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Anderson da Silva Santos
“Afinal, o que faz uma obra ser épica?”, questiona-se Döblin e responde: “A
capacidade de seu criador de penetrar fundo na realidade, de atravessá-la, para atingir
as grandes situações básicas, simples e elementares, bem como as personagens da
existência humana. (p. 153)
Döblin propõe, portanto, o relato como configuração da realidade vista em sua forma
mais ampla, expondo o “objeto” em sua integralidade, um mundo total, mas não
necessariamente perfeito. Devemos entender o papel do narrador como aquele que fala
a realidade ao leitor, focalizando na construção épica moderna seu objeto nos diversos
ângulos possíveis, de forma a proporcionar uma realidade ampla, total. Caberia,
porém, avaliar se as ideias de Döblin crítico literário condizem com o que é
apresentado por Döblin como autor, principalmente em sua obra mestra: Berlin
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Alexanderplatz de 1928. Neste trabalho, portanto, pretendo esboçar um arcabouço
teórico que nos permita analisar se o que Döblin pensa sobre realismo na obra épica,
de fato, se concretiza em sua obra Berlim Alexanderplatz; fazendo a partir do que é
exposto em “A construção da obra épica” um cotejo tendo em vista o que expõe
Pageaux sobre objetividade na obra literária. No entanto, como afirma Pageaux (2011,
p. 111), “ao falar do Outro crio para ele uma imagem que jamais será neutra, pois
representa aquilo que desejo dizer, uma vez que “toda alteridade revela uma identidade
– ou vice-versa”. Dessa forma, talvez a pergunta a ser respondida não é se, mas como
Döblin deixa um pouco de si, configura uma subjetividade, que revela por trás uma
ideologia e todo um aparato cultural na sua obra que pretende realista.
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Weimar, conhecida como a Nova Objetividade; a Literatura do Exílio, após a tomada
de poder por Hitler até o fim da Segunda Grande Guerra; e a “Literatura dos
Retornados” (Literatur der zurückkehrenden Emigranten). É provável que, por isso, o
autor apresente estilos tão diferentes e visões de mundo em contínuo ajustamento em
suas obras, como afirma Ribeiro de Souza (p. 31). Baseando-se em Weyembergh-
Boussat, Teolinda Gersão, em sua tese de doutorado, distingue a evolução de Döblin
em três partes. A primeira (1900-1924) é marcada “por uma visão negativa de um
universo absurdo”, que poderia, segundo a estudiosa, ser chamada de expressionista; a
segunda (1925-1933):
Sobre as obras do autor, o crítico Wolfdrietrich Rasch afirma que “a realidade histórica
é, para Döblin, apenas mais uma realidade entre várias outras e que, ao escrever
romances históricos, Döblin está apenas preocupado em reproduzir essa realidade, sem
procurar entendê-la e sem querer explicá-la”. (p. 19). Segue o autor:
Ao comentar a construção das personagens nas obras de Alfred Döblin, Celeste Ribeiro
de Souza afirma que:
A segunda fase é aqui a que mais nos interessa, período então em que a obra Berlin
Alexanderplatz foi publicada. É levando em conta essa noção döbliniana de natureza
que podemos entender o papel do relato e da persona do narrador em sua obra. Tal
como Döblin entende, a forma épica “é o modelo da história dinâmica e seu narrador o
protótipo do homem que se comporta de modo ideal/exemplar dentro da história”.
(p.39) Quanto à forma de relato, afirma Döblin:
Podemos concluir, portanto, que na obra épica, tanto o relato, ou seja, a forma, quanto a
figura do narrador não só devem contribuir para o realismo da obra, mas são essenciais
para que a obra tenha êxito como arte literária. Segundo João Gregory:
A seguir, iremos de certa forma sondar o que Döblin entende como realismo e
objetividade ao falar da obra épica, ou seja, Döblin como critíco e teórico, com o Döblin
autor. A pergunta que nos fazemos é se, de fato, o autor consegue manter em sua obra o
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realismo ao qual toda obra épica deve almejar para ser considerada como obra de arte
literária.
Ribeiro de Sousa faz-nos perceber que o objetivo de Döblin em sua obra épica Berlin
Alexanderplatz é, por um lado, afastar-se do romance tipicamente burguês e, por outro,
mostrar que o sujeito moderno, a personagem de sua obra é um sujeito fragmentado em
um mundo marcado pela “desintegração do eu”. Döblin buscará no relato trazer
realismo à sua obra, tendo um compromisso com a verdade. Através de um processo de
montagem, o autor irá, utilizando-se de diferentes recursos, tentar apagar a subjetividade
em favor de uma literatura honesta, reatando o contrato entre autor, leitor e obra. Como
ele mesmo afirma:
Döblin também faz uma distinção entre o escritor épico e o escritor romântico,
diferenciando exatamente esses traços de objetividade a que o autor épico deve almejar:
Não preciso dizer ainda, de modo particular, que atingir essa esfera
exemplar e simples é o que separa o artista épico do escritor romântico,
cujo trabalho com o romance é uma ocupação honestamente burguesa,
utilitária, industrial. Um trabalho que imita a realidade sem penetrá-la,
ou mesmo sem transpor algumas superfícies dessa realidade. O artista
verdadeiramente produtivo tem que dar dois passos: precisa
aproximar-se bem da realidade, de sua concretude, de seu sangue, do
seu cheiro, e, depois, tem que transpô-la; este é o seu trabalho
específico. (p. 127)
Döblin questiona em outro momento de sua obra, se deve ser considerado arte e forma
básica do épico o fato de tanto autor quanto leitor aceitarem que aquela obra é um faz de
contas e, se assim for, afirma que não valeria a pena escrever sequer uma sílaba. Sendo
assim, a obra de arte não seria uma simples fabulação. Segundo Mondada e Dubois
(2003, p. 21), a estabilidade é produzida criando-se “efeitos de objetividade e de
realidade – que, desde então, não podem ser considerados como dados, mas como
resultantes de processos simbólicos complexos”. (GOMURY, 2021: p. 10). Como
afirma Barthes:
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afastar infinitamente o seu objeto até colocar em causa, de maneira
radical, a estética da “representação” (BARTHES, 1988, p.165. Apud.
GOMURY, 2021, p. 15)
Para o historiador e crítico, Segundo Moraes (2015, p. 17), “o efeito de verdade que
uma obra literária pode produzir no leitor decorreria de ‘uma traição metódica’, não de
uma aproximação mais direta/imediata coma a realidade”. (GOMURY, 2021: p. 19).
Döblin parece não ignorar algumas questões aqui levantada. Sobre as estratégias de do
autor em sua obra Ribeiro de Sousa, afirma:
Para Döblin, a forma épica não é estática nem rígida, mas está sempre
em processo de “acomodação”. As estratégias formais para dar esta
dimensão história aos seus romances vão incidir sobre a estruturação
da ação, das personagens, do tempo, do espaço, da perspectiva e da
linguagem. A ação, repetindo, deixa de ser linear e conformadora de
suspenses, para se tornar uma sobreposição de microações paralelas,
isto é, de fragmentos descontínuos que não conduzem a um desfecho e
deixam a obra aberta. As personagens passam a responder por papéis
de grupos sociais, das massas, adquirindo, assim, exemplaridade, ao
viverem fortes situações matriciais e elementares da condição humana,
perdendo o caráter de heróis individuais. O tempo perde a linearidade e
o impulso causal e transforma-se em simultaneidade, em mistura de
tempos, em eterno presente, que agrega o lastro do passado e a latência
do futuro. O espaço passar a oferecer uma sobreposição, uma
montagem, de vários quadros, várias paisagens, como se fosse uma
“bricolagem”. A perspectiva passa a ser múltipla, criando
distanciamento e estranhamento e até uma nova leitura da história. A
linguagem passa a apresentar os mais variados registros discursivos,
em que a parataxe e os paradoxos adquirem um lugar de relevo. (p. 39-
40)
Além disso, pensando talvez do quanto o autor da obra épica pode deixar um pouco de
si na obra, questionando se “o autor pode interferir na obra épica, pode imiscuir-se nesse
mundo?”, ele mesmo responde: “sim, pode, deve e tem obrigação de fazê-lo”. (p. 135).
Se assim é, em que medida e como podemos analisar o quanto de interferência há na
obra Berlin Alexanderplatz e que via podemos tomar para chegar à essa compreensão.
Aqui talvez Pageaux pode auxiliar-nos com seu método imagológico.
Depois de passarmos um pouco pela ideia de Döblin sobre realismo, onde ficou claro
que tanto o enredo quanto o narrador são essenciais para dar o efeito de real na obra
épica e que é exatamente passar a realidade para o leitor ou ouvinte a principal função
do autor épico, distinguindo-se assim o épico do romance burguês, podemos nos
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questionar se de fato é possível uma “focalização zero”, tal qual pretende o autor de
Berlim Alexanderplatz. Sobre isso, Gomury, retomando Rabatel, afirma que:
Pageaux propondo que não podemos ignorar fatores externos que nos ajudam a
esclarecer o funcionamento de uma sociedade em sua ideologia:
Dessa forma, podemos entender que em toda obra literária existe um processo
dialógico, um jogo de alteridade. Como o próprio Pageaux afirma, “toda alteridade
revela uma identidade – ou vice-versa”. (PAGEAUX, 2011: p. 111). Ele afirma ainda
que “a literatura, como outros modos de expressão artística, é uma sequência de
formas, uma construção social, estética e imaginária do mundo, que é possível estudar,
avaliar, situar – seja na ordem de uma sociedade e de uma cultura”. (PAGEAUX,
2011: p. 124)
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base possível para o estudo do discurso crítico sobre o Outro
(recepção) (PAGEAUX, 2011, p. 112).
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Conclusão
Referências bibliográficas
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DÖBLIN, Alfred. A construção da obra épica e outros ensaios. Org. SOUSA, Celeste
Ribeiro de. Trad. SOUSA, C.R. de/ GREGORY, Alceu João. Florianópolis: Editora
UFSC, 2017.
DÖBLIN, Alfred. Berlin Alexanderplatz. Trad. ARON, Irene. São Paulo: Martins
Fontes, 2019.
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