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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação

Mestrado

A EDUCAÇÃO COMO
DIREITO HUMANO
A escola na prisão

Mariângela Graciano
Orientadora: Profª. Drª. Flávia Inês Schilling

São Paulo
2005
MARIÂNGELA GRACIANO

A EDUCAÇÃO COMO
DIREITO HUMANO
A escola na prisão

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da


Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em Sociologia da Educação, sob a orientação
da Profª. Doutora Flávia Inês Schilling.

São Paulo
2005
BANCA EXAMINADORA

Flávia Inês Schilling

Marilia Pontes Sposito

Sérgio Haddad
Para
Tereza, Chico
e meus pais, Nice e Vicente
AGRADECIMENTOS

Às mulheres que fazem a escola da Penitenciária Feminina da Capital, por terem


permitido este trabalho e, de forma muito especial, às professoras M. e E.; alunas V., N. e
V.L., e toda turma de Alfabetização, pela generosidade em terem compartilhado sua
experiência.
À profª Dra. Flávia Inês Schilling pela orientação dedicada, firme e acolhedora,
além da amizade e companheirismo no trajeto desta pesquisa.
À profª Dra. Marilia Pontes Sposito e ao prfº Dr. Sérgio Haddad pelo apoio
permanente e valiosa contribuição no Exame de Qualificação.
Às amigas que tão generosamente se dispuseram a ler, comentar, revisar e produzir
graficamente este trabalho: Iracema Nascimento, Rita de Cássia da Silva, Denise Gomide e
Neusa Dias.
Pelo apoio e colaboração, agradeço às minhas irmãs Anéris e Claudia, e às amigas:
Carolina Gil, Carolina Marinho, Denise Carreira, Denize Cardoso, Fernanda Fernandes,
Marcela Moraes, Marlene Pires Martins, Marina Gonzalez, Michelle Prazeres, Regina
Costa, Suelaine Carneiro, Tania Portella e Tereza Heloína; e ao amigo Franciso Lopes.
À equipe da Pastoral Carcerária, São Paulo, particularmente ao Ewerson, por todo o
apoio e ensinamentos. A Anna Luiza Salles Souto (Anilu), pelo apoio na organização da
“conversa coletiva” com a turma de Alfabetização.
A Marisa Fortunato, superintendente de atendimento e promoção humana da Funap,
a Maria da Penha Risola Dias, diretora da Penitenciária Feminina da Capital e à agente
penitenciária S., pelas valiosas informações e esclarecimentos. A Manoel Português e C.,
meus primeiros e fundamentais interlocutores sobre a escola na prisão.
Às funcionárias do setor de biblioteca da Secretaria Administração Penitenciária do
Estado de São Paulo, Irine Yassuko Uehara e Harumi Miyazaki de Oliveira, pela disposição
no atendimento, apesar de toda a precariedade de suas condições de trabalho.

4
RESUMO

A educação como direito humano - a escola na prisão

Esta pesquisa tem por objetivo investigar a efetivação do direito à educação escolar,
tomando como parâmetro a noção contemporânea de direitos humanos, definidos como
universais, indivisíveis, interdependentes entre si e destinados a garantir a dignidade
humana. Dada a amplitude do tema proposto, foi adotado como recorte a educação escolar
oferecida às mulheres prisioneiras da Penitenciária Feminina da Capital de São Paulo, onde
foram realizadas entrevistas e acompanhamento de aulas na escola da unidade.
O marco inicial deste relatório são informações acerca da inserção do direito à
educação nas normas jurídicas, nacionais e internacionais. O segundo capítulo faz a
contextualização da pesquisa de campo, baseada em breve histórico da prisão de mulheres
no Brasil e no Estado de São Paulo, no qual procura-se ressaltar as ações educativas
empreendidas no seu interior, destacando o papel do Estado e da sociedade civil na sua
efetivação.
O terceiro capítulo apresenta algumas características da educação penitenciária
organizada no estado de São Paulo a partir do final da década de 1970, buscando
estabelecer relações com as orientações do Estado brasileiro para a educação de pessoas
jovens e adultas.
O quarto capítulo busca demonstrar o resultado do trabalho de campo na escola da
Penitenciária Feminina da Capital, por meio das observações feitas e das impressões
expressas pelas alunas e professoras sobre a experiência escolar, apreendidas nas
entrevistas e conversas informais. Por fim, o último capítulo, menos que apresentar
conclusões, busca relacionar informações e percepções identificadas ao longo do trabalho
de maneira a interagir com as hipóteses iniciais propostas.

Palavras-chave: direitos humanos; educação escolar na prisão; educação de adultos presos;


prisão de mulheres.

5
ABSTRACT

Education as a human right –schools in prison

The objective of this research is to investigate whether the right to formal


education is being effected, having as parameters the contemporary meaning of human
rights defined as universal, indivisible, interdependent and aimed at guaranteeing human
dignity. Given the broad scope of the theme proposed, a sample of school education offered
to women prisoners at the São Paulo Women‟s Penitentiary was chosen, where interviews
were made and classes at the school unit were followed-up.
The initial mark of this report is the information regarding the insertion of the right
to education in international and national legal norms. The second chapter contextualizes
fieldwork research, based on a short history of the imprisonment of women in Brazil and in
the State of São Paulo, in which the educational action practiced in the prisons is
emphasized while highlighting the role of the State and of civil society in effecting it.
The third chapter presents some characteristics of education in prisons, as organized
in the State of São Paulo at the end of the 1970‟s, seeking to establish relations with the
guidelines for youth and adult education of the Brazilian Government.
The fourth chapter seeks to demonstrate the result of the fieldwork at the school of
the Women‟s Penitentiary of the capital of São Paulo State based on observations made and
impressions expressed by students and teachers about the school experience, gathered in
interviews and informal conversations.
Finally, the last chapter not only presents conclusions, but attempts to relate
information and perceptions identified throughout the work in order to correlate with the
hypotheses initially proposed.

Key words: human rights; school education in prision; education for adults prisioners;
women‟s prision.

6
LISTA DE SIGLAS
5ª Conferência Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos (Confintea V)
Associação de Leitura do Brasil (ALB)
Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA)
Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente (Cedeca)
Centro de Democratização da Informática (CDI)
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)
Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem)
Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel (Funap – a partir de 1994)
Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep)
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Instituto de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap – entre 1976 a 1994)
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)
Lei de Execução Penal (LEP)
Ministério da Educação (MEC)
Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral)
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco)
Organização das Nações Unidas(ONU)
Organização dos Estados Americanos (OEA)
Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc)
Penitenciária Feminina da Capital (PFC)
Plano de Direitos Humanos da cidade de São Paulo (PDHCSP)
Plano Nacional de Educação (PNE)
Programa Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo (PEDH-SP)
Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH)
Secretaria de Administração Penitenciária do Governo do Estado de São Paulo (SAP)
Serviço de Educação de Adultos (SEA)
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)
Serviço Social da Indústria (Sesi)
União Nacional dos Estudantes (UNE)

7
SUMÁRIO
Agradecimentos ................................................................................................................... 4
Resumo ................................................................................................................................. 5
Abstract ................................................................................................................................ 6
Lista de siglas ....................................................................................................................... 7

Introdução - A educação como direito humano – a escola na prisão ............................ 9


A invisibilidade dos direitos educativos da população carcerária ........................... 11
Algumas notas sobre o trabalho de campo .............................................................. 15

Capítulo I – A educação entre os direitos humanos ....................................................... 22


1. A educação nas normas internacionais ................................................................ 24
2. A educação de jovens e adultos nas normas nacionais ....................................... 31
3. O direito humano à educação nos programas de direitos humanos .................... 35

Capítulo II - Um primeiro olhar sobre as mulheres encarceradas ............................... 45


1. Breve história da prisão de mulheres no Brasil ................................................... 46
2. Caracterização da população carcerária .............................................................. 54

Capítulo III - A educação de pessoas jovens e adultas presas ....................................... 66


1. Breve histórico da educação de jovens e adultos no Brasil ........................................ 67
2. A educação penitenciária em São Paulo .............................................................. 69
3. A sociedade civil, a educação e a prisão ............................................................. 79

Capítulo IV - A escola na prisão ...................................................................................... 88


1. A Penitenciária Feminina da Capital ................................................................... 91
2. Aulas na escola da Penitenciária ......................................................................... 94
3. O direito à educação escolar na Penitenciária Feminina da Capital .................. 104

Algumas Conclusões - Os desafios da universalidade,


da indivisibilidade e da dignidade humana ....................................................... 117
1. A universalidade ................................................................................................ 117
2. Indivisibilidade e interdependência ................................................................... 125
3. A dignidade humana .......................................................................................... 132
4. Últimas palavras ................................................................................................ 134

Referências Bibliográficas .............................................................................................. 140

Anexos
Anexo 1 – Roteiro de entrevistas ...................................................................................... 151
Anexo 2 – Relação das pessoas entrevistadas ................................................................... 152
Anexo 3 – Canção Óbvia, Paulo Freire ............................................................................. 153
Anexo 4 – Registro fotográfico ......................................................................................... 154
Anexo 5 - Desenhos produzidos pelas alunas da turma de Alfabetização ........................ 156

8
INTRODUÇÃO

A educação como direito humano – a escola na prisão

“Eu não desisti (de reivindicar o curso pré-vestibular);


vou lutar porque é uma coisa que estou plantando, me faz bem,
me edifica. Não quero ser o centro das atenções - não é isso.
Quero fazer não só por mim, mas por muitas; porque nós
mulheres somos muito mal vistas, nós não temos direito a nada;
homem tem direito a tudo: a prestar vestibular, a fazer faculdade”
V.L., 48 anos, uma das lideranças na reivindicação do curso
pré-vestibular na Penitenciária Feminina da Capital

Esta pesquisa tem por objetivo verificar o processo de concretização da


universalização do direito à educação escolar, com base no estudo de sua oferta a um grupo
específico – a população carcerária. O levantamento de informações e análises propostas
foi norteado pela relação entre Estado e sociedade civil, parceira historicamente chamada a
participar das ações públicas relativas à educação de jovens e adultos com baixa
escolaridade.
A pesquisa de campo foi desenvolvida na Penitenciária Feminina da Capital,
localizada na zona norte de São Paulo, e a opção por uma unidade feminina foi feita após a
constatação que, entre os poucos trabalhos acadêmicos sobre educação nas prisões,
identificados em levantamento bibliográfico, apenas um foi desenvolvido em presídio de
mulheres , como apresentado a seguir.
A escolha da Penitenciária Feminina da Capital foi baseada em informações
fornecidas pela Pastoral Carcerária1, apontando esta como a unidade prisional que mantém,
de maneira mais organizada, atividades de educação escolar, assim como outras de
formação, trabalho, cultura e lazer, além de haver um certo padrão mínimo de respeito aos
direitos humanos em geral.
O referencial analítico está baseado na noção contemporânea de direitos humanos,
que os define como universais, indivisíveis, interdependentes entre si e destinados a

9
garantir a dignidade humana. Além da sua condição de serem exigíveis junto nos sistemas
de Justiça – nacional e internacionais –, por estarem inscritos em leis e outras normas
jurídicas; e terem sua concretização assegurada como dever do Estado, por meio da
formulação e execução de políticas públicas.
A universalidade dos direitos desenvolve-se em dois níveis: o formal, relacionado à
igualdade perante as leis; e o real, que se traduz em ações do Estado para sua efetivação.
No caso da educação, as leis brasileiras garantem universalidade a este direito, mas as ações
do Estado são insuficientes para possibilitar que toda a população possa exercê-lo,
excluindo dele os grupos empobrecidos, como as pessoas encarceradas. A primeira hipótese
que se coloca é que a população carcerária não é socialmente incorporada como sujeito do
direito à educação, impedindo, assim, que este seja considerado um direito universal no
Brasil.
A indivisibilidade e a interdependência entre os direitos humanos manifestam-se de
duas maneiras distintas. Pela positividade, que implica a plena satisfação de todos os
direitos para assegurar a realização de cada um individualmente; e também pelo seu
contrário, que é a violação em cadeia provocada pela negação de um deles. A segunda
hipótese deste trabalho é que a experiência escolar – incluindo sua negação – para a
população carcerária confirma, de forma exemplar, a indivisibilidade e a interdependência
entre os direitos humanos, constituindo-se assim num elemento essencial para garantir sua
dignidade humana, o que implica a possibilidade de transformação das condições de vida,
inclusive no interior da própria prisão.
A não-realização dos direitos educativos da população carcerária está relacionada à
ausência de mobilização social em favor deste direito a este grupo. Seguindo a tradição de
se considerar direitos humanos apenas os direitos civis e políticos, de maneira geral,
reclama-se para este grupo apenas a satisfação dos direitos individuais, relacionados à
garantia da integridade física, não havendo mobilização social para a satisfação dos direitos
econômicos, sociais e culturais, ou, direitos coletivos. A terceira hipótese desta pesquisa é
que esta situação está vinculada à dupla discriminação dispensada à população carcerária:
por sua condição de pobreza e por ser socialmente identificada como criminosa.

1
Organização da sociedade civil vinculada à igreja católica que atua na defesa e proteção dos direitos da
população carcerária.

10
A invisibilidade dos direitos educativos da população carcerária
A educação penitenciária enfrenta no Brasil situação de invisibilidade. Do ponto de
vista formal e administrativo, não se constitui em modalidade de ensino específica, prevista
na Lei de Diretrizes e Bases da Educação – (LDB, Lei Federal Nº 9.394, de 20/10/1996), o
que pode levar à interpretação de que se insere na modalidade Educação de Jovens e
Adultos, afirmada na Seção V do Capítulo II, intitulado Educação Básica, na mesma lei.
No entanto, não é isto que vem ocorrendo. De um lado, há as históricas restrições à
educação de jovens e adultos, mas, de outro, há o total descaso, por parte das autoridades
nacionais responsáveis pela efetivação da educação no País, em relação à educação
penitenciária, de tal modo que nem as insuficientes ações educativas destinadas à
população jovem e adulta chegam ao sistema prisional.
Apenas muito recentemente, em março de 2005, pela primeira vez na história do
País, o Ministério da Educação, por meio da Diretoria de Educação de Jovens e Adultos,
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad/MEC),
envolveu-se em ação integrada com o Ministério da Justiça e a Secretaria de Direitos
Humanos da Presidência da República, com o objetivo de desenvolver projeto educativo
voltado para a comunidade de presidiários e presidiárias. Também está em tramitação, na
Câmara Federal, Projeto de Lei de autoria de Carlos Nader (PL-RJ) (PL 5189/05), que
determina a implantação de escolas virtuais nos presídios federais e estaduais. De acordo
com o texto, os presos e agentes penitenciários interessados receberão cursos de
Alfabetização, Ensino Fundamental, Médio e técnico profissionalizante. As aulas poderão
ser ministradas por instituições públicas ou entidades filantrópicas credenciadas pelo
Ministério da Educação.
Sem orientações claras do Ministério da Educação, a educação penitenciária vem
sendo implementada, ou não, de acordo com a vontade política dos governos estaduais. No
caso de São Paulo, conforme verificado no decorrer deste trabalho, tem sofrido várias
oscilações em função de reorganizações administrativas e orçamentárias.
A invisibilidade da educação destinada às pessoas encarceradas também pôde ser
observada na produção acadêmica que, apenas recentemente, vem se ocupando do tema.
Conforme observado na pesquisa bibliográfica, o tema da educação penitenciária foi muito
pouco explorado nas pesquisas acadêmicas referentes à educação de jovens e adultos nas

11
décadas de 1970, 1980 e 1990. A partir do final da década de 1990, nota-se a intensificação
dessa produção, embora ainda possa ser considerada bastante incipiente, em função do
reduzido número de pesquisas sobre o tema.
A busca por pesquisas acadêmicas referentes à educação penitenciária teve por base
o pressuposto que a mesma se insere, ou deveria estar inserida, na temática educação de
jovens e adultos, que foi objeto de estudos do tipo Estado da Arte2 em diferentes períodos,
apresentando em seu conjunto informações acerca da produção de dissertações de mestrado
e teses de doutorado entre 1975 e 2000.
No entanto, neste período, 25 anos, não houve registro de nenhuma pesquisa
acadêmica que abordasse o tema de práticas educativas desenvolvidas nas prisões.
A pesquisa bibliográfica empreendida no desenvolvimento deste trabalho
identificou, a partir de 2000, um conjunto de dissertações e teses sobre o tema.
Entre elas, a única desenvolvida em uma unidade feminina foi a de Fiore (2003),
intitulada “A Educação na Penitenciária Feminina da Capital: a crença da reabilitação”, que
teve por objetivo a “construção de uma prática pedagógica diferenciada, o desenvolvimento
da pedagogia da reinserção e o perfil da educação desejada para o detento”.
Português (2001), em sua dissertação aborda as possibilidades e contradições na
educação escolar, ofertada nas unidades prisionais, como forma de transformação dos
indivíduos punidos. Além de todos os aspectos apresentados para constituir esta reflexão, a
dissertação traz elementos particularmente importantes a esta pesquisa como, por exemplo,
as justificativas da Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” (Funap)3 para o incentivo
à atuação dos monitores sentenciados – tema recorrente nas entrevistas e processo de
observação na Penitenciária Feminina da Capital –, e ainda um interessante histórico sobre
a responsabilidade administrativa pela educação penitenciária no Estado de São Paulo.
Sobre a mesma temática, mas com foco na experiência da Penitenciária “Doutor
Sebastião Martins Silveira” de Araraquara, há a dissertação de Onofre (2002), que tem por
objetivo verificar, na visão de alunos e professores, as possibilidades da escola nas
penitenciárias como “influência positiva para reinserção social”.

2
Haddad, 1987; Haddad, Freitas, 1988; Haddad, Siqueira, 1986, 1988; Haddad, Siqueira, Freitas, 1987,
1989a, 1989b; Ribeiro, V.M., 1992; Haddad et.all, 2002; Haddad, 2004
3
Órgão da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária responsável pelas atividades de educação
escolar e trabalho nas unidades prisionais do Estado de São Paulo.

12
Resende (2002), na tese intitulada “Vidas condenadas: o educacional na prisão”,
busca identificar os aspectos educativos/educacionais que transversalizam na prisão. Além
de intensa reflexão sobre a realidade prisional à luz da obra de Michel Foucault, o trabalho
apresenta a visão dos prisioneiros com base em 12 entrevistas, das quais duas foram
realizadas com mulheres.
Leme (2002), na dissertação “A „cela de aula‟: tirando a pena com letras. Uma
reflexão sobre o sentido da educação nos presídios”, investiga o sentido da educação para
homens que freqüentam a escola no sistema prisional.
Julião (2003), na dissertação “Política pública de Educação Penitenciária:
contribuição para o diagnóstico da experiência do Rio de Janeiro”, por meio de análise de
documentos e relatos orais, apresenta elementos para a compreensão do papel que a
educação escolar desempenha no sistema penitenciário, descrevendo e analisando as
relações entre escolarização e ressocialização.
Foram ainda identificadas as dissertações de Santos (2002) “A educação escolar no
sistema prisional sob a ótica de detentos”; Leite (1997) “Educação por trás das grades: uma
contribuição ao trabalho educativo, ao preso e à sociedade”; Rusche (1997) “Teatro: gesto e
atitude – investigando processos educativos através de técnicas dramáticas com um grupo
de presidiários; e a tese de doutorado de Falconi (1996), “Reinserção social”.
Sobre a educação penitenciária, há ainda valiosas contribuições produzidas no
âmbito da Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” (Funap), como Cristov (1993),
Ferreira (1993), Maída (1993), Anais do I Encontro de Monitores de Alfabetização de
Adultos Presos no Estado de São Paulo (Funap, 1993), Gadotti (1993), Pereira (1993),
Rusche (1995) e Salla (1993), além do Censo Penitenciário realizado em 2002, bastante
utilizado neste trabalho.
Entre as obras pesquisadas, verifica-se que o marco referencial é a possibilidade de
instrumentalização da educação para a ressocialização, ou reeducação ou reinserção social.
Ainda que de forma crítica, tais análises tomam a educação como elemento a
serviço da transformação dos indivíduos que se encontram em situação de privação de
liberdade, perspectiva absolutamente diferenciada da proposta deste trabalho, que parte da
premissa de que a educação é um direito humano, portanto, assegurada a todas as pessoas,
inclusive àquelas socialmente identificadas como criminosas.

13
Se na primeira perspectiva a população carcerária é objeto da ação da educação, na
segunda, é sujeito deste direito, ao menos formalmente. Por isso, este trabalho tem como
marco inicial a apresentação de informações acerca da inserção do direito à educação nas
normas jurídicas, nacionais e internacionais, com destaque para os planos de direitos
humanos, elaborados com a participação da sociedade civil nas esferas nacional, estadual –
São Paulo – e municipal – capital paulista. O foco é a educação nas prisões e, na ausência
de citação específica a ela, optou-se por analisar a inserção da educação de jovens e adultos
em geral.
A análise das normas jurídicas foi baseada nas obras de Bobbio (1986), Comparato
(1989, 1993,1997, 2003), Dalari (2002, 2004), Piovesan (2002) e Sena (2004).
O segundo capítulo faz a contextualização da pesquisa de campo, por meio de um
breve histórico da prisão de mulheres no Brasil e no Estado de São Paulo, no qual procura-
se ressaltar as ações educativas empreendidas no seu interior, destacando o papel do Estado
e da sociedade civil na sua efetivação. Ainda neste capítulo, é apresentado o perfil
socioeconômico da atual população carcerária do Estado de São Paulo.
Os referenciais teóricos utilizados foram as obras de Mastrobuono (1999), Prado
(2003), Salla (1999), Soares e Ilgenfritz (2002), e também foram adotados como fonte de
pesquisa documentos oficiais do Governo do Estado de São Paulo, notícias veiculadas na
imprensa nas décadas de 1970 e 1980, além do Censo Penitenciário realizado pela
Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” (Funap, 2002b).
O terceiro capítulo apresenta algumas características da educação penitenciária
organizada no Estado de São Paulo a partir do final da década de 1970, buscando
estabelecer relações com as orientações do Estado brasileiro para a educação de jovens e
adultos. Destaca-se a exclusão da educação penitenciária das reduzidas ações nacionais
dirigidas à escolarização de pessoas jovens e adultas; e o permanente estabelecimento de
parcerias com organizações da sociedade civil para efetivação das ações educativas, tanto
na educação de jovens e adultos em geral como na educação penitenciária, o que tende a
configurar-se como resistência do poder público brasileiro em assumir a responsabilidade
sobre esta modalidade de ensino.

14
Beisiegel (1974, 1999, 2003), Costa (2002), Dagnino (2002), Haddad (1987, 1999,
2000, 2003), Pinheiro (1996), Português (2001) e Sena (2004) foram os principais
referenciais teóricos utilizados na organização deste capítulo.
O quarto capítulo apresenta o resultado do trabalho de campo, com a observação
feita na escola da Penitenciária Feminina da Capital e aulas acompanhadas na Suplência do
Ensino Médio e turma de Alfabetização. Traz ainda as impressões de alunas e professoras
sobre a experiência escolar, apreendidas nas entrevistas e conversas informais.
As análises propostas para este conjunto de informações baseiam-se nas obras de
Adorno (1991, 1987), Coelho (1987), Corrêa (s/d), Foucault (1986), Haddad (1986),
Mastrobuono (1999), Prado (2003), Schilling (1991), Soares e Ilgenfritz (2002) e
Tomasevski (2001).
O último capítulo relaciona informações e percepções identificadas ao longo do
trabalho com os debates e reflexões atuais acerca da concretização da universalidade e
indivisibilidade entre os direitos. Para tanto, buscou-se o apoio das reflexões de Benevides
(1991, 2001), Bobbio (1986), Candido (1989), Laude (2005), Comparato (1989, 1993,1997,
2003), Freire (1983, 1987) e Piovesan (2002).

Algumas notas sobre o trabalho de campo


A pesquisa de campo compreendeu três fases. Na primeira foram feitas visitas
preliminares com a equipe da Pastoral Carcerária à Cadeia Pública, Dacar IV, em outubro
de 2003, e à Penitenciária Feminina da Capital, em 24 de dezembro, na missa de Natal. A
segunda fase compreendeu o acompanhamento das aulas, iniciado em agosto de 2004, nas
turmas de Suplência II (Ensino Médio) e Alfabetização. Em virtude da rebelião4 ocorrida na
unidade no dia 24 de agosto, este processo foi suspenso por aproximadamente um mês,
período no qual se aguardava o envio de novas carteiras pela Secretaria de Administração
Penitenciária do Governo do Estado de São Paulo (SAP), em substituição daquelas
destruídas na rebelião.

4
Naquela unidade, em 2000, aconteceu um “movimento indisciplinar” e, em 2002, uma rebelião – a diferença
entre as duas ações é que na primeira não são feitas reféns. De acordo com a diretora da Penitenciária, a
rebelião de 24 de agosto foi a primeira em que a escola, o berçário e o hospital da unidade foram destruídos,
assim como foi a primeira vez em que ocorreu um assassinato.

15
O acompanhamento das aulas foi retomado em outubro, simultaneamente à
realização das entrevistas, a terceira etapa prevista na pesquisa de campo. A primeira
entrevistada foi Maria da Penha Risola Dias5, diretora da Penitenciária Feminina da Capital,
que atua no sistema penitenciário há 33 anos, tendo desempenhado as funções de agente
penitenciária (guarda), educadora, bibliotecária e, depois de aposentada, diretora da
unidade, a convite do Governo Estadual.
Em seguida, na terceira etapa do trabalho de campo foram realizadas entrevistas
compreensivas com quatro sentenciadas que participam do universo escolar da
Penitenciária Feminina da Capital. Foram entrevistadas duas alunas – uma do Ensino
Médio (Suplência) e outra da turma de Alfabetização –; a professora da turma de
alfabetização, estudante de jornalismo sentenciada há quatro anos; e, finalmente, uma ex-
aluna da escola penitenciária, que no momento do trabalho de observação, empreendia
mobilização pela formação de curso pré-vestibular na unidade.
A opção pela entrevista compreensiva deve-se à adequação de suas características
aos objetivos da pesquisa: “a ausência de rigidez na estrutura da entrevista compreensiva
permite a construção da problemática de estudo durante seu desenvolvimento e nas suas
diferentes etapas(...) as questões previamente definidas podem sofrer alterações conforme
o direcionamento que se quer dar à investigação”(Ibidem, p.295).
Assim, o roteiro previamente estabelecido (Anexo 1) foi alterado em virtude das
informações trazidas pelas entrevistadas. Cabe ressaltar que o trabalho de campo – tanto a
observação quanto as entrevistas – foi precedido de uma entrevista-piloto, concedida por
C., 25 anos, aluna do Ensino Médio, egressa do sistema penitenciário, onde concluiu o
Ensino Fundamental.
A idéia inicial era realizar entrevistas com foco na história da relação da
entrevistada com a educação formal: oportunidades de acesso à escola; caso a entrevistada
tivesse freqüentado a escola, a sua relação com a instituição – lembranças positivas e
negativas –; depois, qual a relação com a escola na prisão; expectativas futuras; enfim,
temas que permitissem verificar a concretização – ou não – do direito à educação na vida
das entrevistadas; as formas encontradas – ou não – para o exercício deste direito; e, por
último, a própria noção da existência deste direito.

5
O nome da diretora é revelado por tratar-se de cargo público necessariamente identificado.

16
A conversa com C., no entanto, trouxe novos elementos. O primeiro deles diz
respeito à indivisibilidade entre os direitos. Na prática, esta premissa tão cara à noção
contemporânea dos direitos humanos pôde ser verificada no cotidiano de C. Depois de
conquistar a liberdade, foi morar com a filha, de 6 anos, num bairro da periferia do
município de Osasco, região metropolitana de São Paulo. Profissionalmente, vem atuando
como estagiária na Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel” (Funap) 6, cumprindo
jornada das 8 às 17 horas. Antes de ir para o trabalho, deixa a filha na pré-escola, da
iniciativa privada, próxima à sua casa. Ao ser indagada sobre a opção da rede pública,
responde que não há período integral e que não tem com quem deixar a filha no outro
período. À noite, depois de cuidar da casa e servir o jantar, freqüenta o Ensino Médio,
modalidade suplência, na rede pública estadual de ensino.
Nas palavras de C., a descrição de sua rotina para exercer o direito à educação:
Eu saio daqui, passo na escola dela (a filha de 6 anos), levo em casa, dou janta,
tomo banho e vou para a escola (...) vou lá para estudar mesmo, até porque não
vejo a hora de ir embora porque eu deixo a Dara sozinha. Então vou preocupada e
geralmente saio na hora do intervalo; aí eu vou e vejo se ela está dormindo, apago
as luzes porque ela deixa tudo aceso: acende a luz da sala, cozinha, quarto,
televisão... acende tudo. (C., aluna egressa do Sistema Penitenciário)
Antevendo a situação do próximo ano, quando a filha, na 1ª série, não mais poderá
ficar em período integral na escola – finalmente estudará na rede pública –, já se conformou
com o fato de a menina freqüentar a escola no período da manhã e ficar em casa sozinha
durante à tarde, enquanto a mãe não chega do trabalho e, à noite, quando vai para a escola.
C. retornou à escola assim que deixou a prisão, em meados do primeiro semestre de
2003. Aliada ao “gosto” pelos estudos, estava também a obrigatoriedade de freqüência
escolar para a manutenção do contrato de estágio:
Eu tive que explicar toda a minha vida para a diretora para conseguir a vaga
porque eu saí da unidade em maio, as aulas tinham começado em fevereiro (...)
ela falou que eu ia ficar muito atrasada, já que era suplência e faltava um mês e
meio para terminar a aula. Aí eu falei que se não conseguisse eu perderia meu
emprego, já que meu emprego tem que estar estudando. Ela entendeu e arrumou
uma vaga para mim. (Ibidem)
Mesmo tendo sido aprovada, iniciou a 2ª série do Ensino Médio apenas no primeiro
semestre de 2004, e não no segundo de 2003. Embora esteja se saindo bem em todas as

6
O contato com C. foi feito na sede da própria Funap, em junho de 2004, durante conversa informal para um
primeiro levantamento de informações sobre a educação penitenciária.

17
disciplinas, afirmou que não vai concluir o Ensino Médio este ano, pois precisa “repetir de
ano” para continuar estudando e, assim, garantir seu emprego também no próximo ano.
Fiz um acordo com a diretora. Vou fazer o segundo ano novamente por causa do
meu contrato de estágio, porque terminando a escola eu perco meu emprego. Vou
fazer duas vezes a mesma série só para não perder o emprego. Por isso eu estou
bem faltante, para ela conseguir me reprovar por faltas, para eu poder fazer o
segundo ano agora, de agosto a dezembro. Porque aí no ano que vem eu garanto o
meu ano de trabalho. (Ibidem)
Nas palavras de C. percebe-se claramente a indivisibilidade entre os direitos – uns
dependem de outros para se realizarem – e, simultaneamente, situações contraditórias de
justaposição entre o exercício de direitos e violações. O direito ao trabalho, no caso,
depende da obrigatoriedade do exercício do direito à educação. Isto faz com que C. não
possa avançar nos estudos – conquistar o seu diploma de conclusão do Ensino Médio – pois
perderia o trabalho. O exercício da direito à educação, por parte de uma mulher, ex-
presidiária, coloca em situação de risco uma criança de 6 anos. A sobrevivência de uma
criança de 6 anos e seu direito de viver com sua mãe depende de um trabalho que exige a
freqüência à escola, que é garantida por uma situação irregular pactuada entre diretora e
aluna. Neste quadro, apenas um entre tantos outros, exemplifica-se a dificuldade em
afirmar quais são os direitos e quais as violações.
Após esta entrevista, considerou-se não ser possível focar apenas a história escolar
das entrevistadas – antes da prisão e depois dela –, para verificar a concretização do
exercício ao direito educacional. Foi então incluída, no roteiro de entrevista, a relação
dessas mulheres com a história escolar de seus filhos.
O encerramento da pesquisa na Penitenciária Feminina da Capital foi marcado pela
conversa sobre educação, com a turma de Alfabetização, ocasião em que, além das
intervenções orais, foram elaborados desenhos estimulados pela frase “Para mim, educação
é...”. Por fim, em novembro, houve uma última visita a esta turma quando foi distribuído e
lido coletivamente o texto “Canção Óbvia”, de Paulo Freire (Anexo 3).
No decorrer do trabalho de campo, desafios emergiram e foram sendo trabalhados,
tais como: a forma de “entrar” na prisão; como se vestir7; quais são as demandas possíveis
de se atender. Como lidar com aquela realidade – grades –, encarar a prisão e as

7
Há normas rígidas neste sentido, como observado na Missa de Natal, quando fui interpelada por uma agente
penitenciária por estar usando calça bege: “Você pode ter problemas na saída”, advertiu, explicando que as
visitantes não devem usar calça bege para não serem confundidas com as internas e impedidas de sair da
unidade.

18
prisioneiras? Quem são aquelas mulheres? Houve necessidade de um trabalho de
preparação e reflexão para o equilíbrio entre o distanciamento exigido pelo trabalho de
pesquisa e o envolvimento necessário para o estabelecimento da relação de confiança.
Nesse sentido, foi muito difícil não atender ao pedido feito por uma das alunas da
turma de Alfabetização que, depois de uma amistosa conversa, contou que há três meses
não recebia notícias ou visita da filha – estava desesperada, pois a menina, 17 anos, tem um
filho com menos de um ano, e também é responsável pelo irmão, de 12 anos. A única forma
de contato era um celular, e a administração da Penitenciária Feminina da Capital não faz
ligações para este tipo de telefone. Entregando-me o número anotado numa revista “Sei-
cho-no-ie”, R. pediu para que eu efetuasse a ligação.
De um lado, havia o desejo de trazer notícias de sua família. De outro, há as normas
de comportamento; de fato, não sabia se podia assumir o compromisso sem antes pedir
orientação à administração da escola. Havia também o receio de envolvimento pessoal com
uma situação absolutamente desconhecida. A opção foi pedir desculpas, explicar que o
pedido não poderia ser atendido, mas assumir o compromisso de verificar uma forma de
fazer contato. A aluna ficou claramente decepcionada... e eu também. No dia seguinte, após
consultar a Pastoral Carcerária, trouxe a orientação para que R.. procurasse, no sábado, os
voluntários daquela instituição, que poderiam fazer a ligação. Não sei se isto ocorreu.
Quando regressei, após a rebelião, o filho de 12 anos tinha ido visitar a mãe.
Este episódio remete às observações de Zago (op.cit., p. 302), citando Beaudi e
Weber (1998, p.217): “em vez de se deixar paralisar pela noção de neutralidade, o
pesquisador deve estar preocupado em obter a confiança do entrevistado, condição
fundamental na situação da entrevista e de sua produtividade”. Entre a obtenção da
confiança, o desejo de solidariedade a uma mulher-mãe desesperada por notícias dos filhos,
a observância das regras institucionais e a compreensão de estar me relacionando com um
universo absolutamente estranho, tentei encontrar o equilíbrio – o apoio da Pastoral.
Outra postura assumida foi esclarecer, nas salas de aula e também antes das
entrevistas, que os delitos praticados não interessavam à pesquisa – o tema de interesse era
a educação. Também foram inúmeros os esclarecimentos acerca da condição de “estudante
de Educação”, pois as alunas imediatamente me consideravam advogada ou psicóloga.

19
No mesmo sentido, afirma Zago: “Desde o momento inicial é fundamental
esclarecer os objetivos da pesquisa, o destino das informações, o anonimato de pessoas e
lugares...” (Ibidem, p.303).
Este esclarecimento inicial facilitou o contato com as alunas, conforme observado
quando sugeri à turma de Alfabetização a realização da conversa coletiva, gravada e
fotografada com a autorização dessas mulheres. Inicialmente a proposta foi apresentada
pela professora. Foi um susto... a maioria dizendo que tinha vergonha de falar, que não
conseguiria; uma das alunas pediu desculpas: “não é má vontade, nem desfeita, mas tenho
um compromisso justamente na sexta e vou faltar”, explicou; outras queriam apenas saber
se iriam ganhar fotos – se não, nada feito. Novamente foi esclarecido o objetivo da pesquisa
e também ressaltado que o trabalho seria tornado público, ou seja, não era possível garantir
sigilo sobre as fotos.
Mas as fotos não eram o problema, ao contrário, todas queriam ser fotografadas. O
receio era com relação aos delitos. Só houve concordância quando reafirmado que este
tema não seria abordado – o interesse era a educação. A reação foi imediata, expressada nas
frases: “ah, bom!”; “é melhor não saber”. A professora M. confirmou: “É mesmo gente... já
conversamos tanto e ela não perguntou nada disso”. A turma foi então mudando o tom da
conversa, dizendo que “tudo bem, se era para ajudar”. Até a aluna que tinha um
compromisso na sexta garantiu presença “para dar uma força para você”, disse.
A reação da turma confirma a afirmação: “a partir do momento em que o
pesquisado compreende o objetivo do trabalho e tem confiança na pessoa que o efetua, ele
coopera, não se furtando a responder e a argumentar sobre as questões da pesquisa”.
(Ibidem, p.303).
Durante as entrevistas e na conversa coletiva, além do esclarecimento sobre o
desinteresse pelos delitos, sugeri a possibilidade de trocar os nomes para garantir o
anonimato, mas ninguém aceitou; faziam questão de afirmar que assumiam publicamente
todas as declarações. Outras possibilidades não aceitas foram a estratégia de desligar o
gravador quando não se sentissem à vontade para comentar algo ou, ainda, desgravar falas
que considerassem inadequadas.

20
O desenvolvimento das entrevistas demonstrou uma série de consensos sobre temas
presentes na vida na Penitenciária Feminina da Capital. Esta coincidência nas opiniões e
percepções remete ao que Bosi (1987) chamou de “construção social da memória”:
Quando um grupo trabalha intensamente em conjunto, há uma tendência de criar
esquemas coerentes de narração e de interpretação dos fatos, verdadeiros
“universos de discurso”, “universos de significado”, que dão ao material de base
uma forma histórica própria, uma versão consagrada dos acontecimentos (...)
(Bosi, op. cit, p. 26).
Esta reflexão elucida, por exemplo, a narrativa sobre temas como a rebelião de 24
de agosto, a visita íntima e outros tantos, sobre os quais há consenso entre as alunas, ou
melhor, sobre os quais foram construídas, coletivamente, versões. Esta perspectiva pautou a
realização das entrevistas e guiará sua análise – não importa se os fatos narrados são
verídicos, mas, sim, o significado das “versões” apresentadas.

21
CAPÍTULO I

A educação entre os direitos humanos

“O cidadão ainda não tem noção do direito à educação.


Muitas me procuram porque não sabem desse direito,
não sabem que já nascem com ele, que quando está
no ventre da sua mãe já tem esse direito”
M., 36 anos, professora sentenciada

A formulação e a concretização dos direitos humanos, bem com a designação de


seus sujeitos, vêm sendo construídas historicamente por meio da relação, e tensão, entre
sociedade e Estado. Este capítulo apresenta a inserção do tema educação em algumas das
normas nacionais e internacionais, buscando verificar sua coerência com a noção
contemporânea de direitos humanos, sobretudo no que se refere à universalidade. O
objetivo é identificar a garantia formal – isto é, sua inscrição em leis – do direito à
educação escolar às pessoas jovens e adultas com baixa escolaridade, inclusive aquelas que
se encontram em situação de privação de liberdade.
A evolução histórica dos direitos humanos8, para alguns autores e autoras, organiza-
se em três gerações. A primeira geração corresponde aos direitos civis e políticos, que
garantem as liberdades individuais. A segunda geração compreende os direitos econômicos
e sociais como direito à saúde, educação, moradia, cultura, lazer e os direitos trabalhistas. A
terceira é a dos chamados direitos dos povos, que corresponde ao direito ao
desenvolvimento, à paz e a valores culturais próprios, entre outros, (Genevois, 1988 p.16-
17).
Para Comparato (1989), a diferença entre as duas primeiras gerações de direitos
humanos está no papel que o Estado desempenha em cada uma delas.

8
A organização dos direitos humanos em “gerações” é repudiada por alguns autores (Muñoz, 2005, p.7) por
trazer, implicitamente, a noção de “hierarquia” ou “evolução” entre os direitos, contrariando o princípio da
indivisibilidade. Sem desconsiderar este debate, esta organização é aqui utilizada como meio de compreensão
histórica da relação entre sociedade e Estado na conquista e afirmação dos direitos.

22
A diferença específica entre essas duas gerações de direitos humanos é de
primeira intuição: enquanto o respeito às liberdades supõe a não-interferência
estatal na esfera da vida própria do ser humano, seja individualmente, seja em
grupos sociais, a realização daquelas prestações sociais implica, ao contrário, uma
sistemática intervenção do Estado nas relações privadas, limitando a liberdade
individual ou grupal. Assim as liberdades são, basicamente, direitos humanos
contra a ação estatal, ao passo que a exigência de prestações sociais se dirige
contra a omissão do Estado. (Comparato, op.cit., p. 95)
O autor afirma a vinculação intrínseca entre direitos humanos e Estado:
... desde as primeiras formulações teóricas modernas, na Europa Ocidental do
século VIII, os direitos humanos apareceram estreitamente vinculados ao Estado.
Mas uma vinculação, contraditoriamente, positiva e negativa ao mesmo tempo.
(...) O Estado moderno aparece assim, concomitantemente, desde o seu
nascimento, como o protetor e o principal adversário dos direitos humanos.
(Comparato, op.cit, p. 96).
A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 imprimiu aos direitos
humanos a denominada noção contemporânea, que os caracteriza como universais,
indivisíveis e interdependentes entre si, e destinados a garantir a dignidade humana. Para
Piovesan (2002), esta nova concepção altera a posição do Estado ante a concretização dos
direitos humanos, ao determinar que sua proteção é responsabilidade internacional.
“Prenuncia-se, desse modo, o fim da era em que a forma pela qual o Estado tratava seus
nacionais era concebida como um problema de jurisdição doméstica, decorrente de sua
soberania” (p. 92).
O Brasil, como signatário de declarações e pactos internacionais de proteção aos
direitos humanos, e tendo inscrito a educação, ao lado de outros direitos sociais, na
Constituição Federal, além de regulamentá-los por uma série de leis de diretrizes, normas
técnicas e outros instrumentos normativos, conferiu-lhe a condição de exigibilidade e
justiciabilidade. Assim, sua efetivação por meio de políticas públicas pode ser exigida aos
órgãos executivos das três esferas do governo nacional, inclusive acionando os
instrumentos de garantia e proteção de direitos que integram o sistema jurídico do País,
além do internacional.
Para Lima Jr. (2001), no Brasil, a pressão sobre o Estado, tendo como referência as
possibilidades contidas na noção contemporânea de direitos humanos, vem ocorrendo a
partir da década de 1980.
As organizações da sociedade civil vêm desenvolvendo estratégias de
reivindicação dos DESC (direitos econômicos sociais e culturais), através de três
mecanismos: a justiciabilidade - enquanto possibilidade de se exigir direitos face
ao Poder Judiciário -, as políticas públicas e o monitoramento (Lima Jr, op. cit., p.
85-86).

23
A proposição acima parte da constatação de que a inscrição em leis, nacionais e
internacionais, por si só não significa a efetivação de direitos, tampouco o reconhecimento,
por parte do Estado, de seus sujeitos. No entanto, a formalização dos direitos fornece mais
um elemento de pressão contra a omissão do Estado em relação à concretização dos direitos
econômicos, sociais e culturais: a disputa judicial.
A sociedade civil se mobiliza para que os direitos sejam inscritos em leis obrigando
o reconhecimento formal por parte do Estado; depois pressiona para que as leis sejam
cumpridas; e, ainda, deve monitorar para que este cumprimento seja efetivado de maneira
adequada, sem a mutilação dos direitos. Este processo é marcado por tensões com o Estado
e também entre os grupos sociais, em virtude de seus interesses conflitantes. E é justamente
neste contexto de disputas que a noção de universalidade é historicamente constituída – a
definição sobre quem está contido no “universal” é, eminentemente, o resultado de lutas
sociais.

1. A educação nas normas internacionais


A educação, como outros direitos econômicos, sociais e culturais, foi assegurada na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e, mais especificamente, no Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), de 1966.
Em relação ao Pidesc, Comparato (2003) chama a atenção sobre a conjuntura em
que ocorreu sua elaboração, sobretudo a inviabilidade política, imposta pela Guerra Fria, de
serem garantidos, num único tratado, tanto os DESC quanto os direitos civis e políticos,
previstos no Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, também de 1966:
As potências ocidentais insistiam no reconhecimento, tão-só, das liberdades
individuais clássicas, protetoras da pessoa humana contra os abusos e
interferências dos órgãos estatais na vida privada. Já o países do bloco comunista
e os jovens países africanos preferiam pôr em destaque os direitos sociais e
econômicos, que têm por objeto políticas públicas de apoio aos grupos ou classes
desfavorecidas, deixando na sombra as liberdades individuais. (Comparato, op.
cit., p.276)
Os Pactos de 1966 foram criados para atender o Conselho Econômico e Social das
Nações Unidas que, em 1946, determinou a criação da Comissão de Direitos Humanos, que
tinha, entre suas atribuições, a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
finalizada em 1948, e, a seguir, a constituição de um documento que conferisse força
jurídica ao primeiro, como “um tratado ou uma convenção internacional” (Ibidem, p.276).

24
O Brasil ratificou os dois pactos em dezembro de 1991, por meio do Decreto
Legislativo nº 226, o que significa que o País comprometeu-se internacionalmente em
cumprir suas determinações. A própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, parágrafo 2º,
afirma que os direitos e garantias nela expressos “não excluem outros decorrentes do
regime e princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte”.
Na Declaração de 1948, a educação está assegurada no Artigo 26, que determina
ensino elementar obrigatório e gratuito, a generalização da instrução técnico-profissional e
a igualdade de acesso ao Ensino Superior, além de ter como objetivo o pleno
desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos e
liberdades individuais.
Apesar da indivisibilidade entre os direitos, alguns autores consideram que o direito
à educação tem característica peculiar: possibilita e potencializa os indivíduos na
reivindicação dos outros direitos (Coomans, 1999): “A chave para a ação social em defesa
de direitos é uma sociedade educada, capaz de disseminar seus ideais e se organizar em
defesa de direitos”9. (Donnelly e Howard, 1988 p. 234-235).
No mesmo sentido, ao defender a exigibilidade e a justiciabilidade de todos os
direitos humanos, Cançado Trindade, durante palestra na IV Conferência Nacional de
Direitos Humanos10, ponderou que “no futuro, os direitos econômicos, sociais e culturais
básicos poderiam vir a compor um núcleo mais enriquecido de direitos fundamentais e
inderrogáveis (..). tal núcleo seria constituído pelos direitos ao trabalho, à saúde e à
educação” (O Brasil..., 2000, p.26).

9
Tradução da autora.
10
IV Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em 13 e 14 de maio de 1999, pela Comissão de
Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Movimento Nacional de Direitos Humanos, Anistia
Internacional, Ordem dos Advogados do Brasil, Instituto de Estudos Sócioeconômicos, Marcha Global contra
o Trabalho Infantil, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Centro de Proteção Internacional dos
Direitos Humanos, Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia, entre outras
organizações.

25
No Pidesc (1966), o direito à educação está garantido nos Artigos 13 e 14, que
reafirmam o conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos neste tema, mas
detalham alguns aspectos, como, por exemplo, a necessária “progressividade do ensino
gratuito” para a educação secundária, modalidade que não era citada na Declaração de 1948
(item “b”, alínea 2, artigo 13).
A determinação da progressividade na gratuidade do ensino secundário obriga, de
um lado, que os Estados-Parte estabeleçam metas para atingir a universalidade desta oferta
e, de outro, que não retrocedam em termos de atendimento.
Ainda no plano internacional, no âmbito regional, há o Protocolo Adicional à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos sobre os Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (Protocolo de San Salvador), adotado pela Conferência Interamericana de São
Salvador, de 17 de novembro de 1988, e ratificado pelo Brasil em 1996, que prevê a
possibilidade de apresentação de petição individual no caso de violação do direito à livre
organização sindical (art. 8º, alínea “a”) e ao direito à educação (previsto no art. 13).
No caso do direito à educação, o conteúdo do Protocolo de San Salvador reafirma os
termos do Pidesc. A inovação consiste na criação da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos para investigar as denúncias, e também da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, que deve julgar as violações constatadas pela Comissão. Estas duas instâncias
são consideradas mecanismos de exigibilidade e justiciabilidade, porque permitem a
indivíduos, e também a organizações da sociedade civil, recorrerem a um tribunal
internacional – um mecanismo de Justiça – para exigir um direito que deve ser concretizado
por meio de políticas públicas nacionais.
O Protocolo reafirma o dever do Estado de investir o máximo de recursos
disponíveis até alcançar, progressivamente – isto é, sem retrocessos –, a plena efetividade
dos direitos econômicos, sociais e culturais, sob pena de ser responsabilizado.
É importante notar que, até a formulação do Protocolo de San Salvador, as
possibilidades de exigibilidade e justiciabilidade, em âmbito internacional, eram reservadas
aos direitos civis e políticos.
Não há dúvidas de que a inscrição dos direitos educativos em normas internacionais
significou um importante marco no sentido de ampliar a garantia de acesso a estes direitos,
deixando de ser um tema interno dos países, a ser tratado entre sociedade civil e governos,

26
para tornar-se um compromisso assumido entre Estados, inclusive com a possibilidade de
sanções.
No entanto, a redação de tais documentos possibilita cindir o direito à educação de
maneira que os Estados sejam obrigados apenas a oferecer a instrução primária ou
fundamental. Se de um lado a noção de progressividade impede retrocessos, de outro não
assegura a obrigatoriedade de universalização.
No caso brasileiro, a ampliação do acesso à educação formal tem ocorrido mais por
pressão da sociedade civil11, do que pelo cumprimento espontâneo de compromissos
internacionais assumidos pelo Estado. Reafirma-se, assim, a idéia de que a inscrição em
normas é mais um instrumento de luta política pela conquista do direito do que
propriamente sua garantia.

1.1 A educação de jovens e adultos nas normas internacionais


O Pidesc, no item “d”, alínea 2, artigo 13, ao tratar da educação de jovens e adultos,
não faz menção à obrigatoriedade, gratuidade ou progressividade na implementação desta
modalidade. “Dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a educação de
base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo
completo de educação primária”, diz o Pacto.
Sobre este artigo, Comparato (2003) chama a atenção para a ambigüidade dos
termos educação primária e educação secundária, que não trazem consigo a especificação
das séries – ou período escolar – correspondentes. Isto é particularmente importante, porque
o Pacto determina obrigatoriedade e gratuidade apenas para a educação primária, e esta
varia de configuração em cada País. No Brasil, o número de anos obrigatórios de educação
pública gratuita ampliou-se de 4 para 8 anos em 1971 e, em 1996, este período teve sua
denominação alterada de “Ensino de 1º grau” para “Ensino Fundamental”.
Além da ambigüidade apontada sobre o termo educação primária, em relação à
educação de jovens e adultos, o Pacto fala ainda em educação de base sem especificar seu
significado, e propõe que este direito seja concretizado “na medida do possível”. No Brasil,
como exposto neste trabalho, as ações implementadas no campo da educação de jovens e
adultos indicam que o poder público, em geral, tem interpretado educação de base como

11
Cf.: Sposito, 1984

27
sinônimo de campanhas de alfabetização, e o “possível” tem sido muito modesto, como
afirmado pelos índices de analfabetismo absoluto e funcional, que juntos compreendem
42.844.220 pessoas acima de 10 anos, que não fazem uso da leitura e escrita em seu
cotidiano (IBGE, 2000).
De certa forma, pode-se afirmar que a redação específica sobre a educação de
jovens e adultos no Pidesc restringiu o caráter universal do direito à educação, encontrado
na Declaração Universal de 1948, e no item “a”, alínea 2, capítulo 13, do próprio Pacto, que
diz “a educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos”.
O direito à educação de pessoas jovens e adultas também tem sido tema de
encontros e conferências internacionais que, de um lado reafirmam o direito desse grupo à
educação e, por outro, estabelecem metas e propostas para serem adotadas pelos países que
deles participam, como o Brasil12.

1.1.1 A educação nas prisões


A educação de pessoas adultas encarceradas, em âmbito internacional, é prevista no
documento “Regras mínimas para o tratamento de prisioneiros”, elaborado no 1º Congresso
das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinqüentes, realizado em
Genebra, em 1955, aprovado pelo Conselho Econômico e Social da ONU por meio da sua
resolução 663 C I (XXIV), de 31 de julho de 1957, e aditada pela resolução 2076 (LXII) de
13 de maio de 1977. No item 77, denominado “Educação e recreio”, afirma o documento:
1. Serão tomadas medidas para melhorar a educação de todos os presos em
condições de aproveitá-la, incluindo instrução religiosa nos países em que isso for
possível. A educação de analfabetos e presos jovens será obrigatória, prestando-
lhe a administração especial atenção. 2.Tanto quanto possível, a educação dos
presos estará integrada ao sistema educacional do país, para que depois da sua
libertação possam continuar, sem dificuldades, a sua educação. (ONU, 1955)
Ainda que possa ser interpretada como o reconhecimento do direito à educação para
as pessoas presas, a formulação coloca três entraves à efetivação do direito à educação

12
O direito educativo deste grupo foi reafirmado na I Conferência Internacional sobre Educação de Adultos –
Elsinore (Dinamarca, 1949); II Conferência Internacional sobre Educação de Adultos – Montreal (Canadá,
1960); Convenção relativa à luta contra as discriminações na esfera do ensino - adotada em 14 de dezembro
de 1960, pela Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura;
III Conferência Internacional sobre Educação de Adultos – Tóquio (Japão, 1972); IV Conferência
Internacional sobre Educação de Adultos – Paris (França, 1985); Declaração e o Plano de Ação de Educação
para Todos – Jomtien (Tailândia, 1990); Conferência Mundial de Direitos Humanos – Viena (Áustria, 1993);
Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial – Salamanca (Espanha

28
escolar nas prisões. O primeiro deles é não precisar que o direito está relacionado à
educação escolar formal, uma obrigação estatal, legitimando a confusão estabelecida entre
educação, ensino religioso e outras práticas de educação não-formal, geralmente realizadas
por organizações da sociedade civil e religiosas. Como apresentado no próximo capítulo, tal
situação está na gênese das prisões no Brasil e, de certa forma, mantém-se até hoje13.
O segundo entrave é anunciar a obrigatoriedade do Estado apenas em relação à
alfabetização. Por último, torna facultativa a integração da educação penitenciária ao
sistema regular de ensino. Esta parece ser uma profunda contradição, uma vez que o
objetivo formal das prisões, e de todas as atividades realizadas no seu interior, inclusive as
práticas educativas, é a reinserção ou reintegração social14. Tomando como verdadeira esta
proposta, qual é o sentido da oferta de escolarização que não seja reconhecida pelo sistema
formal de ensino?
Nesse sentido, a Declaração de Hamburgo, firmada ao final da 5ª Conferência
Internacional sobre Educação de Jovens e Adultos (Confintea V), realizada na Alemanha
em julho de 1997, avança quanto ao reconhecimento do direito à educação, formal e não-
formal, ao afirmar o direito à aprendizagem a todas as pessoas, destacando os grupos
historicamente excluídos, no item 11 Alfabetização de adultos: “A preocupação mais
urgente é estimular oportunidades de aprendizagem a todos, em particular, os
marginalizados e excluídos”.
No “Plano de Ação para o futuro”, aprovado neste encontro, a educação das pessoas
encarceradas é tratada de forma explícita no “Tema 8”, que no item 43 afirma a educação
como um direito universal que tem sido negado a muitos grupos, entre eles “os presos” e,
dando conseqüência a esta constatação, prevê, no item 47:

1994); V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos – Hamburgo (Alemanha, 1997); Cúpula
Mundial de Educação – Dakar (Senegal, 2000).
13
“Na Bolívia, em virtude da insuficiência dos investimentos públicos, grupos religiosos assumem os
programas educacionais e oficinas. Esta também é a situação em outros países da América Latina, como o
Brasil, onde grupos religiosos vêm desempenhando papel crescente (na educação nas prisões)”. Cf.:ICAE
Report, 2003, p. 120. Tradução da autora.
14
Cf.: Fiore (2003); Português (2001), Onofre (2002); Resende (2002); Leme (2002), Julião (2003), Leite
(1997), Falconi (1996), entre outros.

29
Reconhecer o direito de todas as pessoas encarceradas à aprendizagem:
a) proporcionando a todos os presos informação sobre os diferentes níveis de
ensino e formação, e permitindo-lhes acesso aos mesmos; b) elaborando e
implementando nas prisões programas de educação geral com a participação dos
presos, a fim de responder a suas necessidades e aspirações em matéria de
aprendizagem; c) facilitando que organizações não-governamentais, professores e
outros responsáveis por atividades educativas trabalhem nas prisões,
possibilitando assim o acesso das pessoas encarceradas aos estabelecimentos
docentes e fomentando iniciativas para conectar os cursos oferecidos na prisão
aos realizados fora dela. (Declaração de Hamburgo, 1997, tema 8, item 47)

1.2 A ausência de reclamações


Apesar do reconhecimento formal do direito universal à educação, não há registros
de que o Sistema de proteção internacional de direitos humanos – seja por meio das
instâncias das Organizações das Nações Unidas (ONU), ou daquelas vinculadas à
Organização dos Estados Americanos (OEA) tenha sido acionado por organizações
brasileiras com denúncias de violações aos direitos educativos de nenhum grupo.
Não há informações sobre pesquisas ou estudos acerca da ausência de casos
brasileiros nas instâncias internacionais de proteção dos direitos humanos (de educação, no
caso). É possível, no entanto, elencar algumas hipóteses, como a reduzida procura do
sistema de Justiça, mesmo em âmbito nacional, para a exigência dos direitos sociais; o
desconhecimento do funcionamento dessas instâncias e, até mesmo a inadequação de suas
regras em relação às especificidades da educação.
No caso do Sistema Interamericano, por exemplo, a exigência, para apreciação dos
casos de violação, em que tenham sido esgotadas todas as possibilidades internas,
inviabiliza, ou desestimula, a procura por sua intermediação. Tendo em vista a morosidade
do Sistema Judiciário brasileiro, e o fato de as instâncias internacionais atuarem sobre
violações praticadas contra indivíduos, mesmo no caso de direitos coletivos como a
Educação, fazem com que a reivindicação, na maioria das vezes, perca seu sentido até o
final da tramitação interna15.

15
Pesquisa realizada pela ONG Ação Educativa sobre as ações civis públicas relacionadas a demandas por
educação na cidade de São Paulo entre 1996 e 2004, revela que alguns processos que reivindicavam vagas na
Educação Infantil levaram até 64 meses para obter a decisão final. (Graciano, M., Marinho, C., Oliveira, F.,
2005).

30
Neste caso, parece um equívoco dos sistemas de Justiça utilizarem os mesmos
processos de julgamento de violações a direitos civis e políticos para os direitos
econômicos sociais e culturais, pois mesmo considerando a indivisibilidade dos direitos
humanos, é preciso reconhecer as especificidades de cada um desses grupos, sobretudo em
relação às condições necessárias para sua efetivação.
Nesse sentido, afirma Lopes (2001):
Nós somos treinados a falar simplesmente e a pensar na justiça comutativa ou na
justiça da retribuição, ou seja, a justiça dos contratos de um lado e a justiça das
penas do outro lado, são dois lados exatamente da mesma idéia de justiça que é a
de retribuição, comutação, troca. (...) Ora, os direitos sociais têm um objeto
diferente, têm uma lógica diferente: o bem é coletivo e a lógica é a lógica da
justiça distributiva. (Lopes, op. cit., p. 94)

2. A educação de jovens e adultos nas normas nacionais


A educação escolar de jovens e adultos no Brasil compreende ações de
alfabetização, cursos e exames supletivos nas etapas de Ensino Fundamental e Médio, bem
como processos de educação a distância realizados via rádio, televisão ou materiais
impressos.
Em âmbito nacional, os direitos educativos das pessoas jovens e adultas estão
assegurados em lei desde a Constituição de 1824, cujo texto, de acordo com Beisiegel
(1974), expressava a contradição vivida pelas elites – dominantes e governantes –, do período:
... mediante a subordinação dos direitos de igualdade às imposições do direito de
propriedade, o liberalismo, no Brasil, nestes primeiros tempos, realizaria a difícil
conciliação entre os ideais de igualdade e a base escrava da economia colonial. A
escravidão daria testemunho mais agudo das limitações das teses liberais no Brasil e
explicaria muitas das suas peculiaridades. (Beisiegel, 1974, p.38)
A determinação legal de “gratuidade do ensino primário a todos os cidadãos” estava
ancorada à definição de cidadania:
... não se consideravam na terminologia adotada cidadãos ativos os criados de servir,
os jornaleiros, os caixeiros das casas comerciais, enfim qualquer cidadão comum com
rendimentos líquidos anuais inferiores ao valor de cento e cinquenta alqueires de
farinha de mandioca. Numa palavra, toda a população trabalhadora do país, os
escravos naturalmente incluídos”16. É assim que “garantia-se instrução primária
gratuita a todos os cidadãos, mas a grande maioria da população permaneceria inculta
por muito tempo ainda” (Ibidem, p. 43 ).
Na República, a educação de jovens e adultos continuou prevista nas constituições
nacionais, sendo justificada pela necessidade de formação de uma população apta à nova ordem
social que se queria desenhar.

31
A escolaridade obrigatória associava-se coerentemente às demais reivindicações da
época: era condição de formação de uma consciência popular esclarecida, era meio de
valorização do trabalho livre, estava na raiz do processo de emancipação da mulher e,
sobretudo, era condição básica de realização do progresso. (Beisiegel, 1974, p. 55).
Na Constituição de 1988, este direito está previsto no Capítulo III, Seção I - Da
Educação, artigo 208, inciso I, que garante a provisão pública de “Ensino Fundamental
obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta para todos os que a ele não tiveram
acesso na idade própria”.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que regulamenta os
dispositivos constitucionais referentes à educação, contempla a escolarização básica desse
segmento na Seção V do Capítulo II, Educação Básica, que determina aos sistemas de
ensino assegurar cursos e exames que proporcionem oportunidades educacionais
apropriadas aos interesses, condições de vida e trabalho dos jovens e adultos. Estipula ainda
que o acesso e a permanência dos trabalhadores na escola sejam viabilizados e estimulados
por ações integradas dos poderes públicos.
Ainda sobre a educação de jovens e adultos, em 2000 o Conselho Nacional de
Educação aprovou o Parecer 11 e a Resolução 1, que fixaram Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, regulamentando alguns aspectos da LDB.
A Resolução delimitou a idade mínima para ingresso na educação de jovens e adultos aos
14 anos para a etapa Fundamental do ensino, e 17 para o Ensino Médio.
A Lei 10.172/2001 do Plano Nacional de Educação (PNE), definiu 26 metas
prioritárias para o decênio 2001-2011, entre elas: alfabetizar em cinco anos dois terços da
população analfabeta, de forma a superar o analfabetismo em uma década; assegurar, em
cinco anos, a oferta do primeiro segmento do Ensino Fundamental para 50% da população
com mais de 15 anos que não tenha atingido este nível de escolaridade; atender no segundo
segmento do Ensino Fundamental toda a população com mais de 15 anos que tenha
concluído a etapa precedente; dobrar em cinco anos, e quadruplicar em dez anos, o
atendimento de jovens e adultos no Ensino Médio.
Não há, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, nenhuma referência específica à
promoção da educação na prisão, mas é interessante notar que a mesma lei, no § 2º, Artigo
37, Seção V, capítulo II, determina a integração dos poderes públicos para assegurar acesso

16
Caio Prado Jr. Evolução política do Brasil e outros estudos – pp 49-54, apud Beisiegel, 1974, p.43

32
e permanência dos “trabalhadores na escola”, formulação que sugere a condicionalidade do
exercício do direito à educação a atividades produtivas, ou ao mercado de trabalho.
No Plano Nacional de Educação, o tema é citado como a 17ª meta a ser realizada no
período de 10 anos:
Implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam
adolescentes e jovens infratores, programas de educação de jovens e adultos de
nível fundamental e médio, assim como de formação profissional, contemplando
para esta clientela as metas nº 5 (financiamento pelo MEC de material didático-
pedagógico) e nº 14 (oferta de programas de educação à distância). (PNE, 2001)
Note-se que o Plano Nacional de Educação data de 2001 e, apenas em março de
2005, o Ministério da Educação anunciou que participará, em parceria com o Ministério da
Justiça e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, da definição de
projeto educativo destinado às populações carcerárias (Leitão, 2005).
De maneira mais precisa, do ponto de vista formal, a educação nas prisões é
assegurada na Lei nº 7.210 (11/7/1984), denominada Lei de Execução Penal, Capítulo II,
intitulado “Da Assistência”, Seção V, artigos 17 a 21, que determina:
A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação
profissional do preso e do internado; o ensino de 1º grau será obrigatório,
integrando-se no sistema escolar da Unidade Federativa; o ensino profissional
será ministrado em nível de iniciação ou de aperfeiçoamento técnico; a mulher
condenada terá ensino profissional adequado à sua condição; as atividades
educacionais podem ser objeto de convênio com entidades públicas ou
particulares, que instalem escolas ou ofereçam cursos especializados; em
atendimento às condições locais, dotar-se-á cada estabelecimento de uma
biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros
instrutivos, recreativos e didáticos. (LEP, 1984, artigos 17 a 21)
Conforme o artigo exposto, a Lei de Execução Penal restringe a obrigação do
Estado em ofertar apenas o Ensino Fundamental e também expõe a possibilidade da
transferência das responsabilidades estatais para organizações privadas. No entanto, o
aspecto mais restritivo, no que se refere à promoção da escolarização dos prisioneiros, é a
desvalorização das atividades de educação formal em relação às atividades consideradas
trabalho. Para este segundo grupo, é concedida a remissão na proporção de um dia a menos
na pena para cada três dias de trabalho.
A diferença estabelecida entre educação e trabalho, mais do que não incentivar a
procura por escolarização, reforça o senso comum de que as atividades educativas nas
prisões constituem-se como privilégios concedidos aos prisioneiros. De acordo com Maria
da Penha Risola, diretora da Penitenciária Feminina da Capital, este é um dos argumentos

33
mais utilizados por algumas funcionárias para justificar sua “má vontade” em relação ao
funcionamento da escola da unidade.
Exemplar, nesse sentido, foi a argumentação utilizada por um juiz do município de
Campinas, Estado de São Paulo, ao conceder a remissão de 25 dias na pena total de um
prisioneiro, em 2000. Depois de citar a definição17 de trabalho encontrada no “Dicionário
Aurélio”, afirma o juiz:
De plano, força é convir que o estudo, como atividade de caráter intelectual que
se destina ao aprimoramento artístico e intelectual guarda nítida semelhança
como trabalho propriamente dito, mormente estando ambas as atividades visando
atingir os objetivos da Lei de Execução Penal, qual seja: o sentido imanente da
reinserção social, o qual deve compreender a assistência e a ajuda efetivas – na
obtenção dos meios capazes de permitir o retorno do condenado ao meio social
em condições favoráveis para a mais plena integração. (Juízes pela Democracia,
2000, p.11)
Por fim, Sena (2004, p.13), em estudo realizado para a Consultoria Legislativa da
Câmara Federal de Deputados, citando pesquisa realizada em 1997 pelo Ministério da
Justiça, por solicitação da comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, sobre a
“situação da educação nos estabelecimentos penais”, ao analisar as leis nacionais e
internacionais que asseguram direitos educativos às pessoas presas, aponta a omissão do
MEC afirmando que o tema esteve ausente no documento preliminar que deu origem ao
Plano Nacional de Educação, tendo sido introduzido posteriormente por “sugestão” do
Ministério da Justiça de utilização da educação a distância no atendimento ao grupo.
Apesar da inserção do tema, o autor afirma que a Secretaria de Educação a
Distância não se envolveu nos debates. Da mesma forma, destaca que os documentos
oficiais brasileiros no âmbito da V Conferência Internacional sobre Educação de Adultos
(Confintea V), não fazem qualquer referência à educação penitenciária. “A verdade é que a
educação dos presos não tem sido um tema prioritário”, afirma Sena (op.cit., p. 15).

17
Trabalho – s.m: Aplicação das forças e faculdades humanas para alcançar um determinado fim. Atividade
coordenada, de caráter físico e/ou intelectual, necessária à realização de qualquer tarefa, serviço ou
empreendimento. Atividade que se destina ao aprimoramento físico, artístico, intelectual, etc. Tarefa,
obrigação, responsabilidade. Cf Holanda, 1975, p. 1.393

34
Mais do que não ser um tema prioritário, a educação de jovens e adultos presos
demonstra o desafio da concretização da noção contemporânea de direitos humanos. Como
apresentado a seguir, sempre com base na temática da educação, nem mesmo os planos de
direitos humanos, formulados por diferentes esferas da Federação, conseguiram expressar,
ainda que apenas formalmente, a universalidade dos direitos educativos e sua
indivisibilidade e interdependência em relação aos demais direitos, objetivando assegurar a
dignidade humana.

3. O direito humano à educação nos programas de direitos humanos


3.1 Programa Nacional de Direitos Humanos
Em 1996, o Governo Federal, cumprindo determinação da Conferência Mundial de
Direitos Humanos, realizada em Viena (1993), lançou o Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH-I).
Na Introdução da primeira edição do Programa, o Governo Federal admite a
indivisibilidade dos direitos humanos, mas antecipa que, para tornar o plano “exeqüível”,
optou por definir “objetivos precisos”, e então anuncia: “Assim, sem abdicar de uma
compreensão integral e indissociável dos direitos humanos, o Programa atribui maior
ênfase aos direitos civis, ou seja, os que ferem mais diretamente a integridade física e o
espaço de cidadania de cada um”(PNDH – I, 1996, p. 4)
O termo exeqüível na Introdução está relacionado ao financiamento dos direitos.
Sobre isso, Piovesan (2002) contesta a argumentação da escassez de recursos como
justificativa para a não-efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais:
A título de exemplo, cabe indagar qual o custo do aparato de segurança, mediante
o qual se assegura direitos civis clássicos, como os direitos à liberdade e à
propriedade, ou ainda qual o custo do aparato eleitoral, que viabiliza direitos
políticos, ou, do aparato de justiça, que garante o direito do acesso ao Judiciário.
Isto é, os direitos civis e políticos não se restringem a demandas a mera omissão
estatal, já que sua implementação requer políticas públicas direcionadas, que
contemplam também um custo. (Piovesan, op. cit., p. 106)
O texto do Governo Federal admite que a sociedade brasileira é injusta, com
“graves desigualdades de renda”, e que a “promoção dos direitos humanos tornar-se-á mais
factível se o equacionamento dos problemas estruturais (...) for objeto de políticas
governamentais”, sem identificar, porém, a situação descrita, como de violação aos direitos
humanos.

35
Na seqüência, depois de apontar a responsabilidade do Estado na implementação de
políticas públicas, o texto justifica o fato desta primeira edição do Programa contemplar
apenas os direitos civis e políticos, por eles serem a condição para que a sociedade civil
possa exigir os demais direitos:
Mas, para que a população possa assumir que os direitos humanos são direitos de
todos, e as entidades da sociedade civil possam lutar por esses direitos e
organizar-se para atuar em parceria com o Estado, é fundamental que seus
direitos civis elementares sejam garantidos e, especialmente, que a Justiça seja
uma instituição garantidora para qualquer um” (PNDH - I, 1996, p. 5).
Em diversos momentos, o texto afirma a necessidade da participação da sociedade
civil na implementação do PNDH:
O Programa contempla, igualmente, iniciativas que fortalecem a atuação das
organizações da sociedade civil, para a criação e consolidação de uma cultura de
direitos humanos. Nada melhor para atingir esse objetivo do que atribuir a essas
organizações uma responsabilidade clara na promoção dos direitos humanos,
especialmente nas iniciativas voltadas para a educação e a formação da cidadania.
(Ibidem, p.5)
Destaca-se que o texto atribui à sociedade civil o papel de “promotora” dos direitos
humanos, quando, como já visto neste trabalho, na concepção contemporânea de direitos
humanos, expressa nas normas internacionais, incorporadas pela legislação brasileira, esta é
uma prerrogativa do Estado, por meio da efetivação de políticas públicas.
Ao final de sua Introdução, o documento resgata o processo de construção do
Programa, elaborado com base nos seminários regionais em São Paulo, Rio de Janeiro,
Recife, Belém, Porto Alegre e Natal, com 334 participantes, pertencentes a 210 entidades.
Também informa que foram feitas consultas por telefone e fax a centros de direitos
humanos e personalidades e, finalmente, o texto foi apresentado na I Conferência Nacional
de Direitos Humanos, organizada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal,
em abril de 1996, com a participação de centenas de representantes de organizações da
sociedade civil de todo o País. “Neste processo de elaboração foi colocada em prática a
parceria entre o Estado e as organizações da sociedade civil. Na execução concreta do
Programa, a mesma parceria será intensificada”, conclui o documento.

3.1.1 A educação no PNDH


Neste Programa, a Educação era citada entre as “Propostas de Ações
Governamentais” de três diferentes maneiras.

36
A primeira delas diz respeito à educação como meio de capacitação dos
profissionais da área da segurança e lideranças populares, no item Conscientização e
mobilização pelos direitos humanos. Educação e Cidadania. Bases para uma cultura
de Direitos Humanos, entre as ações de Curto prazo:
Apoiar programas de informação, educação e treinamento de direitos humanos
para profissionais de direito, policiais, agentes penitenciários e lideranças
sindicais, associativas e comunitárias, para aumentar a capacidade de proteção e
promoção dos direitos humanos na sociedade brasileira. (PNDH – I, 1996, p. 13-
14).
A segunda, como instrumento de formação da sociedade em geral, no item
Produção e distribuição de informações e conhecimento. Educação e Cidadania. Bases
para uma cultura de Direitos Humanos, entre as ações de Curto prazo:
Criar e fortalecer programas de educação para o respeito aos direitos humanos
nas escolas de primeiro, segundo e terceiro grau, através do sistema de ‟temas
transversais‟ nas disciplinas curriculares, atualmente adotado pelo Ministério da
Educação e do Desporto, e através da criação de uma disciplina sobre direitos
humanos. (Ibidem, p. 13).
Por fim, no item Penas privativas de liberdade, entre as ações de Médio prazo, a
educação aparece como meio de ressocialização da população encarcerada: “Promover
programas de educação, treinamento profissional e trabalho para facilitar a reeducação e
recuperação do preso”(Ibidem, p. 11).
Note-se que a educação não aparece uma única vez como um direito humano, mas
sempre como um instrumento, ora de capacitação profissional em direitos humanos, outras
de formação para os direitos humanos, ou ainda para a “modificação” das pessoas presas.
Em 2002, o Governo Federal lançou a segunda edição do Programa Nacional de
Direitos Humanos (PNDH-II), contendo elementos de “revisão” e “atualização” em relação
à primeira versão. A principal delas foi a introdução dos direitos econômicos, sociais e
culturais, enunciados e detalhados em atividades a serem avaliadas anualmente. As
alterações, segundo a Introdução, foram feitas por reivindicação da sociedade civil.
O processo de revisão do PNDH constitui um novo marco na promoção e
proteção dos direitos humanos no País, ao elevar os direitos econômicos, sociais e
culturais ao mesmo patamar de importância dos direitos civis e políticos,
atendendo a reivindicação formulada pela sociedade civil por ocasião da IV
Conferência Nacional de Direitos Humanos, realizada em maio de 1999, na
Câmara dos Deputados, em Brasília. (PNDH – II, 2002, Introdução).
O PNDH-II incorporou ações específicas no campo da garantia do direito à
educação, à saúde, à previdência e assistência social, ao trabalho, à moradia, a um meio

37
ambiente saudável, à alimentação, à cultura e ao lazer. Também foram alterados os
mecanismos de monitoramento das ações:
Atendendo a anseios da sociedade civil, foram estabelecidas novas formas de
acompanhamento e monitoramento das ações contempladas no PNDH, baseadas
na relação estratégica entre a implementação do programa e a elaboração dos
orçamentos em nível federal, estadual e municipal. (Ibidem, Introdução).
Especificamente sobre a educação, o PNDH-II reafirma o texto constitucional e
aponta ações para a universalização do acesso ao ensino público e também para a melhoria
de sua qualidade. Também permaneceram, ou foram ampliadas, ações de educação como
meio de capacitação e formação.

3.2 Programa Estadual de Direitos Humanos do Estado de São Paulo


O Plano Nacional de Direitos Humanos determinou a elaboração de Planos
Estaduais e Municipais de Direitos Humanos, com o objetivo de “implementar nos Estados
as propostas de ações governamentais incluídas no PNDH, mas também propor novas
medidas para proteção dos direitos humanos que contemplem as características específicas
de cada Estado”, conforme afirmado no Prefácio do Programa Estadual de Direitos
Humanos do Estado de São Paulo (PEDH-SP, 1997). De acordo com este documento, a
decisão de elaborar planos estaduais foi tomada pelos secretários estaduais de Justiça, em
maio de 1997, durante o 2º Fórum Nacional de Secretários de Estado da Justiça, em
reconhecimento “à importância dos governos estaduais na implementação do PNDH”.
Ainda de acordo com o prefácio do PEDH-SP, São Paulo foi o primeiro Estado a
elaborar seu programa de Direitos Humanos, conferindo “status de política pública aos
direitos humanos e comprometendo-se a formular e implementar um programa de ação
para proteger e promover os direitos humanos”.
Como o PNDH, o programa paulista afirma e reafirma o estabelecimento de
parcerias com a sociedade civil, tanto na elaboração quanto na implementação e
monitoramento das ações previstas. O PEDH-SP foi elaborado com base nas propostas
formuladas durante o 1º Fórum Estadual de Minorias (1997), organizado pela Secretaria da
Justiça e da Defesa da Cidadania e pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da
Pessoa Humana, e nos encontros setoriais e seminários regionais, organizados pelo Núcleo
de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. No total, participaram deste
processo 461 organizações da sociedade civil, envolvendo aproximadamente 1.140 pessoas,

38
e a versão produzida foi discutida e re-elaborada na 1ª Conferência Estadual de Direitos
Humanos, realizada em junho de 1997, com a participação de 142 organizações,
governamentais e da sociedade civil, num total de 309 pessoas.
Quanto ao monitoramento das ações estabelecidas, o documento afirma que foi
definido em “decreto do governador Mario Covas (15/9/997)” como atribuição do Estado e
da sociedade civil, “em conjunto”.
Também como o PNDH, o programa paulista afirma a indivisibilidade dos direitos
humanos, reconhece a extrema desigualdade de renda verificada na sociedade brasileira,
admite que “é impossível promover os direitos humanos sem que os problemas estruturais
do desemprego, do acesso à terra, da educação, da saúde e do meio ambiente sejam objeto
de políticas e programas governamentais sejam superados”. No entanto, exatamente como a
versão federal, sobrepõe os direitos individuais aos coletivos, ao afirmar que “para que a
população possa assumir que os direitos humanos são direitos de todos e as entidades da
sociedade civil possam lutar por esses direitos e atuar em parceria com o Estado, é
fundamental que seus direitos civis e políticos sejam garantidos”.
O programa é estruturado em três capítulos. O primeiro, intitulado Construção da
democracia e promoção dos direitos humanos; o segundo, Direitos econômicos, sociais,
culturais e ambientais, no qual há um item dedicado à “Educação”; e por último, o
capítulo Direitos civis e políticos.
O item “Educação” contém sete ações, que incluem a “melhoria do ensino público”
por meio da valorização dos profissionais da educação; fortalecimento dos mecanismos de
participação de pais e alunos na gestão escolar e programas de monitoramento e eliminação
da evasão escolar.
Especificamente sobre o direito de acesso à educação, há dois itens; o primeiro
estabelece:
Garantir o acesso, o reingresso, a permanência e o sucesso de todas as crianças e
adolescentes (destaque da autora) nos ensinos Fundamental e Médio, por meio de
ações como a implementação de classes de aceleração, a recuperação paralela e
outras medidas, entre as quais a concessão de incentivo às famílias carentes que
mantiverem seus filhos na escola. (PEDH-SP, 1997, item “Educação”)
A segunda indicação sobre o tema diz, simplesmente “promover cursos de
alfabetização de jovens e adultos”.

39
A formulação de tais proposições contraria o fundamento básico do conceito de
direitos humanos, que é a universalidade da garantia do direito em questão, no caso, a
educação. Note-se que o acesso ao Ensino Fundamental e médio é previsto como direito,
garantido e até estimulado pelo poder público, apenas para crianças e adolescentes. Aos
jovens e adultos cabe apenas a promoção de cursos de alfabetização.
Neste caso, a própria redação estabelece diferentes compromissos do poder público
com a efetivação da proposta. Para crianças e adolescentes pretende-se “garantir o acesso,
reingresso, permanência e sucesso” no sistema educacional; a jovens e adultos o Estado
compromete-se apenas a “promover” cursos de alfabetização. Não são mencionados nem a
garantia de cursos de alfabetização a todas as pessoas adultas analfabetas, absolutas ou
funcionais, tampouco a garantia de acesso ao ensino regular Fundamental ou Médio.
Estas diferentes formulações não são apenas uma questão semântica ou mesmo de
concepção do conceito de direitos humanos, mas dificultam inclusive o monitoramento e a
possível contestação judicial na ausência de ações dirigidas à escolarização de jovens e
adultos, pois a “promoção de cursos” é uma proposição bastante vaga e difusa, que pode
significar iniciativas pontuais e localizadas, em detrimento de políticas universais.
No programa estadual, a educação é citada também entre as ações estabelecidas no
capítulo dedicado aos Direitos civis e políticos. Assim como na proposta nacional, é
apresentada como forma de preparar, capacitar lideranças comunitárias para a defesa dos
direitos humanos; profissionais da área de segurança para atuarem no gerenciamento de
crises e negociação de conflitos coletivos, assim como para a atuação de policiais.
Há também, neste capítulo, um conjunto de ações que visam à oferta de
oportunidades educacionais para grupos populacionais específicos, como a população
encarcerada, para a qual está prevista a criação de Escola Estadual Penitenciária (item 164);
... a facilitação do acesso à educação, ao esporte e à cultura, fortalecendo projetos
como Educação Básica, Educação pela Informática, Telecurso 2000, Teatro nas
Prisões e Oficinas Culturais, privilegiando parcerias com organizações não
governamentais e universidades (PEDH-SP, 1997, item 169)
Além de prever a promoção de programas de capacitação técnico-profissionalizante,
que possibilitem sua “re-inserção profissional nas áreas urbanas e rurais, privilegiando
parcerias com organizações não governamentais e universidades”.

40
Nas ações educativas relacionadas acima, verifica-se a insistência na proposição de
parcerias para sua implementação, proposição que será amplamente retomada no capítulo
que discorre sobre a educação penitenciária no Estado de São Paulo.
Mantém-se a tendência verificada no Plano Nacional de vincular a educação a
processos de ressocialização, com vistas à capacitação profissional, mas também há a
previsão de iniciativas à escolarização básica que, embora não esteja explícita no
documento, poderia ser interpretada como a concretização de um direito, e não mecanismo
de re-inserção social.
Programas de capacitação técnico-profissional também são previstos para
adolescentes e jovens de 7 a 14 anos “prioritariamente para aqueles em situação de risco
social” (item 191). Para este grupo, no campo educacional, há ainda duas referências às
medidas sócioeducativas; a primeira prevê a articulação entre os poderes Executivo,
Judiciário e Ministério Público, para “aperfeiçoamento do sistema” de sua aplicação (item
198); e, a segunda, afirma a priorização de programas que privilegiem as medidas
sócioeducativas não privativas de liberdade para adolescentes autores de ato infracional
(199). Chama a atenção a inexistência de qualquer alusão a ações de caráter educacional
desenvolvidas no interior da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), o que
pode significar que os adolescentes em situação de privação de liberdade não estão
incluídos no universo de “todos adolescentes” que têm garantido o “acesso, reingresso,
permanência e sucesso” no Ensino Fundamental e Médio, conforme descrito no item 41 do
PEDH-SP, que trata da educação como um dos direitos econômicos, sociais e culturais.
O Plano determina, para os povos indígenas, a “garantia de educação escola
diferenciada, respeitando seu universo cultural” (item 233). Para as pessoas idosas está
previsto, no item 251, o desenvolvimento de programas de “escolarização e atividades
laborativas” e, finalmente, para as pessoas “portadoras de deficiência”, o item 277 estipula
que sejam “asseguradas oportunidades de educação em ambientes inclusivos”.

3.3 Plano de Direitos Humanos da cidade de São Paulo


Publicado em junho de 1998, o Plano de Direitos Humanos da cidade de São Paulo
(PDHCSP) foi elaborado sob a coordenação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara
Municipal. Sobre a indivisibilidade dos direitos humanos, ao contrário das outras versões

41
aqui citadas, que defendem a concretização dos direitos individuais como condição para a
conquista dos coletivos, este documento pressupõe os direitos econômicos, sociais e
culturais como condição para assegurar os civis e políticos. “É impossível a realização dos
direitos civis e políticos sem o acesso aos direitos econômicos, sociais e culturais”
(PDHCSP, 1998, Introdução).
No mesmo sentido, embora também valorize a participação da sociedade civil,
estabelece as diferenças entre suas responsabilidades e as do Estado:
... cabe ao Estado, inclusive no âmbito municipal, a responsabilidade de
promover políticas públicas que garantam a inviolabilidade dos direitos humanos,
tanto os civis e políticos quanto os econômicos sociais e culturais (...) a sociedade
civil não pode abrir mão de participar da elaboração, acompanhamento e
fiscalização da execução das políticas públicas que viabilizam os direitos
humanos. (PDHCSP, 1998, Apresentação).
Especificamente sobre a participação da sociedade civil na elaboração do Plano
Municipal, a “Apresentação” informa que o documento foi fruto de “dezenas de audiências
públicas e reuniões, que envolveram entidades sociais, organizações não-governamentais e
grupos específicos”.
Com referência ao tema Educação, há uma primeira menção já na introdução, que
anuncia a própria existência do plano como um instrumento da educação para os direitos
humanos “a partir de sua divulgação, seminários, encontros e cursos de capacitação para
ativistas, populares, funcionários públicos e demais profissionais”.
Depois, no item que aborda os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, afirma-se a
necessidade de fortalecer iniciativas e mobilizações para, entre outros aspectos, “assegurar
o acesso universal aos serviços públicos – saúde, educação, saneamento e infraestrutura
urbana, habitação, transporte – bem como o controle social sobre sua eficiência e
qualidade”.
No item “Criança e Adolescente”, a primeira recomendação é que a “educação seja
a grande prioridade na garantia de direitos à criança e adolescente, funcionando como eixo
em relação aos demais direitos”. Entre as propostas, estão a implementação de políticas
sociais básicas “capazes de assegurar o acesso e permanência com eqüidade e qualidade aos
serviços de educação, saúde, cultura, esporte, lazer e formação profissional” e a garantia do
programa bolsa-escola.

42
Para as “Mulheres”, se propõe “programas especiais de educação e informação
sobre saúde sexual e reprodutiva, sobre AIDS e demais doenças sexualmente
transmissíveis”.
No item “Violência social e policial”, há a indicação para a formação de policiais
“de acordo com os princípios dos direitos humanos, de maneira sistemática e
continuamente”.
A educação é citada no item que relaciona propostas para a garantia dos direitos
humanos de “Gays, Lésbicas e Travestis” por meio da criação de “iniciativas políticas e
educacionais que efetivem programas de educação sexual especializados, no ensino básico
e outros, respeitando a livre orientação sexual”.
Para a “Terceira Idade”, é proposta a promoção e apoio “às iniciativas que visem
oferecer escolarização e atividades profissionais para pessoas idosas”.
Por fim, há referências sobre a educação no item “Prisioneiros e Prisioneiras”, por
meio das propostas de “garantir às pessoas presas cursos sobre direito penal e
procedimentos de execução penal” e a capacitação dos “funcionários do sistema prisional
em direitos humanos e relações de gênero”.
Embora este Plano Municipal afirme o direito universal à educação no item
“Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, ao relacionar propostas para grupos específicos
da população, apenas “Crianças e adolescentes” e “Terceira Idade” tiveram reafirmado seu
direito a políticas educacionais como direito humano.
Para os demais grupos, são previstas ações de formação em direitos humanos,
envolvendo os agentes do Estado que com eles se relacionam diretamente, e ações que
visam o acesso à informação, de maneira a ampliar as condições de exercer seus direitos.
Há ainda o caso do grupo “Portadores e Portadoras de Deficiência”, para o qual não
está prevista nenhuma ação de educação para, em ou como direito humano.
Mesmo reconhecendo, mais uma vez, que o Plano afirma a universalidade do direito
à educação, é preciso destacar que, ao reafirmar o direito à escolarização de crianças,
adolescentes e idosos – alfabetização –, o documento deixa a descoberto, sem precisar
ações específicas, os jovens e adultos que não tiveram acesso à escolarização na infância,
como a maioria das pessoas encarceradas, conforme exposto a seguir.

43
É particularmente interessante perceber o quanto a segmentação dos direitos tornou
ainda mais vulneráveis a juventude e as pessoas adultas não idosas – faixa etária entre os 15
e 59 anos. Se crianças e adolescentes tiveram seus direitos reafirmados no Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e as pessoas com mais de 60 anos no Estatuto do Idoso, os
jovens e adultos contam apenas com a Constituição Federal.
A análise dos Planos de Direitos Humanos das três esferas de governo demonstra
que a universalidade – princípio fundamental dos direitos humanos – do direito à educação
não teve centralidade na constituição desses documentos. Ainda que as três versões
reafirmem, em suas introduções, a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos,
ao especificar ações, a educação é tida como meio de formação para ou em direitos
humanos. Quando citada como um direito humano, refere-se aos grupos específicos aqui
mencionados.
A desigualdade de tratamento dispensada aos diferentes grupos é concretizada por
meio da formulação – ou não – de políticas públicas. No caso das pessoas encarceradas, as
ações de educação escolar a elas destinadas, no Estado de São Paulo, serão apresentadas
nos próximos capítulos, contribuindo para a verificação do reconhecimento efetivo, ou não,
desse grupo, como sujeito de direitos educativos. Antes, porém, será feita uma breve
apresentação da população penitenciária do Estado de São Paulo.

44
CAPÍTULO II

Um primeiro olhar sobre as mulheres encarceradas

“Nós somos uma sociedade estranha,


mas é uma sociedade”
V., 45 anos, aluna
do Ensino Médio

Esta pesquisa não tem entre seus objetivos o estudo da instituição prisão nem as
relações de gênero que marcam a organização dos presídios masculinos e femininos, ou
mesmo analisar o tratamento dispensado pela Justiça a homens e mulheres encarcerados.
No entanto, no intuito de alcançar condições mais satisfatórias de compreensão das
atividades educativas desenvolvidas no interior do sistema penitenciário paulista, bem
como sobre a percepção das alunas da escola da Penitenciária Feminina da Capital acerca
de seu direito à educação escolar, neste capítulo será apresentado um brevíssimo histórico
sobre as prisões de mulheres no Brasil, de maneira geral, e em São Paulo, de forma
particular.
O foco deste levantamento de informações foi norteado pela relação do Estado com
a sociedade civil, parceira historicamente chamada para realizar as ações relativas à
educação de jovens e adultos.
Em função da exigüidade de fontes bibliográficas sobre o tema, as informações
históricas aqui sistematizadas baseiam-se, sobretudo, nas obras de Soares e Ilgenfritz
(2003)18 e Mastrobuono (1999) para as referências nacionais; e em Salla (1999), além de
notícias da imprensa escrita e documentos oficiais no que se refere ao sistema carcerário
paulista de maneira geral, e à constituição da Penitenciária Feminina da Capital,
particularmente.

18
Esta obra apresenta, entre outras fontes, informações retiradas de documentos históricos disponíveis apenas
na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que serão utilizados neste trabalho com a devida citação
bibliográfica, tendo em vista sua relevância para a compreensão da formação das prisões femininas no Brasil.

45
Quanto à caracterização do perfil da população carcerária do Estado de São Paulo,
foram utilizados, principalmente, os resultados de pesquisas empreendidas pela Secretaria
de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo/ Fundação Professor Dr. Manoel
Pedro Pimentel (Funap). Tais levantamentos constituem-se as fontes mais recentes (2002) e
completas de informações sobre o tema, aliando dados estatísticos e abordagens qualitativas
sobre vários aspectos da vida deste grupo, inclusive as atividades educativas desenvolvidas
no interior das prisões.

1. Breve história da prisão de mulheres no Brasil


O início da história da prisão no Brasil está relacionado às medidas adotadas por
Portugal para sua colonização. Soares e Ilgenfritz (2003, p. 51-52) afirmam que, entre os
degredados enviados às colônias portuguesas, havia mulheres. O período de confinamento
variava conforme a gravidade dos crimes cometidos e era estabelecido pelas Ordenações
Filipinas que, desde o início do século XVI até meados do século XVII, ditaram as normas
punitivas adotadas na colônia, mesmo depois de serem abandonadas por Portugal.
No Livro V das Ordenações Filipinas, Título XXXII, item 06 e Título LV,
introdução: “Situação de degredo feminino para o Brasil”, há referências às mulheres
“degredadas para sempre, dependendo do grau” que eram as acusadas de serem “barregãs”
(amantes) de clérigos ou outras pessoas religiosas; as “alcoviteiras” e as que se “fingissem
de prenhas ou que atribuíssem parto alheio como seu”, conforme citado pelas autoras (p.52)
De acordo com Salla (1999, p.34), a legislação desse período caracterizava-se pela
brutalidade das penas – morte, açoite, mutilações, degredos, entre outras – e também pelo
fato de a distribuição e a aplicação serem orientadas segundo as condições sociais do
acusado. Para o autor, estas características permitiram aos colonizadores utilizar a prisão
como instrumento de ameaça e de exercício do poder arbitrário nas vilas e cidades.
No século XIX, há referências à presença de mulheres encarceradas no Relatório do
Conselho Penitenciário do Distrito Federal, de 1870, sendo que entre 1869 e 1870,
passaram pela prisão Calabouço, destinada aos escravos, 187 escravas. Soares e Ilgenfritz
(ibidem, p.72) destacam que são poucos os documentos sobre o tema e, do material
existente na Biblioteca Nacional e no Arquivo Público Nacional, grande parte está
referenciada à cidade do Rio de Janeiro.

46
Em São Paulo, na primeira metade do século XIX, de acordo com Salla (ibid.), há
referência da presença de mulheres presas nas mesmas instalações que as ocupadas por
homens. A situação é descrita nos relatórios elaborados por comissões instituídas pela Lei
Imperial de 1º de outubro de 1828, que, ao longo de 1829 e 1841, visitaram
estabelecimentos carcerários, descrevendo também a precariedade dos prédios, a
superlotação, a ausência de separação entre os detentos de acordo com suas faltas, o poder
arbitrário dos funcionários, entre outras características.
No início do século XX, a situação das mulheres encarceradas foi narrada nos
relatórios oficiais, sobretudo por meio dos estudos e projetos de Lemos Brito, advogado e
deputado que, em 1923, recebeu do Ministério da Justiça a incumbência de elaborar projeto
de reforma penitenciária. Na obra “As prisões no Brasil”, em que descreve prisões
brasileiras, classificando-as como “galés19 infectas”, afirma que as mulheres ficavam
“misturadas em geral com os criminosos de outro sexo e com os próprios escravos, não
demoravam a ser reduzidas à mais lamentável miséria física e moral”20.
Em 1924, depois de percorrer todas as prisões do País, o deputado apresentou um
projeto de reforma penitenciária no qual recomendava a construção de um “reformatório
especial (em pavilhão completamente isolado) não somente para as mulheres condenadas
há mais de três anos no Distrito Federal, mas às que forem remetidas pelos estados” (Soares
e Ilgenfritz,2003, p.53). Em 1928, em relatório enviado ao Conselho Penitenciário do
Distrito Federal21, referenciado nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e
Espírito Santo, além do Distrito Federal, a situação das mulheres presas é descrita com
“vergonhosa e meseranda”, e se propõe a criação de uma penitenciária agrícola para que
fossem “educadas na prática de trabalhos rurais e agrícolas próprios para as mulheres, como
a avicultura, a apicultura, a sericultura, a pequena lavoura e a jardinagem”. Na bibliografia
pesquisada, nota-se que é a primeira vez que se faz referência à educação na história das
prisões femininas; ainda que com claro direcionamento para o trabalho, tendência que
permanece até atualidade.

19
Galés: espécie de punição no qual se executavam trabalhos forçados executados com presos acorrentados
pelos pés. Comumente usada para escravos. (Soares e Ilgenfritz 2003, p. 73).
20
Lemos de Brito, apud Soares e Ilgenfritz 2003, p. 53
21
Almeida apud Soares e Ilgenfritz, 2003, p. 53 e 54

47
Nos relatórios oficiais, também chama a atenção os julgamentos morais que
permeiam a descrição da situação das mulheres presas. De um lado, havia a necessidade de
fazer uma distinção entre as presas comuns e as “vagabundas e as ébrias”22: “Havia um
juízo de moral subjacente no discurso dos que elaboravam esses relatórios, que os levava a
discriminar e proteger as presas comuns condenadas por infanticídio, aborto, furto etc...
diferenciando-as daquelas detidas pela polícia e enquadradas nas contravenções de
vadiagem e embriaguez”. (Soares e Ilgenfritz,2003, p. 54)
As autoras classificam este procedimento como “criminalização da prostituição”,
que se estendeu até a implantação da primeira penitenciária exclusivamente feminina do
Brasil, a Penitenciária de Mulheres de Bangu, em 1941, no Rio de Janeiro, como pode ser
observado nos boletins internos desse estabelecimento, que registram: “Profissão: meretriz;
presa por: vadiagem” (Ibidem, p. 54).
No mesmo sentido, Mastrobuono (1999) afirma que o primeiro ano de
funcionamento daquela penitenciária corresponde a uma ação repressiva à prostituição,
implementada pelo Estado Novo, em consonância com as diretrizes que resultaram no
Código Penal de 1940 (Ibidem, p. 272 e 273).
Além da necessidade de separar presas comuns das “vagabundas”, outro argumento
utilizado para a criação de uma penitenciária para mulheres eram os inconvenientes
causados, aos homens presos, pela proximidade das mulheres no mesmo estabelecimento.
“A ciência penitenciária tem sustentado sempre que as prisões de mulheres devem ser
inteiramente separadas das destinadas a homens. É que a presença das mulheres exacerba o
sentimento genésico dos sentenciados, aumentando-lhes o martírio da forçada abstinência”
(Lemos de Brito apud Soares e Ilgenfritz 2003, p. 57).
Para Lemos de Brito, as prisões para mulheres, devidamente isoladas dos homens,
deveria ter por objetivo “transformar essas „ninfomaníacas, com odor di femina, portadoras
de um fluido pecaminoso‟ em mulheres dóceis, obedientes às regras da prisão, assexuadas e
trabalhadeiras” (Ibidem, p. 57).

22
No “Novo Dicionário Aurélio” (Buarque de Holanda Ferreira, 1975), há uma significativa diferença entre o
feminino e o masculino do termo vagabunda/o. Para o masculino, é indicado como sinônimo de desocupado,
ocioso, vadio. No feminino, embora apareça a informação de tratar-se do “feminino de vagabundo”, há o
acréscimo da informação de tratar-se de uma gíria, sinônimo de “piranha”, exemplificado com o texto:
“pensará que sou vagabunda, que andei de homem em homem” (Carlos Heitor Cony. Matéria de Memória, p.
54). No caso das prisões no Brasil, o termo tem sido aplicado às prisioneiras nos dois sentidos.

48
1.1 A igreja católica e a educação das mulheres presas
É no contexto descrito acima que a administração da primeira penitenciária
exclusivamente feminina do Brasil foi compartilhada entre o Estado, por meio da
Penitenciária Central do Distrito Federal, e a Igreja Católica, representada pela
Congregação do Bom Pastor. Às religiosas cabia a responsabilidade pela administração
interna e pedagógica, o que incluía a educação, disciplina, trabalho, higiene e economia; e o
Estado deveria garantir os serviços de guarda, transporte, alimentação, roupa de cama e
lavanderia, assistência médica, farmacêutica e funerária, conforme Soares e Ilgenfritz (op.
cit., p.58).
Desde a década de 1920, há referências sobre a presença das religiosas na vigilância
das mulheres presas, por meio do Patronato das Presas, instituição benemérita criada em
1924 para auxiliar o Conselho Penitenciário, integrada por senhoras das famílias da elite
brasileira, e pelas religiosas da Congregação do Bom Pastor (Ibidem, p. 55). A novidade,
no caso da Penitenciária de Bangu, é que a participação das religiosas foi estabelecida
formalmente por meio de contrato que previa direitos e deveres para cada uma das partes, e
não mais apenas como obra filantrópica. O Estado, formalmente, transferia, por meio de
contrato, parte de sua responsabilidade à sociedade civil, situação que, no caso da
penitenciária feminina de São Paulo, perdurou até a década de 1970.
Embora não haja registro detalhado sobre quais atividades eram entendidas no item
“educação”, comentando o regulamento elaborado pelas religiosas, denominado Guia das
Internas, as autoras afirmam que as atividades propostas, bem como a maneira como eram
realizadas, colocavam às presas
dois caminhos para remirem as suas culpas, e ambos supunham que elas se
transformassem nas perfeitas mulheres piedosas, recatadas, discretas, dóceis e
pacíficas (...) Dedicadas às prendas domésticas de todo tipo (bordado, costura,
cozinha, cuidado da casa e dos filhos e marido), elas estariam aptas a retornar ao
convívio social e da família, ou, caso fossem solteiras, idosas ou sem vocação
para o casamento, estariam preparadas para a vida religiosa (Ibidem, p. 58).
Para Mastrobuono (op.cit.), a opção de entregar as atividades de reabilitação às
religiosas está relacionada à intenção de reabilitar a mulher e seus instintos “positivos”
(domésticos) e de conter e expurgar seus instintos “negativos” (sexuais), proposição
confirmada pela argumentação de Lemos Brito:

49
São as religiosas do Bom Pastor as mais indicadas para empreender a reeducação
das prisioneiras, tendo elas maior discernimento para saber, inclusive, orientá-las
em suas tendências positivas – a domesticidade (...). A tarefa da prisão feminina é
de natureza essencialmente diferente da do homem. Nesta, a vontade da
recuperação é referida a um espaço restrito da sociedade: o lar. Quer-se recuperar
a mãe e a esposa. (Lima, apud Mastrobuono1999, p. 273)
No “Guia das Internas” pode-se apreender quais os objetivos e os métodos que
orientavam as atividades educativas naquela instituição:
Das instruções de cultura e moral
... As instruções me ajudarão a aprofundar as verdades aprendidas no catecismo, a
corrigir-me de meus defeitos, a adquirir luzes, conhecimentos gerais, em questão
de civilidade, moral, economia doméstica, higiene, educação de todas as
potências de meu corpo e de minha alma (...)
Dos recreios e tempos livres
O prazer rebaixa, a alegria eleva. O prazer enfraquece, a alegria fortalece. (...) Os
recreios devem ser animados, alegres, mas de uma animação discreta e educada.
(...) Eis algumas regras de boa educação que devem ser cuidadosamente
observadas:
1. Não serão permitidos cantos e danças de macumba e outras semelhantes;
2. Pode-se cantar, mas não berrar; cantos que não sejam indecorosos;
3. Não se permitirão gritarias, vaias, assobios, gargalhadas espalhafatosas,
atitudes impróprias;
4. Mesmo brincando deverão ter um porte e palavras corretas e decentes;
5. Não deverão isolar-se duas a duas, pelos cantos, ou não tão afastadas que
torne difícil ver o que dizem e fazem;
6. Deverão atender prontamente o sinal para terminar o recreio e porem-se
logo em silêncio e em fila. (Soares e Ilgenfritz,2003, p.59)
A parceria entre o Estado e as irmãs da Congregação do Bom Pastor, no caso da
Penitenciária de Bangu, durou até 1955, com a avaliação de que sua administração foi
incapaz de garantir a disciplina interna: “foi reconhecidamente um período conturbado por
uma violência interna difusa (...) Relatórios do período se referem a “depredações”, “falta
de disciplina” e à retirada voluntária das Irmãs do Bom Pastor, devido à “indisciplina
violenta”. Sugere-se, pois, um descontrole das freiras sobre a massa carcerária” (Lima,
1983, p. 73, apud. Soares e Ilgenfritz, 2003, p. 62).

1.2 As mulheres presas em São Paulo


O primeiro presídio exclusivamente feminino em São Paulo foi criado pelo Decreto
nº 12.116, de 11 de agosto de 1941, e denominado “Presídio de Mulheres”, funcionando
desta data até 1973 em prédio anexo à Penitenciária do Estado de São Paulo, na zona Norte
da capital, tendo sua administração subordinada àquele estabelecimento. Sobre as
atividades educativas empreendidas na unidade, o decreto era bastante impreciso,

50
determinando em seu artigo 1º a contratação de uma professora de educação moral e cívica
e, em seu artigo 5º afirmando:
Os métodos educativos e de trabalho empregados na Secção serão os mesmo em
vigor na Penitenciária com as atenuações e modificações que forem
recomendáveis. Serão de preferência estabelecidas oficinas de costura, lavanderia
e engomagem de roupas, não somente destinadas a servir o estabelecimento como
a particulares e outras repartições oficiais. (Decreto n. 12.116/1941, artigo 5º)
Em 1940, a taxa de analfabetismo entre as mulheres brasileiras era de 67,21%
(IBGE, 2002, p. 15), e, embora não existam dados oficiais, em virtude do histórico perfil da
população carcerária, caracterizado pela baixa escolaridade (Funap, 2002b), pode-se
deduzir que a maioria entre as internas do Presídio de Mulheres era analfabeta. No entanto,
a única contratação prevista foi a de uma professora de educação moral e cívica, o que
indica que a alfabetização não estava entre as atividades educativas oficialmente
implementadas.
Em 4 de setembro de 1973, por meio do decreto nº 2.359, o Presídio Feminino teve
sua denominação alterada para Penitenciária Feminina da Capital e, dois meses depois, em
20 de novembro do mesmo ano, a unidade foi transferida para o prédio que ocupa até hoje,
na Avenida Zaki Narchi, que àquela época chamava-se Rua Carajás. O novo prédio foi
construído com capacidade para abrigar 128 mulheres, mas na data de sua inauguração,
contava com 58 detentas, que ocupavam quartos individuais com banheiros, inclusive com
chuveiros de água quente em cada um deles (Folha da Tarde, 20/11/1973; Folha de S.
Paulo, 5/9/1973 e 24/11/1973).
Embora não tenha sido encontrado nenhum decreto específico sobre o tema nos
arquivos das Secretarias Estaduais de Justiça – responsável pela administração do Sistema
Penitenciário Paulista até março de 1991 – e de Administração Penitenciária, depoimentos
de antigos funcionários da Penitenciária Feminina da Capital e textos da imprensa (Folha
de S. Paulo, 24/11/1973 e 2/5/1976; O Estado de São Paulo, 8/7/1979) revelam que desde a
sua fundação, ainda como Presídio de Mulheres, até outubro de 1977, a Penitenciária
Feminina da Capital foi administrada pelas freiras da Congregação do Bom Pastor, a
exemplo do que ocorreu no Rio de Janeiro.
Também não há registros oficiais sobre o tipo de atividade desenvolvida na unidade
durante a gestão das freiras, mas os depoimentos de antigos funcionários coincidem com os
artigos de jornais em alguns aspectos, como a inexistência de grades nas dependências

51
internas. De acordo com a atual diretora da Penitenciária Feminina da Capital, Maria da
Penha Risola Dias, funcionária da unidade desde o início da década de 1970, a colocação
de grades no prédio, imposta pelo Governo Estadual, teria motivado a saída das freiras da
administração. Maria da Penha afirma que, a partir de meados da década de 1970, houve
alteração significativa no perfil das presas, o que teria ocasionado várias situações de
violência entre as internas e também dessas em relação às funcionárias e freiras. No
entanto, as irmãs afirmavam que a colocação de grades contrariava sua concepção cristã
acerca do tratamento que deveria ser dispensado às internas.
Não foram localizados documentos que comprovem esta tensão entre concepções,
mas os dados indicam intensa elevação no número de presas neste período. Entre 1973 e
197923, portanto em seis anos, a população da Penitenciária Feminina da Capital aumentou
em mais de 100%, passando de 58 para 128 mulheres (O Estado de São Paulo, 8/7/1979).
Em agosto de 1977, o Governo do Estado promulgou o Decreto n.º 10.065, que estabelecia
a reorganização da Penitenciária Feminina da Capital e, no seu artigo 4º afirmava:
A Secretaria da Justiça poderá firmar convênio com Instituição Religiosa ou
contratar religiosos para atuarem junto à direção da Penitenciária Feminina da
Capital, na assistência religiosa e na orientação das atividades de reabilitação
social das sentenciadas, principalmente àquelas atribuídas às Seções de Educação
e Produção. (Decreto 10.065/1977, artigo 4º)
Novamente, neste documento, observa-se a associação entre educação e trabalho,
sem que seja especificado o tipo de atendimento oferecido. Também destaca-se a pretensão
do Governo do Estado de não assumir a responsabilidade sobre a as atividades educacionais
na prisão, sugerindo que esta dimensão poderia ser realizada pela sociedade civil, aqui
representada pelas religiosas.
Para finalizar as informações referentes à presença das freiras na Penitenciária
Feminina da Capital, destaca-se que a herança de quatro décadas de administração religiosa
pode ser observada na arquitetura do prédio, constituída por várias construções, pintadas de
cor-de-rosa com detalhes em azul, que ladeiam uma alameda extremamente limpa onde, na
entrada, à direita, encontra-se um pequeno altar com a imagem da Virgem Maria. À
esquerda ficam os prédios da cozinha, ambulatório, berçário, capela, oficinas de trabalho,
entre outros. Do lado direito, estão os pavilhões onde localizam-se as celas e a escola.

23
O aumento no número de presas e a colocação de grades na Penitenciária Feminina coincidem com o
período de intensa repressão promovida pela Ditadura Militar, o que pode indicar que parte das novas detentas
fossem presas políticas. Este é um tema a ser investigado em pesquisas futuras.

52
A capela atualmente é denominada ecumênica e também é utilizada para eventos
culturais produzidos pelas internas, ou apresentações externas. Não há informações
específicas sobre a religião praticada pelas internas da Penitenciária Feminina da Capital,
mas, de acordo com o Censo Penitenciário (Funap, 2002b, slide 21), entre a população
carcerária feminina do Estado de São Paulo, ainda predomina o catolicismo – 45%, sendo
que as mulheres que se declaram praticantes de religiões evangélicas, o segundo maior
público, são 29%.
No entanto, verifica-se redução do número de católicas após a prisão, e justamente o
inverso entre as evangélicas, o que demonstra um processo de conversão às religiões
evangélicas no interior do sistema – 52% afirmavam ser católicas antes da prisão e 25%
eram evangélicas. Entre as espíritas kardecista não há variação – 4% antes e depois da
prisão. Há redução no número de mulheres que dizem não acreditar em Deus – 3% antes da
prisão e 1% depois. Entre as religiões afro-brasileiras, ninguém se declarou praticante da
umbanda antes ou depois da prisão e, em relação ao candomblé, 1% afirma sua prática
antes da prisão e ninguém mais depois.
A presença da igreja católica também pode ser verificada no interior do sistema
tanto por atividades de evangelização e celebração de missas24, como por meio da atuação
no trabalho de proteção e assistência aos direitos dos internos, por meio da Pastoral
Carcerária.

24 Na segunda visita preliminar feita à Penitenciária Feminina da Capital no âmbito desta pesquisa, pôde-se
acompanhar a missa de Natal, realizada na manhã do dia 24 de dezembro, com a presença da direção da
unidade. Também estavam presentes os bebês, filhos das presas, que vivem no berçário da Penitenciária até os
6 meses de idade.
A capela (ecumênica) estava em reforma e, por isso, a celebração foi feita num salão utilizado como local de
trabalho na montagem de utensílios hospitalares e costura, realizado em oficinas ali instaladas por empresas.
Um dos empresários que atua na unidade compareceu e afirmou, em conversa informal, que não gosta de
divulgar sua ação – trazer trabalho para as detentas –, porque discorda do que considera “modismo” da
“responsabilidade social do empresariado”. Segundo ele, isto não passa de uma forma de marketing, apoiada
sobre o sofrimento alheio.
O salão/oficina foi transformado em capela pelas próprias mulheres, que carregaram bancos e improvisaram
um altar com flores e toalhas brancas. Além da celebração propriamente dita, houve a dramatização do
nascimento de Cristo e a entrega dos certificados de conclusão do curso “Promotoras Legais Populares”,
realizado ao longo de 2003 naquela unidade.
As mulheres empenharam-se para realizar a encenação: todas estavam vestidas com figurinos especiais e
decoraram as falas. O Cristo foi representado por um dos bebês – uma menina. A entrega dos certificados do
curso das Promotoras Legais Populares foi marcada pela ausência de muitas “formandas”. A maior parte
conquistara a liberdade e receberia o certificado pelo correio. No final da celebração, muitas lágrimas e
abraços.

53
2. Caracterização da população carcerária
2.1 O Brasil
A população carcerária no Brasil, de acordo com dados do Departamento
Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, era, em dezembro de 2003, constituída por
240.203 pessoas presas no sistema penitenciário e de outras 68.101 detidas nas delegacias
de polícia, o que resulta em 308.304 pessoas vivendo em situação de privação de liberdade.
São 141 presos para cada 100 mil habitantes. O número de vagas disponíveis no sistema
penitenciário é 179.489, o que ocasiona déficit de 60.714 vagas (33,82%) em todo o Brasil.
Não há dados desagregados por sexo em relação às pessoas presas nas delegacias,
mas em relação ao sistema penitenciário, os homens correspondem a 95,89% da população,
e as mulheres a 4,11%.
Perfil da população carcerária – Brasil (Tabela 1)
Regime Homens % Mulheres % Total %
Fechado 133.074 95,7 5.983 4,3 139.057 57,89
Semi-Aberto 29.962 96,87 967 3,12 30.929 12,88
Provisório 64.849 96,0 2.700 4,0 67.549 28,13
Medida de Segurança 2.455 92,0 213 8,0 2.668 1,1
Total 230.340 95,89 9.863 4,11 240.203 100
Fonte: Departamento Penitenciário Nacional. Dados consolidados em dezembro/2003, com base em informações dos
órgãos estaduais responsáveis pelo sistema prisional nos Estados.

A tabela seguinte demonstra haver, proporcionalmente, mais mulheres nos regimes


fechados e em medida de segurança – destinado às pessoas que, por determinação
judiciária, devem submeter-se a tratamentos médicos ou psiquiátricos –, enquanto os
regimes provisório e semi-aberto são mais acessado pelos homens.
População carcerária do País, segundo o sexo e o regime da pena (%) (Tabela 2)
Regime Homens Mulheres
Total 100,0 100,0
Fechado 57,8 60,7
Semi-Aberto 13,0 9,8
Provisório 28,1 27,4
Medida de segurança 1,1 2,1
Fonte: Departamento Penitenciário Nacional.
Dados consolidados em Dezembro/2003.

2.2 O Estado de São Paulo


No Estado de São Paulo, a população carcerária, de acordo com dados do
Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, era , em dezembro de 2003,
constituída por 99.026 pessoas presas no sistema penitenciário, e outras 24.906 detidas nas
delegacias, o que resulta em 123.932 pessoas, o equivalente a 40,2% do total da população

54
carcerária do País. São 267 presos para cada 100 mil habitantes, proporção bem superior à
nacional, que é 141 por 100 mil habitantes. O número de vagas disponíveis no sistema
penitenciário é 71.515, o que ocasiona déficit de 27.511 vagas (38,47%) no Estado. Os
homens correspondem a 96,63% da população, e as mulheres são 3,37%.
Perfil da população carcerária – Estado de São Paulo (Tabela 3)
Regime Homens % Mulheres % Total %
Fechado 59.112 95,42 2.837 4,58 61.949 62,57
Semi-Aberto 11.990 96,68 412 3,32 12.402 12,53
Provisório 23.812 100,0 _ - 23.812 24,03
Medida de Segurança 773 89,57 90 10,43 863 0,87
Total 95.687 96,63 3.339 3,37 99.026 100,0
Fonte: Departamento Penitenciário Nacional. Dados consolidados em dezembro/2003, com base em informações dos
órgãos estaduais responsáveis pelo sistema prisional nos Estados.

Como em âmbito nacional, a distribuição da população entre os regimes para


cumprimento da pena guarda significativas diferenças entre a população masculina e a
feminina. Só há equilíbrio no acesso ao regime semi-aberto; as mulheres estão muito mais
concentradas no regime fechado e, com menor intensidade, em medida de segurança. Não
há registro de mulheres em regime provisório.
População carcerária do Estado de São Paulo,
segundo o sexo e o regime da pena (%) (Tabela 4)
Regime Homens Mulheres
Total 100,0 100,0
Fechado 61,8 84,97
Semi-Aberto 12,5 12,33
Provisório 24,9 _
Medida de segurança 0,8 2,7
Fonte: Departamento Penitenciário Nacional. Dados consolidados
em Dezembro/2003 com base em informações dos órgãos estaduais
responsáveis pelo sistema prisional nos Estados.

2.2.1 Censo Penitenciário de São Paulo - 2002


Em 2002, a Fundação Professor Dr. Manoel Pedro Pimentel (Funap) realizou estudo
denominado “Perfil do Preso no Estado de São Paulo”, abrangendo a população carcerária
masculina e feminina. O produto foi um levantamento estatístico sobre as características
dessa população e também um relatório com as opiniões desse grupo a respeito de diversos
temas.
A pesquisa revelou que há maior concentração de homens e mulheres na faixa etária
dos 25 a 30 anos, respectivamente 44% e 42%; e que 32% dos homens têm entre 18-24
anos, enquanto as mulheres dessa faixa etária correspondem a 24% (Funap 2002b, slide 5).

55
Quanto à raça/etnia, em termos absolutos a maioria é branca, mesmo quando
somado o número de pessoas que se autodeclararam negras e mulatas (Tabela 5). No
entanto, quando considerada sua representação na população do Estado de São Paulo,
verifica-se intenso desequilíbrio, pois, de acordo com o Censo Demográfico de 2000, a
população negra do Estado é de 4,64% entre os homens e 4,15% entre as mulheres.
Proporcionalmente, o número de mulheres negras presas é mais de quatro vezes superior à
sua presença na população estadual (IBGE, 2000).
Raça/Etnia (Tabela 5)
Raça/Etnia (*) Mulheres Homens
Branca 47% 46%
Negra 19% 16%
Mulata 15% 17%
Indígena 2% 2%
Oriental/Asiática 1% 1%
Outras 16% 18%
Auto-declaração.
Fonte: Funap (2002b, slide 17)

Nas entrevistas, o tema das relações étnico-raciais surgiu espontaneamente na fala


das duas mulheres negras entrevistadas. M., ao contar do processo de afirmação de sua
condição de professora sentenciada entre alunas na mesma condição, disse: “No começo
elas pensaram assim: o que essa „pretinha‟, calça bege, vai ensinar pra gente?”25. E V.L., ao
recordar que era a única aluna negra no colégio de freiras onde cursou o Ensino
Fundamental, e também ao justificar sua facilidade em expressar-se verbalmente:
Eu venho de uma raça contadora de histórias, por isso eu falo muito bem e não
escrevo. Andei perguntando e é real mesmo - o negro contava e cantava toda a
história da raça negra. A escravidão foi toda contada e cantada. Então adquiri
isso: converso muito bem e não consigo escrever; em compensação, tirando
física, química e matemática, nas outras matérias eu sou ótima (V.L.)
Em relação à escolaridade (Tabela 6), a maioria da população carcerária paulista
não concluiu o Ensino Fundamental: 74% entre homens e 65% entre as mulheres. Os dados
também indicam reduzido impacto das atividades educativas oferecidas na prisão no
sentido de elevação da escolarização daquela população. Verifica-se a redução do índice de
analfabetismo de 2% entre os homens e 3% entre as mulheres, o que pode significar a
participação dessas pessoas nos processos de alfabetização organizados no sistema
penitenciário.

25
A relação entre M. e suas alunas será abordada de forma detalhada no capítulo 4 deste trabalho.

56
Dois por cento entre os homens e 1% entre as mulheres alcançaram o Ensino
Fundamental no interior da prisão. Já no Ensino Médio, os dados demonstram estagnação,
o que indica a ausência, ou insuficiência, da oferta escolar para este segmento.
Em relação ao Ensino Superior, interessante notar a ausência de homens que tenham
cursado este nível de ensino, enquanto que entre as mulheres 2% não o concluíram e outros
2% são graduadas. A soma iguala, no interior da prisão, a presença de universitárias (que
concluíram ou não o Superior) e a de mulheres analfabetas: 4% em cada um dos grupos.
Escolaridade da população carcerária do Estado de São Paulo (Tabela 6)
Escolaridade Condição da população
Antes de ser preso/a Depois de ser preso/a
Masculina Feminina Masculina Feminina
Analfabeto/Não freqüentou a escola 6% 7% 4% 4%
Fundamental incompleto 75% 65% 74% 65%
Fundamental completo 7% 8% 9% 9%
Médio incompleto 7% 8% 8% 10%
Médio completo 4% 8% 4% 8%
Superior incompleto 1% 2% 1% 2%
Superior completo - 2% - 2%
Fonte: Funap (2002b, slides 18 e 19)

Quanto às oportunidades de ensino profissionalizante no sistema penitenciário, as


mulheres participam mais do que os homens (Tabela 7); assim como estão mais inseridas
em atividades de trabalho e, em sua maioria, naquelas desenvolvidas por instituições
privadas – firmas – (Tabela 8).

Participação em cursos profissionalizantes (Tabela 7)


Situação Mulheres Homens
Cursou 21% 11
Não cursou 79% 89
Fonte: Funap (2002b, slide 23)

Trabalho no sistema penitenciário (Tabela 8)


Situação Mulheres Homens
Não trabalha 28% 41%
Firma/Patronato 46% 30%
Presídio 14% 23%
Funap 7% 2%
Manual/Artesanato 5% 5%
Outras 3% 1%
Fonte: Funap (2002b, slide 25)

Inversamente à realidade do mercado de trabalho, em que as mulheres ainda


ganham menos que os homens, no sistema penitenciário as atividades femininas são mais
rentáveis, o que talvez se explique pelo fato de as mulheres apresentarem níveis mais
elevados de escolaridade (Tabela 9).

57
Remuneração Mensal (Tabela 9)
Situação Mulheres Homens
Não ganha nada 1% 4%
Até R$ 20,00 1% 48%
De R$ 21,00 a 80,00 10% 32%
De R$ 81,00 a 120,00 22% 5%
De R$ 121,00 a 200,00 60% 10%
Acima de R$ 201,00 6% 2%
Fonte: Funap (2002b, slide 27)

Na utilização dos ganhos, os gastos pessoais e o apoio à família são prioridade para
as mulheres, tendo sido elencados, respectivamente, por 59% e 58% das entrevistadas. Já
entre os homens, 73% afirma gastar consigo e 34% apóiam as famílias (Ibidem, slide 29).
Em relação à saúde, um dado alarmante para as mulheres: enquanto na população
nacional 0,35% é soropositivo para HIV/Aids, entre as mulheres presas este índice é de
6,3%, contra 3% para os homens (Ibidem, slide 70).
Sobre o estado civil (Ibidem, slide 7), entre os homens, 56% são casados; 38%
solteiros; e 5%, “separados”; inversamente, 27% das mulheres são casadas; 54% solteiras; e
12%, separadas. Estes dados confirmam a solidão feminina nos presídios, apontada na
literatura (Prado, 2003, entre outros) e narrada pelas alunas da escola da Penitenciária
Feminina da Capital.
Ainda sobre as relações familiares, 34% dos homens afirmam não ter filhos,
enquanto entre as mulheres, 18% encontram-se nesta situação. As mulheres também
declaram ter mais filhos que os homens (Tabela 10).
Número de filhos (Tabela 10)
Número de filhos Mulheres Homens
Não tem filhos 18% 34%
1 filho 24% 26%
2 filhos 20% 18%
3 filhos 18% 10%
4 filhos 10% 6%
5 filhos 5% 3%
+ 6 filhos 5% 3%
Fonte: Funap (2002b, slide 8)

Com quem ficam os filhos das pessoas presas? A resposta a esta pergunta apresenta
enorme variação entre homens e mulheres. Enquanto a maioria dos homens (87%) tem seus
filhos sob os cuidados da mãe, apenas 20% das mulheres contam com os pais de seus filhos
para assumir esta responsabilidade (Ibidem, slide 9).
Entre as mulheres, a maioria (40%) tem seus filhos sob os cuidados da avó materna,
2% delas declaram ter os filhos em orfanatos e 1% na Febem; não há nenhum homem que

58
declara ter filhos nessas situações (Funap, 2002b, slide 9). Nos demais casos, os filhos
estão sob os cuidados de parentes. Também é significativo o número de pessoas que
declaram ter seus filhos “independentes”: 19% entre as mulheres e 3% entre os homens
(Ibidem, slide 9). No grupo dos “independentes” não estão exclusivamente adultos, pois,
no contato com as alunas da escola da Penitenciária Feminina da Capital, algumas contaram
que os filhos pequenos estão sob os cuidados dos filhos adolescentes ou pré-adolescentes.
Por último, a relação com a família se evidencia nas informações referentes às
visitas. Entre as mulheres, 36% não recebem visitas, contra 29% de homens na mesma
situação. Também os visitantes são diferenciados para os dois sexos, conforme Tabela 11,
demonstrando mais uma vez a quebra do vínculo com o companheiro após a prisão.
Visitantes da população carcerária (Tabela 11)
Visitante Mulheres Homens
Companheiro (a) 18% 65%
Mãe 47% 51%
Irmãos 45% 40%
Filhos 48% 23%
Pai 14% 15%
Amigos 11% 5%
Fonte: Funap (2002b, slides 31 e 33)

Em relação à origem, a maioria (67%) das mulheres e homens é de São Paulo. Os


pesquisadores chamam a atenção para o grande número de mulheres estrangeiras (4%)
(Ibidem, slide 15). A explicação mais comum para este número é o tráfico de drogas,
principal delito entre as mulheres (Tabela 12). Quanto à reincidência, 35% das mulheres já
estiveram presas anteriormente, contra 42% dos homens (Ibidem, slide 59).
Tipo de delito (Tabela 12)
Tipo Mulheres Homens
Roubo 40% 65%
Tráfico de drogas 44% 18%
Furto 9% 15%
Homicídio 11% 13%
Porte de arma 3% 8%
Reptação 2% 5%
Porte de droga 3% 4%
Atentado violento ao pudor 0 3%
Estupro 0 3%
Estelionato 4% 3%
Outros 15% 9%
Fonte: Funap (2002b, slide 59).

Sobre o envolvimento das mulheres com o tráfico de drogas, são muito recorrentes
as narrativas de mulheres presas, envolvidas ou atuando de forma subalterna (por exemplo,

59
emprestando a casa para guardar droga) no tráfico praticado por seus maridos, namorados e
até filhos (Prado 2003, p.57-60; Soares e Ilgenfritz 2002, p.123).
Existem considerações a respeito da conveniência social da construção de defesas
que atestem a passividade feminina nos delitos (Mastrobuono, 1999). Corrêa (s/d), no
mesmo sentido, narra o julgamento, ocorrido na década de 1980, de uma mulher que
“matara como homem”, assim considerada por ter assassinado o marido com uma arma
comprada com recursos próprios, além de sustentar a família.
Todos esses sinais de sua inadequação à imagem feminina aceitável foram sendo
cuidadosamente esmaecidos, por assim dizer, por seu advogado ao longo do
processo, até “trazê-la de volta ao modelo, adequando-a à figura canônica – a
mulher que matou para se defender – que, mesmo não tendo sido absolvida,
recebeu uma pena muito mais baixa, não tendo sido nunca encarcerada. (Corrêa,
sd, p.30).
O tema – passividade feminina – surgiu em uma das entrevistas realizadas na
Penitenciária Feminina da Capital. V.L., que tem 48 anos, lidera o grupo que está
reivindicando a instalação do curso pré-vestibular na unidade e disse, com firmeza, ter sido
líder de uma quadrilha de tráfico de drogas formada por 16 homens, embora não tenha sido
presa por este motivo. Sobre sua condição de liderança no tráfico, afirma ser uma exceção,
pois, segundo ela, a maioria das mulheres que conheceu no sistema foi envolvida por
homens. Como não é objeto deste trabalho analisar delitos, ficam aqui registradas as duas
considerações apenas a título de informação sobre o universo feminino na prisão.

2.2.2 Informações qualitativas


Para o levantamento qualitativo empreendido pelo estudo da Funap, para o público
feminino, a pesquisa foi realizada em três presídios do Estado de São Paulo, entre eles a
Penitenciária Feminina da Capital, com a utilização da técnica “discussão em grupo”. Os
critérios de seleção para a formação dos grupos foram: idade, presença de filhos e
envolvimento com trabalho e estudo, com o objetivo de compor grupos homogêneos,
“definidos segundo os diferentes ciclos de vida da mulher” (Funap, 2002a).
Além de se constituir em fundamental material de pesquisa, o estudo traz
informações que permitem avaliar a gestão dos presídios, sobretudo em relação ao abuso de
poder e violência contra as detentas. Não há informações sobre medidas oficiais, baseadas
neste relatório, também produzido por um órgão oficial, a fim de coibir tais práticas, o que
parece demonstrar que as administrações das unidades prisionais são impermeáveis até

60
mesmo às constatações de abusos feitas pelo próprio Estado, conforme aponta Adorno
(1991) “... os diretores penais dispõem de poder ilimitado. Não há o que possa contê-los,
sobretudo quando adotam medidas, muitas vezes arbitrárias, em nome da preservação da
segurança e da disciplina do sistema penitenciário” (op.cit., p. 32).
Entre outras importantes indicações, a pesquisa aponta características peculiares às
mulheres mais velhas no sistema prisional: “quanto mais avançada a idade da presidiária,
maiores serão a passividade; a incidência de depressão; o cansaço e decadência física; os
problemas de saúde; o abandono, a ausência de visitas; o isolamento voluntário; a falta de
perspectiva; a abnegação; a tolerância” (Funap, 2002a, slide 292). Quanto às condições de
atendimento de saúde, aponta que “saúde é artigo de luxo”, e a situação é “particularmente
dramática para as mais velhas em função da menopausa” (Ibidem, slide 312).
No item “efeitos do sistema” na vida das mulheres, há uma referência particular à
Penitenciária Feminina da Capital, afirmando haver referências a “questões de cidadania,
defesa dos seus direitos constitucionais; população mais esclarecida e atuante; postura
combativa, constante vigilância quanto ao cumprimento de seus direitos; ampla ocupação
do espaço público  circulam com desenvoltura entre os pavilhões; „casais‟ expressam mais
livremente sua escolha; controle de disciplina menos autoritário. Presas mais seguras de seu
poder de pressão; menor poder de fiscalização do sistema  presidiárias com mais
autonomia para “ditar as regras”, estabelecer seus próprios códigos de conduta; evidência
de lideranças locais, formadoras de opinião, com visão de mundo construtiva.” (Ibidem,
slides 302 a 304).
Estas considerações coincidem, em parte, com a situação observada naquela
unidade. No entanto, parece haver certa contradição com as informações referentes à
rebelião ocorrida em 24 de agosto, que apontam para a falta de lideranças e total ausência
de pauta de reivindicações, conforme será abordado em outro momento deste trabalho.
Ainda sobre a Penitenciária Feminina da Capital, a pesquisa aponta a
superpopulação como um problema que afeta a qualidade de vida, produzindo filas para
todas as atividades cotidianas, como banho e refeições; e desemprego que, por sua vez, gera
forte competição na disputa pelos postos disponíveis.
O homossexualismo foi abordado e apresentado como opção circunstancial, tida
com total naturalidade. “É como religião: quem não pratica, respeita a inclinação da outra”.

61
Entre as motivações para a opção, foram citadas a carência afetiva, a necessidade de
oferecer/obter proteção, de se sentir querida e desejada, o desejo sexual, “enfim, muitos
caminhos levam à aproximação íntima, ou mesmo platônica, entre as mulheres”. (Funap,
2002a, slide 334).
Sobre amizade, as informações foram no sentido de considerá-la “coisa rara no
presídio, onde tudo e todos parecem „puxar para baixo‟”, e a principal causa seria a inveja:
Há muitos relatos de inveja e destrutividade  das funcionárias do presídio para
com as detentas e nas relações entre estas. Inveja-se quem tem equilíbrio
emocional; quem é auto-suficiente e não precisa tanto do outro; quem é bonita;
quem recebe visitas; quem é intelectualmente privilegiada; enfim, a lista não tem
limite. Assim, entre as pessoas mais pacíficas, é comum um certo isolamento, a
distância crítica, até para evitar conflito desnecessário, danoso para o processo.
Quando acontece, a amizade é fonte de muita gratificação”, afirma a pesquisa
(Ibidem, slide 338).
As observações sobre as visitas íntimas não coincidem com o entusiasmo com que o
tema foi tratado durante a aula do Ensino Médio, acompanhada em agosto de 2004. A
pesquisa afirma que, na maior parte dos casos, a visita íntima é tratada com “solene
indiferença”, e aponta a ausência dos parceiros, pois a grande maioria foi abandonada ou
não tem marido/parceiro regular “na rua”. De acordo com a pesquisa:
A maioria mal consegue se imaginar na situação: existiria até o constrangimento
de ser vista se dirigindo ao prédio destinado à visita íntima. Há ainda a
preocupação com a proliferação de doenças sexualmente transmissíveis e com a
gravidez. A tendência é encarar como um benefício, um direito conquistado, mas
daí a usá-lo e sentir-se à vontade para tanto, há uma enorme distância (Ibidem,
slide 345).
A metodologia da pesquisa incluiu a indução para a abordagem de marcos
importantes na vida do grupo. Nos presídios femininos, o tema casamento foi substituído
pela escola, com a justificativa de que este tipo de relação, para as mulheres, raramente se
mantém após sua prisão – é a solidão sem espelho, como descreve Prado (2003) “Solidão é
enfeitar-se só para o espelho. A solidão das mulheres dos meus olhos não tem espelho
sequer. Elas se enfeitam para paredes duras. Aprumam-se para o ar” (op.cit., p. 48).
Assim como os homens, as mulheres foram estimuladas a falar sobre o trabalho na
prisão, e o relato vai no sentido da possibilidade de autonomia, garantia dos próprios gastos
e também envio de ajuda às famílias. Os pesquisadores avaliam:

62
Aprendem os códigos e o valor do trabalho: disciplina, produtividade,
competência, camaradagem, competitividade, etc. Muitas dessas mulheres
desconhecem o ambiente profissional, uma rede produtiva, qualquer que seja.
Entrar nesse mundo já é, em si, uma experiência altamente transformadora”; e
também registram o surgimento de uma consciência crítica em relação aos
salários (Funap 2002a, slide 362 a 375).
A escola no presídio foi descrita como “ilha de tranqüilidade, uma instituição à
parte, onde as detentas são tratadas „com humanidade‟ e respeito. É comum ouvir delas que
na escola „não se sentem presas‟” (Funap, 2002a, slide 376).
Conforme observado na Penitenciária Feminina da Capital, durante o período de
acompanhamento, as alunas, sobretudo do período noturno, têm dificuldade em conciliar os
horários de trabalho, banho, jantar – é apenas uma hora para tudo; por isso afirmaram que é
uma “disposição para „remar contra a maré‟, já que, em última instância, parece não
interessar ao sistema que a população carcerária feminina fique “mais esclarecida, mais
reivindicativa”. Segundo a pesquisa, a fim de contornar as dificuldades do período noturno,
as alunas da Penitenciária Feminina da Capital apresentaram como sugestão a transferência
do curso para a primeira hora da manhã, antes do trabalho.
Houve relatos dos motivos que deixam as mulheres “sem cabeça” para estudar,
entre eles: a preocupação com os filhos e a “rotina e o sofrimento do presídio”. No entanto,
como em todas as escolas, nem sempre o espaço é usado para aprender, estudar: “lugar bom
para relaxar, encontrar as pessoas, namorar” (Ibidem, slide 380).
Diferentemente do trabalho, onde há uma recompensa imediata, que é o salário, ir
à escola não traz benefícios tão claros nem a médio prazo: não atua no sentido de
redimir a pena (está sendo estudada uma legislação específica), não garante um
certificado (só ao final do curso) nem um simples atestado de freqüência e, em
casos de transferência ou de término da pena no meio do curso, o esforço se
perde. (Ibidem, slide 381).
De acordo com os pesquisadores, a escola na penitenciária tende a atrair sobretudo o
público mais jovem, que tem “na prática, maior possibilidade de concretizar seus projetos
fora da prisão. Já para as mulheres mais velhas, estudar quase não faz sentido, levando em
conta a perspectiva de futuro”, afirmam (Funap, 2002a, slide 388).
Como conclusões, o estudo apresenta uma série de considerações, começando com a
“desarticulação entre trabalho e educação” que, segundo a instituição, deve ser superada
“visando uma melhoria relevante na qualidade do processo de reintegração do detento”
(Ibidem, slide 395). Entre as possíveis mudanças a serem empreendidas na educação nas
prisões, afirma que devem ser consideradas “iniciativas geradoras de maior integração e

63
responsabilidade entre comunidade, iniciativa pública e privada”; além da necessidade de
se realizar a separação dos detentos por delito e perfil atitudinal, “para garantir maior
eficácia ao sistema” (Ibidem, slide 459).
Para finalizar, afirma a necessidade de desenvolver programas direcionados aos
interesses da população carcerária, considerando suas especificidades. A situação peculiar
em que vivem as pessoas encarceradas é, para a Funap, justificativa para a não aplicação da
mesma “pedagogia” que se aplicam aos não presos:
embora seja lícito afirmar que os detentos devem receber tratamento igualitário
ao restante da população, não podemos nos furtar a uma consideração realista
sobre a situação especial em que se encontram. (...) Parece difícil considerar a
aplicabilidade de uma pedagogia igual a presos e não-presos, do mesmo modo
que é difícil considerar a mesma pedagogia para pessoas em estágios de vida
muito distintos, ou perspectivas de inclusão social distintas. (Ibidem, slides 457-
58).
De fato, não se pode desconsiderar a situação em que vive a população encarcerada,
e das peculiaridades que a implementação de ações escolares enfrentam naquele ambiente,
conforme será apresentado ao longo deste trabalho. No entanto, como diz Boaventura
Santos (1997, p. 13), “... As pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a
diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza.” E
as condições de realização das atividades educativas na prisão apontam para o caminho da
inferiorização, e não do respeito à especificidade. O fato de ter sido mantida separada do
sistema de ensino não garantiu a constituição de um ensino diferenciado, mas sim
precarizado, inclusive em virtude de recursos escassos, como apontado a seguir.
A necessidade de superação da desarticulação entre educação e trabalho, apontada
pela Funap com base nas reflexões propostas à população carcerária, não é uma demanda
específica deste grupo, mas sim dos jovens e adultos com baixa escolaridade em geral e, em
resposta a ela tem-se realizado interessantes iniciativas, como a desenvolvida pela
prefeitura de Guarulhos, que incorporou a educação de jovens e adultos, com educação
profissional, à rede oficial de Ensino Fundamental (cf. Haddad, 2005), o que lhe permite até
acessar recursos do Fundef para a manutenção do ensino.
Mesmo com toda a especificidade atribuída à educação na prisão, o fato é que seu
isolamento em relação às experiências político-pedagógicas da educação de jovens e
adultos resulta no aprofundamento de sua marginalização. A educação nas prisões não tem
lugar na administração pública: não se encaixa totalmente entre as ações punitivas e

64
disciplinares que caracterizam o sistema penal – como acontece com o trabalho –, mas
também não se agrupa às iniciativas educacionais em geral.
Esta “falta de lugar” termina por intensificar a invisibilidade do tema o que, entre
outros aspectos, dificulta sua exigibilidade, ou seja, a reivindicação da sociedade civil por
políticas públicas para a garantia deste direito. De quem cobrar? O que exigir? Este assunto,
até o momento, parece restrito aos órgãos oficiais responsáveis pela concretização da
educação penitenciária, como demonstrado a seguir.
As informações sistematizadas neste capítulo revelam duas características em
relação à implementação de ações educativas no interior das prisões, que se conformarão,
ao longo do trabalho, como tendências históricas. A primeira delas está relacionada à
transferência das responsabilidades do Estado para a sociedade civil, ainda que sob o
argumento da participação e controle social sobre o sistema prisional.
A segunda tendência histórica é a confusão entre as atividades educativas e as de
trabalho, tomando as primeiras como sinônimo da segunda. Sobre este tema, o capítulo 4
apresentará informações que demonstram, mais do que a falta de incentivo para a
participação das atividades escolares, a interposição de uma série de obstáculos que, por
vezes, terminam por estabelecer antagonismo entre as atividades de educação escolar e as
de trabalho. Para o Estado, as atividades consideradas trabalho são, por si só, suficientes
para a promoção da educação nas prisões.

65
CAPÍTULO III

A educação de pessoas jovens e adultas presas

“O interessante é que lá fora a gente não tinha oportunidade


nenhuma (de estudar); viemos ter aqui dentro”
J., 31 anos, turma de Alfabetização

Ao mesmo tempo em que as ações empreendidas pelo Estado na modalidade


Educação de Jovens e Adultos estabelecida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB), não incluem sistematicamente, ou de forma explícita, os habitantes dos presídios, a
educação escolar destinada a este grupo sofre os impactos das restrições impostas àquela
modalidade, ambigüidade explicada por Rusche, 1997:
O primeiro fato que poderíamos citar acerca da especificidade da Educação de
Adultos presos é o de que ela faz parte, enquanto processo metodológico, da
História da Educação de Adultos e tem, portanto, seu desenvolvimento
pedagógico inserido nessa história. O segundo fato é o de ser um projeto de
educação que se desenvolve no interior das prisões e que, dessa forma, está
inserido também na história das prisões e das formas de punição (Rusche, 1997,
p.13).
As influências recebidas destes dois universos distintos – a educação de jovens e
adultos e a organização das prisões – podem ser verificadas na tentativa de concretização de
ações de educação escolar nas prisões de São Paulo, conforme busca-se demonstrar neste
capítulo.
No entanto, a realização dos direitos educativos, como de todos os outros, implica o
reconhecimento formal e social de seus sujeitos. No caso das pessoas encarceradas, embora
exista, ainda que de forma hesitante, o reconhecimento formal dos direitos educativos, sua
concretização ainda está longe de ser alcançada, entre outros motivos, porque a população
carcerária não é socialmente reconhecida como sujeito de direitos.

66
1. Breve histórico da educação de jovens e adultos no Brasil
Embora a escolarização de pessoas jovens e adultas estivesse formalmente assegurada
desde a Constituição de 1824, apenas no final da década de 1940 constituiu-se como objeto de
ações de políticas educacionais, conforme destacado por Haddad (2000, p.110).
Em 1947, com a instalação do Serviço de Educação de Adultos (SEA), foi empreendida
a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), que se estendeu até o final da
década de 1950. No âmbito desse movimento, foram integrados os serviços já existentes na
área, produzido e distribuído material didático, além dos esforços para a mobilização da opinião
pública, governos estaduais e municipais e a iniciativa particular. Posteriormente, o Ministério
da Educação e Cultura organizou outras duas campanhas: em 1952, Campanha Nacional de
Educação Rural; e em 1958, a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo.
Haddad (op.cit., p. 111) chama a atenção para a importância da Unesco, no sentido de
colocar a educação de adultos no centro das preocupações nacionais, com vistas ao processo de
desenvolvimento.
Para Beisiegel (1974), a agência internacional influenciou o governo brasileiro para a
adoção de campanhas como estratégia para a alfabetização e elevação da escolaridade de
adultos.
(...) A influência da Organização se revelaria acima de tudo no caráter de movimento
de mobilização nacional imprimido à Campanha de Educação de Adultos do
Ministério da Educação e Saúde. Os trabalhos em desenvolvimento, até meados de
1945, apontavam para outras direções. Tratava-se, até então, de articular o
aproveitamento dos recursos materiais e humanos das redes estaduais e municipais do
ensino primário com vistas à implantação de uma rede oficial de ensino primário
supletivo para adultos analfabetos (Beisiegel, 1974, p. 84).
O período entre 1959 e 1964 foi marcado por diversas iniciativas na área da educação
de jovens e adultos, que envolviam, novamente, governos estaduais e municipais e setores da
sociedade civil. Outra característica era a orientação pedagógica baseada no trabalho de Paulo
Freire (Haddad 1999, p. 39-40).
Entre essas iniciativas destacam-se: o Movimento de Educação de Base da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) (1961), desenvolvido com o patrocínio do Governo
Federal; o Movimento de Cultura Popular do Recife (1961); os Centros Populares de Cultura,
vinculados à União Nacional dos Estudantes (UNE); a Campanha de Pé no Chão Também se
Aprende, da Secretaria Municipal de Educação de Natal; e o Programa Nacional de
Alfabetização do Ministério da Educação e Cultura (1964).

67
Embora não tenha sido encontrada nenhuma restrição oficial à implementação
dessas ações nos presídios, não há qualquer menção à inclusão da população encarcerada
entre o seu público, o que significa que o Estado nacional não assumiu a responsabilidade
por induzir, ou estimular, a educação nas prisões neste período.
Sobre a exclusão das pessoas presas das iniciativas empreendidas pelo governo
nacional, no âmbito da educação de jovens e adultos, Sena (2004) afirma:
O alheamento dos setores educacionais quanto à educação dos presos tem sido a
tendência no Brasil, cuja comunidade educacional tardou a considerar como
segmento da educação de jovens e adultos (...) Não apenas ao MEC é imputável
esta omissão. Tampouco o Conselho de Secretários Estaduais de Educação –
Consed, têm demonstrado sensibilidade para com o assunto. (Sena, op.cit., p. 13-
14)
O documento aponta que a ausência de políticas educacionais para a população
encarcerada é resultado de uma controvérsia acerca da responsabilidade administrativa
sobre tal grupo.
A oferta do Ensino Fundamental para aqueles que a ele não tiveram acesso na
idade própria é, em princípio, competência concorrente de Estados e Municípios.
Ocorre que, ao Estado incumbe administrar o sistema penitenciário. Esta é,
portanto, uma função que deve ser desta esfera federativa. Os sistemas estaduais
de ensino regulamentam a educação de jovens e adultos sem abordar a questão
dos presos. Os acadêmicos não se detêm, tampouco, nesta clientela específica.
(Ibidem, p. 13 - 14).
Sem orientações nacionais claras para a implementação da educação escolar nas
prisões, as iniciativas ficam à mercê dos governos estaduais, que as organizam de maneira
absolutamente autônoma. Não há regras ou parâmetros. De acordo com levantamento de
informações reveladas em pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça, em 1997 (Sena,
op.cit.), são inúmeras as possibilidades de gestão, organização e realização das atividades.
De acordo com a pesquisa, apenas Tocantins e Espírito Santo afirmaram não
oferecer Ensino Fundamental nas prisões. Há Ensino Médio nas prisões do Rio Grande do
Sul, Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal, Bahia, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Rondônia, Roraima e Acre; em São Paulo e Goiás este nível é realizado
por meio dos exames de certificação.
A participação do setor privado varia também em todos os Estados, mas na maior
parte deles há convênios com as entidades do Sistema “S” e a Fundação Roberto Marinho.
Até mesmo a responsabilidade administrativa é assumida por diferentes órgãos dos
executivos estaduais. Em Goiás, Amazonas e Paraná está a cargo das secretarias estaduais

68
de educação e nos demais Estados é atribuição das secretarias responsáveis pela
administração do sistema penitenciário.
A omissão do Governo Federal em relação à educação nas prisões contribui de
maneira decisiva para as arbitrariedades praticadas nos Estados. Não havendo orientações
nacionais, também não há possibilidade de controle, acompanhamento ou avaliação das
atividades empreendidas.
No caso de São Paulo, em que pesem os esforços dos técnicos da Funap, a
conjugação entre a histórica falta de compromisso do Estado com as atividades de educação
escolar na prisão e as formas internas de organização dessa instituição, na prática
inviabilizam a implementação de políticas educacionais ou constituição de uma rede
escolar do sistema penitenciário.

2. A educação penitenciária em São Paulo


Não há informações oficiais detalhadas sobre as ações educativas realizadas nas
prisões paulistas até o final da década de 1970. Rusche (1995, p.10) afirma que até esta data
o Ensino Fundamental oferecido no sistema carcerário era ministrado por professores
comissionados da Secretaria Estadual de Educação. Cada unidade prisional era vinculada a
uma escola da rede pública estadual, tanto no aspecto administrativo quanto pedagógico. A
metodologia utilizada não tinha nenhuma especificidade por tratar-se de alunos adultos e
reproduzia aquela ofertada às crianças das escolas públicas estaduais, inclusive em relação
ao material didático utilizado.
Essa informação foi confirmada por Maria da Penha Risola Dias, atual diretora da
Penitenciária Feminina da Capital e funcionária daquela unidade desde o início da década
de 1970. De acordo com seu depoimento, além de não levar em conta as especificidades
dos alunos, a presença dos professores da rede pública nas prisões dependia em grande
medida da iniciativa das diretorias das unidades prisionais em buscar apoio na escola
pública mais próxima ou do interesse pessoal dos profissionais em atuar nos presídios, pois
não havia uma orientação sistemática por parte do Estado neste sentido – era quase como
um “arranjo” pessoal que o Governo “consentia”.
Em 1979, visando à contenção de gastos e a reorganização da administração
pública, o então governador do Estado, Paulo Egídio Martins, determinou a suspensão de

69
todos os comissionamentos dos funcionários públicos estaduais, incluindo os professores.
“As atividades escolares destinadas aos encarcerados foram abruptamente interrompidas
(1979). Nas unidades prisionais, alternativas iam sendo construídas de forma a suprir a
ausência do corpo docente. A primeira delas recaía no desvio de função dos agentes
penitenciários” (Português, 2001, p. 106).
Outra alternativa utilizada por gestores de unidades foi a seleção, entre os internos,
de pessoas com Ensino Médio (à época denominado 2º grau), completo ou incompleto, para
exercer a função de educador.
Ao lado das soluções, adotadas espontaneamente pelas direções das unidades,
coexistiam ainda alguns poucos professores comissionados da rede pública estadual. Em
síntese, não havia qualquer direcionamento, por parte do Estado, para as atividades
escolares desenvolvidas no interior das penitenciárias.
Esta ausência de orientações estatais corroborou a tradição que, segundo vários
autores (Soares e Ilgenfritz, 2003; Português, 2001; Adorno, 1991; Fischer, 1996),
caracteriza as instituições prisionais brasileiras: a falta de controle externo, seja dos órgãos
responsáveis por elas – no caso as Secretarias de Estado – ou mesmo da sociedade civil. De
acordo com estes autores, dirigentes, funcionários e presos compõem grupos que formam
estruturas fechadas e autônomas em relação a diretrizes externas às unidades, que
estabelecem suas próprias regras de funcionamento, boicotando o que lhes parecer contrário
a sua ordem.
O vácuo na organização das atividades educativas foi sendo, paulatina e
informalmente, ocupado pelo Instituto de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) 26, criado
formalmente em 1976, para orientar atividades de trabalho remunerado e formação
profissional (Onofre, 2002, p. 49).
Na fase inicial de sua atuação, não há referências entre a relação das atividades
produtivas e as práticas escolares desenvolvidas na Penitenciária, coerentemente com a
finalidade da instituição, assim definida no artigo 2º de seu Estatuto: “contribuir com a
elevação do nível moral e material do preso, através de seu adestramento profissional,

26
A instituição teve sua denominação alterada em março de 1994 para Fundação Professor Doutor Manoel
Pedro Pimentel (Funap), em homenagem a seu idealizador e Secretário de Justiça do Governo do Estado de
São Paulo, falecido em 1991 (Português, 2001, p. 61 e 70).

70
como o oferecimento de trabalho remunerado e sua utilização com sentido empresarial”
(Português, 2001, p.62).
É interessante observar como as atividades de trabalho foram identificadas como
práticas educativas, conforme o parecer da psicóloga Maria Antonieta de Castro Sá,
responsável pela avaliação da instalação da oficina de costura na Penitenciária Feminina da
Capital. Segundo ela, o resultado foi um “sucesso” por duas razões. A primeira delas dizia
respeito à criação de um ambiente “reeducativo” em oposição ao “punitivo”: “... tal
empenho é a nosso ver a forma psicologicamente mais adequada de atender à finalidade
deste presídio, qual seja, a recuperação da mulher delinqüente, através do tratamento
educacional adequado” (Sá apud Português, 2001, p. 63). A segunda razão do sucesso
estava relacionada à garantia da disciplina interna “dada a alta correlação entre ociosidade e
manifestações de indisciplina que se costuma observar” (Ibidem).
Considerar as atividades de trabalho desenvolvidas no interior da prisão como
sinônimo de atividades educativas revela a concepção de Educação que inspirava os
responsáveis pela organização da vida carcerária, coerente com as considerações de
Foucault (1984) sobre o trabalho nas prisões. "O trabalho penal deve ser concebido como
sendo por si mesmo uma maquinária que transforma o prisioneiro violento, agitado,
irrefletido em uma peça que desempenha seu papel com perfeita regularidade" (p.216). E
sua função não seria “o lucro; nem mesmo a formação de uma habilidade útil; mas a
constituição de uma relação de poder, de uma forma econômica vazia, de um esquema de
submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho de produção" (Ibidem, p. 217).
Concepção coerente com as considerações de Foucault, porém, conflitante com os
objetivos da Educação enunciados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948:
“a instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana
e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais”
(Item 2, Artigo 26).
A maneira displicente como o Governo do Estado designou a responsabilidade
sobre atividades de educação escolar também revela a priorização do “treinamento
profissional” em detrimento de outras possibilidades de desenvolvimento pleno da
personalidade humana. Oficialmente, apenas em 1987, por meio da Resolução 43, de
28/10/1987, a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça atribuiu à Funap a

71
responsabilidade pela concretização da educação de 1º grau (Ensino Fundamental) nas
penitenciárias do Estado. No entanto, em virtude da retirada dos professores da rede pública
estadual das prisões, desde 1979 a instituição vinha atuando, informalmente, no apoio às
atividades escolares das prisões. Primeiro, fornecendo material escolar e, depois,
contratando os monitores. (Português, 2001, p.108).
A contratação de docentes, por si só, não garantia a constituição de uma rede escolar
penitenciária – não havia processos de formação e persistia a condução autônoma do
cotidiano escolar: calendário, currículo e metodologia eram definidos isoladamente em
cada unidade prisional. “A Funap, a despeito de já desempenhar um papel essencial no
programa de educação de adultos no sistema penal paulista, contratando recursos humanos
e oferecendo material escolar, não exercia influência na sua organização” (Ibidem, p.110).
Entre outros prejuízos causados pela total autonomia das escolas penitenciárias,
estava a impossibilidade de continuidade dos estudos por parte das pessoas presas que eram
transferidas de unidade prisional, procedimento muito comum no sistema penitenciário, que
gera intensa rotatividade nas salas de aula (Rusche, 1995, p.17).
Uma primeira tentativa de garantir unidade mínima de procedimento entre as
escolas prisionais foi a celebração de convênios com a Fundação Mobral e a Fundação
Roberto Marinho. À Fundação Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização, coube a
capacitação de monitores, fornecimento de material didático e certificação dos alunos da 1ª
a 4ª série. À Fundação Roberto Marinho coube o fornecimento de material didático,
impresso e audiovisual, do Telecurso 1º grau, correspondendo ao Ensino Supletivo de 5ª a
8ª série.

Note-se que o programa implementado pela Ditadura Militar27 (1964-1985) em


substituição às iniciativas calcadas no pensamento de Paulo Freire (Haddad, 2000), foi a

27
As pesquisas acadêmicas realizadas no período de 1971 a 1990 (Haddad, 1987; Haddad, Freitas, 1988;
Haddad, Siqueira, 1986, 1988; Haddad, Siqueira, Freitas, 1987, 1989) que analisaram o Mobral, apontam como
características desse projeto o baixo nível de formação dos agentes e educadores; insuficiência das atividades
de supervisão; precariedade dos recursos materiais; e culpabilização do educando por sua condição de
analfabeto. Em relação aos objetivos do programa, formalmente definidos como estímulo à participação social
e à inserção no mercado de trabalho, partindo dos referencias da realidade do aluno, as pesquisas apontaram
que a avaliação do material didático, feita pelo próprio Mobral, detectou que a experiência não resultou em
alterações socioeconômicas na vida dos educandos, o que os autores consideraram coerente à ideologia do
programa, baseada em “modelo de exclusão social e autoritarismo político”.

72
primeira e única28 ação do Estado Nacional, no campo da alfabetização de jovens e adultos,
desenvolvida no sistema penitenciário, a ponto de inserir este grupo no âmbito da educação
de jovens e adultos.
Com o fim da Ditadura Militar, o Mobral foi substituído pela Fundação Educar, extinta
em 1990 “no âmbito do processo de enxugamento do Estado promovido no começo do
Governo Collor (...) e a União só voltaria a atuar na educação de jovens e adultos analfabetos a
partir de 1997, com o início das atividades do programa de Alfabetização Solidária (Beisiegel,
2003, p. 25).
A extinção da Fundação Educar estimulou a tentativa de construção de um projeto
político-pedagógico próprio às escolas das penitenciárias de São Paulo (Rusche, 1995,
p.11), e, em 1994, foi criada a função de Monitor de Educação de Adultos.
No entanto, ainda em 1994, com as restrições orçamentárias impostas pelo Governo
Mário Covas a autarquias e fundações, a instituição teve de reduzir 30% de sua folha de
pagamento, o que repercutiu negativamente sobre suas atividades (Português, p.70).
As medidas adotadas pelo governo paulista e seus impactos sobre a educação de
pessoas jovens e adultas presas coincidem com as orientações da política econômica
nacional que guiaram a reforma do Estado na década de 1990. No campo da educação, a
lógica foi a de contenção de despesas, aliada a ações de descentralização e municipalização
das responsabilidades, com centralização de orientações curriculares e da avaliação, e
focalização29 dos investimentos no Ensino Fundamental para pessoas de 7 a 14 anos
(Haddad, 2003).
Em relação à educação nas prisões no Estado, o resultado da política econômica
paulista foi o retrocesso, com a redução do quadro docente, interrupção no processo de
formação e fim da supervisão nas escolas das penitenciárias “permitindo que os educadores
ficassem completamente à mercê do pessoal penitenciário” (Português, 2001, p.119).

28
Entre os relatórios do programa Alfabetização Solidária – criado em 1996 –- não há qualquer referência de
sua implementação em unidades prisionais. Também não há qualquer informação referente à presença do
programa Brasil Alfabetizado – implementado em 2003 –, nas prisões.
29
O expediente utilizado para focalizar os recursos públicos nesse grupo etário foi a restrição ao
financiamento da educação para jovens e adultos por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef (criado em 1996 e implementado
nacionalmente a partir de 1998). Recorrendo à prerrogativa de veto do Presidente da República, o Governo
anulou um inciso da Lei 9424/96 aprovada pelo Congresso regulamentando o Fundo, e que permitia computar
as matrículas no Ensino Fundamental presencial de jovens e adultos nos cálculos do Fundef. O veto
desestimulou Estados e Municípios a investirem na educação de jovens e adultos.

73
Diante da falta de recursos, a alternativa para garantir docentes nas unidades foi
retornar às soluções empregadas no final da década de 1970: agentes penitenciários em
desvio de função e monitores sentenciados. A preferência recaiu sobre os monitores presos
por alguns fatores, tais como “os baixos custos a serem dispostos com tais recursos
humanos, a carência de pessoal alegada pelos dirigentes das unidades e a relativa satisfação
das necessidades escolares verificadas na Casa de Detenção de São Paulo – Carandiru,
composta exclusivamente por este segmento” (Português, 2001, p. 119-20).
Os monitores recebiam o equivalente a ¾ do salário mínimo e tinham sua pena
reduzida na proporção de um dia para cada três dias trabalhados, conforme determinação da
Lei de Execução Penal, de 1984, referente à remissão de pena pelo trabalho. Paralelamente
à seleção de monitores sentenciados, também adotou-se a alternativa de contratação de
estudantes de curso superior, na função de estagiário.
Embora estas medidas tenham sido adotadas entre os anos de 1995 e 1996, na
Penitenciária Feminina da Capital apenas em 2004 monitores sentenciados assumiram a
docência. Durante o período de observação na escola daquela unidade, foi possível
acompanhar aulas na turma de Alfabetização, cuja monitora, uma estudante de jornalismo,
era sentenciada; e também a transferência da professora contratada para a função de
coordenadora pedagógica e o desligamento de uma estagiária – estudante de artes plásticas
–, o que ocasionou a abertura de novas vagas para os sentenciados. No final de 2004, todas
as turmas daquela unidade eram conduzidas por professores sentenciados. O tema será
retomado posteriormente, pois esta medida foi abordada em todas as entrevistas feitas para
esta pesquisa e também nas salas de aula, durante as atividades de acompanhamento.
A falta de recursos destinados à educação de jovens e adultos presos também pôde
ser observada na controvérsia entre diferentes órgãos do Governo do Estado sobre a
responsabilidade sobre os custos desta modalidade e seu reconhecimento por parte do
próprio Estado.
O processo de certificação dos alunos da 1ª a 4ª séries do sistema penitenciário, até
1990, era feito pela Fundação Educar. Desde a extinção deste órgão, não há qualquer
reconhecimento da freqüência à escola; o que significa que, quando egressa, ou transferida
de unidade prisional, a continuidade dos estudos depende da realização de uma prova
correspondente aos conteúdos da 1ª a 4ª série.

74
O fato de o Conselho Estadual de Educação não reconhecer o ensino ofertado nas
penitenciárias encerra uma enorme contradição, pois a Funap é o órgão oficialmente
designado para esta atividade, o que significa que o Estado não reconhece suas próprias
iniciativas relativas à educação penitenciária.
Em relação ao segundo segmento do Ensino Fundamental – 5ª a 8ª séries – e ao
Ensino Médio, a certificação é feita pelo Centro de Exames Supletivos (Cesu), órgão da
Secretaria de Estado da Educação, responsável pela realização dos Exames Oficiais de
Suplência em todo do Estado de São Paulo.
Na relação com a Secretaria Estadual de Educação, outra contradição é apontada por
Português (op.cit., p.135) em relação às “provas do Cesu”, como dizem as alunas da
Penitenciária Feminina da Capital. Apenas em 1998 – portanto, após 10 anos da
promulgação da Constituição Federal –, depois de muita polêmica, todos os alunos das
escolas das penitenciárias tiveram acesso gratuito a este exame, baseado no princípio
constitucional de que o Ensino Fundamental público e gratuito é dever do Estado. Antes
disso, o órgão colocava objeções no envio gratuito das provas para a totalidade de provas
solicitadas, alegando que o elevado número de candidatos impactava negativamente o
orçamento da Secretaria Estadual de Educação, uma vez que eram cobradas taxas de
inscrição dos candidatos em geral.

De acordo com Marisa Fortunato, superintende de atendimento e promoção


Humana, responsável pelas atividades de educação na Funap, no final de 2004 a instituição
encaminhou projeto à Secretaria Estadual de Educação, com proposta de parceria para a
implementação das atividades educativas, e solicitando recursos, material didático e
formação de professores. Até agosto de 2005, a Secretaria sequer enviara resposta à
solicitação.

A omissão da secretaria estadual de educação em relação à educação nas prisões, e


seu receio em utilizar recursos para este fim, é comum à maioria dos Estados da Federação.
As autoridades educacionais priorizam a rede regular de ensino, sobretudo o
Ensino Fundamental. Havendo crianças fora da escola, espantam-se com a
perspectiva de formular políticas para os presos, temendo que este tema – que
consideram alheio à sua responsabilidade ainda lhes retire recursos. Não têm
postura ofensiva, no sentido de reivindicar recursos do Fundo Penitenciário para
esse fim. (Sena, 2004, p.14).

75
Em São Paulo, no final da década de 1990, foi adotada a versão “2000” do
Telecurso e, para implementá-lo em sete unidades prisionais do Estado, a Funap contou
com a participação da própria Fundação Roberto Marinho, além do Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (Senai) e Serviço Social da Indústria (Sesi), organizações
vinculadas à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
A extensão da implementação do Telecurso 2000 para todas as unidades prisionais
foi prevista com a ampliação das parcerias, que, além da Fundação Roberto Marinho e das
instituições do “Sistema S”, contariam também com a participação do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT) e do Ministério da Justiça.
No entanto, isto nunca chegou a acontecer. Em agosto de 2005, persistiam todos os
desafios relatados até aqui. A atuação da Funap não abarcava a totalidade das unidades
prisionais, sendo responsável pela educação em 85 das 134 unidades prisionais do Estado.
Nas demais, tal responsabilidade está a cargo de ONGs, sendo que em algumas unidades,
como os 20 Centros de Ressocialização, toda a administração foi transferida a estas
instituições, por meio de convênios (www.sap.sp.gov.br ).
Também persiste a atuação de professores das redes estaduais e municipais, e
estagiários, ao lado do esforço da Funap em incentivar a ação dos monitores sentenciados,
hoje presentes em 43 presídios, com remuneração mensal de R$ 300,00 para uma jornada
de trabalho de seis horas diárias: quatro em sala de aula e duas em atividades de trabalho
pedagógico.
Tanto as parcerias com ONGs quanto com as redes públicas de ensino, segundo
Marisa Fortunato, são estabelecidas por iniciativa das direções das unidades, que ainda têm
total autonomia na gestão interna, inclusive sobre a educação.
A partir de agosto de 2004, a instituição vem tentando, novamente, conformar um
projeto político pedagógico que permita “A construção das escolas nos presídios, porque o
que existe até hoje são cursos que preparam para o exame (de certificação)”, afirmou
Marisa. Nesse sentido, algumas inovações têm sido implementadas.
Em relação ao material didático, foi adotada a publicação “Viver e Aprender”,
organizada pela ONG Ação Educativa, para o 1º segmento do Ensino Fundamental e
Alfabetização. Para o segundo segmento, está sendo elaborado material pedagógico
específico, com a assessoria da Associação de Leitura do Brasil (ALB),outra organização

76
da sociedade civil. O objetivo é que este material subsidie a nova formatação do Ensino
Fundamental, constituída por 24 módulos, com carga horária de 720 horas, nas quais
também serão computadas as atividades de cultura e trabalho, desenvolvidas pelos alunos, e
que “contribuam para seu desenvolvimento”. (Marisa Fortunato).
A formação é feita com o apoio da ONG Instituto Paulo Freire, e envolve encontros
mensais com a participação dos “coordenadores pedagógicos” das unidades, que por sua
vez devem orientar o trabalho dos monitores sentenciados.
Paralelamente à construção de uma proposta político-pedagógica, a Funap tem
buscado alternativas ao processo de Certificação do Cesu. A estratégia adotada tem sido
estabelecer parcerias com as secretarias municipais de educação das cidades onde estão
instalados os presídios.
No entanto, todas estas iniciativas continuam à mercê da falta de investimentos
públicos, conforme demonstra o quadro abaixo, construído com base nas informações
disponíveis na página eletrônica da Secretaria de Economia e Planejamento do Governo do
Estado de São Paulo. Embora o valor total do orçamento anual da Funap tenha crescido
entre 1999 e 2004, isto ocorreu em função do aumento dos recursos próprios da instituição,
provenientes da venda de carteiras escolares e móveis de escritório fabricados pelos
internos.
Nota-se tendência de redução das verbas estaduais para aquela instituição, pois,
apesar de em 2004 ter ocorrido pequeno aumento em relação a 2003, este não foi suficiente
para atingir o montante destinado no início do período analisado, com redução de R$
2.890.847,00, o equivalente a 20% do valor de 1999. Também verifica-se o início da
participação de recursos federais, ainda que em pequena escala.
Os dados orçamentários demonstram que a população carcerária do Estado de São
Paulo é responsável, em grande parte, pelo custeio de sua própria educação.
Orçamento Anual da Funap
Fonte Tesouro do Estado Recursos Próprios Recursos Vinculados Total (R$)
Ano (R$) (R$) Federais (R$)
1999 15.145.578,00 11.212.500,00 - 26.358.078,00
2000 15.237.457,00 11.629.060,00 - 26.866.517,00
2001 13.334.694,00 13.616.570,00 - 26.951.264,00
2002 11.426.360,00 16.669.700,00 10,00 28.096.070,00
2003 11.812.399,00 32.663.500,00 803.400,00 45.279.299,00
2004 12.254.731,00 28.792.380,00 669.262,00 41.716.373,00
Fonte: Secretaria de Economia e Planejamento – www.planejametno.sp.gov.br/planOrca

77
Depois de mais de 20 anos de tentativas de organização de uma rede escolar com
um mínimo de organicidade – calendário e procedimentos pedagógicos comuns -, as
informações recentes indicam que persistem a fragmentação das ações, a acentuação da
tendência de buscar parcerias com organizações da sociedade civil para a realização das
atividades educativas, e a omissão dos gestores responsáveis pelas políticas educacionais.
Sobre a relação com as organizações da sociedade civil, Português (2001) afirma:
Uma conjunção de fatores impeliu a Funap na busca de outras instituições que
possibilitassem a consecução do Ensino Fundamental nas unidades prisionais. De
um lado, a carência de recursos humanos e financeiros, descritos há pouco. De
outro, a diretriz do governo do Estado de São Paulo, especificamente no que
respeita ao sistema penitenciário, preconizada no Programa Estadual de Direitos
Humanos. (Português, op. cit., p.123).
A opção pelas parcerias, expressa no Programa Estadual de Direitos Humanos, não
pode ser considerada uma inovação do governo paulista. Ao contrário, conforme Haddad
(2003a, p.77), o incentivo às parcerias com organizações da sociedade civil (ONGs,
fundações empresariais, movimentos sociais), “menos nas definições de políticas e no
controle das ações, mais na assessoria técnica e no trabalho direto”, também foi uma das
características da política nacional da década de 1990, no contexto da reforma do Estado.
No entanto, no caso da educação nas prisões, a busca de parcerias com a sociedade
civil não pode ser interpretada simplesmente como uma forma de transferência de
responsabilidade do Estado, num contexto de restrições econômicas. Conforme
preconizado nos programas de direitos humanos, a presença da sociedade civil traz consigo
a possibilidade do controle social sobre as prisões uma vez que a autonomia conferida pelo
governo nacional aos estaduais, e destes para as unidades prisionais, que pode também ser
interpretada como falta de compromisso ou incompetência administrativa do Estado – ora
representado pelo Governo Federal, ora pelos estaduais – garante, contudo, a manutenção
da ordem interna do sistema prisional, pautada justamente pela impossibilidade de controle
externo.
No dizer de Adorno (1991):
A prisão, como outras instituições de controle repressivo da ordem pública, não é
transparente, sendo pouco acessível à visibilidade externa, a não ser em pequenos
momentos e situações, como sejam cerimônias institucionais e rebeliões
carcerárias (...) No limite, este embaralhamento entre o visível e o invisível, entre
o dizível e o silêncio, entre aquilo que se sabe e aquilo que circula, entre o “real”
e a “fantasia” fazem com que qualquer situação seja passível de manipulação
favorável ou desfavorável. (Adorno, op. cit., p. 28).

78
Mas... quem são os atores que conformam esta “sociedade civil” reiteradamente
citada nos planos de direitos humanos? Quais os indícios de que estaria disposta a atuar em
favor da concretização da educação escolar penitenciária? Quais são os limites entre a
participação e o controle social da sociedade civil nas ações do Estado? Estas são algumas
das indagações que orientaram a formulação do próximo item.

3. A sociedade civil, a educação e a prisão


Em relação à educação, a participação da sociedade civil nas ações do Estado,
sobretudo na alfabetização de jovens e adultos, não é um fenômeno recente no Brasil. Ao
contrário, este grupo sempre foi chamado a concretizar as campanhas coordenadas pelo
Governo Federal, desde a década de 1940. No entanto, a natureza dessa participação
assumiu diferentes formas ao longo do período, variando de acordo com a conjuntura
política e econômica.
Nas décadas de 1940 e 1960, a sociedade civil foi chamada a engajar-se nas campanhas
organizadas pelo Governo Federal. Também como já descrito neste trabalho, o período
imediatamente anterior ao Golpe Militar – 1959 e 1964 – foi marcado por diversas iniciativas
na área da educação de jovens e adultos, que envolviam, novamente, governos estaduais e
municipais e setores da sociedade civil.
De acordo com Haddad (1999), nos anos de 1960 e 1970, já durante a ditadura
militar, indivíduos oriundos sobretudo de setores das igrejas progressistas, partidos
políticos e universidades, aglutinaram-se em pequenas organizações e nelas realizavam
“processos educativos que eram absolutamente desligados dos processos educativos
oficiais, ou seja, dos sistemas públicos de ensino” (op.cit., p. 39).
Persistia nesses grupos sua “intencionalidade política”, mas agora, além da
alfabetização baseada na reflexão da vida cotidiana dos educandos em relação à
organização social e econômica da sociedade, e voltada para a transformação dessa
realidade – conforme as propostas pedagógicas de Paulo Freire –, tais grupos “tinham como
missão principal a reconstrução do tecido social que havia se rompido com a ditadura, a
defesa dos direitos humanos e a educação popular”. Sua atuação não pode ser definida
como clandestina, mas, em virtude da repressão política do período, não tinha “visibilidade
pública” (Ibidem, p. 39).

79
Para Costa (2002), a atuação desses grupos coincide com a difusão do conceito de
sociedade civil no Brasil. Para o autor “a utilização da expressão civil nesse caso remete-
nos ao sentido coloquial do termo, como não militar, estabelecendo uma linha divisória
entre a sociedade (civil) e o Estado (militar)” (p.55).
No mesmo sentido, Dagnino (2002, p. 9) afirma que a atuação dessas organizações
é tão significativa que é vista como “fundação efetiva da sociedade civil no Brasil, já que
sua existência anterior estaria fortemente caracterizada pela falta de autonomia em relação
ao Estado”.
A autora também reafirma uma das características marcantes das organizações da
sociedade civil no seu surgimento: a oposição ao Estado.
Considerada o único núcleo possível de resistência a um Estado autoritário, a
sociedade civil se organizou de maneira substancialmente unificada no combate a
esse Estado, desempenhando papel fundamental no longo processo de transição
democrática. (Dagnino, 2002, p. 9).
Na década de 1980, simultaneamente ao processo de redemocratização do País, os
grupos que atuavam na área da educação ampliaram sua atuação, em função do surgimento
de novas demandas sociais e, com elas, o surgimento de novos atores:
Eram os movimentos de bairros, as associações de moradores e organizações
populares; os movimentos sindicais autênticos que se constituíam à margem do
movimento sindical oficial; os movimentos de mulheres e o movimento negro; os
movimentos autônomos de luta por moradia, terra e trabalho. (Haddad, 1999,
p.40).
De acordo com o autor, essas novas organizações traziam consigo a demanda por
formação – não a formal ou oficial, mas aquela voltada para a reflexão sobre sua realidade
e as possibilidades de transformação. Nesse sentido, as populações empobrecidas, que não
tiveram acesso à escolaridade durante a infância, deixaram de ser o público exclusivo das
organizações da sociedade civil que exercitavam a educação popular.
Ainda na década de 1980, a educação deixou de ser apenas meio de atuação para as
organizações da sociedade civil para tornar-se também objeto de reivindicação. A
universalização do acesso ao ensino público de qualidade foi um importante foco de
mobilização social, que pode ser constatado nas polêmicas e embates travados durante o
processo da Assembléia Nacional Constituinte, em 1987 e 1988. “A proposta da
Constituinte mobilizou a sociedade brasileira. A educação foi um dos temas mais discutidos

80
e em torno do qual diversas atividades foram realizadas para definir os princípios da nova
Carta” 30 (Pinheiro, 1996, p. 259)
A explicitação de interesses divergentes entre as organizações da sociedade civil
não aconteceu exclusivamente no campo da educação. Costa (2002) e Dagnino (2002)
chamam a atenção para esse processo. Findo o Regime Militar, o bloco heterogêneo de
organizações que se organizara para combatê-lo começa a se esfacelar, empenhando-se em
demandas específicas colocadas muitas vezes pelo retorno da democracia.
O mesmo pôde ser verificado entre as organizações que, durante a ditadura militar,
em conseqüência da violenta repressão do Estado contra grupos e indivíduos, constituíram
grupos de defesa dos direitos humanos “em benefício daqueles perseguidos por suas
convicções ou por sua militância política, presos, torturados, assassinados, exilados,
banidos e, até hoje, considerados „desaparecidos” (Benevides, 2004, p.48).
De acordo com a autora, terminada a ditadura militar, o marco da defesa dos direitos
humanos não incorporou os setores da classe média que se mobilizaram em favor de seus
parentes e amigos vítimas da repressão. “Os defensores dos direitos humanos perderam a
compreensão e o apoio que tinham da sociedade, pois passaram a se preocupar com a
violação dos direitos de todos, sobretudo daqueles mais esquecidos, os presos comuns”
(Benevides, 2004, p.49). Para a autora, depois da defesa dos presos políticos, se estabeleceu
uma “diferenciação profunda e cruel entre ricos e pobres, entre intelectuais e iletrados,
entre a classe média e a classe alta de um lado, e as classes populares de outro”, uma vez
que as pessoas responsabilizadas por crimes pertencem, em sua “maioria esmagadora às
classes populares”.

30
De acordo com Pinheiro (1996), a polêmica deu-se em torno da disputa pelo significado do conceito de
“público”, em relação à educação. Três foram as conceituações utilizadas: “o público mantido pelo Estado; o
público não-Estatal; e o público como serviço público” (Pinheiro, 1996, p. 260-66). Em torno de cada um
desses conceitos reuniram-se diferentes organizações da sociedade civil, orientadas por interesses diversos,
relativos à sua missão institucional, orientação religiosa ou posição econômica. Mais que uma questão
conceitual, estava em disputa o destino dos recursos do Estado para o financiamento da educação.
A escola pública mantida pelo Estado foi defendida pelo Fórum da Educação As escolas confessionais e
comunitárias defendiam o conceito de público não-Estatal, sob o argumento de que, diferentemente das
escolas privadas, não possuíam fins lucrativos. Por último, o conceito de público como “serviço público” foi
defendido pela Federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – Fenem. Este conceito nega a distinção
entre escola privada e pública, por admitir que toda educação, ministrada ou não pelo Estado, é um serviço
público.

81
Assim, a atuação dos grupos de direitos humanos “por ignorância ou má fé”
(Ibidem, p. 49) passou a ser associada apenas à defesa de criminosos “fazendo-se confundir
defesa da dignidade humana com promoção da criminalidade” (Dallari 2004, p.24).
Comentando a heterogeneidade expressa no interior da sociedade civil e a
redefinição de sua missão a partir do final da década de 1980, Dagnino (2002, p. 10)
também afirma o controle sobre as ações do Estado como uma das características da
atuação dessas instituições “(...) na medida em que o retorno às instituições formais básicas
da democracia não produziu o encaminhamento adequado por parte do Estado dos
problemas de exclusão e desigualdade social nas suas várias expressões, mas antes
coincidiu com o seu agravamento”.
Esta nova forma de atuação tem como conseqüência a ênfase na construção de uma
nova cidadania. “A redefinição da noção de cidadania, empreendida pelos movimentos
sociais e por outros setores sociais na década de 1980, aponta na direção de uma sociedade
mais igualitária em todos os níveis, baseada no reconhecimento dos seus membros como
sujeitos portadores de direitos (...)” (Ibidem, p. 10).
Parece ser esta a dimensão da atuação da sociedade civil que os planos de direitos
humanos, e os técnicos da Funap, visam implementar nas prisões – o controle social que,
como já assinalado anteriormente por Lima Jr (2001, p. 85-86), juntamente com a
justiciabilidade e a mobilização por políticas públicas, têm sido os mecanismos utilizados
pelas organizações da sociedade civil na busca pela efetivação dos direitos humanos
econômicos, sociais e culturais.
Neste caso, há uma clara relação entre concretização de direitos humanos e
exercício da cidadania, conforme reflexão proposta por Benevides (2001a) ao afirmar que
as três etapas históricas da afirmação dos direitos humanos confundem-se, “de certa
forma”, com as três etapas do desenvolvimento da cidadania apresentadas por Comparato
(2003), “numa espécie de evolução dialética” (op.cit., p.85).
A primeira, uma fase exclusivamente política, constituiu-se no período clássico, na
pólis grega e nas cidades-estado romanas, quando os cidadãos eram os homens que
participavam diretamente nos destinos da vida pública.
A segunda, desenvolvida a partir do século XVII, está referenciada nos processos e
desdobramentos das revoluções burguesas, que introduziram nova concepção de cidadania,

82
calcada na garantia das liberdades individuais e na participação na vida pública por meio da
indicação de representantes. A esta organização Comparato (Ibidem, p.89) chama de
“ruptura entre a cidadania civil e a cidadania política, a primeira entendida como afirmação
da soberania individual e a segunda como delegação da soberania coletiva”.
Por último, há a concepção de cidadania forjada nas últimas décadas, na qual,
conforme Comparato, o foco está nos “interesses difusos, isto é, não encarnados
especificamente num grupo ou classe social”. Para o autor, esta característica inviabilizou
o tradicional mecanismo de representação política “que implicava o relacionamento pessoal
entre representante e representado” (Ibidem, p. 92). Neste novo contexto, a concepção de
cidadania está baseada na idéia de que a população, além de escolher representantes,
também participa diretamente da vida pública.
Sobre a relação entre cidadania e participação na vida pública, Benevides (2001b, p.
5) faz distinções entre a cidadania passiva, que é outorgada pelo Estado por meio da
constituição de instituições permanentes para a expressão política e a participação popular;
e a cidadania ativa, que institui o cidadão como portador de direitos e deveres, participante
da esfera pública e criador de novos direitos.
A respeito da participação cidadã, Benevides (op. cit., p. 4) alerta que esta, sob a
forma de parcerias entre Estado e sociedade civil, não deveria significar a redução do papel
do Estado na concretização dos direitos.
No mesmo sentido, Di Pierro (2003, p. 18) afirma que parcerias estabelecidas entre
Estado e organizações da sociedade civil comportam uma ambigüidade31: de um lado
transferem a responsabilidade pela garantia de direitos universais para a sociedade civil,
que obviamente não possui condições estruturais para responder a esta demanda com a
amplitude necessária; de outro lado, ampliam os canais de participação e controle social
sobre as ações do Estado. A incidência de cada uma dessas características varia muito em

31
No campo da educação de jovens e adultos, por exemplo, a ambigüidade apontada pode ser exemplarmente
verificada no Programa Alfabetização Solidária. Concebido em 1996 no âmbito do Conselho do Comunidade
Solidária, organismo vinculado à Casa Civil da Presidência da República com a função de coordenar ações
sociais emergenciais de combate à pobreza, em novembro de 1998 o Programa constituiu a personalidade
jurídica de uma sociedade civil sem fins lucrativos e passou a ser gerenciado pela Associação de Apoio ao
Programa Alfabetização Solidária – AAPAS. Mesmo assumindo a configuração de uma organização da
sociedade civil, continuou mantendo fortes vínculos com o governo federal, que até fins de 2002 respondeu
pela maior parcela dos recursos empregados no Programa (Cf. Di Pierro e Graciano, 2003, p.31).

83
função dos atores envolvidos e da conformação de cada um dos programas, bem como em
função da tendência política do governo da unidade federativa responsável por sua gestão.
De qualquer maneira, as reflexões apresentadas anteriormente indicam que a
conquista de direitos, bem como o reconhecimento de seus sujeitos, estão diretamente
relacionados à capacidade de mobilização e intervenção da sociedade civil na esfera
pública. Esta premissa coloca a efetivação da educação escolar de pessoas presas numa
situação bastante vulnerável.
O fato de as pessoas socialmente identificadas como criminosas terem tido um
direito civil suspenso – o de ir e vir –, na prática, termina por comprometer a realização de
todos os outros. Em relação à educação escolar, como já apontado, as ações e omissões do
Estado na efetivação desse direito no interior das prisões deixa claro que este grupo não é
reconhecido como sujeito de direitos educativos.
A omissão do Estado em relação à concretização dos direitos das pessoas
encarceradas, por sua vez, encontra respaldo na sociedade civil em geral, conforme citado
por Benevides (2004), ao discorrer sobre o afastamento dos setores da classe média da
mobilização pelo respeito aos direitos humanos, atualmente identificados como “direitos de
bandidos”.
Por fim, há as organizações que persistem na defesa dos direitos de todas as
pessoas, inclusive as encarceradas. Porém, diante de tantas outras demandas e violações de
direitos no interior da prisão – que inclusive colocam em risco imediato a vida da
população carcerária –, tais organizações terminam por atuar sobretudo na defesa dos
direitos civis, relativos à garantia da integridade física e mental daquelas pessoas.
Até o momento, não há informações sobre mobilizações sistemáticas por parte da
sociedade civil – ações de exigibilidade –, para a concretização dos direitos educativos no
interior das prisões.
Sobre o tema, parece haver concordância entre organizações civis e Estado – não há
negação explícita do direito, mas também não há esforços em precisar, no caso da
sociedade civil, e viabilizar, por parte do Estado, as ações necessárias para sua
concretização. Exemplar nesse sentido é a inserção do tema da educação penitenciária nas
duas versões de projetos do Plano Estadual de Educação, que encontram-se em tramitação
na Assembléia Legislativa desde outubro de 2003.

84
A versão elaborada pelo Governo do Estado de São Paulo (PL 1.066/2003), que não
contou com a participação de organizações da sociedade civil, estabelece no capítulo
“Modalidades de ensino”, item Educação de Jovens e Adultos, meta 18:
Implantar, em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam
adolescentes e jovens infratores, programas de Educação de Jovens e Adultos de
nível fundamental e médio, assim como de formação profissional, contemplando
para esta clientela a meta 15 (oferta de programas de educação à distância,
incentivando aproveitamento nos cursos presenciais). (PL 1.066/2003, item EJA,
meta 18)
Já na versão (Projeto de Lei nº 1.074/03), elaborada pelo Fórum Estadual em Defesa
da Escola Pública - que congrega 33 organizações da sociedade civil entre ONGs,
sindicatos, universidades, entre outras -, a formulação é indicada no capítulo 4 “Níveis e
modalidades de Educação e Ensino: diagnóstico e proposições”, Item Educação de Jovens e
Adultos, Meta 6:
Implantar, a partir da aprovação deste Plano, em todas as unidades prisionais e
nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens em medidas sócio-
educativas, programas de Educação de Jovens e Adultos de Nível Fundamental e
Médio, assim como de formação profissional. (PL 1.074/03, item EJA, meta 6)
A primeira observação é que as duas proposições sobrepõem a educação nas
penitenciárias com a educação ofertada na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor
(Febem), quando os grupos têm, entre outras, especificidades tanto em relação às faixas
etárias como ao sistema de penas que cumprem, e as unidades administrativas responsáveis
por sua gestão, o que certamente deve influenciar na organização das atividades de
educação escolar a eles dirigidas.
As duas formulações são imprecisas no que diz respeito à concretização dos cursos.
O Governo do Estado propõe o ensino a distância, e a sociedade civil não explicitou,
ficando a dúvida se a proposta é pelo ensino presencial. Nenhuma das duas fornece
indicações sobre os objetivos da educação a ser ofertada. Também não há qualquer
referência à designação da responsabilidade administrativa, prazos para a implementação,
ou mecanismos de controle social. Não há qualquer questionamento sobre a atual
segregação da educação penitenciária em relação ao sistema oficial de ensino.
Em relação à dotação orçamentária, há uma referência específica no projeto
elaborado pelo Governo do Estado, no capítulo Financiamento, meta 19, que prevê
“assegurar recursos (...) do Fundo Penitenciário para a educação de presos e egressos”. Isto,

85
contudo, não compromete recursos estaduais com a educação penitenciária, visto que o
fundo refere-se a um repasse federal.
A redação dos dois projetos é habilidosa, pois não permite afirmar omissão – ambos
citam a educação nas unidades prisionais –, mas também não garante, ou induz, à
concretização do direito. É o que Martins (2000) classifica como “dissimulação” ou
“teatralização” – formas de se manter comportamentos tradicionais, num cenário moderno
(Martins, 2000, p. 50-51).
A dissimulação que permite enunciar a educação penitenciária, sem a intenção
concreta de realizá-la é relacionada à dúvida, compartilhada entre Estado e sociedade civil,
quanto à condição das pessoas encarceradas como sujeitos de direitos; dúvida esta fundada
no questionamento de sua condição humana. É como explicam V. e J.
Eu sou obrigada a entender que a gente está presa porque está pagando por um
crime que cometeu, mas aqui não deixam a gente ter direito a nada, e isso é uma
coisa muito cruel. Você tem direito a tirar sua pena e só. Ao invés de aqui ser
uma penitenciária, aqui é um depósito de bicho, porque as pessoas, quando
acabam confinadas em um lugar que cabe 200 pessoas e tem 700, acaba virando
bicho. Aí as pessoas ficam desmotivadas a ir para a escola, a trabalhar... porque aí
você passa a não ter nada, fica uma coisa igual a tudo (V., aluna do Ensino
Médio).
Se não há registro de mobilização da sociedade civil pela concretização da educação
escolar nos presídios, outras iniciativas parecem contribuir para que as próprias prisioneiras
reivindiquem direitos. Durante as entrevistas, espontaneamente, o curso “Promotoras
Legais Populares”32 foi citado, conforme depoimentos a seguir.
Eu achei uma coisa assim... o pulo do gato. Não foi tudo aquilo que eu pensava,
acho que tinha que ser mais direto... eles comeram a pizza pela borda, falando
tudo com frieza ... nossos deveres: tinha alguns que eu não sabia; fiquei sabendo
os nossos direitos ... Achei que esclareceu muita coisa para muita gente que não
sabia de nada e ficou sabendo de um pouquinho... uma gota de água no oceano,
mas foi importante. (V.)
É um curso bárbaro, poderia voltar todo ano. Acho que nem deveria sair do
sistema prisional, porque traz vários conhecimentos até mesmo de cidadania. (M.,
professora sentenciada)

32
O 1º curso de Promotoras Legais Populares (PLPs), em São Paulo, ocorreu em 1994. A iniciativa surgiu
baseada em um seminário, promovido pelo Comitê Latino Americano e do Caribe de Defesa dos Direitos da
Mulher (Cladem), em 1992, no qual militantes feministas brasileiras tiveram contato com iniciativas de
"capacitação legal" de mulheres em outros países da América Latina. Além de São Paulo, as PLPs também
foram implementadas em Porto Alegre (RS). A idéia do projeto é a capacitação de mulheres para que tenham
acesso a informação e aos instrumentos jurídicos de proteção para efetivação de seus direitos. Hoje, 13 anos
depois, a iniciativa já atingiu vários estados e cidades brasileiras e influenciou a criação de muitos outros
cursos de capacitação legal para pessoas leigas. Mais informações: www.promotoraslegaispopulares.org.br

86
A relevância do curso “Promotoras Legais Populares” apresentada nos depoimentos
sinaliza a existência de um importante campo de investigação, ainda não explorado, acerca
da presença da sociedade civil no ambiente prisional, por meio da realização de práticas
educativas não-formais. Qual o significado dessas atividades para aquelas mulheres? Qual a
relação entre tais iniciativas e a educação escolar ofertada? Quem participa? Quais os
critérios de seleção para participar? Qual seu potencial de intervenção na alteração das
condições de vida das estudantes? Quem organiza? Qual a relação dos organizadores com a
administração da instituição (Estado)? Há intencionalidade em estabelecer intersecção com
a educação escolar do presídio? Há intencionalidade em estimular a busca da
escolarização? Estas são algumas das indagações possíveis a este campo de análise.
No momento, fica apenas o registro da existência, na Penitenciária Feminina da
Capital, de um interessante movimento, organizado pelas próprias detentas com o apoio da
professora contratada, no sentido de implantar um curso pré-vestibular na unidade. De certa
forma, tal iniciativa sugere que a chamada exigibilidade, no caso pelo direito à educação,
começa a ser exercida pelas mulheres encarceradas que, para tanto, criam estratégias de
negociação com o Estado – representado pela administração da instituição – como narrado
a seguir.

87
CAPÍTULO IV

A escola na prisão

“Decidiram deixar as presas dando aula. Então me sinto bem, porque


eu não tenho vergonha da professora, posso perguntar, vou
na lousa; e com a professora da rua eu ficava mais inibida”.
F., 40 anos, turma de Alfabetização

Como já afirmado na introdução deste trabalho, a opção de realizar o estudo de


campo na Penitenciária Feminina da Capital foi baseada nas informações fornecidas pela
Pastoral Carcerária acerca do bom funcionamento das atividades educativas nesta unidade,
quando comparadas às outras que integram o sistema penitenciário do Estado de São Paulo.
Antes de iniciar a exposição do trabalho de campo naquela unidade, não poderia
deixar de registrar as observações feitas e informações adquiridas durante visita realizada à
Cadeia Pública Dacar IV33, uma vez que contribuem para a caracterização do tratamento
dispensado pelo Estado às atividades educativas nas prisões, além de constituírem-se como
contraponto às observações feitas na Penitenciária Feminina da Capital.
A visita foi realizada em outubro de 2003, em companhia da equipe da Pastoral
Carcerária34, e de uma representante da equipe do Centro de Defesa dos Direitos da Criança
e Adolescente (Cedeca/Lapa). O objetivo, como prevê a rotina de trabalho da Pastoral, era
acolher solicitações das presas referentes a processos judiciais, restabelecimento de contato
com familiares, sobretudo com os filhos, e denúncias de maus-tratos. As demandas são
encaminhadas, por escrito, ao setor jurídico da Pastoral, que se encarrega de tentar
solucioná-las. Em todos os casos, seja qual for a resposta, as mulheres recebem o retorno
por carta, encaminhada a elas na própria unidade.

33
Esta unidade foi desativada no primeiro semestre de 2004.
34
A fim acompanhar esta equipe, participei do curso de formação para “Agente da Pastoral Carcerária”,
destinado à formação de voluntários para atuarem nas unidades prisionais, com o objetivo de apoiar as
pessoas presas em diversas demandas.

88
As cadeias públicas, atualmente denominadas Centros de Detenção Provisória,
deveriam abrigar pessoas ainda não submetidas a julgamentos. No entanto, dada a
insuficiência de vagas nos presídios, terminam também por receber aquelas que já foram
julgadas e estão cumprindo suas sentenças.
Em Dacar IV era justamente esta a situação, que pôde ser verificada por meio das
solicitações das presas aos agentes da Pastoral. Muitas pediam a revisão de suas penas;
outras queixavam-se de já ter cumprido a sentença; outras, que as sentenças tinham sido
injustas, extrapolando a somatória das penas previstas para os delitos praticados; e também
havia muitas demandas para a localização e contato com os filhos.
De acordo com a representante do Cedeca/Lapa, é muito comum que a mulher
aprisionada desconheça o destino dos filhos após sua prisão. Há casos em que os filhos já
não viviam com as mães, estando sob os cuidados de familiares ou muitas vezes de
“conhecidos”. Ocorre que essas pessoas não mantêm contato, permanecendo a falta de
informações sobre os filhos.
Há ainda casos em que as mães perderam o pátrio-poder – decisão judicial –, ou
abriram mão dele, e os filhos foram encaminhados para processos de adoção. Ainda assim,
as mães biológicas, muitas vezes omitindo a real situação sobre a guarda das crianças,
solicitam que se tente encontrá-los.
Em Dacar IV não se podia entrar nas celas ou mesmo no pátio interno onde as
internas passavam a maior parte do dia, andando em círculos, de braços entrelaçados, ou
deitadas sobre cobertores para o banho de sol, ou ainda penteando os cabelos, pintando
unhas ou lavando roupas. O contato com os visitantes era feito através das grades que
cercavam o pátio. Por estas grades podia-se ver, ao fundo, circundando o pátio, as portas
das celas, além de inúmeros varais improvisados para secar roupas.
Aparentemente, a idade das mulheres ali encarceradas era variada. Havia algumas
com aparência bastante jovem, mas também muitas senhoras. No conteúdo das conversas
percebia-se um grande número de migrantes. Algumas mantinham contato com os
familiares e amigos apenas por meio de cartas, e muitas nem assim, permanecendo
completamente isoladas.
De acordo com as mulheres e com a confirmação da equipe da Pastoral, nesta cadeia
pública não havia qualquer atividade proposta pelo Estado. Nenhuma iniciativa de

89
educação, esporte, cultura, lazer ou trabalho. As mulheres passavam ali os dias e as noites
sem absolutamente nada para fazer, a não ser conversar.
Esta situação gerava um outro tipo de demanda à Pastoral, que é a sua intervenção
para que se modifique a organização da Cadeia. Pedia-se, em primeiro lugar, o
desenvolvimento de atividades que possibilitassem a geração de renda. Como sugestão,
citam a confecção de bijuterias e outras peças. Em outras palavras, pedia-se trabalho.
A segunda solicitação era por atendimento de saúde e odontológico. Foram queixas
das mais diversas dores – dente, cabeça, estômago, pernas, etc. –, mas também chamou a
atenção a recorrente solicitação para serem examinadas e, principalmente, medicadas, por
psiquiatras. De maneira geral, todas consideravam possuir algum tipo de descontrole
emocional, necessitando de “calmantes”.
Algumas poucas queixas foram feitas em relação à alimentação e apenas uma das
mulheres falou sobre maus-tratos, mostrando uma bala de arma de fogo que teria sido
disparada à noite pelos policiais que cuidam da segurança da cadeia, numa tentativa de
intimidar as presas e fazê-las ficar em silêncio.
Não houve qualquer solicitação ou comentário em relação a atividades
educacionais. No entanto, a violação ao direito educacional pôde ser constatada de uma
maneira concreta: muitas mulheres não podiam sequer preencher a ficha distribuída pela
Pastoral para o registro das solicitações por não saberem escrever ou ler. Nestes casos, as
colegas com maior escolaridade eram chamadas a ajudar.
Tendo em vista que, para muitas daquelas mulheres, a leitura e a escrita eram as
únicas formas de comunicação com o mundo exterior, por meio das cartas, não dominar
estas técnicas significava o total isolamento. Não apenas em relação aos familiares e
amigos, mas também para acompanhar seus processos judiciais – muitas detentas,
sobretudo as que não possuem assistência jurídica particular, se comunicam com seus
advogados apenas por carta. Neste caso, literalmente se aplica a afirmação de que a
educação é um meio de acesso a outros direitos (Benevides, 2001b, entre outros autores).
A importância da alfabetização nesta condição específica foi expressa por uma
jovem de 25 anos, que demonstrou grande preocupação porque uma de suas colegas ainda
não havia recebido resposta à solicitação feita à Pastoral, e explicou: “Tadinha, não sabe
escrever, e tem que confiar no que os outros escrevem pra ela”.

90
Esta jovem explicou que estava ajudando a colega, escrevendo suas cartas, inclusive
preenchendo a ficha da Pastoral Carcerária. Ponderou que era obrigação de quem sabe ler
ajudar quem não sabe. E explicou que, quando criança, vivia pela Praça da Sé e gostava
muito de freqüentar as atividades oferecidas pelos educadores de rua da “igreja”.
A visita a esta cadeia pública indicou a completa ausência de ações do Estado no
sentido de garantir qualquer direito àquela população, inclusive atividades educativas,
embora tal instituição também devesse orientar sua organização pela Lei de Execução Penal
(1984). De acordo com Marisa Fortunato, responsável pela área da educação na Funap, não
há possibilidade de desenvolvimento de atividades educativas nestas unidades em virtude
da falta de espaço físico, e da alta rotatividade dos internos; fatores que certamente não
justificam a total ausência de garantia de direitos a essas pessoas e, menos ainda, para a não
responsabilização do Estado pela permanência desta situação.

1. A Penitenciária Feminina da Capital


O projeto arquitetônico original do prédio da Penitenciária Feminina da Capital
dispunha a construção de duas salas de aula em cada um dos pavilhões da unidade. No
entanto, esta configuração foi abandonada e decidiu-se pela constituição de um espaço
único para o funcionamento da escola. As janelas têm grades e na recepção fica uma agente
penitenciária – guarda –, que controla o movimento de pessoas. Além de três salas de aula,
o prédio conta com salas para a administração, informática, biblioteca e oficina de biscuit
(tipo de produção artesanal). A equipe de trabalho da escola é formada por funcionárias
públicas e detentas – que atuam como monitoras/assistentes de cada um dos espaços de uso
coletivo.
Além dos cursos de escolarização – Alfabetização e Suplência dos níveis
fundamental e médio –, até novembro de 2004, quando foi encerrada esta pesquisa de
campo, a escola abrigava uma série de outras atividades, conforme agenda semanal fixada
no mural da unidade e reproduzida abaixo.

91
Agenda Semanal Escolar
2ª feira 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira Sábado
Manhã - Ressocialização - - Ressoacialização Teatro
até 12h
Tarde Supletivos Supletivos Supletivos Supletivos Supletivos AA*
até 18h Terapia Terapia Terapias Terapia NA**
Terapia Terapia Biscuit
Biscuit Macramê Canto Coral
Aeróbica Samba-Rock Ponto Cruz
Noite até Alfa – I e II Alfa – I e II Alfa – I e II Alfa – I e II Alfa – I e II
20h Supletivos Supletivos Supletivos Supletivos Supletivos
Informática Informática Informática Informática Informática
Espanhol Inglês Espanhol Inglês
* Alcoólicos Anônimos
** Narcóticos Anônimos
Inglês Iniciantes: quintas-feiras
Espanhol Iniciantes: segundas-feiras
Informática: turma da noite – terças/quintas
Informática: segundas/quartas
De acordo com informações da direção da Penitenciária Feminina da Capital, em
agosto de 2004 a escola tinha 40 alunas matriculadas no Ensino Fundamental – incluindo a
turma de alfabetização – e 30, no Ensino Médio.

Conforme gráfico a seguir, este número tem variado ao longo dos anos, tendo
alcançado seu pico em 1990, com 113 matrículas. O declínio das matrículas coincide com o
período de mudanças administrativas na estrutura do governo estadual que resultaram na
transferência da responsabilidade sobre a administração das penitenciárias35, e com as
restrições orçamentárias impostas à Funap em 1994, já mencionadas anteriormente36.

35
Até março de 1991, as unidades prisionais ficaram sob a responsabilidade da Secretaria da Justiça. Em
seguida, a responsabilidade foi para a pasta da Segurança Pública e com ela ficou até dezembro de 1992, dois
meses após a rebelião na Penitenciária Masculina do Carandiru, que resultou na execução, pela Polícia
Militar, de 111 presos, em outubro de 1992. Em janeiro de 1993, a Lei n.º 8.209 criou e o Decreto n.º 36.463
organizou a Secretaria da Administração Penitenciária.
36
A peregrinação da administração das penitenciárias entre três secretarias em menos de três anos também
gerou uma incrível dispersão dos documentos referentes à história das prisões no Estado. Durante realização
desta pesquisa, constatou-se que a maior parte dos arquivos se perderam e, o que restou deles, está alojado na
garagem na Penitenciária do Estado, em péssimas condições de conservação, segundo funcionários,
aguardando a catalogação informatizada.

92
Média mensal de alunas na escola da Penitenciária Feminina da Capital
1978 – Set/2004

113

100 100 100 100 100

90

75 75
70

60
55 55 55

35
30

20 20
16 15

0 0 0 0 0 0
1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004

Fonte: Dados de 1978-2002: Funap; Dados de 2004: Direção da Penitenciária Feminina da Capital.

Entre 1996 e 1997 o aumento das matrículas coincide com a reorganização das
escolas, produzida, sobretudo, com o incentivo à participação dos monitores sentenciados e
contratação de estudantes universitários também para exercer tal função.
Ainda que não se tenha tido acesso aos dados desagregados de escolaridade para
esta unidade prisional, como apresentado no capítulo anterior, 65% da população carcerária
feminina do Estado de São Paulo não concluiu o Ensino Fundamental; 10 % apenas iniciou
o Ensino Médio e há ainda 4% de mulheres não-alfabetizadas, o que representa expressiva
demanda potencial, quando considerados os dados oficiais da Secretaria Estadual de
Administração Penitenciária, que registravam, em dezembro de 2004, 644 internas na
Penitenciária Feminina da Capital. Em números absolutos, equivaleria a 26 postulantes ao
curso de Alfabetização, 419 para o Ensino Fundamental e 65 para o médio.
Nota-se que apenas a turma de Alfabetização tem proximidade entre demanda
potencial e real. No primeiro semestre de 2004, eram 30 alunas matriculadas, conforme
informou a professora M.. No Ensino Fundamental e Médio, há um gritante lapso. O que
explica esta reduzida procura pela escola, ou, pelo exercício do direito à educação escolar?

93
Na expectativa de refletir sobre estas e outras indagações acerca da realização do
direito à educação na Penitenciária Feminina da Capital, bem como a percepção de suas
portadoras sobre o mesmo, este capítulo apresenta as observações e entrevistas
empreendidas naquela unidade. Esse material foi discutido à luz das dimensões formuladas
pela Relatoria Especial das Nações Unidas para o Direito à Educação, que são:
“Disponibilidade – a educação gratuita deve estar à disposição de todos”; “Acessibilidade
– garantia do acesso à educação pública sem qualquer tipo de discriminação”;
Aceitabilidade – garantia da qualidade da educação – programas de estudos, métodos
pedagógicos e à qualificação dos professores”; “Adaptabilidade – requer que as escolas se
adaptem às necessidades dos alunos e que a educação corresponda à sua realidade”
(Tomasevski, 2001, p. 12-14).
Antes, porém, para contribuir com esta proposta de reflexão, serão apresentadas as
narrativas das aulas observadas, bem como depoimentos das professoras responsáveis pelas
turmas. São aulas “assistidas” nas turmas de Suplência – Ensino Médio e na de
Alfabetização.

2. Aulas na escola da Penitenciária


2.1 A Química no Ensino Médio
Faltavam alguns minutos para as 16 horas, horário de início das aulas do período
vespertino. Aos poucos, as alunas da turma de Suplência do Ensino Médio foram chegando
e, enquanto esperavam o início da aula, algumas escreviam, outras conversam em voz
baixa. Uma jovem chegou agitada, dizendo-se nervosa porque fora demitida da oficina.
A professora, funcionária contratada pela Funap, entrou, cumprimentou as alunas
com muita cordialidade e iniciou a aula informando à turma que, “por determinação da
Funap”, dentro de algumas semanas seria “obrigada” a deixar a função de professora para
assumir a de coordenadora pedagógica da escola. Explicou que a instituição “decidiu” que
todos os professores das unidades prisionais devem ser internos do sistema, que atuarão
com o apoio e coordenação daqueles contratados pela instituição, “professores da rua”,
como dizem as alunas. No seu caso, ainda não estava decidido quem a substituiria, pois
havia três candidatas para o cargo: uma jornalista, uma professora de História e uma
Pedagoga.

94
De imediato a reação foi negativa. As alunas protestavam dizendo não querer uma
presa como professora e algumas alegavam não agüentar ficar “ouvindo gente chorar,
contar da vida pessoal”, pois todas já tinham seus problemas. A professora ponderou que
lamentava muito ter que deixar a turma, reafirmou o quanto gostava de seu trabalho, da
companhia das alunas, mas que não dependia dela – ou aceitava ou ficava desempregada.
Disse também que não havia motivos para rejeitarem professoras presas, pois elas
seriam orientadas a não trazerem problemas pessoais para a turma e citou exemplos de
experiências bem-sucedidas ali mesmo na unidade. V., uma das alunas, mostrou-se muito
pragmática: “Tem alguma coisa que a gente possa fazer para evitar? Não. Ou é isso ou é
nada – acabou a discussão”, disse, encerrando o assunto.
Mais alunas foram chegando e, no total, a turma ficou com 16 estudantes naquela
tarde, com idades que aparentemente variavam entre 20 a 35 anos. Algumas tinham
caderno e outras escreviam em folhas avulsas, distribuídas pela professora.
Em seguida, a professora informou que havia 25 interessadas em cursar o pré-
vestibular. Com a ajuda das alunas, explicou que, desde 1999, os homens presos têm direito
de participar do vestibular. Caso ingressem, durante um período freqüentam a Faculdade
acompanhados por escolta policial, e depois passam ao regime semi-aberto. Segundo o
grupo – professoras e alunas –, até o momento, nenhuma mulher valeu-se desta
possibilidade.37
Muitas alunas falam, outras concordam: “tudo para nós é mais difícil”. A professora
apóia; lembra “a luta” que foi para montar a turma de Ensino Médio: “diziam que a
obrigação do Estado é oferecer só o fundamental” – as alunas confirmam. A professora cita
o direito à visita íntima. As alunas ficam indignadas e vão falando, juntas, uma
complementando a informação dada pela outra. “Aqui só começou no ano passado”. “Os
homens têm direito a uma vez por semana” “A gente, só uma vez no mês”. “Só duas horas”

37
Em pesquisa realizada na página eletrônica do Ministério da Justiça, não foi encontrada nenhuma resolução
específica sobre o tema, mas a diretoria do presídio informou que a reivindicação está amparada na Lei de
Execução Penal – 7.210, de 11/7/1984. No entanto, há notícias de jornais, com datas variadas, que remetem a
uma resolução específica, confirmando a data – 1999. Nessas notícias não há referências ao fato de mulheres
presas nunca terem acessado este direito, mas todos os casos citados são de homens detentos, que ingressaram
no ensino superior e conquistaram o regime semi-aberto. De acordo com o “Manual dos Direitos das Presas”
(ITTC, 2001 – p. 23), seria possível às presas “freqüentar curso superior ou profissionalizante – direito
concedido a réus primários, que já tenham cumprido 1/6 da pena em regime semi-aberto”.

95
“Não dá nem pra começar a tirar a roupa”. Uma aluna diz: “A gente não tem acesso nem a
livros de Direito”. A professora vai concordando e dizendo que o importante é não desistir.
Alguém muda de assunto e brinca com o caderno da colega, mostrando que é de
“capa dura, toda desenhada”. A professora entra no clima e arremata: “Quem pode, pode...
quem não pode se sacode”, e várias alunas sacodem as folhas avulsas que estão usando.
Uma das alunas reclama que perdeu a inscrição para fazer o exame de certificação.
A professora se mostra decepcionada e ela se apressa em explicar: “Não foi minha culpa.
Vim aqui de manhã, voltei à tarde e não consegui fazer a inscrição porque...(cita o nome da
funcionária responsável pela inscrição) não estava”. A professora tenta consolar e ela
responde: “Deixa professora, no ano que vem eu faço... na rua”, e todas se animam com a
menção à liberdade. Alguém lembra que R., que está ausente, também perdeu a inscrição
porque não tem carteira de identidade.
A professora inicia a matéria do dia. É aula de química, e ela continua um ditado,
iniciado anteriormente, sobre os ácidos. A lousa é usada para escrever as equações que
surgem no texto, como exemplos. Muitas alunas “se perdiam” em virtude dos nomes de
elementos químicos ou expressões técnicas, e o mesmo trecho era repetido várias vezes.
Dirigindo-se a quatro alunas que iniciaram o curso naquele semestre, a professora pede que
não se preocupem, pois “voltaria” com a matéria.
Entre um trecho do ditado e outro, algumas conversas e informações coletivas. A
professora avisa que no dia seguinte irá participar de uma reunião na Funap e que, por isso,
não haverá aulas. As alunas protestam... lamentam... “Vamos ter que ficar trabalhando”.
Alguém lembra que no dia seguinte haverá o evento de certificação do curso de “Recursos
Humanos”, que algumas fizeram e, portanto, poderão, sim, sair do trabalho às 16 horas.
L., a aluna que perdeu o emprego, interrompe o ditado de Química para contar o
ocorrido à professora, que relativiza o problema e a convida para participar do curso de
informática. A aluna se anima e quer ir fazer a inscrição imediatamente.
O ditado continua e mais uma interrupção: “Tá enxergando bem, L.? Por que fica
tão perto do caderno?”, pergunta a professora. “É mania, professora. Sou míope e quando
cheguei aqui fiquei muito tempo sem óculos: peguei a mania”, justifica.
Continua o ditado.... de repente: “Que tal uma aula de inglês amanhã?”, pergunta a
professora. As alunas que não fizeram o curso de RH se animam, pois a aula de inglês

96
permitirá que saiam mais cedo do trabalho. A professora se compromete a conversar com a
estagiária, para que venha dar a aula.
Segue o ditado e uma das alunas que chegou atrasada pergunta: “Isso aí é o quê?...
Matemática?”. Um coro afinado informa: “É QUÍMICA!”.
Do lado de fora da escola, vozes conversam aos gritos e na sala de aula chegam
frases soltas: “Estava morrendo de saudades de você”. Não se pode ouvir a resposta, mas a
voz complementa “Pensei que tivesse ido embora”.
Na sala, o ditado continua, apoiado na lousa: “H3BO3= ácido (boro+ico). As alunas
se divertem com a sigla B.O. Duas alunas levantam e avisam: “Tô indo”. As outras
explicam: “Vai começar o samba-rock”.
Continua o ditado... Alguém reclama: “Minha folha acabou”. A professora avisa:
“Só falta um pedacinho”. Mais algumas expressões na lousa e a aula termina. As alunas
levantam para voltar ao pavilhão: é hora do banho e do jantar.

2.1.1 Considerações da professora


Depois da aula, em conversa informal, a professora fez algumas considerações sobre
as dificuldades de funcionamento da escola na prisão; entre elas, a grande rotatividade das
alunas; experiências escolares anteriores muito diferenciadas; apenas um profissional para
todas as disciplinas, em duas horas diárias, “que não são duas horas, pois elas têm que ir
antes para não perder o banho quente”, disponibilizado entre 17 e 18 horas – três chuveiros
para 100 mulheres. Em algumas celas há torneira com água fria, mas na maioria não.
Depois de disputar o banho, é hora do jantar – quem perder, fica com fome.
Sobre a falta de cadernos verificada durante a aula, a professora explica existir uma
recomendação para que o material não seja distribuído nos primeiros dias de aula, pois
verificou-se que muitas alunas matriculavam-se apenas para ganhar caderno, desistindo do
curso em seguida. Pondera que papel e caneta valem muito na cadeia, pois são a garantia da
produção de cartas. Afirma não concordar com a decisão: “Não é um absurdo?! Num país
com milhares de analfabetos, não é lindo que pessoas gastem cadernos para escrever cartas?
Nós deveríamos incentivar”.
Sobre as experiências escolares diferenciadas, fala com muito orgulho de V, uma
das candidatas ao curso pré-vestibular:

97
Ela é brilhante. Está aqui há mais ou menos 10 anos. Quando chegou tinha a
segunda série do fundamental. Concluiu o Fundamental e o Ensino Médio, mas
todo semestre volta para aprender um pouco mais. Nós sabemos que o ensino
oferecido é muito defasado, não dá pra ver tudo, por isso ela sempre volta. (E.,
professora)
A professora conta que a reivindicação começou quando ela trouxe um recorte de
jornal, com uma reportagem sobre presos que iriam submeter-se ao vestibular, nas
condições descritas anteriormente. O recorte foi fixado no mural da escola38 e motivou as
alunas a reivindicarem o curso pré-vestibular e a inscrição em exames vestibulares. De
acordo com a professora, a principal liderança do “movimento pró-faculdade” é uma
mulher condenada a pena altíssima e com poucas possibilidades de acessar regime mais
ameno, o que significa que dificilmente conseguirá cursar a faculdade. “Ela briga pelas
outras”, afirma, relembrando que a mesma moça liderou o movimento que trouxe o Ensino
Médio há três anos39.
A professora se emociona ao falar das alunas, relata as dificuldades que enfrentam
no sistema, que muitas sabem que ficarão ali ainda por muitos anos e sentencia: “Acho que
elas estudam para não enlouquecer”.
Em visita à sala de informática, explica tratar-se de um núcleo da ONG Centro para
Democratização da Informática (CDI), cujo objetivo é fazer da informática uma ferramenta
para o exercício da cidadania. Nos outros núcleos disseminados pelo País, a proposta é
consolidada pela democratização do acesso à Internet e o enfoque em temas que levem à
informação sobre direitos individuais e coletivos. No núcleo da Penitenciária Feminina da
Capital, as aulas destinam-se à capacitação em diferentes programas, e é proibido o uso da
Internet, embora tecnicamente fosse possível liberar o acesso apenas a páginas eletrônicas
selecionadas pela instituição.
Sobre a ausência de material didático, fato que obriga, por exemplo, o estranho e
difícil ditado de Química, a diretora da escola afirma que houve a tentativa de adoção de
tele-aulas, mas as alunas afirmaram não conseguir “prestar a atenção” nas explicações do
vídeo, optando pelo ensino presencial, sem livros, para estimular a concentração.

38
“A lei que caiu do céu” – jornal O Estado de São Paulo – data ainda não identificada. O recorte continua no
mural da escola.
39
Há controvérsias em relação à implantação do Ensino Médio na escola. A direção da unidade afirma que o
mesmo existe desde a década de 1980.

98
2.2 Algumas cenas da turma de Alfabetização
M. tem 35 anos, é negra e cursou o primeiro ano de Jornalismo em Franca, onde foi
presa há cerca de três anos. Candidatou-se à função de alfabetizadora porque recebia e
atendia muitas solicitações para escrever cartas. Contou que depois que começou a lecionar,
sua vida ficou muito atribulada: trabalha na oficina de montagem de material cirúrgico, sai
às 17 horas, disputa o banho, janta rapidamente, ensina na turma de alfabetização até às 20
horas e, nos finais de semana, leva os cadernos das alunas para corrigir e prepara suas
aulas, além de fazer “bicos” como manicure, atendendo inclusive “pessoas da rua”,
visitantes de suas colegas40. Era a única professora da escola que usava avental – um avental
cor-de-rosa.
Apesar de todo o entusiasmo de M. com as aulas, do clima de afetividade e respeito
com suas alunas, em novembro, já no final do trabalho de campo, uma noite M. não veio e
as alunas ficaram sabendo, pelas funcionárias, que ela tinha sido transferida para outra
unidade – sem avisos, sem despedidas, sem saberem para onde nem porque tinha ido
embora. Simplesmente mais um vínculo rompido.
Mas nesta noite de agosto, eram 14 alunas na sala, e aparentemente eram bem mais
velhas do que a turma do Ensino Médio, com uma proporção significativa de senhoras e,
segundo M, pelo menos três com mais de 50 anos. Há uma única jovem com, no máximo,
25 anos. A maior parte das alunas deve ter, em média, 40 anos. Aqui todas têm caderno –
são alunas que freqüentaram o semestre anterior. Embora usem uniforme, é impressionante
como aparentemente as alunas desta turma têm origens mais humildes – são mais pobres
que as alunas do Ensino Médio. Calças beges e camisetas brancas muito mais surradas, a
maioria de chinelo e expressões cansadas, poucos sorrisos, tons de voz mais tristes, olhar
menos brilhante.
Nesta aula, a professora ensinava gramática. Enquanto escrevia os exercícios na
lousa, as alunas iam falando tranqüilamente sobre temas não relacionados entre si, frases
soltas: “Na matemática sou complicadíssima, escrever eu sei”; “Em setembro vou no
médico da rua”; “Hoje não tomei meu remédio”; “Posso ir ao banheiro?”; “Professora, a

40
Há quase dois anos M. não recebe visitas. Quando foi presa, há quatro anos, sua mãe vinha em companhia
de sua filha. Diziam que a mãe estava doente e aquele lugar era um hospital. Um dia, quando tinha quase 5
anos, a menina teria dito: “mamãe, aqui não é um hospital, porque aqui a gente tem que tirar a roupa quando
chega, e no hospital não precisa, nem para tomar injeção”. M. contou a verdade para a filha, mas pediu para a
mãe não mais trazê-la, e a comunicação entre elas se dá por meio de cartas.

99
senhora não vai dar nota no caderno? Tem um monte de lição sem nota.”; e ainda
reclamações sobre o advogado da unidade: “Meu santo não bate com o dele”; um pedido de
ajuda para a redação de um bilhete que será enviado, não se sabe como, a uma colega de
outro pavilhão: “Querida... preciso de sua ajuda para estudar substantivo e adjetivo. Boa
noite para você e sua companheira. Da amiga R.”.
N., uma das alunas, não participa das conversas gerais, mas a todo momento faz
perguntas sobre a matéria. A professora corrige uma palavra pronunciada erroneamente por
ela, que imediatamente se põe a escrever a forma correta “para gravar” – é uma técnica:
escreve 100 vezes palavras ou expressões “difíceis”. Seu caderno, muito organizado, letra
caprichada, é repleto deste seu particular exercício.
A agente penitenciária avisa sobre o final da aula. Todas juntam rapidamente seu
material. A professora apaga a lousa, guarda algumas coisas no armário da sala, e organiza
outras para levar consigo. Todas se dirigem à recepção e dois agentes penitenciários em
frente à porta da escola observam os pavilhões, esperando que as agentes penitenciárias de
cada um deles dêem o aviso para liberação da turma – pavilhão por pavilhão. Ao chamado,
as alunas saem correndo: atrasos no retorno às celas não são tolerados.
No segundo dia de aula na turma de alfabetização eram 12 alunas na sala, que
estavam muito interessadas em saber mais sobre possíveis alterações nas penas dos crimes
hediondos – a imprensa tinha noticiado algo, o que suscitou dúvidas e muita ansiedade41.
Motivada por um exercício que citava o substantivo “atlas” como coletivo de
mapas, R. interrompeu a conversa para dizer que gostaria de saber mais sobre mitologia
grega. A professora sugeriu que ela pedisse um livro na biblioteca; dias depois, a aluna
estava muito agitada, pois a responsável pela biblioteca lhe emprestara um livro sobre
biologia. “Eu queria mitologia grega, professora”, repetia ela insistentemente.
Ainda na segunda aula nesta turma, a conversa tomou o rumo das eleições
municipais que se aproximavam. A professora lembrou que todas tinham no caderno o
texto “O falso político”, e que “Hoje estamos presas, não estamos votando, mas temos que

41
Durante o período de observação, foram presenciadas tentativas, por parte das internas, de obterem
informações, mas nenhum funcionário tinha ou se dispunha a esclarecer o tema. Algumas solicitavam
ligações a seus advogados na expectativa de conquistarem a liberdade. Apesar do clima de ansiedade e das
várias perguntas, também não houve nenhum esclarecimento formal por parte da instituição.

100
ficar atentas”. As alunas sugerem que a professora se candidate a vereadora, “mas não para
roubar o povo”, acrescentam.
A professora encerrou os exercícios de gramática e passou a escrever na lousa o
texto “Uma vontade louca”, que contava sobre uma pessoa que sonhava estar numa casa
cheia de portas e, de repente, sentia uma “vontade louca de fazer xixi”, e não conseguia
achar a porta do banheiro. No final, acordava.
A cópia foi permeada por mais conversas. Alguém está com vontade de comer bala
de hortelã, outra quer amendoim. A professora diz que talvez tenha sobrado amendoim da
Festa Junina, e sugere que peçam para uma determinada funcionária “Se tiver, com certeza
ela dá”. Quanto à bala de hortelã, seria mais difícil: só se alguma visita trouxesse.
Mais conversas coletivas. “Nem sei se quero ir embora, tô estudando aqui”, disse
uma das alunas mais velhas. Outra bem mais jovem: “Só tô estudando porque estou presa”.
A professora avisa que no dia seguinte distribuiria cadernos novos. A conversa
muda de rumo: uma aluna diz ter ficado revoltada com a guarda, “não admito o que ela fez
para você, professora. Em outro tempo ela estaria partida agora”; M. disse que estava tudo
bem, que tinha cumprido a suspensão, mas tinha a consciência tranqüila: não ofendera a
funcionária, e isto era o que importava. Falou da necessidade de manterem-se tranqüilas na
prisão, pois qualquer deslize resulta em mais prejuízo pessoal. A professora explicou que,
diante de uma resposta “mal-criada” da agente penitenciária de seu pavilhão, ela apenas
tinha dito, suspirando: “Ainda bem que isto aqui não é eterno”, e por isso a funcionária a
teria colocado suspensa, alegando ameaça42.
A professora terminou de escrever o texto na lousa e propôs que as alunas falassem
sobre seus sonhos. Ela começa contando que, depois da suspensão, foi para a cela, dormiu e
sonhou que estava perto de um pé de jabuticaba, bem carregado. F. disse que já sonhou
várias vezes ter ido à África.
Era uma miséria e o governador não fazia nada. Estava conversando com (...),
que é angolana, e ela disse que é assim mesmo, do jeitinho que eu sonhei.
Prometo que um dia vou lá; por isso estou estudando: para ir à África. Tive
criança muito cedo, não pude continuar estudando, mas agora eu voltei. (F., aluna
da turma de Alfabetização)

42
A punição ao comportamento de M. reflete uma característica da prisão, narrada por Dostoievski (1973,
p.98), citado por Schilling (1991, p. 114): "aún hoy hay que considerar que, en un forzado, toda manifestación
de personalidad se considera un crimen."

101
2.2.1 Considerações da professora
Em conversa informal, a professora da turma de alfabetização também fez algumas
considerações sobre a escola na penitenciária. Sobre a evasão, contou que no semestre
anterior, de 30 matriculadas, aproximadamente 10 deixaram de freqüentar o curso. Dessas,
apenas uma desistiu; as demais foram transferidas para outras unidades ou ganharam a
liberdade. Uma senhora, transferida para a unidade do Butantã, enviara carta dizendo que
procurou a escola assim que chegou e já tinha retomado os estudos. A única desistência foi
justificada: a aluna casou e a companheira proibiu que continuasse estudando. “Foi ciúme,
medo que ela viesse para a escolar paquerar”, explicou.
A professora afirma que a maioria de sua alunas não estudou por dificuldades na
família e, muitas, porque o marido impedia. Após longas considerações sobre a
subordinação das mulheres a seus maridos, sintetizou: “por isso elas não conseguem
conciliar o eu com o poder”, e afirmou que, para muitas, a experiência da prisão é
“libertadora”. “Aqui elas percebem que conseguem viver e ainda mandam dinheiro para a
família, ganhando R$ 240,00”.
As palavras de M. sobre a dúbia relação entre prisão e libertação que a vida no
cárcere tem para algumas mulheres, presas comuns, remetem às considerações de uma
mulher, presa política no Uruguai, na década de 1980, citada por Schilling (1991):
Para nosotras era una cuestión fundamental no perder la capacidad de pensar, de
elaborar, incluso adquirirla, porque como buenas mujeres que éramos, apesar de
que todas habíamos largado nuestro "grito de Ipiranga" y por algo estábamos
presas, no teníamos, en su mayoria, la capacidad de "hacer" política, como todas
las mujeres que actuan en procesos políticos. Más bien, en nuestra vida habíamos
sido encargadas de llevar adelante una política hecha por los hombres. En la
cárcel nosotras tuvimos que "hacer" política, que trazar nuestra própia estrategia
contra el enemigo, luchar contra él, pero pensando, elaborando nuestra
táctica(...)tuvimos que plantear las perspectivas de la cárcel a partir de un
momento exterior prácticamente desconocido. (Schilling,1991, p.126):
Ainda que de forma diferente, M. também fala da busca e descoberta de novas
estratégias de vida, pautadas na realidade da prisão, que envolve aspectos da sobrevivência
material, pessoal e da família e também a possibilidade de uma nova forma de colocar-se
no mundo “da rua”.

102
2.3 A professora de recursos humanos
Outras observações acerca da relação das alunas com a escola da penitenciária
foram apresentadas pela professora de uma escola privada, contratada pela direção da
unidade, que ministrara o curso de “Recursos Humanos”, com carga horária de 46 horas, a
uma turma de 19 alunas, que tinham concluído o Ensino Médio. Durante o curso,
aconteceram duas desistências; a primeira, de uma aluna que não conseguiu acompanhar as
aulas e, uma segunda por motivo de doença.
A professora disse ter percebido muito empenho em adquirir novos conhecimentos.
Contou que as alunas queriam “aula formal”: carteiras enfileiradas, professora escrevendo
na lousa e algumas vezes pediam ditado, embora tivessem recebido apostila com todo o
conteúdo. “Aos poucos foram se sentindo mais seguras e percebendo que tinham as
respostas para os exercícios. Também, no final, conseguiram sentar em círculos”, disse.
Salientou que as alunas são muito bem informadas e têm grande facilidade em
classificar os telejornais – “os de crime, os de política”, etc. Outra característica que
chamou sua atenção foi a intensa capacidade de crítica, simultaneamente à necessidade de
serem constantemente estimuladas para conseguir elaborar e expressar seu conhecimento,
seja o anterior à formação em questão ou aquele nela adquirido. Por fim, assinalou ter tido a
impressão de que “o sistema tende a idiotizá-las” e citou uma prática extremamente
incômoda entre as alunas, de dirigirem-se, compulsivamente, às “pessoas da rua” com o
tratamento de senhor ou senhora, muitas vezes colocando as mãos para trás – é assim que
são obrigadas a se dirigirem aos funcionários da unidade.
O que a professora deste curso profissionalizante identificou como tentativa de
“idiotizar” as prisioneiras coincide com o que Bettelheim (1985) chama de “infantilização”,
uma das três estratégias utilizadas nas prisões para a destruição da autonomia pessoal,
assim definidas pelo autor: “1) obrigar os prisioneiros a adotar um comportamento infantil;
2) obrigar a abdicar da individualidade e transformá-los numa massa anônima; 3) destruir
qualquer capacidade de autodeterminação, de previsão e, consequentemente, de preparação
para o futuro”( p. 107).

103
3. O direito à educação escolar na Penitenciária Feminina da Capital
3.1 Disponibilidade – garantir oferta de vagas na escola
Esta primeira dimensão remete a um aspecto de temporalidade que não pode deixar
de ser considerado na reflexão sobre a educação de jovens e adultos – a disponibilidade
deste direito na infância e adolescência dessas pessoas.
Sobre este aspecto, as entrevistas na Penitenciária revelaram históricos muito
diferenciados. C. conta que foi à escola com 7 anos; na 2ª série começou a sentir
dificuldade em matemática; na 7ª, depois de duas repetências, abandonou os estudos.
Falei para minha mãe que não queria mais ir para a escola..Ela me deu um
sermão. Também foi a época que eu me revelei; saí de casa e ela não tinha
domínio sobre mim. Parei de estudar e saí de casa. Eu saí de casa porque me
envolvi com gente errada. Eu acho que se eu tivesse continuado a estudar não
teria me envolvido com essas pessoas, mas na época não pensei. (C., aluna
egressa do Sistema Penitenciário)
N. já apresenta um passado marcado pela miséria e violência familiar:
Minha mãe tem 14 filhos, nenhum estudou; a gente nunca entrou em uma sala de
aula, mas não era porque os pais não queriam, eles não sabiam (...) Depois que a
gente mudou tinha escola perto, mas devido meu pai ter muitos problemas, bebia
muito espancava a gente... (..) Antes de vir pra cá eu tinha vontade de estudar,
mas com quem ia deixar dois bebês?. (N., aluna da turma de Alfabetização)
V.L., que chegou à Penitenciária já com o Ensino Médio completo e agora lidera o
“movimento pró-faculdade”, conta que estudou em um internato de freiras desde os três
anos e não voltava para a casa nem nas férias, pois tinha medo da mãe: “Eu era muito
reprimida; apanhava da minha mãe como ladrão apanha da polícia. Hoje tenho sérios
problemas psicológicos e de saúde... seqüelas de surra”.
V., a aluna que concluiu o Ensino Médio na prisão, mas não abandona as aulas para
aprender mais, foi para a escola quando tinha 11 anos, mas teve de deixar os estudos ainda
na 2ª série: “Meu pessoal era pobre e aí não tinha como. Quando tinha 11 anos pressionei
muito e fui, mas logo em seguida tive que parar para trabalhar de doméstica, depois de
babá, depois de arrematadeira, depois voltei a ser doméstica ... tudo isso com 12, 13 anos”.
Já na prisão, estas mulheres encontraram uma escola disponível, pelo menos nos
níveis da educação básica. C., N. e V. contam que ficaram sabendo da escola da
penitenciária por meio de cartazes afixados no refeitório.
Por estranho que pareça, é o retorno à rua, a conquista da liberdade, que coloca em
risco a possibilidade de continuar os estudos. É o caso de C., narrado na apresentação deste
trabalho, que depois de cumprir sua pena, já livre, tem de forjar uma repetência para

104
continuar estudando, única forma de garantir seu emprego. Ou, nas palavras de N.: “Eu
quero ir embora, mas se eu pudesse ir embora e voltar para a cadeia estudar eu voltaria”.
Há também outras considerações acerca da disponibilidade da escola na
Penitenciária. A professora M. e a aluna V. admitem que a divulgação da escola e de seus
períodos de matrícula é feita. No entanto, ponderam que a condição emocional das
mulheres presas requer mais que a simples divulgação, requer estímulo, incentivo.
A divulgação não é suficiente porque muitas vezes você está tão cansado do lugar
que nem presta atenção para o que está pregado na parede. Muitas vezes elas
passam pelo cartaz e nem olham (...) porque tudo que é papel que passam é nos
privando de alguma coisa (...). A divulgação deveria ser feita no horário de
refeição, passando pelos pavilhões, avisando, falando. (...) Se fosse „olho-no-
olho‟, a escola seria bem mais cheia. (M., professora sentenciada)
V. sugere que uma forma de estímulo seria mostrar às internas da penitenciária que
freqüentar a escola é uma forma de manter vínculo com o mundo externo à prisão:
Tinha que ter palestra para estimular as meninas a terem uma visão diferente da
escola, mas palestra que não seja muito longa, porque presa não gosta de duas ou
três horas (de palestra) (...) para que elas saibam que estão presas, mas é um
estado temporário (...). As presas têm que ser estimuladas porque se deixar por
elas mesmas são poucas que vão querer estudar. Principalmente o Ensino
Fundamental... deveria ter palestras para elas verem que a escola não é só uma
obrigação, (...) é uma forma de lazer (...) você sai de lá aprendendo coisas
diferentes (...) é um vinculo para a gente não ficar tão perdida. (V., aluna do
Ensino Médio)
Para V., a ausência de estímulo para que as internas freqüentem a escola está
relacionada à característica do direito à educação que atribui a este o potencial de “chave
para acessar outros direitos” (Donnelly e Howard, 1988, p. 234-35), conforme explicitado
por Haddad (2003b):
As pessoas que passam por processos educativos, em particular pelo sistema
escolar, exercem melhor sua cidadania, pois têm melhores condições de realizar e
defender os outros direitos humanos. A educação escolar é base constitutiva na
formação do ser humano, assim como na defesa e promoção de outros direitos.
(Haddad, op. cit., p. 75)
Nas palavras de V.:
As presas não têm consciência do poder que vão ganhar estando aqui (na escola).
Quando a presa vem para a escola, cresce muito mentalmente e isso é uma „faca
de dois gumes‟: é bom para a presa, mas não é bom para quem está na direção. A
partir do momento que a presa começa a ter consciência de quais são os deveres -
porque ela tem deveres de obedecer, o dever disso e daquilo -, mas também tem o
direito - ela tem direito a saúde, a médico, comida decente, correr atrás do juiz,
tem direito a ir embora na época certa... e tudo isso aprende na escola. Então isso
é ruim para a direção, porque uma massa carcerária bem formada é perigosa,
porque sabe que pode reivindicar, e quando as pessoas não sabem, não sabem que
podem reivindicar. (V.)

105
As considerações de V. apresentam uma dimensão do alcance das atividades
educativas nunca mencionadas em documentos oficiais ou mesmo nas normas jurídicas que
asseguram este direito: a possibilidade de intervenção no presente. A educação é sempre
anunciada como um fator de ressocialização ou meio para reintegração dos prisioneiros à
sociedade, proposições que remetem sempre ao futuro. V., ao contrário, cita a educação
escolar como instrumento que possibilita transformar, inclusive, a própria instituição
prisional.
Ao estabelecer tal formulação, inverte completamente a relação entre prisão e
prisioneiros, pois esta instituição é socialmente constituída para transformar seus internos e
não o inverso, como sugere V.

3.2 Acessibilidade – garantia do acesso e permanência


As considerações de M. e V. acerca do não acesso à escola, embora disponível,
conduzem à reflexão do segundo parâmetro adotado pela Relatoria Especial da ONU para o
Direito à Educação, para averiguar a concretização dos direitos educativos: a acessibilidade
no sentido de que a garantia do acesso está relacionada à garantia das condições de
permanência e não apenas à disponibilidade de vagas.
Conforme já citado pela professora E., e reforçado nas entrevistas com as alunas do
período noturno, entre os fatores que dificultam o acesso das internas da Penitenciária
Feminina da Capital à escola na própria unidade estão a incompatibilidade entre os rígidos
horários de trabalho, banho, jantar e escola. Diante deste entrave, na pesquisa realizada pela
Funap (2004a, slide 384), internas da Penitenciária Feminina da Capital sugeriram que os
cursos fossem implementados na primeira hora da manhã, antes do trabalho.
A mesma pesquisa indicou (Ibidem, slide 386) que as mulheres do sistema
penitenciário paulista apontaram como pré-requisitos para freqüentar a escola: “ter projeto
lá fora, desejo de recuperação; nadar contra a maré desestimuladora; equilíbrio emocional,
paz de espírito; curso compatível com atual nível de escolaridade; disposição para abrir
mão do descanso noturno; correr com o banho e jantar; motivação em classe”.
Nas entrevistas, e também na observação realizada na escola, algumas dessas
dimensões foram intensamente colocadas pelas mulheres daquela unidade. A primeira delas

106
diz respeito ao equilíbrio emocional, ou ao que as entrevistadas classificaram como “ter
cabeça para estudar”. V. relaciona a tensão das mulheres na prisão à maternidade:
É uma coisa muito ruim: as mães, quando elas vêm presas, a preocupação maior é
o filho longe... não tem lugar onde ficar, às vezes crianças que ficam com
padrasto, aí são meninas, idade meio crítica... Isso preocupa demais as mulheres e
essas preocupações fazem com que elas percam ainda mais a vontade de estudar.
Elas trabalham porque são obrigadas, e quando estão trabalhando não têm cabeça
mais para vir para a escola... Esse é o pensamento da presa: trabalha porque é
necessário e às vezes não quer mais nada porque acha que está tudo acabado...
não estuda, não lê mais um livro, não quer mais participar de nenhum curso ou
evento. (V.)
N. narra situações de conflito e violência, além das precárias condições da vida na
prisão para explicar o estado permanente de tensão:
Hoje eu sei que podemos estar tomando banho e uma pessoa vim e mexer na
gente com faca, canivete... aqui eles jogam a pessoa na perdição, as vezes para
sair morta, como a mulher que morreu na rebelião... eu tive pneumonia, sei que
mata, mas posso ir na “Saúde”, com 40° de febre e a mulher fala para tomar um
“AS”... não acham que a gente é ser humano... tem umas escalas terríveis: você
levanta 6h30 e passa pano naquele corredor gigante, desce para o café e tomar
banho para ir trabalhar, mas não dá tempo, então fica com raiva e xinga. (N)
Além da tensão e da instabilidade emocional, as entrevistas apontaram que o
cansaço também é um tema sempre vinculado à escola, tanto na história anterior à prisão
quanto como internas do Sistema Penitenciário. V. fala do cansaço de sua mãe, que impedia
que acompanhasse suas tarefas escolares na sua brevíssima história escolar – cursou apenas
até a 2ª série do Ensino Fundamental. V.L. lembra que o trabalho de governanta, numa casa
de família, e depois como auxiliar de enfermagem eram tão cansativos que a impediram de
continuar estudando. M. avalia que as mulheres estão tão cansadas da prisão, sua
organização e infinidade de regras, que nem conseguem ler os cartazes que anunciam a
escola. Por fim, N, fala do cansativo trabalho na unidade, opinião compartilhada pela
professora E, que atribuiu a este fator a reduzida demanda por escola.
O cansaço das mulheres da Penitenciária Feminina da Capital se contrapõe à
imagem construída socialmente de que a prisão é lugar de ociosidade. As mulheres
trabalham, e trabalham muito. Além da jornada nas oficinas, são escaladas para a limpeza e
manutenção do prédio e muitas delas fazem “bicos”, produzindo trabalhos manuais sob
encomenda e atuando como esteticistas, cabeleireiras e manicures das próprias colegas e
visitantes. Com tantas obrigações, não sobra tempo para estudar.
O ritmo de vida das alunas da escola da Penitenciária Feminina da Capital é muito
semelhante a dos alunos do curso supletivo da zona oeste da capital paulista, analisado por

107
Haddad (1986, 159-61), na década de 1980. Naquela situação, além do esforço despendido
com atividades braçais e das jornadas extensas, impostas sobretudo às alunas que atuavam
como empregadas domésticas, o cansaço era também atribuído ao tempo gasto no
transporte – muitos usavam mais de quatro ônibus por dia! Como as alunas da Penitenciária
Feminina, homens e mulheres daquele Supletivo tinham dificuldades para conciliar o
horário do trabalho com o da escola noturna, sacrificando o jantar.
Interessante notar como o sistema prisional consegue reproduzir as mesmas
condições de acesso e permanência dos alunos das escolas “da rua”, destinadas a jovens e
adultos com baixa escolaridade. Por irônico que possa parecer, a perda de tempo e o
desgaste físico com os longos trajetos foram substituídos por trabalho adicional e horários
inflexíveis que terminam por dificultar a permanência na escola.
A combinação entre as intensas jornadas de trabalho e as regras inflexíveis, como os
horários, não reflete apenas a ausência da intenção, por parte do poder público, de
incentivar o acesso à escola e a permanência na mesma. Trata-se de uma das características
fundamentais da instituição prisional, no sentido de unir vigilância e disciplina como forma
de garantir o controle sobre os prisioneiros, conforme apontado por Foucault (1984) e
citado anteriormente neste trabalho.
A função do trabalho no sistema prisional, conforme atribuída por Foucault, talvez
explique a diferenciação feita pela legislação brasileira ao permitir a remissão de pena
apenas por meio do trabalho. A idéia de alterar tal designação, conferindo também à
educação a possibilidade da remição de pena, encontra resistências. Em 2000, a Associação
Juízes pela Democracia apontava que membros do Ministério Público de São Paulo
alegavam que tal medida faria com que a educação fosse utilizada como “fonte de
sabedoria para aperfeiçoar o crime”; e que alguns juízes admitiam a possibilidade, desde
que houvesse “efetivo controle da carga horária de estudo” (Juízes pela Democracia, 2000,
p.1).
Na atual forma de organização da relação entre trabalho e educação na Penitenciária
Feminina da Capital, é válida a seguinte reflexão, feita para alunos do curso supletivo já
citado: “O cansaço físico diminui a resistência do trabalhador. Como ele já não se alimenta
bem, por impossibilidade de tempo ou financeira, o efeito torna-se multiplicador. Logo as
crises nervosas, a estafa, a doença acabam por aparecer”, Haddad (1986, p. 160).

108
O medo, ou sua ausência, foi outro aspecto sempre relacionado à escola, tanto fora
como dentro da prisão. M. e V. tinham medo de voltar da escola à noite, pois o caminho era
deserto e escuro, e ocorriam muitos casos de violência. V.L. tinha muito medo de sua mãe,
que a espancava e agredia verbalmente. Já na Penitenciária Feminina da Capital, N. e outras
alunas da turma da Alfabetização afirmam não ter medo e vergonha de freqüentar a escola,
de demonstrar que não sabem ler ou escrever. M. também ressalta este aspecto: suas alunas
não têm medo dela.
Os alunos do curso Supletivo analisado por Haddad (op. cit., p.158-59) também
afirmaram ter medo, sobretudo medo da cidade de São Paulo. Vindos de outras regiões, se
assustavam com o trânsito, com a violência, com a ausência das relações pessoais. As
alunas da Penitenciária Feminina da Capital também tinham medo quando estavam em
liberdade e freqüentavam a escola noturna. Na prisão, apesar de toda a tensão vivida no seu
cotidiano, reconhecem na escola um lugar de não sentir medo ou vergonha; outra estranha
ironia na condição dessas jovens e adultas com baixa escolaridade – encontrar na escola da
prisão a sensação de segurança.

3.3 Adaptabilidade – necessidades e realidade das alunas


Refletir sobre a adaptação da escola às necessidades e realidade das alunas implica
conhecer quais são essas necessidades, segundo as próprias alunas. Nas entrevistas, o tema
foi abordado por meio de indagações sobre os motivos que as levaram a procurar a escola,
ou, o que as estimulava a estudar.
A Funap (2004 a), conforme exposto no capítulo anterior, relaciona tal estímulo aos
benefícios concretos e imediatos, e, em virtude dos pré-requisitos para freqüentar as aulas,
apresentados pelas prisioneiras, e das condições de estímulo, conclui que a escola do
sistema prisional tende a atrair o público mais jovem.
As entrevistas, no entanto, não demonstraram tão claramente esta relação entre
idade, acesso à escola e perspectiva de futuro, sobretudo de inserção no mundo do trabalho.
As mulheres ouvidas têm as mais diversas razões para se sentirem estimuladas a freqüentar
a escola, independentemente da idade. Também percebeu-se que, mais do que buscar
possibilidades de construir futuro, estudam porque desejam alterar seu presente, na cadeia.

109
C., a jovem egressa do sistema prisional, relaciona a escola à necessidade de
conquistar um emprego: “Eu tive vontade de voltar a estudar quando comecei a modificar o
meu pensamento sobre o mundo, quando decidi que não queria viver no mundo do crime.
Aí eu vi que só tinha até a 7ª série... como ia arrumar emprego se hoje em dia quase todo
emprego exige o Ensino Médio?”.
As motivações de C. coincidem com o diagnóstico de Sposito (1984) acerca das
reivindicações das classes populares para a efetivação do acesso à educação secundária,
entre as décadas de 1940 e 1960, em São Paulo.
No quadro das escolhas possíveis, a escola secundária, caminho natural para a
carreira de jovens de classes dominantes, acaba sendo desejada pelas famílias de
jovens de outras classes sociais (...)”. No entanto, a autora aponta os limites
colocados à possibilidade de ascensão social por meio da escolaridade: “Uma vez
transformada, por meio do acesso de setores mais amplos da população, a escola
secundária deixou de ser privilégio de poucos e, agora, como patrimônio de
grande parte da sociedade, poucas vantagens propicia para alterar, de modo mais
significativo, a situação social das camadas populares. (Sposito (1984)., p. 20).
Além dos limites da mobilidade social por meio da escolaridade, relacionados à
conjuntura socioeconômica do País43, algumas entrevistadas descartam a relação entre
escolaridade e inserção no mercado de trabalho em virtude da condição de ex-presidiárias.
Nas palavras de N., 40 anos: “Se eu falar que eu vou sair daqui correndo trabalhar eu estou
mentindo, porque eu tenho uma passagem pela polícia” (...) (estudo) para ensinar uma coisa
melhor para os meus filhos e muitas vezes poder fazer a coisa certa”.
Novamente, a percepção realista das alunas da Penitenciária Feminina da Capital
em relação à mobilidade social por meio da escola coincide com a dos alunos do curso
supletivo já citado, com uma diferença: naquele caso, havia a referência à possibilidade de
modestas melhorias salariais (Haddad, 1986, p. 166). Entre as alunas entrevistadas da
Penitenciária Feminina da Capital este tipo de pretensão nem foi citada. Mesmo aquelas
que falaram em estudar para conseguir trabalho não faziam referência à remuneração, mas,
sim, à possibilidade de aceitação e inserção social e familiar; o reconhecimento de que
apesar de terem estado na prisão “não são monstros” (J., aluna da turma de Alfabetização).
Na turma de Alfabetização, a maioria das mulheres afirmou que freqüenta a escola
para “dar exemplo aos filhos” ou “ter o respeito dos filhos”, ou ainda, para poder se

43
Ver Haddad, 2004, p.8.

110
comunicar com os filhos por meio das cartas. E., da turma de Alfabetização, não esconde o
orgulho pelo reconhecimento da filha aos seus esforços:
Era muito desagradável (pedir para outros escreverem suas cartas) (...) domingo
minha filha veio e falou: „Mãe, quem está escrevendo as cartas para a senhora?‟.
Eu respondi: “Sou eu”; e ela: „Ah! eu não acredito que a senhora está escrevendo
as cartas!!‟; „Sou eu mesma minha filha‟. “Então quem está ensinando a senhora
na escola?‟; aí eu falei: „uma professora nova, que é calça bege44 que nem nós‟;
„Ela está ensinando bem”; e olha que minha filha já é quase formada! (E., aluna
da turma de Alfabetização)
Interessante notar que os filhos surgem tanto como fator de instabilidade emocional,
impedindo os estudos, como estímulo a ele.
Escrever cartas é uma motivação mais que concreta e imediata para freqüentar a
escola. Na entrevista-piloto, na visita à Cadeia Pública Dacar IV, nas conversas informais
com professoras e alunas da escola penitenciária, nas observações nas salas de aula e
também nas entrevistas, as cartas foram um tema recorrente, surgindo de diversas formas
para as diferentes interlocutoras.
Na cadeia, saber escrever cartas significa a possibilidade de comunicação com o
mundo externo, inclusive com o sistema de Justiça, de autonomia em relação às outras
mulheres – não é mais preciso pedir favores – e de economia de recursos, pois muitas
colegas cobram por este favor.
Em Dacar IV, a fala da jovem que tentava interceder por sua colega analfabeta,
remete o tema para o campo dos direitos – a violação ao direito à educação, produzindo
tantas outras, inclusive ao direito de comunicação e acesso à Justiça: era preciso escrever
uma carta para tentar interferir em seu processo judicial.
Na conversa com C. – e posteriormente em outras entrevistas –, a redação de cartas
surge como uma forma de geração de renda no sistema prisional. Na adolescência,
conforme contou, fazia um diário e escrevia poesias. Depois que saiu de casa, aos 15 anos,
deixou de fazê-lo e, na prisão, reencontrou-se com a redação por meio das cartas. “a
felicidade de um preso é carta. As minhas cartas eram de cinco ou seis folhas  eu escrevia
muito: para minha mãe, meus irmãos, tios. Sempre tive resposta de todas minhas cartas”.
Diferentemente da jovem de Dacar IV, durante o cárcere, C. escrevia cartas para outras
mulheres não por solidariedade ou compaixão – era um meio de sobrevivência.

44
Referência ao uniforme usado na penitenciária, isto é, a professora também era sentenciada.

111
Eu escrevia as cartas, cobrava um maço de cigarro45 a cada três cartas. (...) Eram
meninas que não sabiam escrever ou achavam a letra muito feia, aí eu escrevia.
Eu escrevi para as três meninas do meu quarto, e eu tinha cinco pessoas que
mensalmente me pagavam pacotes de cigarro, e eu tinha que escrever o mês
inteiro. (C.)
Outra fonte pessoal de estímulo é o desejo do conhecimento... conhecimento sobre
os mais diversos temas: da mitologia grega a reações químicas; da história de Pedro
Álvares Cabral à legislação educacional; do próprio corpo à organização dos governos.
As aulas, tanto do Ensino Médio quanto da Alfabetização, eram repletas de
perguntas, e nas entrevistas e conversas informais foram muito recorrentes referências a
livros – livros desejados, mas inexistentes na biblioteca da escola, como os de Direito;
livros que estavam sendo lidos; e também definição de estilos, como V.: “eu gosto de ler
quase todos. Só não gosto auto-ajuda, porque acho muito chato e que não ajuda em nada;
nem de livro espírita, porque agora sou evangélica”.
A diversidade de motivações pessoais para acessar a escola remete à afirmação de
Haddad (2003c, p.207) sobre a vocação do ser humano de buscar constantemente o
conhecimento. Não o conhecimento dirigido para algum objetivo específico, mas
simplesmente para satisfazer uma necessidade humana.
Há ainda, nas palavras das mulheres da Escola da Penitenciária Feminina da
Capital, o estabelecimento de uma estreita relação entre a escola, a possibilidade de
aprendizado e a conquista da autonomia em diferentes aspectos de suas vidas. Não é o
sonho de uma mágica mobilidade social ou de uma vida absolutamente confortável e
tranqüila dentro ou fora da prisão, ou ainda a organização de uma rebelião para reivindicar
direitos. São possibilidades que, à primeira vista, podem parecer pequenas, como escrever
uma carta e ler um livro sem pedir ajuda ou mesmo descobrir que se tem um direito que
dificilmente será acessado, como cursar a Universidade estando na cadeia.
Desta forma, a escola
... não implica apenas em resposta, reação: implica em quebra, em criação. Um
espaço capacidade, estreitamente vinculado à autonomia enquanto
desenvolvimento de uma lei própria, individual ou grupal. Sem que este
movimento signifique necessariamente a "grande ruptura" ou a "grande recusa",
apesar de que possa conter a sua promessa. (Schilling 1991, p. 128)

45
Os maços de cigarros são a “moeda de troca” do sistema penitenciário, conforme explicado por
funcionárias da Penitenciária Feminina da Capital e citado em Prado, 2003.

112
Ao estabelecer a relação entre autonomia e resistência, Schilling afirma: “resistência
como uma defesa do direito de constituir a nossa própria lei”, o que implica
... defender, recuperar, construir um saber próprio (seja este saber o saber do
ofício, o saber do estilo de vida e das relações que nele se desenvolvem, o saber
da experiência); defender, recuperar, construir o próprio tempo (seja este tempo o
tempo do trabalho, do seu ritmo ou o tempo do lazer, o tempo das
disponibilidades.” (Schilling, op. cit., p.21).
Neste caso, a escola na prisão adquire também o significado de um espaço de
resistência. Além de não enlouquecer, prestar vestibular, conseguir emprego, aprender a
escrever cartas, existe a possibilidade de estudar para resistir com autonomia ou estudar
para conquistar autonomia e resistir – resistir na condição humana.

3.4 Aceitabilidade – garantia da qualidade da educação


Esta dimensão relaciona-se aos aspectos pedagógicos do processo de ensino e
aprendizagem. Em capítulo anterior deste trabalho, foram apresentados aspectos políticos,
administrativos e financeiros que, historicamente, têm impedido a efetivação do direito à
educação das pessoas jovens e adultas em geral, e daquelas que estão aprisionadas, de
maneira particular.
O trabalho de pesquisa na escola da Penitenciária Feminina da Capital traz
elementos que permitem compreender como as determinações político-administrativas
refletem no dia-a-dia da escola.
A primeira delas diz respeito à determinação de substituir professoras “da rua” por
sentenciadas. O tema divide opiniões, mas as entrevistas indicaram que a turma de
Alfabetização estava muito satisfeita com sua professora “calça-bege”. Entre os argumentos
contrários, já citados neste trabalho46, estão o receio de a professora transferir “seus
problemas” às alunas e o fato de não conquistar o respeito da turma por sua condição de
prisioneira, neste caso, “ser igual” seria um defeito, o que pode significar que as mulheres
prisioneira têm péssima impressão sobre si.
Na prática não foi essa a realidade observada. A professora M. e suas alunas fizeram
várias considerações no sentido contrário, ressaltando a autoridade da professora junto a
suas alunas justamente por ser presa, conforme a afirmação da própria M.:

46
Entrevista de C. e aula na turma do Ensino Médio.

113
Ela (a antiga professora) era estagiária, um encanto, mas por não ser presa não
tinha autoridade e as meninas faziam o que queriam (...) “eu falei: vocês estão
acostumadas a abanar,47 a gritar, escrever na carteira, assobiar, contar piada, tirar
sarro da professora; mas comigo vai ser diferente, porque sou presa, também
trabalho oito horas, tenho histórico parecido. Estou aqui na maior boa vontade
para ensinar, e quem não estiver com vontade de ficar, não tem problema, vocês
não são obrigadas‟. (M.)
As alunas, por sua vez, não reconhecem nisso intransigência ou autoritarismo; mas
autoridade e respeito, inclusive contrapondo à postura de professoras “da rua”. N. explica:

Sabe... a pessoa (professora A., da rua) ficava: vai para lá, vem para cá... senta ali
... não senta na carteira... E eu ia para a escola para aprender (...) Quando a
professora M. entrou, eu dei uma olhada (e pensei) „se viemos aqui para bater
papo, vamos ficar na cela‟; mas não.... a professora M. é uma excelente
professora. (N.)
As alunas também destacam o empenho de M. no preparo das aulas e
acompanhamento da turma, conforme inúmeras observações feitas durante a “conversa
coletiva” na turma de Alfabetização. O vínculo estabelecido na sala de aula, de acordo com
M. se estendeu para outras esferas da vida dessas mulheres, por meio do pedido de
conselhos e desabafos pessoais. Tudo parecia ir muito bem, até que M. foi transferida para
outra unidade prisional, uma realidade da vida penitenciária – as constantes e inesperadas
transferências –, que certamente impacta sobre a relação ensino e aprendizagem.
Sobre o material pedagógico disponível, a justificativa da direção da escola, e
também da professora E., de que as aulas são ditadas por solicitação das alunas, como
forma de ampliar sua concentração, é muito insatisfatória. O fato de reclamarem que não
conseguem “aprender” com o ensino a distância – o Telecurso – não significa que rejeitarão
qualquer recurso audiovisual. O fato de encontrarem dificuldade de compreensão em
determinadas apostilas – em geral no material de apoio do Telecurso –, não significa que
outros materiais escritos devam ser descartados. A opção pelo “ditado” parece ser bastante
cômoda e econômica para as autoridades responsáveis pela educação penitenciária.
Outros fatores também incidem sobre a qualidade da educação, como a ausência de
professores especialistas para a turma do Ensino Médio e segundo ciclo do Ensino

47
Forma de comunicação à distância, por gestos, em que os braços são movimentados e cada abaixar de mão
corresponde a uma letra do alfabeto; a letra que se quer usar para formar a palavra desejada é marcada por um
movimento mais brusco, para baixo. É como “soletrar no ar”, mas para “chegar” à letra desejada é preciso
percorrer o alfabeto abanando as mãos. A técnica pode parecer cansativa – para cada letra, inúmeros abanos,
até serem formadas frases , mas as mulheres garantem que é extremamente eficiente.

114
Fundamental, o reduzido período de aula diária, já apontados pela professora E., e as
constantes suspensões das aulas pelas mais diversas razões.
Durante o período de acompanhamento, as aulas foram suspensas com freqüência,
por exemplo, quando a professora E. participava de processos de capacitação ou havia
algum evento cultural ou, ainda, simplesmente pelo fato de as agentes penitenciárias
ordenarem que não haveria aulas, à revelia de qualquer posicionamento da administração
da Penitenciária ou da direção da escola.
A hostilidade das agentes penitenciárias em relação à escola é narrada de diversas
formas. N. conta que as guardas dos pavilhões, muitas vezes, não as liberam no horário
correto para a aula e, para não serem enganadas, as alunas ficam perguntando
insistentemente o horário, o que causa tensão e até punições.
Na volta às celas, novos problemas. As celas, que possuem uma única cama,
abrigam três mulheres, o que significa que duas dormem em colchões, no chão. N. afirma
que, se não forem ágeis para entrar e deitar, corre-se o risco de pisar em quem dorme no
chão, ocasionando brigas e desafetos, pois as luzes são rapidamente apagadas. “Ontem, a
guarda fechou a porta tão rápido que prendeu o cabelo da minha amiga”, disse, com os
olhos marejados de lágrimas, e completou: “Nunca imaginei estar num lugar desses”.
Ainda sobre os recursos pedagógicos disponíveis, cabem algumas observações
referentes à biblioteca, que funciona no espaço da escola. Embora esta pesquisa não tenha
feito observação sistemática sobre este equipamento, as falas espontâneas das alunas
revelaram que o espaço necessita ser organizado. De um lado, parece haver falta de
preparo, ou boa vontade, por parte de quem atende o público – R., por exemplo, pediu um
livro de mitologia e lhe entregaram um de biologia. Por outro lado, parece haver
precariedade no acervo: não há um livro que conte a história do Brasil, livros de Direito não
são disponibilizados e há grande concentração de livros religiosos e de auto-ajuda.
A improvisação e a precariedade dos recursos pedagógicos verificadas na Escola
Penitenciária da Capital refletem a ausência de ações governamentais claras e contínuas
para a educação penitenciária. A efetivação do direito à educação fica, então, à mercê da
organização interna da unidade.

115
A organização interna48, no entanto, não parece muito disposta a contribuir para a
realização dos direitos educativos. Suspensão rotineira das atividades; informações
desencontradas que resultam, por exemplo, na perda de prazos para inscrição dos exames
de certificação; horários incompatíveis com o trabalho; restrições em relação à distribuição
de material; falta de empenho em ampliar os recursos pedagógicos, como a liberação,
controlada, de acesso à Internet ou a dinamização da biblioteca. Estas foram algumas das
práticas que operam como obstáculos à concretização das atividades educativas, ou
desestimulam a participação das alunas.
A situação é ainda mais grave tendo em vista que não há mecanismos de controle.
No limite, as atividades educativas realizam-se quase que como um favor, ou privilégio,
concedido pela administração às detentas.
No entanto, apesar de todas estes obstáculos, as alunas atribuem à escola um valor
que extrapola possíveis benefícios imediatos. Por quê? É o que se tentará demonstrar no
próximo e último capítulo deste trabalho.

48
Esta observação, obviamente, não é absoluta, havendo exceções de comportamento que viabilizam o próprio
funcionamento da escola. Nesse sentido, registra-se a atitude da agente penitenciária – guarda – responsável
pela segurança da escola. A mesa de trabalho de S., localizada bem em frente à porta da escola, é
intensamente freqüentada pelas alunas. S. conversa, ouve, aconselha, traz revistas religiosas, ensina e aprende
receitas culinárias e crochê, divulga o trabalho de artesanato das alunas, telefona para os pavilhões insistindo
para que suas colegas liberem as alunas para a escola, enfim, participa intensamente e contribui para o
funcionamento da escola. No período pós-rebelião, quando os funcionários em geral demonstravam revolta e
repulsa pelos maus-tratos praticados contra seus colegas, S. ponderou que, se algumas mulheres agiram de
forma violenta; outras, ao contrário, arriscaram a própria vida tentando proteger as reféns. “Não fosse assim –
pondera S. – teria sido muito pior”.

116
ALGUMAS CONCLUSÕES

Os desafios da universalidade, da indivisibilidade


e da dignidade humana

“Aí tem esse problema: eu trabalho o dia todo, chega (à noite),


aquela fila enorme para tomar banho. Você não sabe se
vai para a escola ou toma banho. Aí eu tomo banho
na cela, na água fria e peguei esse resfriado”.
N., 42 anos, turma de Alfabetização

Conforme exposto na Introdução esta pesquisa tem por objetivo investigar o


processo de universalização do direito à educação, tomando como parâmetro a noção
contemporânea de direitos humanos, definidos como universais, indivisíveis,
interdependentes entre si e destinados a garantir a dignidade humana. Para Piovesan (2002),
as inovações desta concepção, exposta na Declaração Universal dos Direitos Humanos de
1948 foram a designação da responsabilidade internacional sobre a proteção dos direitos
elencados na Declaração e a universalidade, indivisibilidade e interdependência entre eles.
O objetivo deste capítulo é apresentar reflexões e debates acerca dos princípios da
universalidade e indivisibilidade entre os direitos, baseados nos depoimentos e nas
situações acompanhadas na Penitenciária Feminina da Capital e, com base nelas, indicar
algumas conclusões.

1. A universalidade
A afirmação do caráter universal dos direitos humanos deslocou a prerrogativa de
sua formulação e proteção da esfera estatal nacional para o âmbito internacional. Para
Bobbio (1992), a noção da universalidade contida na Declaração representou “uma lenta
conquista” da humanidade, ao longo do que considera as três fases na história da formação
das declarações de direitos.

117
A primeira, está relacionada às teorias filosóficas do jusnaturalismo, segundo as
quais as pessoas nascem com direitos que são inerentes à sua natureza humana, e que
ninguém pode lhes subtrair ou alienar – nem o Estado, nem a própria pessoa.
Citando John Locke, a quem chama de “pai do jusnaturalismo moderno”, Bobbio
(op. cit., p. 28) afirma que esta doutrina defende que “o verdadeiro estado do homem não é
o estado civil, mas o natural, ou seja, o estado de natureza no qual os homens são livres e
iguais, sendo o estado civil uma criação artificial, que não tem outra meta além da de
permitir a mais ampla explicitação da liberdade e igualdade naturais”.
Bobbio afirma que os filósofos do jusnaturalismo tinham em mente pessoas “livres
e iguais com relação a um nascimento ou natureza ideais”, porque “de fato as pessoas não
nascem nem livres nem iguais”, sendo a liberdade e a igualdade um ideal a perseguir, um
valor, um dever ser.
Nesse sentido, o autor destaca que as primeiras afirmações dos direitos das pessoas
“são universais em relação ao conteúdo, na medida em que se dirigem a um homem
racional fora do espaço e do tempo, mas são extremamente limitadas em relação à sua
eficácia, na medida em que são (na melhor das hipóteses) propostas para um futuro
legislador”(Bobbio, 1992, p.29).
Para Bobbio, é exatamente isso que acontece quando da formulação das
Declarações de Direitos dos Estados Norte-Americanos e da Revolução Francesa, que
utilizam as proposições filosóficas para fundamentar uma nova concepção de Estado. “A
afirmação dos direitos do homem não é mais expressão de uma nobre exigência, mas o
ponto de partida para a instituição de um autêntico sistema de direitos” (Ibidem, p.30). Para
o autor, nesta passagem entre dois momentos históricos, a afirmação dos direitos “ganha
em concreticidade, mas perde em universalidade”, uma vez que passam a ser direitos
positivos – protegidos e resguardados no sistema que deve reger a conduta do Estado –,
mas válidos apenas para os membros dos Estados que os reconhecem. Neste caso, deixam
de ser direitos das pessoas, da humanidade, para tornarem-se direitos dos cidadãos.
Por fim, Bobbio considera como terceira e última fase a inaugurada pela Declaração
Universal de 1948, “na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e
positiva”. Universal porque os destinatários dos direitos não são mais apenas cidadãos dos
Estados em particular, mas sim todas as pessoas do mundo; e positiva porque inicia um

118
processo cujo objetivo é que os direitos não sejam mais apenas proclamados ou
reconhecidos, mas “efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que o tenha
violado” (Ibidem, p.30).
Assim, o caráter universal dos direitos humanos, afirmado na Declaração de 1948,
não está restrito à proposição de que os destinatários destes direitos sejam a totalidade das
pessoas que habitam o mundo, mas também que sua efetivação e proteção são de
responsabilidade dos Estados.
Bobbio destaca que o documento consiste num fato novo na história da humanidade,
pois pela primeira vez um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi “livre
e expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que
vive na Terra” (op. cit., p.33).
Para o autor, o consenso internacional em torno dos valores expressos na
Declaração confere legitimidade à noção de universalidade:
Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de
que a humanidade – toda a humanidade – partilha alguns valores comuns; e
podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que
tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que universal
significa não algo dado objetivamente, mas algo subjetivamente acolhido pelo
universo dos homens (Ibidem, p.34).
Assim como os direitos são constituídos historicamente, a definição de seus sujeitos
também é. Bobbio afirma que, longe de serem naturais, os direitos são construções
históricas, relacionados às demandas particulares de cada sociedade:
As exigências que se concretizam na demanda de uma intervenção pública e de
uma prestação de serviços sociais por parte do Estado só podem ser satisfeitas
num determinado nível de desenvolvimento econômico e tecnológico; e que, com
relação à própria teoria, são precisamente certas transformações sociais e certas
inovações técnicas que fazem surgir novas exigências, imprevisíveis e
inexeqüíveis antes que essas transformações e inovações tivessem ocorrido. Isso
nos traz uma ulterior conformação da socialidade, ou da não-naturalidade desses
direitos. (Bobbio, 1996, p.76).
Leila Linhares (2003) destaca que a construção de direitos deve incidir nas esferas
individual, social e coletiva, e que este processo implica a definição de espaços de poder e
no reconhecimento dos sujeitos desses direitos. Nesse sentido, o século XX foi marcado
pela constituição de novos sujeitos, cunhados pelos movimentos sociais, que se
constituíram como atores políticos.
A construção e o reconhecimento de sujeitos coletivos não significa que estes sejam
titulares dos direitos reivindicados. A titularidade dos direitos implica a sua garantia em lei,

119
correspondência entre os direitos declarados e os valores, costumes e práticas sociais;
compromisso do Estado em implementar estes direitos por meio de políticas públicas;
apropriação, por parte dos titulares, e da sociedade em geral, dos direitos.
Em relação à educação de jovens e adultos em geral, e da educação penitenciária
especificamente, ao longo deste trabalho percebe-se que ainda não há tal correspondência
entre as leis que a garantem e sua concretização. Neste caso, os adultos presos, com baixa
escolaridade, não têm titularidade sobre tal direito.
Mais do que isso, a própria noção de universalidade do direito à educação encontra-
se mutilada a tal ponto de a afirmação sobre a universalização do Ensino Fundamental
transformar-se em “verdade” nesse país, apesar dos elevados índices de analfabetismo,
absoluto e funcional, aliados às estatísticas que demonstram a baixa escolaridade da
população, mais os números de pessoas fora da escola.
No Brasil, 3,95% da população de 7 a 9 anos e 6,39%, entre os de 10 a 14 anos,
estão fora da escola (IBGE, 2000); entre as pessoas consideradas analfabetas funcionais –
que têm entre 1 e 3 anos de estudo – e aquelas consideradas analfabetas absolutas, são
42.844.220 pessoas acima de 10 anos que não podem fazer uso da leitura e escrita em seu
cotidiano, o que representa 31,4% da população desta faixa etária (IBGE, 2000); na
população com mais de 14 anos sem instrução, apenas 1,24% freqüenta programas de
educação de adultos (IBGE/Inep 2000); de 100 alunos que ingressam no Ensino
Fundamental, apenas 59 terminam a 8ª série (MEC/Inep/Seec, 1996, 2002); dos 5.507
municípios brasileiros, 59,1% não oferece Educação Especial (MEC/Inep, 1999); e, por
fim, o Censo Penitenciário de 1994 revelou que das 126.152 pessoas presas naquele ano,
76% (cerca de 96 mil pessoas) eram consideradas “analfabetas ou semi-analfabetas”; em
contrapartida, o sistema penitenciário nacional oferecia aproximadamente 52 mil vagas
escolares, o que representava déficit de 47% apenas nas primeiras séries do Ensino
Fundamental (Sena, 2004, p.8).
Apesar de todos estes dados serem públicos e, em sua maioria, oficiais, há um
consenso social que acredita findo o processo de universalização do Ensino Fundamental,
versão esta em grande medida difundida pelo Governo Federal, sobretudo nos anos iniciais
do novo milênio, conforme afirmação do ex-ministro da Educação, Paulo Renato Souza,
em relatório intitulado “Políticas e resultados, 1995-2002. A universalização do Ensino

120
Fundamental no Brasil”, publicado pelo Ministério da Educação em dezembro de 2002. Diz
o então ministro: “Quase oito anos depois, o acesso ao Ensino Fundamental é o primeiro
serviço público – e por enquanto o único – efetivamente universalizado no
Brasil”(Ministério da Educação, 2002, p.4).
Para além dos interesses políticos e eleitorais, a afirmação da universalização do
Ensino Fundamental pode também ser interpretada à luz da proposição de Bobbio, que
destaca a historicidade da noção de universalidade, bem como a dos sujeitos dos direitos.
Os dados acima expostos revelam que o Brasil – Estado e sociedade – do século XXI
concede o direito à educação fundamental apenas para as pessoas entre 7 a 14 anos,
negando a jovens e adultos com baixa escolaridade a condição de sujeitos deste direito.
Não se pode argumentar que esta parcialidade da noção de universalidade seja
apenas uma priorização do atendimento de crianças e adolescentes, pois mesmo nesta faixa
etária há ainda milhares de pessoas fora da escola ou que dela saem antes de completar oito
anos de escolaridade obrigatória.
A exclusão do sistema de ensino não atinge aleatoriamente parcelas da população.
Ao contrário, seleciona de forma precisa: estão fora as pessoas que pertencem a grupos que,
em função de sua condição social, são considerados vulneráveis, como as mulheres negras,
pessoas portadoras de necessidades especiais, populações indígenas, habitantes do meio
rural e, em particular das Regiões Norte e Nordeste do País – as mais pobres (Haddad,
2003c).
Tal seleção é o que Benevides (2001) chama de “mutilação da cidadania por vários
motivos – desde a cor da pele até o grau de instrução, passando pelo não-direito dos jovens
a cursos supletivos, pois a „educação de adultos‟ deixou de ser responsabilidade
governamental” (Benevides, 2001, p.6).
Ainda sobre a universalidade do direito à educação, diz o Artigo 13 do Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc - 1966): “Os Estados-
Parte no presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação”, formulação que
remete à idéia da não discriminação, tal qual apresentada na “Convenção relativa à luta
contra a discriminação na esfera do ensino” (Unesco, 1960)49, em seu artigo 1º:

49
Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. “Convenção relativa à
luta contra as discriminações na esfera do ensino”, adotada em 14 de dezembro de 1960 pela Conferência
Geral da Unesco. Entrou em vigor em 22 de maio de 1962.

121
Toda distinção, exclusão, limitação ou preferência fundada na raça, na cor, no
sexo, no idioma, na religião, nas opiniões políticas ou de qualquer outra índole,
na origem nacional ou social, na posição econômica ou o nascimento, que tenha
por finalidade ou por efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento na esfera
do ensino, e, em especial: a) Excluir uma pessoa ou um grupo de acesso aos
diversos graus e tipos de ensino; b) Limitar a um nível inferior a educação de
uma pessoa ou de um grupo; c) Instituir ou manter sistemas ou estabelecimentos
de ensino separados para pessoas ou grupos; d) Colocar uma pessoa ou um grupo
em uma situação incompatível com a dignidade humana.(Unesco, 1960, art. 1º)
A identificação dos grupos excluídos do acesso à educação, apresentada acima,
assim como o perfil da população carcerária exposto em capítulo anterior, interpretados
com base na definição de discriminação, coincidem com Benevides (2001) quando afirma
que no Brasil ainda persiste a discriminação contra todos aqueles que não se encaixam no
padrão excludente de “letrados e asseados” e, portanto, não são considerados cidadãos com
plenos direitos.
Para a autora, a mudança cultural necessária para a efetivação dos direitos humanos
deve levar ao enfrentamento da “pesada herança histórica” e ainda ser instrumento de
reação a duas grandes deturpações existentes em nosso meio social. A primeira delas
refere-se à identificação entre direitos humanos e “direitos dos bandidos”. A segunda
deturpação é a crença de que direitos humanos se reduzem essencialmente às liberdades
individuais do liberalismo clássico – reconhecidos como direitos de primeira geração – e,
portanto, não se consideram como direitos fundamentais os direitos sociais – da segunda
geração –, os “direitos de solidariedade universal”50.
No mesmo sentido, Comparato (2004) afirma que o preconceito contra as pessoas
pobres é a principal fonte de desigualdade no Brasil. “(...) a principal discriminação que
existe na sociedade brasileira, que é contra o pobre, não figura como delito. Este é o
primeiro grande foco de desigualdade” (op. cit., p. 78).
Para o autor, a desigualdade é a “marca registrada” da sociedade brasileira, que se
manifesta muito mais nos costumes que no ordenamento jurídico: “a desigualdade oficial, a
desigualdade jurídica, marcada nas leis, reconheçamos, é uma exceção no Brasil (...)
preferimos cultivar a desigualdade naquele ambiente de claro-escuro em que as coisas não
aparecem com toda a nitidez” (Ibidem, p. 69).

50
A tensão entre as duas gerações dos direitos humanos será retomada a seguir, nas reflexões acerca da
indivisibilidade entre os direitos.

122
O não respeito, a não obediência às leis, que, conseqüentemente, geram violações a
direitos é, de acordo com o autor, outro traço da tradição brasileira, baseada na não
exigência do cumprimento das garantias legais. “(...) direito é uma exigência – toda a nossa
tradição é no sentido de acomodação e de favores” (Comparato, 2004, p. 76).
Tais considerações coincidem com a situação das mulheres encarceradas em relação
à efetivação do direito à educação. A educação penitenciária, ainda que de forma hesitante
e pouco precisa, está prevista em leis; no entanto, sua concretização enfrenta obstáculos de
diversas ordens, como a indefinição da responsabilidade administrativa por sua realização,
a falta de destinação orçamentária, a ausência de recursos pedagógicos adequados, a
incompatibilidade gerada entre a freqüência às aulas e as demais atividades prisionais, as
relações de poder dentro da prisão, entre outras.
Apesar das dificuldades enfrentadas para acessar a educação penitenciária, um
direito garantido em lei, o pouco oferecido é recebido com muita “gratidão”, conforme
identificado na pesquisa, em relação à avaliação das alunas sobre ao ensino oferecido no
sistema penitenciário. “Poucas se sentem à vontade para criticar – dada a gratidão pela
Funap” (Funap 2004a, slide 389).
Em caso de reivindicações específicas, mesmo asseguradas em lei, não se pode
exigir o direito; é preciso organizar estratégias, escolher momentos propícios, avançar e
recuar conforme a conjuntura, pois a garantia do direito não se baseia simplesmente na
observância da lei mas, ao que tudo indica, na “boa vontade” de quem tem autoridade para
realizá-la... é quase como um favor.
V.L. tem certeza de que as mulheres encarceradas podem participar de concursos
vestibulares e depois cursar o Ensino Superior. Guarda notícias de jornais que informam
sobre prisioneiros que realizaram este direito, consultou advogado e juiz, e atuou na
organização da lista das interessadas. “Já mandei a lista, o juiz negou e eu não desisti
porque o advogado disse o seguinte: „ninguém pode te proibir de prestar o vestibular, onde
quer que você esteja hospital, cadeia... ninguém nem juiz ninguém; isso é um direito
constituído por lei” (V.L.).
No entanto, a mobilização pelo vestibular foi temporariamente abandonada,
conforme explica V.:

123
Era algo que a direção realmente não queria, não se esforçou, falava que não
tinha nada a ver. Mas nós íamos correr atrás e acabar conseguindo. Tivemos que
parar por causa da rebelião, uma menina morreu, foi uma coisa muito brutal,
então a gente não podia continuar, a gente ficou sem perspectiva e tem que dar
um tempo para voltar a reivindicar (...) antes não tinha um pretexto para falar não,
agora já tem. (V.)
A mobilização para o acesso ao concurso vestibular é uma situação muito particular,
ocorrida numa penitenciária considerada exemplar no desenvolvimento de ações para
garantia de direitos51. Se em uma unidade com tais características ocorrem situações como
esta, o que esperar das demais?
Sobre a manutenção desta ordem, em que convivem tranqüilamente a igualdade
formal, representada por leis que protegem sem qualquer distinção direitos universais, e a
desigualdade social, tida para Comparato como “marca registrada” da sociedade brasileira,
o mesmo autor também afirma “que não existe choque porque sempre chegaremos a um
ponto de acomodação em que o direito é respeitado, mas não cumprido” (2004, p.70).
O tal ponto de acomodação descrito pelo autor, no entanto, não é estanque, e seu
movimento – ou a conquista efetiva de direitos por parte de grupos até então excluídos –,
tem caráter histórico, resultado de mobilizações e reivindicações.
Conforme exposto anteriormente, as organizações da sociedade civil foram e
continuam sendo atores fundamentais na ampliação dos direitos educativos em geral. No
entanto, em relação à educação penitenciária, poucos são os registros que demonstram a
mobilização por este direito.
Embora incorporada ao Plano Nacional de Educação – por pressão do Ministério da
Justiça, conforme apresentado anteriormente –, na prática verificou-se que as (insuficientes)
ações públicas destinadas a esta modalidade de ensino não têm chegado às unidades
prisionais. Desta forma, fica a critério de cada Estado da Federação atuar sobre esta área, o
que pouco tem ocorrido.
Nos planos de direitos humanos, instrumentos constituídos com a participação da
sociedade civil, a educação nos presídios está fortemente relacionada à noção de educação
em direitos humanos ou para os direitos humanos e, quando apresentada como direito, a

51
De fato, na pesquisa realizada pela Funap (2004a), os depoimentos das internas desta unidade refletem
regras menos rigorosas em relação ao comportamento – por exemplo, não há repressão às manifestações de
afeto entre as mulheres, como ocorre nas demais –, e também há maior diversidade nas atividades propostas:
desde atividades culturais e de lazer, passando pelas profissionalizantes, até a realização do curso
“Promotoras Legais Populares”.

124
formulação é imprecisa e sempre vinculada à necessidade de parcerias com a sociedade
civil para sua efetivação, não explicitando a obrigação do Estado em garanti-la.
Mesmo entre as pesquisas acadêmicas – aqui entendidas como forma de estimular
reflexões sociais –, verificou-se que apenas recentemente o tema tem sido abordado. Ainda
assim, sob o aspecto da educação como mecanismo de ressocialização, e não como direito.
Apesar de toda essa aparente adversidade na concretização dos direitos educativos,
muitas das mulheres entrevistadas, que tiveram o direito à educação negado quando
crianças e adolescentes, ao acessar a escola na prisão, ainda que de forma parcial e sem a
qualidade socialmente reconhecida, tendem a perceber a educação como meio de acessar
este e outros direitos, e mais... reconhecer sua própria condição humana. Daí confirmar-se a
concepção de educação como um direito humano, e seu caráter múltiplo.
A educação é valiosa por ser a mais eficiente ferramenta para crescimento
pessoal. E assume o status de direito humano, pois é parte integrante da dignidade
humana e contribui para ampliá-la como conhecimento, saber e discernimento,
Além disso, pelo tipo de instrumento que constitui, trata-se de um direito de
múltiplas faces: social, econômica e cultural. Direito social porque, no contexto
da comunidade, promove o pleno desenvolvimento da personalidade humana.
Direito econômico, pois favorece a auto-suficiência econômica por meio do
emprego ou do trabalho autônomo. E direito cultural, já que a comunidade
internacional orientou a educação no sentido de construir uma cultura universal
de direitos humanos. Em suma, a educação é o pré-requisito para o indivíduo
atuar plenamente como ser humano na sociedade moderna. (Claude, 2005, p. 37).

2. Indivisibilidade e interdependência
Além da universalidade, associada à idéia de controle e proteção de direitos para
além da esfera estatal nacional, a Declaração de 1948 também “inova ao consagrar que os
direitos humanos compõem uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada,
na qual os direitos civis e políticos hão de ser conjugados com os direitos econômicos,
sociais e culturais” (Piovesan, 2002, p. 92).
Flávia Piovesan, na obra citada, afirma que até a elaboração da Declaração
Universal, os valores de igualdade e liberdade estavam divorciados, e a inovação consistiu
justamente na previsão, inédita, “que não há liberdade sem igualdade e não há igualdade
sem liberdade”, afirmando, assim, a indivisibilidade e a interdependência entre os direitos.
Sobre o tema, a autora cita Hector Gros Espiell (Gros Espiell, 1986) na afirmação:

125
Só o reconhecimento integral de todos esses direitos pode assegurar a existência
real de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo dos direitos econômicos,
sociais e culturais, os direitos políticos se reduzem a meras categorias formais.
Inversamente, sem a realidade dos direitos civis e políticos, sem a efetividade da
liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e
culturais carecem, por sua vez, de verdadeira significação (Piovesan, 2002, p.93).
Bobbio (1992, p. 43), no entanto, chama a atenção para o fato de este caráter de
indivisibilidade e interdependência constituir-se em meta, um objetivo, ou algo a ser
perseguido: “Pode-se fantasiar sobre uma sociedade ao mesmo tempo livre e justa, na qual
são global e simultaneamente realizados os direitos de liberdade e os direitos sociais; as
sociedade reais, que temos diante de nós, são mais livres na medida que menos justas e
mais justas na medida em que menos livres”, e destaca os conflitos e tensões existentes
entre os grupos de direitos nas sociedades atuais.
O autor afirma a heterogeneidade contida no termo “direitos do homem” e anuncia
que poucos são os direitos que têm valor absoluto, ou seja, “válidos em todas as situações e
para todos os homens sem distinção (...) trata-se de um estatuto privilegiado, que depende
de uma situação que se verifica muito raramente; é a situação na qual existem direitos
fundamentais que não estão em concorrência com outros direitos igualmente fundamentais”
(Bobbio, 1992, p. 42).
Ressalta também o conflito de interesses entre diferentes grupos sociais ao afirmar
que “não se pode instituir um direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir
um direito de outras categorias”. Para o autor, esta situação ocorre na maioria das situações
da vida social e, por isso, intitula este grupo de direitos como “direitos relativos”, “no
sentido de que a tutela deles encontra, em certo ponto, um limite insuperável na tutela de
um direito igualmente fundamental, mas concorrente” (Ibidem, p. 42).52
Para Bobbio, a realização total e simultânea dos direitos de liberdade e dos direitos
sociais é impossível “pelo fato de que também no plano teórico se encontram frente a frente
e se opõem, duas concepções diversas dos direitos do homem, a liberal e a socialista”.
Embora reafirme o avanço que representou a formulação da Declaração Universal por ter
feito emergir os “valores fundamentais da civilização humana até o momento”, alerta para a
antinomia existente entre as duas categorias de direitos, não superada teórica ou
concretamente pelos regimes que os representaram.

52
Um dos exemplos citados por Bobbio (1992 p.42) é o direito à liberdade de expressão em oposição ao
direito de não ser caluniado, enganado ou ter mantida a privacidade dos indivíduos.

126
De outra maneira, mas no mesmo sentido, Comparato (2003) chama a atenção para a
incompatibilidade entre o respeito aos direitos humanos e o capitalismo.
Quando o capitalismo avassala o Estado, ele introduz em seu funcionamento a
lógica mercantil do intercâmbio de prestações, e dele retira o poder-dever de
submeter os interesses particulares à supremacia da coisa pública, ou bem comum
do povo (...) Nunca como hoje, percebeu-se, tão nitidamente, o caráter
anticapitalista dos direitos humanos de natureza econômica, social e cultural.
(Comparato, 2003, p. 542)
A heterogeneidade dos direitos humanos, tal como propõe Bobbio, reitera o caráter
histórico desses mesmos direitos, uma vez que a decisão de quais deverão prevalecer sobre
os outros está relacionada à conjuntura social na qual se dá a disputa, variando assim no
tempo e no espaço.
Por fim, o autor destaca que a efetivação da proteção dos direitos humanos está
relacionada ao desenvolvimento global da humanidade e que, nesta perspectiva, ainda há
muito a fazer. Como síntese deste desafio, cita o que considera ser os dois grandes
problemas do nosso tempo: a guerra e a miséria, “do absurdo contraste entre o excesso de
potência que criou as condições para uma guerra exterminadora e o excesso de impotência
que condena grandes massas humanas à fome” (Bobbio, 1992, p.45).
Piovesan (2002, p. 94), no entanto, não aponta antagonismo ou impossibilidade na
realização das duas categorias dos direitos; pelo contrário, afirma que a indivisibilidade dos
direitos humanos, reafirmada na Declaração de Viena de 1993, afastou a supremacia da
realização dos direitos civis e políticos sobre os econômicos, sociais e culturais. “Sob a
ótica normativa internacional, está definitivamente superada a concepção de que os direitos
sociais, econômicos e culturais não são direitos legais”, afirma.
Sobre a heterogeneidade apontada entre as duas categorias de direito, cita Jack
Donnelly (1989) que refuta os argumentos de “conservadores e liberais contemporâneos”,
que afirmam ser os tradicionais direitos civis e políticos à vida, à liberdade e à propriedade
“direitos universais, supremos e morais”, enquanto os direitos sociais pertenceriam a uma
“categoria lógica diferente”, não passíveis de universalidade e concretude, não se
constituindo, portanto, em direitos humanos. Para Donnelly,

127
Os impedimentos para a implementação da maior parte dos direitos econômicos e
sociais, entretanto, são mais políticos que físicos. Por exemplo, há mais que
suficiente alimento no mundo capaz de alimentar todas as pessoas; a fome e má
nutrição generalizadas existem não em razão de uma insuficiência física de
alimentos, mas em virtude de decisões políticas sobre sua distribuição. (Piovesan,
2002, p. 94)
Ainda que aparentemente divergentes da proposição de Bobbio, os argumentos
apresentados para afirmar a indivisibilidade dos direitos humanos também apontam no
sentido da historicidade dos mesmos, uma vez que as decisões políticas sobre a distribuição
das riquezas do mundo dependem da correlação de forças entre os diferentes grupos de
interesses, seja em âmbito nacional ou internacional.
Antonio Candido (1989) formula o desafio da concretização da indivisibilidade e
interdependência entre os direitos salientando o papel das elites nacionais na definição dos
direitos e seus sujeitos. Afirma que seu pressuposto está no reconhecimento de que aquilo
que “consideramos indispensável para nós é também indispensável para o próximo”.
Lembra o quanto é difícil a concretização deste postulado, mesmo para as pessoas que
admitem os direitos sociais e exemplifica com a falta de clareza sobre o fato de que o
acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade é direito de todos.
Para o autor, os direitos humanos estão relacionados aos bens incompressíveis – que
não podem ser negados a ninguém. No entanto, a dificuldade reside em determinar quais
são essenciais a todas as pessoas, uma vez que esta classificação é determinada
historicamente, com grande influência das elites.
Do ponto de vista individual, é importante a consciência de cada um a respeito,
sendo indispensável fazer sentir desde a infância que os pobres e desvalidos têm
direito aos bens materiais (e portanto não se trata de exercer caridade), assim,
como as minorias têm direito à igualdade de tratamento. Do ponto de vista social
é preciso haver leis específicas garantindo este modo de ver (Candido, 1989, p.
111).
No entanto, como exposto anteriormente, a inscrição de direitos em sistemas
jurídicos, ainda que represente avanços no sentido de garantir a dignidade humana, não
garante sua efetivação, como afirma Bobbio:
A quem pretenda fazer um exame despreconceituoso do desenvolvimento dos
direitos humanos depois da Segunda Guerra Mundial, aconselharia este salutar
exercício: ler a Declaração Universal e depois olhar em torno de si. Será obrigado
a reconhecer que, apesar das antecipações iluminadas dos filósofos, das corajosas
formulações dos juristas, dos esforços dos políticos de boa vontade, o caminho a
percorrer é ainda longo. (Bobbio, 1992, p. 45-46)

128
Ainda que se possa concordar com a proposição de Bobbio sobre a conflitividade
entre os direitos, e em relação ao “longo caminho a percorrer” na concretização de sua
indivisibilidade e interdependência, admitir sua impossibilidade seria como negar a própria
condição humana aos grupos excluídos de direitos. Assim como os direitos, as violações
também são indivisíveis e interdependentes, o que, na prática, resulta em fragilizar
progressivamente pessoas que têm direitos violados até submetê-las a condições que ferem
a dignidade humana, como ocorreu com N., uma das mulheres entrevistadas neste trabalho.
N. tem 42 anos, seis filhos e é aluna da turma de alfabetização da Penitenciária
Feminina da Capital. Conta que foi presa em sua casa53 numa cidade do interior do Estado,
quando policiais lá encontraram cigarros de maconha. No momento da prisão, N. estava
com as filhas de 2 e 3 anos, que ficaram sozinhas, chorando no quintal. Tentou explicar que
os cigarros não lhes pertenciam, mas foi levada à Delegacia onde, sem a presença de um
advogado, e mesmo sem nunca ter freqüentado a escola, assumiu a infração, depois de ser
informada que, caso seu filho ou um garoto vizinho, ainda menores de 18 anos, admitissem
a responsabilidade, seriam imediatamente levados à Febem. Ainda na Delegacia, soube que
na confissão que assinara, também admitia o porte ilegal de armas: “Eu não sabia o que era
uma “doze” .... eu não tinha espingarda nenhuma comigo; quer dizer, ele jogou na cadeia
uma mãe de família, uma pessoa inocente”, conta.
Assim que chegou à Penitenciária, N. procurou a escola da unidade e, depois de oito
meses de aulas, já escreve cartas para seus familiares, que não podem visitá-la regularmente
por falta de dinheiro para o transporte.
Com a prisão da mãe, os filhos de N. foram separados e vivem em diferentes casas.
As meninas D., 4 anos, e P., 14 anos, vivem com a irmã mais velha, G., 23 anos, que
abandonou a escola na 6ª série para casar-se, com 15 anos. O garoto L., 11 anos, vive com
o pai e, segundo as informações que chegam a N., está cursando a 5ª série. A menina R., 3
anos, vive com uma tia, irmã de N. Por fim, o rapaz T., 20 anos, abandonou a escola na 5ª
série, vive sozinho e trabalha como servente de pedreiro.

53
N. narrou espontaneamente a história de sua prisão durante a entrevista. A opção por apresentá-la, mesmo
não sendo o interesse deste trabalho o delito praticado pelas alunas, deve-se ao seu caráter exemplar em
relação à indivisibilidade entre os direitos.

129
Quando em liberdade, N. trabalhava como balconista de um bar onde, segundo ela,
desenvolveu o hábito de beber com muita freqüência54. Sua filha mais velha deixou os
estudos e casou-se muito jovem, segundo N., porque não se entendia com o padrasto. O
menino mais velho abandonou a escola aos 13 anos, por não suportar as chacotas dos
colegas sobre seu estrabismo.
Sobre L. e P., N. conta que teve “uns probleminhas com eles” na escola: “a
professora não deixava entrar porque não tinham uniforme e nós não tínhamos condições
para comprar - tinha que comprar o uniforme de calor e o agasalho de frio. Eu falei com a
diretora e eles deram uma camiseta, mas eu tinha que comprar o material todo da lista” e
não tinha dinheiro. A distância entre a escola dos filhos e sua casa era “mais ou menos uns
40 minutos a pé.
Sobre a experiência de freqüentar a escola na cadeia, N. afirma: “acho que a cadeia
me serviu: não sabia nem assinar meu nome, e agora escrevo muito bem, imagina se eu
sabia o que era vogal”. Para N., o acesso à educação escolar está relacionado à capacidade
de interagir socialmente, falar e ser ouvida: “A gente presta atenção na pessoa estudada,
como conversa, e presta atenção na pessoa que nunca estudou, como fala completamente
diferente. Acho bonito o jeito do povo falar, de conversar.”. Outras colegas de N. também
apontaram a “capacidade de falar” como aprendizado da escola, que será importante para
quando estiverem “lá fora”, mas também ainda quando reclusas, para “falarem” com a
administração da “Casa”, apresentando seus problemas e reivindicações.
A experiência de N. é um exemplo claro da indivisibilidade, tomada pelo aspecto da
violação. A não efetivação de seus direitos econômicos e sociais, expressa na falta de
oportunidade de escolarização na infância/juventude e nas dificuldades financeiras de sua
família – não há dinheiro sequer para transporte –, relaciona-se à dificuldade de acessar
outros direitos, como a garantia/reivindicação de seus direitos civis, conforme atesta sua
fragilidade diante da maneira arbitrária como se deram sua prisão e condenação.
Por irônico que possa parecer, enquanto juristas e sociedade civil organizada
afirmam os direitos de terceira geração, que buscam assegurar a sobrevivência das futuras
gerações, por meio da necessidade de preservação do patrimônio ambiental da humanidade,
a situação de N. configura a perpetuação das violações de direitos aos seus descendentes.

54
N. não utiliza o termo alcoolismo.

130
Os filhos de N. estão privados da convivência com a mãe e da família, direito assegurado
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Quando em liberdade, N. enfrentava
dificuldades para garantir condições de vida com um mínimo de conforto a eles. Nem
mesmo o Ensino Fundamental, considerado universalizado entre crianças e adolescentes,
foi garantido às crianças.
Em hipótese alguma este trabalho está sugerindo a relação entre baixa escolaridade
e criminalidade, mesmo porque não se propôs a investigar tal perspectiva. Também não se
trata de justificar o abandono escolar dos filhos de N., ou a desagregação familiar, apenas
pela pobreza. No entanto, é estarrecedora a cadeia de violação de direitos estabelecida neste
grupo familiar, o que impõe o desafio da reflexão sobre a condição de pobreza de N. de
forma a “desnaturalizá-la”, no sentido proposto por Schilling (1991, p. 74), ao citar a crítica
feita por Umberto Eco e Marisa Bonazzi (1980) quando analisam o "fenômeno natural dos
pobres", tal como este aparece nos livros didáticos:
No cosmos dos livros didáticos de leitura, o pobre é um fenômeno natural, como
a chuva e o vento(...) é uma raça. Não tem origens, não tem causas(...) na maior
parte das vezes, o pobre aparece apenas para que seja afirmada, em altos brados, a
sua condição privilegiada, a sua tranqüila felicidade, a sua vizinhança com Deus
(Eco e Bonazzi, 1980, p. 42).
Da perspectiva dos direitos humanos, a pobreza é, por si só, uma violação de
direitos que, em função da indivisibilidade e interdependência, é ao mesmo tempo causa e
conseqüência do conjunto de situações que levam a condições de vida que atentam contra a
dignidade humana.
Como violação produzida em sociedade, é neste espaço que se encontram as
possibilidades da superação, desde que aceita, de fato, a validade da concepção
contemporânea dos direitos humanos, conforme as considerações de Piovesan (2002),
citando Asbjorn e Alla Rosas (1995):
Levar os direitos econômicos, sociais e culturais a sério implica, ao mesmo
tempo, um compromisso com a integração social, a solidariedade e a igualdade,
incluindo a questão da distribuição de renda. Os direitos sociais, econômicos e
culturais incluem como preocupação central a proteção aos grupos vulneráveis
(...) As necessidades fundamentais não devem ficar condicionadas à caridade de
programas e políticas estatais, mas devem ser definidas como direitos. (Piovesan,
2002, p. 95)
Enquanto aguardam que suas necessidades fundamentais sejam definidas como
direitos, as alunas da escola da Penitenciária Feminina da Capital seguem aprendendo e
exercitando a possibilidade da “fala”, ofertada pela escola e, por meio dela, experimentam a

131
novidade do sentido da indivisibilidade dos direitos, uma vez que das violações elas já
conhecem.
Novidade esta expressa na possibilidade de reivindicar o ensino; escrever cartas
para advogados e juízes, reclamar da ausência de livros de Direito na biblioteca; a
constatação de que regras idênticas são interpretadas de maneiras diferentes entre os
presídios masculinos e femininos; a organização de estratégia para conquistar o curso pré-
vestibular; a busca de informação sobre o funcionamento da Organização das Nações
Unidas (ONU). Exercícios que podem, à primeira vista, parecer simples, mas que, como
verificado neste trabalho, constituem-se na chamada exigibilidade, uma condição inerente
aos direitos humanos, exercida por um grupo de pessoas que, ao longo de sua vida, não teve
acesso ou condição de reclamar nenhum direito.

3. A dignidade humana
Foram inúmeros os depoimentos que apontaram para a descoberta da relação entre
escola e acesso a direitos como saúde, trabalho, participação social e cultura. No entanto,
houve um aspecto muito particular, relacionado à condição de prisioneiras das
entrevistadas: a relação entre estudar e manter as características humanas da possibilidade
da produção do conhecimento, da tomada de decisões autônomas e de sonhar, retomando o
sentido da educação como “manifestação exclusivamente humana”, que reconhece as
pessoas como “seres inconclusos, conscientes de sua inconclusão, e seu permanente
movimento de busca do ser mais”, segundo Paulo Freire:
(...) diferentemente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são
históricos, os homens se sabem inacabados. Têm a consciência de sua
inconclusão. Aí se encontram as raízes da educação mesmo, como manifestação
exclusivamente humana. Isto é, na inconclusão dos homens e na consciência que
dela têm. Daí que seja a educação um quefazer permanente. Permanente, na razão
da inconclusão dos homens e do devenir da realidade. (1987, p.75).
Nas palavras de M.:
Quando começa a estudar, começa a estudar não só as letras, mas começa a ter
conceito próprio, a ver o que é um mundo real, e não esse mundo que a gente
vive da cadeia. Porque existem dois mundos: o mundo do portão para fora e o
mundo da cadeia.. Quando vai para a escola, começa a sonhar com o mundo lá
fora e não vive só esse mundinho (cadeia), em que quer comprar tudo de bom
para ficar com a cela bonitinha, e na realidade não é nada disso que se quer; isso é
só um meio de descarregar a energia.. Aqui a gente volta um pouco a ser criança,
vai perdendo tanto a noção que pode acabar saindo daqui engatinhando. É muito
estranho ..., a gente percebe que quem estuda tem mais sonho. (M.)

132
V. também divide a vida na Penitenciária em dois mundos, dois espaços distintos: a
cadeia e a escola, atribuindo ao segundo a possibilidade do exercício de uma característica
humana – o pensar:

(Na cadeia) você fica muito excluída: as pessoas mandam em você, medem a
hora certa para levantar, dormir, tomar banho, almoçar, apagar a luz ... então você
passa a não pensar ... aqui você não pensa, e na escola você é obrigada a pensar,
tem as matérias ... um monte de coisa. Aí você sente que tem que colocar sua
cabeça para funcionar, isso é bom que faz você se sentir viva. (V.)
No mesmo sentido, V.L., ao explicar como obtém informações sobre seu direito ao
exame vestibular para cursar o Ensino Superior, também se coloca fora da cadeia ao buscar
conhecimentos para alterar sua realidade: “Eu leio muito, sou muito atenta, muito elétrica,
muito conectada ao mundo lá fora ... não vivo a cadeia”.
A relação estabelecida por estas mulheres entre escola e a sensação de liberdade, ou
da “educação como prática de liberdade”, coincide com outra reflexão de Paulo Freire
sobre a vocação humana:
Não é possível ao animal sobrepassar os limites impostos pelo aqui, pelo agora ou
pelo ali. Os homens, pelo contrário, porque são consciência de si e, assim
consciência do mundo, porque são um ‟corpo consciente‟, vivem uma relação
dialética entre os condicionamentos e sua liberdade. (Freire, 1987, p. 90).
Expostas a uma situação limite55, as mulheres que freqüentam a escola na prisão são
levadas a “atos-limite – aqueles que se dirigem à superação e à negação do dado, em lugar
de implicarem sua aceitação dócil e passiva” (Ibidem), de transformarem a possibilidade da
educação numa fonte de resistência da sua condição humana ou, como forma de preservar
sua dignidade humana, conforme determina a noção contemporânea dos direitos humanos.

55
Paulo Freire, na “Pedagogia do oprimido”, utiliza o conceito de “situação-limite” de Pinto (1960, p. 284),
assim formulado: “as „situações-limite‟ não são „o contorno infranqueável onde terminam todas as
possibilidades, mas a margem real onde começam todas as possibilidades‟; não são „a fronteira entre o ser e o
nada, mas a fronteira entre o ser e o ser mais” (Pinto apud Freire 1987, p.90).

133
4. Últimas palavras
Percorrido o caminho de um breve histórico da educação penitenciária para
mulheres, seguido da apresentação das ações do Estado para a efetivação do direito à
educação a este grupo, do levantamento das leis que o garantem e da sua realização na
Penitenciária Feminina da Capital, chegamos ao final do percurso e, este último tópico
pretende relacionar informações e percepções identificadas às hipóteses iniciais propostas.
Entre elas, está a inscrição do direito à educação nas normas nacionais e
internacionais. Apesar de estes documentos, pretensamente, terem sido concebidos com
base na noção contemporânea de direitos humanos, que os estabelecem como universais,
verifica-se que sua formulação reflete hierarquização entre os grupos no que se refere ao
seu reconhecimento como sujeitos de direitos.
As pessoas jovens e adultas em geral e as encarceradas em particular, têm a
efetivação de seus direitos educativos condicionada a uma série de fatores, entre eles, as
desigualdades econômicas, os preconceitos, e sua focalização na infância e adolescência.
Não se trata de priorização; o que ocorre é que a oferta de educação escolar, pública e de
qualidade, a este grupo não é considerada um dever do Estado, mas, sim, uma
recomendação de ordem compensatória ou humanitária, como demonstra a exclusão dessa
modalidade do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (Fundef).
No caso específico da educação na prisão, a situação é ainda mais complexa.
Mesmo quando se prevê a obrigatoriedade do Ensino Fundamental, como na Lei de
Execução Penal (Lei Federal nº 7.210/84), a responsabilidade do Estado é relativizada, ao
se estabelecer que as atividades educacionais podem ser realizadas por meio de parcerias
com organizações da sociedade civil.
Tais oscilações revelam que a exclusão da educação penitenciária ressalta os limites
da noção de universalidade adotada no Brasil em relação aos direitos humanos. A
desigualdade social, aliada ao preconceito contra as pessoas pobres, nega a condição de
humanidade para diferentes grupos, ao negar-lhes direitos universais, como a educação, a
exemplo do que ocorre com as pessoas encarceradas.
Em relação à organização das atividades educativas, ainda que a Lei de Execução
Penal estabeleça que a assistência educacional compreende instrução escolar e formação

134
profissional, na prática verifica-se a permanência da histórica confusão entre educação e
trabalho; situação que não tem sido resolvida com a implementação do ensino
profissionalizante, mas, sim, pela sobreposição das atividades de trabalho sobre as
educativas.
O trabalho, por si só, qualquer que seja sua tradução em atividades, é considerado
educativo (Foucault); mas a educação escolar, por sua vez, não é considerada trabalho
intelectual (Lei de Execução Penal).
Há ainda mecanismos de incentivo ao trabalho, como a remissão da pena, enquanto
freqüentar a escola constitui-se num desafio contra o cansaço, a incompatibilidade de
horários, a falta de recursos pedagógicos, a constante suspensão de aulas, entre outros
obstáculos apontados neste trabalho.
Embora a escola esteja instalada, o que poderia supor a cumprimento de uma
obrigação por parte do Estado, são tantas as dificuldades colocadas para freqüentá-la, e tão
explícita a falta de incentivos, que fica difícil acreditar que ela tenha sido constituída para
ser freqüentada e valorizada pela população carcerária.
As restrições orçamentárias impostas pelo Governo Federal e que incidem sobre
esta modalidade de ensino em geral, somadas às políticas de âmbito estadual que afetam a
gestão penitenciária, demonstram a indisposição do poder público em investir recursos
financeiros e humanos para atender este público.
Em relação à formulação e implementação das atividades de educação escolar nas
prisões, o Ministério da Educação, instância responsável pelas políticas educacionais do
País, historicamente vem se eximindo totalmente desta atribuição em relação às prisões, o
que significa que não há nenhuma orientação nacional sobre o tema, além da Lei de
Execução Penal que, por sua vez, é genérica e imprecisa.
Nos Estados, constata-se a indefinição da responsabilidade administrativa sobre esta
atribuição. Alguns poucos vincularam a educação nas prisões às secretarias de educação, e
na maioria deles encontra-se a cargo das secretarias que administram as penitenciárias.
A subordinação das ações educativas às instâncias responsáveis pela condução geral
das prisões gera um duplo inconveniente. De um lado, contribui para que as unidades
prisionais permaneçam impermeáveis, fechadas sobre sua própria lógica, não permitindo

135
sequer que outras instâncias do governo estadual conheçam, e interfiram, na sua
organização.
De outro lado, há um subaproveitamento de conhecimento técnico e experiência
administrativa sobre a temática da educação por parte das Secretarias de Educação, que
poderiam contribuir com a formulação de orientações e projetos pedagógicos. Ainda que se
argumente sobre a condição absolutamente particular dos educandos das unidades
prisionais, justificando a existência de uma instituição especialmente dedicada a esta tarefa,
o que se verifica é que a exclusão da educação penitenciária das políticas educacionais
formuladas pelo órgão responsável pela área dificulta ainda mais o acesso a condições de
ensino e aprendizagem como, por exemplo, a atuação de educadores, além de recursos
didático-pedagógicos.
A especificidade da condição das pessoas encarceradas deve ser considerada na
formulação dos projetos político-pedagógicos, levando em conta suas necessidades e
anseios conjunturais e futuros. No entanto, não pode justificar a ausência de material
didático, indefinição e falta de controle sobre a carga horária; oscilação constante quanto à
definição dos educadores; precariedade no processo de certificação, entre outros aspectos.
Especificamente sobre os educadores, em que pese a avaliação positiva das alunas
em relação à professora M., sentenciada, esta opção deu-se pela ausência de recursos
financeiros, e não por opção de cunho pedagógico. Obviamente, se esta solução é adequada
e satisfaz as necessidades do ensino aprendizagem, deve ser fortalecida por meio de ações
de formação, incentivo e apoio a estas educadoras; e formalizada – não é possível que a
cada mudança administrativo-financeira por parte do Estado, a escola sofra impactos.
Também é preciso buscar alternativas para que a lógica da disciplina não se
sobreponha à pedagogia, como aconteceu com a professora M., transferida para outra
unidade, deixando para trás suas alunas, seu trabalho e todo o acúmulo de experiência que
vinha adquirindo como educadora.
Ainda sobre a especificidade das escolas nas prisões, há o embricamento já
assinalado da sua relação (ou ausência dela) com o trabalho. É verdade que a pesquisa
realizada pela Funap indica o anseio por cursos profissionalizantes, mas isto não exclui a
possibilidade de organizar um programa de educação de jovens e adultos, com educação
profissional. Sobre o ensino profissionalizante, cabe salientar que não se confunde com as

136
atividades desenvolvidas nas oficinas instaladas nas unidades, e também não deve ficar
restrito aos cursos tradicionalmente ofertados à população carcerária, geralmente
relacionados às atividades manuais. Há outras possibilidades, inclusive no campo do
cooperativismo e economia solidária.
Em relação à formação escolar, como nos ensinaram as mulheres entrevistadas, é
preciso estimular, seduzir, apresentar a escola e os mundos que ela pode conter. As
mulheres foram unânimes em estabelecer, a seu modo, a relação entre o freqüentar a escola
e a satisfação da dignidade humana. Não é o certificado – V. já o conquistou -; não é só
aprender a escrever – E. já ganhou elogios da filha por suas cartas -; não é apenas a
possibilidade de fazer amigos ou namorar – N. nem conversa na sala de aula –; é tudo isso e
mais: é a possibilidade de se sentir livre pela aquisição de conhecimentos, ampliar sua
autonomia e... sonhar – atributos exclusivos dos seres humanos e, portanto, que não se pode
negar a ninguém (Candido, 1989).
O estímulo para acessar a escola na prisão passa por atividades de sensibilização,
organização adequada do espaço escolar e também ações afirmativas baseadas na lógica da
inclusão social.
Considerando a condição de pobreza dessa população – direitos econômicos
violados –, seria bastante razoável a promoção de programas de transferência de renda
condicionados à permanência na escola. Pode-se argumentar que este seria um privilégio,
uma vez que “na rua” tais programas estão restritos a crianças e adolescentes, mas não é...
trata-se apenas do reconhecimento da indivisibilidade entre os direitos. De que maneira,
pessoas economicamente tão vulneráveis podem acessar o direito à educação? Como
também nos ensinaram as entrevistadas, grande parte do desinteresse das mulheres em
relação à escola está vinculado à precariedade da condição de vida de sua família –
sobretudo os filhos -, fator que não pode ser ignorado na perspectiva dos direitos humanos.
Aqui invoca-se a especificidade da condição das pessoas encarceradas: por
encontrarem-se em situação-limite, necessitam de maior apoio, ao contrário do que se
aplica. É, de fato, inverter a lógica atual, valorizando ao máximo os processos educativos,
uma vez que são condição para a satisfação da dignidade humana, além de importante
mecanismo para acessar outros direitos (Haddad, 2003b).

137
No mesmo sentido, é preciso refletir sobre a melhor opção para o ensino e
aprendizagem. Com base na observação e informações sobre o Ensino Médio, persiste a
indefinição sobre as técnicas a serem utilizadas. São aulas presenciais, baseadas no material
didático do Telecurso 2000, mas sem que as alunas tenham acesso direto a ele. Trata-se,
então, de um curso preparatório para o exame de certificação, sem o apoio, sequer, de
apostilas.
Quanto ao primeiro segmento do Ensino Fundamental é urgente que sejam
expedidos atestados que permitam a continuidade dos estudos “na rua”, ou em outra
unidade, sem a necessidade de provas de classificação. Não faz sentido o Estado não
reconhecer o ensino promovido por ele mesmo. Este é um dos aspectos relacionados ao
isolamento administrativo e pedagógico das atividades de educação escolar desenvolvidas
na prisão, o que seria solucionado com sua inserção na rede pública escolar, seja estadual
ou municipal. A partilha de responsabilidade entre estados e municípios, no campo da
educação56, não pode ser justificar a ausência de um dever do Estado no interior do sistema
prisional simplesmente porque este está a cargo do governo estadual.
O isolamento da educação penitenciária também contribui para que o tema
permaneça invisível para a sociedade em geral..
As organizações sociais que atuam dentro do sistema prisional, como a Pastoral
Carcerária, por sua vez, e por razões não pertinentes a este trabalho, também terminam não
se dedicando à exigência do direito à educação, centralizando sua ação na mobilização pela
garantia dos direitos civis, de preservação da integridade física e acesso à Justiça,
sobretudo.
Quanto à participação da sociedade civil exclusivamente nas atividades educativas
desenvolvidas no sistema penitenciário, constatou-se, de um lado, a ausência de
mobilização das organizações que atuam direta e especificamente com educação, que não
têm tomado este tema com centralidade entre suas reivindicações e tentativas de
intervenção na esfera do ensino público.
De outro lado, tanto a pesquisa de campo e as entrevistas como as ações realizadas
pelo Governo do Estado de São Paulo, revelaram a partilha de responsabilidade na
efetivação das atividades relacionadas, direta ou indiretamente, à educação.

56
No Estado de São Paulo, o primeiro segmento da educação de jovens e adultos é atribuição dos municípios.

138
A participação dessas organizações é tão variada que comporta desde cursos como o
de “Promotoras Legais Populares” e de inclusão digital, realizados na Penitenciária
Feminina da Capital, até a administração integral de unidades prisionais.
A complexidade, a extensão e o significado desta participação não foram analisados
neste trabalho; no entanto, revelaram-se importantes problemas para futuras pesquisas, dada
a diversidade do caráter da parceria estabelecida entre tais organizações e o Estado.

139
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150
ANEXOS
Anexo 1
Roteiro de Entrevistas
I - Dados pessoais
1. Nome
2. Data de nascimento; Local de nascimento
3. Filhos: Número. Idade. Onde estão
4. Idade que tinha quando foi presa
5. Quantos anos ficará no Sistema Penitenciário

II – Escola anterior à prisão


1. Idade em que iniciou os estudos
2. Até que série cursou fora da prisão
3. Cursou pré-escola
4. Repetências
5. Quais disciplinas que mais gostava. Por que
6. Quais professores mais marcantes. Por que
7. Relação com colegas
8. Participação em atividades de lazer, cultura, esporte, na escola, fora do período de aula
9. Participação em atividades políticas estudantis
10. Lembranças marcantes – agradáveis e desagradáveis
11. Qual sua expectativa em relação à escola

III – Vida escolar dos pais


1. Relação dos pais com a vida escolar da entrevistadas
2. Escolaridade dos pais
3. Condições que tiveram para freqüentar a escola – local
4. Relação atual deles com a escola – estudam? Acompanham a vida escolar dos fihos? Como?

IV – Vida escolar dos filhos


1. Estudam? Série
2. Como acompanha a vida escolar dos filhos
3. Que tipo de escola/educação gostaria que o filho tivesse
4. Opinião sobre a escola dos filhos
5. Condições que os filhos têm para estudar

V- Escola no Sistema
1. Por que procurou escola no Sistema
2. Condições de acesso à vaga
3. Opinião sobre esta escola
4. Número de alunos na turma
5. Relação com turma multi-seriada
6. Relação com professores
7. Disciplinas que mais gosta
8. Disciplinas que menos gosta
9. Relação com as colegas de classe
10. Expectativa em relação à escola – Por que estudar
11. Relação educação/trabalho

151
Anexo 2
Relação das pessoas entrevistadas

I - Entrevista piloto – julho/2004. Sede Funap


Nome: C. S. – egressa do sistema penitenciário
Idade: 28 anos; Local de nascimento: Oswaldo Cruz - SP
Filhos: uma filha de 6 anos, agora sob sua responsabilidade

II – Informações institucionais
1. Maria da Penha Risola Dias - diretora da Penitenciária Feminina da Capital
2. Marisa Fortunato – superintendente de atendimento e promoção humana da Funap

2. Entrevistas individuais
Nome: M. B. M. – sentenciada, professora da turma de Alfabetização
Data de nascimento: 30/Ago/1969; Local de nascimento: Franca - SP
Filhos: Número. Idade. Onde estão. 1 filha, Laura, de 7anos, que vive em Franca com os avós
maternos. Cursa a 2ª série
Idade que tinha quando foi presa: 32 anos
Quantos anos ficará no Sistema Penitenciário: 5 anos e 8 meses

Nome: N. M. – aluna da turma de Alfabetização


Data de nascimento: 14/Dez/1963; Local de nascimento: Jundiaí - SP
Filhos: Número. Idade. Onde estão: G., 23 anos – Cursa a Suplência I; T., 20 – abandonou a
escola na 5ª série por não suportar as chacotas dos colegas em virtude de seu estrabismo. P., 14 –
cursa a 7ª série; L., 11 – cursa a 5ª série; D., 4 anos – educação infantil; R., 3 anos.
Idade que tinha quando foi presa: 39 anos (2003)
Quantos anos ficará no Sistema Penitenciário: 3 anos

Nome: V. L. A. – concluiu o ensino médio da PFC, lidera a reivindicação por curso pré-vestibular
Data de nascimento: 9/Nov/1956; Local de nascimento: Pratineira - SP
Filhos: Número. Idade. Onde estão. Uma filha de 15 anos, cursando 7ª série, que mora com o pai;
e um filho de 11 anos, cursando 5ª série e vive com a tia
Idade que tinha quando foi presa: 40 anos (1996)
Quantos anos ficará no Sistema Penitenciário: inicialmente, 98 anos; com redução, 73 anos

Nome: V. E. L. – cursou o ensino fundamental e o ensino médio na PFC, mas continua assistindo as
aulas para “aprender mais”.
Data de nascimento: 24/Out/1960; Local de nascimento: Terra Roxa - PR
Filhos: Número. Idade. Onde estão. Não tem filhos
Idade que tinha quando foi presa: 32 anos (1992)
Quantos anos ficará no Sistema Penitenciário: Inicialmente, 30 anos. Cumpriu 12 em regime
fechado e, em 22 de outubro de 2004, conquistou o regime semi-aberto; no entanto, aguarda vaga
na unidade do Butantã, pois na PFC não há esta modalidade de pena.

3. Conversa coletiva sobre educação


Realizada em outubro de 2004, com a turma de Alfabetização. Participaram:
R., 42 anos; Profª M., 36 anos; M., 44 anos; R.M., 44 anos; T., 40 anos; G., 28 anos; J., 31 anos; M.,
26 anos; N., 41 anos; M., 34 anos; L., 41 anos; M. A, 44 anos; F., 40 anos; M., 26 anos; V., 36 anos;
I., 39 anos; D., 19 anos; J.

152
Anexo 3
CANÇÃO ÓBVIA
Escolhi a sombra desta árvore para
repousar do muito que farei,
enquanto esperarei por ti.
Quem espera na pura espera
vive um tempo de espera vã.
Por isto, enquanto te espero
trabalharei os campos e
conversarei com os homens.
Suarei meu corpo, que o sol queimará;
minhas mãos ficarão calejadas;
meus pés aprenderão os mistérios dos caminhos;
meus ouvidos ouvirão mais;
meus olhos verão o que antes não viam,
enquanto esperarei por ti.
Não te esperarei na pura espera
porque o meu tempo de espera é um tempo de quefazer.
Desconfiarei daqueles que virão dizer-me,
em voz baixa e precavidos:
É perigoso agir
É perigoso falar
É perigoso andar
É perigoso esperar, na forma em que esperas
porque esses recusam a alegria da tua chegada.
Desconfiarei também daqueles que virão dizer-me,
com palavras fáceis, que já chegaste,
porque esses, ao anunciar-te ingenuamente,
antes te denunciam.
Estarei preparando a tua chegada
como o jardineiro prepara o jardim
para a rosa que se abrirá na primavera

Paulo Freire
Genebra, março de 1971

153

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