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Parte I
Como em todos os outros campos, a posição que um indivíduo ocupa dentro do campo da
produção cultural depende tanto do seu hábito de classe, como do grau de capital que
possui. O campo cultural está, assim, dentro do campo do poder, mas conquistando cada
vez mais a sua autonomia. Neste sentido, existem dois princípios de hierarquia no campo
de produção cultural – o da autonomia, independente da esfera económica, e o da
heteronomia, que reflete a influência do campo de poder. É neste sentido que Bourdieu
defende que no campo da produção cultural existem dois subcampos opostos:
Reforço ainda que considero que a teoria de Bourdieu fornece contributos relevantes para
o campo da cultura e para a reflexão da sociedade, embora considere que o
aprofundamento da perspetiva do consumo é indissociável desta temática, principalmente
no mundo em que vivemos atualmente, em que as tecnologias permitem que todos os
indivíduos produzam e partilhem informação com uma infindável quantidade de pessoas.
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Parte II
Foi a partir de 2000, como referido na citação, que o governo e outras entidades indianas
começaram a encarar a indústria cinematográfica como uma forma de obter lucro e poder
e, por isso, incentivaram os cineastas (produtores) a produzirem cada vez mais, como
forma de promoverem o designado “soft power”. O “soft power” é um conceito definido
por Nye (2002), que está relacionado com a capacidade que um organismo político, como
o Estado, tem para influenciar indiretamente o comportamento dos demais atores das
relações internacionais através de meios culturais/ideológicos, isto é, a capacidade de
persuadir os outros e de os levar a cooperar no sentido dos nossos objetivos, sem a
aplicação da força (“hard power”). Para o mesmo autor, este “soft power” está
dependente dos fluxos de informação existentes entre os atores, que, por sua vez, têm sido
intimamente influenciados pelo fenómeno da globalização. Neste sentido, Nye aponta a
cultura e os media como fontes de obtenção de “soft power”. De acordo com o autor, os
media assumem cada vez mais um papel central na obtenção de poder por parte dos
Estados, não sendo apenas um veículo de disseminação de informação. Mas estará a
cultura, no sentido lato, subjugada ao imperialismo mediático?
(1) Hegemonia dos Média ocidentais: relacionada com a possessão e controlo dos media
no mundo, isto é, a forma como os media são produzidos e distribuídos, de acordo com
determinadas organizações multinacionais dominantes, fruto do seu poder económico e
político. O autor cita Schiller, referindo que o domínio do sistema capitalista moderno
interfere nos media e na sua utilização para manipulação.
(2) Efeitos dos Média ocidentais: considera a dimensão cultural dos media. O autor
atenta no efeito dos produtos mediáticos nos consumidores, isto é, a implicação deste
domínio ocidental do mercado na receção dos bens culturais nos consumidores. Com base
em vários estudos acerca deste efeito, o autor concluiu que as audiências são mais ativas,
complexas e conscientes do que os críticos dos media supunham. Antecedentes teóricos
e estudos anteriores partiam da premissa de que os media estavam no centro dos processos
culturais e que as questões de domínio cultural estão na origem do domínio mediático;
Tomlinson considerou que esta pode ser uma falácia e que os media podem ser nada mais
que indicações de um processo cultural mais profundamente estruturado.
(3) Perspetiva Mediacêntrica: a relação entre os media e a cultura pode ser encarada
como uma interação de mediações, isto é, os media podem constituir o aspeto
representativo dominante da cultura moderna, mas a experiência cultural vivida pelos
indivíduos continua a ser real e inclui a interação discursiva de famílias e amigos e a
experiência material-existencial do quotidiano: comer, trabalhar, sexualidade, (…).
Existe sempre uma componente subjetiva na interpretação das produções mediáticas dos
indivíduos, que depende das suas experiências pessoais, assim como as produções
dependem das experiências e características individuais dos produtores. As nossas vidas
são vividas como representações para nós próprios em termos das representações
presentes na nossa cultura. A cultura pode ser encarada enquanto experiência vivida e
enquanto mediação, numa lógica circular.
No caso das grandes potências e dos países mais desenvolvidos, os avanços tecnológicos
e os crescentes fluxos de informação colocaram os media no centro das atenções no que
refere à transmissão da cultura – falamos em “globalização”. É neste sentido que surge
Thussu (2007): com base na abordagem de Castells, o autor refere que os fluxos dominam
a vida contemporânea, quer sejam fluxos de capital, de informação, de tecnologia, (…).
Thussu (2007) defende que as tecnologias de informação e os avanços tecnológicos
permitiram a distribuição de informação sem restrições ao nível temporal e espacial, isto
é, sem fronteiras. No seguimento desta premissa, o Thussu (2007) considera que existem
dois grandes grupos de fluxos:
(1) Fluxos dominantes: os fluxos dominantes são provenientes do Reino Unido, Japão e
Estado Unidos da América – são eles os principais produtores e distribuidores de
conteúdos e produtos, mas é também com base nas suas culturas e representações que
outros países produzem os seus conteúdos.
(2) Contra-fluxos: consistem na tentativa de romper com os fluxos dominantes, através
da crescente distribuição de produtos e conteúdos por parte de outras geografias. A
Índia e respetiva indústria cinematográfica enquadram-se nesta teoria de Thussu – de
acordo com o autor, a indústria cultural e criativa da Índia está a crescer a uma taxa
anual de 30%, sendo, atualmente, a maior produtora mundial; cada vez mais as
empresas indianas estão a atrair audiências internacionais, nomeadamente,
provenientes dos Estados Unidos da América e do Reino Unido. Bollywood tem sido
igualmente responsável pela criação de uma cultura popular indiana.
Em suma, Thussu considera que, apesar da tendência a favor dos contra-fluxos, os lucros
obtidos com os media não ocidentais representam ainda uma pequena percentagem ao
nível mundial, apontando como exemplos as séries televisivas “Sexo e a Cidade” e
“Friends” – produções americanas que tiveram um impacto brutal mundialmente e cujo
alcance é difícil de igualar. Não obstante, considero que a tendência dos contra-fluxos vai
tornar-se cada vez mais notória no mundo e as barreiras deixarão de existir quase por
completo – à semelhança do que Tomlinson defende relativamente ao pensamento crítico
dos consumidores, e em linha com a teoria de Bourdieu sobre a produção de larga escala,
considero que existe cada vez mais a noção e a compreensão, por parte dos consumidores,
de que existe uma cultura de massas, levada a cabo com um propósito económico – motivo
pelo qual se ouve dizer tantas vezes a expressão de conotação negativa “esse filme/música
é muito comercial/mainstream”. Em Portugal, temos assistido à crescente atração do
público por conteúdos não produzidos por Hollywood, por exemplo, como é o caso da
série “Squid Game”, cujo produtor é sul-coreano. Também as séries provenientes da
América Latina têm sido casos de sucesso e uma oferta cada vez mais recorrente em
plataformas como a Netflix. De ressalvar que, de qualquer modo, estamos condicionados
pela oferta das plataformas de streaming existentes.
Na minha ótica, considero que o aspeto mais relevante a considerar quando se fala dos
media e de cultura, tem que ver com a globalização e com os avanços das tecnologias
digitais, que possibilitaram uma comunicação em rede. O poder que os media tradicionais
exerciam na sociedade é agora diferente, uma vez que a tecnologia fez emergir novas
formas de produção e de transmissão, muitas vezes menos controladas e reguladas. A
aparente ausência de controlo e de manipulação existente nos “novos media” digitais é
ilusória, uma vez que empresas como a Google e o Facebook detêm poder e controlo
suficiente para aniquilar grandes grupos de media, nomeadamente, em Portugal, e para
nos persuadir e manipular de forma camuflada – essas são talvez as instituições que mais
devemos temer no futuro por constituírem uma ameaça ao ecossistema mediático mundial.
A cultura não é estática e o sistema de comunicação em rede pode constituir um
instrumento ideal de dissipação do poder. Ressalvo, por fim, que acredito que os Estados
ou as instituições com maior poder económico terão sempre uma maior capacidade de
atuação a favor (ou contra) da cultura, pois é certo que vivemos numa sociedade
capitalista.