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SUDENE

A SUDENE

No período entre 1960 e 1964, o Plano da SUDENE (Superintendência


do Desenvolvimento do Nordeste) para a agricultura nordestina estava apoiado no
estudo da realidade da região e constava dos seguintes programas prioritários: 1)
produção de alimentos na zona úmida do Nordeste; 2) desenvolvimento no semi-árido
de uma agricultura resistente aos efeitos da seca; 3) colonização do Maranhão; 4)
desenvolvimento da irrigação no São Francisco.

PRODUÇÃO DE ALIMENTOS NA ZONA ÚMIDA

O Programa de produção de alimentos na zona úmida, uma das poucas


áreas existentes no Nordeste isentas do problema da seca, tinha como principal objetivo
combater a fome secular que se abate sobre aquela região do País.
A produção de alimentos deveria desenvolver-se com base nas terras liberadas pela
modernização do complexo agroindustrial da cana-de-açúcar do Nordeste. A SUDENE
iniciou contatos com usineiros no sentido de propor um plano de modernização da
agricultura da cana e reaparelhamento das usinas. Os investimentos necessários seriam
financiados pelo governo e parte desta inversão paga com terras liberadas, que seriam
entregues à SUDENE. "
Esta proposta despertou interesse dos usineiros mais progressistas, mas não
logrou o consenso da classe, que rejeitou a oferta. A oligarquia agrária da
cana-de-açúcar não era tão progressista: como a SUDENE pensava, e era muito, mais
apegada à terra do que se poderia prever. O primeiro sonho frustrou-se.
A SUDENE iniciou então um estudo sobre os tabuleiros da região litorânea e
delimitou áreas totalizando aproximadamente 3 milhões de hectares, existentes entre
Salvador e Fortaleza, todas elas servidas de infra-estrutura de estradas pavimentadas,
energia elétrica e próximas aos principais centros consumidores do Nordeste. Esta vasta
extensão de terra estava praticamente desocupada, pois se tratava de solos muito
lavados, de baixa fertilidade, para os quais não se conheciam técnicas econômicas de
manejo
O propósito da SUDENE era realizar ensaios de fertilização nesses tabuleiros costeiros
e, no momento em que tivesse conhecimento de como aproveitá-los no cultivo
econômico de alimentos, iniciar o processo de desapropriação por interesse social
dessas áreas abandonadas.
Por outro lado, enquanto se realizavam as pesquisas para saber como corrigir a acidez
dos solos de tabuleiros, a SUDENE teve a oportunidade ímpar de fazer uma experiência
no campo da organização econômica e social na zona úmida do Nordeste. Os
trabalhadores rurais de cinco engenhos da Usina Salgado, no município do Cabo, em
Pernambuco, tinham entrado em greve e não havia acordo. Usineiro e trabalhadores
procuraram a SUDENE para dar uma solução, pois já tinham esgotado as negociações
junto ao Ministério do Trabalho e outras autoridades. Nessa oportunidade, o
Departamento de Agricultura e Abastecimento da SUDENE propôs ajudar os
camponeses na organização de uma Cooperativa de Trabalho para explorar as terras dos
engenhos de Tiriri, Massangana, Ajgodoais, serraria e Jardim e constituir-se ern
fornecedora de cana para a Usina Salgado. Aceita a proposta depois de um trabalho de
conscientização dos camponeses sobre organização de cooperativa e trabalho
comunitário, foi organizada a Cooperativa de Tiriri e eleita a primeira diretoria, formada
integralmente de camponeses. A cooperativa firmou um contrato de fornecimento de
cana à Usina Salgado, ao preço oficial; o pagamento do arrendamento das terras seria
realizado na base de 10% da produção bruta de cana colocada na Usina. A Cooperativa
pagava salário mínimo aos trabalhadores por uma quantidade fixa de cana cortada e
adicionais pela margem de produção alcançada acima destes níveis fixados. No fim de
cada ano agrícola, o balanço da Cooperativa, depois de proceder à integralização do
fundo de capitalizaçào, distribuía 50% dos lucros entre os trabalhadores, de acordo com
o trabalho feito por cada um durante o ano.
A SUDENE dava assistência técnica na elaboraçào do plano anual de cultivo e corte de
cana, assim como na gestào da Cooperativa. Os camponeses assumiram as tarefas
cotidianas de implantação dos cultivos e administração da Cooperativa. Retiraram as
mulheres e meninos do árduo trabalho da cana.
As mulheres, com assistência da SUDENE, organizaram um programa de
aprendizagem de corte e costura e produçào de roupas para os trabalhadores
rurais de Pernambuco. Os meninos iam às escolas e os adultos freqüentavam
cursos noturnos de alfabetização. Talvez pela primeira vez, foi posto em prática no meio
rural o método de alfabetizaçào do professor Paulo Freire.
Os problemas internos de gestào da Cooperativa eram resolvidos com certa facilidade.
Contudo, aqueles derivados de contatos externos da Cooperativa,
principalmente no que se refere à obtençào de crédito e compra de equipamentos e
insumos, se constituíram em sérios obstàculos. A cooperativa de trabalhadores era uma
exceção, difícil de se relacionar com o sistema bancàrio e com os fornecedores de
insumos.
Depois de 1964, a ação foi no sentido de descaracterizar o trabalho comunitàrio
desenvolvido pelos camponeses de Tiriri. As terras dos engenhos foram, parceladas e
vendidas a cada família camponesa. Os camponeses sabiam que era difícil manter
cultivos de cana em pequena escala, pois este cultivo só é econômico quando produzido
em larga escala. Contudo, ante a alternativa de ficarem sem nada, aceitaram a imposiçào
do parcelamento das terras. Entraram na Cooperativa alguns elementos estranhos, que
não eram camponeses. Como era de se esperar, estes foram comprando as parcelas dos
demais e concentrando a propriedade da terra. Em 1984, a Cooperativa de Tiriri estava
desvirtuada e em plena crise.
Quanto ao programa de fertilização de tabuleiros, para produção de alimentos, foi
imediatamente desativado. Em seu lugar, com o advento do Proálcool, seria
intensificado o éultivo da cana-de-açùcar nos tabuleiros que apresentavam melhores
condições de topografia para sua expansão.
A região semi-árida abarca quase dois terços da área do Nordeste, com cerca de 1
milhão de quilômetros quadrados, e abriga uma população de aproximadamente 20
milhões de habitantes.
Nessa região, a seca periódica dizima as lavouras e quebra o equilíbrio entre a
população e os recursos existentes e os nordestinos se transformam em flagelados e
retirantes.

A AGRICULTURA RESISTENTE A SECA DO SEMI ARIDO


O programa da SUDENE para esta área foi concebido para enfrentar essa dura
realidade. Em primeiro lugar, a SUDENE concentrou os recursos federais num plano de
ação prioritário (Primeiro Plano Diretor), a fim de evitar a atomização dos recursos em
obras sem importância e combater o clientelismo
político institucionalizado no Nordeste. Assumiu também o controle do Plano
de Emergência contra as Secas, distribuindo as obras programadas com as entidades
especializadas e procedendo à fiscalização de sua execução. Por úl-
timo, passou a distribuir os alimentos nas frentes de trabalho.
No setor agropecuário, a SUDENE adotou uma estratégia no sentido de desenvolver
uma agricultura resistente aos efeitos da seca. Nesse sentido, definiu subprogramas para
o semi-árido, entre os quais o desenvolvimento da pecuária.
O subprograma da SUDENE para o desenvolvimento da pecuària no semi-
árido baseava-se fundamentalmente melhoria da alimentação do rebanho. Em grandes
áreas do sertão, o gado era miùdo e com visíveis características de raquitismo, por falta
de alimentação suficiente. A perfuração de poços, e
conseqüente descentralização das aguadas, permitiria melhor aproveitamento das
pastagens, evitando maior pisoteio e destruição dos pastos.
A perfuração de poços foi uma ação de impacto. O poço não seria mais perfurado nas
fazendas dos grandes proprietários e chefes políticos locais constituindo-se em
propriedade privada. A SUDENE estabeleceu prioridade para a perfuração de poços
públicos nos povoados, não só para atender às necessidades da população carente de
água, mas também como sustentação do desenvolvimento da pecuária.
Depois de 1964 o governo apoiou-se no poder dos latifundiários do semi-árido. Em
conseqüência, os subprogramas para a região só foram implantados nas partes que
beneficiavam os grandes proprietários e chefes políticos locais.

COLONIZAÇÃO DO MARANHÃO

A SUDENE, através de seus estudos sobre o Nordeste, constatou a existência de uma


progressiva corrente migratória de cerca de cinco mil famílias por ano do sertão de
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e principalmente do Cearà e Piaui para as
áreas de Caxias, Bacabai e Pindaré-Mirim no Maranhão, à medida que se abria a BR-
316, ligando o Nordeste seco à Amazônia. Em 1960-61, quando a SUDENE estudou
esta corrente migratória, a população migrante entrava pela picada aberta para a
construção da estrada. Os nordestinos forjavam com sacrifício mais uma saga na
história de sua sobrevivência.
A população camponesa, tangida pela agrura das secas, ia em busca de novas terras para
reconstruir suas vidas. Alimentava a esperança de conseguir um pedaço de chão.
Contudo, a omissão premeditada do governo facilitava a grilagem das terras e sua
repartição entre empreiteiros e políticos locais. Depois de formados o roçado e a
plantação de arroz, aparecia o grileiro para cobrar ao camponês a "meia" e, caso não
fosse atendido, botava a polícia em cima do "invasor" para obrigá-lo ao pagamento do
"tributo". O camponês tinha que optar entre ficar como meeiro na esteira do latifúndio
em formação ou ganhar a estrada e abrir outro roçado mais adiante, em terra pública,
que lhe renovava a ilusão de ter um dia o seu próprio chão.
O Estado do Maranhão, através de lei estadual de 1961, colocou as terras
compreendidas entre os rios Pindaré e Turiaçu, ao longo da atual BR-316, à
disposição da SUDENE para o projeto de Colonização do Maranhão.
O projeto previa a incorporação anual de umas cinco mil famílias, pois o
processo migratório se estava desencadeando num ritmo acelerado. A SU-
DENE, então, preparou uma estratégia para enfrentar os problemas de manejo
dos solos; estudou as melhores formas de nucleação para ordenar o povoa-
mento da região e assessorou a organização de uma cooperativa centrai, para
garantir o abastecimento de insumos à produção e comercialização das colheitas.
Depois de 1964, a SUDENE, junto com o Banco Mundial, redefiniria a orientação do
projeto de Colonização do Maranhão. O desenvolvimento da pecuária passou a ter
prioridade. O Banco Mundial financiou a formação de pastagens e o desenvolvimento
da criação de gado na área. Este projeto
foi danoso por vários motivos: concentrou a propriedade da terra e da renda; não gerou
emprego, pois a criação de gado extensiva requer apenas duas jornadas de trabalho por
hectare ao ano; se bem melhorou a oferta de carne, não contribuiu para aumentar a
produção de azeite no Nordeste, assim como de outros alimentos, nem gerou excedentes
exportáveis e suas conseqüentes divisas; desencadeou um processo violento de erosão e
desequilíbrio ecológico em toda a regiào compreendida entre o Pindaré-Mirim e a
fronteira do Pará.

IRRIGAÇÃO NA REGIÃO DA BACIA DO SÃO FRANCISCO

O rio São Francisco é conhecido como o rio da integraçào nacional. A bacia


hidrogràfica do Sào Francisco abarca uma àrea de aproximadamente
670.000 quilômetros quadrados. Colonizada desde o século 17, constituiu-se na
principai via de comunicação interior entre o sul do País e o Nordeste até
os anos 40, quando, com o bloqueio marítimo das costas brasileiras durante a Segunda
Grande Guerra, iniciaram-se os primeiros esforços para implantar uma infra-estrutura
rodoviària de integração do interior do Nordeste com o resto do País.
O São Francisco corta uma vasta regiào de caatingas secas dos sertões da Bahia,
Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Esta área, por suas características favoráveis à criação
de gado, foi o centro mais importante de desenvolvimento
da pecuária extensiva da zona seca no Brasil, desde a época colonial.
Até os anos 50, antes da construção da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso (1954), a
irrigação no São Francisco era incipiente. As populações ribeirinhas aproveitavam as
vazantes para, nas terras umedecidas e fertilizadas pelo húmus trazido pelo rio,
estenderem progressivamente suas culturas de arroz, jerimum, batata-doce, milho e
feijão-de-corda. Essas "culturas de vazantes" garantiam a subsistência da população. Os
excedentes eram comercializados nos centros urbanos dos sertões nordestinos dentro da
área de infÌuência do "Grande Rio". Os cultivos de mercado mais importantes
desenvolveram-se dos anos 50 em diante, no médio São Francisco: em Pernambuco,
com a cultura da cebola, principalmente em Cabrobó; com o arroz, nas vazantes das
várzeas alagadas do baixo São Francisco, em Alagoas e Sergipe, assim como nas
"lagoas de arroz" formadas ao longo das margens pelo transbordamento anual do rio.
A SUDENE estudou o São Francisco e as primeiras conclusões foram as seguintes: 1) o
rio São Francisco tinha uma grande potencialidade de produção de alimentos à base de
irrigação, pois os primeiros trabalhos revelaram que existiam aproximadamente 150 mil
hectares de terras baixas e de caatingas aptas para a irrigação; 2) o aproveitamento
progressivo desses 150 mil hectares com culturas irrigadas não só poderia gerar uma
grande oferta de alimentos no sertão e aplacar a fome secular do Nordeste, como daria
para abrigar diretamente cerca de 50 mil famílias de pequenos produtores agrícolas,
com um nível de renda elevado, além de gerar mais 300 mil empregos indiretos
(transporte, agroindústrias, bancos, pesquisas e assistência médica); 3) as amplas áreas
da região oeste da Bahia, que vão da margem esquerda do São Francisco até a fronteira
do Estado de Goiás, cujas terras na sua maioria eram de propriedade do Estado, ficariam
como uma grande reserva para programas futuros de colonização e de produção de
alimentos; 4) por último, o trabalho revelou que a SUDENE não poderia contar com a
cooperação da Comissão do Vale São Francisco (CVSF), pois este organismo federal
especializado no aproveitamento dos recursos do vale era prisioneiro de poderosos
políticos corruptos da Bahia e Pernambuco. Com a impossibilidade de superar a
situação existente, a SUDENE teria que enfrentar diretamente os problemas da irrigação
no São Francisco.
Assim, foi iniciada a primeira experiência da SUDENE em Bebedouro, entre Juazeiro,
na Bahia, e Petrolina, em Pernambuco, que contou com a cooperação da FAO,
organismo das Nações Unidas.
A partir de 1974, a autoridade federal encarregada dos projetos de irrigação e
desenvolvimento do rio é a CONDEVASF (Companhia de Desenvolvimento do Vale do
São Francisco) A CODEVASF, mesmo tendo conhecimento dos trabalhos da SUDENE
sobre a grande subocupação existente no Nordeste e a necessidade de aumentar a
produção de alimentos a fim de minorar as deficiências alimentares e garantir o
abastecimento da área, deu prioridade ao desenvolvimento de destilarias do Proálcool,
de usinas de açúcar e de grandes empresas, inclusive de criação de gado.
Quando, em 1983, percorrendo o Nordeste para verificar os resultados de 20 anos de
atuação da SUDENE após 1964, constatamos que nas terras irrigadas do São Francisco
estavam sendo produzidos álcool para o parque automobilístico, suco de tomate para
abastecimento dos grandes centros urbanos e uvas qualidade a serem exportadas para
Paris. Enquanto isso, milhares de flagelados da seca invadiam cidades para matar a
fome e dar alimentos a seus filhos famintos.

Este texto foi retirado do Livro "Retrato do Brasil", vol.I

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