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Fernando Guillermo Vázquez Ramos | Exposições de arquitetura: cronologia de um fenômeno cultural moderno e algumas inquietações

Exposições de arquitetura: cronologia


de um fenômeno cultural moderno e
algumas inquietações
Fernando Guillermo Vázquez Ramos*

*Professor adjunto no Curso Resumo


e no Programa de Pós-gra-
duação em Arquitetura e Ur-
Este texto discute a história das exposições de (e sobre) arquitetura, que, tendo nascido no início do
século XX, nos acompanham até hoje como afirmações fisicamente constituídas ou narrativas espa-
banismo da Universidade São
cialmente determinadas da criatividade dos arquitetos modernos, pois foi na modernidade que esses
Judas Tadeu. Doutor (Univer-
eventos se desenvolveram. Defende que as exposições foram, e ainda são, palco da experimentação
sidad Politécnica de Madrid,
e da coragem evidenciadas pela produção arquitetônica (e urbanística) da vanguarda e de estilos con-
1992); Master em Estética y sensualmente consolidados, mas que também respondem a propósitos didáticos e de propaganda de
Teoria de las Artes (Instituto de instituições culturais governamentais e/ou privadas de todo tipo. Comenta ainda algumas das diferen-
Estética y Teoria de las Artes, tes modalidades que as exposições assumiram nos últimos 100 anos, dependendo do talante de seus
1990); Técnico em Urbanismo organizadores (artistas ou curadores), para então questionar as intenções que elas têm, ou deveriam ter,
(Instituto Nacional de Adminis- nos dias atuais. O artigo também serve como introdução ao tema das exposições e da curadoria, que
tración Pública, 1988); Arqui- a revista arq.urb definiu como mote para o número 20, o último de 2017.
teto (Universidad Nacional de
Buenos Aires, 1979). Palavras-chave: Curadoria. História da arquitetura moderna. Arte e arquitetura. Museus. Galerias de Arte.

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Exposições de arquitetura são relativamente Justamente por se tratar de eventos que privile-
modernas. Houve algumas no século XIX, nota- giavam e fomentavam o contato entre as artes,
damente na Inglaterra, que produziu a primeira as exposições incluíam a arquitetura de f0orma
exposição universal em 1851, cujo principal ob- geral, como uma manifestação a mais da propos-
jeto de exibição era o próprio edifício onde ela ti- ta abrangente do Arts & Crafts. Assim, a visão da
nha lugar, o Crystal Palace (Palácio de Cristal), de arquitetura vinculava-se ao trabalho artesanal e
Joseph Paxton. Contudo, para falar propriamente de design que os membros produziam de forma
em exposições de arquitetura ou em que a arqui- colaborativa. Ainda que de proporções bem mais
tetura foi de alguma maneira exibida, devemos reduzidas, as mostras do movimento tinham fina-
esperar até as atividades de promoção e divulga- lidades similares às que manifestavam as gran-
ção do movimento Arts & Crafts (Artes e ofícios), des feiras (internacionais ou universais) da se-
especialmente as ligadas ao grupo de William gunda metade do século XIX, com os europeus
Morris, The Arts & Crafts Exhibition Society, que (sobretudo franceses e britânicos, mas também
tiveram início em 1888, na recém-inaugurada The alemães) mostrando o avanço da ciência e da
New Gallery (Figura 1). Essa entidade cultural vi- arte que a civilização ocidental e o capitalismo
sava promover a arte renovadora da época (pré- industrial promoviam.
Figura 1. O hall central da New Gallery, Londres, 1888. Dis- -rafaelita, principalmente) para expandir a visão
ponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/New_Gallery_(Lon- e a influência da arte sobre outros campos como Para falar em exposições de arquitetura stricto
don)#/media/File:New_Gallery_London_Central_Hall_1888.
jpg>. Acesso em: 19 nov. 2017. [Imagem do catálogo “New
o do design, que começava a despontar nos tra- sensu, devemos entrar definitivamente no século
Gallery Notes”, Summer, 1888.] balhos de Morris e nos de outros membros do XX, que as viu nascer. As primeiras exposições
movimento. realmente destinadas à arquitetura (e à constru-
ção da cidade) foram promovidas na Áustria e na

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Alemanha. O caso austríaco se remete à Vienna O caso alemão é diferente; não porque não re-
Secession, que, em 1897-88, sob o comando de conheça ou manifeste o vínculo entre as artes,
Joseph Maria Olbrich, realizou a exposição “Die especialmente com a pintura, mas porque a
Sezession”. Aí, a arquitetura compareceu como centralidade da arquitetura se evidencia na sua
o edifício (Figura 2), emblemático por certo, que preeminência. A primeira exposição de impacto
sediava uma exposição de arte, principalmente certamente foi a “Deutscher Werkbund Ausste-
pintura e escultura. Nesse sentido, ainda segue llung” (Exposição da Associação Alemã da Cons-
de perto a tradição das exposições britânicas trução), realizada em 1914, em Colônia, onde
do Arts & Crafts, mas nesse caso é evidente a se apresentaram as primeiras obras de Walter
Figura 2. Desenho do edifício da Secession (Wiener Seces- centralidade da arquitetura, que alegoricamente Gropius (Fábrica Fagus) e Bruno Taut (Pavilhão
sionsgebäude). Joseph Maria Olbrich, 1897. Disponível em: “inclui” as outras artes. de Cristal). Porém, concentrando-nos especifica-
<http://www.design-is-fine.org/post/44774107173/design-
-for-the-wiener-secessionsgeb%C3%A4ude-vienna>. Aces-
mente em exposições de arquitetura (de obras,
so em: 19 nov. 2017. mas também de projetos) em geral, e não de al-
guns edifícios, a primeira proposta significativa
poderia ser a “Ausstellung für unbekannte Archi-
tekten” (Exposição dos Arquitetos Desconheci-
dos), de 1919, produto do trabalho colaborativo
do Arbeitsrat für Kunst (Conselho de Trabalho
pela Arte), dirigido pelo arquiteto Bruno Taut e
pelo crítico Adolf Behne, que resultou do empe-
nho dos membros do Novembergruppe (Grupo
de Novembro, de artistas expressionistas que in-
cluía arquitetos como Mies van der Rohe e Walter
Gropius, por exemplo) e do Deutscher Werkbund
(Associação Alemã da Construção, que reunia in-
dustriais, construtores, artesãos, artistas e arqui-
tetos ligados à construção). A exposição seguia
os moldes das exposições comuns das artes
plásticas, pois os arquitetos estavam inteiramen-
te comprometidos com os grupos de artistas ex-
pressionistas da época. Assim, da mesma forma
que em exposições de pintura, essa apresentava
projetos utópicos (Idealprojekte) de arquitetura e

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cidade, desenhos, colagens e fotografias mani- se foram desenvolvendo, de forma bastante va-
puladas, todos trabalhos emblemáticos do posi- riada, mas sempre na Alemanha. Algumas mais
cionamento crítico dos integrantes e simpatizan- complexas e imponentes, como a do Weisse-
tes de Die Gläserne Kette (A Corrente de Cristal, nhofsiedlung, onde aconteceu a exposição “Die
grupo de expressionistas ligados a Bruno Taut) Wohnung” (“A habitação”), em Stuttgart, 1927,
como Max Taut, Johannes Molzahns, Hermann seguindo o modelo da construção de bairros que
Finsterlin e Wenzel Hablik. No catálogo (Figura 3), tinha sido inaugurado com “Mathildenhöhe” (Dar-
textos críticos de Walter Gropius, Adolf Behne e mstadt, 1901), de Joseph Maria Olbrich, ou como
do próprio Bruno Taut sobre o entendimento da “Deutsche Bauausstellung Berlin” (“Exposição da
arquitetura e da cidade. A exposição alcançou Construção Berlim”), onde se instalou a mostra
sua maior vocação política em 1920, quando o “Die Wohnung Unserer Zeit” (“A habitação de
Arbeitsrat für Kunst a levou para os bairros ope- nossa época”), de 1931. Um evento importante,
rários de Berlim, “dedicando-a aos proletários”. onde se apresentaram projetos (arquitetônicos e

Embora imbuído do princípio de unidade das ar-


Figura 3. Catálogo da “Ausstellung für unbekannte Archi- tes – tanto que cabe mencionar ainda a presença
tekten”, 1919. Disponível em: <https://www.deutsche-digi-
de integrantes da Brücke e de Der Blaue Reiter
tale-bibliothek.de/item/L4UWWZIAAJ6NJFNSOSEEUZG-
MWSRNIC53>. Acesso em: 19 nov. 2017. (Ponte e O Cavaleiro Azul, ambas associações de
pintores expressionistas, tanto naturalistas como
abstratos, que contaram com a participação de
Ludwig Kirchner e Erich Heckel, bem como de
Wassily Kandinsky e Franz Marc, respectivamen-
te) e a influência de revistas como Der Sturm e
Die Aktion (A Tempestade e A Ação) – o traba-
lho desses arquitetos e críticos preconiza a inde-
pendência da arquitetura frente às outras artes.
Confere-lhe centralidade e, sobretudo, defende
que seja a única em que as outras podem se en-
contrar e operar uma síntese que leve à concep-
ção da Gesamtkunstwerk (“obra de arte total”), Figura 4. Interior da “Deutsche Bauausstellung Berlin”, 1931.
tão almejada no início do século XX. À direita, na parte inferior da foto, a casa experimental de Mies
van der Rohe. Disponível em: <http://www.scielo.cl/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0717-69962013000100011>.
A partir dessas mostras expressionistas, outras Acesso em: 19 nov. 2017.

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urbanísticos, que não eram raros na época) e ino- vas, seriam as exposições tradicionais, inclusive
vações da pujante indústria alemã de construção as das artes plásticas, como as exibidas desde
e ainda modelos em escala natural de constru- o século XIX até os anos 1920. As ativas foram
ções modernas, como uma das famosas casas pensadas mais como instalações, ainda que o
de Mies van der Rohe. (Figura 4) Todas essas termo só apareça cinco décadas mais tarde. Se-
mostras apostavam em propostas experimen- riam espaços dedicados à experimentação e à
tais, atestando que o pensamento arquitetônico construção do novo na arte, fosse plástica, grá-
estava adiantado em relação à produção física da fica ou arquitetônica. A própria exposição seria
arquitetura na época. uma obra de arte aberta, popular e comunicativa:
pura propaganda reflexiva.
Por outro lado, havia as exposições de caráter
vanguardista, também experimentais, mas que A exposição “De Stijl” (Figura 5), que Van Does-
queriam dar a ver o avanço crítico (e espiritual) burg e Cornelis van Eesteren realizaram na Ga-
da arquitetura moderna no âmbito cultural, mais lerie l’Effort Moderne, de Léonce Rosenberg, na
que sua relação com a produção industrial. Essas Paris de 1923, pode ser considerada um dos
exposições eram menos institucionais e, assim, maiores expoentes dessa modalidade concei-
mais contestatórias, normalmente vinculadas a tual, tendo elevado a arquitetura a um patamar
galerias de arte. Tiveram em artistas do calibre superior de idealização e formalização não explo-
de El Lissitzky (Lazar Markovich Lissitzky) ou rado até ali e que compareceu na produção da
Theo Van Doesburg (Christian Emil Marie Küpper) exposição. O impacto do trabalho apresentado
figuras centrais na formulação de propostas ino- pelos organizadores foi enorme, sobretudo pelos
vadoras e de grande impacto na consolidação sistemas de representação, impondo a axono-
do pensamento arquitetônico e urbanístico da metria como forma comunicacional emblemática
época. Em 1922, El Lissitzky organizou a sessão da nova concepção arquitetônica. Predominan-
construtivista (“Erste Russische Kunstauesste- te nos desenhos apresentados pela dupla para
llung”) da Galeria Van Diemen, em Berlim, mos- o projeto de suas casas experimentais (La Mai-
trando pela primeira vez a produção da vanguar- son Particulière, ou A Casa Particular, La Maison
da russa que resultara da Revolução de Outubro d’Artiste, ou Casa de Artista, e L’Hôtel Particu-
de 1917 e da consolidação dos grupos cubista, lière, ou A Residência Particular), a axonometria
construtivista e suprematista. El Lissitzky definiu foi adotada como representação normativa pelos
dois tipos de exposições: passivas e ativas. As arquitetos ligados a De Stijl, por mestres moder-
primeiras apresentavam o que já havia sido feito. nos, caso de Le Corbusier e de Walter Gropius,
Nesse sentido, eram historiográficas e educati- e por outros alunos e professores da Bauhaus.

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Tornou-se a representação mais usada pelos mo- O esforço mais importante nesta direção par-
dernos durante os anos 1920-30 e ainda voltou tiu do Museu de Arte Moderna de Nova York
vigorosamente em trabalhos experimentais dos (MoMA), que em 1932 apresentou a “Modern Ar-
anos 1960-70, de arquitetos como Peter Eisen- chitecture: International Exhibition” (“Arquitetura
man, por exemplo. Moderna: Exposição Internacional”) (Figura 6).
Segundo o diretor do museu, Alfred H. Barr Jr., o
O esforço europeu para construir um pensamen- evento era “the best way of presenting effectively
to arquitetônico e urbanístico por meio de expo- to the public every aspect of the new movement”.
sições se prolonga até início dos anos 1930. Pau- Sob a curadoria de Henry-Russell Hitchcock Jr. e
latinamente, elas se foram transformando num Philip Johnson, expuseram-se de forma eficiente
modo de difundir o pensamento moderno e sua e rica representações variadas (de desenhos a
Figura 5. Interior da exposição “De Stijl”, Paris, Galerie l’Effort arquitetura e concepção de cidade, que termi- modelos, fotografias e comentários explicativos
Moderne, 1923. Na frente, a maquete da Residência Particu- nou estruturando uma propaganda institucional detalhados) do melhor da arquitetura moderna
lar, Theo Van Doesburg e Cor van Eesteren. Disponível em:
<https://i.pinimg.com/originals/ca/6e/16/ca6e16edbf376dc- cujo ápice podem ser os Congrès Internationaux do período, centrando a proposta nas obras dos
be1cb61a228ff9c9e.jpg>. Acesso em: 19 nov. 2017. d’Architecture Moderne (CIAM), uma mistura de “fundadores” do movimento: Le Corbusier, Wal-
reunião de trabalho e exposição comentada das ter Gropius, Mies van der Rohe e J. J. P. Oud,
obras produzidas pelos protagonistas do movi- além de Frank Lloyd Wright. Complementam a
mento moderno em arquitetura. mostra outros tantos seguidores de mais de 15
países, da Espanha à Rússia e ao Japão, da Itá-
Do outro lado do Atlântico, as exposições de ar- lia à Tchecoslováquia e à Inglaterra, mostrando
quitetura foram menos importantes e muito ra- como o fenômeno já se disseminava pelo mundo,
ras. No que tange à arquitetura, a efervescência chegando aos EUA, que também compareciam
europeia não teve precedente em nenhum ou- na mostra com obras de Raymond Hood e do
tro lugar do mundo nesses anos entre guerras. escritório Bowman Brothers. No catálogo, textos
Contudo, os estadunidenses desenvolveram críticos de Alfred H. Barr Jr., Henry-Russell Hitch-
outro tipo de exposição, as de caráter didático cock Jr., Philip Johnson e Lewis Mumford.
(não só da arquitetura, mas das artes plásticas
em geral). Interessadas na educação de uma Essa forma didática foi desenvolvida por expo-
burguesia rica mas menos sensível às atitudes sições nos EUA por mais de 30 anos, pelo me-
Figura 6. Interior da exposição “Modern Architecture: Inter-
national Exhibition”, Nova York, MoMA, 1932. No centro, a da arte de vanguarda, importantes instituições nos até a Segunda Guerra Mundial. Foram ex-
maquete da Ville Savoye, Le Corbusier, 1929. Disponível em: culturais se lançaram à tarefa de apresentar e posições como “Modern Housing Exhibition”
<https://i.pinimg.com/originals/ca/6e/16/ca6e16edbf376dc-
explicar essas manifestações que se desenrola- (1934), “Modern Exposition Architecture” (1936) e
be1cb61a228ff9c9e.jpg>. Acesso em: 19 nov. 2017.
ram no velho continente. “Houses and Housing: Industrial Art” (1939), mas

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principalmente a série de exposições itinerantes exposições didáticas, facilitando a apreciação do


(Circulating Exhibitions – CE Program), catálogos, “novo estilo” (The International Style, que o mu-
livros, artigos e palestras audiovisuais (Slide Talks) seu já havia apresentado em 1932, e mesmo suas
sobre o tema What is modern? (O que é moder- variações após os anos 1960).
no?), desenvolvido pelo museu de 1938 a 1969. A
pergunta do MoMA é um esforço intelectual, ope- Com as mudanças devidas à Segunda Guerra
rativo e simplificador para influenciar a percep- Mundial, as exposições se diversificaram e cria-
ção do grande público estadunidense sobre arte, ram-se outras formas de apresentação; não só
arquitetura e design modernos; acabou também artistas e arquitetos, mas também críticos e até
suscitando uma discussão interna que durante historiadores passaram a promover exposições de
três décadas mobilizou o debate sobre a moder- arquitetura. Em geral, aconteceram em museus,
nidade. Dentro dessa proposta, “What is Modern que, com quadros preparados para desenvolver
Architecture?” (“O que é arquitetura moderna?”), exposições de arte, podiam perfeitamente fazê-lo
organizada pelo curador de arte John McAndrew com o tema da arquitetura – sempre por meio de
e sua assistente Elizabeth Mock, pode ser consi- imagens e modelos. Assim, passaram a integrar
derada o ápice dessa modalidade educativa so- o cotidiano das grandes cidades exposições so-
bre a arquitetura (moderna) nos EUA. Circulou em bre arquitetura de países (“Brazil Builds” ou “Built
dois formatos por mais de 80 lugares entre 1938 in USA: the Post-War Architecture”), sobre movi-
e 1945 e ainda deu origem a um livro-catálogo mentos (“The Bauhaus: How It Worked”) ou sobre
publicado em 1942, com uma tiragem de 10.000 a arquitetura de renomados arquitetos (Mies van
exemplares, e uma edição revisada de 1946. Entre der Rohe no MoMA em 1947, 1960, 1966, 1969,
1962 e 1970, Arthur Drexler revisitou a proposta 1975, 1977, 1986, 1993, 1998 e 2001).
passando por 45 lugares e dando origem à expo-
sição e ao livro Transformation in Modern Archi- No Brasil, essas exposições tiveram início pelo
tecture, de 1979, que já incluía modernos tardíos esforço do Museu de Arte de São Paulo (MASP)
como Louis Kahn, brutalistas como Paul Rudolph e da Bienal Internacional de Arte de São Paulo.
e pós-modernos como Robert Venturi ou Richard Fundado em 1948, o MASP recebeu, em 1950,
Meier. Ainda que só a de 1979 tenha sido apre- ainda na sede da Rua Sete de Abril, a exposição
sentada no MoMA, que se guardava para mostras “Novo mundo do espaço de Le Corbusier” (Figu-
mais sofisticadas, é evidente a intenção de seus ra 7), onde se apresentou não só a produção ar-
curadores, de ampliar a base cultural (o número quitetônica do mestre franco-suíço, mas também
de pessoas sensíveis ao movimento) e o enten- sua obra plástica, pinturas, aquarelas e guaches,
dimento geral sobre a modernidade por meio de além de desenhos e croquis de viagem.

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A Bienal de São Paulo, cuja primeira edição Renato Anelli, nos excelentes textos publicados
aconteceu em 1951, manteve desde então uma neste mesmo número.
sessão de arquitetura (“Exposições Internacio-
nais de Arquitetura”), com projetos de 150 arqui- Voltando à Europa, é no panorama inglês que
tetos brasileiros e estrangeiros e, já na II Bienal, encontramos um dinamismo e uma criatividade
1953, conta com a presença de figuras relevan- imensa no imediato pós-guerra, com a formação
tes da arquitetura moderna mundial como Mies de grupos de artistas que repensaram as ques-
van der Rohe (que chegou a ter uma sala especial tões mais importantes do debate moderno do
na V Bienal), Walter Gropius, Le Corbusier, Marcel entre guerras, de um ponto de vista ao mesmo
Breuer, Alvar Aalto e Charles Eames. Com a cola- tempo crítico e propositivo. O Institute of Con-
boração do MoMA, ainda conseguira apresentar temporary Art (ICA), fundado por Roland Penro-
Figura 7. Interior da exposição “Novo mundo do espaço de
parte da exposição “Built in USA” (chamada aqui se, Herbert Read e E. L. T. Mesens, representou
Le Corbusier”, São Paulo, MASP, 1950. Fonte: Habitat, n. 1, de “Estados Unidos: Arquitetura do Após Guer- o ápice desse movimento de consolidação dos
1950, p. 39. ra”), que reunia obras de Eero Saarinen, Frank princípios modernos em cujo entorno gravitavam
Lloyd Wright, Philip Johnson, e Richard Neutra, artistas e movimentos que transformaram o pa-
entre outros. Participaram do júri da I e da II edi- norama cultural britânico e, por extensão, o oci-
ções, respectivamente, Sigfried Giedion, Junzo dental. Um deles foi o Independent Group (Grupo
Sakakura, Mario Pani e Walter Gropius, Alvar Aal- Independente), fundamental para a reformulação
to e Ernesto Rogers. das questões arquitetônicas do pós-guerra. A
exposição que deu grande visibilidade ao grupo
Em 1973, a Fundação Bienal e o Instituto de Ar- foi também a que abriu o caminho para a con-
quitetos do Brasil (IAB) organizaram a “I Bienal sagração de uma nova forma de expressão ar-
de Arquitetura de São Paulo”, abandonando a quitetônica, o Brutalismo. Realizou-se em 1956,
relação de mais de 20 anos com as artes plás- na Whitechapel Art Gallery, com o título “This is
ticas e ligando-se à tradição de bienais e trie- Tomorrow” (“Isto é o amanhã”), e contou com o
nais que já aconteciam na Europa por esses apoio incondicional de Reyner Banham. É consi-
anos. A primeira exposição sobre desenhos de derada o berço da arte pop (com o trabalho de
arquitetura (“Os desenhos da arquitetura”) só Richard Hamilton) e também o ponto de partida
aconteceria em 1995, sob a curadoria de Car- do trabalho contestatório de Alison e Peter Smi-
los Alberto Martins, Renato Anelli e Fernando G. thson (Figura 8), que uniam forças conceituais e
Vázquez Ramos, na galeria paulista AS Studio. A formais com vários outros artistas, pintores, es-
história mais recente sobre este tema (dos anos cultores e fotógrafos, entre os quais devemos
1990 até hoje) está narrada por Agnaldo Farias e destacar as figuras de Nigel Henderson e Eduar-

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do Paolozzi, que, com os Smithson, tinham reali- Électronique, de Le Corbusier (Exposição Univer-
zado outra importante exposição, “Parallel of Life sal, Bruxelas, 1958).
and Art” (“Paralelos entre Vida e Arte”), em 1953,
reformulando as condições de vida da moderni- Em 1967, se destaca a “World Exhibition” de Mon-
dade ligadas ao design em particular e à arte de treal, conhecida como “Expo’67”, que concentrou
massas em geral. desde o pavilhão dos EUA, com sua enorme geo-
désica, obra de Buckminster Fuller e S. Sadao,
Nos anos 1970, as exposições se concentraram até o Habitat’67 (Figura 9), um complexo habita-
nas grandes feiras internacionais, seguindo a cional projetado por Moshe Safdie, que se tornou
tradição dos pavilhões, que já haviam tido exce- o símbolo da mudança arquitetônica no âmbito
lentes resultados arquitetônicos desde o alvore- experimental da modernidade e do abandono dos
Figura 8. Interior da exposição “This is Tomorrow”, Londres,
cer do século XX: o pavilhão para as indústrias preceitos funcionalistas que haviam dominado a
Whitechapel Art Gallery, 1956. Estande do Grupo 6: Nigel do aço, de Bruno Taut e Franz Hoffmann (Feira arquitetura até a Segunda Guerra. O auge dessa
Henderson, Eduardo Paolozzi, Alison Smithson and Pe- da Construção, Leipzig, 1913); o Pavilhão de tradição de construções em feiras foi a Exposição
ter Smithson. Disponível em: <http://grupaok.tumblr.com/
post/18921446230/this-is-tomorrow-group-6-nigel-hender-
Cristal, de Bruno Taut (Exposição do Deutsche Universal de Osaka 1970, onde se destacou o pa-
son>. Acesso em: 19 nov. 2017. Werkbund, Colônia, 1914); o pavilhão Makhorka, vilhão do Brasil, obra de Paulo Mendes da Rocha,
de Konstantin Melnikov (Exposição Agrícola e Flávio Motta, Júlio Katinsky, Ruy Ohtake e Jorge
Industrial de Todas as Rússias, Moscou, 1923); Caron e que contou com a colaboração dos artis-
do mesmo arquiteto, o pavilhão da União Sovié- tas Marcello Nitsche e Carmela Gross.
tica na Exposição de Artes Decorativas de Pa-
ris, 1925, onde também foi construído o pavilhão Nos 1980, a atenção se volta novamente para
de L’Esprit Nouveau, de Le Corbusier; o pavilhão as questões autônomas da disciplina; a preocu-
alemão da Exposição Internacional de Barcelona, pação não é tanto construir, mas pensar sobre
de 1929, de Mies van der Rohe; o pavilhão Les arquitetura: não tanto nas realizações, mas nos
Temps Modernes, de Le Corbusier, na Exposição projetos. Volta-se ao desenho, às propostas utó-
Internacional de Paris, de 1937, também com picas ou fantásticas; entra-se no ventre da ba-
os pavilhões da República Espanhola, de Josep leia e se revisa o interior da arquitetura, tentando
Lluís Sert e Luis Lacasa, e da Finlândia, de Al- desvelar sua essência – no caso, uma essência
var e Aino Aalto; o pavilhão do Brasil, de Oscar que reivindica a história. O sinal de partida dessa
Figura 9. Montagem do Habitat’67, Montreal, 1967. Dispo- Niemeyer, Lúcio Costa e Roberto Burle Marx (Ex- reviravolta cultural é também uma exposição, a
nível em: <https://www.archdaily.com/404803/ad-classics- posição Universal, Nova York, 1939); o pavilhão mostra da Bienal de Veneza (1980), a “Strada No-
-habitat-67-moshe-safdie/51e85669e8e44e33c300001d-ad-
-classics-habitat-67-moshe-safdie-image>. Acesso em: 19
Breda, de Luciano Baldessari (Feira Internacional vissima” (Figura 10), sob a direção de Paolo Por-
nov. 2017. de Milão, 1952); e o pavilhão Philips, Le Poème toghesi, cujo tema foi La Presenza del Passato

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(A Presença do Passado). Essa exposição lançou Superstudio ou o Archigram, mas também arqui-
ao debate global a questão do pós-modernismo tetos que usavam o desenho como instrumen-
e colocou em pauta os trabalhos de arquitetos to de crítica, como Peter Eisenman, Aldo Rossi
como Robert A. M. Stern, Michael Graves, Os- ou John Hejduk, entre muitos. Não deixa de ser
wald Mathias Ungers, Thomas Gordon Smith, curioso que esse tipo de exposição se mantenha
Venturi, Rauch e Scott Brown, Stanley Tigerman, viva até hoje. (Para indicar apenas algumas ex-
Franco Purini e Laura Thermes, Massimo Scolari, posições dos desenhos de Aldo Rossi, que con-
Arata Isozaki e Frank O. Gehry. Foi uma mostra tinuam acontecendo até nossos dias, podemos
gigantesca, que teve ainda a participação de crí- citar: “Aldo Rossi. Architectural Drawings 1980-
ticos da envergadura de Vincent Scully, Christian 1996”, Antonia Jannone Gallery, 2012; “Aldo
Norberg-Schulz e Charles Jencks (curiosamente, Rossi, Italian Architect”, Salomon Arts Gallery,
Kenneth Frampton, que foi convidado a partici- 2013; e “Aldo Rossi and the City”, Pratt Institute,
par, se retirou por discordar da abordagem pós- 2017, entre outras).
-moderna). Exposições similares passaram a ser
bastante comuns, ainda que nenhuma tenha re- Mas, seguindo o rastro da formação de ten-
petido o impacto dessa. dências inaugurada em 1922 pelo trabalho de
Henry-Russell Hitchcock Jr. e Philip Johnson,
Os anos 1980 foram pródigos em exposições de The International Style, expressão que se tor-
desenhos de arquitetura, que se popularizaram nou brand (marca) para uma geração que incluía
Figura 10. Interior da exposição “Strada Novissima”, Ve- enormemente. Tanto que se cunhou a expressão arquitetos como Mies van der Rohe e Richard
neza, 1980. Detalhe da revista Domus, n. 605. Fachada de “arquiteturas de papel” para designar o trabalho Neutra, outras exposições fizeram o mesmo na
Hans Hollein. Disponível em: <https://www.domusweb.it/en/
from-the-archive/2012/08/25/-em-la-strada-novissima-em--
de caráter utópico, imaginativo ou inovador, nada segunda metade do século XX. Um dos casos
-the-1980-venice-biennale.html>. Acesso em: 19 nov. 2017. apegado às práticas construtivas que a arquite- mais conhecidos, pelo impacto nas discussões
tura desenvolveu desde sempre. Muitas vezes disciplinares nos últimos 20 anos do século, foi
comparados com os dos arquitetos revolucioná- a exposição “Deconstructivist Architecture” (“Ar-
rios (como Étienne-Louis Boullée e Claude-Nico- quitetura Desconstrutiva”) (Figura 11), no MoMA,
las Ledoux), os trabalhos exibiam uma enorme em 1988, com curadoria de Mark Wigley e Philip
vitalidade de ideias e de crítica (ideológica, polí- Johnson. Superando a visão do pós-modernis-
tica, social, cultural etc.). Na Europa, nos EUA ou mo, oito anos depois da “Strada Novissima”, o
no Japão, galerias desenvolveram exposições de MoMA lança uma nova safra de arquitetos: Peter
diferentes tamanhos e impactos para mostrar o Eisenman, Frank Gehry, Zaha Hadid, Coop Him-
trabalho desses arquitetos. Destacavam-se gru- melblau, Rem Koolhaas, Daniel Libeskind e Ber-
pos que faziam furor nos anos 1960-70, como o nard Tschumi, cujas obras retomam os trabalhos

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dos construtivistas russos e das axonometrias ser educativas (embora não seja o comum), mas,
de Van Doesburg e deflagram uma aproximação geralmente, pretendem levantar alguma questão
fragmentada e não histórica da arquitetura. ou tema específico. Isso sempre depende do po-
sicionamento do curador. Quando as exposições
Todas essas exposições foram pensadas por eram feitas pelos próprios artistas, esse aspecto
curadores, que às vezes foram o próprio artis- era mais evidente: não há dúvidas sobre a inten-
ta, como em “De Stijl”, de Van Doesburg (Paris, ção de Van Doesburg na exposição “De Stijl”, por
1923), às vezes curadores profissionais, como no exemplo, ou do Independent Group, na tentativa
Figura 11. Acesso à exposição “Deconstructivist Architectu-
MoMA, às vezes historiadores da arte, críticos ou de situar “This is Tomorrow” como um ponto de
re”, Nova York, MoMA, 1988. Disponível em: <https://aho.no/ especialistas de vários tipos, como no caso de inflexão na percepção e feitura das obras de arte.
en/news/impact-deconstructivist-architecture>. Acesso em: Paolo Portoghesi e de Philip Johnson (com todas Mas, quando devemos atender e entender a in-
19 nov. 2017.
as nuances, pois Johnson foi muitas coisas além tenção do curador, essa situação é mais obscura.
de especialista). Independentemente do tipo de
curador, a tarefa é sempre a mesma: selecionar Algumas questões que surgem nesse caso dizem
obras de um ou vários artistas (em nosso caso, respeito ao posicionamento desses profissionais,
arquitetos, paisagistas, urbanistas, designers) e é importante entendê-las, pois, como vimos, as
e expô-las para um público variado, composto, exposições de arquitetura podem ter um enorme
contudo, por um número importante de leigos. impacto na formação disciplinar, em como ve-
Ainda assim, faz diferença se a exposição é fei- mos e entendemos a arquitetura e, por extensão,
ta por uma importante instituição museológica, a cidade e a sociedade. Exposições tão próximas
como o MoMA ou o Pompidou, por exemplo, ou no tempo e de propostas tão diferentes como
por uma galeria de arte, por mais importante que “Transformation in Modern Architecture” (MoMA,
seja. Normalmente, as instituições têm acervos 1979) e “Strada Novissima” (Veneza, 1980) mos-
específicos que podem usar (o caso de Mies van tram, ao mesmo tempo, a vitalidade e a multipli-
der Rohe no MoMA, que guarda seu arquivo, ou cidade de posicionamentos que podem apresen-
ainda o RIBA ou a Bauhaus, que também têm tar. Frutos de curadores inteligentes e muito bem
material sobre o arquiteto). Nesses casos, as ex- informados, essas exposições perceberam (e
posições costumam ter um caráter museográfico apresentaram) o mundo (da arquitetura) de forma
abrangente e apresentam visões panorâmicas e totalmente oposta, dando visões totalizadoras da
educativas do artista ou do movimento de que realidade, consumidas assim pelos seus visitan-
tratam. As de galerias ou de pequenos centros tes, mas que não necessariamente constituíam
de arte são quase sempre de dimensões mais “a” realidade. A responsabilidade pela seleção
modestas e tratam de questões pontuais; podem da realidade é do curador, bem como a visão de

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mundo que apresenta. O visitante aceita facil- volver numa exposição sobre arquitetura, que é
mente essa proposta institucionalizada. de caráter mais pessoal que institucional. Ainda
que seja evidente que uma instituição convida um
Por essa razão, é importante saber como se che- curador para realizar uma exposição consideran-
gou à definição do tema de uma exposição. Nas do que suas características (todas elas, das polí-
exposições mais antigas, dos anos 1920-30, a ticas às estéticas, das profissionais às pessoais)
necessidade era propagandística. Assim como condizem com as da instituição, há uma enorme
os manifestos, que foram as peças conceituais margem que pode vir a afetar esse desenvolvi-
(ou dogmáticas) usadas pelos arquitetos (e ar- mento, sobretudo porque, no decorrer do tempo,
tistas) vanguardistas para conquistar adesão às os curadores foram adquirindo enorme poder e
novas formas de compreender e assimilar a arte, peso nas decisões que afetam o resultado final
as exposições eram manifestações formais e ope- de uma exposição, algumas delas transformadas
rativas de apresentação e convencimento. Eram em grandes espetáculos midiáticos por obra das
pièce de résistance. A divulgação ideológica e o intenções e do trabalho desses profissionais. Ins-
posicionamento político sempre acompanhavam tituições também lucram com esse tipo de situa-
essas formas de expor o trabalho artístico. A de- ção, pois eventos de forte cunho pessoal tendem
cisão passou a ser didática quando as grandes a atrair bastante público.
instituições culturais assumiram a iniciativa expo-
sitiva e a pura propaganda oficial tomou o lugar da Mas o que se pretende que esse público veja
definição do tema quando os estados promove- numa exposição de arquitetura? Quando se trata
ram as exposições e feiras universais. Mas hoje o de obras construídas, que, como vimos, foram
mundo é extremamente diversificado; talvez o úl- muitas desde o início das exposições, nos primei-
timo grande evento internacional tenha sido Sevi- ros anos do século XX, e continuam importantes,
lla’92, ou Hannover’2000, mas as exposições não a julgar, por exemplo, pelo êxito dos pavilhões
deixam de comparecer no espectro cultural mun- das Serpentine Galleries, a experiência parece
dial, e a transparência sobre as razões que levam evidente e imediata. Mas o que acontece quando
uma instituição a realizar uma exposição de arqui- o público tem de lidar com representações da ar-
tetura são muito relevantes. Qual é o interesse em quitetura? Será que reconhece em desenhos, fo-
dar suporte ou em receber uma exposição com o tografias, colagens, montagens, modelos físicos
tema dirigido ao campo da arquitetura? e hoje representações digitais e vídeos, as carac-
terísticas determinantes do que é, ou deve ser, a
Uma vez definido esse aspecto, surge a questão arquitetura ou vê apenas fotos e desenhos? Sal-
sobre como se chegou a um “conceito” a desen- vo se for uma exposição didática, como as que o

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MoMA promoveu com as Circulating Exhibitions, respondiam a interesses particulares quase sempre
como conjugar o entendimento do leigo e o do foram destinadas a usar de forma mais ou menos
especialista, o do arquiteto comum e o do crítico comercial um subproduto plástico, notadamente
ou o do historiador? Quem é o verdadeiro alvo de desenhos e representações similares, cuja finalida-
uma exposição de arquitetura? de era mais financeira que cultural.

Essas perguntas – por que expomos? para que Quais são, assim, os desafios enfrentados pelos
expomos? para quem expomos? – confrontam o curadores? Que tipo de material foi pesquisado, o
curador com o mundo, posto que ele [curador] é que foi escolhido e o que se apresentou na expo-
o responsável pelo que se expõe e também pela sição? Um curador é ou pode ser considerado um
forma como se expõe. Expõe-se porque o tema especialista no tema que expõe? Sua seleção do
é importante ou porque o curador é importante? material que forma a base documental do tema da
Importa o que se expõe ou o que pensa o cura- exposição é pertinente porque ele conhece tudo
dor sobre o tema? A exposição fala sobre o cura- sobre o tema ou porque tem uma sensibilidade es-
dor ou sobre seu tema? Quando se seleciona o pecial que o leva a encontrar peças determinantes
material, evidencia-se uma opção interpretativa da produção narrativa que vai montar?
(Drexler vs. Portoghesi): trata-se de um curador
construindo uma obra – a exposição – cujo tema Nós, o público, temos consciência de toda essa
claro pode ser muito importante, mas um tema trama conceitual e política, educativa e propa-
recortado é uma opção política e estética que gandística, individual e pública, quando estamos
identifica a quem? Ao curador, à instituição pro- numa exposição de arquitetura? Evidentemente
motora ou ao objeto da exposição? não. Somos apenas consumidores de um pro-
duto cultural que, historicamente determinado,
Cada uma das exposições que mencionamos aqui nos acompanha há mais de 100 anos e ao qual
adotou um posicionamento preciso, porque cada nos habituamos de forma resiliente, adaptando-
qual foi construída historicamente, à medida que o -nos sem muito pensar no que se nos apresen-
mundo das exposições se foi construindo. As pri- ta. Vemos uma exposição de Peter Eisenman e
meiras eram de fato continuidade natural da produ- pensamos estar vendo Peter Eisenman, mas es-
ção do próprio artista; as institucionais se fizeram quecemos a mediação do curador. Por outro lado,
como construções ideológicas que ampararam a vemos uma exposição cenograficamente monta-
formação do entendimento cultural de uma socie- da por Bia Lessa, e é quase indiferente o que está
dade, ou pelo menos de parte de uma sociedade sendo apresentado. As exposições (de arquitetura
– comumente, a que tinha acesso à cultura. As que ou de qualquer outra coisa) são ações orquestra-

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das e pensadas de forma precisa, profissional em consubstancial dos padrões e das necessidades
quase todos os casos, destinadas a produzir efei- da sociedade moderna, são aspectos libertários
tos bastante específicos. Não podemos pensar ou educativos, comerciais ou promocionais, enri-
nelas como simples eventos culturais ingênuos. quecedores ou empobrecedores, que nos acom-
Elas nos obrigam – ou nos deveriam obrigar – a panham na formação cultural. Ter consciência de
tomar posições, porque elas estão posicionadas, suas dimensões histórica, política e cultural nos
sempre historicamente posicionadas. enriquece como cidadãos.

Hoje, diante de uma fúria conservadora irracio- Por essas razões e sabedores da enorme im-
nal (porém politicamente dirigida, o que não é portância das exposições de arquitetura e de
nada irracional), nosso foco nas exposições de- tudo o que elas implicam (artistas, curadores,
veria voltar a ser autoconsciente, isto é, devería- instituições e público) para o conhecimento e a
mos prestar atenção no que elas nos propõe, no percepção da arquitetura é que convidamos um
que elas induzem, ensinam ou provocam. A rai- importante grupo de curadores para expor o que
va conservadora joga luz sobre uma experiência pensam sobre o tema neste número especial da
cultural crucial da sociedade moderna. As expo- arq.urb.
sições nasceram com esta sociedade, são parte

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