Você está na página 1de 80

Secretaria Municipal de Educação

Subsecretaria de Gestão pedagógica


Gerência de Educação Infantil

Diretrizes Curriculares da Educação Infantil

2017
Temas Infantis de Vitória –TIV’s

Os Temas Infantis de Vitória (TIV's) expressam as produções curriculares realizadas nos Centros
Municipais de Educação Infantil de Vitória, abertas às diferenciações desenhadas cotidianamente
nestes espaços educativos. Ao abordarmos alguns temas como Linguagens; Processos
Investigativos; Diversidades e Diferenças; Alimentação e Saúde; Família, consideramos que estes
possuem uma necessária abertura à composição de outros temas, próprios dos movimentos de
produção locais, sempre provisórios e efêmeros.

“Tema” refere-se a um conceito formulado por Corazza em 2014, a partir da leitura dos textos
produzidos pelas professoras e professores dos CMEIs de Vitória, nos percursos de discussão
curricular desse município. Envolve forma e conteúdo, metodologias e práticas docentes singulares,
traçadas nos encontros educativos que orientam a produção dos currículos locais e se desdobram
em outras temáticas a serem estudadas com as crianças.

Os campos temáticos convocam a docência à composição de um estilo que envolve modos


singulares de tradução e interpretação dos conhecimentos, saberes e experiências historicamente
acumulados pela humanidade articulado aos saberes e experiências das crianças. O que significa
dizer que a docência na Educação Infantil, deve implicar em um ato inventivo em que os
profissionais, ao traduzirem os conhecimentos, criam cenas, cenários, personagens, os quais fazem
passar por meio dos temas, à ampliação de processos de aprendizagens culturais, linguísticos,
artísticos e científicos produzindo práticas pedagógicas as quais, (re)criam a cultura e a tradição.
1 Linguagens

Ao entrar em relação com a vida nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI's), as
crianças criam sentidos, inventam proposições, relatam imagens, sem distinções ou
compartimentalizações do conhecimento. Em sua integralidade, a criança aprende. A
aprendizagem, então, se dá nas relações com os diferentes agentes, com diferentes apostas
pedagógicas, constituindo-se na própria vida da criança, - em sua potência de existir.

Então, se entendemos que a aprendizagem se dá no acontecimento da vida nos CMEI’s, nas


relações entre as crianças, entre adultos e crianças, entre os sujeitos e os espaços, a linguagem pode
ser compreendida como potência desse acontecimento, ou seja, como elemento expressivo do ser
humano.

A linguagem pode ser pensada, portanto, como elemento constitutivo humano, a qual na medida em
que tece a trama da vida, é tecida nas relações com o mundo – sem hierarquias e etapas. Somos, no
entanto, constituídos no acontecimento próprio da linguagem, na medida em que a linguagem
produz realidades e modos de existências; seres aprendentes e inventivos, os quais, nas linhas de
expressividades escrevem “textos”: uma inscrição de si e do mundo (KASTRUP, 2007).

Portanto, orientados por essa noção mais ampla de linguagem, podemos compreender que a relação
com a vida acontece de forma diferencial. Expressa-se com um modo singular de existir. Como
potência inventiva, pode ser sentida como uma provisoriedade que se “delimita” no campo do que é
atualizado a cada tempo como possibilidade de ser e, consequentemente de expressar a partir das
diversas formas de experimentação da linguagem: musical, oral, visuoespacial, corporal, cênica, e
outras.

A docência, então, é convocada a entrar num fluxo investigativo de produção de si e do mundo


como modo de operar o currículo por meio das diferenças que o constituem: modos singulares com
que as crianças e adultos se expressam nos encontros - narrativas, pinturas, danças, poemas,
músicas, esculturas com brinquedos ou argila, jogos e pesquisas corporais, rodopios, saltos,
posições invertidas, silêncios e imobilidades; experimentações corporais e expressivas válidas e
legítimas.

Nessa ótica, viver o currículo na Educação Infantil implica em experimentar as “linguagens” de


forma rizomática, isto é, em que as linguagens se originam e se derivam a partir de qualquer outra
linguagem, sucessivamente e simultaneamente, de modo que, na tessitura das experimentações, as
diversas formas de expressão (oral, musical, visuoespacial, corporal, visual, etc) são vivenciadas
em si mesmas e disparam outras formas de expressão. Ao experimentar uma música, por exemplo,
nela está colocado um poema e suas rimas, a dança, os jogos de dramatização, o compasso musical
que, por sua vez, se desdobram em outras possibilidades.

Nesse sentido, hierarquizar as linguagens seria mutilar os processos curriculares, os modos


diferenciais de expressão e a potência de vida dos sujeitos. A linguagem corporal ou musical
ouvisuoespacial, por exemplo, não podem estar “à reboque” ou serem subordinadas à linguagem
oral, leitura e escrita ou à matemática. Sendo assim, como vivê-las de modo que, ao operarmos
com os conhecimentos produzidos nos processos pedagógicos, elas se conectem e ramifiquem em
outras linguagens; outros campos problemáticos a serem investigados?

Em que medida podemos ampliar as experiências das crianças e adultos com as diferentes
linguagens? Em que medida em nossas práticas pedagógicas temos considerado as formas
diferenciais que as crianças se expressam? Em que medida consideramos em nossa prática
pedagógica as diversas formas de linguagens: oral, visuoespacial, corporal, escrita, cênica, musical,
matemática e outras?

Ao longo do percurso histórico, foram configurados sistemas linguísticos que procuram favorecer
os processos comunicativos entre os sujeitos, tais como códigos, símbolos, sistemas de escrita,
movimentos, gestos, estilos musicais, dentre outros.

Esses sistemas linguísticos produzidos convergem em territórios ou áreas de conhecimento que


ampliam a potência de atuação no mundo, pois são utilizados como formas relacionais de
comunicação, potencializando o diálogo com o mundo e produzindo outros saberes.

Nesse sentido, os indivíduos se apropriam de modos diferenciais de produção de cultura como


elementos ou conteúdos construídos historicamente pela humanidade enquanto temáticas a serem
pesquisadas e organizadas pedagogicamente nos processos de investigação e aprendizagens das
crianças e adultos no intuito de ampliar as experiências com as linguagens.

Sendo assim, o movimento dialógico com o mundo está colocado sempre num sentido de mão
dupla, onde, ao se estar envolvido com um “certo” modo de produção de conhecimento, este
também implica em uma força propositiva que nos move a lançar outros campos problemáticos de
pensamento.
Esse fluxo, então, amplia a potência de vida ao considerar que os sistemas linguísticos - os códigos,
símbolos e signos, contribuem para aumentar a capacidade de ação no mundo ao se utilizar deles e
possibilitar criar outras expressões que traduzem as maneiras diferenciais de existir.

Considerando a Língua Brasileira de Sinais – Libras é importante observar que é reconhecida como
meio legal de comunicação e expressão conforme preconiza a lei 10.436 de 22 de abril de 2002
sendo compreendida como um sistema linguístico oriundo de comunidades surdas do Brasil, de
natureza visual espacial com estrutura gramatical própria para transmissão de fatos e de ideias.

Dessa forma, para a criança surda, essa língua assume papel fundamental no desenvolvimento dos
processos mentais, pois ao ser inserida em contextos dialógicos, por meio da língua de sinais, a
criança surda pode, em interação com seus pares, se apropriar do mundo simbólico e cultural, pois
“é nas interações do cotidiano, sempre dialógicas, que a linguagem se constitui” (RODRIGUES,
2009, p. 28).
Assim, garantir o aprendizado da língua de sinais às crianças surdas, como primeira língua, em
contextos dialógicos, é imprescindível para que, de fato, ela ingresse e interaja no mundo cultural,
sendo de fato um sujeito histórico. Nesse contexto, defendemos que as diferentes formas de
Linguagens se constituem em modos de ser e estar no mundo. A linguagem é tanto produto quanto
produtor de cultura, é interação e comunicação social e somente acontece na relação com o outro.

Nessa direção, garantir a apropriação da Libras pela criança surda, desde os primeiros anos da
Educação Infantil, bem como a aprendizagem da Língua Portuguesa escrita, como segunda língua,
em um espaço onde toda a comunidade escolar partilhe dessas duas línguas, estabelecendo trocas
simbólicas mais significativas, constituindo uma educação bilíngue, torna-se imprescindível
(RODRIGUES, 2009; CÔRTES, 2012).

Apoiada nas normatizações nacionais o documento da Política Municipal de Educação Especial


(PMV/SEME, 2016) dialoga com essas normatizações nacionais, enfatizando a importância da
educação bilíngue e apontando que é por meio dela que os sujeitos terão acesso aos conhecimentos
produzidos em outros campos do saber. Contudo, resgatando os caminhos já percorridos pela
educação de surdos e as legislações nacionais, destacamos que, ao longo dos anos, com a
implementação de políticas públicas no município, foram observados avanços que contribuem para
direcionar o ensino da Libras de maneira mais estruturada e consolidada, como estaremos propondo
neste documento.
1.1 Expressão, Corpo, Movimento, Cultura

Considerando a linguagem como elemento no qual expressamos nossas formas diferenciais de


existir, é importante voltar o olhar para as práticas corporais tomando-as como ponto de partida
para a discussão no campo da linguagem corporal e, em seguida, como referência para entender
como as práticas pedagógicas nos espaçostempos com a Educação Física podem ampliar os
processos de experimentação e aprendizagem na vivência com a linguagem.

Compreendemos, contudo, a linguagem corporal (assim como as outras manifestações da


linguagem), como um eixo da linguagem apenas no discurso (pois na existência seria impossível)
para enriquecer e qualificar a proposta curricular da Educação Infantil ao legitimar que as
diferentes áreas de conhecimento podem compor o coletivo nos CMEI’s propondo, sob diferentes
olhares, experiências curriculares com as crianças.

Quando se fala em linguagem corporal, com essa noção de linguagem, envolve-se o corpo, ou
ainda, o corpo-em-movimento como protagonista desse processo expressivo. Corpo-em-movimento
entendido como sujeito-em-movimento, como o ser que habita o mundo de forma sensível, que se
move e faz mover outros corpos, mesmo no silêncio ou na quietude. Um movimento que se dá no
acontecimento da vida quando pensamos, desejamos, contemplamos, inventamos, nos alegramos
ou entristecemos, movemos esse conjunto de articulações e músculos (ou por meio deles ficamos
parados), de maneira simultânea na existência – movimento de vida, mesmo quando estamos
estáticos.

“Ser corpo, nós o vimos, é estar atado a um certo mundo, e nosso corpo não está primeiramente no
espaço: ele é no espaço.” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 205). Nesse sentido, “[...] eu não estou
diante de meu corpo, estou em meu corpo, ou antes sou meu corpo.” (MERLEAU-PONTY, 2006,
p. 207-208).

O corpo-em-movimento, portanto, existe enquanto estrutura discursiva no mundo, inscreve e


escreve textos, fala uma intencionalidade, provoca leituras, instaura uma certa interpretação do
mundo, ou seja,
O corpo humano distingue-se dos outros corpos biológicos pelo fato de fazer e ser
feito. Ele é o mais heterônomo dos corpos, mais dependente, e paga essa
dependência fazendo cultura, conhecimento, civilização. O corpo vive na
linguagem, mas uma linguagem que se furta a todas as decodificações, porque é
continuamente inventado à medida que vai sendo produzido. (SCHWENGBER,
2010, p. 267)
Dessa forma, no que tange a linguagem corporal, o movimento assume o protagonismo expressivo
na corporeidade, no corpo-em-movimento, compreendendo-o como possibilidade de se expressar
de maneira ampla, aberta, desafiadora e alegre. Nesse processo, a linguagem pode ser
potencializada quando se propõe, na prática pedagógica, vivências cuja intenção é, também,
explorar largamente o repertório corporal das crianças, para que possam ocupar muito mais que o
espaço das cadeiras e dos tapetes emborrachados.

Simultaneamente, as crianças produzem sentidos ao estabelecerem uma relação dialógica com as


propostas pedagógicas, atuando a partir de uma força inventiva que constrói e reconstrói um
próprio modo de ser corpo-em-movimento infantil.

Dada a centralidade do corpo-em-movimento no processo de educação na infância, a Educação


Física se faz presente na educação infantil como contribuição específica referente aos modos de
produzir possibilidades e potência de ampliação da experimentação na linguagem.

A Educação Física pode ser entendida, como apontam alguns pesquisadores como uma área de
conhecimento e intervenção pedagógica que lida com os conteúdos definidos pela cultura corporal
de movimento (jogos, esportes, dança, lutas/artes marciais, ginásticas e práticas corporais
alternativas) procurando formar os sujeitos que compõem os processos pedagógicos para que eles
possam usufruir, compartilhar, reproduzir e transformar essas formas de cultura. Sendo assim,
existe a preocupação sobre o saber fazer, o saber sobre o fazer, e a formação ética, estética e
política agregadas ao saber fazer e saber sobre o fazer.

A abertura curricular da Educação Infantil rompe o paradigma da “cultura corporal de movimento”


e coloca o professor de Educação Física (e demais professores) como um agente inventivo de
diferentes temas e no modo como planeja e produz experiências com as crianças.

Nessa perspectiva, a vivência com a Educação Física na Educação Infantil se configura como uma
possibilidade das crianças terem acesso, vivenciarem e se apropriarem de diferentes temas,
procurando democratizar a aprendizagem na linguagem por meio das diferentes manifestações
culturais, como por exemplo, práticas radicais e de aventura (escalada, arborismo e etc), circo,
relações com a literatura e arte, intervenções urbanas (Le Parkour, Slack Line, e etc), cultura afro-
brasileira, além daquelas convencionais como ginástica, dança, jogos e brincadeiras, dentre outros,
sem a pretensão de abranger toda a complexidade da área e nem de explicitar as bases teórico-
metodológicas que a sustentam.

O caminho, portanto, pode ser traduzido pela metáfora do slackline. Uma fita esticada entre dois
pontos fixos que faz com que o praticante ande e faça manobras. A partir dessa metáfora é possível
pensar a prática da Educação Física nos CMEIs de Vitória, diante da pluralidade de experiências
inventivas encontradas: um andar que tenta o equilíbrio, que tateia, que sente, que intenciona, mas
cai, ao mesmo tempo que se sustenta num movimento contínuo compondo experiências
curriculares diversas.

Nas experimentações corporais, que podem passar por um túnel da árvore, penetrar em uma
caverna desconhecida, equilibrar-se em meio à fita do slackline, que ora se apresenta como
experiências circenses referentes à corda bamba, ora como modalidade aérea, ou mesmo pelo
balanço de tecido, a criança estabelece relações com os espaços e a natureza, com o outro, com os
materiais, produzindo movimento.

No entanto, o maior desafio para quem pensa a Educação Física nos CMEIs é o processo de
tradução dos conhecimentos. Mas é também uma mola propulsora de invenção! Ou seja, como
propor as diferentes práticas corporais, como a capoeira, as ginásticas, as danças, as práticas
circences, as práticas radicais ou de aventura, os jogos e as brincadeiras, de maneira que as crianças
pequenas ampliem seus conhecimentos por meio desses temas?
Como traduzir os conhecimentos históricos, éticos e políticos dessas manifestações culturais, que
contam a própria história da humanidade, sem reduzi-los, mas ofertando à criança os
conhecimentos necessários a sua produção de movimento? Como potencializar o repertório motor
das crianças de modo a operar com as diferentes enunciações infantis? Como realizar, por meio das
vivências com as práticas corporais, atividades que potencializem a alegria, as relações de afeto e
as experiências de solidariedade? Dentre outros inúmeros questionamentos, por fim, como romper
com o aprisionamento dos projetos pedagógicos, utilizando-os intencionalmente como mola
propulsora de inventividade com as crianças, se lançando como num trampolim, num voo que se
desenha no acontecimento da vivência?

Trazemos, então, algumas ideias que estão sendo produzidas nos cotidianos dos espaçostempos de
produção educativa como ponto de partida para pensar as diferentes temáticas que estão sendo
propostas para/com as crianças na Educação Infantil.

Antemão, faz-se necessário pautar a importância das brincadeiras para experimentação curricular
na medida em que se constituem como forma de interação e um mecanismo disparador de produção
de sentidos e significado, principalmente, nos processos de fabulação das crianças; criando cultura
e novas formas de expressividade. Nesse sentido, a ludicidade e a brincadeira podem se constituir
como eixo conceitual e estratégia metodológica na prática pedagógica nos espaçostempos do CMEI
compreendendo que as traduções docentes dos temas tratados devem ser ancorados por um modo
de “fazer-brincando” com as crianças.
Num outro plano, os jogos e brincadeiras podem surgir como temas a serem trabalhados, quando há
o desejo e a preocupação pedagógica com o resgate das atividades dos pais, mães e avós; da nossa
própria infância, por exemplo. Dando acesso às crianças a um repertório de brincadeiras, sejam
antigas ou com algum material específico, como bolas, cordas e bambolês. Brincadeiras e jogos
que proporcionem ações cooperativas entre as crianças, que despertem o mundo imaginativo dos
personagens como o lobo, os pintinhos e a raposa, os capitães, o elefante colorido, os esconderijos,
os diferentes piques, as brincadeiras cantadas, a amarelinha, dentre outros. Despertem ainda, nas
crianças, o desejo de criação das suas próprias brincadeiras e de suas enunciações.

Portanto, o jogo é uma ferramenta fundamental no processo de aprendizagem das crianças, seja ele
utilizado em sala de aula ou nas aulas de Educação Física.

As cordas de diferentes espessuras, materiais e comprimentos tecem uma rede emaranhada de


conhecimentos. Cordas para pular, para subir em árvores, cordas que se transformam em redes de
escalada, cordas para tirolesas, cordas que se transformam em “camas de gatos”, cordas que unidas
viram um grande circuito de “arvorismo”. Cordas elásticas, cordas que viram histórias e contextos
como ambientes potentes de criação e movimento. O próprio Slackline, como prática urbana, vem
provocando as tentativas de (des)equilíbrio nos espaços escolares, como possibilidades inventivas
do corpo.

Também como recurso de trabalho, a malha tubular, pode funcionar como túnel, em que o corpo
toca e sente o calor da intensidade da proposta, e, no escuro, procura por saídas ou não, o novo ou
não, mas a proposta é essa: a busca de diferentes práticas que possam dar conta de diferentes visões
e experiências. A malha, que amarrada a uma árvore vira um balanço ou um mar onde a criança
surfa sobre uma prancha. A mesma malha que potencializa diferentes formas de brincar,
brincadeiras de esconder; que estimulam sensações. Essa malha flexível que se adapta às
proposições, que se adere aos espaços de cada CMEI.

Outra possibilidade passa pelo encontro com o patrimônio cultural dos CMEI’s. Patrimônio
entendido não só como lugares imóveis, mas como o conjunto de características que envolvem cada
CMEI e seu entorno, considerando os aspectos cultural, histórico, ambiental, artístico entre outros.
Uma árvore centenária em um pátio, por exemplo, pode disparar práticas que remontam o brincar
de um tempo passado. Balanços de pneus, cordas para subida na árvore, túneis entre suas raízes se
misturam à tirolesa, uma corda esticada leva a criança de uma altura a outra provocando sensações
diversas. Esse patrimônio possibilita afetar os professores no processo de criação-experimentação
de atividades na composição do estudo da sustentabilidade.

O trabalho do Patrimônio também recebe um destaque nos movimentos de produção curricular,


tanto em uma perspectiva histórica como em ações de rupturas com uma perspectiva
tradicionalista, investindo na contemporaneidade das relações de produção cultural e artística.
Assim, aparece tanto como compartilhamento de saber como criação de saberes diferentes por meio
das problematizações inusitadas que as crianças instauram, num processo de troca e produção de
conhecimentos.

Nesse movimento, uma árvore, uma rampa ou uma parede podem provocar rupturas na rotina do
CMEI, com a possibilidade de participação de professores nas atividades junto às crianças. Dessa
forma um carrinho de rolimã experienciado na infância produz uma relação afetiva com o espaço
escolar, disparando ideias de ocupação do espaço.

Conjuntamente, podemos pensar, também, a capoeira como um tema potente para a formação das
crianças na Educação Infantil. A sua movimentação envolvendo giros, apoios, equilíbrios, dentre
outros; os seus desdobramentos: o maculelê, a puxada de rede e o samba de roda, por exemplo; os
ritmos e os estilos de capoeira: os toques da capoeira, capoeira angola, regional; os instrumentos: o
berimbau, pandeiro, atabaque; a relação com o outro no ato de jogar a capoeira, as representações
na roda de capoeira, dentre outras possibilidades.

Considerada como um jogo, a força que podemos colocar na prática pedagógica com a capoeira,
ultrapassando, ainda, sua representação histórica e cultural, se constitui na necessidade permanente
da companhia do outro para praticá-la, qualificando as relações construídas a partir das parcerias
que se consolidam nos espaçostempos de um “jogo” e nas produções coletivas (as brincadeiras com
a história da capoeira, as rodas de capoeira e as rodas de samba de roda), onde o ato de jogar é
predominantemente com o outro e não contra o outro. Não há jogo de capoeira solitário.
Sendo assim, - em meio aos trotes do cavalo do “Capitão do Mato”, o desafio de ficar de “ponta
cabeça”, a história da escravidão e do navio negreiro, as parcerias na ginga, na confiança de
“deixar” passar o pé por cima, vai se constituindo na alegria das crianças ao criarem outras formas
de “plantar bananeira”; no desafio corporal impregnado pela diversidade e amplitude de
movimentação, no "relinchar" do artista que representa a astúcia do capitão do mato.

As atividades circenses também se constituem importante trabalho corporal, em que os elementos


desse universo são articulados a outras perspectivas da arte para desenvolver projetos sobre o circo.
Busca-se, por exemplo, pelo artifício da manipulação de bonecos de pano e de palhaços
confeccionados com as crianças, explorar as possibilidades corporais trazidas por estes
personagens.

A criança aprende quando se sente parte do processo, quando seu corpo escreve sua forma de ser.
Nem sempre uma forma sistematizada, mas uma escrita que se expressa por suas vivências. Essa
abordagem também possibilita sua autoria em um enfoque cenográfico na medida em que convida
a criança a outra experiência, caracterizando-a como palhaço, como malabarista ou como
apresentador, possibilitando, assim, a ampliação de seu repertório. Materiais variados podem ser
disponibilizados: maquiagem, óculos, acessórios, entre outros; convocando as crianças, além da
caracterização, a viverem, movimentando-se, atuando e inventando diferentes personagens.

Para entrar em relação com tal experiência corporal e interativa, é preciso abandonar as certezas e
buscar desafios. É preciso que o docente se coloque à disposição da pesquisa, sendo necessário que
ele, enquanto corpo entre em relação produtiva com conhecimentos da cultura, das artes e da
linguagem.

Na produção curricular da Educação Infantil, a linguagem corporal também pode ser potencializada
a partir da dança, que surge como possibilidade de produção de sentido, problematizando o texto a
partir de uma concepção mais ampla, envolvendo o tempo, o ritmo, experiências gestuais e a
expressividade. Desse modo, utiliza-se Walk Dance, Street Dance, Dança Circular, Congo, Jongo,
Balé, danças populares, por exemplo, para que, por meio da criação de movimentos, da pesquisa de
referências culturais e históricas, da escolha de músicas, do improviso, possa se chegar à criação de
textos que não se restringem às letras, traçando signos de arte que sensibilizam o corpo a se
expressar a partir de uma experiência de linguagem outra. Isso envolve a ampliação dos
movimentos, a exploração de espaçostempos, a conscientização corporal, a variação entre as
repetições dos passos criados, a leitura para além do texto escrito.

As experiências corporais propostas no currículo da educação infantil não podem, portanto se


limitar aos jogos, brincadeiras, vivências circenses ou radicais, mas se imbricam em
problematizações culturais, sociais e políticas, que se estendem em movimentos investigativos de
articulação com a comunidade local. Assim, nas experiências curriculares engendradas, as práticas
na linguagem corporal se desenvolvem a partir do incentivo à exploração, do questionamento sobre
a vida e o entorno social/cultural, a partir de uma perspectiva de criticidade, explorando o
patrimônio cultural, material e imaterial. Elas ainda se imbricam nas discussões sobre o estudo da
diversidade, preocupando-se com a valorização cultural, a identidade, a arte e o movimento.
Estabelecem-se pela troca de saberes entre as crianças, profissionais da escola e pessoas da
comunidade local, buscando a valorização dos diversos profissionais da região.

As práticas ocorrem a partir de pesquisas sobre as brincadeiras culturais, o manguezal, as


atividades das paneleiras, trilhas no manguezal, banhos em torneiras (simbolizando o banho de
cachoeiras), jogo de peteca, visitação à Museus, rodas de capoeira e dança de congo, danças e
lendas indígenas, pesquisas diversas. Assim, a atividade investigativa se dá através de curiosidades,
questionamentos, pesquisa, atividades corporais, registros escritos, fotográficos e fílmicos.

Tal procedimento investigativo envolve a problematização do racismo e da intolerância religiosa,


ao mesmo tempo em que investe nas interações entre as crianças, entre os adultos e as crianças e
entre a escola e a comunidade.
Os docentes, então, nas suas possibilidades inventivas vão tecendo maneiras de proporcionar às
crianças atividades de movimentação ampla, expressivas, contribuindo para ampliação das
experiências dos corpos-em-movimento.

Nesse sentido, as experiências da linguagem são potencializadas a partir de diferentes olhares e


diferentes práticas pedagógicas. As possibilidades de aprendizagem dos conteúdos historicamente
construídos pelas diferentes áreas de conhecimento, podem ampliar o repertório expressivo das
crianças, compreendendo que esse repertório, no campo da linguagem corporal, pode ser
vivenciado com uma certa soltura, nas movimentações singulares e amplas das crianças e
professores, de forma contextualizada e intencional, procurando intensificar as relações afetivas.

Diante dessa possibilidade inventiva dos professores, podemos trabalhar os projetos pedagógicos
de modo que sejam um ponto de partida para as experimentações de linguagem considerando-os
abertos ao acontecimento das vivências e que, pelo próprio acontecimento, sua culminância se
delineie. Assim, devemos questionar: como podemos nos abrir nas relações com as crianças de
maneira que os planejamentos se tornem um fluxo de criação na composição dos corpos-em-
movimento (professores e crianças); um motivador para entrar em relação com as enunciações
infantis e potencializar os diferentes espaçostempos de aprendizagem?

Como podemos, então, produzir sentidos na (con)vivência com as crianças, ao sermos convidados a
operar com as diferenças infantis, isto é, convidados a nos conectar com os sentidos diferenciais
que as crianças produzem no seus modos de ser, traduzindo-os para o fazer próprio da vivência.
Para isso, somos convidados também, a viver uma infância que nos aproxime das crianças;
aproxime nossas diferenciações adultas com as das crianças.

É preciso, portanto, lançar esse convite-desafio aos diferentes profissionais: procurar ampliar as
experiências na linguagem corporal, produzindo sentidos a partir da relação entre os diferentes
temas abordados e as enunciações infantis - das crianças e dos professoras – disparadas por meio
deles, qualificando, assim, os processos de aprendizagens das crianças.
1.2 Expressão, Textos, Verbos, Poesias, Imagens

Na busca de potencializar os diáloagos sobre as práticas pedagógicas com a linguagem oral, leitura
e escrita, deparamo-nos com o desafio apresentado no texto do documento da educação infantil
elaborado no ano de 2006, intitulado “Um Outro Olhar”, no qual destaca-se que, na rede Municipal
de Vitória ainda havia naquela época uma responsabilização excessiva das turmas finais dos CMEIs
quanto à aquisição da aprendizagem da linguagem escrita focada em práticas de cunho prático-
utilitarista, desconsiderando as amplas e intensas experiências narrativas produzidas com as
crianças a partir dos seis meses de idade.

Nesse contexto, ainda percebemos que, muitas vezes, a aprendizagem da linguagem oral e escrita
pode acontecer como uma experiência fragmentada, de responsabilidade exclusiva das professoras
regentes. No entanto, as crianças que transitam entre os diferentes espaçostempos de aprendizagem,
entrando em relação com os diferentes profissionais que atuam sistmaticamente com elas, realizam
uma articulação entre as experiências de linguagem das quais participa.

Reconhecendo o processo de produção que se manifesta nas práticas educativas e nas experiências
de aprendizagens nas unidades de ensino, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil apontam para o trabalho pedagógico voltado para a aprendizagem da linguagem afirmando
que o currículo da educação infantil se organiza a partir da necessidade de ampliação e articulação
das experiências e saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio
cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento
integral de crianças de 0 a 5 anos de idade (BRASIL, 2009, p.12).

No que se refere a aprendizagem da linguagem, afirma também que as propostas pedagógicas das
instituições de educação infantil devem ter como objetivo garantir à criança acesso a processos de
apropriação, renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens
[...] assegurando condições para o trabalho coletivo e para a organização de materiais, espaços e
tempos que garantam a indivisibilidade das dimensões corporal, afetiva, cognitiva, linguística,
ética, estética e sociocultural da criança (BRASIL, 2009, p.19). Assim, o trabalho coletivo na
educação infantil ganha destaque desde a produção do Documento “Um Outro Olhar”, como
condição de articulação dos saberes e experiências educativas produzidas junto às crianças; desafio
esse que se coloca cada vez mais presente nos cotidianos dos CMEIs, especialmente na perspectiva
curricular onde o educar e o cuidar são indissociáveis e a indivisibilidade da vigente premissa da
organização do trabalho pedagógico exige um esforço de articulação.

Desse modo, o desafio de articulação entre os profissionais que atuam na educação infantil, nos
convoca a pensar em outras possibilidades de organização de espaçostempos que possibilitem o
planejamento coletivo. É preciso pois, romper com as fronteiras disciplinares que ainda nos
aprisionam às áreas de conhecimento específicas, acompanhando o modo como as crianças traçam
mapas intensivos articulando saberes, experiências, afetos, conhecimentos e linguagens na
produção de sentido.

A linguagem então, nos convoca à relação com as formas diferenciais de expressão, ou ainda -
expressões de diferentes maneiras por diferentes sujeitos, nas quais escrever “textos” (orais,
imagéticos, corporais, escritos, entre outros) disparam um processo de invenção de si e do mundo,
expressão do próprio modo de ser. Nesse sentido, ao passo que as crianças produzem
conhecimentos nas suas expressões, produzem sentido de si mesma.

A forma com que as crianças se expressam está impregnada de marcas de seus grupos sociais de
origem, valores e conhecimentos. Logo, seus modos de falar são legítimos e fazem parte de seu
repertório cultural, modo de vida, modo de ler a realidade. É a partir desses modos de falar e de ser,
que o trabalho pedagógico deve ser organizado, de forma que tenha sentido e significado para as
crianças. É no processo de interlocução que as crianças se constituem como produtoras dos mais
variados textos.

A linguagem está inserida num contexto muito mais amplo de comunicação. Desde o nascimento, a
criança já é capaz de comunicar-se com os outros por meio de expressões faciais, gestos, choros e
sorrisos. Essa forma de comunicação corporal dará sustentação e significado a linguagem oral dos
bebês, que passam a produzir sons articulados. Tal interação demonstra a importância comunicativa
da fala. Assim, progressivamente, as crianças aprendem a escolher os sons e tentar descobrir seus
significados para se fazerem entender. Aos poucos vão explorando diversas funções comunicativas
que a linguagem desempenha, descobrindo possibilidades de representar objetos, pessoas e o
mundo a sua volta.
No cotidiano da educação infantil, nas experiências individuais e coletivas das crianças, nas suas
interações e brincadeiras, todos esses momentos são registrados como texto, seja ele verbal ou não
verbal. Mas, para que esse processo educativo aconteça, é fundamental que a todo tempo as
crianças sejam incentivadas a se manifestar a partir dos seus questionamentos, da curiosidade,
expondo suas ideias, criando e recriando sentidos, experimentado no corpo, estabelecendo relações
com o mundo, com as narrativas e as culturas infantis.

Sendo assim, as experiências vivenciadas na educação infantil devem possibilitar momentos de


encontros individuais e coletivos, sendo fundamental que o professor articule as práticas
pedagógicas com as experiências e os saberes vividos pelas crianças, ampliando espaços para que
possam criar e serem espontâneas. Deve-se garantir espaçotempo para as produções inventivas de
meninos e meninas na educação infantil. Garantir também a espontaneidade das crianças e realizar
práticas educativas contextualizadas.

Na educação infantil, todas as formas de linguagem: verbal, musical, artística, matemática,


tecnológica e corporal, são experimentadas de forma articulada e vivenciadas a todo o momento
pelas crianças, uma vez que não podemos desconectar corpo e mente. A criança é pensada como ser
apropriador e produtor de conhecimentos por meio das experiências narrativas, ampliadoras das
possibilidades expressivas a partir do contato com as várias formas de linguagem que permeiam
seu mundo antes mesmo de ir para a escola.

Desse modo, o currículo na educação infantil deve valorizar as culturas infantis, as múltiplas
linguagens, as brincadeiras, as interações e o encantamento que despertam o prazer. Dentre as
possibilidades vivenciadas com as crianças, em que as diversas linguagens emergem, a linguagem
verbal, como proposta de expressão, está muito presente em tudo o que fazemos e vivenciamos no
cotidiano infantil.

Várias são as possibilidades de organizar situações de aprendizagem em diferentes espaços,


internos e externos dos CMEI, em que as crianças possam expressar seus pensamentos, suas ideias,
produzir textos orais e escritos, compreendendo o funcionamento dessa linguagem.

O desenho emerge como possibilidade de registro em que são produzidos textos, proporcionando
leituras e representações das culturas infantis. A roda de conversa é uma das situações que se
constitui como momentos de promoção da interlocução, da exposição de ideias e sentimentos, do
exercício da fala e da escuta, bem como da elaboração de argumentação. As rodas de leitura, como
prática cotidiana, são espaços de constituição dos pequenos leitores a partir de atividades coletivas
em que crianças e professores são motivados a contar e ouvir a leitura dos diversos portadores de
texto, ou seja, é uma prática pedagógica em que são vivenciadas situações que potencializam as
interações, o imaginário, sentimentos, sonhos, criatividade e o jogo simbólico.

Os professores devem ler constantemente para as crianças, criando mundos, inventando


personagens para contar histórias e fabulações sobre o mundo, constituindo-se como
espaçostempos privilegiados de práticas de linguagem. Assim, a contação de histórias contribui na
aquisição da linguagem e pode ser explorada nas mais diversas situações de aprendizagem para que
as experiências vividas pelas crianças sejam significativas, favorecendo a autoestima, a memória, a
oralidade, ampliando as expressões gestuais e corporais, a imaginação, o seu repertório linguístico,
podendo ser acessado em suas experiências de produção textual: oral, gráfica, gestual, imagética,
fílmica e/ou escrita.

No contato e na exploração de diferentes materiais impressos e com a mediação de leitores mais


experientes a criança vai buscando compreender o sentido da leitura e da escrita. É fundamental a
participação das crianças em situações de aprendizagens em que os adultos leem textos de
diferentes gêneros, organizando momentos de leitura com as crianças, para as crianças, das crianças
para os adultos e das crianças individualmente, mesmo que ainda não o façam de maneira
convencional. É importante, nesses momentos, a mediação qualificada das professoras nas
propostas de trabalho a serem realizadas com as crianças e que elas tenham oportunidade de
enunciarem o sentido do texto, apoiando-se nos mais diversos elementos: figuras que o
acompanham, formato do texto, seus conhecimentos prévios e conhecimentos que tem sobre
algumas características próprias de gêneros literários.
É preciso também, reconhecer a capacidade das crianças para escrever e dar legitimidade e
significação as suas escritas iniciais, uma vez que estas possuem intenção comunicativa,
considerando as crianças como sendo capazes de produzir textos diversos, revestindo a escrita de
seu caráter social, participando em situações cotidianas em que se faz necessária.

Nesse sentido, precisamos oportunizar às crianças experiências prazerosas que as incentivem a


pensar sobre o funcionamento da escrita alfabética e a vivenciar diferentes práticas de leitura e
escrita em diferentes contextos, e por diferentes vias, desafiando-as e estimulando-as a se
envolverem com a língua escrita, e assim construírem conhecimentos importantes nesse processo.
Propor situações em que as crianças possam utilizar o seu próprio texto escrito como recurso para
reelaborá-lo, ampliá-lo e compreendê-lo e também organizar situações de aprendizagens em que as
crianças conheçam sobre o funcionamento do sistema de escrita, dos usos e convenções dessa
linguagem e suas mais diversas funções, familiarizando-se com as letras, as palavras, as frases e as
outras marcas que compõem os textos escrito, explorando as possibilidades de significação. Levar
às crianças a observarem os símbolos que compõem o sistema de escrita (letras, números...),
imagens que completam o sentido do texto e refletir sobre eles: diferença entre a escrita e outras
formas gráficas de expressão, conhecimento das letras, suas formas e posição na palavra, bem
como a relação entre as letras e os sons; Chamar a atenção para as características da escrita,
mostrando o uso e função das letras para escrever, possibilitando a compreensão de convenções da
escrita tais como espaçamento entre palavras e organização espacial da escrita.
A ênfase no trabalho de autonomia das crianças e na oportunidade de se expressarem de diferentes
formas incentivam a curiosidade, a exploração, o encantamento e os questionamentos das situações
vivenciadas nos diversos espaços.

Por fim, enfatiza-se a importância das professoras registrarem suas práticas a partir da investigação,
da observação, do conhecimento científico e do planejamento de suas ações, compondo um
trabalho que considere as diferentes linguagens da criança.

Tal tarefa implica ir além de elaborar experiências para elas e com elas em ambientes ricos com
materiais diversificados, uma vez que o desenvolvimento do pensamento da criança resulta de suas
experiências sociais e a professora tem um papel fundamental na mediação desse processo.
1.3 Expressão, Corpo, Linhas, Cores, Traços, Sonoridades, Ritmos, Cenas...

Carlos Drummond de Andrade, em crônica publicada em 1976, afirma que as crianças são poetas.
Não é difícil concordarmos com sua afirmação, basta que passemos alguns momentos perto de
crianças para atestar isso.

Elas são novidadeiras, inventam modos, criam mundos e fundos,brincam com tudo que está a sua
volta, mexem, pegam, puxam, experimentam, montam e desmontam, acham graça das coisas,
fantasiam, viajam na imaginação, elaboram formas, criam mundos, buscam e inventam cores,
constroem enredos.

Crianças fazem poesia com as palavras, com o objeto, com o corpo inteiro. Elas pensam e
expressam seu conhecimento do mundo valendo-se das muitas linguagens criadas e recriadas na
cultura em que estão inseridas.

A poesia, nesse caso, pode ser entendida como todo o universo da arte, sinônimo de tudo quanto é
inteiro, envolvendo pensamento, corpo, sentimento, razão e emoção. Poesia é vida pulsando,
imaginação e sonho fazendo-se cores, formas, sons, gestos, movimentos.

Ao assumirmos isso, colocamos a ênfase do ensino da arte no acolhimento ao ser poético, por ser
da própria obra de arte a possibilidade em romper com estruturas e sua fixidez, romper com
espaçostempos, com binarismos, ao mesmo tempo que neles se realiza.

Arte educação e o acolhimento do ser poético

Para a criança, a arte interessa enquanto processo vivido, marcado pela pesquisa, investigação,
experimentação pelo corpo inteiro, ou seja, pela relação com os sentidos e dos mesmos entre si, ou
seja, não se prende a poucas tramas do processo, tais como produto finalizado ou à contemplação
do mesmo pelas crianças e/ou familiares.
Entretanto, sabemos da necessidade que assume a apreciação da própria produção e da produção
dos outros, na intenção em alargar as dimensões das diferenças expressivas, visto que expor as suas
ideias de alguma forma, acerca do que é apreciado, faz-se importante nessa etapa da educação.
Soma-se a isso, a potência que poderá trazer a manifestação da criança acerca das produções,
podendo ser materializado após esses momentos por outras linguagens artísticas. Acrescentamos
ainda, que a valorização da exposição/apresentação como um momento importante do processo
abre caminhos para se estimular a leitura das imagens, performances e paisagens sonoras criadas
pelos próprios sujeitos na constituição de relações entre si e com outros espaços, e, também nos
sensibilizar a perceber como tais leituras não são rígidas, refletindo o próprio sujeito que vê.

Desse modo, não se trata em produzir para um produto final, fechado, mas como um acontecimento
que tem valor em si mesmo pelas tramas envolventes ou como redes, tal como pode ser a exposição
das produções das crianças no espaço da escola, e nesse caso, sempre carregada do valor
pedagógico, sustentado pela ética, política e estética que afetarão os olhares, contribuindo por
alterar significativo e positivamente a relação do corpo com as coisas apresentadas/expostas,
produzindo novos pensamentos e, por conseguinte, outros sentidos.

Essas possíveis constatações sinalizam a escola como um ambiente formal de exposição, se


reconfigurando como um espaço de galeria de arte ou museu. Afinal, poderíamos dizer que dar
acesso aos espaços formais de arte é um importante meio de educar para a sensibilidade estética?
Talvez a própria escola poderá se tornar uma ponta forte da trama pela qual se confirma uma
significava parcela da política para arte-educação na educação infantil.

Assumindo o processo no qual a Arte e vida estão ligados, torna-se cada vez mais necessário, dá-se
o reconhecimento/garantias do direito de fazer/criar/expressar/comunicar, de modo que os corpos
desses sujeitos envolvidos sejam afetados, transformando as suas relações consigo mesmos, com os
outros e com as produções artísticas.

As próprias produções de artes plásticas da atualidade, bem como a história e a crítica da arte,
fortalecem essa reflexão ao demonstrarem que a obra arte tem as suas dimensões estendidas em
outras linguagens que se adicionam às categorias como pintura, desenho e escultura; sendo que
estas se diferenciam, internamente. Os trabalhos de arte de nossa contemporaneidade só se
constituem a partir da interação com o público, ou seja, com o deslocamento da obra de arte para o
contexto da vida.
A partir dessa reflexão, é importante considerar os aspectos formais da arte moderna (como cor,
ponto, linha, textura, elementos geométricos, perspectiva, estilização e etc), associadas às
dimensões da arte contemporânea, em sua capacidade de reconhecer, estimular e produzir afetos e
encontros com as crianças e das crianças com os saberes artísticos formais ou não formais na
intenção de potencializar a vida que pulsa nos CMEI's.

Anne Marie Holm (2007) destaca uma visão de arte educação baseada nessa contemporaneidade,
defende essa educação como um processo contínuo e cotidiano, que envolve pesquisa, conquista de
autoconfiança, coragem de ir aonde não se conhece, apresenta desafios para os quais não se
aguarda uma única resposta. Proporciona a pesquisa, o mergulho no desconhecido para testar
distintos materiais, formas e matérias, experimentar diferentes elementos ainda não apropriados e
integra o fazer/criar/expressar/comunicar artístico.

Isso é importante por apontar para experimentações curriculares pela arte na educação infantil,
baseados em proposições capazes de reconhecer/estimular/evidenciar o “ser poético”, implicado na
totalidade do olhar, da escuta, do movimento, da acolhida, do cuidado, que se expressa
mobilizando todo o corpo e suas relações com o mundo.

Contudo, evidencia-se ainda que romper com a barreira que despotencializa a experimentação em
detrimento da construção do objeto de contemplação ainda é um desafio. O que se observa é um
hibridismo de conceitos no modo de ver, pensar a arte e executar as suas ações junto às crianças;
uma mistura de elementos da tradição, baseados puramente na bidmensionalidade e no
modernismo, misturado aos valores dos patrimônios culturais.

Dois conceitos podem ser observados em ações voltadas para novas maneiras de conceber a obra
de arte, baseadas na ruptura com o distanciamento entre a obra e o espectador, em uma arte/ação
voltada para uma educação dos sentidos, no encontro entre a criança e a arte, no entrelaçamento
com as diversas linguagens, em construções coletivas.

Em relação aos pontos em comum, apontá-se a proposta metodológica baseada nos três eixos
norteadores: o fazer, o pensar e contextualizar a Arte. Martins e outros (1998) nos ajudam a refletir
sobre esses eixos, como podemos observar a seguir.

A Produção refere-se ao fazer artístico e ao conjunto de questões a ele


relacionadas, no âmbito do fazer do aluno e dos produtores sociais da arte, a
Fruição significa a apreciação significativa de arte e do universo a ela relacionado e
a Reflexão refere-se à construção de conhecimento sobre o trabalho artístico,
pessoas, dos colegas e sobre a arte como produto da história e da multiplicidade das
culturas humanas, com ênfase na formação cultivada do cidadão. (MARTINS E
OUTROS, 1998, p. 30).

Além da utilização dos três eixos norteadores, é importante ressaltar a articulação com outras
linguagens. Lúcia Reilly (2004) nos ajuda a refletir sobre esse assunto, quando diz que:

O metabolismo das linguagens, dos processos e sistemas sígnicos, tais como a


escrita, desenho, música, cinema, televisão, rádio, jornal, teatro, pintura,
computação gráfica,etc,. assemelha-se aos dos seres vivos. Tanto como quaisquer
organismos vigentes, as linguagens estão em permanente crescimento e mutação.
Os parentescos, trocas e mutações, migrações e intercursos entre as linguagens não
são menosdensas e complexas do que os processos que regem a demografia
humana. Enfim, o mundo das linguagens é tão movente e volátil quanto o mundo
dos seres vivos. Esta volatilidade não costuma ser levada em conta, nem mesmo
percebida, porque, infelizmente, nos currículos escolares, as linguagens são
colocadas em campos estanques, rígidas ou asceticamente separadas: a literatura e
as formas narrativas em um setor, a arte em outro, o cinema de um lado, a fotografia
do outro, a televisão e o vídeo em outra área, a música em outra e etc. Entretanto, é
só nos currículos escolares é que elas estão separadas com nitidez. Na vida elas se
misturam; a promiscuidade entre as linguagens e os signos são regras.
(SANTAELLA apud REILY, 2004, p.180-181).

Salientamos, também, que um outro elemento a ser desenvolvido nas aulas de arte é a leitura da
obra/imagem/produção das crianças, devendo ser endossadas pelos possíveis atravessamentos com
a vida e com outros saberes, no intuito em dar/perceber/estimular mais espessura do ser poético.
Não se trata de coletivizar a leitura de imagens como algo pronto, previamente calculado, mas
como acontecimento visual, visto que pensamos as crianças como sujeitos ativos que interferem na
vida, na cultura, na história.

As imagens da história da arte na educação infantil não busca a competência em leitura de imagens,
mas em apresentar a cultura artística imagética que promova o encontro e a reinvenção do ser
poético. A leitura de imagem e/ou de arte como acontecimento visual busca pensar a arte como “um
agenciamento interativo”, criativo, expressivo e comunicativo.

A referência às imagens não é apenas que foi criado, mas como aquela imagem da obra de arte
pode ser ressignificadas e ser um agente disparador de outras conexões com a vida e suas
interrelações. Não se trata de uma tentativa de engrandecer o passado ou outras culturas e, ainda,
estilos artísticos, biografias de autores ou de ensinar a pensar a imagem, mas de potencializar a
sensibilidade e criar meios de possíveis acessos aos distintos mapas mentais das crianças.

Ao trilhar esse caminho a perspectiva de leitura da obra/imagem da obra arte na educação infantil
deverá se dar de forma aberta, não procedimental, mas dialógica.

Ao ter em vista a necessidade em desenvolver uma arte educação para a infância como acolhida ao
ser poético, pelas vias da contemporaneidade, sustentada pela escuta sensível, pelo estímulo à
criação, à expressão, à diferença; garantindo o acesso aos espaços formais e não formais públicos e
privados de apreciação/interação/produção das/com as artes, apontamos/propomos experiências
curriculares que podem se tornar disparadores de aprendizagens e garantidores de processos
promotores de afecções com/para/pelas crianças
1.3.1 Sons, Ritmos, Melodias,Ssilêncios... Textos sonoros entrelaçando-se ao ser
poético

No que se refere, a linguagem musical, consideramos que a música está presente na vida humana
desde os primórdios de nossa espécie. É um modo de se expressar, de se comunicar, de
compartilhar sentidos, uma forma de linguagem que será realizada de modos diferenciados de
acordo com o tempo (histórico) e o espaço (social). Desse modo,

[…] a compreensão da música, ou mesmo a sensibilidade a ela, tem por base um


padrão culturalmente compartilhado para a organização dos sons numa linguagem
artística, padrão este que, socialmente construído, é socialmente apreendido – pela
vivência, pelo contato cotidiano, pela familiarização – embora também possa ser
aprendida na escola. (PENNA apud, SOUZA e JOLY 2010, p 98. )

Esse contato com a linguagem musical começa antes mesmo do nascimento, pois, ainda dentro do
útero, os bebês escutam e reagem aos sons do corpo materno e aos sons externos. Ao nascer, desde
as primeiras semanas de vida, já são capazes de distinguir a voz humana de outras fontes sonoras.
As canções e pequenas brincadeiras musicais entoadas pelos pais e pessoas da convivência familiar
fazem parte deste universo sonoro que o envolve, constituindo uma importante fonte de conexão
cultural e promovendo a apropriação de sonoridades características do lugar onde vive – sua
família, sua comunidade, seu país
Antes de ingressar no CMEI, portanto, os bebês e crianças já constituem uma vivência, um
conhecimento musical, do qual fazem parte sons familiares, músicas e canções entoadas pelas
pessoas que conhece. Esse conhecimento deve ser considerado ao se pensar nas ações pedagógicas,
que visam fornecer elementos necessários para a aquisição de esquemas de percepção da
linguagem musical de forma a desenvolver, progressivamente, condições para compreender
criticamente a sua realidade cultural, ampliar a sua experiência musical e expressar-se por meio
dessa linguagem.

Como as categorias atuantes no discurso musical são sempre repertoriadas em uma cultura, é fácil
perceber que o sentimento estético é aprendido, construído, exigindo do educando, do compositor,
intérprete, ouvinte, a posse de certo número de ferramentas intelectuais e técnicas que nenhuma
espontaneidade consegue dar conta. Por isso dizemos que a educação jamais deve opor
sensibilidade à inteligência e emoção à razão, pois essas dimensões se completam mutuamente.

Aprender música na educação infantil consiste, portanto, na apropriação progressiva de uma forma
de linguagem, de uma forma de expressão, comunicação, de compartilhamento de sentidos. Essa
apropriação ocorrerá por meio do fazer musical, entendido aqui como “o contato entre a realização
acústica de um enunciado musical e seu receptor, seja este alguém que cante, componha, dance ou
simplesmente ouça” (Ferraz apud Brito, 2003, p. 1).

Conectando a escuta (do entorno, de sonoridades e obras musicais diversas) e os gestos produtores
de sons – vocais, corporais ou com materiais diversos –, o fazer musical infantil integra uma gama
de possibilidades: cantar, tocar, movimentar-se, desenhar e registrar sons, improvisar etc.

Dessa forma, as experiências ou práticas musicais propostas poderão englobar:


• o canto;
• a criação de gestos e movimentos para expressar a música;
• a dança;
• atividades de escuta e apreciação de diversas obras musicais, tentando perceber
quais recursos sonoros o compositor utilizou para produzir/representar essa ou aquela
ideia;
• conversas acerca das impressões que a música ouvida proporcionou;
• desenhos que representem essas impressões e/ou elementos sonoros que chamaram a
atenção;
• as possibilidades de exploração de sons vocais;
• a participação em brinquedos cantados e rítmicos;
• a pesquisa de sons para instrumentos’, inventa e imita motivos elaborar
acompanhamentos sonoros para histórias ou poemas;
• a realização de acompanhamentos rítmicos;
• dramatização; etc

A integração da música com outras linguagens no contexto da Educação Infantil é de suma


importância, visto que, principalmente nas crianças pequenas, a apropriação da linguagem musical
acontece em situações em que elas não estão propriamente “fazendo música”, mas vivenciando-a
de outras formas: imitando, representando, fazendo gestos, dançando, brincando.

A criança é um ser ‘brincante’ e, brincando, faz música, pois assim se relaciona com o mundo que
descobre a cada dia. Fazendo música, ela, metaforicamente, ‘transforma-se em sons’, num
permanente exercício: receptiva e curiosa, a criança pesquisa materiais sonoros, ‘descobre
melódicos e rítmicos e ouve com prazer a música de todos os povos. (BRITO, 2003)

É importante que o repertório a ser vivenciado englobe a maior variedade de gêneros e estilos
musicais (de vários períodos da história, de diferentes países, grupos étnicos, culturais, etc) pois, tal
variedade favorece a familiarização das crianças com os seus princípios de organização sonora, o
que tornará a música significativa e contribuirá para ampliação do universo musical do aluno, pois,
como nos diz PENNA:
[…] a música, em suas mais variadas formas, é um patrimônio cultural capaz de
enriquecer a vida de cada um, ampliando a sua experiência expressiva e
significativa. Cabe, portanto, pensar a música na escola [também] dentro de um
projeto de democratização no acesso à arte e à cultura. PENNA apud, SOUZA e
JOLY 2010,p. 100)

Além de ampliar o universo musical da criança, cabe à educação musical possibilitar a ela
expressar-se por meio desta linguagem. Isto implica em colocarmos a criação musical infantil em
evidência e considerar o modo musical da criança, o que exige o redimensionamento do próprio
conceito de música.

Reconhecer e respeitar a produção musical infantil implica reconhecer que a música também é um
sistema aberto e dinâmico e que as crianças elaboram e re-elaboram suas ideias de música
dinamicamente, em planos que consideram o emergir dos acontecimentos. Ideias que abarcam as
representações mentais acerca da questão, o modo como elas lidam com os conceitos envolvidos, a
prática e os significados afetivos, inclusive, que são conferidos ao fazer musical.
Alguns autores falam da “música espontânea”, que abrange desde as “garatujas vocais ou
instrumentais criadas espontaneamente durante a primeira infância até as músicas criadas
conscientemente pelas crianças maiores”. Além de criar espaço para a performance e escuta dessa
“música da criança” , o trabalho de criação musical pode ser instigado através da realização de
jogos de improvisação, conversas musicais, perguntas e respostas, criações de canções, histórias
sonoras e muitas outras dinâmicas, sejam elas vocais ou instrumentais, individual ou coletivamente.
Dessa forma, estaremos trazendo para o primeiro plano as ideias musicais das crianças, o que
possibilitará saber como pensam musicalmente, oportunizando a elas conhecer e desenvolver a sua
própria “voz” musical.

Podemos considerar que o trabalho de educação musical na educação infantil abrange a criação de
comunidades de prática musical com as crianças. Comunidades onde as atividades musicais são
práticas valorizadas pelos sujeitos envolvidos, que se “ligam” por meio de experiências musicais,
em que crianças e educadores se inserem na “corrente da comunicação musical”, aprendem uns
com os outros e onde não há certo ou errado, mas respeito e admiração pela expressão de cada um.
Para isso, importa que os educadores assumam uma postura pesquisadora, observando, analisando,
registrando, documentando e refletindo acerca dos modos como as crianças fazem música,
prestando atenção não apenas ao conhecimento musical a ser ensinado, mas sobretudo olhando
para a criança, tentando fazer um esforço de interpretar suas ações de uma maneira mais global.

Dessa forma, a educação musical na educação infantil propõe caminhos para que todos possam se
expressar e fazer música de formas variadas, tendo como foco principal a formação integral de
crianças e adultos. Deve desenvolver a capacidade crítica, o saber escutar e a apreciação, não se
restringindo ao ensinamento e manipulação de instrumentos musicais, ampliando possibilidades de
aprendizagem por meio da música, sem o objetivo de formar músicos, mas, sim, o de fazer com que
a criança se desenvolva nas suas capacidades cognitiva, expressiva, afetiva, crítica, dentre outras.
1.4 Expressão, Espaço, Corpo, Quantidade, Tempo...

Ao falar de práticas pedagógicas com a linguagem matemática, deparamo-nos com o desafio


apresentado pelas professoras no que diz respeito ao temor a esse conhecimento. Muitas alegam
que não sabem ou não gostam da matemática. Se o professor não teve uma boa experiência com
essa linguagem no decorrer de sua vida escolar, inclusive nos cursos de formação inicial nas
licenciaturas, o desafio está colocado. Porém, quando a formação afeta positivamente os
envolvidos, o trabalho pedagógico tem outro significado.

Penhkonen e G. Torner (1999, apud VILA e CALLEJO, 2006, p. 45) destacam que “[...] as crenças
dos professores no que diz respeito a essa linguagem regulam suas decisões quanto ao
planejamento, ao desenvolvimento e a avaliação dos processos de ensino/aprendizagem”.

Consequentemente, essas crenças influenciam de alguma forma as práticas pedagógicas e


principalmente a aprendizagem das crianças. Algumas delas são pautadas em práticas de linguagem
matemática que se traduzem em atividades repetitivas e mecânicas desprovidas de significado.
Ainda hoje, as crianças são subestimadas em suas potencialidades, realizando atividades
repetitivas, xerocopiadas, passando grande parte do tempo, sentadas em suas cadeiras sob a
autoridade da professora, desprovidas de viverem com intensidade suas infâncias.

Outra prática associada a esta linguagem visa desenvolver atividades que potencializem as
estruturas do pensamento lógico-matemático, propondo atividades de ordenar, seriar, comparar
objetos em função de diferentes critérios, acreditando que isso seria um pré-requisito para o
trabalho com os números. No entanto, observamos que, em suas ações cotidianas as crianças
utilizam diferentes critérios para agrupar brinquedos ou peças de jogos e, em suas interações,
podem ordená-los por tamanho, por preferências, por escolha de estarem juntos em uma brincadeira
ou jogo simbólico.

Também presente na Educação Infantil é a concepção de que, para trabalhar com esta linguagem é
preciso partir exclusivamente da utilização de material concreto, desconsiderando as situações
problemas que surgem nas interações. . No entanto, a concretude de uma ação não apenas está na
manipulação de objetos mas, especialmente, na capacidade de contextualizar as situações de
aprendizagens de modo que possa ser possível desenvolver problematizações junto às crianças,
promovendo a criação de campos de resolubilidades; situações onde as crianças possam
desenvolver a capacidade de defender um ponto de vista, elaborar um argumento, de escutar o
ponto de vista dos colegas, resolver uma situação-problema de forma autônoma, dentre outras
formas de proporcionar o exercício do pensamento matemático.

Nesse sentido, questionamos: Será que as experiências com essa linguagem acontecem por etapas?

É preciso discutir outras formas de inserção da matemática que possam romper com essas crenças,
constituindo-se a partir das enunciações das crianças. Para Smole (2007, p.60) “As crianças
pequenas ainda não vivenciaram as estereotipias trazidas por uma educação viciada, talvez não
tenham ouvido falar da dificuldade que é aprender matemática, ou não fazem ideia do que isso
significa”. Pelo contrário, elas entram em contato com o universo matemático antes mesmo de irem
para a escola, construindo, nas suas experiências sociais, culturais e familiares, conhecimentos que
envolvem noções de quantidade, comparação, seleção, seriação, sequência, etc, levando-as a
explorarem o mundo, arriscando-se em diversos espaços, observando as diferentes formas das
coisas. É importante perceber a criança utilizando o pensamento matemático para resolução de
problemas do seu cotidiano como: calcular o espaço que é necessário para passar entre os móveis
da casa, calcular a altura do braço para pegar um objeto que está na mesa, calcular a força para
pegar um brinquedo, calcular o tempo necessário para pegar uma bola, calcular as diferenças de
tamanho entre os brinquedos. Não seriam esses saberes o disparador da organização do trabalho
pedagógico?

Monteiro (2003) nos fala que as experiências espaciais são a gênese do trabalho com matemática.
Com os bebês, por exemplo, a ocupação do espaço, passar por obstáculos ou circular pelo chão
engatinhando ou explorando os primeiros passos; ao entrarem em relação com uma bola que rola
ou ocuparem as caixas de papelão descobrindo a brincadeira de esconde-esconde exploram
conceito de formas geométricas; separam os brinquedos, arremessam peças, bolas, chupetas,…;
experimentam a noção de cheio e vazio ou encher e esvaziar seguidamente um balde de areia ou
água, quando fazem tentativas de encaixar um objeto no outro. Práticas de pensamento lógico-
matemático experimentados no dia-a-dia dos bebês nos espaços escolares.
Panizza (2006, p.19), “não é possível tratar o tema da aprendizagem e o ensino da Matemática sem
se referir seriamente à questão do sentido”. É importante observar que as aprendizagens para os
bebês e para as crianças pequenas, estão ligadas ao que é significativo, ao que faz sentido para elas.
São os olhares dos professores que fazem a diferença ao possibilitar às crianças explorarem ou não
tais oportunidades de aprendizagem nas diferentes brincadeiras a partir dos olhares das crianças.

Portanto, na busca significações, é possível outras organizações dos espaçostempos na Educação


Infantil que potencializem a problematização, a resolução de problemas, a formulação de questões,
o questionamento e a expressão dos diferentes pontos de vista. Esse ambiente investigativo e
dialógico precisa ser pensado e vivenciado de maneira coletiva, de forma a propiciar uma escuta a
respeito das ideias das crianças, criando cenários onde os ambientes possam ser mais
problematizadores.

Com a ruptura desses estereótipos, é possível inventar uma nova forma de expressão dessa
linguagem que leve em consideração de fato, a criança como protagonista do processo de
aprendizagem e que pode enunciar propostas curriculares.

Desta maneira, a Educação Infantil pode contribuir para formação e produção de conhecimentos,
que assumam uma posição propositiva frente a uma nova situação e leve à reflexão e a busca de
soluções compartilhadas com os colegas.
Desse modo, escutar as crianças, não serve apenas para entendê-las, mas também para ver o mundo
a sua maneira, de forma inventiva, instigante, curiosa, entendendo o verdadeiro sentido da ação
curricular, em que a criança tenha centralidade. Essa prática docente cria outra relação com a
aprendizagem, compondo junto às crianças a proposta pedagógica da turma.

As formulações das ideias matemáticas, elaboradas pelas crianças, são possibilitadas a partir da
liberdade de experimentações que a organização do trabalho pedagógico proporciona no dia a dia,
que pode se concretizar nos momentos que elas dividem os brinquedos, contam os lápis de cor,
sabem quantos crianças faltaram e quantas estão presentes, distribuem os materiais para os colegas
etc. Portanto, a ação pedagógica propicia descobrir e inventar diferentes formas para a resolução de
problemas, a partir da elaboração de questionamentos, levantamento de hipóteses, construção de
procedimentos, análise dos erros, procura de outras soluções, enfim, criando espaços de
questionamentos e reflexões que levam, portanto, a um pensamento criativo, assim como, a
formulação de novos problemas expressos nas enunciações infantis.

A socialização dessas hipóteses nas rodas de conversa com o grupo, favorece às crianças a
possibilidade de reverem as ideias, criticar e trazer novas alternativas, colocando-as no movimento
do pensamento matemático. Essa condição de criar hipóteses, experimentar, confrontar e validar
coletivamente as estratégias, proporciona o questionamento das próprias ideias e a dos colegas, o
enfrentamento de novas situações, o registro dos argumentos aceitos pelo grupo, como também o
exercício de rever as respostas.
Assim, é importante que as situações-problema façam parte da prática pedagógica em diferentes
espaçostempos no cotidiano da Educação Infantil. E isso não é difícil, haja vista que as crianças
problematizam tudo o tempo todo.

Nesse sentido, é possível potencializar os momentos em que as crianças interferem e propõem


soluções alternativas para a história que está sendo contada; nos momentos em que questionam o
cumprimento de determinada regra e apresentam outra; nos acontecimentos inesperados que
implicam em decisões rápidas e/ou criam campos problemáticos a serem investigados.

Essas experiências também levam as crianças a conceberem os conhecimentos matemáticos como


processo, em constante mutação, que se faz de forma investigativa e não mais como conhecimento
exato e mutável.

Segundo as DCNEIs (2009), as práticas pedagógicas devem garantir experiências que “[...] recrie,
em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas, medidas, formas e orientações
espaço temporais” (BRASIL, 2009, p.25), o que nos aponta, portanto, uma organização curricular
em torno de: Espaço e Forma, Número e Sistema de Numeração e Grandezas e Medidas. Além
desses três eixos, Smole (2003) acrescenta a Interpretação e Organização de dados, ou seja, o
tratamento da informação.

Espaço e Forma

Considerando a abordagem da geometria como teoria do espaço físico, concordamos com Bairral
(2005) quando diz que na Educação Infantil a criança deve divertir-se e socializar-se. Nesse espaço
a criança tem o direito de brincar e aprender matemática.

Essa “matemática”, no entanto, deve estar imbricada de situações de aprendizagem que permitam a
criança movimentar-se e conhecer criticamente o espaço geográfico-geométrico por onde circula.

Cotidianamente, convivemos com uma série de problemas que envolvem conhecimentos espaciais
como orientar-se por meio de um mapa da região, produzir instruções para ir de um lugar a outro,
seguir instruções elaboradas por outro ou encontrar um objeto a partir de indicações orais ou
escritas (MONTEIRO, 2003). Outras atividades são possíveis quando as crianças são incentivadas
a produzir mapas e fazer leituras cartográficas dos diferentes espaços do CMEI, dos parques e da
cidade.

A geometria está presente nos diferentes espaços que as crianças necessitam para mover-se e por
isso, as Instituições de Educação Infantil precisam oferecer diversas oportunidades para que elas
possam explorar esses espaços existentes, e também a partir da produção de cenários desafiadores,
de maneira a enriquecer suas experiências. Por meio de um enredo de faz-de-conta, por exemplo, a
criança faz deslocamentos no ambiente, engatinha ou anda de um lugar para outro encenando a
história, sobe na cadeira para não molhar os pés com a água do riacho, desce da cadeira para
continuar a caminhar, passa por dentro do túnel para se esconder, ou fica na ponta dos pés para ver
se lobo já foi embora.

Essas interações também ocorrem na manipulação de objetos que representam as diferentes figuras
espaciais: bola/esfera, dado/cubo, pirâmide/poliedro, casquinha de sorvete/cone, canudo/cilindro,
caixa/hexaedro; ou em brincadeiras de entrar numa caixa; ao montar os blocos de construção ou
nos jogos de encaixe. Quando a criança utiliza essas peças para criar torres, casas, pistas para
carrinhos e cidades, ela seleciona os formatos que necessita para atender sua criação. Mesmo que a
criança não saiba do nome convencional de cada figura espacial, ela passa a nomeá-lo de acordo
com o formato e/ou com a utilidade que ela associa que ele tenha naquele momento. Para
enriquecer essa experiência é importante oferecer blocos de diferentes tipos, tamanhos, formatos,
materiais (madeira, papelão, espuma).

As atividades de esconder e procurar, em que alguém ou um grupo de crianças esconde um objeto e


outro grupo tem que achá-lo, também são boas oportunidades de representações espaciais, uma vez
que precisam verbalizar posições espaciais, por meio de pistas, que podem ser orais ou gráficas
(por meio de símbolos). Também a exploração de espaços maiores, envolvendo o ambiente da
escola, comunicando a alguém o trajeto necessário de como chegar até a cozinha, por exemplo, ou
realizar um percurso alternativo para chegar até a sua sala podem ser atividades bastante
enriquecedoras do planejamento pedagógico.

Outra atividade interessante é a montagem de percursos e labirintos com papelão ou com PVC,
com o próprio mobiliário da sala ou outros materiais em que as crianças são convidadas a explorá-
los de diferentes formas: agachadas, rolando, rastejando, sentindo a relação entre corpo e espaço e
os diferentes tempos para percorrê-los. Podem também ser contadas histórias, promovendo
situações em que as crianças pensem em soluções para enfrentarem problemas nesses trajetos,
desafiando as múltiplas possibilidades de os vivenciarem.

Números e Sistema de Numeração

A contagem dos números naturais surge da necessidade da humanidade medir quantidades, e as


crianças criam um modo próprio de realizar essa contagem. A prática pedagógica articulada a esses
diferentes modos, pode criar atividades e jogos que potencializam as crianças a contarem e a
compreenderem a significação do conceito numérico. Ao pular corda, por exemplo, elas podem
contar a quantidade de vezes que a corda fez o contorno e essas quantidades poderão ser registradas
numa folha de papel, ao modo da criança para que, ao final calculem quantas vezes elas pularam.
Assim, a contagem nesse caso, favoreceu a resolução do problema de marcar a quantidade de vezes
que elas pularam corda. Nesse trabalho pedagógico com a contagem, a criança também experiência
a concepção de adição.
Trabalhar com números que fazem parte do cotidiano das crianças como preços, idades, datas,
medidas, altura das crianças, tamanho do calçado, da roupa etc é fundamental para fazê-las
compreender os diferentes contextos em que são utilizados e o sentido que adquirem em cada um
deles. Assim, paulatinamente, as crianças podem ir aprendendo a reconhecer onde há números, para
que se usam e observar as marcas gráficas que os acompanham em cada caso (vírgula nos preços,
hífen nos números telefônicos, barras nas datas e dentre outras).

Com o processo histórico foi necessário a humanidade construir um sistema de numeração, esse
sistema vai além do processo de contar, embora o aprender a contar exerça importância na
apreensão da concepção de número. Nessa perspectiva, Ocsana Danyluk (1998) explica que o
simples fato da criança repetir uma sequência numérica não quer dizer que ela compreenda a
representação quantitativa de cada número ou como se escreve. Para ela, ensinar os números
significa trabalhar simultaneamente a noção de quantidade com a sua representação.

Grandezas e Medidas

Como nos blocos anteriores, as atividades utilizando-se grandezas e medidas, surgem das situações
vivenciadas pelas crianças no dia-a-dia do CMEI: ao tentar situar no tempo para saber o dia do
passeio, para saber quantos dias faltam para o seu aniversário, ao acompanhar o nascimento de uma
planta e a metamorfose da borboleta, por exemplo, proporciona à criança o entendimento da
passagem de tempo e da organização do calendário. Relacionadas a isso, compreende a
regularidade das medidas como dias e meses articulado a ideia de antes (antecessor) de depois
(sucessor) de um dia e de um mês e, logo, de um número.

É importante lembrar, que entre os gregos havia pelo menos três palavras para designar tempo:
Aion, Kairós e Kronos. A forma mais cruel é a Kronos/cronológica, pois é um tempo devorador,
que leva o ser humano a contar os segundos, horas e dias do tempo como medida da existência; já o
tempo em Kairós, refere-se a qualidade de cada momento vivido, qual a duração de um sorriso
diante de uma conquista frente a um obstáculo ou de um abraço a um amigo que chora por um
ferimento adquirido em uma queda durante uma brincadeira. Quando tempo dura um momento de
refeição onde compartilho com os amigos as novidades de um fim de semana. Perspectivas de
tempo não cronológico que nos convoca a sermos menos rígidos diante das rotinas. Essas
concepções do tempo são importantes na vida das crianças, em seus ritmos de aprendizagens e a
prática pedagógica deve levar em conta essas diferentes formas de sentir o tempo.

Outras atividades também podem ser abordadas e problematizadas junto às crianças, relativas ao
tamanho, comprimento, largura, planejando situações em que possam comparar, estimar,
problematizar.

Os jogos também constituem-se em importantes atividades para desenvolver esses conhecimentos,


por exemplo o Boliche (ou outro jogo de pontaria), em que o professor pode propor a contar os
pinos que cada grupo marcar e estabelecer a distância dos pinos. Em relação à proposição das
medidas, as crianças encontrarão diferentes estratégias de alcançar o objetivo que se traduz na
utilização de uma unidade de medida convencional, com o uso da fita métrica; ou não
convencional, com o uso de outras unidades de medida inventadas, como as mãos, passos ou pés,
e/ou outros objetos que se encontram no espaço, inclusive com o próprio pino.

Essas experiências nos fazem pensar em outras práticas pedagógicas vinculadas a amarelinha, aos
jogos de tabuleiros, aos brinquedos de montar, a caça ao tesouro, em que as crianças possam
levantar hipóteses, estabelecer relações, interpretar, investigar, inventar, fazer leituras, registros e
argumentar.

Nessas brincadeiras as crianças são incentivadas a registrar a quantidade de peças que contou, o
placar, as formas construídas, os percursos realizados e as sensações ao modo de cada grupo. Os
registros podem ser produzidos em forma de desenhos, representando a quantidade de objetos a que
se referem; de forma icônica, com as crianças fazendo tracinhos, linhas retas, pontos, marcas
correspondentes ao quantitativo de objetos apresentados; de forma simbólica, onde as crianças
utilizam os símbolos convencionais ou palavras para representar a quantidade desejada; e ainda em
forma de rabiscos, em que as crianças registram as quantidades ao seu modo, mesmo que para o
adulto não seja possível identificá-las.
As atividades de culinária também são excelentes oportunidades para experimentação de diferentes
unidades de medida, em que as crianças podem usar aquelas estabelecidas em uma receita: uma
xícara, meia xícara, duas colheres; ou equivalentes mais que, menos que. É possível ainda observar
e comparar a quantidade disponível em diferentes embalagens de um mesmo produto e a ideia de
tempo exato, marcando o tempo de cozimento com uma ampulheta ou relógio.

Há ainda o trabalho com a horta escolar, em que as atividades com medidas são possíveis ao se
medir o terreno e o intervalo entre as sementes, acompanhar o ritmo da colheita, a quantidade e o
peso dos alimentos colhidos.
Para potencializar o trabalho, é importante que seja disponibilizado para as crianças materiais que
propiciem à exploração e descobertas, como fitas métricas, balanças, réguas, relógios, ampulhetas
etc.

Tratamento de Informações

Muitas experiências trabalhadas nos espaços educativos podem ser potencializadas com o intuito de
criar representações de dados. Esses dados podem ser construídos a partir da própria realidade da
escola: quantas crianças estão presente, quantas faltaram; quantos gostam da alimentação servida
ou das brincadeiras que realizam, quantos não gostam, dentre outras informações de interesse das
crianças.
Esses dados podem ser representados pelas crianças com gráficos, utilizando figuras, palitos, caixas
de fósforo, desenhos ou outro modo que elas desejarem.

Além disso, os dados coletados e traduzidos nessa representação gráfica precisam ser mobilizados
para uma ação. Nesse processo, é preciso dialogar com as crianças o que poderá ser feito, por
exemplo, em relação as crianças que faltam; o que elas sugerem sobre a alimentação ou as
brincadeiras que não gostam.

Quando os espaços de Educação Infantil oportunizam experiências significativas e as crianças são


instigadas a resolver problemas que ainda não tinham se deparado, a prática pedagógica propicia
caminho aberto para formulação de novas concepções.

Assim, a matemática tem sentido quando proporciona à criança o prazer de experimentar a


linguagem de maneira significativa nas diversas ações pedagógicas presentes nos espaços
educativos.
2 Processos Investigativos Relacionados ao Mundo Físico e Social, ao
Tempo e à Natureza.

Questionar, estranhar, suspeitar as crianças principalmente, e adultos problematizam os conceitos as


elações, os objetos, os fenômenos durante as práticas pedagógicas; na vida. Colocam em evidência
acontecimentos ora inusitados ora propostos nos projetos desenvolvidos nas Unidades de Ensino;
de maneira espontânea e/ou planejada e organizada pelos professores.

Nesse sentido, em que medida estabelecemos, com as crianças, movimentos de indagação do que
ora está sendo vivido? Em que medida temos compreendido os questionamentos colocados pelas
crianças como fluxos potentes de produção de conhecimento? Em que medida em nossos projetos
pedagógicos planejamos e organizamos movimentos de observação, problematização, produção de
hipóteses sobre os fenômenos físicos, sociais, ou químicos com as crianças?

A Resolução nº 5 de 2009, que trata das Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, afirma
que as práticas pedagógicas devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira e
garantir experiências que “incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o
questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social,
ao tempo e à natureza”. (Resolução nº5 do CNE, artigo 9º, 2009)

A ciência nos convoca a um duplo movimento, sejam eles: as experimentações com os conteúdos
abordados pelo campo das ciências e, uma ação, atitude ou percurso investigativo ao experimentar
tais temas ou qualquer outro proposto nas práticas pedagógicas.

Nesse sentido, os encontros pedagógicos são momentos disparadores de pensamentos. Ao


entrarmos em relação com conhecimentos produzidos, lançamos questões, estranhamos o vivido,
nos surpreendemos com os fenômenos: Como uma formiga pode subir uma parede carregando
tanto peso? Como as aranhas produzem teias? Porque o comprimido “ferve” na água?

Quando as crianças elaboram algumas questões (aparentemente simples) suscitam investigações


complexas, pois, geralmente, problematizam a vida intensivamente: O que é? Como é? Porque é?
Como faz? Porque não pode ser assim?
Nesse sentido, se considerarmos as enunciações infantis como possibilidade ou como uma força de
produção de problematizações que movimenta o pensamento, isto é, como uma força que
movimenta as práticas pedagógicas, podemos instaurar processos investigativos a partir da
curiosidade e da atenção sensível aos ambientes aos quais convivemos.

Quando, então, propomos a leitura de um texto ou apresentamos uma brincadeira para as crianças;
quando observamos a chuva pela janela ou ouvimos o som do coração; quantos questionamentos
surgem a partir da história, das observações, dos sons, capazes de traçar linhas de experimentações
e aprendizagens, que se desdobram, sucessivamente, em outras questões – em outros campos
problemáticos a serem investigados.

Esse é o caminho que constitui o duplo processo de aprendizagem: ao passo que nos apropriamos
dos conhecimentos científicos acumulados, elaboramos/criamos outros campos problemáticos de
investigação, ou seja, produzimos outras hipóteses, experimentamos algumas práticas, formulamos
outros conceitos e lançamos outras questões. Esse caminho não é linear, nem sinuoso talvez, mas
feitos de simultaneidades e coexistências. As linhas de aprendizagens se dão sempre no tempo e na
forma de quem participa do processo, ou seja, se constituem sempre como percursos singulares.

Vale ressaltar que os processos investigativos não precisam necessariamente de uma solução ou de
uma formulação conceitual, mas o percurso de questionamento-problematização, essa maneira de
pensar, por si só impulsiona o processo de aprendizagem e a produção de saberes. As investigações
sobre o mundo físico e social não são necessariamente para buscar respostas, mas problematizar o
vivido; por exemplo, o estranhamento ao desejo de consumo; questão essa pertinente ao mundo
social e que não há solução imediata. Porém, o modo como estranhamos produz em nós uma recusa
desse modelo de vida.

Logo, compreender os processos investigativos nessa ótica, afirma a provisoriedade da ciência -


dos conhecimentos -, pois, implica a reelaboração dos conceitos formulados e na criação de outros.
Os processos de formulação científica são temporais ou datados, portanto, nessa
contemporaneidade, o modo como cientificamente explicamos o mundo físico é válido para esse
tempo. As transformações sociais, culturais e históricas, dentre outros conhecimentos são
formulados acompanhando o movimento contínuo de pensamento e produção humana: o
conhecimento muda porque nós mudamos; a vida flui.
Sendo assim, quantos campos problemáticos e saberes podemos produzir com as crianças tão
legítimos quanto aos que foram produzidos pela ciência?

As formulações das crianças sobre os fenômenos são elaboradas de maneira particular. É necessário
considerar esse modo diferencial de se relacionar com o mundo, no qual ao construir uma
explicação sobre o broto de uma semente, por exemplo, elas o explicam de certo modo no qual os
adultos, por ventura, não seriam capazes de pensar. O pensamento que as crianças organizam
escapa aos padrões pragmáticos explicativos, outrora, são envolvidos por seus percursos inventivos
dando sentido aos acontecimentos por meio de outras lógicas de conexão do vivido. Portanto, ao
viverem os fenômenos, trazem o sentido próprio do fenômeno, porém conectado aos afetos, à
imaginação, às outras histórias, às novas elaborações. Estas formulações levam ao entendimento do
pensamento infantil ao considerar, por exemplo, a borboleta como meio de transporte ou um
tsunami como monstro dos mares.

As hipóteses e problematizações apresentadas têm íntima relação com as experiências vividas. O


processo de investigação é um viés duplo: ora apresento explicações, ora as desejo. Por isso,
quando a criança é questionada sobre o que é um terremoto e responde que é um monstro que
destrói tudo, sua resposta reflete um contexto desse fenômeno. A partir dessa hipótese da criança,
podemos traçar um valioso caminho investigativo. Lembrando que o mais importante é esse
processo. Nele se darão novas descobertas, novos saberes e novos questionamentos.

Os processos de investigação possibilitam planejar saídas do espaço formal de aprendizagem e


estabelecer parcerias com outras instituições e lugares onde a pesquisa pode acontecer: praias,
manguezais, museus, planetários, centros de ciência, educação e cultura, etc., associando-os
também a outros recursos de produção do conhecimento, como livros, vídeos, documentários.

Além disso, o processo investigativo pode se dar por meio de conversas com os moradores desses
espaços, outros profissionais, colocando em questão pontos de vista de diferentes gerações,
diferentes experiências de vida. A pesquisa é feita nos espaços e na relação com as pessoas.

O pensar, no contexto da infância, perpassa pela invenção e curiosidade. São comuns os


questionamentos: o que acontece quando se assa um bolo, quando se estoura uma pipoca, quando a
roupa seca? Por que o céu azul? De onde vem a chuva? Eu tenho que comer isso? Quando eu
durmo eu cresço? Enfim, são situações diversas que implicam conhecimentos de física, química,
biologia e áreas afins. São essas problematizações que darão início ao planejamento dos trabalhos
nos grupos.

Partindo dessas perguntas podemos montar cenários de hipóteses, preparar observações, pesquisar
vídeos e livros e montar experiências diversas, como a construção de um terrário para observação
do ciclo da água e da vida de plantas e animais; a construção de um borboletário no pátio, a
montagem, na sala de aula, de um foguete de gás carbônico lançado na pracinha do bairro; a
pesquisa do som por meio da construção, com as crianças, de uma escala musical de garrafas; a
brincadeira de afunda ou flutua usando objetos variados ou alimentos; e a investigação minuciosa
de cantos da escola com uso de lupas. Outros trabalhos também podem ser pensados como a
construção de hortas e a observação dos resultados a partir do plantio no sol e na sombra, uso de
muita ou pouca água, plantio em substratos diversos; sementes aquecidas ou congeladas para
depois serem colocadas na terra. Enfim, para além de plantar e colher: investigar.

O fascínio, a surpresa, o encantamento que envolvem as brincadeiras com as reações químicas


diversas, como a coloração de uma flor por efeito da anilina ou a mistura de detergente ao leite
tingido promovem um movimento que quer compreender estes fenômenos; um movimento
desejante. Assim como os trabalhos por meio de desafios: metas a serem alcançadas ou problemas
a serem solucionados.

Ainda, algumas questões: como transportar a água de um balde para o outro? Para isso, podemos
ofertar às crianças mangueiras, copos e garrafas de variados tamanhos, esponjas, canudinhos e
outros materiais. Quem consegue jogar o canudinho mais longe? Qual a forma mais rápida de vestir
um boneco? Quem acerta mais bolas de meia em um buraco? São questões que nos desafiam ao
raciocínio lógico científico.

Registrar, então, torna-se parte importante do percurso de produção das crianças, seja por texto
coletivo, desenho, esquema, fotografia, filmagem, gravação de depoimentos e outros. É muito
importante realizar o registro das experiências, pois é a partir delas que é possível acompanhar,
comparar e analisar todo o processo, tirar conclusões, agregar conhecimentos.

Para o fortalecimento dessas práticas é preciso um processo de contínua reflexão permeada de


diálogos constantes, ouvindo-se docentes e crianças para que possamos compreender e trabalhar a
investigação científica na educação infantil na perspectiva problematizadora.
2.1 Sustentabilidade

A sustentabilidade nos dias atuais é uma premissa, assim como o contato das crianças e professores
com ações de Educação Ambiental. O acesso ao patrimônio cultural, material e imaterial de
práticas desenvolvidas por antigas gerações pode promover um entendimento das condições atuais
da humanidade e do meio ambiente.

As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI) afirmam que as propostas


pedagógicas devem respeitar os princípios éticos, estéticos e políticos.

Esses princípios encerram em si o conceito de sustentabilidade que queremos trabalhar com as


crianças, uma vez que esta palavra tem origem no termo “sustentare”, que significa sustentar,
apoiar, conservar. Portanto, desenvolver práticas de sustentabilidade com as crianças é pensar de
forma mais ampla do que a de simplesmente desenvolver “breves projetos” de educação ambiental.
É propor uma profunda ressignificação nas relações entre as pessoas (criança-criança, criança-
adulto, adulto-adulto), e o meio, mudando atitudes frente à vida, aos espaços que transitamos e ao
planeta que habitamos. Além disso, é preciso que todos da comunidade escolar sejam aprendizes e
co-responsáveis pelas transformações do ambiente escolar de modo que se pratique aquilo que se
prega, valorizando a educação democrática pela participação, cooperação e solidariedade.
(FREIRE, 2005).

As escolas de educação infantil são espaços de viver o que é bom e alegram e potencializam a
existência. (SPINOSA 1983). As crianças são os novos membros de uma espécie que se renova há
milhões de anos sobre a Terra. Elas são seres da natureza e, simultaneamente, da cultura; são
corpos biológicos que se desenvolvem em interação com os outros membros de sua espécie
(Vigotski, 1989), mas cujo desenvolvimento pleno e bem estar social depende de interações com o
universo natural de que são parte.

Mas, como resistir numa sociedade que submete os indivíduos, os povos e a natureza aos interesses
do mercado mobilizando as energias sociais para a produção e a acumulação?

Quando falamos em sustentabilidade, trazemos inúmeras definições que surgiram a partir do


Relatório Brutland como a expressão “desenvolvimento sustentável”. Esse desenvolvimento
“satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir
suas próprias necessidades”. Mas existem pensamentos opostos a essa expressão. Nesse sentido, o
termo sociedades sustentáveis, como preconiza o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global de 1992, inclui a sustentabilidade ecológica, ambiental e
demográfica, bem como os aspectos sociais, culturais, espirituais e políticos para garantir o bem-
viver das pessoas, a cidadania e a justiça distributiva (PROCESSO FORMADOR, 2009).

Quando as DCNEI apontam que


[...] as práticas pedagógicas devem propiciar a interação e o conhecimento pelas
crianças das manifestações e tradições culturais brasileiras e possibilitem vivências
éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que alarguem seus padrões
de referência e de identidades no diálogo e conhecimento da diversidade.

Devemos entender que os saberes representados por diferentes grupos, sejam eles de etnia, de raça,
de gênero, de cor, de credo e outros devem ser respeitados e valorizados e concebê-los em
coerência com uma concepção de conhecimento que não fragmenta a realidade, mas que vê o
mundo como um organismo vivo, tecendo uma vasta rede de relações, em que todos estamos
conectados e cujo equilíbrio depende da cooperação entre todos.

Queremos um mundo no qual seja abolida a expressão “recurso natural” e reconheçamos que todo
processo natural é cíclico e que, se interrompermos seu ciclo, este se acaba. Na história da
humanidade, os povos que não viram isso se destruíram no esgotamento de seus chamados recursos
naturais. O progresso não está na contínua mudança tecnológica, mas na compreensão do mundo
natural, que permite recuperar a harmonia e a beleza da existência nele, com base no seu
conhecimento e no respeito por ele. Mas para ver o mundo natural e aceitá-lo sem pretender
dominá-lo ou negá-lo, devemos aprender a aceitar-nos e a respeitar-nos como indivíduos...

Ensinamos as crianças a ideia de recursos, tanto pelos elementos como água, ar, fogo, terra, mas
também, quanto aos animais, plantas e o que o planeta nos oferece. Colocamos a raça humana no
topo de uma cadeia alimentar com o poder de manipulação e de destruição e as relações focadas
apenas no bem estar do homem em detrimento da Natureza. As crianças crescem matando
pequenos insetos, entendendo que a vaca e a galinha estão no mundo para servir de alimentação,
que a terra está para nos dar alimentos, que animais silvestres devem estar no circo ou em
zoológicos para apreciação, que pássaros podem estar em gaiolas para serem exibidos como troféus
em praças públicas, etc. Precisamos repensar as ideias dos usos dos animais e a forma como
trabalhamos esse assunto nos CMEIs. A Educação Infantil é uma etapa crucial no sistema de
educação para por em prática a ideia de sociedade que vislumbramos. Então, porque não chamar a
atenção para componentes curriculares que oportunizem experiências ligadas à dimensão
ambiental? (TIRIBA, 2010). A Política Estadual de Educação

Ambiental do Espírito Santo dispõe em seu artigo 15, que:

A dimensão ambiental e suas relações com o meio social e o natural devem estar
inscritas de forma crítica nos currículos de formação dos profissionais de educação,
em todos os níveis e em todas as disciplinas...

O que parece reverberar no cotidiano é o contrário, escolas que silenciam a dimensão ambiental da
existência humana. Por que separar a cultura da natureza criando dicotomias? Ensinar os direitos e
deveres, a cidadania, o respeito às diferenças é fundamental, mas em tempo de crises ambientais, a
criança pode entender o que levou a isso tudo e o que pode ser feito para mudar essa situação. Qual
o entendimento de uma criança pequena que vê um cachorro abandonado, uma família que remexe
no lixo dos condomínios para sobrevivência, alguém que puxa um carrinho lotado com recicláveis
à frente do seu carro ou mesmo a que vai à praia e se depara com placas que indicam a proibição do
banho?

A água, bem precioso como ensinamos as crianças através de literatura infantil de excelente
qualidade continua sendo desperdiçada. Quem define quando as crianças podem beber água? Quem
define quando os copos devem ser retirados da mochila para saciar a sede? Porque só ao final do
pátio ou depois da refeição? Quem já não recebeu uma criança toda molhada em sua sala? Brincar
com a água é uma delícia!
Léa Tiriba afirma que “só uma pedagogia que respeite as vontades do corpo poderá manter vivo o
encantamento infantil, pois o livre movimento dos corpos está na origem deste encantamento,
possibilitando a exploração e a indagação sobre os fenômenos em relação ao mundo físico e social,
ao tempo e a natureza (preconizados no artigo 9º, das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil). Ao brincar na terra, construir castelos de areia, fantasiar segredos da floresta
encantada de seus sonhos, ao imaginar enredos em que se transmutam em animais e vice-versa, as
crianças vão construindo sentidos sobre a sociedade e sobre a natureza”.

É essa possibilidade de viver e agir na e sobre a natureza que vai favorecer o aparecimento do
sentimento de pertencimento ao nosso Planeta, como casa que nos acolhe e nos proporciona
conviver, em harmonia com todos os seres que coabitam este mesmo espaço.

Propomos um trabalho de Educação Ambiental pautado em três grandes eixos:


I) O contato da criança com a natureza

II) As múltiplas formas de aprender o consumismo e o desperdício de recursos naturais

O Contato da Criança com a Natureza

A natureza é a vida que se expressa em todos os seres, coisas e fenômenos. As crianças declaram
sua paixão pelos espaços ao ar livre, porque são modos de expressão dessa mesma natureza
(SPINOSA, 1983).

É visivelmente notado o prazer que as crianças têm de estar ao ar livre, explorar os espaços,
observar pequenos detalhes que passam despercebidos ao olhar do adulto, sentir o cheiro e a
textura da grama, ver formas nas nuvens do céu, se encantar com o vôo dos pássaros, sentir o sol e
o vento.

Colocar os bebês em colchonetes ao ar livre, desfrutando o espaço aberto, atentos ao que está ao
redor; passear no entorno; planejar experiências interativas entre as turmas no pátio, são
possibilidades que proporcionam grandes aprendizagens, propiciando bem estar, alegria, equilíbrio,
sentimentos de solidariedade e companheirismo, criando vínculos das crianças com seus pares e
com os adultos, enfim possibilitando a discussão da dimensão ambiental em espaços mais amplos
do que os da sala de atividades.
É preciso reinventar os tempos, os espaços, as rotinas, possibilitando o acesso das crianças à vida
que pulsa fora dos muros da instituição, mantendo e alimentando os elos que as afirmam como
seres da natureza.

É preciso repensar e transformar uma rotina de trabalho que supervaloriza os espaços fechados e
propiciar contato cotidiano com o mundo que está para além das salas e dos muros das escolas.

Também é preciso aproveitar o que os CMEIs tem de potencialidade em seus espaços para fazer
parte da proposta curricular da unidade, criando alternativas viáveis, em que os espaços e
elementos mais naturais deem lugar às vastas extensões de concreto e grama sintética.

Nesse sentido, é preciso (re)conhecer os diferentes espaços da escola, do entorno e dos arredores,
como lugares onde o patrimônio ambiental e a paisagem sejam espaços educativos, investindo
neles como potencializadores das aprendizagens.

Na escola tem árvores, espaços de terra, hortas, frutíferas, jardins, vasos de plantas, pátios de
areia? Aproveitamos o que tem de natural para fazer parte da nossa proposta curricular, criando
alternativas viáveis de junção ao nosso mundo de concreto? Como são os pátios? Existem
balanços, escorregas? São de cimento ou grama sintética? Quais a sensações das crianças durante
os momentos em que permanecem determinado tempo no pátio?

O entorno é o lugar do território por onde a comunidade escolar circula, principalmente a pé, ou
seja, o lugar onde, de forma direta, os resíduos, os ruídos e outros sons, os recursos naturais e a
paisagem poderiam ser continuidade do espaço livre da escola não fossem o muro ou a cerca.

A paisagem e os arredores da escola compõem o seu entorno mais distante e o entorno imediato. O
que se vê no horizonte e os lugares por onde a comunidade escolar se movimenta são áreas que
impactam na escola e sofrem seu impacto.

Nos arredores da escola percebemos o cuidado , o respeito e a responsabilidade com o ambiente e


com outras pessoas com que se compartilha o conviver em comunidade, especificamente na
comunidade escolar?
Hortas, sistemas agroflorestais, plantio e revegetação de áreas verdes, técnicas de coleta de chuva,
implantação de biossistemas, espaços intergeracionais de convivência e mesmo parques lineares
são algumas iniciativas que mobilizam para integrar a área interna e a externa com participação
cidadã de familiares de alunos e vizinhos da escola.

Mas, e quando não é possível nada disso? O que fazer?

O elo afetivo das pessoas que estudam e demais membros da comunidade escolar se define pela
relação nesse território.

Por outro lado, é no entorno que se reflete a relação entre gestão, currículo e espaço. Assim, o
entorno revela as intenções e realizações da escola. Demonstra a capacidade ou não da comunidade
escolar estruturar o espaço educador sustentável e o estabelecimento de uma relação efetiva com a
comunidade local e de mecanismos que garantam a gestão democrática e a consideração dos
saberes da comunidade.

O planejamento curricular deve levar em conta as fases, etapas, idades e a diversidade sociocultural
dos estudantes, bem como suas comunidades de vida, dos biomas e dos territórios em que se situam
as instituições educacionais. O tratamento pedagógico da Educação Ambiental deve ser
diversificado, permitindo reconhecer e valorizar a pluralidade e as diferenças individuais, sociais,
étnicas e culturais dos alunos, promovendo valores de cooperação e respeito e de relações
solidárias (DCNEA, 2012).

É nessa continuidade, que avança sobre os muros da escola, é que serão manifestados a valorização
do ambiente e das pessoas, compartilhando o convívio em comunidade, valorizando a cultura local,
e, consequentemente, favorecendo uma relação escolar sustentável.

As Múltiplas Formas de Aprender

Precisamos reinventar os caminhos do conhecer, numa perspectiva que considere as múltiplas


dimensões do humano.

Em sociedades sustentáveis, segundo Léa Tiriba, será preciso ensinar conhecimentos muito
distintos daqueles que foram necessários para a construção da sociedade industrial. Se o objetivo,
agora, é o bem estar dos povos, vivendo em equilíbrio com as demais espécies, não bastará saber
descrever e explicar seus modos de funcionamento, mas também aprender a reverenciar a natureza.

A educação é um processo de corpo inteiro porque o conhecimento é fruto da ação do sujeito no


mundo, mobilizada pelo desejo, possibilitada pelo corpo, guiada por processos sensoriais
(Guimarães, 2008).

Assim, além da utilização de espaços diferenciados externos aos muros da escola, que se
constituem como espaços de investigação, estes locais podem também ser explorados como lugar
de ouvir histórias, desenhar e pintar, enfim de realização das atividades curriculares que
comumente desenvolvemos nas salas de educação infantil.

A sustentabilidade da vida na Terra exige o rompimento de uma concepção de conhecimento


fragmentado em busca da compreensão de que os sistemas vivos são totalidades integradas, que
não estão isolados, mas interconectados em uma vasta rede de relações.

Dessa forma, não se trata de aprender o que é uma árvore decompondo-a em suas partes, mas de
senti-la e compreendê-la em interação com a vegetação que está ao seu redor, com os animais que
dela se alimentam, com sua capacidade de produzir frutos e com a sombra que utilizamos para
brincar e descansar.

Conhecer é sentir e todo sistema racional tem um fundamento emocional (Maturana, 2002). Antes
de lidar com conceitos abstratos, as crianças deveriam aprender a apreciar e a amar um lugar (Orr,
1995). Devemos usufruir da natureza que nossa cidade oferece: praias, manguezais, rios,
montanhas, onde céu, vegetação, animais, vento compõem um cenário de descobertas, levando
naturalmente, à curiosidade e a investigação científica. A partir de uma relação com uma realidade
ecológica concreta, as experiências podem ser ampliadas considerando os estudos da biologia, da
geografia, da história, da sociologia, etc, exigindo, portanto, uma pesquisa pedagógica que não
pode deter-se nesta ou naquela área de estudos, mas atravessa e interconecta infinitos campos do
conhecimento, pois é transdisciplinar. (Alves e Garcia, 2001; Gallo, 2001)

Trabalhar com as hipóteses apresentadas pelas crianças aos inúmeros elementos e fenômenos aí
encontrados possibilitará um abraço com aquilo que vem ao encontro do entendimento sobre a
indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e
sociocultural da criança. (DCNEI, 2009)
Enfim, nesse eixo afirmamos que o trabalho da educação ambiental na educação infantil, além de
se constituir num mergulho na realidade concreta, em que vários tipos de conhecimento estão
articulados, é também reconhecer as manifestações infantis por meio das múltiplas linguagens,
onde os processos de sentir, viver e se expressar não podem ser vistos como fragmentados, pois são
sentidos, vividos e expressos em sua integralidade.

O Consumismo e o Desperdício de Recursos Naturais

Desde pequenas, as crianças são seduzidas pelos milhares de brinquedos e outros “objetos de
desejo”, geralmente vinculados à personagens do gosto infantil, que a mídia leva para dentro das
casas, impondo fortemente um estilo de vida que valoriza o ter em detrimento do ser, vendendo a
imagem de que a felicidade só se realiza quando satisfeitos esses desejos.

O consumismo desenfreado elimina as diferenças culturais, ao impor padrões de vestir, brincar e se


expressar, ao mesmo tempo em que estabelece uma relação direta entre compras e situação
planetária, uma vez que só a natureza pode oferecer solos férteis, água, matérias primas,
eletricidade e combustíveis para a fabricação dos milhões de brinquedos, eletrodomésticos,
instrumentos, CDs, DVDs que as indústrias põem no mercado. Mas para fabricá-los e obter lucros,
elas lançam na atmosfera mais gases (CO2 e Ch4) do que a natureza pode assimilar, ignorando o
fato de que a Terra é sistema vivo, tem ritmos próprios, tem limites e, não poderá, indefinidamente,
ceder matérias primas e energia à ganância das empresas e aos caprichos dos consumidores.
(Tiriba, 2010). Portanto, para tratar desse tema, nãopodemos deixá-lo restrito ao trabalho com as
crianças, pois isso exige uma reflexão permanente sobre o que realmente é necessário e o que é
supérfluo com toda a comunidade escolar, propondo práticas que promovam a interação, o cuidado,
a preservação e o conhecimento da biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim
como o não desperdício dos recursos naturais. (DCNEI, 2009).
O uso dos materiais não deve limitar a condição de explorar outras formas de estética. E a
impressão que se tem ao adentrar os CMEIs é a mesma! Percebe-se um desperdício grande desses
materiais no dia a dia, já que a quantidade disponibilizada é substancial. Falamos tanto de ausência
de verba adequada para a educação, mas o que se percebe com as arrumações de início de ano dos
armários é que muito material é desperdiçado. Uma grande contradição posta – nossas reclamações
de ausência de verba e ao mesmo tempo, papéis, tintas, pedaços de tecidos, giz de cera entre outros
postos no lixo sem qualquer intenção de reaproveitamento.

Assim, esse tema exige uma gradual, mas profunda mudança de atitude frente à vida, revendo
hábitos, intensificando ações sustentáveis e, assumindo, de início, pequenas atitudes de
transformação, que contribuem para a redução do consumo, além de ajudar a reconhecer a relação
custo-materiais: trabalhar com as crianças e profissionais das escolas a conservação, a recuperação
e os novos usos para os mesmos, eliminar ou reduzir o uso de copos plásticos, redefinir o uso de
sacos plásticos, utilizar o verso das folhas de papel, cuidar da destinação do lixo evitam o acúmulo
de materiais que levam dezenas ou centenas de anos a serem reincorporados à natureza. Reduzir o
consumo de água e de energia, elaborando tabelas e gráficos de acompanhamento para evitar o
desperdício, rever instalações elétricas e hidráulicas, utilizar restos orgânicos em compostagens e
canteiros, rever o uso de EVA e TNT, substituindo-os por diferentes tecidos, mais sustentáveis e
com maior durabilidade são medidas urgentes e necessárias para pensar a vida em sua plenitude,
com toda a belezura que ela encerra, lembrando CORAZZA (2008) quando diz que ao viver, somos
transmissores de vida. E quando deixamos de transmitir a vida, a vida deixa de fluir através de nós.
E se, ao trabalhar, transmitimos vida em nosso trabalho, vida, mais vida ainda, escorre em nós, para
compensar, para nos deixar dispostos, e palpitamos, cheios de vida, pelos dias afora.
Alimentação e Saúde

3.1 Alimentação Escolar

Os diferentes tempos e espaços da educação infantil implicam na inter-relação entre o educar e o


cuidar. Reconhecer a criança como sujeito de direitos, é garantir o atendimento de suas
necessidades básicas enquanto humano, e possibilitar a ampliação de suas experiências infantis.

Das várias situações do cotidiano, alimentar-se é condição para a vida. Segundo as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEIs), é necessário garantir experiências que
possibilitem situações de aprendizagens mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas
ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar. Desta forma a atenção por parte dos
adultos com os quais interage se torna essencial considerando sua individualidade e o modo como
reproduz experiências vividas em outros espaços e/ou grupos sociais.

Ainda considerando os documentos legais, as propostas pedagógicas para a Educação Infantil


devem respeitar os princípios éticos, políticos e estéticos.

Neste sentido, a alimentação toma um caráter pedagógico, com proposições curriculares que
ampliam e se efetivam como possibilidades de aprendizagem.

Desde a matrícula nas unidades de ensino, é preciso considerar as especificidades e necessidades


das crianças de 0 a 5 anos, pensando e organizando processos de acolhimento e transição no que se
refere à alimentação dos bebês, das crianças com necessidades especiais, das crianças alérgicas
e/ou com intolerância alimentar, e todas que requerem um olhar diferenciado, bem como organizar
espaços que considerem estas especificidades e garantam o desenvolvimento da autonomia, o
respeito ao ritmo da criança no momento da alimentação, no retorno de férias e recessos escolares e
afastamentos por motivos diversos. Desse modo, é preciso articular a partir do diálogo com as
famílias, possibilidades de práticas pedagógicas para a garantia dos direitos da criança na educação
infantil.
 Organizar espaços de forma que as crianças possam fazer
escolhas:

 A partir da efetivação do self-service;

 De alimentos, possibilitando a percepção de sabores, texturas,


cheiros e cores;

 A oferta e uso de diferentes talheres;

 Quanto aos agrupamentos e escolha de seus pares no


momento de senta-se à mesa;

 Efetivar práticas pedagógicas planejadas de Lanches compartilhados como possibilidade


de interação, a partir das orientações da Coordenação de Nutrição e Alimentação escolar ,
tais como:
 Festas culturais;

 Saídas pedagógicas;

 Piquenique;

 Comemoração dos aniversariantes;

 Experimentações culinárias com as crianças;


 Considerar os movimentos de constituição das unidades de ensino de atendimento em
Tempo Integral, pensando nos diferentes contextos que implicam em modo derganização
diferenciados quanto:

 A possibilidade de horários diferenciados para as refeições;

 Cardápios específicos, pensando nos horários intermediários;

Todos apontamentos feitos até então, trazem proposições de políticas que se fazem a partir da
participação das crianças e dos profissionais da educação infantil. Assim, torna-se imprescindível a
escuta e o olhar sensível para esses sujeitos, pois expressam de diferentes formas os sentidos das
experiências vivenciadas no cotidiano, que indicam novas possibilidades de constituir políticas
para alimentação escolar.
3.2 Saúde

A Constituição Brasileira assegura em seu artigo 227, que é “dever da família, da sociedade e do
estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer. Além de colocá-las a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Quando pensamos a Educação Infantil em sua dupla função, pautada nos princípios indissociáveis
do educarcuidar, (grafado dessa forma para reforçar o sentido da indissociabilildade.) não podemos
deixar de considerar a saúde como um dos componentes intrínsecos à existência humana, e,
portanto, condição básica de se colocar diante da vida com bem-estar e alegria.

A criança de 0 a 6 anos requer um olhar bastante específico em reação à sua saúde, uma vez que
nem sempre saberá verbalizar os sintomas que a acometem, sejam eles físicos ou emocionais. É
preciso que os adultos sejam sensíveis o bastante para perceber um possível mal-estar, uma queixa
silenciosa, uma situação entristecedora e, colocando-se em seu lugar, pensar nos meios necessários
para minimizá-los.

Durante muito tempo, predominou o entendimento de que saúde era sinônimo de ausência de
doenças, privilegiando a atenção médica curativa. Hoje, entende-se como uma visão holística do
ser, sendo então entendida como “o completo bem-estar físico, mental e social”, de acordo com a
Organização Mundial da Saúde.

Essa visão implica em ações intersetoriais e interdisciplinares entre a educação e saúde e, portanto,
entre as instituições de ensino e as de saúde.

Se a escola é uma instituição de promoção da vida, as questões de saúde da criança não podem ser
desconsideradas. Uma vez observadas, o contato com a família deve ser mantido imediatamente. A
partir de então, os encaminhamentos deverão ser feitos e a família orientada para cumprir as
determinações médicas, a fim de que a criança possa ser resguardada de uma eventual piora de seu
quadro físico. Cabe aqui ressaltar a importância da observação sensível dos profissionais do CMEI,
para que seja sempre estabelecido um diálogo com a família, mantendo uma parceria em que
ambos cresçam no sentido do entendimento sobre as especificidades da criança e os ajustes
necessários, caso necessário, sobre as possíveis condutas diferenciadas em relação a ela.
Outro ponto a ser considerado é a saúde emocional da criança. Ela é resultante das situações em
que vive, tanto no âmbito familiar quanto nos outros espaços de sua vida social, incluindo portanto,
a sua vida escolar. Nesse campo, os cuidados no início de sua vida, inclusive gestacional, são
determinantes mas o mais importante são os laços afetivos que estabelece com as pessoas que
convive, sendo esses estruturantes da sua subjetividade e personalidade e também da comunicação
da criança com o outro e com o mundo. A privação ou o comprometimento da relação afetiva
contínua e de boa qualidade pode levar ao adoecimento do corpo físico, com a somatização de
doenças ou do campo emocional, levando a quadros de entristecimento e até depressão.

Os laços afetivos que se estabelecem a partir da convivência diária entre as crianças e os adultos na
instituição escolar são experiências enriquecedoras (ou não) para o corpo emocional que se delineia
nos primeiros anos de vida. A observância de atitudes, expressões corporais e verbais dos adultos
significam a aceitação (ou não) da diferença do outro, no caso, da criança, em suas formas
singulares de pensar, agir e estar no mundo. A criança sente, percebe, introjeta os sentimentos dos
que estão ao seu redor, interpretando-os segundo suas experiências.

Muitas situações conflituosas com algumas crianças que nos desafiam a pensar sobre suas formas
de ser e de agir, por nós considerada como diferente ou incomum, fazem com que os processos
vividos na instituição coloquem em cheque nossas convicções, muitas vezes sedimentadas, que não
mais respondem às nossas indagações da atualidade. Assim, é preciso que entendamos essas
crianças como sendo da Escola e não de determinada turma ou professora. Nessa perspectiva, os
diversos olhares e pensamentos de toda a equipe podem levar a uma aceitabilidade maior e novas
possibilidades de trabalho.
4 Famílias

A articulação entre as famílias e a escola na produção de currículo é imprescindível na concepção


de Educação Infantil aqui defendida. Desse modo, tal articulação coloca-se como um desafio a ser
enfrentado na atualidade.

Ao assumimos institucionalmente a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e


cuidado das crianças com as famílias precisamos (necessariamente) negociar os termos desses
processos de corresponsabilidade pela educação das crianças de seis meses a cinco anos de idade;
assim como o sentido atribuído à educação na primeira infância. Negociação que se dá em meio a
uma diversidade de arranjos familiares, com seus costumes, credos, valores, culturas e saberes.

Essa riqueza de diferentes modos de viver e constituir famílias podem fortalecer os movimentos de
produção curricular por meio das contribuições que estas podem promover para as práticas
pedagógicas. Assim, as histórias, brincadeiras, experiências profissionais, interesses pessoais de
familiares e suas diferenças geracionais podem contribuir para as ações pedagógicas planejadas.
Essa co-implicação nos processos de produção curricular da Educação Infantil promovem um
processo de confiança mútua entre os envolvidos.

Para tanto, para além das situações previstas no calendário cultural da escola (Semanas Literárias,
Dia da Família na Escola, Festa Cultural, dentre outras) onde as famílias são convidadas a apreciar
e participar das práticas pedagógicas propostas, se faz necessário envolvê-los nos percursos de
aprendizagem das crianças. Essa perspectiva nos convoca a uma atenção nos planejamentos a fim
de garantir uma participação sistemática, processual e contínua dos familiares no desenvolvimento
dos projetos realizados junto as crianças, de modo que possa participar ativamente da produção dos
currículos.

Nota-se que muitas unidades de ensino antecipam essa aproximação com as famílias antes mesmo
do acolhimento das crianças na inserção dessas na instituição e/ou nas transições entre turmas de
diferentes faixas etárias. Essas reuniões iniciais são de suma importância para que os familiares
possam compreender o funcionamento da escola, a proposta de trabalho pedagógico, a rotina das
crianças, reduzindo o grau de ansiedade comum aos que ingressam pela primeira vez na unidade de
ensino e/ou que mudam de turma.
A participação de familiares no período de acolhimento das crianças tem uma importância crucial.
É nesse momento que os profissionais de educação estabelecem o primeiro contato com as famílias,
conversam sobre as preferências e necessidades das crianças, promovendo uma aproximação nos
modos de cuidar e educar os pequenos. Detalhes sobre a rotina das crianças são negociados
promovendo maior segurança às mesmas, que ingressam e/ou se readaptam às rotinas da
instituição; tanto quanto aos familiares que os acompanham. Assim, atentos a essa importância,
uma proposta de acolhimento precisa ser organizada por meio de projeto pedagógico específico
elaborado coletivamente antes do início das atividades letivas.

No entanto, o envolvimento das famílias nos processos pedagógicos, não se coloca apenas quando
se fazem presentes fisicamente nos contextos educativos. Ao considerar os diferentes arranjos
familiares, com suas especificidades culturais, nos textos e imagens que utilizamos nos contextos
escolares, promovemos uma aproximação com o modo de vida dos diferentes sujeitos que
compõem essas famílias, garantindo uma educação articulada, preocupada com a dignidade
humana, a diversidade e a inclusão. Contrariamente, os afastamentos produzem desconfianças,
medo, insegurança; que por vezes, pode desencadear relações desgastantes e desrespeitosas entre
familiares e profissionais.
5 Diversidades e Diferenças

As linhas de escrita que conformam este texto-vida-infância busca na afirmação da diferença força
para trazer, a partir das produções teórico-práticas das professoras e professores da rede municipal
de Vitória, elementos para compor as políticas curriculares, se mantendo abertas às diferenciações
produzidas nos cotidianos das unidades de ensino. Trata a diferença como força positiva que
impulsiona movimentos de criação que nos fazem diferenciarmos do que até hoje foi possível dizer
e produzir sobre práticas de currículo na educação infantil, nos convidando a criação de outros
modos de docência.

Traz a diferença como uma afirmação da docência que não mais pretende separar corpo e mente,
cuidar e educar, brincar e estudar, higienizar e instruir. Afirma a docência como força de produção
de pensamentos e práticas pedagógicas a partir do encontro com as crianças e suas produções.

Ao mesmo tempo que busca estar em consonância com as lutas sociais e políticas dessa
contemporaneidade, reconhecendo a necessidade das políticas afirmativas expressas nas questões
das diversidades que, neste campo, compreendem as relações de gênero, étnico-raciais, as
religiosidades e aspectos culturais.
5.1 Questões de Gênero

Vamos brincar de casinha? Bora brincar de bola? Essas são perguntas muito presentes nos
cotidianos dos CMEIs. Perguntas que as crianças fazem e provocam reflexões sobre relações de
gênero no currículo da educação infantil. Quais são as crianças que “naturalmente” brincam de bola
e quais são as que brincam de casinha? Como se processa este “naturalmente”?

Essas questões remetem a reflexões sobre como a escola historicamente vem reproduzindo no
currículo saberes e práticas sobre comportamentos de meninos e meninas. É possível observar
marcações de gênero na organização de filas, nos brinquedos e brincadeiras, no vestuário, nas cores
destinadas às meninas e aos meninos, no vocabulário entre outros fatores; há expectativas de
comportamentos atribuídos às meninas para que sejam dóceis, delicadas, gentis, maternas e com
disponibilidade para acolhimento e cuidados com o outro; quanto aos meninos, espera-se e exige-se
deles maior agressividade, força, destreza, coragem e preparação para serem protetores e
provedores (Belotti, 1985).

Pode-se enxergar como natural o fato de que meninos e meninas possuem papéis e comportamentos
pré-determinados? Ou esta é uma construção social?

As questões colocadas remetem à necessidade de conceituar gênero. Assim, pode-se afirmar que
gênero é um conceito localizado em diversos campos de estudos: Sociologia, História, Ciência
Política, Educação, Psicologia, Economia, Direito, Ciências Biológicas e da Saúde, Geografia,
entre outros. Aqui optou-se por dialogar com este conceito a partir de Joan Scoth (1995) que define
gênero como uma construção social que uma dada cultura estabelece ou elege em relação a homens
e mulheres.

O Ministério da Educação informa que

O conceito de gênero diz respeito à construção social de práticas, representações e


identidades que posicionam os sujeitos a partir de uma relação entre masculinidade
e feminilidade. É conceito fundamental para compreender a dimensão histórica,
social, política e cultural das diferenças e do próprio processo de construção
subjetiva de homens e mulheres (BRASIL, 2015, p. 1).

As questões de gênero fazem parte do cotidiano dos espaços de Educação Infantil da mesma forma
que também estão inseridas na sociedade. Os papéis sociais atribuídos às meninas e aos meninos
geralmente apontam para comportamentos que são esperados na sociedade em que vivemos,
vinculados ao sexo de nascimento. Esta vinculação se desdobra num determinismo dos papéis de
gênero no currículo e que podem afetar os processos de aprendizagem e a vida escolar de meninos
e meninas. De que maneira ocorrem estas implicações na escola? Às meninas são oferecidas
oportunidades de jogos e brincadeiras que as levem a ter autonomia, a ocupar espaços e decisão, a
participar de atividades desafiadoras? Aos meninos são oferecidas oportunidades de jogos que
imitam afazeres domésticos, que proporcionem sensibilidade, criatividade, delicadeza e cuidados?

Os estudos de Felipe (2000) apontam que, ao mesmo tempo em que há espaços de educação infantil
com forte distinção de gênero nas ações pedagógicas e, por consequência, nas opções das crianças
por brinquedos e brincadeiras delimitados por sexo, há também outros espaços que oferecem às
meninas e aos meninos oportunidade de brincarem de tudo que lhes dê prazer, sem a preocupação
com determinismos de gênero. A autora afirma que, ao brincar com todos os brinquedos que
desejam, as crianças não permitem que ideias, costumes e hábitos comuns à educação mais
conservadora limitem suas formas de ver o mundo, determinando o que devem ser, o que devem
pensar e que espaços devem ocupar.

Percebe-se que tanto famílias quanto professores demonstram dificuldade em dialogar essas
questões, que são de curiosidade manifestada pelas crianças. Também se sentem despreparados/as
para lidar com as situações em que a criança apresenta descoberta do próprio corpo e do corpo do
outro, ou mesmo quando as crianças manifestam interesses por jogos e brincadeiras determinados
por gênero. Felipe (2000, p. 58) alerta que

Muitas professoras tomam para si a responsabilidade de vigilância diante da


possível orientação sexual das crianças, especialmente quando se trata de meninos,
pois na nossa cultura muitos adultos vêem com extrema reserva o fato de alguns
meninos demonstrarem comportamentos considerados não apropriados com a sua
masculinidade. Dessa forma, brincar de boneca ou estar sistematicamente brincando
de casinha com as meninas, ou querer fantasiar-se de personagens femininos, ainda
é visto com muita preocupação por parte de profissionais que atuam em creches e
pré-escolas.

A escola pode envolver as famílias nos diálogos sobre a questão de gênero, com vistas a superar
essa preocupação da família na aceitação do(a) filho(a) quando este/a escolhe as brincadeiras
consideradas inadequadas a seu gênero, por serem vistas como próprias para o sexo oposto. É desde
a primeira infância que as crianças começam a se apropriar das diferenças. Desse modo, a educação
infantil tem um papel pedagógico importante nessa articulação.
A formação continuada com todos/as os/as profissionais que atuam nos CMEIs é de extrema
importância para a ampliação das perspectivas educacionais de gênero, potencializando ações
pedagógicas com vistas à liberdade e autonomia.

Importa afirmar que um importante papel da educação é desestabilizar representações hegemônicas


e compreender como significativas as transformações que vêm acontecendo em relação aos
conceitos de gênero e ao lugar da criança no contexto sócio-histórico e cultural. Uma educação que
estimule meninas e meninos a viverem com autonomia e respeito mútuo, contribuindo para a
construção de “um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente
livres” (Rosa Luxemburgo).
5.2 Religiosidades

A Lei e Diretrizes e Base da Educação – LDB 9394/96 institui que a formação religiosa é de
responsabilidade da família, não cabendo às instituições educacionais vincular as práticas
pedagógicas a preceitos ou a determinadas práticas religiosas.
Isso não significa que os espaços educativos sejam indiferentes diante da realidade da comunidade
escolar em suas diferenças culturais/religiosas que fazem parte da vida das crianças. As diferenças
fazem parte da vida social, da comunidade escolar, sendo assim, precisam ser visibilizadas na sua
condição.

Nessa perspectiva, compreende-se que não deve haver o proselitismo, a discriminação, o


preconceito, de modo a evitar qualquer forma de dogmatização do pensamento das crianças. No
entanto, é preciso analisar se as orações, as cantigas religiosas, as datas comemorativas de cunho
religioso, as normas morais fundamentadas na perspectiva religiosa, a presença de símbolos
religiosos, a invisibilização, exotização e/ou discriminação às religiões de matrizes africanas,
dentre outros modos de conceber a transcendência que consideram o cristianismo como modelo
único e correto de ser religioso, ainda fazem parte do cotidiano da educação infantil. Considerando
este único modelo, professoras e outras profissionais que atuam nos CMEIs ostentam símbolos
religiosos no vestuário e acessórios, bem como produzem junto às crianças outros símbolos
relacionados ao padrão monocultural cristão. Assim, a cruz, o escapulário, frases e imagens da
Bíblia estão presentes no ambiente escolar sem que haja questionamentos a respeito. Por outro
lado, vale refletir se a imagem de Iemanjá numa blusa, os sacos de balas de São Cosme e Damião
ou os colares coloridos (as guias) de umbanda teriam a mesma aceitação no espaço escolar
(Valente, 2015).

Muitas práticas pedagógicas são voltadas para as datas comemorativas de cunho religioso/histórico.
Nesse sentido, vale problematizar: qual o sentido pedagógico dessas práticas no cotidiano dos
CMEIs? O que é significativo para as crianças acerca da aprendizagem? O que pensam as crianças
a respeito?

Neste contexto, cabe analisar em que medida essas datas articuladas às questões pedagógicas
problematizam a propagação do consumo. Em que medida as representações do Papai Noel nas
festas natalinas, dos coelhinhos e dos ovos de chocolate nas festas de Páscoa, dentre tantas outras
práticas, trazem reflexões sustentáveis a vida? Problematizar estas questões não significa uma
desconsideração pelo que diz respeito às comemorações. Algumas datas fazem parte das propostas
pedagógicas quando abrangem significativamente a realidade da comunidade escolar, bem como
sua articulação com o Projeto Político Pedagógico.

Nesta perspectiva, o documento orientador da Educação Infantil do Município de Vitória: Um


Outro Olhar (2006, p. 75) informa que

Se por um lado, não podemos negar a influência do calendário cristão nas práticas
escolares (natal, páscoa, festa junina, carnaval etc.), por outro lado, estas atividades
transformadas em motivações pedagógicas, não podem subverter a função laica da
escola e nem mesmo transformar determinadas práticas culturais (dança, música,
brincadeiras etc) em mecanismos de doutrinação religiosa ou de intolerância
religiosa. As crianças, os profissionais que atuam na Educação Infantil, a família
devem ser levados a conhecer o significado de cada evento, aprendendo a respeitá-
lo independente de sua religião.

Entende-se que não há uma negação da cultura religiosa presente na vida das crianças, em que a
escola se transforma numa redoma em relação a tudo que tem caráter religioso. Ao contrário, cabe a
escola dialogar considerando os princípios da laicidade, a partir das enunciações das crianças e suas
curiosidades na perspectiva da diferença.

As experiências dialógicas acontecem na perspectiva investigativa do conhecimento histórico,


social e antropológico sem definir juízos de valor. Isso significa que é importante a professora
conversar com as crianças sobre as diferenças sem determinar práticas religiosas como certas ou
erradas, como inferiores ou superiores, como sagradas ou profanas. Em outras palavras, dialogar
sobre as diferenças sem produzir desigualdades.

O Documento Um Outro Olhar (2006) também afirma que o fortalecimento do sentido da educação
laica não exime a escola dos conhecimentos sobre a religiosidade e sobre as manifestações
culturais. Estes conhecimentos se justificam quando pensados a partir do PPP aberto às realidades
culturais e humanas, garantidor da liberdade de expressão e promotor da ética e da estética do
conhecimento. E ainda afirma que, se algumas atividades têm gerado conflito na relação do CMEI
com a família, faz-se necessário dialogar sobre a função social e cultural do conhecimento também
como elemento promotor de solidariedade, de paz, de justiça e de fraternidade.

As perspectivas de atuação referenciadas no documento “Um outro olhar” (2006, p. 77) propõem,
entre outras ações:

Criar situações que possibilitem um maior conhecimento sobre as inúmeras


expressões religiosas e manifestações culturais presentes na sociedade brasileira;
tendo em vista a diversidade de identidades étnicas e religiosas;
Superar qualquer forma de discriminação, preconceito e exclusão no contexto
escolar em função das escolhas religiosas;

Fortalecer o sentido da educação laica e do CMEI enquanto espaço de produção


cultural;
Promover a valorização da história dos povos africanos e da cultura afro-brasileira
na construção histórica e cultural brasileira;
Superar processos de doutrinação e de intolerância religiosa, sobretudo em períodos
influenciados pelo calendário cristão, como por exemplo, páscoa, natal, carnaval etc
5.3 Educação Étnico-Racial

Tratar da educação étnico-racial no universo infantil significa oferecer às crianças a oportunidade


de conhecerem a multiplicidade étnica brasileira de modo a valorizar os diferentes componentes
étnicos da nação com equidade, de modo que um grupo étnico não se sobreponha aos demais e que
a visão eurocêntrica de mundo seja problematizada. Assim, a Educação Infantil deve se constituir
como espaço onde as crianças encontrem informações sobre a população negra, as tradições afro-
brasileiras e indígenas, o continente africano e a distribuição territorial indígena no Brasil e outros
diferentes assuntos que compõem o universo de conhecimentos sobre os povos afro-brasileiros e
indígenas. Do mesmo modo, os conhecimentos dos povos europeus vastamente explorados na
educação brasileira, devem compor conjuntamente as informações necessárias ao conhecimento das
crianças.

No município de Vitória, a exemplo do cenário nacional, há situações de preconceito racial na


sociedade em geral com expressões também nos espaços escolares. Crianças e jovens de origem
negra ou indígena, bem como profissionais que atuam na Educação Infantil, relatam experiências
de preconceito racial que se materializam tanto na atitude de crianças brancas que se recusam a
tocar em crianças negras numa brincadeira de roda como na recusa de familiares em dialogar com
pedagogas negras.

Cavalleiro (2003) constata em sua pesquisa “Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo,
preconceito e discriminação na educação infantil” que o tratamento dado às crianças negras na
educação infantil é diferenciado do que é oferecido às crianças brancas ao observar a relação diária
com crianças de 4 a 6 anos que apresentavam identidade negativa em relação ao seu grupo étnico,
gerando questionamentos acerca do silêncio do professor, o silêncio da criança e o silêncio do
contexto da família frente a situações discriminatórias.

Estudos/pesquisas que tratam das relações raciais na faixa etária de 0 a 6 anos mostram que há
várias situações de discriminação que envolvem crianças e toda comunidade escolar, os dados
mostram que é uma falácia acreditar que na Educação Infantil não há problemas raciais .

Nas brincadeiras na Educação Infantil, esse racismo aparece quando as crianças


negras são as empregadas domésticas, quando as crianças brancas temem ou não
gostam de dar as mãos para as negras etc. O racismo aparece na Educação Infantil,
na faixa etária entre 0 a 2 anos, quando os bebês negros são menos “paparicados”
pelas professoras do que os bebês brancos. Ou seja, o racismo, na pequena infância,
incide diretamente sobre o corpo, na maneira pela qual ele é construído, acariciado
ou repugnado. (Abramowicz e Oliveira; 2010, p. 221-222).

As expressões de preconceito racial vividas por crianças na Educação Infantil não se processam
apenas por negligência ou omissão de pessoas adultas que com elas estão.

É também uma insensibilidade, que está ancorada nos 312 anos oficiais de
escravidão neste país e nos 117 anos de promulgação da Lei Áurea. É
impressionante que, por muito tempo, ninguém se preocupou com a importância de
colocar, no acervo de brinquedos das crianças da Educação Infantil, bonecas e
bonecos negros, livros infantis com imagens e personagens negros em posição de
destaque, não ter mural com personagens negros, não serem trabalhadas as lendas,
as histórias e a História africanas, entre outras formas de afirmação de existência e
de valorização dos negros em nosso país (TRINDADE, 2005).

Por todas as evidências de preconceito e discriminação racial presentes no ambiente escolar não
apenas na educação infantil como em todos os níveis de ensino no Brasil, a Lei 10.639/2003 traz a
obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas do país. Em
relação aos povos indígenas, a Lei 11.645/2008 inclui esta população nos estudos que visam
promover a igualdade racial.

As orientações curriculares para a valorização da igualdade racial na Educação Infantil buscam


colaborar para que os/as profissionais da área desenvolvam um olhar atento às atividades realizadas
no cotidiano das instituições, para que elas sejam inclusivas, promovam a igualdade e valorizem a
diversidade racial.

Mas como construir uma nova história? Uma história de respeito e valorização dos diferentes povos
que compõem a nação brasileira? Uma possibilidade é repensar as práticas pedagógicas na
Educação Infantil, rever os espaços, os materiais, os brinquedos, os livros, as imagens, as
interações, a gestão, tendo como perspectiva a igualdade racial. A gestão de um ambiente educativo
que tem como objetivo educar para a igualdade racial não é tarefa de uma única pessoa. Muitas são
as dimensões que precisam ser pensadas para que mudanças de atitudes, procedimentos e conceitos
em relação às desigualdades sejam implantadas nos CMEIs, uma vez que os ambientes educativos
não são neutros, mas trazem consigo ideias e valores sobre o mundo e podem ou não apoiar a
educação para a igualdade racial.

Os recursos da internet, os filmes e visitas a exposições, museus e ONGs podem abrir as portas aos
mais variados conhecimentos sobre o mundo. Além disso, pessoas da comunidade com histórias
para contar, as manifestações culturais regionais e familiares também são fontes importantes de
conhecimento e de informação. As rodas de conversa com essas pessoas se conformam, assim,
como importante fonte de conhecimento. Este, aliás, é um expressivo valor civilizatório afro-
brasileiro: a oralidade.

Para além da literatura e das expressões artísticas como a dança, teatro e música já mencionadas, é
importante destacar, na medida das possibilidades de compreensão das crianças, as inúmeras
contribuições dos povos africanos para o desenvolvimento tecnológico e científico universais.
Importa que as crianças aprendam por meio de jogos e brincadeiras, que a medicina, a navegação, a
arquitetura e a matemática, por exemplo, são ciências oriundas de diferentes povos africanos
(CUNHA, s/d).
5.4 Educação Especial

A Politica de Educação Especial desenvolvida pelo município de Vitória segue as orientações,


diretrizes e legislações emanadas pelo ordenamento normativo brasileiro, observando a autonomia
deste ente federado para suas proposições políticas, conforme preconiza o Art. 18 da Constituição
Federal de 1988.

“[...] a Política de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva da Rede Pública


Municipal de Ensino de Vitória, Espírito Santo. Adota como princípios o
reconhecimento da diferença como característica inerente ao ser humano e o desejo
de constituição de uma sociedade democrática comprometida com a afirmação dos
direitos sociais.” (Vitória, 2017, p. 5)

Em consonância com o a cima descrito, ressaltamos que o direito à Educação de todas as crianças
e estudantes é garantido pelo acesso e pela permanência destes às Instituições de Educação Infantil
e Unidades Escolares da Rede de Ensino de Vitória, respeitadas, dentre outras, as legislações:
Constituição Federal/1988 (CF/1988); Lei nº 9.394/1996; Lei nº 8.069/1990; Lei Orgânica do
Município de Vitória/1990; Decreto nº 7.611/2011; Resolução CNE/CEB nº 004/2009; Portaria de
Matrícula do Município de Vitória (anual); Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva/2008; Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
da Rede Pública Municipal de Ensino Vitória/ES e na Resolução COMEV/CED Nº 02/2016.

A Educação Especial como modalidade da educação, organiza-se de modo a considerar uma


aproximação sucessiva dos pressupostos e da prática social da educação inclusiva na Educação
Básica e no Ensino Superior, conforme legislação vigente, nacional e municipal, no intuito de
promover um educação com qualidade, que respeite as diferenças, a diversidade humana, a
pluralidade social na perspectiva da inclusão escolar que se estende para a social.

Art. 2º A Educação Especial é uma modalidade da educação escolar que perpassa


todas as etapas e modalidades da educação básica e busca em suas práticas a
perspectiva de uma educação inclusiva. (Resolução COMEV/CED Nº 02/2016)

Assim, deve ser ofertada na rede regular de ensino, inclusive na Educação Infantil, para o
acompanhamento e atendimento às crianças com deficiência e/ou transtorno global do
desenvolvimento, altas habilidades/superdotação o que demanda um conjunto de metodologias ou
recursos específicos que visam a aprendizagem significativa para aquele/a que é público-alvo desta
modalidade.
Sendo a Educação Especial uma modalidade, esta não dispõe de um currículo único, específico ou
paralelo. Antes, está articulada/entrelaçada nas práticas pedagógicas tecidas nos tempos espaços da
Instituição como também, nas proposições que se fizerem externamente a este espaço. O currículo
elaborado pela Instituição de Educação Infantil deverá ser constituído na perspectiva inclusiva para
todas as crianças que a frequenta, garantindo-lhes plenamente o cumprimento da função
sociopolítica e pedagógica assegurado por lei e o acesso das crianças aos processos de apropriação,
renovação e articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens (DCNEI, 2010,
p. 17-18).

Consideramos que nem toda dificuldade de aprendizagem ou limitação da criança na participação


das propostas pedagógicas são necessariamente uma situação de deficiência, de transtorno global
do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação. Ainda, entendemos, que há deficiências e
transtornos que não acometem comprometimentos cognitivos severos ou não requerem
cuidados/atendimentos individualizados. O direito ao acesso, permanência e qualidade na educação
é comum a todas as crianças, inclusive as que são público-alvo da Educação Especial, em qualquer
rede de ensino, de acordo com a Lei nº 13.146/2015, Art. 8º.

Segundo a Política do Município de Vitória (2017, p. 17), podemos afirmar que a criança “[...] com
Deficiência, Transtornos Globais do Desenvolvimento e Altas Habilidades/Superdotação, nesse
contexto, não se resume a sua limitação ou a uma determinada habilidade ou talento. É um sujeito
histórico-cultural, complexo, indivisível, capaz de compreender o que se passa ao seu redor,
necessitando, como qualquer outro, das mediações pertinentes para organizar sua aprendizagem; e o
conhecimento, por sua vez, é assumido como histórico, prático e social.”

A inclusão tem como objetivo evidenciar o sujeito e não sua condição clínica ou qualquer outra
situação à ele pertencente. Ao demarcarmos, enfaticamente, a condição da criança corremos o risco
de inferir uma ação discriminatória ao invés de promovermos a inclusão, a interação, a
sociabilidade, a autonomia e a dignidade como pessoa humana. Entendemos que a condição da
criança não pode ser maior que o humano. Há comprometimentos severos que demandam muitos
cuidados, mas mesmo assim, a criança não é menor que a deficiência.

Por percebermos a criança como o sujeito de direito, consideramos suas singularidades, devendo
ser ela o foco da ação pedagógica e não a deficiência em si. Suprir os cuidados trazidos pela
deficiência nem sempre é sinônimo de inclusão ou compreensão do indivíduo como sujeito de
direito. O que torna a inclusão um processo intencional são as relações tecidas no contexto da
comunidade escolar entre: crianças/profissionais/famílias/espaços clínicos, terapêuticos/
equipamentos públicos, assim como as propostas pedagógicas. Estas devem ter como eixos
norteadores as interações e brincadeiras, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (DCNEI, 2010) na perspectiva que haja a visibilização da criança e a
invisibilização da deficiência, e que a deficiência não sucumba o objeto maior da razão da
Educação Infantil: a criança.

Art. 4º As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a


criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas
interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade
pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta,
narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo
cultura. (Resolução Nº 5, de 17 de dezembro de 2009)

Staimback e Staimback (1999, p.434): “[...] A chave para a inclusão bem-sucedida é a nossa
disposição para visualizar, trabalhar e conseguir uma rede regular que se adapte e dê apoio a todos.
Todos os alunos, incluindo os rotulados como com deficiência, querem estar em uma rede regular.
Por isso, é essencial que tornemos a rede regular flexível e sensível as necessidades de cada um que
estimulemos as amizades para os alunos que não tem amigos na rede regular. Por isso a
reestruturação é tão fundamental [...].”

Desta forma,
“As creches e pré-escolas, na elaboração da proposta curricular, de acordo com suas
características, identidade institucional, escolhas coletivas e particularidades
pedagógicas, estabelecerão modos de integração dessas experiências.” (DCENI,
2010, p. 27)

A fim de contemplar as especificidades coletivas e individuais dos sujeitos envolvidos no processo


de aprendizagem, por meio das atividades planejadas e desenvolvidas pelos profissionais da
Instituição para a promoção de contextos “[...] a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças
que nela são educados e cuidados. É elaborado num processo coletivo, com a participação da
direção, dos professores e da comunidade escolar.” (DCNEI, 2010, p. 13) na sala de aula comum,
nos demais espaços tempos pedagógicos da Instituição, da comunidade e da cidade.
A Secretaria de Educação assume o processo de inclusão como um movimento político e
ético que perpassa todos os sujeitos que compõem esta rede municipal de ensino, a saber,
professores, gestores, especialistas, pais, estudantes e outros profissionais, com uma
proposta comum a todas as escolas, sem desconsiderar as peculiaridades de cada uma.
(Vitória, 2017, p.5)
Referências

CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e
discriminação na educação infantil. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2003.

CUNHA, Lázaro. Contribuição dos povos africanos para o conhecimento científico universal.
Disponível em: <http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/11/contribuicao-
povos-africanos.pdf>. Acesso em: ago 2017.

TRINDADE, Azoilda Loreto de. Valores civilizatórios afro-brasileiros na educação infantil. In:
Salto para o futuro, boletim 22. Valores afro-brasileiros na educação. Ministério da Educação:
Brasília, 2005.

ALVES, N.; GARCIA, R. L. (org). O sentido da escola. Rio de Janeiro, DP&A, 2001.

ANDRADE. C.D.de. A educação do ser poético. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio
de Janeiro, V.61,n.140, p 593-594, out. 1976;

BAIRRAL, M. A. Instrumentação para o ensino de Geometria. Vols 1 e 2. Rio de Janeiro:


Cederj, 2005.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Resolução. CNE/CEB

Nº 05/2009. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil Brasília, MEC, 2010.
36 p ;

BRITO, T. A. de. Música na Educação Infantil: Propostas para a Formação Integral da


Criança. Peirópolis - SP, 2ª Ed. 2003.

DANYLUK,O. Alfabetização Matemática: as primeiras manifestações da escrita infantil.


Porto Alegre: Sulina, 1998

SPINOSA, B. Ética. Tradução de Joaquim de Carvalho [ET al.]. São Paulo: Abril Cultural. 3ª
edição, 1983b.

ESPÍRITO SANTO. Assembleia Legislativa. Política Estadual de Educação Ambiental: LEI Nº


9.265, 2009.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 42ª ed,.2005

GUIMARÃES, D. Educação de Corpo Inteiro, 2008. Disponível em


http://www.redebrasil.tv.br/salto

HOLM, A. M. Baby - Art: os primeiros passos com a arte. São Paulo: Museu de Arte Moderna
de São Paulo, 2007

SCHWENGBER, M. S. V..Dicionário Crítico de Educação Física. González, F.J.; Fensterseifer,


P. E. (Orgs.). 2ª ed. rev. Ijuí: Ed. Unijuí, 2010, p.96.
KAsTRUP, V. A invenção de Si e do Mundo: uma introdução do tempo e do coletivo no
estudo da cognição. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2007.

MARTINS, M. C. F. D.; PICOSQUE, G; GUERRA, M. T T. Didática do Ensino de Arte: a


língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998, p.30.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. 3ª Ed. São Paulo: Martins Fontes,


2006.

MONTEIRO, P. Matemática na educação infantil. Diário do grande abc. Santo André, n. 3,


nov. 2003.

ORR, D. Escolas para o Século XXI. In Revista da TAPS/ Associação Brasileira de Tecnologias
Alternativas e Promoção da Saúde, nº 16. São Paulo, TAPS, 1995.

PANIZZA, M. (org.). Ensinar matemática na educação infantil e séries iniciais: análise e


propostas. Tradução: Antonio Feltrin. Porto Alegre: Artes Médicas, 2006.

REILY, L.. Escola Inclusiva: linguagem e mediação. Ed. Papirus, Campinas-SP, 2004.

SMOLE, K. C. S. A matemática na educação infantil: a teoria das inteligências múltiplas na


prática escolar. Porto Alegre: Artmed, 2003.

SMOLE, K.C. S. Jogos matemáticos do 1º ao 5º ano. Porto Alegre: Artmed, 2007.

TIRIBA, L. Crianças da Natureza. 2010. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?


option=com_docman&view=download&alias=6 679-criancasdanatureza&Itemid=30192. Acesso
em 07 abril de 2016.

VITÓRIA. Secretaria Municipal de Educação. Educação Infantil: um outro olhar Gerência de


Educação Infantil. Multiplicidade, 2006; 104 p.

VALENTE, Gabriela Ahuhab. A presença oculta da religiosidade na prática docente.


Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação – ESP. São Paulo, 2015.

Você também pode gostar