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HISTÓRIA 

DO MOVIMENTO ANARQUISTA
EM PORTUGAL

Edgar Rodrigues

Ateneu Diego Giménez 
2010
Edição original:
História do Movimento Anarquista em Portugal
In: Universo Ácrata
Editora Insular 
Florianópolis, 1999
Digitalização: Arquivo de História Social Edgar Rodrigues

Diagramação:
Ateneu Diego Giménez
COB­AIT
Piracicaba, 2010

http://ateneudiegogimenez.wordpress.com
http://cob­ait.net
http://www.iwa­ait.org
ÍNDICE

História do movimento anarquista em Portugal ….................................................1

Educação e cultura libertária …................................................................................24

Os anarquistas organizam­se: a FAI …......................................................................31
HISTÓRIA DO MOVIMENTO ANARQUISTA EM PORTUGAL

Forma a Península Ibérica com a Espanha. Tem 89.000 km² e uma população de 
cerca de 10 milhões de habitantes. 
Alguns “carregam sangue nômade”, estão sempre dispostos a correr mundo para 
“descobrir e aprender coisas novas”. Cerca de 5 milhões estão espalhadas por dezenas 
de países do nosso planeta. 
A   trajetória   social   e   a   formação   política   deste   povo   teve   a   influência 
comunitarista   agropastoril   e   artesanal,   o   municipalismo   primitivo   dos   movimentos 
liberais, mutualistas e das lutas de classes européias. 
Não   há   como   negar   o   contágio   municipalista   introduzido   pela   Lei   Goda   e   o 
aparecimento   dos   Curiais   ou   de   “os   mais   velhos   habitantes   do   burgo”   também 
chamados   “Assembléias   públicas   de   vizinhos”,   encarregadas   de   traçar   as   diretrizes 
praticadas em várias regiões de Portugal, onde os sinais de Comunalismo são visíveis 
até hoje. 
Começaram   bem   antes   da  separação  de Espanha  as   partilhas   em   público   do 
produto do trabalho em algumas localidades e o uso coletivo das terras cultiváveis e de 
pastoreio.   Os   Conselhos   portugueses,   anteriores   à   Monarquia,   foram   fundados   nos 
séculos 12 e 13. 
As próprias cartas das instituições municipais indicam que nem sempre foram 
concedidas espontaneamente. É o caso da de Coimbra, que acredita­se tenha sido fruto 
de motins populares, tornando­se essa “legislação revolucionária” impossível de anular. 
Para  atestar  a  seriedade  destes  atos,  elegiam­se “magistrados  municipais”,  que,  no 
caso   de   julgar   alguma   desavença   autoritariamente,   respondiam   pelos   prejuízos 
causados com seus bens, derrubavam­lhes as casas e eram destituídos antes do fim do 
mandato, ganhavam a denominação de falsários. 
Para Alexandre Herculano: “Nesses Conselhos primitivos, estava o gérmen ou 
desenvolvidas   até   certo   ponto,   mas   efetivas   e   aplicadas   na   praxe,   boa   parte   das 
instituições   modernamente   obtidas   à   custa   de   torrentes   de   sangue   e   de   sacrifícios 
custosos. Ainda que freqüentemente tais conquistas não passem de uma ilusão seguida 
de cruéis desenganos.” Tinha razão Herculano! Tais meios usados há milênios pelo 
homem,   puderam   perfeitamente   abrir   novos   caminhos   para   a   autogovernação   e   a 
administração da sua própria produção e consumo. 
“Longe de professarem o desprezo pela vida humana” – escreveu o anarquista 
Pedro Kropotkine –, “os povos primitivos tinham horror ao homicídio, ao suicídio e ao 
sangue. É por isso que, no seio das tribos, o homicídio era (e é ainda hoje, afirmamos 
nós) coisa completamente desconhecida. A antropologia tem demonstrado que o início 
da humanidade foi o clã, a tribo. Há milhares e milhares de anos o homem viveu na 
fase clã e desenvolveu já toda uma série de instituições, de usos e costumes muito 
anteriores às instituições da família paternal.”
Apontando na mesma direção, “o regime agrário dos latinos primitivos era igual 
ao dos germanos no tempo do César”. “Era a mais rasgada fórmula de comunismo, 
possuindo   a   terra   em   comum,   assim   a   lavrando,   trabalhando   e   agricultando   para, 
afinal nas colheitas, dividirem o seu produto conforme as necessidades dos membros 

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desse agregado.”
Vilarinho da Furna, Rio Onor, Castro Laboreiro, Serra Amarela e do Gerês, no 
Barroso e Miranda são exemplos do emprego desse sistema comunista primitivo. Outro 
exemplo de Comunalismo são as Misericórdias, as Fraternidades, as Associações de 
Socorro   Mútuo,   as   Mutualidades   que   Proudhon   divulgou   com   a   designação   de 
Mutualidade   de   Serviços.   Tude   de   Sousa,   Jorge   Dias,   Melo   Júnior,   Amílcar   Paulo, 
Orlando Ribeiro e o poveiro Rocha Peixoto, na monumental obra Notas Sobre Portugal, 
volume 1, registra o respeito pelas águas de rega distribuídas por acordos locais, sem 
interferência   de   nenhum   tipo   da   autoridade;   o   uso   dos   pastos   comuns,   dos   fornos 
coletivos de cozer pão e da troca de produtos agrícolas em lugar do dinheiro. Ajuda 
mútua nos serviços do campo, na construção de moradias, quando da morte de um 
vizinho, durante os temporais,  nos  acidentes  ou  incêndios, bem  como na  época  das 
semeaduras, colheitas e malhadas; na troca de mão­de­obra e de produtos. Em muitos 
lugares de Portugal ainda hoje se realizam trabalhos em comum, hábitos populares 
que temos que concluir tornaram os portugueses receptíveis às Associações de Socorros 
Mútuos, de classes profissionais, ao sindicalismo revolucionário e ao anarquismo. 
Em 1856­1857, o que valeu aos portugueses para não serem dizimados pela febre 
amarela foram as 85 Mutualidades Autônomas de Assistência Social, que haviam de 
crescer para 586 até 1903. 
Neste   mesmo   período   morriam   de   tuberculose   371   por   100   mil   habitantes; 
imigravam   38.223   e   39.515   respectivamente   e   o   número   de   analfabetos   em   1890 
beirava   a   75,05%,   aumentando   em   1900   para   78,04%   e   retornando   em   1910   aos 
75,05%. 
Entre 1800 e 1910 os trabalhadores do campo recebiam uns míseros tostões e os 
das fábricas trabalhavam de sol a sol para ganhar 10 réis. As crianças entre seis e sete 
anos faziam um aprendizado de graça. 
Em 1818, começa a fase “liberal”, a instituição de ensino primário e explodem as 
revoluções de 1834­1850, dando origem aos discursos de Passos Manuel em defesa da 
criação das Conservatórias de Artes e Ofícios em Lisboa e Porto. 
O   Monopólio   dos   Tabacos   e   Fósforos,   garantidos   aos   amigos   pelo   governo, 
transformados em polvos de imensos tentáculos, exploração que a República de 1910 
não ousou corrigir, não obstante ser uma indústria de alto risco para os trabalhadores, 
intoxicante, entorpecente, provocando lutas homéricas. 
Na mesma data, a Fábrica de Fósforos de Beato produz a sua própria crise para 
reduzir os salários que eram em 1893 de 60 a 140 réis os das crianças de sete a 14 anos 
e os das mulheres de 160 a 200 réis, sujeitos a multas, quando “estragassem selos”.
Outra profissão de salários baixos, gerador de grandes conflitos e greves, era a 
dos Corticeiros nos distantes anos de 1893. 
Tinha muita razão o escritor Almeida Garret quando escreveu: “Eu pergunto aos 
economicistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é 
forçoso   condenar   à   miséria,   ao   trabalho   desproporcionado,   à   desmoralização,   à 
infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta  para  se 
Produzir um Rico?”
Aos poucos, a indústria agrupa  trabalhadores em torno das “máquinas” para 
ampliar a produção, vender e lucrar mais, independente de o proletariado aceitar ou 

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não   os   longos   horários   de   trabalho.   Para   opor­se   à   ganância   patronal,   Alexandre 
Fernandes   da   Fonseca   teve   a   boa   idéia   de   formar   a   Associação   dos   Artistas 
Lisbonenses.   Elaborou   seus   estatutos   com   ajuda   de   19   companheiros   recebendo 
aprovação do governo em 17 de janeiro de 1838 e em 3 de fevereiro de 1839 deu por 
fundada o que viria a ser a primeira Associação Operária Mutualista Portuguesa, de 
aspirações mais amplas do que as Irmandades. No começo a marcha foi lenta, mas com 
o surgimento do jornal O Eco Operário, por iniciativa de Lopes de Mendonça e Sousa 
Brandão, influenciados pelas idéias libertárias de Proudhon, as associações operárias 
foram­se ajustando à realidade portuguesa. 
O Eco Operário produziu grande impacto nos meios operários e cresce o número 
de simpatizantes. 
Em 1866 nasce resolutamente a Associação Internacional dos Trabalhadores, na 
Europa. Em seguida explode a Comuna de Paris. 
Daí por diante o Movimento Operário cresce implementado pelas reivindicações 
econômicas. A imprensa socialista e anarquista apoia sua luta e registra greves desse 
período,   inclusive   das   mulheres   corticeiras,   destacando   as   operárias   Theodoran 
Valentin, Maria das Dores e Iria Marques. 
Os   anarquistas   em   Portugal   deram   sinais   de   vida   antes   do   “nascimento   do 
primeiro” grupo ácrata na capital portuguesa, em 1887. 
Nas   antigas   comunidades,   durante   as   reivindicações   sociais,   dentro   das 
associações   de   classes,   na   imprensa   e   na   palavra   de   alguns   intelectuais   aparece   o 
anarquismo. 
Os   ataques   ao   Estado,   as   proposições   de   uma   grande   sociedade   nacional, 
formada   pelas   classes   trabalhadoras   para   produzir   riquezas   de   forma   tal   que   o 
crescimento da produção se transformasse numa realidade de todos. A emancipação 
econômica do proletariado, as sociedades cooperativas (hoje seriam autogestionárias) 
de produção, consumo e distribuição, organizadas para pôr fim à exploração do homem 
pelo   homem.   “Sol   do  conhecimento  ilustrando  todas   as   inteligências”,   de   modo   que 
nenhum   homem   deixasse   de   conhecer   seus   direitos   e   seus   deveres,   assumindo 
individual e coletivamente a responsabilidade dos atos de cada um e de todos. E mais: 
que ninguém mais seria pobre, e que todos teriam direitos à força produtiva e natural 
da terra, isto é, que a terra seria um bem social. 
Não há dúvida são princípios libertários publicados em O Eco Operário, 1850, da 
autoria de Sousa Brandão. 
O professor Rodrigues de Brito adotou a Mutualidade de Serviços com o título A  
Philosofia do Direito, na sua cadeira, durante os anos de 1858 a 1873. 
Os   jornais   que   cobrem   o   período   de   1834   a   1887   transpiram   acratismo!   E   o 
médico   Eduardo   Maia,   depois   de   ter   lido   obras   de   Pedro   Kropotkine,   declara­se 
anarquista em 1879, em discursos e num opúsculo publicado mais tarde. 
Antes e depois de Eduardo Maia, a influência libertária aparece clara aqui e ali 
em grupos de operários e intelectuais dentro das associações de classe. É verdade que 
o POSP (Partido Operário Socialista Português) conseguiu – por força do autoritarismo 
de Azedo Gneco – tomar­lhe a frente, ganhando tempo e terreno. A filosofia anarquista 
começava então a escrever a sua pré­história.

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O   anarquismo   possui   todo   um   corpo   de   doutrina   que   requeria   estudo, 
discernimento,   poder   independente   de   decisão   e   não   oferecia   nada   material 
imediatamente ao proletariado, além de sacrifícios, prisões, torturas e desemprego. O 
próprio Reclus havia de notar isso quando esteve em Lisboa e escreveu: “A ignorância 
em   que   viviam   os   portugueses   em   meados   do   século   19   assemelhava­se   à   de   seus 
vizinhos marroquinos, ao sul do Algarve. Nos distritos do Norte, Viana do Castelo, 
Braga e Bragança, uma rapariga que soubesse ler constituía um verdadeiro fenômeno.”
E   que,   “os   analfabetos   portugueses   eram   tão   diferentes   desses   camponeses 
quase instruídos mas grosseiros da Europa do Norte, sabem discutir com moderação, 
falar com elegância e improvisar em versos onde não faltam a métrica, o ritmo, nem a 
verdadeira poesia”. 
Transparece   também   a   busca   de   conhecimentos   revolucionários   no   exterior, 
principalmente junto do grupo que publicava  Revolta  na França. Este mesmo jornal 
anarquista francês registrou manifestações em Bragança, Portoalegre, Braga, Viana e 
no Porto; pediu que fosse enviada imprensa libertária e comunicações para João A. 
Cardoso, Lisboa, ao mesmo tempo que anunciava o aparecimento do órgão libertário A  
Centelha. 
A   influência   evidente   dos   anarquistas   nas   associações   e   na   imprensa 
conquistava espaço aos socialistas, permitindo debates libertários de Gonçalves Viana 
e João A. Cardoso nas páginas do jornal  A Voz do Operário. Segundo  Revolta, A. J. 
Guedes   Quinhones   lançou  A   Garlopa,  periódico   libertário,   que   mais   tarde   se 
transformaria no  Revoltado, enquanto  O Protesto Operário  acolhia bem polêmica do 
“companheiro Cardoso, expondo os princípios do socialismo anarquista”. 
Levantamentos provisórios, permitem acreditar que de 1886 a 1900 existiam em 
Lisboa 12 grupos anarquistas, quatro no Porto, dois em Coimbra e 2 noutros locais, em 
torno de oito, seis, quatro e seis jornais publicados nas respectivas localidades. 
É preciso reconhecer o esforço heróico dos militantes dos anos 1886­1897 que 
souberam   aproveitar   fundando   grupos,   discursando,   escrevendo   na   imprensa   ou 
distribuindo panfletos, formando “editoras” e publicando brochuras. São dessa época: 
Biblioteca   do   Revoltado   (2   brochuras);   Biblioteca   do   Grupo   Anarquista   Revolução 
Social (7 brochuras); O Novo Mundo (4 brochuras); Biblioteca dos Trabalhadores (2 
brochuras); Biblioteca Anarquista (3 brochuras); Biblioteca dos Grupos Anarquistas do 
Porto   (1   brochura);   Biblioteca   do   Grupo   Anarquista   Os   Vingadores   (2   brochuras); 
Biblioteca Primeiro de Maio (1 brochura); Biblioteca Comunista Anarquista do Grupo 
A Propaganda (1 brochura); Biblioteca de Estudos Sociais (1 brochura); Boa Nova (1 
brochura);   Biblioteca   Emancipadora   de   Estudos   Sociológicos   (2   brochuras)   e   outras 
publicações avulsas como as de Eduardo Maia sobre o Processo dos Anarquistas de 
Lisboa, editado em 1888. 
Eliseu Reclus encontrou­se em Lisboa e conviveu intimamente com anarquistas 
da época como: João António Cardoso, António José de Ávila, Vagueiro, o espanhol 
Miguel Córdoba e outros. Comeu com eles, passou noites num acanhado quarto de um 
4º   andar   na   rua   dos   Corrieiros,   contrariando   intelectuais   que   o   convidaram   para 
banquetes e lhe ofereciam outras mordomias. 
E foi desse convívio estreito entre o “modesto” homem de ciência francês com os 

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jovens militantes lusitanos que se formaram vários grupos anarquistas. A presença de 
Reclus em Portugal valeu como “injeção ideológica”. Daí a rapidez com que as idéias de 
Bakunin,   Pedro   Kropotkine,   Cafiero,   A.   Hamon,   Malatesta,   Merlino,   Pietro   Gori, 
James   Guillaume,   Jean   Grave   e   tantos   pensadores   anarquistas   ganharam   leitores, 
seguidores e suas obras foram traduzidas e publicadas em Portugal, num desabrochar 
de sentimentos e de convicções libertárias. E não foram só os grupos formados durante 
este fluxo contagiante que se devotaram ao estudo ou a publicar obras da anarquista 
filosofia.   Editoras   comerciais   lançaram   coleções   sociológicas   começando   pela  A  
Conquista do Pão, de Pedro Kropotkine;  A Psicologia do Militar Profissional,  de A. 
Hamon;  Aos   Jovens,   de   Pedro   Kropotkine;  A   Utopia   Governamental,  de   Pedro 
Kropotkine; A Anarquia, de Malatesta; O Socialismo e o Congresso de Londres, de A. 
Hamon;  O Sentido em que Somos Anarquistas, de Miguel Bakunin;  Palavras de um  
Revoltado, de Pedro Kropotkin; Eduardo Maia, A Autoridade e Anarquia, de Eduardo 
Maia;  O   Primeiro   de   Maio,  de   Bel   Adam;  A   Evolução   Anarquista   em   Portugal  (2 
volumes),   de   J.   M.   Gonçalves   Viana;  O   Anátema,   Filosofia   e   Crítica   Social;  A  
Derrocada; O Sufrágio Universal; O 10 de Fevereiro, os dois últimos de Bel Adam, e 
Aos   Garrotados   do   Gerez,   são   algumas   das   publicações,   demonstrando   que   o 
anarquismo era uma filosofia estudada em Portugal, nesses anos distantes. 
A Evolução, Revolução e o Ideal Anarquista; A Meu Irmão Camponês e Anarquia  
e   a   Igreja,   de   Eliseu   Reclus,   também   ajudavam   na   sementeira   ideológica   em   solo 
português. 
Em   1886,  Protesto   Operário  publicou   trechos   de   um   longo   manifesto   da 
Federação das seções anarquistas coletivistas de Barcelona, aconselhando a abstenção, 
acompanhado de reparos e contestações. 
Em   seguida,   Cardoso   aparece   colaborando   na  Voz   Operária  e   seu   assunto 
preferido é a conceituação dos anarquistas referentes às eleições que os socialistas e 
alguns trabalhadores se propunham participar em votar. 
A   divergência   anarquista­socialista   despertou   adeptos   como   todo   o   tipo   de 
debates e o anarquismo saiu fortalecido. 
No   Sul   formou­se   logo   o   Grupo   Social   Neo­bakuninista,   e   no   Porto   a   União 
Democrática Social. 
Os elementos mais atuantes dessa época, do Norte, eram Ermelindo António 
Martins e J. M. Gonçalves Viana, e no Sul, João António Cardoso, José Bacelar e Tiago 
Ferreira. 
As   duas   agrupações   anarquistas   mantinham   um   elo   de   ligação   e   seu   farol 
parece ter sido  Le Revolté, jornal publicado em França com a colaboração de Pedro 
Kropotkine, recebido pelo jovem João António Cardoso. 
Em Lisboa, no ano de 1887, aparece o Grupo Comunista­Anarquista e no Porto, 
em 1888, o jornal anarquista  Revolução Social, dirigido por Gonçalves Viana, com a 
seguinte apresentação:  “No futuro queremos o agrupamento livre dos indivíduos por 
afinidades, simpatias e tendências, aspirações e vontades; só assim será respeitada a 
liberdade   e   a   vontade   de   cada   indivíduo   dentro   do   grupo,   dos   grupos   dentro   da 
Federação   Universal   dos   grupos   produtores   e   consumidores.   Transformada   a 
propriedade   individual   em   comum,   os   produtores   trabalharão   naquele   trabalho   ou 

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ramo de ciência para o que mostrarem mais aptidões, cada um segundo suas forças e 
consumindo de acordo com suas necessidades.”
Em   1887,   Lisboa   tinha   uma   população   de   cerca   de   300   mil   habitantes   (em 
números redondos) e contava com “12 grupos anarquistas”; Coimbra, 17 mil e “dois 
grupos  anarquistas”; o Porto 150  mil  habitantes  e “quatro grupos  anarquistas”  e  o 
apoio de uma dúzia de jornais periódicos e semanários de pequeno formato para a sua 
propaganda. 
Apesar da precariedade dos meios de divulgação, os anarquistas iam atraindo 
simpatizantes e novos aderentes. 
Nos   meios   socialistas   as   disputas   pessoais   acentuavam­se   e   as   cisões 
beneficiaram os libertários. 
Telegramas   chegados   da   Europa   noticiavam   um   atentado   contra   a   vida   da 
anarquista francesa Louise Michel. 
O  autor,  de  nome  Lucas,  “embriagado”   na   ocasião  em   que  desfechou   os   tiros 
quando  a  libertária  discursava  no  Havre,  errara  o alvo,  terminando  em   ferimentos 
leves o “premeditado e sugerido” atentado. 
Para não repetir o que já escrevi sobre o anarco­sindicalismo e o anarquismo em 
Portugal,   em   mais   de   4   mil   páginas,   vou   ater­me   ao   texto   enviado   pela   União 
Anarquista   Portuguesa   ao   Congresso   Anarquista   Internacional,   acrescentando­lhe 
notas esclarecedoras, e continuar a partir de 1923, até aos nossos dias, com minha 
pesquisa. 

No   seu   início,   o   movimento   revolucionário,   em   Portugal,   limitava­se   às 


idealizações   generosas   e   humanas   ou   à   aspiração,   ao   estabelecimento   de   uma 
democracia ideal que, violentamente, resolvesse o problema das instituições políticas. 
Entre estes idealistas fervorosos estavam o poeta Antero de Quental e o historiador 
Oliveira Martins. 
O   movimento   revolucionário   só   tomou   um   caminho   mais   firme   depois   da 
proclamação   da   Comuna   de   Paris   e   influenciado   pelas   lutas   travadas   entre   as 
tendências marxista e bakuninista, na 1ª Internacional. Em Portugal, desencadeou­se 
uma luta semelhante, porém, de proporções mínimas, em conseqüência de ser quase 
nula a ação revolucionária. 
No   ano   de   1871,   três   enviados   da   Internacional   vieram   a   Lisboa;   eram   de 
nacionalidade espanhola e conseguiram reunir os melhores elementos socialistas para 
a organização de um grupo, cuja estrutura fosse moldada nos estatutos da Aliança da 
Democracia Socialista, fundada por Bakunin. Apareceu o primeiro opúsculo, redigido 
por Antero de Quental, intitulado  O Que é a Internacional?  e fundou­se o primeiro 
jornal socialista, que tomou o nome de O Pensamento Social. Ao mesmo tempo formou­
se a primeira organização de trabalhadores de caráter profundamente coletivista, que 
se   denominou   Fraternidade   Operária.   No   ano   imediato,   já   se   reuniam   nesta 
organização, dividida em seções de resistência por ofícios, 10 mil operários de Lisboa, 
cerca de 8 mil no Porto, além de muitos milhares nas outras terras. 
Alguns anarquistas, porém, seguindo as doutrinas de Bakunin, travaram luta 
contra esta forma de organização; imediatamente se afastaram para se reunirem num 
grupo   antipolítico.   Outros   anarquistas   permaneceram,   tornando­se   conhecidos   por 

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aliancistas. Os dissidentes não puderam aceitar ou impôr uma luta decisiva, por serem 
muito   poucos,   apesar   de   serem   os   de   maior   cultura,   e   tornou­se   a   sua   ação   bem 
depressa estéril em face das forças organizadas, que os socialistas reuniram em grande 
número. 
No dia 10 de janeiro de 1875, fundou­se o partido socialista, que apresenta um 
programa   de   realizações   com   caráter   proletário;   os   seus   organizadores   eram   os 
mesmos que haviam formado a Fraternidade Operária. Os anarquistas fizeram logo 
uma tenaz oposição, que chegou a atingir um aspecto violento mas nunca decisivo. 
Em   1886,   Eliseu   Reclus   chega   a   Lisboa,   avistando­se   com   os   anarquistas 
portugueses, com os quais se reuniu na casa de um dos mais novos e dos mais cultos, e 
que era então o único estrangeiro que colaborava no jornal  Le Revolté. Travou uma 
controvérsia   tenacíssima   com   o   anarquista   espanhol   Albanan,   que   era   anarquista 
coletivista,   em   desacordo   com   a   doutrina   anarquista   comunista,   que   Reclus 
propugnava. O sábio geógrafo partiu para a África, com o objetivo de realizar estudos 
seus, e as discussões continuaram. 
O grupo editava então a Revolução Social, o primeiro periódico anarquista que 
se publicou em Portugal. Convidado a manifestar­se, Reclus enviou àquele jornal uma 
carta declarando peremtoriamente que atas e regulamentos, como pretendia Albanan, 
eram a completa negação do anarquismo, e que a organização de grupos deveria fazer­
se por afinidades. Esta carta foi o golpe decisivo nas doutrinas que defendia Albanan; e 
desde   então   o   movimento   anarquista,   entre   nós,   começou   acentuando   a   tendência 
libertária, que ainda hoje perdura. 
Em 1887, o mesmo grupo, denominado então Grupo Anarquista Comunista de 
Lisboa, publica uma declaração de princípios, que concluía assim:

O   grupo   comunista   anarquista   de   Lisboa   constituiu­se  


independente dos partidos políticos, para difundir e agitar todas  
as   suas   teorias   preconizando   a   Liquidação   Social,   a   Revolução  
Social, como meios imprescindíveis para conseguir a emancipação  
das classes trabalhadoras. Portanto, rejeita: 1º ­ A legalidade dos  
meios de ação quer das agitações eleitorais quer das mistificações  
parlamentares.   2º   ­   A   legalidade   imposta   pelo   Estado   ou   pela  
religião à constituição da família. 3º ­ A submissão à autoridade  
pessoal   ou   legislativa,   absoluta,   mandatária   ou   patronal.   4º   ­  
Sentimento patriótico ou nacional, o egoísmo de raças, de religiões  
e   línguas,   como   meios   de   ação   aceitando   as   reivindicações   de  
personalidade   individual   e   as   condições   viciosas   da   sociedade  
prescrevem:   a)   A   prática   da   solidariedade   com   todos   os   grupos  
que,   como   nós,   pretendem   eliminar   o   sistema   social  
contemporâneo, com todos os indivíduos antiestatais. b) Acelerar a  
decomposição   política   e   econômica   dos   estados,   preconizando   a  
abstenção   à   urna,   a   deserção   da   caserna,   a   greve   violenta   e   a  
propaganda   ilegal   no   terreno   dos   fatos;   c)   Aproveitar   a  
desorganização  a   que  estes  meios   conduzem   os  poderes   públicos  

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para   proceder   à   liquidação   social.   E   como   corolário   da  
organização   futura,   inscreve   na   sua   bandeira   as   palavras  
Comunismo e Anarquia.

A   visita   de   Eliseu   Reclus   havia   impulsionado   a   propaganda   anarquista. 


Começou surgindo mais numerosa a  imprensa ácrata, quase toda  ela  defendendo  a 
doutrina comunista. 
Mas   a   ação   dos   anarquistas   que   foi   brilhante,   não   se   particularizou   por 
qualquer acontecimento extraordinário. No capítulo sobre o movimento revolucionário 
descreveremos essa ação. 
Em 1904, na cidade do Porto, constituiu­se o Grupo de Propaganda Libertária, 
que ainda hoje existe, sendo o mais antigo e o que maior e mais profícuo esforço tem 
empregado   na   propaganda   anarquista.   Por   ele   passaram   as   maiores   figuras   do 
movimento,   a   par   das   mais   modestas.   Impulsionou   ou   iniciou   a   organização   de 
numerosos   centros   de   caráter   social   no   norte   de   Portugal;   tomou   a   iniciativa   da 
formação   do   Comitê   Sindicalista   do   Norte,   do   qual   surgiu   a   organização   operária 
naquela região; fomentou a agitação em Portugal contra o fuzilamento de Ferrer. 
Fundiu­se com o grupo Aurora Social, passou a editar o semanário anarquista A  
Aurora, que pertencia àquele grupo e que sucedera ao semanário A Vida. O semanário 
A Comuna sucedeu depois àquele, mas um grupo editor foi especialmente constituído 
para manter a sua publicação. 
Se este grupo nos merece referência especial, deve­se à ação que ele dispendia 
na   sua   larga   existência.   Outros   grupos   se   formaram,   desenvolvendo   com   maior   ou 
menor   eficácia   a   sua   ação;   mas   a   sua   existência   dependia,   como   é   natural,   das 
condições de vida de seus componentes. 
A   propaganda   anarquista   prosseguiu   sempre,   embora   poucas   vezes   com   a 
continuidade e com a intensidade desejada, havendo mesmo períodos de estagnação. 
Mas   nunca   os   anarquistas   deixaram   de  pugnar   pelas   íntegras   concepções   do 
ideal.   Durante   a   guerra   mundial,   a   maior   parte   dos   anarquistas   portugueses 
combateram   energicamente   os   que   preconizavam   a   participação   de   todas   as   forças 
revolucionárias   no   combate   ao   militarismo   alemão.   O   lugar   primacial   na   crítica 
antiintervencionista   foi   ocupado   por   Neno   Vasco,   muito   conhecido   em   vários   meios 
anarquistas do estrangeiro, e que sustentou uma animada controvérsia com elementos 
anarquistas espanhóis que se manifestavam intervencionistas. 
Toda   a   imprensa   anarquista   combateu   o   intervencionismo,   não   querendo 
diferenciar o militarismo alemão do militarismo de qualquer outra nação. A campanha 
antiguerrista   foi   intensificada   tanto   na   imprensa   como   na   tribuna   aproveitando­se 
admiravelmente da impopularidade que tinha a chamada política de guerra. 
Distinguiram­se   nesta   campanha  A   Aurora,  do   Porto,   em   que   Neno   Vasco 
colaborava, e a revista A Sementeira. Em público, onde aparecessem políticos pregando 
a   guerra,   surgiam   anarquistas   a   defrontá­los,   combatendo­os   vigorosamente   face   a 
face, e esta agitação se prolongou até 1917, data em que se suspendeu o envio de tropas 
para a guerra; nunca foi isenta de conflitos graves. 
Em Portugal nunca se formou verdadeiramente um movimento intelectual com 

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caráter anarquista bem­definido. A imprensa foi sempre o reflexo, o fio condutor da 
atividade   anarquista   na   propaganda.   São   em   número   diminuto   as   obras   de   fundo 
redigidas por anarquistas portugueses sobre sociologia, economia ou filosofia; e desta 
falta   resulta   buscar­se   os   livros   anarquistas   publicados   nos   outros   países   para   as 
bibliotecas dos estudiosos. Além disso, os anarquistas portugueses apenas têm exposto 
os seus estudos, breves. Efêmeros, em pequenos folhetos, em raras conferências ou nas 
colunas dos jornais. 
Em   1886   aparece   o   primeiro   periódico   anarquista,  Revolução   Social,   que 
publicou até o ano imediato 48 números. Foi dos  jornais  de maior duração. Depois 
deste, não há notícia de mais nenhum, sendo pouco provável que se tenha publicado. 
Mas   em   1894,   surge   novo   jornal   intitulado  A   Propaganda,  e   que   foi   um   dos   mais 
célebres   jornais   anarquistas,   pela   sua   combatividade   e   pela   sua   crítica.   Em   1892, 
porém, publicara­se um outro jornal,  A Revolta, que teve curta existência. Diversas 
tentativas   de   publicação   se   fariam,   algumas   sem   resultado.  O   Agitador,   que   se 
publicou em 1895, foi um dos melhores jornais de propaganda e de combate. Em 1905, 
alguns   anarquistas,   influenciados   pelo   seu   prestígio   anterior,   fazem­no   reaparecer, 
mas a sua publicação torna­se clandestina por causa da repressão que as autoridades 
desenvolviam contra os elementos avançados, republicanos, socialistas, anarquistas. 
Além   destes   e   doutros   jornais,   nenhumas   outras   publicações   periódicas   se 
faziam.   A   mais   importante   revista   publicada   em   Portugal   foi  A   Sementeira,   cuja 
publicação decorreu desde 1908. 
Só   depois   de   1911,   num   período   mais   intenso   de   propaganda   anarquista,   se 
publicaram outras revistas, porém, todas elas foram de curta duração. O semanário 
Terra   Livre,   publicado   em   1913,   tinha   todo   o   caráter   de   revista.   Nele   colaboraram 
quase unicamente figuras intelectuais do movimento anarquista, entre eles o falecido 
Neno   Vasco.   A   ação   deste   semanário   foi   de   tamanho   êxito,   pela   sua   orientação 
admirável e pela sua colaboração escolhida, que o governo republicano notou a sua 
influência no povo; então, suprimiu­o, apesar da lei de imprensa não o permitir. Os 
redatores   empreenderam   a   publicação  de  um   novo  jornal,  O  Protesto,  que  seguia  a 
carreira   do   seu   antecessor;   mas   as   perseguições   prosseguiram   tão   violentas,   que 
poucos   números   foram   publicados.   O   seu   redator   principal,   Pinto   Quartin,   por   ser 
natural do Brasil, mas vivendo e tendo sido educado em Portugal, foi metido a bordo de 
um navio que o conduziu àquele país. 
No   Porto,   também   a   imprensa   anarquista   tomou   uma   parte   brilhante   na 
propaganda. O grupo Aurora Social veio publicando sucessivamente, após O Despertar 
(1908, 89 números), A Vida (1909, 286 números), A Aurora (que durou até 1919, tendo 
passado para o grupo Propaganda Libertária, que continuou a sua publicação e fez 
suceder A Comuna, em 1º de maio de 1920, prosseguindo a sua publicação atualmente 
a cargo de um grupo editor).
Numerosos jornais se têm publicado e desempenhando quase todos, durante a 
sua   existência,   tantas   vezes   efêmera,   um   papel   admirável   na   propaganda. 
Enumeramos   alguns,   cuja   recordação   perdurou:   Porto,   1887   ­  Revolução   Social  (48 
números); 1892 ­ A Revolta; 1894 ­ A Propaganda; 1895 ­ O Agitador, O Lutador, Grito  
de Revolta  e  O Trabalhador; 1898 ­  A Idea; 1900 ­  A Aurora  (6 números); 1901 ­  O  

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Proletário  (2   números);   1903   ­  A   Obra,  A   Verdade  (3   números)   1905   ­  O   Agitador 
(clandestino),  A   Vida;   1909   ­  O   Libertário,  Ação  (2   números),  Paz   e   Liberdade  (29 
números); 1910 ­  O Rebelde  (2 números, Funchal),  A Conquista do Bem  (2 números); 
1911 ­ Vida Livre (3 números), Tempos Novos (4 números), Avante (5 números): 1913 ­ 
O Anarquista (1 número), Terra Livre, O Protesto, etc. 
Nesta   enumeração   tão   incompleta   observa­se,   à   primeira   vista,   o   esforço 
empregado   pelos   anarquistas   na   propaganda.   Mas   este   esforço   seria   muito   mais 
profícuo   se,   porventura,   se   formasse   um   movimento   de   cultura   com   caráter   de 
continuidade.   Apesar   de   existir   um   certo   número   de   anarquistas   com   apreciável 
cultura   intelectual,   que   se   manifesta   nos   vários   ramos   da   ciência   e   da   arte, 
principalmente, não existe bem­fundado e bem­definido um movimento intelectual. 
Poucas revistas se publicaram até hoje; são elas Amor e Liberdade (1904­1905), 
A Sementeira (1908­1919), Lúmen (1911) e Amanhã (1914). E no nosso tempo, apenas 
três   periódicos   existem:   no   Porto,   o   semanário  A   Comuna  (tiragem   de   2.600 
exemplares); em Lisboa, o mensário La Vero, redigido em esperanto e português, cuja 
tiragem  gira  em  torno de  um  milhar, e  O  Despertar, das  Juventudes  Sindicalistas, 
3.000   exemplares   de   tiragem,   vive   dificilmente   pois   sua   suspensão   é   freqüente.   O 
primeiro   está   muito   acreditado   nos   meios   anarquistas   do   país   e   do   estrangeiro,   e 
exerce uma ação essencialmente doutrinária e crítica. O mensário La Vero é ditado por 
um grupo de esperantistas anarquistas e pretende difundir o esperanto entre o povo. 
O   Despertar  é   notório   pela   sua   extraordinária   combatividade   e   tem   uma   grande 
expansão entre a mocidade operária, principalmente nas regiões do Sul, Estremadura 
e   Norte.   Ainda   que   não   seja   declaradamente   anarquista,   a   sua   ação   e   os   seus 
princípios   são   inspirados   na   ideologia   anarquista,   que   a   mocidade   operária,   afinal, 
abraça efusivamente. 
O pensamento anarquista está profundamente radicado na população do país, 
principalmente no litoral, no centro e no sul. Desde que a propaganda anarquista se 
iniciou entre nós, as doutrinas começaram a cair bem no espírito do povo. Os partidos 
republicanos, socialistas e comunistas nunca encontraram o ambiente germinador que 
a   propaganda   anarquista   consegue   viver.   Portugal   é   um   país   que   tem   um   largo   e 
fecundo   campo   para   a   idéia   anarquista,   sempre   que   haja   quem   a   propague. 
Principalmente entre os camponeses, na província, e entre os operários das indústrias, 
nas cidades, a tendência anarquista acentua­se fortemente; e há um certo número de 
indivíduos na classe média que revelam sem ostentação, e dentro do âmbito em que 
vivem, as suas tendências anarquistas. 
O movimento anarquista em Portugal é profundamente comunista­libertário, e é 
esta  particular tendência que mais  se coaduna à índole da população, sem dúvida, 
porque se vive num país essencialmente agrícola, quase sem comércio exportador e 
sem possuir a grande indústria. Por isso mesmo, a questão econômica preocupa mais 
os elementos revolucionários do que as questões industriais. 
Os   anarquistas   colocam­se   ostensivamente   no   campo   da   luta   de   classes, 
tomando uma parte ativa nos movimentos populares contra o predomínio capitalista. 
A   organização   sindical,   construída   quase   unicamente   por   antigos   elementos 
anarquistas,   possui   uma   tendência   libertária   que   muito   se   define   nos   períodos   de 

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agitação. 
Politicamente os anarquistas mantêm uma oposição intransigente e inabalável 
contra   todas   as   instituições   autoritárias,   quer   sejam   econômicas   ou   simplesmente 
políticas. Negam a sua colaboração a toda a ação e movimento de ordem política, à 
qual fazem uma persistente campanha de oposição. 
Além destas tendências, há a tendência individualista, mal­definida e limitada 
a poucos militantes. Mas esta tendência é absorvida pela outra tendência, inspirada 
nas   doutrinas   de   Bakunin,   Kropotkine,  Malatesta,   etc.,   havendo  ainda   um   número 
notável que se inspira nas doutrinas de Tolstoi. 
Tal é, em resumo, o pensamento anarquista em Portugal. Contudo, apesar das 
dificuldades   expostas,   a   organização   anarquista   vai­se   firmando   seguramente,   com 
soluções   aconselhadas   pelas   circunstâncias,   as   quais   não   impedem   que   exista   uma 
certa unidade nos trabalhos que se vão efetuando. 
As   dificuldades   são   enormes;   e   só   uma   vontade   tenaz   se   pode   ocupar   neste 
esforço   construtivo   e   de   resultados   tão   longínquos.   Nem   sempre   os   elementos 
anarquistas seguem a sua obra com a desejada continuidade. Os efeitos são, como logo 
se   prevê,   desastrosos;   a   UAP   luta   com   uma   extraordinária   falta   de   elementos.   A 
juventude   dá   o   maior   esforço,   visto   que   muitos   elementos   antigos   se   encontram 
cansados por anos de sacrifício, de luta e de trabalho. 
Como se vê, a UAP tem diante de si um formidável problema: para realizar um 
trabalho produtivo terá de reunir tantas vontades que várias razões tornam afastadas 
e   inertes.   O   trabalho   realizado   até   hoje,   umas   vezes   pela   espontaneidade   dos 
elementos,   outras   vezes   por   sugestões   da   UAP,   tem   sido   muito   produtivo,   mas   é 
deficiente e incompleto. 
Existem   atualmente   20   grupos   aderentes   e   ligados   pela   UAP.   Esses   grupos 
encontram­se   disseminados   pela   Capital,   Porto,   Vila   do   Conde,   Póvoa   de   Varzim, 
Coimbra, Setúbal, Palmela, Mina de S. Domingos, Évora, Benavila. 
Existem   também   aderentes   isolados   em   algumas   localidades   pequenas   como 
Serpa, Mértola, Cercal do Alentejo, Mortágua, Cartaxo e também na cidade de Beja. 
No   norte   da   região   portuguesa   os   grupos   estão   reunidos   num   Comitê   de 
Propaganda   e   Organização   Anarquista   com   sede   no   Porto.   Em   Lisboa,   formou­se 
igualmente um Comitê de Propaganda Anarquista, e todos os grupos aderentes a estes 
comitês são­no também à UAP. Esta tem um Comitê Nacional de relações, propaganda 
e   organização,   composto   de   cinco   membros   escolhidos   entre   os   grupos,   e   que   age 
segundo as resoluções da Conferência de Alenquer. Só os grupos determinam entre si, 
pois   que   aquela   conferência   repudiou   a   organização   de   um   conselho   federal,   por 
entendê­la mentirosa e por não representar integralmente a vontade e o critério da 
organização aderente. 
Antes   desta   organização   existem   os   seguintes   centros:   Centro   Bibliotecas   de 
Estudos Sociais, na Póvoa de Varzim, no Porto (denominado nas Antas), e na Giesta, 
havendo   ainda   outros   Centros   e   Bibliotecas   orientados   e   mantidos   por   anarquistas 
para   preparação   e   educação   de   indivíduos   no   ideal   anarquista.   No   Porto   funciona 
também o Centro Comunista Libertário, que muitas vezes tem sido combatido pelos 
comunistas, por causa da sua designação. 
Há grupos que se têm distinguido brilhantemente na propaganda anarquista. 

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Sem favoritismos, vamos destacar alguns. O mais antigo grupo existente em Portugal 
é o Grupo de Propaganda Libertária do Porto, que durante muitos anos, data de 1904, 
editou vários jornais, brochuras, panfletos e manifestos. Outro grupo editou a revista 
mensal  A Sementeira, que suspendeu em 1919 e que vai reaparecer no próximo ano; 
além disso, continua editando folhetos e brochuras e está em estreito contato com os 
anarquistas portugueses residentes em New Bedford. O grupo La Vero, composto de 
esperantistas,   edita   uma   pequena   revista,   destinada   à   propaganda   anarquista   e 
esperantista do povo. O semanário A Comuna, do Porto, separou­se, por conveniência 
da   propaganda   do   Grupo   Propaganda   Libertária,   e   passou   a   um   grupo   editor   que 
também publica com bastante freqüência brochuras e folhetos de caráter anarquista. O 
grupo   Humanidade   Livre,   de   Lisboa,   igualmente   se   lança   num   trabalho   de 
propaganda   pelo   folheto,   apesar   da   sua   recente   fundação.   O   grupo   Claridade,   que 
acaba   de   se   constituir   em   Lisboa,   está   organizando   uma   revista   sendo   este   o   seu 
primeiro trabalho de propaganda.
Ao lado destes grupos mais ativos, movem­se outros com não menor atividade. 
Este   trabalho   de   propaganda   faz­se   com   numerosas   dificuldades,   agravadas   ainda 
pelas circunstâncias descritas no princípio deste capítulo. 
Os organizadores da conferência anarquista viram a sua idéia aceite por todos 
os anarquistas a quem se dirigiram. Elementos estranhos procuraram insinuar­se, com 
fins duvidosos, na efetivação da conferência; porém, o comitê de iniciativa defendeu­se 
tão criteriosamente que todos os trabalhos decorriam no meio da maior discrição. Os 
comunistas inquietavam­se com este renascer da atividade anarquista, pressentindo 
que ela poderia acabar de inutilizá­los. 
Em 18 de março de 1923, 45 anarquistas de diferentes regiões, a maior parte 
representando os seus grupos, reuniram­se na vila de Alenquer, sem que o segredo 
desta   reunião,   apesar   de   muito   falada,   fosse   além   do   conhecimento   particular   dos 
aderentes. 
As   resoluções   tomadas   foram   de   uma   excepcional   importância   para   o 
impulsionamento da propaganda anarquista. 
As   resoluções   de   caráter   nacional   foram   também   muito   importantes, 
destacando­se a que criou a União Anarquista Portuguesa (UAP), com a missão de 
reunir todas as agrupações e aderentes; e de impulsionar a organização, a propaganda 
e   a   ação   anarquista   em   Portugal,   sem   tocar,   evidentemente,   na   independência 
completa   e   incontestável   de   cada   grupo   e   de   cada   aderente.   O   novo   organismo 
procuraria ligar todos os agrupamentos, por um sistema de livres relações, a fim de se 
efetivar um congresso nacional, onde mais concretamente se delineasse uma obra de 
ação e de propaganda. Outras resoluções foram tomadas; mas a estas nos referiremos 
no decurso deste relatório. 
Depois   da   conferência,   e   influenciados   por   ela,   novos   grupos   se   foram 
constituindo, grupos que a UAP imediatamente procura reunir. O trabalho do comitê 
nacional da UAP tem sido moroso e cheio de dificuldades; mas é lento e seguro, tudo 
fazendo esperar um êxito lisonjeiro no futuro. A organização anarquista portuguesa 
encontra­se num estado embrionário; a sua gestão faz­se dificilmente, pelo que se não 
pode prever quando a sua ação, em conjunto, seja mais decisiva. 
Na   região   do   Douro   e   na   do   Baixo   Alentejo,   a   organização   marca   notáveis 

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progressos, ao passo que na região da Estremadura o trabalho anarquista é de rara 
eficiência.   Nas   outras   regiões,   especialmente   nas   Beiras   e   no   Norte,   a   organização 
anarquista só poderá ser iniciada depois de uma larga obra de propaganda, devido ao 
atraso em que as suas populações se encontram, ao seu espírito religioso e à sua índole 
desconfiada de todo o mundo exterior. 
Os próprios militantes não possuem a capacidade necessária para dar uma certa 
unidade e inteligência ao movimento operário. Tendo sido formados por acasos da luta, 
a sua ação vigorosa não tem reunido a mesma soma de inteligência. Desta forma, não 
possuindo a necessária envergadura para enfrentar os custosos problemas da época, 
despendem energias nas conquistas momentâneas, dando o sindicalismo a impressão 
de uma massa brutal e disforme despenhando­se impelida por abalos súbitos. 
Ultimamente   a   CGT,   após   uma   luta   com   os   elementos   comunistas   e   alguns 
elementos   sindicalistas,   que   defendiam   a   adesão   à   ISV,   proclamou   a   adesão   à 
Associação Internacional dos Trabalhadores, de Berlim. 
As   Juventudes   Sindicalistas   são   a   força   mais   consubstancial   do   movimento 
revolucionário. Foram organizadas para a formação de militantes, no momento que as 
autoridades   prendiam   e   desterravam   os   elementos   em   evidência;   mas   evoluíram 
sempre   para   o   extremismo,   desenvolvendo   uma   ação   e   uma   propaganda 
intransigentemente   revolucionárias.   As   autoridades   notaram   esta   organização   bem 
extraordinária   nas   suas   características,   e   nunca   deixaram   de   persegui­la   com 
ferocidade, assaltando­lhes as sedes e prendendo continuamente os seus militantes. 
Atualmente as Juventudes Sindicalistas manifestam­se anarquistas, ganhando 
pouco   a   pouco   as   características   federativas   das   organizações   libertárias.   Cerca   de 
3.000   filiados   contam   as   Juventudes   Sindicalistas,   divididos   por   29   núcleos, 
espalhados   por   todo   o   país   e   federados   livremente   na   respectiva   Federação.   Os 
militantes   que   saem   destas   organizações,   enfileiram   geralmente   ao   lado   dos 
anarquistas,   ou   desaparecem   por   não   encontrarem   na   organização   sindical   um 
ambiente próprio para dar desafogo ao seu espírito libertário. 
No   seu   próximo   2º   Congresso,   as   Juventudes   Sindicalistas   vão   afirmar­se, 
segundo   se   depreende   de   uma   tese   que   apresentam,   declaradamente   anarquistas, 
havendo   ainda   a   presunção  de  que  elas   se  transformem   em   anarco­sindicalistas.  A 
tendência das Juventudes Sindicalistas é comunista­libertária. 
Os anarquistas, que poderiam ser a esperança de um levantamento da moral 
revolucionária,   acolhendo   os   elementos   de   valor   e   de   ação   que   se   deslocam   no 
movimento   operário,   e   se   dispersam   até   se   perderem,   não   possuem   ainda   a   sua 
organização   de   combate.   A   Conferência   de   Alenquer,   apesar   do   seu   êxito,   não 
solucionou   completamente   estes   problemas,   pois   se   preocupou   muito   especialmente 
com a propaganda e os estudos a realizar. 
A   organização   anarquista   em   Portugal   é   feita   sob   a   base   de   grupos   por 
afinidade, que hoje são em número de 18. É fácil de prever o lugar que está reservado 
às organizações anarquistas e o papel brilhante que irão desempenhar; porém, dadas 
as   necessidades   do  movimento  revolucionário,  em  tão  desoladora   decadência,   o   seu 
progresso é demasiado lento e impacienta os que desejam uma ação mais definitiva. 
A imprensa operária possui numerosos órgãos corporativos, onde não se vêm 
debatidas questões de produção, de consumo, profissionais e técnicas, mas unicamente 

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assuntos   de   caráter   associativo.   São   reflexo   da   deficiência   de   mentalidade   que   o 
movimento sindicalista acusa. O primeiro diário operário foi  A Greve, publicado em 
1905. Muitos anos depois, em 1919, surge A Batalha, órgão da CGT, que ainda hoje se 
mantém. Em 1920, saiu o diário da tarde Avante, que se apresentava tão combativo e 
denodado que as autoridades só deixaram de apreendê­lo e persegui­lo quando o jornal 
desapareceu, afogado pelos prejuízos que lhe causava a repressão. 
Atualmente a sociedade portuguesa oferece aspectos graves de desmoralização, 
de corrupção e de decadência. Estes aspectos refletem­se em todas as classes sociais, 
como em todas as corporações e agrupamentos, como particularmente nos indivíduos. 
O   estado   mórbido   da   sociedade   portuguesa   é,   evidentemente,   influenciado   pela 
decadência   das   sociedades   contemporâneas;   mas   por   causas   morais   e   psicológicas, 
falência da mentalidade, ausência de valores sociais e intelectuais, tornam possível 
que a sociedade portuguesa seja das mais degenerescentes.
A República constituiu­se sob as fórmulas da democracia; o governo provisório, 
saído da revolução de 1910, promulgou várias medidas de largo alcance social, político 
e religioso; porém, estas medidas são, ainda hoje, apenas princípios enunciados numa 
legislação farta mas incompleta. Depois deste governo, nenhum outro promulgou tais 
princípios.   A   mentalidade   dos   homens   do   Estado   republicano   decaiu;   surgiram   as 
rivalidades políticas, as lutas violentas e homicidas entre as facções dissidentes, que 
atualmente persistem e trazem o país agitado. 
Pouco   a   pouco,   quase   insensivelmente   o   Estado   republicano   e   todas   as   suas 
instituições   caíram   no   domínio   da   reação;   e   este   domínio   é   tão   completo   que   os 
reacionários já não pensam em fazer o retrocesso das formas de governo: procuram 
unicamente   reprimir   brutalmente   qualquer   princípio   de   liberdade   e   de   justiça. 
Portugal é o país que mais leis de exceção conta; os códigos penais e administrativos 
encontram­se tão deficientes e tão mal­organizados que as autoridades, sejam as da 
nação,  sejam  as   de  uma  aldeia,  permitem­se exercer  o arbítrio  sem   que  os   lesados 
possam recorrer. Não há uma única lei de responsabilidade política. 
Senhores   de   um   estado   tão   desconjuntado,   possuidores   de   todas   as   armas 
ofensivas,   os   reacionários   realizam   a   sua   obra   liberticida   e   anti­humana,   sua 
necessidade   de  travar grandes  lutas  para  se imporem, dado que nenhuma  força   os 
contesta. Os grandes financeiros e os grandes industriais que são todos monárquicos 
ou   católicos,   predominam   economicamente;   impedem   a   reforma   social   mais 
insignificante.   Preocupam­se   mais   com   os   jogos   da   bolsa   do   que   com   o   progresso 
industrial. E com esta sua ação indigna, semeiam a miséria e o mal­estar por todas as 
classes, não excluindo a classe média. 
Reunidos  na   Conferência   de  Alenquer,   os   anarquistas   mostraram   um  grande 
interesse pelas questões que vão ser debatidas no Congresso Internacional Anarquista, 
principalmente no que se refere ao problema internacional. 
Procuraremos interpretar o espírito da Conferência pelas teses aprovadas que 
enviaremos junto com este relatório. 
Na   questão   internacional,   entende–se   de   utilidade   a   constituição   de   um 
organismo internacional, com o fim de aproximar as organizações anarquistas de todo 
o   mundo   e   dar,   assim,   maior   uniformidade   à   ação   contra   a   sociedade.   Estas 
organizações   estariam   ligadas   por   solidariedade,   quer   moral,   quer   econômica   e   se 

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comunicariam  entre  si,  diretamente  ou  por  intermédio  do  organismo internacional, 
que   seria   um   centro   de   informação   para   todo   o   mundo   anarquista   e   o   fulcro   da 
propaganda.   A   formação   de   uma   União   Ibérica   preocupava   muito   os   anarquistas 
portugueses. 
Acerca da língua internacional (o 6º ponto da ordem dos trabalhos) sabe­se que o 
Anarkia, Grupo La Vero, composto de anarquistas esperantistas, enviara ao Congresso 
uma tese que deve representar o pensamento predominante entre os anarquistas. 
As opiniões acerca dos outros pontos da ordem dos trabalhos acham­se expostos 
nos “pontos de vista” e nas teses que juntamos a este relatório e que serão publicados a 
seguir. 

O Comitê Nacional da União Anarquista Portuguesa
  
Nesta mesma época os libertários portugueses enfrentavam outros adversários 
políticos   que   ganhavam   espaço   na   confusão   e   disputavam   sindicatos   anarco­
sindicalistas   para   fortalecer   o   braço   sindical   soviético,   atuando   sob   a   sigla   ISV 
(Internacional Sindical Vermelha). 
Eis como se disfarçavam camaleonicamente em sua Declaração de Princípios: 

Para evitar mal­entendidos da parte de muitos camaradas  
que   podem   supor   que   os   revolucionários   portugueses   (que  
pretensões   fabulosas,   dizemos   nós!),   que   se   dizem   bolchevistas,  
fizeram quaisquer restrições nos seus ideais avançados, se torna  
público   que   todos   os   componentes   da   Federação   Maximalista  
Portuguesa   e   seus   conselhos   são   em   princípio   anarquistas   e  
sindicalistas revolucionários. Adotando contudo a designação de  
bolchevistas, comunistas, maximalistas ou sovietistas. Consigne­se  
porém que todo o indivíduo que em Portugal se declare bolchevista  
é anarquista ou sindicalista revolucionário.

Entre a confusa definição e o Primeiro Encontro que deu vida em Portugal ao 
PCP, em 10 de novembro de 1923, foi um pulo... 
Presente no Congresso Comunista de 1923, o ex­pregador suíço Jules Humbert 
Droz, delegado da 3ª Internacional, vaticinou em seu discurso: “Ele lutará (o PCP), 
estreitamente unido às outras seções da Internacional, até o dia em que se consiga 
fazer em Portugal uma república soviética, que entrará na grande família dos Estados 
Unidos Soviéticos do Mundo.”
O   delegado   da   Internacional   Comunista   não   podia   ser   mais   claro   quanto   às 
pretensões do governo comunista. Em seu Relatório da ida a Portugal, escreveu: “Em 
relação à CGT o trabalho no seio da CGT a favor da Internacional Sindical Vermelha é 
feito   pela   minoria   sindical   que   mantém   as   melhores   relações   com   o   partido   e   que 
concluiu com ele um pacto pelo qual o partido deixa à minoria sindical o cuidado de 
conduzir a ação no seio da CGT. Mas o partido impõe aos seus membros a obrigação de 
aderirem à minoria sindical. Reserva­se o direito de aí propor e defender o seu ponto 

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de   vista   e   conserva   o   direito   de   formar   em   todos   os   sindicatos   os   seus   núcleos 
comunistas que apoiarão ação da minoria e farão propaganda comunista. O partido é o 
braço direito da minoria sindical e a sua ação é muito importante para a conquista da 
CGT.”
Embora   não   divulgassem   os   21   Princípios   da   Adesão   à   3ª   Internacional,   os 
comunistas lusitanos juraram­lhe absoluta fidelidade! 
Tinha razão Pedro Kropotkine em sua Carta divulgada no Brasil: “A Revolução 
de Novembro de 1917 deu à Rússia um regime que é uma mistura de forte centralismo 
comunista autoritário (de Babeuf e do coletivismo estreitamente centralista de Paker, 
que,   há   40   anos   é   conhecido   pelo   nome   de   marxismo).   Esta   tentativa,   é   preciso 
reconhecê­lo, não correspondeu de nenhum modo às esperanças que se alimentavam.”
O   governo   português,   desacreditado  e   falido,   abria   espaço  para   o   movimento 
militar   de   18   de   abril   de   1925,   em   Lisboa,   aguçando   mais   uma   vez   o   apetite   das 
“minorias sindicalistas”, que propõem novamente o jogo dos políticos, “esquecidos” que 
o sindicalismo em ideológicos e filosóficos não cabe conchavos governamentais. 
O 1º Congresso Confederal (4º Nacional) realizou­se em Santarém nos dias 23 a 
27 de setembro de 1925. 
Presentes Armando Borghi, representando a AIT; Adelino Gonzalez e Segundo 
Branco,   a   CNT   espanhola;   compareceram   144   delegados   de   113   sindicatos,   15 
delegados representando 11 federações da indústria e cinco delegados respondendo por 
cinco uniões de sindicatos. 
Deram ainda sua adesão 22 sindicatos que não puderam enviar representantes. 
Foi a maior presença nos congressos nacionais até a implantação da ditadura. 
No   todo   foram   revistos   os   estatutos   confederais,   a   tese   Organização   Social 
Sindicalista, os relatórios  confederais, o jornal  A Batalha  e discutidas as seguintes 
teses: 1º ­ Câmaras e Juntas Sindicais, de Rozendo José Viana, pela CST, de Lisboa; 2º 
­   Trabalho   das   Mulheres   e   Menores,   de   Manuel   Nunes;   3º   ­   Crise   do   Trabalho   e 
Horário; 4º ­ Higiene Industrial; 5º ­ Educação; 6º ­ Emigração e Mão­de­Obra; 7º ­ 
Condições de Trabalho nas Colônias, de Manuel Joaquim de Sousa. 
A CGT já havia respondido ao Partido Comunista Português em “nota oficiosa” 
publicada no suplemento literário de A Batalha, de 16 de junho de 1921, contestando 
suas pretensões. 
O Congresso da Covilhã, em 1º de outubro de 1921, também votou pela não­
adesão à ISV, apesar dos esforços das “minorias sindicalistas” infiltradas na CGT para 
servir ao governo ditatorial soviético, de acordo com o Relatório de Jules Humberto 
Droz, delegado da IC. 
A rejeição da adesão à ISV deveu­se ao ser este organismo sindical bolchevista 
expressão de uma idéia política de poder máximo e liberdade mínima, centralizado, em 
que   se   projeta   no   indivíduo   a   insignificância   de   sua   personalidade   humana   em 
benefício dos líderes e do poderoso Estado, ao qual todos devem obediência, submissão. 
Uma idéia que transfere o Homem da liberdade individual e coletiva para a idolatria; 
da condição de ser pensante para a de massa que se curva à “sabedoria” dos chefes. 
A União Anarquista Portuguesa nasceu na Conferência de Alenquer, efetuada 
em 18 de março de 1923 e foi explicada ao Congresso Internacional da AIT em 29 de 
março de 1925 assim:

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A   organização   anarquista   portuguesa   não   imitou   a  
sindicalista como se nota na de outros países, como a França, onde  
a   União   Nacional   é   o   conjunto   de   federações,   cada   federação   o  
conjunto de federações locais e em cada localidade há um comitê  
aonde   os   grupos   enviam   delegados.   A   União   Anarquista  
Portuguesa   é   constituída   pelas   adesões   entre   si,   atuam   na   sua  
região e, embora se relacionem como é natural com o Comitê da  
UAP,   isso   não   implica   uma   responsabilidade   tomada.   Desta  
forma, a UAP torna­se o organismo que recebe a sua força de cada  
célula   básica   –   o   grupo   –,   sem   passar   primeiro   pelo   comitê   da  
respetiva federação. 
A União Anarquista Portuguesa não tem Conselho Federal  
como é uso em alguns países. Existe apenas um Comitê de cinco  
membros que relaciona, investiga e faz estatísticas, que edita em  
nome da  UAP  boletins,  manifestos,  folhetos,  etc., para   o que  há  
uma   editorial   adjunta   e   que   toma   iniciativas   de   caráter   geral  
sujeitando­se a referendo antes de as pôr em prática.

Resumidamente,   realizaram­se   conferências   anarquistas   em   Coimbra   e   na 


Região Sul. 
Posteriormente teve lugar a Conferência da Região Norte. Com a publicação de 
O Anarquista, cresce a campanha em favor de um Congresso Anarquista Nacional em 
1926.   A   UAP   sugere   o   dia   1º   de   julho,   data   do   aniversário   da   morte   de   Miguel 
Bakunin, com um temário que o golpe militar de 28 de maio de 1926 não permitiu 
realizar. 
Em   1923,   registram­se   dois   acontecimentos   históricos   significativos   no 
movimento   anarquista   português:   discutiu­se   pela   primeira   vez   no   Congresso   de 
Alenquer a criação da União Anarquista Portuguesa e no de Évora a formação da FAI. 
A   FAI  (Federação  Anarquista   Ibérica)   nasceu   de  fato  em   1923,   na   cidade  de 
Évora.   Foi   na   Conferência   das   Organizações   Operárias   dos   dois   países   ibéricos 
(Portugal e Espanha), nesta cidade portuguesa. Estiveram presentes, representando a 
CNT, Manuel Pérez, J. Ferrer Alvarado e Sebastião Clará; pela CGT, portuguesa, José 
da Silva Santos Arranha e Manuel Joaquim de Sousa. 
Neste encontro, Manuel Joaquim de Sousa – com o apoio de Manuel Pérez – 
propôs,   pela   primeira   vez,   a   unificação   do   Movimento   Confederal   e   Libertário   da 
Península Ibérica, englobando anarquistas espanhóis e portugueses. 
Em maio de 1926, encontraram­se de novo Manuel Joaquim de Sousa e Manuel 
Pérez   no   Congresso   de   Marselha,   o   primeiro   representava   a   CGT   portuguesa   e   o 
segundo, a UAP portuguesa. Neste Congresso Armando Borghi representou a A.I.T. e 
a U.S. Italiana. 
Ao todo compareceram mais de 30 delegados de grupos franceses e espanhóis. 
O   Congresso   objetivava:   a)   reorganizar   as   forças   anarquistas   de   Espanha   e 
França;   b)   desfazer   mal­entendidos   em   nível   de   organização;   c)   não   reconhecer   a 

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chamada   Aliança   Revolucionária,   que   preconizava   ligações   com   os   políticos;   d) 
fortalecer o Comitê Pró­Presos. 
No   final,   Manuel   Joaquim   de   Sousa   e   Manuel   Pérez   voltaram   a   propor   a 
unificação do movimento ibérico e conseguem aprovação do seguinte documento:

1º   O   Congresso   concorda   em   constituir   a   Federação  


Anarquista   Ibérica,   comunicando   esta   resolução   à   UAP   de  
Portugal; 2º Que dada a situação anormal da Espanha, o comitê  
relacionador resida em Lisboa; 3º Que fica a sua constituição a  
cargo   da   UAP,   podendo   esta   solicitar   apoio   e   colaboração   dos  
anarquistas espanhóis residentes naquela localidade; 4º Que o dito  
comitê convoque quando ache oportuno um Congresso Ibérico que  
dê caráter definitivo à dita Federação; 5º Que seja provisório o dito  
Comitê enquanto não se realiza o Congresso; 6º Que se consultem  
os anarquistas espanhóis para dar efetividade a estas resoluções.  
Ao Congresso da UAP irá um delegado representando o movimento  
dos anarquistas espanhóis.

Os anarquistas espanhóis andavam então espalhados pelo mundo, para escapar 
às perseguições autoritárias em seus país. Por isso o Congresso de Marselha aprovou a 
formação   da   FAI,   com   sede   em   Lisboa,   a   ser   ratificada   em   Congresso   na   capital 
portuguesa no próximo ano. Mal sabiam os congressistas que preparava­se nos porões 
das   sacristias   lusitanas   uma   revolução   que   viria   a   explodir   no   dia   28   de   maio   do 
mesmo ano com intenções de durar... 
Por isso, não foi possível o Congresso de Lisboa, sendo então transferido para 
Valência e realizado no dia 25 de julho de 1927, com a presença de Francisco Quintal, 
do Comitê da UAP e diretor de O Anarquista, ratificando nesse encontro a FAI. 
No livro História da FAI, o seu autor ignora o Congresso de Évora e os pais da 
proposição aprovada em Marselha: Manuel Joaquim de Sousa e Manuel Pérez. 
Na mesma época o Comitê da CGT acordou que no lugar de A Batalha, suspensa 
pela   polícia,   seria   publicada   no   Porto,  Vanguarda   Operária,   dirigida   por   José 
Rodrigues Reboredo, mas como este estava muito “queimado” pela polícia, aparecia no 
cabeçalho o nome de Zacarias de Lima, e depois, José Augusto de Castro. Nesta mesma 
cidade   já   se   publicava  O   Germinal,   e   se   distribuía   milhares   de   manifestos 
demonstrando todo o repúdio ao regime pró­fascista. 
Ainda em 1929, componentes do grupo A Comuna publicam a revista mensal A  
Aurora, com redação na rua Espinheira, 131­A, tendo como responsáveis Abílio Ribeiro 
e   Fernando   Barros,   e   em   Lisboa,   a   Federação   de   Transportes,   composta   pelos 
sindicatos marítimos de longo curso, pessoal de câmaras, “fugueiros”, marinheiros e 
moços pertencentes à CGT, publicavam O Argonauta sob a direção de Álvaro da Costa 
Ramos e José Francisco.  O Argonauta  estava encarregado de propagar os princípios 
libertários da Central Operária Portuguesa. 
Mil e novecentos e trinta e dois foi um ano de muitos acontecimentos relevantes. 
Manifestações   verbais   na   imprensa   operária   e   libertária   tinham   praticamente   os 

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mesmos objetivos: pleitear melhorias sociais, com respeito às liberdades individuais e 
associativas e de repúdio ao governo clero­fascista que preparava uma enxurrada de 
leis asfixiantes. 
Os   patrões   aproveitam­se   da   proteção   policial   para   burlar   regalias   obtidas 
anteriormente e reduzir salários em troca de uma produção cada vez mais forte. 
Assim acontecia na construção civil, nas indústrias têxteis, de cortiça, conserva, 
no campo, na pesca e nas minas. Em São Pedro da Cova, Gondomar, distrito do Porto, 
os mineiros desesperados lançam manifesto intitulado  Vozes do Sub­Solo que vêm à  
Superfície Reclamar Justiça, denunciando a miséria em que viviam e a brutalidade 
empregada contra os mineiros pelo gerente Torquato. O manifesto tinha o aval da CGT 
e sua linguagem era revolucionária. Os bolchevistas ainda não se haviam infiltrado 
entre os trabalhadores que só se identificavam pelos dentes e os olhos, tudo mais era 
negro como a vida que levavam no fundo das minas. 
Mas   as   perseguições   não   param.   Em   dezembro,   agentes   da   polícia,   sob   o 
comando   de   Fernando   Gouveia,   prendem   todos   os   membros   do   Comitê   da   FARP 
(Federação   Anarquista   da   Região   Portuguesa),   formada   nesse   mesmo   ano   para 
substituir a Aliança Libertária Portuguesa. 
Quem   primeiro   aceitou   as   determinações   fascistas   foram   os   Sindicatos   dos 
Vidreiros da Marinha Grande, controlados pelo PCP, via José de Sousa – Armando 
Correia Magalhães –, que ali se infiltrou para transformar os sindicatos filiados à CGT 
no primeiro Sindicato Nacional dos Vidreiros, manejado pela ressuscitada Comissão 
Inter­Sindical servindo de minibraço mecânico manobrado por controle remoto desde a 
Profintern   (Internacional   Sindical   Vermelha),   apoiado   no   modelo   clero­fascista   de 
Salazar, acabando também derrotado. 
Os trabalhadores confederados – salvo os da Marinha Grande que acabariam 
entrando   na   greve   contrariando   ordens   do   PCP   –   não   aceitaram   aderir   até   31   de 
dezembro de 1933, como exigia o governo. 
Para opor­se às leis salazarentas, a CGT criou um secretariado composto por 
Mário Castelhano, pela Seção das Federações, José Francisco, pela Seção das Uniões e 
Manuel   Henrique   Rijo,   secretário   administrativo   com   a   incumbência   de   formar   o 
Comitê de Ação, que ficou constituído por Acácio Tomás de Aquino, Custódio da Costa 
e Serafim Rodrigues. 
O Secretariado e o Comitê de Ação estabeleceram relações nesse sentido e Mário 
Castelhano   preparou   um   código   cifrado   para   funcionar   sem   possibilidades   de 
identificação se caísse nas mãos da polícia. Mas alguma coisa vazou e José Francisco é 
preso seguido do próprio Mário Castelhano, apontado à polícia por elementos ligados à 
CIS, que o conhecia como principal articulador do movimento insurrecional. 
Faziam parte dos Comitês Regionais no Porto e Norte Dionísio e Mário Ferreira, 
da Carris; em Coimbra e Região do Centro, Arnaldo Simões Januário, José Ventura 
Paixão,   João   Gomes   Jacinto,   Bernardo   Casaleiro   Pratas,   Joaquim   Duarte   Ferreira, 
Abílio da Conceição e José de Almeida; Leiria, Marcelino Mesquita; Covilhã, e Região 
da   Beira,   José   Caetano   e   outro;   Setúbal,   José   Bernardo;   Portimão   e   Faro,   Negrão 
Buisel,   Antonio   Faro   e   Joaquim   Pedro;   Silves,   Domingos   Passarinho,   Manuel 
Pessanha e Abatino Luis da Rocha; no Barreiro, Manuel António Boto, Bernardino 
Xavier, António José Piloto, Sebastião Rosinha e José Ricardo; em Almada e Cova da 

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Piedade, Joaquim Montes e Pedro Matos Felipe. 
Acertados   os   meios   de   ação,   foram   distribuídas   granadas   e   outras   armas, 
inclusive na Marinha Grande. 
A data combinada era 15 de janeiro. No dia 12, Mário Castelhano é apontado à 
polícia e preso. O autor da denúncia sabia que Castelhano detinha na sua mão grande 
parte   do   esquema   que   faria   deflagrar   o   movimento   e   ao   denunciá­lo   à   polícia 
desarticularia a CGT, beneficiando a CIS­PCP, que contava apenas com  o apoio  de 
meia dúzia de sindicatos só em Lisboa, um dos quais estava fora da greve geral. 
A prisão levou ao pedido de adiamento pela CGT, a fim de apurar o que estava 
acontecendo. Não foi aceito pela CIS, em nome das “massas”, e no dia 17, quando tudo 
estava preparado para serem cortados cabos telefônicos, energia elétrica e bloqueados 
os   meios   de   comunicação  rodoviários,  Ernesto  Ribeiro,   militante  do  PCP  e da   CIS, 
explode uma bomba na Estrada de Chelas e o exército e a polícia, alertados por esse 
gesto premeditado na véspera, entram de prontidão, ocupam os pontos estratégicos, 
impedem a deflagração da insurreição em Lisboa e prendem centenas de militantes. 
Assim   mesmo   a   insurreição   faz­se   sentir   no   Porto,   no   Alentejo,   Algarve, 
Marinha Grande, Leiria e Coimbra, onde o corte das comunicações produziu maior 
impacto. 
A Batalha  e  O Libertário  anunciavam o falecimento do anarquista José Carlos 
de Sousa e Rebelião, dos exilados portugueses em Buenos Aires, chamava a lutar “por 
uma lusitânia livre e emancipada, integrada na Federação Comunista Anárquica dos 
Povos Ibéricos: Guerra de Morte à Ditadura! Viva a CGT Portuguesa! Viva a CNT 
Espanhola! Viva a Federação Anarquista Ibérica!”
O   movimento   libertário   lusitano   lutava   clandestinamente   em   Portugal.   Os 
exilados de Bruxelas atacavam a ditadura de Carmona e Salazar com o Boletim  O  
Rebelde; na Argentina e na Espanha, com  Rebelião,  e tinham ajuda de  A Plebe  e  A  
Lanterna  no Brasil, de  Le Revel  na Suíça, e  L'Adunata dei Refratari  na América do 
Norte.   O   desdobramento   da   FARP   e   da   CGT   permitiu   que   gente   decidida   pudesse 
superar   parcialmente   as   milhares   de   baixas   e   ainda   apoiar   com   entusiasmo   a 
Revolução Espanhola de 19 de julho de 1936. 
Não obstante o seu esforço, os anarquistas perderam a “batalha”. 
O governo por um lado e o PCP pelo outro ganharam a guerra... O proletariado, 
o povo na sua generalidade, perdeu inclusive a liberdade. 
No meio de todos estes contratempos a Revolução Espanhola dava esperanças 
aos libertários portugueses. Os anarquistas menos conhecidos, escapados das caçadas 
policiais, ajudados por jovens, continuam a publicar clandestinamente A Batalha, Eco  
Metalúrgico,  O   Libertário  e  O   Despertar   das   Juventudes,   valendo­se   de   parte   do 
material tipográfico de  A Comuna, guardado por Júlio Gonçalves Pereira, Domingos 
Carreira e outros anarquistas do Norte. 
A polícia andava tonta com o fôlego dos libertários. Presos e desbaratados seus 
grupos   numa   determinada   região   de   Portugal,   logo   ressurgiam   noutra   com   seus 
jornais, humildes mas valentes, como a Rádio Fantasma que tirava o sono dos agentes 
do serviço secreto da polícia. As notícias da rádio libertária desmentiam às da Rádio 
Clube Português, irritando os homens da lei. 

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Nem todos os militantes portugueses, dentro e fora do país concordavam com a 
participação dos anarquistas da CNT­FAI no governo revolucionário. Adriano Botelho e 
Vivaldo Fagundes expressam (em Portugal e no exílio) a opinião dos contrários. 
Em   que   pesem   as   “atitudes   colaboracionistas”   de   alguns   e   os   “desgostos”   de 
outros,   no   conjunto,   a   CGT­FARP­FAPE   prestou   relevante   solidariedade   aos 
companheiros espanhóis, enquanto durou a guerra de 1936­1939. 
Pela Argentina andou José de Brito, Vivaldo Fagundes e no Brasil Neno Vasco, 
António Costa Carvalho, Tércio Miranda, Jorge Campelo, Pinto Quartin, Roberto das 
Neves,   Pedro   Ferreira   da   Silva,   Inocêncio   Câmara   Pires,   Fernando   Neves,   Manuel 
Lopes,   Antonio   Corrêa,   Ramiro   da   Nóbrega,   Diamantino   Augusto,   Luciano   Trigo, 
António   Trigo,   Amilcar   dos   Santos,   António   Manuel   Vinhais,   Adelino   Tavares   de 
Pinho, Manuel Marques Bastos, o autor e outros nascidos em Portugal, apoiando como 
podiam   o   movimento   libertário   lusitano   e,   com   a   colaboração   de   anarquistas 
brasileiros, denunciavam no Brasil e na Europa as tiranias dos governos monárquicos, 
republicanos e fascistas. 
No   começo   eram  O   Amigo   do   Povo  e  A   Terra   Livre.   Mais   tarde,  A   Plebe,  A  
Lanterna e Ação Direta. 
O   livro  Na   Inquisição   de   Salazar  saiu   exatamente   quando   da   chegada   do 
“presidente” de Portugal, general Craveiro Lopes, ao Brasil, em 1957, e dois anos mais 
tarde A Fome em Portugal, ambos do autor. 
Na  década   de  60,  publicam­se  O  Retrato  da   Ditadura  Portuguesa  e  Portugal  
Hoy, de Edgar Rodrigues. O primeiro, no Rio de Janeiro, e o segundo, por iniciativa de 
militantes   das   Juventudes   Libertárias   (JJ   LL)   de   origem   espanhola,   exilados   na 
Venezuela.   Alguns   deles   comprometidos   com   o  seqüestro   do   navio   português   Santa 
Maria,   num   rasgo   de   coragem   para   denunciar   ao   mundo   “democrático”   a   ditadura 
ibérica   de   Franco   e   Salazar.   O   seqüestro   teve   a   participação   de   anarquistas 
portugueses e espanhóis. Dezessete seqüestradores viveram alguns meses refugiados 
em   Nossa   Chácara,   no   Itaim   Paulista,   propriedade   dos   libertários   do   Brasil,   onde 
deixaram um cão que respondia pelo nome de Salazar. 
Octávio Alberola, escrevendo sobre o seqüestro do navio português Santa Maria, 
também   fala   da   participação   de   anarquistas,   chegando   a   afirmar   que   “o   General 
Delgado teria tido contato com libertários exilados no Norte da África, para fornecer­
lhes armas e identificações falsas”. 
Ainda neste mesma década e na de 70, libertários ibéricos exilados associaram­
se para denunciar o terror nas prisões portuguesas e espanholas aliciando intelectuais 
de várias tendências chegando a realizar mais de um congresso na América Latina e 
no Brasil. 
Os jornais anarquistas  Voluntad, do Uruguai;  El Sol,  da Costa Rica;  CNT,  de 
Toulouse,   França;  Tierra   y   Libertad,   do   México;  Ruta,  da   JJ   LL   da   França; 
Solidaridad   Obrera,   de   Argel,   Tunísia;  Boletins   da   AIT;  Combate,   Habana,  Cuba 
(antes de Fidel Castro);  Boletim do Movimento Libertário Espanhol;  La Protesta, da 
Argentina;  Cultura   Proletária,   de   Nova   Iorque;  Boletim   da   CRIA;  Freedom,   da 
Inglaterra; La Obra, da Argentina; Espoir, de Toulouse, França, e dezenas de jornais e 
revistas   deram   apoio   incondicional   aos   libertários   lusitanos,   inclusive   ao   autor, 

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empenhado em tempo integral na reativação do movimento anarquista de Portugal, 
nas décadas de 50, 60 e 70. 
Na Europa explode o movimento estudantil de 68, hasteando a bandeira negra 
do anarquismo. 
O   impacto   sacudiu   e   movimentou   as   fileiras   do   antifascismo.   Alguns   jovens 
desertores, exilados na França e na Inglaterra, começaram a estudar o anarquismo, 
nascendo então grupos como O Clarão, em Londres, 1973; Nova Porta, em Paris, 1973; 
Portugal Libertário, Neaux, 1974; e A Idéia, Paris, 1974. 
Os anarquistas também saíram em campo para manter sua posição de sempre, 
saudar a liberdade e comemorar o 1º de maio. 
Na rádio e na imprensa diária restabeleceram a verdade e aclararam dúvidas 
sobre   o   anarquismo   que   muitos   pensavam   morto.   Formaram   grupos   e   começaram 
publicando A Voz Anarquista, A Batalha, O Clarão, Portugal Libertário, O Despertar, 
O Meridional, O Abutre, O Pasquim, O Revoltado, Escaramuça, Os Iguais, Ação Direta, 
A Merda,  O Satanaz,  O Dia das Bruxas,  O Rastilho,  A Terra Livre,  Abordagem,  O  
Corvo, Criar Gota­a­Gota, Recortes do Arco da Velha, Miseráveis de Veludo e Seda, A  
Urtiga, A Lanterna Negra, 8 de Março, A Sementeira, Raiz e Utopia, A Revolta, A Ação, 
Guerra Social,  Sabotagem,  Gineceu,  Anarquia,  Pravda,  Maldição,  A Idéia,  Utopia  e 
outros periódicos de maior ou menor porte, carregados com ajuda de uma juventude 
empunhando o estandarte libertário. 
Os frutos que esta sementeira vai produzir só o tempo nos mostrará. 
O   proletariado   português   não   ficou   alheio   aos   congressos   da   Primeira 
Internacional, à Tragédia de Chicago, ao esforço internacional para salvar Francisco 
Ferrer,   Sacco   e   Vanzetti,   militantes   anarquistas   presos   e   condenados   à   morte   no 
Japão, na Rússia, na Espanha, na Itália e noutros países do nosso planeta. 
Por sua vez os libertários portugueses também receberam solidariedade de  A  
Plebe e Ação Direta, Brasil; Voluntad, Uruguai; Boletim de la Comisión de Relaciones  
de   Federaciones   Anarquistas   da   AIT;  Ruta,   França;  Tierra   y   Libertad,   México; 
Combate,  e   Solidariedad   Gastronômica,  Cuba;  La   Protesta,  Argentina   e   Perú; 
Organización Obrera, e  Reconstruir, Argentina;  El Sol, Costa Rica;  Tiempos Nuevos, 
Le   Combat   Syndicalist  França;  CNT,   Solidaridad   Obrera,   Espanha   entre   outros 
jornais, revistas e boletins. 
A trajetória do anarco­sindicalismo e do anarquismo em mais de um século em 
terra lusa teve a colaboração de centenas, milhares de trabalhadores com seu trabalho 
braçal e seus tostões e um punhado de intelectuais emprestando­lhe o seu saber. 
Como não é possível listar a totalidade dos militantes, vou relacionar alguns 
nomes com a intenção de – por amostragem – homenagear a todos: José Correia Pires, 
Adriano Botelho, Aurélio Quintanilha, Neno Vasco, Francisco Quintal, Jaime Brasil, 
Antonio   Pinto   Quartin,   Jorge   Quaresma,   Sebastião   de   Almeida,   Fernando   Barros, 
Adolfo   Lima,   Hilário   Marques,   Júlio   Gonçalves   Pereira,   Armindo   Sarilho,   José 
Augusto de Castro, Augusto Godinho, Joaquim Moreira da Silva, António Dias Fontes, 
Mário Ferreira, Cristiano de Carvalho, José Rodrigues Reboredo, Margarida Barros, 
Virgínia Dantas, Luis Portela, Aníbal Dantas, Raul Zacarias, António Libório, Arnaldo 
Simões   Januário,   Deolinda   Lopes   Vieira,   Clemente   Vieira   dos   Santos,   Miquelina 

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Sardinha, Serafim Cardoso Lucena, Manuel F. Correia, Jaime Rebelo, António José 
Ávila,   Campos   Lima,   Darwin   Castelhano,   António   Teixeira   Júnior,   Almeida   Costa, 
José de Almeida, Adolfo de Freitas, José Vaz Rodrigues, Valentim Adolfo João, António 
Alves Pereira, Manuel Joaquim de Sousa, José Francisco, Américo Martins Vicente, 
Artur Modesto, Augusto Tiago Ferreira, Luís Redondo, Pedro Ferreira da Silva, Álvaro 
A. de Oliveira, Helena Gonçalves, Mário Azevedo, Soares Lopes, Abílio Ribeiro, João 
Martins, João Silva, Miguel Correia, Alberto Dias, António Aleixo, José Marques da 
Costa, José António Machado, Alexandre Belo, Adriano Pimenta, Luísa Adão, Lígia de 
Oliveira, Eduardo Pereira, José Benedey, Mário Castelhano, Custódio da Costa, Álvaro 
da Costa Ramos e Pedro Matos Felipe. 

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EDUCAÇÃO E CULTURA LIBERTÁRIA

Os   anarquistas   tinham   em   seus   projetos   de   se   educar   libertariamente.   Para 


tanto fundaram escolas dentro dos métodos da Escola Moderna de Francisco Ferrer 
(Espanha),   de   La   Ruche   de   Sebastião   Faure   (França),   formaram   grupos   de   teatro 
social,   populares,   proferiam   conferências,   publicaram   jornais,   revistas   e   opúsculos; 
deram a seus filhos nomes de anarquistas mundialmente conhecidos, não os batizavam 
pela igreja, e o sepultamento de seus familiares não tinha a presença do padre, era 
civil. 
Os anarquistas pretendiam testar seus métodos reeducando e desbloqueando as 
mentes embrutecidas por condicionamentos milenares, aplicados ao longo de muitas 
gerações humanas.
Na Espanha, Francisco Ferrer y Guardia por fundar a Escola Moderna em 1901, 
esteve   preso,  acusado  de autor intelectual  do movimento grevista  com   o qual   nada 
tinha e acabou condenado à morte e fuzilado no Castelo de Montjuich, em Barcelona. 
Contrariando os inquisidores espanhóis, as ideias de Ferrer voavam como uma 
revoada   de   pássaros   invadindo  nações,  atingindo  sorrateiramente  as   camadas   mais 
evoluídas, intelectuais e operários, tocando­lhes a sensibilidade, penetrando em seus 
cérebros. 
O proletariado português recebeu os ensinamentos de Ferrer com entusiasmo. 
Pela primeira vez era­lhe apresentado um autêntico hino de Amor e de Paz, em forma 
de ensino, partindo dos bancos escolares, com explicações como estas:

Não se educa integralmente o homem disciplinando a sua  
inteligência,   esquecendo   seus   sentimentos   e   desprezando   sua  
vontade. O homem na unidade do seu funcionamento cerebral, é  
complexo, tem várias facetas fundamentais, é uma energia que vê,  
afeto que repele ou recebe, concebendo voluntariamente e tornando  
em   actos   as   leis  do   organismo   do   homem,   que  abre   um   abismo  
onde   precisa   existir,   uma   saudável   e   bela   continuidade.   E   sem  
dúvida, elemento favorável ao divórcio entre o pensar e o sentir. 
Muitos   deles   serão,   indubitavelmente,   potentes   em   suas  
faculdades mentais, possuindo riqueza de ideias, até compreendem  
a orientação real, dentro de um conceito formoso, que prepara a  
ciência da vida, do indivíduo e dos povos. Mas, com todas as suas  
desatenções egoístas, e as próprias conveniências dos seus fins...  
tudo isto mesclado com uma levedura de sentimentos tradicionais,  
formam uma camada impermeável em volta de seus corações, para  
que não se infiltrem neles ideias progressistas, e não se convertam  
num jogo de sentimentos propulsores, imediato determinante da  
conduta do homem.

Estas ideias fizeram desabar sobre a cabeça de Ferrer todas as maldições da 
Igreja, todo o rancor da burguesia, todo o ódio de Maura! 

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Em   1908,   em   vários   pontos   de   Portugal,   funcionavam   escolas   baseadas   nos 
métodos de Ferrer. 
As   ideias   de   Ferrer   vieram   alertar   professores,   contagiar   estudantes   e 
intelectuais, suscitar discussões e debates. Nem todos aceitavam integralmente suas 
ideias pedagógicas, mas todos foram sacudidos por essa nova aurora! Uns contestavam, 
outros   defendiam   os   métodos   da   Escola   Moderna.   As   deformações   seculares   e   os 
ensinamentos “oficiais” opunham­se à sua total aceitação, mas atingidos e contagiados 
pelas ideias do professor anarquista, muitos começaram a pedir a renovação do ensino 
da escola. 
Jovens   intelectuais,   alinharam­se   na   defesa   do   ensino   renovado   e   vieram 
colaborar na imprensa anarquista, Deolinda Lopes Vieira, escrevendo sobre “educação 
integral”, e o Dr. Egas Muniz afirmando: “A Escola Moderna, há­de ser o tipo para que 
hão­de tender as escolas do futuro”.
São ainda da imprensa da primeira década do nosso século, as linhas seguintes: 

Inspirada   nos   princípios   da   Liga   Internacional   de  


Educação Racional de Infância, a que presidiu Ferrer, acaba de  
formar­se em Lisboa uma associação que se propõe criar e manter  
uma ou mais escolas em Lisboa e demais pontos do País, com base  
nos seguintes itens:
1º ­ Organizar e pôr a funcionar qualquer escola, aula ou  
simples disciplina, separadamente; 
2º ­ A formar planos de estudo pelo método racional, já para  
escolas integrais, já para determinadas aulas ou disciplinas; 
3º   ­   A   indicar   ou   subministrar   a   qualquer   escola   ou  
indivíduo,   professores   ensinando   pelo   referido   método,   que  
expliquem   em   algumas   lições   durante   as   horas   ordinárias   do  
ensino da respectiva disciplina. 
4º ­ A fornecer cadernos, notas, quadros exemplificativos e  
orientadores   do   método   racional   para   os   professores   seguirem   e  
poderem executar mais facilmente esse método; 
5º   ­   A   dar   quaisquer   informações   que   lhe   sejam   pedidas  
acerca do método a seguir numa determinada disciplina; 
6º   ­   E,   finalmente,   tendo   em   vista   que   a   educação  
profissional é o melhor factor de desenvolvimento económico dos  
povos e a fornecer às associações de classe, sindicatos ou núcleos  
operários, planos de cursos profissionais de qualquer indústria. 
Secretário Geral, Raul Pires; secretário técnico, José Simões  
Coelho. 

As ideias do pioneiro, do idealizador e fundador da Escola Moderna, afetavam a 
“segurança   do   Estado”,   abalavam   as   velhas   estruturas,   punham   em   “perigo”   as 
mistificações da Igreja e derrubavam a fé! E, baseadas nesses interesses mesquinhos, 
o   governo   espanhol   chamou   seus   escribas   e   ordenou­lhes   que   encontrassem   “meios 

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legais” para matar Francisco Ferrer! 
Em   Portugal,   a   exemplo   de   outros   países,   a   imprensa   libertária   promoveu   a 
divulgação   das   ideias   de  Ferrer  e  as  manifestações   de  protesto  contra   os   carrascos 
espanhóis, contra Dom Maura e o governo a quem servia de olhos fechados e ouvidos 
entupidos! 
A Vida, semanário anarquista do Porto, conclama os portugueses a manifestar­
se e sua voz teve eco, foi ouvida, atendida, e de norte a sul do país, o proletariado 
repudiou a medida vingativa, o gesto mesquinho e reacionário. 
Em   Setúbal,   os   anarquistas   do   Núcleo   Propaganda   Livre,   dirigido   pelos 
militantes Gerônimo Favas, Alexandre das Neves e Luiz Bernardino da Associação dos 
Marítimos,   promovem   manifestações   públicas,   tendo   como   oradores:   Bartolomeu 
Constantino   (pelo   Núcleo),   Martins   dos   Santos   (pelo   Germinal),   Fernão   Botto 
Machado, Xavier Correia, Francisco de Souza e o republicano Paulino de Oliveira. Os 
oradores   colocaram   em   votação   publica,   moção   de   repúdio   ao   governo   e   ao   clero 
espanhol.
No   Porto,   a   campanha   em   favor   de   Ferrer   foi   iniciada   pelos   anarquistas, 
aderindo alguns intelectuais e estudantes.  
No   comício   de   7   de   Abril   de   1907   falaram   os   seguintes   oradores:   Serafim 
Cardoso   Lucena,   Jaime   Cortesão,   Francisco   Santos,   Campos   Lima,   Pádua   Correia, 
Amadeu  da   Silva,  Leonardo  Coimbra,  Mem   Vidal,  Vasco  José Moreira,  Diamantino 
Leite, Deolindo Castro, Maneca Ferreira. 
Ao final foi aprovada esta breve moção: 

Considerando que o caso Ferrer e Nekeus sintetiza toda a  
Espanha autoritária e jesuítica;
Considerando que o ato de Nekeus não é senão a revelação  
dum espírito superior que se coloca fora da lei para se não colocar  
fora da Humanidade;
Considerando que Ferrer praticou apenas o nefando crime  
de propagar uma instrução racional e livre, e que todo o processo  
que lhe movem é só uma instigação dos clericais para inutilizar a  
Escola Moderna; 
Os   cidadãos   portugueses,   reunidos   em   comício   público,  
protestam   contra   a   inquisição   espanhola,   saudando   nesses   dois  
homens a Espanha consciente e livre. 

Para os semeadores do anarquismo, o atraso do trabalhador representava um 
grande  mal. Mal   que principiava  na   pobreza  económica   e terminava  na  pobreza   de 
raciocínio. 
Tinha raízes muito profundas, seculares, com efeitos negativos na formação e 
desenvolvimento das personalidades operárias, no povo humilde em geral, sobre quem 
recaiam todas as desgraças, inclusive a de não saber ler. 
Atrasados   intencionalmente   por   condicionamentos   físicos   e   psíquicos,   tinha 
dificuldades   em   perceber   as   mentiras   patronais   e   eclesiásticas,   governamentais   e 

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divinas! 
Boa parte aceitava com naturalidade a sua própria miséria e sua ignorância. 
Partindo dessa calamidade pública, desse atraso mental transformado em praga 
de   efeitos   anestésicos,   o   elemento   libertário   principiou   a   fundar   escolas   livres   com 
vistas a alfabetizar e a despertar o raciocínio do aluno, oferecendo­lhe um Mundo Novo 
que   não   podia   conhecer,   confinado   como   estava   dentro   dos   estreitos   limites   das 
convivências da burguesia reinante. 
Neste sentido, o jovem anarquista, Campos Lima, que acabava de formar­se em 
Direito, após uma visita à Comuna Escolar La Ruche, em Rambonillet, Paris (França), 
dirigida   pelo   anarquista   Sebastião   Faure,   funda   com   alguns   professores   um   grupo 
para pôr em prática, na terra lusa, os métodos libertários de ensino. Assim o grupo 
passou a usar o nome de Escola Livre de Coimbra, e esboçou o plano de educação e 
solidariedade   que   foi   publicado   nos   jornais   anarquistas   da   época,   baseado   nestas 
premissas: “A Escola Livre, que se destina à educação de crianças pobres, procurará 
evitar quanto possível os efeitos por que o ensino gratuito é ministrado em Portugal 
pelo estado. As crianças admitidas pela Escola Livre ficarão inteiramente a cargo do 
grupo   que   se   propõe   criá­las,   recebendo   gratuitamente   não   só   o   ensino   como 
alimentação,   vestuário   e   alojamento,   procurando­se   sempre   por   cuidados   que   as 
famílias pobres não poderiam ter, evitar o desequilíbrio entre o seu desenvolvimento 
intelectual e o desenvolvimento físico. Todas as crianças além duma instrução geral, 
aprenderão  pelo menos  um  dos  ofícios  que mais  estejam  de harmonia  com  as  suas 
aptidões e robustez.” E conclui: “A Escola Livre esforçar­se­á por que cada criança fique 
com um conhecimento o mais completo de si próprio e da vida em geral, habilitando­a 
a procurar os meios indispensáveis à conservação da existência: despertará em todos 
os sentimentos de independência e liberdade; desenvolverá entre elas o princípio do 
auxílio mútuo, base de toda a solidariedade, e não tendo a pretensão de formar sábios, 
dar­nos   por   satisfeita   e   cumpridora   da   missão,   se   conseguir   formar   homens   de 
carácter.”
A iniciativa do anarquista Campos Lima é seguida pela jovem professora Ilda 
Adelina   Jorge,  que  organizara   um   grupo  de  professoras   e  escritoras   para   fundar   a 
Escola Maternal, cujo plano era “receber as crianças de ambos os sexos desde os três 
até aos sete anos. As mães ao saírem de manda para as suas ocupações, aí colocarão os 
seus   filhos,   onde,   a   par   de   uma   prática   de   educação,   segundo   o   sistema   Froebel, 
encontrarão alimento, vestuário e em cada professora, em cada pessoa que a dirija, 
uma   mãe   carinhosa.   À   noite   voltarão   para   suas   casas.   Ao   completarem   seis   anos, 
passam as crianças para as aulas anexas às Escolas Maternais, aprendendo a ler e a 
escrever pelo método de João de Deus, o imortal amigo dos pequeninos. tendo sete 
anos, sairão da escola, ficando esta, sempre que possa a protegê­las”. 
A Vida lembra que “imensa legião” vê na educação a mais possante alavanca do 
progresso   e   registra   o   Núcleo   de   Educação   Anarquista   que   acabava   de   formar­se 
publicando a “Questão Social” de Campos Lima. 
A Vida – volta e meia trazia à discussão a educação e o ensino visto e analisado 
pela ótica libertaria. 
Em Junho de 1906, artigo da responsabilidade da direção do jornal evoca H. 
Spencer para dizer com ele: “Seria preciso dizer à criança o menos possível, e fazê­la 

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achar o mais possível”. 
A escola libertária atravessou dificuldades financeiras, inconstância de apoio, 
mas assim mesmo deixou marcas inapagáveis neste final da Monarquia. 
Ainda   no   final   de   1909,   nascia   o   Grémio   de   Educação   Racional   com   a 
participação   de   Adolfo   Lima,   Emílio   Costa,   Afonso   Manaças,   César   porto,   António 
Lima,   Simões   Coelho,   António   Evaristo,   Araújo   Pereira,   Delfim   Guimarães,   Jaime 
Sabrosa, Jorge Fernandes, Raul Pires,  Severino de Carvalho, A. Francisco dos Santos, 
Bernardo Sá Viana, Bento Faria, Carlos Antunes, Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra, 
Todi Gonçalves, Garibaldi Freire, Lucinda Tavares, cujos estatutos foram publicados 
na época. 
O Grémio tinha como meta maior ajudar na ramificação de Escolas Modernas 
em Lisboa e arredores, o que levou adiante, apesar das alterações que a República 
introduziu no ensino a partir de 1910. 
A   Manhã  depois   de   se   dirigir   Ao   Leitor   “saúda   a   todos   os   professores   e 
propagandistas,   a   todas   as   associações   e   publicações   periódicas   que   se   interessam, 
advogam e patrocinam a causa da educação e instrução populares, afirmando a adesão 
a   todas   as   iniciativas   que   tenham   por   fim   a   completa   emancipação   intelectual   do 
povo”. 
E   mais,   entra   no   terreno   da   ortografia   que   os   acadêmicos   insistiam   em 
atualizar,   simplificar  e  uniformizar  a  fim   de  eliminar   o analfabetismo.  Neno  Vasco 
começou essa campanha em 1904­1905 em S. Paulo, Brasil, nas páginas de O Amigo  
do Povo, continuou em A Terra Livre, 1907­1908, adotando inclusive uma simplificação 
ortográfica que A Manhã defenderia em 1909. 
Engajada   nesta   campanha   de   educação   integral,   Deolinda   Lopes   Vieira, 
escreveu em A Manhã: “As questões pedagógicas, pois, merecem e precisam de estudo, 
de  desvelo   e   do  dedicado  amor   de  todos   os   homens   e  de  todas  as   mulheres.   Neste 
imenso oceano de maldade e hipocrisia, de violências e injustiças, de devassidão e de 
crimes em que a humanidade, a pouco e pouco, se vai submergindo e esforçadamente 
se debate, a educação da infância será, sem dúvida, a sua única tábua de salvação. 
Para que assim aconteça, torna­se indispensável e urgente uma profunda remodelação 
no   ensino:   uma   revolução   na   maneira   de   ensinar   presentemente.   A   fim   de   que   a 
educação seja útil e benéfica, é preciso que ela vise conjuntamente o cérebro, o coração 
e a saúde e vigor físico da criança, isto é, que ela tenda a desenvolver normalmente as 
suas   faculdades   físicas,   intelectuais   e   morais.”   E   concluía:   “Eduquemos   as   novas 
gerações  integral, racional  e cientificamente, e uma  humanidade nova  composta de 
organismos   robustos,   de   cérebros   ilustrados,   de   corações   afetuosos,   de   caracteres 
dignos, sucederá a esta humanidade de raquíticos, de egoístas, de seres sem dignidade 
e sem energia”.
Num   trabalho   paralelo   ao   das   Escolas   Livres,   os   libertários   adotavam   o 
Esperanto como sua língua universal, agilizavam o livre pensamento, a formação de 
ateneus, grupos naturalistas e de teatro social. Por este meio faziam propaganda de 
suas   ideias   ao   vivo   para   as   famílias   proletárias   e   outros,   bem   como   instruíam, 
treinavam   na   arte   do   diálogo   social   e   ainda   conseguiam   recursos   financeiros   para 
prestar solidariedade humana e publicar jornais, revistas e brochuras anarquistas. 

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O teatro social começou com os socialistas que não tardaram a deixá­lo de lado 
na medida em que não rendia dividendos eleitorais. 
Ao contrário, os ácratas davam­lhe amplo apoio: formaram grupos, escreviam 
peças e/ou traduziam para encenar e levar aos palcos das associações operárias e aos 
salões tradicionais. 
No emaranhado de escolas dramáticas que se formavam e desapareciam depois 
da representação de algumas peças, até ao final da Monarquia duas se destacaram: a 
Sociedade de Teatro Livre e a Escola­Teatro Araújo Pereira. Estas duas agrupações 
chegaram à “profissionalização” e o último deu até aulas de arte de representar. 
Para os libertários, todos os meios honestos eram válidos para fazer de cada 
indivíduo, um cidadão capaz de usar os braços e o cérebro, autogovernar­se. Proferiam 
centenas   e   centenas   de   conferências   e   palestras,   publicaram   opúsculos,   jornais, 
revistas, e “mobilizaram” todos os seus militantes na sementeira anarquista. 
Para   uma   melhor   compreensão   da   coerência   dessa   tarefa,   vamos   recuar   no 
tempo e alinhar alguns factos. 
A Revolta  divulgou textos valiosos e  A Vida  publicou em folhetim: In Limine; 
Nem Deus nem Pátria, do brasileiro Benjamim Mota; Anarquia e Comunismo, de C. 
Malato;   Reflexões   acerca   do   Individualismo   de  A   Vida;   Humanitários,   de  A   Vida; 
Propaganda   e   Crítica,   de  A   Vida;   Antes   do   Momento,   de   C.   Malato;   Na   Sociedade 
Anarquista, de A Vida; No Café, de E. Malatesta; Autoridade e Anarquia, de Eduardo 
Maio; Os Crimes de Deus, de S. Faure; e O Salariato, de Pedro Kropotkine. 
Recebeu ainda Enciclopédia Teatral, Amor e Ouro (teatro social), de Agostinho 
Guizardi; Os Esmagados (drama social), Rothem; A Humanidade, os jornais Antorcha 
(Argentina), Despertar, A Obra, O Construtor Civil, a revista de Trabajo, e os Boletins 
da Escola Moderna. 
Esta   imprensa   revolucionária   produziu   a   figura   do   autodidata,   militante 
consciente   e   culto   que  tinha   em   sua   moradia   (quando   a   polícia   não  os   levava,  nas 
constantes buscas) obras dos grandes escritores liberais, livres pensadores, filósofos e 
anarquistas como: A Conquista do Pão, de P. Kropotkine; Um Século de Espectativa, P. 
Kropotkine;   Evolução,   Revolução   e   Ideal   Anarquista,   Elisée   Reclus;   A   Sociedade 
Futura,   Jean   Grave;   A   Psicologia   do   Militar   Profissional,   Y.   Prat;   Porque   Somos 
Anarquistas, S. F. Merline; Minha Defesa, Etievant; Entre Camponeses, E. Malatesta; 
Escravidão   Antiga   e   Moderna,   E.   Areña;   O   Trabalho,   E.   Zola;   Germinal,   E.   Zola; 
Judeus   Cristãos   e   Maometanos,   Felizardo   Lima;   A   Religião   ao   Alcance   de   Todos, 
Ibarreta; Da Responsabilidade, Campos Lima; Anarquismo e Comunismo, C. Cafiero; 
Os Crimes de Deus, S. Faure; Evangelho de um Seminarista, Tomás da Fonseca; O 
Cristianismo e a Razão, Py y Margal; Peste Religiosa, J. Most; Anarquia, E. Malatesta; 
Pátria e Internacionalismo, A. Hamon; Determinismo e Responsabilidade, A. Hamon; 
Educação e Autoridade Paternal, Gerard; Na Sociedade Anarquista, Federico Urales; 
Humanidade del Porvenir, Henrique Liuria; Boletins da Escola Moderna; O Auxílio 
Mútuo,   P.   Kropotkine;   Em   Volta   de   Uma   Vida,   P.   Kropotkine;   A   Propriedade   do 
Socialismo, C. de L.; Um Século de Expectativa, P. Kropotkine; Anarquia e a Igreja, E. 
Reclus; A Velhice do Padre Eterno, Guerra Junqueiro; Os Sermões da Montanha e 
Fátima,   Tomás   da   Fonseca   e   obras   de   Oliveira   Martins,   Alexandre   Herculano, 

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Heliodoro Salgado, Gomes Leal, Victor Hugo, José Ingenieres, Eugen Relgis, George 
Nicolai,   Bertrand   Russel,   Darwin,   E.   Heckel   e   trocava   conhecimentos   com 
companheiros do Brasil, da Espanha, da França, da Itália, da Argentina, da Rússia da 
Inglaterra, dos Estados Unidos, da Alemanha, do Uruguai, do Japão e da Bélgica.

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OS ANARQUISTAS ORGANIZAM­SE: A FAI

O   processo   de   organização   entre   os   vários   grupos   anarquistas   portugueses 


desenvolveu­se devagar. A primeira e séria tentativa de realizar uma estrutura federal 
teve lugar em 1902, quando foi criada a Federação Socialista Livre, que coligou a acção 
de grupos de Lisboa, Almada, Setúbal, Algarve, Covilhã, Funchal, etc. Sucessivamente 
no Porto nasceu em 1907 uma estrutura federativa local que desde 1911 atribuiu­se o 
nome   de   Federação   Anarquista   da   Região   do   Norte   (FARN),   activa   até   1914.   Em 
Lisboa,   após   várias   tentativas,   constituiu­se   em   1911   a   Federação   Anarquista   da 
Região   Sul   (FARS).   E   nasceram   também   a   União   Anarquista   Algarvia   (UAA)   e   a 
Aliança Anarquista de Coimbra (AAC), politicamente importantes, mas que tiveram 
una vida breve porque golpeadas por uma vaga repressiva.  
O   movimento   anarquista   português   assumiu   em   pouco   tempo   um   carácter 
comunista libertário, arraigando­se decididamente na luta de classes e as suas ideias 
difundiram­se no  meio operário e em  parte camponês  mais  rapidamente do que  as 
ideias   republicanas   e   socialistas.   Relevância   escassa   tiveram,   pelo   contrário,   as 
tendências   individualistas.   O   influxo   maior   veio   especialmente   por   Bakunin, 
Proudhon, Kropotkin, Malatesta, Tolstoj. 
E nas lutas do proletariado, um papel de relevo foi desempenhado pelos anarco­
sindicalistas, os quais sempre se opuseram ao parlamentarismo burguês, propugnando 
a greve geral expropriadora e insurreccional (por isso implicando as acções armadas) e 
o comunismo libertário como organização da sociedade futura.  
Além   de   operários,   camponeses   e   intelectuais,   a   propaganda   anarquista   não 
podia deixar indiferente a juventude estudantil, sobretudo a universitária, influindo 
sobre a inteligência e o sentimento. O centro estudantil com mais vitalidade formou­se 
na Universidade de Coimbra nos anos 1910­11, em particular, na Faculdade de Direito. 
A   seguir,   muitos   separaram­se   do   anarquismo,   mas   muitos   outros   mantiveram   as 
posições   libertárias,   enfrentando   corajosamente   as   dificuldades   e   perseguições   dos 
anos sucessivos (republicanas e fascistas), alguns pagando essa fidelidade com a vida. 
Naturalmente,   o   processo   de   organização   dos   anarquistas   portugueses 
ressentiu­se   dos   acontecimentos   quer   interiores   quer   exteriores,   a   começar   pela 
revolução   mexicana   (entre   os   revolucionários   anarquistas   mexicanos   lembram­se 
Ricardo Flores Magón, Práxedis Guerrero e Librado Rivera). 
No início de 1914, aproveitando a detenção da maioria dos militantes anarco­
sindicalistas,   a   Federação   Operária   de   Lisboa   (de   tendência   reformista)   tentou 
organizar um congresso de nível nacional. A manobra não teve êxito porque, caído o 
governo, muitos prisioneiros foram libertados. O congresso teve lugar em Março de 
1914, e acabou por levar à aprovação dos estatutos da União Operária Nacional (UON) 
que   começou   a   obrar   em   Lisboa   e   Porto,   com   uma   clara   predominância   dos 
anarquistas. 
Na altura da Primeira Guerra Mundial os anarquistas lusitanos, na maioria, 
declaram­se   publicamente   contra   o   conflito,   e   alguns   deles   –   depois   da   decisão   do 
governo português de participar na guerra junto aos Aliados (isto para evitar que a 
Grã Bretanha, aproveitando a neutralidade portuguesa, pusesse as mãos nas colónias 
africanas de Portugal) escolheram a deserção. Delegados da UON em Abril/Maio de 

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1915 participaram no I° Congresso Mundial contra a Guerra organizado em El Ferrol 
(Galiza) pelo Ateneo Sindicalista1 desta cidade galega.
Contudo, não faltaram os anarquistas que escolheram uma posição favorável aos 
Aliados,   como   os   colaboradores   do   jornal  Germinal,   Emílio   Costa,   Bernardino   Sol, 
Augusto Machado, etc. 
Em Setembro de 1919, em lugar da UON foi constituída a Confederação Geral 
dos Trabalhadores (CGT) que abrangia uniões locais e federações de sindicatos. Como 
secretário­geral   do   Comité   Confederal   foi   eleito   o   anarquista   Manuel   Joaquim   de 
Sousa, coadjuvado por Miguel Garcia e José Carvalhal. 
Os princípios e objectivos fundamentais da CGT eram:  
• a organização federativa autónoma dos trabalhadores; 
• a luta, fora de qualquer escola política ou doutrina religiosa, pela eliminação 
do sistema do salário e do patronado;
• a colectivização dos instrumentos de produção;
• as relações solidárias com todas as centrais dos trabalhadores do mundo;
• a eliminação do capitalismo.  
O órgão de imprensa da CGT foi desde logo o famoso jornal A Batalha, mas as 
relações entre a confederação e o jornal não foram sempre fáceis, porque A Batalha por 
vezes adoptou atitudes consideradas “reformistas”.
Em Maio de 1923, na Primeira Conferência Anarquista da Região Portuguesa, 
que teve lugar em Alenquer com a participação de 45 delegados das várias regiões do 
país,   foi   constituída   a   União   Anarquista   Portuguesa   (UAP).   Eram   tarefas   da   UAP 
trabalhar   pela   reunião   dos   grupos   anarquistas   e   dar   impulso   à   actividade   de 
organização, propaganda e acção libertária em Portugal, ficando firme a autonomia de 
cada grupo aderente. Um comité de 5 membros cuidava das relações, da informação, 
dos inquéritos e das publicações da UAP (boletins, manifestos, etc.). 
A UAP estava estruturada em três federações regionais (Norte, Centro e Sul) e 
foi a mais integrada e coerente organização anarquista de Portugal – apesar de não 
englobar a totalidade do movimento anarquista – chegando a federar até 40 grupos de 
militantes, e foi sujeito activo na fundação da Federação Anarquista Ibérica. A sua 
actividade acabou em 1927, sob a ditadura.
Após uma primeira fase de indiferença e cepticismo do meio libertário, a UAP 
fortaleceu­se, desenvolvendo uma acção muito intensa de organização e propaganda; 
entrou numa estreita ligação com as organizações operárias e a actividade sindical 
constituiu   uma   esfera   fundamental   para   todos   os   seus   grupos   e   federações   que   ­ 
através dos militantes sindicalistas ­ exerceram um influxo potente em favor da acção 
directa com alvos revolucionários.
Além   disso,   a   UAP   teve   uma   influência   considerável   entre   os   intelectuais   e 
alguns   membros   da   classe   média   pelo   nível   da   sua   acção   de   difusão   das   ideias 
anarquistas:   conferências   culturais   e   científicas,   comícios,   etc.   Dentro   da   União 
formaram­se (ou aderiram a UAP) também grupos exclusivamente de camponeses, ou 
mineiros, ou mulheres.
Em  1923   em   Évora   teve  lugar  a  Conferência  das   Organizações  Operárias   de 
Espanha e Portugal: estavam presentes, na qualidade de representantes da espanhola 

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CNT, Ácrato Lluhl, Manuel Pérez e Sebastián Clara; e como representantes da CGT 
José de Silva Santos Arranha e Manuel Joaquim de Sousa. Afirma Edgar Rodrigues 
que   aquele   acontecimento   foi   de   importância   fundamental   para   o   anarquismo 
peninsular, porque do encontro nasceu o impulso de facto (se bem que não de jure) para 
a criação duma federação ibérica.  
Em concreto, parece que Manuel de Sousa, apoiado por Pérez, propôs a formação 
duma   entidade   que   unisse   os   anarquistas   da   península.   Por   outra   parte,   na   sua 
célebre Historia de la FAI o espanhol Juan Gómez Casas ignora no total esta reunião. 
Com   certeza   pode­se   dizer   que   em   Évora   se   falou   dos   problemas   logísticos 
ligados à constituição dum comité sindical  peninsular entre CNT e CGT, na óptica 
duma confederação sindical ibérica. Mas quer em Espanha quer em Portugal tudo se 
precipitou: em Maio de 1924 a ditadura militar de Primo de Rivera ilegalizou a CNT, 
dando um golpe terminal ao projecto de confederação entre as duas entidades anarco­
sindicalistas.
Depois, a esperança residual foi cancelada pelo golpe militar em Portugal que 
mudou   cabalmente   a   situação   da   CGT,   declarada   fora­da­lei   no   ano   seguinte. 
Militantes dos dois países foram forçados ao exílio na Europa ou América Latina. 
Melhor êxito teve o projecto paralelo que se movia no sentido duma federação 
entre   as   entidades   anarquistas   nacionais   da   península:   este   processo   começou 
realmente   em   1923,   quando   espanhóis  e   portugueses   estavam   dotados   das   suas 
próprias   organizações   nacionais:   o   Comité   Nacional   de   Relaciones   Anarquistas   e   a 
UAP.   Em   Abril   de   1925   teve   lugar   em   Barcelona   o   congresso   clandestino   dos 
anarquistas espanhóis, onde o representante português da UAP apresentou o pedido 
formal   de   criar   uma   federação   anarquista   ibérica.   O   congresso   decidiu   a   formação 
duma comissão mista hispano/portuguesa com a tarefa de avaliar a possibilidade de 
realização da proposta. 
Por causa da repressão do governo de Primo de Rivera, o Comité de Relaciones 
Anarquistas deslocou­se a França, onde, em Maio de 1926, em Marselha, decorreu o 
congresso   da   federação   local   dos   anarquistas   de   língua   espanhola,   com   a   presença 
também   de   representantes   da   AIT,   da   Unione   Sindicale   Italiana­USI   (Armando 
Borghi) e da CGT (Manuel de Sousa).  
Naquela   ocasião foram   aprovadas:  a)  a  constituição da  Federação Anarquista 
Ibérica; b) a implantação transitória da sede do Comité de Coordenação da FAI em 
Lisboa,   por   causa   das   condições   adversas   para   os   anarquistas   em   Espanha;   c)   a 
atribuição ao Comité da tarefa de convocar – quando possível – um Congresso Ibérico.  
O golpe de estado militar do 28 de Maio de 1926 em Portugal – que deu início ao 
processo  político  do qual   nasceu  a  longa  ditadura   de  Salazar  –  entre outras   coisas 
anulou também o Congresso Anarquista de Lisboa, que se realizou em Valência a 25 
de Julho de 1927, data de fundação da FAI geralmente aceita. Neste congresso entre os 
delegados portugueses participava Francisco Quintal, do Comité da UAP e director do 
periódico O Anarquista. Para o Secretariado do Comité Peninsular da FAI foi nomeado 
Germinal de Sousa (filho de Manuel), com os espanhóis Ruiz e Jiménez. 
Edgar Rodrigues julga que o “silêncio” sobre a origem não apenas espanhola da 
FAI – entidade que os anarquistas de Espanha se inclinam a considerar “coisa deles” – 
pode ser atribuída a um conjunto de causas, como a obra de destruição da memória 

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histórica e política desenvolvida por 48 anos de ditadura clerical/fascista em Portugal; 
a característica “atitude” espanhola relativa aos acontecimentos da revolução de 1936, 
os quais deram uma imagem em aparência só espanhola à FAI. 
Na   realidade,   anarquistas   portugueses   participaram   nas   actividades   da   FAI 
(como   nos   plenários   nacionais   em   1933   e   1936)   e   –   até   quando   foi   possível   – 
constituíram   grupos   libertários   em   Espanha,   com   participação,   por   exemplo,   de 
Vivaldo Fagundes e José Rodrigues Reboredo. 

* * *

Em Portugal nesse tempo, também os comunistas bolchevistas se organizavam. 
O anúncio da revolução russa foi recebido com muito entusiasmo pelos trabalhadores 
portugueses,  sobretudo  nos primeiros  dois  anos,  ou seja  até a  começarem  a  chegar 
notícias   sobre   repressões   sangrentas   dos   bolchevistas   contra   anarquistas   e 
revolucionários. Em Portugal, muitos abriram os olhos, mas outros não, como afinal 
aconteceu noutros países europeus. Assim produziu­se uma fractura também entre os 
trabalhadores portugueses, pela acção dos bolchevistas locais.  
Em   1919   foi   publicado   o   periódico  Bandeira   Vermelha,   dirigido   pelo   pseudo 
anarquista   Manuel   Ribeiro,   e   foi   constituída   a   Federação   Maximalista   Portuguesa 
(FMP),   caracterizada   por   uma   ideologia   que   misturava   bolchevismo,   anarquismo   e 
sindicalismo   revolucionário:   a   sua   função   era   preparar   as   bases   operativas   para   a 
criação dum partido comunista em Portugal. 
A FMP foi dissolvida em Dezembro de 1920, e a 6 de Março de 1921 em Lisboa 
constituiu­se   o   Partido   Comunista   Português   (PCP).   Como   se   vê,   este   partido   não 
nasceu duma cisão no Partido Socialista (o caso mais comum na Europa), porém pela 
iniciativa de ex anarquistas e sindicalistas revolucionários. 
O PCP tratou logo de encontrar saídas para o problema da sua penetração no 
interior   do   proletariado   português   organizado:   o   que   devia   pô­lo   em   contraposição 
clara   e   imediata   com   os   anarquistas,   particularmente   dentro   da   CGT.   Isto   foi 
manifestado claramente por Jules Droz, delegado da III Internacional moscovita, que 
no seu relatório a Moscovo sobre Portugal escreveu:  

Em relação à CGT, o trabalho no seio da mesma a favor da  
Internacional Sindical Vermelha é feito pela minoria sindical que  
mantém as melhores relações com o partido e que concluiu com ele  
um pacto pelo qual o partido deixa à minoria sindical o cuidado  
de conduzir a acção no seio da CGT. Mas o partido impõe aos seus  
membros a obrigação de aderirem à minoria sindical. Reserva­se o  
direito   de   formar   em   todos   os   sindicatos   os   seus   núcleos  
comunistas que apoiarão a acção da minoria e farão propaganda  
comunista. O partido é o braço direito da minoria sindical e a sua  
acção é muito importante para a conquista da CGT.  

Em teoria, o objectivo a atingir não parecia simples – no início dos anos 20 os 

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comunistas tinham 50 militantes em Lisboa e 20 no Porto, enquanto os aderentes à 
CGT eram pelo menos 100.000 no país – mas não impossível. 
Em 1921 a CGT rejeitou a proposta de adesão à Internacional dos Sindicatos 
Vermelhos de Moscovo, apesar das pressões e manobras da minoria bolchevista dentro 
da   Confederação.   Contudo,   no   meio   dos   trabalhadores   portugueses   a   falta   de 
informações   amplas   sobre   a   situação   real   da   Rússia   sob   domínio   bolchevista   tinha 
criado   uma   confusão   de   ideias   e   de   posições   que   o   PCP   pôde   explorar   para   seu 
benefício.  
O   mito   da   revolução   russa   (o   qual   ao   longo   dum   século   temos   conhecido   os 
resultados devastadores entre os trabalhadores, europeus e não apenas) fez com que 
alguns passaram do anarquismo para o PCP pelo estímulo dum entusiasmo digno de 
melhor   causa;   mas   outros   fizeram­no   sem   pensar   muito,   por   curiosidade   ou 
empurrados   por   amigos   e   camaradas;   outros   ainda   por   rancores   ou   exigências   de 
afirmação pessoal. 
Em 1924 os sindicatos do PCP renovaram, por meio dum referendo, um esforço 
grosseiro a favor da adesão à Internacional dos Sindicatos Vermelhos, mas o resultado 
foi totalmente negativo para os bolchevistas: 104 sindicatos pronunciaram­se para o 
não e só 6 foram favoráveis à adesão.  
Em Setembro de 1925 o Congresso de Santarém da CGT confirmou a adesão, ao 
contrário, à anarco­sindicalista Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT). A 
CGT   ainda   resistia   bem,   mas   a   sucessiva   crise   da   República   acabou   por   abrir   o 
caminho   à   expansão   do   PCP   no   seio   do   proletariado   português,   e   por   derrubar   a 
hegemonia da CGT. 
 

1
  Em   nome   da   UON   participaram:   Mário   Nogueira,   Manuel   Joaquim   de   Sousa, 
Serafim Cardoso Lucena, António Alves Pereira, Ernesto da Costa Cardoso; e Aurélio 
Quintanilha em nome das Juventudes Sindicalistas.

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