 internações, sendo a sua
maioria por pielonefrites.1 Estes dados não contabilizam
Classificação
ITUs complicadas associadas a pacientes urológicos, em
Pode-se classificar o tipo de ITU através da sua lo-
que a prevalência não é bem conhecida.
calização anatômica: alta e baixa, sintomática ou assin-
Dentre as infecções nosocomiais, a ITU é primeira tomática, complicada ou não complicada, recorrente ou
em incidência, principalmente em pacientes que necessi- esporádica.
tam do uso de cateteres urinários.
Sua incidência varia de acordo com a faixa etária do
paciente e aumenta quando associada a fatores de risco.
Patogênese
A ITU ocorre devido ao desequilíbrio entre os meca-
nismos de defesa do hospedeiro e fatores de virulência
Conceitos dos uropatógenos.
As ITUs são causadas, em sua grande maioria, por
Bacteriúria
bactérias Gram-negativas (Escherichia coli, 85%) com
O achado de bactéria na urina, em qualquer quantida- origem intestinal, sendo seu reservatório natural o cólon.
de, é anormal. Infecções nosocomiais são provenientes, em sua gran-
Kass et al., em 1956, introduziram o termo bacteriú- de maioria, de Pseudomonas aeruginosa e Serratia mar-
ria, em que quando >100.000 UFC (unidade formadora cescens e necessitam de tratamento diferenciado, devido
de colônias)/ml trata-se de significativa e alta probabili- a sua resistência aos antibióticos. Outras bactérias, como
dade de sintomas irritativos associados. Enterococcus spp, assim como outros bacilos Gram-nega-
Estudos mostram que a ITU em mulheres sintomáticas tivos, como Klebsiella sp, Proteus mirabilis, Enterobacter
deve ser tratada com contagem de 102 UFC/ml; em homens sp, que apresentam alto índice de mutabilidade de adesão
com contagem de 103 UFC/ml; em pacientes em uso de urotelial, devem ter atenção especial na decisão do tempo
cateteres urinários com contagem de 104 UFC/ml. de tratamento específico e a associação de antibióticos.
Fatores relacionados ao paciente (hospedeiro) são: ida-
Bacteriúria assintomática de, fatores comportamentais, diabetes mellitus, lesões neu-
É a presença de bactérias na urina, de caráter constan- rológicas espinais, cateterismo urinário e gravidez.
te e resistente a antibioticoterapia. Indicação controversa Crianças do sexo masculino, nos primeiros dois a três
de tratamento em pacientes idosos assintomáticos trata- meses de vida, apresentam maior suscetibilidade a ITUs,
dos, pois trabalhos mostram que não há diminuição da após este prazo as do sexo feminino são mais frequente-
morbidade e mortalidade neste grupo, pois existe o risco mente acometidas. Crianças com ITU de repetição apre-
desnecessário de seleção de bactérias mais resistentes e sentam 2% a 10% de chance de apresentarem malforma-
da interação alérgica às drogas, além dos custos do tra- ções obstrutivas nas vias urinárias e a frequência de refluxo
tamento. Estas regras não são seguidas quando presentes vesicoureteral, em torno de 20% a 30% dos casos.4
sintomas urinários, obstruções do trato urinário e comor- Após a puberdade, coincidindo com o início da ativi-
bidades como diabetes. dade sexual, as mulheres têm um risco significativamente

182
Infecção do trato urinário

maior de desenvolverem ITU que os homens. As mulheres a. Propriedade antibacteriana da urina (elevada os-
adultas têm 50% de chance de apresentarem pelo menos molaridade, baixo pH urinário, ácidos orgânicos e
1 episódio de ITU durante a vida. Condições anatômicas concentração de ureia);
próprias, associadas a processos infecciosos vaginais e a b. Propriedade da mucosa do trato urinário (citocini-
diminuição dos fatores biológicos protetores favorecem o nas e mecanismos de aderência);
surgimento de ITU.2 c. Propriedade mecânica da micção: dinâmica do es-
Bacteriúria assintomática e ITU sintomática são mais vaziamento vesical (facilidade de esvaziamento da
frequentes em pacientes diabéticos do que não diabéticos. via urinária);
O diabetes leva a um maior risco de complicações, incluin- d. Resposta imune e inflamatória do organismo (re-
do raras formas de ITU, como cistite e pielonefrite enfi- ceptores na mucosa do urotélio contra antígenos
sematosa, abscesso, necrose de papila renal e pielonefrite bacterianos, desencadeando e modulando a respos-
xantogranulomatosa. ta imune);
Pacientes grávidas sofrem alterações fisiológicas anato­ e. Integridade anatômica e funcional nas vias urinárias;
mo­funcionais e apresentam uma maior chance de bacteri- f. Grau de exposição e quantidade de micro-orga-
úria (2% a 10%), o que corrobora uma maior incidência e nismo (inóculo): quanto maior o inóculo, maior a
gravidade no quadro de ITU (sem tratamento adequado, chance de infecção.
30% desenvolvem pielonefrite), principalmente no primei-
ro trimestre de gravidez.3 Agressores ligados ao agente
Na população geriátrica (idade superior a 60 anos em infeccioso (exemplo: E. coli)
ambos os sexos) com alteração morfofuncional do trato • Flagelo ou antígeno “H”, responsável pela motilida-
urinário, incontinência urinária, coexistência de outras de bacteriana;
morbidades, declínio da imunidade e diminuição da cog- • Cápsula ou antígeno “K”, confere resistência à fa-
nição, a apresentação clínica de ITU é frequentemente gocitose pelos neutrófilos;
assintomática, sendo que uma urocultura positiva, não • Polissacarídeos ou antígeno “O”, superfície externa
necessariamente, requer tratamento. da membrana bacteriana - útil na identificação da
Existem quatro formas de um micro-organismo alcan- sorotipagem bacteriana e discriminação entre recor-
çar a via urinária e promover infecção: rência e reinfecção;
Via ascendente - (uretra/bexiga/ureter/rins). Muito fre- • Capacidade de aderência às células uroteliais e va-
quente em mulheres que anatomicamente têm uma uretra ginais;
menos extensa e em pacientes submetidos a instrumenta- • Resistência à atividade bactericida ao meio plasmático;
ção local (sondagens/instrumentação cirúrgica). Explica- • Produção de hemolisina;
ção lógica do aumento da frequência de ITU em mulheres • Produção do fator citotóxico necrotizante tipo I.
do que em homens e o risco aumentado de infecções após
cateterismo vesical e após manipulação urológica. Uma vez quebrados estes pontos de equilíbrio dos fa-
Via hematogênica - devido a presença de micro-orga- tores defensivos e agressores, ocorre ITU.
nismos na via hematogênica (infecção sistêmica) originá-
ria de um foco em órgão próximo ou distante.
Via linfática - semelhante à via hematogênica, porém
rara.
Extensão direta: fístulas vesicovaginais, vesicointesti-
nais e por abscessos perivesicais.

Fatores protetores vs. agressores


Protetores
Existem fatores protetores nas vias urinarias que difi-
cultam a instalação de um micro-organismo:

183
turo e mortalidade fetal. Justifica-se portanto tratamento
Quadro clínico precoce, uma vez iniciados os sintomas urinários baixos.
As manifestações clínicas são dependentes de diver-
Pacientes em uso de sonda: Podem apresentar qua-
sos fatores: idade do início da doença, localização na via
dro febril associado a dores abdominais, hematúria e
urinária, presença de estase urinária, estado nutricional
sepses. Alterações na coloração urinária (“piúria”) obser-
do paciente, nível de compreensão e expressão dos sinto-
vadas no coletor de urina.
mas, número de infecções anteriores e intervalo de tempo
A sonda vesical e o coletor de urina “estéril” devem
entre a última infecção e a atual. As mulheres, devido
ser trocados (evitando-se o biofilme bacteriano presente)
à proximidade anatômica das estruturas locais (vagina/
e caso a bacteriúria persista 48 horas após a retirada, indi-
reto), com consequente colonização de bactérias, apre-
ca-se o tratamento específico. No caso de um paciente em
sentam uma maior incidência de ITUs, principalmente
estado clínico crítico com diagnóstico presuntivo de ITU,
nas fases iniciais da vida e durante a fase sexual. Nos
deve-se fornecer tratamento antibiótico imediato.
homens, o primeiro episódio de ITU deverá ser investiga-
do, pois em sua grande maioria está associado a fatores
anatômicos patológicos (fimose/balanopostite/hiperpla- Diagnóstico
sia prostática benigna).
Uma importante característica clínica dos quadros Laboratorial
de ITU, em qualquer idade, é a recidiva, principalmente Tiras de exame (dipstick) na presença de nitrito [+] e
quando o quadro clínico não é convenientemente aborda- estearase leucocitária [+] é uma ferramenta diagnóstica
do em todas as suas particularidades. eficiente, rápida e de baixo custo-benefício em relação ao
Recém-nascidos: Geralmente apresenta-se como um exame microscópico de urina, principalmente em paciente
quadro séptico, predominando algumas manifestações feminina com sintomas de ITU aguda. Caso a estearase ou
gerais, como dificuldade de sucção, vômitos, palidez, o nitrito sejam negativos e exista leucocitúria, indica-se exa-
pele acinzentada, cianose, icterícia, choro, irritabilidade, me de sedimento urinário associado ou não a bacterioscopia
hipoatividade, convulsões, febre ou hipotermia. (Gram), que pode demonstrar a presença de bactérias.
Lactentes: A febre se manifesta como a principal ma- Usualmente realiza-se o exame de urina I (urina do
nifestação e em muitas vezes como único sinal de ITU. jato médio) colhido após assepsia local genitoperineal,
Pré-escolares: A febre também é muito frequente, onde o achado microscópico de 8 leucócitos/campo de
podendo associar a adinamia, calafrios, dor abdominal 400x, associado a sintomatologia clínica, diagnostica o
e nos flancos sugere pielonefrite aguda. Por outro lado, processo infeccioso.
quando presentes polaciúria, disúria, enurese, urgência, O exame definitivo para o diagnóstico de ITU é a
incontinência ou mesmo até retenção urinária, faz lem- urocultura com antibiograma, que é recomendada em
brar quadro de cistite. pacientes com suspeita de ITU complicada (pielonefrite
Adolescentes: Os sintomas mais comuns são disúria, aguda/crônica/xantogranulomatosa/abscesso renal).
polaciúria e dor à micção. O hemograma que mostra leucocitose e desvio à es-
Podem ainda estar presentes: urgência miccional, he- querda associado a um aumento da velocidade de hemos-
matúria e dor suprapúbica. sedimentação pode indicar ITU complicada (pielonefrite/
O início da atividade sexual na adolescência pode ser abscesso perirrenal/abscesso renal).
acompanhado de surtos de ITU, principalmente no sexo
feminino. Radiológicos
Adultos: Disúria, polaciúria, dor à micção e hematú- Deve-se suspeitar de presença de complicações (pro-
ria terminal. cessos obstrutivos/abscesso perirrenal/renal) em todos os
Gravidez: Cerca de 4% a 10% das gestantes têm bac- indivíduos em que a febre persista após cinco dias de an-
teriúria assintomática, e 1% a 4% desenvolvem cistite tibioticoterapia adequada. Pacientes diabéticos, pacien-
aguda. A pielonefrite aguda afeta 1% a 2% das gestantes tes com insuficiência renal crônica, pacientes com ITU
no final do 2º e no início do 3º trimestre de gravidez (es- de repetição e achado de germes incomuns na urocultura
tase urinária fisiológica). As implicações de ITU assin- devem ser investigados através de exame radiológico das
tomática são de evolução para pielonefrite, parto prema- vias urinárias.

184
Infecção do trato urinário

Inicialmente indica-se ultrassonografia das vias Cistite aguda no homem


urinárias devido a sua inocuidade, porém o exame de Normalmente associada a quadros de aumento pros-
maior sensibilidade e especificidade é a tomografia, tático em pacientes com estase urinária. Antes do trata-
que consegue diagnosticar processos iniciais e tardios mento clínico deve-se colher amostra de urina (sedimen-
infecciosos (massas hipodensas/evolução para liquefa- to urinário) e urocultura/antibiograma.
ção/abscessos). Os protocolos de tratamento utilizam as drogas: nor-
floxacino (400 mg) 12/12h // ciprofloxacino (250 mg)
Tratamento 12/12h // levofloxacino (250 mg) 24/24h // offoxacino
O princípio do tratamento da ITU baseia-se na er- (200 mg) 24/24h // ácido nalidixico (500 mg) 6/6h //
radicação das bactérias nas vias urinárias, devendo-se nitrofurantoína (100 mg) 6/6h // cefadroxila (250 mg)
fundamentar através das características do hospedeiro, 12/12h // cefalexina (250 mg) 6/6h. Tempo de tratamento
natureza biológica do micro-organismo, conhecimento não inferior a 7 dias.
da história natural e eficácia medicamentosa determi-
Cistite em pacientes diabéticos
nada para cada quadro clínico específico. A escolha do e imunossuprimidos
antibiótico mais adequado deve ser orientada pelo seu Deve-se colher previamente exames de urina (sedi-
espectro de ação e padrão de suscetibilidade dos uropa- mento urinário) e urocultura com antibiograma. Poste-
tógenos. riormente ao tratamento deve-se repetir a urocultura.
Os protocolos de tratamento utilizam as drogas: nor-
Bacteriuria assintomática
floxacino (400 mg) 12/12h // ciprofloxacino (250 mg)
Não deve ser tratada, excetuando-se: gravidez, pré-
12/12h // levofloxacino (250 mg) 24/24h // ofloxacino
-operatório de cirurgias urológicas, pré-operatório de co-
(200 mg) 24/24h // ácido nalidíxico (500 mg) 6/6h //
locação de próteses, portadores de transplante de órgãos
nitrofurantoína (100 mg) 6/6h // cefadroxila (250 mg)
sólidos e granulocitopenia.
12/12h // cefalexina (250 mg) 6/6h.Tempo de tratamento
três dias.
Cistite aguda na mulher
Na existência de sintomas sistêmicos como febre, dor
A terapia em dose única de antibiótico não é muito
abdominal ou em flancos, náuseas ou vômitos, suspeita-se
aceita devido a achados na literatura que mostram taxas
de pielonefrite, e realiza-se o tratamento por 10 a 14 dias.
inferiores de cura e maior recorrência da ITU quando
comparada ao tratamento padrão com três dias de anti- Pielonefrite aguda
biótico. A eficácia do tratamento padrão com três dias é O tratamento inicial inclui cuidados de suporte com
superior a 90%. hidratação, analgesia e início de terapia antibiótica em-
Os protocolos de tratamento utilizam as drogas: nor- pírica. A maioria dos pacientes pode ser tratada sem in-
floxacino (400 mg) 12/12h // ciprofloxacino (250 mg) ternação, após 12 horas de observação, hidratação e an-
12/12h // levofloxacino (250 mg) 24/24h // ofloxacino tibiótico parenteral, com sucesso de 97%. Necessita de
(200 mg) 24/24h // ácido nalidíxico (500 mg) 6/6h // internação o paciente com suspeita de complicações, es-
nitrofurantoína (100 mg) 6/6h // cefadroxila (250 mg) tado geral debilitado, impossibilidade de hidratação oral,
12/12h// cefalexina (250 mg) 6/6 h. gravidez e falta de aderência ao tratamento.
Os pacientes que apresentam pielonefrite aguda não
Cistite aguda em grávidas complicada que toleram via oral podem ser tratados de
Deve-se colher previamente exames de urina (sedi- modo empírico com fluoroquinolonas (levofloxacino 500
mento urinário) e urocultura com antibiograma e na ne- mg/dia ou ciprofloxacino 500 mg - 12/12 h durante 7 dias.
cessidade de tratamento imediato, opta-se por cefadroxila Nos pacientes hospitalizados opta-se por ceftriaxona
(250 mg) 12/12h // cefalexina (250 mg) 6/6h // amoxici- – 2 g/dia - EV ou IM ou ciprofloxacino 400 mg - EV
lina (500 mg) 8/8h. Tempo de tratamento não inferior a 12/12h. Os aminoglicosídeos como a gentamicina - 2
7 dias. Não se deve utilizar quinolonas (contraindicadas) mg/kg de peso 1x/dia IM ou EV/amicacina 500 mg - IM
durante a gravidez. ou EV - 12/12h são boas alternativas.

185
Os pacientes inicialmente tratados com antibióticos mg/dia // celafexina 125 mg/dia // cefaclor 250 mg/dia //
por via parenteral, que melhoram clinicamente, podem norfloxacino 200 mg/dia // ciprofloxacino 125 mg/dia.
continuar o tratamento com antibióticos via oral durante Utilização de estrógenos tópicos é altamente efetiva em
7 dias. Os pacientes que demoram a apresentar melhora mulheres menopausadas que habitualmente apresentam
clínica (>72h) devem ser tratados por 14 a 21 dias, mesmo ITU e cistite de repetição. Sua atuação é na regeneração
sem evidência de complicação. do tropismo vaginal, no restabelecimento da colonização
O prognóstico da pielonefrite aguda não complicada por lactobacilos e na eliminação dos uropatógenos. Nor-
é bom desde que o diagnóstico seja rápido e o tratamento malmente se utiliza estriol (creme vaginal) 2x/semana/4
seja adequado para evitar complicações.5 a 6 meses.

Profilaxia de ITU
Deve-se considerar a necessidade de tratamento profi- Referências
1. Foxman B. The epidemiology of urinary tract infection. Nat Rev
lático para pacientes com ITU de repetição. A hidratação Urol 2010;7:653-660.
2. Duarte G, Marcolin AC, Quintana SM, Cavalli RC. Urinary tract
e o estímulo às micções frequentes contribuem para trata- infection in pregnancy. Rev Bras Gineco Obstet 2008;30(2):93-100.
mento e prevenção da ITU. 3. Marques LPJ. Epidemiological and clinical aspects of urinary tract
infection in community - dwelling elderly women. Braz J Infect Dis
Utiliza-se antibiótico em baixa dosagem (metade a 1/4 2012;6(5):436-441.
da dose usual) à noite com duração de 2 a 6 meses. Traba- 4. Cai T et al. The role of asymptomatic bacteriuria I young women
with recurrent urinary tract infections to treat or not treat. Cain In-
lhos mostram redução do índice de reinfecção em aproxi- fect Dis 2012;55(6):771-7.
5. Gupta K, Hooton TM, Naber KG, Wullt B, Colgan R, Miller LG
madamente 95% dos casos. et al. International clinical practice guidelines for the treatment of
Os antibióticos mais utilizados são: nitrofurantoína acute uncomplicated cystitis and pyelonephritis in women: a 2010
update by the European Society for Microbiology and Infectious
100 mg/dia // sulfametoxazol-trimetoprima 400 mg+80 Diseases. Clinical Infectious Diseases 2011;52(5):e103-e120.

186
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 26
Tuberculose
urogenital

Fábio Atz Guino


Kendi Fukuda
Fábio Peretti Prieto Fernandes
A tuberculose (TB) é uma doença infecciosa de bexiga. O BCG é uma vacina viva atenuada derivada de
grande prevalência em todo o mundo, sendo um dos Mycobacterium bovis (M. bovis), membro do complexo
grandes diagnósticos diferenciais de todos os tempos. Mycobacterium tuberculosis (MTBC). Embora rara, a
As grandes revisões sobre tuberculose urogenital datam tuberculose geniturinária complica em 0,9% dos pacien-
desde o século XX. As pesquisas epidemiológicas atuais tes que recebem a irrigação por BCG. Os casos incluem
focam no novo ressurgimento da doença, bem como as pielonefrite, abscessos renais, obstrução ureteral, cistite,
modalidades de rápido diagnóstico e os novos regimes prostatite e orquiepididimite.
de tratamento e resistência bacteriana. Outros órgãos geniturinários podem ser envolvidos
Datada de registros desde a 18a dinastia egípcia, por meio direto (autoinoculação direta geniturinária ex-
durante o século XVII sua epidemia tomou enormes terna de fezes ou urina, pessoas para pessoa após conta-
proporções, causando um quarto de todas as mortes da to de lesões genitais ou orais), endoluminal ou linfático.
Inglaterra. O bacilo causador da tuberculose, Mycobac-
terium tuberculosis (MBTB), foi identificado e descrito
Imunologia ou patogênese
em 1882 por Robert Koch.
A micobactéria se divide lentamente dentro de ma-
crófagos alveolares na via respiratória. São necessárias
Epidemiologia de 2 a 12 semanas antes que o número de micobacté-
rias seja suficiente para montar uma resposta imunitária
Incidência celular clinicamente detectável, e antes deste desenvol-
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima cer- vimento, os bacilos da tuberculose podem se espalhar
ca de 8,6 milhões de casos novos ocorridos em 2012, através dos linfáticos para os linfonodos hilares e, final-
comparados com 9,24 milhões de casos novos (140 mente, através da corrente sanguínea para semear outros
por 100.000) em 2006. É estimado que 1,37 milhões órgãos distantes.
(14,8%) dos casos de 2007 sejam HIV positivo. Em 90% a 95% o acometimento pulmonar é contro-
lado através de citocinas inflamatórias liberadas pelos
Tuberculose geniturinária macrófagos infectados como a interleucina 6 (IL-6), IL-
Os sítios extrapulmonares respondem por 10% dos 12, IL-1β e fator de necrose tumoral-α (TNF-α). Este
casos de tuberculose. A tuberculose geniturinária (GU) processo imunológico junta-se em centros granulomato-
corresponde a 30% a 40% de todas as manifestações sos que podem agrupar a bactéria em latência, marcada
extrapulmonares, em segundo lugar, atrás apenas da por cicatrização e calcificação, podendo ressurgir anos
afecção linfonodal. Dentro dos países desenvolvidos, a mais tarde. Em menos de 5% das pessoas infectadas,
tuberculose geniturinária aparece associada a tuberculo- a infecção inicial não é controlada e progride para TB
se pulmonar em 2% a 10% dos casos, e nos países em ativa (progressão primária).
desenvolvimento isso ocorre em 15% a 20% dos casos. Idade avançada, insuficiência renal, diabetes melli-
tus, desnutrição, infecção por HIV e outras supressões
Transmissão e desenvolvimento imunes alteram o equilíbrio entre hospedeiro e patóge-
da doença nos em favor do patógeno. O tratamento de pacientes
com tuberculose latente com isoniazida (INH) por nove
A principal disseminação da tuberculose é por via
meses pode diminuir o risco de reativação em 90%.
hematogênica. O rim e epidídimo em homens e as trom-
pas de Falópio em mulheres são os principais locais ge-
niturinários envolvidos. A próstata também é considera- Manifestações clínicas e patológicas
da um dos locais para acometimento hematogênico, seu Sintomas e sinais de tuberculose geniturinária são
envolvimento com bacilos na urina é bem comum. frequentemente inespecíficos. Os sintomas constitucio-
A infecção ascendente ou retrógrada é a segunda nais típicos são febre, perda de peso, sudorese noturna
via de infecção, embora menos significativa. Este é o e mal-estar, presentes em menos de 20% dos pacientes.
caso da TBGU após a irrigação da bexiga com bacilo de Até 50% dos pacientes com a patologia apresentam ape-
Calmette-Guérin (BCG), para o tratamento de câncer de nas disúria na apresentação, 50% têm sintomas de ar-

188
Tuberculose urogenital

mazenamento e 33% têm hematúria e dor no flanco. A casos. A progressão da doença em granuloma caseoso
cólica renal ocorre em menos de 10% dos pacientes e resulta em um epidídimo nodular, além de estreitamen-
corresponde à passagem de tecido papilífero necrótico, to e obliteração do lúmen. Pode estender-se para os tes-
coágulos, pedras e secreção purulenta e caseosa. tículos, formando granulomas tanto nos ductos seminí-
O rim é o local mais comum da tuberculose geni- feros como no tecido conjuntivo do testículo.
turinária. Nesses pacientes, a biópsia revela nefrite A próstata é infectada por disseminação hemato-
intersticial granulomatosa induzida por TB, outras gênica ou contaminação urinária. Manifesta-se como
manifestações incluem glomerulonefrite de deposição prostatite bacteriana e deve ser suspeitada em pacientes
de complexo imune e amiloidose secundária a TB. O com prostatite crônica que persiste apesar dos antibió-
acometimento de múltiplos órgãos por via hematogêni- ticos. As quinolonas utilizadas no tratamento de rotina
ca disseminada é conhecido como tuberculose miliar e são ativadas contra a tuberculose; no entanto, o curto
acarreta uma alta mortalidade, formando lesões no cór- ciclo de tratamento não irá resolver ou voltará rapida-
tex e medula renal e não costuma alterar a função renal. mente. Os abscessos prostáticos são raros. O acometi-
Na infecção mais localizada do rim, os bacilos se mento das vesículas seminais pode levar a infertilidade,
alojam primeiro nos capilares glomerulares. Granu- oligospermia, azoospermia ou hemospermia.
lomas se formam no parênquima renal e coalescem,
podendo formar cavidades com material necrótico.
Levando a abscessos, pielonefrite e calcificações do pa-
Diagnóstico
O principal objetivo do trabalho de diagnóstico é o
rênquima e cálices renais, distorcendo a anatomia da via
isolamento do complexo Mycobacterium tuberculosis
coletora.
(MTBC) em cultura para os testes de suscetibilidade aos
Um processo chamado autonefrectomia, quando o
fármacos. No contexto clínico, o achado de granulomas
rim torna-se não funcionante pela progressão da doen-
com caseação pode apoiar o diagnóstico de TB quando
ça, é uma complicação presente em até 33% dos pa-
as culturas vierem negativas. Quando ausentes, o diag-
cientes com TBGU. A insuficiência renal terminal de-
nóstico de TBGU baseia-se na constelação de achados
senvolve-se em aproximadamente 7% dos pacientes. A
clínicos consistentes em um paciente com provável ex-
inflamação crônica pode levar a metaplasia escamosa,
posição e resposta ao tratamento empírico. Como até
risco para carcinoma de células escamosas.
20% das TBGU ocorrem concomitantemente com TB
A tuberculose nos ureteres ocorre através da descida
pulmonar é útil também avaliar a presença de doença
da infecção dos rins. A inflamação subsequente leva a
pulmonar.
cicatrizes e estenose, devido à formação de granulomas.
Comumente a estenose se apresenta na porção distal na Cultura
junção ureterovesical, mas pode ocorrer em todo o ure- O padrão ouro atual para o diagnóstico de TBGU é
ter, em uma forma “pan-ureteral”, levando a uma apa- a cultura de bacilos acidorresistentes (AFB). A sensi-
rência de “saca-rolhas” - dilatação segmentar. bilidade das culturas de AFB na urina é tão alta quanto
A infecção descendente para a bexiga geralmente 80% quando coletadas da maneira correta. A coloração
começa perto dos orifícios ureterais e se espalha para de Ziehl-Neelsen pode ser feita na urina, mas a sensibi-
outras áreas, promovendo uma cistite irregular. Ulcera- lidade é inferior a 50%. Além disso, qualquer tecido ob-
ções podem se desenvolver, a cúpula da bexiga é a mais tido para biópsia ou cirurgia também deve ser cultivado.
afetada, enquanto o trígono e o colo geralmente perma-
necem normais. Desenvolvem-se aumento na frequên- Teste de amplificação de ácidos
cia urinária, urgência miccional, disúria após inflama- nucleicos (NAATs)
ção crônica e por fim diminuição da capacidade vesical O NAATs para detecção de MTBC pode fornecer o
para menos de 100 mL. Hiperatividade detrusora é uma resultado dentro de 1 a 2 dias. Pode auxiliar a detecção
complicação tardia. em casos de baixa carga de bacilos. Os testes relatam
O epidídimo é o segundo mais acometido via hema- sensibilidade variando de 87% a 90% comparado com
togênica após o rim. Está envolvido em 10% a 55% dos a cultura. Porém, a urina contém inibidores naturais
pacientes em TBGU. A infecção é bilateral em 34% dos que interferem no processo de amplificação no DNA,

189
resultando em falso-negativo. A sensibilidade do teste são as alterações obstrutivas resultantes da cicatrização
de PCR para TBGU também depende do tipo de ampli- e distorção do sistema coletor. A descoberta de uma
ficação de sequência utilizada. pelve renal “levantada”, com angulação aguçada da jun-
ção ureteropélvica (JUP) é conhecida como “torção de
Histopatológico Kerr”.
A histopatologia mostra achados consistentes com A tomografia computadorizada (TC) com urografia é
TB em 38,3% dos casos de TBGU nos países desenvol- a modalidade mais utilizada na investigação em países
vidos e 21,9% dos casos globalmente. Como as cultu- desenvolvidos. Os scanners multidetectores high-end
ras de urina são por vezes negativas, a biópsia de tecido podem detectar lesões pequenas quanto 3 a 4 mm. A
pode auxiliar no diagnóstico de TBGU. Embora as mi- TC é mais sensível do que a radiografia na detecção de
cobactérias não sejam frequentemente vistas, o achado calcificações e espessamento dos ductos coletores, além
de granulomas caseoso no contexto clínico apropriado de abscessos perinefríticos e psoas, gânglios linfáticos,
pode ajudar a estabelecer o diagnóstico. vértebras, baço, fígado, próstata e vesículas seminais. A
Teste de screening TC é menos sensível para detectar espessamento uro-
O teste cutâneo da tuberculina (TCT) e os ensaios de telial mínimo, necrose papilar sutil e outras alterações
liberação de interferon-gama não diferenciam entre TB precoces para as quais a urografia excretora é o estudo
latente e ativa. Eles têm atividade limitada no diagnós- preferido.
tico da doença ativa. A principal desvantagem é que o A pielografia retrógrada pode ser utilizada nos casos
TCT não é específico da doença ativa. A vacinação com onde a insuficiência renal ou alergia ao contraste impe-
BCG e a infecção com micobactérias não tuberculosas dem a realização de TC ou urografia.
podem provocar uma reação positiva.
Ultrassonografia (USG)
Radiografia A USG tem um papel limitado no diagnóstico de
A TBGU gera um amplo espectro de achados de TBGU porque os achados são geralmente inespecíficos.
imagem. O teste de escolha depende da localização da É útil em pacientes pediátricos e gravídicos devido a
doença e deve ser conduzido por sintomas e outros da- falta de exposição à radiação. Pode ser utilizada para
dos clínicos. A imagem é por muitas vezes o primeiro avaliar espessamento em testículo, epidídimo, próstata
teste de que a TB é a causa do distúrbio GU. A radiogra- e vesículas seminais. As calcificações focais aparecem
fia do rim, ureter e bexiga demonstrará frequentemente como áreas altamente ecogênicas com sombreado distal.
calcificações causadas pela TB, que estão presentes em A USG identifica lesões císticas e abscessos.
mais de 50% dos pacientes. As lesões renais iniciais po-
dem aparecer como calcificações pontuais fracas dentro Ressonância nuclear magnética (RNM)
do parênquima, evoluindo para calcificações globulares. A RNM não é comumente usada no levantamento
A necrose papilar aparece como calcificações triangula- da TBGU. Pode detectar granulomas pequenos nas ima-
res semelhantes a anéis no sistema coletor. gens em T1 e T2. As lesões maiores têm hiperdensidade
A urografia excretora é o padrão ouro para imagens central em imagens T2 devido ao aumento da celulari-
de tuberculose renal precoce. As alterações erosivas ini- dade no centro do granuloma. Lesões maiores podem
ciais do urotélio aparecem como perda de nitidez e irre- imitar a malignidade e nem sempre é possível diferen-
gularidades de borda. Quando um cálice ou infundíbulo ciar os dois. Pode ajudar a distinguir hidronefrose de
é acometido, a excreção do contraste pelo parênquima pionefrose.
renal pode falhar, criando um “cálice fantasma” no local
onde o cálice deve ser visível. Cistoscopia e ureteroscopia
O ureter pode assumir uma aparência de “saca-ro- A endoscopia, embora permita a visualização dire-
lha” frisado como resultado de fibrose nodular ao longo ta das lesões, os achados podem ser inespecíficos. Eles
de todo o ureter, altamente sugestivo de TB. Algumas incluem hiperemia local, erosão da mucosa, ulceração,
vezes o abscesso perinefrítico pode sugerir TB, princi- massas granulomatosas e irregularidade dos orifícios
palmente se houver restrições do movimento renal. En- ureterais. Lesões ulcerativas podem imitar a malignida-
tretanto, os achados mais comuns na urografia excretora de. Um orifício ureteral do tipo “orifício de golfe” su-

190
Tuberculose urogenital

gere a presença de TB e quando encontrado, a imagem à espera de suscetibilidade ao fármaco e é interrompi-


do trato superior ou endoscopia devem ser realizados. do se verificado que a cepa é suscetível aos fármacos
As biópsias devem ser realizadas sempre que possível. de primeira linha. Os fármacos de primeira linha atin-
gem altas concentrações na urina e funcionam bem em
Tratamento ambientes ácidos. A fase intensiva de tratamento visa a
multiplicação da bactéria, enquanto a fase de continua-
Terapia medicamentosa ção tenta erradicar multiplicadores lentos, esporádicos
O tratamento bem-sucedido da TB requer vários me- e bactérias persistentes.
dicamentos por várias razões. Os bacilos da tuberculose Embora seis meses sejam a duração da terapia pa-
existem em diferentes microambientes dentro do hos- drão de curta duração, surgem regularmente cenários
pedeiro. Fazem com que ele exiba diferentes necessida- que requerem prolongamento do tratamento. Alguns
des metabólicas e velocidade de replicação. As drogas clínicos recomendam 12 meses de terapia para TBGU
variam em sua atividade contra a MTBC; algumas bac- devido a altas taxas de recidivas de até 22% quando a
tericidas, enquanto outras são apenas bacteriostáticas. terapia é administrada por apenas seis meses.
Algumas drogas funcionam melhor em bactérias que se Todos os fármacos agentes de primeira linha, exce-
replicam rapidamente e outras são eficazes contra baci- to o etambutol, podem causar toxicidade hepática, que
los dormentes. Os fármacos também penetram de for- pode ser revertida com descontinuidade do fármaco.
mas diferentes em vários tecidos e otimizam sua função Os efeitos anti-inflamatórios dos corticosteroides
em diferentes pHs. Além disso, a terapia com múltiplos são utilizados para impedir uma resposta imune exces-
fármacos previne o surgimento de cepas resistentes ao siva ao hospedeiro, causando destruição do tecido.
fármaco.
O tratamento combinado de primeira linha deve Terapia cirúrgica
ser iniciado com isoniazida (INH), rifampicina, pirazi- Cerca de 55% dos pacientes com TBGU necessita-
namida e etambutol. Além do início do tratamento, as rão de tratamento cirúrgico durante o curso da doença.
medições de linha de base devem incluir contagem de A intervenção é mais frequente à medida que a doença
hemoglobina e função renal e hepática. Os doentes de- avança. Procedimentos cirúrgicos são realizados para
vem ser testados para HIV e quando apropriado, para aliviar a obstrução urinária e drenar o material infec-
hepatite B e C. tado, para remover rins não funcionantes em casos de
Os agentes de segunda linha são reservados para pa- resistência para a cura, para melhorar a hipertensão me-
cientes nos quais os agentes de primeira linha falham, dicamentosa secundária a um rim funcionante excluído,
apresentam efeitos colaterais ou resistência aos fárma- ou para reconstruir o trato urinário. Atualmente, mais da
cos. Recentemente, drogas adicionadas aos agentes de metade das operações realizadas para TB são reconstru-
segunda linha são fluorquinolona, linezolida e a beda- tivas. O momento ideal para a cirurgia é de quatro a seis
quilina – primeira droga em 40 anos específica para meses após o início da terapia medicamentosa.
tratar tuberculose, aprovada para uso em dezembro de A preservação de órgão é o objetivo fundamental na
2012, pela Food and Drugs Administration (FDA), após gestão cirúrgica da TBGU, No entanto, é considerada a
conclusão da fase de estudo 2b. A bedaquilina é utiliza- nefrectomia em dois contextos. O primeiro é o paciente
da apenas como parte terapêutica de combinação para com um rim não funcionante e a tuberculose recorrente,
tuberculose resistente a fármacos. apesar da terapia médica ideal. Após nefrectomia do rim
A TBGU pode ser tratada com sucesso com o regi- infectado, foram relatadas taxas de recidivas inferiores a
me padrão de curta duração de seis meses de fármacos 1% após o tratamento de curta duração. O segundo ce-
antituberculosos de primeira linha. O tratamento inicia- nário é o paciente com insuficiência renal e hipertensão
-se com a fase intensiva de dois meses diários de INH, persistente ao tratamento clínico. A nefrectomia melhora
rifampicina e pirazinamida, ou alternadamente três ve- a hipertensão em 65% dos pacientes. Em geral, a nefrec-
zes por semana. A administração de piridoxina (vita- tomia é realizada em 27% dos pacientes com TBGU.
mina B6) minimiza o risco de neuropatia induzida por As estenoses ureterais inferiores são as mais comuns
INH. O etambutol é adicionado no início do tratamento e muitas vezes requerem intervenção cirúrgica aberta.

191
As estenoses ureterais podem ser tratadas a princípio TBGU, a estenose do sistema coletor ocorre com menos
para drenagem renal da urina. Um stent duplo J, uma dila- frequência (12,55 versus 93,8% em pessoas soronegativas)
tação por balão transureteroscópica são opções. A incapa- e há uma menor incidência da contratura da bexiga (12,5%
cidade de melhora ou progressão após seis meses de trata- versus 65,3% em pessoas HIV negativas com TBGU).
mento clínico é uma indicação para o tratamento cirúrgico Apesar da menor incidência cicatricial, a TBGU em pes-
aberto, assim como estenoses longas e complexas. soas HIV positivas está associada a alta mortalidade.

Monitorização e recidiva da tuberculose


Mesmo com o tratamento otimizado, como em qual-
Referências recomendadas
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quer infecção, a tuberculose pode ser recidiva em 2% a -Walsh Urology. Tuberculosis and Parasitic Infections of the Genitou-
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TBGU, alguns pesquisadores recomendam dez anos de se- 3. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Treatment of tu-
guimento, pois o tempo médio de recidiva foi de 5,3 anos. berculosis, American Thoracic Society, CDC, and Infectious Diseases
Society of America. MMWR Recomm Rep 2003;52(RR-11):1-77. 
4. Figueiredo AA, Lucon AM. Urogenital tuberculosis: upda-
Tuberculose geniturinária e o vírus da te and review of 8961 cases from the world literature. Rev Urol
imunodeficiência humana (HIV) 2008;10(3):207-17. 
A infecção por HIV aumenta o risco de tuberculose 5. Goel A, Dalela D. Options in the management of tuberculous ureteric
stricture. Indian J Urol 2008;24(3):376-81. 
ativa 30 vezes. Em um pequeno estudo na Índia, TBGU 6. Gupta NP, Kumar A, Sharma S. Reconstructive bladder surgery in
foi encontrado pós-morte em 49% dos pacientes com Aids. genitourinary tuberculosis. Indian J Urol 2008b;24(3):382–7. 
Em pacientes HIV positivos, a TBGU pode ser dissemina- 7. Hemal AK. Laparoscopic retroperitoneal extirpative and reconstructi-
ve renal surgery. J Endourol 2011;25(2):209-16. 
da, normalmente, com menos caseação, necrose e fibrose 8. Merchant S, Bharati A, Merchant N. Tuberculosis of the genitouri-
porque o sistema imunológico competente é necessário nary system—Urinary tract tuberculosis: Renal tuberculosis—Part I.
Indian J Radiol Imaging 2013a;23(1):46-63.
para o processo inflamatório vigoroso que leva à arquite- 9. Sakula A. Robert Koch: centenary of the discovery of the tubercle
tura patológica. Como resultado, entre os pacientes com bacillus, 1882. Thorax 1982;37(4):246-51. 

192
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 27
Síndrome da
bexiga dolorosa

Cristiano Mendes Gomes


Abelardo Alves de Araujo Junior
Carolina Mayumi Harutar
Tabela 1.
Definições
A síndrome da dor vesical (SDV) se caracteriza por Sintoma Prevalência
dor persistente ou recorrente na região vesical, acom-
Urgência 57%-98%
panhada de pelo menos um outro sintoma: piora com
enchimento vesical ou aumento da frequência miccio- Frequência diurna 84%-97%
nal, ocorrendo sempre na ausência de infecção urinária
Dor vesical 66%-94%
ou pélvica ou patologia local. Geralmente está associa-
da com consequências negativas cognitivas, comporta- Noctúria 44%-90%
mentais, sexuais e/ou emocionais. Esta síndrome, por
sua ampla gama de sintomas inespecíficos, representa Dor à micção 71%-98%

espectro heterogêneo de condições clínicas. Outros ter- Dor suprapúbica 39%-71%


mos utilizados para definir a doença, como cistite inters-
ticial e síndrome da bexiga dolorosa, são considerados Dor perineal 25%-56%
inapropriados e devem ser evitados.
Espasmos vesicais 50%-74%
Está frequentemente associada a outras síndromes
de dor pélvica: dor prostática, dor escrotal, dor perineal, Pressão região púbica 60%-71%
dor vulvar, dor associada à endometriose, síndrome do
Dispareunia 46%-80%
intestino irritável e dor anal. Também pode estar asso-
ciada a outras condições crônicas, como síndrome do Depressão 55%-67%
intestino irritável, fibromialgia, doenças autoimunes e
síndrome da fadiga crônica. Acompanha-se de alta pre- Hematúria macroscópica 14%-33%
valência de doenças psíquicas, como a depressão e os
transtornos de ansiedade. O diagnóstico da SDV baseia-
A avaliação básica para diagnóstico de SDV inclui
-se na história clínica e na exclusão de outras doenças
história e exame físico, diário miccional e questioná-
que possam causar sintomas semelhantes.
rio de sintomas, avaliação do volume residual pós-mic-
O exame físico é muito importante para avaliar pon-
cional, exame do sedimento urinário (EAS) e cultura.
tos de gatilho de dor no assoalho pélvico, presença de
Também é importante a citologia urinária no caso de
lesões, massas ou inflamações pélvicas. A cistoscopia é
história de tabagismo ou com o exame de EAS anormal.
opcional e indicada em casos complexos, onde o diag-
Pesquisa de tuberculose urinária pode ser indicada em
nóstico é imprescindível para adequada terapêutica ou
casos suspeitos. A avaliação objetiva da dor através de
na falha dos tratamentos instituídos. Deve ser realizada
sob anestesia geral e pode evidenciar a presença de úl- escala apropriada também é recomendada.
cera de Hunner e glomerulações. Durante a cistoscopia A incidência da SDV é desconhecida e a prevalência
também é possível avaliar a capacidade vesical, realizar é variável, com estudos demonstrando até 300 casos
biópsias vesicais e a hidrodistensão. Os achados anato- para 100.000 habitantes. Tipicamente, é diagnosticada
mopatológicos são inespecíficos. na quarta década de vida. O antecedente de ITU recen-
A prevalência de sintomas varia em diferentes estu- te está presente em 18% a 36% das mulheres, mas as
dos, como demonstra a tabela 1. culturas posteriores são negativas. Muitas pacientes
O estudo urodinâmico é opcional e deve ser indicado iniciam o quadro com sintoma único e posteriormente
primariamente nos pacientes com sintomas mistos suges- associam outras queixas. Crises de piora são relativa-
tivos de outros diagnósticos, como urgência, urgeinconti- mente comuns. SDV é mais frequente em mulheres com
nência e dificuldade miccional. O teste do potássio (insti- histerectomia prévia. Predomina no século feminino,
lação de solução de potássio a 0,4 M) não é recomendado, sendo que homens representam 10% a 25% dos casos.
por ser inespecífico e não ter caráter prognóstico. O diagnóstico diferencial em homens é feito com outras

194
Síndrome da bexiga dolorosa

síndromes da dor pélvica crônica, como a dor perineal, • Amitriptilina (25-100 mg/dia): 50%-64%;
suprapúbica, testicular ou extremidade do pênis. Não • Cimetidina (400 mg 2x/dia): 44%-57%;
apresenta diferenças inter-raciais. • Hidroxizina (10-75 mg/dia): 23%-92%;
A etiopatogenia é complexa e mal compreendida. • Pentosana polissulfato: 21%-56%.
Provavelmente estão envolvidas alterações vesicais na Os tratamentos intravesicais também podem ser
barreira de glicosaminoglicana (GAG), mecanismos oferecidos como 2ª linha e incluem o DMSO (dimetil-
neurológicos, imunológicos e infecciosos. sulfóxido) 50%, que pode ser associado a heparina, cor-
Os achados histopatológicos compatíveis com SDV ticoide ou analgésico. Outro tratamento intravesical é a
são: inflamação, úlcera, fibrose e infiltração por mastó- heparina (10.000 a 40.000 UI em 5-20 mL). Pode ser
citos. O objetivo principal do exame patológico é ex- associada a corticoides/lidocaína. Outras substâncias
cluir outros diagnósticos, como carcinoma in situ (CiS), instiladas incluem lidocaína e ácido hialurônico (Cys-
cistite eosinofílica, tuberculose vesical e cistites virais. tistat). O número de aplicações e o tempo de instilação
A primeira linha da abordagem terapêutica é a in- não são bem padronizados.
formação do paciente sobre a natureza de seu problema, A cistoscopia com hidrodistensão é a 3ª linha de
podendo associar-se à fisioterapia do assoalho pélvico e tratamento. Ela ajuda na definição diagnóstica através
terapia comportamental. A educação do paciente sobre dos achados como úlcera de Hunner e avaliação da ca-
sua doença é importante, informando que se trata de con- pacidade vesical sob anestesia. A hidrodistensão deve
dição crônica, não neoplásica ou pré-neoplásica e que, ser feita com baixa pressão, usando até 60 cmH2O e
apesar de não ser curável, pode ter remissão espontânea por tempo curto de, no máximo, 10 minutos. Apresenta
ou crises de exacerbação. A terapia comportamental pode índices de melhora de 30% a 54% no primeiro mês e
incluir adequação da ingesta de líquidos. O uso de calor de 0% a 65% em 6 meses. Ainda na terceira linha de
ou gelo local na região pélvica ou períneo pode melhorar tratamento, fulguração das úlceras de Hunner pode ser
os sintomas. Medidas dietéticas, como evitar café, frutas feita com cautério, laser ou injeção intralesional com
cítricas, alimentos condimentados, entre outros, devem triancinolona, apresentando 70% a 86% de melhora no
ser encorajadas. O tratamento da constipação intestinal médio prazo.
é medida importante no sucesso terapêutico. O contro- Cirurgias minimamente invasivas constituem a 4ª
le psicológico através de meditação e controle de stress linha de tratamento, incluindo a citólise e desnervação
também ajuda na melhora dos sintomas. O tratamento periférica; injeção de toxina botulínica no detrusor e
fisioterápico pode apresentar benefício em pacientes neuromodulação sacral.
com sensibilidade e dor perineal ou assoalho pélvico e Outros tratamentos orais, porém, fazem parte da 5ª
técnicas de relaxamento e liberação de trigger points, e linha de tratamento, sendo a mais usada a ciclosporina
supressão da urgência melhoram os sintomas em alguns A (3 mg/kg/dia). Associa-se com chance de melhora em
pacientes. Os exercícios de Kegel e outras técnicas de 59% a 91% dos pacientes, porém com efeitos colaterais
fortalecimento do assoalho pélvico devem ser evitados, muito elevados, notadamente hipertensão arterial sistê-
pois podem piorar as queixas do paciente. mica, hiperplasia gengival e surgimento de pelos faciais.
Os medicamentos orais são a 2ª linha de tratamento São tratamentos contraindicados: a antibioticotera-
e são similares a outros tratamentos para dor crônica, pia continuada, instilação de BCG vesical, hidrodisten-
podendo promover alívio da dor sem efeitos colaterais são com alta pressão ou prolongada e corticoides sistê-
significativos. Podem incluir anti-inflamatórios não micos de uso continuado.
hormonais, anti-histamínicos, opioides, antidepressi- Deve-se estabelecer plano terapêutico e tranquili-
vos e anticonvulsivantes. Não há parâmetros preditores zar o paciente, pois os sintomas podem ser controlados
de resposta e crises de exacerbação requerem reajustes. pelo tratamento conservador. A indicação do tratamen-
Os medicamentos orais usados apresentam as seguintes to é empírica, já que as causas são desconhecidas. As
taxas de melhora: terapias invasivas estão reservadas para casos muito

195
selecionados. O tratamento inicial deve ser aquele que altamente selecionados, na falha de todos os possíveis
mais se adequa à condição clínica do paciente, deven- tratamentos conservadores ou minimamente invasivos e
do-se optar por tratamento único ou múltiplo, de acordo diante de bexiga contraída, fibrótica e qualidade de vida
com a resposta do paciente. Deve-se interromper trata- miserável.
mentos sem eficácia e, para o manejo da dor, deve-se con-
sultar equipe multidisciplinar. É importante ter em mente Referências recomendadas
que não existe um único tratamento bom para todos os 1. EAU guidelines on chronic pelvic pain. http://uroweb.org/guideline/
chronic-pelvic-pain/
pacientes e que poderão ser necessárias várias tentativas, 2. Hanno P et al. Diagnosis and treatment of interstitial cystitis/bla-
incluindo combinação de tratamentos. dder pain syndrome: AUA guideline amendment. J Urol 2015
May;193(5):1545-53.
Cirurgias reconstrutivas, como ampliação vesical 3. Hanno P et al. AUA guideline for the diagnosis and treatment of inters-
titial cystitis/bladder pain syndrome. J Urol 2011 Jun;185(6):2162-70.
e as derivações urinárias são irreversíveis e de elevada
4. Hanno P et al. Bladder Pain Syndrome Committee of the International
morbidade. Somente devem ser indicadas para pacientes Consultation on Incontinence. Neurourol Urodyn 2010;29(1):191-8.

196
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 28
Doenças sexualmente
transmissíveis

Homero Gustavo de Campos Guidi


As DSTs, ou também ISTs, infecções sexualmente panhas maciças e constantes. Jovens, sobretudo os
transmissíveis, termo que vem se alastrando na litera- que fazem sexo com outros homens, jovens heteros-
tura mundial, apresenta uma alta incidência em prati- sexuais envolvidos com drogas, etc. Além disso, os
camente todos os países e o urologista no seu dia a dia conhecimentos de sexo seguro estão notadamente
sempre está às voltas com elas, com dúvida a respeito abalados pela mesma falta de campanhas e educa-
de exames, pacientes ansiosos e alguns tratamentos ção sexual – isso é patente no desconhecimento e er-
que vêm sofrendo rápida revisão, em função da cres- ros no uso do preservativo por jovens abaixo dos 20
cente resistência de praticamente todos os micro-or- anos. Abandono do preservativo quando o “namoro
ganismos. Alguns pontos são importantes no contexto fica sério depois de dois meses”; orgias pós-uso in-
de hoje. discriminado de álcool e drogas combinadas (“pa-
1. Vivemos uma epidemia de sífilis – o maior indica- ciente do arrependimento e medo da segunda-feira,
dor e muitas vezes o mais confiável e único são os terça, quarta...”). No Brasil, a facilidade do acesso às
drogas tem mostrado um número assustador de co-
índices brasileiros alarmantes e vergonhosos de sífi-
quetéis preventivos na população e mesmo o uso da
lis congênita; se há sífilis congênita, há mãe que se
combinação binária como “prevenção” antes de uma
infecta e homens que transmitem e não sabem que
exposição às cegas, um absurdo que não merece
têm sífilis. Existe elevada ignorância por parte dos
nem consideração neste espaço e que deve ser for-
pacientes, muita automedicação, uma biologia que
malmente contraindicado na nossa prática clínica.
não colabora (a úlcera some relativamente logo) e
boa parte dos médicos em geral não pensa mais na 5. A azitromicina também tem mostrado níveis de re-
doença. O lado positivo disso é que ao longo de qua- sistência preocupantes em várias partes do mundo
se um século, a sensibilidade do Treponema à peni- em relação a Chlamydia e outros agentes mais raros.
cilina não sofreu alterações, mas o seu acesso, fora A doxiciclina tem sido utilizada com sucesso nesses
de hospitais, clínicas e unidades de saúde, encontra casos, com a desvantagem da duração do tratamento
séria restrição e períodos vergonhosos de desabaste- (7 a 10 dias – 200 mg dias/dose única ou fracionada
cimento por desleixo governamental. em 2 doses).

2. O ciprofloxacino recebeu o sinal amarelo/vermelho 6. Revisões do estado vacinal contra a hepatite B têm
da rede de laboratórios que compõem um sistema de mostrado que mesmo pacientes que receberam com
regularidade as doses certas e no tempo certo da va-
vigilância das DSTs no mundo todo. Sua comodi-
cina obtida por engenharia genética mostram em até
dade no tratamento da gonorreia, infelizmente, está
20% não conversão para títulos protetores e devem
esbarrando em grande resistência e perda de eficá-
ser revacinados. Especial atenção aqui aos funcio-
cia. O último relatório da ANVISA e MS sobre DST
nários envolvidos em saúde (técnicos, enfermagem,
já dá conta de que isso deve ser seriamente levado
médicos). Isso também é um fenômeno mundial, so-
em consideração nas regiões do Sudeste. Isso vem já
bre o qual diversas especialidades de pesquisa têm
de algum tempo e os especialistas julgam que essa
se debruçado. A indústria tem investido pesadamen-
recomendação é tímida e já deveria valer para todo
te, inclusive com tecnologias impensáveis, como a
o país.
de antígenos contra o vírus obtidos em milho trans-
3. O gonococo resistente vem ganhando terreno no gênico, possibilitando vacinas de uso oral, mais efi-
mundo todo, com algumas cepas altamente resisten- cazes que as atuais. O aspecto positivo é que a rede
tes a muitas drogas, coisa inimaginável há dez anos. de saúde pública fornece a vacinação, sem limite de
Isso extrapolou os laboratórios, hospitais e centro de idade, como fazia até há pouco mais de um ano.
pesquisas, saiu da literatura médica para os jornais 7. Os infectados pelo HIV voltaram a crescer no Brasil,
como o “supergonococo”. O que não é um exagero principalmente pela falta e interrupção das campa-
de leigo; é algo real. Aqui o comentário vai além da nhas de educação em saúde e sexo seguro. As últi-
resistência às quinolonas. mas administrações públicas têm se preocupado em
4. A disseminação do HIV voltou a crescer em deter- distribuir remédios e preservativos e têm se esqui-
minadas populações, não mais atingidas por cam- vado da educação, o que já se comprovou anterior-

198
Doenças sexualmente transmissíveis

mente ser muito mais efetivo do que a distribuição na Coreia do Sul e Japão, têm desenvolvido exames
dos itens nomeados acima. A população é dinâ- nessa plataforma para identificação com uma única
mica e gerações mais jovens têm mostrado taxas mostra de urina para testes “à beira do leito” ou “no
preocupantes de soropositividade, na razão direta consultório”, muito semelhantes aos famosos testes
da falta de informação e campanhas públicas abor- de gravidez, autocoleta, etc.
dando o sexo seguro, como um todo. O contexto das ISTs, contudo, ainda permite uma
Há, contudo, boas notícias e perspectivas, os tes- Medicina eficaz na ausência de testes laboratoriais,
tes laboratoriais têm avançado em tecnologias e me- quando se aplicam os algoritmos ou fluxogramas sin-
todologias antes muito caras e de difícil execução. drômicos (ulcerações, corrimentos, lesões bolhosas,
Hoje os kits são cada vez mais acessíveis, a biolo- etc.). O conceito de multiplicidade de doenças sexu-
gia molecular vem ganhando terreno com facilidade, almente transmissíveis se consolidou, assim como os
disseminando exames mais confiáveis e tecnicamen- mecanismos de facilitação do desenvolvimento das
te mais simples. Centros de pesquisa, notadamente doenças entre si.

Quadro 1. Manifestações clínicas das IST e os respectivos agentes etiológicos.

Agente etiológico Infecção

Chlamydia trachomatis LGV

Haemophilus ducrey Cancroide

Úlcera
Herpes simplex vírus (tipo 2) Herpes genitala
anogenital

Klebsiela granulomatis Donovanose

Treponema pallidum Sífilis

Candida albicans Candidíase vulvovaginalb

Chamydia trachomatis Infecção por clamídia

Corrimento
uretral/vaginal Neisseria gonorrhoeae Gonorreia

Trichomonas vaginalis Tricomoníase

Múltiplos agentes Vaginose bacterianab

Chlamydia trachomatis
Neisseria gonorrhoeae Endometrite, anexite, salpingite, miometrite,
DIP Bactérias facultativas anaeróbicas (ex: Gardnerella vaginalis, ooforite, parametrite, pelviperitonite, abscesso
Haemophilus influenza, Streptococcus agalacteae) tubo ovariano
Outros micro-organismos

Verruga
HPV Condiloma acuminadoa
anogenital

Fonte: DDAHV/SVS/MS.
Notas:
a
não são infecções curáveis, porém tratáveis.
b
são infecções endógenas do trato reprodutivo, que causam corrimento vaginal, não sendo consideradas IST.

199
Figura 1. Quadro 2. Tratamento da gonorreia e clamídia.

Algorítmo dos corrimentos uretrais Tratamento de escolha

Queixa de corrimento uretral


Infecção anogenital Ciprofloxacinaa 500 mg, VO, dose única,
não complicada MAIS
(uretra, colo do Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos,
útero e reto) VO, dose única;
Anamnese e exame físico
OU
Ceftriaxonab 500 mg, IM, dose única,
MAIS
Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos,
Corrimento uretral confirmado VO, dose única
Em menores de 18 anos e gestantes:
A ciprofloxacina é contraindicada, sendo
a ceftriaxona o medicamento de escolha
Presença de laboratório?

Sim Infecção gonocócica Ceftriaxonac 500 mg, IM, dose única


não complicada da MAIS
faringe Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos,
Coleta de material para microscopia (Gram) VO, dose única
Cultura para gonococo e/ou biologia molecular
para clamídia, quando disponível
Não Infecção gonocócica Ceftriaxonac 1 g IM ou IV/dia
disseminada Manter até 24-48 h após a melhora,
quando o tratamento pode ser trocado
para ciprofloxacina 500 mg, VO, 2x
Presença de diplococos
dia, completando ao menos 7 dias de
negativos intracelulares?
Não tratamento

Conjuntivite Ceftriaxonac 1 g, IM, dose única


Tratar clamídia gonocócica no adulto
Sim

Tratar clamídia e Infecção por clamídia Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos,


gonococo
VO, dose única
OU
Doxiciclina 100 mg, VO, 2x dia, 7 dias
(Exceto gestantes)
OU
Sinais e sintomas persistem após 07 dias?
Amoxiciclina 500 mg, VO 3x dia, 7 dias

Sim
Fonte: DDAHV/SVS/MS.
Excluir falha na Notas:
Tratar para Trichomonas vaginalis, adesão ao tratamento a
O uso da ciprofloxacina está contraindicado nos estados do Rio de Janeiro,
Mycoplasma genitalium e e possibilidade Minas Gerais e São Paulo, considerando estudos realizados nos últimos
Ureoplasma urealyticum de resistência anos, os quais demonstraram a circulação de cepas de gonococos com
Não antimicrobiana taxas de resistência antimicrobiana igual ou maior que 5%, limite determinado
internacionalmente para aceitação do uso de um antibiótico.
b
A recomendação é que nos estados acima não mais se utilize a
ciprofloxacina, substituindo o tratamento pela ceftriaxona, opção terapêutica
disponível na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais 2013 (Rename,
Sinais e sintomas persistem 2013). A alternativa terapêutica de eficácia semelhante à ceftriaxona injetável
após 14 dias?
é a cefixima oral. No entanto, a cefixima oral não está disponível no mercado
nacional e não dispõe de registro válido na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Anvisa).
Não Sim c
Na indisponibilidade de ceftriaxona, poderá ser utilizada outra cefalosporina
Alta Referências de terceira geração no tratamento de infecção pelo gonococo, como a
cefotaxima 1.000 mg IM, dose única.

200
Doenças sexualmente transmissíveis

Figura 2. Manejo de úlcera genital com uso de fluxograma.

Úlcera
Úlceragenital
genitalpresente
presente

Não IST como causa provável? Sim

Referenciar Não Laboratório disponível? Sim

Lesões com Não História ou Coleta de material para microscopia


mais de 4 evidência (Gram e Giemsa) e campo escuro
semanas? de lesões Biologia molecular quando disponível
vesiculosas?

Sim Sim

Identificação Sugestivo de Sugestivo Sugestivo de


de T. pallidum H. ducrey de HSV K. granulomatis

Tratar Sífilis,
Cancroide e
Donovanose Tratar Sífilis e Tratar Tratar Sífilis Tratar Tratar Herpes Tratar
Realizar biópsia Cancroide Herpes genital primária/secundária Cancroide genital Donovanose

Não Sim
Sinais e sintomas persistem
após 14 dias?
Alta Referências

Quadro 3. Manifestações clínicas de acordo coma evolução e estágios da sífilis adquirida.

Evolução Estágios da sífilis adquirida Manifestações clínicas

Primária • Úlcera genital (cancro duro) indolor, geralmente única, com fundo
• 10 a 90 dias após contato, em média três semanas limpo, infiltrada
• A lesão desaparece sem cicatriz em duas a seis • Linfonodos regionais indolores, de consistência elástica, que não
semanas com ou sem tratamento fistulizam

Sífilis recente
Secundária
(menos de um ano • Lesões cutaneomucosas sintomáticas
• Seis semanas a seis meses após o contato
de duração) • Sintomas gerais, micropoliadenopatia
• As lesões desaparecem sem cicatriz em quatro a 12
• Pode haver envolvimento ocular (ex: uveíte), hepático e neurológico
semanas
(ex: alterações nos pares cranianos, meningismo)
• Pode haver novos surtos

Latente recenteb • Assintomática, com testes imunológicos reagentes

Latente tardiab • Assintomática, com testes imunológicos reagentes


Sífilis tardia
(mais de um ano de • Quadro cutâneo destrutivo e formação de gomas sifilíticas que
duração) Terciáriac
podem ocorrer em qualquer órgão
• Dois a 40 anos após contato
• Acometimento cardiovascular, neurológico e ósseo

a
Erupção maculosa (roséola) ou papulosa, lesões palmoplantares com escamação em colarinho, placas mucosas (tênues e acinzentadas), lesões papulo-
hipertróficas nas mucosas ou pregas cutâneas (condiloma plano), alopecia em clareiras e madarose (perda da sobrancelha).
b
A maioria dos diagnósticos ocorre nestes estágios, frequentemente, é difícil diferenciar a fase latente precoce da tardia.
c
Lesões cutâneas nodulares e gomosas (destrutivas), ósseas (perlostite, osteíte gomosa ou esclerosante), articulares (artrite, sinovite e nódulos justa-articulares),
cardiovasculares (aortite sifilítica, aneurisma e estenose de coronárias), neurológicas (meningite, gomas do cérebro ou da medula, paralisia geral, tabes dorsalis e demência.

201
Quadro 4. Resumo dos esquemas terapêuticos para sífilis e seguimento.

Estadiamento Esquema terapêutico Alternativaa


Sífilis primária, secundária e latente Penicilina G benzatina 2,4 milhões UI, IM, Doxiciclina 100 mg, VO, 2x dia, por 15 dias (exceto gestantes)
recente (com menos de um ano de dose única (1,2 milhão UI em cada glúteo)b OU
evolução) Ceftriaxonac 1 g, IV ou IM, 1x dia, por 8 a 10 dias para ges-
tantes e não gestantes

Sífilis latente (com mais de um ano Penicilina G benzatina 2,4 milhões UI, IM, Doxicilina 100 mg, VO, 2x dia, por 30 dias (exceto gestantes)
de evolução) ou latente com duração semanal, por 3 semanas OU
ignorada e sífilis terciária Dose total: 7,2 milhões UI, IM Ceftriaxonac 1 g, IV ou IM, 1x dia, por 8 a 10 dias para ges-
tantes e não gestantes

Neurossífilis Penicilina cristalina 18-24 milhões UI/dia, Ceftriaxonac 2 g, IV ou IM, 1x dia, por 8 a 10 dias
por via endovenosa, administrada em doses
de 3-4 milhões UI, a cada 4 horas ou por
infusão contínua, por 14 dias
a
Para gestantes com alergia confirmada à penicilina: como não há garantia de que outros medicamentos consigam tratar a gestante e o feto, impõe-se a
dessensibilização e o tratamento com penicilina benzatina. Na impossibilidade de realizar a dessensibilização durante a gestação, a gestante deverá ser tratada
com ceftriaxona. No entanto, para fins de definição de caso de abordagem terapêutica da sífilis congênita, considera-se tratamento inadequado da mãe, e o RN
deverá ser avaliado clínica e laboratorialmente, conforme este PCDT. As situações de tratamento inadequado da gestante com sífilis, para fins de notificação da
sífilis congênita, encontra-se descritas no item 2.3 (vigilância epidemiológica das IST) deste protocolo.
b
Embora não exista evidência científica que uma segunda dose de penicilina G benzatina traga benefício adicional ao tratamento para gestantes, alguns manuais e
recomendam.
c
Os pacientes devem ser seguidos em intervalos mais curtos (a cada 60 dias) e as gestantes, mensalmente, para serem avaliados com teste não treponêmico,
considerando a detecção de possível indicação de retratamento (quando houver elevação de títulos dos testes não treponêmicos em duas diluições (ex.: de
1:16 para 1:64, em relação ao último exame realizado), devido à possibilidade de falha terapêutica.
d
Os pacientes devem ser seguidos em intervalos mais curtos (a cada 60 dias) e avaliados quanto à necessidade de retratamento, devido à possibilidade de falha terapêutica.
Fonte: DAAHV/SVS/MS.

Quadro 5. Tratamento para cancroide, LGV e donovanose.

IST Primeira opção Segunda opção Comentários

Cancroide Azitromicina 500 mg, Ciprofloxacina 500 mg, O tratamento sistêmico deve ser acompanhado de medidas locais de
2 comprimidos, 1 comprimido, VO, 2x dia, higiene.
VO, dose única por três dias O tratamento das parceiras sexuais é recomendado, mesmo quando
OU assintomáticas.
Ceftriaxona 500 mg,
IM, dose única

Linfogranuloma Doxiciclina Azitromicina 500 mg, As parceiras sexuais devem ser tratadas. Se a parceira for sintomática,
venéreo 100 mg, VO, 2 comprimidos, VO, 1x semana, o tratamento deve ser realizado com os mesmos medicamentos do caso-índice.
1 comprimido, por 21 dias (preferencialmente Se a parceira for assintomática, recomenda-se um dos tratamentos abaixo:
2x dia, por 21 dias nas gestantes) Azitromicina 500 mg, 2 comprimidos, VO, dose única
OU
Doxiciclina 100 mg, 1 comprimido, VO, 2x dia, por 7 dias
O prolongamento da terapia pode ser necessária até a resolução da sintoma-
tologia. A antibioticoterapia não tem efeito expressivo na duração da linfade-
nopatia inguinal, mas os sintomas agudos são frequentemente erradicados
de modo rápido. Os antibióticos não revertem sequelas como estenose retal
ou elefantíase genital.

Donovanose Doxiciclina Azitromicina 500 mg, Não havendo resposta na aparência da lesão nos primeiros dias
100 mg, VO, 2 comprimidos, VO, 1x semana, de tratamento com ciprofloxacina, recomenda-se adicionar um
1 comprimido, por pelo menos três semanas, aminoglicosídeo, como a gentamicina 1 mg/kg/dia, EV, 3x dia, por pelo
2x dia, por pelo ou até a cicatrização das lesões menos três semanas, ou até cicatrização das lesões.
menos 21 dias OU Em PVHA, sugerem-se os mesmo esquemas terapêuticos, e o uso de
ou até o Ciprofloxacina 500 mg, 1 e 1/2 terapia parenteral com a gentamicina deve ser considerado nos casos
desaparecimento comprimido, VO, 2x dia, por pelo mais graves.
completo das menos 21 dias ou até a cicatrização O critério de cura é o desaparecimento da lesão, não tendo sido relatada
lesões das lesões (dose total 750 mg) infecção congênita. As sequelas da destruição tecidual ou obstrução linfática
OU podem exigir correção cirúrgica.
Sulfametoxazol trimetoprima Devido à baixa infectividade, não é necessário fazer o tratamento das
(400/80 mg), 2 comprimidos, VO, parcerias sexiuais.
2x dia, por no mínimo 3 semanas,
ou até a cicatrização das lesões

2. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Pro-


Referências recomendadas grama Nacional de DST/AIDS. Manual de controle das doenças sexu-
1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departa- almente transmissíveis/Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância
mento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Te- em Saúde. 4ª edição Brasilia, Ministério da Saúde, 2006. Normas e
rapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente manuais técnicos.
Transmissíveis / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, 3. CDC - STD Treatment. www.cdc.gov/std/treatment/default.htm. 2015
Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Brasília: Ministério da STD Treatment Guidelines. Recommendations for treating persons
Saúde, 2015. 120 p.: il. Publicação gratuita em brochura e on line. who have or are at risk for STDs.

202
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 29
Fisiologia renal
(incluindo fluídos
e eletrólitos)
Roberto Zatz
Os rins exercem funções essenciais à manutenção da rins naturais. Da mesma forma, a perda crônica da função
vida, tão indispensáveis quanto as do coração, pulmões renal impõe restrições cada vez mais severas ao paciente.
e fígado. Essa condição torna-se evidente quando os rins Na prática clínica, utilizamos o RFG como uma medi-
deixam de funcionar, especialmente quando isso ocorre da confiável da função renal: sua queda indica a existên-
abruptamente, acarretando a retenção no organismo de cia de uma anomalia renal e serve a um triplo propósito:
catabólitos tóxicos como a ureia, e o acúmulo de sódio, avaliar a gravidade da lesão, acompanhar sua progressão
potássio, água e ácidos. e detectar a eventual necessidade de diálise. O RFG pode
Os rins são o único órgão vital cuja função pode ser ainda indicar a recuperação de uma patologia renal, como
substituída por um procedimento artificial, a diálise. Esta, no caso de uma glomerulonefrite aguda.
no entanto, mantém apenas precariamente a homeostase, Para compreender a lógica do processamento que os
o que impõe ao paciente restrições severas à ingestão de néfrons aplicam à água e aos solutos nela dissolvidos, é
sal, água, proteínas (cuja metabolização gera ureia) e ali- necessário considerar três conceitos fundamentais:
mentos vegetais (ricos em potássio), além de submetê-lo 1. A composição da urina resulta da interação ininter-
ao risco de desidratação em situações corriqueiras, como rupta de três processos fundamentais: a filtração glo-
diarreias, febre ou mesmo exposição a climas quentes. merular, a reabsorção tubular e a secreção tubular;
A dificuldade em reproduzir artificialmente o trabalho 2. Tanto para a água quanto para solutos, vale sempre
dos rins ilustra a complexidade de seu funcionamento. À o conceito de balanço: as taxas de excreção devem
primeira vista, a lógica do processo é relativamente sim- necessariamente igualar as respectivas taxas de in-
ples: os rins filtram o plasma, deixando para trás células gestão, deduzidas as perdas ocorridas por vias ex-
e proteínas e, logo a seguir, reclamam de volta a quase trarrenais (por exemplo, sódio perdido com o suor)
totalidade desse (ultra)filtrado. A porção não recuperada e acrescendo-se qualquer quantidade originada
é lançada à urina, o que permite a eliminação de escórias pelo próprio organismo (por exemplo, água gerada
e de eventuais excessos de água e solutos. Apesar dessa pelo metabolismo ou cálcio retirado dos ossos). Se
aparente simplicidade, os fluxos de água e solutos envol- assim não fosse, teríamos obrigatoriamente acúmu-
vidos no processo são altíssimos: em um adulto normal do lo ou depleção da substância em questão;
sexo masculino, a taxa de ultrafiltração renal, usualmen- 3. De modo geral, a excreção renal de qualquer subs-
te conhecida como ritmo de filtração glomerular (RFG) tância é regulada de modo independente das demais.
aproxima-se de 120 mL/min, ou mais de 170 litros por Por exemplo, se aumenta a ingestão de sódio, sua
dia. Isso significa que, em um único dia, a totalidade do excreção renal também sobe até restaurar o balanço,
plasma (cerca de 3 litros) é filtrada mais de 50 vezes. Os sem afetar o balanço de cálcio, potássio ou água.
solutos carregados pelo plasma acompanham o processo:
por exemplo, cerca de 25.000 mmol de sódio são filtrados
diariamente nos glomérulos. Processamento de água e
Os rins reabsorvem 99% ou mais desse enorme fluxo solutos pelos túbulos renais
de água (e solutos), de modo que, em média, o débito uri- Logo após a ultrafiltração glomerular, inicia-se no tú-
nário de um adulto normal é de apenas 1,5 L/dia e o de bulo convoluto proximal à recuperação da maior parte da
sódio raramente supera 250 mmol/dia. Por que razão os água e dos solutos filtrados, o que facilita o trabalho dos
rins se dão a esse trabalho aparentemente redundante? Na segmentos subsequentes. As células do túbulo proximal
verdade, esse alto fluxo de filtração/reabsorção é inteira- são adaptadas a um regime de transporte em massa de
mente apropriado à missão de monitorar continuamente a água, sódio e outros eletrólitos. A maior parte desse trans-
composição do plasma, agir rapidamente para livrá-lo de porte está baseada na reabsorção de sódio, o que é garanti-
escórias e reagir prontamente à falta ou ao excesso de água do por várias estruturas especializadas. Em primeiro lugar,
e/ou eletrólitos. Quanto mais altos esses fluxos, tanto mais a membrana basolateral de suas células é abundante em
rápido e eficiente será esse processo de depuração. Por moléculas de Na+/K+-ATPase, permitindo manter baixa a
essa razão os métodos de diálise, que não têm como propi- concentração intracelular de sódio, enquanto na membra-
ciar um fluxo muito alto, permitem apenas a sobrevivência na luminal há uma série de transportadores passivos que
do paciente, sem a mesma eficiência e flexibilidade dos facilitam a entrada do sódio luminal na célula: um contra-

204
Fisiologia renal (incluindo fluídos e eletrólitos)

transportador Na+/H+, importante também no processo de brana luminal, de tal forma que a entrada de sódio, por
acidificação urinária; um cotransportador sódio-glicose, despolarizar a membrana (deixando o interior da célula
que serve também à recuperação da glicose filtrada; além menos negativo) favorece a saída de potássio. Nesses seg-
de estruturas destinadas a facilitar a entrada de sódio em mentos ocorre a reabsorção de 2% a 3% da carga filtrada
conjunto com aminoácidos, fosfato inorgânico, sulfatos, de sódio, permitindo a regulação fina da excreção desse
ácidos orgânicos e até mesmo o íon Cl-. Todo esse aparato íon. Por outro lado, é por meio da secreção de potássio,
permite ao túbulo proximal reabsorver quase 70% de toda favorecida pela entrada de sódio, que o néfron consegue
a água, sódio, potássio e cálcio filtrados nos glomérulos, regular a excreção de potássio.
além da maior parte do fosfato e da totalidade da glicose. Uma característica importante do néfron é sua capaci-
Na porção fina descendente da alça de Henle, a perme- dade de secretar íons H+ para o interior do túbulo, o que é
abilidade à água, já extremamente elevada no túbulo pro- fundamental para evitar o acúmulo de ácido no organismo.
ximal, permanece alta, permitindo a reabsorção de água No túbulo proximal e na porção espessa ascendente da alça
desacompanhada da reabsorção de solutos, aos quais esse de Henle, esse transporte de ácido em direção ao lume tu-
segmento é pouco permeável. Já a porção fina ascendente bular resulta principalmente na reabsorção do bicarbonato
da alça de Henle é essencialmente impermeável à água, mas filtrado. No segmento de conexão e no duto coletor, o ácido
altamente permeável ao sódio, de modo que pequenas quan- secretado liga-se principalmente a tampões fosfato (“titula”
tidades desse íon são ali reabsorvidas por difusão passiva. esses tampões), originando o chamado “ácido titulável”,
Na porção espessa ascendente da alça de Henle, ocorre que representa cerca de 40% do ácido excretado na urina.
intensa reabsorção de sódio (25 a 30% da carga filtrada) Os 60% restantes são excretados sob a forma de íons amô-
por meio de um cotransportador sódio-potássio-cloreto, o nio, produzidos no túbulo proximal, cada um dos quais car-
que por sua vez favorece indiretamente a reabsorção de po- rega um íon H+ acoplado a uma molécula de amônia (NH3).
tássio (30%), cálcio (30%) e magnésio (60%). É sobre esse
cotransportador que agem os chamados diuréticos de alça,
os mais potentes conhecidos. Esse segmento é também im-
Regulação renal da homeostase
permeável à água, de tal modo que a intensa reabsorção de de sódio, água, potássio,
solutos que ali ocorre tem um duplo efeito: de um lado, ácidos, cálcio e fosfato
faz com que a medula renal seja hipertônica em relação ao Os mecanismos básicos de transporte utilizados pelo
plasma, o que é essencial à excreção de uma urina concen- néfron permitem aos rins excretar inúmeros íons e com-
trada e, portanto, à conservação de água pelo organismo; postos que não podem ser retidos pelo organismo ou pre-
de outro, torna o fluido intratubular hipotônico, permitindo cisam ser mantidos em estrito balanço. No entanto, esses
a eliminação de uma urina diluída e, portanto, de quaisquer mecanismos seriam de pouca valia se os rins fossem inca-
excessos de água que de outro modo poderiam se acumular pazes de “sentir” as necessidades do organismo, e de inte-
e causar danos graves ao sistema nervoso central. ragir com ele para promover uma regulação integrada de
O túbulo convoluto distal caracteriza-se pela presença cada uma dessas substâncias.
de um cotransportador sódio-cloreto na membrana lumi- A excreção de sódio é essencial à manutenção do espa-
nal, o qual permite a reabsorção de cerca de 5% da carga ço extracelular. Para manter constante esse compartimento,
filtrada de sódio. É sobre esse cotransportador que agem os rins são “avisados” quando ocorre um acúmulo de sódio
os diuréticos tiazídicos, muito utilizados no tratamento da (e de água), por meio de estímulos nervosos (simpáticos)
hipertensão arterial. Também esse segmento é impermeá- e humorais (peptídeos natriuréticos, angiotensina 2, aldos-
vel à água, o que o faz contribuir à geração de uma urina terona, entre outros) diminuindo a taxa de reabsorção de
hipotônica. Sua participação no processamento renal de sódio (aumentando, portanto, a de sua excreção). Ocorre o
potássio é muito pequena. contrário em situações de depleção do volume extracelular
O segmento de conexão, como o nome indica, conecta (por exemplo, em uma desidratação por diarreia). Os rins
o túbulo convoluto distal ao duto coletor. As características servem também ao controle da pressão arterial sistêmica,
desses dois segmentos são semelhantes. Suas células mais que depende em grande parte da sua capacidade de excre-
abundantes, denominadas células principais, possuem ca- tar sódio, utilizando, também para esse fim, a regulação do
nais específicos para sódio e para potássio em sua mem- influxo simpático e da produção de compostos que influen-

205
ciam o funcionamento do néfron. A regulação da excreção renal de ácido é essencial à
Para conseguir manter de forma precisa o balanço hí- manutenção do equilíbrio ácido-base do organismo. Os
drico, os rins regulam a excreção de água, concentrando sensores de pH que “informam” aos rins sobre a necessida-
a urina em situações de escassez (por exemplo, restrição de de excretar ácido não foram ainda identificados. É pro-
prolongada à ingestão de água ou uma diarreia) ou a di- vável que essa informação seja captada por canais iônicos,
luindo quando há um excesso (ingestão exagerada de flui- moléculas citoplasmáticas sensíveis a pH e outras estrutu-
dos em relação às necessidades do organismo). Para tanto, ras, sem que exista um sensor único e, sim, um conjunto
os rins utilizam dois mecanismos básicos: 1) um sistema de estruturas capazes de funcionar de modo coordenado.
em contracorrente, no qual as porções ascendente e des- Sejam quais forem essas estruturas, os rins devem agir em
cendente da alça de Henle se superpõem. Esse sistema sincronia com o centro respiratório e os pulmões, os quais,
permite ao mesmo tempo a diluição da urina (removendo ao regular a pCO2, influenciam o pH do meio interno, onde
ativamente sódio do lume da porção ascendente da alça de o CO2 comporta-se como um ácido. Assim, os rins aumen-
Henle, que não permite a passagem simultânea de água) e tam compensatoriamente a excreção de ácido em situações
sua concentração (pelo efeito multiplicador da contracor- em que a pCO2 se eleva, diminuindo-a na situação oposta.
rente, que torna a medula renal hipertônica); 2) a ação do Inversamente, os pulmões aumentam a excreção de CO2
hormônio antidiurético, que torna as células das porções quando por alguma razão os rins não conseguem eliminar
finais do néfron (segmento de conexão e duto coletor) per- ácido adequadamente.
meáveis à água, permitindo assim que o fluido intratubular Os rins têm papel importante também na regulação do
entre em equilíbrio com a medula hipertônica, antes de ser
balanço de cálcio e fósforo. São duas suas contribuições:
eliminado sob forma de urina hipertônica.
1) inserem na molécula da vitamina D uma terceira hidro-
É importante lembrar que toda essa ação dos rins, em-
xila, originando o calcitriol, que é sua forma realmente
bora essencial à conservação de água, é insuficiente para
ativa, da qual depende fortemente a absorção intestinal de
garantir a manutenção do balanço hídrico, devido às perdas
cálcio. O PTH (hormônio da paratireoide) estimula a pro-
obrigatórias e incontroláveis através dos pulmões, glându-
dução renal de calcitriol; 2) também sob a ação do PTH,
las sudoríparas e intestino. É necessário um mecanismo
a reabsorção de cálcio é estimulada, enquanto a de fosfato
para garantir o ingresso de água nova no organismo. Esse
é inibida, o que tende a elevar a concentração plasmáti-
mecanismo é a sensação de sede.
ca de cálcio (ou atenuar sua queda em situações em que
O balanço de potássio depende da regulação de sua ex-
os níveis de calcitriol estão baixos) e reduzir a de fosfato.
creção nas porções finais do néfron. Não se sabe exatamente
A excreção de fosfato é estimulada também pelo fator de
como o organismo “percebe” a necessidade de excretar (ou
crescimento de fibroblastos-23, ou FGF-23, uma proteína
reter) potássio. Sabe-se, no entanto, que em situações de ex-
produzida no esqueleto.
cesso de potássio os túbulos convolutos distais reabsorvem
Finalmente, os rins contribuem de modo relevante à
menos sódio, deixando assim uma carga maior do íon ao
segmento de conexão e ao duto coletor, onde a reabsorção produção de hemácias pela medula óssea através da pro-
de sódio favorece a secreção de potássio. Ocorre o inverso dução de eritropoietina, um hormônio regulado pela pO2
na carência de potássio: o túbulo convoluto distal reabsorve da medula renal. A falta de eritropoietina é a principal ra-
a maior parte do sódio que lhe chega, deixando uma parcela zão para a anemia que se associa à doença renal crônica
menor da regulação desse íon aos segmentos subsequentes, avançada.
promovendo assim uma economia de potássio. Há também
uma limitada capacidade de regulação extrarrenal de potás- Referências recomendadas
sio. As células musculares e hepáticas, principal repositórios 1. Zatz, R. Bases Fisológicas da Nefrologia. Atheneu, Rio de Janeiro,
p. 197-221, 2011.
de potássio do organismo, podem acomodar o íon em situa-
2. Boron WF; Boulpaep EL. Medical Physiology, Third Edition. Else-
ções de excesso, ou cedê-lo na escassez, de modo a retardar vier, Filadélfia, pp. 821-835, 2017.
as variações associadas de sua concentração extracelular. 3. Alpern R.J.; Moe O.W.; Caplan M. Seldin and Giebisch’s the kidney.
O epitélio intestinal também pode contribuir à excreção de Physiology and pathophysiology, vol 2, Elsevier, Amsterdã, Fifth Edi-
tion, 2013. pp 2933-2959.
potássio, especialmente quando a função renal é permanen- 4. Aires, MM. Fisiologia, 3a. edição. Guanabara Koogan, Rio de Janei-
temente reduzida (doença renal crônica). ro, pp 197-210, 2008.

206
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 30
Hipertensão
renovascular

Affonso Celso Piovesan


3. Início da hipertensão em idade jovem sem história
Introdução familiar.
A hipertensão renovascular é uma causa rara de hiper-
tensão. Em apenas 1% dos pacientes hipertensos a etiolo- 4. Aumento de níveis de creatinina (acima de 30%) após
gia é a estenose da artéria renal. Entretanto, esta incidência início de inibidores do sistema renina angiotensina.
sobe consideravelmente em grupos específicos. Quando 5. Hipertensão moderada a severa em paciente com ar-
há início abrupto ou mesmo elevação abrupta dos níveis teriosclerose difusa.
pressóricos em pacientes previamente hipertensos, quan- 6. Assimetria renal sem causa aparente.
do a hipertensão é severa ou refratária ao tratamento com 7. Episódios recorrentes de edema pulmonar ou insu-
anti-hipertensivos convencionais, estes índices podem che- ficiência renal refratária com comprometimento de
gar a cerca de 30%. Em indivíduos hipertensos com ou- função renal.
tras manifestações de arteriosclerose, como por exemplo Ainda que existam evidências clínicas de hipertensão
doença coronariana ou arteriopatia aórtica, ou ainda, em renovascular, a investigação complementar só deve ser fei-
vasos periféricos, a incidência de causa renovascular tam- ta em pacientes candidatos a tratamento. É conhecido que
bém aumenta substancialmente. O acometimento bilateral a revascularização renal traz benefícios a poucos destes
ocorre em cerca de 25% dos pacientes e se relaciona a pior pacientes, especialmente naqueles onde os níveis pressóri-
prognóstico, com maiores índices de mortalidade e eleva- cos são bem controlados com drogas. Soma-se a estas con-
ção dos níveis de creatinina. siderações o fato de que a maior parte dos testes com alta
As duas causas principais de estenose da artéria renal sensibilidade envolve riscos à função renal ou são invasi-
são arteriosclerose e displasia fibromuscular. As estenoses vos. A angiotomografia e a ressonância nuclear magnética,
decorrentes de arteriosclerose são mais comuns em ho- devido à necessidade de administração de contraste (io-
mens e estas lesões ocorrem com mais frequência no óstio dado ou gadolínio), que podem levar a um prejuízo ainda
ou na porção proximal da artéria renal. Nestes pacientes, maior da função renal. A dosagem de renina na veia renal
este comprometimento faz parte de um quadro sistêmico é um procedimento invasivo, também com riscos.
de arteriosclerose grave. São, portanto, casos de alta com- Os pacientes que potencialmente podem se beneficiar
plexidade clínica e alto risco para doença coronariana e de procedimento de revascularização são aqueles onde há:
acidentes vasculares cerebrais. A displasia fibromuscular 1. Hipertensão de curta duração: É o fator preditivo mais
é uma doença não inflamatória e não arteriosclerótica de importante de sucesso no controle pressórico pós-re-
etiologia desconhecida. Envolve a íntima e a muscular vascularização. Em pacientes crônicos é frequente o
arterial, levando não somente a estenoses, mas também a desenvolvimento de alterações histológicas no rim
aneurismas e a dissecção da parede do vaso. É mais co- contralateral, que podem manter níveis pressóricos
mum em mulheres acima dos 50 anos e acomete ramos altos após o tratamento da artéria comprometida.
mais distais, sendo mais difícil o seu diagnóstico. 2. Falha de controle dos níveis pressóricos com terapia
específica.
Investigação 3. Intolerância a tratamento com anti-hipertensivos, em
A investigação para hipertensão renovascular não deve especial elevações importantes da creatinina após in-
ser realizada em todos os pacientes hipertensos. Deve ser trodução de inibidores de renina-angiotensina.
reservada a casos onde há elevado grau de suspeita e onde 4. Edema pulmonar agudo recorrente ou insuficiência
os pacientes sejam potenciais candidatos a tratamento. cardíaca refratária.
São pacientes com maior suspeita de hipertensão reno- 5. Estenoses bilaterais com perda progressiva de fun-
vascular e devem ser investigados: ção renal.
1. Pacientes com hipertensão severa ou resistente a
tratamento com anti-hipertensivos ainda que haja Exames diagnósticos
associação de diferentes classes de drogas. O padrão ouro para diagnóstico de hipertensão reno-
2. Aumento abrupto nos níveis pressóricos ou início vascular é a arteriografia. Por tratar-se de teste invasivo e
abrupto de quadro hipertensivo. que envolve a administração de altas doses de contraste

208
Hipertensão renovascular

iodado, métodos diagnósticos menos invasivos devem ser suspeita de hipertensão renovascular quando os níveis de
realizados para rastreamento. Quando estes revelam alto renina dosados na veia do lado suspeito são mais de 1,5
grau de suspeita, procede-se a arteriografia armada, com vezes maiores que os dosados na veia cava ou na veia renal
intenção de confirmação do diagnóstico e tratamento si- contralateral.
multâneos.
Ultrassonografia com Doppler das artérias renais: Tratamento
Por se tratar de exame não invasivo, e de não haver O tratamento medicamentoso, com anti-hipertensivos,
necessidade de irradiação ou de administração de con- deve ser a primeira opção terapêutica na maior parte dos
traste é o exame de escolha para início de investigação. pacientes. O uso de inibidores de angiotensina, apesar
Por outro lado, trata-se de exame operador-dependente de diminuir o fluxo arterial no rim acometido, aumenta
e deve ser realizado por profissional experiente, para a perfusão do rim contralateral, mantendo assim o ritmo
que possa ter confiabilidade. O diagnóstico é feito por de filtração glomerular global. Além destas drogas, o uso
elevação da velocidade de pico sistólico na artéria re- de antiagregantes plaquetários e a otimização do controle
nal. Velocidades superiores a 300 cm/s sugerem esteno- da glicemia e da dislipidemia são importantes para evi-
se importante, com comprometimento de mais de 60% tar a progressão da doença. A revascularização renal traz
da luz do vaso. Outro parâmetro relevante do estudo benefício questionável na maior parte dos casos onde os
com Doppler é o índice de resistividade. Este, apesar de níveis pressóricos estejam controlados. Diversos estudos
pouco útil para o diagnóstico da hipertensão renovas- não mostraram benefícios com relação a mortalidade, pre-
cular, tem fator prognóstico que pode reforçar ou não a venção de insuficiência renal, eventos cardiovasculares e
indicação de revascularização. Índices de resistividade controles pressóricos.
aumentados, acima de 80 se associam a um alto grau de A angioplastia com stent é o procedimento padrão para
comprometimento do tecido renal e, portanto, sucesso tratamento de estenose de artéria renal. Suas indicações
limitado à revascularização. são, entretanto, limitadas e já comentadas acima. A queda
Angiotomografia e ressonância nuclear magnética: têm dos níveis pressóricos ocorre de maneira bastante rápida,
sensibilidade semelhante, ao redor de 90% para diagnósti- com estabilização dos novos níveis em cerca de 48 horas
co de lesões proximais, normalmente consequentes a com- após o procedimento. As taxas de sucesso são bastante al-
prometimento arteriosclerótico. São considerados positi- tas, ao redor de 90%. A longo prazo, os índices de rees-
vos testes que mostram estenoses superiores a 70% da luz tenose também são elevados, variando de 10 a 40% em 2
ou maiores que 50% com dilatação da artéria proximal à anos. Lesões ostiais e oclusões totais são condições que
estenose. Quando as lesões ocorrem em ramos menores ou limitam o sucesso desta terapia e contraindicações relati-
intrarrenais, frequentes em doença fibromuscular, o exame vas ao seu uso.
perde sua acurácia. O tratamento cirúrgico é opção de exceção em
Testes laboratoriais: os testes laboratoriais têm sen- pacientes com hipertensão renovascular. O autotransplan-
sibilidade e especificidade muito menores para o diag- te ou cirurgias de “by-pass” (derivação esplenorrenal ou
nóstico de hipertensão renovascular. Com a melhora de hepatorrenal) deve ser indicado em raros casos onde não é
qualidade dos exames de imagem, foram praticamente possível o implante de stents, por exemplo em lesões os-
abandonados. Têm sua utilidade em raros casos de alta tiais ou em artérias com bifurcação precoce. Pode também
suspeita clínica de fibrodisplasia, onde os estudos radio- ser considerado em pacientes com indicação de interven-
lógicos perdem em acurácia. ção cirúrgica em doenças da aorta como aneurismas ou
A dosagem de renina sérica está alterada em cerca de doença oclusiva.
60% dos pacientes. A administração de captopril aumenta A nefrectomia deve ser considerada en pacientes com
a sensibilidade do teste, sendo esperada uma elevação exa- função renal menor que 10%. Sua indicação segue os pre-
gerada destes níveis. ceitos já comentados anteriormente neste texto, visto que
A dosagem da renina na veia renal do lado suspeito é leva a pouco benefício na maior parte dos casos. Comu-
feita por meio de cateterismo. É um procedimento invasi- mente a convivência com quadros hipertensivos arrastados
vo, com riscos inerentes à punção. Foi praticamente aban- leva a comprometimento histológico do rim contralateral,
donado com a evolução dos exames de imagem. Há forte com manutenção da hipertensão mesmo após a cirurgia.

209
Referências recomendadas
1. Dworkin LD, Cooper CJ. Clinical practice. Renal-artery stenosis. N Vascular Disease Foundation. Circulation 2006;113:e463.
Engl J Med 2009;361:1972. 4. Williams GJ, Macaskill P, Chan SF et al. Comparative accuracy of
2. Textor SC, Lerman L. Renovascular hypertension and ischemic renal duplex sonographic parameters in the diagnosis of renal ar-
nephropathy. Am J Hypertens 2010;23:1159. tery stenosis: paired and unpaired analysis. AJR Am J Roentgenol
3. Hirsch AT, Haskal ZJ, Hertzer NR et al. ACC/AHA 2005 Practice 2007;188:798.
Guidelines for the management of patients with peripheral arterial 5. Vasbinder GB, Nelemans PJ, Kessels AG et al. Accuracy of computed
disease (lower extremity, renal, mesenteric, and abdominal aortic): a tomographic angiography and magnetic resonance angiography for
collaborative report from the American Association for Vascular Sur- diagnosing renal artery stenosis. Ann Intern Med 2004;141:674.
gery/Society for Vascular Surgery, Society for Cardiovascular Angio- 6. Raman G, Adam GP, Halladay CW et al. Comparative effectiveness
graphy and Interventions, Society for Vascular Medicine and Biology, of management strategies for renal artery stenosis: an updated syste-
Society of Interventional Radiology, and the ACC/AHA Task Force matic review. Ann Intern Med 2016;165:635.
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ty for Vascular Nursing; TransAtlantic Inter-Society Consensus; and artery disease. Urol Clin North Am 2001;28:827.

210
SEÇÃO V
UROLOGIA GERAL II

CAPÍTULO 31
Transplante renal

Ricardo Luiz Martins


Gilberto Saber
Luciana T. Santamaria Saber
O transplante renal prolonga a vida, reduz a morbida- mais de 60 anos, desde que cuidadosamente seleciona-
de, melhora a qualidade de vida, reduz os custos associa- dos. (GR B)
dos com o cuidado médico. Entretanto, contém os riscos Avaliam-se fatores de risco para nefroesclerose
inerentes à anestesia e ao procedimento cirúrgico, além como: hipertensão arterial, diabetes mellitus, arteriopatia
do risco inerente ao uso de terapia imunossupressora severa. Avaliar a função renal, tempo de internação em
contínua, que pode levar a efeitos colaterais importantes. UTI, uso prolongado de drogas vasoativas e infecções as-
sociadas (em doador falecido).

Indicação São considerados doadores falecidos limites ou mar-


ginais, hoje denominados como doadores de critério ex-
Todos os pacientes com insuficiência renal ter-
pandido, aqueles com:
minal devem ser considerados para o transplante re-
nal, exceto se houver absoluta contraindicação, pois • Idade acima de 60 anos, mesmo sem outros fatores
o transplante oferece melhor expectativa e qualidade de risco.
de vida em relação aos pacientes que permanecem em • Idade entre 50 e 59 anos, com pelo menos 2 dos 3
diálise. (GR A) critérios abaixo:
Indica-se o transplante para pacientes com taxa de ♦ Hipertensos (B); nível de creatinina superior a 1,5
filtração glomerular (TFG) menor que 15 ml/mim/1,73 mg/dL (ou depuração de creatinina [Cockcroft/
m² mantida pelo menos por três meses. Deve-se excluir Gault] entre 50 e 70 ml/min) antes da remoção do
qualquer causa aguda e reversível de insuficiência renal. órgão (creatinina do dia da remoção “creatinina ter-
minal”) (B);
Contraindicação ♦ Acidente vascular cerebral como causa de morte (B);

As contraindicações para o transplante são: ♦ Doadores com doenças renais e diabéticos (B).
• Câncer ativo mesmo após tratamento, • Doadores pediátricos (B).
• Infecções sistêmicas ativas, • Doadores limítrofes quanto ao potencial de trans-
• Expectativa de vida menor que dois anos, missão de doenças e à presença de anomalias
• Doença psiquiátrica grave ativa e sem controle, anatômicas: Doadores portadores de neoplasias
• Comorbidades proibitivas e que podem piorar após malignas (B); Doadores portadores de infecções
o transplante, (B); Comportamento social/sexual com inclusão
• Alto risco operatório, em grupos de risco (D); Rins com anomalias ana-
tômicas (B).
• Incompatibilidade ABO (no Brasil não contamos
mais com o programa de dessensibilização para es- Pacientes com rins limites ou marginais ou com fato-
tes pacientes), res de risco para nefroesclerose são submetidos a biópsia
• Cross-match positivo (reação do soro do receptor renal prévia ao transplante. Na biópsia renal, aceita-se
contra os linfócitos do doador), como órgãos adequados para transplante a presença de
até 20% de glomérulos esclerosados em uma amostra de
• Pacientes HIV positivos. (GR B)
pelo menos 25 glomérulos.
Entretanto, estudos retrospectivos mostram que o
Em rins de doadores falecidos, é recomendado que o
transplante renal pode ser bem-sucedido em receptores
tempo de isquemia fria seja inferior a 24 horas. (NE 1B)
HIV positivos com carga viral indetectável e tratados em
São realizados testes sorológicos para evitar a trans-
centros de excelência. (NE 3)
missão de doenças como HIV, HTLV, hepatites, sífilis,
citomegalovírus, toxoplasmose, Chagas.
Critérios de seleção do doador A história prévia de câncer não é uma contraindicação
A idade máxima recomendada para doador faleci- para a doação de órgãos. Mas existem contraindicações
do é em torno de 65 anos e do doador vivo é 55 anos, absolutas como câncer ativo ou história de doença me-
mas o mais importante é a qualidade do órgão doado, tastática ou doenças com taxas de recorrência elevadas,
avaliando-se as comorbidades do doador e o tempo de como neoplasia de mama avançada, melanoma, leucemia
isquemia do rim. Recomenda-se o uso de doadores com ou linfoma.

212
Transplante renal

Nesta avaliação são excluídos rins com parênquimas


Critérios de exclusão inadequados, rins com calculose crônica bilateral, mul-
para doadores vivos tiplicidade de vasos ou ureter, ou alterações anatômicas
Na avaliação do doador vivo deve-se excluir todo e como rins em ferradura, neoplasia renal ou urotelial. Ava-
qualquer fator de risco que possa levar o paciente no futu- liar e excluir se há hematúria micro ou macroscópica.
ro a evoluir para insuficiência renal.
As contraindicações absolutas são:
• Idade inferior a 18 anos,
Avaliação do receptor para
• Hipertensão arterial não controlada ou com lesão de transplante renal
órgão alvo, A avaliação deve levar em consideração: idade e ex-
pectativa de vida, estado nutricional, obesidade, comorbi-
• Diabetes mellitus,
dades, avaliação do sistema cardiovascular, hematológico
• Proteinúria maior que 300 mg/24h,
e trato urogenital.
• Taxa de filtração glomerular anormal para a idade, A idade avançada per se não é contraindicação ao
• Hematúria microscópica (necessária investigação transplante. As comorbidades do paciente, sim, consti-
rígida complementar), tuem fator limitante mais importante que a idade. (NE 1)
• Alto risco de tromboembolismo, Deve-se controlar os sintomas gastrointestinais rela-
• Doença clinicamente significativa (como doença cionados à uremia e avaliar o estado nutricional dos pa-
pulmonar crônica, doença cardíaca), cientes, encaminhando-os para programas de suplemen-
• História de cálculos renais há menos de dez anos, tação dietética, quando necessário, com o objetivo de
• HIV positivo. melhora da resposta à cicatrização.
A obesidade não é contraindicação absoluta para o
Contraindicações relativas são: obesidade, distúrbios
transplante, mas indivíduos com IMC maior que 40 kg/m2
psiquiátricos (controlados) e paciente com sorologia po-
são menos propensos a se beneficiar. (NE 1B) O pacien-
sitiva para Chagas - Chagas indeterminado e sem lesão de
te obeso tem maior risco de função retardada do enxerto,
órgão-alvo.
maior risco de complicações e infecções em ferida opera-
tória e maior tempo de internação.
Avaliação urológica do Devemos investigar os pacientes com infecções uriná-
doador vivo renal rias de repetição, especialmente pielonefrites, associadas
Deve-se excluir comorbidades proibitivas para doa- ou não a cálculos em rins nativos e avaliar a necessidade
ção, além de avaliar a função renal e distúrbios miccio- de nefrectomia pré-transplante.
nais, como obstrução infravesical e bexiga neurogênica. Em casos de histórico de neoplasias prévias, recomen-
Avaliar a anatomia do sistema urinário, parênquima renal, da-se um intervalo entre o fim do tratamento do câncer e o
vasos do hilo renal (como o número de artérias e veias) e transplante. Este intervalo obedece a critérios de risco de
o ureter, através de exames de imagem. recorrência como a tabela 1.

Tabela 1. Critérios de risco de recorrência

2 anos 2 a 5 anos 5 anos


(Baixo risco de recorrência) (Risco intermediário) (Alto risco de recorrência)

Carcinoma de células renais Corpo uterino Câncer de bexiga

Linfoma Tumor de Wilms Sarcoma

Tumores de testículo Carcinoma de colo Melanoma maligno

Colo uterino Câncer de mama Carcinoma de células renais sintomático

Tireoide Câncer de próstata Mieloma

213
Pacientes portadores de hematúria (micro ou macros- Todas estas alterações devem ser submetidas à corre-
cópica) e/ou tabagismo de longa data devem ser sub- ção cirúrgica antes do transplante. (GR B/C)
metidos a avaliação com cistoscopia, citologia urinária Em bexigas de baixa capacidade e complacência, ou
oncológica e exames de imagem pré-transplante. Reco- associadas à hiperatividade detrusora, a terapia com anti-
menda-se ao paciente parar de fumar antes do transplan- colinérgicos com ou sem cateterismo intermitente, muitas
te. (NE 1B) vezes é necessária. (GR B/C)
Os homens a partir de 50 anos devem ser submetidos Na impossibilidade de cateterismo intermitente por via
a avaliação de próstata com PSA, toque e eventualmente uretral ou em pacientes com bexigas desfuncionalizadas,
exames de imagem. (GR B) contraídas ou fibrosadas, as derivações urinárias estão in-
A doença vascular periférica não é uma contraindica- dicadas. A primeira opção é a derivação continente (con-
ção ao transplante, mas há um risco aumentado de morte duto ileal ou Mitrofanoff); na impossibilidade desta ser re-
e complicações, sendo necessária a avaliação rigorosa pré- alizada, devemos lançar mão das derivações incontinentes,
-transplante de todo paciente com diminuição de pulsos sendo o conduto de Bricker o mais largamente utilizado.
periféricos, tabagistas, hipertensos e diabéticos de longa (GR B/C)
data. (GR B) Pacientes com bexigas de baixa complacência e capa-
Pacientes com aneurismas abdominais incorrigíveis, cidade podem ser submetidos a ampliações vesicais tanto
arteriopatia oclusiva grave, gangrena (lesão isquêmica/ pré quanto pós-transplante. A maioria dos urologistas pre-
infectada) ou eventos tromboembólicos recentes não são fere realizar a derivação urinária ou a ampliação vesical
candidatos ao transplante. (GR B) pelo menos de 10 a 12 semanas antes transplante.
É importante a avaliação de pacientes com risco de co- Pacientes com derivações urinárias ou submetidos a
agulopatias, como em casos de trombose recorrente, perda ampliações vesicais têm um risco aumentado de apresentar
precoce ou repetida de fístulas arteriovenosas, síndrome infecções urinárias no pós-transplante.
nefrótica (aumento de risco de trombose devido à perda de Nos casos de uropatia obstrutiva congênita com disfun-
proteínas como a antitrombina e proteína C), lúpus (30% ção miccional conhecida, infecções urinárias de repetição,
a 50% dos casos com presença de anticorpos antifosfolipí- refluxo vesicoureteral, displasia renal e em crianças onde
deos - SAAF) e pacientes com perda de enxerto prévio por a causa da doença renal é desconhecida, deve-se realizar
causa vascular. Nestes casos deve-se considerar a anticoa-
investigação com uretrocistografia miccional e estudo uro-
gulação prévia ao transplante.
dinâmico completo antes do transplante, para avaliação e
tratamento adequado destas alterações, diminuindo os ris-
Preparo urológico do receptor cos de perda do enxerto.
para o transplante renal Pacientes renais crônicos em preparo para o transplante
O preparo urológico do receptor deve avaliar a capaci- com dificuldade miccional devido ao aumento de volume
dade vesical de armazenamento, capacidade adequada de prostático (hiperplasia prostática benigna) e diurese pre-
drenagem da via urinária e a necessidade de nefrectomia servada devem ser tratados antes do transplante. Iniciar o
prévia ao transplante. tratamento medicamento de forma habitual com alfablo-
Em pacientes cuja insuficiência renal é causada por queador isolado ou em associação com inibidor da 5-al-
anormalidades do trato urinário, deve-se avaliar a neces- fa-redutase.
sidade da correção destas patologias antes do transplante. Pacientes refratários à terapia medicamentosa seguem
As más-formações congênitas mais frequentemente en- as mesmas indicações para tratamento cirúrgico por res-
contradas nesta população são válvula de uretra posterior, secção endoscópica de próstata ou enucleação do adenoma
espinha bífida, síndrome de Prune-Belly, refluxo vesicou- prostático.
reteral, extrofia da bexiga e a síndrome de Vater. Como Entretanto, pacientes anúricos com hiperplasia benigna
alterações adquiridas, temos bexiga neurogênica (como de próstata não devem ser submetidos a cirurgia de prós-
sequela de diabetes ou de lesões neurológicas) e bexiga tata antes do transplante, pois há uma alta incidência de
espástica de baixa complacência (como sequela de mani- formação de estenose após cirurgias em pacientes sem flu-
pulação cirúrgica ou tuberculose). xo urinário.

214
Transplante renal

Indicações para nefrectomia Técnica da nefrectomia do doador vivo


pré-transplante Todos os tipos de acessos podem ser realizados, tais
Na doença renal policística autossômica dominante, a ne- como: transperitoneal clássico através da linha mediana,
frectomia unilateral ou bilateral pode ser necessária em rins acesso subcostal ou supracostal extraperitoneal por lombo-
de grandes dimensões, quando não houver espaço suficiente tomia. A incisão pode ser realizada sob a 12ª costela com
para o rim transplantado ser acomodado, ou se há infecções ou sem a sua ressecção, ou acima da 12ª costela (extrape-
ou ruptura de cistos que podem ser acompanhados de hema- ritoneal e extrapleural). O acesso laparoscópico pode ser
túria, dor abdominal, vômitos e dificuldade para se alimentar transperitoneal ou retroperitoneal.
devido a compressão gastrointestinal. A nefrectomia pode O rim esquerdo em termos práticos é o preferido por
ser feita antes ou simultaneamente ao transplante, com taxas ter a veia renal mais longa.
de complicações e resultados semelhantes. (GR B-C) A nefrectomia segue os passos técnicos semelhantes
Outras indicações de nefrectomia prévia ao trans- de uma nefrectomia para patologia benigna com cuidado
plante são: especial para preservação do maior comprimento possível
da artéria e veia renal, preservação do tecido adiposo e ir-
• Hipertensão arterial refratária, diminuindo a neces-
rigação vascular periureteral.
sidade de medicações anti-hipertensivas. Atualmente
Em rins com artérias múltiplas, escolhe-se o rim com
sua indicação é excepcional, devido ao controle ade-
menos artérias. Artérias do polo superior em geral irrigam
quado da hipertensão com novas drogas e melhora
pequena porção do parênquima. Deve-se clampear a arté-
nos processos dialíticos.
ria polar superior no momento da nefrectomia e observar
• Rins cronicamente infectados.
a área de parênquima comprometida. Áreas de isquemia
• Suspeita de câncer renal ou urotelial. maiores que 2 cm podem levar a necrose do parênquima
• Não há indicação absoluta para a remoção de rins na- e fístula calicinal. Artérias centrais ou aquelas que se diri-
tivos devido a urolitíase. A nefrectomia é necessária gem para o polo inferior não devem ser ligadas pelo risco
se houver risco de infecções associadas aos cálculos e de isquemia da pelve e do ureter.
na impossibilidade de tratamento efetivo dos mesmos. A avaliação da anatomia e dos vasos hilares renais é
• Níveis persistentes de anticorpos antimembrana e realizada através de exames de imagem como a angio-
antiglomérulo. tomografia ou angiorressonância nuclear magnética. A
• Proteinúria significativa e persistente da síndrome arteriografia, por ser método invasivo, é cada vez menos
nefrótica, mesmo após o correto tratamento clínico. utilizada.
• Hidronefrose e refluxo de alto grau, principalmente
associada a infecções de repetição. Aspectos técnicos da laparoscopia
A abordagem transperitoneal oferece mais espaço de
Nefrectomia para doação trabalho, porém a abordagem da artéria renal é mais tra-
balhosa devido à sua posição por trás da veia renal. Já a
em transplante renal abordagem retroperitoneal permite uma fácil identificação
O princípio fundamental da nefrectomia para trans-
inicial da artéria renal e uma abordagem direta aos ramos
plante renal é realizar a retirada do rim com a menor mor-
da veia renal. Seu principal inconveniente é o limitado es-
bidade e maior segurança possível para o doador e com a
paço de manobra.
preservação da qualidade do órgão para o receptor.
A técnica Hand-Assisted (auxiliada pela mão) pode di-
As nefrectomias aberta e laparoscópica apresentam
minuir o tempo de isquemia quente durante a nefrectomia.
taxas semelhantes para a função do enxerto, taxa de rejei-
ção, complicações e sobrevida do paciente e do enxerto.
A técnica laparoscópica apresenta menor necessidade de Preparo do rim em “cirurgia
analgesia, menor tempo de internação e menor tempo para de banco”, pré-transplante
retorno ao trabalho. (GR A) Após a captação e perfusão do rim com líquido de pre-
A escolha entre acesso aberto ou laparoscópico deve servação, é realizado o preparo do rim em mesa de perfu-
ser baseada na experiência da equipe. (NE 2C) são, também chamada de cirurgia de banco.

215
Neste momento são revisados todos os vasos, realiza- sical no interior da bexiga, chamada de técnica de Poli-
das as ligaduras dos vasos linfáticos peri-hilares e de pe- tano-Leadbetter.
quenos vasos vasculares abertos inadvertidamente durante Quando ocorre a impossibilidade do reimplante urete-
a captação. São avaliadas a perfusão renal e a presença de ral diretamente na bexiga por técnica extravesical ou intra-
trombos vasculares ou lesão da camada íntima da artéria. vesical, seja por má condição da bexiga, bexiga de difícil
Checa-se a presença de lesões ou tumores no parên- acesso ou contraída, ou por comprometimento da vascula-
quima renal, assim como anormalidades anatômicas, a rização ureteral, é então realizada a anastomose do ureter
preservação do tecido adiposo e a vascularização da via nativo do paciente sobre a pelve ou sobre o ureter do rim
excretora e do ureter e se há duplicidade ureteral. transplantado, anastomoses estas denominadas, respecti-
É possível ser feito o alongamento da veia renal direita vamente, de ureteropielo e ureteroureteroanastomoses.
com patch de veia cava em rim de doadores falecidos. Em O cateter ureteral de duplo J não é utilizado de rotina
rins com mais de uma artéria avalia-se a necessidade de re- e sistematicamente em todos os serviços de transplante;
construção e aproximação dos óstios arteriais para realizar de maneira geral, o seu uso está diretamente relacionado à
as anastomoses arteriais. qualidade dos tecidos na anastomose da via excretora e da
É também verificada a indicação de biópsia renal, prin- experiência técnica da equipe.
cipalmente em rins limites ou marginais. Em recente revisão da Cochrane com sete ensaios
clínicos randomizados e segundo o Grupo de Diretrizes
de Transplante Europeu (ERBP), recomenda-se o uso de
Técnica do transplante renal cateter de duplo J como prática cirúrgica rotineira em
De maneira didática, o transplante consiste em uma ci-
transplante de rim adulto. (NE 1B) Nestes estudos foi
rurgia vascular com a anastomose da artéria e da veia renal
demonstrado que o seu uso levou a uma diminuição das
no receptor e no reimplante ureteral.
complicações ureterais, apesar do aumento da incidência
O enxerto renal pode ser implantado na posição ana-
de infecção urinária. Este efeito protetor do cateter de du-
tômica original dos rins, também chamado de transplan-
plo J, ainda que presente, foi menos expressivo em equipes
te ortotópico, mas na maioria dos casos é implantado nas
cirúrgicas mais experientes.
fossas ilíacas e vasos ilíacos (chamado de transplante he-
O cateter de duplo J pode e deve ser usado particular-
terotópico).
mente em casos de anastomoses complicadas. O seu uso
É realizado o acesso extraperitoneal das fossas ilíacas
profilático diminui as principais complicações urinárias.
através de uma incisão pararretal externa ou incisão de Gi-
(NE 1A) EAU
bson. As fossas ilíacas ipsilateral ou contralateral podem
ser utilizadas. É então realizada a dissecção dos vasos ilía-
cos com ligadura dos vasos linfáticos para evitar linfocele
Complicações cirúrgicas
As complicações cirúrgicas vasculares podem ser ar-
e preparo da bexiga para receber o reimplante ureteral.
teriais, venosas e linfáticas. As de origem arterial compre-
A anastomose arterial pode ser realizada com a técnica
endem deiscência e rotura de anastomose, sangramento,
término-lateral com a aorta, ilíaca comum, ilíaca externa
trombose, estenose, fístula arteriovenosa e aneurisma de
e ilíaca interna ou pode ser feita término-terminal entre a
artéria renal. Complicações venosas se manifestam como
artéria renal e a artéria ilíaca interna.
sangramento venoso e trombose venosa. Complicações
A anastomose venosa é realizada da forma término-la-
nos vasos linfáticos, como linfocele ou linforragia.
teral com a veia cava, ilíaca comum ou ilíaca externa.
Em relação à via excretora, temos a fístula urinária,
A técnica do reimplante ureteral na grande maioria das
estenose e refluxo ureteral. Sem contar com outras com-
vezes é realizada por técnica extravesical entre a muco-
plicações, como infecção, hérnia e deiscência de parede,
sa vesical após dissecção da camada muscular e o ureter
ruptura do enxerto, cálculos renais.
transplantado, chamada de técnica Lich-Gregoire.
Quando as condições técnicas são inadequadas (como
a má qualidade da mucosa vesical), deve-se optar pela Sangramento ou hemorragia
técnica intravesical de reimplante ureteral, quando então aguda e hematoma
é confeccionado um túnel submucoso por onde passa o O achado de ultrassom de discretos hematomas no pós-
ureter e realizada a anastomose do ureter na mucosa ve- -operatório imediato não é incomum. Já a hemorragia aguda

216
Transplante renal

é um evento mais raro e pode ser de origem venosa ou arte- causa detectável. É diagnosticada por ultrassom Doppler
rial, devido ao vazamento ou ruptura de anastomose vascu- (presença de alta velocidade - maior que 2 m/s- e turbilho-
lar, hemostasia inadequada de pequenos vasos, sangramento namento de fluxo), angiotomografia, angiorressonância ou
em local da biópsia renal e devido a ruptura do enxerto. arteriografia.
Tem fatores de risco identificados, tais como: técnica As opções de tratamento incluem o tratamento medica-
cirúrgica inadequada, distúrbio de coagulação, hilo renal mentoso e acompanhamento da função renal. O tratamen-
mal preparado com vasos não ligados, múltiplas artérias to intervencionista é indicado se a estenose for maior que
renais, biópsia renal e rejeição hiperaguda. 70%. A dilatação transluminal, com ou sem colocação de
Os sintomas vão depender da quantidade de sangra- stent, apresenta resultados em torno de 70%, menos efetiva
mento, do volume do hematoma perirrenal e da origem do do que a cirurgia aberta, mas o tratamento endovascular é
sangramento, se venoso ou arterial. Sintomas comuns são o de primeira escolha para estenoses distais e distantes da
dor, abaulamento e/ou sangramento pela ferida operatória, anastomose. A cirurgia aberta é reservada para dobradura
anúria, sinais de choque circulatório. O diagnóstico é clí- da artéria ou estenose da anastomose, ou quando a dilata-
nico e através de ultrassom Doppler ou tomografia compu- ção percutânea não tem sucesso, e envolve a ressecção do
tadorizada. Grandes hematomas com ou sem compressão, segmento comprometido e implante direto.
hematomas em expansão, sangramento ativo e disfunção
aguda do enxerto requerem tratamento cirúrgico imediato. Fístulas arteriovenosas
Suspeita-se quando há a presença de hematúria persis-
Trombose da artéria renal tente. O diagnóstico é por ultrassom Doppler e confirmado
A trombose arterial tem incidência de 0,5% na primei- por ressonância magnética ou angiografia. A angiografia
ra semana de pós-operatório. Os fatores de risco incluem a pode ser diagnóstica e terapêutica. As fístulas podem re-
aterosclerose, ruptura da camada íntima arterial não iden- gredir espontaneamente, mas quando a hematúria é persis-
tificada, técnica inadequada, dobra ou torção da artéria tente ou quando o diâmetro é maior que 15 mm, emboliza-
renal, rins com múltiplas artérias e transplante pediátrico. ção seletiva deve ser realizada. Incidência média de 10%.
Pode ocorrer por fatores intrínsecos aos vasos, por com-
pressão externa ou torção da artéria ou hilo renal. Deve ser Trombose venosa renal
suspeitada na ausência ou alteração de função primária ou A trombose venosa é rara, ocorrendo em 0,5% dos
anúria súbita. A confirmação diagnóstica é por ultrassom transplantes renais em adultos e em 2,5% em transplantes
Doppler, tomografia computadorizada ou arteriografia. pediátricos. Fatores de risco são hipotensão, alteração na
Para tratamento, a cirurgia é sempre necessária. A téc- coagulação, técnica cirúrgica inadequada como torção ou
nica endovascular pode obter sucesso dentro das primei- dobra da veia renal, sutura de uma válvula da veia ilíaca
ras 12 horas, sendo diagnóstica e terapêutica ao mesmo na anastomose, compressão externa. Suspeita-se pelo não
tempo. No entanto, o rim é muito intolerante à isquemia funcionamento primário, hematúria, anúria após funciona-
quente e a maioria dos transplantes tem que ser removida. mento inicial do enxerto e, mais gravemente, pode evoluir
para ruptura do enxerto, principalmente quando está as-
Estenose da artéria renal sociada a rejeição. A ruptura do rim é seguida por sinais
A estenose da artéria renal tem uma incidência que va- de choque circulatório e dor abdominal. A confirmação
ria de 1% a 10%, sendo que a maioria ocorre no local da diagnóstica é feita por ultrassom Doppler ou tomografia. A
anastomose e nos primeiros seis meses após o transplante. trombectomia tem uma taxa de sucesso muito pequena e a
necessidade de intervenção cirúrgica é imediata. A trans-
Os fatores de risco são: idade avançada do doador e do
plantectomia é muitas vezes necessária.
receptor, rins com critérios expandidos ou marginais, fun-
ção tardia do enxerto, doença isquêmica cardíaca, técnica
cirúrgica inadequada. Linfocele
Suspeita-se quando o paciente se torna hipertenso ou A incidência de linfoceles sintomáticas é de 2%; en-
a hipertensão arterial se torna refratária ao tratamento, tretanto, em protocolos de uso sistemático de ultrassom
ou quando houver piora da função do enxerto sem outra no pós-transplante, pode ocorrer achado incidental de até

217
50% de linfoceles pequenas e assintomáticas. da vascularização e perda importante da extensão do ure-
Ocorre devido a ligadura inadequada dos vasos lin- ter, realiza-se a anastomose ureteroureteral ou ureteropié-
fáticos ilíacos no momento do transplante renal (lem- lica, utilizando-se o ureter nativo do paciente associado ao
brando-se que cerca de 300 mL de linfa passam por dia uso de cateter de duplo J.
pelos vasos linfáticos ilíacos externos). A obesidade e o Quando ocorre a perda distal da vitalidade ureteral, em
uso de alguns imunossupressores tais como inibidores de casos de bexigas de boa complacência e capacidade, pode
m-TOR estão associados a um maior risco de linfocele. ser tentada a técnica de bexiga psoica ou flap de Boari.
As linfoceles de até 100 ml são pequenas e assin- Fístula vesical discreta pode ser tratada com drenagem
tomáticas e têm tendência a resolução espontânea. Já suprapúbica ou transuretral.
nos casos de grandes linfoceles, pode haver dor ou piora Fístula calicinal pode ser tratada com o uso de duplo J
da função renal causada pela compressão do ureter ou e sondagem vesical, mas na maioria dos casos é necessária
infecção. a nefrectomia polar.
Em linfoceles discretas e assintomáticas a conduta é
conservadora. Para linfoceles sintomáticas, o tratamento
inicial pode ser feito por punção e aspiração guiada por
Refluxo e pielonefrite aguda
A pielonefrite aguda é uma complicação rara. O reflu-
ultrassom ou tomografia.
xo está presente em até 30% dos casos após reimplante
A marsupialização laparoscópica é o tratamento de
ureteral com técnica de Leadbetter. Ao se empregar a téc-
escolha em linfoceles compressivas e sintomáticas ou in-
nica de Lich-Gregoire, a incidência depende do tamanho
fectadas. A cirurgia aberta é indicada quando a cirurgia
do túnel submucoso, sendo de 10% se o túnel é longo e de
laparoscópica é proibitiva tecnicamente ou quando oferece
até 80% quando curto.
risco ou enxerto.
O túnel antirrefluxo para a anastomose ureterovesical
deve ter de 3 a 4 cm de comprimento.
Fístula urinária Em infecções do trato urinário inferior, o risco de pie-
A fístula urinária é a complicação precoce mais co-
lonefrite aguda é de 80% na presença de refluxo e de 10%
mum, com incidência de 3% a 5% dos casos em que um
em sua ausência.
duplo J não foi usado. Pode ocorrer no ureter, bexiga e pa-
Casos onde há refluxo vesicoureteral complicados por
rênquima renal. A causa mais frequente é a necrose isquê-
pielonefrite aguda devem ser tratados com injeção endos-
mica do ureter, mas pode ser secundária a técnica cirúrgica
cópica periureteral de polímero, com uma taxa de sucesso
inadequada.
de 30% a 78%. Caso a técnica endoscópica não tenha su-
O diagnóstico clínico se faz por um abaulamento da fe-
cesso, deve ser realizada a cirurgia aberta com reimplante
rida operatória com ou sem extravasamento de urina, ede-
ureteral.
ma escrotal ou de grandes lábios vaginais, queda do débito
urinário ou anúria. Os exames complementares podem ser
feitos, se necessário. Ultrassom com ou sem punção da co- Estenose de ureter
leção líquida (diagnóstico diferencial com linfocele), ure- Estenose ureteral ocorre em torno de 5% dos transplan-
trocistografia, tomografia computadorizada e cintilografia tes, no período de 1 a 10 anos pós-transplante. A estenose
renal (com marcação tardia). de ureter leva a dilatação a montante do ponto de estenose
Como tratamento inicial, pode-se se tentar a realização e piora progressiva da função renal.
de nefrostomia, sondagem vesical de demora, e o implante Más há outras causas de dilatação ureteral que não são
de cateter duplo J. Este tratamento seria efetivo apenas em devidas a estenose que devem ser excluídas, tais como:
discretas fístulas onde não há isquemia tecidual. Dilatação do ureter como consequência da obstrução
Na grande maioria das vezes é necessário o tratamento infravesical, com achados de alta pressão vesical, bexiga
cirúrgico. Pode ser feito o reimplante ureteral, tanto por de parede espessada e retenção urinária,
técnica extravesical ou intravesical, se o ureter for sufi- Refluxo vesicoureteral, por deficiência do mecanismo
cientemente longo e não houver necrose no mesmo, asso- antirrefluxo,
ciado ao uso de cateter de duplo J. Compressão extrínseca ureteral (hematoma, linfocele),
Entretanto, ao ocorrer comprometimento significativo Torção ou dobra ureteral.

218
Transplante renal

A maioria dos casos ocorre durante o primeiro ano


após o transplante, em decorrência de formação de cicatri-
Ruptura do enxerto
Cerca de 10% a 15% do débito cardíaco em repouso
zes e/ou técnica cirúrgica inadequada.
passa através do rim transplantado, compreendendo cerca
Os fatores de risco incluem a idade avançada do doa-
de 500 a 750 mL/min. Sendo assim, a ruptura renal pode
dor, maior tempo de isquemia fria, função tardia do enxer-
manifestar-se como um quadro clínico dramático, com he-
to, rim com múltiplas artérias e infecção por poliomavírus.
matoma da loja renal, abaulamento de ferida operatória, dor
O tratamento inicial envolve a drenagem percutânea,
local e queda de hematócrito, sinais de choque hemorrágico.
verificando-se se a função renal melhora ou não após a
O quadro clínico depende da gravidade da lesão e da capa-
mesma. Exames de imagem como uretrocistografia, tomo-
cidade de tamponamento do hematoma no retroperitônio.
grafia ou ressonância devem ser feitos para determinar o
Geralmente ocorre após a primeira semana do trans-
grau e a localização da estenose.
plante. Costuma estar associada a rejeição grave, necrose
O tratamento depende do grau de estenose e a reper-
tubular aguda grave, trombose venosa e pode ser precipita-
cussão sobre o funcionamento do enxerto e pode ser en-
da após biópsia renal.
doscópico ou através de cirurgia aberta.
O diagnóstico inicial é clínico e pode ser confirmado
O tratamento endoscópico pode ser realizado via
por ultrassom ao revelar hematoma na loja renal, podendo
transuretral ou percutâneo. A abordagem endoscópica é
demonstrar baixo fluxo renal e sinais de compressão. Em
bem-sucedida em 50% a 65% dos casos. Pode-se reali-
casos agudos, devido à emergência instalada, não há tem-
zar a dilatação com balão ou ureterotomia a laser, com
po hábil para a realização de exames confirmatórios.
um resultado melhor quando a estenose é precoce, distal
A confirmação diagnóstica é sempre cirúrgica.
e curta.
O tratamento é a intervenção cirúrgica imediata, lim-
O tratamento por cirurgia aberta envolve a ressecção do
peza da loja e sutura da lesão. Apresenta altos índices de
segmento ureteral estenótico e a anastomose ureterourete-
nefrectomia; o salvamento do enxerto é raro.
ral ou ureteropiélica com o ureter nativo do paciente, ou,
A prevenção se faz com o uso de maior rigor e critério
nos casos de estenose distal, o reimplante ureterovesical.
na indicação de biópsia em casos que já apresentem sinais
Embora o uso de cateter de duplo J no momento do
de edema renal no ultrassom, cuidados com a trombose
transplante possa reduzir a incidência de estenose precoce,
renal e rejeição.
não tem impacto sobre a estenose ureteral tardia.

Infecção e abscesso de Cálculos renais


Os cálculos renais podem ser transplantados com o rim
ferida operatória ou podem ser adquiridos. A incidência varia de 1% a 5%
Os abscessos de parede têm incidência média de
dos transplantes.
5%. Os fatores de risco incluem obesidade, idade avança-
Os fatores de risco identificados com a presença de cál-
da, diabetes, hematoma, fístula urinária, rejeição e excesso
culos foram sexo feminino, história prévia de cálculos, uso
de imunossupressão. Os abscessos podem ser prevenidos
de sutura não absorvível no trato urinário, corpo estranho
minimizando o uso de eletrocoagulação e usando drena-
como um duplo J retido, infecção persistente, derivação
gem aspirativa subcutânea em pacientes obesos. Um abs-
urinária e esvaziamento vesical incompleto.
cesso superficial pode ser tratado com uma simples aber-
Apresentam sintomas de dor no local do enxerto, he-
tura da ferida operatória, enquanto um abcesso profundo
matúria, infecção, obstrução urinária com elevação de es-
requer drenagem cirúrgica.
córias nitrogenadas.
O diagnóstico pode ser por ultrassom ou tomografia
Hérnia incisional sem contraste. O tratamento segue os mesmos princípios
A hérnia incisional tem incidência de 3% a 5% e os das cirurgias endoscópicas e minimamente invasivas para
fatores de risco são idade avançada, obesidade, diabetes, extração de cálculos de pacientes não transplantados; po-
hematoma, rejeição, reoperação e a utilização de inibido- de-se realizar litotripsia extracorpórea, ureterolitotripsia
res de m-TOR. (NE 3) Tratar de forma semelhante a uma retrógrada ou anterógrada ou nefrolitotripsia percutânea,
hérnia incisional habitual com ou sem uso de tela sintética. raramente com necessidade de cirurgia aberta.

219
nose de colo vesical e em pacientes com grandes cálculos
Aneurisma micótico vesicais. As disfunções miccionais são a hipo ou acontrati-
É um falso aneurisma, pois não estão envolvidas todas
lidade detrusora, bexiga neurogênica.
as camadas da artéria, é infectado e envolve a anastomo-
Em pacientes anúricos, a retenção urinária pode não
se arterial. O aneurisma micótico é uma doença rara, mas
ser identificada até a remoção do cateter de Foley após
potencialmente letal, que pode levar a choque séptico ou
o transplante. Quando há história prévia de disfunção
hemorragia.
miccional, o estudo urodinâmico e a cistoscopia devem
Ocorre entre a segunda ou terceira semana após o
ser realizados previamente ao transplante e o paciente
transplante como uma doença febril aguda, com sinais de
deve ser instruído ao autocateterismo intermitente se
tromboembolismo distal no membro inferior ipsilateral ao
necessário.
transplante.
Pacientes anúricos com hiperplasia benigna de próstata
Pode ser iniciado pela contaminação ou infecção do
não devem ser submetidos a cirurgia de próstata antes do
coto distal da artéria renal ou do patch de aorta no momen-
transplante, pois há uma alta incidência de formação de
to da nefrectomia, ou devido a disseminação a distância
estenose após cirurgias em pacientes sem fluxo urinário,
do agente infeccioso, como por exemplo por um cateter
“uretra seca”.
venoso infectado.
Após o transplante, a terapia inicial para obstrução in-
Apesar do nome aneurisma micótico, o micro-organis- fravesical devido a hiperplasia de próstata deve ser medi-
mo causador pode ser uma bactéria ou fungo que se alo- camentosa, com alfabloqueador isolado ou em combina-
ja em um defeito na camada íntima do patch de aorta na ção com um inibidor de 5-alfa-redutase.
anastomose, ou a uma ulceração da placa ateromatosa. Se Homens em retenção urinária mesmo em tratamento
o aneurisma estiver contido localmente, é possível a sua medicamentoso devem iniciar autocateterismo intermiten-
identificação pelo ultrassom Doppler. te e postergar a cirurgia endoscópica definitiva da próstata
A conduta é individualizada, com medidas iniciais de em pelo menos três meses após o transplante. Embora a
salvamento do paciente como o controle da sepse e do ressecção transuretral da próstata possa ser feita no perí-
choque hemorrágico. A nefrectomia é geralmente reali- odo do pós-transplante imediato, têm sido relatadas sig-
zada, associada ao reparo do defeito da artéria do recep- nificativas morbidade e mortalidade associadas à cirurgia
tor, seguido por tratamento antimicrobiano prolongado. É precoce.
possível o reparo endovascular de pequenos aneurismas
micóticos não rompidos, associado ao uso prolongado de
antimicrobianos. Referências recomendadas
1. Kidney Transplantation. 7th edition. 2016.
2. Campbell-Walsh Urology. 11th edition. 2015.
Retenção urinária 3. EAU - European Association of Urology – guideline 2014.
4. The Renal Association – guidelines - 2011.
Após o transplante renal, a retenção urinária pode ser
5. Renal Transplantation - Update March 2009.
devida a obstrução infravesical ou a disfunção miccional. 6. European Renal Association - Guideline 2000.
A obstrução infravesical pode ocorrer na estenose de 7. Canadian Medical Association Journal – Guidelines 2005.
uretra, hiperplasia prostática benigna, contratura ou este- 8. Arch Esp Urol 2011;64(5):441-460.

220
SEÇÃO VI
CÂNCER DE
PRÓSTATA

CAPÍTULO 32
Diagnóstico e
rastreamento

Alexandre Cesar Santos


Mikael Vieira da Silva
Wesley Justino Magnabosco
Gleason ≥ 7). Velocidade do PSA e PSA doubling time
Diagnóstico do tem sua utilidade limitada no diagnóstico de CaP, porém é
câncer de próstata um parâmetro bastante utilizado no seguimento oncológi-
co pós tratamento.4
Uma relação entre o PSA livre e total estratifica o risco
Introdução de CaP em pacientes com um PSA total entre 4 – 10 ng/mL
O câncer de próstata (CaP) é o tumor sólido não cutâ- e EDR normal, sendo que quando esta relação está < 10%,
neo mais comum nos homens de países ocidentais, cons- a chance de CaP chega a 58%.4
tituindo a segunda causa de óbitos por câncer. Estimou-se
um diagnóstico em cerca de 220.800 homens americanos
em 2015, com cerca de 27.540 mortes relacionadas a esta Outros testes
patologia.¹ Existem testes baseados na análise sérica de um pai-
No Brasil, aproximadamente 61.200 novos casos de nel de Calicreínas, com o objetivo de reduzir o número de
CaP foram diagnosticados em 2016, sendo também o tu- biópsias desnecessárias e diagnosticar tumores de relevân-
mor sólido mais frequente.² cia clínica, tais como o Prostate Health Index (PHI) e 4k
score, com sua maior utilidade demonstrada para homens
com PSA entre 2 – 10 ng/mL.5
Antígeno prostático específico O PCA3 é um biomarcador mais específico do CaP do
(PSA) e derivados que o PSA. Não sofre influência do volume prostático ou
Suspeita-se de CaP a partir de alterações no exame da idade tal como o PSA. Configura um RNAm não co-
digital do reto (EDR) e/ou nos níveis de PSA. Se o volume dificante, amplificado e detectado no sedimento urinário
tumoral for > 0,2 mL, esse nódulo poderá ser localizado após um EDR padronizado, sendo superior ao PSA total e
através do EDR, sendo que em cerca de 18% dos casos os relação PSA livre/total na detecção de tumores de próstata.
tumores de próstata são diagnosticados desta forma. Este Sua principal utilidade com aprovação do FDA é na indi-
exame clínico alterado está associado a tumores com esco- cação de rebiópsias em pacientes nos quais exista suspeita
re de Gleason mais elevados, configurando uma indicação clínica de câncer.5
formal de biópsia prostática.³ Portanto, em pacientes com PSA persistentemente
O PSA é um marcador sérico órgão-específico, porém elevado ou EDR alterado, deve-se oferecer outras estra-
pode estar aumentado na hiperplasia prostática, prostatite tégias de avaliação de risco de CaP antes da realização de
e outras condições não malignas. Por si só, é melhor pre- uma nova biópsia de próstata, tais como nomogramas (o
ditor de câncer do que o EDR ou ultrassonografia (USG) de Viena prediz positividade da biópsia de acordo com o
transretal. Níveis elevados de PSA estão associados a uma volume prostático e o número de fragmentos analisados
maior probabilidade de CaP, conforme demonstrado por no exame histopatológico), testes séricos (PHI, 4k score)
Thompson e colaboradores e ilustrado na tabela 1.³ ou urinários (PCA3 score) e, inclusive, exames de ima-
A densidade do PSA está associada a uma maior pro- gem, tal como a ressonância magnética multiparamétrica
babilidade de CaP clinicamente significativo (escores de da próstata (RNMmp).5

Tabela 1.

PSA (ng/mL) Risco de CaP (%) Risco de Gleason > 7 (%)

0.0 – 0.5 6.6 0.8

0.6 – 1.0 10.1 1.0

1.1 – 2.0 17.0 2.0

2.1 – 3.0 23.9 4.6

3.1 – 4.0 26.9 6.7

222
Diagnóstico e rastreamento

nária aguda (0,2%), sendo, na maioria das vezes, de fácil


Biópsia de próstata manejo clínico e sem necessidade de internação hospitalar.9
A indicação da biópsia de próstata é baseada nas alte-
rações no EDR e/ou níveis de PSA. Sempre deve ser ava-
liado o benefício da realização da biópsia, tendo em vista Exames de imagem no
as comorbidades do paciente, idade e benefícios ou não de diagnóstico do CaP
um possível tratamento. Deve ser realizada por via trans- Com relação aos exames de imagem, USG transre-
retal ou perineal, guiada por USG (com taxas de detecção tal não é confiável no dignóstico de nódulos prostáticos,
semelhantes com as duas modalidades de acesso).6 devendo a biópsia ser realizada de forma sistemática em
Uma rebiópsia deve ser cogitada nas seguintes condi- toda a próstata. Aplicação de contraste EV (microbolhas)
ções: EDR suspeito, elevação persistente do PSA, prolife- e outras técnicas, tais como sonoelastografia, vem sendo
ração atípica de pequenos ácinos, neoplasia intraepitelial utilizada, porém não há evidências suficientes para reco-
de alto grau em mais de 2 fragmentos, achados suspeitos mendar o seu uso na prática clínica.9
na RNMmp.6,7 A utilização recente da RNMmp no diagnóstico inicial
Como citado anteriormente, PCA3 score, PHI e 4k sco- de CaP é controversa. A RNMmp inclui fases de restrição à
re são biomarcadores que podem ser utilizados para pre- difusão e o coeficiente de difusão aparente (ADC) e está as-
dizer uma maior chance de positividade numa rebiópsia. sociada a maior detecção de CaP clinicamente significante.
Outros testes, tais como ConfirmMDx, um teste que avalia Estudos recentes associam essa maior detecção de tu-
alterações epigenéticas (metilação das regiões promotoras mores de próstata a situações de rebiópsia, como sua uti-
dos genes RASSF1, GSTP1 e APC) nos fragmentos da lização em biópsias guidas por fusão de imagens (USG
biópsia prostática, têm o intuito de predizer a presença de transretal associado a achados de RNM da próstata), sendo
focos de câncer de próstata, indicando ou não a necessida- o benefício do seu uso para o diagnóstico inicial, prévio a
de de uma nova biópsia.8 biópsia, ainda não demonstrado.10
A tabela 2 mostra uma lista de novos biomarcadores Além disso, uma ressonância magnética sem alterações
usados no diagnóstico de CaP e sua aprovação pelo FDA. significativas não exclui a necessidade de uma biópsia ini-
cial sistemática da próstata, caso essa esteja indicada.
Quantos fragmentos retirar na biópsia? De acordo com achados da RNMmp, as alterações
Com relação ao número de fragmentos, devem ser re- radiológicas são classificadas em cinco tipos, classifica-
tirados pelo menos 12 fragmentos, com uma maior avalia- das em PIRADS (Prostate Imaging Reporting and Data
ção da zona periférica prostática. Biópsia sextante não é System, variando de 0 a 5), sendo que PIRADS 4 tem um
mais recomendada. Biópsia de saturação com até 22 frag- risco de 60-70% de CaP significante, e o PIRADS 5 uma
mentos aumenta a taxa de detecção de CaP em 30%-43%, probabilidade de até 90%.11
porém sua utilidade fica restrita a casos de rebiópsias.9 Portanto, caso esteja indicada uma rebiópsia e os exa-
As principais complicações relacionadas a biópsia de mes prévios não forem diagnósticos para CaP, está indicada
próstata são hematospermia (37,4%), hematúria (14,5%), realização de uma biópsia sistemática associada ao exame
sangramento retal (2,2%), prostatite (1%) e retenção uri- de lesões suspeitas visualizadas na RNMm da próstata.12

Tabela 2.

Biomarcador Amostra Teste molecular Aprovação FDA

PCA3 score Urina RNAm SIM

PHI Soro p2 PSA, PSAt e PSA livre SIM

4k score Soro/Plasma PSAt, PSA livre, hK2, PSA intacto NÃO

ConfirmMDx Tecido prostático Metilação RASSF1, GSTP1, APC NÃO

223
2. Não se recomenda o rastreamento em homens
Rastreamento do entre 40-54 anos sem fatores de risco de CaP
câncer de próstata (grau de recomendação C). Em homens com
idade inferior a 55 anos com fatores de risco de
Introdução CaP (raça negra e antecedente familiar de CaP)
a decisão de se realizar ou não o rastreio deve
Existem boas evidências que desaconselham o ras-
ser individualizada.
treamento populacional em massa do CaP (em todas as
faixas etárias e raças), mostrando que os benefícios que 3. Para homens com idade entre 55-69 anos a re-
seriam esperados de redução de mortalidade específica comendação é a de que a decisão entre realizar
não se justificam diante dos riscos advindos do rastre- ou não o rastreamento deva ser compartilhada
amento, tais como excesso de diagnósticos de tumores com o paciente levando-se em consideração os
sem repercussão clínica, tratamentos excessivos para riscos versus benefícios de se evitar uma morte
doenças indolentes e morbimortalidades (físicas e psí- por CaP para 1.000 homens rastreados por mais
quicas) relacionadas com a indicação de biópsias de de uma década (grau de recomendação B). Os
próstata.13 benefícios do rastreamento parecem ser maiores
Por outro lado, os estudos de rastreamento de me- nessa faixa etária.
lhor metodologia mostraram uma redução do risco rela- 4. A fim de se evitar os prejuízos do rastreamento,
tivo de mortalidade por CaP de 21% no estudo ERSPC uma periodicidade de dois anos ou mais deve
após 13 anos14 e um risco relativo de 0,56 (p=0,002) ser adotada naqueles homens que optarem pelo
no estudo de Göteborg após 14 anos de seguimento,
rastreamento, uma vez que comparado ao rastre-
favorecendo o rastreamento.7 Além disso, esse último
amento anual, preservam-se os benefícios e são
estudo mostrou redução de 56% do risco de metástases
reduzidas as taxas de excesso de diagnóstico e
no grupo rastreado. O estudo ERSPC também mostrou
de falsos positivos (grau de recomendação C).
dados de que, à medida que os anos de rastreamento
Adicionalmente, intervalos de follow-up podem
aumentam, tem-se uma redução do risco relativo de
ser individualizados e baseados no PSA basal.
mortalidade por CaP, indicando que a população de ho-
mens jovens é a que potencialmente pode se beneficiar 5. Não se recomenda rastreamento em homens
mais.14 Em revisão sistemática, Ilic D e cols.15 mostra- com mais de 70 anos e naqueles com expec-
ram que o rastreamento permitiu o diagnóstico do CaP tativa de vida menor que 10-15 anos (grau de
em estádios mais baixos. recomendação C). Alguns homens acima de 70
Dessa forma, há uma tendência atual de se realizar anos que gozem de excelente saúde podem ser
o rastreamento do CaP de forma mais seletiva e indi- beneficiados do rastreamento.
vidualizada, para homens previamente informados dos
riscos e benefícios do rastreamento, levando-se em Recomendações do National
consideração basicamente a idade, fatores de risco tais
como raça negra e antecedente familiar, o valor do PSA
Comprehensive Cancer
basal, o EDR e a expectativa de vida. Network (NCCN)12
O NCCN em sua segunda versão de 2016 postula
que seja feita uma avaliação inicial questionando so-
Recomendações da American bre história familiar, medicações, história de doença
Urological Association (AUA)13 prostática e de rastreamento pregresso (PSA anterior,
A AUA em suas recomendações de maio de 2013 exames e biópsias), raça e mutação genética no BRCA
postulou as cinco afirmações a saber: 1 e 2. Após essa avaliação realizar uma discussão sobre
1. Não se recomenda o rastreamento em homens os riscos e benefícios do rastreamento e baseados na
abaixo de 40 anos (grau de recomendação C) base- idade, no valor de PSA e no EDR tomar as seguintes
ado na baixa prevalência de CaP nessa faixa etária decisões:
e nos potenciais riscos advindos do rastreamento. Pacientes com idade entre 45-75 anos:

224
Diagnóstico e rastreamento

1. PSA < 1 ng/ml e EDR normal os testes deverão Homens que não estão em risco, follow-up reco-
ser repetidos com intervalos entre 2-4 anos. mendando é de 8 anos
2. PSA entre 1-3 ng/ml com EDR normal os testes Decidir a idade na qual o rastreamento deva ser en-
deverão ser repetidos entre 1-2 anos. cerrado baseado na expectativa de vida do homem; Ho-
mens com expectativa de vida menor que 15 anos são
3. PSA > 3 ou EDR suspeito de câncer proceder
improváveis de se beneficiar do rastreamento com base
com a biópsia de próstata.
nos dados do PIVOT e do EORTC.
Pacientes com idade superior a 75 anos:
Que tenham expectativa de vida longa, com poucas
ou nenhuma comorbidades e PSA > 3 ou EDR suspei- Recomendações da Sociedade
to, considerar investigação com biópsia. Brasileira de Urologia (SBU)17
Com PSA < 3 ng/ml, EDR normal e nenhuma outra A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) re-
indicação de biópsia, considerar repetir o teste em ho- comenda que todos os homens com idade acima de
mens selecionados a cada 1-4 anos. 50 anos devam realizar o exame de PSA bem como
o EDR. Homens da raça negra ou com antecedente
familiar da doença deverão começar o rastreamento
Recomendações da European aos 45 anos. A idade limite para o rastreamento é até
Association of Urology (EAU)16 75 anos ou em homens com expectativa de vida menor
A EAU em março de 2016 fez as seguintes reco- que 10 anos.
mendações:
1. Não realizar o PSA em homens sem seu consen-
Referências
timento e sem antes aconselhá-los sobre os po-
1. Siegel RL, Miller KD, Jemal A. CA Cancer J Clin 2015 Jan-
tenciais riscos e benefícios (nível de evidência -Feb;65(1):5-29.
3, grau de recomendação B) 2. http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/estimativa-2016-v11.
pdf; Estimativas 2016: incidência de câncer no Brasil/Instituto
2. Oferecer uma estratégia de detecção precoce
Nacional de câncer José Alencar Gomes da Silva – Rio de Janei-
adaptada ao risco e individualizada para homens ro: INCA, 2015.
com boa saúde e com expectativa de vida maior 3. Richie JP et al. Effect of patient age on early detection of prosta-
que 10-15 anos (nível de evidência 3, grau de te cancer with serum prostate-specific antigen and digital rectal
examination. Urology 1993 Oct;42(4):365-74.
recomendação B)
4. Thompson IM et al. Prevalence of prostate cancer with a serum
3. Oferecer o PSA em homens com risco elevado prostate-specific antigen level < or = 4.0 ng/mL. N Engl J Med
de CaP (nível de evidência 2b, grau de recomen- 2004 May 27;350(22):2239-46.

dação A): 5. Loeb S et al. The Prostate Health Index: a new test for the de-
tection of prostate cancer. Ther Adv Urol 2014 Apr; 6(2): 74-77.
a. Homens acima de 50 anos 6. Bryant RJ et al. Predicting high-grade cancer at ten-core prostate
b. Homens acima de 45 anos e história fami- biopsy using kallikrein markers measured in blood in the ProtecT
study. J Nati Cancer Inst 2015 Apr 11;107(7).
liar de CaP
7. Hugosson J, Carlsson S, Aus G et al. Mortality results from Go-
c. Negros acima de 45 anos de idade teborg Randomised Prostate Cancer Screening Trial. Lancet On-
cology, 2010; 11:725.
e. Homens com PSA > 1 ng/ml aos 40 anos de
8. Walz J et al. High incidence of prostate cancer detected by satu-
idade ration biopsy after previous negative biopsy series. Eur Urol 2006
f. Homens com PSA > 2 ng/ml aos 60 anos de Sep;50(3):498-505.

idade 9. Van Hove A et al. Comparison of image-guided targeted biopsies


versus systematic randomized biopsies in the detection of prosta-
Oferecer uma estratégia risco adaptada de se- te cancer: a systematic literature review of well-designed studies.
guimento (baseado no PSA inicial) com intervalo de World J Urol 2014 Aug;32(4):847-58

follow-up de 2 anos para aqueles em risco (nível de 10. Futterer JJ et al. Can clinically significant prostate cancer
be detected with multiparametric magnetic resonance ima-
evidência 3, grau de recomendação B): ging? A systematic review of the literature. Eur Urol 2015
Homens com PSA > 1 ng/ml aos 40 anos Dec;68(6):1045-53
Homens com PSA > 2 ng/ml aos 60 anos 11. Barentsz JO, Weinreb JC, Verms S et al; Synopsis of the PI-

225
-RADS v2 Guidelines for multiparametric Prostate Magnetic Re- Cancer (ERSPC) at 13 years of follow-up. Lancet Oncology 2014
sonance imaging and Recomendations for use. Eur Urol 2016 Jan; Dec;384(9959)2027-2035.
69(1): 41-9.
15. Ilic D, O’Connor D, Green S et al Screening for prostate cancer: an
12. http://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/prostate_de-
updated Cochrane Systematic review; BJU Int 2011; 107:882.
tection.pdf;Version 2.2016 04/28/2016.
16. https://uroweb.org/wp-content/uploads/EAU-Guidelines-Prostate-
13. http://www.auanet.org/education/guidelines/prostate-cancer-detec-
tion.cfm -Cancer-2016.pdf

14. Schröder FH et al. Screening and prostate cancer mortality: re- 17. http://www.portaldaurologia.org.br/medicos/noticias/nota-oficial-


sults of the European Randomised Study of Screening for Prostate -rastreamento-do-cancer-de-prostata/

226
SEÇÃO VI
CÂNCER DE
PRÓSTATA

CAPÍTULO 33
PSA, imagem
e biópsia

José Pontes Jr.


Artur Agostinho Beraldi
derivativos do PSA, como densidade, velocidade, tempo
PSA de duplicação, relação livre/total e mais recentemente os
O antígeno prostático específico (PSA) é uma glico-
testes Prostate Health Index (PHI) e 4k score.
proteína da família das calicreínas produzida pelo epitélio
A densidade do PSA é obtida pela divisão do PSA
prostático e apesar de poder ser encontrado em pequenas
sérico dividido pelo volume prostático determinado pelo
concentrações em outros tecidos, na prática clínica é con-
ultrassom. Quanto maior a densidade do PSA, maior é a
siderado um marcador órgão-específico da próstata.1 Pode
probabilidade de CaP e de câncer significativo. O valor de
ser encontrado sob a forma livre ou combinada (70%-
corte de densidade de PSA recomendado é controverso,
80%) a três proteínas, 1 protease inibidora (API), α2 ma-
mas via de regra adotam-se valores entre 0,15 e 0,20 ng/
croglobulina (A2M) e α1 antiquimiotripsina (ACT). Sua
ml/cc.6 Em relação à velocidade do PSA, Carter et al., de-
função é a liquefação do fluido seminal através de sua ação
monstram que valor acima de 0,75 ng/ml ao ano está as-
nas proteínas formadoras de gel semenogelina e fibronec-
sociado a maior probabilidade de CaP; em geral 72% dos
tina.2 Sabe-se que níveis séricos elevados estão associados
indivíduos portadores de neoplasia apresentam velocidade
a maior chance de câncer de próstata (CaP), sendo por isto
> 0,75 ng/ml/ano, enquanto apenas 5% dos indivíduos sem
aprovado como marcador diagnóstico pelo FDA (Food and
CaP têm velocidade acima deste valor.5,7 O tempo de du-
Drug Administration) em 1994.3
plicação, embora possa ser útil na detecção de CaP, tem
Por ser uma protease regulada por andrógenos e não
papel mais importante no seguimento de pacientes após o
ser um marcador câncer-específico, apenas órgão-especí-
tratamento do câncer.
fico, o PSA pode ser alterado por alguns fatores além do
Sabe-se que o PSA produzido pelas células malignas
CaP, como uso de medicamentos que interfiram no meta-
parece não ser clivado, resultando em fração maior de PSA
bolismo dos andrógenos (finasterida, dutasterida), prosta-
sérico ligado e menor de PSA livre. A relação de PSA li-
tite, hiperplasia prostática benigna (HPB) e traumas, além
vre/PSA total é utilizada para estratificar o risco de CaP
de variar com a raça e a idade. Também é necessário res-
em homens com PSA entre 2,5-10,0 ng/ml. Quanto menor
saltar que não há valor de PSA que exclua a chance de
a relação, maior será a chance de CaP, quando for menor
CaP, como demonstrado na tabela 1, sendo a chance um
que 10%, cerca de 56% tem diagnóstico de CaP na biópsia,
contínuo de risco: quanto maior o PSA, maior a chance de
que é reduzida para 8% nos casos em que a relação estiver
CaP e de tumor significativo.4
acima de 25%.8
Tabela 1. Incidência de CaP e CaP com escore de ≥ 7 (dados do grupo Outra ferramenta recomendada é o Prostate Cancer An-
placebo do estudo Prostate Cancer Prevential Trial)4 tigen 3 (PCA3), que foi o primeiro e único marcador uriná-
PSA (ng/ml) CaP Escore de Gleason ≥ 7 rio aprovado pelo FDA para o diagnóstico do CaP em 2012.
Trata-se de um RNA não codificante, não expresso em ou-
< 0,5 6,6% 8,0%
tros tecidos além da próstata e que apresenta níveis elevados
0,6-1,0 10,1% 10,0% na urina pós-massagem prostática nos pacientes com CaP,
1,1-2,0 17,0% 11,8% sendo indicado em pacientes com biópsia prévia negativa
2,1-3,0 23,9% 19,1% e com persistência de suspeita. O escore do exame é obtido
pela divisão do RNAm do PCA dividido pelo RNAm do
3,1-4,0 26,9% 25,0%
PSA, e estudos mostraram que valores de corte acima de 35
4,1-10 38,7% 27,5% estão associados a maior chance de CaP em rebiópsias, com
Portanto, o valor de corte é controverso, quanto me- sensibilidade de 67% e especificidade de 72%.9,10
nor o valor do PSA, maior será a sensibilidade, porém Recentemente foram introduzidos na prática clínica
menor será a especificidade para o diagnóstico de CaP. dois testes que avaliam simultaneamente um painel de
Apesar de não haver valor de PSA que exclua a chance calicreínas como preditores de chance de CaP. O teste
de CaP adotando-se um valor de corte de 2,5 ng/dl, que Prostate Health Index (PHI) é uma fórmula que combi-
é o mais comumente empregado, temos sensibilidade de na as concentrações relativas do PSA total, PSA livre e
91% e especificidade de 14,37%. Ao se utilizar o valor [-2]proPSA e resulta em melhora da acurácia preditiva do
de corte de 4,0 ng/dl teremos sensibilidade de 72% e diagnóstico de CaP e doença de alto risco. O teste foi apro-
especificidade de 46%.5 Com o objetivo de melhorar a vado pelo FDA em 2012 e está recomendado em pacientes
sensibilidade e principalmente a especificidade do PSA com PSA entre 2,0-10 ng/ml.11 O 4K score avalia os níveis
para a detecção do CaP, recomenda-se a utilização dos séricos de 4 calicreínas: PSA total, PSA livre, PSA intacto

228
PSA, imagem e biópsia

e calicreína humana 2 combinados com a idade, toque retal do movimento randômico das moléculas de água infor-
(TR) e história de biópsias anteriores. Esses dados combi- mações a respeito da composição tecidual. A partir da
nados fornecem uma probabilidade de 0%-100% de que o avaliação da difusão é gerado um coeficiente de difusão
paciente tenha CaP significativo na biópsia.12 aparente (ADC – apparent diffusion coeficient) que quan-
tifica as propriedades de difusão. Normalmente a prósta-
ta permite livremente a difusão das moléculas de água,
Imagem apresentando altos valores de ADC. A RNMmp pode ser
O ultrassom transretal (USTR) apresenta baixa acurá-
empregada no diagnóstico, no estadiamento local e a dis-
cia na identificação do câncer. Embora o aspecto típico da
tância. O exame tem demonstrado papel importante tam-
lesão do CaP seja uma lesão hipoecoica na zona periférica,
bém na vigilância ativa e no planejamento cirúrgico.16 O
sabe-se que a maioria das lesões hipoecoicas não represen-
exame apresenta alta acurácia para detecção de extensão
ta CaP e sim outras condições como prostatite, neoplasia
extraprostática, que varia de 67% a 93% de acordo com
prostática intraepitelial, infarto prostático e linfoma. Tam-
o tamanho da extensão, de 14% se 1 mm e de 100% se a
bém é importante salientar que 30%-40% das lesões de
extensão > 5 mm.14
CaP são isoecoicas e somente 1,5% são hiperecoicas.13 No O aspecto típico de uma lesão suspeita nas imagens
caso de neoplasias com invasão da cápsula, o USTR se ponderadas em T2 é a presença de hipossinal na zona
mostrou inferior ao TR. O exame é amplamente emprega- periférica, mas cabe ressaltar que cicatriz, prostatite e
do para orientação do local da biópsia. hemorragia também podem se apresentar como áreas de
A tomografia computadorizada (TC) não é um método baixo sinal. No CaP, o aumento da vascularização mos-
de diagnóstico ou de estadiamento útil. O exame apresenta tra um padrão de intenso e rápido realce pelo contraste
desempenho inferior ao da ressonância no estadiamento (wash-in) seguido de um clareamento rápido e intenso
local do CaP. Para linfonodos com valor de corte de 10 (wash-out) na fase DCE. O CaP apresenta uma densi-
mm apresenta uma sensibilidade < 4%. Em um estudo com dade celular aumentada em relação ao tecido prostático
4.264 pacientes, 15,3% apresentaram linfonodos positivos normal, o que acarreta maior restrição à difusão na fase
após linfadenectomia e somente 2,5% apresentavam TC DWI, com consequente queda no ADC, nestas imagens
positiva.14 Tem sua melhor indicação em áreas inconclu- a área suspeita também apresenta hipossinal.17 Um dos
sivas na cintilografia óssea e metástases viscerais no CaP aspectos interessantes da RNMmp é que o achado destas
avançado. alterações em conjunto está associado a maior chance de
A cintilografia óssea (CO) está indicada no estadiamen- CaP com escore de Gleason ≥ 7, o que potencialmente re-
to do CaP recém-diagnosticado em pacientes com PSA > sultaria na redução do diagnóstico de tumores indolentes
20 ng/ml, ISUP ≥ 3, estádio clínico T3 ou T4, dor óssea ou se biopsiarmos apenas as áreas suspeitas pelo exame. O
CaP com recidiva bioquímica. Análise de 23 séries mostrou exame detecta 95% dos tumores com GS > 7 quando es-
que a positividade foi de 2,3% dos pacientes com PSA < 10 tes apresentam volume tumoral a partir de 0,5 ml e apre-
ng/ml, 5,3% com PSA entre 10-19,9 ng/ml e 16% se PSA senta valor preditivo negativo de 80%-98% para tumores
> 20 ng/ml. Em estudos nos quais a CO se mostrou positiva de alto risco.14
para pacientes após o tratamento do CaP localizado, o PSA Na tentativa de padronizar e melhorar os resultados
variou de 30 a 140 ng/ml. Em pacientes com PSA < 10 e na detecção de CaP foi criado o sistema de classifica-
tempo de duplicação < 6 meses, a probabilidade de positivi- ção PI-RADS v2 (The prostate imaging – reporting and
dade é menor do que 1%, enquanto em pacientes com PSA data system version 2) mostrado na tabela 2, que utiliza
> 10,0 ng/ml e tempo de duplicação < 6 meses existe uma uma escala de 1 a 5 para avaliar a probabilidade de CaP
chance de 10% de positividade da CO.15 clinicamente significativo a partir da combinação dos
A ressonância nuclear magnética multiparamétrica achados em T2, DWI e DCE. A presença de alteração
(RNMmp) combina o aspecto anatômico em T2 com o suspeita (PIRADS ≥ 3) na RNMmp ainda não deve ser
coeficiente de difusão (DWI – diffusion weighted ima- considerada como indicação isolada de biópsia e também
ging) e a captação de contraste (DCE – dynamic contrast ainda não há indicação em indivíduos sem biópsia prévia.
enhacement). Na próstata normal, a zona periférica apre- No entanto, em indivíduos que se submeterão à rebióp-
senta alto sinal nas imagens ponderadas em T2, e na fase sia, tanto os Consensos da Associação Americana como
contrastada DCE observa se realce discreto, lento e pro- a Europeia de Urologia indicam a realização da biópsia
gressivo do contraste. A difusão (DWI) avalia por meio guiada por ressonância para guiar a amostragem.18

229
Tabela 2. The prostate imaging – reporting and data system version 2 PI-RADS rebiópsia. Pacientes em vigilância ativa representam outra in-
PI-RADS 1 muito baixa probabilidade de câncer significante dicação de rebiópsia.
Em relação ao preparo da biópsia, estudo com 1.438 pa-
PI-RADS 2 baixa probabilidade de câncer significante
cientes para avaliar a taxa de infecção naqueles que fizeram
PI-RADS 3 risco indeterminado de câncer significante: 30%- uso de fleet enema antes da biópsia não mostrou benefí-
40%
cios.22 O AAS (ácido acetilsalicílico) foi no passado consi-
PI-RADS 4 risco moderado de câncer significante: 60%-70% derado contraindicação absoluta pelo risco de sangramento,
PI-RADS 5 alta probabilidade de câncer significante: 90% hoje se considera apenas contraindicação relativa, pois me-
ta-análise com 3.218 biópsias mostrou que apesar do tem-
O antígeno específico de membrana (PSMA) é uma pro- po de hematúria ser significativamente maior nos pacientes
teína transmembrana expressa em níveis aumentados cerca com AAS, que o risco de sangramento significativo e trans-
de 100-1000x nas células do CaP em relação às células nor- fusão foram semelhantes. A ocorrência de sangramento re-
mais. O PET/CT com PSMA-68Ga objetiva a identificação tal e hematospermia também não foram maiores no grupo
das células com expressão aumentada do PSMA sendo, em uso de AAS, concluindo os autores que a interrupção
portanto, indicado para pesquisa de metástases regionais do AAS não é necessária.23 Pacientes em uso de anticoa-
ou a distância. Tem indicação tanto na recidiva bioquímica gulantes orais devem suspender o medicamento 1 semana
como no estadiamento primário. Uma análise retrospectiva antes da biópsia e realizar anticoagulação com heparina de
com 319 pacientes mostrou uma sensibilidade de 76,6%, baixo peso molecular conforme orientação do cardiologista,
especificidade 100%, valor preditivo positivo 91,4% e va- sendo o anticoagulante oral reintroduzido assim que ces-
lor preditivo negativo 100%.19 O exame tem o potencial de sar o sangramento retal e a hematúria. Os anticoagulantes
mudar o cenário do estadiamento e diagnóstico do CaP, e inibidores diretos do fator X, como o rivaroxabana (Xarel-
ao contrário da CO apresenta alta sensibilidade para detec- to®) devem ser suspensos 48 horas antes e reintroduzidos
ção de metástases em pacientes com recidiva bioquímica no dia seguinte. Prostatite aguda, imunossupressão severa
pós-tratamento local. Um estudo com 248 pacientes com e coagulopatia não corrigida representam contraindicações
recidiva mostrou detecção de metástases em 58%, 73% e absolutas para a biópsia. Antecedente de amputação retal
93% dos casos quando, respectivamente, os níveis de PSA contraindica a biópsia pela via transretal.
eram 0,2-0,5; 0,5-1,0 e 1-2 ng/ml.20 A biópsia é considerada um procedimento doloroso,
com média de 4-5 na escala visual de dor, sendo, portan-
to, necessária alguma forma de anestesia. O bloqueio pe-
Biópsia de próstata riprostático com lidocaína é o mais utilizado e oferece
Elevação nos níveis de PSA e TR suspeito são as princi- analgesia suficiente para a realização do procedimento na
pais indicações de biópsia da próstata. Estudo realizado com grande maioria dos pacientes.24 O uso isolado de xilocaína
36.000 homens em rastreamento utilizando-se TR e PSA gel intrarretal não é suficiente. A sedação está indicada nos
mostrou que 3.568 (10%) foram diagnosticados com CaP, pacientes que não suportam o procedimento sob anestesia
dos quais 14% tiveram o tumor diagnosticado apenas pelo local, mas representa maiores custos e agrega chance de
TR.21 Em se tratando dos níveis de PSA é controverso o valor complicações anestésicas.
de corte a partir do qual se indica a biópsia de próstata, porém O risco de infecção associado à biópsia transretal é bem
de maneira geral se indica em pacientes até 60 anos com PSA estabelecido e por isto está sempre indicada a profilaxia an-
a partir de 2,5 ng/dl e 4,0 ng/dl naqueles acima de 60 anos. A tibiótica, embora inexista consenso sobre qual antibiótico e
adoção de valores de acordo com a idade também representa a duração a ser empregada. Meta-análise com 3.846 pacien-
opção. As indicações de rebiópsia são a persistência de TR tes mostrou não haver diferença entre antibioticoprofilaxia
alterado ou níveis elevados de PSA, pacientes com biópsia com dose única ou múltiplas doses.25 Apesar de não haver
prévia com ≥ 3 fragmentos com neoplasia intraepitelial pros- diferença entre as diversas classes de antibióticos, alguns
tática de alto grau (HGPIN – chance de CaP 30%), proli- trabalhos indicam uma tendência à antibioticoprofilaxia
feração atípica de pequenos ácinos (ASAP – 40% CaP) e a combinada, principalmente para pacientes com alto risco
presença de glândulas atípicas adjacentes à área de HGPIN de complicações infecciosas, como diabetes mellitus, imu-
(PINATYP – 50% CaP).14 Lembrando que devemos realizar nossupressão, DPOC, endocardite e histórico de uso de qui-
imuno-histoquímica com os anticorpos anti-34betaE12, p63 nolonas.25 Comumente emprega-se ciprofloxacino via oral
e racemase nos fragmentos com ASAP antes de indicarmos iniciado na véspera e mantido por 3 a 5 dias e no momento

230
PSA, imagem e biópsia

da biópsia o paciente recebe 1 g de ceftriaxona endovenosa. ópsia com 12 fragmentos vs. amostragem de 2 fragmentos
A biópsia comumente é guiada por ultrassom pela via guiados por RNMmp e encontrou semelhança na detecção de
transretal e os fragmentos são amostrados de forma randô- CaP e de tumor significante entre os dois métodos, porém a
mica e tanto a via transperineal quanto a transretal podem crítica a este estudo é a pequena casuística.29 Apesar dos dados
ser usadas para a realização da biópsia. Em estudo prospec- vantajosos da biópsia guiada por RNMmp e de seu alto valor
tivo randomizado com 246 pacientes não houve diferença preditivo negativo de 80%-95%, ainda é precoce o abandono
na detecção de CaP entre as duas técnicas.21 O número de da biópsia sistemática com 12 fragmentos, de modo que via
fragmentos a ser amostrado na biópsia guiada por USTR é de regra são amostrados 12 fragmentos randomizados, mais 2
controverso, porém é consenso que no mínimo 12 fragmen- a 4 fragmentos direcionados à área suspeita na RNMmp. Vale
tos devam ser retirados na biópsia randômica. A amostra- ressaltar que a biópsia guiada por RNMmp tornou-se consen-
gem deve incluir 3 fragmentos laterais e 3 fragmentos me- so em indivíduos que realizarão rebiópsia.18
diais na base, porção média e ápice de cada lado da próstata. Três técnicas de biópsia guiada por RNM são possíveis:
Indivíduos com próstatas volumosas necessitam de maior cognitiva, guiada por fusão de imagens e a realizada em tem-
amostragem e o nomograma de Viena pode ser uma ferra- po real durante a RNM30 (in bore). Esta última opção é pouco
menta útil na definição de quantos fragmentos devemos re- utilizada pelo tempo prolongado do procedimento, custo ele-
tirar de acordo com o volume.26 vado e a dificuldade técnica em se realizar a biópsia dentro
Nos pacientes com biópsia anterior negativa e persis- do aparelho de ressonância, uma vez que materiais metálicos
tência de suspeita de CaP e que não realizaram RNMmp, a não podem ser empregados nesta técnica. Adicionalmente,
estratégia da rebiópsia é aumentar a amostragem, como por estudo randomizado com 267 casos não mostrou diferença na
exemplo a biópsia de saturação, onde 20 ou mais fragmen- porcentagem do fragmento acometido, na taxa de detecção de
tos devem ser retirados. Revisão da literatura mostrou que a CaP e de tumor significativo quando comparado a técnica in
taxa de detecção da biópsia de saturação varia de 30%-43% bore vs. a biópsia por fusão.31
e depende do número de fragmentos amostrados na primeira A biópsia guiada cognitivamente por imagem de resso-
biópsia; o inconveniente desta estratégia é que até 16% dos nância é o método mais simples de biópsia guiada por RNM.
tumores detectados são considerados indolentes.14 A amos- Necessita de operador experiente para estimar a localização
tragem da zona de transição deve ser realizada em indivídu- da lesão através do USG baseado na avaliação prévia da
os em rebiópsia.26 RNMmp. Estudo com 95 pacientes demonstrou que 67% das
Outra modalidade de biópsia de próstata é a guiada pe- biópsias com fusão cognitiva detectaram CaP clinicamente
las imagens da RNMmp, a qual, além de classificar o risco significativo, enquanto a biópsia guiada por USTR detec-
PI-RADS, auxilia na localização do CaP e direcionamento tou 52% (p = 0,011).32 A biópsia por fusão de imagens de
da amostragem. Classifica-se a ressonância como suspeita RNMmp combina em tempo real a imagem da ressonância
e que deva ser considerada caso uma biópsia seja indicada e do USTR para localizar as lesões suspeitas e a vantagem
quando o PI-RADS for ≥ 3. A vantagem desta modalidade desta técnica resulta da varredura sobreposta e simultânea das
é o aumento da detecção do tumor de alto risco e redução imagens da RNMmp com as do USGTR, permitindo melhor
do diagnóstico do CaP de baixo risco. Esse benefício foi precisão, especialmente em áreas suspeitas subcentimétricas
demonstrado por Sidiqqui et al., que avaliaram prospecti- e próstatas volumosas, e a desvantagem reside no custo adi-
vamente 1.003 pacientes submetidos sequencialmente à cional do aparelho específico que é necessário para realizar o
biópsia guiada por RNM e por USTR com 12 fragmentos. exame. Em relação à superioridade de uma técnica em rela-
Observou-se taxas de detecção de CaP semelhantes entre os ção à outra, revisão sistemática de 43 estudos recentemente
dois métodos 45,9% vs. 46,7%, porém a biópsia guiada por publicada mostrou que a taxa de detecção de CaP no geral
RNMmp detectou 30% mais CaP de alto grau 173 vs. 122 e de CaP significante foi semelhante quando comparadas a
casos e 16% menos tumor de baixo grau 213 vs. 258 casos biópsia por fusão versus via cognitiva.33
(p < 0,001).27 Para diagnosticar um CaP de alto grau foram Apesar de ser considerada um procedimento seguro, a
necessários 30,7 fragmentos na biópsia guiada por RNMmp biópsia está associada a diversas complicações menores, ge-
contra 100,8 fragmentos na biópsia guiada por USTR.28 A ralmente autolimitadas. Estudo com 5.082 biópsias mostrou
biópsia guiada por RNMmp também apresentou maior con- que 23% dos pacientes apresentaram hematúria com dura-
cordância do escore de Gleason da biópsia vs. peça cirúrgica ção maior do que 3 dias e 50% hematospermia, sendo esta
nos 170 casos operados (p < 0,05).27 a complicação menor mais frequente. Sangramento retal foi
Estudo randomizado com 175 pacientes comparou a bi- relatado em 1,3% e alterações miccionais sem necessida-

231
de de intervenção em 0,8% dos pacientes.14 Em relação 17. Bittencourt LK, Hausmann D, Sabaneeff N, Gasparetto EL, Barentsz
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232
SEÇÃO VI
CÂNCER DE
PRÓSTATA

CAPÍTULO 34
Tratamento da
doença localizada
(radiação, irradiação intersticial, cirurgia,
criocirurgia e terapia hormonal)

Leonardo Oliveira Reis


Wilmar Azal Neto
Introdução Terapia focal
O câncer de próstata é considerado localizado quando Dentre as terapias de preservação de tecido, a terapia
não apresenta extensão extracapsular ou para as vesícu- focal tem sido proposta para eliminar tumores de próstata
las seminais, disseminação para linfonodos regionais ou localizados de pequeno volume em pacientes que desejam
metástases (T1-T2). Nesses casos, o paciente é candidato uma alternativa aos tratamentos já consagrados, a fim de
a uma das seguintes opções: terapia de preservação tecidu- minimizar os efeitos colaterais inerentes a terapêuticas
al (conduta expectante, vigilância ativa, ou terapia focal), clássicas radicais.
prostatectomia radical, braquiterapia e radioterapia exter- A premissa hipotética da terapia focal é que, embora tu-
na. Para escolha do tratamento mais adequado deve-se le- mores pequenos e insignificantes clinicamente possam coe-
var em consideração fatores como idade, expectativa de xistir na glândula prostática, o tumor dominante controla a
vida, comorbidades, atividade e interesse sexual, sintomas biologia da doença, de forma que destruindo esse tumor- ín-
do trato urinário inferior, grau de entendimento do pacien- dice poderíamos alterar a história natural da doença.3,4
te, entre outros. Terapias focais são oferecidas com tecnologias ablati-
As diretrizes da European Association of Urology vas, dentre as mais conhecidas estão as térmicas (crioterapia
(EAU) reconhecem que cerca de 45% dos homens com e ultrassonografia de alta intensidade focada - High Intensi-
câncer de próstata localizado (CaP) detectados por PSA ty Focused Ultrasound – HIFU) e as não térmicas (terapia
não se beneficiarão do tratamento definitivo radical, o que fotodinâmica vascular com padeliporfina e eletroporação).
abre perspectiva para abordagem de preservação de tecido. No final de 2016, o primeiro estudo prospectivo com-
A escolha do tratamento não radical depende da expecta- parando terapias de preservação tecidual (terapia focal vs.
tiva de vida, das características do tumor e da intenção do vigilância ativa) no CaP localizado de baixo risco mos-
tratamento (curativo vs. paliativo).1 trou preservação da função geniturinária com menor taxa
Neste capítulo, vamos nos ater às principais formas de de progressão, maior chance de biópsia negativa (livre de
tratamento do câncer de próstata localizado classificado doença detectável) e consequente redução na necessida-
com risco baixo ou intermediário. de de tratamento radical cirúrgico ou radioterapêutico no
braço de terapia fotodinâmica vascular com padeliporfina

Conduta expectante e vigilância ativa em comparação com o braço vigilância ativa.5 Entretanto,
suas indicações devem ser discutidas individualmente com
Conduta expectante tem intuito paliativo e está indica-
o paciente e atualmente as terapias focais estão concentra-
da em pacientes com expectativa de vida restrita ou menor
das em estudos clínicos.1
que a história natural do tumor para um desfecho letal.
Vigilância ativa está indicada em cenário curativo e
tem como objetivo poupar pacientes com uma expectati- Cirurgia
va de vida superior a dez anos de morbidades desnecessá- A prostatectomia radical (PR) é considerada o padrão
rias, visando alcançar o momento ideal - caso este chegue ouro para o tratamento de CaP localizado,6 usualmente para
-, para se propor o tratamento curativo. Apesar de haver pacientes com expectativa de vida superior a dez anos.1
diversos protocolos e definições para esse seguimento, o Trata-se de cirurgia para remoção da próstata e vesículas
mais aceito é o que preconiza como critérios de inclusão seminais, com anastomose entre a uretra e o colo vesical.
os seguintes: T1, Gleason < 6, densidade do PSA < 0,15, Tal procedimento pode ser realizado através das vias aber-
e no máximo 2 fragmentos positivos com até 50% de aco- tas retropúbica ou perineal, videolaparoscópica ou robótica.
metimento de cada fragmento.2 A vigilância ativa é feita Não existem evidências científicas de boa qualidade que de-
através de um calendário predefinido de exames de toque monstrem superioridade de uma técnica sobre a outra, no
retal, testes de PSA, varreduras com ressonância magnéti- que diz respeito ao controle da doença. O fundamental para
ca (RM) e rebiópsias da próstata. a decisão é a individualização caso a caso e a experiência do
Pacientes com perfil para se beneficiar de tratamento cirurgião em uma determinada via de acesso.7 E não pode-
não radical devem estar plenamente informados das op- mos nos esquecer que a curva de aprendizado da PR é ponto
ções de cirurgia e radioterapia e aconselhados sobre a pos- fundamental no prognóstico de morbidade cirúrgica, e nas
sibilidade de exigir tratamento adicional no futuro. questões oncológica e funcional.8

234
Tratamento da doença localizada

A via retropúbica, sistematizada por Walsh,9 é a mais tomose uretrovesical, linfocele e trombose venosa profun-
utilizada e suas principais vantagens são a diminuição das da; e dentre as tardias, as principais são a disfunção erétil,
complicações devido à grande disseminação do método e a incontinência urinária e a estenose do colo vesical.
a dispensa de utilização de instrumentos especiais.10 A via Não se recomenda terapia de supressão androgênica
perineal é uma boa opção em casos nos quais não há indi- neoadjuvante ou adjuvante à PR no contexto do tratamen-
cação de linfadenectomia pélvica, paciente com obesidade to do câncer de próstata localizado, pela ausência de evi-
mórbida, cirurgias prévias com acesso infraumbilical ou dências de benefícios clínicos. Alguns trabalhos, contudo,
em pacientes com alto risco de deiscência da ferida ope- demonstram diminuição das margens positivas no uso de
ratória (uso prolongado de corticoide, tabagista/DPOC).11 hormonioterapia neoadjuvante.15 Pode ser utilizada, contu-
Dados existentes não foram suficientes para demons- do, em pacientes nos quais a cirurgia ou radioterapia não
trar superioridade das técnicas videolaparoscópicas e, são possíveis ou aceitáveis.13 No estádio baixo risco, o úni-
principalmente, robô-assistida, no que se refere a resul- co benefício está na diminuição do volume da glândula.
tados funcionais e oncológicos. Entretanto, nessas duas
técnicas existe menor sangramento e, consequentemente,
menor necessidade de transfusão;8 e publicações recentes
Braquiterapia (BT)
A braquiterapia consiste na técnica de tratamento de
mostram que há uma tendência a recuperação mais pre-
implante de fontes radioativas seladas inseridas por via pe-
coce da continência urinária e da função erétil na cirurgia
rineal diretamente na glândula prostática, com o auxílio de
robótica.12
US transretal ou RM, permitindo rápida queda da dose nos
Dependendo das características do tumor e da função
órgãos adjacentes.7,13
sexual do paciente, a preservação dos feixes vasculonervo-
Para pacientes classificados como câncer de próstata
sos na PR deve ser considerada.13 As técnicas poupadoras
risco baixo, pode-se realizar BT alta taxa de dose (high
de nervos devem ser realizadas para casos estadiados como
dose rate - HDR) como monoterapia - fonte de irídio-192
baixo risco, e em casos de risco intermediário, dependendo
com dose de 38 Gy (4 frações de 9,5 Gy em 2 dias) ou
das características da imagem da RM multiparamétrica da
implante permanente16 ou BT baixa taxa de dose (low dose
próstata.1
rate - LDR) - que utiliza sementes radioativas de iodo-125.
A linfadenectomia pélvica consiste no procedimento
Para pacientes risco intermediário, pode ser indicada
mais preciso e confiável para detecção de disseminação
BT-HDR associada a radioterapia externa após 50 Gy -
linfática, e sua adequada indicação no CaP localizado
fonte de irídio-192 com dose de 19 Gy (2 frações de 9,5
ainda é controversa. A linfadenectomia ilíaco-obturatória
Gy em 1 dia),17 com ou sem uso de bloqueio hormonal
clássica é feita com a remoção do tecido ganglionar da
concomitante.
veia ilíaca externa ao nervo obturatório, e da bifurcação
Contraindicações para a BT são: lobo médio proemi-
da artéria ilíaca comum até o canal femoral proximal. A
nente, ressecção transuretral da próstata prévia com gran-
linfadenectomia ilíaco-obturatória estendida se refere à
de modificação anatômica, IPSS (International System
ressecção dos linfonodos próximos à artéria e veia ilía-
Prostate Score) intenso, próstata maior que 60 cm,3 múl-
ca interna, e região pré-sacral, e é mais mórbida (maior
tiplas cirurgias pélvicas prévias e alto risco cirúrgico.7 Os
tempo cirúrgico, maior incidência de linfedema, linfocele,
principais efeitos colaterais são os sintomas do trato uriná-
trombose venosa profunda).14 Segundo a American Urolo-
rio inferior, tanto obstrutivos quanto irritativos.
gical Association (AUA), deve ser indicada nos casos de
elevada probabilidade de metástase ganglionar avaliada
em exames de imagem pré-operatórios ou nos pacientes de Radioterapia externa (RT)
alto risco, enquanto a EAU a indica também em casos de Radioterapia externa conformacionada na próstata com
câncer de próstata de risco intermediário. planejamento computadorizado (RT) em fase única com
As taxas de complicações na PR variam muito segun- dose de 74 a 78 Gy (2 Gy/dia) no acelerador linear de alta
do diferentes publicações. A principal intercorrência in- energia mostrou-se superior em termos de controle local
traoperatória é o sangramento descontrolado, com menor da doença em relação a doses mais baixas, com 64 ou 70
incidência de lesão retal, ureteral ou do nervo obturatório. Gy. Para pacientes com CaP risco intermediário, RT deve
Dentre as complicações precoces, temos a fístula da anas- ser oferecida em próstata e vesículas seminais, em duas

235
fases, com a primeira até 50,4 Gy seguido de “boost” so- led trial. The Lancet Oncology, December, 2016.
mente na próstata com dose final de 74 a 78 Gy (2 Gy/dia) 6. Dorin RP, Daneshmand S, Lassoff MA, Cai J, Skinner DG, Liesko-
vsky G, Long-term outcomes of open radical retropubic prostatec-
no acelerador linear de alta energia.18 tomy for clinically localized prostate cancer in the prostate-specific
antigen era. Urology 2012;79:626-631.
Contraindicação para realização de RT são pacientes
7. Abe DK, Areas FGM. Câncer de próstata: cirurgia para o câncer loca-
com doença inflamatória intestinal ou antecedente de irra- lizado. Urologia Brasil, 798-802, Editora Planmark, São Paulo, 2013.
diação pélvica. Efeitos colaterais são proporcionais à dose 8. Saito FJ, Dall´Oglio MF, Ebaid GX, Bruschini H, Chade DC, Srougi
M. Learning curve for radical retropubic prostatectomy. Int Braz J
aplicada, e os principais dele são: cistite intersticial, retite Urol 2011 Jan-Feb;37(1):67-74.
intersticial e disfunção erétil. 9. Walsh PC, Lepor H, Eggleston JC. Radical prostatectomy with pre-
A hormonioterapia deve ser utilizada em combinação servation of sexual function: anatomical and pathological considera-
tions. Prostate 1983;4(5):473-85.
com a radioterapia nos pacientes com doença de risco in- 10. Salonia A, Suardi N, Crescenti A, Zanni G, Fantini GV, Gallina A
termediário ou alto, no cenário neoadjuvante, adjuvante ou et al. Pfannenstiel versus vertical laparotomy in patients undergoing
radical retropubic prostatectomy with spinal anesthesia: results of a
concomitante. De modo geral, recomenda-se o bloqueio prospective, randomized trial. Eur Urol 2005 Feb;47(2):202-8.
hormonal adjuvante à radioterapia em pacientes com do- 11. Janoff DM, Parra RO. Contemporary appraisal of radical perineal
prostatectomy. J Urol 2005 Jun;173(6):1863-70.
ença localizada com risco intermediário por um período
12. Boorjian SA, Eastham JA, Graefen M, Guillonneau B, Karnes RJ,
de seis meses e com alto risco por pelo menos dois anos. Moul JW et al. A critical analysis of the long term impact of radical
Os principais efeitos colaterais da supressão hormonal prostatectomy on cancer control and functional outcomes. European
Urology 2012;61:664-675.
são a diminuição de libido, a disfunção erétil, presença de 13. https://www.auanet.org/education/guidelines/prostate-cancer.cfm
fogachos, ganho de peso com perda de massa muscular, 14. Heidenreich A, Bellmunt J, Bolla M, Joniau S, Masin M, Matveev
ginecomastia e aumento no índice de eventos cardiovas- V et al. EAU guidelines on prostate cancer. Part 1 : screening, diag-
nosis, and treatment of clinically localized disease. Eur Urol 2011
culares. Jan;59(1):61-71.
15. Goldenberg SL, Klotz LH, Srigley J, Jewett MA, Mador D, Fradet
Y et al. Randomized, prospective, controlled study comparing radi-
Referências cal prostatectomy alone and neoadjuvant androgen withdrawl in the
treatment of localized prostate cancer. Canadian Urologic Oncology
1. http://uroweb.org/guideline/prostate-cancer/ Group. J Urol 1996;156:873.
2. Bastian PJ, Carter BH, Bjartell A et al. Insignificant prostate cancer 16. Grills IS, Martinez AA, Hollander M, Huang R, Goldman K, Chen
and active surveillance: from definition to clinical implications. Eur PY et al. High dose rate brachytherapy as prostate cancer monothera-
Urol 2009;55:1321. py reduces toxicity compared to low dose rate palladium seeds. J Urol
3. Kaasa S, Brenne E, Lund JA, Fayers P, Falkmer U, Holmberg M et al. 2004 Mar;171(3):1098-104.
Prospective randomised multicenter trial on single fraction radiothe- 17. Galalae RM, Martinez A, Mate T, Mitchell C, Edmundson G, Nuer-
rapy (8 Gy x 1) versus multiple fractions (3 Gy x 10) in the treatment nberg N et al. Long-term outcome by risk factors using conformal
of painful bone metastases. Radiother Oncol 2006 Jun;79(3):278-84. high-dose-rate brachytherapy (HDR-BT) boost with or without neo-
4. Saad F, Gleason DM, Murray R, Tchekmedyian S, Venner P, Lacom- adjuvant androgen suppression for localized prostate cancer. Int J Ra-
be L et al. Long-term efficacy of zoledronic acid for the prevention of diat Oncol Biol Phys 2004 Mar 15;58(4):1048-55.
skeletal complications in patients with metastatic hormone-refractory 18. Zietman AL, De Silvio ML, Slater JD, Rossi CJ, Jr., Miller DW,
prostate cancer. J Natl Cancer Inst 2004 Jun 2;96(11):879-82. Adams JA et al. Comparison of conventional-dose vs high-dose
5. Azzouzi AR, Vincendeau S, Barret E et al. Padeliporfin vascular-tar- conformal radiation therapy in clinically localized adenocarcino-
geted photodynamic therapy versus active surveillance in men with ma of the prostate: a randomized controlled trial. Jama 2005 Sep
low risk prostate cancer: an open label, phase 3, randomised control- 14;294(10):1233-9.

236
SEÇÃO VI
CÂNCER DE
PRÓSTATA

CAPÍTULO 35
Vigilância ativa

Hamilton de Campos Zampolli


Péricles Auad
Jônatas Pereira
limitada e tem como meta a paliação de sintomas. O tra-
Introdução tamento paliativo é instituído quando, e se, forem mani-
O câncer de próstata (CaP) é uma doença heterogênea,
festados sinais de progressão local ou a distância, com o
de comportamento biológico variável, que apresenta evo-
objetivo principal de manter sua qualidade de vida (Tabe-
lução clínica e prognóstica distinta, de acordo com a es-
tratificação por grupos de risco, considerando a variedade la 1), sem intento curativo.
histológica, estádio clínico e nível sérico de PSA. A VA, por outro lado, é uma opção de tratamento
Estima-se que 60% a 70% dos idosos que falecem por com finalidade curativa, que busca identificar, através de
outras causas possuam CaP histológico1 e que, embora monitoramento preestabelecido e avaliação periódica de
trate-se de uma patologia que será diagnosticada em 15%- variáveis que possam indicar doença com maior poten-
20% dos homens, apenas 3% morrerão de CaP.2 cial de agressividade, o momento ideal para indicação
A política de rastreamento com PSA aumentou consi- de tratamento curativo radical (Tabela 1). O objetivo da
deravelmente a incidência do CaP, trazendo a reboque o VA é diminuir a toxicidade relacionada ao tratamento
diagnóstico de tumores pequenos, localizados e bem di- radical.
ferenciados.3 Parte destes homens possivelmente não se
beneficiaria de tratamentos definitivos.4
Indicações
Quando se pretende tratar um portador de CaP locali-
A VA, atualmente deve ser considerada com base em
zado, considerando a toxicidade associada aos tratamen-
uma análise cuidadosa do perfil de risco do câncer de
tos radicais, seria fundamental diferenciar tumores indo-
próstata, idade e saúde do paciente, sendo uma aborda-
lentes daqueles potencialmente agressivos, assim como
gem válida para homens com câncer de próstata de baixo
uma avaliação mais holística do paciente, compreendendo
ou muito baixo risco (D’Amico e NCCN), maiores de 55
a história natural do CaP, que para tumores localizados,
anos de idade, com expectativa de vida >10 anos e man-
cT1/T2, Gleason 5-7, apresenta mortalidade de 7% em 15
tendo a intenção curativa. Algumas séries incluem candi-
anos;5 a idade ao diagnóstico; presença e severidade de
comorbidades; expectativa de vida (avaliada pelo índice datos selecionados de um subgrupo de risco intermediário
de Charlson) e os anseios do doente. favorável; este grupo, entretanto, talvez não represente o
A estratégia do tratamento do CaP deve buscar evitar perfil ideal para VA, e deve ser considerado apenas em
tanto o sobretratamento da doença indolente quanto o tra- situações excepcionais.7,8
tamento subótimo de patologias agressivas. A OE, por outro lado, é opção para homens com cân-
Estima-se que 45% dos pacientes diagnosticados com cer de próstata de qualquer grupo de risco e expectativa de
CaP por rastreamento seriam candidatos ao manejo con- vida < 10 anos.9,10
servador através de duas estratégias distintas que visam Os dados científicos disponíveis provêm de estudos
reduzir o sobretratamento: observação expectante (OE - prospectivos ou retrospectivos em andamento. Não há
watchful waiting) e vigilância ativa (VA).6 estudos prospectivos randomizados e controlados até o
A OE é oferecida a pacientes com expectativa de vida momento.

Tabela 1. Definições de VA e OE.

Vigilância ativa Observação expectante

Intenção do Tratamento Curativa Paliativa

Seguimento Predefinido Individualizado

Parâmetros avaliados Toque; PSA; rebiópsia; RNM Não é predefinido

Expectativa de vida > 10 anos < 10 anos

Objetivo Minimizar toxicidade do tratamento sem comprometer sobrevida Minimizar toxicidade do tratamento

Grupo de risco Apenas baixo risco Qualquer


Adaptada de Diretrizes EAU, 2016.

238
Vigilância ativa

Critérios de inclusão em 2015, sobre critérios de seleção e acompanhamento, os


Os critérios de seleção para VA incluem:9-12 pacientes de risco intermediário das séries de van As e cols.
e Klotz e cols., não representariam os candidatos conside-
• Tumores clinicamente confinados: cT1 - cT2a/b
rados aceitáveis ​​para uma estratégia de VA e, portanto, não
• Gleason < 7 deveria ser adotada esta modalidade neste grupo de pacien-
• PSA < 10 ng/mL tes.12 Por outro lado, compreende-se que o grupo de risco in-
• Baixo volume tumoral: Até 2 ou 3 fragmentos aco- termediário apresenta evolução clínica e biológica distinta,
metidos em biópsias de 12 fragmentos; < 50% de conforme classificados como favoráveis (Gleason 3+4; PSA
acometimento neoplásico em cada fragmento <10; cT2a; < 50% envolvimento neoplásico de fragmento
de biópsia) ou desfavoráveis (Gleason 4+3 e PSA 10-20 e
• Densidade de PSA < 0,15 ng/ml
cT2b/c). De fato, o grupo desfavorável tem evolução seme-
As diretrizes da EAU incluem apenas pacientes de bai- lhante aos pacientes de alto risco, enquanto o grupo favorá-
xo risco ou muito baixo risco. A NCCN admite a inclusão vel apresenta comportamento análogo aos de baixo risco, e,
de casos selecionados de risco intermediário. teoricamente candidatando-se à VA.7,8,18-20
A RNM multiparamétrica padronizada com escore
PI-RADS demonstra papel relevante no diagnóstico, in-
clusão, e monitoramento de pacientes em VA. Escores de
Monitoramento
A VA envolve monitorização ativa do curso da doença,
PI-RADS 4 e 5 não são candidatos ideais à VA.13,14
com a expectativa de intervir, com intenção curativa, se, e
A utilização da densidade de PSA como critério de in-
quando houver indícios de progressão ou maior agressivi-
clusão ainda permanece controversa.15,16
dade do CaP.
Em revisão sistemática recente, os autores sugerem a
O seguimento na VA deve basear-se na repetição da bi-
exclusão de homens de VA quando alguma das seguintes
ópsia, nas medições seriadas do PSA, no exame digital da
características histopatológicas estiver presente:17
próstata e, mais recentemente, na RNM multiparamétrica.12
• carcinoma ductal predominante (incluindo carcino- O regime ideal de rebiópsias ainda não está claro; en-
ma intraductal puro), tretanto, em geral deve-se repetir a biópsia entre 6 e 12
• carcinoma sarcomatoide, meses após a primeira, e a seguir, anualmente (Tabela 3).
• carcinoma de pequenas células, O risco de subestimar um padrão 4 de Gleason na primeira
biópsia é de cerca de 27%.21-24 A avaliação apenas da ciné-
• extensão extraprostática ou
tica do PSA (velocidade de PSA e tempo de duplicação de
• invasão linfovascular em biópsia por agulha. PSA) pode não ser um parâmetro confiável de monitora-
Os critérios de inclusão das diferentes séries (Tabela 2) mento, e, atualmente, a repetição das biópsias da próstata
demonstram certa discrepância. Segundo revisão publicada não pode ser evitada.25

Tabela 2. Critérios de inclusão para VA.

Estudo N Idade mediana Critérios

Dall’Era e cols. 321 64 Gleason ≤ 3+3; PSAD ≤ 0,15; T1-T2a; ≤ 33% de biópsias +; ≤ 50% envolvimento do fragmento

Van As e cols. 326 67 Gleason ≤ 3+4; PSA < 15; ≤ T2a; ≤ 50% biópsia +

Soloway e cols. 230 64 Gleason ≤ 6; PSA ≤ 10; T1a-T2; ≤ 2 biópsias +; ≤ 20% envolvimento do fragmento

Klotz e cols. 993 70 Gleason ≤ 6; PSAD ≤ 10; (até 1999: Gleason ≤ 3+4; PSA ≤ 15); < 3 biópsias +; ≤ 50%
envolvimento do fragmento

Tosoain e cols. 1.298 66 Gleason ≤ 3+3; PSAD ≤ 0.15 ng/ml; T1; ≤ 2 biópsias +; ≤ 50% envolvimento do fragmento

Adamy e cols. 238 64 Gleason ≤ 3+3; PSA ≤ 10; T1-T2a; ≤ 3 biópsias +; ≤ 50% envolvimento do fragmento

Bul e cols. 2.492 66 Gleason ≤ 6; PSA ≤ 10; PSAD < 0,2; T1-T2; ≤ 2 biópsias +

Adaptada de Diretrizes EAU, 2015 e 2016.

239
Tabela 3. Protocolos de monitoramento de pacientes em VA em diferentes instituições

Variáveis

Universidade de Johns Hopkins Estudo Multicêntrico Universidade da Universidade de Miami, Estudo Multicêntrico
Toronto, Canadá EUA Europeu (PRIAS) Califórnia, San EUA Japonês
Francisco, EUA

PSA Trimestral por 2 anos Semestral Trimestral Trimestral Trimestral ou quadrimes- Bimestral até 6
Semestral a seguir tral por 2 anos. meses.
Após, semestral Trimestral após

Toque Semestral por 2 anos Semestral Semestral US transretal a Trimestral ou quadrimes- Semestral
Anual a seguir cada 6 ou tral por 2 anos. + US transretal
12 meses Após, semestral

Rebiópsia 6 a 12 meses no Anual Em 1, 2 e 7 anos A cada 1 ou Anualmente ou se eleva- Em 1 ano


primeiro ano, e, após, ou se cT3 ou se 2 anos ção de PSA ou alteração
a cada 2 ou 3 anos PSADT< 3 anos no toque

Até a presente data, a RNM multiparamétrica não tem


acurácia para substituir as biópsias de seguimento e não
Resultados e evidências científicas
Em 1994, Epstein e cols., publicaram estudo que rela-
deve ser utilizada isoladamente como instrumento de ava-
cionava parâmetros clínicos pré-operatórios com resulta-
liação; entretanto, a RNM multiparamétrica vem ganhan-
dos histológicos de produtos de prostatectomia radical em
do particular interesse devido ao seu elevado valor predi-
pacientes cT1c. O estudo concluiu que 16% dos tumores
tivo negativo (VPN) para CaP clinicamente significante.13
foram considerados insignificantes e 10%, mínimos.28 Este
Os regimes de monitoramento sugeridos encontram-se
foi, possivelmente, o embrião do entendimento de que um
na tabela 3.
porcentual significativo de portadores de CaP talvez não
fosse beneficiado por tratamentos agressivos.
Quando indicar tratamento radical Análises populacionais retrospectivas e ensaios pros-
A decisão de sugerir tratamento ativo deve ser baseada pectivos mostram que os homens que abrigam câncer de
em uma mudança nos resultados da biópsia (progressão do próstata de baixo grau e baixo volume têm menos de 6%
escore de Gleason, número de fragmentos positivos, ex- de risco de progressão da doença após uma década de
tensão do envolvimento do fragmento acometido) ou pro- diagnóstico.5
gressão em estádio T. Estes critérios são reconhecidos em Em estudo prospectivo publicado por Klotz e cols., com
todas as coortes publicadas. amostra de 993 pacientes e seguimento médio de 6,4 anos
Uma mudança de PSA (tempo de duplicação do PSA (0,2 a 19,8 anos), a sobrevida livre de doença aos 10 e 15
< 3 anos ou velocidade > 0,75 ng/ml/ano) é uma indicação anos foi de 98,1% e 94,3%, respectivamente. Aos 15 anos
considerada, porém menos poderosa para a mudança de de seguimento, 2,8% dos pacientes desenvolveram doença
abordagem com base na sua fraca relação com a progres- metastática e 1,5% morreram de câncer de próstata, dados
são do grau.26 equivalentes a pacientes de baixo risco submetidos a tra-
O tratamento ativo pode também ser requisitado pelo tamento definitivo primário.29 A série incluiu pacientes de
doente. Isso ocorre em cerca de 10% dos casos. A in- baixo risco (Gleason ≤ 6 e PSA ≤ 10) e pacientes de risco
formação é a chave da tranquilidade do paciente, deste intermediário favorável (PSA ≤ 15 OU Gleason 7 [3+4])
modo, é fundamental, ao diagnóstico, uma discussão cla- com comorbidades significativas e expectativa de vida <
ra e ponderada sobre todas as opções de tratamento de 10 anos. Para os pacientes de risco intermediário, 91% e
sua doença, esclarecendo o racional da VA. Desta forma, 82% estavam livres de metástases em 10 e 15 anos, respec-
o paciente em VA apresenta melhor qualidade de vida tivamente. O pior resultado neste grupo foi relacionado ao
(QoL) que os submetidos a tratamento radical inicial.1,2 Gleason 7 (3+4).
O bem-estar físico e psicológico é aparente na maioria Dados combinados das 7 séries, com 15 anos de segui-
dos pacientes em VA.27 mento de 4.000 pacientes, demonstraram uma sobrevida

240
Vigilância ativa

global de 93% e sobrevida câncer-específica de 99,7%.


Durante este período, 1/3 dos pacientes foram reclassifica-
Dúvidas
Embora os dados das séries atuais sejam animadores, a
dos e submetidos a tratamento definitivo.29
ausência de estudos randomizados controlados é um obs-
No estudo multi-institucional PRIAS, 5.302 pacien-
táculo à adoção mais segura e abrangente desta modalida-
tes de CaP de baixo risco foram manejados prospectiva-
de. Os dados preliminares do UK ProtecT trial (Clinical-
mente com VA; 622 foram seguidos por > 5 anos, 107
Trials.gov identifier: NCT02044172), estudo randomizado
por >7,5 anos,30 99% apresentavam Gleason 6, 88%
fase III comparando vigilância ativa vs. Tratamento local
cT1, 11% cT2a. Em 5 e 10 anos de seguimento, 52% e
radical, aos dez anos de seguimento, demonstram que não
73% descontinuaram VA, respectivamente. Destes, 62%
houve diferença significante em sobrevida global e sobre-
o fizeram pois foram reclassificados para estratificação
vida câncer-específica entre os grupos; entretanto, obser-
de maior risco. Daqueles submetidos a prostatectomia
vou-se maior frequên­cia de doença metastática e progres-
radical, 1/3 apresentava doença favorável (Gleason 6,
são clínica no grupo em VA. São resultados preliminares,
pT2). Na atualização de 2016, 30 pacientes, entre toda
porém significativos.
coorte, apresentaram recorrência bioquímica após trata-
Outra questão importante relaciona os riscos associa-
mento radical; 10 apresentaram recorrência local, 8 de-
dos às biópsias repetidas, não apenas aos fenômenos in-
senvolveram metástases e 1 morreu por CaP. A análise
fecciosos. Há indícios de que múltiplas biópsias podem
dos critérios utilizados para realizar tratamento definitivo
comprometer a preservação dos feixes vasculonervosos
demonstrou que o escore de Gleason ≥ 7 ou progressão
em caso de realização de prostatectomia radical, impac-
para estádio clínico T3 foram preditores de parâmetros
tando negativamente sobre resultados funcionais.34
patológicos desfavoráveis.
Finalmente, testes moleculares prognósticos estão
Na série de Tosoian e cols.,1.298 homens foram segui-
sendo desenvolvidos especificamente com o objetivo de
dos por um tempo mediano de 5 anos.31 A incidência de re-
melhor estratificar os grupos de risco de CaP. É possível
classificação pós-rebiópsias em 10 e 15 anos foi de 26% e
que o perfil genético ou molecular possa oferecer infor-
31%, respectivamente. Na análise multivariada, os fatores
mações adicionais que permitam uma seleção e um mo-
associados com a piora nos parâmetros histopatológicos
nitoramento mais apropriado dos candidatos a vigilância
foram idade, densidade de PSA e número de fragmentos
ativa.
acometidos na biópsia. Em 10 e 15 anos de seguimento,
Marcadores biológicos, incluindo PCA3, Transmem-
50% e 57% dos pacientes foram submetidos a tratamento
brane protease, serine 2 - ETS-related gene (TMPRSS-
definitivo. Os critérios de inclusão mais restritivos (muito
2-ERG), ou isoformas de PSA como o proPSA, p2PSA
baixo risco para < 70 anos e baixo risco para > 70 anos)
e o Prostate Health Index (PHI) apresentam resultados
foram associados a uma mortalidade câncer-específica de
promissores. Painéis genéticos moleculares como Onco-
0,4% aos 15 anos de seguimento, demonstrando a seguran-
type DX, DECIPHER, ProMark e PROLARIS, apesar do
ça da VA quando aplicada aos pacientes ideais.
elevado custo demonstram elevado potencial na carac-
O mesmo autor publicou em 2016 estudo comparativo
terização genética do perfil de agressividade tumoral.29
entre pacientes de baixo risco submetidos a prostatectomia
Possivelmente, o perfil genômico será um novo paradig-
radical de entrada (n = 3.788) e submetidos a prostatecto-
ma na monitorização de pacientes com CaP, entretanto,
mia radical após um período de VA (n = 89). Não houve di-
estudos futuros deverão comprovar seu real benefício an-
ferença entre os grupos em relação ao estádio patológico,
tes de serem incorporados na prática clínica.
margens positivas ou linfonodos positivos. Cerca de 60%
dos pacientes apresentavam Gleason 6 e cerca de 80% re-
sultaram pT2 nos dois grupos.32 Conclusão
As razões para descontinuar VA foram analisadas em A vigilância ativa demonstra ser abordagem segura em
uma série sueca de 1.729 pacientes seguidos por pelo me- casos selecionados de câncer de próstata de baixo risco.
nos 5 anos.33 Aos 5 anos, 64% dos pacientes permaneciam Após 20 anos de seguimento, 55% dos pacientes se man-
em VA. A reclassificação ocorreu por progressão de PSA têm em VA.35 As sobrevidas global e câncer-específica são
em 52%, progressão na biópsia em 24% e preferência pes- comparáveis às obtidas com tratamentos radicais iniciais,
soal em 20%. com melhor QoL.36-38

241
O desenvolvimento de monitores e marcadores com 2,323 patients. Urol Oncol 2015;33:71 e1.
maior acurácia permitirá melhor definição de agressivida- 20. Schiavina R et al. The biopsy Gleason score 3+4 in a single core does
not necessarily reflect an unfavourable pathological disease after ra-
de tumoral, auxiliando na adequação de tratamentos mais dical prostatectomy in comparison with biopsy Gleason score 3+3:
looking for larger selection criteria for active surveillance candidates.
apropriados e individualizados. Prostate Cancer Prostatic Dis 2015;18:270.
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242
SEÇÃO VI
CÂNCER DE
PRÓSTATA

CAPÍTULO 36
Tratamento da
doença localmente
avançada
Marco Antonio Arap
Rogério Heggendorn Sayão Filho
Um dos estudos mais importantes, que mostra a
Introdução
gravidade do tumor de próstata localmente avançado,
O uso habitual do PSA (antígeno prostático espe-
foi realizado com pacientes que tinham doença local-
cífico) na prática clínica e a maior conscientização dos
mente avançada e não metastática, sem tratamento pré-
pacientes e médicos a respeito do câncer de próstata re-
vio. Eles foram randomizados para receber terapia de
sultaram no aumento do número de casos diagnostica-
deprivação androgênica (castração ou LHRH) precoce
dos nas últimas décadas. Apesar da maioria dos casos
ou tardia. O tempo médio de progressão clínica e de
diagnosticados ser de doença confinada à próstata, cer-
morte por câncer de próstata foi de 10 meses no grupo
ca de 10% dos pacientes têm tumor localmente avan-
que recebeu tratamento tardio e de 24 meses no grupo
çado. Pelos critérios utilizados hoje em dia, considera-
tratado precocemente.
mos doença localmente avançada quando existe pelo
menos invasão extracapsular (T3a), invasão de vesícula
seminal (T3b) ou linfonodos regionais comprometi- Tratamento
dos, sempre sem metástases. Segundo o estadiamento Apesar da gravidade do quadro, o objetivo do tra-
TNM, são classificados como T3-4 N± M0. Pacientes tamento de pacientes com adenocarcinoma de próstata
com carcinoma localmente avançado têm alto risco de localmente avançado é a cura da doença. Até há pouco
progressão e morte pela doença. Portanto, tratamentos tempo, pouco se falava nas possíveis complicações do
mais conservadores como active surveillance e braqui- tratamento desses pacientes e nas repercussões na qua-
terapia usualmente não estão indicados. lidade de vida. Atualmente, com o aperfeiçoamento das
O manejo ideal desses pacientes ainda é uma ques- técnicas de cirurgia e de radioterapia, temos tido suces-
tão controversa. Existem muitas maneiras de se estra- so no tratamento desses pacientes, inclusive em reduzir
tificar pacientes com adenocarcinoma de próstata em complicações como incontinência urinária e disfunção
grupos de risco, com a finalidade de planejar a melhor sexual. Ainda não há conclusão quanto ao melhor tra-
estratégia de tratamento para cada grupo. A combi- tamento para esse grupo de pacientes, mas é consenso
nação de variáveis que individualmente têm valor na que, em cerca de metade dos casos, o tratamento multi-
predição do estadiamento final patológico aumenta a modal será necessário.
acurácia desse tipo de avaliação. A classificação mais
usada é a de D’Amico. De acordo com essa classifi- Prostatectomia radical (PR)
cação, pacientes com tumor localmente avançado têm, vs. radioterapia (RDT)
por definição, doença de alto risco (estadiamento maior Estudo de Zelefsky et al., com mais de 2.300 pacientes
ou igual a T3). de alto risco, incluindo pacientes com câncer de prósta-
ta localmente avançado, mostrou que pacientes tratados
História natural inicialmente com PR tiveram menor risco de metástase
A evolução do câncer de próstata tem grande dife- (p < 0,001) e melhor sobrevida câncer-específica do que
rença quando são analisados os diversos estádios pa- os que foram inicialmente tratados com RDT (56% rece-
tológicos. De maneira geral, os pacientes apresentam beram hormonioterapia antes e simultaneamente à radio-
boa evolução, especialmente quando se compara com terapia). Uma das hipóteses é que a radioterapia poderia
outros tumores geniturinários, como os tumores de be- selecionar células tumorais radiorresistentes, levando
xiga e testículo. Apesar disso, a mortalidade câncer-es- à progressão local e sistêmica. Além disso, outra vanta-
pecífica pode ser alta em casos mais agressivos e de gem da prostatectomia é a avaliação anatomopatológica
doença localmente avançada. A sobrevida global varia da peça cirúrgica, que traz informações mais precisas e
de 10% a 92% em 5 anos e de 14% a 78% em 10 anos, individualizadas a respeito da doença. Isso pode facilitar
em pacientes com doença de alto grau ou com estádio um eventual tratamento adjuvante, além de fornecer infor-
desfavorável, dependendo da população estudada. mações importantes sobre o prognóstico.

244
Tratamento da doença localmente avançada

Joniau (2012) avaliou complicações cirúrgicas e


Prostatectomia radical
perioperatórias em pacientes cT3 submetidos a PR em
Historicamente, o tratamento cirúrgico do câncer de
seguimento médio de 8 anos. Na avaliação da continên-
próstata T3 era desencorajado, pelo risco aumentado de
cia pós-operatória, 87,8% dos pacientes apresentaram
margem cirúrgica positiva e de metástase linfonodal,
continência completa após 12 meses de seguimento.
além da possibilidade de recorrência a distância. Nos
Em relação à função erétil, avaliada no mesmo perío-
últimos anos, entretanto, esse conceito vem mudando.
do, 6% dos pacientes nos quais não houve preservação
Em aproximadamente 50% dos casos, a PR é suficiente
de nervo e 10% dos quais houve preservação unilateral
para o tratamento, sem necessidade de outras terapias,
do feixe recuperaram completamente a função erétil.
com sobrevida câncer-específica em 15 anos de segui-
Na análise das complicações trans e pós-operatórias, os
mento de até 80% dos pacientes.
autores verificaram taxas semelhantes de lesão vascu-
Um estudo de 2014 realizado no Japão mostrou
que não só a cirurgia foi mais eficaz que a RDT na lar, lesão de nervo obturatório e estenoses às das séries

cura de pacientes com tumor prostático T3, como de cirurgia para doença localizada.
também reduziu a exposição a tratamento hormonal A preservação dos feixes vasculonervosos é certa-
adjuvante. Apesar disso, os pacientes submetidos a mente um dos objetivos na prostatectomia radical mo-
cirurgia eram mais velhos e apresentavam taxas mais derna, em pacientes com doença confinada à próstata.
elevadas de PSA. Nos casos de doença localmente avançada, que apre-
Nos estudos mais recentes, as taxas de sobrevida sentam alto risco de extensão extracapsular, cirurgião e
câncer-específica para doença localmente avançada são paciente devem ter em mente que a preservação do fei-
de 85% a 92% em 5 anos e de 79% a 82% em 10 anos, xe pode ser feita apenas no lado onde não há suspeita
independentemente de terapia adjuvante. Ward e Zin- de tumor em vesícula seminal nem de invasão capsular.
cke reportam taxas de sobrevida livre de recorrência de Quando há dúvida em relação ao estadiamento local
60% e 44% em 5 e 10 anos, sem hormonioterapia. Mi- pré-operatório, a preservação dos nervos não deve ser
tchell et al. apresentam os resultados do seguimento de realizada. A ressonância nuclear magnética multipara-
longo prazo de pacientes com câncer de próstata cT3 métrica é um recurso útil para melhorar o estadiamento
submetidos a prostatectomia radical. Dentre os 843 local e selecionar pacientes e lado onde a preservação
pacientes, os resultados referentes a sobrevida livre de nervosa pode ser realizada sem maiores riscos de mar-
recorrência local, sobrevida livre de progressão sistê- gem positiva.
mica e sobrevida câncer-específica foram de 76%, 72% A cirurgia robótica é uma inovação relativamente
e 81%, respectivamente, em 20 anos. recente, que rapidamente vem conquistando seu es-
A indicação de prostatectomia radical pressupõe paço, com número crescente de procedimentos a cada
ausência de comprometimento linfonodal no estadia- ano. Entre suas vantagens, há a visão tridimensional,
mento clínico. Evidências limitadas suportam a cirurgia magnificação de imagem, controle de tremor do cirur-
em pacientes cN+. Um desses estudos, que comparou gião, grande capacidade de movimentação dos braços
resultados do tratamento em pacientes com linfonodos robóticos e o tamponamento de pequenos vasos deter-
clinicamente positivos a 252 pacientes sem sinais de minado pelo pneumoperitônio. Essas características se
comprometimento no pré-operatório, mostrou que a traduzem na redução das taxas de transfusão sanguínea
presença de linfonodos clinicamente positivos não foi intraoperatória. Por ser um método relativamente novo,
preditor significativo de mortalidade câncer-específica. muitos cirurgiões ainda relutam em usar esse procedi-
Nomogramas podem ser úteis em predizer o estadia- mento nos casos de alto risco.
mento patológico da doença e dos linfonodos e auxiliar Moran et al. publicaram artigo de revisão compa-
na seleção de pacientes que podem se beneficiar do tra- rando cirurgia robótica, aberta e laparoscópica. Para
tamento radical. tumores T2, a robótica apresentou menores índices de

245
margem cirúrgica positiva, melhora da função urinária independente de menores índices de mortalidade cân-
e sexual, enquanto para tumores pT3 não houve dife- cer-específica. Conclui-se que quanto maior o número
rença significativa nos resultados. de linfonodos ressecados negativos, melhores os resul-
Abdollah et al. avaliaram os resultados de longo tados de sobrevida câncer-específica e que a linfade-
prazo em 1.100 pacientes com tumores de próstata nectomia estendida deve ser considerada em pacientes
de alto risco submetidos a prostatectomia robótica. O de alto risco pré-operatório.
seguimento médio foi de 53 meses. Após 10 anos, a Uma meta-análise recente publicada por Fossati
sobrevida livre de recorrência bioquímica, a sobrevida et al. avaliou os benefícios e os prejuízos da linfa-
livre de recorrência clínica e as taxas de RT de resgate denectomia pélvica na prostatectomia radical (aberta,
foram 50%, 87% e 37%, respectivamente. laparoscópica ou robótica) em relação a resultados
Lightfoot et al. revisaram os resultados das margens oncológicos e não oncológicos. Foram incluídas di-
cirúrgicas de 2.478 pacientes submetidos a prostatecto- ferentes extensões de linfadenectomia pélvica: sem
mia radical robótica entre 2005 e 2011. Em 555 pacien- linfadenectomia, linfadenectomia limitada, linfade-
tes havia estadiamento patológico T3. As porcentagens nectomia padrão (obturatória), linfadenectomia es-
de margem cirúrgica positiva em pacientes com pT3a tendida e linfadenectomia superestendida. Não houve
e pT3b foram 42,8% e 60,6%, respectivamente. Duran- diferença significativa em relação a sobrevida entre os
te o período do estudo houve decréscimo considerável grupos. Além disso, quanto mais ampla a linfadenec-
das taxas de margem cirúrgica positiva, de 70,6%% em tomia, maior o tempo operatório, a perda sanguínea,
2005 para 32,3%% em 2011 (p = 0,002), sendo que o tempo de internação e complicações pós-operató-
margem apical apresentou maior decréscimo, de 52,9% rias. Portanto, recomenda-se atualmente que seja fei-
em 2005 a 5,2% em 2011. Isso mostra que a experiên- ta linfadenectomia estendida em casos de tumor de
cia pode fazer com que os benefícios da tecnologia se- alto risco, pelo melhor estadiamento linfonodal e pelo
jam mais bem aproveitados. eventual benefício de cura.

Linfadenectomia em câncer de próstata


A linfadenectomia é o método com maior acurácia Resultados de prostatectomia para
para estadiamento linfonodal em pacientes com CaP. O doença patologicamente avançada
último guideline da Associação Europeia de Urologia O estádio patológico após a prostatectomia radi-
recomenda a linfadenectomia pélvica em paciente de cal é um preditor importante de resultado oncológi-
risco intermediário ou alto risco, quando a chance de co. Enquanto a taxa de progressão clínica na doença
linfonodos comprometidos é maior que 5%. Entretan- confinada à próstata é de 7%, nos casos de extensão
to, ainda se discute o real papel terapêutico da linfade- extracapsular focal e em tumores com maior volume,
nectomia nesses casos. esses valores giram em torno de 18% e 35%, respec-
Moschini et al. estudaram o papel da linfadenec- tivamente. Pacientes com invasão de vesícula semi-
tomia estendida em pacientes com câncer de próstata nal e metástase linfonodal têm maior probabilidade
localmente avançado. O número médio de linfonodos de desenvolver progressão clínica (86% e 95%, res-
ressecados foi 19, com 1,7 linfonodos positivos em mé- pectivamente). Numa análise multivariada, Hull et al.
dia e seguimento médio de 72 meses. Na análise multi- mostram que alguns parâmetros anatomopatológicos
variada, escore de Gleason 8-10 (HR: 2,5), radioterapia aumentam o risco de progressão, incluindo extensão
adjuvante (HR: 0,5) e número elevado de linfonodos extracapsular (RR: 2,17 a 2,72), comprometimento de
comprometidos (HR: 1,06) foram fatores independen- vesícula seminal (RR: 2,61), envolvimento linfonodal
tes para mortalidade câncer-específica. Por outro lado, (RR: 3,31) e margem cirúrgica positiva (RR: 4,37, de
alto número de linfonodos ressecados foi um preditor 2,90 a 6,58).

246
Tratamento da doença localmente avançada

de deprivação androgênica e RT. No estudo EORTC


Prostatectomia radical (PR) e
22863 (1997), os pacientes com doença clinicamente
hormonioterapia neoadjuvante localizada (cT1-T2 e grau 3, cT3-T4 e qualquer grau)
O uso de terapia de deprivação androgênica antes
foram randomizados para RT exclusiva ou RT e gosser-
do tratamento local vem sendo estudado há aproxi-
relina desde o início do tratamento por até 3 anos. Esse
madamente 70 anos, quando Vallet realizava orquiec-
estudo foi positivo, com sobrevida de 5 anos de 79% no
tomia bilateral antes da prostatectomia perineal, com
grupo que recebeu hormônio e 62% no grupo que rece-
a finalidade de reduzir a massa tumoral. Desde então,
beu RT exclusiva. Houve também ganho de sobrevida
diversos esquemas de deprivação androgênica foram
livre de doença no grupo que recebeu tratamento hor-
testados, como a associação de diferentes tipos de dro-
monal (85% vs. 48%, respectivamente) e de controle
gas, como análogos de LHRH e antiandrogênicos, por
local (97% vs. 79%, respectivamente).
tempos variados de utilização. Embora o downstaging
O SPCG-7/SFUO-3 comparou tratamento hormo-
clínico ocorra frequentemente nos pacientes submeti-
nal (flutamida) associado a radioterapia com radiotera-
dos a terapia hormonal neoadjuvante, o downstaging
pia exclusiva, sendo que a associação dos tratamentos
patológico é menos comum e sua relevância clínica é
apresentou redução da mortalidade câncer-específica
questionável. Os estudos mais antigos não mostraram
quando comparada a RT exclusiva (11,9% vs. 23,9%,
benefício na sobrevida livre de recorrência bioquímica. respectivamente). Com isso, hoje pacientes com ade-
Para doença localmente avançada, especialmente cT3, nocarcinoma de próstata localmente avançado são
não há benefício comprovado no uso de terapia hormo- usualmente tratados com RDT associada a hormo-
nal neoadjuvante. nioterapia de longo prazo (> 6 meses, idealmente por
3 anos).
Prostatectomia radical (PR)
e radioterapia adjuvante Referências recomendadas
(RA) ou de resgate 1. Zelefsky MJ, Eastham JA, Cronin AM et al. Metastasis after ra-
dical prostatectomy or external beam radiotherapy for patients
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prostatectomy versus external-beam radiation therapy at a single
com características patológicas desfavoráveis, quando institution. Int J Clin Oncol 2014 Dec;19(6):1085-91
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8. Fossati N, Willemse PM, Van den Broeck T, Yuan et al. The be-
10% a 20% permaneceram livres de recorrência bio- nefits and harms of different extents of lymph node dissection
during radical prostatectomy for prostate cancer: a systematic
química em 10 anos. Diante disso, vários estudos ava- review. Eur Urol 2017 Jan 24
liaram a associação de diferentes esquemas de terapia 9. Hull GW, Rabbani F, Abbas F et al. Cancer control with radi-

247
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248
SEÇÃO VI
CÂNCER DE
PRÓSTATA

CAPÍTULO 37
Tratamento da
doença metastática e
resistente à castração
Renato Panhoca
Rafael Favero Ambar
Matheus Ferreira Amaral
Introdução Monoterapias
O câncer de próstata é o segundo tipo de câncer mais co-
Orquiectomia
mum em homens no mundo. A incidência estimada de mor-
A orquiectomia bilateral, seja total ou subcapsular, ain-
tes por câncer no mundo foi de 14.100.000 novos casos ape-
da é considerada o padrão ouro dentre as TPAs. Trata-se
nas em 2012, levando a 8.200.000 mortes pela doença neste
de procedimento simples, virtualmente isento de compli-
ano. No Brasil, estimam-se 61.200 casos novos de câncer de
cações e que pode ser feito sob anestesia local, além de ser
próstata em 20161 e nos Estados Unidos, estimam-se 26.120
a abordagem mais custo-efetiva.4,5
mortes por câncer de próstata nesse mesmo ano.2
Esta é a forma mais rápida de atingir nível de castração,
Estudos sugerem que 10%-20% dos pacientes com cân-
que usualmente ocorre em menos de 12 horas. Tradicional-
cer de próstata metastático desenvolverão doença castração-
mente, considera-se nível de castração como valores de tes-
-resistente (CaPMRC) em 5 anos, com sobrevida média de,
tosterona inferiores a 50 ng/dL, mas com o surgimento de
aproximadamente, 14 meses. A prevalência de CaPMRC
métodos laboratoriais mais precisos, alguns autores sugerem
corresponde a 17,8% dos pacientes com câncer de próstata.3
que testosterona < 20 ng/dL seria o valor mais adequado.6
O entendimento dos mecanismos hormonais de con-
trole do crescimento das células tumorais prostáticas nos Agonistas do LHRH
fornece múltiplos alvos terapêuticos e representa o “pilar”
Seu mecanismo de ação se dá pela subexpressão dos
do tratamento do câncer de próstata metastático. A terapia
receptores de LHRH na hipófise anterior, que ocorre após
de privação androgênica (TPA) tem efeito comprovado na
exposição crônica ao LHRH, inibindo a produção de LH
paliação dos sintomas da doença avançada e na sobrevida
e, por consequência, da testosterona, que cai para níveis de
livre de doença, apesar de não alterar substancialmente a
castração após 2 a 4 semanas.
sobrevida global.
Em recente meta-análise que analisou monoterapia
O manejo do CaPMRC evoluiu muito na última dé-
para tratamento de câncer de próstata metastático em mais
cada. Até 2010, a única opção com impacto na sobrevida
de 6.600 pacientes, os agonistas de LHRH foram equiva-
era a quimioterapia com docetaxel. Mais recentemente, no
lentes à orquiectomia em termos de sobrevida.7-9
entanto, foram publicados diversos ensaios clínicos que le-
varam à aprovação de novas drogas. Estrógenos
Agem por meio da inibição da secreção de LHRH, da
Definição de câncer de inativação dos andrógenos e da supressão direta da função
próstata avançado das células de Leydig. Têm eficácia comparada à orquiec-
tomia como monoterapia.10
Os pacientes com adenocarcinoma de próstata po-
Possuem grande toxicidade cardiovascular e sua uti-
dem ser detectados com doença avançada no momento
lização foi diminuída pela introdução dos agonistas do
do diagnóstico pelos exames de estadiamento, quando
LHRH e antiandrogênicos. Entretanto, tem havido inte-
se evidencia acometimento ósseo, visceral ou linfonodal.
resse em sua utilização devido ao menor custo e menos
Após tentativa de tratamento curativo, configura-se doen-
efeitos sobre perda óssea e cognição. Além disso, podem
ça avançada pela recidiva bioquímica (caracterizada pela
atingir taxas de resposta do PSA de até 86% em pacientes
elevação do PSA) ou pela progressão clínica da doença.
com doença refratária.11
Neste momento não vamos focar na situação de reci-
diva bioquímica, mas na doença metastática, como dito Antiandrogênicos
anteriormente.
São compostos que competem com andrógenos no ní-
vel de seu receptor e, de acordo com sua estrutura química
Tratamento podem ser classificados em esteroidais e não esteroidais.
A terapia de privação androgênica (TPA) é realizada Esteroides: são derivados sintéticos da hidroxipro­
por meio da supressão da secreção de andrógenos testicu- ges­terona que, além do bloqueio androgênico periférico
lares ou por meio da inibição da ação dos andrógenos no também inibem a liberação de gonadotrofinas (FSH e
nível de seu receptor. Constitui-se no pilar do tratamento LH) e suprimem a atividade adrenal, com diminuição nos
do câncer de próstata avançado. níveis de testosterona. O acetato de ciproterona é a princi-

250
Tratamento da doença metastática e resistente à castração

pal droga dessa classe e trata-se de um agente oral capaz de em níveis de castração (< 50 ng), uma vez que fora desta
reduzir rapidamente os níveis de testosterona, com equi- situação podemos ter a ação androgênica restante como fa-
valência semelhante ao estrógeno, porém com toxicidade tor de progressão da doença.
cardiovascular inferior.12,13 Portanto, para configuração de doença hormônio-re-
Não esteroides: seu uso como monoterapia foi propos- fratária, além de testosterona em nível de castração, são
to com o racional de apresentar melhor qualidade de vida necessárias:
e adesão do que as outras formas de castração, uma vez • Três elevações consecutivas do PSA com intervalo
que não suprimem os níveis séricos de testosterona e, em de 1 semana e com PSA acima de 2,0 ou
tese, preservariam a função sexual, desempenho físico e • Progressão clínica, configurada como aparecimento
densidade mineral óssea. de 2 novas lesões ósseas ou aumento de lesão se par-
A bicalutamida é a droga mais utilizada e, na dose de tes moles de acordo com RECIST.
150 mg/dia, foi comparada à castração (cirúrgica ou quí- O controle sistemático dos níveis de PSA proporcio-
mica) em dois grandes estudos randomizados. Nos pacien- na detecção precoce de progressão de doença. Nesse caso,
tes com doença localmente avançada ou metastática, não existe suspeita de micrometástases que, frequentemente,
houve diferença significativa em termos de sobrevida, com não são identificadas nos exames convencionais.20,21
melhor qualidade de vida em termos sexuais e de capa- Apesar de haver evidência na literatura de que 33%
cidade, às custas de altas taxas de ginecomastia (66%) e destes pacientes evoluirão com metástase óssea nos próxi-
mastodinia (72%). Na dose de 50 mg/dia, a bicalutamida mos 2 anos, não há comprovação de benefício em instituir
não é mais recomendada como monoterapia, por apresen- tratamento nesse momento.22
tar resultados inferiores às outras formas de TPA.14-16 Para homens com doença resistente à castração sem
metástases diagnosticadas, o PSA basal, velocidade do
Terapia combinada PSA e PSA-DT (doubling time) são fatores prognósticos
Na busca por alternativas que tornassem a TPA mais efi- que deverão ser levados em consideração para determinar
caz, surgiu o bloqueio androgênico completo ou máximo quais os pacientes que devem ser submetidos a investiga-
(BAC ou BAM). Seu racional baseia-se no fato de que após ção de foco metastático e eventualmente direcionando a
castração (cirúrgica ou química), os níveis de testosterona instituição de quimioterapia mais precoce.23
caem cerca de 95%, de forma que uma pequena parte de an-
drógenos circulantes, produzidos pela adrenal, continuaria a
manter estímulo androgênico na célula prostática.
Tratamento da doença
Os muitos estudos que comparam BAC com monote- castração-resistente (Figura 1)
rapia (com análogos de LHRH) têm resultados contraditó-
Racional do tratamento
rios. De acordo com as meta-análises mais recentes, com
Devemos sempre avaliar a extensão e agressividade da
seguimento de 5 anos, o BAC parece promover uma pe-
doença antes de contemplar o tratamento, sendo que os pon-
quena vantagem de sobrevida (< 5%) sobre monoterapia.
tos determinantes na decisão das opções terapêuticas seriam
Entretanto, permanece discutível se essa pequena vanta-
presença de metástase radiológica, progressão clínica versus
gem tem utilidade na prática clínica diária, uma vez que
bioquímica e a presença ou ausência de sintomas.
os efeitos adversos gastrointestinais, oftalmológicos e he-
A apresentação dessa fase clínica de doença é hete-
matológicos são mais intensos com o BAC, além do custo
rogênea, tanto em termos de distribuição de metástases,
desta associação ser bastante elevado.17-19
quanto cinética de PSA. Além disso, devemos considerar
manipulações hormonais antes de quimioterapia citotóxi-
Doença avançada resistente ca, especialmente em homens não metastáticos com tumor
à castração resistente à castração e assintomáticos.24
Nesta ocasião, as manipulações hormonais não mos-
Configuração de doença avançada tram qualquer benefício, no entanto, sua manutenção (em
resistente à castração pacientes que não foram submetidos à orquiectomia) é
Para se configurar a situação de resistência à castração justificada pela manutenção de “clones tumorais” hormô-
é necessário que tenhamos obrigatoriamente a testosterona nio-sensíveis.

251
A doença resistente à castração caracteriza-se pela evo- Enzalutamida
lução inexorável ao óbito secundário à progressão e com- Possui maior afinidade pelo receptor de androgênio do
plicações do câncer de próstata, que ocorrem em média que os antiandrogênicos (bicalutamida), o que impossibili-
após 18 meses de sua configuração. ta a sua entrada no núcleo celular e ligação ao DNA, impe-
Os casos avançados estão associados à presença de me- dindo assim qualquer grau de atividade agonista.
tástases ósseas em cerca de 2/3 dos indivíduos, enquanto O seu uso em pacientes virgens de tratamento quimio-
os pacientes que evoluem a óbito decorrente do câncer de terápico postergou a necessidade de quimioterapia, com-
próstata desenvolvem metástases em 90% das vezes.25 provou melhora do tempo para progressão radiológica e
aumento da sobrevida global. Os principais efeitos colate-
Quimioterapia
rais da enzalutamida são hipertensão e fadiga e apresenta
Docetaxel é quimioterapia de primeira linha e, portanto, restrição ao uso em paciente com patologias neurológicas,
padrão ouro para tumor de próstata resistente à castração. principalmente epilepsia.
Comprovadamente, aumenta expectativa de vida global e No contexto pós-quimioterapia com docetaxel, a enzalu-
livre de doença, melhora a dor e qualidade de vida. A toxi- tamida também proporcionou aumento de sobrevida global
cidade do docetaxel inclui mielossupressão, fadiga, edema (18,4 versus 13,6 meses; p < 0,001) e sobrevida livre de pro-
periférico, neurotoxicidade, hiperlacrimejamento e distrofia gressão (8,3 versus 2,9 meses) em relação ao placebo.31
ungueal. Sabe-se que 60% vão evoluir com resposta de PSA
numa média de 6 meses, porém invariavelmente vão progre-
dir a doença em algum momento.26
Manejo paliativo
Cabazitaxel tem emergido como quimioterapia de se- Bisfosfonatos
gunda linha, sendo opção para pacientes com DCR que
O ácido zoledrônico na dosagem de 4 mg/mês mostra
tiveram progressão de doença durante ou após terapia com
eficácia e segurança no tratamento das metástases ósseas
docetaxel.
da doença resistente à castração (NE 1, GR A). Os resulta-
Embora não prolongue sobrevida, a mitoxantrona foi
dos com evidência clínica mostram:32
aprovada para paliação dos sintomas associados a doença
• Risco diminuído da ocorrência de complicações
metastática e é, frequentemente, usada para pacientes que ósseas
previamente receberam docetaxel e/ou cabazitaxel, ou na- • Mais tempo sem a ocorrência de complicações ós-
queles que não toleraram esses agentes.27 seas (incluindo fraturas)
• Melhor controle da dor, portanto melhora da sinto-
Acetato de abiraterona
matologia
Através da inibição de CYP17, a abiraterona provoca
• Diminuição e retardo na ocorrência de eventos rela-
diminuição nos níveis intracelulares de testosterona. A me-
cionados ao esqueleto
dicação deve estar associada à prednisona ou prednisolona.
O uso de abiraterona pré-quimioterapia em pacien- Radioterapia antálgica
tes com DCR metastática foi avaliado e comparado com A indicação para utilização de radioterapia nesta ins-
placebo, mostrando benefício no uso desta droga em tância é a ocorrência de metástases ósseas localizadas e
termos de sobrevida global e livre de progressão, além sintomáticas.
de retardar a deterioração clínica, a necessidade de ins- Neste contexto obtemos 80% de alívio sintomático, no
tituição de quimioterapia e diminuir o uso de analgesia entanto com 50% dos pacientes apresentando reaparecimen-
com opioides. to da dor. Não parece haver diferença nos resultados da te-
O emprego da abiraterona no cenário pós-docetaxel rapia em dose única ou fracionada, porém a necessidade de
também se mostrou superior ao placebo quanto à sobrevi- retratamento e fraturas é maior quando utilizada dose única.
da geral (15,8 versus 11,2 meses; p < 0,0001) e sobrevida Pacientes com dor lombar e história de metástase óssea
livre de progressão (5,6 versus 3,6 meses).28,29 devem ser avaliados para compressão do cordão medular.
Os efeitos colaterais mais significativos foram retenção A síndrome clínica frequentemente inclui: dor lombar, dé-
hídrica, edema e hipocalemia, relacionados à ação minera- ficit neurológico focal ou mudança de hábitos intestinais
locorticoide desta droga.30 e urinários. O manejo inclui RNM da coluna e início de

252
Tratamento da doença metastática e resistente à castração

altas doses de corticoterapia. O tratamento definitivo deve urinária, fecal e ao manejo de sondas, derivações e cateteres
incluir radioterapia ou descompressão cirúrgica ou ambos. que porventura sejam necessários.
A assistência global ao paciente oncológico prevê as-
Radium-223 sistência psicológica e nutricional, ambas com o intuito de
Dentre outras drogas disponíveis, recentemente a FDA minimizar as complicações e melhorar as condições clíni-
liberou a utilização do radium-223, radiofármaco usado cas e mentais dos pacientes.
para tratamento de metástases ósseas sintomáticas em pa-
cientes sem metástases viscerais ou linfonodais, sendo que Conclusão
a dose recomendada é de 50 KBq/kg cada 4 semanas, em Mesmo com cada vez mais drogas e tratamentos dispo-
um total de 6 ciclos.33 níveis, ainda temos muitos desafios e questões a serem res-
pondidas. Inicialmente, devemos determinar como algumas
Denosumabe terapias experimentais vão se encaixar no arsenal terapêu-
Trata-se de anticorpo monoclonal humano, antagonista tico, desenvolvendo estratégias de forma a combinar essas
do RANKl que altera o desenvolvimento de osteoclastos, drogas de maneira racional. No entanto, apenas ensaios clí-
evitando a osteoporose. Em estudos randomizados veri- nicos futuros serão capazes de responder essa questão.
ficou-se benefício desta droga com relação à redução da Finalmente, devemos selecionar nossos pacientes
reabsorção óssea, quando comparado ao bifosfonato. mais cuidadosamente, baseados em características clíni-
cas ou moleculares para identificar o melhor tratamento
Analgesia específico e individual. Para isso, vários agentes vêm
Terapias de suporte analgésico são de extrema impor- sendo pesquisados e testados, por enquanto em fase III,
tância nesse estágio da doença, bem como os cuidados hi- para expandir ainda mais nosso arsenal terapêutico para
giênicos, que são relacionados ao controle da incontinência o câncer de próstata metastático castração-resistente.

Figura 1. Fluxograma de opções terapêuticas após progressão de PSA em pacientes recebendo terapia hormonal.

Enzalutamida

Abiraterona

CaPMRC: Câncer de próstata metastático resistente à castração.

253
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254
SEÇÃO VI
CÂNCER DE
PRÓSTATA

CAPÍTULO 38
Papel da
linfadenectomia:
local x ampliada
William Carlos Nahas
Jean Felipe Prodocimo Lestingi
tamente proporcional à extensão da LND, isto é, quanto
Introdução mais linfonodos dissecados, maior será a quantidade de
Atualmente o câncer de próstata (CaP) é a neoplasia
linfonodos acometidos, denotando a importância da rea-
maligna não cutânea mais comum e a segunda causa de
lização da LND ampliada (LNDa).5,6 Kazzazi et al.7 e Sa-
morte por câncer em homens nos países ocidentais.1,2 Com
lomon et al.8 mostraram um estadiamento adequado com
o advento do antígeno prostático específico (PSA) e dos
pelo menos 10 linfonodos dissecados. Entretanto, estudos
programas de rastreamento, atualmente são mais frequen-
indicaram ser necessária a ressecção de pelo menos 20 lin-
tes os casos de tumor órgão-confinado. No entanto, nos
fonodos para que o estadiamento do CaP seja adequado,
EUA, cerca de 10% a 20% dos casos ainda apresentam
algo similar ao demonstrado na LND do câncer vesical.9
doença localmente avançada ou metástase linfonodal no
Curiosamente, um maior número de linfonodos foi obtido
momento do diagnóstico.2 A linfadenectomia se tornou
quando o produto da LND foi enviado em pacotes separa-
parte da prostatectomia radical retropúbica desde que a
dos (ilíaca externa, obturador, etc) vs. em bloco na literatu-
operação moderna se popularizou na década de 1980.3
ra de câncer de bexiga e há uma variabilidade interpacien-
O CaP pode disseminar-se tanto por via hematogê-
te significativa de contagem nodal independentemente do
nica, e o sítio preferencial é o esqueleto axial, quanto
estadio do câncer.
por via linfática, sendo a drenagem primária represen-
Por esses motivos, tem sido preconizada a amplia-
tada pelos linfonodos obturatórios e ilíacos.3 A maior
ção da área ganglionar a ser dissecada na LND do CaP
dificuldade reside na avaliação do acometimento linfo-
e alguns autores propuseram, de modo similar ao reco-
nodal, pois apesar dos recentes avanços nas técnicas de
mendado para a bexiga, a realização de LNDa; esta, além
imagem, a sensibilidade da tomografia computadorizada
da cadeia obturatória, incluiria também as cadeias ilía-
e da ressonância magnética na detecção de metástases
cas externa e interna.10,11 Outros autores acrescentaram
linfonodais aproxima-se de insuficientes 35%, sendo que
a dissecção das cadeias ilíacas comuns (pelo menos até
a ressonância não se mostrou superior à tomografia. Estes
o cruzamento dos ureteres) e pré-sacral, com o intuito de
exames avaliam principalmente o tamanho e a forma dos
aprimorar o valor da LNDa no estadiamento do CaP.
linfonodos, sendo considerados suspeitos os linfonodos
Recentemente, dois trabalhos demostraram a importân-
maiores do que 1 cm; entretanto, o aumento linfonodal
cia da dissecção linfonodal nas regiões pré-sacral e ilíaca
pode ocorrer por processos reacionais benignos. Outros
comum. Joniau et al. mostraram que, se a região pré-sacral
exames funcionais como a ressonância nuclear magné-
não for incluída de pacientes cT3 ou de risco intermediá-
tica com nanopartículas linfotrópicas superparamagnéti-
rio ou de risco alto, 24% deles não terão um estadiamento
cas ou a tomografia com emissão de pósitrons (PET-CT)
correto de linfonodos positivos.12 Briganti et al. analisaram
com [11C]colina ou mesmo 68-GA-PSMA ainda não são
pacientes de alto risco com pelo menos dois dos seguintes
padronizados nem disponíveis na maioria dos serviços,
critérios: PSA > 20 ng/mL, cT3, Gleason > ou = a 8 e no-
e o papel destas novas técnicas no estadiamento do CaP
taram que 94,7% dos pacientes tinham linfonodos positi-
ainda não está claro.4
vos, sendo que 77,8% deles tinham acometimento também
retroperitoneal (cranial às regiões ilíaca e pré-sacral); ne-
Linfadenectomia ampliada e nhum paciente que não tivesse metástases em linfonodos
estadiamento do câncer de próstata da região ilíaca comum, tinha acometimento retroperito-
Tradicionalmente os limites de dissecção local da lin- neal, sugerindo um padrão de disseminação ascendente.13
fadenectomia (LND) para CaP resumem-se aos linfono- Mesmo na presença de dissecções nodais extensas, aproxi-
dos existentes nas fossas obturatórias. Entretanto, o CaP madamente 25% dos linfonodos potencialmente portado-
não segue um padrão de disseminação; dados da litera- res de metástases de CaP não serão removidos.14
tura mostram a existência de metástases linfonodais em Sobre os resultados anatomopatológicos encontrados
áreas não abrangidas pela LND local, sendo que até 50% com a LNDa, Heidenreich et al. encontraram duas vezes
mais linfonodos acometidos em comparação à LND pa-
dessas localizam-se ao longo da artéria hipogástrica, uma
drão (26% vs. 12%, p < 0,03).15 Similarmente, Toujier et
área que normalmente não é dissecada na LND local.3 al. demonstraram uma taxa 2,8 vezes maior de invasão
Alguns estudos mostraram ainda que a taxa de linfo- linfonodal por CaP quando era realizada a LNDa ao invés
nodos pélvicos invadidos em pacientes com CaP é dire- da clássica (11,4% vs. 4,1%, p = 0,009).11 Corroborando

256
Papel da linfadenectomia: local x ampliada

estes trabalhos, Stone et al. mostraram que a LNDa com


Complicações
uma mediana de 17,8 linfonodos dissecados encontrou 3
vezes mais invasão linfonodal do que a linfadenectomia A LNDa é um procedimento desafiador, que consome
local (23% vs. 7%, p = 0,02).16 Estes trabalhos deixam tempo e traz consigo maior risco de complicações cirúr-
claro que a dissecção apenas dos linfonodos locais obtu- gicas, tais como aumento do tempo cirúrgico intraopera-
ratórios subestima a real incidência de metástases.4 tório, linfocele, lesão vascular, lesão do nervo obturador
e trombose venosa profunda;18 na literatura, as taxas de
Técnica cirúrgica complicações variam de 2% a 51%.4 A maior série atual
Existe muita discussão na literatura sobre qual deve que comparou eventos adversos dos dois tipos de linfa-
ser o modelo da extensão da LND, isto é, mesmo nas dis- denectomia com 963 pacientes mostrou 19,8% de com-
secções ampliadas se discute a necessidade de estender a plicações na LNDa versus 8,2% na local (p < 0,001);
dissecção às cadeias pré-sacral e ilíaca comuns. Tais dú- quando analisadas individualmente, apenas a linfocele
vidas devem-se ao benefício incerto da LNDa em termos foi significativamente maior em pacientes submetidos à
terapêuticos e pelo potencial aumento de complicações, à
dissecção extensa (10,3% vs. 4,6%, respectivamente; p
medida que é aumentado o limite de dissecção.
Sabe-se hoje que, em centros de referência de gran- = 0,01).18 Por outro lado, Bader et al. encontraram ape-
de volume de cirurgias urológicas, as técnicas de LNDa nas 2,8% de complicações que necessitaram prolongar o
aberta, laparoscópica ou robótica são factíveis e de efi- tempo de internação nos pacientes submetidos à LNDa.5
cácia oncológica semelhantes entre si.17 Os limites de A natureza retrospectiva da maioria dos estudos que ava-
dissecção na linfadenectomia ampliada são (Figura 1):12 liaram as complicações da LNDa é a principal limitação
Região ilíaca comum: bifurcação aórtica, bifurcação
de suas conclusões.
das artérias ilíacas interna/externa, músculo psoas, nervo
genitofemoral e borda medial da artéria ilíaca comum;
Região pré-sacral: triângulo entre as bordas mediais
das artérias ilíacas comuns e linha conectando as bifur-
Papel oncológico da linfadenectomia
cações das artérias ilíacas internas/externas; dorsal: pro- no tratamento do câncer de próstata
montório e sacro proximal (S1-S2); Weight et al. produziram alguns dos dados contempo-
Região ilíaca externa: bifurcação das artérias ilíacas râneos mais elegantes em homens americanos de baixo
interna/externa, veia ilíaca circunflexa e fáscia endopél- risco. Comparando uma coorte de baixo risco da Cleve-
vica, músculo psoas e nervo genitofemoral e borda me-
land Clinic que receberam ou não LND com base na pre-
dial da artéria ilíaca externa;
Região da fossa obturatória: bifurcação das artérias ferência do cirurgião, não houve nenhuma diferença em
ilíacas interna/externa, assoalho pélvico, nervo obtura- 10 anos no resultado livre de recidiva bioquímica.19 Em
dor, e borda medial da artéria ilíaca externa; outro estudo, Berglund et al. analisaram o banco de dados
Região ilíaca interna: bifurcação das artérias ilíacas CapSURE e a análise multivariada mostrou que o desem-
interna/externa, assoalho pélvico, parede da bexiga, ner- penho de LND local (média de contagem nodal 5,8) vs.
vo obturador.
não LND não foi um preditor de falha do tratamento em
Figura 1. Desenho esquemático da anatomia pélvica e das regiões de qualquer grupo de risco analisado: baixo, intermediário
dissecção durante a linfadenectomia ampliada. 1+2: fossa obturatória; 3:
região ilíaca interna.3 ou alto.20 Estes dados são consistentes com várias hipóte-
ses plausíveis, entre elas de que a LND local é primaria-
mente uma modalidade de teste limitado que tem pouco
ou nenhum benefício terapêutico.
As sobrevidas (livre de recorrência bioquímica, livre
de progressão de metástases, específica por CaP e global)
constituem as principais incertezas em relação ao bene-
fício oncológico da LNDa, devido à evidência atual ser
limitada e pela existência de resultados díspares na lite-
ratura. Alguns trabalhos mostraram que pacientes subme-
tidos à linfadenectomia têm maior sobrevida específica
quando comparados a pacientes que não fizeram a LND.
Joslyn et al. analisaram dados do SEER (Surveillance,

257
Epidemiology and End Results) e observaram maior cientes com um baixo volume de doença nodal têm taxas
sobrevida câncer-específica em pacientes sem metásta- de sobrevida significativamente maior em comparação
se linfonodal que tiveram pelo menos de 10 linfonodos com pacientes com um maior volume de invasão linfo-
ressecados, sugerindo vantagem da dissecção ampliada nodal (ILN), independentemente da administração de
mesmo nos casos em que ela é negativa;21 porém, trata-se tratamento adjuvante. Daneshmand et al. relataram um
de série retrospectiva, baseada em banco de dados, sem grande estudo retrospectivo em que pacientes com um ou
definição de limites de dissecção e, em média, menos de dois linfonodos positivos tiveram uma sobrevida global
20 linfonodos foram dissecados, o que limita o poder de de 94% e 96% em 5 anos e 75% e 74% em 10 anos, res-
seu resultado. pectivamente.26 Curiosamente, Cheng et al. mostraram
Uma associação significativa inversa entre o número que a taxa de sobrevida de 10 anos câncer-específica foi
de linfonodos removidos e a taxa de recidiva bioquímica 94%, tão alta quanto em pacientes com metástase única.27
(BCR) tem sido relatada em pacientes com linfonodos Esta taxa não foi significativamente diferente dos pacien-
negativos. Schiavina et al. analisaram retrospectivamen- tes sem envolvimento ganglionar.
te 614 pacientes pT2-4N0 que foram submetidos à LND Schumacher et al. confirmaram estas descobertas
local ou ampliada e notaram que o grupo de pacientes e relataram taxas de sobrevida câncer-específica de 10
em que foi retirado mais de 9 linfonodos mostrou uma anos significativamente maiores em pacientes com dois
taxa de recidiva bioquímica significativamente menor.22 ou menos linfonodos positivos em comparação com os
Em contraposição, DiMarco et al. avaliaram retrospec- pacientes com três ou mais linfonodos positivos sem re-
tivamente o resultado de 7.036 prostatectomias radicais ceber qualquer tratamento adjuvante (78,6% vs. 33,4%,
com LND e não encontraram diferença de sobrevida livre respectivamente).28 O corte de dois nodos positivos foi
de recorrência bioquímica, progressão de metástases ou também recentemente estudado numa grande série multi-
câncer-específica de acordo com o número de linfonodos -institucional de pacientes tratados com uma abordagem
ressecados, indicando ausência de benefício em amplia- de multi modal (N = 703); pacientes com dois ou menos
ção da LND. Porém, os resultados deste estudo são passí- linfonodos positivos tiveram um resultado significativa-
veis das mesmas críticas que o de Joslyn et al.23 mente melhor na sobrevida câncer-específica em 15 anos
Acredita-se que a vantagem da LNDa mesmo nos de seguimento em comparação com pacientes com mais
casos negativos se deva à presença de eventuais micro de dois linfonodos positivos (84% vs. 62%, p < 0,001).
metástases linfonodais não detectadas na avaliação his- Pacientes com mais de dois linfonodos positivos tiveram
tológica usual com hematoxilina-eosina (H-E) e que são um risco 1,9 vezes maior de morrer de CaP em compa-
ressecadas na dissecção ampliada. Pagliarulo et al. cuida- ração com pacientes com dois ou menos positivos após a
dosamente reexaminaram 3.914 linfonodos negativos por contabilização de todos os outros preditores (p = 0,002).29
imuno-histoquímica em 274 pacientes pT3 e descobriram No entanto, a evidência de aumento da sobrevida dos pa-
que 13,3% dos 180 pacientes que foram originalmente cientes com baixo volume de invasão nodal pode ser ex-
definidos como sendo N0 realmente abrigavam uma me- plicado por um viés lead-time.
tástase ganglionar oculta. Esses pacientes tiveram taxas Recentemente, uma revisão sistemática e meta-análi-
de sobrevida significativamente piores do que os pacien- se de estudos comparativos sobre a eficácia da LNDa em
tes que eram verdadeiramente linfonodos negativos e ti- pacientes com CaP clinicamente localizado, que incluiu
veram resultados comparáveis aos​​ pacientes que tinham 18 estudos e 8.914 pacientes, demonstrou benefícios da
sido inicialmente diagnosticados como linfonodos po- LNDa de forma significativa em positividade de linfo-
sitivos.24 Da mesma forma, Vagnoni et al., ao revisarem nodos e segurança, sem o risco de efeitos colaterais. No
as lâminas de H-E com técnicas de imuno-histoquímica entanto, a LNDa não diminuiu a recidiva bioquimica.30
encontraram micrometástases em 9,3% dos pacientes de Em outro estudo de longo tempo de seguimento (2000-
risco intermediário ou alto que foram considerados ante- 12), Abdollah et al. demonstraram em 351 pacientes com
riormente como N0.25 linfonodos positivos, submetidos à prostatectomia radi-
Vários estudos, no entanto, mostram que nem todos cal com linfadenectomia ampliada seguidas de terapia de
os pacientes com linfonodos positivos correm o mesmo deprivação androgênica de forma adjuvante com ou sem
risco de progressão do CaP e morte.4 Na verdade, os pa- radioterapia, que a remoção de mais de 14 linfonodos foi

258
Papel da linfadenectomia: local x ampliada

um fator significativo independente para a redução da da dissecção.35 O consenso europeu de 2015 ainda refor-
mortalidade câncer-específica.31 ça que: a LND local não deve ser realizada; os pacien-
Além disso, a melhor opção terapêutica no pós-ope- tes de risco intermediário devem ter seus riscos de ILN
ratório de pacientes com metástases linfonodais ainda é calculados em nomogramas e, caso este risco for maior
controversa. Embora um trial tenha mostrado um efeito de 5%, deve ser feita a LNDa.36 Tanto o Guideline Euro-
positivo de hormonioterapia adjuvante nos pacientes com peu quanto a diretriz da Sociedade Brasileira de Urologia
linfonodos positivos (a maioria também teve margens po- (2014)37 recomendam a realização de LNDa nos casos de
sitivas e invasão da vesícula seminal),32 é possível que alto risco.
aqueles com doença nodal mínima adequadamente esta- Portanto, os pacientes em que, segundo os consensos
diados com LNDa e um tempo de duplicação lenta do acima, está indicada a LND são: escore de Gleason maior
PSA não se beneficiem de hormonioterapia adjuvante;28 ou igual a 7, níveis de PSA acima ou igual a 10 ng/ml e
eles atualmente poderiam ser considerados para protoco- os casos com estadio clínico maior ou igual a cT2b (TNM
los de vigilância ativa, reduzindo os riscos de tratamen- – AJCC38).
to excessivo pelo menor risco de progressão do câncer.
Além disso, um estudo retrospectivo demonstrou um Conclusões
impacto positivo de radioterapia adjuvante em pacientes O correto estadiamento é fundamental na decisão da
com metástases nodais.33 terapêutica e na identificação dos pacientes que necessi-
tarão de tratamento adjuvante. A linfadenectomia (LND)
Guidelines e indicações permanece hoje como o padrão ouro para a avaliação
linfonodal, constituindo o procedimento de estadiamen-
de linfadenectomia to mais acurado para a detecção de invasão do CaP em
Em relação à indicação da LNDa, sabe-se que nem
linfonodos.4
todos os pacientes com CaP têm o mesmo risco de aco-
A maior parte da literatura que avaliou os benefícios
metimento linfonodal. Vários nomogramas pré-operató- da LNDa em relação à sobrevida é representada por estu-
rios foram desenvolvidos para tentar predizer a invasão dos retrospectivos não controlados e incluíram pacientes
linfonodal (ILN). O risco de metástases linfonodais varia que fizeram uso de hormonioterapia ou outros tratamen-
de 5,8% para pacientes de baixo risco, 10% em homens tos neoadjuvantes e adjuvantes. As complicações com a
de CaP de risco intermediário e aumenta para mais de LNDa não são avaliadas de forma uniforme e os resul-
25% em pacientes de alto risco. Recentemente, Briganti tados publicados são variáveis. Além disso, os estudos
et al. atualizaram seu nomograma e demonstraram que existentes não são claros a respeito das áreas dissecadas
a porcentagem de fragmentos positivos foi o preditor de e outras vezes também não são uniformes nesses limites.
maior acurácia tanto para metástase linfonodal quanto Esse conjunto de observações são as responsáveis pe-
para recorrência após a prostatectomia radical.34 las incertezas ainda vigentes acerca dos reais benefícios
Os pacientes de baixo risco, caracterizados por escore terapêuticos da LNDa, e reforçam a necessidade de novos
de Gleason ≤ 6, PSA < 10 ng/mL e estádio clínico cT1c estudos prospectivos randomizados bem desenhados para
ou cT2a têm menos de 8% de chance de apresentar me- a determinação do papel da LNDa no tratamento do CaP.
tástase em dissecções extensas de linfonodos;4 isto tem
feito com que os consensos da Associação Americana de
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260
SEÇÃO VII
URO-PEDIATRIA

CAPÍTULO 39
Anomalias congênitas
do trato urinário
(válvula de uretra posterior, síndrome de
Prune-Belly e refluxo vesicoureteral)

Francisco Tibor Dénes


Bruno Nicolino Cezarino
renal se associa a dificuldade respiratória, devido à hipo-
Válvula de uretra posterior plasia pulmonar provocada pelo oligo-hidrâmnio, e o óbi-
São pregas da mucosa do assoalho da uretra posterior, to sobrevém nos primeiros dias. Em crianças maiores, com
geralmente ancoradas no verumontanum, e que, dependen- obstrução discreta, que permitiu evolução clínica favorável
do de seu tamanho, podem causar obstáculo importante ao sem deterioração do trato urinário superior ou da função re-
fluxo miccional. Constitui uma das patologias mais impor- nal e com diagnóstico tardio, os sintomas estão relacionados
tantes em uropediatria, pelas gravíssimas repercussões que à micção, podendo haver disúria, jato fino, perdas diurnas ou
pode acarretar em todo o trato urinário. enurese (Figuras 1 e 2).
Existe apenas no sexo masculino, correspondendo em- A suspeita clínica deve ser confirmada, em qualquer
briologicamente ao hímen do sexo feminino. Tem a for- idade, pela uretrocistografia miccional, que evidencia a
ma de duas cúspides que se abrem quando ocorre o fluxo dilatação característica da uretra posterior, além das even-
anterógrado de urina durante a micção, provocando deste tuais repercussões vesicais. A avaliação do trato urinário
modo obstrução de grau variável. Em geral não oferecem superior será feita pela ultrassonografia, e DMSA.
resistência ao fluxo retrógrado, por ocasião de sondagem
uretral ou injeção de contraste. Em consequência da difi-
culdade do fluxo urinário, ocorre uma dilatação variável, Abordagem inicial
porém característica, da uretra posterior, havendo frequen- A criança que nasce com suspeita de válvula deve ser
temente um afunilamento ao nível do colo vesical, por hi- submetida imediatamente à sondagem vesical (o que geral-
pertrofia secundária deste. Concomitantemente, a bexiga mente é possível pela característica própria da válvula de
pode estar aumentada de volume, apresentando paredes uretra posterior). Desse modo se alivia a obstrução uriná-
espessadas e trabeculadas, em decorrência do aumento da ria decorrente da válvula e se observa o comportamento da
pressão vesical. Frequentemente se observa refluxo vesi- função renal e dilatação renal.
coureteral e uretero-hidronefrose em graus variáveis. O tratamento da válvula de uretra propriamente dita con-
Pelo fato da micção estar obstruída já na vida intrauterina, siste na cauterização endoscópica das pregas mucosas. Em
observa-se na ultrassonografia antenatal que o feto apresenta crianças cujo trato urinário superior está preservado funcio-
dilatações características do trato urinário superior com bexi- nalmente, e na ausência de infecção, este procedimento pode
ga constantemente cheia, e o líquido amniótico com volume ser realizado primariamente, logo após o diagnóstico. Com a
reduzido. Não infrequentemente, ao nascimento o paciente miniaturização dos equipamentos endoscópicos, a cauteriza-
apresenta bexiga palpável, com esvaziamento difícil e jato ção pode ser realizada com sucesso mesmo em crianças com
miccional fino. As lesões renais, provocadas pela obstrução, poucas semanas de vida. Em casos em que não se encontra
podem ser variáveis, revertendo com a desobstrução, ou ser disponível a cauterização imediata, o melhor tratamento é
irreversíveis, com comprometimento funcional importante uma derivação urinária externa, quer uma vesicostomia, quer
nos casos mais graves. Em recém-nascidos, a insuficiência ureterostomia bilateral. A vesicostomia prévia permite que a
cauterização seja feita anterogradamente, sem necessidade
Figuras 1 e 2. de introdução de endoscópios pela uretra, o que é uma vanta-
gem em crianças de pequeno tamanho (Figura 3).

Figura 3. Figura esquemática representando ureterostomia em Y.

262
Anomalias congênitas do trato urinário

Em determinados casos, a válvula lesa a bexiga de ma- DMSA, DTPA, uretrocistografia miccional e retrógrada,
neira importante, trazendo espessamento e encarceramen- urodinâmica.
to dos ureteres com hidronefrose persistente mesmo após A bexiga, mesmo após sua desobstrução e refunciona-
a sondagem. De maneira geral, a creatinina da criança se lização, pode apresentar alterações importantes na elastici-
mantém elevada (geralmente acima de 0,8) e a hidronefro- dade e capacidade contrátil, podendo acarretar distúrbios
se se mantém ao ultrassom. Nesses casos, apenas a sonda- funcionais de sérias repercussões para o trato urinário su-
gem ou cauterização da válvula não são suficientes e uma perior, caso passem despercebidas.
derivação urinária bilateral é indicada. Conforme o comportamento vesical, pode haver neces-
Nos casos com derivação cutânea, a cauterização deve sidade de tratamento medicamentoso, treinamento vesical,
preceder a reconstrução do trato urinário. Considera-se cateterismo intermitente limpo ou mesmo de procedimen-
importante que a urina volte a fluir pela uretra logo após a tos cirúrgicos, como a ampliação vesical.
cauterização das válvulas, para evitar estenoses.
Considerado o tratamento emergencial e da válvula em
si, é importante atentar para o tratamento das sequelas uro- Síndrome de Prune-Belly
lógicas da válvula, seja na bexiga ou trato urinário superior. É caracterizada pela hipoplasia dos músculos da parede
O refluxo vesicoureteral e a dilatação dos ureteres podem abdominal, criptorquidia e anomalias variadas do trato
desaparecer espontaneamente com a derivação vesical e o urinário. Tem intensidade variável, podendo manifestar-se
tratamento da válvula, porém, se persistirem, devem ser com insuficiência renal ao nascimento, ou apenas apresentar
avaliados e eventualmente corrigidos. Por fatores não mui- os estigmas da síndrome, sem alteração funcional do
to bem conhecidos, com frequência um dos rins apresen- aparelho urinário. Sua forma completa é exclusiva do sexo
ta-se mais lesado que o outro, em consequência de RVU masculino, incidindo em 1 a cada 35.000-50.000 nascidos
(mecanismo de “pop-off”). Este rim em geral não recupera vivos. Não se conhece as causas da síndrome, porém
a função, mesmo após drenagem cutânea prolongada. Nes- postula-se que uma obstrução infravesical transitória ou
tes casos, quando a função corresponde a menos de 10% do uma disembriogênese mesenquimatosa sejam responsá-
total, a nefroureterectomia está indicada (Figura 4). veis pelas manifestações da síndrome.

Figura 4. Visão endoscópica de válvula de uretra posterior.


Achados clínicos
A parede abdominal apresenta flacidez parcial ou total,
em consequência da hipoplasia muscular, evidenciando
sulcos e estrias cutâneas que dão ao abdome o aspecto ca-
racterístico de ameixa seca. O aparelho urinário pode estar
difusamente comprometido, com displasia renal e uretero-
-hidronefrose, com dolicomegaureter em graus variados,
associados a uma bexiga hipocontrátil, de paredes espes-
sas, com presença de um divertículo uracal, sendo facil-
mente palpável. A uretra posterior apresenta uma dilatação
que sugere obstrução, porém na verdade é consequência da
falta de suporte de tecido prostático. A uretra distal pode
ser hipoplásica ou apresentar um segmento dilatado por
Seguimento falta de corpo esponjoso. Os testículos são intra-abdomi-
As sequelas urológicas dos pacientes com válvula de nais, localizados junto aos ureteres dilatados. Apesar de
uretra posterior são bastante variadas: desde apenas um ter sua função hormonal preservada, não existe relato de
leve espessamento vesical, passando por refluxo vesicou- fertilidade nestes pacientes, mesmo quando submetidos
reteral maciço, obstrução da JUV (junção vesicoureteral) precocemente à orquipexia.
com uretero-hidronefrose, perda progressiva da função re- Pode haver anomalias ortopédicas associadas, como ta-
nal, além de espessamento vesical acentuado e diminuição lipes equinovaro, luxação de quadril, escoliose ou sindac-
da capacidade vesical. tilia. Malformações cardiovasculares e digestivas, menos
Cada sequela deve ser individualmente avaliada e tra- frequentes, também são descritas.
tada. De maneira geral, os exames necessários incluem: O diagnóstico antenatal pode ser suspeitado pela dila-

263
tação do trato urinário, sendo a válvula de uretra posterior 1. Megalouretra com ausência de corpo esponjoso e caver-
o diagnóstico diferencial. Já ao nascimento, o aspecto ca- noso + criptorquidia
racterístico do abdome define o diagnóstico, devendo-se 2. Achado de UCM mostrando bexiga alongada típica de
então avaliar cuidadosamente a função renal e vesical. Prune-Belly, com fístula uracal e RVU de alto grau
Algumas crianças nascem com insuficiência respira- 3. Marcação cirúrgica da laparotomia
tória, em consequência de oligoidrâmnio, evoluindo ine- 4. Ressecção do excesso de pele abdominal e exposição da
xoravelmente para óbito, seja por falência pulmonar ou aponeurose papirácea sem musculatura de suporte
por insuficiência renal. Outras apresentam quadro clínico
extremamente favorável, pelo fato de o trato urinário pra-
ticamente não apresentar alteração funcional significativa,
não necessitando de qualquer intervenção.

Abordagem
Diante da plêiade de alterações que podem ocorrer
no trato urinário, é necessária uma investigação ade-
quada desse trato, que inclui: USG (ultrassonografia) de
vias urinárias, uretrocistografia miccional e retrógrada,
DMSA (cintilografia renal estática), DTPA (cintilografia
renal dinâmica) e urodinâmica. Os achados mais comuns
incluem refluxo vesicoureteral maciço, dolicomegaureter
com obstrução ureteral ao nível da JUV (junção uretero-
vesical), inclusive com alguns casos de estenose de JUP
(junção ureteropélvica) secundárias, atonia vesical, ex-
clusão funcional do rim.
Os princípios de correção cirúrgica dessas afecções não
têm alteração em relação aos demais pacientes; no entan-
to, devido à flacidez abdominal e à criptorquidia, recente-
mente foi proposta a correção cirúrgica combinada das três
anomalias: correção das alterações urinárias, orquidopexia
e abdominoplastia, conforme a sequência de fotos a seguir.
5. Localização dos testículos e preparo para orquidopexia
Abdome característico de Prune-Belly

264
Anomalias congênitas do trato urinário

6. Marcação da laparotomia mediana - Note que a laparo- A intensidade do RVU primário correlaciona-se com o
tomia é realizada de maneira paraumbilical, e o fecha- grau de alteração morfológica do meato ureteral, que perde
mento é realizado em jaquetão, sobrepondo uma apo- a sua fixação no trígono vesical, afastando-se do mesmo.
neurose à outra, preservando a cicatriz umbilical Com isto, ocorre redução na extensão do trajeto intramural
e submucoso do ureter distal. Quanto maior o grau do RVU,
maior a probabilidade de ascensão de bactérias para o in-
terior do parênquima renal, com consequente pielonefrite.
A pielonefrite pode se cronificar se não tratada a tempo,
evoluindo para cicatrização e atrofia focal, mesmo se o RVU
for curado. Entre 30% e 70% das crianças têm cicatrizes,
que se caracterizam por retração parenquimatosa com subs-
tituição do tecido renal por fibrose. As cicatrizes se associam
a distorção e dilatação dos cálices adjacentes. Com o tempo,
os rins apresentam áreas de retração cortical, evoluindo para
contração e perda progressiva de função, podendo inclusive
ocorrer hipertensão arterial. O risco de lesão renal é maior
quando a pielonefrite ocorre durante o primeiro ano de vida.
O RVU primário isolado não tem sintomas. O quadro
clínico é provocado pela infecção urinária e pielonefrite
associadas. Em crianças pequenas há predomínio de sin-
tomas sistêmicos como febre, letargia, anorexia e parada
de crescimento. Crianças maiores podem apresentar dor
abdominal ou lombar e febre.

Refluxo vesicoureteral
O fluxo retrógrado de urina da bexiga para o trato uriná-
rio superior (refluxo vesicoureteral ou RVU) é uma situação
anormal no ser humano, resultando de deficiência intrínseca
na junção ureterovesical (JUV). A incidência é de 0,5% a
1% das crianças assintomáticas, elevando-se para 29%-50%
em crianças com infecção do trato urinário. É mais frequen-
te na raça branca, sendo que 80% dos recém-nascidos com
RVU são meninos. Após os seis meses de vida, passa a haver
um predomínio do sexo feminino, em proporção que chega
a 4:1. Irmãos e filhos de pacientes de RVU manifestam a O diagnóstico pode ser suspeitado ao se detectar dila-
doença em maior frequência que a população normal. tação do trato urinário superior na ultrassonografia. A con-
firmação é sempre feita pela uretrocistografia miccional,
que documenta o lado e a intensidade do RVU. O mapea-
mento radioisotópico (DMSA) renal evidencia as irregula-
ridades do parênquima.

Sabendo que a grande maioria dos casos de RVU primário de


baixo grau apresenta cura espontânea, é importante que estes
pacientes fiquem protegidos contra infecção urinária até que o
refluxo deixe de existir. Recomenda-se nestes casos a quimio-
profilaxia antibacteriana a longo prazo, preferencialmente com
nitrofurantoína, sulfametoxazol-trimetoprima ou cefalexina.

UCM mostrando refluxo bilateral grau IV

265
O objetivo da cirurgia é alongar o túnel submucoso do
ureter, que pode ser obtido por várias técnicas e cuja esco-
lha depende se o RVU é uni ou bilateral, da anatomia do
ureter refluxivo e da junção ureterovesical, além da expe-
riência do cirurgião:
a) Correção endoscópica de refluxo

• Esta técnica consiste em injeção de uma substância


O objetivo terapêutico nos casos de RVU é a prevenção inabsorvível junto ao meato ureteral com o objetivo
das lesões pielonefríticas. Também são importantes as me- de promover um alongamento mucoso e uma remo-
didas que visam o esvaziamento frequente e regular da bexi- delação da mucosa do meato ureteral no sentido de
ga, a normalização do hábito miccional e a higiene genital. dificultar o refluxo vesicoureteral. As substâncias
Embora a quimioprofilaxia adequada proteja os rins disponíveis incluem: Vantris e Deflux (as mais uti-
contra pielonefrite, o baixo índice de cura espontânea nos lizadas).
casos de RVU de alto grau, mesmo a longo prazo (principal- • Trata-se de uma técnica de fácil aprendizado, com
mente após os cinco anos), indica nestes casos a necessida- rápida recuperação pós-operatória, podendo ser rea-
de de sua correção cirúrgica. A presença de anormalidades lizada de maneira bilateral inclusive.
associadas do ureter e junção ureterovesical, tais como du-
plicidade e sácula paraureteral, também reforça a indicação
de cirurgia. A dificuldade de manutenção de cobertura anti-
bacteriana a longo prazo em alguns pacientes com RVU de
baixo grau pode ser também justificativa para a indicação de
tratamento cirúrgico.

A taxa de sucesso varia com o grau do refluxo e pre-


sença de anomalias associadas: duplicidade, ureterocele,
bexiga neurogênica, etc.
b) Correção cirúrgica convencional de refluxo
• Inúmeras técnicas foram descritas para correção ci-
rúrgica aberta do refluxo, todas baseadas no alonga-
mento do túnel intramural do ureter para prevenção
do refluxo vesicoureteral, sendo as mais adotadas a
de Gregoir-Lich e a técnica de Cohen. A experiên-

266
Anomalias congênitas do trato urinário

cia com a técnica de Gregoir-Lich, e mais recente- Aspecto da cirurgia de Cohen bilateral, desinserção do ureter bilateralmente
mente com a de Cohen, tem permitido um índice de
sucesso de mais de 98%, com complicações rela-
cionadas a obstrução em menos de 2%.
• Gregoir-Lich: acessa-se a bexiga externamente,
com localização do ureter e a junção vesicoureteral.
Em seguida, a muscular da mucosa é incisada e con-
fecciona-se túnel submucoso alongado. Postula-se
classicamente que, por conta da dissecção do feixe
de nervos pélvicos que inerva a bexiga próximo ao
ureter, a cirurgia de Gregoir-Lich quando realizada
bilateralmente pode levar à bexiga neurogênica e/
ou bexiga flácida. A grande maioria dos casos são
resolvidos com cerca de seis semanas de sondagem Aspecto final do reimplante a Cohen bilateral. Note o cruzamento dos ureteres
“Cross trigone”
ou cateterismo intermitente.
• Cohen: Esta técnica acessa a bexiga e ureteres por
via transvesical, e assim cria-se um túnel submu-
coso transtrigonal após a desinserção dos ureteres
da bexiga, ou seja, no final da cirurgia o meato
do rim direito estará localizado ao lado esquerdo
e vice-versa. Esta técnica tem como vantagem o
tratamento simultâneo do RVU bilateral, sem ris-
co de lesão nervosa. Por outro lado, um eventual
cateterismo transuretral dos meatos é bastante di-
ficultoso no caso de um eventual cálculo ureteral
no futuro.
Aspecto final da cirurgia de Gregoir convencional
c) Correção cirúrgica minimamente invasiva do re-
fluxo
• O avanço da laparoscopia pediátrica permitiu uma
nova forma de correção de refluxo vesicoureteral
unindo altas taxas de sucesso com tempo de recupe-
ração curto e baixo índice de complicações. Trata-
-se da confecção da técnica de Gregoir-Lich por via
laparoscópica.

Dissecção do ureter e exposição da JUV

267
Incisão do detrusor e exposição da mucosa Esquema de correção laparoscópica de RVU

Aspecto final após reimplante a Gregoir VLP

268
SEÇÃO VII
URO-PEDIATRIA

CAPÍTULO 40
Anomalias genitais I
(intersexo, hipospádias
e epispádias-extrofia)
Amilcar Martins Giron
Maria Helena Palma Sircili
Distúrbios do Desenvolvimento Sexual (DDS) são uma Os fetos masculinos e femininos têm a mesma aparên-
condição congênita na qual o desenvolvimento cromossô- cia dos genitais internos e externos até os dois meses de
mico, gonadal ou genital é atípico. vida intrauterina.
Por que ocorrem os DDS? Nesta fase, a presença de cromossomos, genes, hormô-
Para que possamos entender e avaliar pacientes com nios e seus receptores que levam a diferenciação da gônada
DDS temos que lembrar do desenvolvimento sexual nor- primitiva comum em testículo ou ovário e os hormônios
mal. Que começa na fertilização quando temos o sexo cro- sexuais masculinos iniciam o processo de modificação dos
mossômico 46,XX ou 46,XY. Ambos apresentam gônadas genitais externos e internos.
indiferenciadas, que na presença do SRY irão formar os Alterações cromossômicas e mutações em genes que re-
testículos e na sua ausência irão desenvolver os ovários. gulam tanto a determinação quanto a diferenciação sexual
Isto é a determinação sexual. Os testículos produzirão a podem causar os distúrbios do desenvolvimento sexual.
testosterona e o hormônio anti-Mulleriano. A testosterona A causa mais frequente de DDS com atipia da genitália
convertida em DHT formará a genitália externa masculina externa é a hiperplasia adrenal congênita (HAC). Na HAC
a partir de uma genitália externa indiferenciada. Estas duas ocorre uma deficiência enzimática na cadeia da esteroido-
etapas finais, organogênese da genitália interna e externa gênese (Figura 2) secundária a uma anormalidade no gene
são denominadas diferenciação sexual. que codifica esta enzima. A deficiência enzimática mais fre-

Figura 1A. Organogênese dos órgãos genitais internos. Figura 1B. Organogênese dos órgãos genitais externos.

Sircili, Dissertação de mestrado, 2003.


Figura 2. Esteroidogênese.

Colesterol

CYP21
3bHSD 2 CYP11B2
Pregnenolona 21 OH DOC Aldosterona

CYP17 CYP17
17 alfa 17 alfa
CYP21
3bHSD 2 21 OH
170H-Preg 170H-Prog 11-Desoxicortisol CYP Cortisol
11B1
CYP17
CYP17 17 alfa
17 alfa

3bHSD 2
DHEA Androstenediona Estrona

17bHSD3 17bHSD3

3bHSD 2
Androstenediol Testosterona Estradiol

5a-Redutases 2
Di-hidrotestosterona

270
Anomalias genitais I

quente na HAC é a da 21-hidroxilase que leva a um dese- andrógenos forma parcial – PAIS e forma completa – CAIS)
quilíbrio hormonal, com produção excessiva de andrógenos DDS por alterações cromossômicas (síndromes de
e virilização da genitália externa em uma paciente 46,XX. Klinefelter, Turner e variantes)
Os pacientes com distúrbio do desenvolvimento sexual No grupo DDS 46,XX o indivíduo apresenta ovários e
(DDS) devem ser tratados como uma emergência médica, virilização da genitália externa. No grupo DDS 46,XY o
pois podemos estar diante de doenças com risco de vida, indivíduo apresenta testículos e virilização incompleta da
como a HAC associada à perda de sal. genitália externa.
O grande dilema destes pacientes é a atribuição do
sexo social quando apresentam genitália atípica e não con-
seguimos defini-lo como menino ou menina ao nascimen-
Investigação de pacientes de DDS
to. Os pacientes com DDS e genitália atípica têm uma in- Uma avaliação clínica cuidadosa do recém-nascido é
cidência, estimada em 1 de 4.500 nascimentos (Figura 3). essencial porque a maioria dos pacientes com DDS pode
ser reconhecida nesse período e o diagnóstico precoce
Figura 3.
permite uma melhor abordagem terapêutica. A detecção
pré-natal da ambiguidade genital ou discordância entre
genótipo e fenótipo tem aumentado devido ao avanço das
técnicas de imagem e estudos moleculares para determi-
nar o sexo fetal, principalmente nas fertilizações in vi-
tro. Quando a genitália externa não é caracterizada como
masculina ou feminina após 14 semanas de gestação em
mãos experientes devemos suspeitar de ambiguidade ge-
nital. O exame mais específico e sem riscos gestacionais
é a sexagem fetal, onde fazemos o estudo do DNA fetal
circulante no sangue materno.
Na história familiar pesquisar se há consanguinidade
e qual o grau de parentesco, se há casos semelhantes na
família, etnia e cidade de origem dos pais, intercorrências
e uso de hormônios durante gestação e peso ao nascer.
O exame físico completo e avaliação da anatomia ge-
Entender as causas dos DDS é muito importante para nital são os primeiros passos para um diagnóstico cor-
decidir se o bebê será melhor educado como menino ou reto. A avaliação diagnóstica da DDS inclui avaliações
menina; além dos cuidados e do bem-estar desta criança hormonais, imagens, estudos citogenéticos (cariótipo) e
a longo prazo. moleculares.
Podemos dividir de uma forma didática os tipos de Em alguns casos, são necessárias exploração endos-
Distúrbios do Desenvolvimento Sexual considerando o ca- cópica e laparoscópica e/ou biópsia gonadal.
riótipo, como segue a tabela abaixo. A avaliação endocrinológica de 46,XY DDS lacten-
tes inclui a avaliação da função testicular por medições
basais de LH, FSH, inibina B, hormônio anti-Mulleriano
DDS 46,XX (AMH) e esteroides. Em meninos com criptorquidia bila-
DDS 46,XX por HAC virilizante
teral, a AMH sérica e a inibina B correlacionam-se com
DDS 46,XX ovário-testicular
a presença de tecido testicular e valores indetectáveis são
​​
DDS 46,XX testicular
altamente sugestivos de ausência de tecido testicular.
Em pacientes pós-púberes com defeitos de síntese de
DDS 46,XY testosterona, o diagnóstico é feito através de níveis basais
Diminuição da produção de testosterona (disgenesias de esteróides. Os níveis de testosterona são baixos e os
gonadais, defeitos de síntese de testosterona) esteroides a montante do bloqueio enzimático são eleva-
Alteração do metabolismo da testosterona (deficiência dos. Em indivíduos pré-púberes, o teste de estimulação
de 5α-redutase tipo 2) de hCG é essencial para o diagnóstico, uma vez que os
Alteração na ação dos androgênios (Insensibilidade aos níveis basais não são alterados.

271
A avaliação por imagem é indicada no período neona- aconselhamento por um psicólogo experiente, especiali-
tal quando se identifica uma genitália atípica. Se houver zado em identidade de gênero. Isto deve ser feito assim
genitália feminina aparente com hipertrofia do clitóris, que o diagnóstico for suspeitado, e dar seguimento perio-
fusão labial posterior, orifício único para uretra e vagi- dicamente.
na (seio urogenital) ou massa inguinal/labial, também Os pais devem ser bem informados pelo médico e
deve ser realizado um estudo de imagem. Uma história psicólogo sobre o desenvolvimento sexual normal. Uma
familiar de DDS e apresentações tardias como puberdade explicação simples, detalhada e abrangente sobre o que
anormal ou amenorreia primária, hematúria cíclica em esperar em relação à integração na vida social, atividade
um menino, hérnia inguinal em uma menina também re- sexual, necessidade de tratamento hormonal e cirúrgico
querem uma avaliação por imagem. e a possibilidade ou não de fertilidade de acordo com o
A ultrassonografia é sempre a primeira e muitas vezes sexo da criação devem ser discutidas com os pais para
a modalidade de imagem mais valiosa na investigação definir o sexo social final.
dos pacientes com DDS. O ultrassom mostra a presença A determinação do sexo social deve levar em conta o
ou ausência de estruturas Müllerianas em todas as ida- diagnóstico etiológico, tamanho do pênis, tradições étni-
des e pode localizar as gônadas e caracterizar sua textura. cas, identidade sexual e a aceitação do sexo social atribu-
Este exame também pode identificar malformações asso- ído pelos pais. No caso de pais e prestadores de cuidados
ciadas, tais como anormalidades renais. de saúde discordar sobre o sexo de criação, a escolha dos
Genitografia e cistouretrografia podem avaliar a ure- pais deve ser respeitada. A criança afetada e sua família
tra, a presença de vagina, cérvix e seio urogenital. Em- devem ser seguidas ao longo de toda a vida.
bora, as características de imagem não sejam específicas
para a causa do DDS, estes métodos de diagnóstico são Terapia hormonal
importantes para o planejamento cirúrgico. Sexo feminino: O objetivo da terapia hormonal é o
A avaliação genética inclui cariótipo, FISH e, mais desenvolvimento de características sexuais femininas e
recentemente, estudos moleculares específicos para de- menstruação nos pacientes com útero.
tectar a presença de mutações ou desequilíbrio de dosa- Sexo masculino: O objetivo da terapia hormonal é
gem de genes. o desenvolvimento de características sexuais masculinas
A definição da etiologia dos DDS é importante para a utilizando a reposição com testosterona.
identificação de doenças potencialmente fatais e que ne-
cessitam abordagem terapêutica precoce, bem como para
fornecer informações para orientar os pais na decisão so- Tratamento cirúrgico
bre a conduta mais adequada para o seu filho. Os avanços O objetivo do tratamento cirúrgico é permitir o de-
nas metodologias moleculares têm ajudado a estabelecer senvolvimento de genitália externa adequada e remover
a etiologia do DDS bem como identificar novas causas de estruturas internas inadequadas para o sexo social. Os
DDS. Os testes moleculares têm sido adotados na prática pacientes devem ser submetidos a tratamento cirúrgico
clínica com a finalidade de diagnóstico e aconselhamento de preferência antes dos 2 anos de idade, que é o momen-
genético, porém sua realização deve ter uma indicação to em que a criança se torna consciente de seus genitais
e sexo social. Apenas cirurgiões qualificados com trei-
precisa.
namento específico na cirurgia de DDS devem realizar
esses procedimentos.
Abordagem dos pacientes com DDS A laparoscopia é o método ideal de tratamento ci-
É importante salientar que o tratamento de pacientes rúrgico dos órgãos genitais internos em pacientes com
com DDS requer uma equipe multidisciplinar treinada e 46,XY DDS. Nestes pacientes, as indicações para a lapa-
com formação adequada. O diagnóstico precoce é impor- roscopia são a remoção de gônadas normais e estruturas
tante para o bom tratamento dos pacientes e deve come- ductais contrárias ao gênero atribuído e a remoção de gô-
çar com um exame cuidadoso da genitália do recém-nas- nadas disgenéticas, que são não funcionais e apresentam
cido ao nascimento. potencial de malignidade. Além de ser uma cirurgia mi-
Avaliação psicológica: É de crucial importância para nimamente invasiva, uma das principais vantagens deste
tratar pacientes com DDS. Os pais de pacientes com ge- método é a falta de cicatrizes.
nitália atípica (ambígua) devem ser avaliados e receber A genitoplastia feminizante tem como objetivo re-

272
Anomalias genitais I

duzir o tamanho do clitóris hipertrofiado, removendo o


tecido cavernoso, mantendo sua irrigação, inervação e Hipospádia
consequentemente preservando a sua sensibilidade. O tra-
tamento do seio urogenital consiste na ampliação do seio
Introdução
A hipospádia é uma das mais comuns anomalias con-
para separar introito vaginal e uretra, possibilitando um
gênitas no sexo masculino, sendo definida como hipo-
bom fluxo urinário e menstrual como também atividade
plásica no desenvolvimento da circunferência ventral do
sexual futura.
pênis; dessa forma, o meato uretral não termina na ex-
Em nossa experiência, a genitoplastia feminizante em
tremidade peniana, estando localizado ventralmente na
tempo único, consistindo de clitoroplastia com a preser-
haste peniana.
vação de feixe vasculonervoso dorsal e mucosa ventral,
A incidência da hipospádia é variável: 1:300 nascimen-
ampliação do seio urogenital pela técnica Y-V e vulvo- tos a 1:1000, aumentando em 1:80/100 quando existe his-
plastia, seguida de dilatação vaginal com moldes acrílicos tória familiar.
quando necessária, permitiu bons resultados cosméticos e
funcionais.
Para os que são criados como meninos, a genitoplas- Etiologia
tia masculinizante consiste em ortofaloplastia, escro- A hipospádia, caracterizada pela falha na formação da
toplastia, uretroplastia proximal e distal e orquidopexia uretra deve ocorrer por eventual bloqueio do estímulo hor-
quando necessário. As cirurgias são realizadas em 2 ou 3 monal descrito, falha de receptores hormonais periféricos
etapas nos pacientes com hipospádias perineais. A com- no pênis ou mesmo por administração de progesterona du-
rante a gestação. A etiologia é discutível, dentre as causas
plicação mais frequente é a fístula uretral e a estenose
abaixo enumeradas:
uretral que pode ocorrer vários anos após a cirurgia. Os
resultados da correção cirúrgica são bons, tanto do ponto A. Fatores endócrinos e genéticos: a incidência de recém-
de vista estético quanto funcional em nossa série, bem -nascidos com reprodução assistida “in vitro” é cinco
como em outros. vezes maior que a população normal, podendo estar re-
A maioria dos nossos pacientes apresenta desempe- lacionada à administração materna de progesterona ou
nho sexual satisfatório, desde que eles apresentam um ta- anomalias fetais; são descritos três tipos de mutações
manho do pênis de pelo menos 6 cm. Novas abordagens, genéticas detectadas em pacientes hipospádicos.
como o uso de doadores de tecido de enxerto para alongar B. Fatores ambientais – contacto materno com substân-
a uretra e pênis podem ajudar esses pacientes no futuro. cias que contêm produtos contendo estrógenos, água,
pesticidas e fungicidas.
C. Deficiência de fatores de crescimento epidérmico na
Referências recomendadas face ventral do pênis, talvez esse fato possa ter relação
1. Donahoe PK, Crawford JD, Hendren WH. Management of neonates
and children with male pseudohermaphroditism. J Pediatr Surg 1977 com efeitos negativos na reconstrução cirúrgica da hi-
Dec;12(6):1045-57. pospádia: presença de fístulas, deiscências na neoure-
2. Mendonça BB et al. 46,XY disorders of sex development. Clin Endo- troplastia.
crinol (Oxf), 2009 Feb;70(2):173-87.
3. Hughes IA et al. Consensus statement on management of intersex di- D. Defeitos enzimáticos na biossíntese da testosterona
sorders. Arch Dis Child 2006;91(7):554-63. descrita principalmente em hipospádias proximais.
4. Lee and P.A. Consensus statement on management of intersex di-
sorders. International Consensus Conference on Intersex. Pediatrics
2006;118(2):e488-500. Anatomia da hipospádia
5. Sircili MH, de Mendonça BB, Denes FT, Madureira G, Bachega TA Constitui um triângulo que tem como base a placa ure-
e Silva FA. Anatomical and functional outcomes of feminizing geni-
toplasty for ambiguous genitalia in patients with virilizing congenital
tral glandar e como ápice a divisão dos corpos esponjosos
adrenal hyperplasia. Clinics (Sao Paulo) 2006 Jun;61(3):209-14. da uretra, localizado ao nível do meato uretral hipospádico;
6. Sircili MH, e Silva FA, Costa EM, Brito VN, Arnhold IJ, Dénes FT, lateralmente esse triângulo é delimitado pela junção muco-
Inacio M, de Mendonça BB. Long-term surgical outcome of mascu-
linizing genitoplasty in large cohort of patients with disorders of sex
sacutânea e corpos esponjosos da uretra.
development. J Urol 2010 Sep;184(3):1122-7. Portanto o cirurgião deve estar atento a anormalidades
7. Mendonça BB, Arnhold IJP, Domenice S, Costa EMF. 46,XY Disor- anatômicas que podem estar presentes nas várias formas de
ders of Sexual Development. In: De Groot LJ, Chrousos G, Dungan K
et al. (editors). Endotext [Internet]. South Dartmouth (MA): MDText.
hipospádias: placa uretral – avaliar o quanto está compro-
com, Inc.; 2000-2013 Jan 1. metida com a curvatura peniana; b) a qualidade e extensão

273
têm implicação na escolha da técnica cirúrgica. Como será Figura 1. Hipospádia distal, coronal, sem curvatura.
visto posteriormente, a filosofia atual é preservar a placa
uretral sempre que possível.
A. Prepúcio – comumente é bem desenvolvido; pode ser
completo e com aspecto normal em 1% a 2% dos casos,
principalmente associado a hipospádia distal com mega
meato.
B. Meato – a estenose é comum nas hipospádias distais,
ao contrário de megameato associado a grande fenda
na glande e com prepúcio normal. Também é comum a
presença de ponte de tecido entre o meato hipospádico
e a impressão meática glandar, a qual deve ser corrigida
no ato operatório.
C. Glande – a configuração da glande facilita a escolha da
técnica cirúrgica. A glande pode ser cônica, com meato
estenótico e placa fibrosa, ao contrário da glande fendi-
da ventralmente e placa uretral saudável.
D. Corda venérea – (chordee) avaliado corretamente com
ereção artificial; com anestesia, pode diferir da avalia-
ção inicial ambulatorial. Deve-se analisar a verdadeira
extensão, a associação com pele disgenética e capu-
chão; às vezes a curvatura pode estar relacionada com
transposição penoescrotal.
Figura 2. Hipospádia com uretra hipoplásica, necessário ressecá-la.

Classificação
Recomenda-se classificar a hipospádia de acordo com a
posição do meato uretral, antes ou após liberação da corda
venérea; outras classificam as hipospádias relevando as-
pectos mais práticos, que envolvem a escolha da técnica
cirúrgica.
A. Hipospádias distais (50%): glandar e coronal.
B. Hipospádias penianas (30%): peniana distal, médio-
-peniana e penoescrotal.
C. Hipospádias proximais (20%): escrotal e perineal.
A hipospádia glandar apresenta o meato uretral na
base da glande, estrutura essa praticamente com aspecto
normal. A coronal é mais comum; o meato uretral está ao Hipospádias proximais (20% dos casos) são mais ra-
nível do sulco coronal, podendo ser estenosado ou envol- ras e mais severas, assim como de reconstrução cirúrgica
vido por uretra hipoplásica. A hipospádia distal não apre- mais complexa. A corda venérea (chordee) é fibrosa e com
senta corda venérea consequentemente não tem curvatura acentuada curvatura, estendendo-se desde o meato uretral
peniana associada (Figura 1); as demais - média e pro- até a extremidade da glande; na grande maioria dos casos
ximal - têm curvatura associada, devido a encurtamento o corpo esponjoso está ausente, mas ocasionalmente pode
relativo da uretra, insuficiência de pele distal ao meato aparecer até a extremidade da glande. A bolsa escrotal é
ou aderência da pele a esse nível. A posição do meato bífida, as duas hemibolsas escrotais se estendem até a base
pode encobrir a presença de uretra totalmente hipoplásica do pênis, podendo circundá-lo (transposição penoescrotal).
(aspecto membranáceo) dificultando a reconstrução ci- O diagnóstico diferencial constitui-se numa fronteira
rúrgica (Figura 2). que dependerá de avaliações laboratoriais: deve ser feito

274
Anomalias genitais I

com genitália ambígua (pseudo-hermafrodita masculino) mafroditismo. Criptorquidia unilateral com hipospádia
logo que possível após o nascimento em face de emer- proximal deve necessariamente exigir investigação para
gência social na definição do sexo; avaliação laboratorial afastar possíveis estados intersexuais ou síndromes sis-
radiológica (genitografia) se impõe para a definição diag- têmicas.
nóstica (Figura 3). A avaliação do tamanho do pênis, da posição do mea-
to uretral, presença de curvatura ventral, conformação da
Figura 3. Hipospádia penoescrotal. Genitália aos quatro meses de idade: glande (cônica ou fendida), quantidade de pele prepucial
notam-se escroto bífido e pênis aparentemente curto; curvatura ventral com
presença de corda venérea e meato uretral em nível escrotal. são aspectos importantíssimos na definição da reconstru-
ção cirúrgica. Essas crianças devem retornar à avaliação
clínica com 6 e 12 meses de idade; em situações especiais
poderá ser administrado hormônio (25 mg testosterona),
três meses antes da cirurgia, com a finalidade de aumen-
tar o pênis, facilitando o ato cirúrgico.
Os pais devem estar informados sobre a patologia,
que não é rara, que seu filho não é o único com tal pro-
blema e que atualmente a hipospádia é bem conhecida
pelo cirurgião, o qual poderá abordá-lo com sucesso na
época adequada.
A decisão quanto à aplicação da técnica cirúrgica se
faz na sala operatória, quando a criança está anestesiada
e em condições de ser examinada adequadamente; nesse
sentido, pode-se avaliar a exata dimensão da curvatura
peniana ou mesmo pode-se identificar uretra membrano-
sa ou hipoplásica, ineficaz para reconstrução cirúrgica e
eventualmente mudar a estratégia cirúrgica.

Reconstrução cirúrgica
Independente do tipo da hipospádia; os objetivos ci-
rúrgicos visam: reposição do meato uretral na extremi-
dade glandar; retificação completa do pênis; distribuição
de pele prepucial; neouretroplastia, preferencialmente
com manutenção da placa uretral; escrotoplastia, neces-
As anomalias associadas: criptorquidia ocorre em sária nas hipospádias proximais onde o escroto é bífido;
10% dos casos, cisto de utrículo prostático nas hipospá- micção e ereção “normais”.
dias proximais, em 50% dos casos, também tem conota- Com relação a escolha da técnica cirúrgica:
ção na esfera hormonal. Outras associações: transposição
penoescrotal, malformações gonadais, disgenesia gôna-
das, hérnia inguinal, torção do eixo axial do pênis 50%
Algoritmo – Sugestões de Técnicas
dos casos. 1. Hipospádia distal sem curvatura (placa flexível e
móvel)
2. MAGPI/SAGA (V invertido)/Snodgrass
Avaliação clínica 3. Hipospádia distal sem curvatura (com megameato):
É recomendável que a criança com hipospádia seja
Mathieu
examinada logo ao nascer ou no máximo nas primeiras
semanas de vida. Deve ser avaliada a história sobre ante- 4. Peniana distal: Snodgrass/Mathieu/Onlay
cedentes maternos na gestação; à administração de hor- 5. Peniana sem curvatura: Onlay/Snodgrass
mônios, medicamentos, além de antecedentes familiares. 6. Hipospádias proximais com curvatura maior que
O exame físico demonstrando a presença de testícu- 30º: correção em 2 etapas (ortofaloplastia e neou-
los na bolsa escrotal pode excluir formas de pseudo-her- retroplastia)

275
7. Hipospádias multioperadas: As condutas são pon-
tuais e decididas no ato operatório; situações ex- Extrofia vesical e epispádia
tremas onde não existe opção de tecido para neou-
retroplastia, o enxerto livre de retalho de mucosa Introdução
bucal ou albugínea testicular pode ser a solução, A extrofia vesical é parte integrante do largo espectro
embora com maior incidência de complicações. de anomalias extróficas que se estendem desde a epispá-
dia glandar à extrofia de cloaca, correspondendo a dife-
rentes graus do mesmo defeito embriológico. Do ponto
Complicações de vista embriológico acredita-se que o defeito básico
Fístulas uretrocutâneas; estenose de uretra; curvatura seja a falha na penetração do folheto mesodérmico entre
dorsal residual; pelos e incrustação de cálculo urinário; os folhetos ecto e endodérmico da membrana cloacal,
aspecto plástico desfavorável. anormalmente ampla e fraca. A instabilidade da mem-
brana cloacal com deiscência precoce expõe as vísceras
Conclusão pélvicas na parede abdominal inferior; dependendo da
época e da velocidade em que ocorre a deiscência da
A hipospádia constitui malformação peniana comum
membrana cloacal (ou infraumbilical), instalam-se as
e com alta incidência diagnóstica no período neonatal;
diversas variedades extróficas: extrofia vesical, epispá-
o diagnóstico deve ser precoce tanto nas hipospádias
dia, extrofia de cloaca e formas mais complexas, como
distais como nas apresentações mais complexas ou pro-
sequestração de alças intestinais na parede abdominal.
ximais; os pais devem ser informados que o tratamen-
Esse fato, descrito como efeito em cunha, é o respon-
to será sempre cirúrgico e nos casos complexos haverá
sável pela diástase pubiana, pelo alargamento da linha
necessidade de exames laboratoriais específicos para
alba, além da exonfalia. A falha na fusão dos tubérculos
determinação de eventuais estados intersexuais.
genitais pode determinar epispádia e/ou duplicação no
A correção cirúrgica pode ser feita a partir de 6 me-
genital masculino ou feminino.
ses de idade por especialistas treinados para essas in-
Em diferentes comunidades, a incidência da extrofia
tervenções; as etapas cirúrgicas caminham bem quando
vesical varia entre 1/30.000 e 1/50.000 nascimentos e é
a técnica escolhida for adequada e o cirurgião já dispõe
duas vezes mais comum no sexo masculino. A incidên-
de curva de aprendizado suficiente tanto para o ato cia familiar é extremamente rara, com probabilidade de
cirúrgico como para tratar as complicações. recorrência de 1:275 famílias estudadas, sendo filhos de
pais com epispádia ou extrofia, e aparentemente são os
Referências recomendadas únicos dados publicados.
1. Levy JB, Seay TM, Tindall DJ, Husmann DA. The effects of andro- A placa da bexiga com extrofia tem características
gen admnistration of phallic androgen receptor expression. J Urol e tamanhos variados. A superfície da mucosa é normal
1996;156:775. logo após o nascimento, tornando-se progressivamente
2. Silver RI, Rodriguez R, Chang TS and Gearhart JP. In vitro ferti- hiperemiada, desenvolvendo metaplasia, cistite glandu-
lization is associated with a increased risk of hypospadias. J Urol
lar, cistite cística e pólipos, devido á exposição prolon-
1999;161:1954.
gada da mucosa. Do mesmo modo, a musculatura vesi-
3. Mouriquand PDE and Mure P-Ives. Hypospadias. In: Pediatric Uro-
logy. 1st ed. Edited by Gearhart JP, Rink RRC, Mouriquand PDE. cal, flácida e elástica a princípio, pode tornar-se rígida,
Philadelphia, W.B. Saunders Co. 2001;44:713. espessa e fibrótica, com desarranjo muscular e alterações
4. Snodgrass W. Tubularized, incised plate urethroplasty for distal características de infecção. A cicatriz umbilical frequen-
hypospadias. J Urol 1994;151:464. temente está contida na borda cranial da placa vesical. A
5. Yang SSD, Chen SC and Chen TY. Reoperative Snodgrass procedure. junção ureterovesical é anômala, com encurtamento do
J Urol 2001;166:2342.
trajeto ureteral submucoso, responsável pela ocorrência
6. Mathieu P. Treatment en un temps de hypospade balanique et juxta- de refluxo vesicoureteral em 95% dos casos após o fe-
-balanique. J Chir (Paris) 1932;39:481.
chamento da bexiga. O trato urinário superior é normal
7. Duckett JW. The island flap technique for hypospadias repair. Urol Cl
na maioria dos casos; pode ocorrer prolapso retal pelas
North Am 1981;8:503.
alterações do assoalho pélvico.
8. Patel RP, Shukla AR, Leone NT, Carr MC, Canning DA. Split
onlay skin flap for the salvage hypospadias repair. J Urol 2005 O pênis é curto e os corpos cavernosos são divergen-
May;173(5):1718-20. tes na sua base; o corpo esponjoso uretral é hipoplásico,

276
Anomalias genitais I

determinando a curvatura dorsal do pênis. A bolsa es-


crotal é achatada e geralmente vazia; os testículos po-
Reconstrução em única etapa
A reconstrução primária da extrofia vesical no re-
dem ser normais, retráteis ou criptorquídicos. As hérnias
cém-nascido proposta por Mitchell está alicerçada no
inguinais constituem anomalias associadas bastante fre-
conceito de que o defeito primário da extrofia de bexi-
quentes (Figura 1A).
ga e cloaca é simplesmente uma herniação anterior da
Figura 1A. Extrofia vesical no sexo masculino; bexiga pequena, mucosa bexiga. Entretanto, o defeito não é somente essa “her-
irregular. Pênis epispádico com base ampla; na base do pênis visualiza-se a
uretra posterior com verumontanum. niação”, mas são conhecidas as alterações musculares
da bexiga, tipo de colágeno, inervação neural, anormali-
dades envolvendo o assoalho pélvico, diástase pubiana,
encurtamento dos ossos da pélvis. Nessa proposta cirúr-
gica, nenhuma tentativa é feita para reconstruir o colo
vesical; os autores reforçam que a dissecção ampla da
bexiga e uretra, como unidade única e colocação desse
segmento, profundamente na cavidade pélvica, contri-
buem para a obtenção da continência urinária. Justificam
que não há necessidade de reimplante ureteral, embora
o refluxo vesicoureteral esteja presente em quase todos
os pacientes; nessa idade a bexiga é imatura e o refluxo
pode ser avaliado tardiamente.

No sexo feminino, a uretra é extremamente curta e Técnica cirúrgica


epispádica; o clitóris é fendido, expondo o introito vagi-
Bexiga: No sexo masculino a bexiga extrofiada é
nal. A área pilosa ou monte de vênus é horizontalizada e
dissecada circunferencialmente dos planos de pele, apo-
representada por duas metades separadas pela placa vesi-
nevroses e musculares; o peritônio deve ser amplamen-
cal extrofiada (Figura 1B).
te liberado na cúpula para facilitar a interiorização da
Figura 1B. Extrofia vesical no sexo feminino; clitóris fendido ou duplicado, bexiga dentro da cavidade pélvica; cateteres de nelaton
uretra ampla e aberta. Intensa dermatite amoniacal; ânus anteriorizado.
fino são inseridos nos ureteres. A dissecção prossegue
de cada lado da bexiga, liberando-a profundamente dos
ligamentos intersinfisiários, na diástase pubiana (Figu-
ras 2A e 2B).
Placa uretral: após demarcação com corante na pla-
ca uretral, são feitas duas incisões paralelas ao longo da
placa, em direção à glande; na base do pênis, as incisões
dão continuidade à incisão circunferencial na bexiga.
A placa uretral é separada dos corpos cavernosos;
a dissecção deve se iniciar na parte ventral dos corpos
onde é mais fácil a sua identificação identificar e pros-
seguir em direção ao dorso do pênis. Nós modificamos
a confecção da uretra, mantendo fixa a placa uretral na
extremidade da glande. Dessa forma, seguimos os prin-
Reconstrução cirúrgica cípios propostos por Cantwell- Ransley-Lottmann.
da extrofia vesical O tecido esponjoso deve permanecer junto à placa
Os objetivos da reconstrução cirúrgica da extrofia ve- uretral para preservar a irrigação sanguínea; os feixes
sical visam à obtenção de continência urinária; manuten- neurovasculares são identificados lateralmente na fáscia
ção da função renal e/ou trato urinário superior normal e de Buck, sobre os corpos cavernosos. A separação da
reconstrução da genitália externa/parede abdominal com placa ureteral dos corpos cavernosos prossegue em dire-
possibilidades de vida social e sexual normais. ção ao tecido prostático permitindo mobilização poste-
A reconstrução cirúrgica, no momento atual pode ser rior da próstata; os corpos cavernosos são liberados dos
feita em 1 etapa única ou em estágios. ramos descendentes do osso ísquio, permitindo o alon-

277
Figura 2. Extrofia no sexo masculino; A - 1 ano Placa vesical depressível 3x3 cm; B - 1 mês de idade; hidrocele esquerda, placa uretral ampla e base larga.

A B

gamento peniano e rotação medial dos corpos cavernosos Figura 3B. Dissecção dos corpos cavernosos separando-os da placa e
mantendo fixa a placa uretral na glande.
sobre a futura neouretra.
A placa uretral é tubulizada com suturas interrompidas
para evitar encurtamento, sobre cateter os corpos caverno-
sos suturados entre si medialmente, permite que a uretra
adquira posição ventral no pênis. A glandoplastia confere
o efeito cosmético final do pênis; é feita ressecando-se o
excesso de mucosa lateral à placa e a glande adquire sua
forma cônica por meio de dois ou três planos de sutura
com fios finos de PDS.
A tubulização uretral tem continuidade com a cistor-
rafia e a unidade bexiga-uretra é colocada profundamente
na cavidade pélvica e abaixo da sínfise pubiana; essa ma-
nobra que pode estabelecer a continência urinária. O pênis
é recoberto por pele adjacente; entretanto pode ser neces-
sário uso de retalho pediculado de prepúcio para cobrir
dorsalmente o pênis. A drenagem urinária e feita por meio
de cateter uretral multiperfurado de silicone, por período
de 10 a 12 dias (Figuras 3A e 3B).

Figura 3A. Dissecção circunferencial da bexiga e demarcação da placa uretral. Figura 3C. Cavernocavernostomia e sutura dos corpos cavernosos sobre a
uretra que se tornou em posição ventral.

278
Anomalias genitais I

No recém-nascido até 48 h é possível aproximar a sínfi- anos, com capacidade vesical mínima de 90 ml.
se pubiana sem muita tensão e sem osteotomia; essa apro- Os ureteres são reimplantados bilateralmente liberando
ximação é mantida utilizando além da sutura interpubiana, o trígono para tubulização. São feitas duas incisão longi-
faixas de contenção elástica ao nível da bacia e fêmur. Em tudinais e lateral ao trígono vesical, desde o meato uretral,
crianças maiores utilizamos abdominoplastia com retalhos epispádico estendendo-se cranialmente na base da bexiga,
hipogástricos. até ultrapassar os meatos ureterais originais.
A reconstrução em etapa única é útil no sexo mascu- Delimita-se assim retângulo mediano na parede poste-
lino; podem ocorrer complicações: reextrofia completa, rior da bexiga de 2 x 4cm (mucosa e detrusor); lateralmen-
fístulas vesico/uretrocutâneas. Extrofias virgens de trata- te resseca-se uma tira longitudinal de mucosa, desnudando
mento, independente da idade podem ser reconstruídas em o músculo, permanecendo uma faixa de mucosa central de
única etapa, conforme nossa casuística. 1cm de largura por 4cm de comprimento. Essa mucosa é
tubulizada ao redor de sonda uretral nº 6 ou 8. O múscu-
Reconstrução em estágios lo previamente desnudado de mucosa é fechado sobre o
tubo de mucosa, com pontos separados; o objetivo é cons-
Proposta em 1952 por Sweetser e cols. a reconstrução
funcional da extrofia vesical em estágios sendo difundida truir tubo muscular com “função esfincteriana”. Com-
para centros referenciais que cuidam dessa patologia (Jeffs, pleta-se o fechamento da bexiga com pontos separados e
Gearhart, Arap e Giron) que inclui três etapas cirúrgicas: cistostomia como drenagem urinária. Depois de retirada
da sonda uretral, a cistostomia permanece fechada estimu-
1º Cistorrafia e abdominoplastia
lando a micção e medindo o resíduo urinário que, quando
2º Reconstrução do colo vesical – para obtenção de adequado, retira-se a cistostomia e a micção se inicia por
continência urinária gotejamento.
3º Neouretroplastia (sexo masculino) ou clitoroplastia Terceiro estágio: a neouretroplastia e clitoroplastia
(sexo feminino) são realizadas quando a continência urinária é estabeleci-
Primeiro estágio: Cistorrafia e abdominoplastia: nes- da. Em determinados pacientes nos quais a bexiga perma-
se primeiro estágio o fechamento da bexiga é feito sem nece com pequena capacidade após cistorrafia, realiza-se
nenhuma tentativa de se obter continência urinária; a be- neouretroplastia ou constrição do colo vesical antes da
xiga após cistorrafia é então transformada em epispádia cirurgia de Y-D-Leadbetter com o objetivo de aumentar
incontinente. O objetivo do procedimento é de proteção a resistência e promover aumento da capacidade vesical,
da mucosa vesical de infecções, alterações metaplásicas e cujos resultados são altamente satisfatórios.
consequente fibrose muscular, podendo permitir o desen-
volvimento da capacidade funcional da bexiga. Esse pro-
cedimento é realizado na idade de apresentação do pacien-
Avaliação da reconstrução
te; atualmente a nossa preferência é pela reconstrução em estágios
em única só etapa. Entre1980-2012, 98 pacientes com extrofia vesical
No mesmo ato da cistorrafia realiza-se a abdomino- clássica foram tratados por meio da reconstrução em es-
plastia, que consiste no fechamento da parede abdominal tágios na Unidade de Urologia Pediátrica do Hospital das
por meio da rotação medial de retalhos do hipogástrio, in- Clínicas de São Paulo, Universidade de São Paulo. A faixa
cluindo pele e aponevroses dos músculos reto e oblíquo etária variou de 1 a 17 anos, sendo 63 do sexo masculino e
externo. Não realizamos osteotomia; a rotação de retalhos 18 do sexo feminino; três pacientes perderam o seguimen-
hipogástricos oferece vantagens promovendo a reconstru- to ambulatorial.
ção do monte de vênus com deslocamento medial de pele Trinta e nove por cento (39,0%) dos pacientes perma-
pilificada. A reconstrução torna a parede relativamente só- necem com continência urinária por período superior a 4
lida e não retrai o pênis como em casos de osteotomia; horas; estão “secos”, sem uso de qualquer protetor urinário
nesse ato são realizadas herniorrafia, orquidopexia e onfa- diurno e à noite alguns tem perdas urinárias; 34,1% são
loplastia, quando necessário. continentes (secos) por períodos de 1 a 4 horas, não usam
Segundo estágio: consiste na reconstrução do colo ve- proteção (fraldas) ou a utilizam durante esportes ou esfor-
sical (tubulização uretrotrigonal) para obtenção da conti- ços físicos. Os incontinentes (27%) foram retubulizados e/
nência urinária, cirurgia conhecida como Young-Dees-Le- ou submetidos à ampliação vesical; três pacientes inconti-
adbetter. A idade ideal para o procedimento é entre 3 a 5 nentes ficaram continentes após ureterossigmoidostomia.

279
As complicações precoces estão expressas na tabela: para todos os pacientes com extrofia vesical e, se possível,
iniciado no período neonatal. A reconstrução primária em
Complicações precoces da reconstrução do colo vesical
única etapa ainda aguarda seguimento tardio para análise
dos resultados e se constituir reconstrução padrão da ex-
Retenção urinária temporária 35,3% trofia vesical.

Fístula vesicocutânea 7,3%


Epispádia
Anúria obstrutiva 2,4% Epispádias representam 30% de todas as anomalias ex-
tróficas (Figuras 6A e 6B). A epispádia é a segunda ano-
Pielonefrite aguda 4,8% malia extrófica em frequência, podendo ser classificada
de acordo com a posição do meato uretral dorsal ectópico
A retenção urinária temporária após reconstrução em: balânica, peniana e peno-pubiana no sexo masculino,
do colo vesical constitui em parâmetro de bom prognós- com incidência de 1:117.600 em meninos e 1:481.000
tico para continência urinária; todos os pacientes com tal nascimentos em meninas. O diagnóstico, ao exame físico
complicação temporária ficaram continentes. A cistosto- minucioso da genitália em meninas pode passar desper-
mia permanece por tempo prolongado, abrindo e fechan- cebido: a característica da genitália externa – clitóris bí-
do, estimulando a micção. Poucos casos exigiram dilata- fido ou duplicado; o diagnóstico é feito pela inspeção. A
ção do tubo uretrotrigonal. embriologia permanece pouco conhecida sendo atribuída
As complicações tardias: 11,2% de unidades ureterais a mesma embriologia da extrofia vesical: inibição ou falta
com refluxo vesicoureteral, 7,5% de unidades ureterais de penetração do mesoderma entre o ecto e endoderma da
evidenciaram obstrução ureterovesical; 12,1% de pacien- membrana infraumbilical; é mais difícil explicar a falha do
tes desenvolveram obstrução do tubo uretrotrigonal e 7% defeito uretral dorsal, sugerindo migração caudal anormal
de litíase vesical. dos tubérculos genitais.
A avaliação urodinâmica tardia realizada em 60%
dos pacientes, pela dificuldade de sondagem uretral, evi- Diagnóstico
denciou perfil pressórico uretral com amplitude média de A forma mais comum de epispádia é a chamada pe-
89,3 cm/H2O e tubo uretral com extensão de 2,6 cm. A nopubiana ou forma completa: o defeito se inicia na
complacência vesical estava comprometida em todos os base do pênis onde se pode visualizar o colo vesical
pacientes, em graus variáveis; 25% deles submeteram- com verumontanum, esse estende-se até a extremidade
-se a enterocistoplastia por alterações importantes da da glande; expondo totalmente a placa uretral; 80% são
complacência vesical. incontinentes com capacidade vesical reduzida. A epis-
Concluindo, a análise mostra que a reconstrução de pádia peniana apresenta o meato uretral entre a base pe-
extrofia vesical em estágios é a melhor opção do tra- niana e a glande e na forma glandar, mais rara, somente
tamento atual, com altas possibilidades de obtenção de a uretra glandar permanece exposta. No sexo feminino a
continência urinária (73,1%) e com mínima deterioração uretra é curta e aberta, incorporando-se ao colo vesical; o
renal. Esse procedimento deve ser o tratamento inicial clitóris é fendido ou bipartido com pequenos lábios pou-

Figuras 4A e 4B. Retalhos hipogástricos de pele. Aponevroses de músculos retos abdominais e oblíquos.

A B

280
Anomalias genitais I

co desenvolvidos. A diástase pubiana, característica das Figura 7A. Cistorrafia transformando a extrofia em epispádia incontinente;
observar a falha na parede abdominal.
anomalias extróficas é menor na epispádia que na extrofia
(Figuras 4A e 4B).

Reconstrução cirúrgica
A reconstrução cirúrgica inicial depende da apresenta-
ção clínica do paciente; assim, quando a criança se apre-
senta no primeiro ano de vida, recomendamos que a abor-
dagem inicial fosse a reconstrução peniana, que consiste
na uretroplastia. Nossa experiência inicial é com a técnica
de Cantwell-Ransley, descrita anteriormente.
Quando necessário corrigir a incontinência urinária, o
que ocorre em 80% das epispádias, a técnica utilizada e a
mesma descrita no capítulo da extrofia vesical: Young-De-
es-Leadbetter.
Figura 5. Aspecto final da reconstrução da extrofia vesical no sexo masculino:
cistorrafia, neouretroplastia e abdominoplastia em uma etapa.

Figura 7B. Representação esquemática dos retalhos hipogástricos de pele e


retalhos de aponevroses musculares reforçando a parede abdominal.

Figura 6. Mesmo paciente 1 ano após: desenvolve períodos de enchimento


e esvaziamento vesical, jatos intermitentes aos esforços abdominais.
Cistografia demonstrando capacidade vesical e refluxo vesicoureteral.

281
Figura 7C. Detalhe da dissecção do retalho de aponevrose mantendo fixos Figura 7D. Aspecto final da abdominoplastia.
nas bordas internas dos músculos retos abdominais, bilateralmente.

Figuras 8A, 8B e 8C. Reimplante ureteral bilateral, técnica de Cohen; atualmente reimplante tem direção cranial no sentido da cúpula vesical. Além de corrigir o
refluxo que está presente em mais 90% da extrofia, tem a finalidade de liberar o trígono para a cirurgia de Young-Dees-Leadbetter.

A B C
Figura 9A. Bexiga aberta, mantendo retângulo de parede posterior Figura 9B. Representação esquemática da cirurgia de Young-Dees-Leadbetter
incorporada na uretra posterior e colo vesical (seta). para corrigir a incontinência urinária.

282
Anomalias genitais I

Figura 9C. Parede anterior da bexiga sendo reconstruída após confecção do Figura 11A. Demarcação da placa uretral, circundando o meato uretral na
tubo Muscular. base do pênis, para delimitar a neouretra.

Figura 10A. Epispádia no sexo masculino; é possível visualizar o colo vesical.

Figura 11B. Os corpos cavernosos são totalmente liberados da placa uretral;


em seguida é tubulizada sobre sonda uretral nº 6 ou 8. Os corpos cavernosos
permanecem sobre a neouretra, após cavernocavernostomia, corrigindo
assim a dorsoflexão do pênis (cirurgia de Cantwell-Ransley).

Figura 10B. Epispádia no sexo feminino; clitóris fendido, uretra ampla e


aberta; inferiormente observa-se a membrana himenal íntegra.

283
Referências recomendadas
1. Muecke EC. The role of the cloacal membrane in extrophy: the first ted with epispadias. J Urol 1922;7:1.
successful experimental study. J Urol 1964;92:659. 11. Dees JE, Durhan NC. Epispadias with incontinence in the male. Sur-
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tients. J Urol 1999;162:1176-1180. forms-complex. BJU 2001;87:30.
6. Sweetser TH, Chisholm TC and Thompson WH. Exstrophy of the 15. Arap S, Giron AM. Bladder exstrophy. In: Retik AB (ed.). Internatio-
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Tese (Livre-Docência), Faculdade de Medicina Universidade de São exstrophy: A contemporary series. J Pediatr Urol 2007;3(4):311-315.
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10. Young HH. A new operation for the cure of the incontinence associa- toplasty in bladder exstrophy. Pediatr Surg Int 2002;18(1):43-49.

284
SEÇÃO VII
URO-PEDIATRIA

CAPÍTULO 41
Anomalias genitais II
(distopias testiculares,
hidrocele e hérnias)
Samuel Saiovici
irá se desenvolver como gubernaculum.
Distopias testiculares Na sétima semana de gestação, o fator de diferenciação
ou criptorquidia testicular, gene SRY localizado no braço curto do cromos-
somo Y, determina a diferenciação gonadal, com o desen-
volvimento da camada medular previamente indiferencia-
Definição e terminologia da, transformando-se em testículo.
Distopias testiculares ou criptorquidia é uma anomalia As células de Sertoli se desenvolvem na sexta e sétima
congênita comum, que ocorre em 1% a 4% dos recém-nasci- semanas gestacionais e produzem o fator inibidor das células
dos de termo, e em até 30% a 45% de meninos pré-termo. É de Müller (MIF), provocando a regressão do ducto parame-
um componente clínico de cerca de 500 síndromes, estando sonéfrico, de maneira parácrina, isto é, local e ipsilateral.
associado a alterações de aproximadamente 200 genes. As células de Leydig, derivadas do mesênquima, são
Representa a falha no descenso testicular, que por sua as produtoras de testosterona e determinam a diferenciação
vez depende do crescimento e produção hormonal do testí- ductal (Wolf).
culo em desenvolvimento. Entre a 10ª a 15ª semana gestacional, o testículo perma-
Criptorquidia, por definição, sugere um testículo “es- nece próximo da futura região inguinal, fixado pelo guber-
condido”, isto é, não está no escroto, e não desceu até qua- naculum já aumentado e com regressão do ligamento dorsal
tro meses de idade (ou idade corrigida para prematuridade). (ambos em função de estímulo androgênico). No sexo fe-
Os testículos podem ser não descidos ou ausentes. Do pon- minino, o ligamento suspensório cranial (dorsal) continua
to de vista semântico puro, o termo criptorquidia não pode se desenvolvendo, mantendo o ovário em situação próxima
ser aplicado à ausência testicular. ao rim, com regressão do gubernaculum.
Ausência testicular pode estar relacionada à agenesia ou A migração caudal testicular atravessando a parede abdo-
atrofia secundária a comprometimento vascular intrauterino minal, criando o canal inguinal, incorporando uma evaginação
(torção antenatal extravaginal), condição conhecida como peritoneal, isto é, o conduto peritônio-vaginal, e localizando-
“vanishing testis”, ou ainda síndrome de regressão testicu- -se no escroto, se inicia por volta da 24ª semana gestacional
lar. A anorquia representa a ausência testicular bilateral. e habitualmente se completa em torno da 32ª semana. Este
Os testículos não descidos ou mal descidos cessaram a caminho é estimulado por andrógenos e direcionado pelo gu-
migração para o nível escrotal em seu trajeto normal. Po- bernaculum. Outro fator que pode ter importância na migração
dem ser abdominais, intracanaliculares ou supraescrotais. testicular é a pressão intra-abdominal forçando o deslocamen-
Testículos retráteis são normais, porém com subida para to caudal dentro do conduto peritônio-vaginal.
posição supraescrotal, ou ainda canalicular por reflexo cre-
mastérico.
Indicações para avaliação urológica
Testículos ascendentes são aqueles que já foram palpa-
dos em nível escrotal, e que ascenderam para se tornarem em meninos com criptorquidia
não descidos. • Recém-nascidos com testículos não palpados bilate-
Alguns autores utilizam nomenclaturas diversas por não rais, unilateral com hipospadia, ou ainda em suspeita
de desordem de diferenciação sexual.
se sentirem confortáveis com os termos acima; distopia tes-
• Testículos não palpados bilaterais na infância: indica-
ticular, ectopia intracanalicular ou extracanalicular, ou ainda
ção para avaliação hormonal (teste de estímulo com
outros podem ser utilizados, porém o termo criptorquidia já é
gonadotrofina) com intuito de investigar ausência ou
consagrado e rotineiramente usado para todos os casos.
indicação cirúrgica.
• Testículo não palpado unilateral deve ser avaliado
Considerações embriológicas com provável indicação cirúrgica entre seis meses e
Morfologicamente a crista urogenital é idêntica para um ano de vida.
ambos os sexos na sétima a oitava semana gestacional, • Testículos palpados uni ou bilateralmente não des-
como um espessamento do epitélio celomático na região cidos devem ser avaliados e com indicação cirúrgica
medial do ducto mesonéfrico. entre seis meses e um ano de vida.
Antes da diferenciação gonadal, dois ligamentos man- • Testículos ascendentes devem ter indicação cirúrgica
têm a localização da futura gônada, isto é: um dorsal cha- assim que o diagnóstico for realizado através do exa-
mado de ligamento suspensor cranial, e outro ventral, que me clínico.

286
Anomalias genitais II: distopias testiculares, hidrocele, hérnias

• Tecido palpável em escroto com suspeita de atrofia e retrateis), e através do exame físico. Inspeção; palpação
testicular deve ser avaliado para provável exploração em ambiente aquecido; oclusão do anel inguinal interno
com intuito de afastar a possibilidade de testículo in- prévio à palpação escrotal para inibir o reflexo cremastéri-
tra-abdominal. co; utilização de cremes, óleos, ou ainda sabonete líquido
• Dificuldade em diferenciar entre testículos não des- para deslizar melhor a mão; utilizar a posição sentada ou
cidos, retráteis ou ectópicos também deve ser avalia- agachada, são procedimentos que auxiliam na diferencia-
da para exploração cirúrgica. ção entre testículo palpado e não palpado.
Criptorquidia uni ou principalmente bilateral associada
Aspectos clínicos a hipospadia deve ser investigada com a possibilidade de
associação a distúrbio de diferenciação sexual.
A maioria dos testículos ausentes na bolsa testicular
A maioria dos testículos não descidos (75% a 80%) são
por ocasião do nascimento deve completar seu descenso
palpáveis, sendo 60% a 70% unilaterais. Quando os testí-
entre o terceiro e quarto mês de vida. A descida espontânea
culos não são palpados, a possível posição cirúrgica pode
após os seis meses de vida é rara.
O crescimento do testículo não descido unilateral pode estar em 25% a 50% em situação abdominal ou transingui-
estar prejudicado quando comparado com o contralateral, nal (“peeping”), atrofia completa (“vanishing”) em 15% a
mesmo se descido por meio espontâneo ou cirúrgico. O 40% e extra-abdominal, porém não palpável em função do
tratamento antes de 1 ano de vida pode estar associado tamanho da gônada e colaboração limitada do paciente em
com um crescimento semelhante. 10% a 30%. Se ambos os testículos não são palpados, em
Os testículos que permaneceram não descidos têm al- 95% dos casos estarão em localização abdominal.
terações de fertilidade que ocorrem a partir de 1 ano de A ultrassonografia inguinoescrotal como método de
idade: retardo na transformação de gonócito fetal em es- imagem não está indicada na avaliação dos testículos não
permatogônia (ocorrência normal ao redor de seis meses) palpados, tem 45% de sensibilidade e 78% de especificida-
e diminuição das células germinativas . Ausência de esper- de. Pode eventualmente auxiliar na detecção de testículos
matogônias em 30% a 40% ao redor dos 2 anos, ausência em nível canalicular em crianças obesas.
de espermatócitos e presente em somente 19% dos contra- A ressonância magnética da mesma região tem 65% e
laterais aos 4 a 5 anos, e ausência de espermatogênese na 100% de sensibilidade e especificidade, respectivamente,
maioria dos pós-púberes. portanto também não indicada para a localização testicular.
Em cerca de 90% dos testículos não descidos ocorre a Nenhum exame de imagem é confiável para diagnósti-
persistência do conduto peritônio-vaginal, portanto a pre- co dos “vanishing testis”.
sença de hérnia inguinal pode coexistir, com suas manifes- Nenhum método de imagem está indicado para localiza-
tações clínicas e complicações. ção de testículos não palpados, devido a pequena resolutivi-
Estima-se que a torção de cordão espermático seja dez dade e não influenciar na indicação de exploração cirúrgica.
vezes mais comum em testículos não descidos, porém o Em casos de testículos não palpados bilateralmente, a
risco real não é conhecido. O tratamento precoce da crip- ausência de resposta (elevação de testosterona) na utiliza-
torquidia pode prevenir a torção. ção de gonadotrofina injetável diagnostica a anorquia.
O risco de desenvolvimento de câncer testicular, tan- A laparoscopia é o melhor método para diagnosticar
to seminomatoso como não seminomatoso em testículos testículos viáveis ou remanescentes em situação abdominal.
criptorquídicos é conhecido há muitos anos e histórico.
Baseado em estatísticas de estudos mais recentes, é me-
nor que o anteriormente reconhecido, sendo de 2 a 5 vezes
Tratamento
O posicionamento escrotal do testículo reduz o risco de
maior do que em testículos normais. Meninos com criptor-
diminuição de fertilidade, de malignização, do trauma e de
quidia unilateral podem ter câncer no testículo contralate-
torção. Facilita a palpação e o autoexame.
ral com um risco semelhante ao da população normal ou
O tratamento hormonal com gonadotrofinas ou análo-
de 1,5 vezes maior segundo alguns relatos.
gos foi muito utilizado, estimulando a produção de testos-
terona em níveis suficientes para o descenso da gônada. A
Diagnóstico resposta varia de 6% a 35% e depende do posicionamento
O diagnóstico de criptorquidia é realizado pela história prévio, sendo a melhor resposta em testículos mais baixos
clínica (principalmente no caso de testículos ascendentes e retráteis. Alguns profissionais utilizam o estímulo hor-

287
monal no pré-operatório da orquidopexia com a intenção lizada após seis meses da ligadura ou clampeamento inicial.
de facilitar o tratamento cirúrgico, e eventualmente ter al- Comparativamente, o sucesso entre as vias inguinal,
guma influência no prognóstico relativo à infertilidade. laparoscópica em tempo único e em dois tempos é seme-
O tratamento da criptorquidia é fundamentalmente cirúr- lhante (74%, 63% e 77%, respectivamente) em várias séries
gico e deve ser realizado assim que possível após os seis me- publicadas. A incidência de atrofia testicular secundária ao
ses de idade e preferencialmente antes dos dois anos de idade. procedimento varia de 6% a 32% em cirurgias laparoscópi-
A orquidopexia deve contemplar uma completa mobi- cas em dois tempos, e em até 50% quando são comparadas
lização do testículo e cordão espermático, corrigir a persis- vias de acesso e cirurgias em tempo único e dois tempos
tência do conduto peritônio-vaginal, dissecção do cordão em outros relatos.
até permitir posicionamento escrotal do testículo, e con- Quando o caso se apresenta como testículo único alto,
fecção de bolsa em nível escrotal para fixação da gônada. com vasos curtos, o autotransplante microvascular deve ser
A orquiectomia pode ser considerada em púberes e considerado, com taxas de sucesso entre 88% e 96% rela-
pós-púberes, principalmente em testículos abdominais e tadas em centros de referência.
com descenso difícil, ou em gônadas diminuídas (disgené- Os testículos retráteis são testículos normais e devem
ticas) nesta idade. ser examinados anualmente até o descenso que normal-
Após a anestesia, o paciente deve ser novamente exa- mente ocorre na puberdade. Não estão associados a risco
minado, principalmente em testículos não palpados previa- aumentado para câncer e diminuição de fertilidade, mas
mente, pois pode modificar a abordagem cirúrgica. podem estar associados a um risco maior de torção extra-
Em testículos palpados, a orquidopexia pode ser reali- vaginal. Não têm indicação formal de fixação.
zada por via inguinal ou escrotal, com uma taxa de sucesso
no posicionamento escrotal ao redor de 96%. A complica-
ção mais importante é a atrofia testicular (1,8% a 15% dos
Acompanhamento urológico
Os meninos submetidos a orquidopexias têm um risco
casos) secundária a lesão dos vasos do cordão devido a dis-
aumentado para câncer testicular e devem ser ensinados
secção, ou a edema pós-operatório. Outras complicações
a realizar autoexame periódico para detecção de tumores
incluem ascensão do testículo no pós-operatório (requer
(risco de 2,2 vezes quando tratados antes dos 10 a 11 anos
reoperaçao), hérnia inguinal, infecção e sangramentos. Os
de idade contra 5,4 vezes quando tratados após esta idade).
resultados de orquidopexias secundárias são semelhantes
A contagem de espermatozoides é reduzida em pelo me-
ao tratamento primário, apesar de teoricamente existir
nos 25% dos casos unilaterais e na maioria das criptorquidia
maior risco de lesão vascular nas reabordagens.
bilaterais, porém taxas de paternidade em criptorquidia bi-
Nos testículos não palpados, o encontro de vasos
lateral, unilateral e em indivíduos com ambos os testículos
espermáticos terminando em fundo cego corresponde a
tópicos são respectivamente de 65%, 90% e 93%.
10% dos casos, indicando ausência testicular. A via de
acesso com exploração inguinal pode ser utilizada, porém
a laparoscópica diagnóstica e com possibilidade terapêu- Referências recomendadas
tica é a mais indicada. 1. Barthold JS, Hagerty JA. Etiology, diagnosis, and management of the
undescended testis. In: Campbell-Walsh Urology. Part XV. 11 ed. Ch
Uma vez diagnosticada a presença de testículo alto 148:3430-3452.
abdominal deve-se decidir por algumas táticas e técnicas 2. Cooper SC, Docimo SG. Undescended testes (cryptorchidism) in chil-
cirúrgicas, ou seja: cirurgia aberta ou laparoscópica, orqui- dren: Overwiew of management. In: Drutz JE, Baskin LS, Geffner
ME. UpToDate; WolterKluwer Oct 2016. https://www.uptodate.com/
dopexia em tempo único ou em dois tempos com ligadura index.html.
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orquiectomia. rature review and analysis. J Urol 1995;154:1148-52.
4. Elyas R, Guerra LA, Pike J et al. Is staging beneficial for Fowller-S-
Estatisticamente, a orquidopexia primária tem melho- tephens orchiopexy? A systematic review. J Urol 2010;183:2012-8.
res resultados do que quando realizada com auxílio da li- 5. Kollin C, Stukenborg JB, Nurmio M et al. Boys with undescended
gadura do cordão (maior que 90% e 60% a 97%, respecti- testes: endocrine, volumetric and morphometric studies on testicular
function before and after orchidopexy at nine months or three years of
vamente, na literatura). age. J Clin Endocrinol Metab 2012;97:4588-95.
Para testículos abdominais altos (2 a 4 cm acima do anel 6. Tekgül S, Riedmiller E, Gerhaz P et al. Cryptorchidism. In: European So-
inguinal interno), a ligadura do cordão espermático descrita ciety for Paediatric Urology: Guidelines on Paediatric Urology, 2011. p.8.
7. Walsh TJ, Dall’Era MA, Croughan MS et al. Prepubertal orchidopexy
por Fowler e Stephens habitualmente é necessária, e quando for cryptorchidism may be associated with lower risk of testicular cân-
se opta por tratamento em dois tempos, a reabordagem é rea- cer. J Urol 2007;178:1440.

288
SEÇÃO VII
URO-PEDIATRIA

CAPÍTULO 42
Disfunção miccional e
bexiga neurogênica

Caio Cesar Cintra


O SNC exerce um papel de comando, coordenação e
Definição e aspectos gerais modulação do reflexo miccional. Lesões neurológicas supra-
Embora tecnicamente inadequado, o termo se refere às
pontinas cursam, frequentemente, com hiperatividade detru-
alterações funcionais que acometem o trato urinário infe-
sora. As manifestações clínicas associadas são a urgência e a
rior, e que estão relacionadas a um distúrbio neurológico
urgeincontinência miccional e estão associadas, entre outras,
de base. As disfunções miccionais presentes nos pacientes
a sequelas de AVE (acidente vascular encefálico), doença
portadores de lesão neurológica podem apresentar caráter
de Parkinson, esclerose múltipla, traumatismos cranioence-
prognóstico distinto associado, sobretudo:
fálicos ou a tumores cerebrais e se relacionam à perda de
a) à doença de base,
modulação central sobre o reflexo miccional.
b) à disfunção miccional específica e
A ponte comanda a sinergia entre as fases de armaze-
c) às suas associações a problemas urológicos, propria-
namento e de esvaziamento vesical, coordenando contração
mente ditos e/ou a outras comorbidades.
detrusora e relaxamento esfincteriano. O funcionamento har-
Desta forma, as disfunções vesicais de etiologia neu-
monioso destas funções é chamado de sinergia vesicoesfinc-
rológica podem manifestar-se ao urologista de maneiras
teriana e a sua perda, dissinergia vesicoesfincteriana.
clínicas distintas:
Dentre as causas de interrupção da ascendência pontina
1) quadros com potencial de complicações urológicas
sobre o reflexo miccional citam-se, principalmente, os dis-
e que podem culminar em deterioração do trato uri-
túrbios neurológicos causados pelo traumatismo raquime-
nário inferior, necessidade de reconstruções cirúrgi-
dular, pelas mielites e siringomielia, dentre outras. Nestas
cas de grande porte e/ou insuficiência renal crônica
situações, perde-se a harmonia entre o relaxamento esfinc-
e suas consequências. Situação mais frequentemente
teriano e a contração vesical, o que leva a uma obstrução ao
relacionada aos diagnósticos neurológicos de mielo-
fluxo urinário, elevadas pressões de micção, esvaziamento
meningocele e lesão medular, embora também possa
vesical incompleto e a um aumento na pressão de armaze-
ocorrer em outras situações;
namento urinário. Todos relacionados a uma elevada taxa
2) quadros de incontinência urinária e suas complicações
de complicações urológicas.
(isolamento social e dificuldade de reintegração social
e de desempenho laboral) associados à persistência de Os tratos medulares são fundamentais na transmissão
perdas urinárias involuntárias e indesejadas; de impulsos nervosos e na integração entre os centros mic-
3) associação dos itens 1 e 2. cionais superiores aos inferiores, representados pela medu-
Outra questão importante a ser avaliada e analisada em la sacral (S2-S4).
conjunto é o desempenho e o potencial de reabilitação se- O sistema nervo autônomo (SNA) atua sobre o trato uri-
xual, normalmente negligenciado, sobretudo nos pacientes nário inferior através do sistema simpático durante a fase
portadores dos quadros mais graves. de armazenamento urinário, propiciando continência. E
Além disso, conhecimento específico sobre o compor- através do sistema parassimpático, estimulando a contração
tamento e a evolução de determinados diagnósticos neuro- detrusora, na fase de esvaziamento vesical.
lógicos é fundamental na orientação adequada dos pacien- A ação do sistema autônomo simpático se dá através da
tes. Determinadas condições, como a esclerose múltipla, estimulação de receptores alfa-adrenérgicos localizados no
podem ter evolução em surtos, com mudanças frequentes colo vesical e na uretra proximal e de receptores beta-adre-
do padrão miccional. nérgicos presentes no corpo vesical, facilitando o relaxa-
mento da musculatura detrusora.
O sistema parassimpático, por sua vez, tem importância
Entendendo as manifestações na fase de esvaziamento vesical. Ele estimula a contração
do trato urinário inferior detrusora através do estímulo de receptores colinérgicos,
A micção é o produto final de um processo neurofisioló- quando socialmente solicitado.
gico complexo e ainda não completamente compreendido. O Processos patológicos que comprometam a medula
sistema nervoso central (SNC), representado pelo giro pré- em sua porção terminal, assim como os nervos pélvicos
-central, pela ponte, pelos tratos medulares ascendentes e des- (diabetes mellitus, alcoolismo crônico, estados pós-ope-
cendentes e pela medula sacral e o sistema nervoso autônomo ratórios de cirurgias ablativas pélvicas, hérnia de disco,
(SNA), estão envolvidos. Qualquer problema que comprome- etc...) podem levar a um processo de descentralização
ta direta ou indiretamente as vias neurológicas ou os órgãos vesical com hipo ou acontratilidade detrusora por dener-
envolvidos no ato miccional pode ter repercussão clínica. vação, perda de complacência e esvaziamento vesical

290
Disfunção miccional e bexiga neurogênica

incompleto, a depender da função esfincteriana residual. Dissinergia ocorre quando o esfíncter externo é incapaz
O trato urinário inferior é representado pela bexiga e de relaxar, ou eventualmente até contrai, durante uma con-
pela uretra. Ele apresenta duas funções essenciais: arma- tração detrusora. Ou ainda mantém sua atividade durante
zenar urina a baixas pressões e propiciar sua eliminação, um aumento progressivo da pressão de enchimento vesical
sob controle voluntário. Para um funcionamento adequado, a despeito da bexiga ter atingido a sua capacidade máxima.
além da integridade funcional das estruturas envolvidas no Nestas situações, estamos diante de bexigas que esvaziam
reflexo miccional, é preciso que a bexiga, a uretra e os ór- apenas sob altas pressões.1,5,6
gãos adjacentes (e.g. próstata) estejam íntegros. Sinergia é o completo silenciamento da atividade es-
Prejuízo progressivo da complacência vesical, como fincteriana durante uma contração detrusora. As pressões
aquele observado em quadros de bexiga neurogênica grave de micção geralmente são normais.1,5,6 Este é o mecanis-
e mal ou não tratada pode desempenhar um papel signifi- mo habitual de esvaziamento vesical, na ausência de al-
cativo no desfecho clínico e nas complicações apresentadas terações patológicas, primárias ou secundárias, do trato
pelos pacientes. urinário inferior.
Hiperplasia prostática, estenoses de uretra ou de meato A denervação é demonstrada quando não existe atividade
uretral podem causar sintomas por obstrução mecânica ao elétrica na região do esfíncter externo, durante o ciclo mic-
fluxo urinário. Nas mulheres, o aparecimento de prolapsos cional ou sob manobras de esvaziamento como o Crede.1,5,6
urogenitais severos também pode influenciar a clínica e al- Outro ponto que merece atenção é o da indicação do
terar o manejo destes pacientes. exame e de quando realizá-lo. O período de choque medu-
lar leva, em média, seis semanas para se resolver.6 Basica-
mente, existem duas escolas de conduta. Uma que advoga a
A bexiga neurogênica investigação e o tratamento precoce dos padrões miccionais
As disfunções vesicais observadas nos pacientes porta- de alto risco. E outra, que realiza um acompanhamento clí-
dores de lesão neurológica podem ser classificadas, do ponto nico e radiológico e só indica a urodinâmica na presença
de vista urológico, em alterações de alto risco (presença de de alterações e/ou complicações. Vamos analisar os dados
dissinergia vesicoesfincteriana, prejuízo da complacência disponíveis a este respeito.
vesical com elevada pressão detrusora ao final do enchimen- Em 1981, McGuire e cols.7 descreveram um pior
to vesical, pressão de micção elevada e esvaziamento vesical prognóstico em relação à deterioração do trato urinário
incompleto) e lesões de baixo risco (deficiência esfincteriana superior em pacientes com mielomeningocele que apre-
intrínseca com baixas pressões de micção e esvaziamento sentavam pressões intravesicais superiores a 40 cmH2O
vesical satisfatório).1 Embora os padrões de baixo risco pos- durante a fase de enchimento; 68% desses pacientes apre-
sam ter um menor potencial de complicações clínicas, eles sentavam refluxo vesicoureteral e 81%, dilatação ureteral.
impõem um prejuízo social significativo a partir do momento Abaixo de 40 cmH2O de pressão de perda, não se detec-
em que determinam a presença de incontinência urinária. tou a presença de refluxo vesicoureteral, e apenas 10%
Vários aspectos influenciarão o déficit neurológico fi- dos pacientes apresentavam dilatação ureteral. A causa
nal, tornando impossível a determinação do prognóstico sugerida para esse aumento de pressão foi a presença de
baseando-se apenas no nível anatômico da lesão. O fato denervação esfincteriana levando a uma resistência in-
de que lesões neurológicas topograficamente semelhantes fravesical fixa e consequente obstrução funcional. Hoje,
apresentam comportamentos funcionais e prognósticos to- outros padrões de alto risco, como a presença de dissiner-
talmente diversos da função vesicoesfincteriana é bem co- gia vesicoesfincteriana e a presença de um resíduo pós-
nhecido.2 Desta maneira, fica determinada a importância de -miccional elevado, também estão relacionados a um pior
se avaliar funcionalmente, caso a caso. prognóstico urológico.
Ghoniem e cols. também descrevem presença de uma
A avaliação urodinâmica: bexiga pouco complacente, com uma pressão de perda >
40 cmH2O como um fator prognóstico em relação à dete-
particularidades nos rioração do trato urinário superior, em crianças e lactentes.8
pacientes neurológicos Embora estes estudos tenham sido realizados em crian-
A relação entre contratilidade detrusora e atividade es- ças com mielomeningocele, estes dados foram ampliados
fincteriana externa resulta em três categorias de dinâmica do e utilizados na avaliação e no acompanhamento de outros
trato urinário inferior: sinérgica, dissinérgica e denervada.1-4,6 distúrbios relacionados ao aparecimento da bexiga neu-

291
rogênica, como a lesão medular. O mesmo raciocínio se nicamente de acordo, independentemente da clínica apre-
aplica à evolução da disfunção miccional neurogênica não sentada pelo paciente na intenção de se bloquear eventual
tratada. Como os dados disponíveis são preferencialmente evolução desfavorável. A adjuvância terapêutica, seja ela
associados à mielomeningocele, eles são apresentados aqui farmacológica ou fisioterápica, quando disponível e viável,
fazendo-se uma analogia evolutiva em relação aos portado- não pode ser menosprezada, podendo se mostrar de grande
res de lesão medular. valia, em casos selecionados.
De 7% a 30% dos lactentes com mielomeningocele A toxina botulínica é uma boa opção no tratamento da
apresentam hidronefrose em uma avaliação inicial e 20%, hiperatividade detrusora refratária às medidas iniciais re-
refluxo vesicoureteral.9 Mais de 50% das crianças mantidas lacionadas à manutenção da incontinência urinária ou na
em observação radiológica desenvolvem ITU (infecção do persistência ou evolução das complicações relacionadas a
trato urinário) febril, hidronefrose e refluxo vesicoureteral esta persistência.
até os 3 anos de idade.7 Até 80% das crianças com fatores O tratamento cirúrgico através da ampliação vesical fica
de mau prognóstico ao exame urodinâmico evoluíram com restrito aos casos extremos e não responsivos ao tratamento
complicações após serem tratadas expectantemente, segun- conservador, sobretudo na presença de complicações per-
do Edelstein e cols.10 sistentes (refluxo vesicoureteral secundário, hidronefrose).
Até 71% dos neonatos com dissinergia vesicoesfinc- A esfincterotomia (química ou cirúrgica) só deve ser
teriana à urodinâmica desenvolvem deterioração do trato indicada nos pacientes adultos e portadores de dissinergia
urinário superior, em três anos.11 As crianças com sinergia vesicoesfincteriana com complicações urológicas que não
só apresentam alteração se houver mudança em seu padrão tenham condições pessoais, ou sociais, de serem submeti-
miccional. Entre aqueles que têm denervação, apenas os dos ao CIL. O método cirúrgico apresenta elevadas taxas de
que apresentam elevada pressão de perda, provavelmente recidiva e necessidade de reintervenções frequentes.13
secundária à fibrose do esfíncter externo, apresentam dete-
rioração do trato urinário superior. Portanto, a presença de Referências
obstrução infravesical associada a uma elevada pressão de 1. Wroclawski ER, Bezerra CA, Cintra CC, Borreli M. Manifestações
perda parece ser fundamental para a presença, ou não, de clínicas do trato urinário inferior. Tratado de Clínica Médica. 1. ed.
Antonio Carlos Lopes. Ed. Rocca, 2006, pp. 2981-97.
complicações renais nesses indivíduos.2 2. Bauer SB. Myelodisplasia: Newborn evaluation and management. In:
Críticos da realização precoce do estudo urodinâmico Mc Laurin RL (ed.). Spina Bifida: A multidisciplinary approach. New
York: Praeger, 1984, pp. 262-67.
advogam que a maioria das alterações radiológicas obser-
3. Blaivas JG, Sinka HP, Zayed AH et al. Detrusor-sphincter dyssinergia:
vadas pode ser revertida com a instituição do tratamento addetailed electromyographic study. J Urol 1986;125:545.
adequado e que deterioração da função renal ocorre em 4. Sidi AA, Dykstra DD, Gonzalez R. The value of urodynamic testing in
apenas 1% a 5% desses indivíduos, quando a conduta é to- the management of neonates with myelodisplasia: a prospective study.
J Urol 1986;135:90.
mada frente as alterações morfológicas.10,12 5. Koff SA. Estimating bladder capacity in children. Urology 1983;21:248.
Para os defensores de uma conduta mais agressiva, des- 6. Snodgrass WT, Adams R. Initial urologic management of myelome-
tacam-se dados publicados10 por diferentes autores e que ningocele. Urol Clin North AM 2004;31:427-34.
7. McGuire EJ, Woodside JR, Borden TA, Weiss RM. Prognostic value of
evidenciaram uma diminuição de cerca de 30% na indi- urodynamic testing in myelodisplastic patients. J Urol 1981;126:205-9.
cação de enterocistoplastia no grupo de pacientes tratados 8. Ghoniem GM, Bloom DA, McGuire EJ, Stewart KL. Bladder com-
agressiva e precocemente e apenas 8% a 10% de deterio- pliance in menyngomielocele children. J Urol 1989;141:1404.
ração renal dos indivíduos com padrão miccional de alto 9. Wu HY, Baskin LS, Kogan BA. Neurogenic bladder dysfunction due
to myelomeningocele: neonatal versus childhood treatment. J Urol
risco, em CIL e anticolinérgicos. 1997;157:2297-7.
10. Edelstein RA, Bauer S, Kelly MD, Darbey MM, Peters CA, Atala A.
The long term urologic response of neonates with myelodysplasia tre-
Tratamento ated proactively with intermittent catheterization and anticholinergic
therapy. J Urol 1995;154:1500-4.
O tratamento da bexiga neurogênica tem duas bases 11. Hopps CV, Kroop KA. Preservation of renal function in children with
fundamentais: manter o armazenamento de urina a baixas myelomeningocele managed with basic newborn evaluation and close
follow up. J Urol 2003;169:305-8.
pressões e promover esvaziamento vesical adequado. Para
12. Teichmann JMH, Scherz HC, Kim KD, Cho DH, Packer MG, Kaplan
tanto, emprega-se conservadoramente o cateterismo inter- EW. An alternative approach to myelodisplastic management: aggres-
mitente limpo (CIL) e a farmacoterapia, para o bloqueio da sive observation and prompt intervention. J Urol 1994;152:807-11.
13. Reynard JM, Vass J, Sullivan ME, Mamas M Sphincterotomy and the
hiperatividade detrusora, quando presente. treatment of detrusor-sphincter dyssynergia: current status, future. Spi-
Qualquer padrão urodinâmico de alto risco é tratado cli- nal Cord 2003 Jan;41(1):1-11.

292
SEÇÃO VII
URO-PEDIATRIA

CAPÍTULO 43
Tumores urológicos
na infância
(tumor de Wilms, rabdomiossarcoma,
neuroblastoma e tumores testiculares)

Edison Daniel Schneider-Monteiro


Mario Henrique Grilo Silva
Stefano Augusto Francisco Garisto
Embora raras, as neoplasias da infância são a maior 11p15 estão presentes numa minoria dos casos. O gene
causa de óbito em países desenvolvidos. Seu prog- WTX apresenta mutação em até 29% dos pacientes. A
nóstico tem melhorado a cada década, principalmente perda da heterozigosidade (LOH) do cromossomo 1p e/
pela abordagem multidisciplinar destas crianças, além ou 16q confere prognóstico adverso. 
de melhorias nas drogas quimioterápicas, radioterapia
mais efetiva e melhor técnica cirúrgica. Atualmente Quadro clínico
o objetivo não é apenas a cura, mas esta com menor Em mais de 90% dos casos, apresenta-se com mas-
morbidade. Os tumores geniturinários que acometem sa abdominal assintomática, muitas vezes descoberta
a criança e adolescente se originam no rim, testículo, incidentalmente por algum familiar ou médico e em
próstata, bexiga, vagina e adrenal. No rim o tumor aproximadamente 20% e 25% das vezes, observa-se
mais comum é o tumor de Wilms (nefroblastoma). Na hematúria e hipertensão, respectivamente no momento
adrenal, o mais frequente é o neuroblastoma. Os que do diagnóstico. Outros sintomas incluem febre, ano-
acometem próstata, bexiga e vagina são geralmente rexia e perda de peso. Raramente, dor abdominal aguda
originários da musculatura esquelética e chamados de por ruptura do tumor na cavidade peritoneal ou sangra-
rabdomiossarcomas. mento dentro do tumor. O exame físico costuma revelar
uma massa firme e que classicamente não atravessa a
linha média. Compressão ou invasão de estruturas adja-
Tumor de Wilms centes pode resultar em uma apresentação atípica. Vari-
cocele persistente na posição supina ou hepatomegalia
Epidemiologia podem ser reflexo da obstrução da veia cava inferior
O tumor de Wilms (TW), também conhecido como
(VCI) por trombo tumoral, presente em até 4% dos ca-
nefroblastoma, é o tumor renal primário mais preva-
sos.Ocasionalmente, apresenta sintomas secundários à
lente em crianças, podendo corresponder até 85% dos
produção de substâncias bioativas pelo tumor. A hiper-
casos e, corresponde a cerca de 6 a 7% de todos os tu-
tensão pode ser causada por níveis elevados de renina
mores na infância. Sua incidência encontra-se em torno
plasmática. Geralmente, observa-se a resolução após a
de 8 casos por milhão, e mais de 80% dos casos são
retirada do tumor. Durante o exame físico, é importante
diagnosticados antes dos 5 anos de idade, com pico de
avaliar os sinais de síndromes associadas ao tumor de
incidência entre dois e três anos de idade. Nos Estados
Wilms, tais como aniridia, hemi-hipertrofia e anoma-
Unidos ocorre um pouco mais frequentemente em me-
lias geniturinárias.
ninas e em relação à etnia, observa-se incidência menor
na população do leste asiático e maior na população
negra, comparando-se com caucasianos. Diagnóstico
Imagem
Etiopatogenia
Trata-se de um tumor de origem embrionária que Exame Achado
se desenvolve a partir de remanescentes do rim ima-
Ultrassonografia abdominal Tumor renal sólido
turo, sendo que a maioria surge de mutações somáti-
cas do tecido tumoral e uma menor parte de mutações CT de abdome Tumor de Wilms geralmente comprime
da linhagem germinativa. Aproximadamente 10% das o parênquima renal normal adjacente,
formando uma pseudocápsula com-
crianças com tumor de Wilms têm síndromes e anoma- posta de tecidos renais atróficos
lias congênitas, 5% a 10% dos tumores tendem a ser
bilaterais e multicêntricos e 1% a 2% tem origem fami- CT de tórax Avaliação de metástases

liar. Pode estar associado a algumas síndromes como


Beckwith-Wiedemann, Denys-Drash, WAGR (Wilms, Laboratorial
aniridia, malformações geniturinárias e retardo men- Na avaliação laboratorial devemos incluir hemogra-
tal) e a hemi-hipertrofia corporal. Mutações nos genes ma completo, enzimas hepáticas, eletrólitos incluindo
WT1 no cromossomo 11p13 e WT2 no cromossomo cálcio, ureia, creatinina e coagulograma completo.

294
Tumores urológicos na infância

Diagnóstico diferencial que diminui o risco de ruptura tumoral.


O diagnóstico diferencial inclui principalmente o Em contrapartida, o NWTS ressalta que a aborda-
neuroblastoma e outros tumores renais (tumor rabdoide, gem cirúrgica inicial permite uma avaliação histológica
sarcoma de células claras, hipernefroma, nefroma meso- precisa, sem influência das drogas antineoplásicas e um
blástico congênito e tumores benignos). A probabilidade estadiamento mais detalhado, informações estas que
de um tumor renal primário não ser um TW é maior em orientam as etapas terapêuticas seguintes, além de uma
crianças <6 meses, onde predomina o nefroma mesoblás- acurada análise citogenética da neoplasia. Os resultados
tico congênito, tumor rabdoide e displasia renal, ou em de sobrevida de ambas estratégias, em longo prazo, são
>7 anos, quando outros tumores começam a ser mais pre- equivalentes com mais de 90% dos pacientes curados.
valentes. No Brasil, o Grupo Brasileiro para o Tratamento do Tu-
mor de Wilms (GBTTW) segue o programa da SIOP.
Biópsia Abordagem cirurgia clássica para o tumor de Wilms
Biópsia percutânea não está indicada em pacientes é a nefrectomia radical aberta, sendo essa a opção tera-
com idade compatível para tumor de Wilms. Indicação pêutica primária no protocolo do NWTS. Recomendada
restrita aos casos com imagens tomográficas que não ainda para tumores de grandes dimensões, particular-
permitam o diagnóstico, ou em crianças <6 meses ou mente para aqueles que não regridem satisfatoriamente
>6 anos. com a neoadjuvância, em tumores bilaterais, na suspeita
de invasão da veia renal e/ou cava e ainda em lactentes
menores de seis meses. Amostras de linfonodos peri-hi-
Histopatologia lares e interaortocavais devem ser obtidas em todos os
A histologia é geralmente trifásica, com componente
casos, pois são imprescindíveis para o correto estadia-
blastematoso, epitelial e estromal. Muitas vezes contém
mento e a condução terapêutica no pós-operatório, con-
músculo esquelético, cartilagem e epitélio escamoso. A
tudo não existe a necessidade de realização linfadenec-
predominância epitelial é mais frequente em pacientes
tomia total. A abordagem laparoscópica fica restrita a
de menor idade e na doença localizada, e se relaciona a
casos selecionados, geralmente em tumores unilaterais
melhor prognóstico. A presença de anaplasia (5% dos
e que apresentam uma redução significativa após adju-
casos), caracterizada pela presença de múltiplas figuras
vância. Cirurgia de emergência não é necessária desde
mitóticas, aumento de tamanho e hipercromasia do nú-
que não haja indícios de sangramento ativo e/ou ruptura
cleo, indica maior agressividade do tumor e resistência
tumoral.
a quimioterapia. A anaplasia é raramente observada em
O tumor de Wilms se apresenta bilateralmente em
menores de 2 anos de idade (cerca de 2%), mas sua pre-
5 a 7% dos casos. Nesse cenário, busca-se a remoção
sença aumenta para uma incidência de cerca de 13%
e cura da neoplasia, bem como a preservação da maior
nos maiores de 5 anos.
quantidade de tecido renal sadio. Inicialmente, realiza-
-se a biópsia do tumor e após neoadjuvância por seis a
Tratamento oito semanas. O paciente é posteriormente reavaliado
Duas estratégias terapêuticas podem ser seguidas: para planejamento cirúrgico, que poderá envolver uma
a preconizada pelo “National Wilms Tumor Study” nefrectomia total, parcial ou tumorectomia. Raramente
(NWTS) e a que segue o protocolo europeu da “Soci- há necessidade de nefrectomia radical bilateral, o que
été Internationale d’Oncologie Pediatrique” (SIOP). A exigiria a pronta instalação de diálise e programação de
SIOP preconiza a quimioterapia neoadjuvante, enquan- transplante renal.
to o NWTS advoga para os tumores unilaterais a abor- Na presença de trombo em veia renal, veia cava ou
dagem cirúrgica inicial e quimioterapia adjuvante. Se- átrio recomenda-se o uso de quimioterapia pré-opera-
gundo o SIOP, a avaliação inicial por meio de imagens tória para uma eventual redução de tamanho tumoral e
permite o diagnóstico e o estadiamento bastante acura- do trombo venoso. Os trombos nos vasos do hilo renal,
dos e a quimioterapia pré-operatória facilita a aborda- cava ou átrio, devem ser removidos cirurgicamente. O
gem cirúrgica, uma vez que o tumor se torna menos fri- tratamento pós-operatório irá depender do estadiamento
ável, de menores dimensões e com uma pseudocápsula e da análise histopatológica da peça cirúrgica e dos lin-

295
fonodos removidos. Via de regra, os pacientes recebem
quimioterapia adjuvante em todos os estágios, sendo a
Quadro clínico
O quadro clínico depende da localização do tumor.
radioterapia indicada na presença de metástases em lin-
Tumores paratesticulares se apresentam como massa es-
fonodos ou peritônio e nos casos em que há rotura do
crotal indolor, geralmente palpada ao acaso. Cerca de
tumor pré ou intraoperatória.
40% dos pacientes com tumores paratesticulares têm
envolvimento de linfonodos retroperitoneais. Tumores
Rabdomiossarcoma que surgem na bexiga e na próstata causam sintomas
urinários como disúria, hematúria e retenção urinária,
geniturinário sendo esse o mais frequente. Em meninas, quando o tu-
Rabdomiossarcomas (RMS) são tumores malignos mor tem origem da vagina ou colo uterino, pode ocor-
originários da célula mesenquimal embrionária, que dá rer sangramento vaginal e exteriorização de massa pela
origem à musculatura estriada. Surgem em várias loca- vulva.
lidades do organismo, mesmo em locais onde o músculo
estriado não é usualmente encontrado. No trato geni-
turinário, acometem principalmente a bexiga, próstata, Diagnóstico
região paratesticular e vagina. São didaticamente divi-
Imagem
didos em primários da bexiga, próstata e os não bexiga
A investigação por imagens, nos casos de bexiga,
e não próstata.
próstata e vagina, deve ser feita preferencialmente por
ressonância magnética da pelve. O tórax deve ser ava-
Epidemiologia liado pela tomografia computadorizada. Cintilografia
É o sarcoma de partes moles mais comum em crian- óssea é útil na pesquisa de metástases ósseas.
ças e o terceiro tumor sólido pediátrico mais comum,
representando 5% a 15% de todos os tumores sólidos Biópsia
infantis. Acomete o trato geniturinário em 21% das O diagnóstico é feito pela biópsia ou exérese da
vezes. A incidência anual nos Estados Unidos é de 4,5 lesão. Nos tumores paratesticulares, inicia-se pela or-
casos/milhão de crianças abaixo de 15 anos. O pico de quiectomia radical por via inguinal, sendo obrigatório
incidência é entre 2 e 5 anos e mais da metade dos casos o estadiamento com coleta de linfonodos femorais e ilí-
ocorre na primeira década de vida. acos, principalmente em idade acima de 10 anos. Nas
lesões vesicais ou prostáticas o acesso à massa pode ser

Etiopatogenia tentado por meio de cistoscopia; em caso de impossi-


bilidade realiza-se acesso por via aberta. Nas lesões de
Geralmente considerada esporádica, tem maior ris-
vagina exteriorizadas, realiza-se biópsia do tecido ve-
co de desenvolvimento em crianças com cuidados pré-
getante. O material deve ser encaminhado para análi-
-natais precários ou concebidas com técnicas de repro-
se histopatológica, imuno-histoquímica, citogenética e
dução assistida. Ainda fatores ambientais como hábito
molecular.
paterno de fumar, idade materna avançada, exposição
intrauterina a raio X e uso de drogas ilícitas pela mãe.
Malformações congênitas são descritas em até 32% das Histopatologia
crianças portadoras de RMS, quando comparadas à po- Apresentam duas variáveis histológicas principais:
pulação geral (3%). embrionária (predominante) e a alveolar. Os RMS de
Uma base genética também é inferida, uma vez que trato geniturinário podem apresentar histologia fusifor-
observa-se associação de RMS com certas condições me e botrioide, são comuns em crianças menores de 10
sindrômicas: síndrome de Li-Fraumeni, neurofibroma- anos, e têm prognóstico favorável. A histologia alveolar
tose, síndrome de nevo basocelular, síndrome de Cos- é mais frequente em adolescentes e confere uma menor
tello, síndrome de Noonan e Neoplasia Endócrina Múl- chance de cura e praticamente não ocorrem no trato uri-
tipla Tipo 2A. nário.

296
Tumores urológicos na infância

radioterapia. Com esse esquema multimodal, a sobrevi-


Tratamento da gira em torno de 90%.
O princípio terapêutico é a cura com máxima pre-
Resumindo os princípios que norteiam o tratamento,
servação anatômica e funcional do órgão acometido,
temos: 1. Cirurgia adiada até tumor residual bem defini-
evitando-se procedimentos mutiladores e de grande
do; 2. Enquanto ocorrer resposta a quimioterapia, a ci-
morbidade. Após as avaliações de imagem e biópsia
rurgia radical não está indicada; 3. Procurar não deixar
para definição histológica do tumor, realiza-se quimio-
doença residual em cirurgia definitiva; 4. Não perder o
terapia neoadjuvante. Em um segundo momento, após
momento ideal de cirurgia.
reavaliação que confirma a redução do tumor, pode-se
O esquema básico de quimioterapia baseia-se em
realizar cirurgia definitiva, mais conservadora. O trata-
vincristina, actinomicina D e ciclofosfamida nos pa-
mento químio e radioterápico será definido pelo grau de
cientes de baixo risco. Nos de risco intermédio acres-
disseminação da doença.
centa-se ifosfamida ou etoposídeo. Na doença de alto
O  Soft Tissue Sarcoma Committee (STS) divide os
risco combina-se ifosfamida, etoposídeo e doxorrubi-
pacientes em categorias de baixo, intermediário e alto
cina. A combinação de vincristina/irinotecano pode ser
risco, que orientam a conduta terapêutica.  A categoria
útil em tumores metastáticos. A terapia-alvo para recep-
de risco se baseia na idade, histologia, estadiamento
tores de mTOR (rapamicina, tensirolimo e everolimo) e
pré-operatório TNM e classificação de grupo pós-ope-
IGF-1R está em investigação. Crianças com tumores de
ratória, definida pelo grau de ressecção e tumor residu-
baixo risco têm sobrevida acima de 90% em cinco anos.
al. Considerando-se o tamanho do tumor, envolvimento
Casos de risco intermediário têm sobrevida variável en-
de linfonodos, e metástases à distância (classificação de
tre 55% a 70%. Os casos de alto risco têm menos de
TMN), os tumores de bexiga e próstata são designados
50% de chances de sobreviver cinco anos.
estádio II ou III, com base no tamanho (maior ou menor
Radioterapia é preconizada segundo o IRS (Interna-
do que 5 cm), invasão de estruturas vizinhas ou envolvi-
cional Rhabdomyosarcoma Study) para toda criança a
mento de linfonodos. Na ausência de metástases distan-
partir do grupo II (com doença residual ao diagnóstico).
tes, os tumores não vesicais ou prostáticos são designa-
Outros grupos, contudo, preconizam sua utilização ape-
dos estádio I, independentemente do tamanho do tumor
nas para doença residual após cirurgia definitiva.
ou envolvimento nodal. O papel da cirurgia é decisivo
na evolução dos pacientes porque o controle local da
doença tem correlação com o prognóstico. A ressecção Conclusão
completa do tumor primário é o ideal. Embora impre- Os RMS são tumores agressivos, mas quando locali-
cisa, recomenda-se a avaliação de margens cirúrgicas zados no trato geniturinário e tratados por equipes mul-
na sala de operação por meio de congelação, além de tidisciplinares seguindo protocolos bem estabelecidos
coleta de linfonodos para estadiamento. Nos tumores de têm bom prognósticos. O desafio atual reside na preser-
bexiga e próstata, cerca de 70% se originam da bexiga e vação da função de órgãos envolvidos mantendo-se os
é possível salvar a função vesical em cerca de 50-60% índices de cura.
dos casos pela cistectomia parcial, com sobrevida livre
de doença na maioria dos casos. Tumores de cúpula ve-
sical são mais facilmente ressecados. Lesões mais bai-
Neuroblastoma
O neuroblastoma é um tumor maligno que se origina
xas ou extensas, resistentes à quimioterapia requerem
no sistema nervoso simpático, acometendo a adrenal em
reimplante de ureteres ou eventual ampliação ou substi-
mais de 50% dos casos, os linfonodos paravertebrais em
tuição vesical.  Os tumores de vagina respondem bem à
25% e, na minoria dos casos, podendo atingir tórax e
quimioterapia, sendo raramente necessárias ressecções
pelve. Infelizmente, mais de metade dos casos em crian-
mutiladoras. Os tumores paratesticulares devem ser
ças se apresentam com doença metastática.
tratados com orquiectomia radical, sendo que crianças
maiores de 10 anos necessitam ser submetidas a linfade-
nectomia retroperitoneal ipsilateral para estadiamento, Epidemiologia e genética
antes da quimioterapia. Aqueles com linfonodos posi- Neuroblastoma representa de 8 a 10% dos tumores
tivos devem ser submetidos a quimioterapia e eventual da infância. Nos Estados Unidos, tem incidência anual

297
de 10 casos a cada 1 milhão nascidos-vivos. É o tumor Para os casos de baixo risco, com doença localizada,
adrenal maligno mais comum na infância. o padrão ouro é a cirurgia, podendo ser realizado ad-
A aneuploidia do DNA do tumor ocorre em um nú- juvância com quimioterapia dependendo do anatomo-
mero significativo dos casos e é um indicador prognós- patológico. Nestes casos, a cirurgia isolada tem chance
tico favorável, enquanto a amplificação do oncogene >90% de cura, principalmente nos menores de 1 ano de
N-MYC, visto em aproximadamente 20% dos tumores idade (melhor prognóstico).
primários, é um indicador de mau prognóstico. Em contrapartida, para tumores em estádios mais
avançados preconiza-se a neoadjuvância com intuito de

Quadro clínico diminuir massa tumoral e também minimizar riscos de


sangramento na ressecção cirúrgica. Nestes casos, con-
As manifestações clínicas do neuroblastoma são va-
sidera-se também a radioterapia como opção terapêutica.
riáveis. A maioria das crianças apresenta dor abdominal
com massa palpável. No entanto, outras apresentações
incluem sintomas de doença metastática, dor óssea ou
articular e equimose periorbitária.
Tumores testiculares
Os tumores do testículo representam a sétima neo-
As metástases estão presentes em mais de 70% dos
plasia sólida mais frequente na infância, corresponden-
pacientes com neuroblastoma. Os sintomas produzidos
do de 1 a 2% dos tumores pediátricos, sendo que em
pela liberação de catecolaminas podem mimetizar aque-
dois terços dos casos as lesões são benignas. Apresen-
les vistos no feocromocitoma: hipertensão paroxística,
tam incidência anual de 5,9/100.000 meninos com me-
palpitações, rubor e cefaleia. A secreção do peptídeo
nos de 15 anos, com pico aos 2 anos de idade.
vasoativo intestinal (VIP) pode desencadear diarreia e
Os tumores de testículo da infância apresentam al-
hipocalemia.
gumas características biológicas que os diferenciam das
neoplasias do adulto:
Diagnóstico • Tumores de linhagem não germinativa compreendem
Na avaliação laboratorial, os níveis metabólicos de 25 a 40% das crianças, ao contrário do que ocorre nos
catecolaminas, ácido vanilmandélico (VMA) e homo- adultos, onde esse número cai para 5 a 10%.
vanílico (HVA) são encontrados em 90% a 95% dos • Seminomas e coriocarcinomas não ocorrem na in-
pacientes. fância. Tumores do saco vitelínico são os mais pre-
Na radiografia simples de abdome observa-se massa valentes, sendo responsáveis por 60 a 70% dos casos.
abdominal calcificada ou massa em mediastino posterior. • Os teratomas da infância constituem neoplasias
Na tomografia computadorizada o neuroblastoma é ca- benignas
racterizado por massa de tecidos moles, de margens irre- • 10% dos tumores de testículos podem ser detecta-
gulares, que geralmente ultrapassa a linha média do abdo- dos no período neonatal, sendo dois terços repre-
me e apresenta calcificações em cerca de 85% dos casos. sentados pelos tumores do estroma gonadal
Em contrapartida, o tumor de Wilms tem margens • ao contrário dos tumores nos adultos, as neopla-
mais regulares, em geral não ultrapassa a linha média e sias testiculares costumam conter apenas um tipo
as calcificações são raras. histológico.
Outro exame que deve ser considerado no neuro-
blastoma é a cintilografia com MIBG. Realiza-se prefe-
rencialmente este método após o término do tratamento
Quadro clínico e diagnóstico
Em quase 90% dos pacientes a manifestação é de au-
para verificar se o mesmo foi eficaz.
mento do volume testicular, geralmente assintomática,
devendo-se excluir algumas patologias como: hérnias,
Tratamento hidrocele, cistos de epidídimo, processo inflamatório e
As modalidades de tratamento do neuroblastoma até mesmo torção testicular. Deve-se atentar, no exame
baseiam-se em cirurgia, quimioterapia e radioterapia. físico, para sinais de virilização ou feminização.
Deve-se individualizar o tratamento, com base no esta- O principal exame a ser solicitado, e com quase 100%
diamento, idade e prognóstico do paciente. de sensibilidade para diagnóstico de massa em região tes-

298
Tumores urológicos na infância

ticular é o Ultrassom de bolsa testicular com Doppler. na infância. Embora descritos em pré–púberes, a maio-
No entanto, não distingue afecções benignas das malig- ria dos pacientes é acometida entre 10-30 anos. São
nas, embora teratomas e cistos epidermoides apresentem tumores compostos de epitélio produtor de queratina,
características específicas. Juntamente com o exame de identificada pela ultrassonografia. Apresenta evolução
imagem, prioriza-se a coleta de marcadores tumorais benigna, podendo ser tratado por enucleação.
como alfafetoproteína (AFP), gonadotropina coriônica
(β-HCG) e desidrogenase láctica (DHL).
O tratamento habitual inicial é a orquiectomia ra-
Tumores de células de Sertoli
Tumores do estroma gonadal, quase sempre benig-
dical via inguinal. Nos casos confirmados de neoplasia
nos, ocorrem no primeiro ano de vida em 60% dos ca-
maligna, deve-se investigar metástases retroperitoneais
sos. Apresentam-se com aumento do volume testicular
ou pulmonares com a tomografia de tórax e abdome.
com ginecomastia, presente em 30 a 50% dos casos. A
orquiectomia radical cura quase todos os pacientes, não
Tumor de saco vitelínico sendo indicado nenhum tratamento adicional.
É o tumor mais comum em crianças menores de 2
anos, manifestando-se como massa sólida associada a
elevação de alfafetoproteína (AFP). Apresenta-se como
Tumores de células de Leydig
São também chamados de células intersticiais, são
doença localizada em cerca de 90% dos casos. Metástase
raros e acometem crianças entre 5 e 10 anos de idade,
deve ser suspeitada quando níveis de AFP permanecem
frequentemente acompanhados de sinais de virilização.
elevados mesmo após orquiectomia. Os principais sítios
Ao contrário do que ocorre nos adultos, onde 10% dos
de metástases são: pulmão (50%), retroperitônio (25%) e
tumores de células de Leydig são malignos, na infância
pulmão + retroperitônio (25%).
a doença é sempre de caráter benigno e pode ser tratar
O prognóstico das crianças com tumor do saco vite-
com orquiectomia parcial.
lino costuma ser bastante favorável, com cura em 87% a
100%. A evolução está ligada a idade da criança quando
realizado o diagnóstico. Sabe-se que a recorrência da Referências recomendadas
doença é duplicada em crianças cujo diagnóstico é feito 1. Ritchey ML, Shamberger RC. Pediatric Urologic Oncology. In:
Campbell’s Urology, 10th, Philadelphia, Saunders, 2012.
após 2 anos de idade. 2. Duarte RF e Cristofani LM. Tumores renais na infância. In: Srougi
O acompanhamento pós orquiectomia é realizado M, Dénes FT, Giron AM. Urologia – Pediatria, Instituto da Crian-
ça-Hospital das Clínicas; Manole, São Paulo, 2011.
com dosagens séricas de AFP, RX tórax e ultrassono-
3. Spreafico F, Bellani FF. Wilms’ tumor: past, present and (possibly)
grafia abdominal a cada 2 meses por 2 anos. Após esse future. Expert Rev Anticancer Ther 2006;6:249-258.
período, o paciente pode ser considerado curado. 4. Lowe LH, Isuani BH, Heller RM et al. Pediatric renal masses: Wil-
ms’ tumor and beyond. Radiographics 2000;20:1585-1603.
5. Breslow NE, Olshan A, Beckwith JB, Green DM. Epidemiology
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6. de Camargo B, de Oliveira Santos M, Rebelo MS, de Souza Reis
Segundo tumor testicular mais frequente da infância R, Ferman S, Noronha CP et al. Cancer incidence among children
(pico aos 14 meses de idade). Diferentemente dos adul- and adolescents in Brazil: first report of 14 population-based can-
cer registries. Int J Cancer 2010;126(3):715-20.
tos, os teratomas na infância são lesões de comportamen- 7. Geller JI. Genetic stratification of Wilms’ tumor. Cancer
to benigno, não sendo descritas metástases. O diagnóstico 2008;113:893-896.
é geralmente ultrassonográfico e auxiliam no tratamento 8. Castellino SM, Martinez-Borges AR, McLean TW. Pediatric geni-
tourinary tumors. Curr Opin Oncol 2009;21:278-283.
cirúrgico. Na maioria das vezes é realizada orquiectomia 9. Perlman EJ. Pediatric renal tumors: practical updates for the pa-
via inguinal e o paciente é considerado curado. No entan- thologist. Pediatric and Developmental Pathology 2005;8:320-
338.
to, alguns autores têm preconizado a enucleação da lesão,
10. Ross J. Wilms Tumor-Updated strategies for evaluation and mana-
com preservação do testículo afetado. gement. Contemporary Urology 2006;18-29.
11. Ko EY, Ritchey ML. Current management of Wilms tumor in chil-
dren. J Pediatr Urol 2009;5:56-65.
Cisto epidermoide 12. Cristófani LM, Duarte RJ, Almeida MT, Odone Filho V, Maksoud
JG, Srougi M. Intracaval and intracardiac extension of Wilms’ tu-
Os cistos epidermoides constituem lesões testicula-
mor. The influence of preoperative chemotherapy on surgical mor-
res benignas, raras e representam 1% dos tumores locais bidity. Int Braz J Urol 2007;33(5):683-689.

299
13. Duarte RJ, Dénes FT, Cristófani LM, Giron AM, Odone Filho V, 22. Völker T, Denecke T, Steffen I, Misch D, Schönberger S, Plotkin M
Arap S. Laparoscopic nephrectomy for Wilms tumor after chemo- et al. Positron emission tomography for staging of pediatric sarco-
therapy: initial experience. J Urol 2004;172:1438-40. ma patients: results of a prospective multicenter trial. J Clin Oncol
14. Duarte RJ, Dénes FT, Cristófani LM, Odone Filho V, Srougi M. Fur- 2007;25:5435-5441.
ther experience with laparoscopic nephrectomy for Wilm’s tumour 23. Raney RB, Anderson JR, Barr FG, Donaldson SS, Pappo AS, Qual-
after chemotherapy. Br J Urol 2006;98:155-9. man SJ et al. Rhabdomyosarcoma and undifferentiated sarcoma
15. Davidoff AM, Giel DW, Jones DP et al. The feasibility and outcome in the first two decades of life: a selective review of intergroup
of nephron–sparing surgery for children with bilateral Wilms tumor. rhabdomyosarcoma study group experience and rationale for In-
Cancer 2008;112:2060-2070. tergroup Rhabdomyosarcoma Study V. J Pediatr Hematol Oncol
16. Ahmed HU, Arya M, Levitt G, Duffy PG, Mushtaqi I, Sebire N. Part 2001;23:215-220.
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Part II: treatment of primary malignant non-Wilms’ renal tumours 25. Cecchetto G, Carretto E, Bisogno G, Dall’Igna P, Ferrari A, Scar-
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18. Leaphart C, Rodeberg D. Pediatric surgical oncology: management locally advanced non-alveolar rhabdomyosarcoma in children: A re-
of rhabdomyosarcoma. Surg Oncol 2007;16:173-185. port from the AIEOP soft tissue sarcoma committee. Pediatr Blood
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20. Naini S, Etheridge KT, Adam SJ, Qualman SJ, Bentley RC, Cou- nagement of paratesticular rhabdomyosarcoma: is staging retro-
nter CM, Linardic CM. Defining the cooperative genetic changes peritoneal lymph node dissection necessary for adolescents with
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21. Leaphart C, Rodeberg D. Pediatric surgical oncology: Management 27. Rodeberg D, Paidas C. Childhood rhabdomyosarcoma. Semin Pe-
of rhabdomyosarcoma Surgical Oncology 2007;16:173–185. diatr Surg 2006;15:57-62.

300
SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 44
Anatomia e
fisiologia da micção

José Carlos Cezar Ibanhez Truzzi


A anatomia e fisiologia estão sempre inter-relaciona- sinapses com neurônios segmentares e então com fibras
das. Neste capítulo serão abordadas as estruturas anatô- nervosas, que vão ascender pelo fascículo grácil até a
micas e as suas respectivas funções, possibilitando uma substância periaquedutal cinzenta (PAG) no mesencéfa-
abordagem mais dinâmica do funcionamento vesicoes- lo.1,4,5
fincteriano. A inervação que supre a uretra e colo vesical segue por
O trato urinário inferior é revestido desde a pelve re- fibras do nervo pudendo e nervos hipogástricos até alcan-
nal até a bexiga por um epitélio diferenciado designado çar o corno medular posterior. Nesse ponto são estabeleci-
urotélio. Este epitélio é formado por três camadas bem das sinapses com neurônios segmentares e interneurônios
definidas: que, de modo semelhante às fibras que conduzem os im-
1 - camada basal: responsável pela reposição celular pulsos vesicais, ascendem aos centros superiores. Por sua
vez, informações nociceptivas do trato urinário inferior
2 - camada intermediária
ascendem na medula pelo trato espinotalâmico lateral até
3 - camada apical. Também conhecida como camada o tálamo e córtex.4,5
de células em guarda-chuva (umbrella cells), é recober- É fundamental o conhecimento das relações anatômi-
ta por uma camada proteica cristalina, as uroplaquinas e cas dos nervos na região pélvica para que sejam evita-
uma camada de glicosaminoglicanos (GAG). As uropla- dos danos durante dissecções em intervenções cirúrgicas
quinas têm papel fundamental no processo de impermea- nessa região. O plexo hipogástrico superior próximo à
bilização urotelial, protegendo estruturas mais profundas emergência da artéria mesentérica inferior segue de cada
da bexiga da ação de componentes urinários. A camada lado em um trajeto pararretal até próximo à bexiga, onde
GAG, por sua vez, tem papel relevante na proteção contra o plexo pélvico guarda íntima relação com os ureteres.
processos infecciosos, dificultando a adesão bacteriana ao Nas mulheres, a proximidade com vasos uterinos e para-
urotélio.1,2 métrio lateral torna fundamental o conhecimento de tais
Na camada suburotelial está localizada grande con- relações anatômicas para que danos não sejam infringidos
centração de células intersticiais (miofibroblastos), que à inervação vesicoesfincteriana, com potencial compro-
em conjunto com os gânglios nervosos vesicais compõem metimento da função miccional.
o plexo miovesical. O urotélio e os miofibroblastos atuam
como transdutores frente a estímulos químicos e físicos Fase de armazenamento de urina
(distensão) na bexiga, estabelecendo comunicação com A região central da PAG recebe informações a par-
terminações nervosas, células de resposta inflamatória tir do trato espinotalâmico sobre o estado de enchimento
e musculatura (detrusor). Receptores farmacológicos vesical. Em paralelo recebe também impulsos de outros
purinérgicos P2X3, de canais iônicos TRP e receptores centros, como o hipotálamo, região pré-óptica e córtex
muscarínicos encontram-se distribuídos tanto no urotélio pré-frontal. Este conjunto de informações é integrado na
como nas terminações nervosas aferentes. Uma série de PAG antes que esta envie estímulos nervosos inibitórios
moduladores químicos são secretados pelas células uro- ao centro pontino da micção (CPM) e impulsos excitató-
teliais/miofibroblastos, entre eles ATP (adenosina trifos- rios para o centro pontino da continência (CPC). O arma-
fato), NGF (fator de crescimento neural), NO (óxido ní- zenamento de urina pela bexiga é assim determinado por
trico), ACh (acetilcolina), os quais atuarão em receptores estímulos inibitórios que serão conduzidos até a medula
localizados nas células inflamatórias, terminações nervo- sacral.4-6
sas aferentes, eferentes e em receptores farmacológicos O centro pontino da continência fica localizado no
localizados na própria mucosa, exercendo assim uma ati- tegumento dorsolateral da ponte. Sua ativação leva à
vidade autócrina.2,3 contração esfincteriana, tendo um papel de função “liga-
Em condições fisiológicas, os impulsos aferentes -desliga” na continência. Os principais neurotransmisso-
originados no urotélio e células intersticiais, a partir do res envolvidos nos processos de comunicação nervosa no
enchimento vesical, são conduzidos por fibras nervosas tronco cerebral são a serotonina, cujo papel é de inibição
mielinizadas A delta através dos nervos pélvicos e nervos da atividade detrusora e excitatório para contração esfinc-
hipogástricos até a face lateral do corno dorsal da medula teriana e a dopamina, também com ação inibitória da con-
espinhal S2-S4 e T11-T12. Neste ponto são estabelecidas tração vesical.1,4-8

302
Anatomia e fisiologia da micção

Conforme descrito no parágrafo anterior, os impulsos


nervosos são trocados entre a PAG e os centros corticais e
Fase de esvaziamento vesical
A decisão de interromper o armazenamento vesical e
subcorticais, onde a sensação de enchimento vesical é ma-
dar início à micção é tomada na porção medial do córtex
peada. De um modo geral, tais centros possuem um efeito
pré-frontal. Este cessa a inibição tônica sobre a PAG e no
tônico sobre a continência urinária ao estimular o arma-
momento mais apropriado o hipotálamo libera a micção
zenamento de urina. O córtex pré-frontal medial possui
através de conexões com a PAG e centro pontino da micção.
um papel inibidor sobre a PAG selecionando a resposta
O centro pontino da micção localizado na região pontina
adequada e tomada de decisão quanto à manutenção, ou
medial, núcleo de Barrington, é o maestro do processo de
não, do enchimento vesical. O giro anterior do cíngulo
esvaziamento vesical. Recebe estímulos oriundos da PAG,
monitora conflitos e situações de estresse e quantifica o
hipotálamo posterior e região pré-óptica medial. Impulsos
grau de importância que destina a cada fase do enchi-
nervosos inibitórios são enviados por fibras da coluna in-
mento vesical, também promovendo o armazenamento de
termediolateral até a cadeia simpática (T10-L2), a seguir
urina. O mau funcionamento desta região aparentemente
plexo hipogástrico superior (pré-aórtico) e nervo hipogás-
está envolvido no processo de urgência miccional, mesmo trico, o que determina o relaxamento esfincteriano liso. Em
sem a coexistência de hiperatividade detrusora. A ínsula paralelo, o esfíncter uretral estriado recebe informações
é o processador de informações viscerais, entre as quais para relaxamento e abertura através de fibras somáticas ori-
o desejo de urinar. Sua atividade aumenta de acordo com ginadas nos núcleos de Onuf (medula sacral).4 Estas fibras
o aumento do enchimento vesical. O hipotálamo, por sua seguem pelo nervo pudendo até chegar ao rabdoesfíncter e
vez, inibe a micção até que a situação para que esta ocorra há o seu relaxamento. De modo sincrônico, impulsos exci-
seja considerada favorável.1,4-8 tatórios seguem até os neurônios pré-ganglionares paras-
A inervação eferente segue por fibras da coluna in- simpáticos da medula sacral (nervos pélvicos), gânglios no
termediolateral até a cadeia simpática (T10-L2), a seguir plexo pélvico (localizados lateralmente ao reto), neurônios
plexo hipogástrico superior (pré-aórtico) e nervo hipogás- pós-ganglionares e há a contração detrusora.1,4-8
trico até o esfíncter liso, o qual permanece fechado duran- Assim sendo, como se pôde ver, a micção se dá por
te a fase de enchimento. Neurônios pré-ganglionares pa- meio do reflexo espinobulboespinhal. Impulsos aferentes
rassimpáticos da medula sacral (nervos pélvicos) seguem da bexiga para medula seguem em um crescente para a
até os gânglios no plexo pélvico (localizados lateralmente PAG central. Ao exceder o nível gatilho, há estímulos efe-
ao reto), destes para neurônios pós-ganglionares, os quais rentes da lateral PAG para o CPM e daí para n. Onuf (relaxa
vão suprir a inervação vesical e parte da esfincteriana lisa. esfíncter) e parassimpático (detrusor contrai). É fundamen-
A inervação motora do esfíncter uretral estriado origina- tal reconhecer, no entanto, que, ao contrário de outras ati-
-se nos núcleos de Onuf (medula sacral), seguem pelo vidades do sistema nervoso autônomo, no funcionamento
nervo pudendo no seu trajeto através do forame isquiático vesicoesfincteriano o racional social interfere na decisão
maior, forame menor (canal de Alcock) até chegar ao ra- do momento de urinar. Existe um tônus inibitório constan-
bdoesfíncter.1,4-8 te dos centros superiores para a PAG e desta para o CPM
Durante o enchimento o esfíncter contrai de modo tô- durante toda a fase de enchimento. O momento adequado
nico por ação de reflexos sacrais, ou reflexo de guarda. O para a micção é aprendido na infância e rege-se através dos
detrusor permanece relaxado por falta de estímulo excita- processos de comunicação supradescritos.5
tório parassimpático e por reflexos inibitórios simpáticos. A bexiga possui quatro camadas, respectivamente do
O esfíncter liso é constituído por fibras circulares ao exterior para o interior, adventícia, músculo detrusor, lâ-
redor da uretra, inervado por fibras do sistema nervoso mina própria e urotélio. O detrusor corresponde à maior
simpático e parassimpático, sendo responsável pela con- espessura da parede vesical, com células musculares em
tinência passiva. O esfíncter estriado, ou rabdoesfíncter, é formato de fuso separadas entre si por fibras colágenas.
composto de fibras de músculo estriado que circundam a Os feixes musculares organizam-se em fascículos separa-
uretra – mais espesso na face anterior. Não há aderência às dos de modo incompleto por fibras colágenas, elásticas e
fibras da musculatura estriada pélvica, ambos separados alguns fibroblastos (responsáveis pela complacência). A
por tecido conectivo. Tem origem embriológica na cloaca lâmina própria e urotélio foram alvo de discussão no iní-
e recebe a inervação pelo nervo pudendo. cio deste capítulo.2

303
No processo de contração detrusora, o principal neu- região do colo vesical. Durante a fase de armazenamento
rotransmissor liberado pelas fibras pós-ganglionares pa- vesical há estimulação tônica dos receptores beta-3, indu-
rassimpáticas da medula sacral (S2 a S4) é a acetilcolina, zindo o relaxamento do detrusor e estimulação dos recep-
embora outros neurotransmissores não adrenérgicos não tores alfa-adrenérgicos, com contração da musculatura lisa
colinérgicos, como NO (relaxamento esfincteriano uretral junto ao colo vesical. O estímulo dos receptores beta-3 ati-
liso), ATP (excitabilidade detrusora), P2X e P2Y também va a adenilciclase, com subsequentes aumento de AMPc
sejam liberados. Uma vez que o impulso elétrico chega à (adenosina monofosfato cíclico) e influxo de cálcio no re-
terminação nervosa, promove um influxo de cálcio que ati- tículo sarcoplasmático. Na fase miccional, os receptores
va a fusão de um complexo proteico denominado SNARE, beta-3 e alfa-adrenérgicos deixam de ser estimulados, con-
composto por três proteínas, a sinaptobrevina, sintaxina tribuindo para o processo de esvaziamento vesical.8
e SNAP 25. Esta fusão proteica leva à degranulação das
vesículas contendo moléculas de acetilcolina na junção Referências
neuromuscular. A acetilcolina liga-se a receptores M2 e 1. Birder L, Chai T, Griffiths D et al. Neural control. In: Abrams P, Car-
M3 presentes em maior quantidade na bexiga, desenca- dozo L, Khoury S et al. (editors). Incontinence. 5th edition. ICUD-
-EAU 2013. p. 179-59.
deando a contração do detrusor.5 Os receptores M3, uma 2. Birder LA, Andersson KE, Kanai AJ, Hanna-Mitchell AT, Fry CH.
vez estimulados, promovem aumento do influxo celular de Urothelial mucosal signaling and the overactive bladder-ICI-RS
2013. Neurourol Urodyn 2014;33(5):597-601.
cálcio e aumento da liberação do cálcio a partir do retículo
3. McCloskey KD. Interstitial cells in the urinary bladder - localization
sarcoplasmático, com isto a maior concentração de cálcio and function. Neurourol Urodyn 2010;29:82-87.
disponível favorece a contração das fibras de actina e mio- 4. Andersson KE, Wein AJ. Pharmacology of the lower urinary tract:
basis for current and future treatments of urinary incontinence. Phar-
sina. Os receptores M2, ao serem estimulados, atuam na macol Rev 2004;56:581-631.
inibição da atividade da adenilciclase e entrada do cálcio 5. Griffiths D, Tadic SD, Schaefer W and Resnick NM. Cerebral control
of the bladder in normal and urgeincontinent women. Neuroimage
para o retículo sarcoplasmático, assim sendo também con- 2007;37:1-7.
tribui para a maior disponibilização do cálcio.8 6. Dasgupta R, Kavia RB, Fowler CJ. Cerebral mechanisms and voiding
A inervação simpática vesical oriunda dos segmentos dysfunction. BJU Int 2007;99:731-734.
7. Drake MJ, Fowler CJ, Griffiths D, Mayer E, Paton JF and Birder L.
toracolombares da medula espinhal segue pelos nervos do Neural control of the lower urinary and gastrointestinal tracts: supras-
plexo hipogástrico, tendo como alvo os receptores beta-3 pinal CNS mechanisms. Neurourol Urodyn 2010;29:119-127.
adrenérgicos, presentes em maior quantidade no corpo ve- 8. Andersson KE, Chapple C, Cardozo L et al. Pharmacological treat-
ment of urinary incontinence. In: Abrams P, Cardozo L, Khoury S et
sical e os receptores alfa-1A adrenérgicos concentrados na al. (editors). Incontinence. 5th edition. ICUD-EAU 2013. p. 623-728.

304
SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 45
Urodinâmica

Ana Paula Barberio Bogdan


Thiago da Silveira Antoniassi
João Paulo Pretti Fantin
A urodinâmica é o único método diagnóstico que
Cistometria
mostra de forma objetiva a função do trato urinário in-
É a medida da pressão vesical durante o enchimento.
ferior (TUI) e são essenciais a qualidade do exame e a
A medida da pressão abdominal permite diferenciarmos
qualidade da interpretação.1 Ainda há certa dificulda-
o aumento da pressão vesical por aumento de pressão
de em determinar indicações precisas a seu uso. Em abdominal ou contração involuntária do detrusor, onde
2012, a SUFU (Society of Urodynamics, Female Pelvic a Pdet = Pves – Pabd.
Medicine & Urogenital Reconstruction) e a AUA (Ame-
rican Urological Association) criaram seu primeiro Sensibilidade
guideline de urodinâmica e a EAU (European Associa- Informações que o paciente refere durante o enchi-
tion of Urology) criou um guideline sobre incontinên- mento ou sensações inespecíficas de percepção do en-
cia urinária e disfunção neurogênica do TUI. 2-4 chimento, principalmente nos pacientes com disfunção
O guideline da AUA/SUFU diz que devemos usar neurogênica.
urodinâmica para identificar fatores causadores da
Capacidade vesical
disfunção miccional que sejam relevantes, predizer as
Muitos estudos mostram que a capacidade aumen-
consequências dessas alterações no TUS (trato urinário
ta com a idade, mas não há diferença entre os sexos.
superior) e a consequência dos tratamentos, entender o
A capacidade normal entre os adultos têm valores que
efeito das técnicas de intervenção e para investigar as
variam nas diversas publicações e diferem entre os au-
causas de falência de tratamento.5 Nitti and Coombs, tores, mas ficam em torno de 300 a 500 mL para alguns
em 1998, citaram regras a serem respeitadas antes da autores, e 300 e 400 mL para outros.9-11
avaliação urodinâmica: decidir que questões deverão
ser respondidas com o exame, delinear o estudo para Atividade do detrusor
responder essas questões e customizar o estudo confor- Durante o enchimento, podem aparecer contrações
me necessidade.6 involuntárias do detrusor que são frequentemente asso-
ciadas à urgência e, às vezes, associadas a urgeinconti-
nência. Quando a hiperatividade detrusora não tiver causa
Urofluxometria
conhecida, é chamada hiperatividade detrusora idiopática
É o volume urinado dividido pelo tempo em mL/
ou não neurogênica. Quando a hiperatividade estiver asso-
seg. Deve ser realizada da forma mais fisiológica pos-
ciada a alguma condição neurológica, é chamada hipera-
sível, na posição em que o paciente costuma urinar em
tividade detrusora neurogênica.12 Normalmente sintomá-
casa, e ele deve estar com um desejo normal de urinar.
ticas nos pacientes não neurogênicos, podem também ser
O volume deverá ser maior ou igual a 150 mL e menor
assintomáticas, especialmente nos neurologicamente afe-
ou igual a 500 mL. Serão avaliados o volume, o fluxo
tados. A hiperatividade detrusora pode aparecer em 14%
máximo (Qmáx) e médio (Qméd), o tempo de esva-
a 18% dos pacientes assintomáticos, em urodinâmicas de
ziamento e o tempo até o fluxo máximo. O aspecto da pacientes voluntários.13 Além disso, em aproximadamente
curva pode sugerir algumas possibilidades de diagnós- 50% das mulheres com urgência-incontinência, pode-se
tico, mas é uma avaliação subjetiva e isoladamente não não evidenciar hiperatividade durante o estudo urodinâ-
pode fechar diagnóstico.7 Uma curva normal terá for- mico, por provável habilidade em inibir as contrações.13
mato de sino. Curvas irregulares, interrompidas, podem A hiperatividade pode ser fásica (contínua), esporádica
significar prensa abdominal por diminuição da força ou terminal. Pacientes que têm obstrução prostática com
de contração do detrusor, assim como as curvas mais hiperatividade terminal apenas tendem a melhorar desta
achatadas podem significar obstrução, porém o estudo condição após a desobstrução cirúrgica.14 A velocidade de
fluxo/pressão é o único exame que poderá diagnosticar infusão e a posição do paciente podem influenciar a pre-
obstrução e/ou hipoatividade do detrusor. 8
sença das contrações.15

306
Urodinâmica

Complacência é o outro tipo de pressão de perda que podemos evi-


A complacência vesical é a capacidade viscoelás- denciar durante o exame, que é a medida da pressão
tica da bexiga, que depende da musculatura, do colá- detrusora, em pacientes com queda da complacência e
geno e da elastina, e garante que uma bexiga normal é definida como a menor pressão detrusora de perda na
mantenha pressões baixas mesmo que ocorra o aumen- ausência de contração detrusora e de aumento da pres-
to do volume. Complacência (mL/cm H2O) = volume são abdominal.12 Quanto mais alta a resistência uretral,
final – volume inicial/pressão final – pressão inicial. mais alta será a DLPP e maior será o risco de lesão
Em 1999, Stöhrer e cols., sugeriram que quaisquer va- ao TUS, pela transmissão retrógrada desta pressão aos
lores abaixo de 20 mL/cm H2O indicariam uma pobre rins.19 Nesta fase ainda podemos evidenciar contrações
acomodação da bexiga. Sendo assim, parece que o va- involuntárias desencadeadas por manobras de esforço,
lor absoluto da pressão detrusora torna-se mais impor- em pacientes com queixa de perda urinária aos esfor-
tante que a média de pressão encontrada, sendo que ços. Finalmente, ainda podemos ter a IUE oculta, que
valores de pressão detrusora maiores que 40 cm H2O é a perda urinária em pacientes que têm prolapsos va-
significam alto risco de lesão para o TUS. 16-20
Várias ginais, apenas após a redução dos mesmos.
coisas podem causar uma queda de complacência
à urodinâmica, como um enchimento vesical muito Perfil de pressão uretral – PPU
rápido e isso é mais um problema de acomodação do Exame que mede a pressão do fluido necessária
que uma queda da complacência. para abrir e fechar a uretra e tem relevância relativa.12
Contrações sustentadas de baixa amplitude tam- Alguns parâmetros, como a máxima pressão de fecha-
bém podem ser confundidas com queda da complacên- mento uretral, ou MUCP (diferença máxima entre a
cia. Nesses casos, se o enchimento for interrompido e pressão uretral e a pressão intravesical), e a pressão
a pressão voltar à linha de base, não se trata de queda funcional da uretra são avaliados. A maior parte das
da complacência. Os divertículos vesicais e o refluxo mulheres tem uretra funcional em torno de 3 cm, mas
vesicoureteral também podem comprometer a avalia- MUCP tem valores normais que variam muito (40 a
ção da complacência. 60 cmH2O). McGuire, em 1981, descobriu que pa-
cientes que tinham MUCP de 20 ou menos tinham um
Pressões de perda de urina
maior risco de falha cirúrgica, mas a UPP (uretrografia
São dois tipos de pressão de perda: pressão de per-
com pressão positiva) não pode diagnosticar IUE, as-
da do detrusor ou detrusor leak point pressure (DLPP),
sim como a ALPP, pois existem mulheres com mesmo
e a pressão de perda ao esforço, ou abdominal leak
valor de MUCP, continentes ou não. Então, em 2002,
point pressure (ALPP). A ALPP é a pressão vesical
a ICS colocou a medida da pressão uretral como não
de perda de urina durante aumentos da pressão abdo-
muito clara22, e desde então nada se modificou.23
minal, na ausência de contração detrusora.12 Pode ser
avaliada durante a tosse (CLPP) ou Valsalva (VLPP).
Normalmente, as perdas ocorrem com maior facilidade Estudo pressão/fluxo
durante a tosse e não existe um valor de pressão de per- Relação entre a pressão detrusora e o fluxo de urina
da de esforço que seria considerado normal. Qualquer durante o esvaziamento. Resumidamente existem ba-
valor de pressão de perda ao esforço faz diagnóstico de sicamente três condições: pressão detrusora baixa ou
IUE. Quando não ocorre perda urinária na presença de normal com fluxo alto ou normal (ausência de obstru-
sonda uretral, é necessário que se repitam as manobras ção); pressão detrusora alta e fluxo normal ou baixo
apenas com a sonda retal.20 As perdas podem ser tes- (obstrução); e pressão detrusora baixa com fluxo baixo
tadas a partir da infusão de 150 mL, mas muitas vezes (hipocontratilidade detrusora).
é necessário um volume maior e as pressões de perda Hipocontratilidade detrusora é diagnosticada
tendem a diminuir com volumes maiores. A DLPP
21
quando há uma força de contração diminuída, quando

307
o tempo de esvaziamento é prolongado ou quando ra.28 Em 2006, Akikwala e cols. compararam estes mé-
o esvaziamento é incompleto. Tem uma avaliação todos de diagnóstico em mulheres e encontraram boa
subjetiva e deve ser relacionada com o quadro clínico. concordância entre as avaliações videourodinâmicas e
Acontratilidade detrusora é quando não há os critérios de valores estabelecidos, mas descobriram
contração detrusora durante a urodinâmica. 12
que o nomograma de Blaivas e Groutz normalmente
Arreflexia detrusora tem sido usada em casos de superestima a presença de obstrução quando compa-
acontratilidade detrusora de causa neurológica.24 É im- rado aos outros métodos.29 A obstrução feminina não
portante frisar que estas condições devem ser avaliadas pode ser definida pelo nomograma da ICS ou os outros
juntamente com outros achados urodinâmicos e levan- porque subestima as obstruções, porque normalmente
do-se em consideração o quadro clínico do paciente. as mulheres urinam com menores pressões do que os
Há vários nomogramas criados para diagnosticar obs- homens.
trução em homens e vários estudos com valores e fór-
mulas diferentes de cálculos.25 Schafer, em 1995, des- Eletromiografia (EMG)
creveu um nomograma que avalia, além da obstrução Exame realizado através de eletrodos de superfície
uretral, a contratilidade do detrusor e é muito usado
ou de agulha que são colocados no períneo do paciente
nos dias de hoje, mas fica difícil fazer diagnóstico de
para identificar a despolarização muscular. Eletrodos
obstrução em face de uma diminuição da contratilidade
de superfície são mais confortáveis, porém promovem
do detrusor no nomograma da ICS e outros.26 Pacientes
sinais inferiores. Pacientes normalmente têm baixa to-
com obstrução podem ter também hiperatividade detru-
lerância a eletrodos de agulha.30
sora. Cerca de dois terços dos pacientes com queixas de
obstrução têm hiperatividade, que em torno de 50% a
67% apresenta melhora após tratamento da obstrução,
Videourodinâmica
É a única forma de avaliar a disfunção do colo
já que algumas alterações estruturais da bexiga podem
vesical e de confirmar disfunções esfincterianas
ser consequência da obstrução infravesical. O diag-
diagnosticadas à EMG e pode diferenciar os dois prin-
nóstico de obstrução em mulheres é controverso. No-
cipais tipos, que seriam uma obstrução de esfíncter ex-
mogramas feitos para homens não são aplicados para
terno com imagem de uretra em peão ou uma obstru-
mulheres porque a dinâmica de esvaziamento e a ana-
ção primária do colo vesical, onde à imagem ele não se
tomia são diferentes. Assim, pacientes serão considera-
abre, ou LUTS em homes jovens.27,28,31 A AUA/SUFU
das obstruídas de acordo com outras coisas associadas,
preconiza o uso de videourodinâmica para mulheres e
como quadro clínico de LUTS (lower urinary tract
symptoms), esvaziamento incompleto, ITU de repeti- homens jovens sem diagnóstico preciso da topografia

ção, e história de cirurgias anteriores para correção de da obstrução para diferenciar disfunções miccionais

incontinência ou de prolapsos vaginais. Nitti, em 1999, de obstrução primária do colo vesical.32 O guideline da
usou a fluoroscopia para avaliar obstrução e somente EAU reconhece a videourodinâmica como gold stan-
considerou obstruídas mulheres que tivessem obstru- dard para avaliar pacientes com disfunção miccional
ção uretral à imagem associada à presença de contração neurogênica.
detrusora sustentada de alta amplitude. Ele encontrou
uma grande diferença nos valores de mulheres obs- Aplicações clínicas da urodinâmica
truídas com relação às não obstruídas, porém revelou Na última década, vem-se interrogando a importân-
que os valores são imprecisos, necessitando de outros cia da urodinâmica em pacientes que têm IUE diagnos-
parâmetros para o diagnóstico, como a imagem.27 Em ticada ao exame físico e história típica.33-36 Alguns es-
2000, Blaivas e Grouts apresentaram um nomograma tudos sugerem que a urodinâmica não é imprescindível
para definir obstrução feminina e classifica as mulheres no pré-operatório do tratamento de IUE pura, quando
em não obstruídas, obstrução leve, moderada e seve- esta pode ser diagnosticada clinicamente. Porém, em

308
Urodinâmica

mulheres que têm IUE com sintomas mistos ou dificul- 6. Nitti VW. Cystometry and abdominal pressure monitoring. In:
Nitti VW, editor. Practical urodynamics. Philadelphia: Saunders;
dades de esvaziamento, a urodinâmica pode ser impor- 1998. p. 38-51.
tante.37 Na avaliação de LUTS em homens e mulheres, 7. Boone TB, Kim YH. Uroflowmetry. In: Nitti VW (editor). Practi-
a realização de um urofluxo pode auxiliar o acompa- cal urodynamics. Philadelphia: Saunders; 1998. p. 28-51.

nhamento desses pacientes.32 No guideline da AUA, 8. Nitti VW. Primary bladder neck obstruction in men and women.
Rev Urol 2005;7(Suppl. 8):S12-7.
recomenda-se que o estudo pressão/fluxo seja feito em
9. Holmdahl G, Hanson E, Hanson M et al. Four-hour voiding obser-
todos os pacientes que têm LUTS e irão submeter-se vation in healthy infants. J Urol 1996;156:1809-12.
a procedimento invasivo (Grau de recomendação B). 10. Latini JM, Mueller E, Lux MM, Fitzgerald MP, Kreder KJ. Void-
Deve-se ainda realizar a urodinâmica para avaliar a fa- ing frequency in a sample of asymptomatic American men. J Urol
2004 Sep;172(3):980-4.
lência do detrusor e a complacência, além da presença
11. Fitzgerald MP, Stablein U, Brubaker L. Urinary habits among
de hiperatividade detrusora (Grau de recomendação C). asymptomatic women. Am J Obstet Gynecol 2002 Nov;
Assim como nos homens, mulheres com deficiência de 187(5):1384-8.
12. Abrams P, Cardoza L, Fall M et al. The standardization of termi-
esvaziamento devem ser avaliadas com estudo pressão/
nology in lower urinary tract function: report from the standard-
fluxo, principalmente quando a causa da obstrução não ization subcommittee of the International Continence Society.
Neurourol Urodyn 2002;21:167-7.
é óbvia. Neste caso, a avaliação urodinâmica é a mais
13. Wyndaele JJ, De Wachter S. Cystometrical sensory data from a
importante para diagnóstico e acompanhamento dos
normal population: comparison of two groups of young healthy
pacientes. Sua importância consiste em avaliar a capa- volunteers examined with 5 years interval. Eur Urol 2002;42:34-
8.
cidade e complacência e prevenir uma lesão do TUS. O
14. Kageyama S, Watanabe T, Kurita Y et al. Can persisting detrusor
tratamento adequado desses pacientes depende do diag- hyperreflexia be predicted after transurethral prostatectomy for
nóstico, se existe hiperatividade ou se a complacência benign prostatic hypertrophy? Neurourol Urodyn 2000;19:233-
40.
está reduzida, e somente a urodinâmica pode nos dar
15. Al-Hayek S, Belal M, Abrams P. Does the patient’s position in-
essas informações. Alguns pacientes em que não se sus- fluence the detection of detrusor overactivity? Neurourol Urodyn
peita de altas pressões não necessitam de tratamento, 2008;27:279-86.
apenas de observação, como mulheres com esclerose 16. Sorensen S, Gregersen H, Sorensen SM. Long term reproducibil-
ity of urodynamic investigations in healthy fertile females. Scand
múltipla que têm bom esvaziamento, e pode-se iniciar a J Urol Nephrol Suppl 1988;114:35-41.
observação em alguns casos sem urodinâmica a princí- 17. Hosker G. Urodynamics. In: Hillard T, Purdie D, editors. The
pio, mas em casos neurológicos em que o tipo de lesão yearbook of obstetrics and gynaecology. London: RCOG Press;
2004. p. 233-54.
pode causar danos, como os TRM (traumatismo raqui-
18. van Waalwijk van Doorn ES, Remmers A, Janknegt RA. Conven-
medular) e mielomeningocele, a avaliação urodinâmica tional and extramural ambulatory urodynamic testing of the lower
é essencial (Bomalaski 1995).20,38,39 urinary tract in female volunteers. J Urol 1992;147:1319-26.
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309
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310
SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 46
Neurourologia

Fernando Gonçalves de Almeida


• Fase de ESVAZIAMENTO = parassimpática
Introdução
Para entender as alterações miccionais neurogê- • Ambas as fases podem ser inibidas ou ativadas
nicas, é necessário entender a fisiologia normal do voluntariamente (somático)
aparelho urinário inferior. Resumidamente, a micção O funcionamento do trato urinário inferior é um
é um processo fisiológico coordenado, que se inicia dos mais complexos do corpo humano com relação ao
pelo enchimento vesical, passa pelo armazenamento comando neuronal. O trato urinário inferior é o único
em um sistema de baixa pressão, modulado por estí- sistema inervado pelo sistema nervoso autonômico
mulos excitatórios e inibitórios dos sistemas nervo- que pode ser controlado voluntariamente. Essa inte-
sos simpático, parassimpático e somático, culminan- gração entre sistema nervoso autônomo e somático é
do com o esvaziamento vesical (micção) completo que gera a grande complexidade do sistema.
de forma sinérgica, sob baixas pressões com resíduo
pós-miccional mínimo ou desprezível.
O aparelho urinário inferior tem como função
Pontos importantes sobre a
armazenar e eliminar a urina. Assim, as disfunções inervação do trato urinário
podem ocorrer na fase de armazenamento e/ou de es- Inervação simpática
vaziamento.
Na fase de enchimento da bexiga, o relaxamen- • Nervos hipogástricos - T10-L2 da medula

to muscular do detrusor está associado a ausência do • Ativos durante fase de armazenamento - fecha-
estímulo excitatório parassimpático e ação simpáti- mento do colo vesical e uretra e relaxamento
ca por meio de receptores beta-adrenérgicos, princi- vesical
palmente no terço inferior da bexiga. O aumento da • No colo vesical e uretra proximal – receptores
resistência uretral ocorre devido ao reflexo somático alfa-1
denominado “reflexo de guarda”, o qual aumenta o
• Na musculatura vesical – receptores beta-3
tônus do esfíncter estriado com o enchimento vesical
e atuação simpática, aumentando a resistência do es-
Inervação parassimpática
fíncter liso localizado no colo vesical.
A fase de esvaziamento vesical (micção) ocorre • Nervos pélvicos - S2-S4 da medula
por meio do relaxamento esfincteriano a partir da ini-
• Ativos na fase de esvaziamento vesical
bição das fibras somáticas e da atividade simpática no
• O neurotransmissor pós-ganglionar é a acetilco-
colo vesical e na bexiga associada a contração detru-
lina
sora por meio de ativação das vias parassimpáticas.
A inervação somática responsável por comandar Na musculatura detrusora, os principais recepto-
a musculatura estriada do esfíncter uretral está loca- res muscarínicos relacionados a função de contração
lizada no núcleo de Onuf (centro sacral da micção detrusora são M3. Na bexiga os receptores M2 estão
localizado no corno anterior da medula a nível de S2- presentes em maior quantidade que M3, mas atuam
S4). Fibras somatomotoras do nervo pudendo chegam provavelmente de forma indireta, inibindo a ação dos
ao esfíncter uretral sem conexão com gânglios peri- receptores M3.
féricos.
Em resumo: Inervação somática
Nervos pudendos - segmentos S2-S4 da medula.
• Trato urinário inferior - Simpático, parassimpá-
Contração voluntária e reflexa do esfíncter uretral
tico e somático
estriado e do assoalho pélvico. O neurotransmissor é
• Fase de ARMAZENAMENTO = simpático a acetilcolina, agindo sobre os receptores nicotínicos

312
Neurourologia

do esfíncter estriado. • Paralisia cerebral;

• AVC de tronco cerebral;


Bexiga neurogênica
• Demência;
O termo bexiga neurogênica é frequentemente uti-
lizado de maneira errônea para se referir a uma dis- • Tumor cerebral;
função do aparelho urinário inferior (AUI). Assim,
• Lesão encefálica traumática;
esse termo somente deveria ser utilizado quando a
causa (gênese) da disfunção do trato urinário fosse
Lesão acima do centro pontino
nitidamente neurológica.
da micção e acima de S2
Da mesma forma, a referência “bexiga neurogê-
Pacientes com lesões agudas completas da medula
nica” é muito vaga, significando bexiga de origem
espinhal abaixo do centro pontino da micção e aci-
neurológica, o que não faz sentido algum. Sem a indi-
cação do problema que está acometendo a bexiga ou ma de S2 tendem a evoluir com choque medular que
o AUI, essa expressão não faz sentido. Assim, o uso pode durar até 6 meses – nesse período, esses pacien-
correto seria bexiga hiperativa ou arreflexa de origem tes apresentam arreflexia vesical. Após esse período,
neurogênica. a lesão das vias corticais que atuam como supressoras
As alterações dos pacientes portadores da bexiga do reflexo sacral da micção levam ao surgimento da
neurogênica podem manifestar-se por meio de peque- hiperatividade detrusora. Como a lesão está abaixo do
nas alterações de sensibilidade até extremos, como a tronco cerebral, que é responsável pela coordenação
dissinergia vesicoesfincteriana. da micção (ou seja, sinergia), o paciente pode evoluir
Didaticamente, podemos dividir os problemas com dissinergia vesicoesfíncteriana. A sensibilidade e
neurológicos levando a alteração do trato urinário em função do esfíncter estriado voluntário são geralmen-
algumas situações: te preservadas, a sensibilidade vesical tende a estar
ausente.
Lesão acima do centro pontino Aqueles com lesões acima de T6 da medula es-
da micção (CPM)
pinhal podem apresentar quadro de disreflexia auto-
Lesões neurológicas acima da ponte têm grande
nômica - descarga simpática exacerbada gerando hi-
potencial de afetar as vias corticais que atuam como
pertensão, cefaleia, sudorese, vasodilatação cutânea e
supressoras do reflexo sacral da micção. Desta forma,
facial, associada a bradicardia vagal.
geralmente resultam em hiperatividade detrusora as-
sociada ou não a incontinência urinária. Como a lesão
Lesão medular o periférica abaixo de S2
está acima do tronco cerebral, que é responsável pela
Pacientes com trauma da medula espinhal ou raí-
coordenação da micção (ou seja, sinergia), a sinergia
zes sacrais, assim como com comprometimento abai-
esfincteriana tende manter-se preservada. Sensibi-
xo do nível da medula espinhal S2 tendem a evoluir
lidade e função do esfíncter estriado voluntário são
geralmente preservadas, a sensibilidade vesical pode com arreflexia do detrusor. Se a lesão for extensa aco-
apresentar algum grau de diminuição. metendo todo o segmento S2-S4 o paciente tende a
Arreflexia do detrusor pode ocorrer de forma tran- evoluir com hipo/atonia esfincteriana e acontratilida-
sitória logo após a lesão, podendo durar até três me- de detrusora.
ses, nesse período a avaliação urodinâmica é inútil. Homens nessa situação tendem a manter a conti-
nência por ação simpática no colo vesical (T10-L2).
Exemplos de lesões suprapontinas:
Se após a lesão for submetido a RTU-P ficará inconti-
• Acidente vascular encefálico; nente. Nas mulheres o colo vesical é menos eficiente
• Doença de Parkinson; e a incontinência é mais provável.

313
dissinergia vesicoesfincteriana
Resumo das lesões do SNC e
consequências mais prováveis para • Lesão acima do CPM - Hiperatividade detrusora
com sinergismo vesicoesfincteriano.
a função do trato urinário inferior
• Lesão S2-S4 ou distal - Atonia vesicoesfincteriana
Referência recomendada
• Lesão entre S2 e CPM - Hiperatividade detrusora 1. Wein AJ. Pathophysiology and Classification of Lower Urinary
com dissinergia vesicoesfincteriana Tract Dysfunction: Overview. IN: Wein A, Kavoussi LR, Partin
AW, Peters CA, editors. Campbell’s urology. 11. Ed. Philadelphia:
• Lesão do CPM - Hiperatividade detrusora com W.B. Saunders; 2016.

314
SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 47
Bexiga hiperativa/
incontinência
de urgência
Thiago Souto Hemerly
Alberto Antonio de Hollanda Ferreira Neto
João Victor Teixeira Henriques
o número de receptores de membrana e alterar o potencial
Introdução de membrana destas células, deixando-as hiperexcitáveis.3
A bexiga hiperativa (BH) é definida pela International
A hipótese integrativa baseia-se no fato de que o uro-
Continence Society (ICS) pelos sintomas de urgência mic-
télio e as células suburoteliais desempenham papel impor-
cional, geralmente associados ao aumento da frequência
tante na atividade de armazenamento e esvaziamento vesi-
urinária e noctúria, associada ou não à presença de urge-
cal. Elas possuem propriedades sensoriais e de sinais que
incontinência, na ausência de infecções do trato urinário ou
respondem ao meio químico e físico que as envolvem. A
outras patologias que possam causar essa sintomatologia.1
proximidade das células intersticiais com as terminações
Portanto, a BH é uma síndrome onde vários sintomas
das fibras nervosas sugere que haja um papel na transdu-
de trato urinário inferior podem coexistir, tendo como
ção e regulação dos sinais.4
principal manifestação a urgência miccional, que segundo
A hipótese neurogênica afirma que as contrações de-
a ICS é a necessidade imperiosa e inadiável de urinar.1
trusoras involuntárias são provocadas por estímulos neuro-
A grande heterogeneidade dos sintomas e o subdiag-
nais. Isso pode ocorrer por dano ao cérebro com diminui-
nóstico tornam difícil estimar com precisão a prevalência
ção da inibição suprapontina, por dano na medula espinhal
e a incidência da BH, mas a BH é uma doença prevalente,
permitindo a ocorrências de arcos reflexos primitivos ve-
com efeitos importantes na qualidade de vida dos pacien- sicais e por plasticidade neuronal com aparecimento de
tes afetados e com importante impacto econômico. novos reflexos desencadeados pelas fibras aferentes neu-
Os dois principais estudos epidemiológicos sobre o as- ronais tipo C.5
sunto mostraram os seguintes dados:
• EPIC: Estudo realizado com aproximadamente
19.000 participantes, com taxa de prevalência global Avaliação clínica e diagnóstico
de 11,8% e taxas similares entre os sexos. A preva- O diagnóstico de BH é essencialmente clínico e está
lência foi maior com a idade, chegando a atingir 56% apoiado na avaliação dos sintomas apresentados pelo pa-
das mulheres entre 40-59 anos.2 ciente, associado à exclusão de outras condições que pos-
• NOBLE (National Overactive Bladder Evaluation): sam justificar o quadro. A avaliação inicial se dá através da
Estudo realizado nos Estados Unidos, com aproxi- história clínica, exame físico e análise de urina.6
A anamnese deve incluir a pesquisa de sinais e sinto-
madamente 5.200 pacientes, mostrou uma prevalên-
mas do trato urinário inferior, como urgência, urgeincon-
cia total de 16%, também com taxas semelhantes en-
tinência, noctúria, frequência urinária aumentada, disúria,
tre homens e mulheres. A presença de incontinência
hematúria e dor em baixo ventre. A utilização de questio-
urinária associada a sintomas de urgência foi mais
nários validados pode ser útil para a avaliação quantitativa
comum em mulheres em todos os grupos etários.
dos sintomas e evolução durante o curso do tratamento.
Entre os questionários mais utilizados estão o Urogenital
Etiologia e fisiopatologia Distress Inventory (UDI) e o Overactive Bladder Ques-
As causas da BH ainda não são totalmente esclareci- tionnaire (OAB-q).7
das, mas provavelmente têm origem multifatorial. Uma É importante conhecer os hábitos relacionados à
das grandes dificuldades na investigação de suas causas é ingesta hídrica do paciente, a quantidade e o tipo de
a dificuldade em realizar pesquisas em modelos animais, bebidas ingeridas durante o dia, uma vez que podem in-
pela impossibilidade de avaliação de sintomas subjetivos. fluenciar nos padrões de micção e mimetizar sintomas de
O funcionamento normal da bexiga depende de uma bexiga hiperativa. Os diários miccionais são ferramentas
interação complexa entre o sistema nervoso e a fisiologia muito úteis. Permitem uma avaliação objetiva dos sinto-
celular vesical. Contrações involuntárias do detrusor po- mas no início do acompanhamento e possibilitam avaliar
dem originar-se de uma excitabilidade celular aumentada a eficácia das intervenções terapêuticas (comportamentais
do próprio detrusor (teoria miogênica); de outras células e medicamentosas). Deve ser realizado antes do início do
(integrativa) ou do sistema nervoso (neurogênica). tratamento, durante três a sete dias.
A teoria miogênica estabelece que alterações da mus- Pesquisar comorbidades é extremamente importante na
culatura lisa do detrusor, provocadas por obstrução infra- medida em que essas condições podem afetar diretamente
vesical e envelhecimento, por exemplo, podem aumentar a função vesical. Com atenção especial às doenças neu-

316
Bexiga hiperativa/incontinência de urgência

rológicas, deficiências de mobilidade, diabetes mellitus, durante a cistometria, reproduzindo sintomas de urgência
distúrbios da motilidade fecal (incontinência fecal/consti- miccional. No entanto, até 40% dos pacientes com BH po-
pação), dor pélvica crónica, história de infecções urinárias dem ter estudo urodinâmico normal.8
recorrentes, hematúria macroscópica, cirurgias pélvicas ou
vaginais prévias, neoplasias e radiação pélvica.
Tratamento
Exame físico direcionado também deve ser realizado.
Por ser uma doença crônica e altamente prevalente, o
É necessária avaliação abdominal para procurar cicatrizes,
tratamento tem como principal objetivo aliviar os sinto-
massas, hérnias e áreas de sensibilidade, bem como uma
mas, gerando uma melhor qualidade de vida ao paciente.
distensão suprapúbica que pode indicar retenção urinária.
É importante que o paciente saiba os riscos e benefícios
Deve ser realizado também um exame neurológico dirigi-
de cada tratamento, evitando que haja expectativas irreais
do para pesquisa da inervação sacral, principalmente de
e frustrações. O tratamento atual é dividido em três linhas
S2 a S4. Fazem parte dessa avaliação o reflexo bulboca-
de tratamento.9
vernoso, a pesquisa de sensibilidade perineal e a pesquisa
do tônus anal. Primeira linha – Medidas comportamentais
A análise de urina para exclusão de infecção e pesquisa e fisioterapia do assoalho pélvico
de hematúria é obrigatória. Cultura de urina, por sua vez, As terapias comportamentais são consideradas trata-
deve ser realizada à critério do médico assistente ou após mentos de primeira linha, pois são capazes de diminuir
suspeita de infecção urinária. os sintomas sem apresentar praticamente nenhum risco ao
O resíduo pós-miccional deve ser avaliado em pacientes paciente. Devem ser oferecidas a todos os pacientes com
com sintomas obstrutivos, história de incontinência ou ci- bexiga hiperativa. A associação das diferentes terapias pa-
rurgia prostática, e em pacientes com doenças neurológicas. rece ter maior eficácia que isoladamente.9
A avaliação através do estudo urodinâmico não deve Há evidências de que a perda de peso, diminuição da
ser realizada de forma rotineira, estando indicada para os ingesta hídrica, tratamento da constipação intestinal, a prá-
casos de falha terapêutica ou em pacientes considerados tica de exercícios físicos regulares e a cessação do taba-
complicados, como os que possuem doença de origem gismo são medidas eficazes no controle dos sintomas. A
neurogênica. A principal alteração a ser observada é a pre- redução da ingestão de cafeína foi associada a diminuição
sença de contrações detrusoras involuntárias (Figura 1) dos episódios de urgência.

Figura 1. Cistometria mostrando a presença de contrações involuntárias do detrusor.

317
O treinamento vesical consiste num regime de micção é permanente, necessitando de reaplicações por volta de 6
programada com intervalos de micção gradualmente ajus- meses. Os pacientes devem ser orientados quanto ao risco de
tados de acordo com o quadro clínico de cada paciente. necessitarem de cateterismo intermitente após a aplicação.14
Tem por objetivo aumentar o intervalo entre as micções e Neuromodulador sacral: Implante de um eletrodo de
melhorar o controle dos episódios de urgência. forma percutânea guiada por fluoroscopia no forâmen sa-
A reabilitação do assoalho pélvico pode ser realizada cral ao longo do trajeto de S3. Possui como principal van-
através de treinamento da musculatura pélvica, biofeedba- tagem a maior duração dos seus efeitos quando compara-
ck ou eletroestimulação neuromuscular e tem como princi- dos à toxina botulínica e como desvantagem, o custo ainda
pal objetivo a recuperação do controle inibitório durante a elevado do aparelho.15
fase de enchimento vesical.10 A estimulação elétrica do nervo tibial posterior é outra
modalidade de neuromodulação e baseia-se na excitação
Segunda linha – Tratamento medicamentoso
elétrica do centro sacral da micção através do plexo sacral
Os antimuscarínicos são as drogas mais utilizadas no
S2-S4 após a estimulação desse nervo.
tratamento da bexiga hiperativa e devem ser utilizadas
após a falha do tratamento conservador. Atuam inibindo
os receptores muscarínicos da acetilcolina na musculatura Referências
1. Abrams P, Cardozo L, Fall M, Griffiths D, Rosier P, Ulmsten U et al.
lisa do detrusor, evitando sua contração. Os principais re- The standardisation of terminology of lower urinary tract function:
ceptores muscarínicos na bexiga são os subtipos M2 e M3. report from the Standardisation Sub-committee of the International
Continence Society. Neurourol Urodyn 2002;21(2):167-78.
Não existem diferenças significativas em eficácia entre 2. Irwin DE, Milsom I, Hunskaar S, Reilly K, Kopp Z, Herschorn S et al.
Population-based survey of urinary incontinence, overactive bladder,
os antimuscarínicos disponíveis, porém eles apresentam and other lower urinary tract symptoms in five countries: results of the
variações quanto aos seus efeitos adversos, que podem in- EPIC study. Eur Urol 2006;50(6):1306-14; discussion 14-5.
3. Michel MC, Chapple CR. Basic mechanisms of urgency: roles and
cluir: boca seca, constipação intestinal, xeroftalmia, visão benefits of pharmacotherapy. World J Urol 2009;27(6):705-9.
turva, retenção urinária e déficit cognitivo.11,12 4. Drake MJ, Mills IW, Gillespie JI. Model of peripheral autonomous
modules and a myovesical plexus in normal and overactive bladder
Os antimuscarínicos mais utilizados no Brasil são a oxi- function. The Lancet 2001;358(9279):401-3.
butinina, tolterodina e solifenacina, mas existem outros me- 5. de Groat WC, Yoshimura N. Anatomy and physiology of the lower
urinary tract. Handb Clin Neurol 2015;130:61-108.
nos utilizados como darifenacina, trospium e fesoterodina. 6. White N, Iglesia CB. Overactive bladder. Obstet Gynecol Clin North
Recentemente foi aprovado pelo FDA e ANVISA um Am 2016;43(1):59-68.
7. <Overactive Bladder.pdf>.
agonista B3 adrenérgico, a mirabegrona, para tratamento
8. Chapple CR, Artibani W, Cardozo LD, Castro-Diaz D, Craggs M,
da BH. Essa droga funciona se ligando aos receptores B3 Haab F et al. The role of urinary urgency and its measurement in the
overactive bladder symptom syndrome: current concepts and future
adrenérgicos no detrusor, ocasionando relaxamento de sua prospects. BJU Int 2005;95(3):335-40.
musculatura. Podem ser utilizados de forma isolada nos 9. Gormley EA, Lightner DJ, Faraday M, Vasavada SP, American Uro-
logical A, Society of Urodynamics FPM. Diagnosis and treatment of
pacientes com intolerância ao uso de anticolinérgicos ou overactive bladder (non-neurogenic) in adults: AUA/SUFU guideline
de forma combinada como tentativa de aumentar a melho- amendment. J Urol 2015;193(5):1572-80.
10. Burgio KL. Update on behavioral and physical therapies for inconti-
ra dos sintomas. O efeito adverso mais comum da droga é nence and overactive bladder: the role of pelvic floor muscle training.
a hipertensão (7,3%).13 Curr Urol Rep 2013;14(5):457-64.
11. <Limitations of anticholinergic cycling in patients with overactive
bladder (OAB) with urinary incontinence (UI)- results from the CON-
Terceira linha – Toxina botulínica e sequences of Treatment Refractory Overactive bLadder (CONTROL)
Neuromodulação sacral ou periférica study.pdf>.
12. Rai BP, Cody JD, Alhasso A, Stewart L. Anticholinergic drugs versus
Devem ser utilizados nos pacientes com BH refratária non-drug active therapies for non-neurogenic overactive bladder syn-
drome in adults. Cochrane Database Syst Rev 2012;12:CD003193.
ao tratamento conservador e medicamentoso, não havendo
13. Abrams P, Kelleher C, Staskin D, Rechberger T, Kay R, Martina R
consenso atual sobre qual das opções abaixo deve ser a et al. Combination treatment with mirabegron and solifenacin in pa-
tients with overactive bladder: efficacy and safety results from a ran-
ordem de utilização das opções abaixo: domised, double-blind, dose-ranging, phase 2 study (Symphony). Eur
Toxina botulínica: é realizada através da aplicação no de- Urol 2015;67(3):577-88.
14. Hsiao SM, Lin HH, Kuo HC. Factors Associated with Therapeutic
trusor com auxílio de cistoscópio e agulha própria. A dose Efficacy of Intravesical OnabotulinumtoxinA Injection for Overactive
recomendada para bexiga hiperativa de causa não neurogêni- Bladder Syndrome. PLoS One 2016;11(1):e0147137.
15. Noblett K, Siegel S, Mangel J, Griebling TL, Sutherland SE, Bird ET
ca é de 100U. Devem ser realizadas 20-30 aplicações evitan- et al. Results of a prospective, multicenter study evaluating quality of
do-se o trígono vesical. Age inibindo a liberação da acetilco- life, safety, and efficacy of sacral neuromodulation at twelve months
in subjects with symptoms of overactive bladder. Neurourol Urodyn
lina na fenda sináptica. A resposta é satisfatória, porém não 2016;35(2):246-51.

318
SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 48
Fístulas urinárias

Cássio Luís Zanettini Riccetto


Mariana Bertoncelli Tanaka
Fístulas urinárias são comunicações não anatômicas trógrada e miccional (UCM), e lesões associadas de trato
entre o trato urinário e outros órgãos ou com o meio ex- urinário superior devem ser descartadas, seja por urografia
terno. Em sua maioria são de origem iatrogênica, mas excretora ou por tomografia com contraste (até 10% das
também podem ser secundárias a trauma, neoplasias, ra- FVVs apresentam lesão concomitante de ureter, resultando
dioterapia, processos inflamatórios/infecciosos, pós-parto, em fístula ou estenose).
relacionadas com malformações congênitas, entre outros. Nos casos com neoplasia pélvica prévia, é mandatória
Abordaremos neste capítulo as fístulas relacionadas a realização de biópsia pré-tratamento, para afastar recidi-
ao trato urinário inferior: fístula vesicovaginal (FVV), va tumoral, a qual deverá ser tratada antes da correção da
ureterovaginal (FUV), vesicouterina (FVU), uretrovaginal fístula, caso presente.
e as relacionadas a radioterapia (RTx). O tratamento para a FVV deve ser escolhido com base
A abordagem terapêutica destes defeitos é complexa na avaliação pré-operatória e expertise do cirurgião. Assim,
e vários fatores agravantes devem ser considerados, tais fístulas únicas de até 3 mm, especialmente se diagnostica-
como: estado nutricional; obstrução urinária associada; in- das precocemente, podem ser tratadas de forma conservado-
fecção; presença de neoplasia e de corpos estranhos. Todos ra, por meio de cateterismo urinário de longa permanência
estes devem ser tratados no pré-operatório, para que se ob- (três semanas, em média) com ou sem fulguração do trato
tenha o sucesso do tratamento das fístulas urinárias. fistuloso. Nas demais situações, é indicado o tratamento ci-
De modo geral, o tratamento das fístulas urinárias deve rúrgico, seja por acesso vaginal ou abdominal, a depender
respeitar os seguintes princípios técnicos: da localização, envolvimento ureteral e treinamento especí-
• exposição adequada da fístula e desbridamento das fico do cirurgião. Nesse sentido, o acesso laparoscópico ou
áreas isquêmicas e desvitalizadas; robótico representam avanços visando diminuir a morbida-
de, acelerar a recuperação pós-operatória.
• dissecção cuidadosa dos planos anatômicos;
O emprego de um retalho pediculado representa estratégia
• retirada de materiais sintéticos ou corpos estranhos, importante nas FVVs e faz-se mister o conhecimento acerca
caso presentes; de sua obtenção e aplicação adequadas. Seu uso é recomen-
• suturas sem tensão, não sobrepostas, em múltiplos dado particularmente no tratamento de fístulas complexas,
planos e impermeabilizantes recidivadas, pós-radioterapia e nas fístulas obstétricas .
• emprego de retalhos bem vascularizados; A seguir um algoritmo do diagnóstico e do tratamento
da FVV (Figura 1, Tabela 1).
• adequada revisão da hemostasia;
• drenagem pós-operatória adequada; Figura 1. Algoritmo de investigação das FVVs.
• tratamento e prevenção de infecção. Suspeita de FVV
Na definição do acesso cirúrgico devem ser considera-
dos: localização, relação com outros defeitos anatômicos, Quadro clínico + exame físico + teste corantes
trofismo dos tecidos adjacentes (principalmente pós-RTx)
bem como a expertise do cirurgião. A seguir, serão apre- Identificação da fístula

sentadas de forma concisa as particularidades da etiologia,


diagnóstico e tratamento de cada tipo de fístula. Sim Não

Cistoscopia (biopsia s/n) UCM, TC, RN


Fístula vesicovaginal
As FVVs caracterizam-se por ausência de micção e são Avaliação lesão ureteral FW presente FW ausente
as mais prevalentes do trato urinário (>75% dos casos).
Sua causa é vinculada a fatores socioeconômicos, de tal Presente Ausente Investigaçãode FVU
forma que, em países desenvolvidos, relaciona-se com le-
são iatrogênica durante histerectomia, enquanto em paí- Correção da FVV Correção Presente Ausente
e da lesão ureteral da FVV
ses em desenvolvimento relaciona-se predominantemente
com obstrução no trabalho de parto. Seu diagnóstico é Correção Avaliar
da FVU outras causas
confirmado por cistotomografia ou uretrocistografia re-

320
Fístulas urinárias

Tabela 1. Principais aspectos da abordagem vaginal versus abdominal das FVV.

Vaginal Abdominal/Laparoscópica

Dificuldade Fístulas na cúpula vaginal, atrofia e estenose vaginal Fístulas infratrigonais e próximas do colo vesical; pacien-
de acesso tes obesas

Envolvimento Somente implante de cateter duplo J Permite reimplante ureteral se necessário


ureteral

Retalhos Retalho de fibroadiposo do grande lábio (Martius); de Retalho de omento; de peritônio; de parede vesical; do
disponíveis peritônio; miocutâneo do músculo grácil; ou glúteo músculo reto abdominal
máximo

Comprimento Pode haver redução, especialmente quando do uso Menor alteração do comprimento vaginal
vaginal de retalho de parede vaginal

Recuperação Mais rápida Mais demorada


pós-operatória

Indicações Fístulas não complicadas e distais; associação com Fístulas complexas; necessidade de abordagem de outros
(relativas) prolapsos vaginais órgãos pélvicos

teral e da tensão de aproximação entre as estruturas.


Fístula ureterovaginal Nas fístulas que envolvem o ureter distal, o reimplan-
As fístulas ureterovaginais (FUVs) têm causa predo-
te ureteral se mostra a melhor opção, podendo-se optar
minantemente iatrogênica, em especial após a histerecto-
por técnicas intra ou extravesicais antirrefluxivas (Poli-
mia abdominal não oncológica. Lesões intraoperatórias de
tano-Leadbetter, de Luc ou Lich-Gregoir modificado), a
ureter, especialmente em ressecções oncológicas extensas,
depender da expertise do cirurgião. Se houver suspeita de
pós-radioterapia ou associadas a processo inflamatório
tensão no reimplante primário, técnicas como de bexiga
crônico (ex.: endometriose) são relativamente comuns.
psoica ou retalho de Boari devem ser empregadas. Nesse
Podem ocorrer por emprego excessivo do eletrocautério
caso, deve-se considerar o risco de disfunção miccional
durante a hemostasia, secção direta ou ligadura e conse-
pós-cirúrgica em até 20% das pacientes. Em casos com
quente isquemia do ureter. A identificação intraoperató-
comprometimento extensor da vitalidade ureteral, a in-
ria da lesão ureteral e seu reparo, em geral por meio de
terposição intestinal, transureteroureterostomia, ou até
reimplante ureterovesical ou ureteroplastia, corresponde
mesmo a nefrectomia poderão ser indicadas.
à principal conduta no sentido de evitar o surgimento da
A seguir um algoritmo do diagnóstico e do tratamento
uma fístula. da FUV (Figura 2).
O quadro clínico da FUV consiste em incontinência
urinária constante, porém com manutenção da micção à Figura 2. Algoritmo de investigação das FUV.
custa do ureter contralateral normal. Suspeita de FUV
A identificação da lesão pode ser realizada através de
urografia excretora, tomografia de abdome com contraste Excluir FVV (UCM, TC, cistoscopia)

ou ureteropielografia retrógrada, nos casos de dificuldade


Confirmação diagnóstica (TC, ureteropielografia)
diagnóstica. Quando houver patência da luz ureteral, é
possivel propor o tratamento endourológico, por meio do
Tentativa de implante de cateter duplo J
implante de um cateter duplo J, que deverá ser mantido
por quatro a seis semanas. No insucesso do tratamento
Sucesso Insucesso
endourológico, ou quando não for possível o implante
de catater duplo J por obstrução completa, opta-se pela Reavaliar após 4-6 semanas
abordagem cirúrgica. A técnica selecionada depende da
localização da lesão ureteral, da vitalidade do tecido ure- Resolução Persistência da fístula Correção cirúrgica

321
incontinência urinária intermitente ou constante nas lesões
Fístula vesicouterina proximais.
Fístulas vesicouterinas (FVUs) são causadas princi-
O diagnóstico é realizado pelo exame físico, uretrocis-
palmente por parto cesárea. O quadro clínico clássico é a
toscopia e UCM, sendo importante afastar concomitância
chamada síndrome de Youssef, caracterizada por menúria
com FVV (pode ocorrer em até 20% dos casos).
e hematúria cíclicas associadas com pseudoamenorreia.
A correção cirúrgica da fístula uretrovaginal costuma
Caso a fístula seja proximal à cérvix uterina, e esta seja
ser desafiadora, em virtude da ausência de tecido conjunti-
competente, não haverá incontinência urinária. De forma
vo na topografia da uretra média e distal, necessitando fre-
contrária, nas fístulas localizadas na cérvix uterina, poderá quentemente de interposição de retalhos, sendo o retalho
haver incontinência e o quadro clínico assemelhar-se ao de Martius o mais utilizado.
de uma FVV.
O diagnóstico é feito pela UCM ou cistotomografia e
cistoscopia, mas depende do alto grau de suspeição clínica. Fístula pós-radioterapia
TC (tomografia computadorizada) com contraste e e RNM A radioterapia pélvica costuma ser responsável pelas
(ressonância nuclear magnética) também podem colaborar fístulas mais complexas e de mais difícil tratamento. Seu
aparecimento pode ocorrer desde semanas até muitos anos
na avaliação pré-operatória.
após tratamento oncológico, sendo que doses acima de 50
As possibilidades terapêuticas incluem antiestrogê-
Gy relacionam-se com risco elevado de endarterite oblite-
nicos associados com cateterismo vesical prolongado ou
rante e consequente isquemia local. A avaliação meticulosa
abordagem cirúrgica. As expectativas quanto a gestações
pré-operatória é mandatória, em virtude da complexidade
futuras devem ser consideradas na definição da técnica
dos casos e do risco de recidiva tumoral. UCM, cistotomo-
cirúrgica, que eventualmente pode incluir histerectomia.
grafia, cistoscopia e biópsia são essenciais, e TC e RNM
Nos casos em que a prole da paciente esteja constituída,
podem colaborar com avaliação mais acurada do trato uri-
realiza-se histerectomia abdominal, correção da FVU e
nário superior e da pelve, respectivamente.
interposição de um retalho entre o coto vaginal e a bexiga.
A abordagem cirúrgica majoritariamente se faz por
Nos casos de preservação uterina, habitualmente é realiza-
acesso abdominal, pela dificuldade de acesso vaginal (va-
do acesso transvesical e, após reparo dos defeitos, um re-
ginite actínica), associação de mais de um defeito (mais de
talho (por exemplo, de peritônio ou omento) também deve
uma fístula ou estenose ureteral) e necessidade de emprego
ser interposto.
de tecido não irradiado na reconstrução do trato urinário.
Caso o comprometimento vesical e a cistite actínica sejam
Fístula uretrovaginal muito importantes, deve-se considerar, em conjunto com a
Assim como as FVV, há duas grandes vertentes na paciente, a possibilidade de derivação urinária definitiva,
etiologia da fístula uretrovaginal, sendo o parto vaginal continente ou incontinente, constituída preferencialmente
obstruído a principal causa em países em desenvolvimento, com o cólon transverso, que corresponde ao segmento in-
e o trauma cirúrgico (correção de ambiguidade genital, ci- testinal habitualmente menos irradiado.
rurgia anti-incontinência ou para correção de divertículos
uretrais) ou radioterapia nos países industrializados. Referências recomendadas
A sintomatologia da fístula uretrovaginal depende de 1. Campbell-Walsh Urology. Eleventh edition. Wein AJ (Editor-in-
-chief). Kavoussi LR, Partin AW, Peters CA (Editors). Elsevier.
sua localização, podendo ser assintomática ou oligos­
2. http://uroweb.org/wp-content/uploads/EAU-Guidelines-Urinary-In-
sintomática (micção vaginal em fístulas da uretra média continence-2015.pdf.
e jato disperso em fístulas da uretra distal) ou apresentar 3. https://www.ics.org/Publications/ICI_5/INCONTINENCE.pdf.

322
SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 49
Prolapsos de
órgãos pélvicos

Miriam Dambros Lorenzetti


Fábio Lorenzetti
Fabio Thadeu Ferreira
consequente privação hormonal sobre os riscos de prolap-
Introdução so, visto que essas mulheres normalmente já possuem uma
A anatomia da pelve feminina é uma área desafiadora
idade mais avançada. Da mesma forma, não há consenso
para o médico urologista. As peculiaridades desta região,
sobre a terapia de reposição hormonal ser um fator protetor
bem como as doenças que a acometem, ainda encontram
na promoção de prolapsos.
barreiras importantes para sua ampla compreensão. Den-
Alguns fatores genéticos são implicados como fator de
tre as diversas alterações que podem acometer a cavidade
risco. Pacientes com síndrome de Marphan ou Ehlers-Dan-
pélvica, os prolapsos dos órgãos pélvicos (POPs) possuem
los têm maior incidência de prolapsos. Porém, até o mo-
alta prevalência e afetam a qualidade de vida das mulheres.
mento, não foi encontrado um gene específico associado.
A profusão de técnicas cirúrgicas para a correção dos
Mulheres negras e asiáticas têm uma incidência menor de
POPs que surgiram nas últimas décadas, bem como o desen-
prolapsos. Cirurgias pélvicas prévias, bem como doenças
volvimento de novos materiais sintéticos utilizados nestes
neurológicas graves podem ser vistas como fatores de ris-
procedimentos, são evidências da grande relevância desta
co para PP.
doença para a prática clínico-cirúrgica do século XXI.
A relação entre os prolapsos pélvicos e a gravidez ain-
Apesar do aumento de casos diagnosticados e o surgi-
da é controversa e vem sendo estudada nos últimos anos. É
mento de bons estudos nesta área, o conhecimento cientí-
natural que se correlacione a passagem do feto pelo canal
fico ainda é deficitário. O uso de métodos de classificação
de parto com a lesão e/ou frouxidão ligamentar do períneo.
objetivos, que auxiliam no diagnóstico e na decisão tera-
Isso geraria aumento nos riscos de se desenvolver PP. De
pêutica, tem ampla utilidade para os profissionais que se
fato, existe uma relação direta entre o número de gestações
dedicam na correção dos prolapsos.
e prolapsos, podendo aumentar o risco de 4 a 11 vezes.
Entretanto, não há consenso entre prolapso e a via de par-
Definição to. Ressalta-se que alguns estudos não demonstram fator
Os prolapsos dos órgãos pélvicos são definidos como o protetor do parto cesariano frente ao vaginal. Os estudos
descenso de uma ou mais das seguintes estruturas: parede sobre o parto com fórceps são esparsos e inconclusivos.
anterior da vagina, parede posterior vaginal, útero (colo), Episiotomia pode ser um fator protetor, porém, mais uma
ápice ou cúpula vaginal e sintomas associados. Os sinto- vez, faltam estudos para corroborar esta afirmação. Por ou-
mas podem variar com o grau e localização do prolapso e tro lado, o peso fetal e o parto de crianças macrossômicas
incluem: incontinência urinária ou fecal, disfunção mic- estão diretamente associados com prolapsos pélvicos.
cional obstrutiva, desconforto pélvico, infecção urinária de
repetição, entre outras.
Tratamento dos diferentes
tipos de prolapsos
Epidemiologia e fatores de risco
A prevalência de prolapsos de órgãos pélvicos (POPs) Tratamento não cirúrgico
varia dentre as populações e nota-se um aumento nos úl- Para pacientes oligossintomáticas e/ou com prolapsos
timos anos; sobretudo o envelhecimento populacional e o pequenos ou moderados, que não lhes causem sintomas as-
maior acesso à saúde são os principais fatores determinan- sociados ou grande perda de qualidade de vida, a primeira
tes para este fenômeno. abordagem terapêutica é a conservadora e não cirúrgica.
Estima-se que entre 40% da população feminina após O tipo de tratamento deve se basear no grau dos sinto-
os 50 anos venha a desenvolver algum tipo de prolapso mas decorrentes do prolapso.
pélvico (PP) e aproximadamente 11% será submetida a um Dentre as modalidades de tratamento não cirúrgicas,
ou mais procedimentos cirúrgicos para correção da doen- a mais conhecida e estudada é a fisioterapia do assoalho
ça. O número deste tipo de cirurgia nos EUA e Europa é pélvico. Arnold Kegel descreveu, em 1948, seus exercí-
estimado em 22,7 casos para cada 10.000 mulheres. cios para o fortalecimento da musculatura pélvica e esta
Muitos são os fatores de risco associados aos POPs, modalidade promoveu intenso debate e grandes evoluções.
porém apenas o aumento da idade é universalmente aceito. Estudos demonstram que métodos de fisioterapia ativa,
Sabe-se que, entre a 2ª e 5ª décadas de vida, a incidência com eletroestimulação e biofeedback, trouxeram uma nova
de PP dobra a cada década de vida. Entretanto, é extre- perspectiva para este tipo de tratamento.
mamente difícil distinguir os efeitos da menopausa e sua O uso de pessários vaginais é possível, apesar das di-

324
Prolapsos de órgãos pélvicos

ficuldades que as pacientes possam vir a apresentar em tipo de reparo, sendo que a tela é locada após a redução do
decorrência principalmente no seu manuseio. Atualmente, prolapso anterior com plicatura da fáscia vesicovaginal e
o uso de materiais à base de silicone é o mais adequado, fixada nos ligamentos cardinais.
visto se tratar de uma substância inerte e ajustável.
Figura 1. Plicatura dos ligamentos pubocervicais para correção de defeito
Tratamento cirúrgico central (Female Urology, 2002).

As pacientes com prolapsos causadores de sintomas


tais como disfunção miccional, infecções urinárias ou
prolapsos maiores e/ou que causem perda na qualidade de
vida, são passíveis de tratamento cirúrgico. Além disso, o
estado geral da paciente também deve influenciar na indi-
cação da cirurgia e técnica a ser escolhida.
Todavia, é necessário esclarecer as candidatas ao trata-
mento cirúrgico dos riscos inerentes aos procedimentos, a
necessidade da participação ativa da paciente no pós-ope-
ratório, bem como seguir as orientações quanto ao repouso
necessário, a fim de que se obtenham resultados melhores.
A cirurgia deve sempre buscar restaurar a função fi-
siológica e anatômica dos órgãos, bem como preservá-los,
juntamente com a função sexual.

Prolapsos anteriores
Os prolapsos vaginais anteriores são os mais frequen-
tes e também os mais desafiadores em seu tratamento,
visto que são os mais propensos a recidiva pós-cirúrgica.
Existem quatro defeitos principais na patogenia do prolap-
so anterior: (1) defeito ou enfraquecimento da musculatura Os defeitos laterais ou paravaginais podem ser corri-
vaginal medial (defeito central); (2) perda das ligaduras gidos tanto por via retropúbica como vaginal. A primeira
laterais da vagina anterior para a parede pélvica (defeito abordagem pode ser feita por via aberta ou laparoscópica
lateral); (3) perda do suporte do colo vesical e (4) sepa- e tem por objetivo reconectar a parede lateral da vagina
ração do ligamento cardinal-uterossacro do ápice vaginal ao arco tendíneo. Caso seja necessária a correção da in-
(defeito apical). continência urinária de esforço, a opção combinada com a
O diagnóstico deste tipo de prolapso é clínico, cabendo colpossuspensão de Burch é mais adequada.
ao estudo urodinâmico determinar a presença de inconti- A abordagem vaginal visa reconstruir a fáscia pubocer-
nência urinária oculta. vical em sua inserção no arco tendíneo.
A base do tratamento dos prolapsos vaginais é a cor- Todas essas correções atingem taxas de sucesso entre
reção dos defeitos diagnosticados, seja através de reparos 60% a 90%, dependendo da experiência do cirurgião, ta-
cirúrgicos utilizando-se tecidos autólogos, seja através do manho do prolapso e tempo de seguimento da cirurgia.
uso de malhas sintéticas. Tais correções podem ser feitas
por via vaginal ou abdominal, sendo que a cirurgia lapa- Prolapsos posteriores
roscópica ganhou espaço na última década. Os prolapsos posteriores decorrem de uma fraqueza
A abordagem tradicional da correção dos prolapsos nas fáscias que dão suporte ao reto, resultando na hernia-
anteriores foi descrita por Howard Kelly e sua técnica con- ção deste órgão através da parede vaginal posterior.
siste na plicatura da fáscia vesicovaginal e ligamentos la- Os defeitos posteriores em sua maioria são assintomá-
terais, permitindo a correção do defeito central (Figura 1). ticos, decorrendo de achados de exames. Quando presen-
Há muito esta técnica não é reconhecida como eficaz para tes, os sintomas mais comuns são: constipação intestinal,
incontinência urinária, razão pela qual a colocação de um sensação de evacuação incompleta, sangramento retal e a
sling uretral é recomendada quando necessário. incontinência fecal.
A utilização de telas sintéticas é uma opção para este O diagnóstico é eminentemente clínico e se dá atra-

325
vés de uma anamnese detalhada e exame físico específico, Existem três procedimentos consagrados para a cor-
através de exame digital retal. reção de defeitos apicais, a fixação do sacroespinhoso, a
A abordagem cirúrgica tradicional se dá através da suspensão uterossacral e a suspensão iliococcígea. Todos
colpoperineorrafia, que envolve a dissecção da mucosa com taxas semelhantes de sucesso.
vaginal até o nível superior do prolapso posterior e sutura A abordagem transabdominal é possível e consiste na
da fáscia retovaginal. Os músculos elevadores do ânus po- sacrocolpopexia. Estudos demonstram ser esta a técnica
dem ou não ser plicados para se obter melhores resultados. com melhores resultados em longo prazo, apesar de ser
Todavia, este tempo cirúrgico implica um risco maior de mais invasiva e com maiores riscos de morbidade. A cirur-
dispareunia, podendo atingir 30% das pacientes (Figura 2). gia transabdominal pode ser realizada por via laparoscópi-
ca e, desde o início da década, ela passou a ser realizada
Figura 2. Colporrafia posterior (Female Urology, 2002).
com auxílio da robótica.

Considerações finais
A expectativa de vida mundial vem crescendo conti-
nuamente, trazendo consigo uma população idosa cada
vez mais ativa e sujeita a doenças decorrentes do envelhe-
cimento. O tratamento dos prolapsos de órgãos pélvicos
ganha um papel de destaque na prática urológica do sé-
culo XXI. Os desafios inerentes ao melhor entendimento
desta região anatômica e no desenvolvimento de novas e
melhores técnicas de tratamento se colocam frente à nova
geração de urologistas e ginecologistas.


Da mesma forma que nos prolapsos anteriores, o uso Referências recomendadas
1. Alarab M, Drutz HP. Vaginal approach to fixation of the vaginal apex.
de telas sintéticas também é possível, porém reservadas In: Textbook of female urology and gynecology. 2nd ed. Cardoso L,
a casos com prolapsos maiores, nos quais a aproximação Staskin D (eds.). Informa Healthcare, 2006. p. 1052-1066.
2. Baessler K, Schessler B. Enterocele. In: Textbook of female urology
dos tecidos se torna inviável, ou em situações de recidiva and gynecology. 2nd ed. 2nd ed. Cardoso L, Staskin D (eds.). Informa
pós-cirúrgica. Healthcare, 2006. p. 1022-1034.
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submetidas à histerectomia apresentarão este tipo de pro-
5. Hinman F Jr. Atlas of urosurgical anatomy. Saunders, Philadelphia,
lapso. A escolha terapêutica deve ser individualizada para 1993.
que se consigam melhores resultados. 6. Netter FH. Atlas of human anatomy. Icon Learning Systems, Teter-
boro, NJ, 2003.
A avaliação clínica é o método diagnóstico mais ade- 7. Raz S, Little NA, Juma S. Female urology. In: Campbell’s Urology.
quado, e deve-se atentar ao surgimento de sintomas que 6th ed. Walsh PC, Retik AB, Stamey TA, Vaughan ED Jr. (eds.). Saun-
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levem à suspeita diagnóstica. O prolapso apical deve ser 8. Silva WA, Karram MM. Rectocele. In: Textbook of female urology
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cia miccional), queixas intestinais (constipação e urgência 10. Stothers L, Chopra A, Raz S. Vesicovaginal fistula. In: Female urolo-
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taxa de complicações, porém devem ser reservados àque- 13. Wahle G, Young G, Raz S. Anatomy and pathophysiology of pelvic
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326
SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 50
Incontinência urinária
de esforço feminina

Paulo Roberto Kawano


Hamilto Akihissa Yamamoto
Rodrigo Guerra
Aparecido Donizeti Agostinho
tomia.2 Durante a gravidez, e em especial no trabalho
Introdução
de parto, podem ocorrer lesões dos músculos elevado-
Incontinência urinária (IU) é a perda involuntá-
res do ânus, do tecido conjuntivo e da inervação local
ria de urina, podendo ser definida como um sintoma
(nervos pudendo e pélvico). Estas lesões tendem a ser
(quando relatada pela paciente) ou como um sinal (se
múltiplas e determinam, em longo prazo, perda do su-
observada pelo médico).1 A incontinência urinária de
porte do colo vesical e diminuição do tônus uretral.
esforço (IUE) é a principal causa de perda urinária
Classicamente foram identificados dois fatores
na mulher adulta e, do ponto de vista urodinâmico,
principais que explicariam a IUE: a perda do supor-
pode ser entendida como a perda urinária que ocorre
te do colo vesical e da uretra, com hipermobilidade
desencadeada pelo aumento da pressão abdominal, na
destas estruturas durante o esforço, e a insuficiência
ausência de contração do detrusor. Nestas situações,
esfincteriana intrínseca. Esta última, causada por um
a pressão intravesical ultrapassa a habilidade do me-
prejuízo da integridade do mecanismo esfincteriano,
canismo esfincteriano de contrapor-se à pressão extra,
resultaria em incapacidade de gerar força concêntrica
determinada pelo esforço físico (espirrar, tossir, cor-
para a manutenção da continência em situações de es-
rer, rir, pular) ou, nos casos mais severos, ao deambu-
forço ou, nos casos mais severos, em repouso. Atual-
lar ou mudar de posição.
mente sabe-se que ambos os fatores podem e, na maio-
ria dos casos, coexistem na mesma paciente.
Epidemiologia A uretra mantém-se fechada durante situações de
A IUE é considerada problema de saúde pública aumento da pressão abdominal por vários mecanismos
no mundo todo. A despeito dos critérios de definição e, entre eles, o mais importante é o fechamento refle-
da IU, sua prevalência geral varia entre 14% e 34% xo ou voluntário da uretra por ação da musculatura do
da população feminina adulta.2 A IUE é responsável assoalho pélvico (MAP). A MAP, em conjunto com as
por 48% dos casos (variação de 29% a 75%), a IU de estruturas ligamentares que dão suporte ao colo vesi-
urgência por 17% (variação de 7% a 33%) e a IU mista cal e a uretra, pode determinar pressão suficiente para
por 34% (14% a 61%).3 evitar a perda urinária. Entre os elementos ligamenta-
A prevalência de IU se eleva com o envelheci- res destacam-se os ligamentos pubouretrais e o uretro-
mento, contudo esse padrão não é uniforme, podendo pélvico, espessamentos da fáscia endopélvica que sus-
haver picos na perimenopausa (menor), menopausa e pendem e estabilizam a uretra média junto às porções
após os 75 anos (com maior prevalência).4,5 A frequ- posteriores do osso púbico e laterais (arco tendíneo),
ência aumentada, coincidindo com o processo de en- respectivamente.
velhecimento, está relacionada à ocorrência de fatores De acordo com a “Teoria integral da continência”
associados, como a elevação da prevalência de comor- de Petros e Ulmsten6,7, as alterações do colágeno e
bidades, aumento da diurese noturna, prejuízo à capa- elastina dos ligamentos de sustentação ou da fáscia
cidade cognitiva ou mobilidade e ao hipoestrogenismo determinariam flacidez tecidual na vagina e poderiam
que determina atrofia geniturinária. permitir o prolapso de órgãos pélvicos e o desenvolvi-
mento de sintomas anormais (IU, sintomas de armaze-
Etiopatogenia namento ou esvaziamento e incontinência fecal). Com
O aparecimento da incontinência urinária feminina base nesta teoria, o assoalho pélvico é dividido em três
é de origem multifatorial, sendo considerados fatores compartimentos: anterior, médio e posterior. À falta de
de risco para o seu desenvolvimento o envelhecimento, sustentação do compartimento anterior, em especial as
fatores genéticos, doenças ou condições que aumen- lesões dos ligamentos pubouretrais determinariam as
tam a pressão intra-abdominal (como DPOC - doença perdas urinárias. Alterações do compartimento médio
pulmonar obstrutiva crônica -, obesidade, esportes de explicariam as cistoceles, anormalidades no proces-
alto impacto), gravidez/parto, menopausa e a histerec- so de esvaziamento vesical, urgência e frequência. Já

328
Incontinência urinária de esforço feminina

as enteroceles, prolapsos da cúpula vaginal e uterino, Os exames complementares básicos são aconselhá-
noctúria e dor pélvica seriam explicados pelas altera- veis e os demais devem ser solicitados na dependência
ções presentes no compartimento posterior. da história, exame físico, antecedentes clínicos e ci-
rúrgicos:10
Diagnóstico Urina I, urinocultura e antibiograma: É conve-
niente a utilização de testes laboratoriais básicos com
A base para o diagnóstico de IUE é fornecida pela
o intuito de identificar casos de infecção do trato uri-
anamnese e o exame físico, particularmente quando as
nário (ITU). Particularmente em idosas, as queixas po-
queixas são leves e o tratamento inicial será conser-
dem estar relacionadas à ITU, serem inespecíficas e
vador. A história clínica deve incluir a determinação
precipitar ou piorar muito as queixas de IU.
clínica do tipo de incontinência (esforço, urgência ou
Ultrassom: Não é necessário rotineiramente, mas
mista), duração e intensidade, sintomas urinários as-
pode ser útil para a investigação de sintomas associa-
sociados, história obstétrica e ginecológica, comorbi-
dos (ITU de repetição, hematúria, etc.) ou para medida
dades e eventuais medicações em uso (GR: A). Diá-
de volume residual pós-miccional (GR: A); particu-
rios miccionais podem ser utilizados na incontinência
larmente em pacientes com suspeita de quadro neu-
urinária para avaliar coexistência de disfunções de ar-
rológico associado. Para avaliação do volume residual
mazenamento e esvaziamento tanto na prática clínica
pós-miccional não deve haver enchimento vesical ex-
como na pesquisa (GR: A), com duração de três a sete
cessivo, o qual pode determinar dificuldade de esva-
dias (GR: B).8 O pad test, utilizado principalmente em
ziamento e resíduo urinário elevado (falso-positivo).11
estudos clínicos, permite a detecção e quantificação da
Cistografia: Não é necessária de rotina, contudo
perda urinária, sem definir a causa da IU. A Internatio-
em casos associados a grandes prolapsos ou cirurgias
nal Continence Society cita o pad tet como ferramenta
pregressas, pode ser conveniente para a avaliação ana-
opcional na investigação e avaliação rotineira da IU.
tômica da bexiga, identificação de complicações se-
Durante o exame físico deve-se tentar identificar a
cundárias aos procedimentos cirúrgicos prévios e para
perda urinária súbita, em sincronia com a elevação da
o planejamento terapêutico.11 Pode ser útil no diagnós-
pressão abdominal induzida pela manobra de Valsalva tico diferencial com fístula vesicovaginal ou uretrova-
ou tosse (GR: A). Nas situações em que ocorre período ginal.
de latência entre o esforço e a perda urinária, em geral Cistoscopia: Não deve ser realizada de rotina, po-
de grande quantidade, deve-se considerar a hiperativi- dendo ser indicada na investigação de hematúria ma-
dade do detrusor desencadeada pela tosse. Quando a cro ou microscópica persistente (hipótese de neoplasia
IU não puder ser demonstrada com a paciente em po- ou cálculo vesical), na presença de queixas irritativas
sição de litotomia, os testes devem ser repetidos com a persistentes ou quando da ocorrência de cirurgia pre-
paciente em pé e com as pernas levemente afastadas. O gressa com suspeita de corpo estranho intravesical (fio
examinador deve estar atento ainda às condições tró- cirúrgico, fragmento de tela). Pode ser útil no diagnós-
ficas da mucosa vaginal (GR: A), onde sinais de hipo- tico diferencial com divertículo de uretra.
estrogenismo, como vagina lisa, brilhante e frágil de- Estudo urodinâmico: O objetivo deste exame é
vem ser tratados com estrogênio tópico, a menos que auxiliar na determinação da real causa do distúrbio
existam contraindicações específicas. O exame digital miccional apresentado pela paciente, particularmente
retal permite a avaliação do tônus anal e a presença de quando da dificuldade de caracterização do quadro.
impactação fecal, que pode determinar compressão e Portanto, seria discutível sua solicitação para mulheres
IU por transbordamento, particularmente em mulheres sem quaisquer comorbidades, com história e exame fí-
muito idosas.9 A avaliação do tônus da musculatura do sico típico de IUE, e desnecessário para casos típicos
assoalho pélvico é igualmente importante como medi- de IUE em que o tratamento conservador é preconiza-
da de reabilitação da paciente (GR: A). do (GR: B).8 Nos casos onde há falha do tratamento

329
clínico ou indicação de tratamento cirúrgico, grande Reabilitação da musculatura
parte dos autores considera aconselhável sua solici- do assoalho pélvico
tação (GR: C). A sua indicação parece ser consensual Tem como objetivo fortalecer a musculatura do as-
nos casos de história atípica e exame físico incon- soalho pélvico, em especial, os levantadores do ânus
clusivo, insucesso cirúrgico prévio, cirurgia radical e prepará-los para contração efetiva nas situações de
pélvica (histerectomia, amputação abdominoperineal esforço ou urgência, melhorando a pressão de fecha-
do reto), distúrbio neurológico coexistente (acidente
mento uretral e o suporte estrutural dos órgãos pélvi-
vascular encefálico, doença de Parkinson, hérnia dis-
cos.13 Neste tipo de abordagem, as mulheres aprendem
cal, esclerose múltipla), capacidade vesical diminuída
a pré-contrair conscientemente a MAP antes e duran-
e nos casos onde há suspeita de obstrução infravesical
te o aumento da pressão abdominal (tosse, espirro e
ou comprometimento da contratilidade da bexiga.12
outras atividades físicas). Este treinamento aumenta o
Entretanto, médicos que realizam avaliação urodinâ-
volume de fibras musculares de contração lenta, pro-
mica em pacientes com IU devem certificar-se de que
porcionando melhora do suporte estrutural e estabili-
o exame reproduz os sintomas da paciente e interpre-
zação dos órgãos pélvicos.14
tar seus resultados no contexto do problema clínico.
Os programas de exercícios variam amplamente,
É importante explicar às pacientes que os resultados
bem como os métodos de instrução para realizá-los
urodinâmicos podem ser úteis na discussão das opções
de acordo com a intensidade, frequência e duração do
de terapêuticas, entretanto há limitações nas evidên-
tratamento.15 Os exercícios supervisionados da mus-
cias de que sua realização irá alterar o tratamento da
culatura do assoalho pélvico por pelo menos três me-
incontinência urinária.8
ses devem ser considerados como primeira linha de
tratamento para mulheres com IU de esforço ou mista
Estratégia atual de tratamento (GR: A). Os resultados precoces entre cura e melho-
A IUE é um problema de qualidade de vida para ra da IU variam entre 56% e 70%.16 Em longo prazo,
a imensa maioria de suas portadoras, não raramente após cinco anos do tratamento, existe tendência à que-
resultando em sintomas gerais como depressão, isola- da da aderência e diminuição dos índices de sucesso,
mento social e problemas higiênicos. Para o tratamen- onde 39% a 90% das mulheres estarão insatisfeitas ou
to da mulher portadora de IUE, a despeito do tipo de serão submetidas à correção cirúrgica da IUE.17-19
terapia (clínica ou cirúrgica), são importantes ações
gerais como a avaliação, intervenção ou orientação Tratamento medicamentoso
acerca das comorbidades existentes (GR: A); avalia- Infelizmente, a opção de uma terapia medicamen-
ção dos hábitos alimentares e do volume de ingestão tosa eficaz para o tratamento de mulheres com IUE,
de líquidos com correção, se identificados maus hábi- capaz de preencher a lacuna existente entre o trata-
tos ou excessos (GR: B); tratamento da constipação mento conservador e o cirúrgico, está longe de ser
intestinal (GR: C) e a correção do trofismo vaginal preenchida. Vários agentes farmacológicos foram uti-
(GR: A), entre outras.8 lizados de forma off-label, mas nenhum demonstrou
eficácia suficiente para se estabelecer como referência
Tratamento conservador no tratamento medicamentoso da IUE.
A prática médica encoraja a utilização de interven- Sendo assim, nas mulheres com IUM com pre-
ções simples, com risco relativamente baixo, antes de domínio dos sintomas de urgência pode-se utilizar
partir para aquelas associadas a riscos maiores. O trei- antimuscarínicos de liberação rápida ou lenta como
namento vesical e as micções programadas são exem- terapia medicamentosa inicial (GR: A). Nestes casos,
plos de medidas iniciais que podem ser sugeridas às a paciente deve ser reavaliada precocemente para de-
pacientes portadoras de IU leve. 8
terminação de eficácia e dos efeitos colaterais, de pre-

330
Incontinência urinária de esforço feminina

ferência nos primeiros 30 dias de tratamento (GR: A). ção de realização dos slings de uretra média (SUM)
A prescrição de antimuscarínicos para idosos deve ser como intervenção cirúrgica preferencial, sempre que
feita de modo consciente, estando atento aos efeitos possível (GR: A). A colpossuspensão (seja aberta ou
colaterais cognitivos, especialmente naqueles receben- laparoscópica) ou o sling fascial autólogo ficam reser-
do inibidores da colinesterase (GR: C). 8 vados para mulheres em que os SUM não podem ser
A duloxetina, um antidepressivo inibidor da recap- considerados (GR: A). As mulheres em que se optar
tação da serotonina e da noradrenalina, aumenta o tô- pela realização dos slings sintéticos por via retropú-
nus do mecanismo esfincteriano intrínseco e pode ser bica devem ser advertidas sobre o maior risco relativo
utilizada no tratamento da IUE.20 Em estudos clínicos, de complicações perioperatórias, quando comparada
de 40% a 60% das mulheres relataram melhora das à via transobturatória (GR: A). Estas últimas, por sua
vez, podem apresentar maiores riscos de dor e dispa-
perdas urinárias, porém até 66% das usuárias pararam
reunia em longo prazo (GR: A). A utilização do sling
de utilizar a droga em função de seus efeitos colaterais
fascial parece estar relacionada a um maior risco de
ou da ineficácia do tratamento.21,22
dificuldade miccional e, eventualmente, à necessidade
Para mulheres com urgeincontinência que não to-
de realização de cateterismo intermitente limpo. Nes-
leram medicação anticolinérgica há fortes evidências
tes casos, é importante assegurar-se que estas pacien-
para se recomendar a estimulação do nervo tibial pos-
tes estão realmente motivadas a submeter-se à cirurgia
terior como alternativa de tratamento (GR: A).8
e que estarão dispostas a realizarem o cateterismo,
caso necessário (GR: A). As pacientes que optarem
Tratamento cirúrgico
pelo tratamento envolvendo a colocação de slings por
Quando a opção primária de tratamento for a cirur-
incisão única (minislings) devem ser alertadas de que
gia, os riscos, complicações, benefícios e índices de
a eficácia em curto prazo pode ser inferior aos SUM
sucesso em curto e longo prazo devem ser claramente e que sua eficácia em longo prazo ainda permanece
discutidos com a paciente. Atenção especial deve ser incerta (GR: C).8
dada à possibilidade de retenção urinária e à eventual Recomenda-se a realização de cistoscopia após a
necessidade de cateterismo prolongado ou intermiten- inserção dos SUM por via retropúbica e nos de in-
te. Procedimentos cirúrgicos com estudos prospectivos serção por via transobturatória, caso haja dificuldade
demonstrando índices satisfatórios de cura incluem a durante o procedimento ou se houver grande cistoce-
cirurgia de Burch, o sling pubovaginal e, mais recente- le associada (GR: C).8 Não é recomendável oferecer
mente, os slings de uretra média. agentes injetáveis às mulheres que procuram cura de-
De acordo com as recomendações da EAU deve- 8
finitiva para a incontinência urinária de esforço (GR:
-se oferecer à paciente com IUE não complicada a op- A).8

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332
Incontinência urinária masculina

SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 51
Incontinência
urinária masculina

Flávio Eduardo Trigo Rocha

333
porcionam rápido aumento da pressão do esfíncter durante
Introdução períodos de aumento da pressão intra-abdominal, tendo
A incontinência urinária pós-prostatectomia radical
papel relevante na manutenção da continência urinária du-
(IUPPR) se constitui na complicação mais devastadora
rante os esforços.6
da prostatectomia radical no que se refere à qualidade de
A inervação do esfíncter externo é somática, originan-
vida.1 Seu impacto negativo é superior àquele causado pela
do-se, em nível medular, no núcleo de Onuff e trafegando
disfunção erétil, também comum neste tipo de paciente.2
através dos nervos pudendos.7 Seu trajeto é posterolateral
Cerca de 26% dos portadores de incontinência urinária
na porção proximal do esfíncter e lateral à uretra em suas
grave ou moderada têm suas atividades diárias comprome-
tidas e se sentem bastante insatisfeitos com o resultado do porções mais distais. Desta forma, a deficiência esfincte-
tratamento.3 Além disso, a ocorrência de perdas urinárias riana após cirurgias de próstata pode decorrer não só da re-
importantes também se relaciona com um maior grau de moção direta de fibras do esfíncter, mas também de lesões
insatisfação em relação à modalidade de tratamento do de sua inervação durante a cirurgia.
câncer de próstata escolhida.4 Em geral, pacientes mais idosos, pacientes com proble-
mas neurológicos (AVC, Parkinson, etc.) ou pacientes que
já apresentavam perdas antes da cirurgia ou radioterapia
Etiologia da IUPPR têm uma maior propensão a apresentar o problema. Pa-
Embora possa decorrer de alterações vesicais, altera- cientes com tumores maiores ou que tiveram sangramento
ções esfincterianas ou uma associação de fatores, a IUPPR significativo durante a cirurgia ou ainda aqueles em que
tem como etiologia principal a deficiência esfincteriana em não foi possível a preservação nervosa uni ou bilateralmen-
até 90% dos casos, seja ela isolada ou em associação com te durante a cirurgia têm uma chance maior de desenvolver
hiperatividade detrusora (HD). IU. Também pacientes que desenvolvem estreitamento da
Desde o veromontanum até o bulbo uretral, ocorre uma uretra necessitando de cirurgias de abertura endoscópica
concentração maior de fibras musculares estriadas, consti-
também têm uma chance maior de se tornarem inconti-
tuindo o esfíncter urinário externo ou esfíncter verdadeiro.
nentes. Adicionalmente pacientes que foram tratados ini-
Nesta região, podemos observar a área de maior elevação
cialmente por radioterapia e necessitam de tratamento
da pressão intrauretral durante a fase de enchimento ve-
complementar por cirurgia apresentam chance maior de
sical. O esfíncter urinário externo, ou rabdoesfíncter, se
desenvolverem IU. O número de prostatectomias radicais
associa com a uretra membranosa e, parcialmente, com
da instituição parece influenciar favoravelmente os índices
a cápsula prostática. Na primeira, as fibras orientam-se
de continência urinária, instituições com grande volume
circularmente, assumindo configuração de ferradura, com
de cirurgias tendem a apresentar menores índices de IU se
deficiência dorsal. Estendem-se cranialmente por um fo-
comparados àqueles de baixo volume.8
lheto interno, adjacente à musculatura lisa uretral, e por
Adicionalmente o tratamento endoscópico de esteno-
um componente externo, mais desenvolvido, que recobre a
se de anastomose uretrovesical predispõe ao surgimento
próstata e se constitui em um componente integral de sua
de perdas urinárias significativas, dada a possibilidade de
cápsula.5 Em decorrência desta conformação anatômica,
lesão adicional do mecanismo esfincteriano durante sua
toda cirurgia de remoção da próstata implicará remoção,
realização, bem como a possibilidade de desmascarar de-
em graus variados, de fibras do esfíncter urinário externo.
A remoção de parte do mecanismo esfincteriano não resul- ficiência esfincteriana preexistente compensada pela obs-
ta necessariamente em incontinência urinária, uma vez que trução.9
as estruturas remanescentes podem ser capazes de garantir A tabela 1 sumariza as causas de IUPP segundo dife-
resistência uretral adequada. O esfíncter urinário externo rentes séries.
também denominado rabdoesfíncter é composto por dois Tabela 1. Etiopatogenia da IUPPR*
tipos de fibras musculares: as do tipo I de contração lenta Deficiência Disfunção
Etiologia da IUPPR
e as do tipo II de contração rápida. As do tipo I correspon- esfincteriana vesical
dem a 65% da musculatura estriada do esfíncter do homem Total Isolada Total Isolada
e são mais resistentes à fadiga, sendo responsáveis pela Série No
(%) (%) (%) (%)
manutenção do tônus do esfíncter externo, colaborando na Leach et al. 162 82,0 40,0 36,0 14,0
manutenção da continência em repouso. As do tipo II, que
Goluboff et al. 25 60,0 8,0 90,0 40,0
correspondem a 35% do esfíncter urinário masculino, pro-

334
Incontinência urinária masculina

Chao e Mayo 74 96,0 57,0 43,0 4,0 que cerca de 6% dos pacientes portadores de IUPPR serão
submetidos a alguma forma de tratamento cirúrgico.11
Desautel et al. 35 95,0 59,0 39,0 3,0
Gudziak et al. 37 97,0 NA** NA** 3,0
Ficazzola e Nitti 60 90,0 53,0 45,0 3,0
Avaliação do paciente incontinente
Além dos dados de história e exame físico deve-se
Winters et al. 92 98,5 59,0 29,0 1,5 estimar o grau de perdas do paciente. Isto pode ser feito
Groutz et al. 83 88,0 33,0 34,0 4,0 pesando-se os absorventes de modo a quantificar a perda
* Adaptado de Carlson; Nitti. ** NA = Não apontado.
urinária diária. Considera-se IU leve quando ele perde me-
nos que 100 ml de urina ao dia, IU moderada entre 100 e
A incidência de IUPPR na literatura varia de 4% a 50%. 400 ml e IU importante quando ele perde mais de 400 ml
Esta grande variação pode ser explicada por vários fatores, num período de 24 horas.
como: critério para definir IU. Em geral aceita-se que pa- A elaboração de um diário miccional permite caracteri-
cientes que utilizam até um absorvente ao dia têm pouco zar, de forma mais precisa, as queixas do paciente. Embora
impacto em sua qualidade de vida (QV), método de aferi- a elaboração deste diário não seja factível em portadores
ção da IU (índices aferidos por questionários são superio- de IUPPR acentuada, sua elaboração no pós-operatório de
res ao relatado por médicos em prontuários); Outro fator cirurgias para correção de incontinência permite caracte-
a ser considerado é o tempo decorrido desde a cirurgia. rizar eventuais perdas persistentes, sintomas relacionados
A presença de perdas urinárias é extremamente frequente à hiperatividade detrusora e permite estimar a ingestão hí-
quando se analisam pacientes em pós-operatório recente. drica dos pacientes.
Contudo, grande parte dos que relatam perdas urinárias Devido à grande taxa de resolução espontânea da IU-
nas primeiras semanas após a retirada do cateter vesical PPR no primeiro ano após a cirurgia, recomenda-se pos-
recupera espontaneamente a continência, especialmente tergar o exame urodinâmico para o final deste período.
nos três primeiros meses após a cirurgia, conforme mostra Pelo estudo urodinâmico pode-se também estimar o grau
a tabela 2. Desta forma, tratamentos invasivos deverão ser
de deficiência esfincteriana tendo implicações importantes
evitados nos primeiros 6-12 meses após a cirurgia.
na escolha do tratamento. Deve ser realizada análise cui-
Tabela 2. Evolução temporal da continência urinária após a prostatectomia dadosa das fases de enchimento e esvaziamento vesicais.
radical segundo diferentes autores
Devem-se valorizar apenas os achados que apresentem
Autor No 1m% 3m% 6m% 12 m % correlação com as queixas dos mesmos.
A menor pressão abdominal em que ocorrem perdas
Kleinhans,
66 - - 84,1 97,7 urinárias é denominada pressão de perdas por Valsalva
1999
(PPV ou VLPP). Quando o paciente não apresentar per-
Hammerer,
82 33,4 69,4 84,7 90,9 das, mesmo a altas pressões, a manobra deverá ser repetida
1997
após a retirada do cateter e a VLPP aferida por meio da
Van Kampen,
175 47,0 67,0 88,0 98,0 pressão abdominal. Nos pacientes com fibrose da anasto-
1997
mose uretrovesical, a presença do cateter de cistometria
Numa fase inicial, pacientes submetidos a radioterapia pode aumentar consideravelmente a PPV. Apesar de a
têm uma menor taxa de IU, porém ao final de 1 a 2 anos as correlação entre o grau de deficiência esfincteriana e PPV
taxas são semelhantes. A ocorrência de IU é praticamente não ser nítida em pacientes portadores de IUPPR, quanto
a mesma em pacientes submetidos a prostatectomia radical maior o grau de deficiência esfincteriana, menor deverá ser
aberta, prostatectomia radical laparoscópica ou prostatec- a pressão abdominal de perdas.12
tomia radical robótica. Um outro fator a ser analisado na cistometria é a com-
A maioria dos autores considera como portadores de placência vesical. Considera-se aceitável uma compla-
IUPPR estabelecida aqueles pacientes que mantêm perdas cência superior a 20 ml/cmH2O. Em pacientes com in-
urinárias após este período. Decorrido este tempo, cerca continência grave, apresentando perdas desde o início do
de 3% a 8% deles apresentarão incontinência significativa, enchimento, pode ser necessária a compressão da uretra
necessitando usar fraldas, coletores externos ou disposi- ao redor do cateter na tentativa de se avaliar a capacidade
tivos de compressão da uretra peniana, com comprome- e complacência vesical. Nestes casos, a complacência ve-
timento importante de sua qualidade de vida.10 Estima-se sical pode ser subestimada em função da desfuncionaliza-

335
ção da bexiga. Durante a fase de enchimento, deve-se ainda transcutânea e estimulação elétrica com probe retal foram
avaliar a sensibilidade da bexiga. inconclusivos. Um estudo avaliou o uso de clamps penianos
O estudo miccional avalia a contratilidade detrusora e a sugerindo benefício, porém alertando para potenciais efeitos
presença de obstrução infravesical. Nos casos duvidosos, a adversos dos mesmos.15
utilização de nomogramas previamente descritos para uso Os pacientes com sintomas sugestivos de hiperatividade
em pacientes portadores de hiperplasia prostática benigna detrusora poderão ser tratados por meio de anticolinérgicos
poderá ser útil para avaliar a presença de obstrução infrave- associados ao tratamento comportamental. Todavia, estas
sical. Quando presente em portadores de IUPPR, a obstrução modalidades de tratamento apresentam resultados pobres
geralmente é secundária à estenose da anastomose uretrove- quando existe deficiência esfincteriana associada.
sical, ocorrendo em 8,3% a 16% dos portadores de IUPPR.13
A videourodinâmica acrescenta detalhes anatômicos ao estu-
Tratamento cirúrgico
do e permite uma determinação mais precisa da PPV. O tratamento cirúrgico pode ser indicado após 6-12
A avaliação da permeabilidade uretral através de estu- meses da prostatectomia dependendo do grau de incômodo
dos radiológicos ou endoscópicos estará indicada nos pa- e ansiedade do paciente. Ele está indicado sempre que o
cientes com diagnóstico de obstrução infravesical. paciente apresente boas condições clínicas e quando a in-
continência tenha impacto importante sobre sua qualidade
de vida. A escolha da técnica cirúrgica deve ser individu-
Tratamento da IUPPR alizada e pode ser baseada no grau de perdas do paciente,
no estudo urodinâmico, na presença de radioterapia e nas
Abordagem inicial
expectativas do paciente. O estudo urodinâmico é funda-
O tratamento cirúrgico da incontinência urinária deverá
mental na seleção adequada do tratamento, uma vez que a
ser evitado durante os primeiros 6 a 12 meses após a pros-
sintomatologia não permite esclarecer com precisão a etio-
tatectomia radical ou radioterapia. Durante este período, o
logia da IUPPR.9
tratamento consiste em medidas educativas, procurando-se
O tratamento do fator esfincteriano, mesmo em porta-
esclarecer ao paciente a possibilidade de reversão de sua
dores de incontinência urinária mista, resultará em con-
condição, uso de medidas higiênicas e de contenção, além
tinência na maioria dos casos.16 Em pacientes portadores
de tratamentos medicamentoso e fisioterápico. Medidas ge-
de hiperatividade detrusora acentuada e, principalmente
rais, como restrição de fluidos, micções de horário e contro-
pacientes com redução da complacência vesical deve-se
le de episódio de urgência através da contração do assoalho
monitorar cuidadosamente o trato urinário superior após a
pélvico, também podem ser úteis.14 Pacientes com sintomas
cirurgia. Pacientes portadores de hiperatividade acompa-
de hiperatividade detrusora poderão se beneficiar do uso de
nhada de sintomas e persistente após a cirurgia de aumento
medicação anticolinérgica.
da resistência uretral poderão necessitar de tratamento es-
Por se tratar de uma abordagem não invasiva, a reabili-
pecífico desta condição.
tação pélvica através de exercícios de Kegel e biofeedback
Numerosos tipos de tratamento foram propostos para
pode beneficiar tanto portadores de deficiência esfincte-
o tratamento da deficiência esfincteriana em portadores de
riana como de hiperatividade detrusora. Embora esta mo-
incontinência pós-prostatectomia. Atualmente podemos di-
dalidade terapêutica não melhore os índices de IUPPR a
vidir as formas de tratamento da IUPPR em quatro grupos:
longo prazo, proporciona uma recuperação mais precoce
agentes injetáveis, uso de balões periuretrais, cirurgias de
da continência.
slings e esfíncter artificial.
Uma revisão de estudos randomizados e controlados ana-
lisando manuseio conservador de IUPPR encontrou na lite-
ratura dez estudos randomizados e controlados analisando Agentes injetáveis
o tratamento conservador da incontinência pós-prostatecto- O agente injetável mais utilizado é o colágeno e os ín-
mia: oito incluíam apenas pacientes pós-prostatectomia radi- dices de sucesso disponíveis na literatura variam de 8% a
cal, um incluía apenas pacientes portadores de incontinência 63%.17 Numerosos outros agentes injetáveis também têm
pós-ressecção endoscópica da próstata e um incluía ambas sido usados com resultados conflitantes.
etiologias. Destes estudos, cinco eram favoráveis ao uso de Alguns autores apontam que a medida da PPV pode ter
exercícios pélvicos (EP) associados a biofeedback (BFB) vi- valor preditivo para o sucesso do tratamento com agentes
sando antecipar a recuperação da continência urinária. Dois injetáveis, permitindo identificar os melhores candidatos
estudos analisando EP isoladamente, estimulação elétrica para esta forma de tratamento. Pacientes com VLPP acima

336
Incontinência urinária masculina

de 60 cmH20 apresentam maiores chances de sucesso.18 resultados em cerca de 70% dos pacientes e têm como
Embora o tratamento endoscópico não dificulte tratamen- grandes vantagens seu caráter minimamente invasivo e o
tos posteriores por meio de implante de esfíncter artificial, fato de dispensar qualquer manipulação do sistema para
seu uso rotineiro como conduta inicial em todos os pacien- permitir a micção. Em nossa experiência em 25 pacientes
tes leva a um aumento dos custos do tratamento e seu uso portadores de IUPPR acentuada tratados com o sistema
na região do esfíncter pode levar a paralisia do esfíncter ProACT™, cuja avaliação pré-operatória mostrou um
residual, levando a piora da incontinência. Por esta razão uso médio de quatro fraldas ao dia, baixa VLPP e com-
indica-se o uso destes agentes apenas em pacientes porta- prometimento importante da qualidade de vida, o sistema
dores de IU leve, que apresentam perdas mínimas a esfor- se mostrou bastante eficaz. Com um seguimento médio
ços elevados e utilizem até um absorvente por dia. de 22,4 meses, cerca de 70% dos pacientes tornaram-se
continentes, com melhora significativa da qualidade de
vida e um baixo índice de complicações. A maioria dos
Balões periuretrais pacientes necessitou de reajustes volumétricos pós-ope-
Técnica mais difundida na Europa e com aprovação ratórios dos balões que foram realizados em caráter am-
recente da Federal Drug Administration - FDA - consiste bulatorial.19
no uso de um sistema denominado ProACTTM, composto
por dois balões de volume ajustável colocados logo abai-
xo do colo vesical por via perineal através de um trocater Cirurgias de sling
guiado por radioscopia (Figura 1). Estes balões compri- Alguns autores relataram bons resultados da compres-
mem parcialmente a uretra de modo a propiciar continên- são uretral por meio de slings de polipropileno colocados
cia, mas também permitindo a micção. Apresentam bons no nível do bulbo uretral ou uretra bulbar. Tais autores re-
portaram índices de sucesso ao redor de 70% em um curto
Figura 1. Colocação dos balões periuretrais ProACTTM é feita uma incisão período de seguimento. Estudos com maior seguimento
perineal e os balões são colocados através de um trocater e inflados próximo mostraram um razoável índice de recorrência da incon-
ao colo vesical.
tinência, bem como necessidade de reoperações.20 Tendo
em vista a perda de compressão e consequente recidiva da
incontinência, com o decorrer do tempo, em portadores de
slings tem sido proposto o uso de slings sintéticos com
possibilidade de ajuste pós-operatório (Argus® ou Argus
T®). Em nosso meio o mais utilizado é o sling Argus®, que
consiste numa faixa de silicone colocada abaixo da uretra
bulbar e fixada com arandelas que permitem reajuste em
pós-operatório tardio na região suprapúbica.21 Posterior-
mente, a colocação deste sistema por via transobturatória
manteve os bons resultados e reduziu o número de compli-
cações relativas a perfurações vesicais durante a passagem
da agulha (Figuras 2 e 3). Este sistema usado por via tran-

Figura 2. Sling ajustável Argus. Fita de silicone colocada em posição


suburetral para compressão da uretra.

337
Figura 3. Colocação transobturatória do sling Argus T. Figura 4. Esfíncter artificial. Um manguito comprime a uretra, para aliviar a
compressão e permitir a micção, o paciente aperta um dispositivo colocado
embaixo da pele do escroto.

sobturatória se mostra eficaz em mais de 70% dos pacien- O esfíncter AMS 800 consiste em um manguito de
tes, sendo que 15% necessitam de reajustes pós-operató- silicone para a compressão do colo vesical ou da uretra,
rios. Quando limitamos a indicação para portadores de IU conectado a uma única bomba que se comunica com um
leve ou moderada, a eficácia é superior a 80% (pacientes reservatório de pressões variáveis (Figura 4). O compri-
secos ou utilizando 1 absorvente ao dia).22 Complicações mento do manguito é variável para que se possa ajustá-lo
deste procedimento incluíram dor pós-operatória em 20%, precisamente ao redor da uretra. Existem reservatórios
retenção urinária em 10% e infecção e erosão em 5% dos capazes de gerar diferentes pressões, de modo que se
pacientes. pode selecionar o grau de compressão da uretra deseja-
Slings de tela fixados por 2 (Advance®, Dinamesh®) ou do. A compressão digital da bomba leva ao esvaziamento
4 braços (Virtue®) apresentam resultados superiores a 70%
em casos de IU leve. Estes slings apresentam índices sa- Figura 5. Bomba locada no espaço subdártico escrotal. A localização deve
ser de fácil visualização, de modo a permitir a compressão da bomba para
tisfatórios de cura e efeitos adversos, porém sua indicação acionar o esfíncter.
se restringe principalmente a casos de IU leve, podendo
também ser indicada em alguns casos de IU moderada.23
Nos casos em que as perdas são acentuadas, em pa-
cientes com múltiplas cirurgias, principalmente se asso-
ciadas a radioterapia, pode-se substituir o esfíncter lesa-
do por um esfíncter artificial. Trata-se de um manguito
de silicone colocado ao redor do canal urinário (uretra)
que a comprime evitando as perdas. Quando o paciente
sente vontade de urinar, ele aciona um dispositivo coloca-
do abaixo da pele de seu escroto, que transfere o líquido
do manguito para um reservatório, permitindo a micção.
Atualmente existe no mercado mais de um tipo de esfínc-
ter artificial com vantagens e desvantagens inerentes a
cada modelo, porém o esfíncter mais utilizado em todo o
mundo é o AMS 800. O uso do esfíncter artificial AMS
800 para tratamento de incontinência urinária vem de
longa data e desde o início inclui portadores de inconti-
nência pós-prostatectomia.

338
Incontinência urinária masculina

do manguito, permitindo a micção (Figura 5). Após um casos, respectivamente. Estes dados também são seme-
intervalo de tempo, que varia de um a dois minutos, o lhantes aos obtidos por outros autores, conforme mostra
líquido é novamente transferido para o manguito e este a tabela 4.25
comprime novamente a uretra, propiciando continência. Ao longo dos anos, 10% a 15% dos portadores de
Isto ocorre graças a um sistema de válvulas e retentores esfíncter artificial irão necessitar de revisão cirúrgica
contidos na bomba que fazem com que o paciente neces- devido a falência mecânica, atrofia uretral ou erosão. O
site manipulá-la apenas quando deseja urinar. algoritmo da figura 6 mostra como avaliar e tratar pos-
síveis causas de falha do AMS 800. Estas duas últimas
A ativação do esfíncter é feita 6-8 semanas após sua
situações podem ser de solução mais difícil, uma vez que
implantação e cerca de 90% dos pacientes obtêm conti-
muitas vezes o paciente não apresentará um seguimento
nência, tornando-se secos ou requerendo o uso máximo
de uretra bulbar satisfatório para colocação de um novo
de um absorvente ao dia. A tabela 3 compara índices de
manguito. Visando solucionar este problema foi descri-
continência em diversas séries da literatura.24 ta, para casos de reoperações, a técnica transcorpórea,
Em termos de complicações do esfíncter artificial que consiste na incisão bilateral da parede inferior dos
podemos citar: erosão e falência mecânica em 5% dos corpos cavernosos colocando-se manguito através desta
estrutura. Os autores que descreveram esta reportaram
Tabela 3. Continência urinária após implantação de esfíncter artificial
seu uso em 31 pacientes que necessitaram de reimplanta-
Autor No. Pts. Seguimento Continentes ção do manguito distalmente devido a atrofia ou erosão.
(anos) (em %)
Dos 31 pacientes, 26 pacientes (84%) obtiveram conti-
*Montague et al., 2001 166 3,2 75,0 nência e se encontram satisfeitos. Conforme nós também
pudemos comprovar em alguns pacientes operados por
*Perez; Webster, 1992 49 3,7 85,0
esta técnica, houve um sangramento mínimo associado
*Martins; Boyd, 1995 28 2,0 85,0 ao procedimento. Contudo, o impacto deste tipo de abor-
dagem na potência sexual dos pacientes ainda não está
*Fleshner; Herschorn, 1996 30 3,0 87,0
bem estabelecido.26,27
*Mottet et al., 1998 96 1,0 86,0
Figura 6. Algoritmo para abordagem dos casos de falha do esfíncter. Note
Trigo-Rocha 40 2,5 90,0 que a presença de uma bomba cheia e funcionante praticamente afasta
falência mecânica. A cistoscopia está indicada quando se suspeita de
*Marks; Light, 1989 37 3,0 94,5 erosão. A urodinâmica permite diagnóstico de atrofia uretral, bem como
disfunção vesical.
*Light; Reynolds, 1992 126 2,3 96,7

Adaptado de Trigo-Rocha F. Avaliação dos resultados do tratamento da


incontinência urinária pós-prostatectomia radical por meio da implantação do
esfíncter artificial AMS 800. Faculdade de Medicina da USP, 2003.

Tabela 4. Complicações do esfíncter artificial AMS 800

Série Ano N Infecção Erosão Falência


(%) (%) mecânica
(%)

Elliot e Barrett 1998 160 1,8 1,0 9

Litwiller 1996 65 6,0 3,1 NR

Singh e Thomas 1996 28 10,0 0,0 NR

Gundian 1989 117 2,5 7,0 16

Marks e Light 1989 16 5,4 8,1 NR

Trigo-Rocha 2003 40 2,5 5,0 5

Adaptado de Trigo-Rocha F. Avaliação dos resultados do tratamento da


incontinência urinária pós-prostatectomia radical por meio da implantação do
esfíncter artificial AMS 800. Faculdade de Medicina da USP, 2003.

339
11. Fowler FJ, Jr., Barry MJ, Lu-Yao G, Roman A, Wasson J, Wennberg
Conclusões JE. Patient-reported complications and follow-up treatment after ra-
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12. McGuire EJ, Cespedes RD, O’Connell HE. Leak-point pressures.
submetidos a prostatectomia radical, mesmo se compara-
Urol Clin North Am 1996;23(2):253-262.
dos a pacientes afetados por disfunção erétil. Como um
13. Ficazzola MA, Nitti VW. The etiology of post-radical prostatectomy
grande contingente de pacientes recupera a continência incontinence and correlation of symptoms with urodynamic findings.
nos primeiros meses de pós-operatório, o tratamento ini- J Urol 1998;160(4):1317-1320.
cial deve ser conservador e realizado por meio de exer- 14. Moorhouse DL, Robinson JP, Bradway C, Zoltick BH, Newman DK.
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cícios pélvicos e biofeedback. Após um ano de evolução,
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6% a 8% dos pacientes submetidos a prostatectomia ra-
15. Hunter KF, Moore KN, Glazener CN. Conservative management for
dical irão requerer tratamento cirúrgico da incontinência postprostatectomy urinary incontinence. Cochrane Database Syst Rev
urinária. O tratamento cirúrgico inclui slings e esfíncter 2004(2) CD001843.
artificial. A correta indicação destas técnicas permite a re- 16. Perez LM, Webster GD. Successful outcome of artificial urinary
cuperação da continência em 80% a 90% dos pacientes. sphincters in men with post-prostatectomy urinary incontinence des-
pite adverse implantation features. J Urol 1992;148(4):1166-1170.
O sucesso do tratamento implica melhora substancial
17. Smith DN, Appell RA, Rackley RR, Winters JC. Collagen injection
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340
SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 52
Massas vaginais/
divertículo uretral
(leiomioma uretral, cisto de Gartner, cisto da
glândula de Skene, divertículo de uretra feminina)
Luís Gustavo Morato de Toledo
André Costa Matos
Raquel Dória Ramos Richetti
Susane Mei Hwang
Ocorre principalmente em mulheres menopausadas, me-
Carúncula uretral nos frequente em pré-púberes7 e, raramente, em homens.8
A carúncula uretral é a uma lesão polipoide benigna
A maioria dos pacientes são assintomáticos e o diag-
originária da uretra e foi descrita pela primeira vez por Sa-
nóstico habitualmente é feito durante exame ginecológi-
muel de Sharp em 1730. Pode ser pedunculada ou séssil e co de rotina. Quando sintomáticas, as queixas mais fre-
é mais frequente no terço distal do lábio posterior da ure- quentes são dor ou sangramento.2 Dispareunia, disúria
tra de mulheres menopausadas. É normalmente única, mas ou dificuldade de esvaziamento vesical, embora menos
pode haver duas ou mais. Pode ser também denominada frequentes, também podem ocorrer.1 As pacientes que
como granuioma, papiloma ou angioma.1-4 apresentam disúria intensa evitam a micção por longos
Microscopicamente a lesão é composta por um agrupa- períodos.
mento de capilares dilatados entremeados em um estroma O exame físico revela lesão eritematosa séssil ou pe-
denso de tecido conjuntivo, coberto com uma membrana diculada em uretra distal com o restante do trato urinário
mucosa de tecido epitelial estratificado com ou sem quera- normal (Figura 2).
tinização.2 A inflamação, edema e fibrose combinados com
hiperplasia epitelial são achados frequentes e, por vezes, Figura 2. Carúncula uretral pediculada com sangramento.
podem mimetizar uma neoplasia. Ulcerações são frequen-
tes. Podem ser encontrados também ninhos de células uro-
teliais, geralmente dispostos em invaginações simples ou
com arquitetura ramificada, muitas vezes com metaplasia
escamosa sobrejacente.2 Apesar de rara, metaplasia colôni-
ca também é descrita.5
A etiologia não é totalmente conhecida. Postula-se que
a irritação e a inflamação crônicas da mucosa uretral distal,
exposta ao ambiente devido à perda da coaptação secun-
dária ao hipoestrogenismo, possam contribuir para o seu
desenvolvimento.1
É importante ressaltar que a carúncula uretral é uma
neoplasia, portanto não deve ser confundida com prolapso
uretral, que consiste na eversão da mucosa da uretra distal
(Figura 1). Esta condição é mais frequente em meninas ne-
gras ou mulheres brancas menopausadas.6
Figura 1. Prolapso uretral e atrofia do vestíbulo vaginal.

Não é descrita associação com malignidade, entre-


tanto, a confirmação do diagnóstico da carúncula ure-
tral através de biópsia ou excisão é importante em casos
atípicos, principalmente quando se palpa infiltração do
tecido periuretral, linfonodos inguinais suspeitos ou pa-
cientes jovens (Figura 3). Algumas vezes o diagnóstico
diferencial clínico inclui um amplo espectro de entidades
benignas ou malignas tais como pólipos, prolapso uretral,
varizes, abscesso periuretral, divertículo de uretra, neo-
plasia epitelial, linfoma ou melanoma e processos infla-
matórios da uretra ou glândulas periuretrais, químicos ou
infecciosos (Trichomonas vaginalis, Candida albicans,
gonococo, tuberculose, HPV).4,9 A história evolutiva e
o exame físico costumam esclarecer o diagnóstico, mas
quando ocorre dúvida o exame anatomopatológico é útil.

342
Massas vaginais/divertículo uretral

Figura 3. Tumor uretral, com infiltração do tecido periuretral. urethral caruncle. Dermatol Online J 2012;Jul 15;18(7):13.
6. Yucetas U, Balaban M, Aktas A, Guc B. Spontaneous postmenopau-
sal urethral prolapse: a case report and review of literature. Arch Ital
Urol Androl 2012;Dec;84(4):214-5.
7. Turkeri, F. Simsek, A. Akdas. Urethral caruncle in an unusual location
occurring in prepubertal girl. Eur Urol 1989;16:153–154.

Leiomioma uretral
Leiomioma do trato geniturinário é um tumor benig-
no raro que pode surgir em qualquer local onde existam
células do tecido muscular liso, sendo mais comum na
cápsula renal, seguida da bexiga, uretra e epidídimo. Na
bexiga, constitui a neoplasia benigna mais comum, ape-
sar de representar menos de 1% dos tumores vesicais.1
O leiomioma uretral é proveniente de células da mus-
culatura lisa da uretra. Acomete três vezes mais mulhe-
res que homens e representa 5% dos tumores uretrais.2
Foi descrito pela primeira vez em 1894 por Buttner e,
até hoje, aproximadamente, 100 casos foram relatados
Por isso, recomendamos que todas as carúnculas em na literatura. Esses tumores, normalmente são pequenos,
mulheres jovens devam ser submetidas ao estudo histo-
medem menos de 1 cm de diâmetro, mas já houve relato
lógico. Nas mulheres menopausadas, dada a elevada fre-
de caso de tumor de até 40 cm.3
quência da lesão recomenda-se biópsia apenas se houver
A etiologia do tumor e sua patogênese ainda perma-
suspeita de infiltração tecidual.
necem incertas, porém acredita-se que os hormônios ova-
Nas pacientes assintomáticas, normalmente não é ne-
rianos estimulem o crescimento dos miomas, uma vez
cessário tratamento. Quando sintomáticas, a abordagem
que sua incidência é maior em mulheres no menacme,
inicial é tópica com cremes de estrógenos por 2 a 3 meses.
nas 3ª e 4ª décadas de vida, além de aumentarem de vo-
Se falha o tratamento clínico, recomenda-se a exérese da
lume durante a gestação e regredirem após o parto e a
carúncula. Pode-se realizar fulguração com bisturi elétrico
menopausa (Figura 4). Estudo com imuno-histoquímica
ou laser de CO2 nas carúnculas pequenas.1
A cirurgia é realizada através do pinçamento da lesão evidenciou a presença de receptores estrogênicos nestes
com pinça de Allis e secção em sua base. O defeito é sutu- tumores.4
rado com pontos absorvíveis. Uma revisão com 41 mulhe- Sua localização pode ocorrer em qualquer segmento
res com idade média de 68 anos reportou 7% de recidiva da uretra, sendo mais comum na porção proximal e na
após a cirurgia.2 parede posterior. As manifestações clínicas irão depen-
Em lesões recorrentes também se procede com uso de der do tamanho e da localização do mioma, podendo ser
estrógenos tópicos e/ou cirurgia. A manutenção da estroge- assintomático, exceto pela presença da massa palpável,
nioterapia tópica 2x por semana ajuda a evitar recorrência.1 em aproximadamente 50% das mulheres, ou apresentar
hematúria, aumento da frequência urinária, noctúria, he-
sitação, disúria, dispareunia, infecção do trato urinário e,
Referências menos frequente, retenção urinária.2
1. Rickey LM. Urethral caruncle. In: UpToDate. Falk SJ. [Acesso em:
27/05/2014] Disponível em www.uptodate.com/contents/urethral-ca- Devido à compressão extrínseca da uretra pelo tumor,
runcle. estudo urodinâmico realizado no pré-operatório eviden-
2. Conces MR, Williamson SR, Montironi R, et al. Urethral caruncle:
ciou alta pressão do detrusor, curva miccional com baixo
clinicopathologic features of 41 cases. Hum Pathol 2012;43:1400.
3. Murphy W, Grignon D, Perlman E. Tumors of the kidney, bladder and fluxo e nível elevado da pressão máxima de fechamento
related urinary structures. Washington DC: Armed Forces Institute of uretral. Tais parâmetros se normalizaram após a remoção
Pathology 2004.
cirúrgica da lesão, fato que pode explicar a presença dos
4. Palmer JK, Emmett JL, McDonald JR. Urethral caruncle. Surg Gyne-
col Obstet 1948;87:611-20. sintomas de esvaziamento, disúria e volume residual alto
5. Charfi S, Makni S, Amouri M et al. Letter: Intestinal heterotopia in no pré-operatório.5

343
Figura 4. Leiomioma de bexiga em gestante. dissecar e fechar a mucosa da uretra durante a excisão de
um leiomioma uretral. Clinicamente, o leiomioma uretral
pode se apresentar como uma massa na parede vaginal an-
terior, que é fixa à palpação, e, também, pode causar uma
protrusão originária do meato uretral. Enquanto o leio-
mioma parauretral, que tem origem na musculatura lisa da
porção vaginal anterior ou no septo vesicovaginal, tende a
ser móvel à palpação, as pacientes apresentam menos sin-
tomas urinários e, durante a sua remoção, normalmente,
não é necessário abrir a uretra7 (Figura 5).
As complicações após a remoção do leiomioma uretral
podem ser: incontinência urinária de esforço, estenose de
uretra e fístula uretrovaginal.7
Ainda não foi documentada transformação maligna da
lesão e apenas dois casos de recidiva foram relatados na
literatura.3 Por isso, o tratamento recomendado é a excisão
local da lesão.

Referências
1. Goldman HB, McAchran SE, Maclennan GT. Leiomyoma of the ure-
thra and bladder. J Urol 2007;177:1890.
O diagnóstico diferencial inclui prolapso de parede 2. Bai SW, Jung HJ, Jeon MJ et al. Leiomyomas of the female urethra
vaginal anterior, uretrocele, cisto de glândula de Skene, and bladder: a report of five cases and review of the literature. Int
Urogynecol J 2007;18:913–917.
cisto de Gartner, divertículo uretral, cisto da glândula de
3. Shen YH, Yang K. Recurrent huge leiomyoma of the urethra in a fe-
Bartholin e outros tumores sólidos como lipoma, fibro- male patient: A case report. Oncology letters 2014;7:1933-1935.
ma, carcinoma e sarcoma. A uretroscopia é importante no 4. Alvarado-Cabrero I, Candanedo-González F, Sosa-Romero A.
diagnóstico diferencial de divertículo uretral. A ultrasso- Leiomyoma of the urethra in a mexican woman: a rare neoplasm as-
sociated with the expression of estrogen receptors by immunohisto-
nografia e, principalmente, a ressonância magnética po- chemistry. Arch Med Research 2001;32:88–90.
dem auxiliar no diagnóstico e na descrição da morfologia 5. Goto K, Orisaka S, Kurokawa T et al. Leiomyoma of the female ure-
thra: urodynamic changes after surgical intervention. Int Urogynecol
e da localização do tumor. O diagnóstico definitivo só é J 2005;16:162-164.
fechado após resultado histopatológico.6 6. Oderda M, Mondaini N, Bartoletti R et al. Leiomyomata of the ge-
É importante saber distinguir entre um leiomioma nitourinary tract: A case series from the “rare urological neoplasm”
registry. Scand J Urol 2013;47(2):158–162.
uretral e parauretral antes do tratamento cirúrgico, uma vez 7. Özel B, Ballard C. Urethral and paraurethral leiomyomas in the fe-
que, durante o ato cirúrgico, comumente será necessário male patient. Int Urogynecol J 2005;17:93-95.

Figura 5. Leiomioma uretral: 5a - Abaulamento na parede vaginal anterior. 5b - Dissecção junto ao tumor. 5c - Tumor removido sem lesão uretral.

344
Massas vaginais/divertículo uretral

O cisto de Gartner pode estar associado a malforma-


Cisto de Gartner ções Mullerianas e combinadas com alterações mesonéfri-
As lesões císticas vaginais são relativamente incomuns
cas, resultando em anormalidades uterinas e renais, como
e são classificadas pela sua localização e tipo histológico.
rim único, útero didelfo ou bicorno.4
O cisto de Gartner se origina dos vestígios dos canais de
Wolff (regressão dos ductos mesonéfricos).1 A primeira O tratamento pode ser conservador em pacientes com
descrição em animais foi feita por Malpighi em 1681 e em cistos pequenos sem repercussão clínica ou cirúrgica, do
humanos por Gartner em 1822.2 contrário o tratamento é a remoção completa do cisto, de-
A localização ajuda no diagnóstico, o cisto de Gartner vendo-se manter o plano de dissecção junto à cápsula do
ocorre na parede vaginal lateral e anterior, sendo mais co- cisto para evitar lesão de estruturas adjacentes, como ure-
mum na porção proximal da vagina, porém podem se origi- tra, bexiga e ureteres, lembrando que estes cistos podem
nar desde o fundo de saco vaginal até o introito. Geralmente acometer toda a parede vaginal anterior5 (Figura 7).
são assintomáticos com diâmetro médio de dois centíme-
tros. Um dos maiores já descritos na literatura mediu 16 cm.3
A sintomatologia, quando presente, é variável, poden-
Referências
1. Cil AP, Murad Basar M, Kara SA, Atasoy P. Diagnosis and manage-
do ocorrer dispareunia, sensação de peso e/ou abaulamen- ment of vaginal mullerian cyst in a virgin patient. Int Urogynecol J
to vaginal, infecção urinária e vaginal de repetição, e até 2008;19:735–737.
2. Cunha Bastos A. Ginecologia. Capítulo 31; Editora Atheneu, 2006.
obstrução de canal de parto.3 A infecção do cisto não é co-
3. Arumugam AV, Kumar G et al. Gartner duct cyst in pregnancy presen-
mum. No exame físico, observa-se abaulamento cístico na ting as a prolapsing pelvic mass. Biomedical Imaging and Intervention
parede vaginal anterior, podendo ocorrer desde a região da Journal 2007;3(4):e46.
uretra proximal até próximo ao colo uterino, indolor e não 4. Acién P, Acién M, Romero-Maroto J. Blind hemibladder, ectopic ure-
terocele, or Gartner’s duct cyst in a woman with Müllerian malforma-
se altera com a compressão. A ultrassonografia e principal- tion and supposed unilateral renal agenesis: a case report; Int Urogy-
mente a ressonância magnética auxiliam na confirmação e necol J 2010;21:365–369.
no diagnóstico diferencial (Figura 6). 5. Asfaw TS, Greer JA, Ramchandani P, Schimpf MO. Utility of preope-
rative examination and magnetic resonance imaging for diagnosis of
Figura 6. Ressonância magnética mostrando cisto de Gartner acometendo anterior vaginal wall masses. Int Urogynecol J 2012;23:1055–1061.
toda a parede vaginal anterior.

Cisto da glândula de Skene


As glândulas de Skene são encontradas lateralmente ao
meato uretral feminino.1 Elas têm origem no seio urogenital
e formam um conjunto de glândulas que se concentram nos
dois terços distais da uretra,2 correspondem à próstata no ho-
mem e sua função é lubrificação da região do meato uretral.1
Complicações relacionadas às glândulas de Skene não
são frequentes, podendo ocorrer abcessos, cistos e neoplasias.
A primeira descrição de infecção desta glândula foi em 1672
por Regnier de Graaf, muito antes da descrição formal da

Figura 7. Tratamento cirúrgico de cisto de Gartner: 7a - Protrusão do cisto ao esforço simulando prolapso. 7b - Incisão em fuso deixando ilha de mucosa vaginal
no cisto, dissecção junto à parede do cisto. 7c - Cisto aberto facilita dissecção junto à uretra. 7d - Cisto contorna a uretra proximal pela direita.

345
glândula por Alexander Johnston Chalmers Skene em 1880.2 cisto quando a dissecção aproxima-se da uretra, para obter-
A incidência exata é desconhecida, mas sabemos que mos visão interna e externa do cisto e evitarmos a abertura
os cistos e abscessos de Skene são mais comuns entre a inadvertida da uretra. A marsupialização, abandonando e
terceira e quarta décadas de vida. Porém existem relatos em cauterizando um pequeno segmento do cisto junto à uretra,
crianças e recém-nascidos.3 é manobra alternativa para prevenir lesão uretral. Mesmo
A sintomatologia é discreta ou ausente, exacerbando-se havendo lesão da uretra, geralmente é distal, evoluindo ha-
na vigência de infecções. Havendo sintomas, podem ser re- bitualmente sem sequelas após sua correção.
latados como dor na região uretral, disúria, desconforto na
relação sexual, infecção urinária de repetição e sensação de
peso e desconforto vaginal.1 Diferente do cisto de Gartner,
Referências
1. Shah SR, Biggs GY, Rosenblum N, Nitti VW. Surgical management of
as pacientes com cisto de Skene, frequentemente, apresen- Skene’s gland abscess/infection: a contemporary series. Int Urogyne-
tam história de infecção prévia do cisto. col J 2012;23:159–164.
O diagnóstico diferencial se faz com as massas císti- 2. Dwyer PL. Skene’s gland revisited: function, dysfunction and the G
spot. Int Urogynecol J 2012;23:135–137.
cas ou sólidas próximas à uretra, incluindo divertículo de 3. Moralioglu S, Bosnalı O, Celayir AC, ahin C. Paraurethral Skene’s
uretra, prolapsos vaginais, inserção ectópica de ureter, pro- duct cyst in a newborn. Urol Ann 2013;Jul-Sep;5(3):204–205.
lapso de uretra, cisto de Gartner, cisto ou abscesso de Bar- 4. Asfaw TS, Greer JA, Ramchandani P, Schimpf MO. Utility of preope-
rative examination and magnetic resonance imaging for diagnosis of
tholin e neoplasias de uretra.1 anterior vaginal wall masses. Int Urogynecol J 2012;23:1055–1061.
O exame físico, habitualmente, é suficiente para o diag-
nóstico. A apresentação é típica, formação cística, com 1 a 3
cm, junto ao meato uretral, para ou suburetral e a compres- Divertículo de uretra feminina
são quase sempre provoca drenagem de secreção espessa A incidência varia de 1,4% a 5%, dependendo da po-
amarelada por orifício junto ao meato uretral (Figura 8). Ra- pulação estudada, mas acredita-se que esteja subestimada
ramente há necessidade de exames complementares para o devido ao não diagnóstico dos divertículos subclínicos.
diagnóstico. Havendo dúvida diagnóstica ou quando os sin- Embora sejam relatados em todas as faixas etárias, são
tomas não são justificados pelo cisto, a ultrassonografia e a mais frequentes entre a terceira e quinta décadas de vida.
ressonância magnética podem auxiliar na definição do caso.4 Cerca de 15% a 20% das mulheres com divertículos ure-
O tratamento pode ser conservador em pacientes assin- trais são nulíparas.1,2
tomáticas. A desobstrução e involução espontânea do cisto Embora o mecanismo exato de formação diverticular
pode ocorrer, mas a recidiva é provável. O tratamento ci- seja desconhecido, a teoria mais aceita é a de que a obs-
rúrgico não deve ser realizado em momento em que o cisto trução do ducto de uma glândula periuretral e posterior in-
não está visível. Havendo abscesso, a drenagem e antibio- fecção ocluída resulta na formação de abcesso. O abcesso
ticoterapia estão indicadas, sendo a remoção do cisto indi- então se rompe para dentro do lúmen da uretra, quer como
cada após a resolução da infecção. A dissecção deve man- resultado de um trauma ou na progressão da infecção, for-
ter-se junto à parede do cisto para evitar lesão uretral, com mando o divertículo.1,3
remoção completa da glândula (Figura 8). Deve-se abrir o Os divertículos podem ser assintomáticos (2 a 11%) e

Figura 8. Cisto de Skene: 8a - Secreção amarelada junto ao meato uretral. 8b - Incisão em fuso para não romper o cisto. 8c - A tração auxilia a dissecção. 8d
- Cisto completamente removido sem lesão uretral.

346
Massas vaginais/divertículo uretral

serem diagnosticados em exame ginecológico de rotina ou Figura 9. Uretrocistografia mostrando divertículo uretral.
pela própria paciente como um abaulamento em região pe-
riuretral.2
Quando a paciente se apresenta com queixas, normal-
mente é acometida por:4-6
• disúria: 30-70%
• gotejamento pós-miccional: 10-30%
• dispareunia: 10-25%
• frequência / urgência: 40-100%
• infecção urinária de repetição (ITU): 30-50%
• hematúria: 10-25%
• incontinência urinária de esforço
Portanto, os sintomas são comuns a afecções como cis-
tite aguda ou crônica bacteriana, cistite intersticial, doença
inflamatória pélvica, endometriose, uretrite não específica Figura 10. Ressonância magnética: divertículo circunferencial multisseptado
ou gonocócica, carcinoma in situ da bexiga, bexiga hipera- – 10a. Corte sagital. 10b. Corte axial.

tiva, incontinência de esforço, massas vaginais e até obstru-


ção infravesical.
Por isso, é importante examinar todas as mulheres que
vêm ao consultório com queixas de cistite de repetição. Em
casos refratários às medidas terapêuticas, uma uretrosco-
pia, uretrocistografia miccional e/ou a ressonância magné-
tica podem revelar divertículo uretral.
Quando sintomáticos, os divertículos, frequentemente,
são acometidos por infecção (aguda ou crônica). A forma-
ção de cálculo não é rara e malignidade também pode ocor-
rer (adenocarcinoma em 61%, carcinoma de células transi-
Sempre que possível, recomendamos a realização da
cionais em 27% e carcinoma de células escamosas em 12%
RM, mas não é um exame obrigatório quando não há dúvida
dos casos notificados).4,7
diagnóstica ou não se suspeita de malignidade ao exame físico.
Ao exame físico observa-se abaulamento periuretral
Indica-se o tratamento de todos os divertículos uretrais
que, ao ser comprimido pode resultar na saída de pus, san-
sintomáticos. Existe dúvida a respeito da indicação cirúr-
gue ou urina através do meato uretral. Quando há cálculo,
gica dos casos assintomáticos, pois a história natural dos
geralmente é palpável.
divertículos uretrais não tratados não é bem conhecida. O
O diagnóstico diferencial de uma massa periuretral in-
grande receio, nesses casos, é o surgimento de tumores
clui cisto da glândula de Skene (localizado lateralmente intradiverticulares.9
ao meato uretral), cisto do ducto de Gartner (localizado na O tratamento do divertículo de uretra consiste na sua
parede vaginal lateral anterior), ureterocele ectópica, cisto exérese. Tratamentos alternativos tais como abertura en-
de inclusão da parede vaginal, carcinoma uretral, fibroma doscópica do colo, marsupialização ou tentativas de oblite-
periuretral ou vaginal, leiomioma, hemangioma, varizes ração são técnicas de exceção.10,11
uretrais, endometriose da uretra, sarcoma botrioide e me- Os procedimentos endoscópicos são úteis principal-
tástase na parede vaginal.8 mente em divertículos situados na uretra distal, criando um
Tradicionalmente a uretrocistografia miccional foi usa- divertículo de boca larga, que deverá drenar com mais faci-
da para confirmação do diagnóstico (Figura 9). Atualmente, lidade. Quando estes são usados para
​​ divertículos médio ou
a ultrassonografia, tomografia computadorizada e a resso- proximal, o risco de incontinência urinária é maior.12
nância magnética (RM) são mais utilizadas. Alguns estudos A marsupialização está indicada apenas para diver-
demonstram que a RM permite melhor definição da anato- tículos distais, é um procedimento de exceção, pois está
mia e portanto é mais acurado para o diagnóstico e planeja- associado a complicações, tais como micção vaginal e jato
mento cirúrgico8 (Figura 10). urinário espalhado ou recorrência.12

347
A diverticulectomia é a técnica padrão para tratamento Em casos de incontinência urinária associada, reco-
dos divertículos. A incisão pode ser em “u” invertido levan- menda-se a correção em segundo tempo, pois a presença
tando um retalho fino de mucosa vaginal ou longitudinal. Em do sling aumentaria o risco de complicações. Além dis-
seguida, a fáscia periuretral é incisada permitindo a expo- so, somente após a correção do divertículo, a propedêuti-
sição do divertículo que está logo abaixo desta camada. O ca da incontinência urinária poderia ser adequadamente
divertículo é cuidadosamente dissecado, deixando sua pare- aplicada.
de fina, para preservar o tecido periuretral. Após a dissecção
da saculação, quando aproxima-se da uretra, deve-se abrir o Complicações pós-operatórias
divertículo para se obter visão interna e externa, em busca do
• Fístula uretrovaginal – 0,9 a 8,3%
óstio e evitar lesão uretral inadvertida. O óstio pode estar em
qualquer ponto da circunferência uretral. Neste momento, a • Recorrência – 1 a 25%
injeção de lidocaína gel na uretra, ao lado da sonda, pode • Incontinência urinária – 1,7 a 16%
auxiliar na identificação do óstio e também testar, posterior- • Estenose de uretra – 0 a 5,2%
mente, o seu fechamento. Uma uretroscopia no intraoperató-
• ITU recorrente – 0 a 31%
rio, antes da incisão, pode também ser útil para a localização
do óstio. A identificação e dissecção do óstio deve ser caute- • Outras menos frequentes: necrose da uretra distal,
losa, evitando-se dano desnecessário à uretra. O divertículo hipospádia, fibrose vaginal com dispareunia.13
é então removido na sua totalidade, visualizando-se a sonda
Foley. Atenção para evitar remoção incompleta em divertí- Referências
culos septados. O defeito uretral é suturado hermeticamen- 1. Foley CL, Greenwell TJ, Gardiner RA. Urethral diverticula in fema-
te com fio absorvível 4.0 ou 5.0, evitando-se a estenose e les. BJU Int 2011;108 Suppl 2:20.
tensão, sutura transversal preferencialmente. Segundo plano 2. Romanzi LJ, Groutz A, Blaivas JG. Urethral diverticulum in women:
diverse presentations resulting in diagnostic delay and mismanage-
com o tecido periuretral deve ser realizado. Quando indicado
ment. J Urol 2000;164:428.
(fibrose pós-cirúgica, actínica ou quando o tecido periuretral
3. El-Nashar SA, Bacon MM, Kim-Fine S et al. Incidence of female
é insuficiente), o retalho de Martius é colocado entre a uretra urethral diverticulum: a population-based analysis and literature re-
e a mucosa vaginal. A parede vaginal anterior é então fecha- view. Int Urogynecol J 2014;25:73.
da com fio absorvível. A manutenção de antibióticos e sonda 4. Tsivian M, Tsivian A, Shreiber L et al. Female urethral diverticu-
lum: a pathological insight. Int Urogynecol J Pelvic Floor Dysfunct
vesical é recomendável por período variável a depender do 2009;20:957.
comprometimento uretral (Figura 11). 5. Thomas AA, Rackley RR, Lee U et al. Urethral diverticula in 90
female patients: a study with emphasis on neoplastic alterations. J
Urol 2008;180:2463.
Figura 11. Passos do tratamento cirúrgico: 11a. Antes da incisão, 11b. Divertículo
dissecado, 11c. Divertículo aberto com cálculo, 11d. Divertículo totalmente 6. Aspera AM, Rackley RR, Vasavada SP. Contemporary evaluation
aberto, preso à uretra e 11e. Divertículo removido, óstio uretral identificado. and management of the female urethral diverticulum. Urol Clin Nor-
th Am 2002;29:617.
7. Rajan N, Tucci P, Mallough C, Choudhury M. Carcinoma in fema-
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11. Ganabathi K, Leach GE, Zimmern PE, Dmochowski RR. Experien-
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Date. Falk SJ. [Acesso em: 27/05/2014] Disponível em www.upto-
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Saunders Elsevier, 2007. Pp 2361-2390.

348
SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 53
HPB: anatomia,
epidemiologia, diagnóstico
e tratamento clínico
Murilo Ferreira de Andrade
Carlos Augusto Fernandes Molina
Silvio Tucci Jr.
volve a zona de transição. É composta por tecido estromal
Introdução denso, representando 25% do volume total e também local
O termo hiperplasia prostática benigna (HPB) refere-se
infrequente para o carcinoma prostático. Essa parte da prós-
ao processo histopatológico no qual há proliferação celular
tata também tem papel importante no desenvolvimento da
epitelial e estromal da próstata.1
HPB, pois começa a aumentar de tamanho por volta dos 40
anos e pode contribuir para dificuldade na micção.
Anatomia da próstata Zona periférica: Localizada na região posterior da
A próstata é uma glândula do sistema reprodutivo mas- próstata, é a mais próxima do reto. Compreende aproxi-
culino. Devido à sua localização englobando a uretra e ao madamente 80% do volume prostático e aloja a grande
seu crescimento natural com o envelhecimento masculino, maioria das neoplasias malignas.
ela pode causar desde sintomas urinários desconfortáveis Adicionalmente, há uma quarta região, denominada
até sérios problemas de saúde no homem idoso. “zona anterior”. É a mais próxima do abdome e é constitu-
ída em sua maioria, por tecido fibromuscular.
Tamanho e crescimento prostático Figura 1. Anatomia zonal da próstata. Modificado de McNeal JE.
Ao nascimento, a próstata tem o tamanho de uma er-
vilha. Com a puberdade há um grande crescimento esti-
mulado pela testosterona. Aos 20 anos, a próstata atinge o
tamanho adulto, variando de 15 a 20 g, com 3 a 4 cm de
comprimento. Na maioria dos homens, há um segundo pe-
ríodo de crescimento prostático no final da sua 4a década
de vida. Nesse período, a próstata pode sofrer crescimento
focal da sua zona de transição, causando compressão ure-
tral e obstrução progressiva do fluxo urinário. Na sequência
pode ocorrer obstrução infravesical e, assim, sintomas do
trato urinário inferior (STUI). Esses sintomas atingem 50%
dos homens aos 60 anos e até 90% nos seus 70 a 80 anos.

Epidemiologia
Lobos da próstata A HPB, que é a principal causa de STUI, ocorre por
A próstata possui três lobos: dois laterais conectados uma alteração no equilíbrio entre proliferação e morte ce-
anteriormente pelo istmo e posteriormente pelo terceiro, o lular. É a doença urológica mais prevalente em homens
lobo médio ou mediano. O lobo mediano localiza-se acima idosos, com impacto relevante tanto na qualidade de vida
e entre os ductos ejaculatórios, que desembocam na uretra quanto nos custos da assistência médica.
prostática, conduzindo o sêmen. Os lobos laterais tendem
Estudos por autópsia têm demonstrado repetidamen-
a crescer mais com a idade do que o lobo mediano. Este
te associação entre HPB e o envelhecimento pelo critério
último, porém, quando aumentado, é um fator associado à
histológico, peso e volume prostático. Randall e colabora-
falha no tratamento clínico.
dores3 encontraram evidências histológicas de que a HPB
ocorria em até 50% dos homens aos 50 anos e até 75%
Anatomia zonal dos homens entre 70 e 80 anos. A associação entre a idade
Segundo McNeal2, a próstata pode ser dividida em três e a prevalência histológica da HPB é similar em diversos
principais zonas: zona central, zona periférica e zona de países, independentemente da diversidade racial.4
transição (Figura 1). Do ponto de vista clínico, aos 55 anos até 25% dos
Zona de transição: Porção mais íntima da glândula e homens podem apresentar sintomas que podem evoluir e
circunda a uretra. É a menor porção (5%), porém a sua proli- acometer até 50% dos homens aos 75 anos. Há também
feração é a principal responsável pelos sintomas decorrentes relação direta entre o aumento da próstata e a necessidade,
da HPB. É local infrequente de câncer de próstata. tanto de tratamento clínico para HPB quanto de procedi-
Zona central: Região não glandular da próstata que en- mentos invasivos ou cirurgias prostáticas.5

350
HPB: anatomia, epidemiologia, diagnóstico e tratamento clínico

É importante ressaltar que existe uma forte correlação completa utilizam-se exames complementares. A avaliação
entre o processo de envelhecimento, aumento da mínima compreende a avaliação dos sintomas urinários,
próstata, sintomas de trato urinário inferior e a obstrução exame de urina tipo 1, dosagem sérica do PSA (antígeno
infravesical, conforme demonstrado na figura 2.6 prostático específico) e exame digital retal da próstata.
Utilizam-se, escalas de sintomas, conforme por exem-
Figura 2. Adaptado de Roehrborn CG.
plo, o IPSS8 (International Prostate Symptom Score), que
reflete o quanto os sintomas afetam a qualidade de vida
dos pacientes.
A dosagem do PSA como rastreamento para câncer de
próstata (CaP) em homens com HPB é controverso e será
discutida em capítulo a parte. A SBU recomenda iniciar o
rastreamento do CaP com PSA e exame de toque retal aos
50 anos ou aos 45 anos em homens com fatores de risco.
Outros testes e exames complementares poderão ser úteis
para o diagnóstico, monitorização, avaliação do risco de pro-
gressão, planejamento do tratamento e predição de resultados.
Quando há suspeita de poliúria noturna ou como parte das
orientações comportamentais, utiliza-se o diário miccional.
A ultrassonografia das vias urinárias é útil para ava-
Diagnóstico liação do volume urinário residual e tamanho da próstata,
O diagnóstico da HPB é fundamentalmente clínico,
tanto para considerar tratamento medicamentoso quanto
através dos sintomas do trato urinário inferior (STUI) as-
nas indicações de tratamento cirúrgico. Recomenda-se re-
sociados ou não ao aumento da próstata detectado durante
alizar em pacientes com volume residual elevado, hematú-
o exame físico.
ria ou história de urolitíase.
Os STUI são definidos de acordo com a fase do ciclo
A urofluxometria é um teste não invasivo que avalia o
miccional que se manifestam. Assim, temos os sintomas
fluxo máximo e o padrão de fluxo. Preferencialmente deve
de armazenamento, esvaziamento e sintomas pós-miccio-
ser avaliada quando há volume urinado maior que 150 ml.
nais, conforme a tabela 1.7
A Sociedade Europeia de Urologia sugere realizá-la antes
Tabela 1. STUI de iniciar qualquer tratamento.
Sintomas de Sintomas de Sintomas Recomenda-se uretrocistoscopia em pacientes com
armazenamento esvaziamento pós-miccionais hematúria macro ou microscópica, estenose de uretra ou
suspeita de câncer de bexiga. Deve ser realizada antes de
Sensação de
Urgência Hesitação esvaziamento terapias minimamente invasivas ou cirurgias para excluir
incompleto outras patologias ureterais ou vesicais.
A urodinâmica deve ser empregada nas seguintes si-
Aumento da Gotejamento
Jato fraco tuações: quando há STUI em pessoas com menos de 50
frequência pós-miccional
anos ou mais de 80 anos, caso o volume urinado seja me-
Nictúria Intermitência nor que 150 ml ou o volume residual seja maior que 300
ml, pacientes sintomáticos com fluxo máximo maior que
Incontinência Esforço
15 ml/s, pacientes com doenças neurológicas, na presença
Gotejamento terminal de hidronefrose bilateral, quando houver antecedente de
cirurgia pélvica radical ou na falha de outros tratamentos.8
Apesar da HPB ser a principal etiologia dos STUI, Atualmente a abordagem diagnóstica permite determi-
outras condições devem ser consideradas no diagnóstico nar com maior precisão o perfil de sintomas e quadro clí-
diferencial. Dessa forma, além de uma avaliação clínica nico do paciente, propiciando um tratamento mais efetivo.

351
Tabela 2.
Tratamento clínico
O tratamento da HPB tem como objetivos: Recomendações9 NE GR

• Aliviar os STUI e melhorar a qualidade de vida do Vigilância ativa em pacientes


paciente. assintomáticos ou com STUI leve 1b A
(IPSS <8).
• Corrigir, quando possível, as condições fisiopatoló-
gicas relacionadas ao crescimento da próstata. Tratamento conservador com mudanças
de hábitos de vida DEVEM ser encorajadas
1b A
• Prevenir progressão e complicações da HPB (hema- nos pacientes com STUI leves e poucos
túria, infecção urinária, retenção urinária aguda e ne- incomodados.

cessidade de cirurgia).
Segundo as diretrizes das Sociedades Urológicas Ame- Classes da terapia farmacológica
ricana (AUA), Europeia (EAU) e Brasileira (SBU), o trata-
mento clínico pode ser dividido, didaticamente, em: medi- Alfabloqueadores
das comportamentais, vigilância ativa, fitoterapia e terapia Os bloqueadores dos receptores α-adrenérgicos redu-
farmacológica. zem o tônus da musculatura lisa do colo vesical e estroma
fibromuscular da próstata. São considerados como pri-
Medidas comportamentais meira linha de tratamento com STUI moderados a graves
Sintomatologia leve (IPSS 0 a 7) viabiliza medidas associados a impacto na qualidade de vida. As opções
comportamentais, associadas a vigilância ativa, com re- disponíveis no mercado são: alfuzosina, terazosina, silo-
avaliação anual. As orientações incluem conscientização dosina e com destaque no nosso meio a doxazosina e a
sobre a HPB e sua história natural, orientações miccionais, tansulosina (Tabela 3).
adequação da ingesta hídrica minimizando volume em si- Tabela 3.
tuações de risco, como antes de uma longa viagem e/ou
Recomendações NE GR
antes de dormir, reduzir álcool e cafeína e tratar constipa-
ção intestinal. α-bloqueadores devem ser oferecidos para
1a A
homens com STUI moderados a grave
Vigilância ativa
Recomendada também na sintomatologia leve quando Deve-se postergar o início do uso dos alfabloqueadores
associada a mínimo impacto na qualidade de vida. Soli- nos pacientes com programação de cirurgia para catarata
citam-se os exames iniciais recomendados e procede-se à pelo risco da síndrome intraoperatória da íris frouxa, que
reavaliação anual mandatória. Deve-se ressaltar a impor- pode ocorrer em 43% a 90% dos pacientes, especialmente
tância da motivação do paciente em manter a vigilância com uso de tansulosina.
ativa e orientar retornos com intervalos mais curtos caso
haja mudança nos STUI. Inibidores da 5α-redutase
Os inibidores da 5α-redutase (i5αR), finasterida e du-
Fitoterapia tasterida, bloqueiam a conversão de testosterona em di-hi-
drotestosterona (DHT) (Tabela 4).
A fitoterapia, atualmente, não é recomendada devido
a grande diversidade de agentes e metodologia utilizada Tabela 4.

nos estudos científicos, associado à fraca regulamentação Recomendações NE GR


praticada pelas agências sanitárias (Anvisa, FDA).
Seguem abaixo as recomendações para o tratamento Inibidores da 5α-redutase (i5αR devem ser
oferecidos a homens com STUI moderados a grave e
clínico, adaptadas das Diretrizes da Associação Euro- próstata aumentada (>40 mL) ou PSA elevado (>1,4
1b A
peia de Urologia (EAU, 2016), com respectivos níveis - 1,6 ng/mL). Eles podem prevenir a progressão
da doença (RUA e necessidade de cirurgia). Não
de evidência (NE) e graus de recomendação (GR) (Ta-
recomendada para terapia inferior a 1 ano.
bela 2).

352
HPB: anatomia, epidemiologia, diagnóstico e tratamento clínico

Antimuscarínicos Terapia combinada


Os antimuscarínicos (AM), oxibutinina, tolterodina, A terapia combinada está indicada para pacientes na
darifenacina e solifenacina, bloqueiam a transmissão co- falha da monoterapia, utilizando-se duas classes de medi-
linérgica vesical.10 Deve-se dar atenção ao resíduo mic- camentos (Tabelas 8 e 9).
cional, que deverá ser menor que 150 ml. Caso o resíduo
exceda esse limite, será necessário adequar o tratamento
Alfabloqueadores + i5-alfa-redutase:
com outra classe de medicamento (Tabela 5).
Tabela 8.
Tabela 5.

Recomendações NE GR Recomendações NE GR

Antimuscarínicos: STUI moderados a graves com Terapia combinada (α-bloq. + I5α-R) deve ser
predomínio dos sintomas de armazenamento. O 1b B recomendada para homens com STUI moderados
resíduo miccional deve ser <150 ml. a graves, próstata aumentada (> 40 cc) e Qmáx 1a A
reduzido (risco de progressão). Não recomendada
para terapia inferior à 1 ano.
Inibidores da fosfodiesterase
Entre os inibidores da fosfodiesterase (iPDE5) desta-
ca-se a tadalafila, com indicação para pacientes com STUI 1 - Alfabloqueadores + antimuscarínicos:
moderados a graves, associados a disfunção erétil (DE). O
Tabela 9.
iPDE5 atua inativando o GMP cíclico (cGMP) e aumentan-
do o óxido nítrico (NO) na próstata. Isso causa relaxamento Recomendações NE GR
da musculatura lisa do trato urinário inferior e diminuição
da hiperatividade autonômica, na bexiga, próstata e pênis. Terapia combinada (α-bloq. + AM) deve ser
Além disso, estudos mostram que a aterosclerose crô- recomendada para homens com STUI moderados
nica e isquemia pélvica promovem alterações estruturais e a graves, se o alívio dos sintomas não foi obtido 1b B
com a monoterapia. (Resíduo miccional pequeno
funcionais na bexiga, próstata e pênis, acentuando os STUI, e sintomas predominantes de armazenamento).
justificando o uso em pacientes com HPB (Tabela 6).

Tabela 6. Em 1992, o estudo MTOPS11 demonstrou que a tera-


Recomendações NE GR pia combinada reduz a progressão da HPB e está asso-
ciada a redução nas taxas de retenção urinária aguda e
Inibidores da PDE5 podem ser recomendados em menor incidência de cirurgia para HPB.
homens com STUI moderados a graves com ou sem 1b A
DE associada. O estudo CombAT12, publicado em 2002, demons-
trou que, a terapia combinada melhora o IPSS, aumenta
o Qmáx e reduz as taxas de cirurgia para HPB.
Agonista beta-3 adrenérgico
Em 2015, Roehrborn e colaboradores avaliaram,
O agonista adrenérgico beta-3 seletivo utilizado é a
no estudo prospectivo e randomizado CONDUCT13, os
mirabegrona, cuja atuação nos receptores beta-3 vesicais
resultados da terapia combinada com tansulosina e du-
promove o relaxamento do músculo detrusor, aumentando
a capacidade vesical na fase de enchimento, sem prejuízo tasterida, observando melhora rápida e persistente dos
à micção (Tabela 7). STUI, inclusive com mudança de patamar de sintomas
moderados para leves. Além disso, a terapia combinada
Tabela 7. reduziu de forma significativa o risco de progressão clí-
Recomendações NE GR nica da HPB.
Resumindo, o fluxograma abaixo ilustra as princi-
Beta-3 agonistas: STUI moderados a graves com pais recomendações para o tratamento clínico da HPB
1b B
predomínio de sintomas de armazenemento.
(Quadro 1).

353
Quadro 1. Fluxograma.8
STUI em Homens
(Sem indicação cirúrgica)

STUI sintomáticos?
Não Sim
IPSS > 7?

Poliúria noturna
Não Sim
predominante?

Predomínio de sintomas
Não Sim
de armazenamento?

Tratamento de
Não Próstata >40 ml? Sim
longa duração?

Educação + mudança de estilo de vida


Não Sim
com ou sem a1-bloqueador / PDE5I

Observação Adcionar Educação + mudan- Educação + Educação +


Sintomas ça de estilo de vida mudança de estilo mudaça de estilo
com ou sem antimuscarínico +
armazenamento com ou sem de vida com ou sem de vida com ou sem
mudança de continuar mudança
residuais i5a redutase antimuscarínico desmopressina
estilo de vida de estilo de vida

eururo.2010.11.040. Epub 2010 Dec 8.


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354
SEÇÃO VIII
NEUROUROLOGIA,
DISFUNÇÃO MICCIONAL
E HPB

CAPÍTULO 54
HPB: tratamento
cirúrgico

Alberto Azoubel Antunes


dicada de forma menos frequente, mas até hoje ela apresenta
Introdução um papel relevante no tratamento da HPB. A técnica que nós
Apesar do desenvolvimento da terapia farmacológica em
empregamos atualmente é reconhecida em nosso meio como
meados da década de 90, o tratamento cirúrgico da hiperpla-
Millin-Srougi e foi originalmente descrita em 2003 com a
sia prostática benigna (HPB) continua sendo a modalidade
proposta de melhorar o sangramento durante a prostatecto-
mais eficiente para alívio dos sintomas e das complicações
mia aberta.5
da doença. Normalmente a abordagem cirúrgica está indi-
A cirurgia aberta está indicada nos pacientes com adeno-
cada nos pacientes com sintomas severos acompanhados ou
mas > 80-100 gramas. A redução dos sintomas varia de 63%
não de complicações do processo obstrutivo.
a 86%, a melhora no escore de qualidade de vida de 60% a
De acordo com as principais diretrizes internacionais, o
87% e o aumento nas taxas de fluxo urinário de 375% com
tratamento cirúrgico deve ser indicado para pacientes com
resultados duradouros em longo prazo. Sua morbidade foi
sintomas urinários refratários ao tratamento clínico, com
também reduzida significativamente nas últimas duas déca-
insuficiência renal secundária à HPB, com infecções recor-
das. As taxas de transfusão sanguínea variam de 7% a 14%,
rentes do trato urinário, hematúria macroscópica recorrente
incontinência urinária transitória de 10% e as taxas de escle-
secundária à HPB ou com cálculos vesicais.1,2 A presença de
rose de colo/estenose de uretra em torno de 6%.6,7
divertículo vesical não se configura uma indicação absoluta
de cirurgia, a não ser que esteja associada a infecção recor-
rente ou disfunção vesical progressiva.3 Ressecção e incisão
Atualmente, as principais formas de tratamento cirúrgico endoscópica da próstata
da HPB são a incisão transuretral da próstata, a ressecção Apesar do desenvolvimento de novas técnicas minima-
endoscópica (RTU) mono e bipolar, a eletrovaporização da mente invasivas, a RTU da próstata ainda representa o méto-
próstata (EVAP), as técnicas de vaporização e enucleação do cirúrgico padrão ouro para se tratar a HPB em indivíduos
endoscópica com laser, e as cirurgias aberta, laparoscópica com próstatas entre 30 e 80 gramas. Pode ser utilizada com
e robô-assistida. Como técnicas minimamente invasivas des-
eficiência na maioria dos pacientes, encontra-se amplamente
tacam-se a terapia com micro-ondas, a radiofrequência, o lift
disponível, possui bons resultados descritos com seguimento
de uretra prostática e a embolização das artérias prostáticas.
de mais de 20 anos e acompanha-se de relativa baixa morbi-
A escolha do método dependerá basicamente de fatores
dade.8-10 Seus resultados são superiores aos da terapia medi-
como o volume prostático, tecnologia e recursos disponí-
camentosa e dos métodos minimamente invasivos.
veis, experiência do cirurgião e da presença de complicações
A incisão transuretral da próstata está indicada em ho-
locais. De modo geral, em próstatas de pequenas e médias
mens sintomáticos por obstrução prostática benigna com
dimensões, as intervenções transuretrais representam as
próstatas < 30 gramas sem lobo mediano. Nestes casos, os
melhores alternativas técnicas, já que se acompanham de
estudos de meta-análise têm revelado resultados funcionais
resultados globais bastante satisfatórios, baixa incidência de
semelhantes aos da RTU da próstata.11
complicações e curto tempo de internação hospitalar. Os pa-
A RTU com gerador bipolar de energia (RTU bipolar)
cientes com próstatas mais volumosas geralmente são trata-
contorna uma das principais limitações da cirurgia monopo-
dos através de enucleação endoscópica com laser ou cirurgia
lar por permitir sua realização em solução salina. Na RTU
aberta/laparoscópica ou robótica.
bipolar a energia não viaja através do corpo, mas é confinada
entre um polo passivo (alça de ressecção) e ativo, situado
Cirurgia aberta na ponta do ressectoscópio (sistema bipolar verdadeiro) ou
A intervenção aberta constitui a forma mais antiga de ci- na camisa de ressecção (sistema quasibipolar). A energia da
rurgia prostática, com o primeiro caso descrito no final do alça é transmitida para a solução salina, resultando na excita-
século 19. Inicialmente, procedia-se apenas à enucleação ção de íons sódio para formar um meio de plasma.
transvesical do adenoma, confiando a hemostasia ao fenô- Estudos de meta-análise têm revelado que os resultados
meno de contração natural da cápsula prostática. Depois dis- funcionais da RTU bipolar são semelhantes aos da monopo-
so, numerosos refinamentos foram introduzidos na técnica lar. Da mesma maneira, resultados semelhantes são observa-
de cirurgia aberta, em geral com o objetivo de se obter me- dos em relação às taxas de estenose de uretra e colo vesical.
lhor hemostasia e, consequentemente índices mais baixos de A RTU bipolar, no entanto, se reveste de melhor perfil de
complicações e mortalidade.4 Com o desenvolvimento poste- segurança perioperatória, pois elimina a síndrome pós-RTU,
rior da técnica endoscópica, a cirurgia aberta passou a ser in- tem menores taxas de retenção de coágulos e transfusão san-

356
HPB: tratamento cirúrgico

guínea, e menor tempo de irrigação e cateterismo.12 sos e tem sido considerado um dos principais fatores limitan-
Com o advento da ressecção endoscópica utilizando ge- tes para a disseminação do método. A vaporização prostáti-
rador bipolar de energia, que permite a utilização de solu- ca com o greenlaser é tecnicamente mais fácil, mas devido
ção fisiológica durante o procedimento, alguns centros com a evolução constante do seu modelo (atualmente tem sido
maior experiência já ressecam próstatas de maiores volu- usado o modelo de 180W XPS), resultados em longo prazo
mes.13 Da mesma forma, técnicas de enucleação endoscó- ainda são necessários para melhor avaliação da eficácia do
pica com o resector bipolar têm revolucionado a cirurgia do método.
adenoma prostático.14 As terapias com laser possuem menor morbidade intra-
operatória quando comparadas à RTU, no entanto seus cus-
tos e menor disponibilidade ainda limitam sua utilização em
Eletrovaporização da próstata nosso meio.
As técnicas de vaporização bipolar foram introduzidas
no final da década de 90 e seguiram com o desenvolvimento
de diferentes eletrodos que representam uma adaptação do Laparoscopia e robótica
antigo eletrodo de roller-ball. Com o intuito de reduzir a morbidade associada com a
Estudos de meta-análise revelam resultados funcionais cirurgia aberta, técnicas minimamente invasivas têm sido
semelhantes aos da RTU monopolar em até 18 meses de se- propostas para a realização da prostatectomia simples. A pri-
guimento,15 com risco perioperatório reduzido devido a me- meira cirurgia laparoscópica para HPB foi realizada em 2002
nores taxas de sangramento e complicações metabólicas.16 e a primeira cirurgia robótica em 2008.
Resultados em longo prazo ainda são necessários para ava- Uma revisão multi-institucional norte-americana e euro-
liar a eficácia do método. peia de 1.330 casos submetidos a estas técnicas entre 2000
e 2014 foi descrita. O volume prostático mediano foi de 100
ml (89 a 128 ml) e a perda sanguínea mediana estimada em
Cirurgias com laser 200 ml (150 a 300 ml). A taxa de transfusão perioperató-
Embora o laser tenha sido introduzido na medicina há
ria foi de 3,5% e apenas 3% dos casos foram convertidos
mais de 35 anos, só no início da década de 90 o seu potencial
para cirurgia aberta. A taxa de complicação pós-operatória
clínico passou a ser reconhecido e utilizado de forma mais
foi de 10,6% e a maioria foi de baixo grau. O tempo cirúrgi-
abrangente. Até o presente momento, os lasers Holmium e
co foi significativamente menor entre os casos submetidos à
o de KTP ou LBO (greenlaser®) se constituem os mais es-
laparoscopia simples (95 vs. 154 minutos) e o sangramento
tudados em próstata, sendo o primeiro mais utilizado para
estimado foi significativamente menor entre os casos subme-
enucleação (HoLeP) e o segundo para vaporização endoscó-
tidos a cirurgia robótica (280 vs. 200 ml).20
pica.17 Os lasers de thulium (enucleação) e diodo (vaporiza-
Atualmente estes métodos são considerados factíveis em
ção) também são utilizados em alguns centros.
indivíduos com próstatas > 80 gramas, mas ainda estão sob
O laser holmium possui comprimento de onda de 2.140
investigação de acordo com as principais diretrizes interna-
nm, é um laser pulsátil de estado sólido, absorvido pela água
cionais.
e tecidos ricos em água. A coagulação e necrose tecidu-
al são limitadas a 3-4 mm, o que garante uma hemostasia
adequada. Os lasers de KTP (Kalium-Titanyl-Phosphate) e Métodos minimamente invasivos
LBO (Lithium Triborate) atuam com um comprimento de Abordagens alternativas têm se desenvolvido para o tra-
onda de 532 nm e sua energia é absorvida pela hemoglobi- tamento intervencionista da HPB. Entre as mais realizadas
na. Atualmente o procedimento padrão utiliza o sistema de destacam-se a terapia com micro-ondas (TUMT), a ablação
180W-XPS, mas a maioria das evidências clínicas ainda são transuretral com agulha (TUNA), o lift de uretra prostática
dos lasers de menor potência das gerações anteriores. (urolift®) e a embolização das artérias prostáticas (EAP). De
De modo geral, os lasers proporcionam menor tempo de modo geral, estes métodos podem ser realizados sob anes-
permanência hospitalar e menor tempo de cateter no pós- tesia local em um regime ambulatorial. Isso os torna ideais
-operatório em comparação com a RTU ou cirurgia aberta para os pacientes com condições cirúrgicas precárias.
com resultados funcionais equivalentes em médio (greenla- A TUMT age através da emissão de radiação por mi-
ser®) e longo (HoLeP) prazos.18,19 Do ponto de vista prático, cro-ondas através de uma antena intrauretral que libera ca-
a utilização do HoLeP exige grande experiência e habilidade lor para a próstata. O tecido sofre necrose de coagulação,
endoscópica. Sua curva de aprendizado varia de 20 a 50 ca- apoptose e denervação dos receptores alfa, reduzindo assim

357
o tônus da musculatura lisa prostática. A TUNA libera ener- CG, Reich O. Complications and early postoperative outcome after
open prostatectomy in patients with benignprostatic enlargement: re-
gia de radiofrequência para a próstata através de agulhas sults of a prospective multicenter study. J Urol. 2007;177(4):1419-22.
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8. Reich O, Gratzke C, Stief CG. Techniques and long-term results of sur-
Através da análise das séries clínicas publicadas avalian- gical procedures for BPH. Eur Urol. 2006;49:970-8.
do essas tecnologias, concluímos que: Os estudos compa- 9. Rassweiler J, Teber D, Kuntz R, Hofmann R. Complications of transu-
rethral resection of the prostate (TURP)--incidence, management, and
rativos têm evidência baixa a moderada, estes métodos são prevention. Eur Urol. 2006;50:969-79.
superiores em relação à RTU da próstata em termos de mor- 10. Lourenco T, Shaw M, Fraser C, MacLennan G, N’Dow J, Pickard
R.The clinical effectiveness of transurethral incision of the pros-
bidade, necessidades anestésicas e permanência hospitalar, tate: a systematic review of randomised controlled trials. World J
Urol. 2010;28(1):23-32.
seus resultados funcionais são inferiores aos da RTU da
11. Mamoulakis C, Schulze M, Skolarikos A, Alivizatos G, Scarpa
próstata e suas taxas de retratamento são significativamente RM, Rassweiler JJ, de la Rosette JJ, Scoffone CM. Midterm results
from an international multicentre randomised controlled trial compa-
superiores às da RTU da próstata e podem atingir cerca de ring bipolar with monopolar transurethral resection of the prostate. Eur
50% em 5 anos.21,22 Urol. 2013;63(4):667-76.
12. Skolarikos A, Rassweiler J, de la Rosette JJ, Alivizatos G, Scoffone
O urolift pode ser realizado sob anestesia local e consiste C, Scarpa RM, Schulze M, Mamoulakis C. Safety and Efficacy of Bi-
na liberação de pequenos implantes permanentes por cis- polar Versus Monopolar Transurethral Resection of the Prostate in Pa-
tients with Large Prostates or Severe Lower Urinary Tract Symptoms:
toscopia que retraem os lobos laterais da próstata abrindo a Post Hoc Analysis of a European Multicenter Randomized Controlled
luz uretral. Resultados satisfatórios com redução de até 50% Trial. J Urol. 2016;195(3):677-84.
13. Abou-Taleb A, El-Shaer W, Kandeel W, Gharib T, Elshaer A. Bipo-
no IPSS têm sido observados em médio prazo.23 Estudos lar Plasmakinetic Enucleoresection of the Prostate: Our Experience with
comparativos com a RTU têm revelado resultados funcio- 245 Patients for 3 Years of Follow-Up. J Endourol. 2017;31(3):300-306.
14. Robert G, de la Taille A, Herrmann T. Bipolar plasma vaporization of
nais inferiores.24 Hematúria e disúria, em geral de pequena the prostate: ready to replace GreenLight? A systematic review of ran-
intensidade, são os principais inconvenientes do método. O domized control trials. World J Urol. 2015;33(4):549-54.
15. Wroclawski ML, Carneiro A, Amarante RD, Oliveira CE, Shimanoe
urolift não deve ser indicado em casos com próstatas > 80 V, Bianco BA, Sakuramoto PK, Pompeo AC. ‘Button type’ bipo-
gramas ou com lobo mediano aumentado. lar plasma vaporisation of the prostate compared with standard transu-
rethral resection: a systematic review and meta-analysis of short-term
A EAP, ideal para homens sem condições clínicas para outcome studies. BJU Int. 2016;117(4):662-8.
cirurgia, é realizada através de cateterismo da artéria femo- 16. Elmansy H, Baazeem A, Kotb A, Badawy H, Riad E, Emran A, Elhilali
M. Holmium laser enucleation versus photoselective vaporization for
ral também sob anestesia local. É capaz de reduzir o volume prostatic adenoma greater than 60 ml: preliminary results of a prospec-
tive, randomized clinical trial. J Urol. 2012;188(1):216-21.
prostático em 30% após 3 meses e proporciona uma me- 17. Kuntz RM, Lehrich K, Ahyai SA. Holmium laser enucleation of the pros-
lhora significativa no escore de sintomas com baixo índice tate versus open prostatectomy for prostates greater than 100 grams: 5-year
follow-up results of a randomised clinical trial. Eur Urol. 2008;53:160-6.
de complicações. Os resultados funcionais, apesar de sig- 18. Thangasamy IA, Chalasani V, Bachmann A, Woo HH. Photoselective
nificativos, também são inferiores aos da RTU da próstata. vaporisation of the prostate using 80-W and 120-W laser versus tran-
surethral resection of the prostate for benign prostatic hyperplasia: a
Seguimento de médio e longo prazo ainda são necessários systematic review with meta-analysis from 2002 to 2012. Eur Urol.
para testar a durabilidade, assim como as chances de novo 2012;62:315-23.
19. Autorino R, Zargar H, Mariano MB, Sanchez-Salas R, Sotelo RJ,
crescimento prostático.25 Chlosta PL, Castillo O et al. Perioperative Outcomes of Robotic and
Laparoscopic Simple Prostatectomy: A European-American Multi-ins-
titutional Analysis. Eur Urol. 2015;68(1):86-94.
Referências recomendadas 20. Bouza C, López T, Magro A, Navalpotro L, Amate JM. Systematic re-
view and meta-analysis of Transurethral Needle Ablation in symptoma-
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nign prostatic hyperplasia. J Urol. 2011;185(5):1793-803. ve thermotherapy for benign prostatic hyperplasia. Cochrane Database
2. Madersbacher S, Alivizatos G, Nordling J, Sanz CR, Emberton M, de la Syst Rev. 2007 Oct 17;(4):CD004135.
Rosette JJ. EAU 2004 guidelines on assessment, therapy and follow-up 22. McNicholas TA, Woo HH, Chin PT, Bolton D, Fernández Arjona M,
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tic obstruction (BPH guidelines). Eur Urol. 2004;46(5):547-54. torsi F. Minimally invasive prostatic urethral lift: surgical technique and
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series of patients. Urology. 2004;64(2):306-10. plasia. A prospective single-center pilot study. Cardiovasc Intervent
6. Gratzke C, Schlenker B, Seitz M, Karl A, Hermanek P, Lack N, Stief Radiol. 2013;36:978-86.

358
SEÇÃO IX
CÂNCER DE RIM

CAPÍTULO 55
Câncer de rim: epidemiologia,
diagnóstico, escores e
biópsia percutânea
João Pádua Manzano
Petrônio Melo
Frederico Teixeira Barbosa
encontrados nas seguintes entidades: CCRp hereditário,
Epidemiologia síndrome de Birt-Hogg-Dubé, carcinoma de células renais
O carcinoma de células renais (CCR) representa 2%-3%
– leiomiomatose hereditária, entre outras.
de todos os tipos de câncer (12 casos a cada 100 mil pes-
O carcinoma papilar (CCRp) é segundo tipo mais co-
soas), com uma incidência maior nos países ocidentais. É o
mum, representando 10% a 15% dos CCRs. Apresenta co-
mais letal dos cânceres urológicos mais frequentes (próstata
loração amarelada a branca, bordas esféricas e tem hemor-
e bexiga). Os homens são 1,5 vezes mais acometidos que
ragia frequentemente, o que pode mimetizar componentes
as mulheres, com um pico de incidência entre os 60 e 70
císticos radiologicamente. Uma característica única do
anos. Fatores etiológicos incluem tabagismo, obesidade e
CCRp é sua tendência a ser multifocal, que chega a 40%
hipertensão. Um familiar de primeiro grau acometido com
em algumas séries. São heterogêneos, com dois diferentes
câncer de rim também aumenta o risco de CCR. Alterações
subtipos: tipo 1 e tipo 2. Tem uma taxa maior de doença lo-
degenerativas císticas e uma maior incidência de CCR são
calizada quando comparado ao CCRcc e maior sobrevida
típicas da insuficiência renal crônica terminal (risco dez ve-
câncer-específica, em torno de 86% a 92%. O prognóstico
zes maior do que na população geral). Medidas profiláticas
do CCRp tipo 2 é pior do que o tipo 1.
efetivas são a eliminação do tabagismo e da obesidade.
O carcinoma cromófobo (CCRch) tem uma coloração
Todos os CCRs são, por definição, adenocarcinomas,
pálida, amarelada, é relativamente homogêneo, de mar-
derivados de células epiteliais tubulares. Há três tipos prin-
gens bem delimitadas e de consistência firme, sem uma
cipais de CCRs: células claras (CCRcc), papilar (CCRp –
cápsula. Representa 5% dos CCR e parece ser derivado
tipo 1 e 2) e cromófobo (CCRch). O diagnóstico histológico
da porção cortical dos ductos coletores, diferentemente do
inclui, além do tipo, a avaliação do grau nuclear, caracte-
CCRcc e do CCRp, que têm sua origem nos ductos proxi-
rísticas sarcomatoides, invasão vascular, necrose tumoral,
mais. O prognóstico é relativamente bom para o CCRch
invasão do sistema coletor e da gordura perirrenal. O grau
localizado quando comparado ao CCRcc.
nuclear de Fuhrman é o sistema de graduação mais ampla-
O carcinoma de ductos coletores de Bellini é um sub-
mente aceito.
tipo relativamente raro de CCR, com menos de 1% dos
Cerca de 15% dos tumores de rim são benignos. Uma
casos. A maioria dos casos reportados são tumores de alto
característica única do CCR é sua predileção pelo envol-
grau, estágio avançado e não responsivo a terapia conven-
vimento do sistema venoso, que ocorre em 10% dos casos,
cional. O carcinoma medular renal é um subtipo de CCR
mais frequentemente do que em qualquer outro tipo de tu-
que ocorre quase exclusivamente em pacientes com traço
mor. A maioria dos CCRs são unilaterais e unifocais. Tu-
falcêmico. Ocorre em torno da terceira década de vida, ge-
mores bilaterais e multicêntricos são mais comuns em pa-
ralmente são avançados localmente ou com metástases ao
cientes com formas familiares de CCR ou histologia papilar.
diagnóstico. Não costuma responder ao tratamento, com
O carcinoma de células claras (CCRcc) representa
70% a 80% de todos os CCRs. É bem circunscrito, com sobrevida de poucos meses.
cápsula geralmente ausente. Apresenta coloração amare-
lo-ouro, frequentemente com áreas hemorrágicas e de ne- Pontos principais – Epidemiologia
crose. Tem um pior prognóstico comparado com o CCRp
Tabagismo, obesidade e hipertensão são considerados fatores
e o CCRch. As taxas de sobrevida câncer-específica em 5
de risco definitivos para CCR
anos são: 91%, 74%, 67% e 32% para os estágios TNM I,
II, III e IV, respectivamente. As medidas mais importantes de prevenção primária são a
A forma familiar do CCRcc é a doença de von Hippel- eliminação do tabagismo e da obesidade

-Lindau (VHL), uma doença autossômica dominante, com CCRs são por definição adenocarcinomas, derivados de células
frequência de 1 a cada 36 mil pessoas. As principais mani- epiteliais tubulares
festações são: desenvolvimento de CCR, feocromocitoma,
Há três tipos principais de CCRs: células claras, papilar ou
angiomas retinais, hemangioblastomas de tronco cerebral,
papilífero (tipo 1 e 2) e cromófobo
cerebelo e medula espinhal. Os CCRs ocorrem em 50%
dos pacientes com doença de VHL, geralmente precoce- As principais formas hereditárias são encontradas na doença
mente (3ª e 4ª décadas de vida) e com envolvimento bila- de von Hippel-Lindau, carcinoma renal papilífero hereditário,
síndrome de Birt-Hogg-Dubé e leiomiomatose hereditária
teral e multifocal. Outros tumores de rim hereditários são

360
Câncer de rim: epidemiologia, diagnóstico, escores e biópsia percutânea

abdominal ou TC realizada por outras razões médicas. As


Diagnóstico massas renais são classificadas como sólidas ou císticas
Achados clínicos baseadas em achados de imagem. São usadas a ultras-
A maioria das massas renais são assintomáticas até sonografia, tomografia computadorizada e a ressonância
estarem localmente avançadas. Mais de 50% dos CCRs magnética na detecção e caracterização das massas re-
são detectados incidentalmente por exames de imagem nais. Em relação aos tumores sólidos, o critério mais im-
não invasivos solicitados para investigação de sintomas portante na diferenciação de lesões malignas é a presença
variados ou outras doenças abdominais. de realce. Na TC, o realce dos tumores renais é determi-
Dor em cólica é geralmente devido a hemorragia e nado ao comparar as Unidades Hounsfield (UH) antes e
obstrução por coágulos, embora ela também possa ocor- após a administração de contraste, e uma alteração de 15
rer com doença localmente avançada ou doença invasiva. UH ou mais determina realce. Não é possível uma dis-
A tríade clássica de dor lombar, hematúria e massa ab- tinção confiável pelos exames de imagem entre o CCR e
dominal palpável atualmente é rara (6%-10%) e está as- tumores benignos como oncocitomas e angiomiolipomas
sociada a tumores com histologia agressiva e localmente pobres em gordura. A TC de abdome pode avaliar tam-
avançados. Sintomas associados com o CCR podem ser bém a função e morfologia do rim contralateral, extensão
devido ao crescimento local do tumor, hemorragia, sín- do tumor primário, envolvimento venoso, linfonodome-
dromes paraneoplásicas ou doença metastática. Outros galias regionais e envolvimento das adrenais e outros ór-
indicadores de doença avançada incluem: perda de peso, gãos sólidos. Se os resultados da TC são inconclusivos, a
febre, sudorese noturna, linfadenopatia cervical, varico- RNM pode fornecer dados adicionais.
cele não redutível e edema bilateral de membros infe- Radiografia de tórax pode ser realizada na investiga-
riores. Uma minoria dos pacientes apresenta sintomas ção de metástases, mas a TC de tórax é mais acurada,
diretamente relacionados à doença metastática, como dor sendo recomendada no estadiamento dos pulmões e do
óssea ou tosse persistente. mediastino. Metástases ósseas e cerebrais são sintomáti-
Síndromes paraneoplásicas ocorrem em 10% a 30% cas ao diagnóstico, portanto exames de imagem de rotina
dos pacientes com CCRs. Hipercalcemia ocorre em até não são indicados para investigação, exceto em pacientes
13% dos pacientes com CCRs tanto devido ao fenôme- com sintomas.
no paraneoplásico como pelo envolvimento metastático O valor da tomografia por emissão de pósitrons (PE-
osteolítico. Hipertensão, policitemia e a síndrome de T-CT) no diagnóstico e acompanhamento de CCR ainda
Stauffer (disfunção hepática não metastática) são outras não foi determinado e, portanto, PET- CT não é recomen-
síndromes paraneoplásicas importantes. dada.
A classificação de Bosniak classifica os cistos renais
Exames de imagem em cinco categorias baseado na aparência tomográfica
A maioria dos tumores renais é diagnosticada por US para prevenir o risco de malignidade.

Categoria Características Conduta

I Cisto benigno simples com paredes finas sem septos, calcificações ou componentes sólidos. Benigno
Mesma densidade da água e não realça com contraste.

II Cisto benigno que pode conter alguns septos finos. Calcificações finas podem estar presentes na Benigno
parede ou nos septos. Cistos hiperdensos com menos de 3 cm com margens bem definidas.

IIF Podem conter mais septos finos. Mínimo realce dos septos finos ou da parede. Mínimo Seguimento. Alguns são
espessamento dos septos ou da parede. O cisto pode conter calcificações que podem ser malignos (3%-5%)
nodulares e grosseiras, sem realce de contraste. Sem realce de elementos de tecidos moles.
Cistos hiperdensos com mais de 3 cm totalmente intrarrenais com margens bem definidas.

III Cistos indeterminados com paredes espessas irregulares ou septos com realce. Cirurgia ou vigilância ativa.
50% malignos

IV Claramente maligno contendo componentes sólidos de tecidos moles com realce. Cirurgia. Maioria são malignos

361
Estadiamento TNM

T – Tumor primário

TX Tumor primário não pode ser avaliado

T0 Sem evidência de tumor primário

T1 Tumor com < 7 cm no maior diâmetro, limitado ao rim

T1a Tumor com < 4 cm no maior diâmetro, limitado ao rim

T1b Tumor com > 4 cm, mas < 7 cm no maior diâmetro

T2 Tumor com > 7 cm no maior diâmetro, limitado ao rim

T2a Tumor com > 7 cm, mas < 10 cm no maior diâmetro

T2b Tumor com > 10 cm limitados ao rim

T3 Tumor se estende para grandes veias ou tecidos perirrenais, mas não para a glândula adrenal ipsilateral ou além da fáscia de Gerota

T3a Tumor se estende na veia renal ou seus ramos segmentares (contendo músculo) ou invade gordura perirrenal e/ou do seio
renal (peripélvica), mas não além da fáscia de Gerota

T3b Tumor se estende na veia cava infradiafragmática

T3c Tumor se estende na veia cava supradiafragmática ou invade a parede da veia cava

T4 Tumor avança além da fáscia de Gerota (incluindo extensão por continuidade para a glândula adrenal ipsilateral)

N – Linfonodos regionais

NX Linfonodos regionais não podem ser avaliados

N0 Ausência de metástases em linfonodos regionais

N1 Presença de metástases em linfonodos regionais

M – Metástases a distância

M0 Ausência de metástases a distância

M1 Metástases a distância

Pontos principais – Diagnóstico


A maioria das massas renais são assintomáticas. Mais de 50% dos CCRs são detectados incidentalmente

A tríade clássica de dor lombar, hematúria e massa abdominal palpável é rara (6%-10%)

A TC e a RM de abdome com contraste são recomendadas para o tratamento de pacientes com CCR e são consideradas iguais tanto para diagnóstico
como para estadiamento antes da cirurgia

A RM está indicada em doentes alérgicos a contraste intravenoso de CT e na gravidez

Com exceção dos angiomiolipomas, a maioria dos outros tumores renais não pode ser diferenciada do CCR por exames de imagem e eles devem ser
tratados da mesma forma

A TC de tórax é mais precisa do que RX e deve ser utilizada para estadiamento do pulmão e mediastino

Angio TC pode ser útil para avaliar vascularização e programação cirúrgica

Cintilografia óssea não está indicada de rotina

Exames para investigar metástases ósseas e cerebrais não devem ser realizados de rotina, exceto quando houver suspeita clínica

A classificação de Bosniak classifica os cistos renais em cinco categorias, com base na aparência de imagem da TC, para prever o risco de malignidade
e definir o tratamento

Os cistos Bosniak III e IV devem ser considerados CCR e tratados dessa forma

TNM, Fuhrman e subtipos histológicos são fatores prognósticos importantes no CCR

362
Câncer de rim: epidemiologia, diagnóstico, escores e biópsia percutânea

Escores – Sistemas de
classificação anatômica
Os sistemas de classificação anatômica foram propos-
tos para padronizar a descrição dos tumores renais. Os
principais sistemas são o R.E.N.A.L. e o PADUA (Preo-
perative Aspects and Dimensions Used for an Anatomi-
cal Classification System) e o índice C. Esses sistemas
incluem avaliação do tamanho do tumor, propriedades
exofíticas/endofíticas, proximidade do sistema coletor e
do seio renal e localização anterior/posterior. R.E.N.A.L. score
O uso de tais sistemas é útil por permitir prever ob-
jetivamente a morbidade potencial de uma nefrectomia Pontos Complexidade
parcial e técnicas de ablação tumoral. Essas ferramentas
4-6 Baixa
fornecem informação para planejamento do tratamento e
aconselhamento do paciente. Porém, ao considerar a me- 7-9 Média
lhor opção de tratamento, os escores anatômicos devem
sempre ser considerados juntamente com as característi- 10-12 Alta

cas do paciente e a experiência do cirurgião.


O sistema mais utilizado é o R.E.N.A.L. score, que
classifica o tumor renal baseado em cinco característi-
Biópsia percutânea
Devido à alta precisão diagnóstica dos métodos de
cas anatômicas, com pontuação de 4 a 12 pontos e divide
imagem (TC e RM) na determinação das massas renais, a
em 3 graus de complexidade (baixa, média e alta), rela-
biópsia de tumor renal sempre foi um procedimento des-
cionando com a probabilidade de complicações maiores
necessário em pacientes com massas renais com realce ao
do tratamento cirúrgico e definindo a ressecabilidade do
contraste, para as quais a cirurgia é indicada. Porém, com
tumor.
o uso generalizado de exames de imagem e o aumento da
detecção de tumores renais pequenos e assintomáticos,
1 pt 2pts 3 pts
assim como o surgimento de novos tratamentos sistêmi-
cos para a doença metastática, tornou-se necessário se
(R) adius (maximal ≤4 > 4 but ≥7
reavaliar estratégias de diagnóstico e tratamento, expan-
diameter in cm) <7
dindo dessa maneira as indicações de biópsia de tumor
renal. Por outro lado, com melhores técnicas, a capacida-
(E)xophytic/ ≥ 50% < 50% Entirely endophytic
endophytie properties de de biópsia percutânea para distinguir lesões benignas
de malignas tornou-se muito grande. Vários estudos rela-
(N)earness of the ≥7 > 4 but ≤4 taram grande precisão para a determinação tumoral sub-
tumor to the collecting <7 tipo histológico, variando de 77% a 100%. Dessa manei-
system or sinus (mm)
ra, a biópsia percutânea de tumores renais pode revelar a
histologia de tumores radiologicamente indeterminados
(A)nterior/Posterior No points given. Mass assigned a descriptor
e deve ser considerada em pacientes selecionados com
of a, p, or x
tumores pequenos candidatos à vigilância ativa, para se
obter histologia antes de tratamentos ablativos, ou naque-
(L)ocation relative to Entirely abo- Lesion > 50% of mass
the polar lines* ve the upper crosses is across polar les pacientes com doença metastática candidatos a trata-
or below the polar line line (a) or mass mento sistêmico. No entanto, devido à alta acurácia dos
lower polar crosses the axial
line renal midline (b)
exames de imagem, a biópsia continua não sendo neces-
or mass is entirely sária nos pacientes com tumores com realce ao contraste
between the polar nos quais a cirurgia é planejada.
lines (c)
A biópsia percutânea pode ser realizada sob anes-

363
tesia local, guiada por US ou TC. Pode ser realizada a significativo é incomum (0,0-1,4%), e geralmente, auto-
retirada de fragmentos (core biopsy) ou aspiração com limitado. O número ideal e localização dos fragmentos
agulha fina, sendo a primeira técnica mais acurada, com biopsiados não é bem definido. Porém, pelo menos 2
sensibilidade e especificidade de até 99,1% e 99,7% para fragmentos de boa qualidade devem ser obtidos e áreas
determinação de malignidade. A acurácia da biópsia re- necróticas devem ser evitadas. Biópsias periféricas são
nal para o subtipo histológico de tumor também é alta, preferíveis para tumores grandes para evitar áreas de
em torno de 90%. Em geral, as biópsias percutâneas têm necrose central. Uma técnica coaxial que permite múl-
baixa morbidade. As hemorragias subcapsulares e pe- tiplas biópsias através de uma cânula coaxial deve ser
rinefréticas de resolução espontânea são complicações sempre usada para evitar o potencial implante tumoral
frequentes, enquanto que o sangramento clinicamente no trajeto.

Pontos principais – Biópsia renal

Devido à alta acurácia dos exames de imagem (TC e RM), a biópsia de tumor renal não é necessária nos pacientes com tumores com realce ao con-
traste nos quais a cirurgia é planejada

A biópsia percutânea de tumor renal apresenta alta sensibilidade e especificidade para malignidade

A biópsia de tumor renal é recomendada antes de terapia ablativa e do tratamento sistêmico em pacientes sem diagnóstico histológico prévio

A biópsia percutânea é recomendada em pacientes em que a vigilância ativa é indicada

A biópsia renal percutânea deve ser realizada pela técnica coaxial e com no mínimo 2 fragmentos representativos

364
SEÇÃO IX
CÂNCER DE RIM

CAPÍTULO 56
Câncer de rim localizado:
massas pequenas,
tratamentos cirúrgicos,
terapias ablativas
Alexandre Pompeo
Antonio Carlos Lima Pompeo
no início dos anos 90, esta tem sido determinada como o
Introdução
padrão ouro no tratamento dessas SRM. Apesar de bem
O câncer é um dos maiores problemas mundiais em
estabelecida, a nefrectomia parcial associa-se a uma
saúde pública. Estima-se que 25% das causas de morte
taxa de complicação global de cerca de 20%.8 Duran-
nos Estados Unidos sejam em decorrência dessa pato-
te a última década, condutas menos invasivas, como a
logia. Nas últimas três décadas, com o advento de exa-
observação vigilante, a radiofrequência e a crioablação
mes de imagem por diversas causas, o número de inci-
têm sido cada vez mais utilizadas como uma alternativa
dentalomas renais aumentou sensivelmente, levando a
à excisão cirúrgica.3,4,8-10
um aumento na incidência de pequenas massas renais
Segundo as orientações da Associação Europeia de
(SRM), usualmente definidas como tumores menores Urologia (EAU), modalidades como a ablação térmica
que 4 cm. A evolução de tais métodos por imagem devem ser consideradas em pacientes com SRM e/ou
permitiu, além do diagnóstico precoce, o melhor co- portadores de comorbidades significativas que são de
nhecimento da epidemiologia e da história natural dos alto risco para cirurgia extirpativa.11
tumores renais. 1
Do mesmo modo, as diretrizes da American Uro-
Nesse contexto, a American Cancer Society estimou logical Association (AUA) consideram as terapias tér-
que > 64.000 novos casos de tumores renais foram diag- micas ablativas como opções de tratamento disponíveis
nosticados em 2012, resultando em 13.500 mortes por para pacientes de alto risco cirúrgico que necessitam de
essa patologia. Diversos estudos demonstram que cerca
2
tratamento ativo e aceitam seguimento com controles
de 70%-90% dessas SRMs são malignas e podem vir radiográficos a longo prazo.9
a necessitar de algum tipo de tratamento. 3,4
Por outro
lado, quando malignas, a maioria desses incidentalomas Nefrectomia parcial
é de baixo grau de agressividade.5,6 É importante ressal- As séries contemporâneas demonstram que a eficá-
tar ainda que alta incidência destes tumores é observada cia oncológica entre a nefrectomia parcial e a radical são
em pacientes idosos, que geralmente se apresentam com comparáveis para pacientes portadores de SRMs.12,13 As
comorbidades significativas. 7
taxas de recorrência local para pacientes submetidos a
Qual o melhor tratamento para essas pequenas mas- nefrectomia parcial são menores que 2% e a sobrevida
sas renais? câncer-específica com 5 e 10 anos é, respectivamente,
É importante enfatizar que o tratamento ideal dos 96% e 90% após o procedimento parcial.14
pacientes diagnosticados com SRMs deve ser individu- As principais preocupações relacionadas à nefrecto-
alizado e deve fornecer resultados oncológicos satisfa- mia parcial são as morbidades inerentes ao procedimen-
tórios, com mínima perda de função renal e baixa mor- to, tais como fístula urinária e sangramento periopera-
bidade. Desde a implementação da nefrectomia parcial tório. Recente meta-análise demonstrou que 6,3% e 9%

366
Câncer de rim localizado: massas pequenas, tratamentos cirúrgicos, terapias ablativas

dos pacientes submetidos a nefrectomia parcial aberta por métodos de imagem “real time” da destruição te-
e laparoscópica, respectivamente, apresentaram compli- cidual. Embora os resultados da radiofrequência sejam
cações urológicas. Com o advento da cirurgia robótica
9
menos favoráveis do que a crioablação, estudos suge-
na última década, o refinamento da técnica cirúrgica rem que o controle local é alcançado em 80%-90% dos
tem o potêncial de reduzir as taxas de complicações casos.15,16
urológicas, principalmente se comparada a nefrectomia Uma recente meta-análise comparando crioablação
parcial laparoscópica. com radiofrequência demonstrou taxas de recorrência
local tumoral superior no grupo da radiofrequência
Figura 1. Nefrectomia parcial robótica (magnificação da imagem e
pinças articuladas) – utilização de ultrassonografia intraoperatória para
(12,3% vs. 4,7%).17
a demarcação da margem tumoral.

Crioablação renal
Didaticamente, o método consiste em dois ciclos
de congelamento-aquecimento que duram aproximada-
mente de 6 a 8 minutos cada. O procedimento pode ser
realizado por acesso percutâneo ou laparoscópico (Fi-
gura 2). A recente meta-análise comparando a eficácia
entre os dois acessos não mostrou superioridade por ne-
nhuma das técnicas.18

Figura 2. Crioablação laparoscópica renal – controle ultrassonográfico


do ice ball.

Enquanto a cirurgia robótica parcial ainda não está


totalmente estabelecida como superior à cirurgia lapa-
roscópica, é bem definido atualmente que o refinamento
da técnica, tal como a magnificação da imagem (Figura
1) e o controle mais refinado dos movimentos (pinças
articuladas) podem promover benefícios adicionais para
os procedimentos parciais, especialmente em casos de
anatomia vascular complexa, encorajando os urologis-
tas à realização de técnicas extirpadoras minimamente
invasivas. Apesar dos fatores citados, casos com alta
complexidade cirúrgica ainda devam ser tratados por O mecanismo de lesão celular decorrente da crio-
via aberta. terapia é atualmente bem compreendido.19 Os dois me-
canismos que promovem lesão celular direta incluem a
Radiofrequência formação intracelular de cristais de gelo, resultando em
Tal procedimento causa necrose tumoral devido um trauma mecânico direto, e a desidratação celular que
à desnaturação proteica e destruição de membranas levará a um dano osmótico. Posteriormente, a morte ce-
celulares após aquecimento do tecido a temperaturas lular é mediada por isquemia e apoptose.
acima de 50 graus por 4-6 minutos. Diferentemente Os resultados oncológicos, em qualquer modalidade
da crioablação, onde o ice ball é monitorado durante cirúrgica que visa o tratamento de doenças malignas,
todo o procedimento, uma das grandes desvantagens devem ser o objetivo principal. O guideline publicado
desse método é a impossibilidade de monitoramento pela AUA no tratamento de tumores renais T1a demons-

367
trou uma taxa de recorrência livre de doença para crioa- foi de 2,6%, 4,6% e 11,7% para nefrectomia parcial,
blação de tumores renais de 90,6%.9 crioablação e radiofrequência, respectivamente.
Em análise de 44 pacientes com confirmação his-
tológica de malignidade renal com seguimento onco- Nefrectomia parcial minimamente
lógico mínimo de 5 anos, Guazzoni et al.20 publicaram
invasiva vs. crioablação
resultados favoráveis após crioablação para tumores
Recente meta-análise publicada por Klatte et al.26,
renais. Após uma média de seguimento de 61,3 meses,
comparando nefrectomia parcial e crioablação lapa-
apenas uma recorrência local foi observada, nenhuma
roscópica analisou 1.233 estudos e 6.785 SRMs. Com-
morte relacionada ao câncer foi demonstrada e a taxa parando-se os números, a crioablação laparoscópica
de sobrevida global foi de 93,2%. Similarmente, uma apresentou maior risco de progressão tumoral, porém
série de estudos foi publicada nos últimos anos; Weld menor risco de complicações perioperatórias, o que
et al.21, publicaram 100% de sobrevida câncer-especí- vem ao encontro dos guidelines europeu (EAU) e ame-
fica após 3 anos de seguimento, nenhum caso de me- ricano (AUA), justificando a utilização de crioablação
tástase e apenas 1 caso de recorrência local em 31 pa- em pacientes com comorbidades. Nessa meta-análise,
cientes tratados por crioablação renal após seguimento 8,5% e 1,9% dos pacientes desenvolveram progressão
médio de 45,7 meses. Davol et al.22, publicaram série tumoral após crioablação e nefrectomia parcial, res-
com 48 pacientes com seguimento médio maior que pectivamente (p < 0,001). Na análise multivariada, o
64 meses; no subgrupo com confirmação histológica risco relativo para progressão tumoral local da crioa-
de carcinoma renal, a sobrevida livre de doença e cân- blação versus nefrectomia parcial foi 5,24 vezes maior
cer-específica foi de respectivamente 84,3% e 100%. (p < 0,001); porém o risco de progressão para metásta-
Um grande estudo, publicado por Aron et al.23, com ses foi semelhante. Os índices de complicações foram
80 pacientes e seguimento a longo prazo, demonstrou superiores após nefrectomia parcial (23,5% vs. 17%;
a eficacia da crioablação para tumores renais; a sobre- p < 0.001), especialmente para complicações maio-
vida livre de doença neste estudo foi de 92% e 83% res (19,2% vs. 10,2%; p < 0,001). Na análise multi-
após 5 e 10 anos de seguimento, respectivamente. He- variada, o risco total de complicações e complicações
garty et al., em grande estudo utilizando crioablação maiores para a nefrectomia parcial versus crioablação
e radiofrequência no tratamento de SRM, observaram laparoscópica foi 4,6 (p = 0,004) e 9,71 vezes maior
recorrência radiográfica em 11,1% dos pacientes sub- (p < 0,001), respectivamente. Em conclusão, ambas as
metidos a crioablação renal e uma taxa de sobrevida modalidades são opções viáveis para o tratamento de
de 98% após 3 anos de seguimento. Em outro estu-
24
SRMs. A comparação entre nefrectomia parcial a crio-
do recentemente publicado, por Vricella et al. 25 com ablação resulta em maior taxa de progressão tumoral
53 pacientes, após seguimento de 21 meses, onde os no grupo submetido a terapia ablativa, porém com me-
mesmos realizavam TC e biópsia para confirmação de nor risco de complicações.
recorrência, as taxas de recorrência livre de doença, No único estudo comparando nefrectomia parcial
sobrevida global e sobrevida livre de doença foram de robótica e crioablação para tumores renais em pacien-
96,2%, 98,1% e 100%, respectivamente. tes com SRMs, Guilletroau et al.31, analisaram 436 pa-
Fato interessante é o momento em que essa recor- cientes (robótica n = 210 vs. crioablação n = 226). A
rência ocorre. De acordo com a literature, a recorrência nefrectomia parcial robótica associou-se a maior tem-
tumoral frequentemente acontece após 10-12 meses do po cirúrgico (180 vs. 165 min; p = 0,01), maior perda
procedimento. 26-29
Recentemente, Kutikov et al. , re-
30
sanguínea relacionada ao procedimento (200 vs. 75 ml;
alizaram meta-análise comparando os resultados após p < 0,0001), maior tempo de permanência hospitalar
excisão cirúrgica (nefrectomia parcial), ablação térmica (72 vs. 48h; p < 0,0001) e maior morbidade (20% vs.
(crioablação e ablação por radiofrequência) e seguimen- 12%; p = 0,015). As taxas de recorrência local para ne-
to ativo para pacientes com SRMs. A recorrência local frectomia parcial robótica e crioablação laparoscópica

368
Câncer de rim localizado: massas pequenas, tratamentos cirúrgicos, terapias ablativas

Figura 3. Imagem pré-operatória (A) e pós-operatória (B) em paciente submetido a crioablação renal demonstrando a ausência de realce pelo contraste
(considerado sucesso oncológico).

foram de 0% e 11%, respectivamente (p < 0,0001). ce como o principal marco de eficácia oncológica. A
Este estudo vem ao encontro do trabalho previamente principal característica de sucesso radiológico após es-
citado26, em que apesar de menos mórbidos os resulta- sas terapias é a ausência no realce pelo contraste após
dos oncológicos da crioablação são inferiores quando a tomografia ou ressonância controle (Figura 3). Nesse
comparados a procedimentos extirpativos dos tumores aspecto, novo realce de contraste ou crescimento tumo-
como a nefrectomia parcial laparoscópica ou robótica. ral é considerado progressão tumoral local (Figura 4).
Atualmente, o seguimento radiológico mais apro-
Seguimento oncológico priado para pacientes submetidos a essas terapias para
para terapias ablativas tumores renais não está bem estabelecido e é dependen-
A realização de tomografia computadorizada ou te do protocolo utilizado em cada serviço. Grande parte
ressonância nuclear magnética seriadas no seguimento dos estudos sugere a realização de exames de imagem
de pacientes submetidos a terapias ablativas permane- controle entre 6-12 meses. O Working Group on Image

Figura 4. Recorrência radiográfica em paciente submetido a crioablação. (A) Três meses após procedimento. (B) Quatro anos após procedimento, demonstrando
o realce após realização de CT com contraste.

A B

369
Guided tumor cryablation32 considera qualquer lesão segurança da crioablação renal mesmo em tumores com
com evidência de doença local após crioablação como grande componente endofítico e com relação íntima
progessão local independente do momento do apareci- com o sistema coletor.
mento.
Figura 5. Nefrectomia parcial laparoscópica demonstrando extravasamento
Embora urologistas e radiologistas utilizem a tomo- do contraste que poderia potencializar a chance de fístulas urinárias no
grafia computadorizada ou ressonância nuclear mag- pós-operatório.

nética para o adequado controle tumoral e recorrência


após terapias ablativas, o sucesso radiográfico perma-
nece uma das maiores preocupações para urologis-
tas e radiologistas após ablação de tumores renais. A
grande questão nesse cenário é a potencial imprecisão
das imagens resultantes dos achados falso-negativos e
falso-positivos na imagem radiológica. Desta forma, é
importante ressaltar que estudos investigativos são ne-
cessários para otimizar a definição radiográfica de re-
corrência local após crioablação renal.

Complicações intra e
pós-operatórias
Uma das grandes vantagens das terapias ablativas
sobre as outras modalidades cirúrgicas no tratamento Devido ao recente desenvolvimento das terapias
de tumores renais é a baixa morbidade intra e pós-ope- ablativas, os resultados a longo prazo e eficácia de tra-
ratória. Apesar de apresentarem os mesmos índices de tamento ainda não estão bem estabelecidos. Embora o
complicações menores, a nefrectomia parcial associa-se entusiasmo inicial tenha encorajado a realização desses
mais frequentemente com complicações maiores (Figu- procedimentos de maneira mais frequente, o refinamen-
ra 5) do que a crioablação renal.33 Em estudo compara- to da técnica e o conhecimento de suas limitações con-
tivo com 82 pacientes submetidos a nefrectomia parcial tribuirão para definir futuramente o candidato ideal para
e 41 pacientes submetidos a crioablação de tumores re- estas modalidades terapêuticas.
nais, a taxa de complicação global foi semelhante entre
os grupos (17% vs. 20%, respectivamente), porém a es- Vigilância ativa (Active surveillance)
tratificação pelo grau de complicação não foi realizada Em pacientes com grandes comorbidades cirúrgi-
nesse estudo.34 O mais recente guideline publicado pela cas ou baixa expectativa de vida, os riscos associados
AUA relatou taxas de complicação global de 4,9% para ao tratamento cirúrgico podem sobrepujar os benefí-
crioablação versus 6,3% relacionados a nefrectomia cios, especialmente considerando o comportamento
parcial. 9
indolente de grande parte dessas SRM. Um dos prin-
Complicações como fístulas urinárias após crio- cipais fatores relevantes em pacientes que serão ofe-
ablação são bastante raras mesmo em tumores que recidos a vigilância ativa é como avaliar a segurança
apresentem íntima relação com o sistema coletor nos oncológica desses pacientes. Esse fator foi determi-
exames de imagem pré-operatórios. Em estudo recente nante a partir do momento em que o comportamento
com 67 pacientes avaliando as taxas de complicações natural das SRM foi determinado. Uma meta-análise
após crioablação quando o ice ball envolve o sistema contemporânea demonstrou que grande parte dessas
coletor renal, nenhuma fístula urinária foi observada no SRM cresce de maneira lenta (média 0,28 cm/ano) e
seguimento pós-operatório. Esse estudo demonstra a
35
apresenta baixo risco de metástases (1%-2%).14 Além

370
Câncer de rim localizado: massas pequenas, tratamentos cirúrgicos, terapias ablativas

disso, a maioria dos tumores que evoluem para me- 8. Ficarra V, Novara G, Secco S et al. Preoperative aspects and di-
mensions used for an anatomical (PADUA) classification of renal
tástase apresenta crescimento rápido, sugerindo que o tumours in patients who are candidates for nephron-sparing sur-
crescimento durante o controle radiográfico desses tu- gery. Eur Urol 2009;56:786-93.

mores deve servir como indicador de comportamento 9. Campbell SC, Novick AC, Belldegrun A et al. Guideline for ma-
nagement of the clinical T1 renal mass. J Urol 2009;182:1271-9.
agressivo. 36
10. Salas N, Ramanathan R, Dummett S, Leveillee RJ. Results of ra-
Em análise feita por Smaldone et al.37 com 880 pa- diofrequency kidney tumor ablation: renal function preservation
and oncológic efficacy. World J Urol 2010;28:583-91.
cientes com tumores renais T1a, observou-se que ne-
11. Ljungberg B, Cowan NC, Hanbury DC et al. EAU guidelines on
nhuma progressão metastática foi detectada nos pacien- renal cell carcinoma: the 2010 update. Eur Urol 2010;58:398-406.
tes que não apresentaram crescimento tumoral durante 12. Hafez KS, Fergany AF, Novick. Nephron sparing surgery for loca-
o seguimento. lized renal cell carcinoma: Impact of tumor size on patient survi-
val, tumor recurrence and TNM staging. J Urol 1999;162:1930-33.
Há fatores que determinem a intervenção nesses pa-
13. Lee CT, Katz J, Shi W, Thaler HT, Reuter VE, Russo P. Surgi-
cientes? cal management of renal tumors 4 cm or less in a contemporary
Os fatores para a realização de terapia intervencio- cohort. J Urol 2000:163;730-36.
14. Chawla SN, Crispen PL, Hanion AL, Greenber RE, Chen DY,
nista após seguimento ainda não estão bem definidos.
Uzzo RG. The natural history of observed enhancing renal
Atualmente o crescimento tumoral rápido é o fator mais masses: metanalysis and review of the world literatute. J Urol
2006;175:425-31.
comum para intervenção. Recentemente, Patel el al.38
15. Berger A, Kamoi K, Gill IS, Aron M. Cryoablation for renal tu-
sugeriram que um “cut off” de 0,5 cm/ano para realiza- mors: current status. Curr Opin Urol 2009;19:138-42.
ção de intervenção seria a melhor proposta. A análise 16. Caraway WA, Raman JD, Caddeddu JA. Current status of renal
da literatura disponível demonstra que a intervenção ci- radiofrequency ablation. Curr Opin Urol 2009;19:143-47.

rúrgica postergada em pacientes com SRMs não parece 17. Kunkle DA, Uzzo RG. Cryoablation or radiofrequency ablation of
the small renal masses: a meta-analisys. Cancer 2008;113:2671-
afetar a evolução oncológica desses pacientes. 2680.
Conclui-se que o advento de novos métodos terapêu- 18. Long CJ, Kutikov A, Canter DJ, Egleston BL, Chen DYT, Viterbo
R et al. Percutaneous vs surgical cryoablation of the small renal
ticos minimamente invasivos nos últimos anos contribuiu
mass: is efficacy compromised? BJU Int 2010;107,1376-80.
para o tratamento desses pacientes, com diminuição con- 19. Maccini M, Sehrt D, Pompeo A, Chicoli FA, Molina WR, Kim FJ.
siderável dos efeitos secundários das terapias cirúrgicas Biophysiologic considerations in cryoablation: a practical mecha-
nistic molecular review. Int Braz J Urol 2011;37(6):693-6.
convencionais. A individualização terapêutica é manda-
20. Guazzoni G, Cestari A, Buffi N et al. Oncologic results of laparos-
tória e deve ser orientada segundo fatores prognósticos, copic renal cryoablation for clinical T1a tumors: 8 years of expe-
comorbidades e preferência dos pacientes. rience in a single institution. Urology 2010;76:624-9.
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371
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372
Carcinoma da pelve renal e ureter

SEÇÃO IX
CÂNCER DE RIM

CAPÍTULO 57
Carcinoma da pelve
renal e ureter

Francisco Paulo da Fonseca

373
Cada uma apresenta risco relativo de 6,9 e 3,6; respectiva-
Introdução mente, mas juntas aumentam o risco 20 vezes. Nas regiões
Os tumores uroteliais do trato urinário superior (TUS)
onde ainda se usa fenacetina, a incidência de tumores do
primários são definidos como neoplasias localizadas do pe-
TUS pode representar até 24%, com risco relativo que varia
queno cálice até o ureter terminal. Entretanto, após seu tra-
de 2,4-12 vezes e a relação masculino-feminino e a média
tamento podem recorrer em todo urotélio, com tendência a
de idade na apresentação é cinco anos menor. Tumores asso-
multifocalidade, principalmente os da pelve renal (por im-
ciados a fenacetina quase desapareceram após ser banida em
plante da neoplasia primária no urotélio distal). Este fenô-
alguns países em 1970.
meno também é causado pela exposição aos carcinógenos
A maior incidência mundial do carcinoma do TUS ocor-
excretados ou ativados por enzimas hidrolisadoras na urina.
re nos países dos Bálcãs, principalmente nas áreas rurais,
Correspondem a 5%-10% dos tumores uroteliais, sendo
com 40% de todas as neoplasias renais e vem diminuindo
os pielocaliciais mais comuns que os ureterais e podem estar
nos últimos anos. O risco de tumores do TUS é 100-200 ve-
associados a várias síndromes familiares. Em 90% dos casos
zes maior, mas curiosamente, o risco do CaB não se altera.
são carcinomas uroteliais, 8% espinocelulares (associados a
Como na nefropatia por uso de analgésicos, também na ne-
infecção crônica e cálculo e geralmente invasivos) e os raros
adenocarcinomas. fropatia dos Bálcãs podem ocorrer bilateralidade e múltiplos
O prognóstico está relacionado ao estádio e grau do tumores. São mais comumente diagnosticados entre a 3a e 5a
tumor, mas outros fatores patológicos corroboram no pla- décadas de vida e a incidência de tumores bilaterais é cerca
nejamento do tratamento, prognóstico e seguimento. Ao de 10%. A etiologia é desconhecida, mas pode estar asso-
diagnóstico, 60% são invasivos e a incidência de metástase ciada a silicatos na água e/ou toxinas fúngicas de alimentos
linfonodal varia de 30%-40% dos casos. O uso mais frequen- consumidos, como ocratoxina A.
te dos métodos de imagem e da endoscopia tem provocado a Recentes estudos revelaram que o ácido aristolóquico con-
migração para estádios menos avançados. tido na Aristolochia fangchi e A. clematis é o principal carci-
nógeno. O derivado do ácido aristolóquico, a dA-aristolactam,
causa uma mutação no gene p53 no códon 139 e ocorre prin-
Epidemiologia cipalmente em pacientes com nefropatia das ervas-chinesas ou
O pico de incidência dos carcinomas do TUS está entre endêmica dos Bálcãs. A nefropatia da erva-chinesa está asso-
70-80 anos, sendo raros antes dos 40, três vezes mais fre- ciada a neoplasias do TUS em 90% dos casos.
quentes nos homens e sem predileção ao lado. De 80%-90% Blackfoot disease é uma doença vascular periférica, devi-
dos Ca do TUS são esporádicos e de 10%-20% podem es- do à exposição crônica ao arsênico. É endêmica em Taiwan,
tar ligados ao carcinoma colorretal hereditário não polipose com alta incidência de insuficiência renal e tumor do TUS. A
(HNPCC). Em 13%-17% dos casos, o câncer vesical (CaB) causa pode estar relacionada à ingestão de água de poço. Pa-
é concomitante a neoplasia no TUS e em menos de 3% são cientes expostos apresentam sobrevida em 5 anos de 58,7%
sincrônicos e bilaterais. Os portadores de neoplasia primária e os não expostos, de 72,4%.
do TUS evoluem com CaB de 22%-47% e no TU contrala- Várias síndromes familiares estão associadas aos tumo-
teral, 2%-6%. Nos EUA, ocorre 1 caso novo em 100.000 ha- res do TUS, como o carcinoma não polipoide colorretal here-
bitantes/ano. No entanto, estas taxas variam pela exposição a ditário (síndrome de Lynch II e síndrome de Muir-Torre). A
carcinógenos na população mundial. síndrome de Lynch II é caracterizada pelo desenvolvimento
A epidemiologia dos tumores do TUS é similar à do CaB precoce de tumores colônicos (sem polipose) e extracolôni-
e os fatores de risco incluem: tabagismo (2,5-7 vezes maior cos, incluindo os do TUS. Estes tumores ocorrem em pa-
que nos não fumantes), exposição a produtos químicos (tin- cientes mais jovens, com média de 55 anos, mais de 22 vezes
tas, petróleo, plásticos, borracha e couro), irritação crônica que na população geral e as mulheres são mais afetadas. O
(cálculo e infecção), abuso de analgésicos contendo fenace- aconselhamento genético é importante para conhecer o risco
tina, nefropatia endêmica nos países dos Bálcãs, nefropatia de doença símile entre seus familiares.
da erva-chinesa, exposição a ciclofosfamida e ao arsênico. O
risco diminui em ex-fumantes, mas com risco de duas vezes
em relação a não fumantes. Classificação histológica
A nefropatia secundária ao abuso de fenacetina causa A classificação dos tumores do TUS é similar à do CaB.
insuficiência renal por necrose papilar, capiloesclerose (au- O aspecto endoscópico é semelhante aos carcinomas papi-
mento da membrana basal é patognomônico) e tumores do líferos não músculo-invasivos, carcinoma in situ e os inva-
TUS. A necrose papilar e o consumo de fenacetinas parecem sivos. As variantes descritas nos CaB são identificadas aos
ser fatores independentes e aumentam o risco se associadas. tumores do TUS e sempre o carcinoma de alto grau apre-

374
Carcinoma da pelve renal e ureter

senta pior prognóstico do que o urotelial puro. As variantes Exames de imagem


estão presentes em ~ 25% dos casos e são elas: micropapilar, A urografia excretora pode detectar alterações no sistema
plasmocitoide, carcinoma de células pequenas (neuroendó- pielocalicial, mostrando distorções, obstrução e falhas de en-
crino) ou variantes linfoepiteliais. O carcinoma do TUS com chimento causadas pelo tumor urotelial. Entretanto, a tomo-
histologia pura não urotelial é uma exceção. O de células es- grafia computadorizada (TC) é o exame padrão ouro para o
camosas do TUS representa menos de 10%, é raro no ureter diagnóstico. A sensibilidade da TC pode chegar a 96%, com
e pode estar associado a doenças inflamatórias e infecciosas especificidade de 99% para lesões papilíferas entre 5-10 mm.
crônicas decorrentes de urolitíase. Entretanto, lesões menores que 5 mm ou CIS geralmente não
são visualizados. A TC e/ou ressonância avaliam os linfono-
Grau tumoral dos, mas os resultados são modestos se menores que 1 cm.
Além disso, avaliam metástases viscerais, esqueléticas e a
A classificação da OMS considera dados histológicos
funcionalidade do rim contralateral.
para distinguir tumores não invasivos: neoplasia urotelial pa-
Em pacientes com diagnóstico incerto, a ureteroscopia e
pilar de baixo potencial maligno, carcinomas de baixo grau
pielografia melhoram sua avaliação. A obstrução é sinal de
e alto grau. Raros tumores de baixo potencial maligno são
doença avançada e confere prognóstico mais reservado para
vistos no TUS.
evolução da doença. A doença pode em raros casos, prin-
Estadiamento dos tumores do TUS pelo sistema TNM
cipalmente em herança familial, ter apresentação bilateral e
(2009), da União Internacional Contra o Câncer (UICC).
merecer conduta conservadora.
O tumor primário é classificado em TX: Tumor primá-
rio não pode ser avaliado; T0: Sem evidência do tumor pri- Ureteroscopia com biópsia
mário; Ta: Carcinoma papilífero não invasivo; Tis: Carcino- Os avanços técnicos introduziram os ureteroscópios de
ma in situ: “tumor plano”; T1: Carcinoma papilífero invade pequeno calibre e flexíveis, facilitando o acesso aos cálices
o tecido conjuntivo subepitelial; T2: Tumor invade a camada em pacientes com suspeita e sem diagnóstico pelos exames
muscular; T3: (Tumor da pelve renal) Tumor invade além da de imagem. A acurácia do diagnóstico aumentou de 75%
muscular até a gordura peripelve ou parênquima renal (Ure- com uso da urografia excretora para 85%-90% com a urete-
ter) Tumor invade a gordura periureteral; T4: Tumor invade roscopia. Há boa correlação histológica (78% a 92%) entre
órgãos adjacentes ou invade rim com comprometimento da a biópsia e espécime pós-nefroureterectomia. A aparência da
gordura perinefrética lesão na ureteroscopia se correlaciona com grau e estádio do
tumor em apenas 70% dos casos. Entre os tumores de bai-
xo grau na biópsia, 85% a 100% são não invasivos; entre os
Os linfonodos regionais em NX: Linfonodos não podem ser
avaliados; N0: Ausência de metástase em linfonodo regional; tumores de alto, 60% a 90% são invasivos. A ureteroscopia
N1: Metástase, em um único linfonodo, com 2 cm ou menos em flexível é fundamental para preservação renal.
sua maior dimensão; N2: Metástase, em um único linfonodo,
com mais de 2 cm até 5 cm em sua maior dimensão, ou em Citologia oncótica
múltiplos linfonodos, nenhum com mais de 5 cm em sua maior
dimensão; N3: Metástase, em linfonodo com mais de 5 cm em Citologia urinária deve ser realizada antes da pielografia,
sua maior dimensão. A metástase distante em MX: Metástase pois o contraste pode deteriorar o espécime. É útil no diag-
distante não pode ser avaliada; M0: Ausência de metástase dis- nóstico, principalmente se associada a exames de imagem.
tante; M1: Metástase distante
Em geral, a sensibilidade da citologia depende do grau do
tumor e varia de 20% para tumores de baixo grau até 75%
nos de alto.
Diagnóstico Quando a citologia é incorporada a exames de imagem e
O sinal mais frequente da presença de tumores do TUS é
ureteroscopia com biópsia, o valor preditivo positivo de do-
a hematúria, seja macro ou microscópica e ocorre em 60%- ença não órgão-confinada chega a 73% quando três variáveis
80% dos pacientes. A dor no flanco ocorre em 20%-40% e são alteradas (hidronefrose, tumor de alto grau e citologia
massa lombar palpável em 10%-20%. A dor pode ser leve e positiva). A citologia é essencial no acompanhamento de pa-
crônica, sendo secundária a obstrução gradual das vias ex- cientes submetidos a ressecção com preservação renal pelas
cretoras, causando hidronefrose; ou pode ser intensa e aguda, altas taxas de recorrência. Após nefroureterectomia, a citolo-
mimetizando cólica renal, geralmente causada por obstrução gia ajuda no diagnóstico de recidivas vesicais, podendo che-
por coágulos. Até 15% dos pacientes são assintomáticos e gar a 50% e de tumores contralaterais, que ocorre de 2%-4%.
diagnosticados por exames de imagens indicados por razões
diversas. Contudo, mais raramente, podem ocorrer sinais e Fatores prognósticos
sintomas de doença neoplásica avançada. Pacientes mais idosos apresentam doença mais avançada,

375
com pior SCE (sobrevida câncer-específica) e relacionada ao 40%, (p = 0,04). A invasão linfonodal, arquitetura tumoral e
grau mais indiferenciado. O sexo não tem influencia na SCE, invasão linfovascular estão associadas com SCE.
mas o IMC > 30 é preditor independente de pior SCE. O Em estudo de meta-análise de 18 instituições com 8.275
estadiamento é o fator prognóstico de sobrevida mais im- pacientes, todos com mais de 100 pacientes, a média de
portante e piora à medida que aumenta. A diminuição mais tempo para o aparecimento dos tumores no TUS foi de 22,2
significativa ocorre em pacientes pT3, onde há invasão da meses e ocorreu em 29%. Os preditores específicos significa-
gordura perirrenal ou periureteral. tivos para recidiva vesical foram: sexo masculino (HR: 1,37),
Na análise multivariada, ajustando para local do tumor CaB prévio (HR: 1,96) e doença renal crônica pré-operató-
e idade, hidronefrose e tumor de alto grau foram associados ria (HR: 1,87). Os fatores preditores específicos do tumor
com carcinoma músculo-invasivo (HR: 12,0 e 4,5, respec- foram: citologia urinária pré-operatória positiva (HR: 1,56),
tivamente), mas não com a citologia oncótica (HR: 2,3; p localização ureteral (HR: 1,27), multifocalidade (HR: 1,61),
= 0,17). Contudo, as três variáveis foram associadas inde- pT invasivo (HR: 1,38) e necrose (HR: 2,17). Os preditores
pendentemente com doença não órgão-confinada (HR: 5,1; específicos do tratamento foram: abordagem laparoscópica
HR: 3,9; e HR: 3,1; respectivamente). Devido à associação (HR: 1,62), remoção extravesical do manguito vesical (HR:
frequente entre os tumores do TUS e de bexiga, a cistoscopia 1,22) e margens cirúrgicas positivas (HR: 1,90).
é mandatória para excluir a presença de tumores sincrônicos. Há quatro fatores de risco para recorrência no TUS após
Outros fatores de pior prognóstico descritos são: necro- cistectomia: carcinoma in situ (RR: 2,3), CaB recorrente
se tumoral, invasão linfovascular e carcinoma in situ. Yto et (RR: 2,6), cistectomia em tumores não músculo-invasivo
al. avaliaram pacientes com hidronefrose, que foi associada (RR: 3,8) e envolvimento em ureter distal no espécime da
com tumor ureteral, maior estádio pT e invasão linfovascular cistectomia (RR: 2,7).
(todos, p < 0,05). Na análise multivariada pré-operatória, a
hidronefrose foi fator preditivo para estádio patológico mais Tratamento
avançado (HR: 4,98), invasão linfovascular positiva (HR: O tratamento do carcinoma do TUS com preservação re-
6,37) e grau 3 (HR: 2,98). Necrose tumoral maior que 10% nal é indicado para tumores de baixo grau mesmo com rim
pode ser fator preditor independente para SCE. A invasão contralateral funcionante (tumor único e < 1 cm, sem evi-
linfovascular está relacionada à micrometástase, sendo pre- dência de lesão infiltrativa na TC), com indicação impera-
ditor de pior SCE por estar relacionada com aspecto séssil tiva, mesmo para tumores de alto grau (rim único, tumores
do tumor, invasão linfonodal, alto grau tumoral e CIS, carac- bilaterais e IRC). Pode ser feito com ureteroscopia flexível,
terizando pacientes suspeitos para doença disseminada ocul- cirurgia percutânea renal ou ureterectomia distal, com resul-
ta ao diagnóstico. Estudo multi-institucional em pacientes tados oncológicos similares. A última podendo ser indicada
submetidos à nefroureterectomia mostrou que a localização para tumores de alto risco.
do tumor na pelve ou ureter não foi preditor de recorrência Para pacientes com tumor de alto grau independente da
vesical, metastática ou de SCE. localização, multifocalidade, tumor não invasivo > 1 cm e
O carcinoma in situ na bexiga é fator de risco indepen- com aspecto invasivo na TC estão indicadas a nefrourete-
dente para desenvolvimento de tumor no TUS. A SLD (so- rectomia e linfadenectomia. Deve-se remover o manguito
brevida livre de doença) e a SCE em 5 anos são de 53% e vesical por ressecção endoscópica. Os LND (linfonodos)
59% nos pacientes com CIS prévio vesical e de 71% e 75% são mais acometidos conforme o estádio. Pode ser feita com
naqueles sem história de CIS vesical, fato confirmado como laparoscopia ou robótica, mas a aberta é preferível para os
preditor independente para recidiva da doença e SCE depois cT3 e LND suspeitos na TC.
da nefroureterectomia (todos, p < 0,05).
A taxa de SCE em 5 anos dos pacientes com tumores
pT1N0, pT2N0, pT3N0, pT4N0 e pN(1-3) foi, respecti- Referências recomendadas
1. Rouprêt M et al. European guidelines for the diagnosis and management
vamente, 93,5; 86,2; 64,5; 54,7 e 35%. Em pacientes pT- of upper urinary tract cell carcinomas: 2016 update.
1-2N1-3 e pT3-4N1-3 foi, respectivamente, 68,9 e 28,7% (p 2. Ye YL el al. Urol Int 2011;87(4):484-8. Review.
= 0,006). Na análise multivariada, estádios pT e pN e grau 3. Raman JD et al. Urol Oncol 2011 Nov-Dec;29(6):716-23.
tumoral (todos, p < 0,001) foram preditores independentes 4. Brien JC el al. J Urol 2010 Jul;184(1):69-73.
da sobrevida. 5. Roscigno M el al. BJU Int 2012 Sep;110(5):674-81.
6. Yto Y el al. J Urol 2011 May;185(5):1621-6.
Roscigno et al. avaliaram 148 tumores classificados
7. Youssef RF el al. Urology 2011 Apr;77(4):861-6.
como pT3a e 136 pT3b. Pacientes pT3b tinham tumores de 8. Favaretto RL el at. Eur Urol 2010 Oct;58(4):574-80.
alto grau, séssil (p = 0,02) e maior risco de recorrência em 9. Seisen T el al. Eur Urol 2015;67:1122-8.
5 anos: 55% versus 42%, (p = 0,012) e SCE de 48% versus 10. Seisen T et al. Eur Urol 2016;70:1052-68.

376
SEÇÃO IX
CÂNCER DE RIM

CAPÍTULO 58
Adrenal I: epidemiologia,
diagnóstico e imagem
(incluindo Cushing, hiperaldosteronismo,
feocromocitoma, câncer e massas
adrenais incidentais)

Melina da Silva Pinto Chicoli


Felipe Ambrósio Chicoli
O exame físico destes pacientes pode apresentar uma
Síndrome de Cushing variabilidade de características relacionadas à síndrome.
Definição Nos casos clássicos, pode-se observar pletora facial (facies
A síndrome de Cushing endógena pode ser definida em lua cheia), presença de giba, preenchimento de fossa
como uma condição resultante da prolongada e inapro- supraclavicular, atrofia de pele, acne, hirsutismo, queda
priada exposição a quantidades excessivas de cortisol, de cabelo e edema periférico. Além disso, há uma maior
perda parcial da regulação habitual pelo eixo hipotálamo- associação de comorbidades clínicas como hipertensão,
-hipófise-adrenal e perda do ritmo circadiano da secreção diabetes mellitus, nefrolitíase, osteopenia ou osteoporose,
de cortisol. hipocalemia e infecções fúngicas não habituais.
A etiologia da síndrome de Cushing pode ser dividi- Embora existam muitos sintomas e sinais que podem
da em ACTH-dependente, que corresponde a 80% dos estar presentes em outras situações clínicas, deve-se aten-
casos, sendo a principal etiologia decorrente da produção tar para os mais específicos, tais como: pletora facial, per-
de ACTH (hormônio adrenocorticotrófico) por um adeno- da de força em musculatura proximal, estrias largas (> 1
ma hipofisário ou ACTH-independente, que corresponde cm) avermelhadas ou vinho e equimoses espontâneas em
aos demais 20% dos casos, representados por adenomas e pacientes com ganho de peso.
carcinomas adrenais e mais raramente hiperplasia adrenal Conforme descrito acima, recomenda-se, portanto,
primária macronodular e doença adrenocortical nodular investigar síndrome de Cushing em pacientes que apre-
pigmentar primária (Tabela 1). sentem múltiplos e progressivos sinais e sintomas, espe-
cialmente os mais específicos; ganho de peso em crianças
Tabela 1. Etiologia da síndrome de Cushing endógena.
em redução da velocidade de crescimento e na presença de
Etiologia Prevalência incidentaloma adrenal.
ACTH-dependente 80% Uma vez feita a suspeita clínica e após a exaustiva ex-
clusão da exposição exógena a glicocorticoides, seja ela
Doença de Cushing 70%
por qualquer via, tais como oral, injetável, tópica ou ina-
Outras: síndrome ACTH ectópico, secreção 10% latória, deve-se proceder ao diagnóstico em duas etapas.
ectópica CRH, corticotropinoma
A primeira etapa consiste na realização de testes para
ACTH-independente 20% confirmar o hipercortisolismo associado a perda do ritmo
Adenoma adrenal 10% circadiano normal da secreção de cortisol e a relativa auto-
nomia da produção de cortisol, independente da etiologia.
Carcinoma adrenal 5%
São eles: teste de supressão com baixa dose de dexameta-
Hiperplasia adrenal primária macronodular <2% sona -1 mg (após a ingesta de 1 mg de dexametasona às
Doença adrenocortical nodular pigmentar <2% 23 horas, colhe-se o cortisol sérico às 8 horas da manhã
primária seguinte); dosagem de cortisol salivar à meia-noite e dosa-
Síndrome de McCune-Albright Rara gem de cortisol urinário livre na urina de 24 horas. Deve-se
Secreção ectópica de cortisol Rara considerar pelo menos dois testes distintos alterados para o
diagnóstico (Tabela 2).
Hipersensibilidade ao cortisol Rara
Tabela 2. Métodos laboratoriais para o diagnóstico da síndrome de Cushing.

Diagnóstico Método Valor de


As características clínicas clássicas da síndrome de referência
Cushing são: ganho de peso, causando sobrepeso e obe- Teste de supressão com baixa dose de > 1,8 mcg/dL
sidade com distribuição de gordura abdominal e truncal, dexametasona – 1 mg noturno (cortisol
sérico)
fadiga, alteração menstrual, redução da libido e/ou disfun-
ção erétil, redução da velocidade de crescimento associa- Cortisol salivar à meia-noite (mcg/dL ou > 2x LSN
ng/dL ou mmol/L)
da a ganho de peso em crianças e desordens psiquiátricas
incluindo depressão, redução de concentração e memória, Cortisol livre na urina 24 h (mcg/24 h) > 3-4x LSN
irritabilidade e insônia. LSN: limite superior de normalidade.

378
Adrenal I

A segunda etapa consiste em classificar a síndrome de 150 x 100 mmHg em cada uma das três medidas obtidas
com base na dosagem do ACTH plasmático e, portanto, es- em dias diferentes; pacientes com hipertensão refratária ao
tabelecer o diagnóstico diferencial, uma vez que as causas tratamento convencional com uso de pelo menos três anti-
ACTH-dependentes apresentam valores de ACTH acima -hipertensivos (incluindo um diurético) ou controlada com
de 20 pg/mL, enquanto as causas ACTH-independentes quatro ou mais medicações anti-hipertensivas; hipertensão
apresentam valores abaixo de 10 pg/mL. com hipocalemia espontânea ou induzida por diuréticos; hi-
Em se tratando das causas ACTH-independentes, de- pertensão e incidentaloma adrenal; hipertensão e apneia do
ve-se solicitar a tomografia computadorizada (TC) de ab- sono, hipertensão e história familiar de hipertensão de início
dome com contraste ou ressonância magnética (RNM) de precoce (< 40 anos) e todo hipertenso parente de primeiro
abdome a fim de diferenciar as principais etiologias: ade- grau de um paciente portador de aldosteronismo primário.
noma, carcionoma ou hiperplasia. O primeiro passo para o diagnóstico consiste na utili-
zação da razão aldosterona plasmática/atividade plasmá-
Aldosteronismo primário tica de renina (APR), cujo valor de corte é dependente do
ensaio laboratorial que é utilizado. Considera-se que para
Definição a concentração de aldosterona plasmática dosada em ng/
Aldosteronismo primário é um grupo de desordens em dL e a APR dosada em ng/mL/h, o valor da razão maior
que a produção de aldosterona é inapropriadamente alta ou igual a 30 corresponde a triagem positiva desde que
para o status de sódio, relativamente autônoma dos maio- associado a dosagem de aldosterona plasmática maior que
res regulares da sua secreção (angiotensina II e concentra- 15 ng/dL. Como todo teste de triagem, a razão aldosterona/
ção plasmática de potássio) e não supressível a sobrecarga APR não é isenta de resultados falso-positivos e negativos,
de sódio; como consequência provoca danos cardiovascu- principalmente em virtude do uso de algumas medicações,
lares, supressão da renina plasmática, hipertensão, reten- como na tabela 3.
ção de sódio, excreção de potássio, que se for prolongada
Tabela 3. Medicações que podem interferir na dosagem de atividade de
e severa pode levar a hipocalemia. renina plasmática e aldosterona sérica levando a resultados falsos-negativos
O aldosteronismo primário é geralmente causado por ou falso-positivos.

um adenoma adrenal, hiperplasia adrenal unilateral ou bi- Falsos-negativos Falso-positivos


lateral ou ainda em raros casos por carcinoma adrenal ou
condições hereditárias de aldosteronismo familiar. Diuréticos expoliadores de K Betabloqueador

Diuréticos poupadores de K Agonistas centrais (cloni-


Epidemiologia dina, alfametildopa)
Estudos transversais e prospectivos relatam adostero-
Inibidor da enzima conversora de AINES
nismo primário em cerca de 10% dos pacientes hiperten- angiotensina (IECA)
sos, variando entre 8%-13% em hipertensos moderados
Bloqueador de receptor da angio- Inibidor da renina
(PAS 160-179 x PAD 100-109 mmHg) e severos (PAS > tensina (BRA)
180 e PAD > 110 mmHg), respectivamente. A prevalência
Bloqueador do canal de cálcio
é ainda maior no caso de hipertensão resistente, considera-
da quando os valores pressóricos excedem 140 x 90 mmHg
Apesar disso, na maioria dos casos a razão pode ser
apesar do tratamento com três classes de medicações anti-
interpretada apesar do efeito das medicações de uso habi-
-hipertensivas, variando entre 17%-23%. Ressaltamos que
tual do paciente, exceto no caso de uso de antagonistas do
no subgrupo de pacientes hipertensos com síndrome da
receptor de aldosterona, que devem ser suspensos por pelo
apneia obstrutiva do sono a prevalência é de 34%. Já entre
menos quatro semanas antes da avaliação laboratorial.
a população de hipertensos com incidentaloma adrenal, a
O segundo passo consiste na realização de um ou mais
prevalência de aldosteronismo primário é ao redor de 2%.
testes confirmatórios para definitivamente confirmar ou
Diagnóstico excluir o diagnóstico, são eles: teste do captopril, teste da
Pelo consenso da Endocrine Society 2016 recomenda- supressão com fludrocortisona, teste da sobrecarga salina
-se a investigação de aldosteronismo primário nas seguintes endovenosa ou teste da sobrecarga oral de sódio. Entretan-
situações: pacientes com pressão arterial sustentada acima to, no contexto de hipocalemia espotânea, renina suprimi-

379
da e dosagem de aldosterona plasmática acima de 20 ng/ incidentaloma descoberto como massas adrenais em exames
dL não há necessidade de testes adicionais confirmatórios. de imagem demonstram ser feocromocitoma.
No caso da solicitação dos testes confirmatórios, sugere-se Pelo menos 1/3 de todos os pacientes portadores de fe-
avaliação multidisciplinar cuidadosa na escolha de qual ocromocitoma apresenta mutações germinativas causadoras
teste solicitar, pois pode haver alguns riscos, como com- da doença. Pacientes com feocromocitoma hereditário tipi-
plicações por hipervolemia ou efeitos da intensificação da camente apresentam-se com doença multifocal e em idade
hipocalemia. mais jovem do que aqueles com neoplasia esporádica.
Recomenda-se que todos os pacientes com aldostero-
Diagnóstico
nismo primário sejam submetidos à realização de tomo-
Deve ser feita a hipótese diagnóstica de feocromocitoma
grafia computadorizada de glândulas adrenais como exa-
em pacientes que apresentam uma ou mais das seguintes ca-
me de imagem inicial para definir o subtipo: adenoma ou
racterísticas: clássica tríade de cefaleia, sudorese e taquicar-
hiperplasia. Adenomas geralmente apresentam-se como
dia, independente de ter ou não hipertensão; hipertensão de
nódulos hipodensos (< 2 cm), por sua vez, a hiperplasia
início precoce (< 20 anos), hipertensão resistente; presen-
adrenal idiopática pode corresponder a glândulas adrenais
ça de síndrome familiar que predispõe tumores secretores
normais na tomografia ou pode ser representada por altera-
de catecolaminas (ex.: neoplasia endócrina múltipla tipo 2
ções nodulares. O exame de tomografia permite ainda que
– MEN 2, neurofibromatose tipo 1- NF1, ou von Hippel-
se exclua a presença de grandes massas adrenais (> 4 cm),
-Lindau-VHL); história familiar de feocromocitoma; inci-
que podem representar carcinoma adrenocortical, além de
dentaloma adrenal com ou sem hipertensão; instabilidade
ser útil como auxílio ao radiologista intervencionista ou
pressórica durante anestesia, cirurgia ou angiografia e na
cirurgião quando anatomicamente apropriado.
presença de cardiomiopatia idiopática dilatada.
Quando o tratamento cirúrgico é possível e desejado
O diagnóstico é baseado pela confirmação bioquímica
pelo paciente, um radiologista experiente deve realizar o
da hipersercreção de catecolaminas, seguido pela identifi-
cateterismo das veias adrenais para fazer a distinção entre
cação do tumor em exames de imagem. Recomenda-se que
doença unilateral ou bilateral. No entanto, pacientes jo-
o teste bioquímico inicial para feocromocitoma deve incluir
vens (< 35 anos) com hipocalemia espontânea, acentuado
a dosagem de metanefrinas plasmáticas livres ou metane-
aumento de aldosterona e lesão unilateral com característi-
frinas urinárias fracionadas, uma vez que as metanefrinas
cas radiológicas de adenoma não necessitam da realização
livres são produzidas dentro das células cromafins ou pelas
de cateterismo previamente à realização da adrenalectomia
células tumorais derivadas dessas células cromafins devido
unilateral.
a presença da enzima COMT (catecol-O-metiltransferase)
e, principalmente, pelo fato de que estes metabólitos são
Feocromocitoma produzidos constantemente dentro do tumor por um proces-
Definição so que é independente da exocitose das catecolaminas.
A dosagem de metanefrinas plasmáticas fracionadas tem
Feocromocitoma é um tumor derivado das células cro-
sensibilidade de 96%-100%, especificidade de 85%-89% e
mafins da medula adrenal que geramente produz uma ou
um alto valor preditivo negativo, portanto em casos de alta
mais catecolaminas: epinefrina, norepinefrina e dopamina.
suspeita clínica, um valor normal de metanefrinas plasmá-
Raramente estes tumores são bioquimicamente silencio-
ticas exclui o diagnóstico. Por outro lado, considera-se que
sos. Cerca de 80%-85% dos tumores derivados das células
resultados três vezes acima do limite superior de normali-
cromafins são feocromocitomas. A maioria destes tumores
dade raramente são falso-positivos. Ressaltamos que para a
que secretam catecolaminas, se não tratados, leva a alta
avaliação bioquímica ser efetiva, o tratamento com antide-
morbidade e mortalidade cardiovascular.
pressivos tricícliclos (incluindo relaxante muscular e outros
Epidemiologia agentes psicoativos) deve ser descontinuado por pelo menos
A prevalência de feocromocitoma em pacientes com hi- duas semanas antes de qualquer avaliação hormonal.
pertensão em geral varia entre 0,2%-0,6%. Em crianças com No entanto, pela falta de disponibilidade em alguns
hipertensão, a prevalência de feocromocitoma é de aproxi- serviços da dosagem de metanefrinas plasmáticas, quando
madamente 1,7%. Aproximadamente 5% dos pacientes com a suspeita de feocromocitoma é baixa pode-se considerar

380
Adrenal I

a dosagem de catecolaminas totais e fracionadas e meta- mes de imagem, como a tomografia computadorizada e a
nefrinas totais na urina de 24 horas, associada à dosagem ressonância magnética, além da maior utilização destes na
de creatinina na mesma amostra para avaliar se a coleta prática clínica.
da amostra foi realizada de maneira adequada. Segundo
Prevalência
dados da Mayo Clinic a sensibilidade deste método é de
A prevalência média de incidentalomas adrenais utili-
98% e a especificidade é de 98%.
zando imagens tomográficas de alta resolução é de cerca
Deve-se considerar que já foi demonstrado em alguns
de 4%. A prevalência de incidentalomas aumenta com a
estudos que as dosagens de catecolaminas e de ácido va-
idade: menor que 1% em pacientes com menos de 30 anos,
nilmandélico apresentam sensibilidade inferior em relação
aumentando para 7% em pacientes com mais de 70 anos.
à dosagem de metanefrinas urinárias fracionadas, além de
Em estudos de autópsia, a prevalência de incidentaloma
outros trabalhos que revelaram resultados falsos-negativos
é de 2%, variando entre 1%-9%, sendo maior em obesos,
na dosagem de catecolaminas e ácido vanilmandélico e au-
diabéticos e hipertensos. A maioria dos incidentalomas são
mento da acurácia com a medida de metanefrinas urinárias.
adenomas benignos. Apesar disso, uma avaliação cuidado-
Uma vez confirmado o diagnóstico bioquímico, deve-
sa deve ser feita para que lesões produtoras de hormônios
-se proceder a avaliação por imagem com a finalidade de
e tumores malignos não sejam negligenciados.
localizar o tumor. A tomografia computadorizada (TC) de
Os diagnósticos diferenciais são mostrados na tabela 4.
abdome é considerada a primeira escolha devido a exce-
lente resolução espacial. Na TC, o feocromocitoma pode Tabela 4. Diagnósticos diferenciais.
ser homogêneo ou heterogêneo, necrótico com algumas
Tumores Adenomas, Hiperplasia, Hiperplasia adrenal congênita
calcificações, sólido ou cístico e em geral apresenta atenu- do córtex Carcinomas
ação da mais 10 unidades Hounsfield na fase sem contras- adrenal

te, além de ocasionalmente ter mais de 60% washout do Tumores da Feocromocitoma


contraste. Por sua vez, o achado na ressonância magnética medula da Ganglioneuromas, Neuroblastomas
adrenal
(RNM) de hipersinal em t2 pode contribuir para o diag-
nóstico de feocromocitoma. Esta avaliação deve ser con- Outros Mielolipoma
tumores Mestástases
siderada em casos de pacientes com limitação à exposição adrenais Miscelânea: hamartoma, teratoma, hemorragia,
à radiação, portadores de clipes cirúrgicos ou pacientes Infecções: fungos (histoplasma, blastomicose, cocci-
dioidomicose) vírus (CMV), parasitas
alérgicos a contraste. Granulomas: tuberculose, sarcoidose.
Nos casos em que há evidência clínica e bioquímica Cisto e pseudocisto
Hemorragia
de feocromocitoma e os exames de imagem como a TC ou
RNM de abdome não identificam o tumor, recomenda-se a Diagnóstico
realização de cintilografia com iodo-123 metaiodobenzil-
Investigação clínica que identifica súbita perda de mas-
guanidiana, um composto que se assemelha a norepinefri-
sa óssea, achados laboratoriais de hipocalemia, história de
na e portanto é captado pelo tecido adrenérgico. Além de
perda de força muscular ou hipertensão de difícil controle
contribuir para a identificação de tumores não visualizados
(paroxística ou sustentada), não deve ser menosprezada.
na TC e RNM de abdome, essa avaliação contribui na defi-
Cerca de 2/3 dos cânceres adrenocorticais apresentam-se
nição de doença metastática dos casos de tumores adrenais
inicialmente com características de excesso de cortisol e
maiores de 10 cm e doença multifocal.
andrógenos. Uma história de malignidade, tabagismo ou
recente perda de peso pode sugerir uma lesão metastática.
Incidentaloma adrenal Em pacientes com anticoagulantes, a possibilidade de he-
morragia adrenal deve ser considerada.
Definição
Um incidentaloma adrenal é uma massa adrenal maior Avaliação por método de imagem
de 1 cm de diâmetro, descoberta inesperadamente pela re- A tomografia computadorizada de adrenal é o exame
aliazação de um exame radiológico na ausência de sinto- de imagem de escolha para o estudo dos tumores adrenais,
mas e sinais clínicos sugestivos de doença adrenal. Esta uma vez que é capaz de avaliar o tamanho da lesão, a densi-
entidade é o resultado de avanços tecnológicos em exa- dade, bem como detectar a presença de calcificações, áreas

381
de necrose e invasão local. Durante o protocolo, imagens O risco de malignidade aumenta significativamente
sem contraste são obtidas inicialmente com corte 2-3 mm. quando o tamanho do tumor é maior que 4 cm; entretanto,
Se a atenuação da massa adrenal na fase sem contraste for o tamanho deve ser avaliado no contexto das outras carac-
maior que 10 unidades Hounsfield (UH), então as imagens terísticas radiológicas. De modo geral, todo incidentalo-
pós-contraste são obtidas em 1 e 15 minutos para calcular ma adrenal maior que 4 cm de tamanho que não apresen-
a porcentagem de washout. te características radiológicas benignas deve ser removido
Os três maiores critérios das lesões adrenais na tomo- cirurgicamente independente se for funcionante ou não. A
grafia são: atenuação (medida em UH), tamanho da lesão variação de tamanho do tumor também é um preditor de
e porcetagem de washout. Adenomas adrenais frequente- malignidade, entretanto um único valor de ponto de corte
mente apresentam menor atenuação na TC devido a alta não é confiável para confirmar ou excluir malignidade. Um
concentração de gordura no tecido produtor de esteroide, crescimento absoluto de 0,8 cm em 3-12 meses tem a maior
tipicamente -20 a -150 UH. Portanto, se uma massa adre- sensibilidade (72%) e especificidade (81%) combinadas
nal apresenta atenuação de -10UH na TC sem contraste, para diferenciar entre massas adrenais benignas e malignas.
a probabilidade de se tratar de um adenoma benigno é de Outros exames de imagem, utilizando diferentes técni-
100%. Entretanto, cerca de 20%-30% dos adenomas be- cas podem ainda ser utilizados na distinção de adenomas
nignos são pobres em conteúdo lipídico e, dessa forma, adrenais e outras massas. Na ressonância nuclear magné-
apresentam atenuação sem contraste maior do que 10UH. tica (RNM), lesões ricas em conteúdo lipídico demons-
Em relação ao washout, uma porcentagem de washout tram queda da intensidade de sinal quando comparadas as
absoluto maior que 60% em 15 minutos ou relativo maior sequên­cias de fase e fora de fase. Estes achados tem acurá-
que 40% é fortemente sugestiva de um adenoma, embora cia semelhante aos achados do protocolo de TC adrenais.
feocromocitoma pode apresentar washout com caracterís- A tabela 5 resume algumas das principais característi-
ticas de adenoma. cas radiológicas das massas adrenais.

Tabela 5. Principais características radiológicas das massas adrenais.

Etilogias Características radiológicas

Adenomas Densidade homogênea, margens regulares


benignos Diâmetro < 4 cm, localização unilateral
Atenuação na TC sem contraste < 10 HU
Rápido washout do contraste (washout absoluto > 50%)
Isointenso em relação ao fígado nas sequências ponderadas em T1 e T2 na RNM
Evidência de composição lipídica na RNM

Feocromocitoma Atenuação aumentada na TC sem contraste (> 20 UH)


Aumento da vascularização na lesão
Atraso no washout absoluto do contraste (< 50%)
Alta intensidade de sinal na sequência T2 da RNM
Alterações císticas e hemorrágicas
Tamanho variável e eventualmente bilateral

Carcinoma Margem irregular


adrenocortical Densidade heterogênea devido a áreas centrais de baixa atenuação sugestivas de necrose tumoral
Calcificação tumoral
Diâmetro usualmente > 4 cm
Localização unilateral
Atenuação elevada na TC sem contraste (> 20 UH)
Captação heterogênea do contraste intravenoso na TC
Atraso no washout absoluto do contraste (< 50%) Hipodensidade na RNM quando comparada ao fígado nas sequência ponde-
rada em T1 e alta ou intermediário sinal nas sequências ponderadas em T2.
Valores de SUV altos no estudo tomográfico com PET-FDG
Evidência de invasão local ou metástases

Metástase adrenal Margem irregular e densidade heterogênea


Tendência a bilateralidade
Valores de atenuação na TC sem contraste elevados (> 20 UH) e realce com contraste intravenoso
Atraso no washout absoluto do contraste (< 50%)
Isosinal ou discretamente menos intenso que o fígado nas sequências ponderadas em T1 e sinal alto na sequência ponderada
em T2 na RNM
Valores de SUV altos no estudo tomográfico com PET-FDG

382
Adrenal I

A punção por agulha fina guiada por imagem de tumo- pacientes com incidentalomas adrenais tem sido relatada,
res adrenais pode ser útil no diagnóstico e estadiamento mas essa probabilidade é em torno de 3%. Em aproxima-
de pacientes com câncer e sem outros sinais de doença damente 4%-14% dos pacientes com feocromocitoma, o
metastática, na presença de uma massa adrenal com ate- tumor é descoberto incidentalmente. Cerca de 50% dos
nuação na TC sem contraste > 10 UH. Com a finalidade de pacientes com incidentalomas diagnosticados como feo-
evitar uma potencial crise hipertensiva, deve-se descartar a cromocitomas podem ser normotensos. Geralmente o feo-
possibilidade de feocromocitoma previamente à realização cromocitoma é representado por uma lesão vascularizada
da biópsia. Por outro lado, na suspeita de um carcinoma com grande captação de contraste na TC; apresenta ainda
adrenocortical, a biópsia não deve ser considerada, uma regiões heterogêneas devido a presença de áreas císticas e
vez que a distinção entre neoplasia benigna e maligna é hemorragia. Considera-se que na TC sem contraste o valor
difícil; além do risco possível de disseminação do tumor de atenuação menor que 10 HU descarta a possibilidade
pelo trajeto da agulha. de feocromocitoma. Portanto, a avaliação bioquímica para
feocromocitoma em lesões homogêneas com atenuação
Avaliação da secreção hormonal menor de 10 HU pode ser dispensada.
Enquanto a maior parte dos incidentalomas são não Carcinoma adrenocortical compreende menos de 5%
funcionantes, 10%-15% secretam hormônios em excesso. de todos os casos de incidentalomas adrenais segundo re-
Conceitualmente, todos os pacientes com incidentaloma visão recente. Entretanto, a prevalência depende do tama-
adrenal devem ser rastreados para a pesquisa de síndrome nho do tumor, correspondendo a cerca de 2% das lesões
de Cushing subclínica e feocromocitoma. Assim como os com menos de 4 cm ou menos, 6% para lesões de 4,1-6 cm
pacientes hipertensos também devem ser avaliados para al- e 25% para lesões maiores do que 6 cm. O grupo italiano
dosteronoma mesmo se a concentração de potássio sérica de estudo de tumores adrenais foi que determinou o cut off
for normal. de 4 cm, cuja sensibilidade é de 93% e especificidade de
A síndrome de Cushing subclínica é caracterizada pela 24% para o diagnóstico de carcinoma adrenocortical.
súbita produção de cortisol de modo autônomo pelo tumor O seguimento sugerido para os incidentalomas consis-
adrenal e geralmente associada a supressão da produção de te: para lesões menores que 4 cm de tamanho e atenuação
cortisol pela glândula contralateral, na ausência de estig- maior que 10 UH, repetir o estudo tomográfico em 3-6
mas clássicos da síndrome de Cushing. A prevalência é em meses por 2 anos. Tumores adrenais com características
torno de 5% em pacientes com incidentalomas. Associa- radiológicas indeterminadas que crescem pelo menos 0,8
-se a alta prevalência de complicações metabólicas, como cm em 3-12 meses devem ser considerados para ressecção
obesidade, hipertensão, hiperglicemia e risco aumentado cirúrgica. O risco cumulativo para um incidentaloma não
de perda óssea e fraturas vertebrais. Na falta de um exame secretor tornar-se hiperfuncionante (na maioria hipercor-
padrão ouro para o diagnóstico, o teste de supressão com 1 tisolismo subclínico) foi de 3,8% após 1 ano e 6,6% após
mg de dexametasona é considerado o teste de eleição para 5 anos. De acordo com as evidências e até que novas in-
a avaliação destes pacientes. formações emerjam de estudos prospectivos, o seguimento
Todos os pacientes diagnosticados com incidentalomas com avaliaçào bioquímica deve ser feito anualmente para a
adrenais e hipertensos devem ser rastreados para aldoste- maioria dos pacientes com incidentalomas, especialmente
ronismo primário. A maioria dos pacientes portadores de se o tumor for maior do que 3 cm, por até 5 anos ideal-
adenomas produtores de aldosterona são normocalêmicos mente.
e, portanto, um valor sérico de potássio normal não deve
afastar a necessidade de avaliação subsequente. A preva-
Carcinoma adrenocortical
lência estimada de adenoma produtor de aldosterona en-
tre os pacientes com incidentaloma adrenal é menor que Epidemiologia
1%, porém alguns autores sugerem que a prevalência pode Carcinoma adrenocortical é uma condição maligna rara
atingir 2%. A investigação bioquímica segue o mesmo e altamente agressiva, com uma incidência anual de 0,7-
protocolo já descrito anteriormente para a investigação de 2,0 casos por milhão de habitantes. Pode acometer qual-
aldosteronismo primário. quer idade, com um pico de incidência entre 40-50 anos,
Uma prevalência de 1,1%-11% de feocromocitoma em além de que mulheres são mais frequentemente afetadas

383
(55-60%). A incidência em crianças é particularmente alta com dexametasona e dosagem de cortisol livre na urina.
no sul do Brasil, devido a alta prevalência (0,27%) de uma A relação aldosterona/atividade plasmática de renina deve
mutação germinativa específica TP53 (R337H). ser realizada em pacientes com hipertensão e hipocalemia.
A utilidade desta avaliação extensa baseia-se nas seguintes
Diagnóstico considerações: corrobora a origem adrenocortical da lesão
Aproximadamente 60% dos carcinomas adrenocorti- e documenta excesso de glicocorticóides que se não con-
cais são secretores suficientemente para apresentarem sín- siderada pode acarretar em insuficiência adrenal no pós-
drome de excesso de hormônios. Adultos com carcinomas -operatório.
secretores usualmente apresentam síndrome de Cushing
(45%) ou misto de Cushing e síndrome virilizante, com Diagnóstico por imagem
produção elevada de glicocorticoides e andrógenos (25%). De acordo com o descrito previamente, a tomografia
Menos de 10% apresentam virilização isoladamente, mas computadorizada é capaz de distinguir adenomas de carci-
a presença de virilização em um paciente com tumor adre- nomas. Já a ressonância magnética é complementar à TC,
nal é mais sugestiva de carcinoma do que adenoma. no que se refere a invasão local e envolvimento da veia cava.
Os sintomas clínicos usuais de excesso de glicocorti- A tomografia por emissão de pósitrons (PET) com flu-
coides, tais como ganho de peso, fraqueza e insônia, usu- ordesoxiglicose (FDG) é de grande valor na identificação
almente desenvolvem-se muito rapidamente (ao redor de de tumores unilaterais com alto índice de suspeição para
3-6 meses). Pacientes que apresentam concomitantemente malignidade, uma vez que uma minoria dos adenomas
excesso de andrógenos podem não ter os efeitos típicos ca- corticais benignos acumula FDG. Já a integração do PET
tabólicos do excesso de glicocorticoides (atrofia muscular com a TC (PET-CT) melhora a performance do PET, pois
incorpora a medida da atenuação à captação do FDG, des-
e de pele).
crita como “standardized uptake value” (SUV) para le-
Feminilização e hiperaldosteronismo ocorrem em me-
sões adrenais. Usando o PET-CT com o valor de corte para
nos de 10% dos casos.
SUV de 3,1; a sensibilidade, especificidade, valor prediti-
A maioria dos pacientes com tumores não funcionantes
vo positivo e valor preditivo negativo são de 100, 98, 97 e
(ou mais precisamente com produção subclínica de esteroi-
100%, respectivamente.
des) apresenta manifestações clínicas relacionadas ao cres-
cimento tumoral (ex.: dor abdominal) ou evoluem com um
achado incidental de massa adrenal, sendo os sintomas de Referências recomendadas
perda de peso e anorexia frequentes neste contexto clínico. 1. Machado MC e cols. Recommendations of the Neuroendocrinology
Department of the Brazilian Society of Endocrinology and Metabo-
A síndrome de Cushing representa uma importante lism for the diagnosis of Cushing’s disease in Brazil. Arch Endocrinol
Metab 2016;60(3).
causa de morbimortalidade quando os pacientes são trata-
2. Funder JW e cols. The management of primary aldosteronism: case
dos cirurgicamente ou com quimioterapia, devido a um au- detection, diagnosis, and treatment: An Endocrine Society Clinical
mento no risco de infecções e complicações metabólicas. Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab May 2016;101(5):1889-
1916.
Crianças usualmente apresentam virilização (84%), 3. Lenders JWM et al. Pheochromocytoma and paraganglioma: An En-
enquanto a síndrome de Cushing isolada é bem menos co- docrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab
June 2014;99(6):1915–1942.
mum (6%). 4. Young, W. F., and N. M. Kaplan. “Clinical presentation and diagnosis
A avaliação bioquímica deve incluir as seguintes dosa- of pheochromocytoma. UptoDate 2012. http.
gens: cortisol basal, ACTH, sulfato de dehidroepiandroste- 5. Kannan et al. Evaluation of patients with adrenal incidentalomas.
Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes 2013;20:161-169.
nediona (DHEA), 17-hidroxiprogesterona, androstenedio- 6. Fassnacht et al. Update in adrenocortical carcinoma. J Clin Endocri-
na, testosterona e estradiol bem como teste de supressão nol Metab December 2013;98(12):4551-4564.

384
SEÇÃO IX
CÂNCER DE RIM

CAPÍTULO 59
Adrenal II
(tratamento - incluindo feocromocitoma,
câncer, hiperaldosteronismo, incidentaloma
e doença metastática)

Ricardo Miyaoka
Eder Silveira Brazão Junior
em 6-12 meses que não deve acusar aumento > 5 mm,
Anatomia considerado suspeito.
As glândulas adrenais localizam-se no retroperitô-
A avaliação funcional é mandatória nos pacientes
nio e são envolvidas por gordura perirrenal e fáscia de
com tumor adrenal. As recomendações da ESE sugerem
Gerota, repousando sobre os rins, além de apresentar
pesquisar sempre a elevação de catecolaminas e corti-
íntimo contato com outras estruturas nobres: à direita –
sol. Em pacientes hipertensos, também é necessária a
fígado, duodeno e veia cava; à esquerda – aorta, baço e
pesquisa de hiperaldosteronismo. Já os esteróides de-
cauda do pâncreas.
vem ser pesquisados somente em casos suspeitos para
A glândula se divide em camadas cortical e medular.
carcinoma adrenocortical.
A cortical, que representa cerca de 90% da glândula,
tem sua origem embriológica mesenquimal e se subdivi-
de histologicamente em zonas glomerulosa, fasciculada Adenomas
e reticular, responsáveis pela produção respectivamente Os adenomas são as lesões benignas mais frequen-
de mineralocorticoides, glicocorticoides e andrógenos. tes. Cerca de 70%, considerados “típicos”, têm como
Já a medular, originada a partir de células da crista neu- característica radiológica grande quantidade de gordura
ral, é responsável pela produção das catecolaminas. intracitoplasmática, o que se traduz na TC sem contras-
A vascularização provém de artérias adrenais supe- te como atenuação < 10 UH. Na ressonância magné-
riores, médias e inferiores. As adrenais superiores são tica (RM), o achado principal é a queda de sinal após
ramos da artéria frênica inferior, as médias são ramos subtração de gordura.
diretos da aorta e as inferiores são ramos da artéria re- Entretanto, os 30% restantes, ditos “atípicos”, são
nal. Já a drenagem venosa é única, sendo que a veia pobres em gordura e têm atenuação >10 UH na TC e
adrenal direita drena diretamente para a veia cava e a não apresentam queda de sinal na RM. Nesses casos,
esquerda, para a veia renal. faz-se necessário o uso de contraste, para avaliação da
captação precoce (1 minuto) e do washout (15 minutos),
Tumores da adrenal que no caso dos adenomas é rápido (washout absoluto >
Os tumores adrenais podem ser benignos (adeno- 60%; washout relativo > 40%).
ma, mielolipoma) ou malignos (carcinoma da cortical Somente 7% dos adenomas são metabolicamente
adrenal, metástase secundária). A maioria dos pacientes ativos, sendo 6% produtores de cortisol e 1% produtor
são assintomáticos com achado incidental em exame de de aldosterona.
imagem. A incidência dos chamados “incidentalomas”
adrenais é de até 5%, sendo que cerca de 20% são lesões
Mielolipoma
potencialmente cirúrgicas.
É um tumor benigno raro, rico em tecido adiposo
Tanto a tomografia computadorizada (TC), quanto
maduro entremeado por tecido hematopoiético. Carac-
a ressonância magnética (RM) oferecem uma adequada
teriza-se radiologicamente por ser bem delimitado, he-
avaliação anatômica da adrenal. As lesões inferiores a 4
terogêneo, com áreas de gordura macroscópica, geral-
cm são, na maioria das vezes, benignas; enquanto lesões
mente com atenuação entre -20 e -30 UH, entremeadas
acima de 6 cm são tidas como malignas, até prova em
por tecido captante de contraste. Esse tumor não tem
contrário. Entretanto, a European Society of Endocrino-
atividade metabólica, devendo somente ser abordado ci-
logy (ESE) recomenda, em seu último guideline publi-
rurgicamente em caso de lesão volumosa com sintomas.
cado em 2016, a realização de TC sem contraste como
exame inicial para avaliação dos tumores adrenais. Em
pacientes sem antecedentes neoplásicos, as lesões < 4 Feocromocitoma
cm, homogêneas e com atenuação < 10 UH são defi- É um tumor originado das células cromafins, pro-
nitivamente benignas. Em caso de nódulos sem essas dutor de catecolaminas, sendo 90% das vezes de ori-
características, é recomendada a utilização de TC com gem adrenal e 10% de origem extra-adrenal (paragan-
contraste para avaliação do “washout”. Uma outra alter- gliomas). Pode ocorrer esporadicamente, mas também
nativa pode ser seguimento com realização de nova TC está associado a síndromes genéticas, tais como Von

386
Adrenal II (Tratamento - incluindo feocromocitoma, câncer, hiperaldosteronismo, inciden-

Hippel-Lindau, NEM 2 e neurofibromatose tipo 1. Na


maioria das vezes tem comportamento benigno, mas
Carcinoma adrenal
É um tumor raro, originado na cortical da adrenal.
em cerca de 5% pode apresentar-se com metástases.
Apresenta dois picos de incidência (primeira e quinta
Clinicamente, pode ser assintomático ou manifestar-
décadas), com leve predominância no sexo feminino.
-se com hipertensão paroxística, associado a cefaleia, Pode ocorrer de forma esporádica, mas também asso-
sudorese e taquicardia. O diagnóstico baseia-se na do- ciado a algumas síndromes genéticas (Li-Fraumeni, Be-
sagem de metanefrinas e normetanefrinas plasmáticas, ckwith-Wiedemann).
ou urinárias em 24 h. Radiologicamente, apresenta-se Clinicamente, pode ser assintomático ou manifes-
como lesão pobre em gordura, apresentando densidade tar-se com sintomas locais ou sistêmicos pela produção
> 10 UH na fase sem contraste e com washout tardio. hormonal (aproximadamente 60% apresentam hiper-
Em pacientes com lesões > 5 cm, bem como naque- secreção de esteroides). Radiologicamente, as lesões
les que apresentam elevação de catecolaminas, porém são geralmente maiores que 5 cm, com bordas irregu-
sem identificação de imagem em TC, podemos lançar lares, heterogêneas, com calcificações e áreas de necro-
mão de exames de medicina nuclear para identifica- se. Além disso, podem apresentar linfonodomegalia e
ção de lesões extra-adrenais e possíveis metástases, tal trombo venoso.
como o MIBG. Em pacientes já com metástase identifi- A biópsia deve ser reservada para pacientes com tu-
cada, o exame recomendado pela ESE é o PET-TC com mores metastáticos sem condições cirúrgicas, pelo risco
18F-FDG. de implante neoplásico no trajeto da agulha. O diagnós-
O tratamento é cirúrgico. Casos raros com feocro- tico histológico é muitas vezes complexo, baseado nos
mocitoma hereditário, que já foram submetidos a adre- critérios de Weiss, sendo que a presença de 3 dos 9 cri-
térios indica tumor maligno.
nalectomia prévia, podem ser manejados com adrena-
O mais recente guideline do NCCN reforça a impor-
lectomia parcial.
tância do tratamento multimodal. Entretanto, a ressec-
No pré-operatório sugere-se introduzir preferencial-
ção cirúrgica agressiva é que oferece as melhores taxas
mente os alfabloqueadores cerca de 14 dias antes da ci-
de cura. A radioterapia adjuvante tem efeito na redução
rurgia, com o intuito de evitar crises adrenérgicas, além
das taxas de recorrência local de 79% para 14%. A qui-
de recomendar ingesta de fluídos rigorosa e dieta rica
mioterapia adjuvante com mitotano tem papel no tempo
em sódio.
livre de doença e sobrevida. Em pacientes metastáticos,
Algumas vezes, os pacientes podem manifestar ta- a cirurgia citorredutora pode ser considerada se mais
quicardias reflexas e até mesmo arritmias, com neces- de 90% do tumor possa ser retirado, já que diminui os
sidade de introdução de betabloqueadores, que nunca sintomas locais e sistêmicos. Nesses pacientes, a tera-
devem ser iniciados antes de alfabloqueio adequado. pia sistêmica se baseia na combinação de mitotano com
Os bloqueadores de canais de cálcio também podem ser cisplatina, etoposídeo e doxorrubicina.
prescritos caso os níveis pressóricos estejam descon-
trolados a despeito do alfabloqueio. No dia anterior a
cirurgia, é importante hidratação endovenosa vigorosa,
Metástase
A adrenal é sítio comum de metástase de vários tu-
para evitar hipotensão prolongada após a retirada do tu-
mores: melanoma, pulmão, rim, mama, próstata, etc.
mor.
Em pacientes com malignidade prévia, cerca de 50%
No intraoperatório, deve-se manipular minimamente das lesões adrenais são metastáticas. Pacientes com
a lesão em busca de ligadura precoce da veia adrenal. A metástase volumosa bilateral podem desenvolver insu-
equipe anestésica deve ter em mãos tanto medicações ficiência adrenal.
hipotensoras, tais como nitroprussiato e betabloqueado- Radiologicamente, as lesões metastáticas apresen-
res endovenosos, bem como vasopressores para evitar tam-se bem circunscritas, homogêneas, porém com ate-
hipotensão após retirada do tumor. Outro cuidado no nuação > 10 UH. Quando realizado estudo contrastado,
pós-operatório é em relação a hipoglicemia, decorrente não há evidência de washout rápido, diferentemente dos
de hiperinsulinemia de rebote. adenomas. Além disso, devemos sempre excluir a pre-

387
sença de feocromocitoma através da dosagem de meta- lateral, 35% adenoma, 2% hiperplasia unilateral, <1%
nefrinas. carcinoma produtor, <1% produção ectópica de aldoste-
O PET-TC é uma das ferramentas sugeridas no gui- rona, <1% hiperaldosteronismo familiar.
deline da ESE para investigação das lesões supostamen- O rastreio deve ser feito a partir do cálculo da rela-
te metastáticas. Outra alternativa é a realização de bióp- ção aldosterona/renina. Se essa relação for acima de 20,
sia percutânea para confirmação diagnóstica. associada a níveis de aldosterona acima de 15 ng/mL,
O tratamento deve ser discutido com equipe multi- sugerem esse diagnóstico. Alguns diuréticos e anti-hi-
disciplinar. A adrenalectomia pode ser uma opção tera- pertensivos precisam ser descontinuados antes dessas
pêutica, principalmente quando a adrenal é sítio único dosagens (betabloqueadores e espironolactona). Caso o
de metástase. rastreamento seja positivo, um teste confirmatório deve
ser realizado por endocrinologista experiente (dosagem
Síndrome de Cushing de aldosterona após sobrecarga de sódio ou supressão
com fludrocortisona).
Ocorre pelo aumento da produção de cortisol pelas
O tratamento depende do subtipo identificado. Nos
adrenais, seja elevação do ACTH (tumor hipofisário
ou produção ectópica) ou independente do ACTH, por casos de adenoma, hiperplasia unilateral ou carcinoma,
patologias primárias da adrenal (adenoma, carcinoma, a adrenalectomia unilateral está indicada. Nos casos de
hiperplasia). hiperplasia bilateral ou hiperaldosteronismo familiar,
Em pacientes suspeitos, pode ser realizada a dosa- deve ser realizado tratamento medicamentoso com es-
gem de cortisol sérico após teste de supressão com de- pironolactona.
xametasona em baixa dose (1 mg), teste recomendado Para a diferenciação do subtipo, realiza-se inicial-
pela ESE, ou pela dosagem do cortisol salivar noturno. mente TC de abdome. Em caso de identificação de nó-
Uma vez diagnosticada a síndrome, faz-se neces- dulo > 1 cm unilateral, a principal hipótese é adeno-
sário identificar sua causa. Em casos da síndrome AC- ma. Caso sejam identificados somente micronódulos,
TH-independente, é realizada TC de abdome visando aumento bilateral das adrenais ou até mesmo adrenais
identificação de adenoma/carcinoma adrenal. Já nos normais, é imperativo o cateterismo de veias adrenais e
pacientes com síndrome ACTH-dependente, realiza-se dosagem de cortisol e aldosterona. Caso haja secreção
dosagem de ACTH em seio petroso, para diferenciação predominantemente unilateral, os possíveis diagnósti-
de adenoma hipofisário produtor de produção ectópica. cos são adenoma ou hiperplasia unilateral, sendo tam-
O urologista atua geralmente nos casos de adenoma/ bém passíveis de correção cirúrgica.
carcinoma de adrenal, realizando adrenalectomia ipsila-
teral. Também, em casos raros de adenoma hipofisário Tratamento cirúrgico –
sem resposta a tratamento neurocirúrgico, com a reali-
Adrenalectomia
zação de adrenalectomia bilateral.
Conforme discutido acima, as indicações de adre-
O tratamento medicamentoso é uma opção em pa-
nalectomia são: suspeita para carcinoma (lesão > 4 cm;
cientes sem condição cirúrgica. Para isso, podem ser
imagem suspeita – bordas irregulares, heterogênea,
utilizados fármacos que bloqueiam a síntese dos corti-
pobre em gordura, infiltração de estruturas adjacentes;
coides, tal como o cetoconazol.
crescimento > 1 cm); tumores secretores (feocromoci-
toma, hipersecreção de cortisol, aldosterona ou testos-
Hiperaldosteronismo primário terona); metástase única.
É uma causa importante de hipertensão secundária, Uma vez indicada a adrenalectomia, a abordagem
devendo sempre ser investigada em pacientes jovens de minimamente invasiva deve ser utilizada para a maior
até 20 anos de idade, hipertensão de difícil controle, hi- parte dos casos e a via aberta para casos de exceção.
pertensão associada a hipocalemia, hipertensão e inci- As contraindicações absolutas de abordagem via
dentaloma adrenal, hipertensão com história familiar de laparoscópica são insuficiência cardíaca ou DPOC gra-
hiperaldosteronismo. ve ou carcinoma adrenal localmente invasivo. Contrain-
Apresenta diversos subtipos: 60% hiperplasia bi- dicações relativas são tamanho do tumor > 6 cm, carci-

388
Adrenal II (Tratamento - incluindo feocromocitoma, câncer, hiperaldosteronismo, inciden-

nomas de adrenal sem invasão local, múltiplas cirurgias margem ampla; preservação da cápsula; evitar contami-
abdominais prévias. nação da cavidade com uso de compressas; trocar luvas
O tema mais controverso certamente relaciona-se e instrumental após retirada do tumor.
ao carcinoma de adrenal. Dado a sua raridade, os estu- A cirurgia aberta pode ser realizada tanto pela via
dos comparativos entre cirurgia aberta e laparoscópica transperitoneal quanto retroperitoneal. A via transperi-
apresentam falhas metodológicas, que impossibilitam toneal tem a vantagem de ter melhor exposição, com
uma conclusão em relação ao prognóstico oncológico maior facilidade de acesso aos grandes vasos, devendo
e das taxas de recidiva local e peritoneal da abordagem ser reservada para tumores grandes ou suspeita de car-
laparoscópica. A ESE recomenda a realização de abor- cinoma de adrenal. Geralmente a incisão preferida é a
dagem laparoscópica em todos os casos com lesões < 6 subcostal. Já a via retroperitoneal tem a vantagem de
cm e sem sinais de invasão local. Caso contrário, a via evitar aderências de cirurgias abdominais prévias e ser
deve ser aberta. um acesso mais fácil em obesos. Os acessos retroperi-
Em relação à técnica cirúrgica, independentemente toneais podem ser tanto por incisão lombar no nível da
da via de acesso, após uma adequada exposição e mí- 11ª costela, quanto por incisão posterior.
nima manipulação da glândula, o primeiro passo deve A abordagem laparoscópica também pode ser trans-
ser a ligadura da veia adrenal. Somente após, a glân- peritoneal ou retroperitoneal, com as mesmas vantagens
dula deve ser dissecada circunferencialmente, liberada e desvantagens da cirurgia aberta. O paciente deve ser
do rim e, finalmente, excisada. Além disso, na suspeita posicionado em decúbito lateral e os portais devem ser
de carcinoma, deve-se realizar: excisão em bloco com dispostos de acordo com a sugestão das figuras 1 e 2.

Figura 1. Abordagem transperitoneal. Figura 2. Abordagem retroperitoneal.

389
Referências recomendadas
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3. Lenders JW, Duh QY, Eisenhofer G, Gimenez-Roqueplo AP, Grebe of Urological Surgery. 3ª edição. Filadélfia, EUA: Elsevier, 2012.

390
SEÇÃO X
CÂNCER DE BEXIGA,
TESTÍCULO, PÊNIS E
URETRA

CAPÍTULO 60
Câncer de bexiga:
epidemiologia,
diagnóstico e imagem
Marcelo Langer Wroclawski
Arie Carneiro
Pedro Nogueira Mousessian
Cerca de 2,4% da população será diagnosticada com
Histologia CaB durante a vida. Em 2016, estima-se que existirão
O câncer de bexiga (CaB) é classificado de acordo
76.960 novos casos de câncer de bexiga e 16.390 mortes
com seu tecido de origem, existindo três tipos histológi-
por esta doença, só nos EUA.6
cos com maior prevalência: carcinoma urotelial, previa-
No Brasil, dados do INCA mostram estimativa para
mente conhecido como de células transicionais, carci-
2016 de 9.670 novos casos, sendo 7.200 em homens e
noma de células escamosas e adenocarcinomas.
2.470 em mulheres; e 2.632 mortes, sendo 2.542 em ho-
O tipo mais frequente, responsável por aproximada-
mens e 1.099 em mulheres.7
mente 85% dos tumores de bexiga, e sobre o qual tra-
Felizmente, a taxa de mortalidade tem diminuído
taremos neste capítulo, é o carcinoma urotelial, que é
nos últimos anos, provavelmente devido à diminuição à
originado a partir da camada mais interna da bexiga.
Pode ser dividido em carcinoma de baixo ou alto grau. exposição aos fatores de risco.2,8
O carcinoma urotelial de baixo grau possui a carac- Aproximadamente 70% dos novos casos de CaB são
terística de ser altamente recidivante após o tratamento, doenças não músculo-invasivas, sendo 70%-75% confi-
mas raramente progride para camadas mais profundas nados à mucosa (Ta), 20%-25% acometendo a submu-
ou gera metástase. Por outro lado, o carcinoma urotelial cosa (T1) e 5% a 10% de carcinoma in situ.1,9 De 31% a
de alto grau, que também é altamente recidivante, fre- 78% dos pacientes com doença superficial apresentará
quentemente progride e invade a camada muscular, re- recorrência do carcinoma urotelial em 5 anos.10 Essa
lacionando-se com metástases linfonodais e a distância. probabilidade varia de acordo com o estádio inicial, ta-
O carcinoma escamoso está mais relacionado com manho e número de lesões ao diagnóstico.
infecções crônicas e/ou irritação vesical, como nos ca- Os demais casos de CaB dão doença músculo inva-
sos de esquistossomose vesical, cateterização de repeti- siva ao diagnóstico ou após recorrência (estádio ≥ T2),
ção ou presença de cálculos vesicais. sendo que cerca de 10% destes apresentam manifesta-
Por fim, o adenocarcinoma pode corresponder à me- ção metastática inicial.
tástase por contiguidade de lesão colorretal, estar rela- A sobrevida está diretamente relacionada com o
cionado ao úraco (até 35% dos casos) ou ser secundário estádio ao diagnóstico, sendo de 70% em 5 anos nos
à metaplasia intestinal por irritação crônica, enterocis- tumores localizados, 34,5% em pacientes com tumores
toplastia ou extrofia de bexiga. localmente avançados e apenas 5% nos casos de metás-
tase à distância (Figura 1).8

Incidência, prevalência Figura 1. Sobrevida do CaB em 5 anos.


e mortalidade
A incidência e a mortalidade do CaB variam de
forma significativa nos diferentes países devido, prin-
cipalmente, a características locais quanto a hábitos e
exposição a fatores de risco, bem como à metodologia
e qualidade da coleta de dados nas diferentes regiões.1,2
O CaB é a sexta neoplasia de maior incidência nos
Estados Unidos, atrás dos cânceres de pulmão, próstata,
mama, cólon e linfoma. Acomete três vezes mais ho-
mens que mulheres,3 sendo o terceiro mais frequente
tumor maligno no sexo masculino e o 11o no feminino.4
O câncer de bexiga raramente acomete indivíduos
com menos de 40 anos e sua incidência aumenta com a
idade. A idade média no diagnóstico é de 73 anos, sendo
mais frequente entre 65 e 84 anos (60 % dos casos). A
taxa de mortalidade também aumenta com a idade (ida- Carcinogênese e fatores de risco
de média 79 anos).5 Existem fortes evidências correlacionando substân-

392
Câncer de bexiga: epidemiologia, diagnóstico e imagem

Quadro 1. Fatores de risco relacionados ao desenvolvimento de CaB.


cias carcinogênicas com o câncer de bexiga. O principal
fator de risco é o tabaco. Estima-se que cerca de 50% Fatores de risco
dos casos de CaB são causados pelo cigarro e que seu
Tabaco
consumo aumenta o risco individual de desenvolver a
neoplasia em 2 a 4 vezes.11,12
Alguns agentes químicos, como a betanaftalina, História familiar
4-aminofenil e benzenos possuem relação bem esta-
belecida com o CaB e são responsáveis por cerca de
10% dos casos. Estes e outros fatores de risco ocupa- Mutações genéticas
cionais são encontrados principalmente na indústria de
RAS
tingimento têxtil, pneu, tintas, couro, sapatos, alumínio,
aço e siderurgia. Apesar da maioria desses agentes já ter Rb1
sido abandonada em inúmeros países, ainda há locais
PTEN/MMAC1
onde seu uso é permitido.11
Alguns tratamentos oncológicos, como a radiotera- NAT2
pia e a quimioterapia com ciclofosfamida também se
GSTM1
relacionam com o desenvolvimento de CaB.9,13
Embora o antecedente familiar possua fraca corre-
lação com CaB, algumas mutações genéticas têm de-
Ocupacional
monstrado impacto na suscetibilidade de outros fatores
de risco.14-16 Produção de alumínio (hidrocarboneto aromático
policíclico, fluoreto)
Os fatores de risco relacionados ao CaB estão lista-
dos no quadro 1. Aminas aromáticas
Derivados do benzeno

Sinais e sintomas Aldeídos


O sinal mais comumente relacionado ao CaB é a
Naftalina
hematúria, tanto micro quanto macroscópico. Outros
sintomas, principalmente relacionados ao carcinoma Toluidina

in situ também podem estar presentes, como polaci- Arsênio


úria e disúria/dor uretral. Menos frequentemente, dor
lombar causada por obstrução do trato urinário supe-
rior em lesões mais avançadas pode ser a primeira ma-
Tratamentos oncológicos
nifestação.
O exame físico é de pouca valia para o diagnóstico Radioterapia
do CaB, principalmente nas doenças não músculo-in-
Quimioterapia com ciclofosfamida
vasivas.
Ervas chinesas (Aristolochia fangchi)

Diagnóstico
Cistoscopia Infecção crônica

É consenso nas diretrizes internacionais que pacien-


tes com hematúria devem ser submetidos à cistoscopia
flexível ambulatorial. Por este procedimento ser pouco Infecção por Schistosoma haematobium

disponível em nosso meio, muitas vezes tentamos subs-


tituí-la pela ultrassonografia, o que não é recomendável,
Sondagem vesical
por motivos que veremos mais adiante. Se preciso, a

393
cistoscopia sob sedação com aparelho rígido deve ser Devido a baixa sensibilidade da citologia, inúmeros
empregada. testes urinários foram desenvolvidos, mas ainda nenhum
Tradicionalmente a cistoscopia utiliza luz branca deles é recomendado para o diagnóstico do CaB.22
convencional. Atualmente, novas tecnologias, como a A tabela 1 identifica os marcadores tumorais mais ex-
cistoscopia com luz azul e o uso de NBI (narrow band perimentados até o momento.
imaging, ou imagem de banda estreita em tradução livre)
estão sendo empregadas em conjunto com a cistoscopia Tabela 1. Marcadores tumorais urinários de CaB.
convencional para melhorar sua acurácia. O uso da cis-
toscopia de luz azul aumenta o diagnóstico de lesões Ta Marcador Sensibilidade Sensibilidade para Especificidade
global (%) alto grau (%) (%)
em 4 vezes e de Ca in situ em 12 vezes.17
O método está relacionado a menor risco de recor-
rência, mas mesmo assim não se observa menor risco de UroVision (FISH) 30-86 66-70 63-95
progressão.18
Análise de 58-92 90-92 73-100
RTU microssatélites

Caso se confirme lesão vesical à cistoscopia, deve-


-se proceder a ressecção transuretral (RTU) de bexiga, Immunocyt 52-100 62-92 63-79
associada ao exame bimanual sob anestesia. Durante a
RTU, todo tumor visível é ressecado, devendo-se amos- NMP22 47-100 75-92 55-98
trar a camada muscular do leito da lesão. Em casos de
suspeita de presença de Ca in situ ou se o tumor for sés- BTA stat 29-83 62-91 56-86
sil, sugestivo de alto grau, biópsias randômicas podem
ser realizadas, bem como da uretra prostática, principal- BTA TRAK 53-91 74-77 28-83
mente nos casos de tumor no colo vesical.19
Uma re-RTU deve ser realizada caso se diagnosti- Citoqueratinas 12-88 33-100 73-95
que na primeira cirurgia um tumor T1 ou de alto grau, e
em situações onde a muscular não foi representada ou a
ressecção foi incompleta. O objetivo é evitar um subes- Achados de imagem
tadiamento e proporcionar a correta terapia.12 A neoplasia urotelial, na maioria das vezes (70% dos
casos), manifesta-se como lesão intraluminal polipoide,
Citologia oncótica
com aspecto vegetante, determinando falha de enchimen-
No pré-operatório, ou durante a cistoscopia ou a
to nos exames com contraste vesical. As apresentações
RTU, pode-se coletar urina para pesquisa de células ne-
oplásicas esfoliadas, que possui alta sensibilidade para séssil, nodular ou difusa são menos comuns e apresentam
tumores de alto grau (84%) e baixa sensibilidade para maior dificuldade diagnóstica.23
tumores de baixo grau (aproximadamente 15%). Uma O carcinoma escamoso habitualmente se apresenta
citologia negativa não exclui CaB, mas uma citologia po- como massa ulcerada e infiltrativa, com invasão muscu-
sitiva, principalmente nos casos de tumor de baixo grau lar em 80% dos casos ao diagnóstico.
na bexiga, nos faz pensar em presença de lesão de alto O adenocarcinoma, quando relacionados ao úraco,
grau não identificada, possivelmente Ca in situ ou aco- apresentam-se como massa sólido-cística com calcifi-
metimento do trato urinário superior.20 cações e localização infraumbilical mediana/parame-
A interpretação da citologia é examinador-depen- diana, mais frequentemente próximo à cúpula vesical.
dente e pode ser comprometida por pequena quantidade
Formas não uracais podem ter manifestações diversas,
de células, infecção urinária, litíase e instrumentação do
sendo a mais descrita um espessamento parietal difuso,
trato urinário. A especificidade do exame, em mãos expe-
que às vezes se apresenta como linite plástica.
rientes, pode chegar a 90%.21
Todos os subtipos epiteliais podem apresentar cal-
Outros marcadores tumorais cificações.

394
Câncer de bexiga: epidemiologia, diagnóstico e imagem

Figura 2. Lesão vesical vegetante na parede posterolateral direita medindo 1,8


Exames de imagem: diagnóstico cm. Imagens de ultrassonografia modo B na transversal (A), longitudinal (B)
e Doppler colorido mostrando presença de vascularização (C). Cortes axiais
Na prática clínica, a ultrassonografia é exame inicial de tomografia computadorizada nas fases nefrográfica, demonstrando o
realce da lesão (D), e excretora, demonstrando a falha de enchimento vesical
frequente na avaliação de queixas urinárias, porém tem (E). A gordura perivesical está preservada. Atentar para outras pequenas
baixa sensibilidade na detecção de lesões pequenas (< 0,5 formações polipoides esparsas pela parede vesical (setas). Reconstrução
3D (F). Estudo anatomopatológico confirmou neoplasia urotelial invasiva, de
cm) e é inadequada para o estadiamento local.23,24 A mo- alto grau, multifocal (Estadiamento pT1).
bilização e o uso do Doppler colorido ajudam na diferen- Figura 2A.
ciação entre coágulo e nódulo tumoral, assim como o uso
de contraste (microbolhas), este ainda pouco disponível e
pouco utilizado na rotina diária.23,25
A urografia excretora tem baixa sensibilidade e espe-
cificidade na detecção do tumor vesical e a presença de
uretero-hidronefrose frequentemente representa doença
avançada, com invasão do trígono ou mesmo dos meatos
ureterais.
A urotomografia (uro-TC) consiste em um protoco-
lo específico de tomografia computadorizada de abdome
para avaliação das vias urinárias, com contraste endove-
noso, e inclui:
• fase pré-contraste do abdome total, para detecção
de eventuais cálculos urinários, servindo de parâ- Figura 2B.
metro para avaliar o realce após a injeção do meio
de contraste;
• fase nefrográfica do abdome total (entre 60 e 90 se-
gundos), para detecção e caracterização de eventu-
ais lesões no sistema coletor. Nesta fase podemos
observar um maior realce da lesão urotelial quando
comparado à muscular adjacente;
• fase excretora do abdome total (entre 7 a 10 mi-
nutos), para detecção de falhas de enchimento do
sistema coletor.
A uro-TC apresenta boa sensibilidade e especificidade
(cerca de 90%) na pesquisa de câncer vesical, e as difi-
culdades de interpretação ocorrem, principalmente, nas le-
Figura 2C.
sões sésseis, difusas ou menores que 0,5 cm, especialmen-
te se localizadas na base vesical e associadas a aumento
prostático.23-28 É um dos melhores métodos não invasivos
na detecção, estadiamento regional e pesquisa de lesões
sincrônicas vesicais (presente em até 40% casos) e do trato
urinário superior (até 4,5% casos).
A ressonância magnética (RM) tem maior resolução
de contraste entre os tecidos moles e apresenta alta sen-
sibilidade e especificidade na pesquisa de neoplasia mes-
mo sem contraste endovenoso,23,24,26,28,29 porém apresenta
as mesmas limitações diagnósticas da uro-TC relativas
às lesões de pequenas dimensões, além do maior custo e
menor disponibilidade (Figuras 2 e 3).

395
Figura 2D. Figura 3. Lesão vesical vegetante e pediculada, situada posterolateralmente
ao meato ureteral esquerdo e projetando-se para a luz vesical, medindo
cerca de 2,8 cm. Há discreto espessamento do detrusor subjacente e
tênues estriações da gordura perivesical, podendo representar invasão da
gordura ou alteração desmoplásica. Estudo anatomopatológico demonstrou
neoplasia urotelial de alto grau (estadiamento T2). Imagens de RM axial T2
(A), DWI (B) e ADC (C).

Figura 3A.

Figura 2E.

Figura 3B.

Figura 2F.

Figura 3C.

396
Câncer de bexiga: epidemiologia, diagnóstico e imagem

4. (NIH) NCI. Bladder Cancer Treatment (PDQ®)–Health Professio-


Exames de imagem: nal Version 2017 [Available from: https://www.cancer.gov/types/
estadiamento locorregional bladder/hp/bladder-treatment-pdq.

A uro-TC e a RM podem ajudar na identificação de 5. Herr HW, Wartinger DD, Fair WR, Oettgen HF. Bacillus Calmette-
-Guerin therapy for superficial bladder cancer: a 10-year followup.
extensão extravesical do CaB.24,29 O exame de imagem J Urol. 1992;147(4):1020-3.
idealmente deve ser realizado antes da biópsia. Caso não 6. Holmang S, Hedelin H, Anderstrom C, Johansson SL. The rela-
tenha sido feito, deve-se aguardar pelo menos 10 dias de tionship among multiple recurrences, progression and prognosis
pós-operatório, reduzindo as alterações relacionadas à of patients with stages Ta and T1 transitional cell cancer of the
bladder followed for at least 20 years. J Urol. 1995;153(6):1823-6;
manipulação cirúrgica na gordura perivesical.24 discussion 6-7.
A uro-TC apresenta boa acurácia na avaliação de ex- 7. (INCA) INdC. Cancer de Bexiga 2017 [Available from: http://
tensão extravesical macroscópica (T3b e T4), na inves- www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/tiposdecancer/site/home/
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além de relativo baixo custo e maior disponibilidade, fa- 8. Chavan S, Bray F, Lortet-Tieulent J, Goodman M, Jemal A. Inter-
national variations in bladder cancer incidence and mortality. Eur
zendo dela o estudo complementar ao estadiamento clíni- Urol 2014;66(1):59-73.
co mais difundido.23,29
9. Sylvester RJ, van der Meijden AP, Oosterlinck W, Witjes JA, Bou-
A RM tem maior acurácia que a Uro-TC no estadia- ffioux C, Denis L et al. Predicting recurrence and progression in
mento local, especialmente na tentativa de identificar in- individual patients with stage Ta T1 bladder cancer using EORTC
risk tables: a combined analysis of 2596 patients from seven EOR-
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11. Lamm DL, Griffith JG. Intravesical therapy: does it affect
estadiamento sistêmico the natural history of superficial bladder cancer? Semin Urol.
Metástases ocorrem em até 50% dos pacientes com 1992;10(1):39-44.

câncer vesical músculo-invasivo, sendo a disseminação 12. Herr HW. The value of a second transurethral resection in evalua-
ting patients with bladder tumors. J Urol 1999;162(1):74-6.
linfática a mais frequente, atingindo principalmente lin-
13. Berrum-Svennung I, Granfors T, Jahnson S, Boman H, Holmang
fonodos obturadores e ilíacos internos. Na ocorrência de
S. A single instillation of epirubicin after transurethral resec-
metástases hematogênicas, os sítios mais comuns são tion of bladder tumors prevents only small recurrences. J Urol
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Em geral, a radiografia de tórax é suficiente na tria- 14. Egbers L, Grotenhuis AJ, Aben KK, Alfred Witjes J, Kiemeney LA,
Vermeulen SH. The prognostic value of family history among patients
gem de metástases pulmonares (rara, apesar de ser um
with urinary bladder cancer. Int J Cancer 2015;136(5):1117-24.
dos sítios mais comuns). Mapeamento ósseo é indicado
15. Corral R, Lewinger JP, Van Den Berg D, Joshi AD, Yuan JM, Ga-
somente quando sintomático ou na presença de elevação go-Dominguez M et al. Comprehensive analyses of DNA repair
de fosfatase alcalina. O PET-CT tem avaliação limitada pathways, smoking and bladder cancer risk in Los Angeles and
Shanghai. Int J Cancer 2014;135(2):335-47.
pela excreção urinária de radioisótopo, mas pode ser útil
na avaliação linfonodal e de metástases à distância, ainda 16. Rafnar T, Vermeulen SH, Sulem P, Thorleifsson G, Aben KK, Wi-
tjes JA et al. European genome-wide association study identifies
pouco utilizado na rotina.23,24 SLC14A1 as a new urinary bladder cancer susceptibility gene.
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398
SEÇÃO X
CÂNCER DE BEXIGA,
TESTÍCULO, PÊNIS E
URETRA

CAPÍTULO 61
Câncer de bexiga não
invasivo: diagnóstico,
terapias intravesicais e
terapias cirúrgicas
Marco Aurélio Silva Lipay
A American Cancer Society estima que no ano de 2017 dações da Sociedade Brasileira, Americana e Europeia de
haverá, nos Estados Unidos, aproximadamente 79.030 no- Urologia para o câncer não invasivo do músculo da bexiga
vos casos de câncer de bexiga (cerca de 60.490 em homens (CBNI). Compreende tumores Ta e T1, bem como carci-
e 18.540 em mulheres). Estimam-se 16.870 mortes por noma in situ (CIS) (Tabela 1). As recomendações foram
câncer de bexiga (cerca de 12.240 em homens e 4.630 em avaliadas de acordo com o seu nível de evidência e as Dire-
mulheres). O câncer de bexiga é responsável por cerca de trizes recebem um grau de recomendação (GR), de acordo
5% de todos os novos tipos de câncer nos Estados Unidos e com o sistema de classificação modificado do Núcleo de
75% dos casos são câncer de bexiga não invasivo (CBNI). Evidência da Oxford.
No Brasil, em 2016, o Instituto Nacional de Câncer
José Alencar Gomes da Silva (INCA) estimou 7.200 novos
Histologia e estadiamento
casos de câncer de bexiga para homens e 2.470 mulheres.
O estadiamento para o câncer de bexiga é dividido
O risco de câncer de bexiga é maior no idoso, 90% dos
em estágio clínico e patológico, conforme descrito pelo
casos ocorrem após os 55 anos de idade e a idade média no
American Joint Committee on Cancer (AJCC), também
momento do diagnóstico é de 73 anos. É o quarto câncer
conhecido como a classificação TNM (Tumor, Nódulo e
mais comum em homens e acomete cerca de 4 homens
Metástases) (Tabela 1). O estágio clínico reflete os acha-
para uma mulher. Observa-se uma frequência maior na raça
dos histológicos do produto da ressecção transuretral do
branca quando comparada à raça negra, na ordem de 2:1. A
tumor de bexiga (RTUB) e achados de imagens. O estadia-
taxa de mortalidade está relativamente estável desde 1975.
mento patológico, também conhecido como estadiamento
Vários fatores estão associados à carcinogênese da bexiga,
cirúrgico, é baseado na extensão de doença após RTUB.
como: aminas aromáticas, hidrocarbonetos aromáticos policí-
Desse modo, conclui-se que o sistema de estadiamento
clicos e arsênico, tratamento com ciclofosfamida e pacientes
AJCC para o CBNI inclui as seguintes lesões:
com síndrome de Lynch. No entanto, o tabagismo é o fator de
1. tumores papilares confinados à mucosa epitelial
risco, recorrência e progressão da doença, mais significativo.
(fase Ta);
A infecção por Schistosoma hematobium, patógeno res-
ponsável pela esquistossomose, e o uso crônico de cateter são 2. tumores invadindo o tecido subepitelial (isto é, a lâ-
fatores de risco para o urotelioma vesical, no caso do Schisto- mina própria, T1);
soma desenvolve-se o urotelioma de células escamosas. 3. Tis (CIS).
Tabela 1. Estadiamento tumoral - Classificação TNM, 2009
Mecanismo molecular e genética Câncer de bexiga não invasivo (CBNI) – estadiamento
Não existe uma causa genética ou hereditária específi- primário (T).
ca da neoplasia de bexiga, conhecida atualmente. Estudos
TX Tumor primário que não pode ser avaliado
sugerem que a instabilidade genômica e mutações e/ou al-
terações da via genética podem desempenhar um papel na T0 Não há evidências de tumor primário

carcinogênese da bexiga. Estudos sugerem que polimor- Ta Carcinoma papilar não músculo invasivo
fismos em dois genes carcinogênicos e tóxicos GSTM-1 e Tis Carcinoma in situ (CIS)
NAT-2 podem ser responsáveis pelo aumento da suscetibili-
T1 Tumor invade lâmina própria
dade ao desenvolvimento de câncer de bexiga. A deleção do
T2 Tumor invade muscular própria
cromossomo 9 é uma alteração genética comum encontra-
da no CBNI, com perda de heterozigosidade (LOH) de 9p, T2a Tumor invade muscular superficial
deleção homozigótica de CDKN2A e perda da expressão T2b Tumor invade muscular profunda
de p16 no CBNI, que prevê a sobrevivência livre de recor- T3 Tumor invade camada perivesical
rência. Mutações em genes supressores de tumores podem
T3a Tumor invade camada perivesical/gordura microscópica
levar à interrupção da regulação do ciclo celular e predispor
T3b Tumor invade camada perivesical macroscópica (massa extravesi-
à carcinogênese. O carcinoma in situ (CIS) frequentemente cal)
demonstra mutações nos genes supressores de tumor TP53,
T4 Tumor invade próstata, útero, vagina, parede pélvica ou parede
RB1 (retinoblastoma) e PTEN27. Oncogenes que promo- abdominal
vem o desenvolvimento e as alterações de células tumorais
T4a Tumor invade órgãos adjacentes (útero, ovário, próstata)
em FGFR3, PIK3CA e RAS são comuns no CBNI.
T4b Tumor invade parede pélvica e/ou parede abdominal
A seguir, apresentaremos um sumário das recomen-

400
Câncer de bexiga não invasivo: diagnóstico, terapias intravesicais e terapias cirúrgicas

O carcinoma in situ (CIS) é classificado nos seguintes


tipos clínicos:
História clínica e diagnóstico
O sintoma mais comum é a hematúria macroscópica
Primário: CIS isolado sem tumores papilares anterio- total e indolor. Sintomas irritantes de micção (frequência,
res ou concomitantes e sem CIS prévio; urgência, disúria), na ausência de infecção urinária, podem
Secundário: CIS detectado durante o seguimento de estar associados ao carcinoma in situ (CIS). O exame fí-
pacientes com tumor prévio que não era CIS; sico raramente revela achados significativos no paciente
Concorrentes: CIS na presença de qualquer outro tu- com CBNI.
mor urotelial na bexiga. A cistoscopia é recomendada em todos os pacientes
com suspeitas de câncer de bexiga (GR A) e deve descre-
ver todas as características macroscópicas do tumor (local,
Grau do tumor tamanho, número e aparência) e anormalidades da muco-
É um fator prognóstico importante para determinar o
sa. Recomenda-se um diagrama de bexiga (GR C).
risco de recorrência e progressão no câncer de bexiga. An-
A citologia urinária oncótica não está indicada na tria-
tes da classificação revisada de 2004, a classificação da
gem de rotina (GR A). A citologia urinária pode ser utiliza-
Organização Mundial da Saúde (OMS) de 1973 era am-
da na vigilância do câncer de bexiga para alguns pacientes,
plamente aceita para classificar a neoplasia da bexiga. A
pois possui uma alta sensibilidade em tumores G3, de alto
versão de 1973 classificava os tumores como papiloma,
grau e CIS (84%), mas baixa sensibilidade em G1 e tumo-
grau 1 (bem diferenciado), grau 2 (moderadamente dife-
res de baixo grau (16%).
renciado) ou grau 3 (pouco diferenciado), enquanto a re-
A ultrassonografia (US) pode ser utilizada (GR C), to-
visão de 2004 designava tumores como “baixo” ou “alto”
mografia computadorizada (TC) ou a ressonância magné-
grau. Os tumores de grau 2 ou “intermediários” de 1973
tica (RM) são as modalidades de imagem recomendadas
são agora reclassificados como baixo ou alto, dependendo
durante o diagnóstico e tratamento do câncer de bexiga
da morfologia celular. Além disso, a classificação de 2004
(GR B). Pielograma retrógrado e urografia intravenosa po-
introduziu a nova categoria de neoplasia urotelial papilar
dem, também, ser utilizadas quando a TC ou a RM não
de células malignas. Potencial para descrever lesões com estiverem disponíveis (GR B).
um número aumentado de camadas uroteliais quando com- Os testes de marcadores moleculares urinários apre-
parado com o papiloma, mas sem características citológi- sentam baixa sensibilidade e alto custo, nenhum destes
cas de malignidade. O sistema de classificação da OMS/ marcadores é aceito na prática clínica para diagnóstico ou
Sociedade Internacional de Patologia Urológica (ISUP) seguimento clínico (Tabela 3).
2004 é o sistema mais amplamente aceito e utilizado (Ta-
bela 2). (GR A) Tabela 3. Resumo de alguns marcadores urinários para TBNI

Tabela 2. Organização Mundial da Saúde 2004/Sociedade Internacional de Sensi- Especi- Sensibilidade


Patologia Urológica. Classificação de neoplasias uroteliais invasivas não Marcador bilidade ficidade (%) Tumores de
musculares (%) (%) Alto Grau

Hiperplasia (plana e papilar)


UroVysion (FISH) 30-86 63-95 66-70
Atipia reativa
Microsatellite
Atipia de significado desconhecido 58-92 73-100 90-92
analysis
Displasia urotelial
Immunocyt/uCyt + 52-100 63-79 62-92
CIS urotelial
Nuclear matrix
Papiloma urotelial 47-100 55-98 75-92
Protein 22

Carcinoma urotelial papilar de baixo potencial de malignidade


BTA stat 29-83 56-86 62-91
Carcinoma urotelial papilar de baixo grau não invasivo da camada
muscular BTA TRAK 53-91 28-83 74-77
Carcinoma urotelial papilar de alto grau não invasivo da camada
muscular Cytokeratins 12-88 73-95 33-100

401
O diagnóstico definitivo de câncer de bexiga é confir- bexiga, a qualquer tempo, em casos de citologia uri-
mado pela visualização direta de irregularidades da mu- nária positiva e ausência de tumor no trato urinário
cosa vesical e/ou do tumor por cistoscopia, seguido de alto e bexiga, visando diagnóstico de CIS. (GR C)
uma ressecção endoscópica do tumor de bexiga (RTUB). • Recomendam-se biópsias de áreas anormais da
Uma RTUB adequada deve observar a remoção completa uretra prostática e colo vesical (entre 5 e 7 horas),
da lesão em extensão e profundidade, ambas com margens em tumores primários não invasivos da muscular ou
para um melhor estadiamento tumoral. Desse modo, o pro- quando a invasão estromal não for suspeita. (GR C)
cedimento (RTUB) é diagnóstico e terapêutico. Em casos • Descrever e nominar de modo individualizado o pro-
selecionados, como tumores volumosos, múltiplos e/ou duto da biópsia a ser encaminhado ao patologista.
persistentes, recomenda-se uma Re-RTUB e consequen- (GR C)
temente um reestadiamento. O carcinoma in situ (CIS) é • A descrição cirúrgica da RTUB deve ser o mais deta-
diagnosticado pela combinação de cistoscopia, citologia
lhado possível: anatomia, achados e intercorrências,
urinária e avaliação histológica de biópsias da bexiga. O
se houver. (GR C)
CIS não pode ser erradicado pela RTUB e um tratamento
posterior é obrigatório. Execute uma segunda RTUB, entre 2 a 6 semanas após
a ressecção inicial, incluindo o local da ressecção do tumor
primário (GR C). Nas seguintes situações:
Recomendações para RTUB • Após uma RTUB inicial incompleta; se não houver
e/ou biópsias somadas a músculo no espécime após a ressecção inicial, com
anatomopatológico exceção dos tumores Ta G1 e CIS primário; em todos
• Deve ser realizada em pacientes com hipótese diag- os tumores T1; em todos os tumores de alto grau,
nóstica de tumor de bexiga. (GR A) exceto CIS primário.
• RTUB deve ser sistemática (GR C): O relatório do anatomopatológico deve conter os se-
Inicialmente proceder uma palpação bimanual sob guintes dados:
anestesia;
• Especificar o tamanho do tumor, grau histológico,
1. Inserção do ressectoscópio, sob controle visual com descrever a presença da lâmina própria e camada
inspeção de toda a uretra; muscular na amostra, presença de CIS; deve espe-
2. Inspeção de todo o urotélio da bexiga; cificar a presença de invasão angiolinfática. (GR C)
3. Biópsia de uretra prostática e da bexiga (se indica- • Em casos difíceis, considere uma revisão do material
do); por um segundo patologista. (GR B)
4. Ressecção do tumor;
5. Formulação de relatório cirúrgico; Prognóstico
O prognóstico de sobrevivência para os pacientes com
6. Descrição precisa do espécime para avaliação pato-
CBNI na doença de alto grau varia entre 70%-85% em 10
lógica.
anos. As taxas de recorrência e a progressão para lesões de
Ta de baixo grau são de 55% e 6%, respectivamente. Em
Sistematizar etapas da RTUB contraste, as lesões de T1 de alto grau têm risco de recidiva
• Realizar a ressecção em uma única peça para peque- de 45% e progressão da ordem de 17%.
nos tumores papilares (< 1 cm), incluindo parte da
parede da bexiga subjacente. (GR B)
Risco e tratamento
• Executar ressecção em frações incluindo a parte exo- Estudos têm sido desenvolvidos para cálculo do risco de
fítica do tumor, a parede da bexiga subjacente com recorrência e progressão em um e cinco anos em pacientes
o músculo detrusor e os bordos da área de ressecção com CBNI. Destaca-se o programa da Organização Euro-
para tumores > 1 cm de diâmetro. (GR B) peia de Pesquisa e Tratamento do Câncer (EORTC), que usa
• Evite cauterizar durante a RTUB. (GR C) variáveis clínicas e patológicas em um sistema de pontua-
• Faça biópsias aleatórias do urotélio de aparência ção. No entanto, os estudos têm limitações, seja por utilizar
anormal quando a citologia for positiva. (GR B) a classificação da OMS de 1973, ou por falta de aplicabi-
• Realize biópsia da uretra da próstata, colo vesical ou lidade a todos os pacientes, ou por que receberam manu-

402
Câncer de bexiga não invasivo: diagnóstico, terapias intravesicais e terapias cirúrgicas

Tabela 4. Estratificação de risco para câncer de bexiga invasivo não muscular

Baixo risco Risco intermediário Alto risco


Tumor único de baixo grau Recorrência do tumor em menos de 1
Tumor de alto grau (T1)
(Ta) ≤ 3 cm ano, tumor de baixo grau (Ta)

Carcinoma urotelial papilar de baixo grau não invasivo Tumor único, Ta > 3 cm Recorrência do tumor, tumor de alto grau (Ta)

Baixo grau Ta, multifocal Tumor de alto grau (Ta), > 3 cm ou multifocal

Tumor de alto grau (Ta), ≤ 3 cm Carcinoma in situ

Falha do BCG em tumor de alto grau em qualquer


Baixo grau (T1)
tipo histológico

Invasão linfovascular presente

Tumor de alto grau comprometendo uretra prostática

tenção BCG, ou foram submetidos a reestadiamento com • A imunoterapia intravesical com BCG (indução e
rerressecção transuretral, ou ainda receberam dose única de manutenção) é superior à quimioterapia intravesical
mitomicina C. Em razão destes motivos, o programa é pou- na redução de recorrências e na prevenção ou adia-
co utilizado nos EUA, porém, mesmo sem evidências que mento da progressão para o câncer de bexiga invasor
confirmem uma influência positiva, é possível utilizar na muscular. No entanto, o BCG intravesical é mais tó-
prática clínica como um quadro geral (Tabela 4) para orien- xico.
tar o aconselhamento ao paciente e auxiliar nas decisões de
tratamento e vigilância com base no prognóstico. A escolha de outro tratamento adjuvante intravesical
depende do risco do doente (Tabela 5). Em pacientes com
Tratamento adjuvante maior risco de progressão, a cistectomia radical deve ser

e recomendações considerada. É pouco provável que os doentes com reci-


diva tumoral pós-BCG respondam a uma nova terapia e,
Uma vez que existe um risco considerável de recorrên-
talvez, a melhor opção possa ser a cistectomia radical.
cia e/ou progressão de tumores após RTUB, é recomen-
dada terapia intravesical adjuvante para todos os estádios Recomendações para terapia adjuvante
(Ta, T1 e CIS). em tumores Ta, T1 e para terapia de CIS
• A instilação pós-operatória imediata de quimiote-
• Fumantes com TBNI devem ser aconselhados a parar
rapia dentro de até 24 horas após a RTUB é reco-
de fumar. (GR B)
mendada em pacientes com tumores de baixo risco
e nos de risco intermediário com baixa taxa de re- • O tipo de terapia intravesical após RTUB deve ser
cidiva (menor ou igual a uma recorrência por ano) baseado em grupos de risco. (GR A)
e pontuação de recorrência esperada de EORTC < • Instilação imediata de quimioterapia pós-RTUB, em
5. Excluem-se casos com perfuração da bexiga ou pacientes com tumores de baixo risco e risco inter-
hemorragia grave. mediário com taxa de recorrência baixa (menor ou
• A escolha do fármaco (mitomicina C, epirrubicina igual a uma recorrência por ano) e pontuação de re-
ou doxorrubicina) é opcional. corrência esperada de EORTC < 5. (GR A)

Tabela 5. Tratamento considerando o risco para câncer de bexiga não invasivo

Baixo risco Risco intermediário Alto risco


Uma aplicação de Em pacientes com episódio de recorrência (menor ou igual a um ano), Recidiva do tumor em pacientes que recebe-
quimioterápico após com ou sem instilação imediata de quimioterapia intravesical após ram dose completa de BCG no intervalo de 1
a RTUB RTUB. a 3 anos.
Em pacientes que receberam tratamento prévio completo com BCG Nesta situação considerar a possibilidade de
intravesical por 1 ano (indução mais instilações semanais aos 3, 6 e cistectomia.
12 meses), ou instilações de quimioterapia (o calendário ideal não é
conhecido) durante um período de até 1 ano.

403
• Em doentes com tumores de risco intermediário de 2 anos, e a cada 6 meses depois disso até 5 anos e,
(com ou sem instilação imediata), o tratamento com em seguida, anualmente. (GR C)
BCG deve ser de 1 ano com dose completa (indução • Os pacientes com tumores de risco intermediário
mais 3 instilações semanais aos 3, 6 e 12 meses) ou devem ter um esquema intermediário de seguimen-
instilações de quimioterapia (o calendário ideal não to usando cistoscopia e citologia, que é adaptada de
é conhecido). (GR A) acordo com fatores pessoais e subjetivos. (GR C)
• Em doentes com tumores de alto risco, está indicado • Recomenda-se a utilização de imagens do trato uri-
o BCG intravesical de dose completa durante 1 a 3 nário 1 vez por ano (tomografia ou urografia excreto-
anos (indução mais 3 instilações semanais aos 3, 6, ra) em tumores de alto risco. (GR C)
12, 18, 24, 30 e 36 meses). O efeito benéfico adicio-
• Pacientes com citologia positiva, sem tumor visível
nal do segundo e terceiro anos de manutenção deve
na bexiga recomenda-se fazer biópsias e pesquisa de
ser ponderado em relação aos seus custos adicionais
locais extravesicais (tomografia, biópsia da uretra
e efeitos adversos. (GR A)
prostática) (GR B).
• Em pacientes com CIS em uretra prostática, a RTU
de próstata seguida de instilação intravesical de BCG
pode ser oferecida. (GR C) Referências recomendadas
1. HYPERLINK “http://www.cancer.org/” http://www.cancer.org
• Em pacientes com maior risco de progressão tumoral,
2. HYPERLINK “http://www.inca.gov.br/” http://www.inca.gov.br
a cistectomia radical pode ser considerada. (GR C)
3. HYPERLINK “http://www.cancer.org/” http://www.cancer.org
• Em pacientes com TBNI recorrente, pós-BCG, a cis- 4. http://uroweb.org/guidelines (EAU, Março de 2016)
tectomia radical pode ser indicada. (GR B) 5. American Urological Association (AUA)/ Society of Urologic Onco-
logy (SUO) Guideline, Abril de 2016.
Recomendações de acompanhamento 6. Genética Oncológica Aplicada a Urologia, Lipay, M. et al, Ed. Ga-
para pacientes com TBNI após RTUB barito, 2001
7. Cambier S, Sylvester RJ, Collette L et al: EORTC nomograms and
• O seguimento dos tumores Ta, T1 e CIS – fazer cis- risk groups for predicting recurrence, progression, and disease-speci-
toscopia de rotina. (GR A) fic and overall survival in non-muscle-invasive stage Ta-T1 urothelial
bladder cancer patients treated with 1-3 years of maintenance bacillus
• Pacientes com tumores de baixo risco devem ser calmette-guérin. Eur Urol 2016. 69: 60.
submetidos a cistoscopia aos 3 meses. Se negativo, a 8. Herr HW: Role of repeat resection in non-muscle invasive bladder
cistoscopia subsequente é aconselhada 9 meses mais cancer. J Natl Compr Canc Netw 2015;13:1041.
tarde, e depois anualmente por 5 anos. (GR C) 9. Sylvester RJ, Oosterlinck W, Holmang S et al: Systematic review and
individual patient data meta-analysis of randomized trials comparing
• Fazer biópsia sempre que necessário. (GR B) a single immediate instillation of chemotherapy after transurethral re-
• Fazer rebiópsias após tratamento intravesical (em 3 e section with transurethral resection alone in patients with stage pTa-
-pT1 urothelial carcinoma of the bladder: which patients benefit from
6 meses) em pacientes com CIS. (GR C) the instillation? Eur Urol 2016;69:231.
• Pacientes com tumores de alto risco devem ser sub- 10. Arends TJ, Nativ O, Maffezzini M et al: Results of a randomised
metidos a cistoscopia e citologia urinária aos 3 me- controlled trial comparing intravesical chemohyperthermia with mi-
tomycin c versus bacillus calmette-guérin for adjuvant treatment of
ses. Se negativo, cistoscopia subsequente e a citolo- patients with intermediate- and high-risk non-muscle-invasive blad-
gia deve ser repetida a cada 3 meses por um período der cancer. Eur Urol 2016; Epub ahead of print.

404
SEÇÃO X
CÂNCER DE BEXIGA,
TESTÍCULO, PÊNIS E
URETRA

CAPÍTULO 62
Câncer de bexiga invasivo e doença
metastática: cirurgia, quimioterapia,
linfadenectomia e terapia de
resgate/preservação vesical
Guilherme de Almeida Prado Costa
Marcelo Murucci Oliveira Magalhães
pulmonares que podem comprometer o pós-opera-
Introdução
tório (maior parte dos pacientes é tabagista).
O câncer de bexiga é a 9ª neoplasia maligna mais
comum do mundo, acometendo pacientes em média aos • Tomografia de tórax: também para avaliar metás-
70 anos. É mais comum em homens, com uma relação tases e doenças pulmonares.
3,8:1,0.1 • Urotomografia: deve ser realizada antes da ressec-
Ao diagnóstico, cerca de 20%-30% dos tumores se ção endoscópica pelo risco de falso-positivo de
apresentam como músculo-invasivos. Aproximadamen- envolvimento de gordura perivesical se realizado
te 50% dos tumores de alto grau são músculo-invasivos logo após a ressecção. Sinais indiretos podem su-
quando submetidos a cistectomia radical precoce. Dos gerir acometimento de camada muscular, como
tumores músculo-invasivos, 20% já são metastáticos ao hidronefrose ou acometimento de colo vesical. A
diagnóstico.1,2 sensibilidade varia de 31%-50% e a especificidade
Dos fatores de risco relacionados a esta neoplasia, de 68%-100% para avaliação de adenopatia.1,5
sem dúvida o tabagismo é o mais importante de todos,
• Ressonância nuclear magnética (RNM): acurácia
existindo uma clara relação entre o número e o tempo de
na avaliação de extensão extravesical 73%-93%.
consumo e o risco de desenvolvimento do câncer de be-
Sem superioridade em relação à tomografia para
xiga. Há diminuição de risco com o abandono da prática
avalição de adenopatia. De maneira geral não
em 40% por abstinência de 1-4 anos e 60% por 25 anos.1,3
apresenta benefício para estadiamento inicial em
Fatores ocupacionais estão relacionados em 20%-
relação à tomografia.1,5
25% dos casos e o risco aumenta após 10 anos de expo-
sição. As substâncias relacionadas são aminas aromáti- • Toque bimanual sob narcose: avaliar mobilidade

cas e derivados de benzeno, encontrados em fábricas de vesical. Deve ser realizado durante procedimento
tintas, corantes, borrachas e couros.1 de RTU.2
Radioterapia pélvica, principalmente relacionada a • PET-TC/FDG: alguns estudos sugerem alguma
tumores ginecológicos, aumenta o risco de 2-4 vezes. superioridade para avaliação de doença linfono-
Utilização de ciclofosfamida também está relacionada a dal, porém ainda sem evidências na literatura para
aumento do risco e depende diretamente do tempo e da uso rotineiro.6
intensidade do tratamento.1,2 • De maneira geral, o estadiamento clínico é reali-
zado com imagem do tórax e abdome (urotomo-
Histologia e estadiamento grafia) e exames laboratoriais.
O carcinoma urotelial é a histologia mais comum, • Cintilografia óssea deve ser solicitada em caso de
representando cerca de 90% dos casos. Carcinoma es- sintomas, sendo a mais importante dor óssea, ou
pinocelular acomete cerca de 1%-5% dos casos. Adeno- alterações em exames laboratoriais (fosfatase al-
carcinoma acomete cerca de 2% dos pacientes, poden- calina e cálcio sérico).4
do ser primários de úraco, não relacionados ao úraco e
metastáticos.1
Com relação ao grau histológico, praticamente a to-
Tratamento
talidade dos tumores uroteliais músculo-invasivos será Tratamento cirúrgico
de alto grau. Carcinoma in situ está relacionado a maior A cistectomia radical com linfadenectomia pélvica
risco de tumor músculo-invasivo.2 estendida é o padrão ouro de tratamento do câncer de
bexiga músculo-invasivo.
Exames de imagem
A cistectomia oferece ótimo controle local, sendo
• Devem ser solicitados para estadiamento clínico.2,4 que pacientes N0 apresentam baixos índices de recidi-
• Radiografia de tórax: avaliar metástases e doenças va local (em torno de 4%).1,2

406
Câncer de bexiga músculo-invasivo e doença metastática

O tempo entre a RTU de bexiga diagnóstica e a ci- Quimioterapia neoadjuvante


rurgia não pode ser maior de 12 semanas ou ocorrerá Existe na literatura evidência comprovando que a
comprometimento dos resultados oncológicos.2 quimioterapia neoadjuvante melhora os resultados on-
Na cistectomia radical no homem deve-se retirar cológicos quando comparada ao tratamento cirúrgico
próstata, vesículas seminais e gordura perivesical. Na isolado. Em média, há 5% de melhora na sobrevida
mulher, útero, ovários e parede anterior da vagina de- global em 5 anos.10
vem ser retirados junto com a bexiga. A principal hipótese da melhor resposta é o tratamen-
O risco de acometimento por câncer de próstata to das micrometástases. Além disso, também promove
das cirurgias realizadas por câncer de bexiga varia “down staging” em lesões volumosas e diminui o índice
entre 23% e 54%. Em 1/3 destes há tumores signifi- de margens positivas. A mortalidade relacionada à qui-
cativos.1,2 mioterapia neoadjuvante é extremamente baixa.1,11,12
Outras alternativas a pacientes que não desejam ou Apesar de todos os estudos mostrando melhora dos
não estão aptos ao tratamento cirúrgico são terapias resultados com quimioterapia neoadjuvante, poucos
preservadoras vesicais (radioterapia e quimioterapia), pacientes são submetidos a ela no mundo (nos EUA,
RTU “máxima” ou “radical” e cistectomia parcial.1,2,7 cerca de 11%).2
A taxa de sobrevida câncer-específica em 5 anos é
Quimioterapia adjuvante
de aproximadamente 80% nos casos de doença con-
A quimioterapia adjuvante em pacientes com pT3/4
finada à bexiga, 60% em pacientes com doença ex-
(doença extravesical) ou linfonodos positivos após a
travesical completamente ressecada e 30% nos casos
cistectomia radical ainda é controversa. Até o momen-
com linfonodos comprometidos.1
to não temos dados na literatura demonstrando um real
A linfadenectomia pélvica apresenta benefícios
benefício na sobrevida global. A recomendação dos
bem definidos na literatura em relação à sobrevida
guidelines atuais é não fazer quimioterapia adjuvante
câncer-específica e promove um estadiamento mais
de rotina, deixando-a reservada para os pacientes que
adequado. Deve ser estendida, não sendo observado
não realizaram quimioterapia neoadjuvante.1,11
nenhum benefício em relação à superestendida.
Em média, 25% dos pacientes submetidos a trata- Doença localmente avançada
mento cirúrgico terão comprometimento linfonodal. Cistectomia em situações paliativas aumenta a
Em média, o número de corte de linfonodos é de 25 na morbidade. Geralmente estão associadas a derivações
maioria dos estudos recentes, porém este valor é moti- menos complexas, como ureterostomia cutânea.
vo de grande controvérsia. 1,2,8,9 Radioterapia pode ser utilizada em situações es-
A biópsia do coto ureteral é controversa, porém seu pecíficas, porém podem ocorrer complicações, como
envolvimento ocorre em aproximadamente 6%-8% dos hematúria, em 59% dos casos e dor em 73%. Embo-
casos. 2 lização é uma opção para tratamento de hematúria re-
O risco de recorrência uretral após tratamento ci- corrente.1,7
rúrgico é de 4%-8%, sendo fatores de risco o envolvi-
mento do colo vesical e uretra prostática. Sendo assim, Conclusões
as biópsias de ápice prostático são de relativa impor- O câncer de bexiga é uma doença com alta morbimor-
tância para programação cirúrgica. Casos de compro- talidade. O tratamento envolve equipe multidisciplinar.
metimento uretral (uretra prostática ou colo vesical) O tratamento cirúrgico é o padrão ouro, sendo que
aumentam o risco de recidiva para 30%. 2
a quimioterapia neoadjuvante melhora os resultados
No caso de mulheres com tumores T4 (doença ex- oncológicos. A chave da cura do câncer de bexiga é o
travesical), ou seja, com envolvimento de parede vagi- controle pélvico da doença nos casos que esta doença
nal, é mandatória a ressecção da uretra. 1,2
se encontra confinada à pelve.

407
Referências
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bladder cancer. European Urology 2010;57(4):641-7. tional phase III trial assessing neoadjuvant cisplatin, methotrexate,
7. Srinivasan V, Brown CH, Turner AG. A comparison of two radiothe- and vinblastine chemotherapy for muscle-invasive bladder cancer:
rapy regimens for the treatment of symptoms from advanced blad- long-term results of the BA06 30894 trial. Journal of Clinical Onco-
der cancer. Clinical Oncology (Royal College of Radiologists (Great logy: official journal of the American Society of Clinical Oncology
Britain)) 1994;6(1):11-3. 2011;29(16):2171-7.

408
SEÇÃO X
CÂNCER DE BEXIGA,
TESTÍCULO, PÊNIS E
URETRA

CAPÍTULO 63
Derivações urinárias:
técnicas cirúrgicas
e complicações
Marcos Francisco Dall’Oglio
A cistectomia radical e a derivação urinária represen-
tam, em termos de dificuldades transoperatórias e compli-
Pré-operatório
cações pós-operatórias, um dos procedimentos urológicos Função renal
mais complexos na Urologia. Os riscos da cirurgia não são A função renal é de fundamental importância na evo-
baseados apenas nos desafios técnicos do procedimento, lução dos pacientes com derivação urinária. O contato da
mas também nas características da neoplasia e ainda mais urina com a mucosa intestinal resulta na absorção de ele-
importante, nas necessidades individuais dos pacientes. mentos e desequilíbrio ácido-básico. Em indivíduos com
A incidência do câncer de bexiga aumenta continua- função renal normal, a maioria dos pacientes compensa
mente com o avanço da idade; isto nos obriga a proporcio- satisfatoriamente através do esvaziamento do reservatório
nar condições de reeducação do hábito urinário e também em intervalos regulares. Nos pacientes com creatinina séri-
suporte de reabilitação às derivações urinárias continentes ca > 2 ng/ml ou filtração glomerular < 50 ml/min deve ser
e incontinentes.
evitada a derivação urinária continente.2
Estudos avaliando os melhores resultados da cistec-
tomia radical com reconstruções evidenciam que a ex- Paciente
periência do cirurgião e o volume do hospital são um A motivação do paciente é fundamental, principalmen-
importante parâmetro na melhoria dos resultados, com o te com relação à enurese noturna associada à neobexiga.
argumento de centralização deste complexo procedimen- Outras dificuldades relacionam-se ao sedentarismo e à ida-
to cirúrgico.1 de avançada, que podem limitar uma derivação ortotópica
Diferentes Instituições com grande volume cirúrgico continente.2
apresentam particularidades quanto ao número de cistec-
tomias e tipos de derivações urinárias. Saliento nas últimas Fatores oncológicos
duas linhas da tabela 1 a experiência deste autor ao realizar Quanto aos fatores oncológicos que podem limitar uma
esta complexa cirurgia junto com os Médicos Residentes derivação ortotópica continente,2 o principal fator limitante
do terceiro ano da formação urológica. para uma reconstrução ortotópica é diretamente relacionado
O objetivo deste capítulo é discutir as principais opções ao risco de recidiva uretral, descrito em 2%-4%.3 Nas mu-
de reconstrução do trato urinário após a cistectomia radical, lheres, a presença de tumor no colo vesical,4,5 no homem,
os critérios de seleção, os procedimentos mais empregados, invasão do estoma prostático é o principal fator desencora-
as complicações mais comuns no pós-operatório imediato e jador à preservação uretral e em ambos os sexos, a presença
tardio relacionados às diferentes derivações urinárias. de carcinoma in situ extenso oferecerá ainda maior risco.

Tabela 1. Número de cistectomias e tipos de derivações urinárias

No Pacientes Período Neobexiga (%) Bricker (%) Outros

643 1995 - 2004 45,1 53,5 4,4


Ann Arbor
962 200 - 2009 40 58 2

611 1985 - 1999 51,5 42,5 1,5


Berna
708 2000 - 2010 51 39 8

1359 1971 - 2001 51,6 22,3 25,8


Los Angeles
1012 2000 - 2010 74,2 20,2 5,3

Ulm 1613 1986 - 2009 66 22 0,4

Mansoura 3157 1980 - 2004 39,1 34,4 3,5

HC (UROUSP) 108 2006 - 2008 32 67 1

ICESP (UROUSP) 256 2009 - 2011 35 62 3

410
Derivações urinárias: técnicas cirúrgicas e complicações

Nossa experiência na condução de pacientes com do- Complicações pós-operatórias


ença pélvica extensa, linfonodos macroscopicamente com- imediatas (< 90 dias)
prometidos poderão estar sujeitos à recidiva locorregional, Qualquer análise crítica e comparações quanto às de-
limitando as opções de reconstrução ortotópica. Ademais, rivações urinárias envolve discussões sobre qual a melhor
não existem dados convincentes até hoje que justifiquem técnica, menor risco de complicações, melhores soluções
que o enfrentamento de recidiva pélvica ou quimioterapia etc., sendo muito difícil responder estas questões.
adjuvante sejam mais difíceis após neobexiga do que con- Aproximadamente 27% dos pacientes apresentam pelo
duto ileal. menos uma complicação pós-operatória.8
Finalmente, apesar do forte desejo médico em oferecer As complicações pós-operatórias relacionadas à cistec-
uma derivação ortotópica, sempre que possível, é impor- tomia radical foram analisadas em precoces (até 30 dias) e
tante ressaltar que o conduto ileal (Bricker) é uma alter- tardias (31 a 90 dias) sendo quantificadas as readmissões
nativa segura, eficaz e apropriada a estes pacientes. Em hospitalares e a morbimortalidade de 753 pacientes.9 Dos
estudo desenvolvido avaliando a qualidade de vida destes 753 pacientes operados, foram readmitidos, precocemente,
pacientes, em nossa Instituição, podemos destacar que o no hospital 148 pacientes (19,7%) e tardiamente 81 pa-
diálogo antes da cirurgia, com o paciente e a família, pro- cientes (10,8%), com mortalidade nos primeiros 30 dias
porcionará melhor aceitação pré-operatória e melhor adap- (16 pacientes: 2,1%) e até 90 dias (52 pacientes: 6,9%).
tação pós-operatória.6
Tabela 2. Complicações e razões para readmissão hospitalar9

Precoce Tardio (%)


Pós-operatório (%)
Existem inúmeras potenciais razões para deterioração Abscesso 5 (2,7) 4 (4,1)
da função renal após a derivação urinária, as principais in- Insuficiência renal aguda 7 (3,8) 5 (5,1)
cluem: transmissão de alta pressão ao trato superior, devido Retenção urinária 1 (0,5) 1 (1)
obstrução secundária, física ou funcional, principalmente Anemia 2 (1,1) -
estenose ureteroileal ou estenose da ostomia, formação de Lesão intestinal 3 (1,6) 3 (3,1)
cálculo, refluxo de urina infectada. Cardíaca/Vascular 3 (1,6) 3 (3,1)
Ocorre um declínio da função renal estimado em 1 ml/
Trombose venosa profunda/Embo- 11 (5,9) 5 (5,1)
min/ano após os 50 anos de idade, decorrentes de diferen- lismo pulmonar
tes etiologias, inclusive de causas não urológicas como Desidratação 12 (6,5) 5 (5,1)
diabetes, hipertensão arterial e medicamentos.7 Diarreia 4 (2,2) 3 (3,1)
Febre 11 (5,9) 4 (4,1)

Tipos de derivações urinárias Fístula intestinal 2 (1,1) 3 (3,1)

Para escolhermos o segmento ideal para a melhor Ielo 20 (10,8) 1 (1)


derivação que pretendemos utilizar, devemos avaliar Linfocele 2 (1,1) 1 (1)
cada paciente individualmente. No momento da cirur- Alterações metabólicas 6 (3,2) 6 (6,1)
gia, devemos ficar atentos para realizarmos cuidadosa Náusea/Vômito 13 (7) 7 (7,1)
preservação da vascularização do segmento escolhido Neurológica 2 (1,1) 2 92)
do aparelho gastrointestinal. Isto é fundamental para Pulmonar 8 (4,3) 5 (5,1)
não ocorrer isquemia com risco de fístulas e complica- Pielonefrite 14 (7,5) 12 (12,2)
ções cirúrgicas. Sepse 2 (1,1) 3 (3,1)
Continentes: neobexiga ortotópica (ileal, ileocecal, Obstrução intestinal 6 (3,2) 5 (5,1)
colônica) Obstrução urinária 5 (2,7) 7 97,1)
Ureterossigmoidostomia Infecção urinária 13 97) 6 (6,1)
Reservatória cateterizável Fístula urinária 4 (2,2) -
Incontinentes: Conduto ileal cutâneo (Bricker) Infecção ferida/Deiscência/Evis- 10 (5,4) 2 (2)
ceração
Ureterocutaneostomia

411
dissecção dos mesmos bilateralmente. A partir deste mo-
Tumores após derivações urinárias mento, deixar o ureter reparado junto à bexiga para auxí-
Dados sobre o surgimento de tumores malignos secun-
lio na ligadura dos pedículos vesicais bilateralmente. Na
dários às derivações urinárias foram publicados recente-
sequência, liberação posterior e anterior com dissecção e
mente por Kälble et al.,10 analisando 44 hospitais alemães
excisão da próstata.
com 17.758 derivações urinárias, realizadas entre 1970 e
No segundo método, inicia-se a cirurgia com a pros-
2007, com apenas 32 tumores relatados. O risco de tumor
tatectomia, com a vantagem de realizarmos esta primeira
com ureterossigmoidostomia (2,6%), neobexiga ortotópi-
parte pela via extraperitoneal até liberação total da prósta-
ca ileocolônica (0,97%), neobexiga ileal (0,05%), conduto
ta e vesículas seminais. Somente neste momento é feita a
ileal (0,02%). Relatos de tumores após ureterossigmoidos-
abertura da cavidade peritoneal, dissecção ureteral como
tomia, em pacientes com extrofia vesical, apresentaram
citado anteriormente e com a ligadura dos pedículos late-
latência de 37 anos.11
rais da bexiga retiramos a peça operatória.
Acredita-se que o desenvolvimento de tumores nas de-
Apesar de controversa e muito discutida no meio uro-
rivações ureterointestinais seja multifatorial, provavelmen-
lógico, a preservação da próstata durante a cistectomia é
te relacionado aos níveis de nitrosaminas e radicais livres
considerada procedimento para casos selecionados.13 Es-
em resposta à infecção e inflamação crônicas.
tudo randomizado comparando a cistectomia com preser-
vação da cápsula prostática e feixe vasculonervoso versus
Como prevenir complicações cistoprostatectomia com preservação do feixe vasculoner-
cirúrgicas voso não mostrou diferença entre os dois métodos quanto
à evolução funcional e oncológica.14
Ureter Nossa experiência em cistectomia com preservação da
Deve ser dissecado com bastante gordura para, desta cápsula prostática foi desenvolvida com objetivo de me-
maneira, preservar sua vascularização e prevenir o risco de lhorarmos a continência urinária e a função sexual erétil
estenose e fístula. precoce após a cirurgia.15
Atualmente estão surgindo séries com realização da
Anastomose ureteroileal
cirurgia robótica com resultados promissores, contudo as
Pode ser realizada por técnicas variadas conforme a
principais dificuldades relacionam-se à realização da deri-
preferência do cirurgião. Habitualmente, realizamos anas-
vação urinária intra ou extracorpórea.
tomose término-lateral nos ureteres normais e término-ter-
minal (técnica de Wallace) nos ureteres dilatados. Dreno de cavidade
É deixado dreno de sucção e quantificação diária até
Stent ureteral
sua retirada com débito < 100 ml. Poderá ser realizada
Na cirurgia de Bricker utilizamos cateter no 6 Fch que
análise de creatinina do líquido de drenagem se houver
é retirado antes do paciente receber alta (cinco a sete dias),
suspeita de fístula urinária.
enquanto nas neobexigas ortotópicas deixamos dois cate-
teres JJ (7x28) amarrados com fio de nylon à sonda de Fo- Aspectos metabólicos
ley (no 22 Fch) que são retirados com 21 dias. Em função da versatilidade do intestino, diferentes
segmentos deste órgão são utilizados em diferentes formas
Cistectomia
de reconstrução do trato urinário. Contudo, este não é um
Antes da cirurgia todos os pacientes (homens e mulhe-
material ideal, uma vez que pode proporcionar alterações
res) devem ser avaliados quanto às motivações e dúvidas
metabólicas importantes.
relacionadas ao procedimento cirúrgico, principalmente
devido às complexas mudanças que poderão ocorrer nos Ressecção gástrica
aspectos urinários, sexuais e imagem corporal.12 O uso do estômago em ampliações vesicais, de crian-
No homem, a cistectomia aberta pode ser realizada de ças e adultos jovens, descrito com sucesso,16 pode provo-
duas maneiras distintas, conforme a preferência do cirurgião. car osteoporose e osteomalácia, deficiência de vitamina D
Através de incisão mediana infraumbilical, transperi- e B12, hipergastrinemia, hipocloremia, alcalose metabólica
toneal e iniciar pela dissecção ureteral até o terço distal e hipocalêmica, síndrome hematúria-disúria.17

412
Derivações urinárias: técnicas cirúrgicas e complicações

Pontos Positivos Pontos Negativos


Consultas de acompanhamento em tempos mais espa-
Maior dificuldade na aceitação da nova estética corporal
çados.

Bricker Facilidade no manejo para esvaziar a bolsa coletora. Adaptação às rotinas diárias.

Custo elevado das bolsas coletoras e produtos específicos


Menos alterações metabólicas.
para o cuidado do estoma.

Déficits motores e/ou cognitivos (pacientes parcial ou total-


Mínima alteração da autoimagem.
mente dependentes)

Neobexiga ortotópica Sensação de estar preservando a fisiologia normal do


Consultas frequentes de retorno.
corpo.

Banheiros disponíveis. Área de atuação profissional em condições precárias.

Ressecção ileal Qualidade de vida


Ressecção do íleo preservando 35-50 cm do íleo termi- Aspectos sociais e psicológicos relacionados ao câncer
nal previne a má absorção de vitamina B12 e perda de sais e seu tratamento tem sido motivos de diversos trabalhos e
biliares, essenciais na digestão e absorção de gorduras. Al- pesquisas clínicas. Estudos demonstraram que os pacien-
terações dos ácidos biliares e metabolismo lipídico podem tes têm alta capacidade de adaptação diante das diversas
aumentar o risco de litíase biliar. Aumento na incidência situações impostas e o tempo é crucial quando estudamos
de litíase renal devido elevação do cálcio urinário, fosfato, tais variações, tendendo a estabilizar 12 meses após o pro-
sulfato e oxalato com hipocitratúria, neuropatia secundá- cedimento cirúrgico.20 Estudos baseados nos instrumentos
ria à deficiência de vitamina B12 que poderá ser corrigida de mensuração de qualidade de vida, apesar da ideia de
com suplementação intramuscular. Acidose hipoclorêmica que a neobexiga ortotópica possa ser superior ao Bricker,
pode ocorrer, assim como hipercalemia, causando sinto- tal superioridade não foi comprovada pelos estudos publi-
mas de letargia, náusea, dor abdominal vômitos, desidra- cados até hoje.21
tação e fraqueza muscular. A acidose pode ser evitada com Ao conversarmos com o paciente a respeito da deriva-
ingestão diária de bicarbonato de sódio como alcalinizan- ção urinária que irá se submeter destacamos alguns pontos
te. O principal mecanismo de acidose metabólica é devido importantes que devemos comentar, conforme o quadro
à reabsorção de amônia. acima.

Ressecção jejunal
Utilização do jejuno pode provocar hiponatremia, hi-
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O principal mecanismo de acidose metabólica é devi- tomy and factors affecting long-term results. Urol Oncol 1998;4:172-
82.
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cólon e íleo.18 al. Urethral recurrence in patients with orthotopic ileal neobladders. J
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4. Stein JP, Cote RJ, Freeman JA, Esrig D, Elmajian DA, Groshen S et
Toxicidade e drogas al. Indications for lower urinary tract reconstruction in women after
cystectomy for bladder cancer: a pathological review of female cys-
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sorvidas pelo segmento intestinal, de particular interesse, 5. Granerus G, Aurell M. Reference values for 51Cr-EDTA clearance
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trexato.19 Pacientes com derivações urinárias continentes 6. Feitosa EB. Influência da cistectomia radical na qualidade de vida dos
pacientes com câncer invasivo de bexiga. [dissertação]. São Paulo:
recebendo quimioterapia devem ser monitorados de perto, Faculade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2012.
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in female bladder cancer patients: mapping of 47 consecutive cysto-
tamento. -urethrectomy specimens. J Urol 1994;152:1438-42.

413
8. Novotny V, Hakenberg OW, Wiessner D, Heberling U, Litz RJ, Oehls- Urol 2015;193(1):64-70.
chlaeger S et al. Perioperative complications of radical cystectomy in 15. Dall’Oglio MF, Antunes AA, Crippa A, Nesrallah AJ, Srougi M. Lon-
a contemporary series. Eur Urol 2007;51:397-401; discussion 401-2. g-term outcomes of radical cystectomy with preservation of prostatic
9. Stimson CJ, Chang SS, Barocas DA, Humphrey JE, Patel SG, Clark capsule. Int Urol Nephrol 2010;42(4):951-7.
PE et al. Early and late perioperative outcomes following radical cys- 16. Hauri D. Can gastric pouch as orthotopic bladder replacement be used
tectomy: 90-day readmissions, morbidity and mortality in a contem- in adults? J Urol 1996;156:931-5.
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17. Leonard MP, Dharamsi N, Williot PE. Outcome of gastrocystoplasty
10. Kälble T, Hofmann I, Riedmiller H, Vergho D. Tumor growth in uri-
in tertiary pediatric urology practice. J Urol 2000;164:947-50.
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18. Koch MO, McDougal WS, Thompson CO. Mechanisms of solute
11. Kälble T, Tricker AR, Friedl P, Waldherr R, Hoang J, Staehler G et
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etiological factors for carcinogenesis. J Urol 1990;144:1110-4. experimental study with rats. J Urol 1991;146:1390-4.
12. Feitosa EB. Influência da técnica de derivação urinária na qualidade 19. Fosså SD, Heilo A, Børmer O. Unexpectedly high serum methotrexa-
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13. Smith ZL, Soloway MS. Prostate capsule sparing radical cystectomy When should quality of life be measured after radical cystectomy?
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14. Jacobs BL, Daignault S, Lee CT, Hafez KS, Montgomery JS, Montie 21. Porter MP, Penson DF. Health related quality of life after radical cys-
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tomy for bladder cancer: results of a randomized, controlled trial. J and critical analysis of the literature. J Urol 2005;173(4):1318-22.

414
SEÇÃO X
CÂNCER DE BEXIGA,
TESTÍCULO, PÊNIS E
URETRA

CAPÍTULO 64
Câncer de testículo

Luís César Zaccaro da Silva


testicular adjacente a lesão em 80% a 90% dos casos de TCG.
Introdução A presença de NIT é associada a um risco de 50% de chance
As neoplasias de testículo perfazem 1% a 2% dos tumo-
de desenvolvimento de tumor testicular em 5 anos.11
res em homens nos EUA e formam um grupo morfológico e
clínico heterogêneo, dos quais mais de 95% são tumores de
células germinativas (TCG) e serão abordados neste capítu- Tipos histológicos
lo. Os restantes 5% tratam-se de tumores do cordão sexual, Seminoma: O seminoma é o tipo histológico mais
de linhagem linfoide, hematológica ou de anexos testicula- comum dos TCG. Sinciciotrofoblastos responsáveis pela
res. Os TCG são categorizados como seminoma e não semi- produção de gonadotrofina coriônica humana (hCG) estão
noma devido às diferenças na história natural e tratamento presentes em 15% dos casos. O seminoma anaplásico foi
entre os grupos. Aproximadamente 95% dos TCG se locali- anteriormente reconhecido como um subtipo de seminoma
zam nos testículos, sendo 5% de origem extragonadal. de mau prognóstico, sendo que atualmente não observamos
nenhuma clara distinção, seja em seu comportamento clíni-
co ou biológico, não se justificando mais essa classificação.
Epidemiologia A NIT é considerada lesão precursora dos seminomas e de
Nos EUA, o câncer de testículo é a malignidade mais
outros tumores não seminomatosos.12
comum em homens entre 20 a 40 anos de idade e a segunda
Seminoma espermatocítico: Trata-se de um tumor raro,
entre adolescentes. O tumor testicular apresenta-se em três
perfazendo menos de 1% dos casos de TCG. Muito se ques-
picos de idade: infância, entre 30-34 anos e próximo aos 60.
tiona sobre sua origem e sua classificação como TCG devido
A bilateralidade ocorre em 2,5% dos casos (0,6% sincrôni-
as suas características clínico-patológicas bem distintas. Ao
cos e 1,9% metacrônicos).1-3 A incidência é alta em países
contrário dos TCG, o seminoma espermatocítico não tem a
desenvolvidos e baixa nas regiões mais pobres do mundo.
NIT como precursora, não se relaciona com criptorquidia e
A incidência em brancos não hispânicos chega a ser cinco
não aparece como parte de TCG mistos.13 Seu pico de inci-
vezes maior que em negros, quatro vezes maior que em asi-
dência se dá aos 60 anos de idade.14 Trata-se de lesão com
áticos e 78% maior que em hispânicos.4 O diagnóstico deste
característica benigna (somente 3 casos de malignidade re-
tumor tem aumentado em todo o mundo,5 sendo observado
portados), sendo todos curados com orquiectomia.15
um maior crescimento nos seminomas.6 Apenas 10% a 30%
Carcinoma embrionário (CE): é uma forma agressi-
dos casos são metastáticos ao diagnóstico. Seminomas loca-
va de tumor associada a altas taxas de metástases. Trata-se
lizados perfazem a mais comum apresentação desta patolo-
de um tipo histológico muito indiferenciado de tumor não
gia, sendo responsáveis por 50% dos casos de TCG.6
seminomatoso. Exibe capacidade totipotente em diferen-
ciação para outros tipos de tumores não seminomatosos,
Fatores de risco incluindo teratomas. A proporção de apresentação desse
Homens com criptorquidia têm quatro a seis vezes maior tipo histológico nos tumores não seminomatosos está as-
risco de desenvolver neoplasia de testículo na gônada afeta- sociada a um aumento no risco de metástases ocultas na
da, sendo que o risco relativo pode cair para duas vezes se a doença localizada (estádio clínico I).
orquidopexia é feita antes da puberdade.7 Uma meta-análise Coriocarcinoma: é uma forma rara e agressiva de tu-
sobre criptorquidia reportou que o testículo contralateral ao mor, tipicamente caracterizada por elevados níveis de hCG
criptorquídico também apresenta um discreto aumento no e disseminação predominantemente hematogênicas.16 São
risco de desenvolvimento de tumor testicular.8 tumores hipervascularizados, com tendência hemorrágica
Homens com parentes de primeiro grau afetados têm um por vezes espontânea ou pós-quimioterapia, sendo que essa
risco maior de desenvolvimento de tumor testicular, obtendo ocorrência pode tornar seu desfecho catastrófico, particu-
esse diagnóstico 2 a 3 anos mais jovens que a população ge- larmente quando metástases cerebrais ou pulmonares estão
ral.9 O risco relativo para câncer de testículo é 8 a 12 vezes presentes.17 Podem estar associados a desordens hormonais
maior para um homem com irmão afetado em comparação resultantes dos elevados níveis de hCG presentes, que po-
com 2 a 4 vezes em relação ao pai afetado.10 Histórico prévio dem alterar o TSH, LH, levando a hipertireoidismo, síndro-
de neoplasia no testículo aumenta em 12 vezes a chance de mes androgênicas ou hiperprolactinemia.13
desenvolvimento de tumor no testículo contralateral. A maior Tumor do saco vitelínico: representa uma pequena
parte dos TCG se desenvolve a partir de um precursor, a ne- proporção de tumores no testículo ou retroperitônio do pa-
oplasia intratubular (NIT), estando presente no parênquima ciente adulto. É mais comum na população pediátrica e no

416
Câncer de testículo

mediastino.18 Predominantemente produzem alfafetopro- retroperitoneais ou mediastinais com testículos normais


teína (AFP), mas não são tumores produtores de hCG. ao exame clínico também devem ser submetidos à USG
Teratomas: são tumores que contêm elementos de no à procura de escaras ou calcificações indicando um tumor
mínimo 2 das 3 camadas de células germinativas (endoder- primário prévio involuído (“burned out”). TCG são os tu-
me, mesoderme e ectoderme). Estão associados com mar- mores com mais frequentes achados de regressão espon-
cadores normais, eventualmente causando elevação discreta tânea.23 A presença de lesões pequenas, não palpáveis e
de AFP. São tumores de característica benigna; no entanto, menores que 1 cm, sem evidência de doença metastática
frequentemente encontrados como componentes de tumores ou marcadores elevados, é considerada um grande desafio.
não seminomatosos. Trata-se de tumor resistente a quimio- A maioria destas lesões representa condições benignas,
terápicos requerendo, quando presentes, remoção cirúrgica embora entre 20% a 50% dos casos possam representar
completa. Teratomas podem crescer de forma incontrolável, pequenos TCG (geralmente seminomas).24
invadindo estruturas e tornando-se por vezes irressecáveis
(síndrome do teratoma em crescimento).19 Embora raros,
Marcadores tumorais
podem sofrer transformação maligna para adenocarcino- Os marcadores tumorais de interesse no câncer de testí-
mas, rabdomiossarcomas ou tumores neuroectodérmicos.20 culo são três: alfafetoproteína (AFP), gonadotrofina coriô-
Quando isso ocorre, o prognóstico tende a piorar.21 nica humana (hCG) e desidrogenase láctica (DHL). Devem
ser obtidos ao diagnóstico, após orquiectomia, no acompa-
Apresentação clínica nhamento pós-quimioterapia e no seguimento clínico dos
A apresentação mais comum é de uma massa testicu- pacientes. Marcadores obtidos antes da orquiectomia não
lar palpável pouco dolorosa. Dor aguda é pouco comum e são considerados para decisão terapêutica e devem ser re-
pode estar relacionada à rápida expansão da massa tumo- avaliados como guias de tratamento após a orquiectomia.
ral secundária a hemorragia ou ao rápido crescimento do AFP: está elevada em 50% a 80% dos casos de tumo-
tumor, causando infartos testiculares. Metástases ao diag- res não seminomatosos. Carcinoma embrionário e tumor
nóstico estão presentes em um terço dos casos de neopla- de saco vitelínico produzem AFP. Coriocarcinomas e se-
sias não seminomatosas e 15% dos seminomas.22 Cerca de minomas não produzem. Pacientes cujo anatomopatoló-
2% dos pacientes podem apresentar ginecomastia devido a gico revela seminoma puro, mas mantêm AFP elevada,
níveis elevados de hCG. Aproximadamente dois terços dos devem ser tratados como tumores não seminomatosos. A
pacientes apresentam algum grau de subfertilidade. meia-vida da AFP é de 5 a 7 dias.
hCG: está elevada em 20% a 60% dos tumores não
seminomatosos e apenas em 15% dos seminomas. Sua
Exame físico meia-vida é de 24 a 36 horas.
Uma massa firme intratesticular deve ser considerada DHL: sua elevação se relaciona ao volume de doença.
neoplasia até que se prove o contrário. Cabe ao urologista Não se trata de um marcador específico, mas tem impor-
examinar cuidadosamente o testículo afetado e o contralate- tância na avaliação prognóstica dos pacientes. Sua meia-
ral em relação a consistência, tamanho, presença de nódulos -vida é de 24 horas.
testiculares ou em anexos. Atrofia no órgão afetado ou no
contralateral é comum, particularmente nos pacientes com
histórico de criptorquidismo. Hidrocele pode estar presente
Tratamento local
A orquiectomia radical inguinal com remoção de todo
e dificultar o diagnóstico clínico desta patologia. Nestes ca-
o cordão espermático até o nível do anel inguinal interno é
sos, a ultrassonografia escrotal é necessária. O paciente deve
o tratamento padrão para pacientes com testículo contrala-
ser examinado à procura de gangliomegalias supraclavicu-
teral normal. Deve ser realizada também em pacientes com
lares, inguinais (particularmente se foi submetido a aborda-
suspeita de TCG metastático e/ou achados ultrassonográfi-
gem escrotal), massas abdominais palpáveis e ginecomastia.
cos suspeitos de lesões intratesticulares (nódulos discretos,
calcificações, escaras) devido ao risco de NIT ou teratoma
Ultrassonografia residual no testículo acometido. A cirurgia poupadora de
Por ser um exame amplamente disponível, barato e não testículo (orquiectomia parcial) pode ser considerada para
invasivo, a ultrassonografia do escroto deve ser conside- tumores de pequeno volume (menores de 3 cm ou 30%
rada uma extensão do exame físico. Homens com lesões do volume testicular) em pacientes com lesões sincrôni-

417
cas ou tumor em testículo único. Biópsias do parênquima azoospérmicos.29 Dada a quimiossensibilidade das células
adjacente devem ser realizadas para pesquisa de NIT. Na germinativas a platina, virtualmente todos os pacientes se
presença de NIT, radioterapia adjuvante na dose de 20 Gy tornarão azoospérmicos após a quimioterapia, sendo que
é geralmente suficiente para prevenir o desenvolvimento 50% a 80% deles terão recuperação de seus parâmetros se-
de novo TCG, além de manter a produção androgênica. As minais com 2 a 5 anos, respectivamente.30 A recuperação
células de Leydig geralmente são resistentes a essa dose de da espermatogênese após a radioterapia para seminomas
radioterapia, no entanto até 40% dos pacientes podem ex- pode demorar 3 anos ou mais.31 Estes fatores podem causar
perimentar perda da produção hormonal ao longo da vida, grande impacto na fertilidade deste pacientes, e assim re-
sendo necessária suplementação com testosterona.25 comenda-se que homens com prole não constituída ou com
paternidade futura planejada realizem a criopreservação de
seu esperma antes da quimioterapia. A coleta do esperma
Estadiamento pode ser realizada tanto antes quanto após a orquiectomia.
O prognóstico e as decisões terapêuticas sobre os TCG
são ditados pelo estadiamento clínico agrupado, pelos acha-
dos histopatológicos e pelos níveis de marcadores tumorais Tratamento sistêmico – Não seminoma
presentes após a orquiectomia. Estádio clínico I (ECI) é
Estádio clínico I
definido como doença confinada ao órgão, estádio II indica
presença de doença linfonodal regional e estádio III repre- O tratamento de escolha para esses estádios continua
senta linfonodos não regionais e/ou metástases viscerais. A alvo de controvérsias devido a alta sobrevida dos pacientes,
proporção de pacientes na ocasião do diagnóstico dentro dos sejam eles observados ou tratados de maneira adjuvante.
A maioria dos centros utiliza-se de fatores de risco para
estádios clínicos I, II e III é de 85%, 10% e 5% para semino-
definir a probabilidade de metástases ocultas nos semino-
mas e 33%, 33% e 33% para não seminomas.6 O Internatio-
mas. Os mais importantes fatores de risco para metástases
nal Germ Cell Cancer Collaborative Group definiu através
ocultas são invasão linfovascular e presença predominan-
de estudo com mais de 5.000 pacientes os grupos de risco
te (mais de 50%) de carcinoma embrionário no testículo
para pacientes com doença metastática. Essa categorização
removido. Na ausência desses fatores, a probabilidade de
de risco deve ser usada para guiar a escolha dos esquemas
metástases ocultas é menor de 20%.32 Outros fatores de ris-
quimioterápicos.26 A tomografia computadorizada com con-
co incluem estádio patológico avançado (pT2 ou maior),
traste oral e endovenoso é o exame de eleição para estadiar o
ausência de teratoma maduro, ausência de tumor de saco
retroperitônio e a pelve. Linfonodos de 5 a 9 mm localizados
vitelínico, tamanho tumoral, presença de carcinoma em-
anteriormente aos grandes vasos abdominais devem ser tidos
brionário (independente do volume).
como suspeitos.27 Na ausência de lesões retroperitoneais em
Observação: O racional para o uso da observação é ba-
pacientes com marcadores tumorais normais é importante a
seado no fato de que 70% a 80% dos pacientes são curados
realização de pelo menos um RX de tórax para estadiamento.
com a orquiectomia e que na totalidade as recorrências, nos
Na presença de alteração em RX previamente realizado, na
tumores de baixo risco, são resgatáveis com a quimiotera-
presença de massa retroperitoneal ou marcadores elevados,
pia.26 As desvantagens do acompanhamento são: alto risco
uma TC de tórax deve ser solicitada. Recomenda-se realizar
de recorrência, necessidade de acompanhamento rigoroso e
TC de tórax em pacientes com tumores não seminomatosos
confiável por longos períodos, submissão frequente a tomo-
localizados quando presentes fatores de risco para metástase
grafias, acarretando um aumento do risco de desenvolvimen-
oculta (invasão linfovascular ou presença de histologias des-
to de uma segunda malignidade,33 e a necessidade de terapias
favoráveis, como carcinoma embrionário ou coriocarcino-
mais agressivas caso ocorram recorrências. Séries publica-
ma).28 Não há papel para cintilografia óssea ou TC de crânio
das reportam cerca de 35% a 80% de não adesão correta aos
no estadiamento, sendo estes exames reservados a situações
esquemas de acompanhamento.34
específicas de suspeitas clínicas para metástase óssea ou ce-
Linfadenectomia retroperitoneal: Promove o mais
rebral, especialmente nos coriocarcinomas.
eficiente controle das recidivas retroperitoneais. A desvan-
tagem é que se trata de uma cirurgia de grande porte, que
Criopreservação do esperma requer cirurgiões experientes, causando altas taxas de du-
Embora a infertilidade seja uma apresentação incomum pla terapia.35
nos TCG, mais de 52% dos pacientes têm algum grau de Quimioterapia: Oferece as maiores taxas livres de re-
oligospermia ao diagnóstico e aproximadamente 10% são cidiva com um único tratamento.36 As desvantagens são:

418
Câncer de testículo

não trata teratomas, necessita de seguimento rigoroso com em 5% dos casos. A maior restrição desse tipo de tratamen-
TC e apresenta riscos de toxicidade. to relaciona-se às altas taxas de desenvolvimento de segun-
De maneira geral, a maioria dos guidelines recomenda da malignidade, em torno de 18% dos casos.41
vigilância para pacientes de baixo risco e vigilância, qui- Quimioterapia com uso de carboplatina: um ou dois
mioterapia ou linfadenectomia retroperitoneal para pacien- ciclos de carboplatina são aceitos como opção de tratamen-
tes de alto risco para recorrência sistêmica.37 to neste cenário.
Em suma, dado o baixo risco de desenvolvimento de do-
Estádio clínico IS ença sistêmica e a alta capacidade de resgate com cura quando
Há consenso de que estes pacientes devam ser tratados as recidivas ocorrem, a maioria dos guidelines recomenda a
como portadores de doença EC III, devendo receber QT vigilância como a abordagem preferencial neste grupo de pa-
baseada em platina em três ou quatro ciclos. cientes. Além do mais, a vigilância oferece o menor risco de
Estádio clínico IIA e IIB toxicidade em relação aos demais tratamentos.42
Linfadenectomia retroperitoneal seguida ou não de QT ou Estádio clínico IIA e IIB
QT exclusiva são opções de tratamento nesse cenário, com ta- A radioterapaia tipo dog-leg é empregada na maior
xas de sobrevida livre de recorrência acima de 95%. O esque- parte dos centros norte-americanos. A dose usual é de 20
ma de PEB em dois ciclos é o preferido nesse cenário. a 30 Gy, incluindo um boost de 5 a 10 Gy nas áreas aco-
Estádio clínico IIC e III metidas por lesões.
Quimioterapia em regimes de três ou quatro ciclos de
Regimes de quimioterapia baseada em três ou quatro
PEB é uma alternativa à radioterapia, sendo usada prefe-
ciclos de platina são o tratamento de eleição.
rencialmente em pacientes com lesões extensas (>3 cm) ou
Massas residuais pós-quimioterapia com múltiplos locais acometidos.43
Há um claro consenso de que massas residuais maiores
Estádio clínico IIC e III
que 1 cm devam ser removidas.38 O anatomopatológico des-
São candidatos a quimioterapia com três ou quatro ci-
sas massas pode demonstrar necrose, teratoma ou tumor viá-
clos de PEB.
vel em 40%, 45% e 15% dos casos, respectivamente.39
Massas residuais pós-quimioterapia
Tratamento sistêmico - Seminoma Após a primeira linha de tratamento, 58% a 80% dos
pacientes podem ter massas residuais detectáveis radiologi-
Estádio clínico I camente. A regressão espontânea dessas massas ocorre em
Até 80% dos pacientes com seminoma se encontram no 50% a 60% dos casos em 13 a 18 meses.44 A análise dessas
estádio clínico I. Vigilância, radioterapia e quimioterapia massas revela necrose em 90% e tumor viável em 10% dos
com um único agente (carboplatina) são modalidades acei- casos.45 Linfadenectomias retroperitoneais para tumores
tas de tratamento, com 100% de controle oncológico. seminomatosos são cirurgias tecnicamente muito difíceis,
Vigilância: uma das suas limitações se baseia no fato des- dada a reação desmoplásica intensa após a quimioterapia,
ses tumores não possuírem, na maioria dos casos, elevação de aumentando a morbidade relacionada à cirurgia.46 Radio-
marcadores tumorais, requerendo uma maior utilização das terapia pós-quimioterapia não tem papel no manejo desses
tomografias. Os esquemas de vigilância preconizam a realiza- pacientes.47 O tamanho da massa residual é o mais impor-
ção de TC a cada 2 a 4 meses nos primeiros 3 anos, semestral tante preditor de malignidade na amostra. Massas maiores
do 4º ao 7º ano e anualmente após esse período. Em uma aná- que 3 cm podem conter tumor viável em até 38% dos casos,
lise dos três maiores estudos de vigilância, ficou estabelecido comparados a 4% nas massas menores de 3 cm.45 O PET-
que o tamanho tumoral maior que 4 cm e a presença de inva- -CT com FDG tem papel na avaliação de massas residuais
são da rede testis são importantes preditores de recorrência de pós-quimioterapia nos tumores seminomatosos.44 Pacientes
metástases retroperitoneais na análise multivariada.40 com massas tumorais maiores de 3 cm devem ser avaliados
Radioterapia: a radioterapia do retroperitônio e da pel- com PET-CT baseado em FDG. Aqueles que mostram cap-
ve ipsilateral ao tumor (tipo dog-leg) com 20 a 30 Gy é tação do radiofármaco devem ser submetidos a tratamento
uma opção de tratamento nesse cenário.31 As taxas de re- cirúrgico. Pacientes com massas menores de 3 cm ou com
corrência são menores de 1%, sendo todas resgatáveis com massas maiores de 3 cm não positivas ao FDG-PET-CT de-
quimioterapia. Toxicidade hematológica grau II a IV ocorre vem ser observados.

419
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420
SEÇÃO X
CÂNCER DE BEXIGA,
TESTÍCULO, PÊNIS E
URETRA

CAPÍTULO 65
Câncer de pênis
e uretra

Marcos Tobias Machado


Paulo Emilio Fuganti
Quadro 1. Estadiamento do câncer de pênis
Câncer de pênis
Sistema de classificação - TNM - 2002

Introdução T - Tumor primário


Tx - tumor primário não avaliado
O câncer de pênis é uma neoplasia relativamente rara,
T0 - sem evidência de tumor
sendo mais frequente nos locais com nível socioeconômi- Tis - carcinoma in situ
co mais baixo. No Brasil, representa 2% das neoplasias Ta - tumor verrucoso não invasivo
T1 - tumor invade tecido conectivo subepitelial
do homem, atingindo até 10% em alguns Estados das re-
T2 - tumor invade corpo cavernoso ou esponjoso
giões Norte e Nordeste.1 T3 - tumor invade uretra ou próstata
A ocorrência do carcinoma espinocelular (CEP) está T4 - tumor invade estruturas adjacentes
comprovadamente relacionada à presença de fimose, hi- N - Linfonodos regionais
giene inadequada e infecções virais.2,3 Nx - linfonodos não avaliados
N0 - sem metástases em linfonodos
O CEP representa aproximadamente 95% das neopla-
N1 - metástases múltiplas ou bilaterais em linfonodos inguinais
sias do pênis. superficiais
Com relação às rotas de disseminação, na grande N3 - metástase em linfonodos inguinais profundos ou ilíacos

maioria dos casos o sítio inicial de metástases são os M - Metástases a distância


linfonodos inguinais superficiais (podendo ser bilateral Mx - metástases não avaliadas
M0 - sem metástases a distância
independente da lateralidade da lesão), seguindo para os M1 - metástases a distância
linfonodos inguinais profundos, linfonodos pélvicos e
em um estágio final a disseminação hematogênica.
Nos últimos 5 anos, vários trabalhos têm sido publi- Tratamento
cados buscando uma melhoria quanto a conduta terapêu-
tica.4-14
Lesão primária
O sistema de estadiamento internacionalmente utili- O tratamento mais indicado para a lesão primária do
zado é o TNM revisado em 2002 (UICC) (Quadro 1).15 CEP é a amputação parcial ou total.
Nesta classificação, o tumor primário é estadiado de Entretanto, devido ao seu caráter de mutilação, esfor-
acordo com uma descrição mais precisa da estrutura ana- ços têm sido realizados para encontrar alternativas que
tômica envolvida. substituam o tratamento cirúrgico convencional. Neste
Características anatomopatológicas do tumor primá- cenário têm sido investigadas a cirurgia micrográfica de
rio, como o estadiamento, a graduação tumoral e invasão Mohs, a radioterapia, o tratamento com laser e a crioci-
linfovascular são os mais importantes fatores determi- rurgia.
nantes de prognóstico e disseminação nodal. Sistemas Nas principais séries comparativas da literatura a taxa
integrados e nomogramas utilizando as principais carac- de cura da amputação é bastante superior quando compa-
terísticas do tumor têm sido utilizados para guiar o trata- rada às técnicas conservadoras (Tabelas 1, 2 e 3).
mento e definir o prognóstico desses pacientes.
O principal determinante da sobrevida desses pacien- Tabela 1. Taxa de cura comparando penectomia com tratamento
conservador
tes é a invasão e extensão do comprometimento linfono-
dal. Autor Nº pacientes Penectomia Tratamento
(n) (%) conservador
A baixa incidência mundial e o número limitado de (%)
publicações, geralmente representada por série de casos,
Mistry e colaboradores 65 87,5 62
fazem com que tanto o nível de evidência como o grau de
recomendação para a tomada de decisão na grande maio- Lont e col. 157 95,5 64,7
ria dos quesitos sejam de baixa qualidade científica.
Passaremos a discutir nesta diretriz o tratamento das Leijte e col. 748 90 66

lesões malignas do pênis baseados nas melhores evidên-


Ornellas e col. 700 94,7 72,3
cias da literatura disponível.

422
Câncer de pênis e uretra

glande ou T2 de localização favorável, o paciente é sub-


Tratamento cirúrgico metido à amputação parcial do pênis. Tumores T3 reque-
Embora a amputação parcial com margem de segu-
rem amputação parcial ou total e tumores T4 amputação
rança de 2 cm seja tradicionalmente utilizada, estudos
total com ressecção de todas as estruturas envolvidas. A
mais recentes tem recomendado margens negativas de 1
amputação total, quando necessária, evita a permanência
cm para tumores graus I e II e de 1,5 cm para tumores de cotos com riscos de recidiva e sem função sexual ade-
grau III. Sempre que disponível devemos utilizar a bióp- quada, sendo sempre realizada avaliação histológica das
sia de congelação para detecção de margens cirúrgicas margens cirúrgicas e uretrostomia perineal16 (Tabela 2).
livres de doença.16 Pacientes com carcinoma verrucoso Técnicas cirúrgicas conservadoras em pacientes alta-
(Ta), carcinoma in situ (Tis), ou tumor epidermoide inva- mente selecionados podem apresentar resultados seme-
sivo T1 no prepúcio podem ser submetidos à excisão da lhantes aos da cirurgia convencional em séries isoladas17
lesão ou a postectomia. Quando o tumor é estádio T1 na (Tabela 3).

Tabela 2. Recorrência local e tratamento de resgate após amputação de pênis

Autor Penectomia Pacientes (n) Recorrência local Terapia de resgate Seguimento

Bañon e col. Parcial 42 3 (7,1) 3 (PT) 67,3 meses

Total 11 0 - -

Ficarra e col. Parcial 30 0 - 69,4 meses

Total 5 0 - -

Rempelakos e col. Parcial 227 0 - > 10 anos

Total 75 0 -

Chen e col. Parcial 34 2 (5.8) - 37 meses

Total 5 0 -

Mistry e col. Parcial 18 1 (5.5) 1 (PT) 1993-

Total 6 2 (33.3) 2 (RT) 2003

Lont e col. Parcial / total 100 10(10) - 106 meses

Korets e col. Parcial 32 1 (3.2) - 34 meses

Leijte e col. Parcial 214 15 (5.1) - 60.6 meses

Total 71 0 -

Ornellas e col. Parcial 522 25 (4.0) 21 (PT) / 4 (PP) 11 meses

Total 98 0

Legenda: PT: penectomia total; PP: penectomia parcial; RT: radioterapia.

Tabela 3. Recorrência local após tratamento conservador

Autor Procedimento Pacientes Recorrência local Seguimento

Bañon e col. Excisão da lesão 20 5 (25) 67.3 meses

Bissada e col. Excisão da lesão 30 3 (10) 1-30 anos

Shindel e col. Cirurgia de Mohs 33 8/25 (32)

Gulino e col. Glandectomia 14 0 13 meses

Brown e col. Glandectomia 5 0 12 meses

423
A cirurgia micrográfica de Mohs, embora preserve te-
cido peniano apresenta índices de recorrência local entre
Indicações
A linfadenectomia inguinal tem indicação em uma
20 e 30%.18
das seguintes condições:
A criocirurgia é outro tratamento ablativo que também
pode ser utilizado em casos com pequenas lesões, princi- • tumores de alto grau (grau histopatológico II ou
palmente o carcinoma verrucoso.19 III);
Cirurgias complexas como desarticulações ou hemi- • estadiamento local avançado (T2 ou superior),
pelvectomias têm sido raramente empregadas, sendo fun- • invasão microscópica linfovascular,
damental uma seleção criteriosa dos pacientes.7 • linfonodos inguinais palpáveis após tratamento lo-
cal e antibioticoterapia,
Radioterapia • linfonodos inguinais palpáveis que surgiram no
As principais modalidades de tratamento radioterápi- acompanhamento sem evidência de doença a dis-
co incluem a radioterapia externa e a braquiterapia. tância,
O sucesso destes métodos no tratamento das lesões • ressecção de lesão ulcerada para paliação de sin-
primárias é difícil de ser avaliado e comparado com as tomas
séries de cirurgia convencional, uma vez que são utiliza- Os sistemas integrados da EAU, do INCA ou o no-
dos diferentes esquemas que variam o tipo de radiação e o mograma de Ficarra podem auxiliar na indicação da
tempo de exposição (Tabela 4). linfadenectomia em pacientes com linfonodos impal-
O índice de radiorresistência ou recorrência tumoral páveis.
gira ao redor dos 20%.20 Nas outras situações não existe indicação precisa de
Os melhores resultados são obtidos em pacientes por- linfadenectomia e os pacientes devem ser acompanha-
tadores de lesões superficiais. A eficácia em lesões inva- dos regularmente.7
sivas é limitada uma vez que a dose necessária para erra- Pacientes com carcinoma verrucoso (Ta) não neces-
dicar o tumor causa um elevado índice de complicações sitam de linfadenectomia uma vez que não evoluem com
locais graves. metástases regionais.23
Outras opções terapêuticas, de menor eficácia, po-
Laser dem ser propostas para pacientes em más condições clí-
Tem sua aplicação no tratamento das lesões benignas, nicas ou que recusem a linfadenectomia.
pré-malignas e malignas nos estádios Tis, Ta, T1 e, mais Tabela 6. Sobrevida de homens com câncer de pênis após tratamento
considerando o comprometimento linfonodal
raramente T2.
Não há indicação para o seu emprego em lesões gran- Sobrevida em 5 anos
des.
Diferentes tipos de laser poderão ser empregados,
Autor Ano N- N+
cada um com características inerentes ao material usado
para a emissão da energia:
Beggs e Sprat 1964 72.5% 19,3%
Estima-se que o risco de recidiva local ocorre em 10-
20% dos tumores no estádio T1 e 30% em T221,22 (Tabela
Srinivas et col. 1987 85% 32%
5).
Como recomendação geral, o tratamento com laser
Pow-Sang et col. 1990 80% 62.5%
para as lesões primárias do pênis tem o seu benefício mais
evidente apenas para casos em estádios iniciais.7
Ornellas et col. 1991 87% 29%

Abordagem dos linfonodos Ravi 1993 95% 53%


A presença de comprometimento linfonodal é o prin-
cipal fator de prognóstico que afeta a sobrevida de pa- Pandey et col. 2006 95.7% 51.1%
cientes com câncer de pênis (Tabela 6).

424
Câncer de pênis e uretra

redução significativa da morbidade quando comparadas a


Aspectos técnicos da séries históricas, o índice de complicações ainda é maior
abordagem linfonodal do que 40%.27 Em virtude deste fato, discute-se muito atu-
Existem muitas controvérsias quanto ao momento, a almente métodos que pudessem predizer uma maior neces-
técnica e extensão e da linfadenectomia inguinal após o sidade e extensão da cirurgia em pacientes com linfonodos
tratamento da lesão primária. impalpáveis.
O momento da abordagem inguinal é motivo de debate. A biópsia de linfonodo sentinela proposta por Cabanas
Sua realização precoce tem melhores taxas de sobrevida no apresenta um elevado índice de falso-negativos, não sendo
caso de linfonodos comprometidos após 5 anos.24-29 Estes atualmente recomendada.10,24
dados não nos permitem esperar para indicar a linfadenec- A biópsia de linfonodo com auxílio da linfocintilogra-
tomia bilateral nos casos de risco, pois a simples vigilân- fia com injeção intradérmica peritumoral de tecnécio99
cia clínica não é capaz de detectar metástases a tempo de tem sido preconizada por 3 grupos no mundo com ótimos
influenciar a sobrevida. A maioria dos autores preconiza resultados.7 A morbidade deste método é baixa (por volta
intervalo de 4 a 6 semanas sob antibioticoterapia, após o de 10%) (Tabela 7), porém o índice de resultados falso-ne-
tratamento da lesão primária para a realização de linfade- gativos varia de 5-50%. No nosso meio, o emprego desta
nectomia, período necessário para que haja regressão de técnica em centros de referência apresentou um índice ina-
eventuais reações inflamatórias nos linfonodos inguinais.7 ceitável de acurácia, não sendo recomendada de rotina.12,25
Por outro lado, devemos considerar que ao submeter- Com relação a lateralidade, a maioria dos autores re-
mos todos os pacientes sob risco à linfadenectomia, um comenda a abordagem bilateral das regiões inguinais uma
número significativo de casos não terá benefício terapêuti- vez que os linfáticos do pênis drenam para ambas as regi-
co pela inexistência de comprometimento neoplásico.7 ões por intercomunicações dos canais linfáticos do prepú-
A linfadenectomia inguinal convencional é um pro- cio, da glande e do corpo do pênis.
cedimento acompanhado de alta morbidade26 (Tabela 7). Quanto à extensão da linfadenectomia há bastante di-
Ainda que as séries contemporâneas tenham revelado uma vergência.

Tabela 7. Incidência de complicações associadas a linfadenectomia inguinal

Autor (ano) Pacientes Necrose Infecção Seroma Linfocele Linfedema


de pele de parede
Ornellas e cols. (1972-87) 200 45% 15% 6% - 23%

Lopes e cols. (1953-85) 145 15% 22% 60% - 30%

d’Anconna e cols. (1994-99) 26 - - - - -

Radical - 38% - 38% - 38%

Simplificada - 0% - 26% - 0%

Kroon e cols. (1994-2003) 129 - - - - -

Radical - 15% 27% 9% 12% 31%

Sentinela - 1% 5% 2% 1% 1%

Perdona e cols. (1990-2004) 70 - - - - -

Radical 48 8% 8% 13% 4% 21%

Sentinela 22 0% 5% 9% - -

Pompeo (1984-97) 50 6% 12% 6% - 18%

Tobias–Machado e col. 10 0% 0% 5% 10% 5%


Videoendoscópica 10 20% 30% 0% 20% 0%
aberta

Sotelo e cols. 8 0% 0% 0% 23% 0%


Videoendoscópica

425
Para pacientes com linfonodos clinicamente negati- com riscos de linfedema, ulcerações e necrose local.
vos ou pouco aumentados uma opção é a linfadenectomia Os resultados da literatura sugerem que a radioterapia
limitada proposta por Catalona.28 Apresenta como atra- profilática inguinal não altera o curso da doença.31 Além
tivo a redução de morbidade cirúrgica em comparação disso, a avaliação clínica da região inguinal após a radio-
com a linfadenectomia clássica (Tabela 7). Porém, como terapia torna-se mais difícil, assim como aumentam as
também tem uma abrangência limitada, alguns estudos complicações cirúrgicas se o paciente tiver que ser sub-
mostram que 5-15% dos pacientes podem apresentar re- metido a linfadenectomia subsequente.32
cidiva inguinal tardia com comprometimento da sobre- Utilizada com intenção curativa em pacientes com
vida.24 metástases linfonodais, a radioterapia apresenta resulta-
A linfadenectomia ilíaca só é justificável para casos dos inferiores aos da linfadenectomia. Seu uso adjuvante
muito específicos. Um estudo recente mostrou que a lin- ou neoadjuvante tem sido proposto por alguns autores,
fadenectomia pélvica pode ser evitada em pacientes com mas o pequeno número de séries, bem como a morbidade
até 2 linfonodos comprometidos e sem invasão capsular8 decorrente da irradiação, não permite conclusões defini-
(NE 4). Por outro lado, a cirurgia realizada em pacientes tivas.33-35
com massas pélvicas evidentes tem benefício terapêutico
discutível, uma vez que esta condição via de regra confe- Tratamento sistêmico
re prognóstico bastante reservado.7
No intuito de preservar uma área adequada de dissec-
Introdução
ção nodal e reduzir o morbidade cirúrgica, 5 publicações Doença de grande volume e irressecável ocorre em
e mais de 15 centros do mundo tem descrito sua experi- 2-15% dos casos por ocasião do diagnóstico.
ência inicial com a cirurgia videoendoscópica. Os resul- Vários esquemas de quimioterapia têm sido propos-
tados têm sido bastante superponíveis, com uma redução tos com resultados variados, tanto em doença metastá-
tica como na doença locorregional.7,36,37 Não há, porém,
global da morbidade, especialmente às custas da morbi-
tratamento quimioterápico padrão para o carcinoma de
dade cutânea (Tabela 7). Apesar de promissor, o resul-
pênis, incluindo como opções o metotrexato, a cisplatina,
tado oncológico carece de avaliação a longo prazo para
bleomicina, 5-fluoruracila.
recomendar rotineiramente esta modalidade para ressec-
Os pacientes com doença avançada podem ser dividi-
ção linfonodal em pacientes com câncer de pênis.9,11,13,14
dos em três grupos: com doença metastática a distância
(menos de 5% dos casos), com doença locorregional ina-
Cirurgia paliativa higiênica bordável cirurgicamente e com recidiva após tratamento
A cirurgia paliativa é realizada em pacientes com primário. É importante a avaliação dos pacientes quanto
CEP avançado que apresentam metástases para a região ao estado geral, risco potencial para o desenvolvimento
inguinal ou a distância. Estes pacientes apresentam lin- de eventos adversos e expectativas em relação ao trata-
fonodos fixos ou ulcerados que devem ser ressecados mento.
juntamente com a pele a eles aderida resultando, muitas
vezes, em grandes defeitos cutâneos que dificultam o fe-
Doença locorregional avançada
chamento da incisão operatória. Nestas condições podem Os medicamentos citotóxicos avaliados até o momen-
ser empregados retalhos miocutâneos do tensor do fáscia to, utilizados de forma isolada, têm eficácia em 10% a
lata, retalhos abdominais ou retalhos livres de pele.7 Oca- 15% dos casos e benefícios de curta duração (3 a 4 me-
sionalmente, o desbridamento cirúrgico aliado a técnicas ses), com toxicidade proporcional às doses utilizadas38-41
de reconstrução promove alguma paliação para pacientes (NE 3).
com doença locorregional avançada.30 Não existem dados conclusivos que sugiram a supe-
rioridade das combinações sobre o uso convencional de
bleomicina, cisplatina, 5-fluoruracila, metotrexato e mi-
Tratamento radioterápico tomicina C.
das regiões inguinais Entre as novas medicações o docetaxel parece ser a
De maneira geral, a região inguinal tolera mal os efei- mais promissora, mas estudos ainda estão em andamento
tos decorrentes de doses recomendadas de radioterapia, e não há resultados conclusivos.

426
Câncer de pênis e uretra

Relatos de casos isolados sugerem que a associação


de radioterapia e quimioterapia, principalmente bleomici-
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Deve-se considerar o tratamento cirúrgico radical as- 6. Svatek RS, Munsell M, Kincaid JM, Hegarty P, Slaton JW, Busby
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sociado a tratamento complementar com quimioterapia, cific survival in patients with penile cancer. J Urol 2009 Oct 16.
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riormente. 7. Leijte JA, Hughes B, Graafland NM, Kroon BK, Olmos RA,
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inferiores e sua indicação, nestes casos, é muito limitada. 8. Lont AP, Kroon BK, Gallee MP, van Tinteren H, Moonen LM, Ho-
renblas S. Pelvic lymph node dissection for penile carcinoma: ex-
Em algumas séries, eventos adversos graves podem tent of inguinal lymph node involvement as an indicator for pelvic
ocorrer em mais de 30% dos casos, inclusive com óbitos46 lymph node involvement and survival. J Urol 2007;177(3):947-52.

(NE 5). 9. Tobias-Machado M, Tavares A, Silva MN, Molina WR Jr, For-


seto PH, Juliano RV, Wroclawski ER. Can video endoscopic in-
guinal lymphadenectomy achieve a lower morbidity than open
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neoadjuvante (pré-operatório) 10. Ornellas AA, Correia Seixas AL, Wisnescky A, Campos F, Ran-
gel de Moraes J. The value of biopsy of the inguinal lymph no-
Tem sido estudada a indicação para a quimioterapia des in patients with epidermoid carcinoma of the penis. Prog Urol
pré-operatória para pacientes com bom estado geral e que 1995;5(4):544-7.

apresentam linfonodos inguinais fixos ou tumor estádio 11. Tobias-Machado M, Molina Jr. WR, Tavares A, Forseto Jr. PH, Ju-
liano R, Borrelli M, Wroclawski ER. Video endoscopic inguinal
T4.36 A análise combinada de pequenos estudos com qui- lymphadenectomy(VEIL): a new minimally invasive procedure for
radical inguinal nodes managment in penile cancer patients. J Urol
mioterapia pré-operatória revela que mais de 70% dos 2007;177:953-958.
pacientes apresentam resposta clínica e 65% de pacientes
12. Lima MVA, Tavares JM, Silveira RA, Tomás Filho ME, Silva
têm regressão tumoral suficiente para permitir a excisão FA, Silva LFG. Intra operative use of gama probe for identifica-
tion of sentinel node in penile cancer. International Braz J Urol
cirúrgica radical subsequente47 (NE 3).40,48-51 2002;28:123-9.
Quimioterapia neoadjuvante intra-arterial também 13. Sotelo R, Sánchez-Salas R, Carmona O, Garcia A, Mariano M,
pode ser uma opção de tratamento, porém são necessários Neiva G et al. Endoscopic lymphadenectomy for penile carcinoma.
J Endourol 2007;21(4):364-7;367.
estudos mais amplos para comprovação de seus efeitos
14. Master V, Ogan K, Kooby D, Hsiao W, Delman K. Leg Endoscopic
quando combinada à cirurgia.52,53 Groin Lymphadenectomy (LEG Procedure): Step-by-Step Appro-
ach to a Straightforward Technique. Eur Urol 2009 Jul 15. [Epub
Tratamento sistêmico ahead of print]

adjuvante (pós-operatório)
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428
Câncer de pênis e uretra

ve-se entre os idosos, na faixa dos 75 a 84 anos.


Câncer de uretra Os tumores de uretra não têm fatores de risco clara-
mente definidos. Existe associação desta neoplasia com
Introdução processos inflamatórios crônicos (estenose de uretra,
As neoplasias malignas geniturinárias mais frequentes DSTs) e infecção por HPV (subtipo 16).6,7 Processos
são atualmente contempladas com diretrizes, facilitando como leucoplasia, carúnculas e papilomas também au-
seu tratamento e a comunicação entre os urologistas e pa- mentam o seu risco.8 Os divertículos de uretra feminina
cientes.1 Por outro lado, neoplasias com menor incidência, ocorrem em 1-6% das mulheres dependendo da série.9,10
como os tumores de uretra, que nem figuram nas bases de Eles também podem estar associados aos tumores de ure-
dados nacionais de câncer,2,3 carecem desta valiosa ferra- tra, sendo que cerca de 100 casos de tumores de uretra em
menta. A raridade destes tumores e a sua variação histopa- divertículos já foram descritos.11
tológica de acordo com a localização e gênero impede o
acúmulo de experiência e a criação de protocolos de pes-
quisa. Tudo isto torna os tumores de uretra únicos, com
Histopatologia
O revestimento da uretra varia de acordo com a sua por-
diagnóstico muitas vezes tardio e manejo desafiador.
ção e os tipos histológicos dos tumores acompanham estas
variações (Tabela 1). O carcinoma de células escamosas
Epidemiologia e fatores de risco tradicionalmente era o tipo histológico mais comum.12
Os tumores de uretra correspondem a menos de 1% das Os dados do SEER5 demonstraram uma mudança neste
neoplasias geniturinárias. Tradicionalmente os tumores de aspecto, ao menos entre os norte-americanos. O tipo histo-
uretra eram mais frequentes em mulheres, aumentando-se lógico mais comum foi o carcinoma de células transicio-
a incidência com a idade.4 Entretanto, uma publicação da nais (55%), seguido pelo carcinoma de células escamosas
base de dados norte-americana SEER traçou dados epide- (21,5%), adenocarcinoma (16,4%) e outros tipos em 5,3%,
miológicos diversos dos descritos:5 identificou 1.615 por- incluindo 23 casos de melanoma uretral.
tadores de tumores de uretra primários no período de 1973 Os tumores associados aos divertículos de uretra fe-
a 2002; a maioria destas neoplasias acometeu homens minina têm distribuição histológica diferente, sendo mais
(66%), com incidência anual média de 4,3 casos/milhão de da metade deles adenocarcinomas, seguidos pelos carci-
habitantes. Nas mulheres, a incidência anual média foi de nomas escamosos e depois os carcinomas de células de
1,5 caso/milhão de habitantes. O pico de incidência mante- transição.11

Tabela 1. Histologia e patologia do tumor de uretra

Sexo Segmento Histologia Patologia

Uretra masculina Peniana Epitélio escamoso estratificado (fossa navicular) e Carcinoma de células escamosas
epitélio estratificado ou colunar pseudoestratificado

Carcinoma de células transicionais

Bulbar e membranosa Epitélio estratificado ou colunar pseudoestratificado Carcinoma de células escamosas

Carcinoma de células transicionais

Adenocarcinoma e carcinoma indiferenciado

Prostática Epitélio de transição Carcinoma de células transicionais

Carcinoma de células escamosas

Uretra feminina 1/3 proximal Epitélio de transição* Carcinoma urotelial

2/3 distais Epitélio escamoso estratificado Carcinoma de células escamosas

Áreas de malformações Adenocarcinoma


ou restos embriológicos

*Trígono vesical feminino pode sofrer metaplasia escamosa.

429
Diagnóstico Tratamento
Os tumores de uretra são geralmente sintomáticos. 14
A decisão terapêutica do câncer de uretra deve levar
A maioria se queixa de sintomas do trato urinário inferior em conta inúmeros parâmetros, sendo o mais importante
de esvaziamento vesical, sangramento uretral/hematúria e o potencial de cura. O médico e o paciente devem consi-
massa palpável. Como os sintomas urinários relatados são derar, juntamente com a cura, o impacto da intervenção
inespecíficos e podem decorrer de várias patologias, os sobre a função urinária e sexual, bem como a imagem
tumores de uretra são diagnosticados tardiamente e preci- corporal.15
sam de alto grau de suspeição diagnóstica. As opções de tratamento do câncer de uretra mas-
Os exames complementares usados no diagnóstico dos culina e feminina variam entre cirurgia, radioterapia e
tumores de uretra incluem citologia urinária, uretrografia, quimioterapia, exclusivos ou em combinação.19,21 E os
ultrassom (endovaginal) e endoscopia urinária com bióp- fatores a serem considerados incluem: idade, localiza-
sia. O estadiamento inclui a tomografia computadorizada ção, grau de diferenciação, estadiamento, histologia e
na (pesquisa de metástases pélvicas e extra-abdominais) e comorbidades.15
a ressonância nuclear magnética.15
A RNM é o método de imagem que permite excelente
Tratamento cirúrgico conservador
definição de partes moles. Várias patologias como diver-
A técnica endoscópica deve ser reservada para
tículos uretrais complexos, massas parauretrais e uretrais
doenças localizadas, de baixo grau e em locais onde é
são visualizadas com grande detalhamento pela RNM.16
possível visualização adequada a fim de evitar inconti-
Nos tumores de uretra, a RNM tem sido utilizada no es-
nência urinária iatrogênica nos pacientes submetidos a
tadiamento17 e no controle após quimioterapia ou radiote-
tal procedimento.15 Procedimentos econômicos com pre-
rapia neoadjuvante18. Usualmente os tumores uretrais são
servação peniana (fulguração, excisão local e ressecção
hipointensos em T1 e hiperintensos em T2.19
endoscópica) foram relatados com razoável seguimento
livre de doença.22,23
Estadiamento A uretrectomia segmentar pode ser aplicada em
lesões distais, superficiais (T1 – T2), distantes do es-
Tabela 2. Estadiamento
fíncter e ressecadas com margem de segurança mínima
Tumor-node-metastasis staging of urethral cancer de 2 cm (confirmada por biópsia de congelação)24. A
reconstrução uretral pode ser realizada por mobilização
Primary Tumor (T)
e avanço do meato uretral, reconstrução tardia com mu-
Tx Primary tumor cannot be assessed
T0 No evidence of primary tumor cosa oral, reanastomose primária (reservada para ca-
Ta Noninvasive papillary, polypoid, or verrucous carcinoma sos com exérese segmentar menor que 3 cm), e ainda,
Tis Carcinoma in situ
manter o meato hipospádico (uretrostomia peniana) ou
T1 Tumor invades subepithelial connective tissue
T2 Tumor invades corpus spongiosum, prostate, or periurethral muscle uretrostomia perineal definitiva, tendo o paciente que
T3 Tumor invades corpus cavernosum, beyond prostatic capsule, ante- urinar sentado nas duas últimas opções.15,24,25 Em pa-
rior vagina, or bladder neck
cientes do sexo feminino deve ser realizada ressecção
T4 Tumor invades other adjacent organs (eg, bladder)
uretral em conjunto com a parede vaginal adjacente, e
Regional Lymph Nodes (N)
Nx Regional lymph nodes cannot be assessed reconstrução uretral com neomeato hipospádico intra-
N0 No regional lymph node metastasis vaginal.24,26,27
N1 Metastases in a single lymph node, <2 cm in greatest dimension
N2 Metastases in a single node >2 cm but <5 cm in greatest dimen-
sion, or in multiple nodes (<5 cm) Tratamento cirúrgico radical
N3 Metastases in lymph node >5 cm in greatest dimension
Os tumores invasivos (>T2) do segmento uretral
Distant Metastases (M) anterior devem ser tratados, preferencialmente, através
Mx Distant metastases cannot be assessed
M0 No distant metastases de penectomia parcial, cujo objetivo principal (similar
M1 Distant metástases ao câncer peniano) é preservar comprimento adequado
Extraído de Edge SB, Byrd DR, Compton CC et al. American Joint Committee
peniano para que o paciente urine em pé.15,24 Nos casos
on Cancer staging manual. 7th edition. New York: Springer; 2010. p. 507.20 em que o comprimento peniano não será adequado, a

430
Câncer de pênis e uretra

penectomia total com uretrostomia perineal é mandató- peniano, estenose uretral/meatal, cistite e retite actínica,
ria. Em casos selecionados, realiza-se a uretrectomia e sangramento, fístula, retração vaginal ou neoplasias se-
exérese do tecido peniano envolvido, com preservação cundárias.15,24,30,31
de segmento peniano, o que, mesmo com a necessidade
de uretrostomia perineal, demonstra benefício funcional
e psicológico.15,28
Quimioterapia
Devido à raridade da doença, inexistem estudos de-
A maioria dos tumores de uretra posterior, em am-
monstrando níveis de evidência elevados; pode-se afir-
bos os sexos, são de diagnóstico tardio e apresentam-se
mar, porém, que a quimioterapia possui seu papel re-
como doença localmente avançada.15,24 Uma alternativa
servado nas doenças localmente avançadas, associadas
de tratamento é a uretrectomia total (incluindo penecto-
ou não à radioterapia. O tratamento multimodal tem
mia em homens) com fechamento do colo vesical e de-
demonstrado resposta clínica e patológica promisso-
rivação urinária à pele. Tal técnica deve ser considerada
ras.15,24,32
apenas em casos em que há possibilidade de ressecção
As drogas utilizadas no tratamento do carcinoma
com margens livres.15 As opções de derivação urinária
epidermoide podem ser a associação de cisplatina /
incluem estoma continente (cateterizável) ou inconti-
5-fluoruracila ou mitomicina C / 5-fluoruracila, em se-
nente (vesicoileostomia cutânea)
melhança aos tumores de cabeça e pescoço.15,24,33,34 O
Na impossibilidade de margens cirúrgicas livres, fa-
tratamento quimioterápico do carcinoma urotelial de
lha após outras terapias (QT, radioterapia) ou por moti-
uretra é semelhante ao realizado em tumores vesicais,
vos paliativos mostra-se necessário a emasculação asso-
ciado a cistoprostatectomia (homens) e a uretrectomia com uso de metotrexato/vimblastina/adriamicina/cis-
associado a ressecção da parede vaginal anterior e exen- platina (MVAC)15,24,27,33 o uso de gencitabina/cisplatina
teração pélvica anterior (mulheres), juntamente com de- mostrou ser equivalente ao esquema anterior, tornan-
rivação urinária, em ambos os sexos.15,24 do-se tratamento de escolha em doença metastática.15,35
A disseminação linfática da uretra anterior ocorre Nos casos de adenocarcinoma, em analogia aos tumores
predominantemente para cadeia inguinal e a uretra pos- colorretais, pode-se utilizar combinação de cisplatina/
terior para cadeia hipogástrica, ilíaca interna e demais 5-fluoruracila ou ainda metotrexato/vimblastina.15,24
linfonodos pélvicos.15 A linfadenectomia inguinal é
idêntica à realizada no câncer peniano, e reserva-se aos Prognóstico
casos de linfonodomegalia palpável persistente. Já a lin- Estudos utilizando os registros de câncer de uretra
fadenectomia pélvica deve ser realizada conjuntamente do SEER identificaram fatores de prognóstico através
com a cistectomia, e aplica-se técnica igual à aplicada de análise retrospectiva de grande numero de pacien-
aos tumores vesicais.15,23,24 tes.36,37 O estudo publicado em 2010 (2065 homens)36
demonstrou sobrevida câncer-específica de 68% e 60%
Radioterapia em 5 e 10 anos, respectivamente. Os fatores prognósti-
Em pequenos tumores iniciais a radioterapia exclu- cos associados a aumento da mortalidade foram: idade
siva pode oferecer boas chances de controle associado a avançada, alto grau, estádio elevado, N+/M+, carci-
menor morbidade.29,30 Em tumores da uretra anterior, ho- noma urotelial e não intervenção cirúrgica; mesmo
mens são preferencialmente tratados com excisão cirúr- em pacientes com doença não metastática o tratamen-
gica, enquanto mulheres, devido a morbidade (disfunção to cirúrgico mostrou-se superior quando comparado à
sexual/incontinência urinária) associada à cirurgia têm radioterapia (p = 0,018). Apesar de não haver infor-
como boa opção a radioterapia.15,30 mações quanto ao uso da quimioterapia, em pacientes
Nos tumores avançados o tratamento multidiscipli- com doença localizada a cirurgia demonstrou maiores
nar é recomendado, já que demonstra melhor controle benefícios no controle da doença.36 A avaliação retros-
local e taxa de cura, quando comparado com tratamento pectiva de Champ37 (722 mulheres) identificou maior
cirúrgico isolado.19,30,31 taxa de doença invasiva (> T1) em comparação ao estu-
De 16 a 20% dos pacientes sofrem com complica- do anterior (50% vs. 33%), o que pode ter influenciado
ções associadas ao tratamento radioterápico:30 edema uma menor taxa de sobrevida câncer-especifica em 5 e

431
10 anos de 53% e 46% respectivamente. A raça (afro- 15. Grivas PD, Davenport M, Montie JE, Kunju LP, Feng F, Wei-
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