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Take home | Media, Sociedade e Cultura

Docente: Catarina Valdigem


Discente: Cláudia Vieira, Nº 132221011
Novembro de 2021

Parte I

I. Comentário à citação de Bourdieu (1993)

A relação estrutura-agência é a base de compreensão da organização da sociedade em


Bourdieu, na qual a agência diz respeito aos indivíduos (agentes) e as estruturas
correspondem à sociedade, e estes influenciam-se mutuamente. A visão de Bourdieu
sobre a relação estrutura-agência e sobre a produção cultural em particular pressupõe o
entendimento de três elementos-chave, cuja relação entre eles está na origem da ação
social. São eles:

I. “Habitus” – elemento gerador de práticas. Disposições intuitivas dos agentes,


geradas por contextos anteriores do seu passado, isto é, os indivíduos aprendem a
lidar/agir com uma determinada situação de uma certa forma, muitas vezes
influenciada pela classe social em que se inserem ou pela educação, e tomam essa
situação como referência para as ações futuras.
II. Campo – sistema de posições sociais, estruturado por relações de poder e
caracterizado pela luta de domínio entre os agentes, em que operam dominantes e
dominados. As posições que os agentes ocupam no campo são sempre relacionais –
ainda que cada campo seja relativamente autónomo, os campos influenciam-se uns
aos outros. No entanto, para Bourdieu, o campo cultural e o campo económico devem
ser independentes.
III. Capital – capital do agente, não só financeiro, como também cultural (conhecimento
e experiência dos agentes num determinado meio), económico (bens materiais),
simbólico (significado do campo em que o agente está inserido e respetivo
reconhecimento) e social (relações sociais). Os agentes com maior capital tornam-se
dominantes no campo em que esse capital é relevante e, por sua vez, estruturam o
campo.
Para Bourdieu, a relação entre os elementos mencionados expõe a forma como as
experiências subjetivas dos agentes são moldadas pelas estruturas sociais objetivas e vice-
versa. Na sua análise da sociedade, o autor considera relevantes as classes sociais ocupadas
pelos agentes (considerando a tese de Weber) e o “capital” – neste contexto, considerando
o valor simbólico e o valor comercial das mercadorias em Marx, mas não só: Bourdieu
acrescenta a importância de fatores como a educação e a cultura na sociedade, enfatizando
o seu poder simbólico, e critica a transformação da cultura/bens culturais em mercadorias,
com um valor comercial.

Como em todos os outros campos, a posição que um indivíduo ocupa dentro do campo da
produção cultural depende tanto do seu hábito de classe, como do grau de capital que
possui. O campo cultural está, assim, dentro do campo do poder, mas conquistando cada
vez mais a sua autonomia. Neste sentido, existem dois princípios de hierarquia no campo
de produção cultural – o da autonomia, independente da esfera económica, e o da
heteronomia, que reflete a influência do campo de poder. É neste sentido que Bourdieu
defende que no campo da produção cultural existem dois subcampos opostos:

I. Campo de produção restrita – regulado pelo princípio da autonomia, sem


considerar as exigências do campo económico. Aqui, a cultura/bens culturais são
produzidos para um público restrito – outros produtores – e prevalece o poder/capital
simbólico e o reconhecimento de outros agentes do mesmo campo.
II. Campo de produção de larga escala – regulado pelo princípio da heteronomia, que
considera o campo do poder e, assim, a esfera económica. Neste campo de produção,
o objetivo é alcançar o maior público possível e, assim, gerar o maior lucro possível
(cultura de massas). Neste caso, o capital económico prevalece sobre o capital
cultural.

O campo de produção de larga escala espelha a transformação da sociedade na designada


“sociedade de massas”, em que o valor monetário ganha poder e em que a premissa é -
quanto mais pessoas forem alcançadas, maior o lucro obtido e, por esse motivo, a
produção deve ser feita com vista a que o máximo de pessoas queira adquirir determinado
bem, para que, dessa forma, os produtores obtenham o máximo de lucro possível. Deste
modo, a consagração das obras produzidas deixa de ser legitimada por agentes
especializados em determinada área e passa a ser legitimada a partir de vários grupos de
indivíduos ou entidades, muitas vezes de forma homogénea. É neste sentido que se insere
a citação de Pierre Bourdieu – o produtor cultural que outrora se guiava pela simbologia
das suas obras e cuja produção tinha em vista a obtenção de validação por parte de outras
entidades legítimas através do seu reconhecimento da obra, descurando a validação de
pessoas não “qualificadas” ou a transformação da obra em algo “frio” e “distante” como
o valor monetário, passou a produzir bens culturais na ótica do valor comercial, tornando-
se, assim, “não-produtores”, como designado por Bourdieu.

É no subcampo de produção de larga escala em Bourdieu que se enquadra o campo de


produção mediática, mas importa compreender a evolução da sociedade para,
consecutivamente, compreender a evolução dos media e da cultura. A Revolução
Industrial assinalou os avanços tecnológicos da época, caracterizados pela alteração dos
modos de produção, com a descoberta de algumas invenções – novas mercadorias
começaram a ser produzidas e em larga escala, em oposição ao que acontecia até então.
As descobertas decorrentes da Revolução Industrial contribuíram para o desenvolvimento
dos designados “meios de comunicação de massas” e possibilitaram a disseminação de
informação para um grande número de pessoas. Neste sentido, o campo dos media e o
campo da política têm uma relação de interdependência – era através dos meios de
comunicação, nomeadamente com a rádio numa fase inicial e posteriormente com a
imprensa, que os políticos faziam chegar as suas ideologias à população. A massificação
da informação transformou-a num ativo valioso e, consequentemente, numa mercadoria
com valor comercial – os detentores de informação ganharam poder. Surge, assim, a
industrialização da cultura, apoiada no capitalismo: percebeu-se que os bens culturais
poderiam ser semelhantes aos restantes bens, com valor de troca, e iniciou-se a produção
destes em larga escala, não priorizando a componente estética (artística), mas produzindo
bens que conseguissem atingir as várias camadas sociais, sem distinção, visto que era
uma forma de obter maiores lucros – algo que contribuiu para a criação de estereótipos.
Desde então, a cultura passou a ser produzida como uma espécie de imposição,
aniquilando a subjetividade dos indivíduos – exemplo disso são os filmes/séries que
temos à disposição nas plataformas de streaming: ainda que não queiramos ver nenhum
dos que estão disponíveis, não temos opções alternativas, ou seja, somos quase
“obrigados” a consumirmos “todos” os mesmos produtos culturais.

É aqui que surge o conceito de massificação da cultura ou “comercialização da cultura”,


fruto da transformação do campo de produção e dos processos de massificação e
reprodução que têm lugar de forma crescente a partir da alta modernidade - uma cultura
que obedece aos imperativos do mercado.
Ressalvo que a massificação da cultura pode ser interpretada através de duas perspetivas
opostas: uma que defende que a sua massificação é uma forma de democratização, isto é,
uma forma de mais pessoas estarem informadas e de terem acesso a bens que outrora
eram exclusivos de determinados grupos; por outro lado, se os bens são produzidos por
grandes entidades que visam obter lucro, podemos estar perante uma forma de imposição
e de persuasão/manipulação.

Reforço ainda que considero que a teoria de Bourdieu fornece contributos relevantes para
o campo da cultura e para a reflexão da sociedade, embora considere que o
aprofundamento da perspetiva do consumo é indissociável desta temática, principalmente
no mundo em que vivemos atualmente, em que as tecnologias permitem que todos os
indivíduos produzam e partilhem informação com uma infindável quantidade de pessoas.

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Parte II

III. Comentário à citação sobre a Indústria Cinematográfica Indiana

A indústria cinematográfica indiana é atualmente a maior, ao nível mundial, no que refere


à produção, e é popularmente denominada de “Bollywood”, por associação a Hollywood.
Bollywood representa o cinema popular indiano e este tem sido associado à maior fonte
de entretenimento da população indiana, influenciando o imaginário dos indivíduos e
abrindo espaço para que se sintam incluídos e representados. Ao nível económico, o
investimento do governo indiano na indústria possibilitou o crescimento do PIB e o
aumento do poder da Índia, contribuindo para a representação e expansão da sua cultura
pelo resto do mundo.

Foi a partir de 2000, como referido na citação, que o governo e outras entidades indianas
começaram a encarar a indústria cinematográfica como uma forma de obter lucro e poder
e, por isso, incentivaram os cineastas (produtores) a produzirem cada vez mais, como
forma de promoverem o designado “soft power”. O “soft power” é um conceito definido
por Nye (2002), que está relacionado com a capacidade que um organismo político, como
o Estado, tem para influenciar indiretamente o comportamento dos demais atores das
relações internacionais através de meios culturais/ideológicos, isto é, a capacidade de
persuadir os outros e de os levar a cooperar no sentido dos nossos objetivos, sem a
aplicação da força (“hard power”). Para o mesmo autor, este “soft power” está
dependente dos fluxos de informação existentes entre os atores, que, por sua vez, têm sido
intimamente influenciados pelo fenómeno da globalização. Neste sentido, Nye aponta a
cultura e os media como fontes de obtenção de “soft power”. De acordo com o autor, os
media assumem cada vez mais um papel central na obtenção de poder por parte dos
Estados, não sendo apenas um veículo de disseminação de informação. Mas estará a
cultura, no sentido lato, subjugada ao imperialismo mediático?

Tomlinson (1991) abordou a questão do imperialismo cultural sob a perspetiva do


imperialismo mediático. O imperialismo cultural, segundo Tomlinson, corresponde à
supremacia das culturas ocidentais dominantes sobre as demais, com menor poder. No
entanto, para muitos autores, o imperialismo cultural esteve sempre associado ao
“imperialismo mediático”, o qual consiste na capacidade de os media imporem os seus
próprios sistemas de significação sobre outras culturas – havendo poder/influência de
umas culturas sobre outras. Não obstante, na sua teoria sobre imperialismo mediático,
Tomlinson identificou três problemáticas associadas a esta visão, que correspondem a
diferentes níveis de análise:

(1) Hegemonia dos Média ocidentais: relacionada com a possessão e controlo dos media
no mundo, isto é, a forma como os media são produzidos e distribuídos, de acordo com
determinadas organizações multinacionais dominantes, fruto do seu poder económico e
político. O autor cita Schiller, referindo que o domínio do sistema capitalista moderno
interfere nos media e na sua utilização para manipulação.

(2) Efeitos dos Média ocidentais: considera a dimensão cultural dos media. O autor
atenta no efeito dos produtos mediáticos nos consumidores, isto é, a implicação deste
domínio ocidental do mercado na receção dos bens culturais nos consumidores. Com base
em vários estudos acerca deste efeito, o autor concluiu que as audiências são mais ativas,
complexas e conscientes do que os críticos dos media supunham. Antecedentes teóricos
e estudos anteriores partiam da premissa de que os media estavam no centro dos processos
culturais e que as questões de domínio cultural estão na origem do domínio mediático;
Tomlinson considerou que esta pode ser uma falácia e que os media podem ser nada mais
que indicações de um processo cultural mais profundamente estruturado.

(3) Perspetiva Mediacêntrica: a relação entre os media e a cultura pode ser encarada
como uma interação de mediações, isto é, os media podem constituir o aspeto
representativo dominante da cultura moderna, mas a experiência cultural vivida pelos
indivíduos continua a ser real e inclui a interação discursiva de famílias e amigos e a
experiência material-existencial do quotidiano: comer, trabalhar, sexualidade, (…).
Existe sempre uma componente subjetiva na interpretação das produções mediáticas dos
indivíduos, que depende das suas experiências pessoais, assim como as produções
dependem das experiências e características individuais dos produtores. As nossas vidas
são vividas como representações para nós próprios em termos das representações
presentes na nossa cultura. A cultura pode ser encarada enquanto experiência vivida e
enquanto mediação, numa lógica circular.

Em suma, Tomlinson acredita no imperialismo cultural ao nível económico e político das


instituições, mas defende que não devemos colocar os media no centro dos processos
inerentes à cultura, uma vez que os indivíduos têm a capacidade de pensar e analisar
criticamente o que consomem (de ressalvar que o próprio autor reconhece a inexistência
de dados suficientes que comprovem esta conclusão). A relação entre os media e a cultura
é uma relação de mútua influência – há uma mediação constante entre o que nós
consumimos e o que é produzido, e vice-versa.

No caso das grandes potências e dos países mais desenvolvidos, os avanços tecnológicos
e os crescentes fluxos de informação colocaram os media no centro das atenções no que
refere à transmissão da cultura – falamos em “globalização”. É neste sentido que surge
Thussu (2007): com base na abordagem de Castells, o autor refere que os fluxos dominam
a vida contemporânea, quer sejam fluxos de capital, de informação, de tecnologia, (…).
Thussu (2007) defende que as tecnologias de informação e os avanços tecnológicos
permitiram a distribuição de informação sem restrições ao nível temporal e espacial, isto
é, sem fronteiras. No seguimento desta premissa, o Thussu (2007) considera que existem
dois grandes grupos de fluxos:

(1) Fluxos dominantes: os fluxos dominantes são provenientes do Reino Unido, Japão e
Estado Unidos da América – são eles os principais produtores e distribuidores de
conteúdos e produtos, mas é também com base nas suas culturas e representações que
outros países produzem os seus conteúdos.
(2) Contra-fluxos: consistem na tentativa de romper com os fluxos dominantes, através
da crescente distribuição de produtos e conteúdos por parte de outras geografias. A
Índia e respetiva indústria cinematográfica enquadram-se nesta teoria de Thussu – de
acordo com o autor, a indústria cultural e criativa da Índia está a crescer a uma taxa
anual de 30%, sendo, atualmente, a maior produtora mundial; cada vez mais as
empresas indianas estão a atrair audiências internacionais, nomeadamente,
provenientes dos Estados Unidos da América e do Reino Unido. Bollywood tem sido
igualmente responsável pela criação de uma cultura popular indiana.

Em suma, Thussu considera que, apesar da tendência a favor dos contra-fluxos, os lucros
obtidos com os media não ocidentais representam ainda uma pequena percentagem ao
nível mundial, apontando como exemplos as séries televisivas “Sexo e a Cidade” e
“Friends” – produções americanas que tiveram um impacto brutal mundialmente e cujo
alcance é difícil de igualar. Não obstante, considero que a tendência dos contra-fluxos vai
tornar-se cada vez mais notória no mundo e as barreiras deixarão de existir quase por
completo – à semelhança do que Tomlinson defende relativamente ao pensamento crítico
dos consumidores, e em linha com a teoria de Bourdieu sobre a produção de larga escala,
considero que existe cada vez mais a noção e a compreensão, por parte dos consumidores,
de que existe uma cultura de massas, levada a cabo com um propósito económico – motivo
pelo qual se ouve dizer tantas vezes a expressão de conotação negativa “esse filme/música
é muito comercial/mainstream”. Em Portugal, temos assistido à crescente atração do
público por conteúdos não produzidos por Hollywood, por exemplo, como é o caso da
série “Squid Game”, cujo produtor é sul-coreano. Também as séries provenientes da
América Latina têm sido casos de sucesso e uma oferta cada vez mais recorrente em
plataformas como a Netflix. De ressalvar que, de qualquer modo, estamos condicionados
pela oferta das plataformas de streaming existentes.

Na minha ótica, considero que o aspeto mais relevante a considerar quando se fala dos
media e de cultura, tem que ver com a globalização e com os avanços das tecnologias
digitais, que possibilitaram uma comunicação em rede. O poder que os media tradicionais
exerciam na sociedade é agora diferente, uma vez que a tecnologia fez emergir novas
formas de produção e de transmissão, muitas vezes menos controladas e reguladas. A
aparente ausência de controlo e de manipulação existente nos “novos media” digitais é
ilusória, uma vez que empresas como a Google e o Facebook detêm poder e controlo
suficiente para aniquilar grandes grupos de media, nomeadamente, em Portugal, e para
nos persuadir e manipular de forma camuflada – essas são talvez as instituições que mais
devemos temer no futuro por constituírem uma ameaça ao ecossistema mediático mundial.
A cultura não é estática e o sistema de comunicação em rede pode constituir um
instrumento ideal de dissipação do poder. Ressalvo, por fim, que acredito que os Estados
ou as instituições com maior poder económico terão sempre uma maior capacidade de
atuação a favor (ou contra) da cultura, pois é certo que vivemos numa sociedade
capitalista.

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