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rT > Om edb ambropeloaice Lo. pee nig Lion oe as ura Of como os homens do passado conceberam e viveram 0 tempo € uma via privilegiada para compreender a sociedade & qual pertenceram. Para nés que, embora engajados numa multiplicidade de tempos, reférimo- nos sempre a um tempo unificado, divisivel em unidades cuja medida se efe- tua com a ajuda de instrumentos cada vez mais sofisticados, € dificil perceber as realidades temporais de uma sociedade na qual este tempo ynificado nao existe. Tal ¢ 0 caso da sociedade medieval, No entanto, esta sociedade evoluit Jentamente em direcéo a um maior controle do tempo. O tempo da Idade Média ¢, em primeiro lugar, um tempo de Deus'e da terra, depois, dos senhorés e dos que esto sujeitos ao senhorio, depois — sem {ue 0s fempos precedentes tenham deixado de ser presentes e exigentes — um tempo das cidades ¢ dos mercadores, e, finalmente, um tempo do principe do individuo se UM Novo TEMPO CRISTAO Face ao tempo, como em quase todas as coisas, os homens e as mulhe- res da Europa conheceram profundas transformagées durante os séculos da . Antigiiidade Tardia ¢ da Alta Idade Média. E, também aqui, a ago mais de- gonial, prope wha conven fundamen emdelapio an tempo. Seni do ele, 0 agenciamento divino do temporal deve ordenat, no mais profundo_ ees Senne eae a Clistao Tpateapror nanee deDedk = SPEMSUNSea cr eet caibaiis aces on. centrado de tempo que € 0 “instante” e, depois, no fim dos tempos, na eter- nidade, Simplificado, deformado, misturado a outras concepgées ¢ a outras experincias, o tempo agostiniano, definido nas obras doutrinarias ¢ posto em cena nas Confissées, impregnou por longo tempo a experiéncia existencial me- dieval do tempo e da duraea™- Scere 53 * Scanned by CamScanner ST BMID5 Embora o tempo medieval tenha permanecido dependent dos ritmos naturais ¢ da marcha do sol, olgempo-decadério predominante foi definitiva- mente substituldo pelo riem ae O tempo tornou-se fdos pela relight crist4. Este novo ca escandido pelos perfodos ¢ datas d lendério impés-se as atividades profissionais, sociais, politicas, religiosas. ‘Os micleos da semana sao os domingos, que se tornam, entio, essenciais para toda a vida humana: tempo de trabalho definido por um periodo de seis dias de labuta ¢ um de descanso a cada sete dias; tempo social marcado pela homenagem prestada ao Senior e por uma sociabilidade religiosa na qual ho- mens ¢ mulheres encontram-se para participar dos oficios religiosos domini- cais, ¢ por uma sociabilidade festiva na qual, ao lado do repouso individual ¢ geral, homens e mulheres retinem-se para a festa ¢ o divertimento. O estabe- lecimento do. domingo foi um evento que se impés pouco a pouco, na longa = m_fendmeno€oative.) Concllios eclesidsticos e poderes tem- Porais cristéos repetem, até 0 s brigagao de respeitar . Combina trés tipos de tempo. Primero, 0 tempo circular da liturgia articu- Vy lado pelo ritmo das estacées. E regrado pela v Rn de Cristo € comeca por um ge Lo ‘periodo de espera: 0 Advento. Ele se conclui com a data do nascimento do Cristo, a festa da Natividade, familiarmence, 0 Natal. O estabelecimento do Natal esclarcce 0 modo pelo qual o tempo cristo substitui o tempo pagio, freqiientemente sé instalando no mesmo leito. Somente no século IV, o Natal foi fixado em 25 de dezembro, no lugar de uma festa do sol. E 0 tradicional et Cente tan ears tarmema a idcuie naciains herrea se no espaco compreendido entre 0 25 de dezembro e a festa da Epifania, f- xada em 6 de janeiro (Tivelfth Night, em inglés). Este perfodo absorveu uma data herdada da Antigiiidade, data que conheceu um longo eclipse antes de se impor, na Baixa [dade Média, como inicio do ano ¢ do calendario anual: 0 1° de janeiro, no qual se conservou, no entanto, 0 costume de oferecer presen tes, as entradas (strennae).. 2 © ano litdirgico chega, em seguida, & data da ressurreigao do Cristo, Pascoa. Esta data permanece mével, introduzindo uma referéncia lunar num sistema de calendario centrado no sol. O célculo da data da Péscoa todo ano suscita operagdes complexas, o computo eclesidstico, que da lugar a uma in: tensa atividade cientifica por parte da Igreja. O dia de Péscoa é precedido por 532 Cuscixton) MATA, Pac. oe) Qq Scanned by CamScanner dois perfodos particulares: um periodo penitencial de quarenta dias, 2 Qua- resma, do qual a ultima semana (2 Semana Santa), resume a Paixdo de Cristo ~stia entrada em Jerusalém no Domingo de Ramos (ou de Palmas), a insti- tuigio da Eucaristia (Quinta-Feira Santa), sua morte na Cruz (Sexta-Feira Santa) e sua ressurteicao (Domingo de Péscoa). A coincidéncia destas celebra- ses com as festas de Piscoa judaicas faz do perfodo pascal um tempo favor vel is Perseguigoes 20 aos judeus. Ela continua com as datas comemorativas dos. eventos que se seguiram & Ressurreicdo: a ascensio do Cristo aos Céus ¢ a des- cida do Espirito Santo sobre 03 apéstolos, cinqiienta dias depois da Péscoa, 0 Domingo de Pentecostes. Tradigoes pagas encontram-se também nestas datas c gloriosas, iim dia de grandes fe senhorlaisr assembléias solenes em torno do rei e do senhor (i ratura arturiana), armagio de novos cavaleiros. Este tempo litdrgico anual comega em dias diferentes: & 0 caso, por exemplo, do “estilo de Natividade” (comegando a 25 de dezembro) ou “da Anunciagao” (25 de marco). A partir do século XII, impds-se na Franga e numa parte da Cristandade o ec ma cimo @ Pisces mma fel ta mével, a cronologia da histéria medieval € delicada de ser estabelecida pe- los historiadores modernos. As chancelarias régias habituam-se, também, a ‘elusive na lite- datar seus atos pelo ano de reinado dos soberanos, complicando ainda mais esta cronologia. ‘ dos santos, que foram também os marcadores do tempo na sociedade cris Também aqui, certos santos inscrevem-se no calendirio das antigas datas fes- tivas pagis, legitimando a continuidade de certos costumes: por exemplo, Sao Joao, 24 de junho, cujas fogueiras celebram o solsticio de vero no hemisfério Norte. Os etndlogos viram no calendério de certos santos no decurso do ve- rio, uma cadeia de santos caniculares enfatizando a perenidade de certas fes- tas pagis ligadas aos trabalhos estivais dos campos. Um outro exemplo, 2 de fevereito, coincidindo com a Candelaria (que festeja a assuncio da Virgem), recobre a festa de aparecimento da constelagio do Urso ¢ outros ritos pagios semelhantes anunciando o retorno da primavera. As festas mariais adquirem grande importancia com o desenvolvimento do culto de Maria. Do mesmo modo, a afirmacao da piedade em relagao aos mortos faz nascer, por iniciat ya da Ordem de Cluny, no século XI, uma comemoragao dos mortos em 2 de novembro, na véspera da festa de Todos os Santos. No século XIII, a Igreja acrescenta a Festa do Corpo de Cristo, ligada ao desenvolvimento do culto eu- 3B Scanned by CamScanner caristico ¢ fixada no segundo domingo apés o Pentecostes. O calendério cris- ‘ao medieval dé grande importancia aos ciados & sucessio das estacoes ¢ duplica a celebracao com ima observancia particular da véspe- ta das grandes Festas, as vigilias, dias de preparacao que dao continuidade as priticas pags daincubagio. = Pte ees ~~ Este tempo Ii nargico determina também um tempo do corpo ¢ da sexua- lidadé Define um tempo psicolipic, marcando no clendiio slice Uiais autorizadas pela Ipreja — que as interditava especialmente durante.a ‘Quaresma e durante o periodo menstrual da mulher (0s leprosos eram consi- derados como concebidos por pais que haviam tido relagdes sexuais durante estes periodos de interdigao carsial). A vida mondstica, do seu lado, ritmava- se pelos dias de sangria (minutio) dos monges. Embora circular, este tempo li- ttirgico do qual a vida do Cristo forma a ossatura, engloba também uma con- centragao de tempo histérico linear, o da existéncia terrestre de Jesus. ‘Agtande novidade do tempo cristo ¢ afirmgs, em combinacao com o| retorno de um tempo litiirgico anual, um tempo linear, o da Historia, o ist6rico criado por Deus. Os histortadores Tieistiram com justeza sobre o fato de que o cristanismo € uma religiao histérica, ancorada na his- toria e se afirmando como tal. Dai um calendario diacrénico por longo tem- ght ai pedo A RETTIG =a das seis idades da humanidade comegando com Adao. Nesta perspecti- va, 0 periodo medieval é considerado pela Igreja como a sexta e tiltima ida- de, definida como a velhice do mundo e da humanidade — Mundus senescit Go mundo envelhece”). Esta concepgio pessimista do tempo da histéria se 4i (desprero do mundo”), esis A afirmagio do cristianismo como religido ancorada no tempo ena his- t6ria corna mais rigorosa a oposicao crista as concep¢des gnésticas que inspi- ram certas concepgées heréticas medievais mais radicais, em particular dos cé- taros. Nestas concep¢es, 0 tempo é condenado com 0 conjunto da Criacio. O tempo ¢ inferno, decadéncia, fatalidade, angiistia. A salvagao esté no intem- Pon Eee coe cart oe aaa tana as ctsots le “empo Primitivo”, do tempo antes do tempo. Este tempo gnéstico e pés-gnéstico no € nem circular, nem linear, é miftico. r. ia Por fim, a terceira caracteristica do tempo cristao é de ser um tempo’ 19 PO sagrado ¢ orientadS=PPSCEE Te uma dupla origem divina, de um duplo abo evento original: a Criacdo renovada pela Encarnagio. Marcha em direcdo a ‘WU 1c eee - 34 Scanned by CamScanner uma consumagao, um flm marcado pelo Juizo Final. © tempo dirige-se para a.gternidade, que o dbolird. Este tempo que comporta dom outros tempos, o.gircular ¢ o linear, também é, parao homem, 6 tempo do destino, no qual le alcancard a salvaca0 eterna — ou caird na danacdo, igualmente eterna. um tempo escatolégico que sai do nada e vai em diregao a seu aniquilamen- oa precedido, na terra, de um periodo dramético, 0 dos “ilti- mos tempos” anunciados pelo Apocalipse, que trarao, antes do Juizo Final, um longo periodo de retorno do Cristo sobre a terra ¢ 0 reino dos santos, 0 Milenio. A crenga num Milénio que estaria por vir foi intensamente com- batida pelos Pais da Igreja, sobretudo por Santo Agostinho, pela Igreja mi dieval. Tal crenga suscitou movimentos para-heréticos ou heréticos: os mi- “Tenaristas, cujo principal profeta foi Joaquim de Fiore, na passagem do sé- culo XII para o XIII. O tempo milenarista é um tempo perturbador do tem y po da Igreja, quase revolucionsrio. ~*~ O tempo linear cristo deu lugar a uma noravel atividade historiografi- Gy, co oo ca medieval. Por muito tempo foi dominada pela periodizacio anual (anais) € pow 2ve-nho4 pela obsessao da crénica universal. Os eventos anotados so as intempéries, os signos do céu, os tremores de terra, os ataques dos pagios, irrupcdo no tem- po humano da natureza, do Diabo e dos homens maus. tempo feudal pr © passado. Fo tempo da meméria que desen- volve a5 porencialidades do cristianismo como religiao da meméria — memé- ria de Jesus, meméria destes mortos modelares que sio os mértires € os san- tos. Desenvolve-se um verdadeiro culto dos ancestrais, primeiro nos meios monésticos, depois em meios laicos, aristocraticos de inicio, urbanos ¢ bur- gucses em seguida. O prestigio do passado engendra a voga das genealogias, ‘que freqiientemente evocam ancestrais legendérios de um tempo mitico. Com a afirmacao das monarquias, o tempo dindstico torna-se tim tempo da suces- so, distinguindo antecessores ou predecessores exaltados em ancestrais ¢ st céssores, privilegiando os primeiros em Fungao da obsessio da Antigilidade e das origens. Obsessao que se manifesta muito cedo, na busca das origens e dos Fandadares!(aatticos)s 4 moda latitieados! poyos/das Tete Esrados nascentes, da qual é um exemplo a crenga na origem troiana dos francos, de- pois dos franceses. Crenga que s6 desaparece no século XVI, sob o impacto de uma historia mais “cientifica’, substituida pelo conflito, rapidamente ideolo- gizado, entre as origens gaulesas e as origens francas. 335 Scanned by CamScanner plourrote, SK A MEDIDA DO TEMPO E SEUS CONFRONTOS ‘Tempo cristo, 0 tempo medieval caraceriza-se também pela multiplici- dade dos tempos vividos ¢ pelos lentos e-dificeis progressos em controlar o fempo ¢ sua medida. Entre estes tempos significativos, muito dependentes da natureza, do amubtalios] nascer ¢ do por do sol, do ritmo das estagdes, marcados pelo medo da noite, 4. yep emerge o tempo religioso (em particular o tempo monéstico), 0 tempo cam- ponés de um mundo essencialmente rural, o tempo urbano construide pelo desenvolvimento das cidades, o tempo guerreito privilegiando’a primavera e © verdo, o tempo senhorial, ritmado pelas expedicSes militares, homenagens ¢ datas de pagamento dos encargos camponeses, 0 tempo do mercador, por lon- go tempo prejudicado pela impossibilidade de navegagao durante o inverno, © tempo piiblico imposto pelos reis e principes segundo o ritmo da constru- so do Estado moderno. Numa sociedade na qual a expectativa de vida ¢ fra- ca (forte mortalidade infantil, expectativa de vida de menos de 40 anos para as criangas‘de mais de um ano), o tempo da vida engendra ainda canto o pres- tigio dos anciaos, em particular dos monges, submetidos a uma vida mais hi- gignica, quanto uma sensibilidade amb(gua em relagdo a vida frégil dos jovens. Os monges fornecem duas grandes novidades para o controle do tempo: os sinos, a partir do século VII (tempo monistico e tempo rural), e o empre- go do tempo cotidiano (horas canénicas), modelo de todos os futuros empre- gos do tempo, dividido entre um tempo da prece e um tempo de trabalho, fi- xago de um tempo de alimentagao. Desde o século XII, um manual de com- portamento do bom cristéo, o Elucidarium, propée um regulamento bem or- denado do tempo cotidiano: despertar, trabalho, repasto, repouso, vida social. As cidades laicizam 0 tempo: tempo da sentinela, dos sinos urbanos, dos sinos you. o90.uG9 fe trabalho. E 0 confronto do tempo da Igreja ¢ do tempo do mercador & do waxes de trabalho. E'o confronto do tempo da Tgreja PO. 8 também um novo tempo festive, pela urbanizacao do carnaval, do tempo do p.0 os “Gitadino, “cidadio cerimonial”. No séulo XIII, 0 pensamento escolistico apossa-se do'problema do tem- po, sobretudo depois da intraducao do pensamento de Aristételes, que define (0 tempo como “ntimero do movimento”, Seguindo’ Alberto Magno ¢ Santo Tomés de Aquino, o dominicano inglés Roberto Kilwardby, arcebispo de Caneuéria, no seu tratado De tempore situa a medida ¢ a quantidade no centro da reflexao erudita sobre o tempo. Esta atitude intelectual terd conseqiiéncias importantes, notadamente no dominio da misica, na qual os cuidados com uma nova temporalidade mensurével levardo 3 ars nova do século XIV. 536 Scanned by CamScanner © tempo do trabalho enfatiza, por outro lado, a oposi¢ao entre tempo diurno.¢ tempo noturno. Sem divi ida, a5 interdigoes freqiientes do trabalho noturno visam assegurar uma melhor qualidade de trabalho numa sociedade em que ¢ fraca a iluminagao artificial (vela, ‘ instrumento de medida do tempo predominante no interior, como o quadrante solar o é no exterior). Mas so- bre estas interdicGes pesa o medo da noite, tempo dos malfeitores e das fe ceiras, tempo do mal, tempo do Diabo. Um delito ou um crime cometido & noite é mais duramente castigado que se fosse executado de dia. eae rem um nove tempo, 0 tempo de um novo otinm, 0 das férias. Para 0s oficios, o tempo do repouso é 0 das numerosas festas sem tra- balhor Ao lado do tempo do trabalho desenvolve-se um tempo de lazer, que Santo Tomds de Aquino define como um. tempo de recreatio, de repatacéo das forcas vitais dadas 20 homem por Deus. O tempo torna-se um confronto soci o tempo do trabalho é, na ctise do século XIV, um clemento das luitas socials. © tempo torna-se, também, um confronto politico, um confronto de \umpo poder. Principes ¢ mercadores rivalizam no cstabelecimento de uma rede de POC, mensageiros ¢ no encurtamento do tempo de comunicagio. O rei procura monopolizar o tempa. Disputa com a cidade 0 instrumento tevolucionér que o mede: 0 reldgio mecanico. Os instrumentos arcaicos (0 quadrante solar, a depsidra, a ampulheta, a candela) perdem terreno frente ao relégio que en- grena horas iguais. Mas a origem da contagem das horas permanece diferente em cada lugar, dependendo do nascer ¢ do pér do sol, ¢ os dispositivos meca- nicos Go por muito tempo vitimas de freqiientes avarias. O relégio torna-se, no século XV, o simbolo contraditério da temperanga e da morte, produzin- oF do uma concepgao de ambivaléncia do tempo que a Idade Média lega 4 Re- nascenga e aos tempos modernos. Os principes, contudo, esforgam-se por encampar as novas técnicas de medida c de imposigao do tempo, algumas vezes com sucesso. Na Franga, Fi- lipe, 0 Belo, consegue fazer prender os Templirios em todo o reino, no mes- mo dia, na mesma hora. Carlos V ordena que todos os relégios do reino se- jam regulados pelo de scu palcio em Paris. A partir de meados do século XIV, 605 poderosos buscam confiscar em seu proveito 0 conhecimento do futuro sgracas a astrologia, apesar da hostlidade da Igreja (0 maravilhoso relégio de Padouan Dondi, relégio astronémico podendo servir para a astrologia, ¢ pro priedade dos duques de Milo). lcd, Scanned by CamScanner Pog Tero tusrowa, wonre Historiadores ¢ ctonistas constroem cada vez mais metodicamente um tempo da histéria. A distingao entre anais, crOnica e histéria torna-se mais pre- isa. Vindo da Antigiiidade, o género dos anais, segundo a cémoda ¢ funda- mental unidade temporal do ano, perdura mas recua frente 20 desejo de subs- tituir este tempo picotado ¢ “mecinico” por uma duragao mais:continua, mais “literdria”, mais evolutiva'e mais explicativa. A distingéo entre crénica e histé- ria retoma exatamente a velha definigao de Eusébio de Cesaréia (século [V): a ci6nica privilegia a cronologia, a histsria privilegia 0 relato. Embora a mengio do Ta ones por aT See sa, em especial a do santo apropriado (Sio Bartolomeu manifesta cruelmente esta persisténcia no século XVI), 0 cuidado da datagao corna-se mais intenso, ‘em particular para as datas de nascimento (c de batismo, verdadeiro nascimen- to do cristdo recém-nascido). © esforgo de afirmacio da verdade cronolégica indadas sobre a Biblia, que se esvai lentamente, para desaparecer no século XID, substituida pela cronologia uniforme claborada por Dioniso, o Pequeno,_ a partir do-século VI (Fixando como origem a suposta data do n Cristo © dividindo a historia-e p85 Jesus Cristo); a da supputatio an- norum, 0 célculo das datas, longo e dificil, que leva, no fim do século XII, 3s istas de reis ¢ grandes personagens dotados de um ntimeroj por fim, a de ratio remporum, um cAlculo racional do tempo que, por um método critico, come- @a fundar o método de trabalho do historiador. A nog de século, perlodo de cem anos mas com Uma origem mais ou menos arbitraria correspondendo ‘40s anos que terminam por 00, aparece em meados do século XIIL, embora 0 século tal como nés o definimos afirme-se (de forma ainda limitada) apenas no fim do século XVI. A partir de 1300, celebra-se, teoricamente a cada cingiien- ta anos, um ano jubileu, festejado em especial em Roma, que retoma a antiga tadigio judaica do jubileu. Seria necessério, embora ultrapasse este esboso st mario, evocar a potente construgao da meméria que se afirma com os Libri me- moriales nos meios monésticos ¢ que fazem multiplicar as artes memoriae, os » manuais de teorias e priticas mnemotécnicas. Q tempo dos individuos, que se tenta periodizar segundo as divis6es in- certas das idades da vida, em razdo das novas atitudes em relacao 2 morte a0 Além, fixa-se sobre o tempo da morte (artes moriendi) e sobre a contabilidade do tempo do Além Tigada 20 novo tempo do Purgatorio. Uma cristalizagao do 8 Scanned by CamScanner tempo de aproximagao da morte, da agonia e do imediato pés-morte, refor- sada pela afirmagzo do individuo, faz aparecer, em particular nos testamentos dos séculos XIII e XIV, um “tempo da morte” (tempus morti). Com a afirmagio do individiio, o tempo torna-se, segundo o arquiteto ¢ humanista Alberti, no comeco do século XV, “um de seus bens mais precio- 303” — aguardando a aparigao do rel6gio individual no fim do século XV. O fempo romanesco, o dos romances arturianos dos séculos XII ¢ XIII, hesitava em relagao 2 recusa do tempo, a da duracéo que faz o herdi viver um tempo de acontecimentos sem data (“num belo dia de primavera’), e mesmo em cris- talizé-lo na atemporalidade na ‘vida perdurivel”, espécie de eternidade terres- tre romanesca. Mas 0 romance, cujo nascimento no século XII esta ligado afirmagdo do tempo 3 construgao da duragao do relato até a morte do h (A-morie do rei Artur), impoe 0 sentimento do “tempo que passa” ¢ que se pode perder ou ganhar (“mas cu gasto o tempo”). Os poetas sensibilizam seus ouvintes € seus leitores para este tempo que passa, que foi (“mas onde esto as neves de antanho?”, pergunta Villon). Em concluséo, pode-se dizer que, malgrado uma afirmagao crescente, desde o fim do século XII, da atengao ao presente (nostris temporibus), 0 pre sente do homem medieval foi por muito tempo esmagado entreo prest a pasado, tempo das autordades, c@ avider por conhecer o futuro. A licao de Sinro Agostinho, convidando a sentir a eternidade no instante, talvez tenha da pelo homem medieval, embora ele nfo a tenha pensado, sido vivi Jacques Le Gorr Tradueao de José Carlos Estbvdo REMISSOES ‘Além ~ Escatologia e milenarismo ~ Flagelos ~ Idades da vida - Meméria — Monges e religiosos — Naturcza ~ Ritos - Sexualidade — Universo 39 Scanned by CamScanner

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