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condutas em

urgências e emergências
da

Faculdade de Medicina de
Botucatu
– UNESP –

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA


"JÚLIO DE MESQUITA FILHO"
Faculdade de Medicina de Botucatu —UNESP

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”


Reitor Julio Cezar Durigan

Vice-Reitora Marilza Vieira Cunha Rudge

Pró-Reitoria de Graduação

Pró-Reitor Laurence Duarte Colvara

Faculdade de Medicina de Botucatu


Diretora Silvana Artioli Schellini

Vice-Diretor José Carlos Peraçoli

Editoras Regina Helena Garcia Martins


Silvana Artioli Schellini

Chefes de Departamento

Anestesiologia Paulo do Nascimento Junior

Cirurgia e Ortopedia Trajano Sardenberg

Clínica Médica Marina Politi Okoshi

Dermatologia e Radioterapia Vidal Haddad Junior

Doenças Tropicais e Diagnóstico por Imagem Ricardo Augusto M. De Barros Almeida

Ginecologia e Obstetrícia Gilberto Uemura

Neurologia, Psicologia e Psiquiatria Maria Cristina Pereira Lima

Oftalmologia, Otorrinolaringologia e
Cirurgia de Cabeça e Pescoço Silke Anna Theresa Weber

Patologia Maria Aparecida Custódio Domingues

Pediatria Rossano Cesar Bonatto

Saúde Pública Luis Carlos Giarola

Urologia Paulo Roberto Kawano

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

APRESENTAÇÃO

É com orgulho e satisfação que apresento o livro Condutas em


Urgências e Emergências da Faculdade de Medicina de
Botucatu. No ano em que a Faculdade de Medicina de Botucatu comemora
o seu Jubileu de Ouro, os professores que aqui ensinam se uniram e
produziram esta obra que nada mais é que uma compilação das condutas que
são aqui praticadas em todas as áreas da Medicina. Este é um livro didático
e há muitas formas de apresentar conteúdo tão abrangente. Escolhemos
apresentar em dois volumes:
Volume 1: deste volume constam as afecções que acometem os adultos e
as respectivas condutas.
Volume 2: no segundo volume são abordadas as afecções que ocorrem na
população infantil, assim como as condutas.
A Medicina muda todos os dias. A verdade de hoje é contestada amanhã.
Por este motivo, eternizar o conhecimento é impossível. No entanto, fica aqui
o registro do que se praticava na Faculdade de Medicina de Botucatu, no ano
de 2013. Até onde vai nosso conhecimento, este é o primeiro livro produzido
desta forma em nossa querida escola. Que seja o primeiro de muitos!
Considero que este seja um presente do corpo de doutrina para a nossa
escola. Agradeço muito aos nossos “mestres” que colaboraram para que esta
obra se concretizasse.
Esperamos que os nossos alunos possam usufruir do mesmo e que o livro
seja para eles uma referência e um balizador das condutas da Faculdade de
Medicina de Botucatu.
Obrigada a todos que colaboraram para que este livro fosse uma realidade!

Profa. Titular Silvana A. Schellini


Diretora da Faculdade de Medicina de Botucatu

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Faculdade de Medicina de Botucatu —UNESP

Condutas em Urgências e Emergências da


Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP

2014© Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Editoras
Drª Regina Helena Garcia Martins
Drª Silvana Artioli Schellini

Edição e Produção

Estúdio Japiassu Reis


Projeto gráfico e direção de arte Gerson Reis Jr.
Revisão e preparação de textos Rafaela Silva
Editoração, tabelas e gráficos Pedro Japiassu Reis

Ficha catalográfica elaborada pela seção téc. Aquis. Tratamento da inform.


Divisão de Biblioteca e Documentação - Campus de Botucatu - UNESP
Bibliotecária responsável: Rosemeire Aparecida Vicente

Condutas em urgências e emergências da Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP / editores


Regina Helena Garcia Martins, Silvana Artioli Schellini. - Botucatu : UNESP, Faculdade de Medicina
de Botucatu e Pró-Reitoria de Graduação da UNESP: Cultura Acadêmica, 2014
2 v.

Inclui bibliografia e índice


Conteúdo: v. 1. Adulto – v. 2. Pediátrico
ISBN 9788565318020 (v. 1)
ISBN 9788565318037 (v. 2)
ISBN 9788565318013 (set)

1. Emergências médicas. 2. Medicina de emergência. 3. Hospitais – Serviços de emergência. 4.


Emergências pediátricas. 5. Adulto – Cuidados médicos. 6. Primeiros socorros. 7. Serviços médicos
de emergência. 8. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de Medicina. I.
Título. II. Martins, Regina Helena Garcia. III. Schellini, Silvana Artioli.

CDD 616.025

Os autores e a Faculdade de Medicina da Unesp – Campus de Botucatu, empenharam-se em citar adequadamente e dar os devidos créditos aos detentores de direitos
autorais ao material utilizado neste livro e dispõem-se a proceder aos reparos necessários, caso, algum deles tenha sido, involuntária ou inadvertidamente, omitido.
Os autores e editores deste livro empenharam-se em fornecer informações atualizadas e aceitas à época da publicação, sobre indicação de drogas, especificação e
uso de equipamentos e dispositivos. Entretanto, em virtude de constante evolução das ciências da saúde, modificações em equipamentos e alterações de regulamen-
tações governamentais, recomendamos que os leitores revejam e avaliem a legislação regulamentadora, as informações contidas em bulas ou instruções de drogas,
equipamentos e dispositivos para, entre outras coisas, certificarem-se sobre alterações em instruções e indicações de dosagem, bem como, para eventuais cuidados
e precauções adicionais.
Nenhuma parte desta publicação pode ser utilizada, reproduzida, apropriada ou armazenada em sistema de bancos de dados, em quaisquer formas ou meios (eletrô-
nico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição, pela Internet ou outros) sem expressa autorização da Faculdade de Medicina da Unesp – Campus de Botucatu.
A responsabilidade civil e criminal, perante terceiros e perante a Faculdade de Medicina da Unesp – Campus de Botucatu, sobre o conteúdo total desta publicação,
incluindo as ilustrações e autorizações /créditos correspondentes, é do(s) autor(es) da (s) mesma (s).

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”


Campus Botucatu
Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB)
Av. Prof. Montenegro
Distrito de Rubião Junior, s/n
18618970 – Botucatu, SP
(14) 3880-1010

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

AGRADECIMENTO

A conclusão desta obra é resultado da dedicação de docentes e


médicos desta instituição que abraçaram a idéia de escrever um livro
didático sobre Condutas em Urgências e Emergências da Faculdade
de Medicina de Botucatu, destinado aos alunos, residentes e especialistas.
Pude testemunhar o esforço dos autores de cada capítulo em apresentar
as doenças mais prevalentes de suas especialidades, procurando padronizar
as condutas adotadas em cada disciplina. Recebi o convite para coordenar
a elaboração deste livro e, ao concluí-lo, agradeço todos aqueles que
participaram comigo deste trabalho.

Profa. Dra. Regina Helena Garcia Martins


Coordenadora Editorial

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condutas em
urgências e emergências
da
Faculdade de Medicina de Botucatu
– UNESP  –

Volume 1

ADULTO

Editoras

Professora Adjunta Regina Helena Garcia Martins


Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço
Faculdade de Medicina – UNESP
Campus de Botucatu

Professora Titular Silvana Artioli Schellini


Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço
Diretora da Faculdade de Medicina – UNESP
Campus de Botucatu
Faculdade de Medicina de Botucatu —UNESP

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

SUMÁRIO

Anestesiologia | 17
Intoxicação por anestésicos locais | 19
Intubação orotraqueal | 25
O tratamento da dor na sala de emergência | 30
Sedação em Pediatria | 40
Sedação na terapia intensiva | 48

Cirurgia Torácica | 53
Estenose traqueal | 55
Corpo estranho em árvore traqueobrônquica | 62
Hemoptise maciça | 71
Derrames pleurais benignos e malignos | 78
Conduta nos principais tipos de derrame pleural | 91
Empiema pleural | 98
Pneumotórax | 106
Hemotórax | 114
Contusão torácica | 120
Ferimentos penetrantes do tórax | 128
Perfuração esofágica | 138
Síndrome da veia cava superior | 146

Cirurgia Vascular | 151


Afecções agudas da aorta torácica | 153
Aneurisma de aorta abdominal | 158
Doença arterial obliterante periférica | 163
Isquemia cerebral de origem extracraniana | 171
Oclusão arterial aguda | 178
Síndrome compartimental e fasciotomias em cirurgia vascular | 185
Trauma vascular periférico | 191
Tromboflebite superficial de membros inferiores | 197
Trombose venosa profunda | 202

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Faculdade de Medicina de Botucatu —UNESP

Clínica Médica | 209


Cardiologia | 211
Dor torácica na sala de emergência | 213
Síndromes coronárias agudas sem supradesnivelamento do segmento ST | 218
Infarto agudo do miocárdio com
supradesnivelamento do segmento ST no eletrocardiograma | 224
Bradiarritmias e bloqueios atrioventriculares | 231
Choque cardiogênico | 239
Dissecção aguda da aorta torácica | 246
Fibrilação e flutter atrial | 254
Insuficiência cardíaca aguda e edema agudo de pulmão | 261
Pericardite aguda e tamponamento cardíaco | 267
Ressuscitação cardiopulmonar | 272
Taquicardias com QRS estreito | 279
Taquicardias com QRS largo | 287

Endocrinologia | 293
Apoplexia de tumor hipofisário | 295
Cetoacidose diabética | 299
Coma mixedematoso | 305
Crise adrenal | 308
Crise tireotóxica | 310
Estado hiperglicêmico hiperosmolar | 313
Emergência hipertensiva no feocromocitoma | 320
Hipoglicemia na terapia do diabetes | 322
Gota | 327

Gastroenterologia | 331
Diarreia aguda | 333
Encefalopatia hepática | 338
Hemorragia digestiva alta – definição e abordagem inicial | 341
Hemorragia digestiva alta – terapêutica específica
na hemorragia varicosa e não varicosa | 345
Hepatite alcoólica | 350
Manejo da ascite no pronto-socorro | 354
Pancreatite aguda | 359
Paracentese | 365
Peritonite bacteriana espontânea | 368
Síndrome hepatorrenal | 373

Geriatria | 379
Confusão mental e alterações comportamentais em idosos | 381
Cuidados paliativos em um serviço de urgência e emergência | 387
Infecção do idoso | 395
Síncope e pré-síncope no idoso | 402
Sintomas comportamentais e psicológicos em pacientes com demência | 407
Tontura em idosos | 412
Úlcera por pressão | 420

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Hematologia | 425
Emergências oncológicas de origem metabólica: reconhecimento,
diagnóstico e tratamento | 427
Neutropenia febril | 434
Situações emergenciais nos pacientes com doença falciforme | 439
Transfusão em Medicina de Urgência | 448
Tumores do mediastino | 458

Medicina Intensiva | 473


Controle da hiperglicemia em pacientes críticos | 475
Distúrbios de cálcio e fósforo | 479
Distúrbios do potássio e magnésio | 483
Distúrbios do sódio | 487
Distúrbios do equilíbrio ácido-base | 492
Sedação e analgesia | 501
Sepse | 504

Nefrologia | 521
Emergências e urgências hipertensivas | 523
Lesão renal aguda | 529

Pneumologia | 535
Asma | 537
Doença pulmonar obstrutiva crônica | 543
Insuficiência respiratória aguda | 549
Pneumonia adquirida na comunidade | 555
Tromboembolia pulmonar aguda: diagnóstico e tratamento clínico | 560

Dermatologia | 569
Agravos ambientais | 571
Dermatoses bolhosas | 577
Efeitos adversos da criocirurgia e procedimentos | 581
Efeitos adversos da utilização de
imunomoduladores biológicos e não biológicos | 585
Efeitos adversos de procedimentos cirúrgicos dermatológicos | 588
Identificação de emergências causadas por animais e plantas | 594
Infecções bacterianas agudas | 598
Loxoscelismo cutâneo | 605
Reações cutâneas desencadeadas por fármacos | 607
Síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica | 612
Urticária e angioedema | 616

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Faculdade de Medicina de Botucatu —UNESP

Gastrocirurgia | 621
Abdome agudo obstrutivo | 623
Abdome agudo perfurativo | 630
Apendicite aguda | 634
Avaliação inicial no trauma | 638
Colecistite aguda | 644
Diverticulite aguda | 648
Neoplasia colorretal obstrutiva | 652
Pancreatite aguda biliar e colangite | 658
Colangite | 662
Trauma abdominal fechado | 666
Trauma abdominal penetrante | 670

Ginecologia e Obstetrícia | 675


Dor pélvica aguda (DPA) | 677
Abdome agudo ginecológico | 683
Sangramento uterino anormal | 689
Traumas ginecológicos | 695
Mastite | 697
Protocolo de assistência à mulher vítima de violência sexual | 700
Hemorragias da primeira metade da gestação | 705
Hemorragias da segunda metade da gravidez | 711
Hemorragias do terceiro e quarto períodos (pós-parto) | 716
Trabalho de parto prematuro | 720
Protocolo de diagnóstico e conduta na assistência à gestante hipertensa | 724

Moléstias Infecciosas | 729


Abordagem clínica do risco biológico | 731
Acidentes por abelhas e vespas | 737
Acidentes por artrópodes peçonhentos | 743
Acidentes por serpentes | 749
Endocardite infecciosa aguda | 753
Hepatites virais agudas ou fulminantes | 760
Influenza e outras viroses respiratórias graves | 764
Meningites bacterianas e doença meningocóccica | 772
Pneumonias bacterianas agudas adquiridas na comunidade | 777
Sepse | 785
Síndromes febris hemorrágicas agudas | 790
Soros e vacinas de uso emergencial | 794

Neurologia e Neurocirurgia | 799


Hipertensão intracraniana | 801
Abordagem do acidente vascular encefálico isquêmico na fase aguda | 810
Hemorragia intraparenquimatosa cerebral espontânea | 820
Hemorragia subaracnoidea espontânea | 826
Abordagem e manuseio do traumatismo craniencefálico | 832

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Capítulo I – Traumatismo cranioencefálico | 832


Capítulo II – Classificação e conduta nas lesões endocranianas | 837
Capítulo III – Lesões generalizadas ou difusas | 845
Estado de mal epiléptico | 848
Diagnóstico e tratamento da miastenia gravis | 853
Diagnóstico e tratamento da polirradiculoneuropatia
inflamatória aguda (Síndrome de Guillain-Barré) | 854

Oftalmologia | 857
Glaucoma agudo | 859
Trauma ocular contuso | 863
Trauma ocular perfurante | 868
Trauma da pálpebra e via lacrimal | 870
Endoftalmite pós-operatória | 873
Endoftalmite pós-trauma | 875
Blebite | 876
Endoftalmite | 879
Afecções agudas de córnea e conjuntiva | 880
Conjuntivites infecciosas | 884
Ceratites infecciosas | 889
Celulite orbitária | 896
Afecções agudas das vias lacrimais excretoras | 898
Uveítes agudas | 901
Perda súbita da visão | 904
Descolamento da retina | 908
Estrabismo paralítico | 910

Ortopedia – Traumatologia | 913


Fraturas expostas | 915
Fraturas supracondilianas do úmero na criança | 922
Lesões do anel pélvico | 932
Lesões traumáticas da coluna vertebral | 938
Luxação coxofemoral traumática | 947
Luxação de joelho | 953
Luxação glenoumeral | 956

Otorrinolaringologia | 961
Corpo estranho em otorrinolaringologia | 963
Epistaxe | 967
Faringotonsilites agudas | 973
Otite média aguda | 978
Paralisia facial periférica | 986
Rinossinusites agudas e suas complicações | 995
Surdez súbita | 999
Traqueotomia | 1003
Trauma do pavilhão auricular, canal auditivo externo e orelha média | 1010
Traumatismo do pescoço | 1015
Vertigem aguda | 1025

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Faculdade de Medicina de Botucatu —UNESP

Plástica | 1031
Fraturas de face | 1033
Atendimento inicial ao paciente queimado | 1042

Psiquiatria | 1053
Agitação psicomotora | 1055
Detecção e manejo do risco de suicídio | 1061
Emergências psiquiátricas relacionadas ao uso excessivo
ou dependência de álcool e outras drogas I | 1067
Emergências psiquiátricas relacionadas ao uso excessivo
ou dependência de álcool e outras drogas II | 1072
Emergências psiquiátricas na gestação e puerpério | 1077
Reações adversas aos psicotrópicos | 1081
Transtornos ansiosos e transtornos dissociativo-conversivos | 1086
Transtornos de humor | 1092
Transtornos psicóticos | 1097

Urologia | 1103
Cólica renal e obstrução ureteral | 1105
Escroto agudo | 1108
Infecção do trato urinário | 1114
Parafimose | 1119
Pionefrose, abscesso renal e abscesso perinefrético | 1121
Priapismo | 1125
Retenção urinária aguda | 1127
Traumatismo genital | 1131
Trauma renal | 1135
Trauma uretral | 1140
Trauma vesical | 1145

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condutas em
urgências e emergências
da
Faculdade de Medicina de Botucatu
– UNESP –

Volume 1

ADULTO
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Anestesiologia

É com bastante prazer que o Departamento de


Anestesiologia participa da elaboração da primeira edição
do Manual de Urgências e Emergências da Faculdade de
Medicina de Botucatu – UNESP. Trata-se de iniciativa importante
desta Faculdade e esperamos ter um guia prático de consulta, destinado
aos alunos de graduação e residentes das diversas especialidades.
Nesta edição participamos com cinco capítulos. Os textos foram
escritos por professores engajados no ensino e pesquisa dos temas e
com experiência clínica, construída pela prática diária.
Parabenizamos todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram
para a elaboração deste Manual.

Professor Adjunto Paulo do Nascimento Junior


Chefe do Departamento de Anestesiologia
Co-Editor
ANESTESIOLOGIA

17
ANESTESIOLOGIA F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

18
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

INTOXICAÇÃO POR ANESTÉSICOS LOCAIS


Norma Sueli Pinheiro Módolo1
Eliana Marisa Ganem2

Sistema Nervoso Central Assim, os sinais clínicos e a presença de 1


Professora Titular
do Departamento
(SNC) convulsão dependerão da concentração san-
de Anestesiologia da
guínea do anestésico local e do estado ácido- Faculdade de Medicina

O O sistema nervoso central é particu- -base (Quadro 2). de Botucatu, UNESP


larmente sensível à ação dos anes- Pode-se deduzir do Quadro 2 que a lido-
2
caína na dosagem de 7mg.kg-1, como é empre- Professora Titular
tésicos locais, os quais podem apresentar efeitos do Departamento
opostos em diferentes doses. Todos os anestési- gada em clínica, causa convulsão no estado de Anestesiologia da
cos locais são capazes de atravessar a barreira de acidose extrema (pH = 6,95 e PaCO2 = Faculdade de Medicina
sanguínea cerebral devido à alta lipossolubili- 90mmHg), enquanto que na alcalose máxima de Botucatu, UNESP
dade e ao baixo peso molecular. Alguns anes- há necessidade de dose quatro vezes maior
tésicos locais, por exemplo, a lidocaína na dose (± 27mg.kg-1) para desencadear convulsões. O
de 2 a 3mg.kg-1, são utilizados no tratamento estado ácido-base afeta profundamente a ativi-
do estado epiléptico. A tetracaína e a procaína dade do anestésico local no SNC. O aumento na
também apresentam esta propriedade. PaCO2 (acidose respiratória), bem como o pH
Por outro lado, doses elevadas de anesté-
Quadro 2: Doses convulsivantes da lidocaína (5mg.kg-1.min-1) de acordo com o
sicos locais ou a injeção intravascular inadver- pH e os níveis da PaCO2
tida levam a efeito convulsivante tipo grande
pH
mal ao bloquearem os mecanismos inibitórios
PaCO2 6,95 7,00 7,05 7,10 7,15 7,20 7,25 7,30 7,35 7,40 7,50
do sistema reticular ativador, deixando sem
Lidocaína (mg.kg-1.min-1)
oposição as ações dos neurônios facilitatórios.
90 6,8 8,1 9,5 11,1 12,8
Com doses muito elevadas de anestésicos lo-
80 8,6 11,3 14,3
cais, ambas as atividades facilitatórias e inibitó-
70 10,7 11,9 13,2 14,6 15,9
rias são deprimidas, resultando em depressão
60 13,1 15,4 17,5
generalizada do SNC, inconsciência, coma e
50 16,3 17,1 17,9 18,7 19,5
parada respiratória, sem que o paciente exiba
40 20,6 21,0 21,4 21,7 22,0
os sinais premonitórios iniciais de intoxicação.
O provável local do SNC onde se origina o 30 27,5 27,0 26,6 25,8
efeito convulsivante é o sistema límbico e, mais Segundo Englesson, 1974. ANESTESIOLOGIA
especificamente, a amígdala. Há correlação
entre a potência da droga e a toxicidade para baixo (acidose metabólica), diminuem o limiar
o SNC (Quadro 1). convulsivo, enquanto que a alcalose metabólica
ou respiratória aumen-
Quadro 1: Dose convulsivante (CD100) dos anestésicos locais tam o limiar. Este fenô-
DOSE
meno ocorre porque,
Concentração em meio ácido, há for-
Anestésico local CD100mg. kg-1 RELACIONADA
arterial µg.ml-1
(lidocaína = 1) mação de maior quan-
Lidocaína 2,4 1,0 40 tidade de cátion que
Ropivacaína 1,3 1,8 20 não possui capacidade
Bupivacaína 1,0 2,4 14 de difusibilidade, per-
Segundo De Jong, 1994. manecendo por maior

19
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

tempo na corrente circulatória. A hipercarbia, de- dose dependente, mas também potência depen-
vido a sua propriedade vasodilatadora, aumenta dente. Portanto, a bupivacaína e a etidocaína
a captação cerebral do anestésico local. O dió- são depressoras cardíacas mais potentes que a
xido de carbono, ao diminuir o pH intracelular, lidocaína e ropivacaína. Este efeito inotrópico
também aumenta a forma catiônica do anestési- negativo deve-se, em parte, à lenta liberação
co local. A acidose também diminui a capacida- dos anestésicos locais dos canais de sódio e, em
de de ligação proteica dos anestésicos locais e, parte, à ligação com os canais de cálcio.
desta forma, aumenta a fração livre dos mesmos. Quanto mais moléculas de anestésico local
No estado alcalótico existe maior quanti- ocuparem os miócitos, menos eficiente será a
dade de base, que possui grande poder de di- contração. Normalmente, a lidocaína, na dose
fusibilidade, atingindo rapidamente o espaço sanguínea de 0,5mg.ml-1, deprime a força con-
extracelular e os depósitos gordurosos, dimi- trátil do átrio de coelhos em 6%, enquanto que
nuindo, assim, os níveis sanguíneos do anes- a bupivacaína, na dose de 0,5mg.ml-1, deprime
tésico local; estes fatos devem ser lembrados em 70%.
quando se iniciar o tratamento de crise convul- A ropivacaína apresenta potencial car-
siva causada por anestésico local. diotóxico intermediário entre a lidocaína e a
bupivacaína.

Toxicidade cardíaca Alterações eletrofisiológicas


Contratilidade miocárdica
A toxicidade cardíaca dos anestésicos locais
O anestésico local produz diminuição, dose também se reflete no prolongamento da condu-
dependente, da força contrátil do miocárdio. A tividade cardíaca. No eletrocardiograma obser-
ação dos anestésicos locais é obtida através do va-se aumento do intervalo PR e da duração do
bloqueio dos canais de sódio. Entretanto, relatos QRS. Enquanto a lidocaína em doses progres-
recentes têm demonstrado importante contri- sivas leva à falência circulatória, hipotensão e
buição para a toxicidade cardíaca a interferên- bradicardia, a bupivacaína alarga o QRS, causa
cia dos anestésicos locais em outros receptores. disritmia ventricular, dissociação eletromecâni-
Alguns investigadores acreditam que a inibi- ca e assistolia refratária.
ção do fluxo de sódio é mediada por interação A característica cinética da bupivacaína de
entre o anestésico local e o cálcio. rápida e intensa ligação aos canais de sódio
O bloqueio dos canais de cálcio pelo do coração parece ser a principal razão de sua
anestésico determina diminuição do influxo cardiotoxicidade. Os anestésicos locais ligam-
de cálcio e, por esta razão, encurta o potencial -se aos canais de sódio durante sua configu-
de ação cardíaco, reduzindo a concentração ração aberta. A bupivacaína dissocia-se dos
mioplasmática de cálcio e enfraquecendo a canais inativados em 150 segundos, em con-
ANESTESIOLOGIA

contração. traste com os 0,15 segundos da lidocaína. Em


Os canais de potássio também são blo- frequência cardíaca normal, a bupivacaína não
queados pelos anestésicos locais, porém, a afi- consegue se dissociar completamente dos ca-
nidade desses pelos canais de potássio é menor nais de sódio durante a diástole e, desta forma,
do que pelos canais de sódio. na despolarização seguinte, os canais abertos
A lidocaína em doses 1 a 2mg.kg-1 provoca ligam-se a mais bupivacaína, produzindo acú-
mínimas alterações na força de contração cardí- mulo da mesma no coração. Este bloqueio
aca. Quando a concentração plasmática atinge chama-se fast-in, slow-out, isto é, rápida liga-
níveis superiores a 7mg.ml-1 há alteração, dose ção e saída demorada dos canais de sódio. A
dependente, na performance cardíaca. Acima lidocaína deixa o canal de sódio inativado du-
de 25µg.ml-1 ocorre falência miocárdica. rante a diástole e o acúmulo e intensificação do
O efeito inotrópico negativo não é somente bloqueio não ocorrem (Quadro 3).

20
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Quadro 3: Dissociação dos anestésicos locais ção simultânea de dois agentes anestési-
dos canais de sódio do coração
cos locais resulta em toxicidade aditiva
Constante de tempo de e, por isso, a dose de cada um dos anes-
A. L.
recuperação (s)
tésicos locais deve ser reduzida;
Lidocaína 10 uM 0,2
• uso de vasoconstritores – a adrenali-
Ropivacaína uµM 1,4
na retarda a absorção sistêmica da maio-
Bupivacaína uµM 2,1
ria dos anestésicos locais; considerar as
Segundo De Jong, 1994.
situações em que não deve ser emprega-
A bupivacaína, quando comparada à da ou deve ser empregada com cautela;
ropivacaína, causa maior número de disrit- • velocidade de injeção e volume in-
mias cardíacas. Ambos os anestésicos locais jetado – injeção rápida de determinado
alargam o QRS, mas a dose necessária de volume de anestésico local aumenta o
ropivacaína para induzir disritmias é aproxi- nível plasmático mais rapidamente do
madamente duas vezes maior que a da bupi- que o mesmo volume administrado em
vacaína. A depressão dos potenciais de ação injeções lentas fracionadas;
das fibras de Purkinje do músculo ventricular • condição clínica do paciente – pa-
e do bloqueio da condução é menos intensa cientes hipovolêmicos ou com doença
com a ropivacaína. Com os anestésicos locais, cardíaca importante não toleram doses
a automaticidade está deprimida e a despola- elevadas de anestésico local.
rização das células do marcapasso, lentificada,
sendo que a hipóxia e acidose amplificam este Todo profissional da área médica, inde-
último efeito. pendentemente da especialidade, deve saber
A condução dos impulsos cardíacos é tam- diagnosticar os sinais de intoxicação pelos
bém alterada, tornando-se mais lenta, pois a anestésicos locais e tratá-los adequadamente.
diminuição no influxo de sódio despolariza Desta forma, o tratamento envolve:
mais vagarosamente a membrana. Há pro- 1. assistência ventilatória;
longamento do intervalo PR, alargamento do 2. controle das convulsões;
QRS e bloqueio atrioventricular. O retardo na 3. tratamento do colapso cardiocirculatório.
condução leva ao bloqueio unidirecional e de
reentrada, que determinam taquicardia e fibri- A atenção daqueles que se deparam com
lação ventriculares. quadro de reação tóxica por AL geralmente é
centralizada nas convulsões, esquecendo-se
Tratamento da toxicidade da causa mais provável de morbidade, ou seja,
a depressão respiratória. Portanto, o tratamen-
Os efeitos tóxicos dos anestésicos são de- to deve ser orientado principalmente para a
pendentes de níveis sanguíneos elevados, que ventilação. O aumento da demanda de oxigê- ANESTESIOLOGIA
sempre devem ser evitados. Deve-se estar nio e a maior produção de CO2 causados pelas
atento aos fatores que seguem: convulsões, juntamente com a interferência na
• local de injeção da droga – áreas ventilação pela intensa contração muscular,
altamente perfundidas favorecem a ab- tornam desejável também o controle da con-
sorção, determinando elevados níveis vulsão. No tratamento deve-se, primeiro, ten-
sanguíneos dos anestésicos locais; tar hiperventilar o paciente para, em seguida,
• fármaco selecionado – a bupivacaína controlarem-se as convulsões. Pode-se empre-
e a etidocaína são mais cardiotóxicas que gar o que segue:
outros agentes, mesmo em doses mais bai- • administração de succinilcolina, na
xas, após injeção acidental intravascular; dose de 1mg.kg-1, + manutenção da via
• dose administrada – observar a dose aérea + respiração artificial e/ou oxige-
tóxica máxima permitida; a administra- noterapia;

21
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

• administração de diazepam, 0,2 a 0,3mg. Esta solução composta por triglicérides de


kg-1, ou tiopental, 1 a 2mg.kg-1, por via cadeia longa e/ou média, fosfolipídeos e gli-
intravenosa; cerol promoveria um compartimento lipídico
• vasopressor e hidratação, se necessários. no sangue, no qual as substâncias lipofílicas,
dentre elas alguns anestésicos locais, se dissol-
As medidas anteriormente relacionadas po-
veriam tornando-as menos disponíveis para
derão ser tomadas em conjunto ou isoladamente,
atuar em seus locais de ação.
na dependência do quadro clínico (Quadro 4).
A emulsão lipídica também aumentaria o
Quadro 4: Ações de anestésicos locais, diazepan, succinilcolina e suprimento de ácidos graxos, substratos para
vasoconstritor nas convulsões, respiração e circulação produção de energia e inibiria o metabolismo
Anestésicos
Diazepam Succinilcolina Vasoconstritor
mitocondrial de lipídios e ativaria os canais de
locais cálcio e potássio. De utilização clínica ainda
Convulsões ↑ ↓ ↓ 0 empírica, tem sido empregada em pacientes
Respiração ↓ ↓ ↓↓↓ 0 nos quais outras estratégias de reanimação não
Circulação ↓ ↓ 0 ↑↑ obtiveram sucesso. Entretanto, sem as medidas
↑ = aumento; ↓ = diminuição; 0 = ausência de ação. iniciais de reanimação (guidelines do ACLS) o
tratamento com emulsão lipídica não é efetivo.
A taquicardia e fibrilação ventriculares são, É importante ressaltar que a emulsão li-
possivelmente, melhor tratadas com cardiover- pídica acarreta diversos efeitos colaterais, tais
são. Estudos em animais sugerem ser o bretílio como pancreatite aguda, hipercoagulabilida-
o fármaco mais eficaz no tratamento farma- de, hiperlipidemia, embolia gordurosa, dentre
cológico das contrações ventriculares prema- outras.
turas, ou mesmo da taquicardia ventricular, Recomendação para tratamento da toxici-
quando causadas pela bupivacaína. dade sistêmica pelo anestésico local (TSAL) –
A amiodarona também foi utilizada para 2010 American Society of Regional Anesthesia
tratamento das disritmias causadas pela toxici- and Pain Medicine:
dade do anestésico local. 1. se ocorrerem sinais e sintomas de TSAL
No caso de parada cardiocirculatória pela é crucial o controle imediato e eficaz das
bupivacaína, deve ser instituído tratamento vias aéreas para prevenir a hipóxia e a
agressivo, porque os efeitos da bupivacaína so- acidose que potencializam a TSAL;
bre o coração perduram longo tempo. Nesta 2. se ocorrerem convulsões administrar
eventualidade, a reanimação cardiopulmonar benzodiazepínicos. Caso os benzodia-
é frequentemente muito prolongada e, caso isto -zepínicos não estejam prontamente dis-
aconteça, torna-se necessária eficácia máxima poníveis podem ser utilizadas pequenas
desta reanimação, usando-se a massagem car- doses de tiopental ou propofol;
díaca com tórax aberto e, sempre que possível, 3. embora o propofol possa controlar as
ANESTESIOLOGIA

a instituição da circulação extracorpórea. convulsões, grandes doses do fármaco


Nas pacientes grávidas o deslocamento deprimem a função cardíaca. O propo-
uterino para a esquerda é imperativo, para au- fol deve ser evitado quando há sinais de
mentar o retorno venoso, porque a obstrução comprometimento ou colapso cardio-
parcial da veia cava inferior pode prolongar vascular. Se as convulsões persistirem,
muito a reanimação após parada cardíaca pela apesar do benzodiazepínico, utilizar pe-
bupivacaína. quenas doses de succinilcolina ou blo-
Desde o final dos anos 1990 tem se aven- queadores neuromusculares similares;
tado a possibilidade de a emulsão lipídica, uti- 4. se ocorrer parada cardíaca, seguir pa-
lizada em nutrição paenteral, ser utilizada na dronização do suporte avançado de
reversão da cardiotoxicidade desencadeada vida cardiovascular com as seguintes
pelo anestésico local. modificações:

22
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

a. se utilizar efedrina, deve ser em pe- Reconhecer potencial de toxidade sistêmica


quenas doses (10-100µg em bolus no
adulto); Guidelines do suporte avançado da vida
Administrar emulsão
b. a vasopressina não é recomendada; lipídica 20% "bolus" controle das vias aéreas
controles das
convulsões
c. evitar bloqueadores do canal de cál- inicial 1,5ml.kg-1 oxigenoterapia
máscara facial / intubação traqueal propofol
cio e ß bloqueadores; Infusão contínua
0,25ml.kg-1.min-1 midazolam
d. se houver arritmias ventriculares pre- até 10 min após
estabilidade
ferir a amiodarona. O tratamento com cardiocirculatória
tiopental
tratamento das arritmias
anestésicos locais (lidocaína e procaina- Amiodarona 300mg IV
Se não ocorrer
mida) não são recomendados; estabilidade pode ser repetido 1 vez (150mg em 3-5 min)
cardiocirculatória
5 terapia com emulsão lipídica: repetir a infusão
contínua
a. considerar a sua utilização aos pri- 0,5ml.kg-1. min-1
suporte circulatório
meiros sinais de TSAL após o controle adrenalina 10+100µg em "bolus"
da via aérea;
Fig. 1: Algoritmo
b. dose: Citotoxicidade para controle
• 1,5ml.kg-1 em bolus de emulsão lipídi- da toxicidade
ca a 20%; Os anestésicos locais em altas concentra- sistêmica pelo
ções e/ou quantidades podem causar lesões ir- anestésico local
• infusão contínua de 0,25ml.kg-1.min-1 (Weinberg GL,
reversíveis da fibra nervosa.
por até, pelo menos, 10 minutos após ser Reg Anesth Pain
obtida a estabilidade circulatória; Med, 2002; 2007:
Interação de drogas 568-75).
• se a estabilidade circulatória não foi
obtida, considerar outro bolus e aumen- Os anestésicos locais intensificam o efeito
tar a infusão para 0,5ml.kg-1.min-1; dos bloqueadores neuromusculares, a ação
•   a dose limite da emulsão lipídica das sulfas, devido à semelhança de estru-
10ml.kg-1 em 30 minutos; tura, e o efeito dos digitálicos (ex. procaína).
• o propofol não substituí a emulsão li- Os bloqueadores do canal de cálcio aumen-
pídica; tam a cardiotoxicidade dos anestésicos locais,
• se houver falha da resposta à emulsão principalmente da bupivacaína. Desse modo,
lipídica e à terapia vasopressora instituir quando for necessária a anestesia regional em
a circulação extracorpórea. pacientes que usam bloqueadores do canal de
cálcio, a bupivacaína deve ser evitada.
As drogas beta-bloqueadoras aumentam
Reações ao vasoconstritor a toxicidade cardíaca dos anestésicos locais
porque elas diminuem a contratilidade do mio-
cárdio, com bradicardia. Além disso, os beta- ANESTESIOLOGIA
Agitação, ansiedade, tontura, cefaleia, ta-
-bloqueadores alteram o metabolismo dos AL
quicardia, hipertermia e hipertensão arterial po-
pela redução do fluxo sanguíneo hepático e
dem ocorrer após a injeção do AL associado ao
esplâncnico.
vasoconstritor, principalmente se houver rápida
absorção sanguínea do mesmo.
Cicatrização

Reações locais Em cultura de células, os anestésicos lo-


cais, em doses clínicas, inibem o crescimento
Quando se associam vasoconstritores, pode celular e a motilidade, causam alterações mor-
aparecer acentuado vasoespasmo, com isque- fológicas e alteram a sobrevida das células. Os
mia, necrose e gangrena, principalmente nos efeitos são diretamente proporcionais à dura-
bloqueios de extremidades. ção da exposição e à dose empregada da dro-

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F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

ga. A inibição do crescimento e da divisão de 1. não usar doses maiores que 60mg para
fibroblastos pode estar diretamente envolvida a lidocaína, prilocaína e procaína e
com o mecanismo pelo qual os anestésicos lo- 20mg para a tetracaína;
cais impedem a cicatrização quando injetados 2. não empregar AL hidrossolúveis em
na ferida. bloqueio subaracnoideo contínuo, tais
como: tetracaína (extremamente solú-
vel) e lidocaína. Estes AL, quando usa-
Reações devidas ao tipo de dos na técnica contínua, podem atingir
bloqueio massa elevada e tóxica devido ao impre-
visível efeito cumulativo das doses sub-
Em alguns bloqueios regionais, pode ocor- sequentes. Outro perigo é a localização
rer punção de órgãos e estruturas diversas, do cateter próximo às fibras nervosas da
como vasos sanguíneos e pleura, provocando cauda equina; neste caso, o anestésico
o aparecimento de hematomas e a formação de local será injetado em local restrito, sem
pneumotórax, respectivamente. Isto pode acon- possibilidade de ampla diluição com o
tecer, principalmente, nos bloqueios do plexo liquor, determinando maior concentra-
braquial e dos nervos intercostais. ção localizada. Entretanto, a raquianes-
Os anestésicos locais, quando injetados tesia contínua pode ser indicada com o
em altas concentrações e/ou grandes quanti- AL bupivacaína;
dades no espaço subaracnoideo, podem cau- 3. não empregar grandes doses de AL no
sar lesões neurológicas irreversíveis, do tipo bloqueio subaracnoideo, quando o pa-
da síndrome da cauda equina. As fibras ner- ciente for colocado em proclive;
vosas mais suscetíveis são as da cauda equi- 4. evitar grandes doses em pacientes de
na, por estarem localizadas no fundo de saco baixa estatura.
dural (onde as soluções hiperbáricas podem-
-se acumular) e também porque são destituí-
das de bainha de proteção (são mais sensíveis Reações devidas à droga
aos efeitos tóxicos dos anestésicos locais). Não utilizada
se sabe qual a concentração e quantidade de
anestésico local capazes de causar lesão celu- A prilocaína, nas doses superiores a 600mg,
lar e, por isto, sugerem-se as seguintes normas determina metahemoglobinemia; esta é de fácil
para se evitarem as complicações neurológicas tratamento, bastando injetar-se azul de metile-
pós-bloqueio subaracnoideo: no, 1mg.kg-1, por via intravenosa, lentamente.

Referências
ANESTESIOLOGIA

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Management. 1st ed. New York: Mc Graw Hill; 2007. p. 105-20.
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B Saunders; 1996. p. 124-42.
De Jong R H. Local Anesthetics. St.Louis. 1st ed. Mosby-Year Book; 1994. 421 p.
Groban L. & Butterworth J. Local anesthetic systemic toxicity. In: Neal M.J. & Rathmell. Complications in Regional
Anesthesia & Pain Medicine. 1st ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2007. p. 55-66.
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Practice. 4th ed. Philadelphia: Williams & Wilkins; 2006. p. 179-207.
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2008;21:651-6.
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2008;21:645-50.
Weinberg GL. Treatment of local anesthetic systemic toxicity (LAST). Reg. Anesth. Pain Med. 2010;35:188-193.

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL
Rosa Beatriz Amorim1
Leandro Gobbo Braz2

E ntende-se por manejo de vias aéreas à instabilidade laríngea observada antes 1


Professora
uma série de manobras, com a uti- da indução ou durante a anestesia. Assistente Doutora
do Departamento
lização de diversos artefatos, cuja finalidade é de Anestesiologia da
mantê-las pérvias para ventilação / oxigenação As contraindicações não são absolutas,
Faculdade de Medicina
de pacientes. Isso pode ser conseguido, por porém a intubação deve ser protelada, se pos- de Botucatu, UNESP
exemplo, com o uso de máscara facial, acom- sível, na laringite aguda e na tuberculose pul-
2
monar aberta. Professor
panhada de cânula oral ou nasal, ou de más- Assistente Doutor
cara laríngea; porém, o isolamento do esôfago, do Departamento
necessário para se evitar a aspiração pulmonar Anatomia de Anestesiologia da
de conteúdo gástrico, sangue ou secreções, só Faculdade de Medicina
A laringe está localizada na altura da 5ª de Botucatu, UNESP
é obtido com a intubação traqueal. vértebra cervical e, funcionando como válvu-
A intubação traqueal consiste na introdu- la do trato respiratório, comanda a entrada
ção de um tubo na traqueia (por isso deno- do sistema pulmonar. É composta por nove
minado tubo endotraqueal), através da boca cartilagens unidas por ligamentos(2). A carti-
(intubação orotraqueal) ou do nariz (intubação lagem cricoide, um anel acima da traqueia,
nasotraqueal)(1). determina, em crianças, o maior diâmetro
possível da cânula a ser utilizada. Em recém-
-nascidos, esse diâmetro pode ser de apenas
Intubação traqueal 4 a 5mm; edema de 1mm nessa região pode
representar diminuição de 75% da área sec-
A intubação traqueal é realizada nas se- cional e aumento de 16 vezes na resistência à
guintes situações:(1,2) passagem do ar(3).
• casos não-cirúrgicos: grave asfixia do A epiglote é uma cartilagem com forma
recém-nascido, insuficiência respiratória arredondada que se projeta para dentro da
grave, laringoespasmo, obstrução da via faringe, cuja superfície anterior está ligada à
aérea, queimadura facial ou lesão ina- base da língua formando um sulco, a valécu-
latória, necessidade de ventilação com la, onde deve ser apoiada a ponta da lâmi-
pressão positiva, paciente em parada na curva do laringoscópio para realização da ANESTESIOLOGIA
cardiorrespiratória, proteção à aspira- laringoscopia. A face superior da epiglote é
ção para o pulmão de material gástrico inervada pelo 9º par craniano e a face infe-
ou sangue em paciente com diminuição rior, pelo nervo laríngeo superior(2).
da consciência e higiene pulmonar.
Material
• casos cirúrgicos: cirurgias intracrania-
nas, intratorácicas, de cabeça e pescoço, Para a realização da intubação traqueal
do abdome superior, de grande porte, são necessários:
quando houver uso de bloqueador neu- • máscara facial e cânula de Guedel de
romuscular, constituição anatômica dis- tamanhos apropriados ao paciente;
plásica, mau estado geral do paciente, • AMBU ou sistema de ventilação manual
hipotensão arterial induzida e tendência conectados ao oxigênio;

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F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

• tubos traqueais com ou sem balonete; Os tubos aramados não permitem com-
• laringoscópio com lâminas curvas ou pressão ou dobras, sendo bastante utilizados
retas; em cirurgias de cabeça e pescoço(5).
• seringa para insuflação do balonete; O tubo escolhido deve ter o maior diâme-
• conectores; tro possível, de acordo com o diâmetro da glo-
• fio-guia e pinça de Magill (fig. 1); te, de tal forma a não diminuir a passagem do
ar, pois a resistência ao fluxo de gases aumenta
• estetoscópio;
o equivalente à quarta potência do raio dimi-
• material para fixação do tubo;
nuído, dificultando a ventilação do paciente.
• aspirador; Para pacientes acima de 14 anos o tamanho
• oxímetro de pulso; médio do tubo deve ser nº 7,0 para mulheres
• capnógrafo; e nº 8,0 para homens, não se esquecendo de
• lubrificante; deixar números menores e maiores à mão(5,6).
• anestésico local(1,4-6). Para facilitar a escolha do tubo endotraqueal
em crianças pode-se utilizar a fórmula:
Idade (anos) + 16
4
O laringoscópio consta de um cabo conten-
do pilhas e de lâminas que se articulam com o
cabo. A lâmina reta (Miller) é utilizadas para
recém-nascidos e lactentes; a lâmina curva
(MacIntosh) para crianças maiores e adultos.

Fig. 1: Fio-guia e Pinça de Magill


Avaliação pré-anestésica
Os tubos podem ser de polietileno ou ma-
terial similar, sem ou com balonete. Existem Todo procedimento de intubação traqueal
tubos providos de válvulas especiais no balão começa, sempre que possível, pela avaliação
piloto, que permitem a redifusão do óxido ni- das condições favoráveis e das prováveis difi-
troso ou eliminam o excesso de gás insuflado culdades que se apresentem.
no balonete (fig. 2). Deve-se verificar a mobilidade da articula-
ção atlanto-occiptal, a abertura da boca (pelo
menos 3,0cm entre os dentes superiores e os
inferiores), presença de próteses totais ou par-
ciais removíveis, dentes grandes ou protusos,
ANESTESIOLOGIA

conservação dos dentes (inclusive em fase de


troca na criança), falhas na dentição, macro-
glossia, tumores em faringe e micrognatia.
Desvios laterais da traqueia podem ser vis-
tos no Raio-X de tórax.
A anteriorização da traqueia pode ser ava-
liada de três maneiras: pela distância tireomen-
toniana (teste de Patil) que no adulto deve ser
A B C D de 6,5cm ou mais; pela distância esternomen-
toniana (distância de Savva) cuja medida deve
ser de 12cm e pelo Índice de Mallampati(7), que
Fig. 2: Tubos sem ou com balonete define, através da observação da cavidade oral

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

totalmente aberta e com a língua extrusa, o • com a lâmina curva, faz-se a aproxi-
grau de dificuldade na laringoscopia conven- mação da ponta da lâmina à valécula,
cional, através de sua relação com a classifica- ficando toda a língua e toda a mandí-
ção de Cormack e Lehane(8). bula apoiadas sobre a lâmina; eleva-se
Alterações das cordas vocais (paralisia, ede- a lâmina em direção caudal, acompa-
ma ou granuloma) podem ser avaliadas pela nhando o direcionamento do cabo do
presença de rouquidão, durante a entrevista. laringoscópio, realizando, assim, o reba-
timento da epiglote para cima e a expo-
sição da glote.
Tipos de intubação • com a lâmina reta, sob visão direta, ul-
orotraqueal trapassa-se a ponta da epiglote com a
Paciente no estado inconsciente ponta da lâmina, levando-a com cuida-
(anestesia geral) do em direção à face inferior da epiglote
para eleva-la e expor a glote.
Antes da indução anestésica deve-se oxi-
genar o paciente com O2 a 100%, durante mais A passagem do tubo pela glote deve ser
ou menos 3 minutos para troca de nitrogênio feita sob visão direta, até que o balonete desa-
dos alvéolos por oxigênio, aumentando a sua pareça atrás das cordas vocais. Desta maneira
reserva e atrasando o aparecimento de hipoxe- evita-se a lesão das cordas vocais.
mia e depressão cerebral(9). A seguir, o balonete deve ser insuflado. A
Após a perda da consciência, estende-se a pressão endotraqueal deve ser mantida entre
cabeça do paciente de modo a retificar a via aé- 20 e 30cm de H2O, não ultrapassando nunca
rea e melhorar a apresentação da glote, fazen- os 40cm de H2O(5).
do-se coincidirem os três eixos cefálicos,oral, Na criança, há maior chance de complica-
faríngeo e laríngeo: ções traqueais pós-intubação, devido à menor
1. mantendo-se os ombros junto à mesa, pressão de perfusão da mucosa traqueal, que
eleva-se a cabeça 10cm mais ou menos, pode ser diminuída conforme a pressão do
com a ajuda de um traveseiro; tem-se balonete(10).
então a superposição dos eixos faríngeo Após a introdução do tubo, sua posição
e laríngeo; deve ser verificada através da ausculta de am-
2. estende-se a cabeça à custa da articu- bos os campos pulmonares, de forma compa-
lação occipito-atlantoídea; com essa rativa, pela observação da expansão torácica,
manobra o eixo oral também coincidirá pelo movimento do balão reservatório e atra-
com os demais. vés da capnografia, pela presença da curva do
CO2 exalado. Repete-se a verificação após a fi-
Na criança, cuja região occiptal é mais xação da cânula à face do paciente, e toda vez
ANESTESIOLOGIA
desenvolvida, ou mesmo na presença de hi- que o paciente ou o tubo forem mobilizados.
drocefalia ou meningoencefalocele, pode ser
necessária a utilização de um coxim sob os Paciente no estado consciente
ombros, para facilitar a extensão da cabeça(3). (anestesia tópica)

A laringoscopia é realizada em três etapas: A intubação traqueal em paciente cons-


• introdução do laringoscópio na cavidade ciente é indicada em situações tais como
oral, pelo canto direito da boca (prote- o estômago cheio (jejum incompleto nas
gendo o lábio inferior); emergências), os acidentados (sempre consi-
• deslizamento da lâmina, com suaves derados de estômago cheio), a constituição
compressões, ao longo da língua, para anatômica displásica, a obstrução intestinal
baixo e para o centro, em direção à epi- prolongada, com grande distensão abdominal
glote; e o megaesôfago(1,2,5,6).

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F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

Faz-se a anestesia tópica de toda a oro- Complicações da


faringe e da superfície superior da epiglote. intubação traqueal
Para tanto, deve-se solicitar ao paciente que
As principais complicações são traumas
permaneça em apnéia (fechamento das cor-
(dentes, língua, gengiva e lábios), inflamações
das vocais) durante a aspersão do anestésico
ou infecções (faringite, laringites, traqueíte e
local. A lidocaína a 10%, em spray, libera cer-
bronquite), granulomas, ulceração, isquemia,
ca de 0,1ml, ou seja, 10mg a cada borrifada,
necrose, estenose traqueal além da disartria,
devendo-se tomar cuidado com a dose tóxica.
disfonia e faringodinia. A faringite e a faringo-
É obrigatória a realização da manobra de
dinia constituem cerca de 60% das ocorrên-
Sellick durante a intubação traqueal conscien-
cias de complicação(1,2,4,5,6,10).
te. Esta manobra consiste na compressão da
cartilagem cricoide em direção à coluna torá-
cica, fechando a porção superior do esôfago; Extubação traqueal
a força aplicada sobre a cartilagem cricoide
deve ser suficiente para ocluir o esôfago sem Para a extubação de um paciente, algu-
causar obstrução da ventilação(11). A cartila- mas regras devem ser observadas e alguns
cuidados devem ser tomados.
gem tireoide e a traqueia possuem estrutura
A extubação deve ser realizada somente
cartilaginosa em forma de U, sendo que a
após o paciente estar respirando espontanea-
compressão sobre elas pode dificultar a intu-
mente e com parâmetros ventilatórios dentro
bação traqueal ou mesmo causar lesão. A ma-
de níveis aceitáveis, isto é, volume corrente de
nobra deve ser iniciada imediatamente antes
7ml.kg-1 e capacidade vital de 15ml.kg-1, além
da laringoscopia, e mantida até a insuflação
de frequência respiratória adequada à idade do
do balonete.
paciente. Deve-se, também, avaliar os parâme-
A introdução do tubo deve ser realiza-
tros clínicos e, se for o caso, os laboratoriais.
da após se solicitar que o paciente faça uma
A técnica de extubação é simples: primei-
inspiração profunda, e ao final da inspira- ro aspira-se as secreções da boca, retira-se a
ção, quando a abdução das cordas vocais é fixação do tubo à face do paciente, desinsu-
máxima. fla-se o balonete e pede-se ao paciente que
Pode-se fazer tratamento profilático da faça uma inspiração profunda, para que haja
aspiração pulmonar, com a administração de maior abertura possível das cordas vocais (ao
metoclopramida e antiácidos e o uso de son- final da inspiração). Neste momento a extuba-
da nasogástrica com aspiração do conteúdo ção será realizada, sem o risco de trauma das
gástrico. Porém, mesmo tendo-se sondado e cordas vocais.
aspirado o paciente, deve-se continuar a con-
siderá-lo de estômago cheio, e tratá-lo com Complicações da extubação
ANESTESIOLOGIA

todos os cuidados descritos anteriormente.


Nos casos em que não há possibilidade de Podem ocorrer laringoespasmo desenca-
intubação consciente, por recusa do paciente deada por estímulos na faringe ou nas cordas
ou diminuição da consciência por conta do vocais (secreção, ar frio, a retirada do tubo),
quadro clínico, pode-se optar pela intuba- atelectasia pulmonar, bucking (tosse modi-
ção em sequência rápida, sendo realizada a ficada em razão da permanência da cânula
indução da anestesia seguida da intubação endotraqueal entre as cordas vocais), edema
imediata. Neste caso, a manobra de Sellick de glote, traqueomalácea (colabamento da
também é obrigatória. A manobra de Sellick traqueia), tosse, vômito e queda de língua (re-
deve ser utilizada também no momento em tirada precoce da cânula de Guedel)(1,2,5,6).
que se necessita ventilar o paciente com estô-
mago cheio(11).

28
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Referências
1. Vane LA, Amorim RB. Manejo de vias aéreas. In: Braz JRC, Castiglia YMM. Temas de anestesiologia
para o curso de graduação. 2nd ed. São Paulo: UNESP. 2000; p. 47-59.
2. Gal TJ. Airway management. In: Miller RD. 6th ed. Miller’s Anesthesia. Philadelphia: Elsevier. 2005; p.
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Nogueira CS. Tratado de Anestesiologia da Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo. São
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de máscara facial sobre a oxigenação. Rev Bras Anestesiol. 2005; 55:500-7.
10. Bew S. Acute and chronic airway obstruction. Anaesth Int Care Med. 2006; 7:164-8.
11. Moro ET, Goulart A. Compressão da cartilagem cricoide. Aspectos atuais. Rev Bras Anestesiol. 2008;
58:643-50.

29
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

O TRATAMENTO DA DOR NA SALA DE EMERGÊNCIA


Fernanda Bono Fukushima1
Edison Iglesias de Oliveira Vidal2

A dor é uma queixa frequente na po- No Brasil o Ministério da Saúde criou a Orga-
1
Professora
Assistente Doutora pulação mundial. Estima-se que nização Nacional de Acreditação que também
do Departamento
de Anestesiologia da a queixa álgica seja responsável por apro- preconiza a implantação da dor como quinto
Faculdade de Medicina ximadamente 78% dos atendimentos em sinal vital, enquanto um indicador de qualida-
de Botucatu, UNESP unidades de emergência(1-3). Quando não de para os processos assistenciais.
2
tratada, a dor aguda pode desencadear al- O presente capítulo não pretende abordar o
Professor
Assistente Doutor terações plásticas no sistema nervoso, ex- tratamento da enorme variedade de síndromes
do Departamento pondo o paciente ao risco de desenvolver dolorosas ou das patologias clínicas e cirúrgicas
de Anestesiologia da dor crônica. Apesar da importância do trata- a elas associadas. O objetivo central desta ses-
Faculdade de Medicina mento da dor, a subutilização de analgésicos, são é abordar os princípios gerais de tratamen-
de Botucatu, UNESP
ou “oligoanalgesia” é bastante frequente(4,5). to da dor, incluindo o uso apropriado e seguro
Em estudo multicêntrico prospectivo ava- de opioides.
liando a qualidade da analgesia recebida em
unidades de urgência e emergência nos Esta-
dos Unidos da América e Canadá observou- Avaliação da dor
-se, no momento da admissão, presença de
dor intensa (média de 8/10) e após 90 minutos A avaliação adequada e precisa da dor é ne-
apenas 60% dos pacientes receberam analge- cessária para assegurar abordagem segura, efe-
sia. Para 41% dos pacientes, a intensidade da tiva e individualizada da experiência álgica do
dor não se modificou (34%) ou aumentou (7%) paciente. Esta deve incluir história clínica, exame
durante a permanência no pronto-socorro. físico, história da dor (Tabela 1) e avaliação fun-
Aproximadamente três quartos dos pacientes cional. Em um serviço de urgência e emergên-
apresentavam dor moderada ou intensa no cia a avaliação dos quadros álgicos nunca deve
momento da alta hospitalar(6). se dissociar da pesquisa das causas subjacentes,
O tratamento da dor na sala de emergên- em especial daquelas que representem ameaça
cia pode ser desafiador por diferentes motivos. potencial à vida. Do mesmo modo é importan-
Em algumas instituições, a equipe médica te ter em mente que a abordagem sintomática
possui historicamente receio quanto ao trata- da dor deve ocorrer lado a lado da terapêutica
ANESTESIOLOGIA

mento da dor. Alguns acreditam que este tra- específica direcionada à doença de base. Ain-
tamento pode acobertar sintomas e prejudicar da, é importante ressaltar que muitos pacientes
o diagnóstico da doença de base. Outros te- portadores de síndromes dolorosas crônicas (ex:
mem a indução de vício nos pacientes. Entre- neuropatias periféricas, dor associada a neopla-
tanto a dor é um problema urgente que requer sias, fibromialgia, etc) frequentemente buscam
atenção imediata. serviços de pronto-socorro durante episódios de
Hoje a avaliação e tratamento da dor têm exacerbação do quadro álgico.
sido reconhecidos como prioridade no mundo.
A Joint Commission International for Healthca- Mensuração da dor
re Accreditation e a American Pain Society ad-
vogam pela implantação da dor como quinto A definição de dor contempla a complexi-
sinal vital em todas as instituições de saúde. dade da sua mensuração: dor é uma experiên-

30
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Tabela 1: História da dor


01. Localização da dor:
a. Localização primária: descrição e diagrama
b. Irradiação
02. Circunstâncias associadas ao início da dor
03. Caráter da dor:
a. Descritores sensoriais (pontada, choque, queimação, aperto...)
b. Questionário de McGill (descritores afetivos e sensoriais)
c. Características de dor neuropática (queimação, paroxismo, alodínea)
04. Intensidade da dor:
a. Em repouso
b. À movimentação
c. Fatores temporais
I. Duração
II. Dor atual, na última semana, a pior dor apresentada
III. Contínua ou intermitente
d. Fatores de melhora ou piora
05. Sintomas associados
06. Efeito da dor nas atividades e no sono
07. Tratamento:
a. Medicação atual e prévia – (dose, frequência de uso, efeitos colaterais, eficácia)
b. Outros tratamentos (fisioterapia, terapia cognitivo comportamental, acupuntura)
c. Profissionais que acompanham o caso
08. Dados relevantes da história clinica
a. Quadro álgico prévio e desfecho do tratamento
b. Condições clínicas prévias ou coexistentes
09. Fatores que influenciam no tratamento sintomático do paciente
a. Crenças com relação à origem da dor
b. Conhecimento, expectativas e preferências para o tratamento da dor
c. Expectativas quanto ao desfecho do tratamento da dor
d. Redução da dor necessária para satisfação do paciente ou retorno às atividades
e. Táticas de enfrentamento da dor
f. Expectativas e crenças da família quanto à dor

cia individual e subjetiva modulada por fatores mos fisiológicos envolvendo o sistema nervoso
fisiológicos, psicológicos e ambientais. Assim, central e a secreção de substâncias neuroendó-
a mensuração da dor sempre será baseada no crinas são capazes de intensificar a experiência ANESTESIOLOGIA
auto-relato do paciente. Outro aspecto impor- álgica. A identificação de fatores psicossociais
tante ressaltado por esta definição refere-se ao enquanto exacerbadores da dor deve alertar o
fato de que fatores psicológicos e sociais po- profissional da saúde acerca da maior comple-
dem, de fato, exacerbar a percepção da dor. xidade do caso, que requer para o tratamento
Sendo assim, ao identificar a presença de um sintomático abordagem sensível e posterior en-
fator psicológico ou social como agravante caminhamento para serviço especializado.
potencial da dor, o médico não deve automa- A mensuração da intensidade é sempre
ticamente rotular a dor do paciente como de uma medida subjetiva, porém, de grande im-
origem psicogênica e desconsiderá-la. portância. A partir desta pode-se estabelecer
A dor é sempre uma experiência total e não um acompanhamento evolutivo do quadro
é difícil perceber como sensações de medo, doloroso e avaliar criticamente o sucesso das
insegurança e ansiedade, através de mecanis- terapias introduzidas.

31
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

Os instrumentos para avaliação da dor 3 intensa


podem ser divididos em unidimensionais Morfina
(envolvem as escalas analógica visual, numé- Hidromorfona
Metadona
rica verbal e adjetival) e multidimensionais Fentanil
2 moderada
(como o questionário de McGill e todos os Oxicodona
AINES + Codeína ± Adjuvantes
seus derivados). Nas escalas multidimensionais AINES + Tramadol
ocorre a avaliação das dimensões psicológicas ± Adjuvantes
e sociais da dor, entretanto, costumam reque- 1 fraca
rer um tempo maior para seu preenchimento. ASPIRINA
Nos serviços de urgência e emergência uti- Paracetamol
AINES
lizam-se basicamente as escalas unidimensio- ± Adjuvantes
nais, devido a sua maior praticidade e rapidez
Fig. 1: Escada Analgésica proposta pela
de aplicação. Todavia, deve-se ter em mente Organização Mundial de Saúde para
que estas escalas apresentam limitações, prin- tratamento da dor
cipalmente no que diz respeito a pacientes com
baixo grau de instrução, além de pacientes nos 2. Via oral: Sempre que possível, os anal-
extremos de idade ou com déficit cognitivo gésicos devem ser administrados pela
importante. via oral. Deve-se evitar a via intramus-
cular por ser uma via dolorosa e estar
Princípios do tratamento da dor mais relacionada a complicações de ab-
sorção errática.
Os princípios da farmacoterapia propostos 3. Intervalos fixos: Os analgésicos de-
pela OMS podem ser resumidos em 4 tópicos: vem ser administrados em intervalos
1. Pela escada: Em 1986 a Organização regulares. A dose subsequente precisa
Mundial de Saúde publicou uma diretriz ser administrada antes que o efeito da
para o tratamento da dor oncológica (7)
dose anterior tenha terminado e estar
onde propõe uma escada analgésica adequada à dor do paciente, ou seja,
para orientar o médico sobre o tra- inicia-se com doses pequenas, que são
tamento da dor (fig. 1). Inicia-se pelo aumentadas progressivamente até o alí-
primeiro degrau, que consiste em me- vio satisfatório da dor. Alguns pacientes
dicamentos não-opioides (analgésicos usuários crônicos de opioides neces-
simples e anti-inflamatórios não hormo- sitam além das doses regulares, doses
nais). Quando não ocorre alívio da dor, de resgate para as dores incidentais ou
adiciona-se um opioide fraco para a súbitas. As doses de resgate usualmente
dor de intensidade moderada (segundo correspondem de 10 a 30% da dose to-
degrau). Quando esta combinação fa- tal diária estabelecida após ao menos 24
ANESTESIOLOGIA

lha deve-se substituir este fraco por um horas de uso regular (período em que se
forte, para dor intensa. Somente um estabelece um nível sérico estável para a
opioide de cada categoria (fraco ou maioria dos opioides).
forte) deve ser prescrito. Os medica- 4. Individualização: Não existem doses
mentos adjuvantes, analgésicos simples padronizadas para os opioides. A dose
e anti-inflamatórios podem ser associa- correta é a que causa alívio da dor com o
dos em todos os degraus da escada, de mínimo de efeitos colaterais. Os AINES
acordo com as indicações específicas e os opioides fracos, entretanto, apre-
(antidepressivos, anticonvulsivantes, sentam efeito teto, ou seja, dose diária
neurolépticos, relaxantes musculares, máxima recomendada, acima da qual
etc.), no entanto, requerem seguimento não há efeito analgésico adicional, mas
ambulatorial posterior. apenas efeitos colaterais em excesso.

32
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Analgésicos anti-inflamatórios
Atenção: Ao prescrever opioides deve- não esteroidais
-se explicar detalhadamente os horários
e antecipar as possíveis complicações e Anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs,
efeitos adversos, tratando-os profilatica- incluindo a aspirina) são analgésicos do pri-
mente. O paciente que usa opioide de meiro degrau da escada analgésica da OMS.
forma crônica deve receber orientações Eles também podem ser úteis como adjuvantes.
sobre laxativos. Seu principal mecanismo de ação é a inibição
das ciclooxigenases, enzimas que convertem o
ácido araquidônico em prostaglandinas. Seu
Tratamento farmacológico uso prolongado tem sido limitado devido ao
perfil de efeitos adversos cardiovasculares,
Analgésicos simples
renais e gastrointestinais. A decisão sobre se,
São preconizados no tratamento da dor como, quando e por quanto tempo utilizar um
fraca e podem ser associados aos opioides nos AINE para o tratamento da dor dependerá de
demais degraus da escada analgésica. diversos fatores, que incluem o prognóstico
do paciente, e a relação risco / benefício dos
Paracetamol AINEs frente a outras estratégias analgésicas
Seu mecanismo de ação ainda não é cla- mais potentes. Além disso, é relevante notar
ro, mas apresenta ações centrais agindo sobre que a piora na perfusão renal, que pode ser
a ciclooxigenase 3 (COX-3) e atividade anti- ocasionada pelos AINEs, tem o potencial de
-inflamatória periférica fraca. A dosagem não exacerbar a toxicidade dos opioides.
deve ultrapassar quatro gramas diários para
minimizar o risco de hepatotoxicidade. Este Opioides
fármaco deve ser utilizado com cautela em pa-
cientes com hepatite ativa, disfunção hepática, Aspectos gerais
alcoolismo ou icterícia.
Os analgésicos opioides correspondem a
Dipirona importante recurso farmacológico para o ma-
nejo da dor. Eles incluem derivados naturais
A dipirona é um analgésico não opioide do ópio, bem como agentes sintéticos e semis-
com propriedades analgésicas, antipiréticas sintéticos que produzem seus efeitos através de
e antiespasmódicas aliadas a um baixo per- sua ação sobre receptores de opioides. No sis-
fil de efeitos adversos. Possui mecanismos de tema nervoso central estes receptores encon-
ação semelhante ao paracetamol, inibindo tram-se concentrados no tálamo, na substância
fracamente a síntese de prostaglandinas na cinzenta periaquedutal e no corno dorsal da ANESTESIOLOGIA
periferia, e por ação direta sobre a substância medula. Também são encontrados receptores
cinzenta periaquedutal (COX-3). A dipirona, opioides em outras regiões como pulmões e o
entretanto, não está associada ao mesmo risco plexo mioentérico do trato gastro intestinal. O
de hepatotoxicidade do paracetamol. O risco efeito analgésico dos opioides está relacionado
de agranulocitose vem sendo desmistificado e principalmente a sua ação sobre os receptores
atualmente é considerado como extremamente mu, embora outros receptores estejam envolvi-
pequeno, variando de 0,2 a 2 casos por milhão dos neste processo (ex: kappa e delta). Estudos
de pessoas ao ano. Sendo assim, pode-se afir- recentes correlacionam o polimorfismo gené-
mar que a dipirona constitui-se em uma opção tico desses receptores à variação da resposta
analgésica segura e eficaz, ocupando lugar de individual a estes fármacos.
destaque no primeiro degrau da escada anal- Os opioides são classificados em “fracos”
gésica da Organização Mundial de Saúde. (ex: codeína e tramadol) e “potentes” (ex: mor-

33
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

fina, metadona, oxicodona) e quanto à ação cial. Esse efeito adverso resolve-se geral-
sobre receptores opioides em agonistas puros, mente em 3 a 4 dias pelo mecanismo de
agonistas parciais, agonistas-antagonistas e tolerância.
antagonistas. Opioides fracos (codeína e tra- • Constipação: efeito adverso pratica-
madol), agonistas parciais (como buprenor- mente universal. O efeito dos opioides
fina) e agonistas-antagonistas (butorfanol e no plexo mioentérico causa redução
pentazocina) apresentam como desvantagem na propulsão das fezes e aumento do
a presença de efeito teto. Agonistas-antago- tempo de transito intestinal, causando
nistas podem causar efeitos psicomiméticos e aumento da absorção hídrica e con-
desencadear síndrome de abstinência quando sequente ressecamento das fezes. Este
administrado a usuários crônicos de agonistas mecanismo associado a outros fatores
puros. Assim, opioides agonistas puros são os comuns em pacientes oncológicos como
mais indicados para o tratamento das síndro- fraqueza, diminuição da ingesta e mobi-
mes dolorosas crônicas. lidade reduzida entre outros, pode tor-
Todos os opioides ligam-se às proteínas nar a constipação um grande problema.
plasmáticas, geralmente à albumina e à alfa1- Para a constipação não existe tolerân-
-glicoproteína ácida. Entretanto, a porcenta- cia. O tratamento deve ser preventivo
gem de ligação varia de 10% para a codeína a e todos os pacientes em uso de opioi-
80 a 86% para o fentanil. A morfina apresenta des devem receber laxativo estimulante
ligação proteica entre 20 e 35%. É importante como senna ou bisacodil associado a
ter em mente esta característica uma vez que laxativo osmótico como a lactulose ou
pacientes com neoplasias em estágios avança- leite de magnésia.
dos frequentemente desenvolvem quadros de
desnutrição e hipoalbuminemia, que podem
• Náusea e vômito: aproximadamente
70% da população pode desenvolver
levar à necessidade de readequação posológi-
náusea relacionada ao uso de opioide,
ca frente às maiores concentrações de droga
particularmente no inicio do uso. Nova-
livre no plasma.
mente, a abordagem deve ser preventi-
A maioria dos opioides apresenta grande
va. Pacientes orientados sobre a possi-
volume de distribuição, dependendo da lipo-
bilidade de náusea geralmente toleram
filicidade e de seus metabólitos. O fentanil e a
melhor e tem menor solicitação de an-
metadona apresentam maior lipofilicidade.
tieméticos. Antieméticos que agem em
Efeitos adversos receptores dopaminérgicos (como o
haloperidol, clorpromazina e metoclo-
São vários os efeitos colaterais associados pramida) são mais efetivos que agentes
ao uso dos opioides. Alguns efeitos adversos, anti-histamínicos como o dimenidrato.
como constipação, náusea e sedação são
ANESTESIOLOGIA

A náusea e vômito prolongados são ra-


bastante comuns. Outros como prurido, mio- ros, geralmente o sintoma regride após
clonias, disfunção cognitiva, delírio, retenção alguns dias, podendo recorrer após au-
urinária e hiperalgesia são menos frequentes mento da dose. Em pacientes com náu-
e correlacionam-se diretamente com a presen- sea e vômito refratários pode-se optar
ça de fatores de risco individuais, como idade pela via parenteral ou transdérmica de
avançada, déficit cognitivo prévio, desidra- administração ou adotar doses menores
tação e presença de insuficiência renal. Por com titulação lenta e gradual.
outro lado, a presença de alergia verdadeira e
depressão respiratória (com exceção nos casos O surgimento de mioclonias, hiperalgesia,
de franca overdose) é extremamente rara. alodínea e delírio hiperativo associados ao uso
• Sedação: presente na maioria dos pa- de opioides estão relacionados ao acúmulo
cientes, especialmente após a dose ini- de metabólitos excitatórios no organismo (ex:

34
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

normeperidina, metabólito da meperidina; Tramadol


morfina-3-glucoronídeo, metabólito da morfi-
na e de seus derivados). Os principais fatores Opioide sintético que age em receptores
de risco para estes eventos correspondem à mu e inibe a recaptação de serotonina e no-
presença de desidratação e insuficiência renal. radrenalina na membrana pré-sináptica. É in-
Quadros de hiperalgesia induzida por opioi- dicado para dor fraca a moderada, e possui
des representam um desafio em especial para apresentação para administração por via oral
o especialista em dor, uma vez que é preciso e parenteral. Possui 1/10 da potência da morfi-
determinar se a piora da dor ocorreu devido na, quando administrado pela via parenteral e
ao agravamento dos estímulos nociceptivos ou o dobro da biodisponibilidade da codeína.
devido à toxicidade. A presença concomitan- O tramadol é uma pró-droga e parte da
te de mioclonias frequentes e a queixa de dor sua analgesia ocorre pelo seu metabólito ati-
generalizada, sem correlação clara com o en- vo, o o-desmetiltramadol, duas a quatro vezes
volvimento de estruturas anatômicas, sugerem mais potente que o tramadol. Cinco a 10% da
o diagnóstico de hiperalgesia. O manejo destes população não possui a enzima que converte o
quadros envolve a hidratação do paciente, a tramadol em o-desmetiltramadol, essa popula-
redução da dose, o uso de terapias não far- ção apresentando analgesia parcial. Inibidores
macológicas ou intervencionistas, bem como a da enzima hepática CYP2D6 (ex: clorproma-
rotação dos opioides. zina, fluoxetina, paroxetina e ritonavir) podem
reduzir sua eficácia analgésica. Possui efeitos
Vício, dependência e tolerância colaterais comuns aos opiáceos, embora cons-
tipação intestinal apareça em menor intensida-
Médicos que prescrevem opioides devem de. Dose oral é 200 a 400mg/dia e EV é de até
ser capazes de diferenciar a questão da depen- 600mg, divididos de 4 a 6 horas.
dência física dos conceitos de vício e tolerân-
cia. A presença de passado de vício não exclui Codeína
a possibilidade de dor. A tabela abaixo resume
A codeína é uma pró-droga, sendo me-
estes pontos:
tabolizada em morfina pela enzima hepática
A seguir serão listados os opioides de uso
CYP2D6 do citocromo P450. Cerca de 7 a
mais comum no Brasil.

Tabela 2
Doença primária, crônica que sofre influência de
componentes genéticos, psicossociais e comportamentais na
sua manifestação. É caracterizado por comportamento que
inclui um ou mais dos itens: ANESTESIOLOGIA
Vício
– Prejuízo no controle sobre o uso do fármaco
– Uso compulsivo
– Uso continuado apesar da presença de dano
– Desejo profundo pelo fármaco
Estado de adaptação manifestado pelo uso crônico de
Dependência
determinado fármaco. A retirada abrupta ou uso de
física
antagonistas pode desencadear síndrome de abstinência.
Estado de adaptação em que a exposição crônica ao fármaco
Tolerância induz mudanças que podem levar à redução de um ou mais
dos efeitos deste fármaco.
Síndrome comportamental que mimetiza os sintomas vistos
na dependência psicológica, porém decorre do subtratamento
Pseudovício
da dor. Sintomas e comportamento aberrantes decorrem do
controle inefetivo do quadro álgico.

35
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

10% da população caucasiana que apresenta Para pacientes com dor aguda atendidos
deficiência desta enzima e pode apresentar no pronto-socorro pode-se titular a dose pela
ausência de resposta analgésica pela codeína. via endovenosa ou subcutânea. Inicia-se com
Possui efeito teto em torno de 120mg/dose, 1mg a 2mg repetidos de acordo com a via a
quando é alcançada a saturação da enzima ser utilizada (EV- a cada 6 minutos, SC – a
CYP2D6. Quando administrado pela via oral cada 30 minutos ou VO – a cada 60 minutos)
possui baixa biodisponibilidade (30 a 50%). É até o alívio da dor. A indicação de repetição
comum o uso da codeína em associação com da dose de ataque a cada 6, 30 ou 60 minu-
um analgésico simples, sendo raro seu uso tos, de acordo com a via de administração do
isolado. medicamento se deve ao seu perfil farmacoci-
nético, uma vez que estes intervalos de tempo
Morfina correspondem ao tempo necessário para a
obtenção do pico de concentração plasmática
A morfina é o protótipo dos opioides po- máxima da droga. Ou seja, se o efeito analgé-
tentes e é o opioide recomendado pela OMS sico não houver sido alcançado neste interva-
para estar disponível em todo o mundo. A lo de tempo, não o será durante o restante da
morfina é metabolizada predominantemente meia-vida do medicamento, sendo, portanto,
no fígado em morfina-3-glucoronídeo (M3G) segura a administração de nova dose de ata-
e morfina-6-gluroronídeo (M6G), ambos eli- que caso a dor não tenha sido controlada.
minados por excreção renal. M6G é o meta- Uma vez identificada a dose total necessá-
bólito ativo com maior meia vida, que se liga ria para o alívio da dor, esta pode ser repetida
aos receptores opioide e exerce efeitos anal- periodicamente (em intervalos de 4 horas se
gésicos. Já o M3G não apresenta efeitos anal- morfina de liberação rápida ou de 12 horas se
gésicos aparentes, no entanto está relacionada morfina de liberação cronogramada), visan-
à neurotoxicidade da morfina (delirium, hipe- do a manutenção de níveis plasmáticos está-
ralgesia, mioclonias e hiperexcitabilidade do veis. Na presença de sedação a dose deve ser
sistema nervoso central). reduzida.
Na insuficiênica renal pode ocorrer acúmu- É importante notar que o maior antago-
lo desses metabólitos, aumentando o risco de nista para a depressão respiratória é o pró-
efeitos adversos graves. Portanto, a morfina prio estímulo álgico. Adequando-se a dose do
deve ser utilizada com cautela nesses pacien- opioide à intensidade da dor não há risco de
tes. Em pacientes com flutuação da função re- indução de depressão respiratória. Além dis-
nal seja por declínio clínico ou consequência so, este fenômeno não se dá de forma abrupta,
de tratamentos, a morfina não é o opioide de e muito antes de ocorrer qualquer diminuição
primeira escolha. da frequência respiratória, haverá sonolência
A morfina está disponível para uso pela e sedação importante.
ANESTESIOLOGIA

via oral em formulações de liberação rápida


(em comprimidos de 10 e 30mg administrados
Oxicodona
a cada 4 horas), liberação cronogramada (em
cápsulas de 30, 60 e 100mg administrados a
cada 12 horas) e elixir (na concentração de A oxicodona é um congênere semissinté-
10mg/ml administrado a cada 4 horas). Pela tico da morfina com potência uma e meia a
via endovenosa e subcutânea está disponí- duas vezes superior à da morfina. No Brasil
vel nas concentrações de 1mg/ml e 10mg/ml. encontra-se disponível apenas na formulação
Quando administrado pela via oral possui bai- de liberação lenta nas concentrações de 10,
xa biodisponibilidade (30 a 50%). A morfina e 20 e 40mg (cada 12 horas). O alto custo as-
os demais opioides potentes não apresentam sociado a este medicamento corresponde à
efeito teto. principal barreira para o seu uso.

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Fentanil acumular-se em pacientes portadores de insu-


ficiência renal leve a moderada, devendo ser
O fentanil é um opioide sintético aproxima- evitada nesta população.
damente 100 vezes mais potente que a mor- A hidromorfona está disponível em for-
fina. Está disponível pela via endovenosa na mulações de liberação cronogramada (em
concentração de 50µg/ml e em patchs trans- comprimidos de 8, 16 e 32mg administrados a
dérmicos nas concentrações de 12, 25, 50, 75 cada 24 horas). Os comprimidos de hidromor-
e 100µg/hora. Sua formulação transdérmica fona, assim como os da morfina de liberação
tem duração de até 72 horas e o efeito máximo cronogramada e da oxicodona não devem ser
é alcançado cerca de 24 horas após o início do cortados ou macerados pois perdem a proprie-
uso. Devido à mudança lenta nas concentra- dade de liberação lenta.
ções séricas do fentanil nesta via de aplicação,
não é recomendado para dores intensas e ins-
Metadona
táveis. No pronto-socorro este fármaco pode
ser utilizado por via endovenosa ou subcutâ- A metadona é um opioide sintético desen-
nea, especialmente em pacientes portadores volvido na década de 40 do século passado
de insuficiência renal – por não possuir meta- e que vem desempenhando um papel de im-
bólito ativo a ser excretado pela urina é seguro portância crescente no tratamento da dor. Por
para esta população. apresentar excreção fecal, metabolização hepá-
As evidências sugerem que o fentanil tica e não possuir metabólitos ativos é agente
transdérmico pode ser menos constipante que particularmente interessante para pacientes
outros opioides. Para pacientes com compro- portadores de insuficiência renal.
metimento da via de ingestão oral (ex: câncer Em função de sua estrutura molecular di-
de cabeça e pescoço, obstrução intestinal) ou vergente da morfina, pode ser prescrita para os
que experimente importantes efeitos colaterais, casos raros de pacientes verdadeiramente alér-
como a urticária, o fentanil transdérmico pode gicos à morfina ou naqueles que desenvolvem
ser uma opção bastante interessante por libe- prurido associado à liberação de histamina
rar menos histamina. induzida pela morfina e seus derivados. Outra
vantagem apresentada pela metadona corres-
Hidromorfona ponde a seu baixo custo, quando comparada a
outros opioides.
A hidromorfona é um agonista opioide se- A metadona também possui atividade an-
missintético, muito semelhante estruturalmente tagônica / bloqueadora de receptores NMDA,
à morfina. Atua principalmente nos receptores que estão implicados nos processos de dor
mu e, em menor escala, em receptores del- neuropática bem como de desenvolvimento
ta. A hidromorfona oral apresenta absorção de tolerância e neurotoxicidade induzida por ANESTESIOLOGIA
nas porções proximais do intestino delgado opioides.
e é metabolizada intensamente no fígado em No entanto, há importantes cuidados que
hidromorfona-3-glucoronídeo, deidroisomorfi- necessitam ser considerados no manejo clíni-
na-glicorônica e outros metabólitos, sendo, por co da metadona. Sua meia-vida varia exten-
fim, excretada pela urina. Sua ação analgésica samente entre 13 e até mais de 100 horas,
está diretamente relacionada à hidromorfona embora a maior parte dos pacientes necessite
não metabolizada e não aos seus metabólitos. utilizá-la em intervalos de 8 a 12 horas. Esta di-
A hidromorfona-3-glucuronideo (H3G), ferença entre a meia-vida e a duração do efeito
entretanto, apresenta neurotoxicidade 2,5 ve- pode resultar em risco de acúmulo da substân-
zes maior do que a morfina-3-glucoronídeo, cia, que deve ser avaliado com bastante cui-
e está relacionada a náuseas, delirium, mio- dado, principalmente nos períodos iniciais de
clonias, alodínea e convulsões. A H3G pode titulação da dose.

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F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

O cálculo da dose equianalgésica depen- Rotação de opioides


de do grau de tolerância desenvolvido, que
por sua vez é refletido na dose diária total. A Se existem preocupações quanto à tole-
potência relativa da metadona aumenta subs- rância (que se manifesta por necessidade de
tancialmente em circunstâncias de altas doses incremento na dose utilizada sem resposta anal-
diárias de outros opioides (por exemplo, para gésica adequada), efeitos adversos ou toxicida-
doses diárias de morfina entre 30 e 90mg, 1mg de, deve-se considerar a rotação de opioides.
de metadona é equianalgésico a 3,7mg de mor- A rotação pode ser feita reduzindo-se em 20
fina, enquanto que para doses diárias de mor- a 30% a dose do primeiro opioide (devido ao
fina superiores a 300mg, 1mg de metadona é fenômeno de tolerância cruzada incompleta) e
equivalente a 12,8mg de morfina), o que requer calculando-se a dose equianalgésica do segun-
atenção cuidadosa durante os cálculos de con- do opioide por tabelas de conversão (Tabela 3).
versão de opioides (Tabela 3).
Há evidências recentes associando altas Opioides não recomendados
doses de metadona (superiores a 300mg ao
dia) com o risco de desenvolvimento de taqui- Nem todos os analgésicos disponíveis são
cardia ventricular do tipo Torsades de Poin- recomendados para a administração aguda
tes, que conduziram à recomendações para o ou crônica.
screening e o monitoramento do intervalo QT A meperidina é pouco absorvida por via
corrigido no eletrocardiograma de pacientes já oral e tem meia-vida de aproximadamente 3
em uso ou que têm previsão para o início da horas. O seu principal metabólito, normepe-
utilização de metadona (Krantz et al. 2009) ridina, não possui propriedades analgésicas,
Tabela 3
Doses equipotentes dos analgésicos opioides
Dose oral/retal (mg) Opióide Dose EV/SC (mg)
100 Codeína 60
75 Tramadol 50
— Fentanil 0,1
3 Hidromorfona —
150 Meperidina 50
15 Morfina 5
10 Oxicodona —
Morfina Parenteral para Oral – 1mg EV/SC = 3mg VO

Morfina para Fentanil Transdérmico:


ANESTESIOLOGIA

Morfina EV/SC Morfina VO Fentanil Transdérmico


20 – 40 mg 60-120 mg 25 ug
45 – 75 mg 135 – 225 mg 50ug
80 – 105 mg 240 – 315 mg 75ug
110 – 135 mg 330 – 405 mg 100 ug

Dose diária de Taxa de


Exemplos
morfina oral conversão
30 – 90 mg 4:1 30 mg morfina = 7mg Metadona
De 91 a 300 mg 8:1 300 mg morfina = 35 mg metadona
De 301 a 600 mg 10 : 1 400 mg morfina = 35 mg metadona

38
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

tem meia-vida de cerca de 6 horas (superior à agudos. Trata-se do opioide com maior po-
duração do efeito analgésico do medicamen- tencial para indução de dependência e vício e
to), é excretado por via renal, e seu acúmulo também é contraindicada para o uso crônico.
produz efeitos adversos significativos como Há um movimento mundial para banir o uso
tremores, disforia, mioclonias e convulsões. A da meperidina na prática médica, o que cor-
prescrição regular da meperidina, a cada 3 ho- responde inclusive a um parâmetro de quali-
ras, para analgesia leva ao inevitável acúmulo dade hospitalar em processos de acreditação
de normeperidina e expõe o paciente ao risco internacional.
desnecessário de efeitos adversos, particular- Propoxifeno é geralmente administrado
mente se a depuração renal está prejudicada. em doses que produzem relativamente pouca
Por conseguinte, a meperidina não é recomen- analgesia, não sendo superior a placebos. O
dada para prescrição de horário. aumento da dose visando maior analgesia leva
Inicialmente foi postulado que a meperidi- ao acúmulo de um metabólito tóxico e por isso
na, por possuir estrutura química semelhante tem seu uso contraindicado de forma geral.
à papaverina e à atropina possui ação espas- Os opioides agonistas-antagonistas par-
molítica (apesar da papaverina e atropina não ciais, como pentazocina, butorfanol, nal-
possuírem efeito espasmolítico). Ou seja, o bufina e dezocine, não devem ser utilizados
argumento teórico de que a meperidina seria em paciente usuário crônico de agonista opioi-
o único opioide que não induziria espasmo de puro (codeína, hidrocodona, hidromorfona,
do esfíncter de Oddi, jamais foi comprovado metadona, morfina, oxicodona). Se usados
clinicamente. Clinicamente, em doses equi- conjuntamente, a competição pelos receptores
potentes, a meperidina possui ação tônica opioides pode causar uma síndrome de absti-
sobre a musculatura lisa semelhante aos de- nência. Além disso, sua ação analgésica é limi-
mais opioides, não sendo tratamento custo tada pelo efeito teto característico dos opioides
efetivo(8). É relevante notar que a Society of fracos. O uso de butorfanol e de pentazocina
Critical Care Medicine contraindica o uso da são associados com um risco relativamente
meperidina dentro do contexto de pacientes alto de efeitos adversos psicotomiméticos.

Referências
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2. Johnston CC, Gagnon AJ, Fullerton L, Common C, Ladores M, Forlini S. One-week survey of pain
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1998; 16:377-82.
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perspective. J Emerg Nurs. 1999; 25:171-7.
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Paulo). 2007; 62:591-8.
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in the emergency department: short-term beneficial effects of an education program on acute pain.
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emergency department: results of the pain and emergency medicine initiative (PEMI) multicenter
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F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

SEDAÇÃO EM PEDIATRIA
Norma Sueli Pinheiro Módolo

Professora Titular
do Departamento
Introdução Considerações gerais
de Anestesiologia da
Faculdade de Medicina
de Botucatu, UNESP O aumento do número de procedi-
mentos invasivos relacionados à
área pediátrica, em sua grande maioria rea-
A sedação deverá ser realizada com a má-
xima segurança para a criança e, para isto, al-
gumas considerações deverão ser feitas.
lizados fora de ambiente cirúrgico, tem con- Coté et al., 2000(4), relataram por meio de
tribuído para o crescente interesse no uso de análise crítica, os eventos adversos da sedação
sedativos ou analgésicos por vários tipos de em pediatria.
profissionais médicos. Os autores analisaram os eventos e os fato-
Com o avanço da tecnologia, seja envol- res contribuintes e concluíram que os mais gra-
vendo os aparelhos de monitorização ou novos ves (lesão neurológica permanente ou morte)
agentes, há necessidade de revisão frequente ocorreram com maior frequência em procedi-
das técnicas empregadas, visando sempre a si- mentos realizados fora do ambiente hospitalar,
tuação de menor risco para o paciente. sendo a ressuscitação inadequada e a monito-
Em 1985, o Comitê de Drogas, Seção de rização fisiológica inapropriada os fatores que
Anestesiologia da Academia Americana de Pe- contribuíram para estes resultados. Quando
diatria publicou as primeiras recomendações Coté et al., 2000(5) analisaram as medicações
para sedação (guidelines)(1) inicialmente, a in- utilizadas para sedação e os eventos adversos,
formação sobre os órgãos e sistemas, a necessi- descobriram que estes estavam relacionados
dade de consentimento informado por escrito, com o emprego de três ou mais fármacos e
jejum apropriado, medida frequente dos sinais com sobredose. As complicações aconteceram
vitais, equipamento adequado à idade, suporte com todas as vias de administração e foram
básico de vida, critério de recuperação e alta. mais frequentes quando a sedação aconteceu
As recomendações foram revisadas em sem supervisão médica.
1992 e enfatizou-se que a criança poderia pro- Em primeiro lugar, o profissional que se
gredir de um nível de sedação para outro. O propõe a executá-la deverá ter pleno conhe-
oxímetro de pulso foi recomendado para toda cimento das drogas que serão utilizadas (do-
sedação(2). sagens, indicações, contraindicações, efeitos
ANESTESIOLOGIA

Em 2002, o mesmo Comitê de Drogas adi- colaterais), treinamento em manuseio de vias


cionou algumas emendas. O termo sedação aéreas, reanimação respiratória, cardiovascu-
consciente foi eliminado e, por ser confuso, lar e de drogas de emergência. E, além disso,
substituído por sedação moderada(3). deverá saber diferenciar entre sedação mínima,
Atualmente o tratamento da dor tem to- moderada ou profunda e anestesia e como pro-
mado novos rumos e cada vez mais surgem ceder em cada caso individualmente(6-11).
novos trabalhos, novas técnicas e mais profis- Normalmente, o que mais se procura re-
sionais têm se interessado no aprimoramento alizar é a sedação mínima, embora, quanto
e melhora deste setor. Os procedimentos re- menor for a faixa etária da criança, mais facil-
alizados simplesmente por contenção força- mente poderá evoluir para sedação profunda
da da criança felizmente estão tendendo ao ou mesmo anestesia. A definição correta des-
abandono. tes estados clínicos seria(6-9):

40
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

• Sedação mínima (ansiolise) – o A escolha da melhor técnica envolve uma


fármaco induz o estado no qual os pa- série de fatores. Inicialmente, e o mais impor-
cientes respondem normalmente ao co- tante, é a avaliação prévia do paciente. A in-
mando verbal. A função cognitiva e a vestigação sobre os antecedentes pessoais,
coordenação podem estar deterioradas, como peso, altura, medicamentos em uso,
entretanto, as funções cardiovasculares passado alérgico, história pregressa de hospi-
e ventilatórias estão inalteradas. talização, cirurgia, anestesia ou sedação, do-
enças concomitantes ou anteriores, situação
• Sedação / analgesia moderada (se- em que transcorreram a gravidez e o parto é
dação consciente) – o fármaco induz
fundamental(6-9).
depressão da consciência, durante a qual
Deverão ser pesquisadas as queixas sobre
o paciente responde propositalmente ao
os diversos aparelhos (neurológicas, cardiovas-
comando verbal ou à leve estímulo tátil.
culares, respiratórias, gástricas, renais, neuro-
Nenhuma intervenção é necessária para
musculares, etc.).
a manutenção da patência da via aérea
Exames laboratoriais, radiológicos, ultras-
e a ventilação espontânea é adequada.
sonográficos, eletrocardiograma, deverão ser
• Sedação e analgesia profunda – o solicitados dependendo da necessidade, após
fármaco induz à perda da consciência avaliação de cada paciente especificamente.
durante a qual o paciente não pode ser Deverá ser realizado exame físico completo
facilmente despertado, mas responde com atenção especial para avaliação das vias
propositalmente a estímulos verbais ou aéreas.
dolorosos repetidos. A habilidade de Após estas considerações, a classificação
ventilar espontaneamente pode estar do estado físico poderá ser feita e sugere-
comprometida. Os pacientes poderão -se a utilizada pela Sociedade Americana de
necessitar de assistência para manter a Anestesiologistas6:
patência das vias aéreas e a ventilação ASA I – Paciente saudável
espontânea poderá ser inadequada. ASA II – Paciente com doença sistêmica
Usualmente, a função cardiovascular moderada
está mantida. ASA III – Paciente com doença sistêmica
• Anestesia geral – o fármaco induz à grave que limita a atividade
perda de consciência durante a qual o ASA IV – Paciente com doença sistêmica
paciente não poderá ser acordado mes- grave que constitui ameaça constante à
mo com estímulo doloroso. A habilida- vida
de de manter a ventilação espontânea ASA V – Paciente moribundo
normalmente estará deprimida. Os pa- ASA VI – Doador de orgãos
cientes necessitarão de assistência ven- ANESTESIOLOGIA
tilatória para manter a patência das vias Os pacientes mais apropriados à seda-
aéreas e poderá haver necessidade de ção são os classificados como ASA (I e II).
ventilação com pressão positiva. A fun- Os demais (III e IV) deverão ser considerados
ção cardiovascular poderá estar com- individualmente.
prometida. Outro aspecto importante a se conside-
rar é relativo ao jejum. A temida síndrome de
Como a sedação é um processo contínuo, Mendelson (pneumonia aspirativa) e o fato da
nem sempre é possível predizer como será a existência de uma tênue linha que separa a
resposta individual dos pacientes. Os profis- sedação mínima da sedação moderada, pro-
sionais deverão estar aptos para resgatar pa- funda ou anestesia em crianças, faz com que,
cientes cujo nível de sedação se tornar mais sempre que possível, e não considerando casos
profundo do que o planejado inicialmente. de emergência (risco de perder a vida, o mem-

41
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

bro, o órgão), seja obedecido um período de manhos, máscaras faciais e laríngeas, cânulas
não ingesta de alimentos sólidos ou líquidos. de Guedel, mandril, ambos com entrada para
Embora a tendência atual seja a de reduzir este fonte de oxigênio).
tempo ao menor possível, para que a criança As máscaras laríngeas atualmente fazem
não desidrate, não desenvolva hipoglicemia ou parte do arsenal do anestesiologista, podendo
se tome irritável. ser utilizadas em casos de entubação difícil,
A Sociedade Americana de Anestesiologia sedação como complementação de bloqueios
recomenda(6): de nervos para administração de gases anesté-
sicos e oxigênio. São de fácil colocação e não
Alimento ingerido Período mínimo de jejum
requer treinamento prévio. Contudo, não pre-
Líquidos claros 2h
vinem contra aspiração gástrica.
Leite materno 4h
Após o término do procedimento, um mé-
Fórmula 6h
dico da equipe deverá ficar responsável pela
Leite não humano 6h recuperação da criança até que ela tenha con-
*Refeições leves 6h dições de alta.
* Comidas gordurosas, carne, frituras, prolongam o tempo de As complicações mais comuns na recupe-
esvaziamento gástrico acima de seis horas.
ração são: náuseas, vômitos, hipotermia ou as
Drogas que aceleram o esvaziamento gástri- referentes ao trato respiratório. A queda da lín-
co e aumentem o pH poderão ser empregadas gua sobre o palato, depressão respiratória por
para aumentar a segurança do procedimento efeito residual das drogas ou seus metabólitos
nos casos considerados de alto risco para aspi- ativos são problemas comumente encontrados.
ração (emergência, onde o jejum não poderá ser A agitação pode ser um sinal de hipóxia e não
observado, obstrução intestinal, doenças neuro- início do despertar.
lógicas, esofagianas, infecção sistêmica / sepse, Os critérios observados para alta do pa-
via respiratória difícil, obesidade, trauma etc.). ciente foram bem estabelecidos pelo Comitê de
A metoclopramida, na dose de 0,1mg/kg, Drogas da Academia Americana de Pediatria(3):
oral, endovenosa ou subcutânea, também ace- 1. Função cardiovascular e perviedade das
lera o esvaziamento gástrico. vias respiratórias satisfatórias e estáveis.
Durante a realização da sedação é neces- 2. Paciente facilmente despertável e refle-
sário que um membro da equipe fique respon- xos protetores íntegros.
sável pela observação dos sinais vitais, que 3. O paciente pode conversar (se a idade
deverão ser continuamente monitorados. A for apropriada para isto).
monitorização básica deverá constar de apare-
4. O paciente consegue sentar sem ajuda
lho de pressão não invasiva, eletrocardiógrafo,
(se a idade for apropriada para isto).
estetoscópio pré-cordial ou esofágico e, depen-
dendo do caso e oxímetro de pulso. O uso do 5. Deve-se conseguir o nível de responsi-
ANESTESIOLOGIA

capnógrafo, que nos dá a pressão expirada do vidade pré-sedação ou o mais próximo


CO2, será de grande valia nos casos em que possível do normal para criança muito
houver necessidade de intubação traqueal, jovem ou deficiente incapaz de respos-
máscara laríngea ou mesmo máscara facial(6-9). tas habitualmente esperadas.
Na sala em que se realizará o procedimen- 6. Hidratação adequada.
to, além dos aparelhos de monitorização men-
cionados, é obrigatória a presença de fonte de Acrescentaríamos a estas considerações
oxigênio, aspirador de secreções, material de o aquecimento adequado do paciente, sendo
emergência para reanimação cardiorrespirató- que a hipotermia pode prolongar ação de cer-
ria e manutenção da permeabilidade das vias tas drogas.
aéreas (drogas de emergência, laringoscópi- Quando assim se apresentar, o paciente terá
cos, lâminas e cânulas traqueais de vários ta- condições de alta e poderá ser realimentado.

42
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Drogas utilizadas • Aparelho respiratório – O efeito mais


temido dos opioides é a depressão res-
Após uma completa avaliação do paciente, piratória, que varia com a dose, idade,
levando-se em conta o tipo de procedimento estado clínico, intensidade da dor, doen-
ao qual o mesmo será submetido, poderemos ça. Estas drogas diminuem a ventilação
então optar pela melhor técnica para o caso / minuto, volume corrente, frequência
– se sedação, anestesia geral ou regional – e respiratória e redução da resposta ven-
procedermos à escolha das drogas a serem tilatória à hipoxemia e hipercabia. Há
utilizadas. uma margem de segurança entre a dose
Não existem drogas ou associações das analgésica e a que produz depressão
mesmas que sejam ideais, sendo que a ideal respiratória, entretanto, os bebês prema-
seria aquela que interferisse pouco com os pa- turos e os normais até os três meses de
râmetros vitais; fosse de ação rápida e previ- idade têm maior suscetibilidade a apre-
sível, a recuperação do paciente fosse pronta, sentar este efeito indesejável. A meia-vi-
eficaz e sem complicações. Contudo, as dro- da de eliminação é menor nos primeiros
gas ou associações medicamentosas utilizadas dias de vida, provavelmente devido à
rotineiramente atingem o objetivo desejado, imaturidade enzimática, ou em pacien-
levando-se em consideração os cuidados já tes com aumento da pressão abdominal
comentados. que compromete o fluxo sanguíneo he-
pático. Existe também uma menor liga-
ção proteica, que facilita a entrada do
opioide no cérebro do recém-nascido,
Opioides contribuindo para o aumento na inci-
dência de depressão respiratória.
Em pediatria, os opioides podem ser ad-
ministrados através de várias vias: oral, endo- • Sistema gastrointestinal – Estimu-
venosa em bolus ou infusão contínua, nasal, lam diretamente o receptor emético da
subcutânea, transdérmica, intramuscular, retal zona de gatilho, causando náuseas e
e epidural; tornando-se, portanto opção obri- vômitos. Aumentam o tônus muscular
gatória nos procedimentos que necessitam (piloro, esfíncter de Oddi e válvula ile-
analgesia. Estes compostos produzem analge- ocecal), causando diminuição da moti-
sia por interagirem com receptores localizados lidade intestinal e da peristalse.
no cérebro, tronco cerebral e medula espinhal,
simulando ação dos opioides endógenos. Os • Sistema renal – Aumentam o tônus
do esfíncter uretral e relaxamento do
opioides diminuem a sensação do estímulo do-
detrusor da bexiga por interagir com
loroso (nocicepção) e o componente emocio-
receptores opioides localizadores na ANESTESIOLOGIA
nal da dor (sofrimento).
medula espinhal sacral, inibindo a iner-
Estas drogas têm efeito em vários órgãos:
vação parassimpática. O resultado é a
• Sistema nervoso central – Depres- retenção urinária.
são dose-dependente, resultando em
analgesia, sedação, perda da consciên- • Neuromuscular – Rigidez muscular
cia. A analgesia é obtida em doses infe- do tórax pode ocorrer quando o opioi-
riores à necessária para a sedação. de é administrado rapidamente em altas
doses.
• Cardiovascular – Em pacientes normo-
volêmicos há boa estabilidade hemodinâ- Outros efeitos importantes ocorrem. O
mica. Entretanto, podem causar bradicar- mais comum é o prurido, que pode ser gene-
dia por estimulação do vago e hipotensão ralizado ou localizado na face, pescoço e área
devido à dilatação arterial e venosa. superior do tórax. Não é devido à liberação de

43
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

Receptor Agonista protótipo Localização do SNC Ação fisiológica tem diminuído. É ne-
morfina Cérebro = lâminas III mu1 analgesia supra espinhal e cessário paciente com
fentanil e IV do córtex, tálamo, dependência inteligência suficien-
meperidina substância cinzenta do mu2 depressão respiratória, te, destreza manual
mu
periaqueduto inibição da motilidade
e força para operar a
Medula = substância gastrintestinal, bradicardia
gelatinosa bomba de PCA. A im-
dinorfina Cérebro = hipotalamo, Analgesia raquiadiana, sedação, possibilidade de enten-
butorfanol? substância cinzenta do miose, inibe a liberação do ADH der o uso da máquina
capa periaqueduto, claustro. e o desejo do paciente
Medula = substância
de não assumir a res-
gelatinosa
ponsabilidade por sua
encefalinas Cérebro = núcleo pontino, Analgesia, euforia
delta amígdala bulbos olfativos, analgesia limitam o
córtex profundo seu uso. Mesmo assim,
cetamina? Disforía, alucinações tem sido técnica cada
sigma —
feniciclidina vez mais utilizada.

Fentanil
histamina e sim dependente de sua migração
cefálica no líquido cerebroespinhal e conse- É cerca de cem vezes mais potente que a
quente interação com o núcleo do trigêmeo. morfina (mg/kg), e sua grande lipossolubilida-
Existem receptores opioides no núcleo do tri- de permite que atravesse rapidamente a barrei-
gêmeo e nas raízes nervosas trigeminais. ra hematoencefálica, o que resulta em rápido
Os opioides mais comumente empregados início de ação. Os efeitos deste analgésico du-
na prática clínica são: ram 30-45 minutos, embora a depressão respi-
ratória possa persistir por tempo maior.
Morfina
Administração
Serve de comparação com outras drogas e
tem um longo registro em pediatria. • Via endovenosa: 0,5-1µg/kg. Doses
Administração: maiores poderão ser administradas, mas
com aumento da incidência dos efeitos
• Via endovenosa: 0,1mg/kg a cada 2 colaterais, principalmente depressão
horas. respiratória e rigidez torácica. O efeito
• Via intramuscular: 0, 1-0, 15mg/kg a de uma dose única de fentanil termina
cada 4 horas por redistribuição rápida e não por me-
• Via subcutânea: 0,1-0,15mg/kg a cada tabolização. Haverá prolongamento do
4 horas efeito depois de múltiplas doses da dro-
ANESTESIOLOGIA

• Infusão contínua: 0,05-0,06mg/kg/ ga, porque a eliminação, e não a distri-


hora buição, determinará a duração do efeito.

A via venosa proporciona analgesia ime- Alfentanil


diata, com pico plasmático mais elevado, em- É um opioide 20 vezes mais potente que a
bora de menor duração que a intramuscular, morfina e quatro vezes menos que o fentanil.
que tem o inconveniente da dor à administra-
ção. A infusão contínua, na forma de analgesia Remifentanil
controlada pelo paciente (PCA), permite que
o paciente controle a quantidade necessária É um opioide de ultracurta duração. Sua
de medicamentação para a sua analgesia. O metabolização é realizada pelas esterases cir-
limite de idade para o uso deste equipamento culatórias tissulares. Uma parte do remifentanil

44
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

ocorre no sangue, mas a maioria do “clearen- Benzodiazepínicos


ce” metabólico ocorre nos tecidos periféricos,
principalmente o músculo esquelético. A meia- São drogas bastante utilizadas para seda-
-vida plasmática do remifentanil “in vitro” é de ção. Seu mecanismo de ação parece ser no sis-
65 minutos. É um opioide seletivo µ-agonista tema límbico através de um neurotransmissor
com a potência equivalente ao fentanil, mas a inibidor, o ácido gamaaminobutírico (GABA).
duração do efeito é bem menor devido à alta Proporcionam amnésia anterógrada, mas não
taxa de metabolização. Não causa liberação de são analgésicos, e a administração associada a
histamina, mas causa vasodilatação e espasmo um opioide é realizada sempre que o procedi-
da musculatura lisa. mento é doloroso.
Em doses sedativas causam mínima de-
Administração pressão do sistema cardiovascular e respirató-
rio, embora nos extremos de idade, neonatos
• Dose endovenosa – 2-5µg/kg peso e idosos, devem ser usados com cautela. Seus
(ainda não está totalmente determina- efeitos sobre o sistema nervoso central variam
da). Lembramos que quanto maior a na dependência da dose utilizada: tranquilida-
dose, maiores os efeitos colaterais. de, sedação, hipnose e inconsciência.

Diazepan
Propofol (Diprivan)
É bem absorvido por via oral; a intramus-
É um agente hipnótico sedativo, que pelo cular e endovenosa são dolorosas. O seu meta-
seu rápido início de ação e tempo de recupera- bólito ativo, o n-dimetil diazepam, pode causar
ção e ausência de metabólitos ativos tem sido sonolência prolongada quando esta droga for
muito usado para sedação em pequenos pro- utilizada em sedação prolongada.
cedimentos em pediatria. A alta degradação
da primeira passagem pelo fígado faz com que Administração
só possa ser administrado por via endovenosa • Via endovenosa: 0,1 a 0,2mg/kg
e é responsável pelo rápido retomo da cons-
ciência. Pode ser usado em infusão contínua, Midazolam
ou em dose única endovenosa - 0,5 a 1mg/kg.
Causa dor à injeção. Benzodiazepínico com rápido início de
A droga pode produzir rapidamente um ação e meia-vida de eliminação curta. Ajuste
estado de anestesia geral e não deve ser usada nas doses e esquemas de infusão deverá ser
por profissionais que não tenham experiência considerado em situações que interferem com
com controle das vias aéreas. seu metabolismo. O uso concomitante de he-
ANESTESIOLOGIA
Os efeitos colaterais mais importantes são: parina aumenta a fração livre; a cimetidina in-
terfere com o metabolismo hepático da droga,
• Hipotensão, por redução da pré-carga, prolongando a sua meia-vida de eliminação;
pós-carga e contratilidade cardíaca. insuficiência renal e hepática aumentam a con-
centração da droga livre.
• Causa apneia em 20% dos pacientes e
resposta diminuída ao dióxido de car- Administração:
bono.
• Oral – 0,3-0,5mg/kg
• Pode desencadear opistótomo, reações • Retal – 1mg/kg
anafilactoides. Como o propofol não • Nasal – 0,2-0,4mg/kg
contém preservativos, poderá ocorrer • Sublingual – 0,2mg/kg
contaminação bacteriana da solução. • Endovenosa – 0,05-0,15mg/kg

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F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

Cetamina 30 a 60 minutos antes da realização de punção


venosa, punção lombar, infiltração da pele e
Produz analgesia intensa, principalmente outros procedimentos semelhantes. É de gran-
cutânea. Estimula certas áreas do SNC, como de valia nestes procedimentos relacionados
tálamo cortical, substância reticular e sistema com a criança.
límbico. O risco maior no uso deste tipo de creme
Provoca aumento do tônus muscular, au- é a possibilidade de se induzir a metahemo-
menta a produção de saliva, causa aerofagia, globinemia, se for usada quantidade excessiva
às vezes verbalização, diplopia; aumento da da droga. Em mucosas evita-se a aplicação de-
pressão intra-ocular, da pressão intracraniana, vido ao risco de absorção de grandes quanti-
do fluxo sanguíneo cerebral e consumo de O2 dades da droga, com aumento indesejável dos
cerebral, além da liberação endógena de ca- níveis sanguíneos da mesma.
tecolaminas, causando aumento da pressão
arterial, da frequência cardíaca; na árvore brô-
nquica causa broncodilatação. Conclusão
Na fase da recuperação anestésica o pa-
ciente, principalmente adulto, pode apresentar A opção pela técnica de sedação e (ou)
euforia, alucinações e agitação psicomotora. O analgesia para procedimentos em Pediatria
uso de benzodiazepínicos previamente previne deverá ser orientada pelos seguintes parâme-
estes efeitos colaterais. tros: tipo de procedimento a ser realizado, do-
enças de base do paciente e reserva funcional
Administração dos diversos órgãos e sistemas (outras doenças
IM = solução 5% - 5 a 10mg/kg associadas).
EV = solução 1% - 1 a 4mg/kg Deverá ser realizada somente pelo profis-
Apesar da permanência dos reflexos pupi- sional médico, que deverá ser experiente em
lar, corneano e laríngeo, não há proteção da providenciar rapidamente acesso às vias aére-
aspiração do conteúdo gástrico, sendo tam- as do paciente e suporte básico da vida e em
bém absolutamente necessário o jejum antes locais com condição mínima para reanimação
do emprego da cetamina. do paciente (material para intubação / venti-
lação, monitor ECG, desfibrilador, drogas de
Creme EMLA emergência, aspirador). O jejum pré-procedi-
mento deve ser respeitado sempre que possí-
Mistura eutética de anestésicos locais (lido- vel. A alta deverá acontecer quando o paciente
caína e prilocaína) que é aplicado à pele com estiver o mais próximo possível do seu estado
um curativo oclusivo por um tempo mínimo de físico pré-procedimento.
ANESTESIOLOGIA

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Referências
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F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

SEDAÇÃO NA TERAPIA INTENSIVA


Geraldo Rolim Rodrigues Jr.

Professor
Assistente Doutor do
Introdução que, auxiliando na capacidade adaptativa des-
ses enfermos, pode amenizar sua experiência
Departamento de
Anestesiologia da
Faculdade de Medicina
de Botucatu, UNESP
A rotina das unidades de terapia in-
tensiva é caracterizada por ritmo
ininterrupto e atividade constante, luzes, ruí-
nessas unidades(7).
Apesar dos esforços de humanização das
unidades, os objetivos primários do tratamento
dos e uso de aparelhos estranhos, provocando intensivo tornaram-se a aprendizagem e utili-
medo e ansiedade. A relativa imobilidade que zação de sofisticados recursos de monitoriza-
alguns sistemas sensíveis de monitorização exi- ção e terapêutica, esquecendo que, na outra
gem são causas de extrema ansiedade e medo. extremidade dos tubos, cabos e drenos e atrás
Isso requer paciência e colaboração além dos de alarmes, encontra-se um ser humano fragi-
limites impostos pelas enfermidades graves. lizado pela doença subjacente.
É pouco provável que uma pessoa possa Portanto, a sedação em terapia intensiva
tolerar tal ambiente sem que seja instituído deve ser encarada como um aspecto terapêuti-
algum tratamento para a ansiedade, além do co importante do tratamento. O conhecimento
indispensável alívio da dor. de sua correta utilização adquire maior relevo
Ansiedade e medo, responsáveis pelo so- sabendo-se que cerca de 30 a 50% dos pacien-
frimento psíquico, a que são submetidos os tes internados nestas unidades recebem algu-
ingressos dessas unidades, são dificilmente ma forma de sedação(7). Mesmo verificando
avaliáveis e preocupam em demasia pesqui- utilização crescente, a sedação não tem, até
sadores e estudiosos da área(1), principalmente recentemente, despertado interesse científico
por serem prováveis desencadeadores da sín- entre boa parte dos especialistas da área, em
drome descrita, genericamente, como “psicose relação a outros aspectos do tratamento e, não
de UTI”, que apresenta incidência entre 14% raro, é baseada em aspectos subjetivos. Alguns
e 72%(2). Esta síndrome pode cursar com agi- autores lembram que drogas sedativas são
tação leve e até com intensa agressividade e prescritas com maior frequência para compen-
violência, exigindo contenção física imediata sar inquietações da equipe médica ou prover
ou sedação. Nos acometidos de doença co- condições convenientes para a prática de en-
ronariana ou insuficiência respiratória aguda, fermagem, do que em resposta às necessida-
ANESTESIOLOGIA

a agitação pode afetar desfavoravelmente a des dos pacientes.


evolução clínica. Torna-se óbvia, nesse caso, a
relevância da sedação.
Vários relatos descrevem poucas queixas Utilização de fármacos
em relação à internação nessas unidades(3,4).
Outros, contudo, afirmam que nenhum egres- Sedação e analgesia são aspectos essen-
so dessas unidades está isento de algum dis- ciais na condução do paciente em Unidade de
túrbio psicológico(5). Seja ou não considerada Tratamento Intensivo. O ato ou efeito de sedar,
uma entidade nosológica, essa “psicose” pode do latim sedatum, significa moderar ação ex-
ser prevenida pela eliminação da tríade ansie- cessiva, acalmar, serenar, aquele que está exci-
dade, dor e insônia(5). Maior relevância recai, tado. Sedação pode ser também definida como
ainda, humanização dos cuidados intensivos situação na qual foi removido ou atenuado

48
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

estado preexistente de ansiedade, por meios bios raramente ocorrem associados à psicose
farmacológicos, ou ainda, quando não se de- verdadeira. A expressão “psicose de UTI” é
senvolvem sinais de ansiedade em circunstân- descrição simplista e inespecífica dos distúr-
cias nas quais se esperava que ocorressem(5). bios de comportamento resultantes da perda
A sedação visa trazer ao doente grave de contato com a realidade(1).
conforto físico e psicológico(5). Ela requer três Medo e ansiedade constituem relevante es-
elementos básicos: compaixão, comunicação tresse psíquico. Eles são influenciados por fato-
e competência no uso de técnicas e agentes res genéticos e experiências prévias (próprias
sedativos(5). ou de conhecidos). A ansiedade pode resultar
Apesar da dificuldade em quantificar os em desorganização psicológica, expressa por
benefícios da sedação e da escassez de infor- desilusão, pânico, sensação de abandono e até
mações acerca de sua utilização em UTI, ela mesmo psicose(8). A presença de alguns desses
encontra larga aplicação nesta área. Segundo componentes foi observada em pesquisa(9) nos
Aitkenhead(8), a maioria dos pacientes admiti- doentes acometidos de agitação ou delírios,
dos em UTI necessita de analgesia ou sedação englobados, neste estudo(9), genericamente,
ou ambas, durante a internação. como distúrbios de natureza psiquiátrica. Essas
Pesquisadores verificaram que, em diver- causas, geralmente, estavam ligadas à agitação
sas instituições, 40% dos pacientes sob cuida- psicomotora e corresponderam a 25,77% das
dos intensivos receberam drogas sedativas(5-6). indicações de sedação(9).
Esses resultados confirmam outras pesquisas Uma equipe amigável e um ambiente aco-
que mostram elevada utilização de drogas se- lhedor (controles de ruído, luminosidade e tem-
dativas, empregadas em 30 a 50% dos pacien- peratura) evitam esta sequência devastadora.
tes graves(6). As visitas de familiares e amigos reforça sobre-
Paralelamente, em estudo(5), verificou-se maneira o apoio recebido da equipe médica e
que, se considerados apenas os pacientes inter- paramédica.
nados por período superior a 24 horas, o uso Problemas respiratórios são comuns em
de sedativos foi de 37,4%, proporção esta que UTI. Enfermidades pulmonares, ou não, po-
cai para 24,6% quando considerados todos os dem levar à necessidade de suporte ventilatório
enfermos do período, inclusive os 182 excluí- prolongado ou temporário. Nestes pacientes, a
dos por permanecerem internados em período presença do tubo traqueal, o ruído monótono
inferior a 24 horas; seja por óbito, por serem do respirador, além do medo e da ansiedade,
doadores de órgãos ou por não apresentarem impedem o sincronismo entre ventilação es-
todos os requisitos para o cálculo do índice de pontânea e mecânica(3). Um medicamento an-
gravidade(5). siolítico e hipnótico pode ser útil para maior
O tratamento intensivo necessita de paci- tolerância.
ência e colaboração. Alguns desses doentes A tolerância ao tubo traqueal é variável, ANESTESIOLOGIA
apresentam alteração do sensório como con- sendo a sonda nasotraqueal mais aceita. A
sequência direta de disfunção orgânica. Inclu- traqueostomia prescinde de sedação. A aspi-
sive, nesses casos, o uso de sedativos pode ração traqueal, porém, já foi descrita como su-
ser benéfico, reduzindo o impacto psicológi- focante, chegando ao limite da tolerabilidade.
co e facilitando o tratamento dos distúrbios O respirador mecânico, no início do tratamen-
somáticos(1). to, chega a ser uma experiência aterrorizante.
As complicações psiquiátricas mais comu- Neste momento, a associação de opioides será
mente observadas são delírio e agitação. No útil por reduzir a resistência ao respirador arti-
delírio incluem-se alterações da sensopercep- ficial e promover analgesia.
ção e do sono, desorientação e agitação psico- A seleção apropriada e o ajuste do méto-
motora. O apoio psicológico reduz a incidência do de ventilação mecânica eliminam a neces-
destes fenômenos em 14 a 33%(6). Estes distúr- sidade de bloqueadores neuromusculares e

49
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

sedação excessiva em muitos pacientes adul- Ele foi aplicado isoladamente em injeção con-
tos. Apesar disto, a adaptação do paciente à tínua, em 39,17% dos casos e em injeções in-
ventilação mecânica constitui a principal indi- termitentes isoladas em 19,58% dos casos. Em
cação de sedação, como foi demonstrada em recente censo nacional realizado pela Associa-
estudo(9), no qual contabilizaram-se 57,73% de ção de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB)
(13)
todas as circunstâncias para as quais foram ad- , também foi constatada a preferência por
ministrados sedativos. Cerca de 90% dos que fentanil pela maioria dos especialistas brasilei-
se submetem aos respiradores artificiais rece- ros. Contudo, pelas recomendações do comitê
bem tais fármacos, podendo chegar a 100% formado pelas Sociedade e Colégio Americano
dos casos(9-10). de Medicina Intensiva (SCCM e ACCCM)(14) a
Diversos procedimentos são realizados sob morfina é a primeira escolha, principalmente
anestesia local, sem necessidade de sedação. devido ao baixo custo. O mesmo comitê de-
Intervenções extensas e agressivas, entretanto, finiu a utilização do fentanil para situações de
necessitam de sedação ou mesmo anestesia liberação histamínica e instabilidade hemodi-
geral(2). A intubação traqueal é exemplo de si- nâmica. Nas reuniões promovidas pela AMIB
tuação que requer, por breve lapso de tempo, em 1997 e 1999(12-13), o comitê formado reco-
depressão da consciência(8). Por isso, procedi- mendou morfina e fentanil, igualmente, como
mentos desconfortáveis ou dolorosos corres- opção Ia (intervenções ou fármacos recomen-
pondem a 11,34% de todas as indicações de dados a partir das evidências científicas dispo-
sedação(9). níveis e suficiente experiência clínica no Brasil).
Uma vez que a perda dos padrões fisio- Os benzodiazepínicos estão entre as dro-
lógicos do sono tem profundas implicações gas mais comumente prescritas. Diazepam ain-
metabólicas nos pacientes hospitalizados, o da é bastante usado para sedação em terapia
tratamento da insônia é motivo apropriado intensiva(10,11). Midazolam também é, amiúde,
para o emprego de sedativos, porém, não é utilizado isoladamente ou em associação com
verificado em mais do que 5,15% dos casos de narcóticos.
sedação(9-10). Na casuística aqui analisada anteriormen-
(9)
A sedação ideal deve atender ao con- te , diazepam foi administrado, principal-
forto do enfermo sem determinar significante mente, no tratamento do tétano (2 pacientes
depressão da consciência. Limites assim estrei- em 307). A escolha do agente hipnótico recai,
tos tornam a sedação, em terapia intensiva, um geralmente, sobre o midazolam, principalmen-
exercício da arte médica, na qual intervenções te pela hidrossolubilidade, curta meia-vida de
farmacológicas representam apenas um fator, eliminação e custo relativamente baixo. O hip-
ao lado do controle ambiental e da sensibilida- nótico propofol demonstra uma série de pro-
de da equipe(10, 11). priedades adequadas para sedação em UTI,
Narcóticos, associados ou não a benzo- como meia-vida de ação extremamente curta,
ANESTESIOLOGIA

diazepínicos, aumentam a tolerância ao tubo mesmo em infusões prolongadas, e pode ser


traqueal, atenuam o reflexo da tosse e inibem melhor opção que o midazolam em uma série
os centros respiratórios. É destarte possível de situações(9-10). Sua grande limitação encon-
adaptar o paciente à atividade automática do tra-se, ainda, no custo.
ventilador sem, contudo, abolir por completo a Haloperidol foi empregado na agitação
consciência e a cooperação. psicomotora e é preferido no tratamento do de-
Os morfinomiméticos são os agentes mais lírio, segundo consenso das SCCM e ACCCM.
frequentemente administrados para analgesia Tiopental sódico (“coma barbitúrico”) pode ser
ou sedação (37% isoladamente e 60% associa- usado no controle da hipertensão intracrania-
dos a benzodiazepínicos)(2,11). na e do sofrimento neurológico.
Fentanil foi o agente analgésico mais admi- Diazepam, haloperidol, tiopental e pro-
nistrado em outro estudo (58% das técnicas)(9). pofol somados corresponderam a 19,5% de

50
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

todas as técnicas empregadas na sedação de Conclusão


pacientes(9).
Os bloqueadores neuromusculares com- A sedação é um recurso terapêutico fre-
plementam as técnicas de sedação de pacientes quente em UTI, comumente indicada para
ventilados artificialmente(14). Esta combinação adaptação à ventilação artificial e agitação psi-
(particularmente com o pancurônio) já foi comotora. Fentanil e midazolam são os agen-
utilizada em até 91% dos casos. Atualmente, tes mais utilizados.
pancurônio e outros bloqueadores neuromus- Finalizando, recomenda-se que analgesia
culares devem ser administrados somente nos deve prescindir sedação e ambos devem pres-
casos refratários aos sedativos ou com difi- cindir bloqueio neuromuscular.
culdade de manter parâmetros ventilatórios
adequados(14).
Atracúrio é um bloqueador neuromuscu-
lar útil, é de escolha nos casos de insuficiência
renal(15).

Referências
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13. Amaral JLG, Réa Neto A, Rodrigues Jr GR, Conceição NA et al. I Consenso Brasileiro sobre Sedação,
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CIRURGIA TORÁCICA F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

52
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Cirurgia Torácica

A pesar de haver evidências do tratamento de pacientes


em estados críticos desde o ano 10.000 a.C, os primeiros
livros que ensinavam a medicina surgiram somente no século
XVI e ao longo dos anos, o número de informações através deles
cresceu exponencialmente. No início do século XXI e auge da era da
informática, cogita-se que os livros perderam seu espaço, já que as
informações digitais são mais práticas e de fácil acesso.
No entanto, escrever um livro didático significa muito mais que
compilar informações em um bloco de papel. Tem o intuito de filtrar
aquilo que se lê e mostrar aquilo que se faz.
Os temas escolhidos por nós são os mais prevalentes em
atendimentos de urgência e emergência da especialidade e têm por
objetivo formar alunos, auxiliar residentes, padronizar o atendimento
e divulgar as condutas adotadas pela Disciplina de Cirurgia
Torácica da Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP.
Esperamos que apreciem a leitura. CIRURGIA TORÁCICA

Drª Daniele Cristina Cataneo

53
CIRURGIA TORÁCICA F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

ESTENOSE TRAQUEAL
Daniele Cristina Cataneo1
Antônio José Maria Cataneo2

Introdução Etiologia 1
Professora Doutora
Assistente da disciplina
de Cirurgia Torácica

A traqueia é um órgão tubular com


diâmetro externo coronal entre 2,0
e 2,3cm, sagital entre 1,4 e 1,8cm e extensão
As estenoses traqueais podem ter várias
origens, mas quanto à etiologia, podemos
dividi-las em quatro tipos: traumáticas, infec-
do Departamento de
Cirurgia e Ortopedia da
Faculdade de Medicina
de Botucatu, UNESP
de 10 a 13cm, no indivíduo adulto. Percorre ciosas, tumorais e congênitas. Contudo, outras
dois compartimentos distintos; o cervical e o etiologias muito menos comuns também foram 2
Professor Titular
torácico, tendo início na cartilagem cricoide, descritas sendo causas de estenose, como alte- Chefe da disciplina
no nível da sexta vértebra cervical e término rações metabólicas (amiloidose), radioterapia, de Cirurgia Torácica
do Departamento de
na carina, no nível da quinta vértebra torácica. doença por vasculite ou autoimune (granulo- Cirurgia e Ortopedia da
A parede anterior é composta por anéis cartila- matose de Wegner ou policondrite), e de ori- Faculdade de Medicina
ginosos incompletos em forma de C (18 a 22), gem indeterminada (idiopática). de Botucatu, UNESP
unidos por tecido elástico, e a posterior pela
membranosa, que se encontra em íntimo con- Traumática
tato com o esôfago, em mais de dois terços da
sua extensão. O grupo das estenoses traumáticas é o
A irrigação traqueal é lateral, proveniente mais importante, pois além de envolver a in-
de ramos perfurantes das artérias tireoideas tubação endotraqueal, abrange uma série de
superiores e inferiores, subclávia, inominada, outros traumatismos, como o trauma aberto
torácicas internas, intercostais e brônquicas, (traqueostomia, cirurgias e ferimentos pene-
mantendo uma pressão capilar menor que trantes do pescoço), o trauma fechado (feri-
20mmhg. A drenagem venosa se faz, princi- mentos contusos do pescoço), as iatrogênicas
palmente, pelas veias tireoideas inferiores, que (procedimentos endoscópicos e passagem de
tem uma pressão capilar próxima a zero. sondas), as queimaduras por inalação de ar ou
A estenose traqueal não é um problema fumaça quente ou cáustica e as queimaduras
novo, já que em 1880, MacEwen descrevia a por aspiração ou ingestão de ácidos ou álca-
entidade em pacientes submetidos à intubação lis. Por tratar-se da principal causa de estenose
endotraqueal(1) e posteriormente, em 1886, traqueal, daremos principal atenção às pós- CIRURGIA TORÁCICA
Colles a demonstraria também em pacientes -intubação endotraqueal.
com difteria, submetidos à traqueostomia(2). A presença de qualquer corpo estranho na
No entanto, ora raras, lesões da traqueia se- luz traqueal causa um processo inflamatório
cundárias à trauma começaram a ser cada vez local, podendo ou não evoluir para esteno-
mais descritas, à medida que os procedimentos se, mas os tubos endotraqueais podem, além
endotraqueais passaram a ser realizados com disso, provocar lesões mais graves da parede,
maior frequência, no começo da década de decorrentes de intubações traumáticas ou pro-
1950, com o início do suporte avançado em longadas, da utilização de tubos de grande ca-
unidade de terapia intensiva(3). libre ou da elevada pressão no balonete.
Enquanto os relatos iniciais se limitavam a
estudos de autópsia que descreviam diferentes
tipos de lesões, como ulcerações, necrose da

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F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

cartilagem traqueal, e edema das vias aéreas doenças autoimunes (Granulomatose de Weg-
superiores em adultos(3); atualmente, a maior ner, sarcoidose), apneia obstrutiva do sono
causa de estenose é a intubação endotraque- e radioterapia para o câncer de orofaringe e
al(4). Entre todos os pacientes intubados, a in- laringe(5,14).
cidência varia de 10 a 22%(4-7), mas só 1 a 2%
dos pacientes são sintomáticos ou têm esteno- Infecciosa
se grave(8). Hoje, a estenose grave após a intu-
bação é uma entidade reconhecida com uma A etiologia infecciosa pode ser subdividida
incidência estimada de 4,9 casos por milhão em inespecífica, no caso das infecções bacte-
por ano na população em geral(9). rianas, ou específicas, como a tuberculose, a
A lesão traqueal após a intubação pode blastomicose e a histoplasmose; além das pa-
ocorrer nas seguintes posições: no local do rasitárias, como a leishmaniose.
balonete, no local correspondente à ponta do Na dependência do agente e da gravidade
tubo endotraqueal, no estoma e no segmento do caso, somente o tratamento da patologia de
entre o estoma e o balonete(10). base pode resultar em regressão da obstrução
Na localização do balonete, ocorre em traqueal.
um terço dos casos relatados(4,7), notando-se o
crescimento de uma banda fibrosa. O principal Tumoral
fator causal é a perda de fluxo sanguíneo re-
gional, devido à pressão do balonete na pare- Tumores de origem traqueal ou que inva-
de traqueal(11). A lesão isquêmica inicia-se nas dem a traqueia, tanto benignos como malig-
primeiras horas de intubação e a cicatrização nos, podem evoluir para obstrução da luz do
da região lesada pode resultar em um anel fi- órgão. Nesse tipo de etiologia a conduta de-
brótico, no prazo de 3 a 6 semanas(11,12). Entre- pende da análise específica do tumor e de sua
tanto, com o advento dos balonetes de baixa localização.
pressão esse tipo de lesão diminuiu. No caso dos tumores traqueais, estes re-
No local do estoma, a estenose é mais um presentam uma entidade rara (0,2/100.000
resultado de cicatrização anormal, com exces- habitantes), sendo que os mais comumente en-
so de formação de tecido de granulação em contrados são os papilomas, na população in-
torno do local do estoma ou na cartilagem fra- fantil, e o carcinoma espinocelular em adultos,
turada durante o procedimento(4,7). O dano na além de outros menos comuns, como o tumor
cartilagem pode também resultar em uma ala- Adenoide cístico, que ocupa a segunda posi-
vanca para o tubo traqueal no local do estoma, ção em incidência.
devido ao peso das conexões da ventilação Tumores traqueais, tanto malignos quanto
mecânica, causando necrose por pressão tanto benignos, requerem ressecção, já tumores in-
CIRURGIA TORÁCICA

da mucosa, quanto da própria cartilagem. vasivos de outras estruturas, podem ter o tra-
Outro fator também relacionado foi a in- tamento paliado somente com a passagem de
fecção da ferida em 42% dos casos de este- endopróteses para manutenção da via aérea.
nose no local do estoma após traqueostomia
aberta(13). Congênita
Múltiplos outros fatores predisponentes
para o desenvolvimento de estenose após in- A estenose traqueal congênita é uma mal-
tubação têm sido sugeridos, incluindo: traque- formação rara e potencialmente letal, onde há
ostoma alto, período de intubação prolongado, redução do calibre da via aérea, geralmente de
intubação traumática, história de intubação ou forma progressiva. Atualmente, pouco mais de
traqueostomia prévia, uso excessivo de cor- 300 casos foram descritos na literatura. O diag-
ticosteroides, idade avançada, insuficiência nóstico é frequentemente atrasado pela rarida-
respiratória grave, doença do refluxo severa, de e diversidade de manifestações da doença,

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

mas geralmente aparece nos primeiros meses Diagnóstico


de vida, após uma infecção bacteriana ou uma
intubação, sendo confundida com traqueíte e Além da anamnese e do exame físico, bas-
até mesmo asma. tante sugestivo do diagnóstico, é necessária a
complementação com exames de imagem. O
primeiro exame a ser realizado é a radiografia
Quadro clínico de tórax, que geralmente vai mostrar campos
pulmonares limpos, mas nem sempre é possí-
É importante saber que pacientes com vel notar o estreitamento da coluna de ar da
estenoses traqueais menores que 40% não traqueia através desse exame (fig. 1).
apresentam sintomas nas atividades habituais,
Fig. 1:
portanto, o aparecimento de qualquer altera- Radiografia
ção não deve ser negligenciado pelo médico de tórax que
assistente, já que nesse momento, a luz traque- permitiu ver a
al, com menos de 5mm pode ser obstruída a área estenótica
na coluna aérea
qualquer instante mesmo que por pequenos da traqueia (A).
volumes de secreção. Comprovada
Pacientes sem traqueostoma apresentam a localização
geralmente clínica quando há mais de 50% A pela tomografia
computadorizada
de obstrução da luz traqueal, cursando com com reconstrução
aumento da frequência respiratória, esforço coronal (B).
respiratório, uso de musculatura acessória do
pescoço, tiragem de fúrcula e ruído traqueal.
Aqueles que têm traqueostoma canulado, não
apresentarão sintomas, a não ser que o tubo
esteja obstruído por secreção, ou a esteno-
se esteja localizada na ponta do mesmo. Em
caso de traqueostoma patente não canulado,
os sintomas serão os mesmos do paciente sem
B
traqueostoma.
A suspeita de estenose deve sempre ser
feita quando há história de intubação ou tra- A planigrafia (fig. 2) foi
queostomia prévia e posterior aparecimento por muito tempo o estudo de
de dispneia progressiva e estridor respiratório, imagem ideal para a locali-
com ou sem tosse. Somente a presença do es- zação da lesão, visto que ela
tridor traqueal pode caracterizar a presença permite facilmente a análise CIRURGIA TORÁCICA
de estenose e é o sinal clínico mais importante da laringe e toda a traqueia,
para que se faça o diagnóstico. bem como da área estenótica,
Apesar da existência de diferentes etiolo- possibilitando a correta aferi-
gias, o quadro clínico das estenoses traqueais é ção do comprimento traqueal
igual em todos os casos, geralmente cursando e da extensão da estenose,
com uma história de perda progressiva da ca- para o cálculo da percenta-
pacidade ventilatória. Contudo, é importante gem de comprometimento
que se faça o diagnóstico etiológico correto, para ressecção cirúrgica.
pois o tratamento específico estará na depen- Atualmente, raros são
dência do fator causal e a conduta imediata os serviços que possuem o
deve ser a atenção na manutenção da via aé- aparelho para realização da Fig. 2: Planigrafia traqueal
rea pérvia. planigrafia linear, tendo sido mostrando traqueia sem estenose.

57
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

Fig. 3: Tomografia
computadorizada de
paciente com estenose:
luz estenótica (A)
e traqueia com luz
normal (B).

A B

Fig. 4: Tomografia
computadorizada
com reconstrução
coronal 3D,
de paciente
com estenose
traqueal (A).
Corte tomográfico
transversal da área
estenótica (B). Corte
transversal da área B C
traqueal normal (C).

Fig. 5: Tomografia
computadorizada
de paciente com
estenose: corte
transversal com luz
estenótica de 6mm
(A) e corte sagital
(B) mostrando a área
CIRURGIA TORÁCICA

comprometida.

A B

substituído, na maioria dos centros, pela tomo- coronais, sagitais, frontais e laterais. A coluna
grafia computadorizada (fig. 3) helicoidal com aérea é bem evidenciada, possibilitando deli-
reconstrução coronal (fig. 4) e sagital (fig. 5). mitar adequadamente a área estenótica, no
Apesar de possibilitar a avaliação da estenose entanto, seu custo e a demora na aquisição das
e sua localização, a tomografia geralmente su- imagens, fazem com que ela seja menos utiliza-
perestima a gravidade da lesão. da que a tomografia.
A ressonância magnética é comparável à O melhor método diagnóstico que também
tomografia computadorizada helicoidal, po- pode ser terapêutico, dependendo do momen-
dendo adquirir imagens em cortes transversais, to do exame e da estenose, é a endoscopia

58
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

respiratória. A traqueobroncoscopia permi- para manutenção da via aérea. Tal procedi-


te avaliar a localização, natureza, extensão, mento pode ser repetido como forma de pa-
gravidade e o grau de estenose. E apesar das liação, com a frequência necessária, de acordo
tentativas de sua substituição pela endoscopia com o reaparecimento dos sintomas iniciais e
virtual, é o único exame dinâmico que permite até a maturidade que permita a realização da
a identificação de eventual malácea e a análise cirurgia definitiva. A utilização de substâncias
da maturidade da lesão. tópicas que minimizem a inflamação (corticoi-
Estenoses agudas ou imaturas apresentam de) ou a proliferação fibroblástica (Mitomicina)
sinais inflamatórios claros, como edema, hipe- são utilizadas, principalmente, quando se tra-
remia, sangramento ao toque, ulcerações e car- tam de estenoses complexas laringo-traqueais,
tilagem exposta (fig. 6), enquanto as crônicas mas não há consenso na literatura quanto a
ou maduras são compostas por fibrose resis- sua eficácia.
Fig. 6: Aspecto
tente coberta por mucosa neoformada (fig. 7). A colocação de órteses traqueais está indi- endoscópico de
cada em casos distintos e específicos. As metá- estenose traqueal
licas autoexpansíveis estão indicadas somente não madura, ainda
Tratamento nos casos de estenose secundária à neoplasia, com processo
inflamatório.
por obstrução
Em meados do século passado, a esteno- intrínseca ou
se traqueal foi controlada exclusivamente com compressão ex-
dilatações, possibilitando muitas vezes o des- trínseca da luz,
mame dos tubos traqueais, sendo eles cânu- estando proscri-
las de intubação ou de traqueostomia; mas a ta em pacientes
evolução das técnicas cirúrgicas permitiu que com etiologia
a ressecção traqueal tomasse seu lugar, sendo benigna. Elas
até recentemente, a única forma de tratamen- permitem a ma-
to definitivo. No entanto, ainda hoje, o trata- nutenção da luz
mento da estenose traqueal não passível de traqueal por um
ressecção cirúrgica continua sendo um desafio período de tem-
terapêutico, por isso novas técnicas de trata- po determina-
mento endoscópico vem sendo propostas, com do, até que haja
bons resultados.
Atualmente, existem várias formas de tra-
tamento endoscópico das estenoses traqueais,
que vão desde as dilatações simples com velas
ou olivas, até aquelas com bisturi elétrico ou
laser, com ou sem o uso de substâncias tópicas CIRURGIA TORÁCICA
como o corticoide e a mitomicina, associados
ou não à colocação de órteses como as metáli-
cas autoexpansíveis, que podem ser recobertas
ou os tubos de silicone. A conduta é específica
em cada caso, dependendo da etiologia da es-
tenose, da sua extensão e do prognóstico do
paciente.
Consensualmente, é preconizada a realiza-
ção de dilatação da estenose já no momento
do diagnóstico endoscópico, no caso de etio-
logia pós-traumática, quando a mesma não se Fig. 7: Aspecto endoscópico de estenose traqueal
encontra madura para realização da cirurgia, madura, com anel fibrótico.

59
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

obstrução novamente e, nesses casos, pode ser Assim, a realização de procedimentos en-
necessária a ressecção endoscópica da neopla- doscópicos pode servir como uma ponte para
sia com bisturi elétrico ou laser, até mesmo an- o tratamento cirúrgico, mas o mais importante,
tes da colocação da órtese. pode constituir um tratamento definitivo para
A desvantagem desse tipo de dispositivo muitos pacientes, incluindo os que são candi-
é, principalmente, o fato de manter a esteno- datos à cirurgia, com taxas de sucesso varian-
se e permitir o crescimento do tumor através do de 32 a 66%.
do mesmo, além de dificultar a eliminação de Quanto ao tratamento cirúrgico, pode ser
secreções e poder migrar. Já no caso das órte- realizado desde a simples traqueostomia tem-
ses de silicone, mais conhecidas como Tubo T porária, até a definitiva e mais acertadamen-
de Montgomery, têm sua indicação na maioria te, a traqueoplastia ou a laringotraqueoplastia
das estenoses que não tenham indicação cirúr- término-terminal.
gica inicial, servindo como molde traqueal até A traqueostomia na urgência, como ma-
que o processo inflamatório regrida e permita neira de manutenção de via aérea, deve ser
a abordagem definitiva ou cronicamente, nos evitada antes da realização de exames que
casos em que não haja indicação cirúrgica permitam avaliar a localização da estenose,
definitiva. pois nos casos de localização cervical baixa ou
O tratamento das estenoses com auxílio de torácica, a cânula de traqueostomia estará aci-
órteses de silicone está geralmente associado à ma da obstrução, não permitindo a ventilação.
dilatação e ao uso de substâncias tópicas e em Quando realizada eletivamente tem a principal
longo prazo tem resultado satisfatório no tra- função de permitir a passagem de órteses tra-
tamento daquelas que não estejam associadas queais de silicone, nos casos onde a dilatação
à malácea. Possuem a vantagem de permitir a exclusiva não teve o efeito desejado em longo
manutenção da capacidade funcional normal, prazo. A traqueostomia definitiva é reservada
não migrar e ser constituídas por material ma- para situações de paliação, quando há neopla-
cio, que promove conforto ao paciente, com sias traqueais que não permitam a ressecção e
mínima chance de formação de granulomas. A reconstrução da via aérea.
principal contraindicação relativa à sua coloca- A ressecção com reconstrução término-ter-
ção é a presença de secreção pulmonar muito minal (laringotraqueoplastia e traqueoplastia)
espessa que possa ocluir o tubo, obstruindo a (fig. 8) é o principal tratamento definitivo para
via aérea. estenoses, tanto benignas, quanto malignas,
mas sua realização estará na dependência da
Fig. 8: Aspecto ressecabilidade da lesão, localização e extensão
final da anastomose
da mesma. Lesões irressecáveis serão aquelas
traqueal término-
terminal. tumorais, quando a neoplasia primária invade a
CIRURGIA TORÁCICA

Note que os pontos traqueia e não é ressecável, ou quando a lesão


mais grossos são primária é traqueal, mas se encontra compro-
pontos externos de
metendo mais de 60% da extensão do órgão e
segurança.
quando há lesões complexas, com mais de um
local de estenose, em localizações diferentes,
principalmente quando associadas às laríngeas.
No caso da localização, lesões dos dois ter-
ços proximais da traqueia devem ser aborda-
das por via cervical, através de cervicotomia
em colar, já aquelas do terço distal, deverão
ser abordadas através de cervicotomia asso-
ciada à esternotomia parcial ou total. Quanto
à extensão, a maioria das estenoses permite

60
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

realização de ressecção, já que até 60% da tra- de. O transplante de traqueia(15), apesar de ser
queia pode ser retirada com possibilidade de um método ainda experimental, já foi descrito
reconstrução primária. em seres humanos e a implantação de células
A evolução das técnicas cirúrgicas e de tronco no local da estenose também vem sen-
manipulação de células tronco hoje permite do experimentada, mas ainda há muito a se
que outras terapêuticas possam ser utilizadas estudar antes que possa ser possível o trata-
no tratamento das estenoses traqueais que mento definitivo de qualquer tipo de estenose
não obedecem aos critérios de ressecabilida- das vias aéreas.

Referências
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61
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

CORPO ESTRANHO EM ÁRVORE TRAQUEOBRÔNQUICA


Antônio José Maria Cataneo1
Daniele Cristina Cataneo2

1
Professor Titular
Chefe da disciplina
Introdução (18%), existindo somente 2% de pacientes as-
sintomáticos. O achado radiológico foi normal
de Cirurgia Torácica
do Departamento de
Cirurgia e Ortopedia da
Faculdade de Medicina
A aspiração de corpo estranho (CE)
para a árvore traqueobrônqui-
ca, além de agudamente ser grave pelo risco
em 21% (fig. 1), e o CE radiopaco foi encon-
trado em 20% das vezes (fig. 2). A alteração
radiológica mais comum foi a atelectasia em
de Botucatu UNESP de levar à morte por asfixia(1), pode também 44% (fig. 3) e a hiperinsuflação (fig. 4) ocorreu
2
Professora Doutora cronicamente levar a lesões pulmonares irre- em 15% dos casos. A localização mais comum
Assistente da disciplina versíveis. Muitas crianças com CE na árvore foi à direita em 57% dos casos, à esquerda em
de Cirurgia Torácica brônquica ainda são tratadas como asmáti- 29% e na traqueia em 14%. Os CE mais co-
do Departamento de cas(2,3) e outras, por apresentarem radiografia muns foram as sementes em 42% dos casos,
Cirurgia e Ortopedia da
Faculdade de Medicina de tórax normal o diagnóstico de CE fica co- tendo como principal o amendoim, seguido
de Botucatu UNESP locado em segundo plano(2,4). E o pior é que do milho e feijão. Peças de canetas, ossos de
muitas histórias de “engasgo” são negligencia- frango, pregos, parafusos e similares tiveram
das no primeiro atendimento médico. O papel também incidência alta. Corpos Estranhos
do cirurgião frente a um corpo estranho na ár- curiosos foram um inseto (besouro) (fig. 5), um
vore traqueobrônquica pode ser tanto na fase parasita (mamomonogamus laringeus) e um
aguda, quando o CE não tem condições de ser projétil de arma de fogo (fig. 6) em uma crian-
retirado endoscopicamente, necessitando de ça de 7 meses e dois adultos, respectivamente.
uma broncotomia ou traqueosto-
mia, como também na fase crôni-
ca, onde já ocorreu destruição de
parte do pulmão e este necessita
ser extirpado mesmo que o CE já
tenha sido eliminado.

Incidência
CIRURGIA TORÁCICA

Em nossa casuística(5) 50% dos


CE ocorreram antes dos 4 anos
de idade, coincidindo com a lite-
ratura, e 70% ocorreram até os 8
anos. Mas ainda temos um número
grande em adultos, ficando aproxi-
madamente em 16%. O sexo mas-
culino predomina sobre o feminino
como na maioria das casuísticas, e
os achados clínicos iniciais mais co-
Fig. 1: Radiografia normal em paciente que
muns foram tosse (70%), engasgo (59%), disp- apresentava tampa de caneta em brônquio
neia (31%), cianose (26%) e respiração ruidosa principal direito.

62
C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Fig. 2: Percevejo de metal


em brônquio principal
esquerdo. Notar corpo
estranho radiopaco,
redução volumétrica de
lobo inferior esquerdo +
broncograma aéreo.

Fig. 3: Tampa de
caneta em brônquio
principal esquerdo.
Notar atelectasia de
pulmão esquerdo
(A). Grão de milho
na emergência do
brônquio do lobo
superior direito.
Notar atelectasia
deste lobo (B).

A B

Fig. 4: Milho de pipoca


em brônquio principal
esquerdo. Notar
hiperinsuflação de
pulmão esquerdo (A).
Grão de feijão na carina.
Notar hiperinsuflação de
ambos os pulmões (B).

A B CIRURGIA TORÁCICA

Fig. 5: Criança com


hiperinsuflação pulmonar direita
à radiografia, que à broncoscopia
havia aspirado um besouro.

63
F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

Fig. 6: Paciente
adulto vítima de
ferimento por
projétil de arma de
fogo na traqueia
alta. Radiografia
de tórax mostra o
projétil alojado no
hilo direito (A). A
tomografia mostra
que o projétil (B)
estava dentro do
brônquio direito e
ao lado o detalhe do
corpo estranho que A B
foi aspirado após
perfurar a traqueia.

O tempo de permanência do CE na árvore gasgo”. Engasgo seguido de tosse persistente


brônquica variou de horas até anos, e as com- deve ser encarado sempre como CE aspirado.
plicações ocorreram com maior frequência Ao exame físico pode ocorrer diminuição
naqueles que tiveram o CE por maior tempo dos sons respiratórios do lado afetado, retra-
na árvore brônquica, sendo que naqueles que ções pela atelectasia ou hiperdistensão nos
permaneceram até 2 dias não ocorreram com- enfisemas obstrutivos, ou até ser um exame
plicações (75 casos); de 2 a 4 dias (16 casos) sem alterações. Estas manifestações vão de-
houve dois casos de pneumonia; de 4 a 30 pender do tamanho, composição e localização
dias (33 casos) 13 pneumonias; e aqueles que do CE, do grau de bloqueio e da duração da
permaneceram meses ou anos (26 casos) na obstrução. O CE pode mudar de lugar com a
árvore brônquica, todos, menos um, tiveram tosse, inclusive durante o exame físico. É im-
pneumonia, 6 casos tiveram parte do pulmão portante observar se a história não começou
destruído e em 2 houve hemoptise. quando a criança estava comendo, ou brin-
cando, chorando ou quando se assustou com
algo na boca. Não confundir com asma atípi-
Diagnóstico ca, nesse caso a administração de antibióticos
e corticosteroides pode melhorar os sintomas
O primeiro passo para que não se deixe temporariamente, mas a recorrência da sin-
um caso sem diagnóstico é acreditar que a pa- tomatologia após retirada dos medicamentos
tologia existe e não é rara. Nunca levar ao “pé deve ser um indício para se pensar em CE. Já
da letra” o que é dito pelos pais, pois a mãe existem casos descritos em que o asmático ao
CIRURGIA TORÁCICA

sempre diz “engoliu”, raramente “aspirou”. A pegar o dispositivo inalatório sem a tampa de
presença de CE deve ser suspeitada sempre proteção aspira peças pequenas, que estavam
em pneumonias de repetição ou de difícil re- dentro dela(7). Neste caso teríamos um indiví-
solução. A tríade clássica (respiração ruidosa duo comprovadamente asmático com CE na
+ tosse + diminuição dos sons respiratórios árvore brônquica, mascarando mais ainda o
unilateralmente) ocorre em 40% dos casos(6), diagnóstico de CE (fig. 7).
e em nossa casuística ocorreu em menos de A radiografia de tórax é exame obrigatório
20%, embora 75% dos pacientes tenham um na suspeita de CE. Vane et al(8) relatam 97% de
ou mais deles. A história é o mais importan- acurácia com a radiografia para diagnóstico de
te para se conseguir diagnosticar um CE. Em CE, mas isto só foi conseguido por eles, e con-
nossa casuística 25% foram negligenciados testado pelos que comentaram o seu trabalho,
pelo primeiro médico mesmo com histórica pois a radiografia pode ser normal em 25% dos
típica dos sintomas terem se iniciado após “en- casos. A sensibilidade e especificidade do exa-

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Fig. 7: Paciente adulto que


há 15 anos tinha história
de engasgo ao comer frango
e depois disso começou
a apresentar dispneia,
sendo tratado como DPOC.
A tomografia mostrava
infiltrado pulmonar em lobo
superior esquerdo (A) e na
janela de mediastino era
possível notar um corpo
estranho radiopaco em
A B brônquio esquerdo (B). Foi
submetido à broncoscopia e
C retirada vértebra de frango (C)
e após o paciente não referiu
mais dispneia.

Fig. 8: Criança
neuropata com
traqueostoma que se
partiu e foi aspirado
para o brônquio
esquerdo, mantendo
pérvia a árvore
me radiológico de tórax varia de 68 a 73% e brônquica. Veja o
45 a 67%, respectivamente(9,10). A incidência de detalhe da posição
CE radiopaco oscila entre 10 a 25% dos casos na radiografia.
(fig. 8 e 9). Pode-se encontrar atelectasia, seg-
mentar, lobar ou de todo o pulmão, bem como
hiperinsuflação. Portanto, a radiografia nunca
pode excluir a presença do CE, e temos que
continuar pesquisando se a história ou exame
físico são sugestivos. Quando a radiografia fei-
ta em inspiração for normal pode-se fazê-la em
expiração e, neste caso, se houver mecanismo
valvular, teremos hiperinsuflação localizada.
O diagnóstico definitivo, desde que o CE
seja radiotransparente, só vai ser confirmado
após broncoscopia, pois tanto a radiografia CIRURGIA TORÁCICA
quanto a clínica são comuns a diferentes pa-
tologias. Wood & Gauderer(11) indicam bron-
cofibroscopia quando os indícios do CE são
pequenos, e broncoscopia rígida quando são
evidentes. Com este raciocínio em nossa ca-
suística não existiria espaço para a bronco-
fibroscopia, pois temos pouquíssimos casos
onde não existia CE (6%). Este dado não é A B
nada desejável, pois é melhor que tenhamos
broncoscopias negativas do que deixar o CE
Fig. 9: Paciente adulto com traqueostoma definitivo após
sem diagnóstico. Se a clínica é comum a várias laringectomia total que aspirou uma pinça. Detalhe à
patologias respiratórias, então provavelmente radiografia (A), o CE (B) encontrava-se no brônquio direito.

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F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

estamos deixando muitos casos sem diagnos- que possível. Com o aprofundamento do plano
ticar, pois a maioria dos autores referem um anestésico pode ocorrer depressão respiratória
percentual alto de casos negativos (81% para e a criança é ventilada manualmente. Durante
Wood e Gauderer)(11). A nosso ver, o maior a manipulação do CE a saturação de O2 pode
avanço para o diagnóstico do CE foi a video- cair, neste caso, retira-se a pinça, oclui-se a en-
endoscopia, a qual facilitou muito o encontro trada do broncoscópio e a criança é ventilada
de CE que eram de visualização difícil. até que novamente a saturação de O2 se eleve,
quando a pinça é colocada novamente. Como
o broncoscópio tem orifícios laterais, mesmo
Tratamento sem tirá-lo da intubação seletiva a saturação
de O2 já pode subir, senão, traciona-se a ponta
O tratamento consiste na retirada do CE, do broncoscópio até a traqueia.
que é realizado no momento da broncoscopia Para aqueles que não utilizam o vídeo e
diagnóstica, que se torna também terapêutica. aplicam anestesia inalatória, para se protege-
Alguns autores preferem realizar a broncofi- rem da inalação do anestésico podem utilizar
broscopia diagnóstica e, se positiva, realizar um respirador de mergulhador acoplado a uma
a broncoscopia rígida terapêutica, e poucos válvula bidirecional, onde o endoscopista inala
realizam a broncofibroscopia diagnóstica e ar puro da parte superior da sala e exala para
terapêutica(12). Nós preferimos a broncoscopia baixo onde está o gás anestésico, que é mais
rígida em crianças e a flexível nos adultos. É pesado que o ar. Utilizamos este equipamento
considerada urgência terapêutica quando já por muitos anos antes de termos o video. No
existe obstrução com insuficiência respiratória adulto fazemos somente sedação, atropina e
ou obstrução iminente pelas características do anestesia tópica com lidocaína, para realizar o
CE, como um grão de feijão na carina, que procedimento endoscópico flexível.
pelo fenômeno da turgescência aumenta seu O CE deve ser retirado preferencialmente
volume e pode causar asfixia (fig. 4B). inteiro, e não ser empurrado para baixo, a me-
Desde que não haja urgência deve-se dar o nos que esta manobra seja para salvar a vida
jejum apropriado para a realização da anestesia do doente, isto é, obstruir um brônquio para
na criança, que no nosso serviço, costuma ser que a ventilação possa ser feita pelo outro.
geral inalatória + endovenosa com propofol, A retirada do CE é realizada comumente
mantendo-a em respiração espontânea sempre com o auxílio de pinças de corpo estranho,

Fig. 10: Pedra em


brônquio principal
esquerdo (seta)
CIRURGIA TORÁCICA

(A). Conjunto
broncoscópio +
“dormia” com a
pedra presa (B).
Detalhe do “basket”
extrator + pedra (C).

A B C

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

mas temos usado também o “basket” extrator, mais) pode ser difícil sua retirada, neste caso
mesmo em broncoscopia rígida, pois já haví- pode ser instituído corticoide e broncodilata-
amos utilizado o catéter de “Dormia” (extra- dor e se realizar drenagem postural e tapota-
tor de cálculo ureteral) que é semelhante ao gem, para tentar sua eliminação espontânea.
“basket” há 30 anos, para retirar uma pedra Moreno et al(14) referem 7,2% de eliminação
da árvore brônquica de uma criança (fig. 10). espontânea. Deve-se tomar o cuidado de não
A vantagem de usar o “basket” extrator é que generalizar esta conduta, pois Burrington e
pode sair mais de um fragmento de uma só vez, Cotton(15) preconizavam inalação de bronco-
útil no caso de amendoim, onde a presença de dilatador associado à drenagem postural e
mais de um fragmento aspirado é comum. tapotagem por 4 dias antes de indicar a bron-
Koloski(13) também indica o uso do catéter coscopia, mas quando Law e Koloski(16) usa-
de Fogarty, que não é o ideal, pois ao passar ram esta técnica tiveram sucesso somente em
pela carina o CE pode migrar para o outro 25% comparado com 89% quando realizavam
lado. O CE deve ser retirado com cuidado, a broncoscopia imediata, e referiram um caso
principalmente os pontiagudos, para que não de parada cardiorrespiratória secundária à mi-
haja lesão da mucosa. A delicadeza com que gração do CE do brônquio para a traqueia no
se pega e traciona o CE é importante, não só momento da drenagem postural. Abandona-
para não lesar a mucosa, como para não per- ram esta técnica pelo risco de asfixia, portanto,
der o CE e, na maioria das vezes, a remoção só se deve tentar a eliminação espontânea em
é feita em bloco (CE + broncoscópio), porque CE pequenos que estão na periferia.
geralmente o CE tem diâmetro maior que a Existem corpos estranhos bastante fáceis
luz do broncoscópio, e alguns são tão grandes de extrair, como o grão de café maduro úmido,
a ponto de existir dificuldade de passar pela que é uma semente firme e não se quebra ao
constrição cricoideana; sendo que alguns auto- ser apreendida. Já o feijão e o amendoim são
res indicam traqueostomia para a sua retirada. frágeis e, se não houver cuidado e paciência,
Nunca necessitamos dela e achamos que des- estes se fragmentam com facilidade. Também
de que o CE entrou pelo anel cricoideano, ele o feijão e o milho, pelo fenômeno da turges-
deve também sair, e se existe dificuldade com cência, aumentam seu volume, podendo ficar
pinça de corpo estranho ele poderá sair com o com o diâmetro maior que o do brônquio, cuja
“basket” extrator que tem “pega” mais estável. mucosa se torna edemaciada, dificultando des-
O edema de glote pode ocorrer em crian- ta forma sua retirada.
ças após a manipulação e, neste caso, utiliza- As tampas de caneta geralmente são aspi-
mos corticoides por 48 horas. Desde que exista radas com a boca para cima, o que facilita sua
secreção purulenta, ou sinais clínicos de infec- apreensão, mas se tiver a boca para baixo é
ção, ou quando o CE ficou muito tempo na necessário pegá-la em todo seu diâmetro com
árvore brônquica, instituem-se também antibi- a pinça de 2 dentes ou, se não for possível, CIRURGIA TORÁCICA
óticos. Brown e Clark(3) indicam também vaso- pode se usar o “basket” extrator. Pedras geral-
constritor tópico na presença de CE irritante da mente são extraídas também com o “basket”.
mucosa, quando o mesmo permaneceu vários Metais como pregos e alfinetes podem ser reti-
dias na árvore brônquica. rados com pinça ou com catéter acoplado com
Após a retirada do CE é importante a re- um imã. Existe maior dificuldade de se retirar
visão de toda árvore brônquica e lavagem da um corpo estranho quando o mesmo já foi ma-
mesma com soro fisiológico, pois Wood e Gau- nipulado, pois geralmente ele foi empurrado
derer(11) encontraram 26% de CE residual em para baixo ficando impactado. Se a criança es-
pacientes que já tinham sofrido broncoscopia tiver bem, vale a pena entrar com corticoides,
para retirada do CE. Quando existem dúvidas eventualmente broncodilatadores se houver
deve se repetir a broncoscopia dias após. Se o broncoespasmo, e realizar drenagem postural,
CE está na periferia (brônquio de 3a ordem ou efetuando-se a broncoscopia 2 dias após.

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Fig. 11: Prego em


brônquio do lobo
inferior direito na
radiografia em PA
(seta) (A) e perfil
(B), retirado com
ímã (C).

A B C

Na grande maioria dos nossos casos, a reti- dificilmente eles migram para cima, mas du-
rada do CE foi com broncoscópio rígido, sendo rante a manipulação ele pode subir, portanto,
somente 9% retirados com broncoscópio flexí- o melhor é abrir o brônquio transversalmente,
vel. Um e meio por cento foram extraídos com acima do CE, e tracioná-lo através da incisão
ímã (fig. 11) e 3% tiveram eliminação espontâ- por meio de uma pinça (fig. 12). Para os CE
nea, 7% necessitaram de cirurgia ou porque já periféricos, que não são vistos à broncoscopia,
tinham parte do pulmão destruído, ou porque não realizamos cirurgia, pois estes CE são ge-
não se conseguiu tirar o CE por meio de bron- ralmente pequenos, e com o uso de corticoste-
coscopia. Em somente 2,7% dos casos não se roides e drenagem postural, eles costumam ser
conseguiu retirar o CE e houve necessidade de eliminados espontaneamente.
broncotomia. No caso de destruição pulmonar a lobecto-
Nesse caso, após a toracotomia, o brôn- mia ou segmentectomia é realizada da manei-
quio deve ser clampeado levemente, proximal ra tradicional. É importante que se examine a
ao CE, para que com a manipulação não haja árvore brônquica remanescente após a lobecto-
migração para o outro lado. A abertura brôn- mia, pois retiramos vários fragmentos de den-
quica deve ser transversa o mais próximo pos- tadura do coto brônquico de um paciente que
sível do CE, e após sua extração o brônquio havia sofrido lobectomia inferior esquerda por
é fechado com alguns pontos simples. Para a bronquiectasia há 3 anos em outro serviço (fig.
realização da broncotomia devemos, primei- 13). Na realidade, ele havia sofrido acidente au-
ramente, saber a localização do CE, para que tomobilístico há 6 anos, onde perdeu sua den-
seja feito o planejamento cirúrgico adequado. tadura. Quatro fragmentos da mesma estavam
O cuidado para que o CE não migre para o no coto brônquico e, apesar de serem grandes
CIRURGIA TORÁCICA

outro lado deve ser extremo. Geralmente, os (3 cm de comprimento), não foram vistos pelo
Corpos Estranhos que necessitam de bronco- cirurgião, certamente porque o mesmo não exa-
tomia estão encravados no brônquio, então minou a árvore brônquica remanescente.
Fig. 12: Radiografia
de criança que
aspirou um
parafuso visto no
brônquio do lobo
inferior esquerdo ao
PA (A) e perfil
(B), não passível
de retirada sem a
broncotomia (C).
A B C

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

Fig. 13: Fragmentos de dentadura


retirados do coto do brônquio do lobo
inferior esquerdo remanescentes de
lobectomia realizada 3 anos antes, em
outro serviço.

A broncoscopia flexível é utilizada frequen- Tivemos 2% de barotrauma, com enfisema


temente no adulto, mas na criança, pelo fato em mediastino e pescoço, que regrediram fa-
da via aérea ser estreita, podendo ser facilmen- cilmente. Aytacç et al(2) referem 0,6% em 500
te ocluída, e por não haver controle da ventila- casos. Em 2 pacientes adultos foi observado
ção, prefere-se realizar a broncoscopia rígida. escarro hemóptico e a endoscopia foi realiza- Fig. 14: Atelectasia
No entanto, Wood e Gauderer(11) relatam mais da com a hipótese de neoplasia pulmonar. As de lobo inferior e
de 1000 broncofibroscopias em crianças, com complicações crônicas graves são a bronquiec- médio (A), devido a
baixa incidência de complicações, sendo mui- tasia e abscesso pulmonar, que ocorreu em al- CE que permaneceu
2 anos no brônquio
tas delas realizadas ambulatorialmente. O guns pacientes que tiveram CE por meses ou intermédio
tempo dispendido para o nosso procedimento anos na árvore brônquica (fig. 14). Metade de- (broncografia) (B),
endoscópico variou de 10 a 90 minutos. les tinham história típica de aspiração de CE, levando à destruição
que foi negligenciada pelo médico. bilobar (C), com
necessidade de
ressecção. CE (D).
Complicações
A complicação mais temida é a morte por
asfixia, que ocorre porque o corpo estranho
oclui a glote, laringe ou traqueia imediatamen-
te, ou mais tardiamente pelo edema, secreção
e turgescência de sementes secas que se in-
tumescem. Vegetais, sal, óleo e condimentos
contidos no material aspirado também podem
irritar e edemaciar a mucosa brônquica. Se a CIRURGIA TORÁCICA
oclusão ocorre somente em parte da árvore
A B
brônquica a permanência deste CE irá levar à
atelectasia e posteriormente pneumonia. Wise-
man et al(6) relatam que, quando o diagnóstico
foi feito precocemente, encontraram alçapona-
mento de ar na metade dos casos, e atelectasia
ou consolidação em um sexto deles, mas no
diagnóstico tardio quase metade já tinha ate-
lectasia ou consolidação. Em nossa casuística
tivemos 27% de pneumonias das quais 25%
eram em pacientes que tiveram o CE na árvore C D
brônquica por mais de 10 dias.

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F a c u l d a d e d e M e d i c i n a d e B o t u c a t u —UNESP—

Conclusões A prevenção em crianças deve basear-se


principalmente em dificultar o acesso às se-
Das manifestações iniciais a que mais faci- mentes secas, pregos, parafusos e alimentos
litou o diagnóstico foi o engasgo, por ser mais com ossos. Os órgãos governamentais deve-
específico que a tosse, mas só foi referido em riam se preocupar mais com peças pequenas
menos de 60% dos casos, em muitos deles ne- não só em brinquedos, mas principalmente nas
gligenciado pelo próprio médico. A história é canetas.
mais importante que o exame físico e a radio- As piores complicações ocorrem pela au-
grafia para a suspeição do CE, a não ser que sência do diagnóstico, permanecendo o CE
ele seja radiopaco. por muito tempo na árvore brônquica.
Os CE não apareceram em 80% das radio- Nem todos os casos se resolvem com bron-
grafias e 21% delas eram normais. coscopia, alguns necessitam de cirurgia.

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C o n d u t a s e m U r g ê n c i a s e E m e r g ê n c i a s

HEMOPTISE MACIÇA
Frederico Henrique Sobral de Oliveira1
Daniele Cristina Cataneo2
Antônio José Maria Cataneo3

Introdução paciente com má função pulmonar. Portanto, 1


Médico Contratado do
Hospital das Clínicas da
independente do volume, a HM deve ser con-
Faculdade de Medicina

H emoptise significa eliminação de


sangue pela tosse, proveniente das
vias aéreas inferiores (VAI), que vai da laringe
siderada como aquela suficiente para provocar
a asfixia, podendo levar à morte do paciente
devido à obstrução da via aérea, mais que a
de Botucatu, UNESP

2
Professora Doutora
até os pulmões. A eliminação de escarro com exsanguinação e hipotensão. Assistente da disciplina
de Cirurgia Torácica
estrias de sangue é chamada de escarro he- O único tratamento imediato para salvar do Departamento de
móptico. A hemoptise maciça (HM) é conside- a vida do paciente seria a manutenção da Cirurgia e Ortopedia da
rada um sinal e sintoma clínico que coloca em permeabilidade da via aérea do pulmão não Faculdade de Medicina
risco a vida do paciente. Sua definição pela sangrante pelo tamponamento do sangrante e, de Botucatu, UNESP
quantidade de sangue eliminada nas 24 horas a seguir, com as condições ventilatórias mais 3
Professor Titular
não tem sido satisfatória, por isso na literatura adequadas, poderão ser tomadas as medidas Chefe da disciplina
são encontrados valores diversos desde 100ml para contenção do sangramento. A mortali- de Cirurgia Torácica
até 1000ml. dade na HM pode variar de 7% a 50% (Jou- do Departamento de
Cirurgia e Ortopedia da
Mesmo os valores mais comumente encon- gon et al, 2002)(1), dependendo da sequência Faculdade de Medicina
trados, que vão de 400 a 600ml, não levam de casos relatados, e se realizado tratamento de Botucatu, UNESP
em consideração o tamanho do indivíduo. conservador exclusivo pode aumentar para
Sabe-se que a árvore traqueobrônquica tem 50% a 85% ainda na primeira hora (Poianly
um volume aproximado em mililitros que é 2,2 et al, 2007)(2). Felizmente, a HM não é muito
vezes o peso corpóreo. Portanto, uma pessoa frequente, mas sua incidência é difícil de ser
com 100kg teria sua árvore traqueobrônquica quantificada devido à heterogeneidade das di-
inundada com 220ml, enquanto que um indi- versas séries.
víduo menor, com 50kg, necessitaria da meta- A causa mais comum de HM em nosso
de desse volume. meio é a tuberculose, tanto ativa quanto se-
Por outro lado, se o sangramento for con- quelar (fig. 1, 2 e 3). O Instituto de Tisiologia
tínuo, 600ml em 24 horas representam 1ml a e Pneumologia da UFRJ, hoje denominado
cada 2,4 minutos, que pode ser eliminado com Instituto de Doenças do Tórax, localizado no
a tosse sem perigo algum para o paciente, mas estado brasileiro onde a incidência da tuber- CIRURGIA TORÁCICA
um sangramento agudo, de 150ml, que ocorra culose é a maior do país, tem uma das maio-
de uma só vez e pare em seguida, pode asfi- res casuísticas, com mais de 500 casos de HM
xiar o indivíduo. Por isso, alguns autores pre- tratados de 1978 a 1998, onde 85,5% foram
ferem definir HM como aquela em que a perda devidos à tuberculose (Guimarães, 2005)(3).
é de 150 a 200ml de sangue de uma só vez.
Apesar de mais lógica, essa definição tam-
bém é muito relativa, pois a perda de 100ml Etiologia
ou menos de uma só vez por um indivíduo
pequeno, já com insuficiência respiratória ou Diversas doenças podem causar a HM,
inconsciente, pode ser muito pior, levando al- contudo, as mais comuns são as infecciosas (tu-
guns autores a classificar a HM também como berculose, bronquiectasia e abscesso pulmonar)
qualitativa, que seria qualquer hemoptise em e inflamatórias (vasculites) juntamente com as

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F a c u l d a d e d e M e