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CEVI 2021 Vanda Gorjão

Quando as imagens tocam o real

Georges Didi-Huberman

Antropologia, imagens e arte. Um percurso reflexivo a partir de Georges Didi-


Huberman Anthropology, pictures and arts. A reflective journey based on Georges
DidiHuberman

Etienne Samain

(…)

De formação, Didi Huberman é filósofo e historiador da Arte, atualmente professor na Escola


dos Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHESS). Ele é, mais profundamente, o detentor
de um conhecimento enciclopédico, de uma erudição extraordinária, um pensador que sabe
dialogar, provocar e estimular a relexão, um pesquisador humanista, um intelectual humilde,
que, a cada momento, descobre um novo objeto de trabalho.

Se ele se interessa fundamentalmente pelas imagens, é, por desdobrá-las, nos apresentando,


ao mesmo tempo, as obras de artistas contemporâneos (fotógrafos, videógrafos, cineastas,
documentaristas, coreógrafos, músicos, pintores e escultores): Eisenstein, Pier Paulo Pasolini,
Roberto Rossellini, Rainer Maria Rilke, Giuseppe Penone, Chris Marker, Harun Farocki, Jean-Luc
Godard, Wang Bing, Simon Hantaï, Bertolt Brecht, James Turrell, Agusti Centelles, Christian

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Boltanski, Alfredo Jaar, Philippe Bazin, Mathieu Pernot, Israel Galván, Pascal Convert, Sarkis,
Steve McQueen, James Coleman etc.

Huberman dirá: “Creio que todo o meu trabalho está guiado por uma intuição fundamental
sobre a imagem, enquanto ato e enquanto processo […] Diante da imagem devemos convocar
verbos para dizer o que as imagens fazem e o que elas nos fazem (onde elas nos tocam), e não
apenas adjetivos e nomes para acreditar ter dito o que elas são”. Deve-se acrescentar:
Huberman é um coreógrafo das imagens: pensa as imagens, questiona as imagens, deixa-se
interpelar pelas imagens. Em poucas palavras: põe sempre as imagens em movimento. Ele é,
ainda, um brilhante ensaísta que se define assim (Didi-Huberman 2010: 191-192): “Um
ensaísta é um homem simplesmente preocupado de entender o sofrimento do mundo e de
transformá-lo, de remontá-lo em uma forma explicativa, implicativa e alternativa. Ele não
constrói nenhuma verdade absoluta, não fabrica nenhuma obra de arte para a atemporalidade
da arte”. Coloca sempre o seu leitor perante um leque de movimentos, de paixões, de
questionamentos sobre a história presente de nosso mundo. Entre suas últimas publicações,
assinalo os quatro primeiros volumes (de sete anunciados) de L’Oeil de l’Histoire (O Olho da
História), uma clara referência a Georges Bataille e ao seu inquietante livro História do olho.
Um A Arqueologia do Saber Visual.

Numa entrevista dada à Marianne Alphant no Centro Pompidou em junho de 2010, Dido
Huberman afirmava “O meu sonho seria o de esboçar o que Michel Foucault fez muito bem
com os textos [As palavras e as coisas], isto é, esboçar uma arqueologia do saber visual”. O que
viria a significar tal arqueologia para Georges Didi-Huberman? O que nos indicaria? Quais os
caminhos heurísticos e metodológicos que nos sugeriria? Como procuraria nos acompanhar?
Eis alguns prováveis caminhos de suas indagações.

Gostaria de refletir sobre as imagens na medida em que são - constitutivamente - fenômenos,


acontecimentos, aparições, revelações, epifanias, pequenas luzes que queimam o tecido
humano (social) e interpelam (ou não) nosso cotidiano. Gostaria, também, de olhar para elas e
deixá-las nos inquietar na medida em que as imagens não são apenas atos e fatos, mas ainda -
na temporalidade que toda imagem carrega – lugares de memórias (lembranças,
sobrevivências, ressurgências), revelações de tempos passados, de tempos presentes. Por
vezes, até lugares de expectativas (esperanças, preigurações de tempos que hão de vir,
presságios, promessas, desejos). Gostaria, ainda, de olhar para elas, não apenas como campos
de memória, como arquivos vivos e lugares de desejos, mas ainda, como um terreno de
questões, de questionamentos sobre nossa história, apelos (às vezes, gritos) que nos

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convocam a tomar posição em nome da história humana, em nome do porvir de nosso


planeta. Assim, não apenas “pensar a imagem” e, sim, “pensar por imagens”, isto é, aprender
a “abrir”, a “desdobrar” as imagens, para, nelas, redescobrir, numa perspectiva aberta por
Walter Benjamin, os seus profundos e verdadeiros valores de uso (de utilização, de projeto)
para o nosso século, em especial nesta viragem cognitiva e comunicacional da qual
participamos. O antropólogo, o cientista social, é alguém que não deve apenas ficar ocupado
(preocupado) pela descrição, ilustração, registro, pela documentação da história presente dos
homens e das culturas; é alguém que, ao realizar todas ou parte dessas tarefas, deve
permanecer ocupado (preocupado) em “entender as pulsões e os sofrimentos do mundo, de
transformá-los, de remontá-los em uma forma explicativa implicativa e alternativa” (Didi-
Huberman 2010:191) .

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Montagem e Imagem como Paradigma


Cesar Huapaya

(…)

As imagens sobre as quais falamos não se reduzem unicamente a fotos ou pinturas. As


imagens seriam todos os atos de performance do homem no espaço e no tempo. Todos os
conteúdos, portanto, de uma ação apresentada em performance, arquiteturas, cidades,
instalações, imagens digitais, películas, espetáculos de teatro, dança, música, livros,
ilustrações, atlas, poemas visuais, diários, habitus, formas de vida e etc. Segundo Didi-
Huberman (2003), a teoria da iconografia de Erwin Panofsky (1892-1968) reduziu as imagens
em simples ilustrações de temas, formas e significados. Didi-Huberman vai rever o conceito de
legibilidade de Walter Benjamin, que mostrou como se pode perceber nas imagens um ponto
de vista dialético com multiplicidades de efeitos, de conhecimento e pronunciamentos que se
entrelaçam ao olhar. Ver também é conhecer.

Para Didi-Huberman, uma imagem nunca é única, elas são sempre plurais. Em seu processo de
trabalho e estudos, ele afirma que quando colocamos diferentes imagens – ou diferentes
objetos, como as cartas de um baralho, por exemplo – numa mesa, temos uma constante
liberdade para modificar a sua configuração: podemos fazer constelações. Podemos descobrir
novas analogias, novos trajetos de pensamento. Como Brecht, ele modifica a ordem, fazendo
com que as imagens tomem uma posição. Uma mesa não se usa nem para estabelecer uma
classificação definitiva, nem um inventário exaustivo, nem para catalogar de uma vez por
todas – como num dicionário, um arquivo ou uma enciclopédia –, mas para recolher
segmentos, traços da fragmentação do mundo, respeitar a sua multiplicidade, a sua
heterogeneidade. Como compreender e como aprender com a imagem e montagem foram
questões já expostas no século XX. Georges Didi-Huberman afirma que:

Fazer um atlas é reconfigurar o espaço, redistribuí-lo, desorientá-lo enfim:


deslocá-lo aí onde pensávamos que era contínuo, reuni-lo ali onde
supúnhamos que havia fronteiras. Arthur Rimbaud recortou um dia um atlas
geográfico para consignar a sua iconografia pessoal com os pedaços obtidos.
Aby Warburg já tinha entendido que qualquer imagem – qualquer produção de
cultura em geral – é um encontro de múltiplas migrações. São numerosos os
artistas contemporâneos que não se conformam apenas com uma paisagem

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para contar-nos a história de um país: são a razão pela qual coexistem, numa
mesma superfície – ou lâmina de atlas – diferentes formas para representar o
espaço (Didi-Huberman, 2011, p. 88).

Georges Didi-Huberman define o conceito de Atlas como uma forma de ver o mundo e de
percorrê-lo segundo pontos de vista heterogêneos, associados uns aos outros.

(…)

Para Didi-Huberman, o ver (voir) é o caminho do saber (savoir) e pode também prever
(prevoir) os momentos históricos e políticos que vivemos. As montagens das imagens são
memórias antropológicas (Didi-Huberman, 2009). Uma relação com o passado e o presente.
Por trás da concepção de montagem, temos as problemáticas do moderno e pós-moderno,
com suas experiências de declínio e caos das guerras e crises econômicas.

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