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© 2020 Amanda Maia



Capa: Thais Alves
Revisão e Diagramação: Carla Santos

Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte dessa obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meio
eletrônico ou mecânico sem a permissão da autora.
Capa
Folha de rosto
Ficha Catalográfica
Sumário
Nota da autora
Epígrafe
Prefácio
Prólogo
PARTE I
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
PARTE II
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
PARTE III
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Epílogo
Agradecimentos
Biografia
Obras
Notas
Quando comecei a escrever Sintonia Perfeita, tinha um planejamento muito escasso.
Sabia o gênero, o enredo, a personalidade dos protagonistas, mas tudo era muito confuso
para mim. Então me dei conta de que estava com medo de como escrever sobre bad boys
num mundo onde eles ficaram tão mal vistos, por sempre serem colocados como
personagens abusivos e controladores com a mocinha da história. Então pensei que poderia
desconstruir esse pré-conceito dos bad boys apresentando Bryan McCoy para vocês.
Bad boys, na verdade, são personagens com a autoconfiança lá no céu e são fiéis aos
seus sonhos e desejos, isso significa que, embora ame muito alguém, ele não vai mudar suas
prioridades. Estava com muita saudade de ler um livro ou até de escrever um onde não
fosse corroída pela necessidade de estar sempre politicamente correta.
Lembro-me de que, quando comecei a escrever, não tinha noção da minha
responsabilidade ao transmitir conhecimento e entreter meus leitores. Hoje, entretanto, sei
que preciso ter cuidado com as palavras ou até com a forma como coloco uma frase. Tudo
pode ser monopolizado e compreendido de maneiras distintas, errôneas. Escrever New
Adult (Novo Adulto, em português), sempre foi um sonho, mas tinha medo. Mas fui assim
mesmo, dei a cara a tapa.
Porém, leitor, antes de mergulhar nessa história, gostaria de deixar alguns avisos
importantes:
O livro foi dividido em três partes e na primeira conhecemos um Bryan e uma
Mackenzie na adolescência. A princípio, vocês se depararão com personagens na faixa
etária de 14 a 16 anos. Mas da segunda parte em diante, eles terão entre 18 e 20 anos.
Todos os lugares (cidades e estabelecimentos) citados neste livro são fictícios.
Contém cenas de sexo, palavras impróprias, uso de álcool e drogas, violência e gatilhos
emocionais. Recomendo que seja lido por pessoas maiores de 18 anos.
A The Reckless é uma banda que coexiste dentro da história e, embora tenha dado o
nome dela na série, por cada livro contar a história de um integrante, não gira só em torno
dela.
Digo com tranquilidade que Sintonia Perfeita te fará subir o mais alto de uma montanha
e é provável que você despencará em seguida nessa espiral de emoções que o livro traz.
A história é sobre evolução, amadurecimento e escolhas difíceis que te levam a errar.
Errar muito. Não leia a série The Reckless esperando encontrar personagens maduros e que
tomam as decisões óbvias, as coisas aqui acontecem a seu modo e sendo coerentes com a
personalidade de cada um.
No mais, espero que você mergulhe na história de Bryan e Mackenzie com a mente vazia
e tenho certeza de que sairá com o coração transbordando.
Um grande beijo e boa leitura!







Existe uma palavra coreana chamada “jung”.
É a conexão entre duas pessoas e que não pode ser cortada.
Mesmo quando o amor se transforma em ódio,
Você terá carinho por ela por conta dessa ligação.
P.S.: AINDA AMO VOCÊ – JENNY HAN

Conheci a Amanda através da série Our Fall e de lá para cá, surpreendi-me com a
versatilidade da autora em escrever qualquer gênero com maestria.
Sempre tive o hábito da leitura desde a infância, mas foi na adolescência que me
aventurei, inclusive, nos gêneros Young Adult e New Adult, entre eles: Belo Desastre (Jamie
McGuire) e Easy (Tammara Webber) – dois romances que me marcaram muito – e,
recentemente, After (Anna Todd).
Mais uma vez, parafraseando uma citação de Fernão Capelo Gaivota: “Uma nuvem não
sabe porque se move em tal direção. Sente um impulso... É para este lugar que devo ir agora.
Mas o céu sabe os motivos e desenhos por trás de todas as nuvens, e você também saberá,
quando se erguer o suficiente para ver além dos horizontes”.
Nunca essa citação de um dos best-sellers de Richard Bach fez tanto sentido para mim
quanto neste enredo de Sintonia Perfeita porque tanto os protagonistas quanto os
coadjuvantes estão procurando um lugar para o qual voltar, com aconchego e paz em meio
ao caos dos dramas que permeiam suas vidas.
Rememorei momentos de pura nostalgia através das músicas ou filmes e séries que
marcaram toda a minha geração.
Naquela época, eu não tinha a mesma maturidade que hoje, porque consigo ver agora a
profundidade por trás das entrelinhas.
Vi-me arrebatada pelo enredo de tal forma, que me rendi totalmente.
A expressão do modelo na capa feita pela designer Thais Alves reflete muito o bad boy
Bryan. Ela captou a essência do personagem. À primeira vista, ele emana uma aura de
mistério repleta de dramas e um tormento subentendido, que só descobrimos o porquê de
ele ser assim ao longo da trama.
Mackenzie é uma jovem altruísta, aparentemente frágil, mas no fundo desconhece o
quanto é forte. Muitas vezes abre mão de si mesma para se doar em prol dos amigos e da
família. Seus alicerces foram rompidos bruscamente, por uma fatalidade do destino. Em
meio a tantas desilusões, um anjo sem asas lhe ensinará lições valiosas sobre a vida, o
amor, a amizade e família, como também sobre as aparências.
Não tem como não nos identificarmos com cada um dos personagens, porque é tudo
muito crível com o mundo em que vivemos atualmente. É impossível nós, leitores, não
sentirmos essas emoções afloradas e o peso que cada um carrega dentro de si em nossos
ombros.
Tudo emana a singeleza de amar, sonhar e idealizar, pois só assim seremos felizes.
Quando amadurecemos, vemos a complexidade que há por trás da nossa incessante busca
pela felicidade; algo mais amplo e profundo. Em meio a várias decisões, escolhas e erros,
vemos o quanto o amor, mesmo que indiretamente, sobressai-se em sua imensidão, pois
suporta a todos os percalços.
Encontrei diversas facetas nesse romance, que me surpreenderam. Personagens
distintos, intensos em sua personalidade e complexidade.
O enredo é tão visual que, em diversos momentos, o leitor se vê na pele dos
personagens, de tão realista que é, o que gera muitos surtos e emoções desenfreadas como
raiva, temor, suspiros, tensão, sorrisos em momentos cutes, principalmente no desfecho,
que traz a verdade à luz e, ao mesmo tempo, que nos levam às lágrimas de alívio e
felicidade.
Além de entreter e remeter a muita nostalgia, Sintonia Perfeita retrata as nossas
constantes batalhas internas, nos alerta de que devemos estar sempre atentos ao nosso
sexto sentido, principalmente não deixarmos que nossas ações, por conta da inércia, afetem
possíveis mudanças em tudo que gira ao nosso redor.
A autora nos conscientiza dando um choque de realidade em muitas situações.
Empático, esse romance nos mostra como autorrefletimos ao longo das nossas vidas, das
nossas escolhas e decisões. E, consequentemente, como cultivamos aquilo que é precioso
aos nossos olhos.
Finalizando, vivenciamos também momentos idílicos maravilhosos e extrovertidos, que
o poder do amor salta aos nossos olhos. Um romance que permeia nossa mente de forma
inolvidável. Daqueles memoráveis, eternos.
Convido-os a entrarem na vibe musical de Mackenzie, Bryan e da banda Reckless através
das próximas páginas e mergulharem ao som de Sintonia perfeita.
Carla Santos

Abaixo segue as opiniões das leitoras beta sobre Sintonia Perfeita:

“Sintonia Perfeita é um livro que te faz viajar e amar cada personagem de maneira única.
Te ensina sobre amadurecimento, relacionamentos, confiança. Além de ter a banda
apaixonante!”
– Milena Botelho (@studiomilenabotelho)


“O primeiro grande amor e primeira grande decepção. A alegria da inocência e a lágrima
da perda. A união exata da nostalgia do passado com as perspectivas dos sonhos futuros.
Isso é Sintonia Perfeita.
Ao som de uma playlist de fazer inveja a qualquer banda, Bryan, Mack e seus amigos vão
te embalar em muitos sorrisos, dores, amores, mentiras e reencontros, numa história cheia
de crises e reviravoltas. Um enredo que mostra a força do ódio e o poder da amizade e do
amor.”
– Viviane Oliveira (@osenhordoslivros)


“Confesso que no início fiquei um pouco com o pé atrás com Sintonia Perfeita, bad boys
não fazem muito o meu estilo. Porém, mais uma vez, Amanda criou um livro tão envolvente
que eu ficava inquieta esperando novos capítulos. Mack e, principalmente, Bryan acabaram
comigo mais vezes do que posso contar. Cada capítulo traz um surto e uma teoria
diferentes.”
– Ana Sarah (@livrosdasarah)


“‘Amor da minha vida’ é a descrição perfeita para esse livro. Um romance envolvente,
cativante e intenso, que te deixa com vontade de ler mais e mais. Fiquei tão apaixonada
pelo Bryan e Mack, que ficou difícil dizer adeus quando o livro acabou... Essa leitura valeu
cada lágrima, risada, surto e emoção que eu vivi!”
– Carla Souza (@carlynhasouza)

“Eu me agarro a pequenos pedaços do que fomos
Sei que acabamos faz tempo, mas vá com calma
Porque isso machuca
Não me dê um fora, me jogue fora
Me deixe aqui para apodrecer
Eu já fui uma garota de dignidade e graça
Agora, escorrego pelas rachaduras do seu abraço frio”
LET ME DOWN SLOWLY – ALEC BENJAMIN FT. ALESSIA CARA

27 de outubro de 2017, às 21h07.

A dor me sufoca.
É como se as paredes ao meu redor se fechassem e todo o ar fosse sugado da terra. Eu
sinto dor ao tentar arquejar e a bile sobe. Minhas pernas estão trêmulas, meu coração
castiga a parede torácica que o abriga. Tudo ao meu redor gira, busco algum conforto, algo
que me diga que no fim tudo ficará bem. Mas, embora esteja tentando, meu consciente sabe.
Eu sei que não existe um jeito de acabarmos bem.
Comprimo os lábios, mas eles também estão machucados. O incômodo me faz soltar um
resmungo baixo, que chama a atenção do meu pai. Ele não tem olhos para mais nada além
de mim.
Reprimo os tremores do corpo ao abraçar meu tronco. Sinto-me suja, culpada e
transtornada. A saia justa do meu uniforme tem manchas de graxa e respingos de sangue,
estou enojada porque aquele sangue não é só meu. É dele também. A manga da camisa
social, parte do uniforme escolar, está dobrada até meus cotovelos. Minha cabeça lateja
quando ergo os olhos, em direção à casa ao lado.
A relva está molhada e tento não olhar fixamente para a porta da frente, mas a
ansiedade me deixa descontrolada.
— Saia da janela, Mackenzie! — minha mãe ordena. Sua voz carregada de angústia,
unindo-se a decepção, arrasta-se até meus ouvidos. Embora esteja escutando atentamente,
eu a ignoro. — Nicholas, não é bom para ela ficar olhando assim!
— Mack — escuto quando, suspirando, meu pai se levanta. Ele caminha na minha
direção devagar, seus pés se arrastam pelo assoalho de nossa sala e sua mão toca meu
ombro —, sua mãe tem razão. Você não devia ficar olhando.
Ele não entende.
A culpa é minha.
— Você está ouvindo? — Meu irmão respira pesadamente ao meu lado. Sei que não
quer me afastar da janela de verdade, só está tentando ser o apoio que preciso. Seus dedos
procuram espaço entre meus braços cruzados e cedo, deixo que ele ancore sua mão na
curva de meu cotovelo. — Vou ficar com você.
Não quero que eles fiquem comigo nem sintam pena de mim. Não preciso que
carreguem aquele fardo, ele pertence a mim. Eu entreguei Bryan para a polícia. Fiz aquilo
com ele.
As luzes da sirene da polícia estão piscando, piscando e piscando. Fico tonta, mas não
consigo desviar os olhos. Queria ter força para me afastar e me esconder no quarto até que
tudo acabe de uma vez. Não quero vê-lo e não quero que ele me veja. Estou com tanto medo
da consequência que a minha ação terá, que mal respiro. A ideia de Bryan me odiar corrói
meu peito, de dentro para fora. E se ele for inocente? E se eu tiver cometido um erro?
Nós nos tornamos amigos. Não. Melhores amigos. E desde o dia em que nos
conhecemos, não nos separamos mais. É claro que não aconteceu tão naturalmente. Nós
brigamos. Gritamos um com o outro. Reconhecemos nossas fraquezas e pontos fortes.
Ele tentou me afastar. Porém, por mais que tentasse, Bryan não conseguiu mostrar o
pior de si. Pelo contrário, conheci uma versão incrível dele.
Não só se tornou meu melhor amigo, como também o meu porto seguro. Nós estávamos
juntos, lutando contra o mundo, até que seis meses atrás aconteceu.
Juramos não tocar mais no assunto, porque éramos amigos e funcionávamos melhor
assim.
O que nós vamos fazer agora que meu coração se acostumou a ser alguém que Bryan
ama?
Prendo o ar quando escuto a porta da casa dele ser aberta. Fecho os olhos ao ver Vivian
sair primeiro, sua mãe está abalada. As lágrimas, que deixam seu rosto molhado, não param
de cair; e a voz aguda, esganiçada em um grito desesperado de socorro, foge do seu
autocontrole. Toda aquela cena que se desenrola na minha frente se torna um caos e a
culpa me assola, mais uma vez. Destruí aquela família; na melhor das minhas intenções,
acredito que fiz a escolha errada. Não sou Deus para realizar julgamentos. Não cabia a mim
definir o destino de Bryan.
Vivian grita na cara do marido. O pai de Bryan está estático, evasivo e impassível,
encarando a esposa. Ele não sabe o que fazer, então tenta abraçá-la. Ela grita outra vez,
afastando seu toque e, finalmente, eu o vejo.
Bryan é escoltado em direção à viatura. A luz vermelha e azul salpica seu rosto pálido,
tão ferido fisicamente quanto eu. Suas mãos estão para trás, algemadas. Os dedos enodados
com marcas permanentes de uma tarde trágica.
Embora sua posição seja aquela, ele não desvia os olhos. Seu rosto está erguido em
direção à minha casa e seus olhos azuis miram a janela da sala, onde estou plantada,
amparando-me em meu irmão mais novo.
Minha garganta fecha. Sinto um nó se formando, o choro ameaça escapar.
Ele procura por mim, pelo meu olhar e eu crio coragem para encará-lo. Quando ergo o
rosto, vejo em sua expressão um pedido silencioso de desculpas. Bryan não sabe ainda, mas
será eu quem terá que pedir desculpas. Ele não faz ideia que a razão de estar sendo preso,
sou eu.
Bryan olha para mim até ser colocado no banco de trás da viatura. A porta se fecha em
um estrondo imperioso, calando não só a voz de sua mãe, mas também silenciando o meu
coração.

“Como eu menti quando disse que não me importo
E você mentiu quando me disse que você se importava
Nós mentimos um para o outro e não é justo
Nós mentimos um para o outro”
WE LIED TO EACH OTHER – OLIVIA O’BRIEN

16 de abril de 2015, às 18h45.

Inspiro. Expiro. Inspiro. Expiro. É como se afogar. Já me afoguei uma vez, aos quatro
anos, na minha primeira aula de natação. Mamãe sempre teve essa fixação, obrigou a mim e
meu irmão a fazermos aulas bem novos. Ela tem algum tipo de medo da água, que nunca
consegui compreender. Mesmo depois de quase ser morta pela água, ainda tenho prazer em
me sentar no píer, no fim do dia, enquanto assisto o sol se esconder atrás das nuvens
escuras. A paisagem é bonita, o ar sempre ameno em Humperville independente da estação.
Mas Sebastian Linderman estragou meu pequeno pedaço de paraíso partindo meu
coração em pedacinhos. Dói como o inferno. Amar é tão doloroso e estúpido. E mesmo
quando vem de sobreaviso você se machuca. A culpa não é dele, eu sei disso. Você não
escolhe por quem vai se apaixonar. Não escolhe por quem seu coração vai entregar os
pontos. A coisa simplesmente acontece.
Tudo começou em setembro de 2014, quando consegui uma bolsa de estudos na Saint
Ville Prep. A escola particular, famosa por sua grade curricular e pelo resultado
extravagante que todos os alunos conseguem mostrar nas universidades, onde entrar é
quase impossível. Porém, quando estava no sétimo ano, decidi que iria me esforçar tanto
que estaria entre os vinte alunos selecionados para a bolsa. Passei noites em claro com a
cara soterrada nos livros. Papai sempre me trazia chocolate quente para me manter
determinada, mamãe massageava meus ombros para dissipar a tensão e Nate me fazia
companhia à noite, para que eu não me sentisse tão solitária enquanto estudava física e
geometria.
Tudo valeu a pena, não me arrependo por nenhum segundo toda a dor que precisei
passar para conquistar meu espaço na Saint Ville. Então, conheci Lilah e Sebastian, irmãos
gêmeos que estavam iniciando o primeiro ano do ensino médio. Assim que conheci Seb, ele
conseguiu minha atenção. É ridículo, eu sei, mas aconteceu e não consegui evitar. Foi
gradativamente. Sua presença deixava marca. A convivência mostrava sua personalidade
perspicaz e única. O humor sagaz e a companhia deixavam um quentinho no meu coração.
Effy, minha amiga, que conseguiu a bolsa assim como eu, disse inúmeras vezes que
gostar de Sebastian era suicídio para o meu coração. Um erro óbvio. Mesmo assim pisei
naquele campo minado e a explosão é desastrosa, porque estou com os olhos marejados,
evitando olhar para ele.
Não quero estragar nossa amizade. Conheço Sebastian o suficiente para saber que está
tão decepcionado quanto eu. Consigo ver em seus olhos o pesar, a insatisfação e a
necessidade súbita de tentar me animar.
— Sinto muito, Mack — sussurra, há súplica por trás de toda a mansidão em seu tom de
voz. Afundo os pés na água escura do rio Dark Water. Mexo o quadril um pouco para
desfazer a dormência em minha bunda. — De verdade, eu não...
— Por que você está se desculpando? — Viro o pescoço para olhá-lo. Por um segundo,
esqueço-me de que estou chorando e, provavelmente, meus olhos estão inchados. Não sou
do tipo que chora na frente das pessoas, mas a resposta dele à minha declaração me deixa
emocionalmente instável. — A culpa não é sua, Seb.
— A culpa é minha por te magoar. — Ele se senta ao meu lado. Por um instante, penso
que vai me abraçar, mas mantém as mãos afastadas amparando o peso do corpo para trás.
— Não fala assim. É como se você estivesse se desculpando por ser quem é.
— Se eu dissesse pro meu pai teria que pedir desculpas.
— É, mas seu pai é um babaca. Eu não sou desse jeito.
— Eu sou um idiota — murmura baixinho. Vejo-o puxar a franja loira de seu cabelo para
cima, frustrado. — Devia ter percebido antes.
— E como você teria percebido antes, hum? — questiono, arqueando as costas e
mantendo o queixo levantado. — Nunca disse nada, até agora. Eu quem tinha que ter
percebido!
— Que eu sou gay?
— É. — Dou de ombros e uma risadinha consternada escapa por meus lábios. — Vendo
agora, parece tão óbvio. Talvez estivesse apaixonada demais para perceber. Nos últimos
nove meses estive tão próxima de você e tudo o que construí enquanto te amava, que não
me dei conta da verdade — sacudo a cabeça, enxugo as lágrimas com os punhos —, mas
não quer dizer que não vou amar você por todos os dias da minha vida, Seb. Porque eu
sinto, bem no fundo do meu coração, que não importa o que você diga aqui e agora, ainda
vou amar você amanhã e depois. Sempre haverá um lugar para você aqui. — Aponto para o
meu coração. Ele está acelerado, batendo frenético e impiedoso, obstruindo meus pulmões.
Por fim, ele cede. Passa o braço por cima dos meus ombros e descansa a cabeça na
lateral de meu rosto. Fecho os olhos para inspirar o cheiro forte que emana dele. Tudo em
Sebastian é extravagante, forte e aconchegante, como só alguém realmente importante é
capaz de ter. Ele inspira em mim um lado atencioso que não sabia que existia. É o tipo de
pessoa que traz para fora a sua melhor parte, aquela que você ainda não conhecia. É
assustador perceber como um coração tão miúdo e irracional é capaz de amar.
Estou tranquila porque posso dizer que meu primeiro amor foi Sebastian. Feliz por ter
sido alguém com a alma linda e pura. Não tenho arrependimentos, mesmo que eu sofra por
alguns meses e me odeie nos próximos dias por ser precipitada. Tudo, no final, me ensinará
algo importante. É o que me reconforta.
Ele estica a mão, enxuga abaixo dos meus olhos e sorri. Entrelaço meus dedos nos seus,
como sempre fazemos quando estamos perto um do outro. Deixo um beijo no dorso de sua
mão e devolvo seu sorriso.
— Nada vai mudar entre a gente, né?
— Não consigo passar muito tempo sem falar com você. Então, não. Nada vai mudar.
Assente, apertando minha mão com firmeza.
— Queria poder ser quem eu sou sem me sentir culpado. Sabe, dizer para a pessoa que
gosto como eu me sinto, assim como você acabou de fazer. — Sua voz está emaranhada em
um misto de dor e inveja. Olho-o, tentando transmitir compreensão.
— Espera! — Afasto-me, espantada e rindo, inspiro o ar úmido para aliviar a pressão
que o choro causa em minha garganta. — Você gosta de alguém?
Seb joga a cabeça para trás e dá uma gargalhada barulhenta. Gosto de escutar sua
risada. O calor em meu coração volta de repente, mas dessa vez sinto tanta dor e culpa por
deixar que se aloje em mim, que paro de rir. Ele também para. Noto a força que faz para
suprimir o suspiro, trava o maxilar e afasta as mãos de mim.
— Gosto, mas não posso gostar dele.
— E por que não?
— Vivemos em mundos diferentes. — Ele finalmente arqueja o ar que prende nos
pulmões. Os ombros largos cedem, inclina-se para a frente e sorri, mas não está animado,
como costuma ficar quando estamos conversamos. — Ele não gosta de mim. Você ainda
tinha o benefício da dúvida, mas eu tenho certeza. Nós nunca ficaríamos juntos.
— Por que você não o deixa dizer isso, hein?
— Mackenzie, eu tenho certeza.
— Está bem. Quem é o sortudo que tem seu coração na palma da mão? — Esbarro meu
ombro no dele, tentando esquecer a tensão de minutos atrás.
Sebastian me encara. A nuance em seus olhos me diz que ele está decidindo se pode ou
não contar para mim. Está medindo o quanto ainda estou decepcionada por não ser
correspondida. Tombo a cabeça sobre o ombro direito e um sorriso estampa meu rosto.
Quero passar a ele confiança. Não quero que a minha confissão torne as coisas difíceis entre
nós, nem que ele pense que não pode ser sincero comigo porque existe uma pequena
possibilidade de eu me ferir.
— Pode falar, Seb. Estou ouvindo. — Acaricio as costas de sua mão direita com o
indicador. Passo entre os vãos de seus dedos e faço desenhos ininteligíveis na pele pálida.
— Não quero que as coisas mudem entre nós.
— É o Bryan — confessa, mas diz tão baixo que quase não consigo ouvir. Faço a leitura
labial, por isso entendo, mas estou tão chocada que não consigo disfarçar minha cara
incrédula. — Eu disse: é impossível!
— Espera. É aquele Bryan?
— Sim. Aquele Bryan.
— Minha nossa!
— Eu sei.
— Você está tão ferrado!
— Ei. Não disse nada disso há dez minutos, quando você contou que está apaixonada
por mim. Pode ter um pouco mais de empatia?
— Desculpa. — Ergo as mãos com as palmas viradas para a frente, em rendição e
mordisco o lábio. — É que é estranho imaginar que você gosta dele, quer dizer, vocês dois
são tão diferentes! Como aconteceu?
— Quando nossas turmas começaram a correr juntas na educação física.
— Tem três meses que começamos a correr juntos — reflito, franzindo o lábio em uma
careta. — Mas sou vizinha dele. Você já o viu muitas vezes antes.
— Sim, mas não tínhamos conversado ainda. Eu e ele somos os melhores corredores,
fazemos mais voltas em menos tempo. Nos destacamos, você sabe, acabamos conversando
bastante nos últimos três meses.
— O único jeito de você saber como ele se sente é perguntando.
— Ficou maluca?
— Os caras da turma de basquete podem ser babacas, mas, acredite em mim, ele não é.
Minha mãe vai muito na casa dos McCoy. — Chuto a água com o peito do pé e resquícios
pingam em nós. Tento agir como se não estivesse preocupada com esse sentimento
repentino de Sebastian e, ao mesmo tempo, ignorando o que sinto por ele.
Apesar de sermos vizinhos e nossas mães terem um tipo de amizade, não o conheço de
verdade. Nada além do que ele mostra dentro dos muros da Saint Ville. Tudo que sei sobre
Bryan McCoy é que, além de ser um aluno com as maiores notas da escola, a cada semestre
uma foto de Bryan é estampada no mural de avisos e sua nota abaixo. Ele sempre está em
primeiro lugar. Parece cruel e opressivo, mas o diretor Cavanaugh insiste que é uma ação
nobre motivacional, para que os alunos se esforcem mais, porque no fim serão
recompensados.
Para as garotas, ele é o pacote completo. Tem a aparência e o estilo de um cara que não
está nem um pouco interessado. O famoso e velho ditado: quanto menos você se importa,
mais as garotas gostam; faz todo sentido quando se trata dele.
Bryan também passa bastante tempo na biblioteca estudando. Já o encontrei lá algumas
vezes, mas nunca trocamos nenhuma palavra. Ele age como se eu fosse um ser irracional
sem um pingo de inteligência, para dizer o mínimo. Também sou boa aluna, minhas notas
são altas e mesmo assim, quando se trata de Bryan, sou a menos esperta.
Estudo o rosto de Sebastian. Ele parece magoado. Não tenho certeza se é por algo que
eu disse ou se está tão frustrado que não consegue palavras para se expressar. Aperto os
lábios e fecho os olhos, quase arrependida do que estou planejando dizer.
— Posso... posso tentar me aproximar e ver o que ele pensa.
Sebastian está olhando para mim. Os olhos arregalados, uma expressão desacreditada
esboça em seu rosto. Por um minuto, penso que serei repreendida. Meu coração está sendo
esmagado dentro do meu peito. Não quero ser uma estúpida, fingindo que não me importo,
mas não quero que Seb viva dessa maneira. Posso imaginar como é estar em seu lugar.
Concordo com o que ele disse: ao menos posso dizer como me sinto. O sentimento que
tenho por ele estava me sufocando, estava na hora de deixá-lo sair e, apesar de ter sido
rejeitada, sinto-me leve.
— Se você quiser — completo, diminuindo o timbre de voz.
— Por que você se machuca desse jeito? — Seb arqueia as sobrancelhas e uma ruga
tensional aparece em sua testa. Arregalo os olhos, espantada com o tom ríspido. Ele está
irritado. — Sério, Mackenzie. Você tem esse defeito. Se gosta de mim, por que faria uma
coisa dessas? Seria como maltratar seu coração. Não vou te pedir isso.
Dou uma risada entristecida e pendo a cabeça para trás, soprando o ar.
— Você respondeu minha pergunta. Gosto de você. E não quero que fique desse jeito,
Seb. Se gosta do Bryan, precisa conversar com ele.
— Não dá.
— Então, posso descobrir o que ele acharia de um garoto tendo sentimentos por ele. Se
eu perceber que ele seria um completo babaca, te digo e você pode seguir com a sua vida.
— É ridículo. A pior ideia que já escutei — murmura, desviando o olhar para o outro
lado.
— Do que você está com medo? — Empurro-o com a lateral do corpo, ele balança, mas
não desfaz a carranca em seu rosto. — Você está com medo da resposta?
— Não.
— Sim.
— Não — insiste, e bufo, rendida.
— Está bem. Você não está com medo. Então, o que é?
— Esquece, tá? Não precisa se aproximar dele por minha causa. Eu dou um jeito de
colocar uma pedra em cima disso e acabou.
— Seb.
— Chega, Mackenzie. — Ele se levanta e limpa o jeans dando tapas na bunda. — Vou te
levar pra casa.
Suspiro.
— Tudo bem.
Limpo minha calça jeans também. Sebastian enterra as mãos nos bolsos da frente da
calça e não diz nada enquanto caminhamos em direção à minha casa. Não moro longe da
orla do rio Dark Water, então me concentro no silêncio que intermedia entre nós. Mordo a
bochecha e coloco as mãos geladas dentro do moletom, protegendo-as do frio da noite em
Humperville.
Meu All Star está desamarrado e não tenho ânimo para fazer o laço. Seb não olha para
mim durante todo o caminho, mas o vejo abrir a boca várias vezes, porém acaba desistindo
de falar. A tensão entre nós volta tão de repente que não tenho tempo de me preparar.
Nosso relacionamento é bom. Não tem nada que abalará a amizade que construímos nos
últimos meses, tenho certeza disso.
No caminho decido que não importa o que Seb diga, preciso fazer aquilo. Talvez mais
por mim do que por ele. Tento esconder, mas é difícil fingir não estar magoada quando seu
rosto expressa exatamente o que seu coração está sentindo.
Quando ele olha para mim, viro o rosto para o outro lado para que não perceba.
É fácil quando estamos conversando sobre assuntos aleatórios, mas o silêncio
circundando abre espaço para que eu volte a pensar. Eu me declarei para Sebastian e foi
ruim. Descobri que o garoto que gosto é gay e que o cara que ele gosta é meu vizinho e
provavelmente Seb não tem nenhuma chance com Bryan. Acho que é por essa razão que
estou insistindo.
Pode ser considerado egoísta, mas quero que ele perceba como gostar de Bryan é um
erro. Assim como eu cometi o erro de me apaixonar por Sebastian. Não quero vê-lo sofrer,
só quero que acorde para a verdade antes que descubra como é ter seu coração
despedaçado.
— Te vejo amanhã? — indaga, parando de frente para mim. Estamos em frente à minha
casa e tenho certeza de que está vazia.
Nunca faço isso, mas olho para a casa dos McCoy.
A janela do quarto de Bryan é de frente para a minha, às vezes o vejo estudando em sua
mesa embaixo da janela. Também já o vi sem camisa, mas por estar cegamente apaixonada
por Sebastian, não senti nenhuma atração por ele. Confesso que os exercícios físicos diários
de Bryan lhe dão certa vantagem, que os olhos azuis como o oceano e os cabelos loiro-
escuros são belezas que, naturalmente, se destacam. Mas Sebastian tem meu coração.
Sendo recíproco ou não, gosto dele e não vou esquecê-lo da noite para o dia.
— Uhum... Vejo você amanhã na escola.
Aceno e o assisto ir embora. Sebastian mora longe, num bairro de classe alta, em uma
mansão de filme de Hollywood. Antes de dobrar a esquina, olha para trás e sorri. É um
costume. Ergue a mão direita bem alto e a balança para mim, despedindo-se. Retribuo seu
gesto e sorrio de volta. Espero até que ele vire e suma do meu campo de visão. Quando o
faz, encaro a casa dos McCoy. Dou passos curtos, porém apressados naquela direção.
Reprimo os tremores que meu corpo dá envolvendo minha cintura com os braços. Não
sei o que vou dizer, mas quanto mais penso nisso, mais tenho certeza de que ficarei travada
na frente dele. Tento encontrar uma justificativa menos egoísta para o que estou prestes a
fazer, mas a verdade é que não existe. Estou caminhando para a direção da casa de Bryan
com as intenções mais vazias possíveis. Digo que quero proteger meu amigo, que estou me
intrometendo porque não seria capaz de vê-lo sofrer.
Paro em frente à varanda. A luz está acesa e um tapete bege puído com a frase “bem-
vindo” enfeita a porta de entrada. Alguns vasos de flores estão pendurados nas laterais
decorando o lugar.
Embevecida, dou meu primeiro passo rumo à porta. O primeiro degrau range. Meus
incisivos afundam na carne macia do lábio inferior, fecho os olhos e subo os próximos cinco
degraus até estar no patamar.
Pressiono o botão minúsculo da campainha e jogo o corpo para trás, sustentando o peso
dele nos calcanhares. Essa parte do meu All Star está completamente gasta, porque tenho o
costume de gangorrear desse jeito sempre que fico inquieta ou ansiosa. Já tentei parar, mas
não consigo.
Escuto a movimentação dentro da casa. Puxo o ar e o prendo nos pulmões. Elevo o
queixo, devolvo as mãos para os bolsos da frente do moletom vermelho e espero. O barulho
da porta sendo destrancada me faz recuar dois passos e sou pega no flagra tentando ir
embora. Quando estou dando as costas para a porta aberta, escuto a voz rouca:
— O que foi?
Na maioria dos filmes adolescentes com cenário High School, as garotas dizem que a voz
do protagonista é melodiosa e causa arrepios. De fato, a voz de Bryan causa arrepios em
cada centímetro do meu corpo, mas não porque ela é sexy e impossível de ignorar. É rouca,
grossa para a idade dele e não posso dispensar o tom autoritário. É como se estivesse me
intimando a fazer exatamente o que pede.
Viro nos pés, deslizo pelo assoalho e eximo a distância que criei segundos atrás, antes
de ser pega. Bryan está usando o uniforme da Saint Ville. A gravata azul-marinho frouxa
laça o pescoço grosso, a camisa está dobrada até os cotovelos e a calça social da mesma cor
em conjunto. São quase oito da noite e ele ainda está vestindo o uniforme.
— Minha mãe...
— Saiu com a minha mãe.
Balanço com o pé. Inclino o corpo para a frente, ficando na ponta dos pés e solto o peso
para trás, sustentando nos calcanhares. Volto a apoiar a sola no chão e reinicio o ritual,
mais uma vez. Um vinco profundo na testa de Bryan chama minha atenção. Ele está
observando meu corpo ir para a frente e depois para trás com desdém.
— Estou sem a chave de casa — minto descaradamente, posso sentir o metal pontudo
da chave perfurando minha bunda no bolso da calça jeans. — Posso esperar aqui?
— Seu pai e seu irmão não estão em casa?
— Não.
Meu pai trabalha até as oito e meia todos os dias. É quinta-feira, a noite do boliche com
os colegas de escola do Nate. Papai geralmente passa para buscá-lo, o que aumenta vinte
minutos em seu percurso.
Estou mordendo o lábio inferior e fingindo não estar interessada em estudar seu rosto.
A expressão trivial de Bryan; impassibilidade e um misto de indiferença está lá, como
sempre. Ele ergue o queixo quadrado, a cabeça tomba alguns centímetros para trás e
suspira. Solta a lateral da porta e se afasta, dando passagem para mim.
— Obrigada.
Entro e o sigo para mais fundo da casa. Bryan afunda as mãos nos bolsos da calça
enquanto caminha e se joga no sofá preto da sala. Fico parada no meio, esperando que me
chame para sentar-me, mas não acontece. Olho em volta, estudo a sala grande e arejada.
Atrás do sofá de quatro lugares, uma janela toma conta da parede inteira.
No centro, uma mesinha com tampo de vidro e pernas finas completam a decoração
moderna. A televisão está em cima da lareira, contornada por pedras escuras. Elas se
parecem com as pedras que ornam o rio Dark Water.
Volto a olhar para Bryan. Ele está me encarando, como se soubesse que estou mentindo.
Uma faísca fraca perpassa os olhos azuis, dizendo que está esperando o momento certo
para me desmascarar. As pernas longas estão esticadas para a frente em completo desleixo,
os pés descalços sobre a mesinha de vidro e os braços abertos amparados no encosto do
sofá.
Desvio os olhos porque meus ombros estão tremendo de receio.
A família McCoy tem dinheiro o bastante para morar em um bairro de classe alta, levar
uma vida com um padrão elevado, completamente diferente das pessoas que vivem no
bairro Eastside. Eles se mudaram há quatro anos, era meu aniversário de dez e mamãe se
sentiu na obrigação de convidá-los para participar da festa. Os pais de Bryan foram, mas ele
não quis. Vivian, sua mãe, usou a desculpa de que o filho estava chateado porque tinha
saído de Dashdown, deixando os amigos e a rotina que tinha para trás. Ele tinha doze anos,
um pirralho rebelde e mimado – foram os adjetivos que usei para descrevê-lo para Effy –,
mas nunca acreditei. Eu o flagrei me espionando pela janela de seu quarto enquanto abria
meus presentes. Depois disso, ele passou a me ignorar ainda mais.
Então, quando nossas mães se tornaram amigas, pensei que nós dois acabaríamos nos
aproximando também, mas Bryan nunca estudou em escolas públicas. Esteve na companhia
de outras pessoas, frequentando lugares que não tinham nada a ver comigo. A amizade que
achei que iríamos criar por causa de nossas mães nunca aconteceu. A impressão que tive,
na verdade, foi uma aversão a mim. Mesmo que não tenhamos trocado meia dúzia de
palavras, ainda sentia sua antipatia direcionada de forma particular.
Com o tempo descobri que ser antissocial e não abrir o sorriso para as pessoas não
estava ligado a um problema pessoal. Bryan é assim com todos. Estudar na Saint Ville
mostrou isso com tanta clareza que não tenho dúvidas. O comportamento indiferente e até
um pouco superior não é algo que está relacionado a mim, mas sim à personalidade dele.
Ele não tem tantos amigos. Tirando seus colegas de educação física, Graham Tyson e
Logan Scott, Bryan é solitário. E muito, muito inteligente.
Não tinha notado os cadernos e as apostilas ao seu lado, mas estão lá. Ele estava
estudando e eu o atrapalhei. Que droga!
— Vai ficar em pé me encarando até quando? — A voz soa com esnobismo. Arrasto-me
até o sofá de quatro lugares e me sento no meio. — Por que você está aqui?
— Estou sem a chave e...
— Se vai ficar mentindo, melhor ir embora.
Franzo a testa e entorto os lábios em uma careta.
— Como você pode ter tanta certeza de que estou mentindo? — Inclino o corpo para a
frente, apoio os cotovelos nas coxas e aperto os olhos para ele.
— Intuição — Dá de ombros. Um risinho baixo começa no canto de sua boca, se
estendendo de um lado para o outro até toda a arcada dentária perfeita aparecer.
Eu disse: inteligência e beleza em um único garoto. Devia ser considerado uma ofensa.
— Caso você não saiba, meu nome é Mackenzie.
É claro que ele sabe, mas quero ter certeza.
— Sua mãe fala de você o tempo todo. A cada dez palavras, nove delas é o seu nome. —
Ele se inclina para a frente também, aproximando nossos rostos. — Precisa de ajuda com
alguma coisa, Mackenzie?
— Não. — Aprumo os ombros e empertigo as costelas até estar ereta. Não quero deixar
que ele perceba que continuo mentindo. Posso fazer isso, descobrir para Seb sem ter que
deixá-lo em maus lençóis. — Só vou ficar aqui e esperar minha mãe. — Coloco as mãos
fechadas em forma de oração entre as coxas e olho para outra direção.
— Tudo bem. Elas foram ao cinema.
— O quê?! — quase grito, volto a olhá-lo para ver se encontro um resquício de
brincadeira, mas ele está sério.
— Especial do Elvis Presley no drive-in.
— Você tá falando sério? Elas vão levar uma década pra voltar!
— Não sou mentiroso — Ele arqueia uma das sobrancelhas, ofendido. — É você quem
está mentindo.
— E o seu pai?
— Vai se encontrar com minha mãe lá.
— Então, você está sozinho? — minha pergunta o deixa bastante confuso. Bryan vinca a
testa e a cabeça cai um pouquinho para o lado.
— Você não é como as garotas da escola, né?
— Do que você tá falando?
— Não veio até aqui pra dizer que precisa de ajuda com matemática avançada só para
poder passar mais tempo comigo?
Não consigo segurar a gargalhada intensa que escapa do fundo da minha garganta.
Quando finalmente paro, Bryan está me encarando sem compreender. Engulo a bola de
saliva que impede a passagem de ar e respiro fundo.
— Você é muito cheio de si. Não sei como alguém pode pensar em gostar de você!
— É sério, Mackenzie. Você sabe que dou aulas de reforço, mas, quando alguém vem até
a minha casa me pedindo isso, tenho certeza de que não vai ser bom.
— Relaxa, Bryan. Nem por um segundo eu pensei em pedir aulas de reforço pra você! —
No fundo, sinto que estou com raiva dele e não sei dizer o porquê. Talvez o sentimento
secreto de Sebastian por Bryan tenha sido como gasolina para a minha ira. — Mas já que
você quer que eu seja direta, vou ser direta. — Eu me levanto em um rompante. Caminho e
fico de frente para ele. De alguma forma, ele estar sentado e eu de pé me dá confiança. Acho
que vou me arrepender mais tarde, mas o mal precisa ser cortado pela raiz. — Eu gosto de
um cara, mas esse cara gosta de você.
— Tá falando do Sebastian? — Não existe surpresa em sua voz nem desgosto. A
naturalidade me pega de surpresa. Relaxo os ombros, mas mantenho a postura ereta. Meu
corpo faz sombra no dele e Bryan entorta a cabeça para o lado, cruza os braços e suspira. —
Já sei disso tem uns dias. Surgiu um comentário na educação física, mas olha pra mim, você
acha mesmo que sou gay?
— Não.
— Então por que veio aqui?
— Só para ter certeza.
— Ele te pediu pra falar comigo?
— Ele me mataria se soubesse — digo num fiapo de voz e me afasto. — Não pode contar
pra ele, de jeito nenhum.
— Não sou fofoqueiro. — Revira os olhos e se levanta, fica diante de mim a poucos
centímetros de distância de sua boca tocar minha testa. — Agora que você já sabe que não
sou gay e que não estou nem um pouco interessado no seu amigo, cai fora. — Gesticula,
apontando o queixo para a saída.
— Que grosseria! — reclamo e dou as costas para ele. — Pensei que você fosse um
antissocial esquisito.
— Tenho certeza de que você não é a única. A novidade é que eu não ligo.
Obrigo minhas pernas a rumarem em direção a porta, mas elas pendem no caminho.
Meu corpo quase quer ficar onde está.
— Mackenzie — Bryan me chama quando já estou com a mão na maçaneta. Vejo-o se
aproximar, as mãos dentro dos bolsos da calça outra vez. Ele caminha devagar em minha
direção, com a cabeça e o queixo erguidos. Os cabelos estão uma bagunça bonita, não dá
para negar que estou reparando.
— O que é?
— Mas Lilah não é nada mau.
— Ela é irmã dele — sussurro, chocada.
— Eu gosto dela — confessa e, por um segundo, penso que Bryan está brincando
comigo e espero por uma risada debochada, mas ela não vem. Então sei que ele está falando
a verdade. — Diga a ela que mandei um “oi”.
O jeito como Bryan sorri me conta exatamente o que preciso saber: ele não só gosta
dela, como é correspondido.
Afinal, quantas pessoas nesta cidade são mais do que aparentam ser?

“Mantenho em segredo quem você é, quem é você para mim
Você ainda é a minha coisa favorita no mundo
Eu só vou manter em segredo quem você é, quem é você para mim
Você ainda é a minha coisa favorita no mundo”
WHO YOU ARE – BLACKBEAR

Eastside é o tipo de bairro onde os vizinhos não só se conhecem, como fazem parte da
vida um do outro. Quando os McCoy se mudaram, a família parecia viver em um mundo
particular e ninguém estava autorizado a entrar. Mamãe, é claro, foi tão insistente em
construir uma amizade com Vivian, que eles cederam. Aos poucos, nossas famílias estavam
fazendo churrasco aos domingos. Bryan é toda a exceção. Ele não participa dos encontros
na vizinhança, não vai às festas e nem visita os Duncan – um casal de idosos que não
tiveram filhos.
É uma rotina. Toda quarta-feira, Nate e eu visitamos o senhor e a senhora Duncan.
Levamos bolo de laranja e tomamos chá de jasmim. Molly e Jasper moram a três casas à
direita da nossa; são solitários por não terem filhos e, por serem tão adoráveis, a vizinhança
acabou se acostumando a visitas corriqueiras aos dois. Nate resmunga às vezes. Ele quer
ficar jogando videogame ou treinando basquete, mas em outras, ele cede e acaba me
acompanhando. Não sei quando começou, mas desde que me lembro tenho feito companhia
a eles como se fossem meus avós.
Eu gosto. Molly é uma senhora baixinha e rechonchuda. As bochechas enrugadas são
grandes e estão sempre rosadinhas. Os olhos acinzentados da mulher são como duas bolas
de gude. Eles descobriram, assim que se casaram, que Molly era estéril e não puderam ter
filhos. Jasper conta que pensaram em adotar, mas desistiram quando perceberam que
estavam felizes com o casamento e não precisavam de filhos para complementar a família.
Naturalmente, a vida passou e, aos setenta e cincos anos, ele não se arrepende das escolhas
que fez.
Além dos Duncan, existe as Barnes, duas irmãs que vivem de frente para a nossa casa.
Estão na casa dos quarenta. Não faço ideia do motivo de morarem sozinhas ou por que não
se casaram, mas elas adoram rosas, portanto, há roseiras que circundam a fundação de toda
a casa. Além do jardim da frente, com diferentes tipos de flores.
Todos os dias, às oito da manhã, Lucille, a irmã mais velha, sai para regá-las. Susan, a
mais nova, cuida da parte de poda e fertilização. Algumas vezes fico pendurada na janela da
varanda só para assisti-las cuidar das roseiras. É interessante ver como cada um da
vizinhança vive sua vida na peculiaridade. Apesar de não terem se casado nem tido filhos,
parecem felizes.
Dou uma última olhada na casa de Bryan antes de seguir para a minha. Sinto um arrepio
por todo o corpo sempre que penso nele, a forma como olha para mim me apavora. Agora,
quando penso em Bryan, automaticamente sou levada para Lilah.
Quando é que ela pretende contar que está saindo com ele?
Não paro de pensar em Seb, em como ficará decepcionado. Posso ter fingido não
perceber os sinais que ele dava sobre sua sexualidade – tudo para me proteger –, o
sentimento dentro de mim que crescia gradativamente me obrigou a fazer escolhas difíceis,
mas o conheço. Ele ficará chateado. E volto a afirmar o que já sabia: ele está muito ferrado.
Subo rapidamente os degraus da varanda da minha casa. Noto as luzes da cozinha acesa.
Franzo a testa ao apanhar o molho de chaves no bolso. Quando abro a porta, inspiro o
cheiro doce de chocolate e manteiga.
Papai está em frente ao forno, com um livro de receitas erguido na altura dos olhos. O
avental preto manchado com gotas de chocolate e a barba rala em seu rosto têm resquícios
da massa de brownie. Dou uma risada para fazê-lo me notar. Ele se vira para me olhar,
aceno para ele e caminho transeunte pelo espaço entre a sala com a tevê e o espaço vago a
minha esquerda. Duas janelas grandes naquela direção me dão a visão clara da casa dos
McCoy. As luzes estão acesas e me pergunto se Bryan ficou espiando pelas cortinas como eu
faço quando estou curiosa sobre alguém.
— Por que já está em casa? — De repente, lembro-me de Bryan me acusar de estar
mentindo. Talvez ele tivesse visto meu pai chegar. Não pude nem pensar na hipótese, o
carro não estava na vaga em frente à garagem.
— Seu irmão torceu o pulso e tive que ir buscá-lo mais cedo. — Ele aponta sobre o
ombro direito com o polegar para o andar de cima. — Não sei como Nate conseguiu
machucar o pulso.
— Às vezes, ele está perdendo o jeito. — Dou de ombros e apoio as mãos na lateral da
bancada ao lado da pia. Com a ajuda dos pés, impulsiono o corpo para cima e me sento na
superfície de mármore gelada. — Por que está fazendo brownie a essa hora? — Com o
indicador roubo um pouco da massa e a coloco na boca, verificando o sabor. Meu pai
costuma errar na dosagem de açúcar. — Muito doce. — Franzo o rosto em uma careta e
meu pai ri.
— Está tão ruim assim?
— Não está ruim. Só doce demais.
— Hum... — Ele para de cobrir a forma com papel manteiga e escora a lateral da cintura
na bancada da pia. — Onde a mocinha estava?
— Fui ao píer com o Seb.
— Então, vocês dois...
— Pai! — repreendo-o, sinto o rubor queimar minhas bochechas. — Não vou falar sobre
garotos com você. É estranho! — sussurro a última frase, fujo do seu olhar escrutinador e
puxo os fios de cabelo para prendê-los num coque.
— Qual é o problema de falar sobre garotos com seu pai? Você já tem quatorze anos,
precisamos conversar sobre essas coisas.
— É por isso que eu tenho a mamãe.
— Nossa ligação — aponta para o próprio peito e depois para mim — é mais forte,
entendeu? — explica em tom de brincadeira, sei que não está falando sério, mas a verdade
é que meu pai tem toda razão. Nós temos uma ligação diferente, é inexplicável.
— Você só está preocupado que eu comece a esquecer o Dia dos Pais — brinco, rindo
alto.
— Se vou perder minha garotinha para o Sebastian, preciso me preparar. — Ele volta a
cobrir a forma. Não vou contar a ele sobre Seb porque o segredo não pertence a mim para
espalhá-lo.
— Contei a ele hoje como me sinto — revelo ao morder a cutícula que está se soltando
do meu polegar.
Não há segredos entre mim e meu pai, por essa razão nossa ligação é mais forte. Às
vezes, mamãe é rígida e acaba não sobrando espaço para as coisas que são realmente
importantes. A primeira menstruação, o primeiro beijo e todas essas coisas acabei
conversando mais com meu pai. As coisas entre nós fluem de maneira natural, como se
estivesse falando com Effy ou Lilah.
Meu pai é como minha caixinha de segredos; posso depositar tudo lá, não serei julgada
nem castigada, apenas compreendida e, às vezes, repreendida. Nós respeitamos o limite de
cada um: sei até onde posso ir com meu pai e ele entende que, como uma garota, há coisas
que prefiro não dizer e está tudo bem.
— Pela sua cara, não teve a resposta que esperava.
— Ele gosta de outra pessoa.
Ele está despejando a massa dentro da forma, cobrindo todo o papel manteiga. Assisto a
massa se espalhar dentro do pequeno quadradinho e evito olhá-lo nos olhos. Fico
esperando uma resposta, mas o silêncio é tudo que recebo. Arrisco erguer o rosto para
encará-lo e o vejo sorrindo.
— Você sabe que está tudo bem, certo? — finalmente fala. Raspa a tigela até que não
sobre muito no fundo e a entrega para mim em seguida, com uma colher de sopa. — Apesar
de não ser correspondida, faz parte. Amar alguém que não te ama de volta pode te ensinar
muitas coisas.
— Só consigo pensar que preciso esperar alguém me amar, aí sim vou tentar amar essa
pessoa.
— Já te contei como foi difícil conquistar sua mãe?
Conheço a velha história: meu pai se apaixonou primeiro. Minha mãe tinha apenas
dezesseis anos quando se conheceram, seus sentimentos fugiram do controle e, em poucos
meses, estava completamente apaixonado por Maisie.
— Já. Um milhão de vezes. — Reviro os olhos sem pensar, mas não o impeço de repetir a
mesma história.
Escuto cada detalhe de novo.
Eles estudavam na mesma escola. Mamãe era popular e papai usava óculos de fundo de
garrafa. Sempre fugia do radar da atenção e não queria ser notado. Apesar da popularidade
de mamãe, ela não tinha boas notas e foi quando papai começou a dar aulas particulares
para ela. Queria juntar dinheiro para comprar o primeiro carro e só conseguiria se tivesse
uma renda extra. Meus avós – que já faleceram e nem cheguei a conhecê-los – não tinham
dinheiro o bastante para comprar. Meu pai precisava dar o melhor de si para conseguir o
que queria naquela época. Maisie era como o tão sonhado conversível para Nicholas. Bonito
e distante demais para ser alcançado.
Ele a convidou para sair cinco vezes e nas cinco vezes ela recusou. Conseguiu convencê-
la quando estavam no último ano e mamãe levou um pé na bunda do namorado perto do
baile de formatura. Papai resolveu convidá-la pela última vez. Como estava em cima da
hora para conseguir um par para o baile, ela aceitou e desde aquela noite, segundo meu pai,
eles não se separaram mais.
Quando escuto essa história, ele sempre a completa com a frase: “as coisas não precisam
acontecer da forma como você quer, elas só precisam acontecer. Não importa quando nem
onde”.
Confesso que é uma história fofa, mas não acredito em conto de fadas. Já tenho quatorze
anos, não dá para ficar esperando pelo príncipe encantado nem pelos mocinhos dos
romances contemporâneos. A realidade é um verão cruel.
Sebastian e eu não ficaremos juntos. Ele não vai cair em si. Não dá para escolher por
quem se apaixonar, a semente do amor foi plantada no solo fértil do coração dele e, aos
poucos, Bryan se infiltrou. Não foi de propósito, não estou tentando culpá-lo, mas
aconteceu. Preciso aceitar e seguir em frente, o que não quer dizer que vou tentar parar o
que sinto. Assim como Bryan ousou invadir o espaço que deveria ser meu, Sebastian fez o
mesmo comigo.
— Não vai acontecer, pai — respondo resignada e papai enruga a testa, confuso. Sei que
está tentando me animar com a sua história de amor, mas não vai funcionar. — Digamos
que não posso competir com o sentimento que Seb tem por essa pessoa. É complicado
demais. — Empurro o corpo para a frente até estar com os pés no chão. — Obrigada pela
conversa. — Deixo um beijo em sua bochecha antes de subir para o quarto.
— Às vezes é melhor que vocês sejam apenas amigos.
— É. Estou feliz de poder fazer parte da vida dele desse jeito. Não vou reclamar!
Meu pai anui, sorrindo.
— Te criei bem.
— Você me criou mais do que bem, pai. — Eu me viro e abraço sua cintura, fico na ponta
dos pés acomodando o rosto em suas omoplatas. — Não serei uma garota que chora pelos
cantos por ter levado um fora. Tá tudo bem o Seb não gostar de mim.
Ele dá leves palmadinhas no dorso de minhas mãos. Escuto sua risada baixa, escapando
ar entre os lábios e respirando fundo.
— Essa é a minha garota.

— Bom dia, Lucille! Bom dia, Susan! — grito, acenando para as irmãs Barnes, enquanto
corro pela relva molhada em direção ao carro de mamãe.
Ela está buzinando há dez minutos, impaciente. Acordei atrasada porque fiquei até
tarde trocando mensagens com Effy. Contei a ela sobre mim e Sebastian – excluindo o
detalhe de meu amigo ser gay –, apenas contei que Seb não estava disponível para
corresponder aos meus sentimentos.
— Você vai me fazer atrasar! — Nate coloca a cabeça para fora do carro. Ele está
sentado no banco da frente. — Por que não acordou mais cedo, caramba?!
— Desculpa! — Jogo a mochila no banco de trás e entro. — Foi mal, Nate.
— Passou a noite conversando com Sebastian de novo?
Nate me olha pelo retrovisor do banco da frente e ri para o reflexo. Mostro a língua para
ele e o ignoro. Sou dois anos mais velha que meu irmão, que ainda estuda em escola
pública. O plano dele é seguir meus passos e tentar a bolsa de estudos na Saint Ville para o
ensino médio. Gosto da ideia de ser uma inspiração e espelho para ele. Espero fazer as
coisas certas para continuar sendo alguém em quem ele possa se inspirar.
— Não mexa com sua irmã, Nate!
Mamãe bagunça o cabelo castanho-claro dele, que resmunga tentando assentar os fios
lisos no lugar. A cor do cabelo de Nate é uma herança genética de papai. Tenho mais o tom
de mel, como o de mamãe. Encaro o retrovisor para ajeitar os fios compridos. Comecei a
deixar o cabelo crescer há três anos. Ele está quase chegando a minha cintura e pretendo
deixá-lo assim até a formatura.
Limpo o excesso do lápis de olho na linha d’água. Gosto do preto porque destaca meus
olhos verde-claros – como os de mamãe – e pressiono os lábios para espalhar o brilho
labial.
— Pronta? — mamãe pergunta ao prender o cinto de segurança.
— Pronta! — anuncio, também prendendo o cinto.
No caminho, estou tentando ajeitar a saia de pregas azul-marinho e fazer o nó da
gravata. Nunca consigo e a senhora Nancy, nossa supervisora, acaba pegando no meu pé
por não chegar à escola vestida adequadamente. Ela chamou minha atenção pelas meias
arrastão pretas e os pins de filmes e séries que prendo no blazer do uniforme.
No mês passado, mamãe precisou levá-lo em uma costureira, pois o brasão estava se
desfazendo. Coloco os pins no lado esquerdo, na lapela, para não atrapalhar a logo do
brasão; dois ramos saindo de trás de um escudo no mesmo tom de azul que a saia e uma
faixa azul-marinho com o escrito “PREP” em branco.
— Por que você não espera eu parar e te ajudo com a gravata? — Vejo mamãe sorrir
para mim através do seu reflexo no retrovisor.
— Preciso aprender a lidar com essa coisa — resmungo, tentando pela terceira vez.
— Você já estuda na Saint Ville há nove meses. Se não conseguiu aprender até hoje, não
aprende mais! — Nate zomba implicante e mamãe lhe envia um olhar repreensivo. —
Quando começar a estudar lá, vou ser impecável!
— Ha-ha-ha, espera até conhecer Nancy! — Desisto do nó.
— Serei tão adorável que ela não vai conseguir me repreender! — Nate ergue o queixo
convencido e dou risada. — Por que você está rindo?
— Nós estamos falando de uma senhora de cinquenta anos, Nate Wilde! — Dou um soco
leve no apoio de cabeça do banco da frente, ele reclama, mas gargalha também. — Te
desejo boa sorte.
Mamãe também está rindo da nossa discussão sem sentido e me dou conta de que quase
todas as manhãs são assim e amo. Amo como nosso relacionamento familiar é leve,
agradável e aconchegante.
Todos os dias fico feliz por estar em casa. Adoro que meus pais não briguem muito e
que Nate e eu temos um relacionamento de companheirismo e cumplicidade. Quando estou
chateada com algo e não quero falar sobre o assunto com ninguém, nós dois nos aninhamos
debaixo de um cobertor na sala e assistimos filmes até que eu me esqueça a razão de estar
magoada.
Vendo-os rir, agradeço a Deus por ter me dado uma família incrível e peço para que
aquelas que não têm, um dia, possam experimentar o que eu vivo todos os dias. É como
viver o céu na Terra. Amar alguém a ponto de sentir seu coração incendiar é uma sensação
que você carrega para o resto da vida. Sou grata por minha família fazer meu coração
queimar todos os dias.
Mamãe está diminuindo a velocidade, olho pela janela e vejo Effy, Lilah e Sebastian me
esperando do lado de fora, recostados ao muro com tijolos marrons expostos. O grande
portão preto de ferro está semiaberto. Puxo a manga do blazer para conferir o horário, não
estou atrasada, mas quase em cima da hora.
Mamãe vira o volante e entra na vaga, estacionando perpendicular ao paralelepípedo.
Salto do carro e agarro a mochila. Vejo-a sair também e paro ao lado da porta de Nate. Ele
está com o braço dobrado, a mão fechada debaixo do queixo e o cotovelo descansando na
janela.
Aperto sua bochecha pálida com o indicador e polegar, rio e sopro um beijo no ar para
ele.
— Te vejo em casa, anjo!
— Vê se me esquece! — grunhe, rindo.
Paro em frente ao capô do carro e mamãe vem ao meu encontro com as mãos
estendidas. Ela faz o nó na gravata perfeitamente, ajuda a colocar para dentro do blazer e
ajeita a lapela com pins.
— Você pode mesmo usar isso na escola? — Não tenho certeza se ela se refere aos pins
ou às meias arrastão.
— Isso é quem eu sou, mãe. Se eles me proibirem, vou denunciar a escola por opressão!
— Você tem toda razão — concorda, mas existe um fiasco de dúvida em seu tom. —
Vejo você mais tarde. Tudo bem voltar para casa a pé hoje?
— Não tem problema.
— Certo. Se precisar de algo, você pode me ligar!
— Mãe.
— Hum?
— Tenho que ir agora. — Gesticulo para meus amigos que estão me esperando. Ela
finalmente parece notá-los e ergue a mão para acenar. — Obrigada pela ajuda e pela
carona.
— De nada. Amo você, boa aula. — Ela acaricia as laterais dos meus braços e me
empurra de leve em direção ao portão.
— Até mais tarde!
Aceno sem olhar para trás.
Todos os dias é a mesma coisa; ela leva alguns minutos para se despedir. Sinto que
mamãe tem medo de que os alunos da Saint Ville me tratem diferente por não ser como
eles, mas nos últimos nove meses, estudar aqui tem sido um sonho realizado. As aulas são
divertidas e os professores não me tratam diferente por eu não morar em uma mansão de
três andares. Os alunos, apesar de observarem mais a aparência que a intelectualidade,
ainda assim, nunca foram desrespeitosos comigo.
— Ainda não consegue fazer o nó da gravata? — Lilah pergunta, sorrindo.
Por um segundo, lembro-me da minha conversa com Bryan. Não consigo olhar para ela
e não pensar nele. Estou curiosa para saber quando esse relacionamento virá à tona e
deixará de ser um segredo. Ainda estou me decidindo se vou confrontá-la ou esperar. Não
sou do tipo que fica calada quando estou curiosa para saber o que está acontecendo.
Ela é linda e Bryan é incrivelmente bonito. Eles formam um belo casal, só não consigo
entender quando foi que aconteceu. Os cabelos loiro-escuros com mechas claras dividido ao
meio, olhos azuis-escuros e o rosto pálido com sardas nas bochechas são a marca de Lilah.
Ela tem muitos pretendentes pela escola, além de estar tentando entrar para as líderes de
torcida, o que acho que vai acontecer em breve. Seu talento para a dança e o corpo
curvilíneo lhe dão destaque.
Lilah é pelo menos trinta centímetros mais alta que eu e, quando me aproximo mais,
passa os braços sobre meus ombros e nos guia para dentro da escola.
Como de costume, os alunos estão espalhados pelo campo à direita, sentados e
conversando. À nossa esquerda, ficam localizadas algumas mesas onde os alunos almoçam,
conhecida como área verde da Saint Ville. Algumas árvores fazem sombra e nós quatro
preferimos nos sentar sob elas.
Evito olhar para Sebastian e fico esperando por qualquer comentário de Effy, mas não
acontece. Ela está quieta hoje e começo a ficar preocupada que as coisas que contei na noite
passada possam interferir. Effy não é previsível como Seb, não dá para saber como reagirá
a mudanças ou sentimentos.
— Um dia consigo fazer o nó — respondo a Lilah, rindo.
— Não é tão difícil — Sebastian finalmente fala e olho para ele. — No almoço te ensino.
— Eu posso te ensinar — Effy dispara. Sei que sua intenção é evitar muita interação
entre mim e Seb, mas não estou tentando afastá-lo, então sorrio para tranquilizá-la. — Ou,
sei lá, você quem sabe. — Ela engancha o braço na curva do meu cotovelo e seguimos em
direção à entrada principal da escola.
Desvio o olhar pela última vez para Sebastian. Depois de levar um fora, parece que ele
está ainda mais bonito. Os cabelos estão úmidos, desgrenhados e o tom loiro-claro, como o
da irmã, brilha sob os raios violetas do sol. Suprimo um suspiro e torço para que ninguém
perceba que estou o fitando de novo. Ele enterra as mãos no bolso da calça e rapidamente
sou sugada para a lembrança de Bryan fazendo a mesma coisa na noite passada.
Bryan andando com as mãos escondidas dentro do bolso, por alguma razão, tem uma
postura diferente quando Sebastian faz isso.
Seb parece mais bonito e elegante. Bryan parece mais bonito, porém, intimidador com
aquele tipo de olhar que exala indiferença. Olho para Lilah, a flagro perscrutando a escola
assim que pisamos na recepção. Se Bryan não a tivesse mencionado ontem, não veria
aquele ato como significativo, mas agora tudo que Lilah faz gera suspeitas.
A supervisora está atrás do balcão de braços cruzados estudando cada aluno que entra.
Os óculos de armação vermelha recaídos no osso do nariz e assinto para ela quando
passamos.
— O que foi, Lilah? — questiono quando a vejo olhar para trás. Ela está procurando por
alguém e me pergunto como não tinha notado essa mudança de comportamento na escola
antes.
Seb segue meu olhar e volta para a irmã com o mesmo ar de questionamento que o meu
de segundos atrás.
— Tá procurando por alguém? — ele indaga, acompanhando a direção para onde os
olhos da irmã estão mirando.
— Não. Por quê?
— É que você tá estranha — Effy completa, rindo.
— Estranha? — Finalmente ganhamos sua atenção. — Como assim, estranha?
— Você fica procurando alguém nessa multidão — Seb pontua, gesticulando com as
mãos para o lado de fora, onde alguns alunos ainda esperam pela sineta de anúncio ao
início das aulas.
— Não tô procurando ninguém — mente e sei disso porque antes ela pigarreia. Todas
as vezes que Lilah mente, ela limpa a garganta, como se tentasse sustentar o tom de voz em
neutralidade. — O quê?! — Ela para ao pé da escada e desvencilha o braço que está em meu
ombro.
— O que você tem? — insisto ao cruzar os braços.
Não quero forçá-la a contar nada, mas algo me diz que Bryan plantou essa sementinha
de desconfiança em mim para que eu fizesse exatamente isso: desconfiasse e colocasse
Lilah contra a parede e a pressionasse para dizer a verdade.
— Nada. Vocês estão delirando!
Viro o rosto para observar Sebastian. Sinto os glóbulos dos meus olhos saltarem de um
lado para o outro. Um silêncio acompanhado de tensão corrói o ar da atmosfera que nos
cerca. Lilah cruza os braços, os ombros tensionados relaxam e ela desvia para o alto da
escada. Nós três acompanhamos seu olhar e lá está ele: a mesma postura austera,
displicente e indiferente. Bryan está com os cabelos molhados, penteados para trás.
Devagar, desce degrau por degrau. Por um instante, desvio para Seb, seu maxilar trinca e
posso ouvir os dentes rangerem.
Assim como Sebastian, Bryan está com as mãos dentro dos bolsos. Ele nem mesmo sorri
ao se encontrar com a namorada. Diferente de Lilah, que tem um sorriso que parece rasgar
seu rosto ao meio. A linha rígida dos lábios de Bryan, enfim, se solta e noto o esboço de um
sorriso. Nada muito revelador como o de Lilah, mas ainda assim é um sorriso.
Ele passa por nós devagar, quase em câmera lenta e observo Lilah prender a respiração
quando esbarra no ombro dela. Bryan não olha para trás, mas minha amiga não consegue
disfarçar. Ao voltar a si, ela se vira em nossa direção.
— Não é nada — insiste.
— Que merda foi essa? — Effy grunhe e cruza os braços, esperando que Lilah diga a
verdade.
— O que foi o quê?
— Você e Bryan. Essa troca de olhares foi insana!
— Effy! — Seguro o punho dela para fazê-la parar.
— Vocês estão delirando — murmura e Lilah não está mais se esforçando para
continuar mentindo.
— Na verdade, Lilah, encontrei-me com Bryan ontem e ele me pediu para te dizer: “oi”.
Evito olhar para Sebastian. Ele está fitando a minha nuca e consigo senti-la queimar. O
fardo é grande, mas não me sinto culpada por dizer a verdade. Lilah apesar de surpresa,
não está chateada. A verdade é que planejavam andar de mãos dadas pela escola. Percebo
agora a intenção de Bryan ter revelado o segredo deles para mim.
Ele queria que eu amaciasse o terreno, deixá-lo preparado para que pudessem desfilar
pela Saint Ville como um casal. Não sinto por eles, mas por Sebastian. Assim como descobrir
que o cara de quem gosto é gay, descobrir que Bryan e Lilah estão saindo causa o mesmo
impacto doloroso para Seb. Eu supero rápido, mas não consigo ter certeza de que ele irá.
O sorriso no rosto de Lilah desaparece. Não consigo dizer se ela está chateada comigo
ou com Bryan, mas de qualquer forma, o lampejo em seus olhos não é de satisfação.
— Vocês estão namorando? — A voz grave de Sebastian faz meus tímpanos doerem.
— Mais ou menos. — Lilah joga os ombros para cima com desdém e aperta a mochila na
lateral do quadril. — Nós... nos encontramos algumas vezes depois da aula. Ainda não tenho
certeza se estamos juntos. Eu queria contar pra vocês, mas não até ter certeza de que
estamos na mesma sintonia.
— Como assim, mesma sintonia? — indago antes que Sebastian diga alguma coisa.
— Eu gosto dele. Gosto de verdade, Mackenzie. Só... não quero ser a única com esse
sentimento. Resolvi esperar que ele dissesse alguma coisa, então eu saberia que a nossa
sintonia é perfeita.
— Que monte de baboseira! — Effy comenta sem pudor. Sebastian parece estar em
algum tipo de torpor porque não diz mais nada e nem faz menção de entrar na conversa. —
Se vocês se gostam é só falar!
— Ele disse algo pra você? — Lilah pergunta para mim e fico na defensiva. Se contar a
ela posso magoar Sebastian, mas se eu não disser nada, no futuro minha amiga descobrirá e
poderá entender errado.
Pego fôlego, puxo o máximo de ar que consigo para alimentar meus pulmões e o solto
devagar.
— Disse, sim. Algo como... eu gosto dela.
Lilah abre um sorriso, de ponta a ponta, e minhas pernas tremem. Dou um passo para
trás, em busca do corpo de Sebastian. Ele está rígido. Coloco a mão para trás e procuro a
sua para segurá-la. Ele nota e entrelaça nossos dedos, aperto sua mão com firmeza. Quero
que, através desse gesto, ele escute o que bate dentro do meu coração: “estou com você, não
importa, nada mudou”.
— Falo com vocês mais tarde.
Ela corre pelo corredor, para onde Bryan passou minutos atrás. Viro nos calcanhares
para ver Sebastian. Ele parece tenso, mas nem um pouco surpreso. Fico com medo de que
esteja magoado com a irmã, mas logo está sorrindo para mim e Effy.
— É bom vê-la sorrir — comenta e olha para a direção onde Lilah sumiu.
É quando percebo que não sou a única garota forte. Sebastian é o tipo que abriria mão
do próprio sentimento, para que a irmã tivesse a felicidade. É o tipo de coisa que eu faria
por Nate sem pensar duas vezes. Fico na ponta dos pés para abraçá-lo e mesmo que Effy
não saiba, com poucas palavras pode haver muita compreensão. Ela não diz nada, mas sabe
exatamente como Seb se sente.
As mãos grossas do meu amigo apoiam minha cintura. Sinto-o resistir no começo, mas
não desisto de abraçá-lo e em pouco tempo, seus braços estão em volta da minha cintura e
seu nariz fungando o perfume do meu cabelo. Beijo sua bochecha e prometo apoiá-lo
daquele dia em diante. Não importa a quem o seu coração pertença, o meu está
resguardado e protegido. Posso doar um pouco da minha força para ele.

“Então não se importe
Eu estou indo muito bem
Eu vou ficar bem, eu vou ficar bem
Talvez eu esteja apenas confortável
Talvez eu esteja apenas confortável
Amor, talvez eu-eu-eu esteja apenas confortável
Em estar triste”
SAD – BEBE REXHA

Sebastian se esforça para fingir que não está magoado. Ele, às vezes, é tão transparente
que posso ler em sua expressão o que seu coração está dizendo. Em outras, ele parece
realmente bem. Não tocamos no assunto quando Lilah volta e entra na aula de escrita
criativa sorrindo. O batom rosa claro que adornava os lábios está borrado e a tonalidade
diminuiu drasticamente de quando chegamos à escola. Sabemos o motivo e mesmo assim
ficamos em silêncio.
Concentro-me na aula e ajo como se os minutos anteriores sequer tivessem existido.
Pensei que Sebastian fosse me encher de perguntas sobre Bryan, talvez me chamar de
traidora, mas não acontece. Ele se comporta impassível. Lilah mexe com ele algumas vezes
durante a aula e Seb a responde com diversão no tom de voz, como faz todos os dias. Nada
muda. Tudo parece como ontem de manhã, antes de toda a bagunça começar a acontecer.
Na hora do almoço, Lilah desaparece e não conseguimos encontrá-la. De repente, fico
em alerta e espero que ela e Bryan apareçam na sombra onde estamos. Estou descansando
a cabeça nas pernas dobradas de Effy, com o antebraço cobrindo os olhos. Seb está
mexendo no celular, descontraído e não presta atenção em nossa conversa. Está recostado
ao tronco protuberante da árvore, mordendo a unha do polegar esquerdo. Seb age assim
quando está pensativo, quero falar com ele sobre o que aconteceu, mas fico com medo de
conversar na frente de Effy.
— O que vamos fazer no fim de semana? — Effy pergunta enrolando uma madeixa do
meu cabelo em seu dedo. — Parque de diversões? Cinema? Boliche? Karaokê?
— Pelo amor de Deus, karaokê NÃO! — Seb brinca, gargalhando e tiro o braço do rosto.
— Sério. Você é incrível em muitas coisas, Mackenzie, mas cantar não é uma delas.
— Ei! — Dou um tapa no ar, querendo alcançá-lo, mas ele desvia. — Eu canto muito
bem, tá!
— Piada do ano — Effy completa, rindo. As covinhas fundas da minha amiga são fofas,
mas ela as odeia. Afundo o indicador em um dos buraquinhos em sua bochecha e ela afasta
o rosto. Tenho um fraco por elas. — Para com isso!
— São fofas! — exclamo e tento tocá-la de novo, ela joga o corpo para trás e ergue as
pernas. Sou obrigada a me mover. — Karaokê, então? — Olho para Seb, esperando que pare
de perder tempo mexendo no Instagram de fofocas da Saint Ville, quem quer que cuide do
perfil é guiado pela necessidade de chamar atenção. Embora não aconteça muitas
confusões, a dona do perfil da Saint Ville tenta encontrar uma brecha a cada fofoca que
surge.
— O que você tanto olha nesse celular? — Effy estica o pescoço para tentar enxergar a
tela do aparelho e Sebastian o aperta contra o peito.
— Estou só olhando!
— Se a novidade de Lilah e Bryan estarem juntos saiu na mídia... Ah, por favor, Seb. Eles
não são celebridades! — Sebastian brinca com o piercing de argola prata no nariz e bufa,
voltando a atenção para o celular.
— Saiu algo sobre eles? — pergunto sem esconder a determinação na voz. Seb levanta
os olhos em minha direção e balança a cabeça, negando. — Você está bem?
Ele volta sua atenção para mim e vira a tela do celular contra o gramado verde.
— Não saiu nada. Estou bem e você?
— Estou bem. — Quero acrescentar um: por que não estaria? Mas não o faço. — Vamos
ao karaokê ou não?
— Só se você prometer não cantar nenhuma música sequer — Sebastian brinca,
bagunçando meus cabelos. Giro o corpo ficando de bruços.
— Qual a graça de ir ao karaokê e não cantar? — Reviro os olhos e cruzo os braços na
frente, para sustentar o peso do tronco que estou inclinando para a frente.
— Vou reservar uma sala — Effy corta nossa pequena discussão e se levanta. — Será
que preciso acrescentar mais um?
— Por quê?
— Seb, é um talvez, mas... e se eles estiverem mesmo namorando?
Há um breve silêncio, quando abro a boca para cortá-lo, Sebastian se levanta e o sigo
com o olhar.
— Você contou a ela? — Arqueio uma sobrancelha e me levanto também. Fico de frente
para ele e cruzo os braços. — Contou ou não?
— Não, Sebastian. Não contei nada pra Effy.
— Contou o quê?
Mais silêncio.
— Que você gosta do Bryan? Jesus, qualquer um perceberia isso, Seb! Sério! Você
percebeu como ficou quando eles se encontraram na escada? Até o mais lesado conseguiria
notar, sem ninguém precisar contar. Se quer que seja um segredo, não seja tão
transparente.
Ele suspira, espero por um pedido de desculpa, mas não vem. Aperta os olhos com a
ponta dos dedos e escora o corpo na árvore, cruzando os braços.
— Vamos esquecer o que aconteceu, beleza? Esquecer de verdade, Mackenzie. — Ele
sustenta meu olhar, encolho os ombros e assinto. — Te pedi pra esquecer ontem e você
correu pra casa do Bryan.
— Eu não...
— Você não estava tentando me atrapalhar, eu sei — interrompe —, mas, se eu quiser a
sua ajuda, vou pedir. Nós somos amigos, você é a primeira pessoa para quem eu correria na
vida.
Meneio a cabeça para concordar com ele.
— Nós somos amigos — enfatiza.
— Eu entendi o que você quer dizer, Sebastian. Não estava tentando fazer com que
gostasse de mim. Eu sei qual é o meu lugar nessa equação. Você e eu não somamos!
— Que bom que entendeu.
Ele se abaixa para apanhar a mochila, joga-a sobre o ombro e continua parado.
— Vou ficar um pouco na biblioteca, vocês podem ir na frente.
Quando Seb sai, Effy ancora seu braço pesado em meu ombro esquerdo. Tombo para o
lado, ainda de braços cruzados, e o assisto caminhar entre os alunos em direção ao prédio
atrás da escola. O estilo colonial da Saint Ville combina com Sebastian mais que com
qualquer outro aluno. Suprimo o suspiro, aceito a espiral que desce em meu corpo e
descanso a cabeça no braço de Effy.
— Vocês vão ficar bem — encoraja-me, sorrindo docilmente.
— Quando nós dois aceitarmos que não estamos com as pessoas que gostaríamos de
estar, vamos ficar.

— Quando começou?
Effy está debruçada em minha cama, com uma revista aberta na página de testes. Está
respondendo algumas perguntas, mas a que fez em voz alta não tem nada a ver com o teste
na revista. Ela está curiosa sobre Lilah e Bryan, tem falado disso desde que Sebastian
desapareceu pelo resto do dia. Achamos que ele matou as últimas aulas na biblioteca e
depois usará a desculpa de estar fazendo um projeto extracurricular para se safar.
Lilah contou que foram para casa juntos, mas não perguntou a razão do irmão estar
agindo estranho nas últimas horas. Queria poder ser sincera com ela sem que o
relacionamento dela com Seb seja afetado. Assim como conheço Seb, também conheço
Lilah. Diferente dele, ela não aceitaria que o irmão está chateado nem compreenderia por
que tenho sentimentos por ele, afinal, somos todos amigos e qualquer relacionamento além
disso dentro do nosso círculo, poderia ser o fim do “grupo”.
— Três meses atrás, nas aulas de educação física — conta livremente, paro o que estou
fazendo no computador para escutá-la.
Lilah está sentada de frente para a minha penteadeira, treinando um estilo de
maquiagem novo que aprendeu assistindo vídeos no YouTube. Ela faz um delineado
perfeito enquanto fala e me pergunto como consegue se concentrar em ambos.
— Mas, como foi? Ele chamou você para sair?
— A gente se encontrou na sorveteria há três meses. Estava lotada, então Bryan me
convidou para me sentar com ele e Graham. — Effy empertiga o corpo, Lilah e eu damos
risada, porque Effy é a fim de Graham desde o começo das aulas. — Conversamos, ele pediu
meu número e trocamos mensagens por algumas semanas. Saímos de novo depois da aula
por alguns meses e rolou aos poucos, não pensei que se tornaria algo sério — Ela dá de
ombros e tampa a caneta delineadora. Vira o tronco para ficar de frente para nós no
banquinho e sorri. — Ele é um cara legal.
— Ele é estranho — comento, arqueando a sobrancelha.
— Por que você fica repetindo isso? — Lilah fica ofendida, mas estou sendo sincera.
— Desculpa, Lilah, mas o único Bryan que conheço é o vizinho, que, inclusive, nunca
apareceu para uma reunião de vizinhança e sempre anda pela escola esnobando o mundo
que o rodeia! Se você quer que eu acredite que ele é um cara legal, é melhor ele provar.
— Tudo bem. Ele vai ao karaokê amanhã. — Ela volta o corpo para a frente e se inclina
em direção ao espelho para continuar a maquiagem.
Effy e eu trocamos um olhar rápido.
— Então, ele vai mesmo? Tipo, ele não arrumou nenhuma desculpa ou coisa assim? —
Examino Lilah, inclinando mais o corpo para a frente sobre o encosto da cadeira. Apoio o
queixo nas mãos cruzadas e espero.
— Não, Mack. Ele não arrumou nenhuma desculpa. Eu convidei, ele aceitou e pronto. Ele
realmente gosta de mim.
— Não estou dizendo que não gosta, Lilah — defendo-me, ajeitando a postura.
— Não, mas é exatamente o que parece. Ele pode preferir ficar na dele, mas, quando as
pessoas estão apaixonadas, elas fazem coisas umas pelas outras.
— Vocês só têm quatorze anos, como podem dizer que estão apaixonadas assim, de
repente? — Effy pega um travesseiro e o joga na direção de Lilah e acaba acertando sua
cabeça.
— Olha quem fala — Lilah agarra o travesseiro do chão e o devolve na direção de Effy
—, caidinha pelo Graham.
— Só o acho bonito.
— Que mentira! — acuso, apontando o dedo para ela. — Ele não pode passar perto que
você perde toda a concentração!
— Espera. Effy disse vocês. Por quem você está apaixonada, Mackenzie?
— Por Logan Scott — Effy vai adiante, envio um olhar repreensivo para ela.
— Vocês estão a fim dos colegas do Bryan. É perfeito! — Lilah comemora e tenho
vontade de esmagar Effy por contar uma mentira dessas. Entendo que ela quer proteger
Sebastian, mas me usar como escudo não pode ter um bom resultado. — Que tal se eu
convidar o Graham e o Logan?
— Não! — respondo.
— Sim! — Effy muda a postura, coloca os pés para fora da cama e anda em minha
direção. — Por favooooooooor! — Ela sacode meus ombros, insistentemente.
— Hum... — Jogo a cabeça para trás reclamando. — Não quero que o Sebastian sinta que
está excluído, você pode chamar o Graham, mas quero fazer companhia pro seu irmão.
— Nossa, você é mesmo uma superamiga.
Sorrio sem dizer nada. Lilah tem razão quando diz que sou uma boa amiga. Às vezes,
deixo de lado o que sinto para priorizar o que eles sentem. Não importa o quão ruim seja
para mim, parece que, para Sebastian, é ainda pior.
Logan é bonito, jogador de basquete e tem boas notas, mas não é o cara que eu estaria
interessada em me envolver.
Sou o tipo de garota que só vai entrar em um relacionamento quando a pessoa fizer meu
coração explodir e meu estômago se embrulhar de tantas borboletas voando nele.
Enquanto outro não fizer eu me sentir assim – como Sebastian fez –, vou continuar
mantendo meu coração fora de alcance.

Passo parte da manhã do sábado ajudando mamãe com as provas dos seus alunos. Ela
está corrigindo e distribuindo notas. É professora do sétimo ano do fundamental e tem em
torno de dez turmas. Às vezes, ela não consegue se organizar sozinha e me disponho a
ajudar. À tarde, ajudo papai com o fechamento da quinzena da loja de conveniências, onde é
gerente; e no final do dia, ajudo Nate com a redação.
Às seis horas, Lilah me envia uma mensagem, dizendo que Bryan se ofereceu para me
dar uma carona. Digito uma mensagem e digo que não preciso, papai vai me levar, mas dez
minutos depois, o telefone dele toca e ele precisa voltar para a loja. Envio uma mensagem
para Lilah e peço pela carona outra vez.
A verdade é que estou evitando trombar com Bryan e não faço ideia de como essa noite
vai acabar.
Estou escolhendo a roupa quando recebo mais uma mensagem de Lilah.

“Tudo certo, esteja pronta do lado de fora às sete.”

“Ok.”

— Esteja em casa às dez, ouviu? — Mamãe está escorada ao batente da porta de braços
cruzados. Sobressalto com sua chegada repentina e dou risada. — Precisa de ajuda?
— Não sei o que vestir. Faz tempo que não vamos ao karaokê. — Cruzo os braços em
frente ao closet aberto e estudo as camisetas e os jeans pendurados. — Hum, Bryan vai me
levar e vou voltar com ele, provavelmente. — Não sei por que estou contando a ela, mas,
como é amiga dos pais dele, acho que é melhor para não a deixar preocupada.
— Então pode voltar às onze. — Dá uma risadinha e se aproxima. Ela puxa os fios
compridos do meu cabelo para trás. — Desde quando vocês são amigos?
— Não somos. Ele está saindo com a Lilah.
— Poxa! — Mamãe sopra o ar, ela parece decepcionada.
— O quê? Por que esse tom de tristeza? — Entorto o rosto para conseguir olhá-la e
outro sorriso se desenha em seus lábios.
— Tinha esperança de que vocês acabassem namorando. — Sem que eu perceba,
mamãe começa a trançar meu cabelo.
— Ele mal fala comigo, mãe, como você tinha essa esperança? — Tombo a cabeça para
trás dando risada.
— Não se mexa! — ela pede e puxa de leve meu cabelo para me fazer parar de mover a
cabeça. — Vocês dois são mais parecidos do que você pensa, Mackenzie.
— Ele me dá arrepios — confesso cutucando o esmalte lilás que Effy passou em mim
ontem à noite. — Sempre com esse ar de superioridade.
— É só o jeito dele. É um bom menino.
— Mãe, você não tem ideia de como ele me olha. É assustador!
— Eu imagino que seja. Você não é uma garota fácil também. — Mamãe está rindo de
novo.
— Só não estou emocionalmente disponível para esse tipo de coisa, quer dizer, você
acha que preciso namorar? Porque eu não acho.
— Você só tem quatorze anos, querida. Ninguém está dizendo que precisa de um
namorado.
— É claro que não.
— Terminei! — Ela segura meus ombros e desliza as mãos por meus braços. Vai até a
penteadeira e procura dentro das caixinhas de joias um prendedor. — Você devia ir com
essa trança. — Joga a trança comprida sobre meu ombro direito e ajeito a franja atrás da
orelha. — Você é linda, às vezes não consigo acreditar que seu pai e eu fizemos você!
— Não quero saber o quanto vocês estavam apaixonados, estou falando sério. —
Aponto o indicador para ela e me afasto em direção ao closet. — Então, vestido, saia ou
jeans? — Coloco as mãos na cintura escrutinando as peças.
Mamãe se aproxima, passa as mãos por cada peça e retira um vestido amarelo que se
parece uma camiseta. Tem um panda desenhado entre os seios. Ganhei o vestido de
aniversário da Sra. Duncan no começo do ano. Lembro-me dela dizendo como combinava
comigo.
— Vai ficar linda com a meia arrastão e seu tênis branco. — Ela sorri e concordo.
Tinha doze anos quando vesti meias arrastão pela primeira vez. Foi uma fase financeira
difícil para os meus pais. Eles estavam tentando pagar a hipoteca da casa, mamãe estava
desempregada e papai não tinha ganhado o cargo de gerente na loja de conveniência ainda.
As coisas estavam realmente difíceis. Era Natal, mamãe levou a mim e Nate para um brechó
de roupas e acessórios. Ela disse que poderíamos escolher qualquer peça e, infelizmente,
era tudo que eles poderiam nos dar naquele ano.
Nate escolheu uma placa de militar prata falsa. Na placa, por incrível que pareça, tinha
seu ano de nascimento. Já eu, por mais que procurasse, não encontrava nenhuma peça que
gostasse. Então, no meio de um montante de meias velhas e usadas, encontrei a meia
arrastão conservada. Mamãe pagou dois dólares pela meia e cinco pela placa. Quando a
vesti em casa pela primeira vez, todos disseram que combinava comigo. De repente, o
simples acessório se tornou uma identidade. Quando a situação financeira melhorou, me
desfiz da meia calça velha e mamãe me comprou muitas outras. Apesar de não ter sido
muito, foi um dos melhores presentes que ganhei. É difícil encontrar a sua identidade nessa
imensidão social, foi significativo para mim ter um estilo aos doze.
— Vou deixar você se trocar. — Ela dá um beijo estalado em minha bochecha e sai.
Visto a meia-calça, o vestido que termina acima dos meus joelhos e calço os tênis. Ajeito
a trança de lado e sorrio para o espelho enquanto tento fazer um delineado como Lilah.
Fracasso três vezes e, na quarta, desisto. Lavo o rosto e o cubro com base, aplico o rímel e
gloss vermelho leve. Às seis e quarenta e cinco, estou pronta.
Pego minha bolsa de ombro branca e saio. Mamãe está na sala assistindo tevê com Nate.
O cheiro de pipoca exala pelo cômodo, roubo um punhado quando passo por eles. Despeço-
me, mastigando.
— Estava brincando, seu horário ainda é às dez! — mamãe grita antes de eu fechar a
porta.
— Tá!
Bryan está parado na rua, recostado ao Jeep de sua família. De braços cruzados, ele olha
no relógio enquanto me aproximo. Reparo em seu jeans escuro, no moletom cinza e nos
tênis brancos. Ele fica bonito sem nem se esforçar, o que é irritante. O estilo despojado me
faz pensar que pegou a primeira peça que lhe apareceu no closet. Com o mesmo olhar
pesaroso e indiferente, Bryan passa na frente do capô, rumo ao lado do motorista.
Pergunto-me desde quando ele tem carteira e aperto os lábios para não fazer nenhum
comentário que gere discussão.
Abro a porta do carona e entro.
— Oi pra você também — resmungo enquanto tento passar o cinto de segurança pelo
ombro.
Consigo sentir o perfume extravagante de Bryan quando se aproxima para me ajudar a
distorcer o cinto que ficou emperrado no caminho. Seu corpo cria uma ponte na frente do
meu e os cordões do gorro do moletom caem na frente do meu rosto. Afasto-os com a mão e
afundo no banco quando meu lábio quase toca seu queixo.
— Cuidado com o lugar onde vai esbarrar a sua boca — murmura ao voltar para a
posição atrás do volante.
O celular dele toca, avisando uma mensagem. Ele para de prender o cinto para pegá-lo
no bolso do moletom e digita uma resposta. Olho para o outro lado para evitá-lo, minhas
bochechas estão queimando pelo seu comentário.
Ele devolve o celular para o bolso, termina de prender o cinto e engata a marcha do
carro. Agarro o banco ao sentir o solavanco da embreagem sendo solta e o carro
acelerando. Verifico a velocidade para ter certeza de que Bryan não está ultrapassando
nenhum limite. Mamãe sempre dirige devagar, mas Bryan está a oitenta quilômetros por
hora. Não é tão rápido, mas a sensação que tenho é de que estamos correndo a cento e
vinte.
— Vou pegar o Graham — avisa, enquanto olha para o retrovisor do seu lado.
— E Lilah e Sebastian?
— Lilah não quer que seus pais saibam sobre nós ainda, então, a gente vai se encontrar
lá.
— Por que não?
— É uma excelente pergunta. — Ele parece irritado, mas tenta disfarçar olhando para o
outro lado, fingindo estar verificando o retrovisor de novo.
Lilah não mencionou nada sobre tentar esconder o relacionamento dos pais, mas, como
ela pode ser considerada com “pouca idade” para relacionamentos, faz sentido.
Faço uma nota mental para perguntar a ela mais tarde e estudo o rosto de Bryan
durante todo o caminho. Parece estranho, mas é um costume. Quando estou em silêncio,
fico observando as coisas que acontecem ou as pessoas próximas. Ele está com o maxilar
travado, minha pergunta parece incomodá-lo até agora. Seus cabelos estão ajeitados para o
lado esquerdo; ora ou outra, ele bagunça mais os fios.
— Você está chateada por Sebastian ter te dado um fora?
Fico um minuto em silêncio, pensando na resposta. Não sei se devo ser sincera e dizer
que fiquei chateada na quinta à noite, mas hoje não me sinto mais tão magoada.
— Hum, fiquei, mas agora estou bem — conto, dando de ombros.
— É sério? — Bryan está surpreso. Sua testa tem vincos profundos que provam isso.
— É sério.
— Se Lilah terminasse comigo, eu ficaria péssimo.
Dou risada.
— Por quê?
— Por que gosto dela? — Ele ergue tanto as sobrancelhas que elas quase tocam na raiz
de seu cabelo.
— Você tem que aceitar as coisas. — Estreito os olhos para ele, ainda rindo.
— Não tem nada a ver, quer dizer que gosto dela e ponto.
— Acho que está tudo bem você ficar chateado por um tempo. É compreensível que a
dor te faça chorar, odiar seu próprio coração e fazer promessas vazias, como nunca mais
gostar de alguém. Meu pai diz isso, que não é saudável continuar magoado e insistir na
angústia por algo que você não tem controle. Eu amo o Sebastian, não estou esperando
nada em troca. Independentemente de ser correspondida ou não, meu coração vai pulsar
por ele. Estou tranquila quanto a isso. Não vou ficar magoada para sempre, nem pensando
que no futuro não posso encontrar alguém que vai gostar de mim também.
— Estou surpreso. — Quando percebo, Bryan está olhando para mim com alguns
milímetros do queixo caído enquanto espera o sinal vermelho abrir.
— Com o quê?
— Com a sua ideia de tudo bem não ser correspondido.
— Amar alguém é uma escolha, não sua, mas do seu coração. Também é uma frase do
meu pai. De qualquer forma, Sebastian e eu nos amamos. Cada um à sua maneira. Estou
feliz só de tê-lo por perto!
— Você é bem flexível, hein. E o seu pai parece ser um cara bom pra conversar esse tipo
de coisa!
— É mais fácil lidar com a dor quando você aceita o que ela é. Se Lilah terminar com
você um dia, e eu espero que não aconteça, mas se acontecer, tá tudo bem e pronto. Você
segue em frente. E sim, meu pai é o máximo!
— Se Lilah terminar comigo, e eu espero que isso não aconteça, quero namorar alguém
flexível como você. — Ele dá risada, não sei se está falando sério, mas tenho quase certeza
de que sim. Fico sem graça e desvio o olhar. — Não estou dando em cima de você, pelo
amor de Deus, não entenda assim. Sua mãe fala tanto sobre você, que é como estar com
uma irmã mais nova ou coisa assim!
Fico um pouquinho desconfortável com seu comentário, mas rio como se não me
importasse.
— Por que você nunca tentou se aproximar?
Ele joga os ombros para cima como quem não liga.
— Prefiro ficar sozinho.
— Se você começar a andar com a gente a partir de agora, nunca mais estará sozinho.
Mesmo que queira, é assim que nosso grupo funciona. Estar sozinho não é uma opção.
Bryan assente, rindo baixinho. Ele vira o rosto para que eu não veja a satisfação, mas
não precisa ser nenhum gênio para saber que sua escolha de estar sozinho não é uma
questão de gostar ou não, mas de consequência.

“Tenho calafrios, e eles estão aumentando
E estou perdendo o controle
Porque a energia que você está liberando
É eletrizante!
É melhor se cuidar
Porque eu preciso de um homem
E o meu coração só pensa em você
É melhor se cuidar
É melhor você entender
Que devo ser verdadeira com meu coração”
YOU'RE THE ONE THAT I WANT – GREASE

Mato um leão a cada meia hora por Sebastian. Ele está mais silencioso, irritado e
impaciente que o normal. Tento acalmá-lo com conversas banais, mas acabo me
arrependendo em seguida. Todos percebem que ele não está de bom humor, mas sou a
única que realmente se importa com o que está acontecendo. Ninguém ali tem culpa da
profusão de sentimentos perturbadores que tem assombrado Seb, nem mesmo eu. Porém,
sinto que ter me declarado lhe agregou um fardo que não esperava e por isso está me
evitando.
É como se o relacionamento entre Bryan e Lilah tivesse acontecido por minha causa.
Sebastian sabe que não, eu sei que não, Effy e Graham também e, mesmo assim, ele
continua me olhando com caráter julgador. Na primeira hora ignorei suas caretas, o olhar
repreendedor, mas quando o microfone do karaokê começou a rodar entre nós e chegou a
minha vez e de Seb, ele disse que não cantaria comigo. Sempre formamos uma dupla.
Companheiros. E gostar dele machucou nossa amizade.
Só tomo consciência disso quando ele sufoca um xingamento na garganta e se levanta,
avisa que está indo embora e sai. Meu corpo se move de forma automática, estou pronta
para ir atrás dele, mas Effy me segura pelo pulso, sussurra que é melhor deixá-lo sozinho
por enquanto e os meus cinco minutos de coragem desaparecem.
Bryan me fita enquanto bebe um gole de refrigerante. Lilah notou o comportamento
estranho do irmão desde que chegamos, acredito que prefira evitar um conflito com
Sebastian, portanto, não diz nada.
Suprimo um suspiro cansado, respiro pesado e jogo o corpo contra o encosto estofado
do sofá da sala de karaokê ao escutar o som estrondoso da porta sendo fechada.
A sala é escura. Apenas um filete de luz amarela clareia o ambiente em um suporte sob
nossas cabeças.
Graham está quieto, evitando conversar com Effy e a saída repentina de Seb deixou o ar
recheado de tensão, estamos tentando contornar a situação.
— Vou pedir mais uma porção de batata frita — Graham sibila, pega a lata de
refrigerante da mesa quadrangular e sai.
Effy me encara, como se perguntasse se tudo bem me deixar sozinha com Lilah e Bryan.
Com a cabeça, faço mesura para ela que vou ficar bem e ela o segue.
Bufo, cansada. Quero ir para casa, mas preciso esperar por Bryan. Disse a mamãe que
pegaria carona com ele.
Nas poucas horas que passamos juntos, percebi algumas coisas no relacionamento de
Bryan e Lilah. Ele é quieto, como costuma ser. Se envolve pouco nas conversas e concentra
toda sua energia em minha amiga. Nesse momento me tornei uma observadora, porque
passei grande parte do tempo com a atenção nas ações deles. Quando não estava tentando
animar Sebastian, dedicava alguns minutos a estudá-los.
O comportamento de Lilah é outro se tratando de Bryan. Ela fica estranha, inquieta,
insegura e obcecada. Não sei se Bryan se importou, mas quando Effy fez menção de se
sentar ao lado dele, Lilah pigarreou tão alto que ecoou na sala. Effy se afastou e Lilah
conduziu Bryan para se sentar ao lado do braço do sofá, onde nenhuma de nós pudesse ter
a intenção de ficar perto.
Ela agarra o braço de Bryan quando vê que estou olhando para eles. É como se me
pedisse, de um jeito sutil, para não me aproximar. De repente, pergunto-me a razão de Lilah
ter pedido a Bryan uma carona para mim se ela se sente tão vulnerável a respeito dele com
outras garotas. Franzo o nariz em uma careta e não desvio o olhar. Raramente me deixo ser
intimidada pelas ações de Lilah e não vou começar agora.
Limpo os farelos de batata Chips do meu vestido e caminho em direção ao karaokê.
— Você não cantou nenhuma. — Pego um microfone em cima do aparelho e o estendo
na direção de Bryan. — Vamos cantar uma música juntos. — Não estou tentando provocar
Lilah, quero que ela veja que não tem com o que se preocupar. Nós somos amigas dela,
nunca pensaríamos em atrapalhar seu relacionamento com ele.
Vejo os dedos de Lilah afundarem no braço direito de Bryan, onde está ancorada. Reviro
olhos, sem me dar ao trabalho de tentar disfarçar minha impaciência.
— É só uma música, Lilah — murmuro irritada e sacudo o microfone mais agressiva em
direção a ele. Bryan parece acuado e está resistindo a vontade de cantar comigo.
Caramba, ele tem medo mesmo dela terminar com ele?
Aos poucos, seus dedos se soltam e Bryan segura sua mão, beijando cada dedo. Viro o
rosto para não ficar encarando. Ele apanha o microfone de minha mão e pego o controle
para escolher uma música.
— O que você quer cantar? — pergunto, zapeando pela playlist extensa dos anos
setenta.
— Pensei que fosse escolher uma música atual — ele sussurra ao cruzar os braços na
frente do peito e abrir as pernas enquanto estuda a tela da tevê. — Anos setenta, hein?
— Por quê? Você não gosta? — Paro de descer a lista. Será uma perda de tempo se ele
não curte músicas antigas.
— Gosto. Só não esperava que você também gostasse. — Bryan está encarando a tela
azul, sorrindo.
— O que acha de You're The One That I Want?
— Hum... John Travolta e Olivia Newton? — ele ri.
— Grease é um clássico, Bryan.
— Não estou discordando de você. — Se rende, com as mãos erguidas na altura dos
ombros. Dou risada e baixo a cabeça para esconder.
— You're The One That I Want, então.
Ele concorda com um sorriso brincalhão.
Nós nos viramos para a frente, onde Lilah está sentada com o tronco inclinado para a
frente, apoiando os cotovelos nas coxas para sustentar a cabeça nas mãos. Ela não desvia os
olhos de Bryan nem ele dela.
A música começa com Sandy provocando Danny. O videoclipe está passando na
televisão atrás de nós. Começo a estalar os dedos da mão direita, colidindo com o polegar e
indicador. Movo o quadril na mesma sincronia. Bryan me acompanha, porém olhando para
Lilah. Eu diria que eles formariam um belo casal se Lilah não estivesse demonstrando um
comportamento de posse sobre ele minutos atrás, entretanto agora parece estar se
divertindo enquanto ele canta olhando para ela.
— I got chills, they're multiplyin and I'm losin control. — Ele desce do pequeno degrau
onde estamos e caminha em direção a ela. — Cause the power you're suplyin. It's electrifyin!
Estou chocada com o timbre de voz de Bryan. Como é rouca e melodiosa! Estou
surpresa com o seu talento congênito de presença de palco. Ele dança, canta e interpreta
cada frase que sai de sua boca.
Lilah está sorrindo para ele quando a pega pela mão e a puxa para perto.
Desço em direção a eles e com a mão aberta, empurro todas as latas de refrigerante
vazias que estão na superfície da mesa pequena. Subo nela para cantar a minha parte da
música.
— You better shape up, cause I need a man. — Bryan olha para mim e começa a rir,
porque é exatamente como Effy e Seb disseram: sou uma péssima cantora e, pior ainda,
como dançarina. — And my heart is set on you. You better shape up, you better understand to
my heart, I must be true. — Coloco a mão esquerda no quadril e o movimento, descendo
sobre a mesa até minha bunda tocar os calcanhares, Lilah gargalha quando tenho
dificuldade para me levantar e Bryan estende a mão para me ajudar. Ele sobe na mesa
comigo e rebola como John Travolta.
— Nothin' left, nothin' left for me to do. — Bryan sacode os ombros e eu o acompanho,
para a frente e para trás. Sorrio para Lilah, para que ela não fique enciumada e lhe envio
uma piscadela de cumplicidade quando empurro Bryan pelo ombro gentilmente para que
ele desça da mesa e recupero meu espaço.
— You're the one that I want, you are the one I want, oh, oh, ooh, honey. — Cantamos em
uníssono. Bryan vai em direção a Lilah e a puxa pela cintura, para ficar perto. Ela o agarra,
laçando seu pescoço e dançam juntos o refrão da música. — You're the one that I want, you
are the one I want, oh, oh, ooh, honey. — Desço da mesa e corro para o degrau perto da tevê
como Sandy faz ao correr em direção ao brinquedo do parque. Bryan faz o mesmo, depois
de dar um beijo no rosto de Lilah e voltar para a nossa posição inicial.
— You're the one that I want, you are the one I want, oh, oh, ooh, honey. — Effy e Graham
entram no instante em que Bryan e eu estamos reproduzindo a coreografia de Sandy e
Danny; jogando os ombros para a frente e para trás em sintonia perfeita. — The one I need
the one I need, oh, yes, indeed, yes, indeed!
— Ai, meu Deus, eu adoro essa música! — Effy saltita em nossa frente, repetindo os
passos que fazemos e canta.
— If you're filled with affection, you're to shy to convey. — Ainda remexendo os quadris,
aponto entre Effy e Graham. Minha amiga entende a mensagem, mas Graham apenas cruza
os braços enquanto me assiste dançar. — Meditate in my direction, feel your way.
— I better shape up cause you need a man — Bryan canta e batemos os quadris um no
outro. Gargalho alto, jogando a cabeça para trás porque dançando assim, parece que nos
conhecemos há uma década.
— I need a man, who can keep me satisfied — respondo, dando as costas para ele. De
repente sinto ser puxada de volta e Bryan está me segurando pelo cotovelo. Volto alguns
passos para trás e, devagar, desvencilho-me de seu toque. Olho para Lilah e agradeço que
esteja achando engraçado demais para se importar.
— I better shape up if I'm gonna prove — Bryan muda seu tom de voz, fica mais rouco e
arrastado quando se aproxima. Afasto-o de novo, empurrando-o pelos ombros. Entro na
frente, jogo o corpo de um lado para o outro e ele me segue, balançando o corpo para lados
opostos.
— You better prove, that my faith is justified. — Giro na ponta dos pés e fico de frente
para ele. Fazemos o passo anterior de sacudir os ombros para a frente e para trás, um sobre
o outro. Deslizo para ficar ao lado dele outra vez e Graham está próximo de Effy, quase
tocando o braço nela. Dou uma risadinha para Effy e Bryan para Lilah.
— Are you sure? — ele canta, olha para Lilah e noto uma mensagem nas entrelinhas
dessa música. Sinto-me nauseada quando o sorriso no rosto de Lilah desaparece.
— Cause I'm sure down deep inside — canto o último verso antes do refrão e vejo os
lábios de Lilah se moverem devagar, ela repetindo a mesma frase que Sandy Dee, olhando
fixamente para Bryan. Olho para ele e o vejo assentir, abrindo um sorriso satisfeito.
Foi uma péssima escolha de música para se cantar com o namorado da minha amiga.
Percebo e espero que não seja tarde demais. Desço o degrau e deixo Bryan cantando o
refrão sozinho. Levo o microfone para Lilah, sorrindo polidamente para que ela entenda a
minha intenção. Ela agradece ao pegar o microfone, ruma em direção ao Bryan e canta as
duas últimas estrofes do refrão.
O som da voz de Bryan é algo que não dá para esquecer. É aquela que consegue criar
uma marca; não só em seus ouvidos, mas que faz retumbar por semanas em sua cabeça. É o
tipo de voz que mexe com seu coração.

Lilah aceita quando Bryan se oferece para deixá-la em casa, mas acaba o fazendo dar
uma volta enorme ao exigir que me levasse em casa primeiro. Quero entender essa atitude
como um pedido para que eles tenham um tempo a sós e não um sinal do ciúme
descontrolado repentino dela. Graham desce primeiro, Effy depois – já que mora duas ruas
abaixo da Eastside – e Bryan faz todo o percurso em silêncio. Ele voltou a ser o garoto
introvertido de sempre quando terminou de cantar You're The One That I Want com Lilah.
— Obrigada pela carona — agradeço ao sair do Jeep. Aceno para Bryan e dou um abraço
desajeitado em Lilah pela janela do passageiro.
Bryan só meneia a cabeça.
— Te vejo na segunda — ela fala, retribuindo meu aceno.
Ligo para Sebastian assim que estou abrigada no meu quarto, sob uma manta felpuda.
Humperville não é o tipo de cidade que tem a estação definida. Às vezes chove na
primavera e o vento se torna gélido, como se estivéssemos perto do inverno.
Ele não atende de primeira, deixa cair na caixa postal e decido enviar uma mensagem.

Atende o telefone, Seb.

Recebo uma chamada de vídeo pelo FaceTime alguns segundos depois.
— Oi. — Aceito a chamada e sorrio para a imagem desfocada de Seb. Ele está com os
cabelos loiro-claros desgrenhados e as pálpebras inchadas. A tela está quase toda escura, se
não fosse pela meia-luz do abajur no quarto, não conseguiria vê-lo. — Você está bem?
— Uhum. E você? — A sua voz está embolada, e acho que estava quase pegando no sono.
— Bem. Te acordei?
Ele dá uma risadinha sem graça.
— Já estava quase pegando no sono — suspira e espana os cabelos com as mãos,
tornando-os mais bagunçados. — Me desculpa por hoje, Mackenzie. Eu fui um babaca.
— Foi.
— Me desculpa mesmo.
— Nós podemos esquecer o que eu te disse no píer?
— Por quê? — Seb se levanta, apruma o corpo contra a cabeceira cinza de sua cama de
casal e esfrega os olhos sonolentos. — Por que deveríamos?
— Não quero que o que eu te contei transforme isso. — Faço um movimento com a mão
para indicar nós dois. — Em algo ruim. Nós somos bons juntos, Seb. Como amigos —
reforço meu ponto e finalizo sorrindo. — Eu sempre vou te amar. Te disse mil vezes. Não
importa que sua família não irá te aceitar quando decidir contar. Quero que se lembre que,
nesse mundo, haverá alguém que te ama como você é e esse alguém sou eu.
— Você continua dizendo coisas assim e me sinto culpado porque eu nunca vou conseguir
te dar o que quer.
— Não estou pedindo nada em troca. — Sou tão sincera e, por mais que doa não o ter
como gostaria, não estou tentando afastá-lo. — Só quero que continuemos amigos como
antes.
— Nada mudou — diz, mas não consigo acreditar. — Nada mudou, Mackenzie. Você
continua sendo minha amiga, eu continuo amando você.
— Então, por que está com raiva de mim?
— Já ouviu o ditado “o que os olhos não veem o coração não sente”? — Assinto e tenho
quase certeza de onde essa conversa nos levará. Aperto forte os lábios, transformando-os
em uma linha fina. — Se você não tivesse ido até Bryan, se tivesse esquecido, como eu pedi,
talvez eu só descobrisse o que está rolando entre ele e Lilah quando já tivesse superado. Você
mexeu em uma ferida recente e está doendo.
— Só queria ajudar. — Fisgo o lábio inferior e o mordo com força. O gosto metálico do
sangue é o mesmo que o do arrependimento. — Queria mesmo que... você soubesse que
Bryan nunca iria te corresponder, que seria uma perda de tempo ficar esperando.
Ele bufa, inclina a cabeça para trás e fecha os olhos.
— Você tinha que me deixar descobrir sozinho.
— Desculpa.
— A gente pode esquecer o que você me disse no píer, se prometer não tocar mais nesse
assunto. Não quero que Lilah surte. Tenho medo de como ela vai reagir. Viu como ela estava
superprotetora com Bryan hoje?
— Percebi.
— As coisas não estão fáceis em casa, acho que ela está se agarrando a ele como uma boia
de resgate.
Concordo, anuindo.
Sebastian e Lilah sempre foram discretos nos assuntos familiares para manter as
aparências. Não falam muito sobre os pais nem tentam apresentar os amigos. Sabemos que
o pai está envolvido em política, que tem tentado se candidatar à vaga de prefeito há muitos
anos, mas não fazemos ideia de como ele ou a Sra. Linderman são com os filhos. Porém, no
tom amedrontado de Seb, toda vez que cita o pai, sei que deve ter uma personalidade difícil.
— Quero contar aos meus pais sobre mim. — Sebastian estremece. Encolhe os ombros,
afundando o pescoço. Consigo enxergar, mesmo com a imagem ruim, a testa enrugar de
medo. — Não aguento mais manter esse segredo. Tudo poderia ser diferente, entre nós, se eu
não fosse um covarde!
— É uma escolha que só você pode fazer, mas estarei ao seu lado. — Abro um sorriso
solene, Seb faz a metade de um coração com a mão direita – ele é canhoto e está segurando
o celular com a esquerda – e faço a outra metade com a esquerda.
— Eu te amo, Mackenzie.
— Te amo mais, Seb.
Devagar, um sorriso se desprende e é o primeiro que vejo desde que Bryan e Lilah
assumiram que estão juntos.
Sebastian precisava desta conversa tanto quanto eu. Sempre estivemos um pelo outro
desde que nos conhecemos. Seu coração tem sido a minha casa por tanto tempo que não sei
se conseguiria viver sem tê-lo por perto.

“Agora eu sei, enlouqueci junto com você
Fingindo amizade só pra não esquecer
E seu amor te espera calma, e você
Não para de me observar sem saber por que”
SIM, É SOBRE VOCÊ – MANU GAVASSI

Todos em casa temos funções. Papai fica encarregado de cuidar do café da manhã – ele
tem a melhor omelete que já experimentei – e cuida da louça porque precisamos sair antes
das oito. Às sete da manhã, já estou de pé para colocar o lixo para fora como também cuido
da louça do jantar depois que mamãe cozinha. Nate fica com a responsabilidade de lavar a
louça do almoço, já que é o primeiro a chegar em casa. Ele mantém a cozinha impecável e é
assim que lidamos com a organização; cada um cumprindo seu papel.
Não brigo com a gravata esta manhã, decido deixar que minha mãe me ajude com ela
quando terminar de se arrumar para o trabalho. Bato à porta de Nate para acordá-lo antes
de descer.
Papai já está passando antiaderente no fundo da frigideira. Os ovos batidos e o leite
estão sobre a bancada. As mangas da camisa social dobradas para evitar que sujem – apesar
de cozinhar bem, é muito desastrado. Aproximo-me devagar e aperto sua cintura para me
anunciar. Ele sobressalta e dá uma risada, fico na ponta dos pés para beijar seu rosto. A
mistura de creme pós-barba e perfume masculino invadem minhas narinas, não consigo
evitar espirrar e me afasto.
— Você tem tomado seu antialérgico? — indaga, vira um pouco a cintura para conseguir
olhar para mim enquanto esfrego o nariz com as costas da mão.
Aos seis anos, mamãe conta que tive uma crise alérgica tão forte com seu perfume que
me levaram às pressas ao hospital. Minhas vias respiratórias estavam fechadas e fizeram
alguns exames até descobrirem que tinha alergias respiratórias. Papai, na época, ainda
fumava e precisou abandonar o vício porque eu poderia ter uma nova crise. Essa foi a única
coisa boa que a alergia respiratória me rendeu.
— Hoje ainda não. Quero comer primeiro. — Tem um copo de suco de melancia na
mesa. Pego-o e o tomo em um único gole.
— Está quase pronto!
— Vou tirar o lixo — aviso-o e rumo para o espaço de lazer atrás da casa, onde reuni na
noite passada todos os sacos.
O relógio digital sobre a geladeira marca sete e quatro da manhã. Apresso-me em juntar
todos os sacos, com dificuldade, arrasto-os pelo gramado lateral da casa. Chego à lata de
lixo ao lado da caixa de correios e, um a um, coloco-os todos dentro da lixeira com tampa.
Assim que termino, a porta da frente da casa dos McCoy se abre. Se fosse outro tempo,
teria ignorado, como tenho feito nos últimos anos em que somos vizinhos, mas Bryan não é
mais um completo estranho, embora ele continue agindo como um.
Ele para no alto da escada. A camisa do uniforme gruda em sua pele como se fossem um
só, é justa e evidencia os músculos pré-definidos. Bryan é alto, pouco mais de um e setenta
e cinco, sem sombra de dúvidas. Mamãe diz que os homens crescem até os vinte e um,
acredito que, se Bryan for herdar do pai, ele ficará mais alto daqui uns anos.
Observo o que ele está fazendo, sem me preocupar em ser notada. Ele joga a cabeça
para trás, respirando pesado. Fecha os olhos e mantém o corpo envergado daquela maneira
por longos minutos. Quando estou quase me virando para voltar para dentro, abre os olhos
e mira diretamente meu corpo miúdo estacado no gramado ao lado da lixeira.
Sorrio e aceno para ele. Espero por uma resposta educada, que não vem. Ele desliza nos
pés e volta para casa. Faço uma careta, mesmo que ele não possa ver e volto para casa para
calçar os sapatos.
— Ei, pirralha, você tem dez dólares? — Nate está sentado à mesa, mamãe senta-se em
uma ponta e papai noutra.
— Quantos anos você tem pra me chamar de pirralha? — Reviro os olhos, puxo a
cadeira para me sentar ao lado de meu irmão e dou um tapa leve em sua cabeça para
provocá-lo. — Pra quê você quer dez dólares? — Ele acaricia a região da cabeça onde
acertei, faz um bico fofo e não resisto a vontade de apertar suas bochechas. Nate tem doze
anos, mas ainda o trato como se tivesse seis.
Pego uma torrada na bandeja no centro da mesa e encho meu copo com suco de
melancia. Ele massageia a região da maçã onde pincei com os dedos e sorrio. Sei que não
vai resmungar porque está me pedindo dinheiro. Papai e mamãe não nos dão mesada como
a maioria dos pais fazem; na verdade, a cada seis meses recebemos cinquenta dólares e
temos que sobreviver com esse dinheiro até o próximo semestre.
— Quero muito ir ao parque de diversões com a turma da escola, mas torrei tudo no
boliche. — Coloca uma colherada grande de ovos com bacon na boca e mastiga com pressa.
— Por favor, te devolvo daqui três meses! — exclama, com a boca cheia.
— Não sei, não, Nate.
— Eu tiro o lixo pra você por dois meses! — Junta as mãos na frente do rosto, em sinal
de oração.
Olho para meus pais, para saber o que eles acham, mas ambos estão rindo. É uma
negociação, não estão interessados em se intrometer. Deveria saber, é o estilo que meus
pais escolheram para nos educar: tome suas próprias decisões e lide sozinho com cada
consequência.
Ainda tenho vinte dólares, se der dez para Nate fico com pouco para sobreviver os
outros três meses. Estou hesitando e Nate percebe.
— Mana, eu juro por Deus que faço o que você quiser.
— Jurar por Deus é pecado, Nathaniel! — mamãe o repreende ao parar a colher com
ovos na frente da boca.
— Desculpa, desculpa! — bufa, com os olhos piedosos.
— Tá, Nate. Eu te empresto dez dólares.
— Isso! — comemora, dando um soco no ar. Estou esperando uma dança da vitória, mas
ele se contenta com soquinhos múltiplos no ar e um beijo em minha bochecha. — Obrigado,
você é a melhor irmã de todas.
— Sei. Você vai tirar o lixo por dois meses e me pagar quinze dólares de volta.
— O quê?! Por quê?
— Juros pelo empréstimo. É assim que os bancos trabalham, sabia?
— Você está me sacaneando! Mãe!
— Por que você está me chamando? — Mamãe cobre a boca para sufocar uma risada e
vejo, pelo canto do olho, que papai está fazendo o mesmo.
— Não é justo, é?
— É justo — papai intervém, dando de ombros. — Você pega emprestado, devolve o
que pegou e paga pelo empréstimo. É assim que funciona.
— Mas somos irmãos! — insiste e cruza os braços, visivelmente revoltado. — Você está
sendo tão malandra.
— Ok. Me pague um sorvete e estamos quites. — Bebo um gole longo de suco e, enfim,
meus pais liberam uma gargalhada e acabo rindo com eles.
— Tá. Você venceu, sua muquirana!
— Obrigada. — Faço uma reverência e volto a comer.
Papai e mamãe iniciam uma conversa corriqueira sobre o cronograma da semana. Ela
tem três reuniões na escola onde trabalha, vai jantar com a mãe de Bryan na quinta-feira e
precisa levar Nate para o beisebol na sexta-feira. Papai não vê problema nenhum, se
oferece para levá-lo e mamãe recusa, quer dizer que na sexta seremos só eu e ele.
— Pai, vamos ao cinema na sexta? — convido-o, sorridente. — Você está livre, certo?
— Minha filha adolescente está me convidando para sair, Maisie. — Ele coloca a mão
espalmada sobre o lado esquerdo do peito, forçando drama. — Não tem vergonha de ser
vista por aí com seu pai?
— Por que eu teria? — Jogo os ombros com desdém e papai assente.
— Tudo bem. Vamos ao cinema na sexta.
— Você paga. — Aponto para ele com a colher. — Acabei de ser extorquida!
Gargalhamos em uníssono.
— Tudo bem, pago desta vez. A próxima, é sua!
— Combinado! — Levanto o polegar em afirmação.
A campainha toca instantes depois. As risadas que preenchiam a cozinha se extinguem.
Mamãe faz menção de se levantar, mas vejo que ainda tem ovos no prato. Faço sinal para
que fique sentada e me levanto para ir atender.
Arrasto-me pelo corredor pequeno até a porta e, através da janela, consigo ver a figura
esguia parada sobre o tapete de boas-vindas. Quase acho que é meu cérebro criando uma
miragem, mas, ao abrir a porta, Bryan se vira para ficar de frente para mim. Ele está sério –
nenhuma novidade por enquanto – e os lábios finos parecem mais rígidos. Não sei por que,
mas a impressão que tenho é de que sempre que nos encontramos assim, sinto que algo de
ruim aconteceu.
— Oi — cumprimenta-me. Deixo meu corpo cair até estar escorada no batente da porta.
— A gente pode conversar? — Ele aponta para a escada. Sei que é um pedido para que eu
saia e fale com ele longe dos ouvidos de mamãe.
Olho sobre o ombro. Minha família continua a conversa leve em que estavam antes. Não
vejo problema em dar a Bryan cinco minutos do meu tempo. Saio, seguro a maçaneta atrás
de mim e fecho a porta.
— Posso pegar carona com vocês hoje? — Ele se ancora no pilar da varanda, franzo a
testa e cruzo os braços. Estou prestes a perguntar o motivo quando os olhos de Bryan
mudam de direção para a rua. Fico em silêncio e espero que ele se explique sem que eu
precise pedir. — No sábado, depois que deixei Lilah em casa, bati o Jeep.
Meus braços se soltam e fico analisando seu rosto, os antebraços desnudos porque as
mangas do uniforme estão dobradas. O nó da gravata também está frouxo e ele não trouxe
o blazer. Além disso, não noto nada fora do normal.
— Você está bem?
— Estou. Não foi nada grave.
Relaxo os ombros e só então percebo que fiquei tensa.
Pigarreio e ajeito a postura para que ele não perceba que fiquei preocupada.
— Seu pai brigou com você?
— Não muito. Meu pai é assim como eu. Quando está bravo ou com raiva, fica quieto. O
que é irritante porque quero saber o que ele está pensando. Ele não fala comigo desde que
chamamos o guincho.
— Você disse que não foi grave. — Arregalo os olhos e dou dois passos curtos em sua
direção. Ele dá uma risadinha contida e baixa a cabeça outra vez.
— Não me machuquei.
— Então, o que aconteceu?
— Um babaca estava bêbado, freou de repente e acabei batendo na sua traseira. O carro
que estava atrás bateu em mim e foi uma loucura.
— A culpa não foi sua. Por que seu pai está com raiva?
Ele coloca as mãos nos bolsos da calça e fica mexendo os dedos. Estou me acostumando
com isso.
— Ele acha que fui negligente. Deveria estar dirigindo a uma distância segura e tudo o
mais.
— Que bom que não se machucou. Não tem problema em ir com a gente essa semana.
— Só hoje. Meu pai vai pegar um carro na loja até o Jeep ficar pronto.
Não insisto. Às vezes, esqueço-me de que o pai de Bryan é dono de uma loja uma de
carros. Além do ferro velho onde vende e compra por peças que as pessoas não querem ou
descartam. Mamãe mencionou algo a respeito algumas vezes, mas não presto atenção
quando se trata da família McCoy.
— Tudo bem, você pode esperar lá dentro. — Aponto por cima do ombro, girando um
pouco o corpo.
— Espero aqui fora. — Ele gesticula para o carro parado em frente à entrada da
garagem.
— Tem certeza?
— Tenho.
Bryan já está descendo as escadas da varanda quando responde:
— Mackenzie — chama, mas não movo nenhum passo ainda. Ele se vira e, por alguns
segundos, faz uma análise silenciosa. Vejo seus olhos saltarem. Não consigo acompanhar,
não sei para qual direção estão correndo sobre mim. — Não contei nada para Lilah, então,
se puder...
— Por que não?
— Não quero deixá-la preocupada.
Acho que o entendo. Lilah pode ser dramática demais em certas situações.
— Não vou dizer nada.
— Obrigado.
— Não é de graça — brinco, mas Bryan leva a sério já que não ri e mantém a postura
ereta e a expressão séria.
— Quando você precisar de mim, pode cobrar.

— Por que vocês vieram juntos hoje? — Effy está me perguntando isso há, pelo menos,
vinte minutos.
— Ele está sem o carro. Não sei o que aconteceu — insisto na mesma desculpa que
tenho dado desde a primeira vez que perguntou.
Ah, Lilah não quer falar comigo.
Sebastian faltou à escola e preciso cumprir o que prometi a Bryan.
— Lilah acha que você está interessada nele — sussurra.
Effy não precisa se esforçar para me explicar. Lilah está com medo que qualquer uma
esteja a fim de Bryan a ponto de roubá-lo. É claro que as garotas da Saint Ville estão
interessadas nele. Quanto mais distante ele fica, mais atraente se torna. Não querer chamar
a atenção é fazer o oposto do que Bryan tem feito. Pelo menos, nos últimos meses em que
estou aqui, sinto que ele precisa começar a agir de forma contrária se não quer as garotas
no pé dele.
— Jura? — Ergo a cabeça do livro que estou lendo para encará-la. Estamos no intervalo
do almoço e não aguento mais ouvi-la falar sobre Bryan. Estou quase cedendo. — Não estou
interessada.
— Eu sei. Você gosta do Sebastian, mas Lilah não sabe disso. Por que não conta pra ela?
— Você sabe o porquê.
— Contar não quer dizer que vocês vão ficar juntos. Ela vai entender.
— Lilah tem a ideia formada de que se houver um relacionamento entre mim e Seb, ou
Seb e você, entramos na linha perigosa onde, no futuro, não poderemos ser mais amigos
porque, na cabeça dela, todos os relacionamentos vão acabar.
— Ela não pensa desse jeito sobre Bryan.
— Lilah é complicada e, sinceramente? Não estou a fim de fazer parte dessas
complicações.
Volto a prestar atenção nas linhas do livro, mas acabei perdida. Preciso terminar de ler
para uma apresentação na aula de literatura.
— Ela também acha que você está interessada por ele porque ela se interessou
primeiro.
Effy consegue me tirar do sério e fecho a capa do livro com brutalidade. Ela não tem
culpa, mas estou fuzilando minha amiga com os olhos enquanto junto minhas coisas na
mesa.
— Aonde você vai?
— Falar com Lilah.
— Por quê?
— Não é o que você estava me pedindo para fazer há cinco minutos?
Eu me levanto e trago a mochila para junto do peito.
— Não exatamente. — Effy também se levanta com a bolsa no ombro. — Você ficou
brava?
— Estou brava. — Paro de andar e Effy tromba comigo. — Sebastian não apareceu e não
respondeu minhas mensagens. Estou mentindo para Lilah, porque Bryan não quer mais
uma pitada de drama em sua vida. E você continua tagarelando sobre o que eu deveria ou
não fazer!
Effy retrai o corpo e cruza os braços. O sol que bate em sua pele a deixa mais pálida do
que naturalmente é. Os cabelos vermelhos curtos brilham sob os raios violeta, os lábios
estão levemente cobertos por uma camada fina de gloss e noto que tremem um pouco.
Talvez esteja sendo dura demais com ela, sei que o maior medo de Effy é que, no fim,
acabemos nos separando de verdade. Nosso grupo desajustado é tudo o que ela tem.
— Desculpa, Mackenzie.
Respiro fundo e solto o ar devagar pelos lábios entreabertos.
— Sinto muito, não quis ser grossa.
— Você tem toda razão. Não é da minha conta.
— Não é da sua conta, mas você está certa. Não sei por que Bryan quer que eu
mantenha segredos de Lilah.
— Como assim?
— Aconteceu algo no fim de semana e ele não quer que ela saiba. Não vou deixar que
Lilah pense esse tipo de coisa sobre mim porque ele não quer mais drama. Não quero ficar
entre os dois.
Effy está sorrindo.
— Você é mesmo uma garota complicada, Mackenzie Wilde.
— Não sou complicada. As pessoas é que complicam as coisas para mim.
Devolvo seu sorriso e passo o braço por cima de seu ombro para puxá-la para mais
perto. Retomamos a caminhada e mudamos de assunto.
— Rolou algo entre você e o Graham no sábado quando foram comprar batatas? Porque
vocês dois saíram para comprar comida e voltaram de mãos vazias. — Balanço as
sobrancelhas, sendo sugestiva, e Effy dá risada.
— Não aconteceu nada. Ele não estava muito interessado em mim.
— Está chateada?
— Se tem uma coisa que aprendi com você, Mackenzie, foi não pensar muito sobre o
assunto. Você, por exemplo, levou um fora do Sebastian e não te vi chorar nem reclamar. Só
aceitou o que aconteceu. Quero fazer a mesma coisa que você.
— Bom, fico feliz que esteja pensando assim. E eu chorei, só não na sua frente — digo
inflando o peito de orgulho.
— Ele está interessado em você. O Graham.
Travo as pernas num rompante. Effy está rindo, mas não vejo graça. Há um resquício de
tristeza evidente em seu tom manhoso de voz e na forma como tenta desviar o olhar
quando quero encará-la.
Engulo a bola de saliva que trava em minha garganta e a viro de frente para mim.
— Não vai rolar. Não precisa ficar preocupada.
— Conheço você, Mackenzie. Sei que não vai me apunhalar pelas costas.
Graham não é de todo ruim. É um cara de olhos amendoados, alto, forte e bronzeado.
Tem bunda, panturrilha e coxas torneadas por treinar incessantemente todos os dias, antes
e depois de cada treino do time de basquete. Não sei nada mais dele além do que Effy
descobriu sozinha.
— Se ele me convidar para sair, vou ser sincera — Prometo a ela.

Passo o dia todo tentando descobrir os horários de Bryan. Por ser o melhor aluno da
turma de Saint Ville, todo o seu cronograma é diferente das outras turmas do terceiro ano.
Se perguntar a Lilah sei que suas desconfianças a meu respeito só vão se enraizar mais e
tornar toda a situação, que já é ruim, pior.
Peço ajuda a Effy e, sendo discreta, consegue descobrir que, por uma hora, no final das
aulas, Bryan serve como professor de apoio para o primeiro ano. Resumindo, toma conta de
uma turma fraca enquanto o professor responsável corrige provas e sai da sala para tomar
um ar.
Estou recostada à parede do corredor vasto, em frente à sala seiscentos e dezessete.
Fica no quarto andar do prédio. Através do vidro da porta de madeira, vejo Bryan sentado
atrás da mesa do professor, folheando um livro enquanto a sala está em silêncio escrevendo
em uma folha em branco. Imagino que seja um trabalho surpresa que o professor aplicou
antes de se mandar e deixá-lo com a responsabilidade.
Cruzo os braços e as pernas enquanto espero. Minha última aula do dia acabou há
quinze minutos, sei que esta não deve se estender por muito tempo. Como Lilah não
respondeu e Effy não mencionou nada sobre estudarmos, com certeza o programa foi
cancelado.
Bryan ergue a cabeça e me vê de relance. Volta a olhar para ter certeza de que não está
vendo coisas. Escrutina os alunos silenciosos, que estão concentrados no trabalho, levanta-
se colocando as mãos nos bolsos da calça e vem em minha direção.
A porta se abre devagar e faz barulho. Ele entorta os lábios para o lado em reprovação e
se aproxima.
— O que foi?
— Quero que conte a Lilah o que aconteceu no sábado.
Ele franze a testa.
— Ela acha que estou interessada em você, o que não é verdade.
É rápido, mas posso jurar que vejo Bryan sorrindo e, quando percebe que estou
olhando, coça o nariz com o dorso da mão para disfarçar. Aprumo a postura e dou passos
em sua direção.
— Bryan, estou falando sério.
— Se não é verdade, por que diabos você está se importando?
Solto os braços abalada e sopro o ar, rindo em incredulidade.
— Está de brincadeira?
— Você só precisa dizer que ela entendeu errado e pronto. Passei o intervalo todo com
Lilah, ela não me perguntou nada.
— Porque ela é assim. Olha, eu te ajudei hoje. O mínimo que você pode fazer por mim é
melhorar a minha situação com Lilah. Ela é minha amiga e não quero que fique pensando
que estou flertando com o namorado dela. — Gesticulo, descendo e erguendo o queixo para
acompanhar o corpo esguio parado a minha frente.
— Parece que a amizade de vocês é sensível como cristal.
Não tinha pensado nisso, mas Bryan tem razão. Assim como Effy estou com medo que
Lilah e eu acabemos nos desentendendo sem razão e esse cristal não resistirá ao mínimo
toque.
Ele suspira e vejo seus ombros caírem.
— Vou falar com ela quando sair.
— Prometa.
Bryan revira os olhos.
— Por quê?
— Sinceramente? Não confio em você. — Semicerro os olhos para ele.
— E eu dizer prometo muda alguma coisa?
— Eu acredito que o nosso senso comum está acima de qualquer má intenção. Então,
sim, se você prometer, ficará com peso na consciência se não cumprir. Prometa — repito,
sustentando seu olhar pesaroso.
— Às vezes, você me intimida.
— Você faz o mesmo comigo.
Minha intenção era segurar a língua, mas pensei alto e Bryan parece tão surpreso
quanto eu. Estou apertando os lábios, sugando-os para dentro da boca e desviando o olhar,
envergonhada.
— Vou falar com Lilah, é uma promessa.
Eu não digo mais nada, quando Bryan se dá conta de que não tenho mais nada para
acrescentar, vira-se sem se despedir e volta para a sala de aula.
Quando estou voltando para casa, meu telefone toca.
É Lilah. Ela me pede desculpas por ter me ignorado.

“Talvez eu devesse pensar antes de falar
Eu fico emotiva e as palavras saem todas erradas
Às vezes eu sou mais honesta do que eu quero
Então, talvez eu devesse pensar antes
Talvez da próxima vez, pensarei antes de falar”
THINK BEFORE I TALK – ASTRID S

Sebastian não aparece na terça-feira também e Lilah está evitando o assunto. Quando
pergunto, ela mente. Não é difícil de notar a mentira porque desvia os olhos sempre que
tem algo a esconder. Falar sobre Sebastian nas últimas vinte e quatro horas para Lilah tem
sido um martírio. Além disso, ela continua me evitando como no dia anterior e já não vejo
mais como ciúme. Ela me evita porque não quer falar do irmão comigo.
— Sebastian está doente? — Effy insiste, bloqueando a passagem de Lilah no corredor.
Estávamos indo para o armário, guardar nossas coisas antes do fim da aula.
— Não. — Lilah revira os olhos e desvia da barreira corpulenta que Effy impôs.
— Então por que ele não veio? — Ando mais depressa para conseguir alcançá-la. Se
Lilah encontrar Bryan no caminho, o assunto morre de uma vez por todas. — Lilah? —
Seguro seu cotovelo, puxando-a para trás e a obrigando a olhar para mim.
— O quê?
— Aconteceu alguma coisa com o Sebastian, não é?
— Por que você fica se intrometendo? — sibila e, com um safanão, puxa o braço de
volta. Ela fecha a mão em punho e reprime um suspiro. — Não é da conta de vocês o que
está acontecendo, ok?
— Não é da nossa conta? — Effy murmura, cruza os braços e uma sobrancelha está
erguida em questionamento.
Lilah esmaece como se tivesse levado um soco no estômago. Escora o corpo nos
armários, tomba a cabeça para trás e fecha os olhos, respira pesado o ar condensado. Um
aglomerado de alunos se aproxima depois que o alarme soa. Fico parada de frente para
Lilah, segurando a mochila com os dedos enodados. Effy apoia a lateral do braço direito na
porta de seu armário, esperando que Lilah nos conte a verdade.
— Meu pai quer mandá-lo para um colégio militar.
— Por quê? — pergunto, mesmo que, no fundo, saiba o motivo. Seb provavelmente
venceu seu maior medo e, pelo modo como Lilah tem agido, os pais não reagiram bem. Não
que Sebastian estivesse esperando resignação do pai, mas talvez ele se sensibilizasse. —
Lilah? — persisto e bato o pé direito no piso de linóleo para chamar a atenção.
— Você sabia, né? Que Sebastian é gay — ela solta e o ar que escapa entre seus lábios é
quente, tem cheiro de bala de morango.
Penso em mentir, mas ao que parece não é mais um segredo entre nós. Permaneço em
silêncio e espero que Lilah continue.
— Ele também te contou que Bryan era a paixãozinha dele?
— Bryan também sabia. — Entro em defensiva porque o tom de voz de Lilah denuncia
que essa conversa não terminará bem.
— E onde é que você entra nessa história? Porque, enquanto papai gritava e batia no
meu irmão, ele implorou para que eu te ligasse.
Procuro por ajuda em Effy. Ignoro a pergunta de Lilah e me concentro apenas em batia.
A respiração que antes forçava para manter sob controle, de repente, está sobrecarregada e
rarefeita. Quero correr até a casa de Sebastian, implorar para o Sr. Linderman não ser tão
cruel com o próprio filho. Expiro e abraço o tronco do meu corpo, reprimindo os tremores.
Meu coração é comprimido pela preocupação, ele dói e fico tonta. Cambaleio alguns passos
para trás, escuto meu nome, mas a resposta fica presa no topo de minha garganta.
A mão áspera sustenta meu peso pela cintura quando minhas costas trombam com uma
barreira proeminente. O toque sobe e duas mãos pesadas se fecham em meus ombros. Olho
para trás e vejo Bryan. Embora esteja com as mãos em mim, seus olhos azuis-caribe estão
vidrados em Lilah. Ele sequer pisca. Sinto os meus arderem enquanto assisto a cena que se
projeta diante de mim.
Lilah está com raiva de mim. Effy corre para ancorar o braço no meu e substituir Bryan
em me sustentar. A tensão não vai embora nem mesmo quando Bryan se aproxima de Lilah,
para apoiá-la. Então, vejo as lágrimas grossas escorrerem de seus olhos. Ela afunda as
unhas longas e pintadas de vermelho nas costas de Bryan, marcando o tecido da camisa.
Fica na ponta dos pés para encaixar a cabeça na curvatura que liga o pescoço de Bryan ao
ombro. Ela soluça alto, sem se importar com os alunos que cortam o corredor.
— Por que não me ligou? — sussurro, em um fiapo de voz e torço para que Lilah
entenda, porque não quero repetir. — Ele te pediu pra me ligar e você não me ligou —
enfatizo em acusação.
De repente, tudo se encaixa, cada peça no quebra-cabeça. Sebastian sequer chegou a
receber minhas mensagens ou as ligações. O pai deve ter pegado seu celular, tornando-o
incomunicável. Quero encontrá-lo a todo custo. Vê-lo antes que o pai o mande para longe de
mim. Antes que seja tarde. Lilah entende meu olhar de súplica, mas não responde a minha
pergunta nem a acusação que fiz.
— É melhor que você fique longe — Lilah avisa. — Foi você quem o incentivou a contar,
eu tenho certeza. Ele diz que a culpa não é sua, mas eu sei que é.
— Shhh... — Bryan tenta acalmá-la, afaga os cabelos curtos, loiros mesclados, e beija sua
testa. — Aqui não.
— Aqui sim! Passei as últimas vinte e quatro horas tentando lidar com o que está
acontecendo, tentando não culpar você. Mas, é sim, você é a culpada! Sebastian podia ter
mantido segredo se quisesse. Podia ter segurado até a faculdade, quando nós dois fôssemos
embora dessa droga de cidade! Mas você o forçou a contar porque não aceitou que ele não
podia retribuir o que sentia! — Lilah grita até a última palavra e não me defendo.
Deixo que ela me culpe. Sei que é o que ela precisa; descarregar o fardo sobre alguém.
De nós três, eu sou a mais próxima de Sebastian. A pessoa que ele mais confia, acima da
própria irmã. Isso a incomoda, sempre incomodou, e entendo. Fico calada, espero que ela
não tenha mais nada para cuspir em mim e saio.
Escuto Effy me chamar, mas não respondo. Ela corre até mim e segura meu pulso,
forçando-me a parar. Eu paro, mas não digo nada. Olho para as sardas que cobrem sua pele,
para o cabelo ondulado oleoso e vermelho que emolduram seu rosto redondo e espero que
diga alguma coisa. Qualquer coisa que possa me confortar, mas não há nada além de um
silêncio que reprime.
Giro nos calcanhares e volto a andar. Ela grita de novo e volta a correr, e desta vez me
acompanha sem tentar me parar.

A minha vontade é ir andando até o condomínio Euroville, onde a família Linderman


mora. Sou barrada por Effy. Ela me acompanha até em casa, para que eu não mude a
direção do caminho que preciso fazer. Fico parada na porta, sentada no alto da varanda. Sei
que Nate está lá dentro e não quero que me veja chorar. Na verdade, chorar é a última coisa
que faço. Não importa quão ruim seja a situação, chorar não é uma opção. Hoje, porém,
parece que abri uma exceção.
Não só meu corpo, mas meu coração e minha alma pedem por isso. Effy fica ao meu
lado, mas logo precisa ir embora. A mãe já telefonou cinco vezes no caminho. Digo a ela que
ficarei bem.
— Eu te ligo mais tarde — promete.
Assisto-a dobrar a esquina e só então inclino o corpo para a frente, escondo o rosto
entre as pernas e choro copiosamente. Travo o soluço na garganta, não o deixo subir. Trago
os joelhos para mais perto do tórax, descanso o queixo nas pernas e afundo o rosto na pele.
Não sei por quanto tempo fico naquela posição degradante. Escuto o motor de um carro,
ergo o rosto vermelho, vejo o Ford Mustang 1970 e aperto os olhos em direção ao barulho
que o carro faz. É preto, com rodas vermelhas. Parece ter sido recém-pintado. Sei que é uma
das relíquias de Casey McCoy, pai de Bryan. Espero vê-lo sair do carro, mas em vez disso, é
Bryan.
Apresso-me em enxugar o rosto quando percebo que caminha em minha direção.
Aprumo a postura, desço um pouco a saia e ajeito o colete de lã cinza do uniforme sob o
blazer. Bryan para de frente para mim, bloqueando a luz solar que toca meu rosto.
— Já comeu? — pergunta e joga a mochila de forma descontraída sobre o ombro.
— Não.
— Vem comigo.
Ele chama, gesticulando para trás com o queixo. Penso que vamos sair, mas, na verdade,
está andando em direção à sua casa sobre o gramado de minha casa. Estou relutante a
princípio, mas a ideia de ter que explicar para Nate o olho inchado e a vermelhidão no rosto
me deixam acuada. Bryan sabe o que aconteceu. É fácil conversar com alguém com quem
você não precisa se explicar e esse alguém, nesse caso, é Bryan.
Puxo a mochila comigo ao me levantar, caminho um pouco distante de Bryan.
Convenço-me de que a distância é algo seguro para nós dois. Não quero que Lilah pense que
estou estragando sua vida amorosa – ela já me culpa o suficiente.
Bryan destranca a porta da frente e me convida para entrar com uma mesura de cabeça.
Entro na frente. Ele deixa a mochila no closet, na entrada e faço o mesmo. Retira os sapatos
sociais e o acompanho ao desamarrar meus tênis. Fico só com a meia branca – hoje não
estou usando a meia arrastão – e o sigo.
Passamos pela sala, em direção a cozinha. Vivian e Casey não estão em casa, fico aliviada
porque ter que me explicar para eles o motivo de estar com Bryan seria ainda mais
estranho. Talvez ele tenha me convidado por essa razão. Se soubesse que os pais estariam
em casa, não teria me chamado.
Uma ilha enorme com pedra de mármore branca está no meio da cozinha. Os armários
são pretos e elegantes. Existe uma bancada enorme que circunda toda a cozinha e elas
também são pretas. As janelas grandes cobrem toda a extensão das paredes e dão visão
para a área de lazer com piscina, churrasqueira e um banco de balanço para três pessoas de
madeira. Suspenso sobre a ilha, existe um lustre preto com cristais em formato de gotas
grandes de chuva.
— Pode se sentar. — Indica o banco alto na lateral da ilha e aceito. Apoio os pés na
madeira, que liga uma perna do banco a outra e subo. Apoio os cotovelos na superfície
gelada do mármore e o assisto pegar duas marmitas congeladas no freezer. — Gosta de
lasanha?
— Pensei que fosse cozinhar — rio e Bryan para com as marmitas erguidas no ar,
encarando-me com desdém. — Você me convidou, então... — Dou de ombros e entrelaço os
dedos, sem graça. Pensei que ele fosse rir ou se desfazer da pose de durão, mas nada que
digo parece causar efeito nesse garoto. — Eu não me importo. Gosto de lasanha.
— Por que eu cozinharia pra você?
Sopro a franja que caiu sobre meus olhos e estico os lábios para forçar um sorriso.
— Você tem toooooda razão — brinco. — Você não faria uma coisa dessas por mim.
Então, por que estou aqui?
— Eu te convidei. Você aceitou. Por que aceitou?
— Você está certo, não devia ter vindo.
Já estou com os pés no chão quando ele larga as marmitas na pia e corre para criar uma
barreira e me bloquear com seu corpo. Cruzo os braços arqueando as sobrancelhas.
— Lilah não pode te culpar. Só... quero conversar.
— Você quer conversar? — Vinco a testa, afundo os dedos com força na carne do meu
braço. — Por quê?
— Não acho que ela foi justa com você. E estava chorando sozinha agora há pouco
quando cheguei. — Ele aponta com o queixo para fora.
— Por que você não disse nada, se acha que ela está errada?
— Ela é minha namorada. Tenho que apoiá-la.
— Você não tem que apoiá-la se ela estiver errada. Isso pode não mostrar muito sobre
ela, mas prova muito sobre você.
— O que isso quer dizer?
— Vou te dar um exemplo simples. — Dou alguns passos para trás e volto a me sentar
no banco. Bryan relaxa os ombros e atravessa a ilha para colocar as marmitas no micro-
ondas. — Seu pai rouba um carro e você vê. A polícia bate na porta. O que você faria?
Contaria a eles o que viu ou acobertaria o seu pai?
Bryan está me olhando sobre o ombro direito.
— O que você faria? — devolve, orgulhoso.
— Eu contaria à polícia a verdade.
— Mesmo que isso causasse a prisão do seu pai? — Bryan parece chocado.
— É o certo. Meu pai ficaria orgulhoso de eu estar agindo da maneira certa.
— Bom, eu acobertaria o meu pai.
— Por quê?
— Porque ele é o meu pai.
— Nossas respostas dizem muito sobre nós. Somos pessoas diferentes demais. Ainda
bem que você é namorado da Lilah, não meu.
— Vou fingir que estou chateado — Bryan ri e, caramba, ele fica muito bonito sorrindo.
— Eu penso que amar alguém não é apoiar em tudo. Se a pessoa em questão estiver
errada, como alguém que se importa, é sua obrigação mostrar o caminho certo. — Ele
coloca um garfo e a marmita a minha frente. Uma nuvem de vapor se estende e o cheiro
está delicioso. — Como alguém que passou a se importar com você, tenho que te dizer...
você devia sorrir mais. Seu sorriso é bonito demais pra ficar escondido atrás dessa
carranca!
— Então, você passou a se importar comigo?
— Você está namorando a Lilah. Lembra que eu te disse? No nosso grupo, ninguém fica
sozinho e qualquer sorriso importa.
— Parece que vocês não são mais um grupo. — Senta-se à minha frente e mergulha o
garfo na massa avermelhada.
— Vamos superar isso, com certeza — assinto, confiante.
— Não, sei não, Mackenzie. — Bryan para de comer para me olhar. — Como alguém que
passou a se importar, preciso te alertar de que Lilah não vai dar o braço a torcer.
— Eu sei. Espera! — Paro com o garfo estendido. — Você disse que se importa? —
Semicerro os olhos em sua direção.
— Não, não me importo. Só estou te avisando.
Faço bico e franzo o nariz em uma careta. Bryan sorri e volta a comer.
— Vou fingir que estou chateada.
— Também não ligo se estiver. — Joga os ombros para cima com desdém e ameaço
jogar um pouco de lasanha em seu rosto. Ele gargalha e faz menção de desviar.
— É desperdício de comida jogar essa preciosidade em você — enuncio, colocando uma
garfada na boca. Gemo e limpo a boca com as costas da mão.
— Porca! — sibila, virando-se para pegar um guardanapo. — Aqui. — Ele o estende
para mim e dou risada quando pego e limpo a boca.
— Você já assistiu Grease: Nos tempos da brilhantina?
— Várias e várias vezes — responde, raspando o fundo da marmita e colocando uma
última garfada na boca.
— Hum... isso explica muita coisa.
— Explica o quê?
— O porquê de saber a letra e os passos de dança. É o meu filme favorito dos anos
setenta.
Bryan retira os olhos da comida e os ergue em minha direção.
— É o meu também. — Sorri, sem mostrar os dentes e retribuo sorrindo também.
— Bryan.
— Hum? — Ele se levanta e coloca a louça na pia.
— Por que não conversamos antes?
— Já falamos sobre isso. Prefiro ficar sozinho.
Eu me levanto para ajudá-lo com a louça. Ele não me deixa lavar o meu prato e não
insisto – odeio lavar louça. Dessa vez me sento onde ele estava e fico estudando suas costas.
Ele tem ombros largos e um corpo esguio. Apoio os cotovelos no mármore, tombo a cabeça
para o lado enquanto o observo limpar.
— Algum motivo especial para preferir ficar sozinho?
Bryan dá uma risada gostosa e se vira, enxugando as mãos no pano de prato. Ele está a
poucos centímetros de mim. Minhas pernas estão esticadas para a frente, desleixadas, e ele
quase tropeça nelas.
— Quando meu pai começou com a loja de carros, estávamos sempre mudando de
cidade. Simplesmente aconteceu de eu preferir ficar sozinho. É insuportável você criar
laços quando sabe que não vai durar muito tempo. No meu caso, fazer amigos, para depois
ter que me contentar com conversas pela internet, não valia a pena.
— Você é apaixonado por Lilah? — Não sei por que estou perguntando, mas, de repente,
fico curiosa para entender o motivo de Bryan estar namorando com uma garota como Lilah.
— Você ainda tem dúvidas? — Apoia o quadril e as mãos na beirada da pia. — Sou.
Gosto dela pra caramba.
— Espero que Lilah e eu possamos resolver nossos problemas.
— Está com medo de quê?
— Você é um garoto legal, Bryan, e Lilah, apesar de ter dramas difíceis de lidar, é o mais
perto que cheguei de ter uma melhor amiga. Além de Effy e Seb, ela é tudo que eu tenho. Se
eu a perder, vou perder todo o resto também.
— Quer dizer que, se Lilah não te perdoar, existe uma chance de Effy e Seb também... se
afastarem?
— Uhum. Não parece, mas não sou também o tipo de garota que consegue fazer
amizades com facilidade.
Bryan fica em silêncio por um tempo. Ele parece estar distante e não responde quando o
chamo.
— Os pais de Lilah não estarão em casa hoje à noite. Combinei de ir até lá. Se quiser,
você pode ir e vocês podem tentar resolver esse problema. Sebastian também deve estar lá.
— Eu posso? — sussurro, amparando o peito com a mão espalmada. — Sério?
— Sim, mas se Lilah perguntar, você foi insuportável e não parou de encher o meu saco,
por isso te deixei ir.
Estou segurando o sorriso para não o deixar partir meu rosto em dois. Bryan não está
diferente. Posso ver o canto de sua boca tremelicar. Vejo-o apertar a base da bancada com
força e baixa a cabeça para esconder. Sou tomada pela ansiedade de finalmente poder ver
Sebastian e me lanço em sua direção.
Meus braços laçam seu pescoço e afundo o rosto em seu ombro. Quero abafar o grito de
felicidade, sanar a vontade de comemorar e o único jeito que encontro para fazer isso é nos
braços dele. Embora Bryan não retribua e deixe os braços imóveis – segurando a lateral da
bancada –, sinto-o fungar o perfume que inala de meu pescoço ao enterrar o rosto no
emaranhado de cabelos que cascateiam sobre meus ombros.
Eu me afasto alguns segundos depois.
— Obrigada!
Ele anui em resposta e sorrio mais uma vez.
Quero ver Sebastian. Quero muito ver Sebastian.
— O que você está fazendo aqui? — Lilah avança, pisando duro e desce as escadas do
segundo andar, como se estivesse competindo uma maratona.
Recuo alguns passos para trás. A última coisa que quero é um conflito com ela. Bryan
não diz nada. Ele fica de braços cruzados, recostado à parede do hall de entrada
esquadrinhando a namorada com olhar assassino. A indiferença que o acompanha nem me
espanta mais. Embora nossa tarde tenha sido bem próxima de ser agradável, quando entrei
no carro esta noite foi como se nada tivesse acontecido e voltamos a ser dois completos
estranhos.
— Por que você a trouxe? — grita, impaciente e bufando. — Estou falando com você! —
exclama, empurrando-o com força para trás. Bryan quase se desequilibra e por instinto
estico as mãos para segurá-lo, assim como fez comigo mais cedo, no corredor da escola
enquanto Lilah gritava.
— Ela quer falar com o Sebastian. — Mesmo com o empurrão de Lilah, Bryan não se
deixa abalar. Mantém-se etéreo e frio. Ele faz algo que disse que não iria fazer: assume a
culpa.
Afasto as mãos dele quando minha amiga me fuzila e as coloco dentro dos bolsos do
moletom surrado que estou vestindo. Começou a chover no fim da tarde e esfriou, o que é
normal para uma cidade apagada e sem graça como Humperville. Cerro os punhos nos
bolsos e pressiono os lábios um no outro, privando-me de dizer exatamente o que penso.
Lilah pode estar com raiva e me culpar, mas não tem o direito de me proibir de ver seu
irmão.
Instantes depois estou engolindo em seco porque o vejo no topo da escada. O choro
para em minha garganta e a primeira coisa que quero fazer é abraçá-lo.
Seb está usando um moletom em tom de areia. Os cabelos desgrenhados e as mãos
enterradas nos bolsos fundos. Imediatamente noto cortes em seus supercílios e no lábio
inferior. Meus pés se enraízam no chão e não consigo me mover. Posso sentir Bryan me
fitando, ouvir Lilah me mandando ir embora. O mundo inteiro a minha volta continua a
girar, mas o meu mundo para para Sebastian.
Ele desce silencioso e devagar, degrau por degrau. Penso que vai repreender a irmã em
voz alta, mas não acontece, embora seu olhar esteja dizendo muito para Lilah. Seus dedos
envolvem meu pulso, ele me puxa escada acima e o acompanho. Sua atitude fez com que a
irmã calasse a boca de uma vez por todas. Escuto-a grunhir, mas não me importo. A mão de
Sebastian, o calor que emana de sua pele faz com que a minha formigue e nada mais
importa. Saber que ele está bem conforta meu coração.
A primeira porta à direita é o quarto de Sebastian. Sei porque ele me guia naquela
direção. Empurra a madeira e sou sucumbida pela escuridão do ambiente. As cortinas estão
fechadas e as luzes apagadas. Esbarro em algo, mas não sei o que é. Sufoco um resmungo na
garganta e apalpo o ar em busca de direção. De repente, o quarto clareia e me viro em busca
de Sebastian. Ele está trancando a porta e chutando dois pares de tênis para debaixo da
cama – imagino que seja neles que tropecei.
Fico esperando que diga alguma coisa e me conte o que está acontecendo, mas não
acontece. A cama de casal está desarrumada, um emaranhado de lençóis e edredom cinza,
que combina com a cabeceira estofada da cama. O quarto é grande, assim como o resto da
casa. Tem uma cesta de basquete pendurada acima da cabeceira; as portas do closet estão
abertas e há roupas espalhadas pelo caminho, criando uma trilha que serpenteia até ele.
— Desculpa, está meio bagunçado. Não estava esperando visitas — Sebastian fala,
enquanto se arrasta em direção à cama e se joga nela.
Uma tevê grande está presa em um suporte na parede em frente à cama e alguns
retratos dele e de Lilah estão pendurados em volta. Seu quarto tem cheiro de salgadinhos
de presunto com uma mistura de sua loção masculina.
— Você está bem? — Sorrateira, aproximo-me da cama e me sento na beirada. Não
estou me importando mais com os comentários e as acusações de Lilah. Estar com Seb
agora muda tudo.
— Uma merda! — Sua voz soa gutural. Não estou esperando ser convidada, por isso
empurro seu corpo para o lado, afasto a bagunça de lençóis e edredom para me deitar perto
dele. — Sinto muito pela Lilah. Ela deve estar pegando pesado com você.
Balanço a cabeça, negando.
— O que foi que o seu pai fez? — Toco de leve o corte fundo que inchou seu lábio
inferior. Ele retrai e afasta a cabeça para que meu indicador não o alcance. — Está doendo
muito?
Ele nega, mas sei que está mentindo.
— Por que está aqui? — Fecha os olhos, tentando esconder a dor que sente.
— Por que você acha? Fiquei preocupada. Você não respondeu minhas mensagens nem
atendeu nenhuma das minhas ligações.
— Meu pai quebrou meu celular. Aquele merda — ele murmura.
Sebastian e Lilah não falam tanto do pai quanto deveriam. Sei que querem manter a boa
aparência porque o Sr. Linderman está envolvido com política e qualquer comentário
negativo sobre ele poderia ser o começo de um dilúvio.
— Sebastian, quero te perguntar uma coisa e preciso que você seja sincero comigo. —
Sua bochecha está sendo esmagada contra o travesseiro. Junto as mãos embaixo da cabeça
e fico de lado para olhá-lo. Ele abre os olhos e assente. — Eu... te influenciei, de alguma
forma, a falar com seu pai? O que te contei no píer foi algum gatilho pra você assumir sua
sexualidade pro seu pai?
— A culpa não é sua. — Ele estica a mão para tirar uma mecha de cabelo, que se
desprendeu da minha trança, e a joga por cima de meu ombro. — Não importa o que a Lilah
disse, Mack. A culpa não é sua.
— Eu acho que você tomou a decisão certa. — Seb pisca algumas vezes, percebo que
está tentando afastar as lágrimas que acumularam e se vira, para ficar de costas para o
colchão e de frente para o teto branco. — Você mesmo disse que estava cansado de se
esconder.
— Estou preso aqui — confessa e fecha o punho contra a testa. — Lilah conseguiu a
chave e abriu a porta quando meu pai saiu, mas sou prisioneiro na minha própria casa.
— Você está falando sério? — Levanto a cabeça para apoiá-la na mão e afundo o
cotovelo no colchão.
— Meu pai está com medo do que seu filho gay pode vir a mostrar quando sua
candidatura for divulgada. Vou terminar o semestre estudando em casa e depois ele vai me
mandar para uma escola militar. Eu não sei o que fazer, Mackenzie.
Quero ter a resposta para Sebastian, mas não tenho. O choro que está preso na garganta
finalmente vence e não seguro as lágrimas, embora sejam silenciosas e ele nem perceba.
Procuro por sua mão, para segurá-la e mostrar a ele que não importa as circunstâncias,
estou ao seu lado.
Espero que Sebastian devolva meu aperto imperioso, que abra os olhos e sorria para
mim com esperança, como costuma fazer. Porém, não faz. Sinto que algo dele morreu, que
seu pai roubou a parte mais bonita de seu coração e que não existe mais nada que Seb
possa oferecer para o mundo.
Pressiono os lábios para sufocar o gemido de dor que sinto por ele, por toda a situação.
E de todo o meu coração, peço que Sebastian seja forte e passe por cima disso a qualquer
custo. Quero que ele lute e volte a ter esperança, assim como tenho nele.

“Você ainda pode ser
O que você quer
O que você disse que era
Quando te conheci
Quando você me conheceu
Quando te conheci”
MEDICINE – DAUGHTER

Quarta-feira é dia de tomar chá com o senhor e a senhora Duncan. Estou segurando uma
vasilha com brownie e Nate o guarda-chuva porque não parou de chover desde a noite
passada. Muitos acidentes acontecem em dias de chuva em Humperville. Antes de sair de
casa, envio uma mensagem para mamãe e papai terem cuidado quando estiverem voltando
para casa.
Os Duncan têm a casa cor-de-rosa da rua, com um filtro de sonhos pendurado na
varanda e um balanço de dois lugares enfeitado com flores rosas que combinam com a
pintura. Estou usando galochas amarelas e Nate pretas. Meu casaco azul-escuro, que
termina nas coxas, está um pouco surrado, mas não me importo. Foi um presente de Molly
e gosto de vesti-lo quando vou visitá-la. Ela fica contente com isso.
Bato duas vezes na porta e avisto Jasper, apoiado em sua bengala de metal
emborrachada no apoio. Aceno, saltitante e fecho o guarda-chuva.
— A gente podia ter deixado pra vir depois da chuva — Nate reclama pela décima vez e
o ignoro.
— Oi, senhor Jasper — cumprimento lhe dando um abraço. — Trouxe brownie hoje!
Papai fez no fim de semana!
— Ah, Molly, querida, as crianças chegaram!
— Não sou mais criança, vovô Jasper! — Nate enxuga as galochas no carpete e entra, ao
deixar o casaco de frio vermelho pendurado atrás da porta de entrada.
— Para mim, vocês serão sempre crianças — comenta, rindo, e Nate dispara para
dentro da casa gritando por Molly.
Vovô Jasper me ajuda com o casaco – mesmo eu insistindo que não é necessário – e o
pendura no gancho vago atrás da porta. Coloco o guarda-chuva dentro do balde e limpo os
pés. Nossos avós já faleceram, Nate e eu acabamos nos acostumando a tratá-los como
nossos avós e eles como se fôssemos seus netos.
— Mackenzie! — Nate exclama aos berros. Jasper e eu rimos, andando para a cozinha.
— A vovó Molly comprou um videogame!
— Comprou um videogame? — Penduro a bolsa no encosto da cadeira e vejo Nate
correr para a sala. O sofá é cor-de-rosa e tem almofadas com estampa de margarida
adornando os assentos. — Ele não vai mais sair daqui! — aviso a Molly, que está colocando
água na chaleira.
— Essa é a ideia. — Ela se vira e pisca para mim. A frente dos cabelos baixos está
puxada para trás e presos com presilhinhas de margarida. Eu me aproximo para ajeitar os
fios que ficaram soltos. — Uh, ainda não consigo prender a frente do cabelo!
— Sem problemas, vovó. — Beijo sua testa ao me inclinar e ajeito os fios rebeldes atrás
de suas orelhas. — Que tal se pintarmos as unhas enquanto esperamos a água?
— Acho que vou jogar uma partida de futebol com Nate, senhoritas — vovô Jasper
acena por cima da cabeça e vai para a sala.
— É o momento das garotas agora! — vovó Molly anuncia e sorri. — Vou pegar a
bolsinha com os esmaltes, querida.
Ela bate em meu ombro quando sai. Eu me inclino um pouco para o lado, para vê-los
escolher os jogadores e montarem os times. O senhor Jasper está acomodado ao lado
direito do sofá e Nate ao esquerdo. Vejo meu irmão sorrir quando inicia a partida. É uma
risada leve e gostosa.
Sou puxada para Sebastian, a lembrança da noite anterior me assola e desestabiliza. Não
falei com ele hoje e Lilah continua me ignorando. Effy está dividida, não sabe quem apoiar,
portanto, como já havia passado o almoço ontem comigo, escolheu ficar com Lilah hoje.
Então, fiquei sozinha. Esperei por uma mensagem ou qualquer coisa que me tirasse do
escuro, mas ela não enviou nada. Desde que saí da casa dos Linderman, sinto uma
necessidade absurda de saber cada detalhe de tudo que acontece com Sebastian, mas com
Lilah agindo como se eu não existisse, não tem nada que eu possa fazer.
— Aqui está, querida. — Vovó Molly coloca a bolsinha com os esmaltes e mexo nas
diversas cores que tem ali. Ela adora tons de rosa, azul e lilás. — Então, como estão seus
amigos?
— Bem. — Sorrio para não deixar transparecer que não estou sendo tão sincera.
— Bem?
— Sim. Que tal se passarmos o lilás hoje? — pergunto, erguendo o recipiente do esmalte
para mostrar a ela. Quero mudar de assunto, mas conhecendo a senhora Molly como
conheço, não deixará passar.
Ela semicerra os olhos, meneia a cabeça devagar em confirmação e fica em silêncio. Sei
que está me desafiando a continuar mentindo, mas não pretendo ceder, afinal, o problema
real não é meu para que eu compartilhe. Sebastian não iria gostar que eu ficasse contando
seus assuntos para outras pessoas, mesmo que seja Molly.
— Nate comentou que te viu saindo da casa dos McCoy ontem. Você e Bryan finalmente
se tornaram amigos? Sua mãe sempre demonstrou certo carinho por aquele garoto!
— Nate disse isso? — Paro o que estou fazendo para fitá-la. — Não é nada disso, vovó.
— Dou uma risada abafada e abro o esmalte para começar a passá-lo nela.
— Ele contou que você estava cheia de sorrisinhos.
— Eu levei menos de cinco segundos para entrar e vocês já conseguiram fofocar?
— Ah, querida, se você não conta para a velha Molly, Nate com certeza contará.
— Nate! — grito por ele. Olha para a minha direção trocando um sorriso cúmplice com
a senhora Molly. — Você não pode sair por aí contando sobre a minha vida!
— Deixe de bobagem, Mackenzie. — Ela dá um tapinha em meu pulso para chamar
minha atenção.
— Ele é namorado da Lilah. Estávamos só conversando. — Ergo os ombros como se não
importasse. — Lilah já me odeia por causa de Sebastian, se ouvir algo parecido com
“Mackenzie interessada em Bryan”, vai ser pior! — Começo a pintar as unhas de Molly com
cautela para não borrar.
— Aconteceu algo com Sebastian?
Levanto os olhos para ela. Estão cinzentos, caracterizados por uma preocupação que a
deixa inerte. Paro de espalhar o esmalte pela unha do polegar e deixo os ombros relaxarem.
Não contei para ninguém além de papai sobre meus sentimentos por Sebastian. Talvez as
pessoas desconfiassem pela maneira como o olho ou para o carinho que enfeita minhas
palavras quando se trata dele.
Desisto de ser resistente ao assunto e conto com detalhes para vovó Molly o que vem
arruinando minhas noites de sono. Sinto-a apertar levemente minha mão, em sinal de apoio
e o sorriso complacente que se desenha em seu rosto transforma todo o meu inferno em
paraíso.
— Entregue nas mãos de Deus, minha querida, e peça para que o proteja. Thomas
Linderman não é um homem que você gostaria de se envolver ou intrometer em seus
assuntos.
— A senhora o conhece? — Empertigo a postura, interessada, e vovó nega prontamente.
— Ele é político, Mackenzie. O que você pode esperar de um homem ganancioso como
ele, que mantém o próprio filho em cativeiro com medo de que manche sua reputação?
Sebastian é um bom garoto e não merece o que tem passado sob o teto de sua casa. Se ele
precisar de um lugar para ficar, pode trazê-lo para cá. Vou cuidar desse garoto!
— A senhora faria isso?
Finalmente uma luz no fim do túnel parece surgir para mim. Meu coração sofre uma
guinada de empolgação. A angústia que me persegue, dissipa com as palavras dóceis de
vovó Molly. Sinto vontade de esmagá-la dentro de um abraço e dar muitos beijos em seu
rosto púrpuro e redondo.
— É claro que eu faria. — Ela coloca a mão aberta em meu rosto e acaricia minha
bochecha com o polegar. — Diga a ele para vir. Jasper e eu cuidaremos dele!
— Vou dizer. Obrigada, vovó Molly!
— Hum, acho que você pintou meu dedo — ela diz, rindo estridente, e sacudo a cabeça
me policiando.
Limpo onde manchei e estou ansiosa para terminar o chá da tarde. Quero correr para
Lilah, contar a ela que tenho uma solução para o problema de Sebastian. Que eles não
precisam mais se preocupar.
Finalmente sinto que posso respirar.
Terminamos o chá por volta das sete da noite. Nate joga algumas partidas de futebol
com vovô Jasper. Vovó e eu nos sentamos no carpete bege puído da sala. Como líderes de
torcida, montamos uma coreografia – uma simples para que Molly acompanhe. Dois passos
para o lado direito, dois para o esquerdo, um para a frente e rodopiamos. Um salto para
finalizar, com as mãos estendidas e gritamos o nome de quem vence.
O time de Nate vence três e do vovô Jasper duas – sei que Nate o deixou ganhar duas
partidas de propósito, Jasper não é bom no videogame – e comemos uma travessa inteira
de brownie. Tomamos uma chaleira de chá de jasmim e vovó e eu, no fim, estamos com as
unhas pintadas de lilás.
Ajudo Nate a vestir o casaco e vovô Jasper me ajuda a colocar o meu. Pego o guarda-
chuva, a vasilha de mamãe e me despeço do senhor e da senhora Duncan.
— Até semana que vem. — Aceno, despedindo-me deles.
Puxo Nate para perto, seguro seu ombro contra meu corpo e corremos em direção à
nossa casa.
Nate para num rompante e segura meu pulso para me fazer parar também.
— Aquela não é a Lilah? — Nate sussurra, aponta com o queixo para a figura parada sob
a chuva.
Lilah está em frente à nossa casa, com os lábios arroxeados e o queixo trêmulo. Os
braços estão envolvidos no próprio tronco, contorcendo-se a cada vez que tremores
aparecem em seu corpo para lembrá-la de que está debaixo de uma chuva gelada.
Peço para que Nate ande mais rápido e, assim que estamos perto o suficiente dela,
mando-o correr para dentro. Cubro o corpo de Lilah com o guarda-chuva e espero que ela
se vire para mim. Coloco a mão aberta em seu rosto. Ela está gelada e ainda usando as
roupas do uniforme. Seguro seu queixo e a obrigo a me olhar.
— Lilah. O que está fazendo aqui?
— Não sabia mais para onde ir — murmura. — Sinto muito. Sinto muito que eu tenha
sido uma idiota com você. Eu sinto muito, Mackenzie.
Ela me abraça de repente. É raro acontecer, mas Lilah está apertando meu corpo com
tanta força, que sinto o ar ser sufocado e não consigo inspirar para encher meus pulmões. O
guarda-chuva pesa demais e o deixo cair.
— É o Sebastian. — O som da sua voz sai abafado, mesmo assim consigo ouvi-la.
Lilah é orgulhosa, ela não viria só para se desculpar.
Quero pedir que ela fique quieta.
Quero implorar para que ela não diga o que veio até aqui dizer.
Estou tentando me desvencilhar de seu abraço, mas ela continua apertando meu corpo.
Esmagando como se eu fosse algum tipo de brinquedo. A água da chuva é gelada, machuca
minha pele. Meu coração parece ter se transformado em uma adaga pontiaguda porque, a
cada batida, sinto-o perfurar meu peito.
— Ele morreu — ela sussurra, abaixo da minha orelha. Sua voz é fraca e baixa, mas
parece que ela grita e o som repercute tão fundo e alto, que fere meus tímpanos.
Consigo força para empurrá-la. Seguro firme seus braços e a afasto.
— Você está me machucando.
Cruzo as mãos na frente do peito, como se pudesse me defender da dor que está
arruinando meu ar. Aperto as laterais dos braços fundo, sinto-o doer, mas não reclamo.
Lilah está chorando, o ruído que escapa de sua garganta a cada segundo é uma tentativa
fracassada de gritar. Não sei se comigo ou com o universo, mas ela quer de alguma forma
direcionar a sua dor.
Passo as mãos pelos cabelos molhados, jogando-os para trás. Cambaleio até estar
apoiada no tronco da árvore em frente à minha casa. Lilah acompanha meus passos. Eu
cedo. Minhas pernas estão cansadas. Fico de joelhos e cubro os ouvidos, não quero ouvi-la
dizer mais nada. Então a raiva dá lugar para a dúvida e grito alto. Alto o bastante, para que
mamãe e papai corram para a varanda; que os McCoy parem suas vidas para assistir uma
garota de quatorze anos ser açoitada pela dor de perder seu primeiro amor.
— Mackenzie! — Escuto meu pai chamar, mas não me importo.
Grito de novo, com as mãos tapando os ouvidos. Sinto as mãos ásperas de meu pai me
segurar pelos cotovelos, mas eu me debato até que ele me solte. O soluço sufocado pelo
orgulho escapa e não me importo mais que a vizinhança me assista definhar. Não ligo que o
meu coração massacrado tenha testemunhas.
— Eu... sinto muito, Mackenzie — Lilah continua dizendo e posso notar o remorso que
ecoa por sua voz.
A chuva está gelada. Por que não está anestesiando a dor? Estou gritando para que
Humperville inteira escute. Por que a dor não está parando?
Ele morreu.
A voz de Lilah ecoa.
Eu te amo, Mackenzie.
A voz de Sebastian me assombra.
Te amo mais, Seb.
Empurro meu pai, que tenta, pela segunda vez, me segurar. Viro para o tronco da árvore
e o agarro. Afundo as unhas recém-pintadas nas cascas secas e arranco com toda força que
consigo. Vejo o sangue escorrer. O sangue é meu, estão escorrendo de minhas unhas e se
misturando a chuva densa.
Passos golfados se aproximam. Escuto a voz de Vivian e, em seguida, de Casey, que me
pede calma.
Sinto uma mão envolver meu pulso. É firme, dura e quente. Ergo os olhos para a mão
que me puxa. Vejo Bryan. Quero o mandar embora, mas a indiferença que carrega seu olhar
não está mais lá. Tem um misto de tristeza e empatia, por mim.
Ele puxa minhas mãos com força. Não tem delicadeza em seu toque. Sou teimosa, quero
me agarrar ao tronco desta árvore até que Sebastian apareça e me diga para parar de tentar
chamar a atenção. Vou esperar até que venha até mim e conte a verdade; que Lilah está
tentando me irritar, mexer comigo, me deixar magoada.
Bryan tenta de novo e, dessa vez, com mais força. Une minhas mãos na frente do meu
corpo e me puxa com rispidez, olhando com dureza no fundo de meus olhos. É como se
dissesse: Sebastian não virá te resgatar.
Bryan é ríspido. É o jeito que ele é. Não dá para mudar. Às vezes, é necessário um pouco
de rispidez para você enxergar a realidade, que, embora seja dura, é importante. Meus pais,
meu irmão e Sebastian me tratavam como se eu fosse algum tipo de boneca de porcelana,
que poderia ser partida ao meio. Todos me amam dessa maneira. Sendo quem sou, não
devo agir dessa maneira, mas Seb sempre conseguiu alcançar a parte mais sensível do meu
coração.
Estou chorando. Gritando. Soluçando, como ninguém nunca presenciou. Deixo minha
cabeça cair para a frente e fico amparada no peito de Bryan. Ele não me abraça, mantém os
braços abaixados nas laterais do corpo, mas seu peito está subindo e descendo
rapidamente. Dou um passo à frente e envolvo sua cintura, afundo os dedos sujos de sangue
em sua camiseta. Mesmo que ele não retribua, seu corpo é quente, diferente das outras
pessoas ao meu redor.
Ninguém entende como me sinto, mas, por alguma razão, Bryan parece entender. Com a
mão direita e os dedos abertos, ele os afunda gentilmente entre os fios de cabelo em minha
cabeça. Puxo sua camiseta com força, choro contra o seu peito, o som é abafado. Não sei por
quanto tempo ficamos sob a chuva ou se todos assistem a cena até ceder ao meu pai e o
deixo me carregar para casa.
Quero ser engolida pelo sono. Acordar e descobrir que tudo é um pesadelo. Só pode ser
um pesadelo.
Sebastian morreu de overdose, aos quatorze anos, e deixou uma carta de suicídio que
nenhum de nós pôde ler, porque foi entregue à polícia para uma investigação mais
profunda.
A raiva sobrepôs à tristeza quando meus pais vieram me contar que não se tratava de
uma morte qualquer, Sebastian escolheu tirar a própria vida. Como ele pôde? Como não
pensou em mim ou em Lilah? Por que diabos Sebastian só estava pensando na própria dor?
Por que ele escolheu me abandonar? Não tinha nada que fosse importante para ele no
mundo? Não tinha nada pelo qual ele gostaria de lutar?
Compreendi, no final da noite, que apesar de doer e quase me roubar todo o ar, não
podia culpá-lo. Eu nunca entenderei a razão das pessoas cometerem suicídio. Tudo o que
posso imaginar é que a dor deve ser tanta que, por mais que eu veja motivos para lutar e
viver, aquele que tirou a própria vida não vê. Não enxerga motivo ou esperança. Não existe
nada adiante que possa provar que valha a pena viver. Thomas e Maya Linderman são os
culpados. Não amaram e não apoiaram Sebastian. Roubaram sua esperança, tiraram o
significado de respirar do próprio filho. Fizeram escolhas perigosas, que levaram Sebastian
a duvidar da própria capacidade.
Escolho não ir ao enterro. Posso me arrepender depois, mas não quero ter que olhar
para a família de Sebastian. Deixo as cortinas fechadas, mantenho o quarto sem luz e
afundo de cabeça no travesseiro; quero dormir uma década e acordar em um mundo onde
as pessoas não vão embora sem pensar naquelas que abandonam.
Meus pais e Nate se despedem de mim. Eles vão ao enterro e está tudo bem por mim.
Escuto a porta da frente ser fechada e tento segurar as lágrimas dentro de mim. Meus
olhos ardem. Minha garganta dói. E não consigo mais. Estou cedendo outra vez. Coloco uma
música baixa no celular; uma que Sebastian possa ouvir onde quer que esteja. Medicine, de
Daughter, soa pela pequena saída de som do meu celular. Coloco o aparelho na mesa de
estudos ao lado. Envio uma mensagem para Lilah, desculpando-me por não ir e ela
responde com um “OK”. Effy também está tentando falar comigo desde que a notícia se
espalhou, mas estou isolada. Não quero ver nem falar com ninguém.
Parece que estou deitada neste quarto há uma semana. O ar está abafado e não tem o
melhor dos cheiros. Eu tomei banho? Não me lembro e não me importo. A música repete
tantas vezes e torço para que Sebastian esteja ouvindo, sentindo e se arrependendo de ter
me deixado. Por que eu não fui motivo o bastante? Por que ele precisou ir? Por mais que
tente me afastar dessas perguntas, elas não vão embora.
Ouço alguém bater à porta e fico meio sentada meio deitada. Seguro o travesseiro
contra o peito e arrasto a bunda até estar recostada à cabeceira da cama. Não respondo
nada. Afundo os dentes da frente no dorso da minha mão direita. Se fingir que estou
dormindo, quem quer que esteja do outro lado da porta, irá embora.
— Essa música já tocou pelo menos dez vezes desde que cheguei aqui. — Empertigo o
corpo quando escuto a voz de Bryan. Minhas sobrancelhas se arqueiam em direção a porta.
Mordo com mais força a mão. — Posso entrar? Sei que está acordada. Estou aqui já tem um
tempão. Te dou alguns minutos se quiser vestir uma roupa decente.
Não me importo de estar usando uma camiseta vermelha grande e velha, que está
soltando fios na manga e um short de moletom justo cinza. Continuo em silêncio e escuto a
maçaneta girar. A porta está aberta em questão de segundos, não consigo nem mesmo ter
tempo de me levantar para poder trancá-la.
Bryan está usando uma calça social, camisa e gravata preta. O paletó pendurado no
ombro e os cabelos estão penteados para o lado esquerdo, assentados com gel.
— Você não devia estar no enterro? — pergunto ao soltar os dentes da mão e escondo o
corpo atrás do travesseiro.
— Lilah não me quer lá.
— Por que não? — Arqueio uma sobrancelha e estou curiosa de verdade.
— Ela ainda não quer que os pais saibam sobre nós. Se eu fosse, ela teria que se
explicar.
— É uma pena.
Bryan se aproxima e senta-se no chão ao lado de minha cama. Fico olhando para o topo
de sua cabeça molhada. Sinto vontade de tocar para espalhar melhor o gel, mas desisto da
ideia.
— Seus dedos melhoraram? — Estico a mão para a frente e tem um band-aid em cada
dedo que machuquei enquanto puxava as cascas secas da árvore.
— Sim.
— Que bom.
— Por que você está aqui?
— Não faço a menor ideia.
— Então vai embora. Quero ficar sozinha.
Começo a ajeitar o travesseiro para me deitar, mas Bryan é mais rápido e o puxa.
— Grosseira.
— Você é sempre grosseiro comigo.
— Faz parte de quem sou. Você não. Eu te proíbo. — Posso estar enganada, mas acho
que Bryan está tentando me fazer rir, mas não está funcionando. — Sinto muito — fala
solícito, meus olhos se enchem de lágrimas de novo. — Lamento que Sebastian tenha... você
sabe.
— Cometido suicídio? Você pode dizer porque foi o que ele fez.
Bryan fica em silêncio e assente, baixa a cabeça e apoia os braços nos joelhos dobrados.
— Você está com raiva — afirma, balançando a cabeça. — Eu entendo, mas acho que
Sebastian já estava pedindo socorro há muito tempo.
— Como assim?
— Por que acha que nos aproximamos? Ele me contava sobre o pai. Como ele só se
importava consigo mesmo e exigia da família. Exigia status. Um status que eles não tinham
como família. Eu... acho que podia tê-lo ajudado mais.
Coloco meus pés para fora da cama e apoio as mãos na lateral.
— Conversei com ele por um tempo. Dei conselhos e o ajudei como podia, mas acho que
Sebastian começou a enxergar nossa amizade de maneira errada. Na verdade, quando
começamos a conversar, já estava saindo com Lilah. Queria me aproximar dele para estar
perto da família dela, já que Lilah falava do irmão o tempo todo. Ela tinha razão sobre tudo,
como Seb era incrível e inteligente, mas ela mesma não sabia como ele se sentia. Sebastian
estava doente, tinha depressão e ninguém estava fazendo nada para ajudá-lo. Os pais
tratavam sua doença como uma maneira de “chamar atenção”. — Bryan faz aspas com os
dedos. — Fiz o que podia e agora parece que eu podia ter feito mais. — Ele puxa os cabelos
loiros para cima, com força, e os nós dos dedos ficam brancos.
— Nós fizemos tudo que podíamos — falo resignada, fito a parede com uma pintura
minha feita por Sebastian, presa em um quadro. Ele tinha habilidades para desenhar, mas
ninguém nunca o levou a sério também. — Mesmo que eu não soubesse sobre a depressão,
eu devia imaginar. Nós éramos, tipo, melhores amigos. — Dou uma risada entristecida e
fungo, limpo o nariz com a manga da blusa e tento disfarçar as lágrimas passando as mãos
nos olhos. — Mas Sebastian era como você: quieto, introvertido, gostava de ter o próprio
espaço. Como eu poderia saber?
— Não poderia. Acho que ele não queria estragar a ideia que você tinha dele. Para ele,
você o via como um super-herói. Ele queria que você o visse sem as fraquezas, a dor ou a
carência. Sebastian queria que você guardasse dele só as coisas boas.
— Ele é tão egoísta por me deixar de fora. — Aperto com força o colchão. Percebo que
Bryan está olhando para os nós de meus dedos, mas não diz nada. Continuo fitando o
desenho na parede; estou sorrindo, trajando minhas meias arrastão, vestindo o uniforme
da Saint Ville e segurando a mochila no ombro esquerdo. Estou de lado e minhas bochechas
estão rosadas, além da trança costumeira que mamãe costuma fazer em mim. — Não quero
ficar sozinha. Parece que Sebastian ter partido, deixou todo o meu mundo solitário.
— Você ainda tem Effy e Lilah.
— Não tenho certeza. Nossa amizade é como um cristal, lembra?
— Você pode fazer novos amigos.
— Acho que o único amigo que fiz nas últimas semanas foi você. E é loucura, porque
nem sei se posso chamar isso — aponto para o espaço entre nós — de amizade.
Bryan ri e deixa a cabeça cair entre as pernas.
— Por que você está rindo?
— Porque isso — é a vez dele de apontar entre nós — de jeito nenhum parece uma
amizade. Somos duas pessoas diferentes, que amam uma pessoa em comum. E, antes que
você surte, estou falando de Lilah.
— Por que você está aqui, então?
— Lembro-me de que estava te devendo um favor, por manter em segredo de Lilah
sobre o Jeep. Mesmo que eu tenha contado depois, ainda assim, você cumpriu sua
promessa.
— Pode ir embora. Não estou cobrando nada.
Afasto os cobertores felpudos para me deitar sob eles de novo.
— Vou ficar do mesmo jeito. — Ele se acomoda no chão e cruza os braços, tombando a
cabeça para trás. — Você não quer ficar sozinha hoje, acredite em mim.
Ainda de olhos fechados, Bryan estica a mão para pegar o celular sobre a mesa – que
ainda está tocando a mesma música. O quarto fica silencioso enquanto ele procura uma
nova música. O som de um violão ecoa entre as quatro paredes do quarto, ele devolve o
celular para a mesa e volta a encaixar a cabeça na cama. A voz de Justin Bieber preenche
meus ouvidos com Be Alright.
— Justin Bieber, é sério? — zombo, apoiando o peso do corpo nos cotovelos para olhá-
lo. Ele continua com a cabeça jogada para trás e os braços cruzados.
— Que é que tem? — devolve, com a linha dos lábios rígida.
— Estou surpresa. Só isso.
— Shhh... — pede, colocando o indicador sobre os lábios. — Só preste atenção na letra,
linda.
Ele abre o olho quando percebe do que me chamou e tombo a cabeça para trás,
gargalhando.
— Você me chamou de linda? Se Lilah escuta isso, somos duas pessoas mortas.
— Cale a boca! Foi impulsivo. Não vai acontecer de novo.
— Tá legal, lindo — provoco e me deito, puxo os cobertores até cobrir meu pescoço.
Por um segundo, Bryan me faz esquecer a dor em meu peito, mas, quando fecho os
olhos, ainda sinto Sebastian. Sinto sua respiração. Escuto sua voz. Sinto o toque de seus
dedos se entrelaçando nos meus. Consigo visualizar sua presença nos corredores da escola
e sentando-se atrás de mim nas aulas de inglês.
Ainda consigo senti-lo em tudo e todos os lugares.

“Quando você esteve aqui antes
Eu não podia nem te olhar nos olhos
Você é como um anjo
Sua pele me faz chorar
Você flutua como uma pena
Em um mundo bonito
Eu queria ser especial
Você é especial pra caralho
Mas eu sou insignificante
Sou um esquisitão
Que diabos estou fazendo aqui?
Eu não pertenço a este lugar”
CREEP – RADIOHEAD

22 de maio de 2015, às 12h33.

Hoje completa um mês da morte de Sebastian. Lilah se isolou. Guardou a dor para si
mesma. Quando eu tento tocar no assunto, ela desconversa. E foi daí para pior. Não sei o
que caras como eu, que não costumam falar ou externar muito sobre seus sentimentos,
podem dizer para uma pessoa instável como Lilah. É como se ela sugasse o mundo inteiro e
não tivesse para onde cuspir, então, engole toda a merda. É o que eu costumo fazer. Não é o
que esperava que Lilah fizesse. Não é como se ela estivesse lutando contra o mundo
sozinha. Ela tem a mim.

Hoje faz um mês. Você está bem?

Envio a mensagem para Lilah. Apesar de ter certeza de que não vai me responder –
como as últimas dez mensagens que enviei e não respondeu. Estou sentado em uma das
mesas do pátio, ignorando meu pedaço de pizza de quatro queijos. Coloco a mão aberta na
testa para bloquear a luz do sol.
Fico olhando para a tela do celular. Esperar é tão inútil quanto continuar enviando
mensagens. Queria poder ir até lá, mas posso piorar as coisas em sua casa se arriscar.
Lilah não vem à escola desde a morte de Sebastian. Apelei para Mackenzie e Effy, mas
ambas sabem o mesmo que eu: ela não atende ligações nem responde mensagens de texto.
Effy contou que tentou ir até sua casa, mas sua mãe disse que Lilah não queria receber
visitas. Tenho medo de que ela se afunde no luto e nunca mais se recupere. Vi acontecer
com minha mãe quando meu avô morreu. Enfrentamos o inferno na Terra, mas, graças ao
meu pai, ela conseguiu se recuperar.
Lilah não tem ninguém além de mim, Effy e Mackenzie, e não estamos exatamente ao
lado dela dando apoio.
Falando em Mackenzie Wilde, a garota é forte e tem uma habilidade extraordinária de
dar a volta por cima, não dá para negar. Uma semana depois de chorar quase todo o líquido
de seu corpo, ficar mal sob os cobertores e se escondendo do mundo, ela se levantou da
cama e disse:
— Seb não ia querer me ver desse jeito.
Assim seus dias seguiram até que se tornassem mais leves. Não estou dizendo que ela
não sente falta dele. Quando sente vontade de chorar e a saudade aperta, ela corre para o
banheiro – e me arrasta até lá para vigiar a porta – e chora a plenos pulmões. É alto,
retumba através das paredes, mas contanto que eu esteja lá, bloqueando a entrada, tudo
bem para ela chorar para que a escola toda escute. Só não sei por que sou eu quem tenho
que vigiar a porta. Nós nos aproximamos bastante depois da morte de Sebastian, mas não o
suficiente para que nos tratássemos como “amigos”.
Contudo, na primeira vez em que isso aconteceu, senti como se fizesse parte de algo
importante na vida de alguém. Apesar de estar ao lado de Lilah o tempo todo – ou ao menos
tentar –, não estou incluído nas coisas que são significativas para ela. Mackenzie, por outro
lado, fez com que eu sentisse o que é estar de verdade apoiando alguém. Foi assim que me
senti; não tenho afinidade o bastante com ela, para dizer que ela correria para mim quando
precisasse, mas apoiá-la no momento mais difícil de sua vida um mês atrás fez com que me
visse como alguém a quem recorrer. Não que Effy não estivesse lá para ela, mas o fato de eu
não perguntar absolutamente nada pode ter alguma relevância.
No entanto, estar ao lado dela e tudo o mais, nas horas complicadas, não mudou nossa
rotina. Ainda almoço sozinho, faço exercícios com Graham e Logan. Tento falar com Lilah
depois do colégio e volto para casa. Ajudo meu pai com a loja e o ferro velho, estudo e toco
violão quando estou entediado.
Sebastian não era importante para mim como para Mackenzie, mas, ainda assim, acho
que, além de Lilah, ela é quem realmente se sente abandonada por ele.
— Por que você está aqui sozinho de novo? — Subo os olhos e vejo Mackenzie jogar o
cabelo comprido para trás. O sol faz os fios brilharem. Ela está forjando um sorriso,
segurando a bandeja preta com as mãos. — Nós já combinamos de almoçar juntos. — Effy
está atrás dela e acena para mim com uma curva nos lábios. Acho que está tentando sorrir,
mas, diferente de Mackenzie, Effy não vai muito com a minha cara.
— Você combinou — desdenho e pego o pedaço de pizza dando a primeira mordida na
massa. — Você falou e eu escutei. Não disse que concordava.
— Estou me sentindo sozinha — comenta e Effy arqueia uma sobrancelha encarando a
nuca da amiga com uma careta. Escondo o sorriso atrás da mão. Mack percebe porque,
como não costumo rir muito, algo inusitado precisa estar acontecendo. Ela se vira, apoia o
queixo sobre o ombro esquerdo e estreita os olhos para a amiga. — O que foi?
— Até parece que você está se desfazendo da minha companhia, sabe.
— Own, não seja bobinha — Mackenzie ri e puxa Effy pelo pulso. — Eu te amo mais do
que gosto da companhia do Bryan. Na verdade, só estou sendo legal em não deixar que ele
fique solitário enquanto Lilah está fora.
Estreito as sobrancelhas e paro de mastigar. Queria que Lilah conseguisse “dar a volta”
por cima como Mackenzie. Gostaria de poder ser o porto seguro que Sebastian era para a
sua irmã. Mas tudo fica cada vez mais difícil.
— Se você disser “não quero sua companhia”, eu juro por Deus que não só vamos
almoçar juntos, como você será obrigado a me dar uma carona na volta todos os dias. — Ela
aponta o dedo em riste no meu rosto e baixo a cabeça, ignorando sua ameaça. — Alguma
notícia de Lilah? — Fica séria e apanha a maçã na bandeja.
Embora Mackenzie tente esconder, sei que ela não tem o mesmo apetite de antes. Às
vezes, quando ela se senta comigo com a desculpa de não me deixar sozinho, reparo em sua
bandeja de comida. Apesar de pegar macarrão com queijo quase todos os dias, ela se limita
a comer apenas uma fruta. É frustrante notar esses detalhes.
— Enviei uma mensagem. Nenhuma resposta.
— Hoje faz um mês. — Dá uma mordida forte na fruta. Ela não está olhando para mim,
está concentrada em fitar o tampo da madeira da mesa e vejo seu indicador afundar para
arrancar uma lasca.
Effy afaga as costas de Mackenzie em movimentos lentos para cima e para baixo.
— Só queria saber se ela está bem — murmura, engolindo o pedaço da maçã. — Você
não acha que devíamos ir até lá?
— Mack, se ela não responde nem nossas mensagens, a última coisa que ela quer é nos
ver. Vamos esperar. Você sabe como Lilah é. Quando estiver pronta para conversar, ela vai
ligar.
Mackenzie assente para Effy, apertando os lábios. Empertigo o corpo, porque sei que
está sufocando o choro. Ela sua frio, os lábios ficam vermelhos e as maçãs rosadas. A
mandíbula trinca. São sinais óbvios de que está prestes a se desarmar.
— Precisa de um minuto? — indago ao largar a pizza no prato sobre a bandeja e limpar
as mãos batendo uma na outra.
Ela concorda e se levanta, puxando a mochila junto ao corpo. Pego a minha ao lado e a
sigo. Geralmente Mackenzie anda na frente, vou atrás, como sua sombra. É estranho, mas
aconteceu assim e não mudo. Prefiro estar alguns passos atrás do que na sua frente ou ao
seu lado.
Effy assiste enquanto nos afastamos, murmuro para ela que voltamos em cinco ou dez
minutos – depende de quanto tempo Mackenzie precisará para se recompor – e ela
sussurra que está tudo bem.
Mackenzie anda de cabeça abaixada, sem olhar por onde está caminhando. Sou seus
olhos e a puxo pela gola do blazer quando vejo que vai esbarrar em uma aluna do segundo
ano. Ela levanta a cabeça num rompante, olha para os lados e se vira para me encarar. Os
olhos estão manchados, nem o corretivo que passou sobre as olheiras fundas serviu para
disfarçar que tem tido dificuldades para dormir.
— Cuidado! — alerto e ela assente.
Volta a andar. O caminho até o banheiro feminino não é longo. Quando chegamos, ela
solta a mochila na porta e corre para dentro. Recosto à soleira. Apoio os pés no outro lado,
mantenho as pernas esticadas e cruzo os braços. Tenho pouco mais que um metro e
setenta. Sei que os outros alunos não tentariam entrar no banheiro se eu estivesse agindo
daquela maneira. A indiferença que irrompe dos meus olhos é conhecida na Saint Ville Prep
e a minha preferência de não ser incomodado também é um caráter presente.
Apanho os fones de ouvido no bolso da frente da minha mochila. Plugo na entrada do
celular, procuro por uma música em minha playlist e encontro Creep, de Radiohead. Escuto
para dar privacidade à Mackenzie. Quero abafar seus soluços e o choro que reverbera
detrás da porta vermelha do banheiro. Fecho os olhos e finjo que nada está acontecendo.
Ela não é o tipo de garota que gosta de ser consolada. Mackenzie sabe lidar com a
própria dor e tem os próprios meios.
Aprendi rápido quando fiquei ao lado dela no dia do enterro de Sebastian. Estar lá foi a
decisão mais complicada que precisei tomar. Não sou do tipo que sabe lidar com emoções
sensíveis, mas ela se recusou a ir ao enterro e, embora não pareça, essa escolha pode
mostrar muito sobre Mackenzie. Ela, com certeza, é diferente de qualquer garota que já
tenha conhecido.
Diz que somos diferentes, mas acho que não. Também tenho meu jeito de lidar com os
problemas e, na maioria das vezes, prefiro fazer isso sozinho.
Os alunos comentaram por duas longas semanas sobre o suicídio de Sebastian. Pensei
que, pela primeira vez, teria que usar os punhos para calar a boca de alguém. Mas não foi
necessário. Só de estar ao lado de Effy e Mackenzie algumas vezes, os burburinhos
diminuíram e na educação física, como membro do time de basquete e o melhor corredor
de maratonas, ordenei que ninguém tocasse no assunto. Foi fácil lidar com isso. Porém, não
sou capaz de controlar o que Mackenzie, Lilah ou Effy sentem a respeito de Sebastian.
Olho no relógio em meu pulso. Desta vez, Mackenzie está levando mais tempo. Já se
passaram quinze minutos desde que estou encostado ao batente e começo a sentir
dormência nas panturrilhas. Bato na madeira duas vezes e retiro os fones para ouvir uma
resposta, que não vem. Repito as batidas com as juntas dos dedos, dessa vez duplico a força
e chamo seu nome. Ela não responde de novo. Forço a maçaneta e, para a minha surpresa, a
porta não está trancada.
Mackenzie está parada em frente ao espelho, as mãos apoiadas na porcelana da pia e
um filete de água escorre da torneira. Assisto-a fitar o próprio reflexo com o olhar duro.
— Acabei de receber uma mensagem da Lilah — conta e meu corpo todo fica tenso.
Procuro pelo meu celular no bolso e verifico minhas mensagens, não há nenhuma de Lilah.
— Ela não quer que eu te conte, mas não acho justo. — Se vira para mim com os
calcanhares. Não tinha reparado, mas o celular está preso em uma das mãos. — Os pais de
Lilah estão se divorciando e... — faz uma pausa e sei que está medindo as consequências do
que vai me dizer — ela nem está mais em Humperville.
O baque não foi tão grande porque, para ser honesto, é exatamente o tipo de atitude que
espero de Lilah. Mas não significa que não estou magoado; na verdade, estou com raiva.
Sinto minhas narinas inflarem e retiro os fones de ouvido, que estão plugados no celular,
com rispidez. Digito o número de Lilah. Meus dedos trôpegos pairam sobre a tela e
pressiono o aparelho contra a orelha. Ela deixa tocar até cair na caixa postal.
Paro e tento de novo. E de novo. De novo.
— Para onde ela foi?
— Eu não sei.
— Você está mentindo — acuso apontando o indicador em sua direção, sem me mover.
— Eu não sei para onde ela foi, Bryan. Ela não contou na mensagem. Não estou
mentindo!
— Por que ela não me contou?
— Ela também não disse — sussurra.
Dou as costas para ela, bufando. Pego a mochila e saio. Estou com raiva e poderia socar
uma parede até estourar meus dedos. Bagunço os cabelos no percurso, afrouxo a gravata e
caminho pesado em direção a saída.
Passo por Nancy, que tenta chamar minha atenção por eu estar saindo três horas antes
do fim das aulas, mas eu a ignoro. Se ela insistir um pouco mais, sou capaz de mandá-la
para o inferno.
Quando passo pelos grandes portões e tenho certeza de que estou afastado o suficiente
para ninguém ouvir, jogo a cabeça para trás e grito.
Quando nos conhecemos na sorveteria, Lilah fez meu mundo inteiro sair de órbita. Não
daquele jeito que, por um segundo, você prende o ar e depois a vida continua. Foi como se
um meteoro tivesse atingido a Terra, mudando tudo de lugar. Ela é o tipo de pessoa que
mexe com você da forma mais intensa e peculiar possível; é como o primeiro amor. Que te
suga, arruína e vai embora.
Então me dou conta de que fiquei para trás para arrumar a confusão que ela causou.

Estaciono o Jeep em frente à minha casa. Encaro as janelas. Sei que meus pais não estão.
Poderia aproveitar o dia inteiro para colocar as coisas dentro de mim no lugar, mas não me
sinto confortável para ficar sozinho. Acho assustadora a ideia de ficar só. É a primeira vez
que estou recusando a solidão.
Respiro pesado, enrolando os dedos em volta do volante. Tento, mais uma vez, ligar
para Lilah. A ligação vai direto para a caixa postal e a certeza de que meu número foi
bloqueado assola meu coração.
Com pressa começo a desfazer o nó da gravata. Sinto-me sufocar com ela envolvida em
meu pescoço. Desabotoo os primeiros botões da camisa, tiro o blazer e deixo tudo no banco
do passageiro, junto com a mochila. Dobro as mangas da camisa, estou sentindo um calor
absurdo, mesmo sob um céu nublado.
Bato a porta do motorista quando saio. Recosto-me sobre ela, soterro os dedos
longínquos nos fios de cabelo e puxo com força para cima. Inclino a cabeça para trás, fecho
os olhos e respiro profundamente enquanto analiso minhas opções.
De repente, minhas pernas tomam vontade própria e estou andando em direção ao rio
Dark Water. A poucas ruas dali, posso ver o céu refletir em sua margem. Ele tem um leve
movimento de vai e vem criando ondas serenas pelo vento frágil que sopra. Meus punhos
estão cerrados, escondidos sob o tecido do bolso da calça social.
O píer está vazio e sento-me na borda. Retiro os sapatos e as meias, afundo os pés
quentes na água gélida. O estado de torpor em que meu corpo se encontra não me deixa ser
afetado pelo gelo. Fecho os olhos enquanto minhas pernas balançam dentro da água.
Inspiro o ar frio e úmido, seguro a lateral do píer com força.
Estou afundando os dedos com toda a força que consigo. Mordo o interior da bochecha e
as laterais da boca, intensificando minha raiva nessas regiões. Estou puto com Lilah. Juro
que quero entender. Estou exigindo que meus sentimentos sejam de compreensão, afinal
ela perdeu o irmão, mas a parte egoísta – e a mais forte – não consegue ser o que Lilah
precisa. Não me sinto só injustiçado; sinto como se todas as expectativas que criamos
tivesse recebido um grande significado de nada.
Foi nesse maldito píer que pedi Lilah em namoro. Dois jovens que não conhecem nada
do amor, mergulhando nesse buraco fundo, imerso em merda nenhuma. O que nós
sabemos sobre relacionamentos? Eu estou prestes a fazer dezesseis, Lilah tem quatorze.
Começamos isso sem saber para onde estávamos indo. Era gostoso beijá-la sem nenhuma
expectativa. Era bom estar com ela sem ter que me preocupar. Então, ela quis que todo
mundo soubesse, mesmo que nesse todo mundo seus pais não estivessem incluídos.
Adolescentes fazendo burradas adolescentes. Adolescentes gostando um do outro como
adolescentes. É o que Lilah e eu somos. É assim que nos lembraremos um do outro.
Pensar sobre isso me deixa ansioso e quero fazer parar. Prometo a mim mesmo que é a
última vez que penso nela e, com essa promessa, impulsiono o corpo para a frente até
sentir que toda a água toma meu corpo.
O rio Dark Water é famoso por muitos motivos: pelas pedrinhas pretas que serpenteiam
a orla; pela cor da água, embora seja limpa ele é preto na superfície, lembrando o céu
escuro da noite; como também por sua profundidade. Não existe um lugar seguro para
mergulhar no rio, é um buraco sem fundo e estar dentro dele é só afundar.
Não sei por quantos segundos fico debaixo d’água, mas, quando preciso respirar, nado
de volta. Ao imergir me assusto com Mackenzie. Ela está ajoelhada no píer, inclinando o
corpo para a frente e deslizando a mão na superfície da água escura. Os olhos arregalados
estão revestidos de preocupação.
Franzo a testa e seguro a lateral da madeira para subir no píer. Ela afasta para me dar
espaço e noto que se livrou do All Star amarelo que estava usando. Ainda está vestida com o
uniforme da Saint Ville. Não faz muito tempo que saí da escola, então, ela também está
matando aula. Mackenzie é bolsista e faltar pode deixar seu currículo manchado.
— O que você estava fazendo? — Meu queixo está tremendo quando me deito contra a
madeira. Fecho os olhos e respiro pela boca, recuperando o fôlego. — Estava tentando se
matar? — Sua voz aumenta algumas notas e abro os olhos. Viro o pescoço para vê-la. —
Não tem graça! — Ela usa as duas mãos para me empurrar. Não estou rindo, nem tentando
parecer inocente. Não sei por que ela acha que estou sendo sarcástico.
— Eu sei que não tem graça. — Vinco a testa, encarando-a. — O que você pensou que eu
estivesse fazendo? — enfatizo e fito sua expressão chocada.
— Você é tão idiota, às vezes. — Ela puxa os joelhos contra o tórax e descansa o queixo
sobre eles. Continuo olhando para ela. — Sua mãe não te ensinou que mergulhar no rio é
perigoso?
— Eu nado muito bem — digo com orgulho.
— Não importa que você nada muito bem. É perigoso!
— Você ficou preocupada comigo — concluo e estou segurando a risada na garganta.
— Eu? Não fiquei. Pode morrer, se quiser. Não dou a mínima.
Sei que está mentindo porque sua voz perde a força quando termina a frase.
— Então por que está aqui?
— Porque... — Ela estica as pernas, derrotada. — Não sei. Pelo mesmo motivo que você
ficou comigo quando Sebastian morreu?
— Não estou te cobrando. Você não me deve nada, Mackenzie.
— Por que nós não podemos ser amigos, hein? Sem isso de favores ou dívidas?
— Agora você está tentando ser minha amiga?
Ela fica em silêncio e não insisto mais no assunto. Diferente de muitos silêncios, o nosso
é confortável. Não estamos constrangidos nem evitando uma discussão. É só... um silêncio
necessário e saudável.
— Contei aqui para o Sebastian que eu gostava dele — conta, encarando o rio. O vento
continua criando pequenas ondas suaves na margem. — E ele me contou que era gay e que
gostava de você. Naquele dia pensei que tudo bem. Poderia lidar com aquilo. Mas...
— Você se arrepende? Acha que devia ter roubado um beijo dele?
Mackenzie dá uma gargalhada gostosa, tombando a cabeça para trás. Ela fica relaxada
quando fala de bons momentos com Sebastian.
— Pra ser sincera? Acho sim. Eu devia ter beijado ele aqui.
— Você, por acaso, já beijou alguém?
— Não — ela nem pondera para responder. Seu olhar muda de foco e se vira para mim.
Vejo o rubor crescendo em suas bochechas. — Mas eu não ligo pra isso também.
— Pedi Lilah em namoro nesse píer. É engraçado eu ter escolhido esse lugar para voltar
quando ela acabou de me dar um pé na bunda através da melhor amiga.
— Um dia, você vai rir de tudo isso.
— Acho que não posso dizer o mesmo de você. Você sempre vai lembrar de Sebastian
com dor e saudade. Apesar de Lilah ter terminado comigo, ela está por aí em algum lugar.
Talvez a gente se encontre de novo ou sei lá, mas você e o Sebastian...
— Acabou. Para sempre. Mas não concordo com você. Não vou lembrar dele com dor.
Vou lembrar dele com saudade. Ele foi meu melhor amigo e me proporcionou todos os
melhores momentos que conseguiu!
Eu me levanto e fico sentado ao seu lado. Bagunço seu cabelo, dando risada.
— Você é muito madura pra sua idade.
— Ei, você não é muito mais velho que eu! — Tenta assentar os fios que baguncei.
— Sou dois anos mais velho. Tenho dois anos a mais de experiência de vida. Eu ganho
de você, de qualquer jeito.
— Quer saber de uma coisa? — Ela se levanta, limpando a sujeira da saia.
— O quê? — Eu me levanto também.
— Nós já somos amigos. Eu sei que você almoça marmita todos os dias, que é muito
inteligente e subestima a inteligência dos outros alunos. — Ela cerra os olhos para mim, em
repreensão, e coloco as mãos nos bolsos molhados. Meu corpo ainda está gotejando água no
píer. — Você também é indiferente, esquisitão e calado. Prefere ficar sozinho e protegeria o
pai, mesmo que ele estivesse errado. — Mackenzie está listando tudo que sabe sobre mim e
fazendo uma contagem com os dedos para não se perder. — Você gosta muito da Lilah, o
que te deixa maluco. Só te vi duas vezes usando roupas normais. Ah, quase me esqueço —
ela dá uma risada doce —, você canta muito bem.
— Então você acha que somos amigos por que conhece algumas coisas sobre mim?
Ela retira o blazer e o segura na frente do corpo, sorrindo.
— Ainda tenho tempo pra conhecer mais um monte de coisas sobre você, Bryan.
Mackenzie fica na ponta dos pés e usa o blazer para enxugar meus cabelos. Pretendo
pará-la, mas, quando percebe a menção, dá um tapa estalado em meu pulso e desisto.
— A propósito, o que são roupas normais?
— Hum... — Ela para de esfregar o tecido contra minha cabeça e torce o lábio para a
direita. — Que não seja isso. — Puxa a manga da camisa do meu uniforme molhado. — Você
fica muito autoritário com essas roupas sociais.
— É a roupa do colégio, Mackenzie. — Franzo o nariz em uma careta.
— Será que você pode me chamar de Mack? Mackenzie parece sério demais.
— Mackenzie é o seu nome — bufo, revirando os olhos.
— Está bem. Você que sabe, mas me deixaria mais confortável se arrumasse um outro
apelido.
— Que tal se eu te chamar de Chatakenzie?
— Por que você não me chama só de Mack, hum? — sugere, entortando os lábios em um
sorriso solidário.
— Mack, hein? Parece íntimo. Não faz o meu estilo.
— O seu estilo é ser um ogro, mas você pode mudar — ela ri e volta a secar meus
cabelos.
— Você não precisa fazer isso. — Seguro seus pulsos e ela para.
— Preciso sim. É o que os amigos fazem, eles cuidam um do outro.
“Quem é, quem é
Quem é esse garoto?
Entre todas essas pessoas
Um olhar indiferente, eu gosto disso
Ele me deixou curiosa
Ah, seu estilo corajoso é um bônus
Parece que você não liga com o que vestir
Você fala como se não se importasse, eu gosto disso.”
BAD BOY – RED VELVET

03 de julho de 2015, às 13h46.

Quase três meses que Sebastian se foi e Lilah se mudou. Ainda choro no banheiro e
Bryan vigia a porta, para que eu consiga extravasar os meus sentimentos. Ele não se
importa. Na maioria das vezes, a sugestão é dele. Quando estou sob muita pressão, lembro-
me de que era Sebastian quem me colocava de volta no lugar; sempre que atingia o meu
limite com a escola e estava prestes a surtar, era ele quem trazia paz para o meu desespero.
Quando estou no auge da paciência, agora é Bryan quem pressente e acabo sendo
escoltada por ele até o banheiro feminino. Lá eu choro como se fosse abastecer todas as
casas de Humperville. A melhor parte é que Bryan não é do tipo que fala muito, então eu
saio e ele não pergunta se preciso falar sobre o que está acontecendo nem tenta me
consolar. Eu preciso chorar, mas não quero fazer na frente das pessoas e ele dá um jeito
nisso. É melhor do que qualquer palavra de conforto.
Estou em um desses momentos agora. Dentro de um boxe do banheiro da Saint Ville, no
último dia de aula antes das férias de verão. Escuto Bryan conversar com uma líder de
torcida do outro lado e tento não prestar atenção. Ele voltou a ser cotado como “namorado”
depois que Lilah se foi. Quando nos aproximamos, houve comentários, mas negamos e os
meses passaram e as garotas finalmente acreditaram. Quase dou uma risada quando ele
está negando, veemente, que não está interessado em sair com outra garota agora. Estou
tentando levá-lo ao parque de diversões há dois meses e a resposta é sempre não. Às vezes,
ele usa “nem pensar” e “vá com a Effy” ou “para de me encher”.
Acabei me acostumando com esse jeito “grosseiro sem ser intencional”.
Saio do boxe, rumo para a papeleira e pego papel-toalha para enxugar o rosto úmido.
Dou uma olhada no espelho. Meus olhos sempre ficam inchados e vermelhos. Demora
muito para voltarem ao normal, mas não posso ficar presa no banheiro esperando
acontecer. Lavo o rosto com água corrente, apalpo com os dedos as pálpebras fechadas e
respiro fundo antes de secá-lo.
Quinze minutos dentro do banheiro chorando e sinto que estou pronta para terminar o
dia.
Abro a porta e Bryan se afasta para me dar passagem. Os outros alunos se acostumaram
com isso e os professores pararam de encrencar depois que Bryan foi chamado pelo diretor
Cavanaugh e explicado o que têm acontecido comigo.
Os professores, o diretor e a supervisão, todos sabem da importância de Sebastian para
mim e não é algo que se supera tão rápido. Minha amizade com Effy esfriou bastante, ela diz
que a culpa é do Bryan, que estou tentando fazê-lo ocupar o lugar de Sebastian e Lilah me
aproximando dele. Esses comentários são absurdos e me deixam chateada. Não conto a
Bryan sobre eles, mas quieto como ele é, não preciso falar. Ele observa e percebe, então, ele
sabe.
— Outra garota querendo um encontro? — Dou um esbarrão na lateral de seu braço
com o meu.
— Sim.
— Não faz o seu tipo?
— Não.
— Apenas respostas monossilábicas agora?
— Pois é.
Paro, seguro-o pela mochila e ele para também.
— Vamos ao parque de diversões amanhã?
— Não. — Ele revira os olhos e volta a andar.
— Por favor.
— Você sabe que a Effy não curte muito a minha companhia. Cada vez que almoço com
vocês sinto que ela me mata na mente dela. — Ele aponta com o indicador para a têmpora.
Dou risada.
— Ela sente falta do Sebastian e da Lilah. Eu também.
— É, eu também.
— Vai melhorar com o tempo — prometo, ficando na ponta dos pés para ajeitar um fio
de cabelo que está de pé. — Bryan, nós estamos de férias.
— Não exatamente. Estamos quase de férias.
— Você gosta de negociar. É seu estilo. O que você quer em troca? — Balanço as
sobrancelhas, sugestiva.
— Você tem falado com Lilah? — Ele está mudando de assunto e, ao mesmo tempo, sei
que vai me pedir algo relacionado a ela. O sorriso em meu rosto murcha.
— Por quê?
Cruzo os braços sem me importar com as reclamações dos alunos que estão atrás.
Desde que Lilah me enviou uma mensagem dizendo que tinha se mudado, nós
conversamos. Não tanto como antes, mas eu considero que seja melhor que nada. Sua mãe
está aos poucos reconstruindo a vida. Ela não fala muito sobre o pai, então não sei como
anda a carreira política ou a vida pessoal do Sr. Linderman. Na verdade, Lilah não conversa
muito, nem mesmo sobre Sebastian. As mensagens são quase sempre com um “estamos
indo bem por aqui” e digo a ela como estou, mesmo quando não me pergunta. Ela nunca
perguntou se contei para Bryan, mas tenho certeza de que sabe que sim. Nós sabemos que
ela o bloqueou porque ele tentou ligar muitas vezes e em todas foi enviado direto para a
caixa postal.
— Estou curioso — por fim desdenha.
— Com o quê? Você não tinha prometido que não ia mais nem pensar nela?
— Ela está bem?
— Se eu responder, você vai sair comigo e com a Effy?
— Effy não vai aprovar a ideia.
— Se você não se esforçar, é claro que ela não vai gostar de você!
— Tudo bem. Fechado.
— Lilah está bem, mas a última vez que falei com ela foi na semana passada.
— Ela parou de responder de novo?
Jogo os ombros para cima sem me importar.
— Você conhece a Lilah. Quando ela quiser ou precisar — enfatizo, arregalando os olhos
—, ela vai enviar uma mensagem. E não vou dizer mais nada — digo com firmeza e
continuo andando.
Bryan me segue, insistente. Ele quer mais informações, mas, no fundo, sei que quer
saber se Lilah sente falta dele. Recuso-me a responder essa pergunta porque ficaria
decepcionado se soubesse que, nesses três meses, ela nunca perguntou nada sobre ele.

Estou sentada na ilha da cozinha da casa dos McCoy. Vivian está ao meu lado, rindo das
fotografias de Bryan de quando ele era criança e moravam em Dashdown. Casey, o pai de
Bryan, fica recostado à borda da bancada de frente para nós, bebericando de sua taça de
vinho. A forma como olha para a esposa tem um misto de adoração e renúncia. Tenho
certeza de que não ficam sozinhos há muito tempo, já que Bryan é um desses alunos
estudiosos e que evitam contato social.
Ficamos sozinhas por poucos minutos, mas não precisou se estender muito para eu
saber que Vivian queria perguntar sobre Sebastian. A melhor forma de lidar com a saudade
é não conversar sobre a causa. Meus pais compreenderam que era melhor que não
falássemos tanto sobre o que aconteceu nem como aconteceu. Aos poucos, sozinha, iria
encontrar um jeito de superar. Em partes acho que Effy está certa e estou usando Bryan
como conforto, mas também sinto que passar o tempo com ele faz meu coração doer
menos.
Portanto, vejo quando Vivian morde o interior da bochecha para não deixar escapar
nada que se refira a Sebastian ou Lilah. Para ser honesta, queria perguntar se ela sabia
sobre o namoro precoce de Bryan e Lilah, mas assim como eu evito o assunto, acredito que
Bryan tem feito o mesmo. Quando começamos a ver o álbum de fotografias da família – um
jeito de passar o tempo, criar uma distração para que assuntos desconfortáveis não
encontrem brecha enquanto espero por Bryan –, ela tocou no assunto.
— Olha essa. — O indicador de Vivian aperta a fotografia de um Bryan pequeno, talvez
tivesse quatro anos. Ele está rodeado de espuma em uma piscina de plástico, ao lado de um
golden retriever. — É a Sasha, nossa cadela. Ela era muito, muito esperta e obediente.
Quando Bryan nasceu, ficava o tempo todo do lado dele. — Vejo o sorriso alegre de Vivian
enquanto desliza o dedo com delicadeza pelos contornos do corpo miúdo de Bryan. —
Precisamos mentir quando Sasha ficou doente. Teve um tumor na mama e se espalhou. Ela
estava sofrendo tanto. Dissemos a Bryan que ela precisou ir embora por um tempo, mas
que voltaria em breve. Casey e eu queríamos ganhar tempo até conseguirmos outra da
mesma raça, mas, em determinado momento, ele parou de perguntar por ela e achamos
melhor nos poupar de um sofrimento no futuro. Afinal, a vida é assim, né?
Olho de esguelha para Vivian. Ela está fitando a foto, mas sei que sua intenção é me
consolar. Quero dizer a ela que estou bem. Sinceramente.
— Vocês não tiveram nenhum outro cachorro de estimação?
— Não. — Casey responde. Afasta-se da bancada e inclina o corpo para a frente,
apoiando os cotovelos no mármore. Ele deixa a taça de vinho de lado e puxa o álbum para
olhar a foto. — Sofremos muito com a perda de Sasha. Não queríamos passar por aquilo de
novo. Como Bryan parou de perguntar, nós decidimos não adotar mais nenhum.
— Parei de perguntar porque sabia que alguma coisa séria tinha acontecido. — Ele está
passando o braço pela manga da jaqueta jeans. — Normal o bastante para você, Wilde? —
Abre os braços para que eu analise o visual.
Bryan está vestindo calça jeans clara, camiseta preta lisa e a jaqueta por cima. Não
reparo nos tênis direito, mas sei que são brancos. Ele bagunça os fios de cabelo enquanto se
aproxima de nós e, antes mesmo de chegar, já está guardando as mãos nos bolsos da
jaqueta.
Ergo o polegar em sinal de positivo e dou uma risadinha.
— É um encontro? — Vivian parece animada ao perguntar. Casey gargalha, deixando a
cabeça cair entre os ombros.
— Não, mãe. — Bryan revira os olhos e bufa.
— Com certeza, não — completo para ser convincente.
— Estou decepcionada. — Ela faz um biquinho e Casey fecha o álbum quando se
levanta.
— Crianças não têm encontros, mãe. Quantos anos você tem mesmo, Wilde? — ele
indaga, com os olhos cerrados. Bryan sabe exatamente a minha idade, mas está sendo
provocativo, como sempre.
— Até parece que você é muito adulto! — Casey ergue o corpo, dando risada.
— Para Bryan, dois anos faz toda a diferença — Levanto-me, reviro os olhos em direção
a Bryan e empertigo a postura.
— A madame está pronta?
Cruzo os braços, meus olhos estão vislumbrando seu corpo mais uma vez.
— Você não precisava ter me esperado aqui.
— Fiquei com medo que você decidisse fugir nos últimos minutos do tempo. — Já estou
me afastando de Vivian e Casey. — Sabe, porque já foi difícil te convencer a sair com a
gente! — exclamo e olho por cima do ombro quando já estou na porta. — Tchau! Espero
poder ver mais fotos do Bryan na próxima! — grito alto para que escutem, porque Bryan
está me empurrando com as duas mãos pelos meus ombros. Seus pais dão risada e acenam.
— Divirtam-se! — dizem em coro.
O Jeep preto está estacionado em frente à sua casa. Estou vestindo short jeans, a meia
arrastão por baixo e um cropped amarelo de manguinhas. Sinto o celular vibrar na bolsa de
ombro e paro para ler a mensagem. No display vejo que é de Effy. Bryan já está dentro do
carro esperando.

Effy:
Estou definitivamente de castigo. Vão vocês. Te ligo pra contar tudo amanhã!

Mack:
Ah, não! :(

Effy:
Ah, sim! Desculpaaaaaaaaa! :(

Mack:
Não está cancelando por que convidei o Bryan, né?

Effy:
Não é por isso. A gente se fala amanhã, tá?

Mack:
Ok.

Bryan pressiona a buzina e corro até ele.
— O que foi? — pergunta enquanto passo o cinto.
— É a Effy. Ela não vai.
— Te disse, ela me odeia.
— Ela não te odeia.
— Por que ela me odeia? — Bryan gira a chave na ignição com a testa franzida. — A
culpa é sua. É você quem está tentando ser minha amiga.
— É, e você está deixando.
— Não é como se você tivesse me dado opção, né?
Parece que Bryan odeia a ideia de sermos amigos, mas conheço a verdade por trás dos
olhos azul-oceanos. Ele não odeia, mas também não faz esforço para que sejamos realmente
amigos.
Era fácil com Sebastian. Ele era alguém acessível. E, de repente, percebo que estou
comparando Seb com Bryan outra vez. Balanço a cabeça para afastar a nuvem de
pensamento pesada que sobressai.
Ambos só tinham uma coisa em comum: eles conseguiram ganhar minha atenção.

Convenci Bryan a comprarmos um sorvete de casquinha sabor morango para


dividirmos – nunca aguento um inteiro – e por fim, ele aceitou ir comigo na roda-gigante.
Ele está segurando a casquinha e estou raspando a colher no sorvete, engolindo em seguida
para não derreter. O dia passou nublado, mas a noite está insuportável de tão quente.
Estamos tão alto na roda-gigante, que parece que posso tocar uma estrela. Bryan dá
colheradas pequenas no sorvete e se mantém calado quase toda a subida do brinquedo.
Seguro o ar quando estou lá em cima e evito olhar para o chão. Estreito os olhos porque
posso sentir uma fagulha queimar em minha mandíbula com o olhar enviesado de Bryan.
— Se tem medo de altura, por que quis andar nessa coisa? — murmura com a boca
cheia.
— Não tenho medo de altura — minto. Olho só para o céu e nunca para baixo. Bryan
está sentado ao meu lado, mas existe alguns centímetros de distância entre nós.
— Você está suando. Seus ombros estão tensos e está travando a mandíbula. — Não
tenho certeza, mas acho que vi um sorrisinho debochado no canto dos lábios dele. — Você,
com certeza, tem medo de altura.
— Você parece entediado.
— É porque estou.
Desço meus olhos para ele. Às vezes, queria que Bryan não fosse tão sincero se tratando
do que está pensando ou sentindo. Não costumo ficar magoada com as coisas que ele diz,
prefiro ignorar, mas, por alguma razão, parece ser pessoal. Estamos só nós dois e, na
maioria das vezes, é assim. Faz com que eu sinta que a minha companhia é entediante.
Pigarreio para afastar o nó amargo em minha garganta e desvio o olhar. Não quero que
ele perceba que fiquei abatida.
— Não precisa fazer coisas que não gosta porque eu estou entediado.
Chacoalho os ombros com pouca importância.
— Te convidei, queria que você... sei lá, esquecesse um pouco a Lilah e se concentrasse
em fazer novos amigos.
— Eu tenho amigos. Graham e Logan.
— Vocês nem almoçam juntos, não vai na casa deles e nem sai no fim de semana. Eu
acho que não são, não.
— Por que você está tão preocupada com os meus amigos? — Bryan se vira e, se não
fosse pelo guardanapo de papel ao redor da casquinha, sua mão estaria toda melada de
sorvete de morango.
— Você ficou ao meu lado quando Sebastian morreu, Bryan. Eu sei que você não
entende como isso foi importante. Sentia que precisava ficar sozinha, mas foi você que me
ajudou a não me afundar naquele buraco, que é o luto — confesso, espremendo os olhos e
esperando uma reação diferente da que ele vem tendo.
Bryan aperta os lábios.
— Pode falar — incentivo, porque, no auge daquela conversa, sinto que não tem nada
que ele possa dizer que me magoe. — Desembucha, McCoy! — brado seu sobrenome, como
faz comigo.
— É você quem está procurando novos amigos, Mackenzie. Não eu. Estamos falando
sobre isso desde o enterro do Sebastian. Eu te incentivei a fazer novos amigos, disse que
poderia ter novos amigos, mas eu não estava de jeito nenhum me incluindo nisso.
— Você é cruel — sopro o ar e sinto meus olhos arderem.
Sinto falta de Lilah.
Mas sinto muito mais falta de Sebastian. E dói. Queima como fogo em minha pele.
— Quando tinha sete anos, minha mãe foi chamada na escola onde estudava, em
Dashdown, pela professora. Ela disse a minha mãe que eu me isolava, que tinha dificuldade
de fazer amigos e — ele fecha os olhos por um segundo, solta o ar que enche o peito
devagar e volta a me encarar — não importava a atividade que ela elaborasse ou os jogos
que trazia para a aula para me fazer interagir, eu nunca estava a fim de me enturmar. Fui a
muitos psicólogos e todos disseram que não tinha nada de errado comigo, só era um garoto
que preferia ficar sozinho. E estou bem assim. Você não é uma super-heroína. Não estou
procurando ajuda. Eu entendo que você sente falta deles. — Bryan estica o sorvete para
mim e eu o agarro. — Sinto falta da Lilah também, porque tudo que não fui antes, eu
conseguia ser com ela. Não sou um substituto para Sebastian e você não é a substituta de
Lilah. Entendeu?
Quando ele termina de falar, a roda-gigante para e o maquinista abre a portinha da
cabine para que possamos sair. Sou a primeira a me levantar. Jogo o sorvete na primeira
lixeira que encontro, abraço o tronco do corpo e escuto os passos apressados de Bryan
atrás de mim.
— Você está chateada?
— Não.
— Mackenzie — ele chama, mas não paro. — Você precisa de um minuto?
É a pergunta que faz toda vez que preciso chorar e não quero fazer isso na frente de
ninguém. Nem dele. Estou fisgando o lábio inferior, mordendo a pele solta e tirando com os
incisivos. Não quero olhar para ele nem admitir que Bryan tem razão. Porque ele tem,
assim como Effy. Em nenhum momento estive interessada em ser amiga dele, só queria
tapar esse buraco horrível que Sebastian deixou e é injusto porque, apesar de ter começado
desse jeito, não sinto que seja assim agora.
Bryan é quieto. Às vezes, indiferente, mas sincero. Coisas que, apesar de duras e cruéis,
eu gosto. Admiro sua honestidade e transparência, quero que todas as pessoas da minha
vida possam ser honestas comigo.
— Eu nem tenho o número do seu celular — resmungo.
— Você nunca pediu.
Viro nos calcanhares. Sinto minhas narinas dilatarem enquanto o encaro com pesar.
— Não precisa, porque nós não somos amigos.
Estou recuperando o fôlego. Não sinto que estou prestes a chorar e isso revigora minhas
forças. Ter o controle das minhas emoções é a única coisa que me faz sentir madura o
suficiente para lidar com problemas como esse.
— Desculpa ter forçado a barra. Você tem toda razão. — Seu maxilar trava e a atitude
trivial de colocar as mãos nos bolsos da jaqueta se manifesta. Ele aperta os lábios e espera
que eu continue: — Você não é o Sebastian. Ele nunca diria nada que pudesse me magoar.
Bryan deixa a cabeça cair para a frente.
— Vamos embora — anuncia e passa por mim. — Você não vem? — Vira-se quando
percebe que não o segui.
— Vou de táxi.
Ele concorda, assentindo e se afasta. Espero que esteja longe, perto do estacionamento,
para que eu volte a andar. Paro no meio-fio da calçada, sento-me nele enquanto espero.
Bryan, apesar de ter concordado sem discutir, não saiu com o Jeep do estacionamento.
Fiquei curiosa sobre ele e, por isso, estiquei o pescoço para sondá-lo.
Bryan se importa, embora insista que não somos amigos, porque ele só sai do
estacionamento quando meu táxi chega.

É domingo e o segundo dia de nossas férias de verão e há semanas mamãe e Vivian


estão planejando um churrasco para reunir os vizinhos. As irmãs Barnes estão lá,
trouxeram um buquê de tulipas do jardim e batatas assadas para complementar o cardápio.
O senhor e a senhora Duncan também estão passeando por nossa área de lazer com roupas
de banho; nossa piscina não é grande e o nível da água bate em minhas coxas, mas é bom
para refrescar quando o calor fica insuportável.
Nate estava sentado ao meu lado, no nosso balanço antigo, mas ele desapareceu assim
que os Duncan chegaram. Passo grande parte do tempo no celular e ora ou outra apanho
um pouco de batatas Chips na mesa do deque, mas não demoro para voltar ao meu lugar no
balanço.
Ganho impulso com o pé, empurrando o corpo para trás e voltando. Raspo as solas
descalças na relva pontuda, abro os dedos tentando arrancar um pouco da grama e sinto
cócegas.
Se Vivian não estivesse envolvida diretamente com os preparativos deste churrasco,
tenho certeza de que os McCoy não apareceriam. Na noite anterior, depois da minha
discussão com Bryan, pensei que fosse ficar ansiosa, mas estou bem tranquila. Ele não vai
aparecer de jeito nenhum.
— Os McCoy chegaram, pai. — Nate atravessa a porta de correr apontando por cima do
ombro com o polegar.
Casey passa primeiro e ajuda Vivian a carregar a torta de maçã e um pote de sorvete.
Fito-os enquanto mamãe acomoda o que trouxeram na mesa e quase perco o fôlego ao ver
Bryan. Ele aparece atrás da mãe, com as mãos escondidas – para variar – nos bolsos da
bermuda cáqui. Não parece estar curioso para falar comigo porque age naturalmente
cumprimentando meus pais primeiro. Depois para e conversa com Nate.
Meu pai pergunta algo a ele. Bryan assente e Nate some dentro da casa de novo. Desvio
os olhos porque não quero ser flagrada bisbilhotando. Volto minha atenção para o
Instagram. Passo grande parte do tempo no explorar, vendo as postagens mais engajadas
das pessoas.
O Instagram da Saint Ville não teve nenhuma nova atualização há mais de duas
semanas. Sebastian adorava as postagens, no geral, eram fofocas corriqueiras dos alunos da
escola, mas nenhuma afetava negativamente a imagem de alguém. Houve uma homenagem
para Sebastian e tudo; uma publicação em conscientização e apoio às pessoas que tem
pensamentos suicidas, mas acredito que a pessoa por trás de cada postagem não pretende
revelar sua “identidade”.
Nunca tem nada que me interesse na rede social, mas Seb gostava de salvar lojas de
roupas. Ele tinha um estilo minimalista; tudo em Sebastian era cinza e coral. Sinto meus
lábios repuxarem com a simples lembrança.
Lembro de quando comecei a gostar dele. Passava muito tempo vendo suas fotos no
Instagram. Ele tirava muitas, principalmente do seu rosto. E tinha algumas de Lilah
também. Ele adorava exibi-la. Sei que Lilah desativou o perfil do irmão. Ela não queria que
as pessoas ficassem sentindo pena dele e os comentários dos alunos da Saint Ville eram
tudo, mas principalmente piedosos.
O sol está quente, meus ombros desnudos estão ardendo. Estou vestindo um maiô
vermelho, um short jeans rasgado no começo da coxa e um boné azul e branco de beisebol
do papai. Puxo a aba do boné para baixo, bloqueando os raios solares do rosto. Bloqueio a
tela do celular e estreito os olhos para ver se os McCoy já estão acomodados.
Vivian está olhando no instante em que meu olhar se detém em Bryan. Ele está com
uma latinha de Coca-Cola na mão direita, contudo a outra continua abrigada no bolso da
bermuda. Sua mãe acena para mim e ele percebe, para a conversa que está tendo com o
meu pai para acompanhar a direção onde a atenção de Vivian está concentrada. Aceno de
volta e finjo que não notei que ele está se movendo até mim.
— O que está fazendo? — pergunta e vejo seu corpo criar uma sombra sobre o meu,
bloqueando definitivamente o sol.
— Nada — respondo intransigente, desbloqueando o celular.
Sei que estou chateada pelo que aconteceu ontem, mas não consigo entender o porquê.
Bryan estava certo em tudo o que disse e não sou o tipo de pessoa que fica guardando
rancor, então, por que estou magoada?
— Nada? — repete no mesmo tom ríspido que o meu.
— É. Nada.
— Ok. Você está chateada.
Inspiro profundo e ergo a aba do boné para liberar minha visão enquanto olho para ele.
— Quero te fazer uma pergunta.
Ele concorda, bebe um gole de refrigerante e ruma para o balanço ao lado do meu.
— Fala.
— A nossa briga ontem foi tipo: não vamos nos falar nunca mais ou foi só uma discussão
boba e está tudo bem agora?
— Os últimos meses estão bem loucos, pra nós dois. Acho que só estava chateado.
— Não parecia só “chateado”. — Faço aspas no ar usando os dedos e Bryan fixa seu
olhar em mim. Ele fica em silêncio e, por uma fração de segundo, penso que vai tentar
mudar de assunto. — Você estava chateado, bravo e irritado. Comigo. Não fiz nada de
errado. Eu admito, sinto tanta saudade do Sebastian, que agi como se você fosse um tapa
buraco, mas você não estava me usando só para conseguir algumas informações sobre a
Lilah? Quer dizer, não é quase a mesma coisa?
Bryan aquiesce de cabeça baixa e suspiro, aliviada.
— Não vou mais perguntar sobre ela.
— Que bom, porque ela nunca perguntou nada sobre você — admito, sem nenhum
receio.
— Nada? Tipo, nadinha mesmo?
— Ela não perguntou se contei pra você nem quis saber como você está. Lilah nunca
mencionou seu nome em nenhuma das mensagens que trocamos. Apesar disso, acho que
vocês foram feitos um para o outro. São cruéis e insensíveis no mesmo nível — provoco
com um sorriso brincalhão.
Bryan faz o mesmo. Gosto quando ele sorri porque não é muito comum. Minhas piadas
são sem graça e ele está sempre compenetrado.
— Essa doeu.
— Você não respondeu minha pergunta. — Envolvo a corrente que segura o assento do
balanço e debruço em direção a Bryan. — Nossa amizade frágil acabou ou já estamos
esquecendo o que aconteceu?
Bryan suspira e estende a mão aberta para mim.
— Seu celular.
Hesito. Ele sacode a mão e desisto. Bryan digita alguma coisa e me devolve.
— Meu número está aí. Você pode me ligar de vez em quando.
Abro um sorriso animado.
— De vez em quando — ele repete. — Não sou o Sebastian. Odeio falar por ligação.
— Está bem. Te mando uma mensagem.
Digito uma mensagem e seu celular vibra no bolso. Ele deixa a latinha no chão para
pegá-lo. Enquanto lê, dá uma risada descontraída, como se eu não estivesse ali do lado.

Se gritar comigo de novo, você tá muito morto, McCoy.

Acho que ele vai responder quando começa a digitar, mas desiste. Devolve o celular
para o bolso, pega a latinha e se levanta.
— Aonde você vai?
— Embora. — Ele acena sobre o ombro enquanto se afasta.
Ele veio até aqui só para falar comigo. Talvez não seja tão ruim, afinal.

“Quando a noite chegar
E a terra ficar escura
E o luar
For a única luz que se vê
Não, não vou ter medo
Oh, eu não vou ter medo
Enquanto você ficar
Ficar comigo”
STAND BY ME – BEN E KING

24 de dezembro de 2015, às 22h43.

Com o tempo você percebe que Mackenzie pode ser uma garota interessante. Além da
língua afiada, o espírito contagiante, as meias e o estilo de roupa que gosta de usar, existem
outras coisas que fazem dela alguém com quem você goste de passar o tempo. Por exemplo,
nós dois gostamos de músicas dos anos 60, 70, 80 e 90. Nós passamos parte das férias de
verão tentando encontrar as coisas que tínhamos em comum, porque somos diferentes e a
nossa sintonia nem sempre é a mesma. Nossos ideais e princípios se divergem na curva, o
que é estranho. Os opostos não se atraem. É uma mentira. Eles se repelem, mas não é o que
acontece entre nós. Quanto mais tempo passo com ela, menos sozinho quero ficar. E o fato
de sermos vizinhos faz com que estejamos juntos o tempo todo.
Ela é insistente, determinada. Sua obstinação quase me deixa sem fôlego, às vezes. Dei
meu número para ela no dia três de julho e não teve um dia sequer que não recebi uma
ligação ou mensagem sua. Meu celular, que antes vivia quieto, estava recheado de
mensagens e piadas internas. Ela gosta de conversar sobre os Duncan, de músicas e me
pede para cantar quase todas as vezes que nos reunimos para escutar nossas músicas
favoritas.
Mackenzie adora waffles com chantilly e morango. Seu prato favorito é macarrão com
queijo e adora suco de melancia. Ela gosta de ler, mas não se considera uma bookaholic.
Sou o tipo quieto, que não tenta se enturmar e não faz nenhum esforço quando se trata
de amizades, mas Mackenzie tem se esforçado demais por nós dois e sinto que devo um
pouco de interesse, pelo menos para compensar as vezes em que sou babaca. É a minha
natureza, é difícil ser gentil quando você está acostumado a dar respostas duras e
grosseiras.
Lilah foi a única pessoa que eu quis ser doce, que despertava em mim interesse de
tentar ser alguém diferente. Ela queria que seus amigos gostassem de mim e que fosse
recíproco. De alguma forma, Mackenzie gostou de mim e, bom, aprendi a gostar dela
também.
Ela decidiu não falar mais com Lilah. Não por minha causa, mas porque estava cansada
das suas instabilidades. Lilah desaparecia por semanas, não atendia as ligações de
Mackenzie, nem respondia suas mensagens.
Mackenzie se sentiu culpada por se afastar no momento mais difícil de Lilah, mas no fim
se convenceu de que a única culpada era a própria Lilah. Ela quem afastou todo mundo
quando Sebastian morreu.
E tem Effy. Aos poucos, acho que ela também está gostando de mim. Nós conversamos
no almoço e, antes do recesso de inverno, ela jogou sementes de maçã em mim porque fiz
um comentário engraçado sobre Graham e ela. Gostaria de poder dizer a Effy para não se
apaixonar por Graham, porque ele não está interessado em nada além do basquete.
Effy é como Mackenzie: ela não se importa, porque se tem algo que tem certeza é de
que, se um garoto pode se divertir com outras garotas, uma garota também pode estar com
outros garotos. A princípio, Graham ficou interessado em Mackenzie – desde o karaokê –,
mas não durou mais que uma semana e ele já estava roubando beijos da quartanista depois
do basquete.
Stand By Me, de Ben E. King, está tocando enquanto Mackenzie pinta as unhas e fico
sentado no chão, com as pernas esticadas só escutando. Ela cantarola baixinho, sei que está
tentando me contagiar e cantar junto, mas não faço.
— Você se considera nerd? — pergunta, concentrada em passar o esmalte vermelho nas
unhas do pé. Ela perguntou o que eu achava da cor antes, mas só dei de ombros.
— Não. Por quê? — Viro-me para encarar seu rosto retorcido de concentração.
— Você é o mais inteligente, tipo, da escola inteirinha. Seu QI é alto.
— Só tenho mais facilidade pra entender as matérias. — Apoio a nuca na lateral da
cama e fecho os olhos. — Você também tem boas notas.
— É, mas você quem aparece nos destaques todo semestre. É irritante.
— O que eu posso fazer? Quer que eu pare de ter boas notas? — Dou risada.
— Você tem covinha, igual a Effy. — Sinto seu indicador afundar no canto da minha
boca do lado esquerdo. — Tão fofo! — zomba, gargalhando.
— Não enche! — Afasto o rosto, rindo também.
— Fofo como um ogro — suspira e volta a pintar as unhas. — É véspera de Natal. É a
primeira vez que vocês vão ficar com os Wilde. O que você comprou de presente pra mim?
— Arregalo os olhos e me viro para ela. — É sério? Não comprou nada? Que mal-educado
— murmura a última frase. — Eu comprei uma coisa pra você.
— Eu não sabia que íamos trocar presentes e essas coisas.
— Caramba! Você não sabe nada sobre ter amigos. Mas tudo bem, meu aniversário é dia
12 de janeiro.
Não digo nada e ela termina de pintar as unhas em silêncio. Vez ou outra, vejo-a morder
o lábio inferior e cerrar os olhos, concentrando-se para não borrar.
Há dois dias fez oito meses que Sebastian se foi, Mackenzie não chorou como nas outras
vezes. Ficou chateada, mas não chorou. Aos poucos, vejo o brilho voltar para os seus olhos e
seu coração amolecer. Está se permitindo deixar que as pessoas a sua volta cometam erros
sem que se sinta na obrigação de proteger todo mundo. Também faz oito meses que Lilah
terminou comigo – porque ela não entrou mais em contato desde Sebastian –, não pergunto
para Mackenzie, mas penso nela todos os dias.
O primeiro amor ferra com seu coração.
— Acabei! — Mackenzie anuncia, sorrindo. Ela fecha o vidro do esmalte e o joga em uma
bolsinha colorida. — Vamos dançar?
— O quê?
— É. Essa música está tocando tem meia hora. Quero dançar.
— Ah, não. Você vai estragar. — Gesticulo para as unhas dos pés recém-pintadas e
Mackenzie me olha com desdém, como se dissesse: desde quando você se importa?
Eu me levanto, preparando para fugir. Uma das regras que Nicholas impôs foi que
enquanto estivesse aqui, a porta do quarto precisa estar aberta. Mesmo que Mackenzie e eu
tivéssemos negado tudo que nossos pais têm pensado sobre nós, eles ainda acham que
estamos mentindo.
— Pare! — imponho as mãos para a frente e Mackenzie entrelaça nossos dedos.
É estranho quando ela faz isso. Acho que não entende que existe um limite, uma linha
segura de que uma amizade entre um garoto e uma garota não pode ser ultrapassada.
Mesmo que soubesse, não tenho certeza se Mackenzie se importaria.
— Qual é. — Inclino a cabeça para trás quando ela entrelaça o braço em minha cintura e
move o quadril, mesmo que meus pés estejam parados.
Resisto por um tempo, mas o Sr. Wilde para em frente à porta e nos vê. Ele assente para
mim, sorrindo, dando-me permissão para tocar em sua filha sob seus olhos. Apoio de leve a
mão na cintura de Mackenzie, seguro seus dedos do mesmo jeito e acompanho seus passos.
Ela diz que danço bem. Tirou essa conclusão no karaokê, mas não concordo com ela. Na
maior parte do tempo, sou duro e meu quadril dói com pouco esforço. Nicholas começa a
gargalhar quando percebe que estou ficando nervoso e Mackenzie olha para a porta, mas
não para de dançar.
— So, darlin', darlin', stand by me, oh, stand by me, oh, stand, stand by me, stand by me —
Mackenzie canta tão alto, que Maisie e Nate correm para a porta e começam a rir. Não tenho
certeza se estão rindo do meu mau jeito ou por notarem a provocação dela.
Ela segura a ponta do meu dedo, rodopia e volta para os meus braços, rindo.
— If the sky that we look upon should tumble and fall or the mountain should crumble to
the sea — ela continua, joga a cabeça para trás recuperando o fôlego. — I won't cry, I won't
cry, no I won't shed a tear just as long as you stand, stand by me.
— Me concede a honra? — Nicholas estende a mão para Maisie e ela cai na gargalhada.
Em poucos segundos, eles estão dançando no corredor apertado e cantarolando junto a
música. Nicholas aproxima a bochecha no rosto da esposa e dançam colados,
completamente diferente de mim e Mackenzie. Estamos afastados demais e fico apavorado
de tocar nela.
— And, darlin', darlin', stand by me, oh, stand by me, woah, stand now, stand by me, stand
by me — o Sr. Wilde canta para Maisie e Mackenzie sorri para os pais sem parar de se
mover.
— Estou sem um par! — Nate reclama e me afasto de Mackenzie.
— Bryan está todo desengonçado hoje. — Ela chama o irmão com os dedos e ele se
aproxima.
Eles dançam. Sento-me na cama para dar espaço para os dois. Assisto Mackenzie e Nate,
Nicholas e Maisie. A família se diverte, sinto que deveria me sentir fora do eixo, em um
lugar onde não me encaixo, mas os pais de Mackenzie estão sorrindo para mim em forma
de agradecimento, por eu ter feito a filha esquecer a dor que tem sentido nos últimos
meses; por ter transformado todo o peso em pluma e ela voltou a flutuar, como costumava
fazer antes de perder a pessoa mais importante da sua vida. Sorrio de volta para eles e me
dou conta de que Mackenzie também trouxe cor para o meu mundo.
De um garoto introspectivo, que não consegue fazer amizades com facilidade, para um
garoto que dança no meio de um quarto pequeno, na frente da família toda dela.
Esse é só o começo de todo o impacto causado por ela.

Mackenzie me convence a dançar a mesma música com ela de novo, dessa vez, na sala,
onde as luzes da árvore de Natal estão acesas. Os Duncan também vêm e se juntam a nós
para dançar. Continuo apreensivo, não toco muito meu corpo no dela e mantenho uma
distância segura.
Ela me dá de presente uma camiseta preta da banda Arctic Monkeys com o escrito em
branco. Mackenzie diz que o estilo de música deles se parece comigo, não conto a ela que
conheço a banda e gosto das músicas, porque aprecio a sensação que ela traz ao perceber
isso sem que eu precise dizer. No fim, parece que temos algum tipo de sintonia. E não é
tudo, no embrulho ela colocou um cartão pequeno de Natal com a frase:

Somos diferentes e é por isso que temos muito o que aprender um com o outro. Espero que
possamos ser amigos, Bryan. Não para sempre, mas enquanto durar.
Com amor,
Mack.
12 de janeiro de 2016, às 19h32.

— Eu amei. — Mackenzie estica a mão para a frente e estuda o anel em seu dedo médio.
O arco que envolve seu dedo anelar fino é dourado, com um coração pequeno e vermelho
no meio. — Obrigada, Bryan.
— Feliz aniversário! — Repuxo a boca em um sorriso.
Observo enquanto Mackenzie está admirando o presente. Não foi difícil de escolher, a
parte complicada foi convencer minha mãe e Maisie que nós éramos apenas amigos. O
presente não estava nem perto de significar alguma coisa além disso.
Ela abre o cartão que coloquei junto na sacola e vejo seus olhos acompanharem as
linhas que escrevi.

Enquanto durar, então.
De seu amigo,
Bryan.

Ela ri, joga a cabeça para trás e o encosto do banco do Jeep a ampara.
— Eu disse que nós seríamos bons amigos — se gaba, colocando o cartão de volta na
sacola. — Valeu por ter me trazido para assistir Grease no drive-in.
— Por que não quis a festa? — pergunto e olho de esguelha para a frente. O telão ainda
está apagado.
Nicholas ofereceu para ela uma festa, mesmo que pequena, para comemorar seu
aniversário. Mackenzie não quis nem pensar sobre o assunto. O Sr. Wilde me pediu para
tentar conversar com ela, porque, desde Sebastian, não fala muito com os pais os motivos
de suas escolhas.
— No meu último aniversário, Sebastian, Lilah e Effy prepararam uma festa surpresa
pra mim. Não quero nada disso por um tempo.
Anuindo, concordo com ela. Effy disse que viria, mas ainda não apareceu. Ela anda
distante, acho que tem a ver com o fato de Mackenzie passar muito tempo comigo e nós
ainda estamos nos conhecendo. Quando pergunto para Mack, ela desvia o assunto e
entendo que quer lidar com isso sozinha. Como disse, ela tem seus próprios meios e não
quer que eu interfira.
— Você devia conversar mais com seus pais sobre o Sebastian — falo apoiando o braço
no volante e olho para a frente. Tento fazer parecer que é um assunto trivial, mas pela visão
periférica, noto seus ombros enrijecerem. — Não precisa se não quiser, mas já faz quase
nove meses e você não diz uma palavra sobre o assunto para o seu pai. Ele está preocupado.
Ela baixa a cabeça e cutuca a cutícula do polegar usando a ponta da unha do indicador.
— Não tenho nada para falar por enquanto. — Ela tenta sorrir, mas desiste quando
percebe que não vai conseguir. — Já superei o que aconteceu e não quero ficar falando.
Falar é continuar cutucando a ferida e não estou a fim de fazer isso.
Concordo em silêncio, apenas com um meneio de cabeça.
Quando você pensa que conseguiu unir todas as partes do seu coração, percebe que
falta alguns pedaços e, embora as pessoas não vejam, você ainda está em frangalhos.

***

31 de outubro de 2016, às 12h28.

— Mackenzie tem um encontro! — Effy joga a mochila na cadeira ao lado, seus lábios
tremem porque está tentando fazer silêncio. Estamos sentados na mesa de estudos da
biblioteca. Mack ergue o olhar furtivo para a amiga. — O quê?!
— Era algum tipo de segredo? — indago aos sussurros. Mackenzie está sentada ao meu
lado e encolhe os ombros quando pergunto, com a testa franzida.
Estou apertando os lábios para evitar sorrir.
— Com quem? — Olho para Effy porque sei que Mackenzie não vai contar.
— Logan Scott. — Effy espalma as mãos na mesa e arregalo os olhos. Deixo o lápis em
cima do livro de química e cruzo os braços. — Eu sei. — Ela estende a mão direita e apalpa
o peito com a esquerda. — Cho-can-te! — Aperto a ponte do nariz para evitar uma
gargalhada e acabar sendo expulso por Melinda, a bibliotecária.
— Logan? — Arqueio uma sobrancelha enquanto a encaro. — Cuidado, você sabe que
ele só quer...
— É, exatamente — Effy me interrompe, amparando-se na mesa com os braços
cruzados.
— A gente pode não falar sobre isso? — ela pede, sussurrando. Abre o livro de química
em cima da mesa e se esconde atrás dele. Effy se inclina sobre a mesa para puxá-lo.
— Nós, com certeza, vamos falar sobre isso — Effy insiste.
— Nós só vamos a uma festa de Halloween, não é nada de mais. Você está exagerando.
— Bryan, você é amigo dele há mais tempo. O que acha?
Dou de ombros.
— Mackenzie é grandinha. Ela pode decidir se quer ou não sair com Logan.
— Viu? É isso! Não tenho idade pra beber nem pra pensar nessas coisas que você está
insinuando, Effy. Mas eu decido com quem saio — enfatiza.
— Mas Lilah e Bryan já...
Ergo o olhar para repreendê-la.
— Não — digo com firmeza.
— Nem uma mão boba?
— Agora sou eu que não quero falar sobre isso. — Franzo o nariz em uma careta.
— Você também tem um encontro? — Effy pergunta e Mackenzie se empertiga, curiosa.
Vejo um sorriso debochado despontando do canto de sua boca.
— Não. — Fecho o livro com impaciência.
Ser amigo de duas garotas, às vezes, é estranho. Agora que somos amigos, sempre sou
sugado para esse tipo de assunto. Elas são curiosas, mas não tenho certeza se estão
curiosas sobre sexo ou se só querem saber se Lilah e eu chegamos tão longe.
— Você devia convidar alguém, sei lá, você vai fazer dezessete em novembro e desde
Lilah não te vi sair com ninguém. — Mackenzie apoia o cotovelo na mesa e ajeita o corpo
para ficar de lado e de frente para mim.
— Está bem. — Aprumo o corpo e inflo o peito. — Effy, quer sair comigo?
Effy tapa a boca para sufocar a gargalhada. Sua pele lívida de repente ganha uma
coloração escarlate.
— De jeito nenhum. É a regra básica de sobrevivência de amizade entre um garoto e
uma garota: nunca, em hipótese alguma, você sai com seu amigo.
Mackenzie tem dificuldade para entender química e concordei em ajudá-la com a
matéria. Se soubesse que de química pularíamos para encontros que não estou a fim de ter,
teria ficado com a mentoria para o primeiro ano.
— Por que você está chamando a Effy pra sair? — Mackenzie franze a testa e entreabre
o lábio. Reparo neles, mesmo sem querer; e quando demoro muito para me concentrar em
outra coisa, desvio o olhar, pigarreando.
— Nós somos amigos, não ia rolar nada mesmo. — Jogo os ombros para cima com
desdém.
— Ei, eu sou algum tipo de brincadeira pra você? — Effy resmunga, mas há sarcasmo
revestido em sua voz. — Certo. Ninguém aqui vai sair com alguém do grupo. É a nossa
regra.
Foi a primeira coisa que Effy disse quando aceitou que Mackenzie e eu estávamos
próximos demais. Ela seria obrigada a aceitar a nossa amizade. Se me contassem meses
atrás, não acreditaria que Effy acabaria cedendo à insistência de Mackenzie em me colocar
no “grupo”. Sua primeira regra para que funcionasse era: nós não vamos gostar um do
outro de um jeito diferente, nada vai acontecer além da amizade.
— Vou ficar em casa. — Começo a juntar meus materiais. — Assistir a um filme de
terror e esperar as crianças do bairro aparecerem pra pegarem os doces.
— Eu vou na festa com a Mackenzie — Effy anuncia, ao cruzar os braços. — O que foi?
— pergunta, os olhos saltam de mim para Mack. — Quero ter certeza de que o babaca do
Logan não vai tentar nada.
— Ele não vai — garanto, jogando o lápis dentro da mochila.
— Como você pode ter tanta certeza, seu sabichão?
— Porque eu acabo com ele se magoar a Mackenzie.
— Viu? — Mackenzie se gaba e cruza os braços para a amiga. — Eu disse. Logan não vai
tentar nada.
Rio baixo quando estou saindo da biblioteca. Escuto Effy insistir que eu ser amigo de
Mackenzie, e Logan conhecer meus princípios e temperamento não faria diferença. A
questão é que, assim como ninguém ousou comentar de Sebastian na minha frente,
ninguém tentaria magoar Mackenzie.
Ser indiferente e quieto não faz de mim um cara passivo. Na verdade, na maior parte do
tempo, estou tentando controlar as pequenas explosões de raiva que emergem quando as
situações fogem do controle. Bad boys são definidos como caras maus e que se divertem
maltratando garotas. Eu reconheço o termo como: garotos que são quietos e o silêncio é
nosso jeito de dizer para não ultrapassar a linha delimitada.

***

11 de novembro de 2016, às 19h10.

Nunca ganhei uma festa de aniversário surpresa. Esse é o tipo de coisa que as pessoas
que convivem comigo evitam fazer porque sabem que prefiro sair pra comer ou ver um
filme, mas esse não é o caso quando se trata de Mackenzie. Ela, de alguma forma, tenta fazer
com que eu pense diferente sobre quase tudo e, às vezes, consegue.
É meu aniversário, meu pai e eu planejamos uma reserva em um restaurante italiano.
Seríamos só meus pais e eu. Depois que voltasse para casa, jogaria pedrinhas na janela do
quarto de Mackenzie – que é de frente para o meu –, subiria pela cerca viva que rodeia seu
quarto e conversaríamos a noite toda. É o que temos feito nos últimos meses.
A primeira vez que Mack me convenceu a entrar pela janela do seu quarto foi uma
questão de empatia. Ela estava doente e não ia à escola havia dias. Effy me entregou os
deveres e as anotações para eu repassar para Mackenzie, mas pretendia fazer isso no dia
seguinte e não no meio da madrugada. Ela me ligou depois de trocarmos mensagens, disse
que estava se sentindo sozinha porque a mãe proibiu Nate de entrar no quarto até que ela
estivesse demonstrando sinais de melhora. Não queria passar para o irmão a gripe forte,
mas, no ponto de vista dela, tudo bem eu aparecer por lá.
Cedi porque estava cansado de ouvi-la reclamar o quanto estava de saco cheio de ficar
sozinha o dia todo. Precisava de alguma coisa para se distrair, e se fosse para fazer as lições,
não importava. Então eu fui. Peguei minha mochila, o iPod e a pasta cheia de papéis que Effy
me entregou. Pulei a pequena cerca de madeira branca que separa nossos quintais, subi
pela cerca e entrei. Ainda me lembro de como ela sorriu só por eu ter feito algo tão estúpido
e simples.
E o meu plano de aniversário era repetir esse ritual. Jantar com meus pais. Visitar
Mackenzie. Escutar músicas antigas no meu iPod, talvez assistir Grease com ela.
Trabalhei o dia todo na loja do meu pai e estou cansado, mas quando entro em casa sou
recebido por um barulho, como se uma garrafa de Moët & Chandon tivesse sido aberta.
Confetes voam para todos os lados e outros caem em cascata diante de meus olhos; alguns
papéis coloridos cobrem minha cabeça e se unem aos fios de cabelo. Olho para a frente e
Mackenzie está sorrindo, segurando o tubo de confete que acabou de estourar na minha
cara. Escuto palmas, um coro canta parabéns alto e vejo sorrisos.
Um bolo confeitado, coberto por glacê preto e chantilly está nos braços de minha mãe.
Ela se aproxima, dezessete velas estão acesas e a pouca luz proporcionada pelas chamas
pequenas me dão visão para ver quem está em casa.
— Faz um pedido — Mackenzie sussurra quando terminam de cantar, encaro as velas
acesas por um instante e assopro. — Então, o que você pediu? — Ela fica na ponta dos pés,
com as mãos entrelaçadas nas costas, e sorri.
— Se eu te contar dá azar. — Reviro os olhos e as luzes do hall se acendem.
Mamãe está sorrindo para mim, e meu pai, que entrou logo atrás também. Ele aperta
meus ombros com as mãos, assumindo a culpa, mas tenho certeza de que a ideia não partiu
dele, embora tenha sido cúmplice.
Os pais de Mackenzie estão empoleirados nos degraus da escada, que leva ao segundo
andar. Nate fica escorado no corrimão de madeira, olhando para mim apreensivo e
sorridente. Effy, Graham e Logan estão abaixo dos Wilde.
Meu pai me dá um leve empurrão em direção à sala, onde uma faixa escrito feliz
aniversário está pendurada de modo perpendicular nas pilastras entre a sala e a cozinha.
Na ilha, cestas com cachorros-quentes e copos descartáveis cheios com refrigerante estão
dispostos. Minha mãe deixa o bolo ao lado das cestas, pega um copo descartável e entrega
para mim.
Enquanto bebo a goles curtos, agradeço ao senhor e a senhora Wilde pela surpresa.
Finjo não estar desconfortável com aquilo tudo. Forço sorrisos e brinco com Nate e seu
cabelo. Ele está deixando crescer e o formato de cuia fica cada vez mais evidenciado. Ele
tem mania de jogar a franja para o lado a cada segundo, tenho certeza de que os fios
incomodam. Converso com Graham e depois Logan, que só me pergunta se Mackenzie
comentou sobre o encontro deles no Halloween. Digo a verdade, conto que ela disse que foi
legal e não mencionou mais nada.
Acho que ela esperava que a química entre eles fosse outra, mas a verdade é que
Mackenzie e Logan não têm muitas coisas em comum.
— Você não está com cara de que gostou da surpresa — Effy comenta quando fico
sozinho, sentado na escada em frente à porta de entrada. Estou ansioso para fugir dali.
Sentei-me aqui para calcular minhas chances de escapar e quão mal-educado eu seria se
fizesse isso. — Não foi o que você esperava? — Chego para o lado quando Effy chuta de leve
minha panturrilha pedindo espaço para se sentar.
— Você me conhece. Não curto interação social forçada — debocho, bebo um gole de
refrigerante e seguro o copo entre as pernas com a mão suspensa, encarando a porta.
— Pois é, eu te conheço, quem diria — ela ri e abaixa a cabeça. — Sério, se alguém me
contasse que eu estaria aqui agora, comemorando seu aniversário, eu cuspiria na cara
dessa pessoa!
— É sério que você me odiava tanto assim?
— Caramba, não. — Effy esbarra o ombro no meu. — Eu nunca te odiei, quer dizer, não
de verdade. Mackenzie só estava forçando a barra pra mim. Ela não era a única sofrendo
pela morte do Sebastian e por Lilah, eu também estava. E eu odeio me sentir forçada a fazer
alguma coisa. Estava me sentindo pressionada, sem tempo e sem espaço para eu me
recuperar do que aconteceu. Nós duas perdemos alguém, só queria um pouco de empatia
dela.
— Nós nunca conversamos sobre o Sebastian ou a Lilah — ecoo, encaro o líquido escuro
da Coca-Cola no copo.
— Você não é muito do tipo que fala. — Ela revira os olhos e dou risada. — Mas pra você
saber: não era apaixonada por Sebastian como a Mackenzie, também não acho que eu tenha
gostado o suficiente do Graham para dizer que estava apaixonada, mas eu sinto falta dele o
tempo todo. E de Lilah também. Eu nunca vou conseguir entender como Seb estava se
sentindo, mas se o levou a cometer suicídio, ele já tinha perdido todo o sentido do que é
viver. Talvez nós pudéssemos ter feito mais por ele, disso tenho certeza, mas não acho que
poderíamos curar a dor que estava sentindo. Você provavelmente não sabe, mas no colégio
escutei muito que foi a sexualidade de Seb que o matou. As pessoas costumam falar demais
sobre o que não entendem. Seb estava feliz e satisfeito. Ser gay não era nenhum problema
pra ele. O que o matou foi a ignorância, a falta de amor e empatia que o Sr. Linderman
sentiu. Também acho que Maya se divorciou para proteger Lilah. Quem iria garantir que o
mesmo não aconteceria com ela, não é? — Effy suspira e estica as pernas. Fico em silêncio,
pensando em tudo que ela disse.
— Nunca vou entender o motivo de Lilah ter ido embora sem me dizer nada.
— Se você conhecia Lilah o suficiente deve saber que ela não é muito boa em
despedidas. — Effy encosta a cabeça em meu ombro. Retraio a princípio, mas relaxo o
corpo quando me acostumo com o calor de sua bochecha no meu braço. — Tudo isso nos
fez crescer.
— É, acho que sim.

“Eu estava de pé
Você estava lá
Dois mundos se encontraram
E eles nunca poderiam nos separar”
NEVER TEAR US APART – BISHOP BRIGGS

Ajudo a mãe de Bryan com a limpeza no final. Foi a desculpa perfeita para fugir de
Logan. Com todo o alvoroço que Effy causou, pensei que ele seria um desses garotos que
finge que não te conhece no corredor do colégio no dia seguinte, mas ele grudou em mim
como chiclete. Não é que não goste de Logan, ele só não tem uma conversa que me prenda
ou carisma.
Ele é viciado em basquete e... só. Logan Scott é sem-sal e não desperta minha
curiosidade.
Quando finalmente vai embora, respiro aliviada por poder ir para casa sem trombar
com ele na saída. Acho que, no decorrer da noite, percebeu que o estava evitando porque
nem tentou se despedir. Tenho me escondido dele no colégio, escorregadia como sabão.
Bryan, às vezes, me ajuda; em outras, diz que devo ser transparente com Logan e falar logo
que não estou interessada, mas não estou disposta a esse drama. Não depois do último ano
que tive e tudo o que aconteceu. Aceitei sair com ele porque queria um pouco de distração.
Uma que não estivesse focada em passar o tempo com Bryan.
É esquisito. Gosto de passar meu tempo com ele. Meus dias são intensos, a sua risada
gutural, embora seja difícil de arrancar dele, quando acontece é bom. Consigo sentir meu
peito vibrar com a guinada que meu coração dá ao ouvi-lo. A companhia de Bryan é leve,
divertida e confortável. É como se uma onda de tranquilidade me abraçasse e eu tenho a
sensação de que nada poderá me atingir enquanto estou ali.
— Obrigada pela ajuda, Mackenzie. — Vivian sorri, seca os pratos e os guarda nos
armários acima de sua cabeça. — Não precisava se incomodar.
— Tudo bem. — Balanço a cabeça e me debruço sobre a ilha. Olho disfarçadamente por
cima do ombro, procurando por Effy ou Bryan. Não os vejo há bastante tempo.
— Eles estão lá fora — Casey conta quando entra na cozinha.
— Vou ver se Bryan precisa de alguma coisa — digo andando de costas e acabo
trombando em Bryan no meio da sala.
Eu me viro para ele. Está parado, com as mãos nos bolsos da calça e os lábios em linha
dura.
— Não preciso de nada — diz baixo. Fico na ponta dos pés para ver se encontro Effy
atrás dele, mas não a vejo. Bryan vira o pescoço para acompanhar meu olhar e volta para
mim quando percebe que estou procurando por ela. — Effy teve que ir embora, disse que te
liga mais tarde.
— Fico feliz que vocês conseguiram se entender.
— Às vezes, fico surpreso com as coisas que faço pensando em você.
Meus lábios relaxam e os sinto repuxar em um sorriso aliviado. Com o indicador, Bryan
pressiona de leve minha testa e empurra com delicadeza meu corpo para trás para passar.
Saio do caminho e assisto enquanto ele se acomoda no sofá.
— Ah, eu fiz algo pra você!
Bryan franze a testa. Ele ainda está aprendendo a reagir quando digo que tenho alguma
coisa para dar.
Corro para a cozinha, onde deixei minha bolsa. Apanho o pen drive no bolsinho
embutido. Quando volto, Bryan já tirou os tênis e está esparramado no sofá. As pernas
esticadas para a frente, sob a mesinha de centro. A cabeça pende para trás, confortável no
encosto.
Pulo suas pernas e me sento ao seu lado. Desamarro os cadarços do meu All Star
surrado, chuto para longe e puxo as pernas para debaixo do corpo. Apoio os braços no
encosto e estico a mão para cutucar a bochecha de Bryan. Adoro fazer isso.
Afundo o indicador com força em sua covinha e ele abre os olhos, repreensivo. Vejo-o
revirar os olhos com impaciência e rio.
Levanto o pen drive na frente do seu rosto, segurando-o com os dedos em uma pinça.
— São as músicas que mais gosto de The 1975. Todas me lembram você!
— Obrigado. — Ele fecha a mão em volta do dispositivo e o guarda no bolso da calça. —
Você quer que eu escute agora ou...
— Não precisa. Você pode escutar sozinho depois.
— Tá bom.
— Você se forma em maio.
— É, mas não estou pensando muito nisso. — Bryan volta a fechar os olhos e respira
fundo.
— Já decidiu pra onde vai? — Descanso o queixo no punho, sobre o encosto e fico
observando seu perfil. Ele tem uma pele lisa, macia e um pouquinho bronzeada. Nenhum fio
de barba contorna seu maxilar quadrado.
— Não sei nem o que quero fazer. Estou pensando em ficar em Humperville e, sei lá,
talvez trabalhar com meu pai na loja.
— Você não quer fazer faculdade?
Ele abre os olhos e gira a cabeça para me encarar. Aprumo a postura, ergo a cabeça para
sustentar seu olhar.
— Não tenho certeza do que quero fazer. Quero ir para a faculdade, só não sei qual
ainda. Mas vou descobrir. Tenho alguns meses antes de enviar minha inscrição.
— Você... pensa em voltar pra sua cidade natal?
Mordo o lábio inferior.
Bryan olha para o teto branco e suspira.
— Penso. Eu gostava de lá.
Fico em silêncio. Meu coração é esmagado aos poucos enquanto o escuto dizer que
existem chances reais de ir estudar em Dashdown. Porém, forço um sorriso e concordo com
um movimento curto da cabeça.
— Você parece decepcionada.
Suprimo o suspiro e copio sua posição; estico as pernas para debaixo da mesinha de
centro, entrelaço os dedos sobre o abdômen e olho para o teto branco.
— É, um pouquinho. Talvez você vá embora e você acabou se tornando meu melhor
amigo. Não quero que vá para Dashdown, mas, se decidir ir, vou te apoiar.
Mais silêncio.
Pigarreio para preencher o infame momento de constrangimento que acabamos de ter.
— Você é minha... melhor amiga também. Não sei se conseguiria te abandonar.
Dou uma risada constipada e fecho os olhos.
— Queria poder gravar isso, não é sempre que Bryan McCoy faz esse tipo de declaração!
Bryan gargalha e me empurra com o ombro até que eu caia de bunda no chão.
Resmungo, mas não paro de rir. Escuto a risada de Vivian e Casey da cozinha, e sei que eles
estavam escutando nossa conversa.
— Cale a boca! — murmura, rindo alto.
Volto para o sofá, recuperando o fôlego das gargalhadas. Respiro fundo, engulo a bola
de saliva que entorpece minha garganta. Minha cabeça tomba para o lado, Bryan deixa que
eu use seu ombro de apoio e fecho os olhos inspirando o ar. O seu cheiro é Dolce & Gabbana
masculino; forte e presente, retorço o nariz para evitar o espirro e consigo sufocá-lo
cobrindo as narinas com a mão.
Deixo a outra mão aberta sobre a coxa, com a palma virada para cima e sinto o toque
suave de sua mão em busca da minha. Seus dedos delineiam as linhas tortuosas que
preenchem a superfície, o indicador escorrega entre os vãos abertos e por fim os entrelaça.
— Mack.
— Hum?
Bryan aperta com firmeza minha mão.
— O que foi?
— Está ouvindo como meu coração bate quando estou com você?
— Eu sei. Sou mesmo irresistível!
— Convencida! — provoca.
— E você adora.
— Adoro mesmo!
Às vezes, Bryan é aberto, carismático e brincalhão, mas esses momentos são raros e
quase sempre é quando estamos sozinhos, mas o detalhe mais peculiar sobre isso é que ele
consegue ser uma pessoa diferente quando está comigo. E eu gosto da sensação que isso
traz; gosto de imaginar que por minha causa, ele consegue ser quem gostaria, mesmo que
por poucos segundos.

***

14 de fevereiro de 2017, às 15h35.

É terça-feira, Dia dos Namorados e Saint Ville está decorada em tons de marsala e
dourado. Um misto de cores vivas que se parecem mais com cores de Natal. Os professores,
junto com os alunos, organizam um evento para cada data comemorativa e São Valentim é
importante.
Segundo a história, o estilo antigo e a estrutura inspirada em Roma, deu-se início em
1963, quando um casal de apaixonados, naturais de Roma, chegaram a Humperville.
Estavam buscando abrigo, pois as famílias não apoiavam o relacionamento. Ele era doze
anos mais velho que a moça burguesa; além de ser filósofo, não tinha dinheiro. Ao chegar à
cidade, ela vendeu todas as joias de legado da família; pérolas, pulseiras e colares
adornados por pedras, como rubi e esmeralda. Com o dinheiro, construíram o prédio, que
lembra as estruturas romanas antigas e juntos fundaram a Saint Ville Prep.
Há histórias na biblioteca da Saint Ville, que contam que Saint se tornou o nome do
homem e Ville, o da mulher, mas não existem registros de que a história em si é verdadeira.
Pode ser apenas um conto de fadas para acompanhar a fama do colégio, o que é o mais
provável e que eu acredito.
Além da decoração, um cronograma com todos os eventos foi colado nos corredores; de
manhã teremos uma apresentação de teatro de Romeu e Julieta, reescrita e adaptada por
uma estudante da turma de escrita criativa do terceiro ano. Em seguida, haverá uma
exposição dos quadros pintados por alunos do último ano, nas aulas de artes. Depois será
exposto, no pátio e na área verde externa, plaquinhas feitas em madeira pelos alunos de
carpintaria; e para finalizar, à tarde, as alunas de jazz do primeiro ano vão apresentar uma
dança.
Alguns alunos da minha turma ficaram responsáveis pela decoração dos corredores e
da venda de rosas vermelhas e brancas: as vermelhas, para namorados; e brancas, para
celebrar a amizade.
— Todo ano a mesma coisa! — Effy resmunga, cruza os braços enquanto passa os olhos
pelo cronograma pregado em um pilar no corredor principal. — A gente podia ir pra casa.
— É, mas não participar da programação é como levar falta — disparo e olho para ela
com repreensão. — Vamos ficar — concluo e me afasto. — Nós nem ficamos com o trabalho
de vender rosas esse ano — dou risada, vejo pelo canto do olho Effy correr para me
alcançar.
Estou vestindo um sobretudo azul-marinho, que compõe o uniforme no inverno. Effy
tem um laço de cabelo no mesmo tom de azul, preso entre os fios vermelhos de sua cabeça.
Abro os primeiros botões do casaco e respiro fundo.
Bryan não está na cidade e andar pelos corredores da Saint Ville sem ele é estranho. Nós
acabamos nos acostumando com a sua companhia. Ele viajou para Dashdown no fim de
semana para conhecer a universidade. Está considerando voltar para a sua cidade desde a
nossa conversa em seu aniversário de dezessete anos. Apesar de ter me sentido contrariada
no começo, estou pronta para me despedir quando for a hora.
— Falou com Bryan hoje? — ela pergunta.
— Não. Falei ontem à noite. Ele volta só amanhã, disse que quer fugir desse evento
inútil. — Reviro os olhos, mas acabo rindo depois. Bryan criou aversão a relacionamentos
depois da grande decepção com Lilah. — Palavras dele!
— É o tipo de coisa que ele falaria. Então, acha que vai receber uma rosa de Logan hoje?
Logan. O nome me faz ter arrepios. Recebi um buquê de rosas vermelhas no Natal e no
Ano-Novo ele me enviou um cartão de felicitações. No meu aniversário, Logan me parou no
corredor e me deu um bracelete de presente. Era prata pura. Devolvi por correio e Logan
mandou de volta, por fim, Bryan disse que eu devia aceitar porque seu amigo continuaria
enviando, não aceitaria a derrota. Tem algo a ver com orgulho e o de Logan está ferido,
porque o estou rejeitando desde o Halloween.
— Não dê ideia!
— O quê? É meio óbvio, não acha?
Aperto os lábios para segurar a língua.
— Você devia ter dado o fora nele no ano passado. Logan acha que você só está
bancando a difícil pela fama dele.
Dou de ombros.
— Não me importo que ele pense assim.
— Nossa, você é cruel! — Effy para e dá uma risadinha baixa. — Coitado do cara!
— Eu nunca disse pra ele que iríamos sair mais vezes depois do Halloween. Ele se acha
bom demais pra qualquer uma, o que faz ele pensar que é impossível alguém dar o fora
nele. — Abro o armário e tento colocar o máximo de apostilas dentro para não precisar
carregá-las na mochila o dia todo.
— Falando em dar o fora, tem alguma coisa rolando entre você e Bryan? — Effy
sussurra. Bato o armário com força e me viro para encará-la. — Porque vocês andam...
estranhos.
— Estranhos como? — Ajusto a alça da bolsa no ombro e afasto uma mecha densa de
cabelo que emoldura meu rosto, prendo-a atrás da orelha e empertigo o corpo para
começar a andar.
Effy me acompanha.
— Não tenho certeza, mas algo como: você fugir do assunto quando pergunto. — Ela
aponta o indicador pra mim, acusativa e paro de repente.
— Como assim?
— Eu sei que temos regras estabelecidas, mas se acontecer, aconteceu. — Joga os
ombros para cima demonstrando desdém. — Não quero que fique receosa de me contar as
coisas porque, quando o Seb morreu, eu disse que, para o Bryan andar com a gente,
precisávamos esclarecer as coisas, como, por exemplo, você não se apaixonar por ele e vice-
versa!
— Nós não estamos gostando um do outro, fica tranquila.
Eu nunca nego quando Effy pergunta e sei como é normal para ela que isso gere
dúvidas, mas, desde que Sebastian se foi, prometi a mim mesma que amizades precisam de
limites pré-estabelecidos. Bryan está indo para a faculdade e eu pretendo manter meu
coração intacto pelo resto da minha vida.
Alguns traumas não curam da noite para o dia; e outros, como o meu, não podem ser
curados. A marca que a morte de Seb deixou em mim é profunda, talvez uma dessas que
não podem ser apagadas ou esquecidas. Às vezes, acho que não será possível nem mesmo
amenizar. Eu me lembro dele todos os dias, do que ele fez com a própria vida e o
sentimento de não ter feito o bastante me corrói inteira. É claro que a minha amizade com
Bryan no começo foi como um band-aid para essa ferida, mas não acredito que meu coração
seguirá por esse caminho outra vez.
Já me passou pela cabeça que o toque de Bryan é o mais intenso e marcante que já
experimentei. Que o olhar dele consegue atravessar a minha alma, atingir meu coração e
fazer todo o rebuliço aqui dentro. Eu já senti que a sua presença não é só prazerosa, é
essencial.
E sei que Bryan é leal aos seus sentimentos; se tem uma coisa que admiro nele é a forma
imutável com que ama as pessoas. Não importa o tempo nem o quanto doa, Lilah ainda é a
chama acesa dentro de seu peito e não sou párea para competir com o tipo de
personalidade que Bryan tem. Se ele a ama, ele a ama e não muda.
No último ano, ele perguntou cada vez menos dela, fala cada vez menos sobre Lilah e as
lembranças que têm deles juntos, mas as fotos ainda estão em seu celular. Ele ainda
mantém as mensagens que trocaram ao longo dos meses e a área de trabalho de seu
notebook está repleta de notas que ela escrevia quando visitou sua casa algumas vezes – e
nós nunca descobrimos antes. Ele não descartou nenhuma lembrança física de Lilah e,
quando sugiro que faça, Bryan muda de assunto. Acho que eles não tiveram o ponto final
que ele precisa para finalmente dar um basta no sentimento.
— Hum... — Effy sufoca uma risada ao pressionar os lábios. — Tá bom. Primeiro, a peça
de teatro. — Ela engancha o braço na curva do meu cotovelo e me puxa em direção ao
auditório.

No intervalo para o almoço, Effy vai até a biblioteca para entregar alguns livros que
pegou emprestado no recesso de fim de ano. Fico sozinha na mesa, dessa vez opto por
almoçar no refeitório.
Enfeites com rosas vermelhas e laços estão adornando o centro das mesas redondas
lustrosas. Coloco minha bandeja e me ajeito. Reparo nas garotas que vêm entrando pela
porta principal. Todas seguram pelo menos uma rosa vermelha. Estar sozinha agora me faz
perceber que sinto falta de Bryan. Pego o celular no bolso lateral da mochila para enviar
uma mensagem. Digito rápido, sinto a curva da minha boca repuxar. Pressiono os lábios
abrupta, querendo impedir que o sorriso escape.

Mack: Sozinha no almoço.

Deixo o celular de lado para comer. Quando coloco a primeira garfada de macarrão com
queijo na boca, ele vibra e estreito os olhos. O nome de Bryan aparece na tela, dessa vez não
consigo reprimir o sorriso.

Bryan: Também.

Devolvo o celular para a mochila quando alguém desliza uma bandeja ao meu lado. Subo
os olhos e Logan está sorrindo, segurando uma rosa branca na frente do rosto. Arqueio a
sobrancelha, reprimindo os lábios e afasto um pouco o corpo para ganhar distância. O
sorriso dele murcha e deixa a rosa na mesa.
— Eu já entendi o recado, Mackenzie. Não precisa agir como se eu fosse uma doença
contagiosa, beleza?
— Desculpa — peço sincera, relaxo os ombros e volto a minha postura aliviada de antes.
— Desculpa mesmo!
— A rosa branca significa amizade. Vim com a bandeira branca levantada!
Os cabelos escuros de Logan estão molhados e a gravata frouxa. Viro o quadril para ficar
de frente para ele.
— Você está fugindo de mim desde o Halloween. — Ele descansa o cotovelo no tampo da
mesa, acompanho com os olhos seus movimentos e umedeço o lábio inferior quando escuto
sua voz. — Entendi que você não quer nada comigo e sinceramente? Acho ótimo. Estou me
formando em maio, não quero ir para a faculdade comprometido. — O sorriso volta a
iluminar seu rosto e fico aliviada quando vejo que não está ressentido pela minha fuga. —
Podemos ser amigos? Você e Bryan conseguiram, né?
— É. Conseguimos.
Decido não dizer a Logan que existe uma diferença muito grande entre ele e Bryan.
Logan estende a mão para me cumprimentar, como se aquele ato fosse encerrar de vez
nossos problemas. Eu a seguro. A mão dele é quente e áspera, as garotas a nossa volta estão
olhando. Posso sentir os olhares injetados de curiosidade, escuto os murmurinhos e
suspendo nosso toque ao recolher minha mão.
— Mas Bryan e eu não tínhamos nada — digo quando Logan se levanta. — A gente
nunca saiu ou coisa assim — esclareço, mesmo sabendo que não preciso fazer isso.
— Ele namorou sua melhor amiga, é quase a mesma coisa. — Dá de ombros e se afasta,
acenando.
Assisto enquanto Logan atravessa pela porta. Ele é alto, bonito e exala um perfume
masculino forte. Os olhares das garotas estão na direção dele e, com certeza, metade da
Saint Ville está dizendo que eu deveria ter beijado Logan Scott quando tive a chance. Sendo
sincera? Acho que deveria sim ter feito isso, mas sou o tipo de garota que segue o coração e
meu coração dizia que tinha muito a perder se me envolvesse com ele.

Sinto cheiro de açúcar e massa de bolo quando entro em casa. Nate está sentado no sofá
lendo Harry Potter e as Relíquias da Morte. Se não estou enganada, é a quarta vez que meu
irmão lê a saga.
Largo a mochila ao seu lado, bagunço seus cabelos quando passo por ele, que resmunga,
mas não desvia a atenção das páginas. Papai está à beira da pia, envolvido com um livro de
receitas e a barba maculada com farinha e corante vermelho.
— Oi, pai. — Curvo as sobrancelhas ao me inclinar sobre o balcão para espiar a massa
vermelha do bolo na travessa e o recheio branco neve em outra. — O que está fazendo
agora? — Dou uma risada ao roubar um pouco do recheio na travessa redonda de vidro. Ele
dá um tapa no dorso dela. — Ai!
— Não toca nisso. — Aponta o indicador, sem desviar os olhos do livro de receitas. —
Estou tentando fazer um bolo Red Velvet pra sua mãe!
Respiro leve ao vê-lo. Papai se esforça tanto todos os dias para manter a chama do amor
entre eles acesa. Nesse momento, vendo as bochechas coradas e todas as manchas de
farinha e recheio de bolo em sua barba e avental, desejo que, quando eu me apaixonar,
possa ser por alguém como o Sr. Nicholas Wilde. É Dia dos Namorados, tenho certeza de
que vai levá-la a um lugar especial.
— Red Velvet?
— Uhum... — murmura e vira a página do livro. — Mas acho que esqueci alguma coisa, o
recheio não está lá essas coisas!
E ele tem razão, o recheio de cream cheese está salgado e, apesar de ser queijo, deveria
estar mais adocicado.
— Comprou essência de baunilha? — pergunto, erguendo uma sobrancelha. Isso faz
com que eu ganhe sua atenção. — Pai, colocou açúcar ou sal nesse recheio?
— Está tão ruim assim? — Abandona o livro em cima do balcão e debruça o corpo ao
meu lado.
— Sinceramente? — Estalo a língua no céu da boca.
— Por favor!
— Tá péssimo! — falo e caio na gargalhada. Ele acaba rindo também porque, àquela
altura do campeonato, não há nada que possamos fazer para salvar o recheio do Red Velvet.
— Quer ajuda?
— Não! — Empertiga o corpo, estende a mão aberta para me parar. — Preciso fazer isso
sozinho. Eu consigo.
— Claro que consegue.
— Vou sair e comprar essência de baunilha.
— Pai, a mamãe chega em duas horas. — Olho para o relógio em cima da geladeira. —
Que tal cookies de amêndoas e chocolate? Ou torta de morango? Mamãe adora!
— Comprei morangos. — Ele franze a testa e parece estar avaliando nossas condições.
— Tudo bem. Torta de morango é uma boa.
— No próximo ano você consegue. — Dou leves palmadinhas em seu ombro para
consolá-lo. — Vou subir, fazer as tarefas de casa e me preparar para o Dia dos Namorados
mais chato do mundo!
Reviro os olhos ao voltar para a sala e pegar a mochila.
— Bryan ainda não voltou de Dashdown?
— Não.
— É, então vai ser mesmo um Dia dos Namorados chato.
— Nós não estamos namorando. — Paro na ponta da escada para encarar meu pai. Ele
dá uma gargalhada gostosa e não consigo evitar rir junto. Volto alguns passos para ficar
perto dele. — O que foi?
— Parece um namoro pra mim — diz, retirando os ingredientes da torta da geladeira.
— Mas se você diz que não, acredito em você.
Quando Sebastian morreu, fechei-me nesses assuntos. Geralmente papai está disposto a
me ouvir falar sobre garotos e meus sentimentos, mas perdi a vontade de externar minhas
emoções quando perdi uma das pessoas mais importantes para mim.
— Nós somos amigos, tipo, melhores amigos — enfatizo com firmeza, o que faz meu pai
rir mais ainda. — Melhores amigos! — repito.
— É claro que vocês são, Mackenzie.
Ele me dá um sorriso sincero. Desisto de fazê-lo acreditar e apenas subo para o meu
quarto. Tiro de dentro de uma apostila a rosa branca de Logan; a única que ganhei. Deixo
sobre minha mesa de estudos e me livro do sobretudo. Desfaço o nó da gravata e, aos
poucos, desabotoo a camisa. Sinto-me aliviada de poder tirar todo aquele amontoado de
roupas.
Olho para o outro lado. A janela do quarto de Bryan está fechada e, sem perceber, estou
sorrindo para aquela direção.

Papai e mamãe saem para jantar. Nate vai à casa de um amigo e dormir fora. Fico
sozinha em casa, o que é solitário e, às vezes, me dá medo. Pego uma lata de refrigerante na
geladeira e subo para o quarto. Me aninho debaixo dos cobertores, porque ainda tem neve
lá fora e a temperatura está caindo. Coloco meu notebook em meu colo e entro na Netflix.
Escuto um barulho baixo, como se gotas grossas de chuva atingissem minha janela.
Afasto o computador, tiro a almofada que o sustentava em cima de mim e saio dos
cobertores. Ando devagar em direção a janela, a testa franzida e o lábio seco. Fico na ponta
dos pés, espio lá embaixo com receio, então o vejo.
Bryan está agasalhado até o pescoço, com um suéter preto de gola rolê, uma jaqueta
jeans escura por cima e cachecol. Botas de couro sintético e moletom. Quando me vê,
estende uma sacola com a logo de um restaurante chinês de Humperville. Seguro o sorriso,
mas aceno para ele. Aponto com o indicador para baixo e desço.
Ao abrir a porta da frente, Bryan atravessa seu quintal em direção a mim. Seguro a
porta aberta, cruzando as pernas para reprimir o frio. Estou usando meias de lã amarelas e
um vestido longo do mesmo material da meia, também de gola alta. Meus cabelos estão
presos em um coque no topo de minha cabeça. O frio sopra contra meu pescoço e Bryan se
apressa quando me encolho. Assim que ele entra, batendo os pés contra o carpete para
limpar a neve do solado, fecho a porta rapidamente.
— Meu Deus! Que droga de frio! — Bryan passa a mão desocupada pelo cabelo,
desalinha os fios úmidos e entrega a sacola para mim. — Oi — cumprimenta-me, tirando o
cachecol e o deixando no encosto do sofá.
— Ué, pensei que você viria só amanhã — comento ao dar as costas para ele e coloco as
caixinhas com macarrão em cima da mesa.
— É, eu também, mas mudei de ideia. Estava de saco cheio de ficar lá também. — Ele
puxa uma cadeira para se sentar, vou até o armário para pegar dois copos e mais um
refrigerante na geladeira.
Seguro a vontade de dizer que ele fez falta no colégio, mas, como Bryan não é muito de
expor os sentimentos, guardo para mim.
— Então, o que achou da faculdade? — Pego dois garfos na gaveta e me sento na cadeira
a sua frente. Entrego um a ele e puxo a caixinha de macarrão para perto.
— Não vou.
Estou com o garfo de macarrão suspenso no ar, de frente para a minha boca. Um misto
de alívio e culpa tomam conta de mim. Meu coração bate mais forte e engulo em seco.
Quero que Bryan vá para a faculdade que quiser, mas, ao mesmo tempo, tenho medo de que
vá para muito longe e a nossa amizade se transforme em um poço fundo de nada.
— Não vai? — Arqueio uma sobrancelha, confusa.
— Não.
— Não gostou do campus?
— Não.
— Não gostou de nada?
— Nada.
Ele pega um punhado de macarrão com o garfo e coloca na boca. Fico esperando mais
uma justificativa, que não vem. O silêncio nos acompanha até que eu termine de comer todo
o macarrão com molho de soja. Tomo um gole longo de refrigerante, reabasteço minha
coragem para voltar a perguntar:
— Então, você simplesmente não gostou?
— É, simplesmente não gostei.
Vinco a testa porque não consigo acreditar no que ele está dizendo.
— O que te fez voltar antes? E por que você veio aqui tão tarde? E não mente pra mim!
Conheço Bryan há quase dois anos. Sei que suas escolhas são baseadas em
acontecimentos. E estar aqui tarde da noite, partindo principalmente dele, tenho certeza de
que algo aconteceu. Algo que Bryan não esperava. Seu olhar pétreo, a postura combinada à
indiferença e, ao mesmo tempo, defesa, diz mais do que ele pode imaginar.
Ele deixa o garfo na caixa de macarrão e a afasta para apoiar os braços na mesa. Inclino
o corpo um pouco para a frente, apoio os braços cruzados na superfície e espero com
paciência até que Bryan decida falar. Leva alguns minutos. Ele arranha a garganta, coça a
ponta do nariz e dá suspiros longos.
— Voltei porque vi a lista dos inscritos de visitação na universidade de Dashdown. Lilah
se inscreveu nela e ela nem vai para a faculdade nos próximos dois anos. — Empertigo o
corpo e arregalo os olhos. Ela nem tem idade para ir à faculdade, Bryan tem toda razão. —
Pode ser que ela more em uma cidade vizinha e queira conhecer as opções com
antecedência, mas... talvez esteja lá. Há uma pequena chance de Lilah estar morando em
Dashdown e eu... não estou pronto pra essa merda — ele sussurra a última parte e entendo.
Consigo entender cada palavra e o tremor repentino em suas mãos me faz esticar sobre a
mesa para alcançá-las. Entrelaço nossos dedos, lhe dou um sorriso cúmplice.
— Tudo bem você não querer falar com ela agora, Bryan. — Encrespo a testa, aperto
sua mão com firmeza. Quero contornar a mesa e abraçá-lo, mas envolvo as pernas na
cadeira e continuo no mesmo lugar.
— Eu fiquei tão... irritado! — grunhe e desenlaça nossas mãos para esfregar o rosto. —
Na verdade, eu estou puto com ela! Eu entendo, entendo mesmo que escolheu ir embora
sem dizer nada, mas cacete... — Ele morde o lábio inferior e tomba a cabeça para trás,
respirando pesado. — Não foi justo comigo. E se eu puder evitar esse reencontro agora, vou
evitar.
Bryan está falando comigo sobre como se sente mais que o normal e, apesar de estar
feliz por ele conseguir se abrir, fico preocupada. Ele está realmente irado com Lilah, de um
jeito que nunca tinha visto antes. Não é de Bryan perder o controle ou ficar tão exposto. É
quando descubro o que Bryan disse quando nos aproximamos: Lilah desperta esse seu lado
que não exime emoções. Ele é cru quando se trata dela, totalmente vulnerável e sensível.
— Eu te apoio — é tudo que digo. Bryan olha para mim e vejo a gratidão lampejar em
seus olhos. — Se você não quer vê-la ou falar com ela, te apoio. Posso até te proteger dela
— brinco, erguendo meu braço magro para expor meu músculo inexistente. Ele ri, mas logo
para. — Fui amiga dela, mas ela se foi e você ficou. Então, eu vou ficar do seu lado.
Bryan assente, grato e sorrio para ele.
Nós conversamos mais um pouco sobre a faculdade; ele conta que mudou o horário de
visitação para não acabar se encontrando com Lilah, diz que o campus é grande, que as
pessoas são hospitaleiras, mas não se vê estudando lá. Não só por Lilah, mas em um aspecto
geral. Ele não se sentiu em casa em Dashdown.
Fico mais calma quando escuto isso, porque significa que nenhum de nós pretende ir
embora.

“Então, se você vai quebrar meu coração, quebre logo
E se você vai arriscar uma chance, então arrisque
Arrisque
Se você já decidiu o que fazer, então faça
Faça isso rápido
Se você alguma vez me amou
Tenha piedade”
MERCY – BRETT YOUNG

22 de abril de 2017, às 15h31.

Faz dois anos que Sebastian morreu.
No primeiro ano, Mackenzie quis fazer um memorial, algo que fizesse com que a Saint
Ville Prep se lembrasse de que Sebastian Linderman andou por aqueles corredores, mesmo
que por pouco tempo. Na época, ela ainda trocava poucas mensagens com Lilah e ela se
recusou a participar. Não que Mack estivesse buscando por autorização, mas queria o
consentimento da família de Seb para expor as lembranças que a escola tinha dele e Lilah
não aceitou, convenceu-se de que um memorial seria como colocar uma pedra em
Sebastian e ela não queria esse ponto final.
Este ano Mackenzie e Effy resolveram buscar por outro tipo de aprovação. Elas não
precisavam que o Sr. Linderman estivesse presente, apenas que demonstrasse algum tipo
de solidariedade com a ideia, por menor que seja, ainda é melhor que nada. E ele aceitou,
talvez porque as eleições estão se aproximando e não quer correr o risco de não vencer de
novo. Mackenzie se convenceu de que o homem em terno de linho impecável feito sob
medida não se importava nem um pouco com Lilah ou a ex-mulher. Isso fez com que a
imagem já estereotipada que Mack tinha dele, tornasse-se ainda pior. Para ela, Thomas
Linderman não passa de um político egocêntrico.
Afundo as mãos nos bolsos enquanto caminho pela sala de casa. A calça social está
pinicando minha perna. É nova e minha pele ainda está se acostumando com o tecido. O
paletó que minha mãe fez para mim pesa sobre meu ombro, como se estivesse carregando
o mundo inteiro nele.
Minha vida mudou exponencialmente nos últimos dois anos. Pessoas entraram e outras
saíram da minha vida. Lilah deixou uma confusão no meu peito, daquelas que você é
incapaz de organizar sozinho. Mackenzie, pouco a pouco, assentou todos os pontos que
estavam fora e os ajustou até que sentisse que meu coração voltou para seu devido lugar. A
amizade de Effy trouxe humor para os meus dias, na mesma intensidade que o sorriso de
Mackenzie coloriu meu céu cinza.
Definitivamente, não estou pronto para sentir tudo isso escoar pelo ralo; não quero que
Lilah seja uma fraqueza nem que minhas estruturas balancem com a presença dela. Fiquei
aqui o tempo todo e não preciso me sentir inseguro. Nem é certeza de ela aparecer.
— Bryan, você está bem? — A cabeça de minha mãe aponta na passagem entre a sala e a
cozinha. Ela se inclina, com um sorriso ameno. Paro de andar para encará-la. Lilah foi
minha primeira paixãozinha, a primeira namorada, é normal que eu esteja nervoso com a
simples ideia de ela atravessar pelas portas do auditório hoje. — Está andando feito barata
tonta há um tempão. — Vejo, pelo canto do olho, sua sobrancelha entornar para dentro,
uma ruga involuntária se forma entre os olhos e suspiro.
— Estou bem — murmuro e volto a andar.
— Não parece bem. — Meu pai desce as escadas e está fechando os botões da camisa.
Todas as famílias foram convidadas para fazer parte do memorial, alguns até concordaram
em subir no púlpito e falar algumas palavras sobre Sebastian. — Você nem vai falar em
público. Qual é o problema?
— Uma garota chamada Lilah — mamãe conta e olho de cara feia para ela. Maldita
Mackenzie e sua boa amizade com minha mãe. — Bryan e ela namoraram, você sabia disso?
— Desvio o olhar para ela, que está com um sorrisinho endiabrado no rosto.
— Uma namorada? — Papai para e ajeita o nó da gravata, meio concentrado em mim e
em mamãe. Ele está usando uma camisa branca de botões e, dessa vez, optei pela preta,
com botões prata. — Desde quando?
— Mackenzie contou que eles namoraram uns dois anos antes e que ela até veio aqui
em casa. — Ela cruza os braços, outra vez com aquele ar desafiador e condescendente.
Reprimo a vontade de xingar e paro de andar de um lado para o outro antes que a sola do
meu sapato pegue fogo.
— Vocês ficaram aqui em casa sozinhos? — O olhar que papai está lançando em minha
direção tem um ar repreensivo, mas, ao mesmo tempo, existe um lampejo de curiosidade.
— Não é nada disso. — Aperto os olhos ao fechar as pálpebras. — Vocês podem parar?
— Se você conversasse mais com os seus pais, não estaríamos tão curiosos. — Mamãe
caminha devagar em nossa direção com duas canecas fumegantes. Entrega a branca para
mim e a azul para papai. Ele sopra a fumaça olhando para mim sobre a borda. Franzo o
nariz e o ignoro. — Por que vocês terminaram?
— Não terminamos. Ela simplesmente foi embora — conto com um resquício de
indignação em minha voz. As palavras queimam em minha língua e sinto a raiva estalando
no céu da minha boca. — Sem dizer nada.
— Que garota cruel — sussurra ao cruzar os braços. Mamãe está trajando um vestido
preto de renda, acima dos joelhos, e os cabelos estão presos em um rabo de cavalo. — É
bom que vocês tenham terminado a tempo e você não ficou tão chateado. Não queria me
tornar uma mãe felina, que sai por aí caçando quebradoras de corações.
Dou uma risada. Ela está tentando me animar.
— Que bom que sua mãe não precisou se tornar felina. — Papai bebe um gole de café e
esconde a boca atrás da porcelana para que eu não veja seu sorriso.
— Nós já estamos atrasados — aviso, passando os braços para dentro da manga do
paletó e fecho o botão acima do estômago. — Vamos.
Termino o café em um único gole. Deixo a caneca na mesa de centro da sala, volto a
aquecer a mão no bolso da calça e caminho em direção a saída. Quero ser indiferente como
sempre fui, sem me deixar ser afetado por Lilah e no caminho até a escola, sentado no
banco de trás do meu Jeep, acabo me esquecendo dela quando mamãe conta que Mackenzie
enviou uma mensagem dizendo que já está nos esperando lá.

Para a nossa surpresa, Thomas Linderman vai ao memorial. Ele está cercado por
seguranças, como se fosse uma celebridade, ou melhor, como se já estivesse no comando
dessa cidade. Fecho a mão em punho, sinto a dor de minhas unhas afundarem na carne da
palma de minha mão. Respiro pesado e devagar enquanto espero por meus pais na porta do
auditório. Eles param quando o diretor Cavanaugh os chama para uma conversa em
particular. Fico olhando acima do ombro a cada segundo, assistindo o Sr. Linderman sorrir
e cumprimentar os pais dos alunos da Saint Ville. Eu imaginava que esse memorial era
apenas uma desculpa política para que ele pudesse se exibir, mas assistir ao vivo e em
cores me deixa nauseado.
Estico o pescoço até as veias saltarem, procuro por Mackenzie e não vejo o tom mel de
seus cabelos em lugar nenhum. Pensei que ela estivesse nos esperando, mas acho que
minha mãe se enganou.
Contorno o lábio inferior com a língua para umedecê-lo ao ver o Sr. Linderman
conversando com a orientadora. Estou me controlando para não ir até ele. Sempre fui
curioso a seu respeito. Lilah não falava sobre o pai, talvez para evitar explicações. Porém,
vendo-o assim, ela não precisaria de nenhuma justificativa para querer manter o tipo de
relação tóxica em segredo. Thomas Linderman é tão persuasivo, consigo sentir a confiança
forçada que emana dele daqui. Dentes perfeitamente alinhados, sorriso controlador e
postura austera com autoritarismo.
Volto a olhar para a frente, a tempo de ver uma Mackenzie com um sorriso de orelha a
orelha. Ela quase rasga o rosto ao meio. Um pequeno tremor de felicidade cobre seu queixo
e arqueio as sobrancelhas ao ver que ela não está sozinha.
Uma mulher alta, de uns dez centímetros a mais que Mack, está ao seu lado. O vestido
preto longo, cabelos castanho-claros como os da mãe de Mackenzie presos e um sorriso
cúmplice enfeitam seu rosto.
Ela cochicha algo no ouvido de Mack, que cai na gargalhada e ancora o braço na curva
do cotovelo da mulher. Recosto a coluna na soleira da porta enquanto espero por ela.
Desisti de ficar plantado esperando por meus pais. Eles não vão aparecer antes que os
discursos comecem. Estou curioso para descobrir quem é a mulher ao lado dela. É jovem e
bonita. Parece ter intimidade com Mackenzie, embora não me lembre da minha melhor
amiga ter mencionado qualquer pessoa que tenha as características dela.
Ajeito a postura quando Mackenzie acena para mim. Sorrio, acenando de volta. Eu
costumava ser mais pétreo e sério, mas, desde que a conheci, não sinto mais meus ombros
tão tensionados ou de estar o tempo todo mal-humorado.
— Oi — cumprimenta e vejo sua mão apertar a mão da mulher com mais força. —
Bryan, essa é a irmã da minha mãe. Tia April, este é o amigo que te falei. — Percebo um
lampejo nos olhos de April, ela arqueia a sobrancelha direita e abre ainda mais o sorriso.
Estendo a mão para cumprimentá-la. April tem um aperto forte e a mulher não para de
sorrir nem mesmo quando as formalidades passam.
— É um prazer te conhecer! Mackenzie está falando de você desde que cheguei. É bem
chato, pra ser sincera. — Mack belisca de brincadeira a pele da tia, que resmunga e
massageia o lugar afetado.
Sorrio, mas não sei o que responder com essa declaração.
— Você e Sebastian eram próximos? — pergunta, ao perceber que fiquei sem jeito para
manter a cordialidade.
— Namorei a irmã dele, Lilah.
— Ah... — Eu e minha mania de ser sempre muito sincero. — Não conhecia Sebastian,
mas Mackenzie sempre me falou muito dele em nossas ligações. Eu deveria ter vindo antes,
mas fiquei atolada com o trabalho.
Estou franzindo a testa sem me dar conta. Fico estudando a postura de April, a forma
delicada como ela age e como é o oposto de Maisie, que tem um comportamento mais
defensivo. Imagino que April é mais nova que Maisie, não consigo chutar uma diferença,
mas ela não tem rugas evidentes que se estreitam pelo rosto, nem uma postura tão
relaxada. A mãe de Mackenzie está sempre muito preocupada com os filhos, o marido e o
trabalho, assim como minha mãe.
— Sou secretária — conta, apertando de leve a mão de Mackenzie. — Meu chefe não
consegue se virar sem mim. Ele é pediatra.
— Entendo.
— Mackenzie disse que você se forma no mês que vem. Já considerou visitar as
universidades de Brigthtown?
— Nunca pensei nisso.
— Você já deve ter escutado que nós temos as melhores faculdades do estado, né? —
Ela dá uma risadinha convencida, acabo sendo contagiado por ela e rio também. Mackenzie
está feliz, posso sentir como ela reluz na presença de April. — Você deveria ir. Tenho
certeza de que convenço Mack a ir morar comigo se topar ir para a mesma faculdade que
ela. — Olho para Mackenzie, a sensação de enjoo volta com força, mas, dessa vez, é porque
estou olhando para ela e a força estarrecedora com que meu estômago parece um buraco
vazio com borboletas idiotas lá dentro me deixa assustado.
Tem acontecido muito. Essa é uma das razões que, às vezes, prefiro observá-la de longe.
Mackenzie parece ser o tipo de garota certa para ferrar com o meu coração. Uma das
músicas que ela colocou no pen drive que me deu de aniversário foi Falling For You. Desde
então estou tentando me convencer de que aquilo não foi uma mensagem.
De repente, estou nos imaginando no campus de uma universidade de Brigthtown.
Estamos de mãos dadas. Brinco com seu cabelo comprido, ela ri timidamente e afasta o
rosto quando tento beliscar sua bochecha. A mesma sensação assustadora está se
alastrando por todo o meu corpo, mantendo-me estabilizado no lugar, meus pés criam
raízes e não posso me mexer porque tenho medo que meus joelhos cedam com o tremor.
Abaixo a cabeça e dou um sorriso tranquilo.
— Quem sabe. — Sacudo os ombros.
— Viu? Ele está considerando!
— Vamos entrar. — Mack revira os olhos e puxa a tia para o auditório.
Quando entramos, Thomas já encontrou seu lugar. As poltronas da primeira fileira
foram reservadas para a família de Sebastian. O palco está enfeitado com rosas brancas em
uma coluna. O fundo foi enfeitado com fotografias de Sebastian com amigos e seus pais.
— Vou me sentar com seus pais — April sussurra quando Effy sobe os degraus do palco
e caminha em direção ao púlpito.
Ela está com uma bolsa arroxeada sob os olhos. No rosto um rastro vermelho, sinal de
que andou chorando nas últimas horas.
Vendo a amiga, o sorriso no rosto de Mackenzie some. Estamos em pé, atrás de todas as
cabeças erguidas e ouvidos atenciosos ao que Effy está prestes a dizer. Mack cruza os
braços e continua ereta. Ela está usando um vestido preto, acima dos joelhos, em decote V.
Os cabelos longos estão divididos ao meio, caindo em cascata densa sobre os ombros.
Controlo o impulso de segurar sua mão. Sei que ela não vai chorar na frente de todas
aquelas pessoas nem vai demonstrar fraqueza quando for a sua vez.
— Sebastian diria que estamos exagerando. Ele não era o tipo de pessoa que esperava
receber um dia inteirinho dedicado a ele. — Effy para e respira fundo. Enxuga a bochecha
rosada no ombro direito antes de continuar: — Mas decidimos que Seb merecia esse dia.
Ele merecia que as pessoas olhassem para ele, por um dia, com o carinho que não tiveram
com ele em seus quatorze anos de vida. Todos nós, que estamos aqui, temos uma
lembrança com Seb. Eu, por exemplo, sou uma garota de corpo atarracado, que serviu de
piada nos primeiros dias de aula. Sou ruiva, o que não é comum na Saint Ville Prep, e não
me encaixo nos padrões de beleza que serpenteiam essa escola, mas Seb sempre me apoiou
e defendeu quem eu era. Ele... fez com que eu amasse cada detalhe meu. — Ela fecha os
olhos por breves segundos, abre-os, fitando o Sr. Linderman. — E ele queria que tivessem
feito o mesmo por ele.
O corpo de Mackenzie fica tenso ao meu lado. O queixo cai alguns centímetros porque
todos no auditório percebem que Effy está fazendo uma crítica ao posicionamento do Sr.
Linderman quanto ao filho, inclusive ele, que fica inquieto mexendo no paletó, como se
tivesse enxergado uma sujeira no ombro.
— Não acredito que ela fez isso — Mackenzie murmura ao meu lado, balança a cabeça
consternada e aperta as pálpebras com a ponta dos dedos. Estico a mão e dou leves
palmadas em seu ombro.
— Ela está com raiva.
— Eu também, mas ele concordou com o memorial contanto que não estivéssemos
armando um complô contra ele.
— Você sabe que é tudo política, não sabe?
— É claro que sei.
— Sebastian não ia querer que seu memorial fosse baseado em política. — Não é para
soar como uma crítica, mas é exatamente como ela entende. Seu olhar em reprovação em
minha direção fere minhas boas intenções. — Eu não...
— Eu entendi, Bryan. Estamos fazendo isso pelos motivos certos, mas Thomas
concordou pelas razões erradas. Soube disso quando falamos com ele. Era aceitar ou
desistir. Não iria desistir; caso você tenha se esquecido, eu amei Sebastian com todo o meu
coração.
Ela cospe em mim, como se eu pudesse me esquecer esse detalhe. Deixo que ela saia,
mesmo que irritada, e vá em direção ao púlpito. Effy a abraça. Quando sobe ao palco, sei
que está tentando manter o foco em Sebastian e esquecer que a amiga acabou de acusar o
Sr. Linderman de ter incitado o filho a cometer suicídio. Nem todas as pessoas vão
concordar com Effy porque ainda existe muitos ali que não concordam com a orientação
sexual do vizinho, filho ou colega de classe. Falar sobre o assunto é tão necessário quanto o
que estamos fazendo nesse momento, mas ninguém está disposto a sair da sua zona de
conforto.
Mackenzie ajeita o microfone no instante em que escuto meus pais conversarem alto na
porta do auditório. Vinco a testa e olho para trás. Minha amiga que está no palco, prestes a
falar sobre Sebastian, acompanha o que está acontecendo. Meus pais estão rindo e não
percebem que as vozes atravessam a sala e vai adiante.
Quase caio para trás quando a vejo. Está incrivelmente linda, como me lembrava. Mais
magra, alta e com os cabelos mais compridos, mas ainda é a Delilah Dakota Linderman que
conheci há dois anos e meio.
Como se não tivesse o controle das minhas pernas, vou para aquela direção. Meus pais
não a conheciam e, pela maneira como minha mãe reagiu ao falar de Lilah, pensei que teria
raiva dela por minha causa. Então, tudo se encaixa como um quebra-cabeça quando vejo o
diretor ao lado dela. Espero que sua mãe apareça, mas não acontece. Fico estagnado entre
as cortinas vermelhas entreabertas e Lilah.
Estou espantado que meu coração não esteja errando o compasso nem despreparado
para aquele reencontro. Depois de ler o nome dela naquela lista, o que senti foi impossível
de controlar e meu primeiro impulso foi a fuga. Agora que ela está parada diante de mim,
não tenho vontade alguma. Não escuto a homenagem de Mackenzie para Sebastian porque,
assim que ela começa a falar, Lilah faz o mesmo.
— Oi, Bryan — diz, sorrindo. — Eu estou tão feliz de ver você. — A voz é suave, baixa e
controlada.
Lilah está vestindo calça preta e uma blusa de cetim na mesma cor. Os sapatos de salto
alto agulha são o detalhe que deixei escapar, que a deixaram mais alta. Meu sorriso está em
fuga. Solto um fluxo longo de ar e afasto as cortinas que caem para que eu atravesse. Do
lado de fora, os sorrisos nos rostos dos meus pais somem quando me veem.
Eu lembro de tudo e descubro, enquanto olho para ela, que não fugi antes porque tinha
medo de ser fraco diante dela; fugi, porque o único sentimento que borbulha dentro de
mim e queima é a raiva. Apesar de tudo, não queria que nossa conversa fosse movida por
esse sentimento. Estou com raiva dela, com raiva de como ela decidiu lidar com o nosso
término precoce. Ela foi covarde e não vou deixar que use a morte de Sebastian como
desculpa.
— Oi — falo baixo, murcho os ombros e a linha tênue em minha boca diz a ela que não
estou tão feliz em vê-la.
— Nós vamos entrar — mamãe avisa e sinto o aperto em meu ombro quando meu pai
passa por mim. O diretor também atravessa a soleira, sem dizer nada.
— Você devia também — digo e o sorriso dela desaparece. Ela está encolhendo os
ombros e unindo as mãos na frente do corpo. — Vai perder toda a homenagem que
Mackenzie e Effy prepararam pro seu irmão.
Estou me virando para voltar para lá. Ajudei Mackenzie com o discurso, ela estava com
medo de dizer alguma bobagem e quero estar lá para ouvir ao menos o final, já que fui
sugado pelo meu passado ao ver Lilah, devo a Mack minha atenção.
— Espera. — A mão de Lilah faz formigar minha pele do pulso. Ela me segura com tanta
força, que seus dedos ficam brancos. — Por favor, Bryan. Não aja assim comigo.
— Seja honesta comigo, Lilah. — Puxo o braço de volta num safanão. Ela traz a mão de
volta ao próprio peito, encarando-me assustada. — Se for pra me dizer o óbvio, não quero
ouvir. Todos nós estamos reunidos aqui pelo seu irmão, nada mais.
— Você está com raiva — sussurra, lágrimas estão escorrendo livremente por seu rosto.
Coloco as mãos nos bolsos da calça para não ceder à vontade de consolá-la. Que merda.
— Estou. — É tudo que digo, na esperança de que seja o suficiente para ela.
— Você tem toda razão. — A voz baixa e meiga mexe comigo.
Um pouco daquela raiva que está ardendo parece abrir uma brecha e relaxo o corpo.
Deixo-o cair para trás e jogo a cabeça contra a pilastra da parede, coberta por madeira
escura e antiga.
— A gente pode conversar? Não agora, depois que terminarmos aqui?
Não respondo de imediato, os olhos piedosos de Lilah estão enviesados em minha
direção, perfurando-me de fora para dentro e encontrando um jeito de me fazer ceder.
— Por favor! — suplica.
Fecho os olhos e esfrego o rosto com impaciência.
— Por favor, não me faça arrepender.
Volto para o auditório, escuto o barulho do salto de Lilah atrás de mim e ela me
acompanha até que encontre uma fileira que tenha dois lugares. Vejo os lugares mais no
topo, caminho para a direita com ela logo atrás. Quando me sento, Mackenzie está descendo
do palco e seus olhos saltados estão à minha procura. Sei disso porque, quando ela me vê,
acena e o sorriso some ao perceber que o lugar vazio de segundos atrás acaba de ser
ocupado por Lilah.

Mackenzie não fala comigo quando tudo termina e as pessoas se dirigem para o ginásio,
onde será servido um almoço para todos. Contribuição da Saint Ville Prep.
Thomas Linderman desaparece antes que Lilah tenha chance de conversar com ele,
mas, na verdade, percebi que Lilah tentou não ser notada pelo pai. Eu sinto a tensão de seu
corpo, mas não digo nada. Acredito que as coisas entre os Linderman andam difíceis desde
a morte de Sebastian e não a culpo por ficar magoada. A culpo por ter ido embora sem dizer
nada e isso não dá para aceitar. Ela podia ter enviado ao menos uma mensagem, qualquer
coisa é melhor que o abismo de dúvidas que deixou para trás entre nós.
Não é diferente agora. O silêncio é pesado e constrangedor. Sinto-a enrijecer mais a
cada segundo, enquanto caminhamos pelos corredores do colégio como fazíamos quando
nos conhecemos. No começo, não queríamos que as pessoas soubessem, mas dávamos um
jeito de estar sempre juntos. Andar pelos corredores era como uma terapia para mim e
Lilah. Nossas mãos nunca se tocavam, mas, como andávamos bem perto, podia sentir o
calor de sua pele, o cheiro de seu xampu de limão e hortelã. É o mesmo cheiro de agora, é
íntimo e familiar. Sou o tipo de cara que gosta da familiaridade e estar com Lilah me traz
essa sensação.
Estou tão confuso. Meus sentimentos estão uma bagunça e é uma droga!
Não falamos nada desde que saímos do auditório. Quero que ela diga logo algo que
coloque essa raiva no lugar, onde suas atitudes façam sentido e a minha ira perca sua
motivação para existir.
— Bryan.
— Estou ouvindo.
Nós continuamos andando e prefiro que façamos isso desse jeito.
— Eu sinto muito, de verdade.
— Só me diz o porquê. Eu fiz alguma coisa que te deixou magoada?
— Não. Não. Não — ela nega veementemente.
Fico ainda mais confuso.
— Você é sinônimo de namorado perfeito. Li todas as suas mensagens, vi todas as suas
ligações... Nunca desistiu de mim. E, acredite, eu me sinto péssima por ter feito você passar
por tudo isso. Eu me sinto horrível por ter feito você esperar. Resolvi vir porque vi que se
inscreveu na lista da universidade de Dashdown. Eu sei — ergue a mão para me parar,
estou com os lábios entreabertos para questionar seus motivos de estar aqui —, sei que
deveria ter vindo pelo Seb, acredite, eu amo meu irmão e sinto falta dele o tempo todo.
Afinal, temos toda aquela coisa de gêmeos. — Ela dá uma risadinha. Nunca duvidaria do seu
amor por Sebastian, ela sempre falou dele com adoração. — Tudo isso, tudo o que Mack e
Effy fizeram é lindo, mas não tenho certeza se é exatamente o que Sebastian iria pedir. Nós
sempre fomos reservados, não gostamos de atenção. É o nosso estilo de vida.
— Lilah.
— Estou acabando. — Ela para e segura meu cotovelo me obrigando a parar também. —
Se você for para Dashdown, quero que me dê outra chance. Eu não tenho desculpas para te
dar, Bryan. É a verdade. Não vou enfeitar a verdade nem inventar desculpas. Minha mãe
está enfrentando a depressão desde aquela época e estou segurando a barra do jeito que
posso. Seb se foi e não faz ideia do que deixou para trás. Fui embora sim, porque estávamos
fugindo do nosso pai — ela conta, reparo em como seus lábios tremem. — Você não tem
ideia de como ele pode parecer um psicopata! Eu prometi pra minha mãe que não contaria
a ninguém para onde estávamos indo, por favor, você precisa acreditar em mim.
— Por que você está aqui agora, então? — questiono, com a dúvida se evidenciando
entre as rugas em minha testa formadas por vincos.
— Meu pai não faria nada comigo em público. Ele não me obrigaria a contar sobre a
minha mãe na frente de uma multidão.
— Lilah, se seu pai for desse jeito, e vocês podem provar, talvez...
— Não. Não vamos por este caminho, Bryan. Mamãe e eu conversamos. Nós
concordamos em deixá-lo para trás e seguir em frente.
— Ele está a um passo de comandar essa cidade, Lilah — murmuro, mantendo a fúria
escondida sob uma máscara de autocontrole.
— Meu pai só é insano quando se trata da minha mãe. Acredite em mim, a cidade em si
estará em boas mãos. — Ela fecha os olhos e respira fundo. — Ele tem algum tipo de
obsessão, uma necessidade de ter o controle da vida dela nas mãos. Nós estamos fugindo
desse lado sombrio do meu pai.
— Você está morando em Dashdown?
Lilah aperta os lábios e sei que ela não vai confirmar nem negar.
— Certo.
— Ele tem um amor doentio por ela, Bryan. Entende por que Sebastian e eu nunca
fomos amados por ele? Entende que, para meu pai, nós roubamos toda a atenção que
mamãe dedicava somente a ele? Bryan — ela segura minha mão e sigo seus movimentos
com o olhar —, eu tinha quatorze anos e via a personalidade tóxica do meu pai afundar
minha mãe. O que eu podia fazer?
Não respondo, fico olhando para os dedos dela, devagar, emaranhando-se aos meus da
forma mais natural possível. Sinto o calor de seus dedos e toda a profusão de sentimentos
confusos voltam com força.
— Você tomou a melhor decisão que podia — concordo e, no mesmo movimento calmo
e tranquilo, puxo a mão de volta, separando nosso toque. — Lilah, eu gosto de você. Gosto
pra caralho — murmuro o palavrão e fecho os olhos. — Mas tem umas coisas acontecendo
e não consigo te dizer agora o que vou fazer. Se eu vou para Dashdown, se fico ou se eu vou
para outro lugar. — Lembro de April brincando sobre Mack e eu irmos para a mesma
faculdade. Talvez eu vá com ela, não sei. — Por enquanto, meu coração está aqui.
Coloco as mãos dentro dos bolsos e sinto um alívio no peito ao dizer aquelas palavras.
Lilah, entretanto, está com os olhos marejados. Por favor, não chora. Isso me destrói.
Lilah encara a mão, move os dedos sentindo falta do toque. Posso deduzir, olhando para
a expressão chateada em seu rosto. Seguro-a pela mão outra vez, atravessando todo limite
que decidi impor. Puxo-a para perto, afundo os dedos em seus fios e descanso sua cabeça
em meu peito.
Mesmo que não fiquemos juntos, estou feliz que tenhamos resolvido. Sinto meu peito
ser preenchido por compreensão, a raiva dissipa ao sentir seus dedos afundarem em meu
paletó, em busca de contato com minha carne. Fecho os olhos, encosto a bochecha no topo
de sua cabeça e afago seus cabelos densos. Ela chora em silêncio; Lilah costumava ser como
Mackenzie, mas descubro que a vida a deixou quebrada, que ficar adulta antes do tempo a
deixou mais sensível. Queria poder ter estado ao seu lado, mas, assim como Mack, não me
sinto culpado, porque foi ela quem me afastou.

Deixo Lilah na estação de trem. O único jeito de alguém entrar e sair de Humperville, é
através de trem, na estação Carrington. Não volto para casa imediatamente, fico passeando
com meu Jeep aos arredores. Meus pais pegaram carona com os pais de Mackenzie, para
que eu pudesse acompanhar Lilah; não fizeram perguntas e não tive coragem de conversar
com Mack. Não ainda. Estou digerindo tudo que Lilah contou.
Lilah e eu temos uma história pequena. É o primeiro amor. Você acha que são tão
compatíveis que é impossível que a história termine. O par perfeito para uma eternidade,
então, de repente, tudo acaba e, às vezes, a culpa não é de nenhum dos dois. Estou chocado
quando chego a essa conclusão. Nenhum de nós pretendia terminar. Ela tinha quatorze, eu
dezesseis, quem diria? Éramos duas crianças. Agora, com dezessete, daqui oito meses,
completo dezoito e sinto que não estou pronto para esse tipo de amor romântico.
Fico questionando se aos vinte e um, vinte e sete ou trinta ainda terei a mesma sensação
de inexperiência; o mesmo pensamento de não querer estar em um relacionamento assim.
Parece que... minha mente e corpo buscam por liberdade.
Quando volto para casa, já passam das sete da noite. O sol está se pondo. Faço a curva
fechada da rua e vejo Mackenzie sentada nos degraus da varanda da minha casa. Diminuo a
velocidade devagar, assimilando sua imagem abatida com a minha falta de atenção o dia
todo. Estou resmungando baixo ao sair do carro. Ela ergue a cabeça, lembro de quando a vi
triste assim, mas na porta de sua casa. Convidei-a para almoçar comigo. Se me dissessem
que acabaríamos aqui, não teria acreditado.
— Desculpa... — inicio assim, mas ela fica confusa. — Por ter perdido seu discurso e ter
ignorado você.
— Estou acostumada com sua personalidade fria. — Ela franze o nariz e me empurra
com o ombro. — Lilah não falou comigo nem com Effy, por isso estou chateada. Nós
merecíamos uma explicação e um ponto final tanto quanto você.
— Acho que ela ainda não está pronta. — Decido omitir o que Lilah contou, não tenho
certeza se ela gostaria de que eu saísse por aí contando que a mãe está doente e que
Thomas Linderman não passa de um homem controlador. — Quando estiver, tenho certeza
de que ela vai ligar.
— É, você tem razão. Como você tá? — pergunta, sua expressão muda de confusa para
preocupada. Seus olhos estão mudando de foco; do meu nariz para a minha boca, da minha
boca sobe para os meus olhos e repete.
— Intacto. — Estico as pernas, sinto-me à vontade para tirar o paletó e a gravata. — Nós
resolvemos nossa história.
— E?
— E acabou. Já tinha acabado, mas agora nós temos certeza.
— Você vai encontrar outra pessoa.
— Não sei se quero.
Queria dizer a Mackenzie como venho me sentindo em relação a ela, como está estranho
e como tenho imaginado coisas entre nós. Minha mente faz um jogo comigo; quando quero
a liberdade, também quero estar com ela. Fico frustrado e confuso, tentando entender tudo
que está acontecendo na minha cabeça e coração. Sopro o ar com força e meus ombros
caem.
— Não quer?
— Não. Acho que por enquanto não.
— Não temos que ficar preocupados. Vamos para a faculdade logo.
— Sua tia ainda está aqui? — Olho em direção à casa vizinha, Mack acompanha meu
olhar e sorri.
— Ela vai ficar o fim de semana todo.
— Ela parece ser legal.
— Engraçado, ela falou o mesmo sobre você.
— O que você acha das faculdades de Brigthtown?
— São concorridas e não são baratas, você precisa ser excepcional para entrar. É claro
que você tem chances altas, mas não tenho certeza quanto a mim.
Franzo o cenho.
— Você consegue, se quiser.
— Vai me dar aulas particulares, é?
— Se você precisar, por que não? Fui monitor na escola todos esses anos, consigo lidar
com você, senhora burrinha — brinco, bagunçando seus cabelos. Ela resmunga ao tentar
assentá-los, mas já estão parecidos com ninho de passarinho.
— Vamos tentar, então? Ir para a faculdade juntos?
— É o que os melhores amigos fazem — concluo e Mackenzie está sorrindo, ela não vai
dizer em voz alta, mas sei que concorda comigo.
— Vou ter o meu primeiro porre com você. — Ela faz uma cara determinada e inspira o
ar. — Posso compartilhar minha primeira vez com detalhes também?
— Por favor, não faça isso. — Dou uma gargalhada, escondendo o ciúme por trás da
casualidade. — Não me conte nada.
— Eu quero que você me conte.
— Como sabe que já não aconteceu?
A verdade é que Lilah e eu nunca chegamos tão longe. Mãos bobas, amassos, tudo isso
fez parte do nosso relacionamento, mas não chegamos lá de verdade.
— Você e Lilah? Sério?
— Não. Não aconteceu.
Ela ri baixinho, inclinando a cabeça.
— Sabia.
— Como assim?
— Você é quieto demais pra ter iniciativa. Sabe, aquele tipo de cara que é mais na dele e
não consegue chegar na garota porque fica sem jeito. Eu te vejo assim.
— Você não sabe de nada. — Dou um peteleco em sua testa e ela cobre a região com a
mão espalmada, para suavizar a vermelhidão.
— Hum... Você pretende entrar pra uma fraternidade? Eles podem te ajudar!
— Mackenzie, sério, cale a boca!
— Eu vou entrar pra uma irmandade.
— Tá bom. Se você diz.
— Ah, as festas. Podemos participar de todas!
— Faculdade se tornou colônia de férias desde quando? — Ergo as sobrancelhas,
chocado com os planos de Mackenzie. Ela parece estar prestes a explodir com tantas ideias.
— Pode ser as duas coisas. — Ela levanta o indicador e o dedo do meio para mostrar. —
Estudamos durante a semana, curtimos os finais de semana. Podemos almoçar com tia
April aos domingos. Bryan, você é meu melhor amigo, nós precisamos ir para a faculdade
juntos.
Ela está empolgada com a ideia. No fundo, também estou, mas Mack é de demonstrar
mais do que eu quando está animada com algo. Deixo que ela crie planos, fale sobre cada
um deles. Está nos imaginando almoçando juntos, considerando que aluguemos um
apartamento para dividirmos o aluguel.
Ela está mesmo fazendo planos de morarmos juntos em Brigthtown. Não quero deixá-la
frustrada, portanto escuto cada uma de suas ideias em silêncio; sorrio quando imagino que
é o que ela espera, concordo com todas as suas perguntas e brinco com ela quando é
necessário.
— Me formo mês que vem. Quero te levar num lugar agora, tudo bem?
— Claro. — Mackenzie fica de pé em questão de segundos.
— Legal.
Deixo a gravata e o paletó escondido atrás da pilastra da varanda. Seguimos para o Jeep
estacionado em frente à casa, Mackenzie entra primeiro. Atravesso a frente do carro e
assumo meu lugar no banco do motorista. Ligo o rádio apenas para ouvi-la cantar, mas a
verdade é que sempre que música está envolvida e conheço a letra, Mack me pede para
cantar para ela. Na maioria das vezes, eu canto; em outras, não estou tão animado. Gostaria
de entender o que está acontecendo dentro de mim; essa inquietação confusa e frustrante
me paralisando. Quero entender o que sinto por Mackenzie.
Paro em frente ao ferro velho, em uma viela, onde meu pai é dono. O portão de metal
tem uma corrente envolvendo sua fechadura. Pego a chave no porta-luvas, porque ele não
vem muito aqui. É mais um lugar para onde corro quando não consigo pensar direito.
Mackenzie encara o espaço à frente, confusa. Já escureceu e tenho dificuldade para abrir
o cadeado. Com a lanterna do celular, ela ilumina para que eu consiga.
Nós entramos segundos depois. Volto a trancar o portão, com o cadeado para dentro, e
com a lanterna de nossos celulares iluminamos o caminho. Mackenzie me segue devagar,
olhando para os lados assustada.
— O que estamos fazendo aqui? É assustador — ela sussurra, encolhendo os ombros.
Uma rajada de ar corta sua pele. Devia ter trazido o paletó, pois ela só está usando o vestido
preto de alcinha.
— É o ferro velho do meu pai. Tem um lugar aqui que venho sempre que preciso pensar.
Ela não diz mais nada, apenas me segue até que eu encontre o ônibus escolar amarelo
velho e manchado com poeira. Do lado de fora, seu estado não é o melhor. Ele está sem as
rodas e a pintura desgastou por ficar exposto ao sol.
Direciono-me para ele. Faço força para abrir as portas e, em poucos instantes, elas se
abrem. Subo os degraus e dou um sorriso quando o vejo. Por dentro, foi reformado e
encerado. Os bancos, em sua maioria, retirados para ter espaço. Uma pequena caixa térmica
está no fundo, os quatro bancos que sobraram, um de frente para o outro, expostos de cada
lado do ônibus, servindo de apoio para roupas e cobertores.
Quanto mais fundo estamos no ônibus, mais o sorriso de Mackenzie se alarga.
Ventiladores pequenos, que funcionam à base de bateria, estão ao lado da caixa. Algumas
velas escondidas sob os bancos estofados e fósforos. Um tapete felpudo comprido fica
esticado pelo corredor estreito. Quando chegamos ao patamar frágil, no limite do ônibus
velho, pego um cobertor e o jogo no chão laminado. Ele está brilhando pela cera preta que
passei recentemente.
Ela se senta, cruzando as pernas. Entrego a ela um ventilador pequeno e fico com outro.
Puxo a caixa térmica para perto. No compartimento acima de nossas cabeças pendurei
algumas luzes natalinas, que funcionam com pilhas. Estico o corpo para ligá-las e sorrio
quando o ônibus se enche à meia-luz. Mackenzie finalmente tem a visão das paredes
metálicas cobertas com fotografias; algumas minhas e de Lilah, outras dela e Effy. Há fotos
de Logan, Graham e eu depois de um jogo de basquete – não estou no time, mas jogo com
eles, às vezes – e pôsteres das minhas bandas favoritas.
Acendo as velas que estão debaixo dos bancos e as coloco no chão de metal encerado,
sem ter contato com os tecidos. Abro a tampa da caixa térmica e pego uma garrafa d’água
para Mackenzie. Tiro a tampa e entrego para ela. Faço o mesmo quando pego uma para
mim.
— É muito legal aqui. — Mackenzie está olhando a sua volta, sorrindo e admirando o
pequeno espaço que criei para pensar sem ser interrompido.
Até para os mais solitários é necessário um lugar quieto, onde ninguém poderá te
encontrar. Em tempos de crise, é aqui que me escondo.
— O que é?
Olho para ela confuso.
— Você disse que vem aqui quando precisa pensar. O que você está pensando?
Tomo um gole da água e deixo-a na boca por poucos segundos antes de engolir.
— Lilah me pediu uma chance hoje.
— Tipo, pra vocês namorarem a distância? — Ela bebe a água bem devagar e não tira os
olhos de mim.
— Não. Ela me pediu para ir estudar em Dashdown porque é para lá que ela irá daqui
dois anos.
— Por que ela está visitando a faculdade tão cedo? — Mack sussurra, perplexa. — Eu já
tinha pensado nisso quando você disse que ela estava na lista de inscrição de visitação, mas
por que ela iria visitar agora?
Nenhum de nós pensou sobre isso quando voltei de Dashdown, em fevereiro, mas agora
faz sentido. Lilah provavelmente está morando na cidade, viu que tinha me inscrito para
visitar a faculdade e fez o mesmo.
— Ela queria me encontrar, eu acho.
O brilho de empolgação que tinha em seus olhos desaparece.
— Você vai?
— Não, não vou.
Ela respira aliviada, seguro o sorriso olhando para o gargalo da garrafa d’água.
— Então, por que você precisa pensar?
— Porque não sei se quero ir para a faculdade com você, Mackenzie. Não sei se quero
continuar sendo seu amigo ou se isso — aponto para nós dois — vai continuar
funcionando. Estou confuso, droga, você me deixa extremamente confuso. Estou uma
bagunça por sua causa.
— Como assim? — pergunta com a voz trêmula. Ela sabe, mas vai me forçar a dizer em
voz alta.
— Quando penso em ser livre, quero aproveitar cada segundo disso. Mas, quando fecho
os olhos e vejo seu rosto, já não sei mais. Olhando para você agora, acho que, se for pra me
apaixonar outra vez, quero que seja você.
— Por quê? — O som de sua voz sai em um fiapo.
— Porque quando penso na pessoa perfeita, eu te vejo. Não sei se vai dar certo, não me
pergunta isso, mas é como você mesma já disse — dou de ombros — é pra ser enquanto
durar.
Sou pego de surpresa quando Mack joga a garrafa dentro do cooler e cai em cima de
mim, desajeitada. Seus lábios buscam os meus. É quase impossível conseguir tocá-la porque
ela está com pressa. Fico confuso e não entendo, mesmo assim, retribuo. Sua boca é macia,
como imaginei que seria, é quente e aveludada. Seguro sua cabeça contra minha boca e ela
desliza os dedos pelo meu abdômen sobre a camisa social. A outra mão está apoiada em
minha cintura. Noto sua confusão. Ela não sabe onde deve seguir com as mãos.
Consigo segurá-la pelo quadril e a puxo para se sentar sobre meu colo. Ela resfolega
contra minha boca, para o beijo por alguns segundos e me olha, as pestanas entreabertas.
Em seguida volta a afundar a língua na minha boca. Deslizo a minha em seus lábios
habilmente.
Sei que Mackenzie nunca beijou ninguém e tento fazer com que o seu primeiro beijo
seja inesquecível. Acaricio sua nuca enquanto a sinto se aprofundar no beijo; respira
pesado e comprime o corpo. Abraço sua cintura, trazendo-a para mais perto. Quero unir
seu perfume adocicado com o meu forte Dolce & Gabbana. Estou agindo por instinto,
porque nunca fui longe demais com uma garota. Meu impulso é deslizar a mão por sua
panturrilha e subir através da parte interna até sua coxa. Ela retrai o corpo quando meu
dedo desliza devagar até a base de sua perna, subindo pouco a pouco o vestido.
Torço para que ela não perceba que estou nervoso, que meu corpo está tremendo tanto
sob o seu que posso entrar em erupção. Ela morde meu lábio inferior, puxa devagar e
desencosto da parede de metal para trazer sua boca de volta. Ela entrelaça os dedos em
minha nuca; com sucção, sugo seu lábio superior e, de repente, ela para. Afasta o rosto para
respirar e recuo a mão que subia em sua coxa. Ela está me encarando ruborizada e um filete
de suor escorre de sua testa. Puxa o cabelo, que cai como uma cortina em volta de seu rosto,
e se senta mais confortável em meu colo.
Enrugo a testa enquanto olho para ela.
— Desculpa, eu não quis... — Aponto para a barra do vestido erguido. — Foi mal. —
Passo a mão pelos cabelos e os bagunço. — Mackenzie? — Estico a mão para tocá-la e ela
foge do meu toque, assustada. — Merda! Fui longe demais, não fui? Sinto muito.
— Não posso fazer isso — diz, saindo de cima de mim. — Não dá, Bryan.
Ela ajeita a saia do vestido e me levanto num rompante.
— Se você quer esse tipo de relacionamento comigo, a gente tem que parar agora.
— Por quê? — questiono, mesmo que no fundo tivesse jurado que se ela me rejeitasse,
estaria tudo bem.
— Porque eu não me sinto assim em relação a você. Não vejo a gente como um casal.
— Por que me beijou então?
— Fiz por impulso.
Meu maxilar trava e pressiono os lábios com raiva porque não acredito nela, mas decido
não insistir. Se ela diz que não sente nada por mim, não posso forçá-la. Preciso entender,
respeitar e aceitar. Fecho os olhos para recuperar o fôlego que ela roubou quando me
beijou.
Assentindo, estico a mão para desligar as luzes natalinas. Mackenzie se abaixa para
apagar as velas. Tudo fica escuro e é quando percebo que não existe mais dúvida nem
confusão no meu coração ou em minha mente.
Eu só a vejo. Agora mais do que nunca.
Sou tão dela nesse momento, que não me sinto capaz de aproveitar a liberdade como
imaginei mais cedo, não quero mais curtir a faculdade, as festas e perder a virgindade com
uma completa estranha.
Quero tudo isso com Mackenzie.

“Ainda podemos ser amigos?
Ainda podemos ser amigos?
Isso não precisa acabar
E se acabar
Podemos ser amigos?”
FRIENDS – JUSTIN BIEBER

Tia April ainda está acordada quando chego em casa. O caminho até ali foi tão difícil,
tortuoso e meu coração não se aquietou. Fiquei alguns minutos sentada na escada da
varanda, assistindo Bryan guardar o Jeep sem nem olhar para os lados. Ele está com raiva e
ainda estou digerindo cada segundo daquele beijo, que, por sinal, não faço ideia do motivo
de ter feito aquilo. Acho que, assim como Bryan, estou confusa.
Toco com a ponta dos dedos o lábio inferior, tentando acalmá-lo. Estou tremelicando
dos pés à cabeça e posso sentir o leve inchaço sob meu toque. Minha tia ergue a cabeça com
as sobrancelhas arqueadas. O som da tevê retumbando em meus ouvidos e a luz azul que
reflete da tela incomoda meus olhos. Preciso piscar para evitar que comece a chorar. Meu
coração não vai seguir por esse caminho de novo.
— Mackenzie? — April sussurra, mas não respondo.
Permaneço estática, com meus pés comprimindo dentro de minhas botas de salto.
Contorço os lábios ao afastar o toque de minha mão e respiro pesado. Não chora, ordeno.
— Meu Deus. Você está bem? — Escuto o barulho da almofada cair no chão e os passos
de tia April contra o assoalho correr para mim. Eu sinto o toque suave de suas mãos em
meu ombro, mas não consigo sair do transe. Acorda, sua idiota! — Mack, fala comigo. —
Com um apertão em meus ombros, pisco algumas vezes para que a imagem desfocada dela
se assente. — Você quer que eu chame sua mãe? — Ela olha para cima e, antes que se
afaste, a seguro pelo pulso, negando com a cabeça.
— Vou ficar bem — garanto a ela, mas continuo recostada à porta e não consigo me
mover, por mais que ordene minhas pernas e envie comandos silenciosos, elas não
funcionam. Então, eu desabo. Deslizo o corpo para baixo, até estar sentada. Puxo os joelhos
contra o tórax e me encolho. — Eu o beijei. — Cravo os dentes nos meus joelhos desnudos e
fecho os olhos, com raiva. — Droga, droga, eu o beijei! — Afundo o rosto para escondê-lo.
Tia April se ajoelha diante de mim, com a expressão torcida em confusão.
— Isso é bom, não é? — Ergo a cabeça alguns centímetros, apenas para que veja meus.
Ela está com um sorrisinho despontando do canto da boca e estende a mão para acariciar
minha cabeça. — Quer dizer, beijar alguém não é ruim!
— É ruim quando esse alguém é Bryan McCoy. — Contorço no lugar, gemendo em
vergonha e frustração. — Nós nunca mais vamos ser amigos.
— Querida — tia April dá uma risada, que faz com que eu relaxe só para poder estudá-la
—, se vocês se gostam, vão encontrar um jeito de fazer dar certo.
— Eu disse pra ele, claramente, que não podemos mais ser amigos. — Bato a testa com
força contra os joelhos. — Eu sou tão idiota. Não devia ter... beijado ele.
Ela dá outra risada e se senta ao meu lado.
— Você acha que está na pior? E eu que sou apaixonada pelo meu chefe há seis anos? —
conta, suspirando.
Tia April é dez anos mais nova que mamãe. Meus avós maternos faleceram quando ela
tinha oito anos e mamãe dezoito. Elas se viraram sem eles desde então. Fico olhando para
ela, esperando que conte, com mais detalhes, a sua história.
— Acha que é a pior parte? Ele está no meio de um divórcio, têm uma filha de cinco anos
e fico olhando para aquela garotinha no meio de toda a bagunça em que a vida dos pais dela
estão nesse momento.
— Tia April, você e seu chefe estão... — Arregalo os olhos, assustada.
— Por Deus, garota, o que você acha que eu sou? É claro que não. Ele nem sabe como me
sinto. Ainda — enfatiza, dando risada.
— É por isso que você nunca tentou um emprego melhor?
Tia April se formou em enfermagem, mas decidiu continuar sendo secretária e auxiliar
do seu chefe.
— Em partes, eu amo meu emprego em consultório particular, não nasci para me matar
de trabalhar em um hospital. Em outras, é porque não quero me afastar. Mas não vamos
falar de mim. — Ela cobre meus ombros com o braço, esticando-o preguiçosamente. —
Bryan parece um cara legal e ele, com certeza, gosta de você. Se conversarem, sei que vão
conseguir resolver esse pequenino problema. — Com a mão esquerda faz uma pinça com os
dedos para ilustrar. — Se apaixonar pelo melhor amigo ou amiga faz parte do processo.
Todo mundo já passou por isso ao menos uma vez na vida. E é melhor ainda quando você é
correspondido.
— Quando fechei meus olhos e o beijei, vi a imagem de Sebastian tão nítida na minha
frente — minha voz sai baixa, em um sopro, como a brisa leve de inverno —, fiquei com
medo. Tia April, eu não quero esse tipo de relacionamento com Bryan — digo e, em voz alta,
é mais fácil de compreender os meus sentimentos.
Eu gosto de Bryan, não tenho dúvidas. Meu coração cedeu tão depressa que não tive
tempo de raciocinar. Em um segundo estava com minha boca colada à dele, uma explosão
de sentimento em evasão pelo meu toque em sua pele e a sua mão em chamas em minha
coxa. Contudo, esse gostar pode não ser o que Bryan espera. Valorizo a amizade dele e ela é
mais importante para mim do que um relacionamento que pode nem durar.
Fecho os olhos para grunhir, minha bochecha queima de vergonha e volto a afundar a
cabeça entre as pernas. Minha tia dá uma risada gutural e encosta a cabeça tombada em
meu ombro.
— Você pode dizer a ele. Bryan não faz o tipo incompreensível.
— Mas o jeito que ele me olhou...
— Ele ficou preocupado que a amizade de vocês fosse acabar por um erro bobo. Dê um
tempo para o sentimento se atenuar. Depois vocês podem conversar e resolver isso. Não é o
fim do mundo, Mackenzie.
Uma das coisas sobre a adolescência: qualquer erro parece ser o fim do mundo.
Fico sentada com ela até que meu coração se acalme. Espalmo a mão contra o peito,
espero as batidas se abrandarem e a minha respiração voltar ao normal para ir para o
quarto. Quando estou lá, minha primeira reação é olhar para a janela do quarto de Bryan.
As cortinas estão fechadas e a luz apagada. Aproximo-me até estar inclinada sobre o
parapeito da janela. Cruzo os braços sobre a barriga, respiro o ar denso da noite enquanto
observo. Em uma fração de segundo, sou encorajada a ligar para ele, mas me arrependo em
seguida.
Bryan desligou o celular.

Papai leva tia April à estação de trem na segunda de manhã. Estou com o corpo pesado e
me arrasto pela casa enquanto me arrumo para ir à escola. Nate me assiste servir os ovos
mexidos e a torrada com apreensão. Ele balbucia alguma coisa para a mamãe, mas não
entendo nem me esforço para isso. Sento-me ao lado dele, como todas as manhãs e começo
a comer devagar. Quando levanto os olhos para pegar a jarra de suco de melancia no centro
da mesa, mamãe está atenta a mim.
— O que foi? — pergunto com a jarra suspensa no ar. — Tem alguma coisa no meu
uniforme? — Olho para baixo, na camisa branca de mangas curtas. Tudo parece impecável.
— Você está bem? Ficou o dia todo no quarto ontem e hoje está andando pela casa como
um zumbi. Aconteceu alguma coisa no memorial do Sebastian, querida?
— Só estou cansada. — Dou de ombros com indiferença.
— Mentira. Ela brigou com o Bryan. Ouvi sua conversa com a tia April.
— Nate! — Bato com a jarra de suco na mesa e ele sobressalta, assustado. Raramente
grito com ele, mas fico com raiva por ser tão intrometido. — Não é da sua conta!
— Mackenzie, o que aconteceu? — Embora meu tom seja ríspido, mamãe está
mantendo a paciência.
— Nós só não estamos conversando. Vamos resolver — prometo, mas estou selando
essa promessa comigo mesma. — Desculpa, Nate.
— Tá tudo bem, ele é seu melhor amigo, eu entendo. — Meu irmão aperta minha mão de
leve para me dar apoio e mamãe sorri amistosa, com a mesma intenção.
— Vamos comer, vou levar vocês para a escola.
Nos últimos dois anos, eu tenho pegado carona com Bryan, mas hoje faz mais sentido
que eu vá com minha mãe e Nate.
— Você fez o quê? — Effy grunhe, encolhendo-se em minha cama.
Fico vermelha. Minhas bochechas queimam em brasa. Bryan estava na escola, mas não
conversou comigo. Effy ficou perguntando qual era o nosso problema, então, foi até Bryan e
perguntou para ele que merda estávamos fazendo. Ela tagarelou tanto em minha orelha,
dizendo: “é por isso que temos regras”.
A sua opinião mudou agora que Bryan e eu não estamos conversando. Pensei que se me
desculpasse, se tentasse explicar meu ponto de vista, ele entenderia e tudo voltaria ao
normal, mas a distância dele prova que não será simples assim e Effy consegue provar que
sempre esteve certa.
— Você o beijou?
— Uhum.
Conto tudo em detalhes, Bryan se reservou ao direito de não se explicar com Effy. Fico
com a tarefa difícil de dizer tudo para ela sobre Lilah e minha amiga decide fingir que
sequer escutou o nome dela. Se atenta ao assunto importante: Bryan e eu. Falo sobre o
ônibus, a conversa intensa sobre sentimentos, medo, faculdade e a liberdade que Bryan
mencionou. Quando termino, ela está piscando pesado para assimilar.
— Uau! — assobia e joga o corpo contra a cabeceira da cama. — Você devia ter me
ligado, teria vindo te ver.
— Nós vamos acabar nos entendendo.
— Você está confiante.
— Essa história de se apaixonar pela melhor amiga é um filme repetido, Effy. No final,
Bryan vai perceber que funcionamos melhor na zona da amizade.
— É, vocês estão na confortável zona da amizade há dois anos. Talvez ele tenha se
cansado disso!
— Eu pensei que ele ainda fosse apaixonado por Lilah — confesso, deixo o corpo cair de
costas na cama e fecho os olhos.
— Ah, por favor! — Ela chuta meu quadril com leveza para me fazer abrir os olhos. Viro
o rosto para encará-la. — Nós duas sabemos que Bryan não pensa em Lilah desse jeito há
um bom tempo. Ele não é de falar, Mack, Bryan é o tipo de cara que você observa e espera a
magia acontecer.
O colchão ao meu lado se afunda quando ela se deita. Cruzo as mãos sobre a barriga e
fico encarando o teto branco do quarto. Torço para que Effy esteja certa. Já perdi Sebastian,
não quero que aconteça o mesmo com Bryan.
— Você está fazendo corpo mole! — Effy resmunga.
— Do que você está falando?
— A Mackenzie que eu conheço estaria batendo agora mesmo na porta dele e exigindo
uma explicação. Você não é assim.
— É diferente agora.
— Por que é diferente?
— Porque sim.
— Não, não é diferente. É você quem está complicando tudo. — Ela vira até estar
deitada de lado e apoia a cabeça na mão aberta. — Tira essa bunda da cama e vai agora
recuperar o nosso amigo.
— Effy...
— Nada de Effy, levanta-se! — ordena, empurrando meu ombro com a outra mão. —
Anda logo, Mackenzie! Se você não se levantar, vou chutar sua bunda daqui até a lua —
grunhe fazendo força para me expulsar da cama.
Solto o ar com exaspero. Ela não vai parar de me encher enquanto não fizer alguma
coisa.
Levanto-me, ajeitando a saia de prega e a blusa do uniforme amarrotada. Olho para o
relógio, são quase sete da noite. Ele provavelmente já está em casa. Há quatro meses, Bryan
vem trabalhando na loja do pai à tarde. Com a formatura se aproximando e a certeza de que
foi aprovado, Bryan não está mais fazendo as eletivas.
Calço meus mocassins e mostro a língua para ela antes de sair.
Meu pai e Nate estão na cozinha jogando xadrez. Aviso que vou na casa de Bryan e
apenas murmuram um quase inaudível “tá”. Atravesso a porta da frente e paro repentina
na varanda, encaro a casa vizinha à procura do Jeep. Está estacionado na vaga em frente a
garagem, como sempre. Respiro fundo, começo uma contagem de zero a cem. Dou passos
devagar e cautelosos. Minhas mãos estão suando frio.
Merda, por que estou suando tanto?
Subo com pressa os degraus da varanda. Toco a campainha, mas ninguém atende.
Espero por mais alguns segundos e nada.
Sigo pela lateral, serpenteando pelo barrado da varanda e aponto a cabeça, olhando em
direção a janela do meu quarto. Effy está pendurada no parapeito, rindo vitoriosa. Xingo
baixinho, ela parece conseguir ler meus lábios e aumenta o sorriso. Com o indicador,
aponta a janela de Bryan, entendo o sinal como “ele está no quarto”.
Reviro os olhos e volto alguns passos até estar em frente à porta outra vez. Última
tentativa, prometo e toco a campainha.
Encosto ao lado da porta. Espero, com a cabeça inclinada e olhos fechados para suprimir
a ansiedade. Escuto o barulho de passos descendo a escada. Quando a porta se abre, Bryan
coloca a cabeça para fora e olha para o lado oposto onde estou.
— O que foi? — indaga e viro a cabeça para vê-lo se encostar ao batente. Ele cruza os
braços e as pernas. Conheço a postura autodefensiva.
— A gente precisa conversar.
Ele infla o peito com ar. Sem dizer nada mantém o olhar impassível que já conheço. O
fluxo de ar que escapa entre meus lábios é longo e pesado. Gostaria que Bryan fosse
transparente em suas expressões assim como quando é sincero com as palavras. Engulo o
azedume na garganta, fico de lado amparando a lateral do corpo na parede.
— Não quero que você fique uma bagunça. Eu não quero ficar uma bagunça — enfatizo,
aponto para o próprio peito. Meu coração está me traindo nesse momento e minhas
palavras parecem afiadas de tão falsas. — Mas nós dois como um casal? Não vai rolar. É a
regra número um pra nossa amizade funcionar. Eu te amo. — Suas sobrancelhas estão
curvadas no vão que as separa. — E não quero perder o que nós temos por uma
paixãozinha idiota de ensino médio. Bryan, você encontrará uma garota que vai fazer que o
sentimento que você tem por mim seja um grão de areia perto do oceano que sentirá por
ela. Não quero te magoar e não quero ser magoada. Por favor, nós podemos fingir que o
beijo de sábado nunca aconteceu? Podemos ser os melhores amigos que éramos antes? Por
favor, estou implorando. Faz dois dias e já estou sentindo sua falta. Não posso ficar sem
você.
Os meus olhos ardem tanto que evito piscar. Se o fizer, as lágrimas que estou segurando
vão cair e não sei se estou pronta para me desmanchar na frente dele por isso. Minha
cabeça está confusa, mas nada se compara à desordem dentro da caixa torácica que habita
meu coração.
Mordisco o lábio inferior, aprisiono a cintura entre os braços e reprimo o tremor do
corpo quando soluço. Escuto a respiração de Bryan se tornar regular gradativamente
enquanto me assiste chorar em silêncio. Simultaneamente ao choro entalado na garganta,
ele se aproxima e envolve meu pescoço com seus braços, puxando-me para perto. Seu lábio
afunda no topo de minha cabeça e respiro, aliviando o aperto em minha garganta.
Solto os braços para abraçar sua cintura e deixo minha cabeça imergir em seu peito. Seu
coração está pesado dentro do peito; batidas frenéticas incessantes tocam minha orelha.
— Também te amo.
É tudo que ele diz. Não sei se sua resposta significa que vamos ficar bem ou que
podemos retomar nossa amizade de onde paramos, mas torço para que sim. Roço a
pontinha do nariz em sua camiseta e inalo seu perfume com força. Quero gravá-lo para não
esquecer. Acredito que os planos de irmos para a faculdade juntos ficaram com uma fratura
irreversível. Basta aceitar que, uma hora ou outra, vamos nos separar.

“É você, é sempre você
Se um dia eu me apaixonar, será por você
É você, é sempre você
Conheci muitas pessoas, mas ninguém é como você
Então, por favor, não quebre meu coração
Não me faça despedaçar
Eu sei como isso começa, confie em mim, eu já me machuquei antes
Não me quebre de novo, sou delicado
Por favor, não quebre meu coração
Confie em mim, eu já me machuquei antes”
IT’S YOU – ALI GATIE

05 de junho de 2017, às 07h32.

— A gente vai se atrasar! — grito inclinado sobre o banco do passageiro para que
Mackenzie escute da casa dela. — Enrolada! — brinco quando a vejo sair com a mochila no
ombro esquerdo.
— Desculpa — pede manhosa ao entrar no Jeep. — Se esquecesse Guerra e Paz, Effy iria
me matar!
— Vocês estão lendo esse livro?
— Estamos. É cansativo demais. — Vejo-a revirar os olhos e bufar em desgosto.
Dou partida no carro, rindo. As coisas entre mim e Mackenzie voltaram ao normal. Não
que o nosso beijo não tenha balançado as estruturas que sustentam a nossa amizade, mas
contornamos o problema e desde que ela veio até mim, dizendo que não podíamos arriscar
nossa amizade, percebi que ela estava certa sobre tudo, mas principalmente que eu estava
jogando no lixo algo especial por uma paixão que talvez nem durasse.
Meu coração ainda reconhece Mack como a sua metade, não dá para evitar. É natural
como ele muda o compasso na presença dela, estou me habituando ao gelo no fundo do
estômago e a sensação de arrepio na espinha quando ela me toca sem perceber. Sei que, em
um momento ou outro, o que sinto por ela vai desaparecer, assim como o que eu sentia por
Lilah sumiu.
Formei-me em maio na Saint Ville Prep. Optei por não me pressionar a escolher uma
faculdade imediatamente. O corpo docente e o diretor Cavanaugh organizaram uma
reunião enorme com os reitores das melhores universidades, todos interessados no meu
currículo escolar. Meus pais foram convocados e, a todo custo, tentaram me convencer a ir
para qualquer uma das universidades, não se importavam com qual, eu podia decidir. No
fim, os convenci de que não tinha ideia do que pretendia cursar. Ninguém deveria ser
obrigado a tomar uma decisão que vai definir o seu futuro aos dezessete anos. Meus pais
aceitaram, mas o diretor da Saint Ville, Harrison Cavanaugh, está decidido que meu cérebro
está sendo desperdiçado na loja de carros do meu pai. Formei com honra; a melhor nota, o
melhor aluno e provavelmente serei convocado no próximo ano para falar com os alunos
que sairão do colégio.
Mackenzie liga o som do carro. Acabei de trocar e optei por aparelho com tela. Com
indicador, desliza pelo touch em busca de uma música na playlist do pen drive.
It’s you, de Ali Gatie, começa a permear pelas caixas de som na traseira. Ela aumenta o
volume e engato a primeira. Olho pelo retrovisor e saio da vaga devagar. Mackenzie não
conhece a música, mas balança a cabeça no ritmo e bate com as mãos abertas contra a coxa.
A saia está um pouco para cima, mostrando o começo das coxas avantajadas. Limpo a
garganta, desvio os olhos para a frente e afasto a lembrança de meses atrás.
Minha mão subindo por sua perna. Sua língua áspera sugando meu lábio inferior.
Aperto o volante com força, balanço devagar a cabeça, em um movimento hostil para
embaralhar os pensamentos e voltar a mim. Mackenzie dá uma risada quando percebe. Viro
o rosto a tempo de vê-la me encarando.
— O que foi? — ela pergunta, o sorriso ainda cintilando no rosto.
— Nada.
Ela faz um bico, mas não insiste.
Pergunto-me se ela está prestando atenção a letra ou se só eu estou comparando a
música com meus sentimentos. Sinto a testa vincar. Ignoro a tensão na pele e me concentro
em dirigir.
— O que você acha de comermos aquele cachorro-quente da loja de conveniência que
meu pai trabalha?
— Pode ser.
Nós comemos lá algumas vezes no último mês. Se tornou uma rotina e mais uma das
coisas que só faço com ela.
— Tá bom. Eu te espero em casa!
— Ok. Manda um oi pra Effy por mim — peço ao estacionar na porta da Saint Ville.
Mackenzie concorda sorrindo e sai do carro com a mochila pendurada no ombro. Aceno
antes de voltar para a rua, rumo à loja de carros do meu pai.
Estou trabalhando lá desde maio. Gosto de toda a parte estrutural, entender como os
carros são feitos e a mecânica. A parte de vendas é mais com ele, fico atrás de um balcão
fazendo notas fiscais e cuidando do dinheiro; quando alguém vem até nós querendo trocar
o carro de luxo em um novo, sou eu quem cuido de tudo.
Chego antes do meu pai. Abro a loja e desativo o alarme. Vamos receber uma nova
remessa de carros luxuosos nesta semana. Estou ansioso para ver a nova Lamborghini.
A frente clara da loja está com os carros novos, em tons fortes, em exibição na vitrine. A
melhor maneira de vendê-los é colocá-los em exposição. Uma vez por mês, abrimos a loja
para test drive. As pessoas interessadas podem vir, escolher qualquer carro e passear com
eles por aí, pela cidade, até que se sintam convencidos a comprar.
O balcão da frente, na recepção, é feito com cimento coberto pelo mesmo linóleo do
chão e a superfície feita pela pedra de mármore. Uma porta ao lado nos liga ao escritório,
onde duas mesas estão dispostas. Uma minha, outra de meu pai.
Deixo a chave do Jeep em minha mesa e sento-me na frente do computador. Não usamos
uniforme, mas estamos sempre trajando roupas sociais; a camisa de botões pérola, calça
preta social e sapatos.
Assim que o computador liga, escuto a sineta da loja tocar, anunciando que alguém
chegou. Espero alguns segundos porque pode ser meu pai, quando ele não aparece à soleira
da porta, levanto-me e vou em direção à recepção.
Um garoto, não muito mais velho que eu, trajando jaqueta de couro e calça jeans escura
com uma corrente presa aos passadores está analisando um Audi preto sobre a prancha.
Coloco as mãos nos bolsos da calça e ando devagar até ele. Quando chego mais perto, noto o
piercing de argola prata preso no nariz, tatuagens cobrindo sua nuca e pescoço. Parece
perceber minha presença e se vira, com um sorriso amarelo.
— Gostei desse — fala, a voz arranha a garganta e sinto cheiro de cigarro emanando
dele. — Quanto vale?
— Quanto você pode pagar? — Ergo o pescoço, empertigando a postura. Ele faz uma
análise mental, pois me olha dos pés à cabeça com a testa enrugada e o lábio contorcido.
— Também gostei de você — ele ri, colocando as mãos tatuadas dentro dos bolsos da
jaqueta. Uma barba densa cobre todo seu rosto, fico curioso a respeito dele, mas mantenho
a indiferença. — Pago pelo valor que ele custar.
— Você vai ter que esperar. Não sou eu que cuido das vendas.
— Você não sabe nem o valor?
— Duzentos mil.
— Beleza. Vou levar.
— Como eu disse, você tem que esperar.
— Certo. Você é?
— Bryan.
— Bryan. Sou Jev. — Ele tira a mão do bolso da jaqueta e sorri de forma amigável.
Encaro a mão estendida sem corresponder. — Ah, qual é! Não me diga que você é um
desses caras que julgam pela aparência. Eu posso ter uma conta somada a um milhão de
dólares, Bryan. Você deve conhecer meu pai.
Todas as pessoas ricas de Humperville estudam ou estudaram em Humperville. Jev não
esteve lá, eu me lembraria dele.
— Não conheço.
— Adams! — Meu pai entra com os braços abertos, com um sorriso receptivo de um
canto a outro. — Espero que meu garoto não tenha sido tão hostil com você.
— Não, Sr. McCoy. O Bryan foi bem hospitaleiro, na verdade.
— Que tal um Bourbon? — meu pai pergunta, empurrando Jev para dentro da loja.
— Pai, são oito da manhã — lembro a ele, com a sobrancelha arqueada. Ambos riem. De
repente, não estou reconhecendo meu pai. Ele nunca tratou nenhum cliente assim.
— Ele ainda não tem idade para beber — conta a Jev, levando-o para mais fundo da loja.
— Vamos, filho. Você precisa me contar como anda seu pai.
Jev pisca para mim sobre o ombro, rindo diabolicamente. Não gosto da forma como age
com superioridade.

— Que merda foi aquela? — Entro abrupto no escritório, quando Jev sai com o Audi
preto do estacionamento da loja.
Meu pai larga a caneta sobre o caderno e cruza os braços na frente do peito para me
encarar. Sei o que ele está pensando; que preciso ficar quieto, na minha, porque é ele quem
comanda os negócios e ficar fora deles é a maneira mais fácil de ele resolver, mas tudo o
que aconteceu há uma hora foi fora do comum e, no mínimo, suspeito.
— Jev está se mudando para Humperville. Eu e o pai dele fizemos faculdade juntos,
Bryan. Gostaria que, num próximo encontro, você fosse mais amigável com aquele garoto.
Eles passaram por um monte de coisas nos últimos anos! A mãe de Jev os abandonou e
Fuller assumiu a responsabilidade de tudo.
— Ele não tem cara de que tem dinheiro sobrando na conta. — Aponto o indicador para
a saída. As narinas de meu pai estão infladas e minha desconfiança ganha gás.
Jev não tem dinheiro.
— Porra, pai!
— A boca, Bryan! Controle a boca! — brada, irritado. Os olhos semicerrados fuzilam
meu corpo agitado. — Tenho uma dívida com a família de Jev. Por causa dos Adams, eu
consegui montar essa loja do nada. É com o dinheiro que eles me emprestaram no passado
que consegui dar o melhor para você e sua mãe. Agora Fuller quer que eu o pague tratando
o filho como parte da nossa família.
— O que o pai dele faz? — Passo os dedos pelos cabelos.
— Fuller Adams era proprietário de grande parte das ações de um dos maiores
hospitais de Dashdown.
— Espera, o hospital Gravyer é dele?
— Era. Depois de uma reunião com os acionistas e o diretor, decidiram tirá-lo do
comando e ele não tem mais nada. Tenho uma dívida enorme com a família de Jev. Preciso
de você para pagá-la, Bryan.
Paro no meio da sala, frustrado e, acima de tudo, preocupado com o que vai nos custar
essa cobrança repentina. Meu pai tenta não demonstrar, manter o controle para ele é o
segredo de qualquer superação de crise, mas posso sentir que a preocupação dele requer
mais atenção que qualquer outra situação complicada que já enfrentamos.
— O que o senhor precisa que eu faça? — Minha pergunta é tão baixa que estou prestes
a repetir.
Ele levanta os olhos para mim. Solta o ar pelos lábios, vejo os ombros tensos relaxarem
e ele se inclina, cruzando as mãos sobre a mesa.
— Dê tudo para ele. Sem questionar. Se ficarmos juntos, em família, vamos superar isso.

Mackenzie está olhando para mim com curiosidade. Estamos sentados na mesa da loja,
comendo cachorro-quente e tomando Coca diet, mas nenhum de nós está falando. De
repente, voltei a ser o garoto introspectivo que ela conheceu dois anos atrás. Não sinto
vontade de contar sobre o que aconteceu na loja nem estou empolgado na presença dela.
Desde que saí da loja, sinto que meu pai não me contou todas as coisas. Ele não me
proibiu de tocar no assunto com minha mãe, mas estou com medo que isso a magoe, caso
não saiba. Estou nadando contra a maré e meus braços doem. Trabalhar com meu pai hoje
foi como estar ao lado de um estranho e a sensação é de que não vou conseguir confiar nele.
Há quanto tempo ele guarda essa dívida em segredo?
— Bryan, você está bem? — Mack para de mastigar o cachorro-quente para dar atenção
somente a mim.
— Estou bem.
— Aconteceu alguma coisa hoje?
Nego de novo. Dessa vez, dou uma mordida grande para ocupar a minha boca. Não
quero ser mal-educado com ela nem descontar minha frustração. Sei que só está tentando
ajudar.
Meu celular vibra no bolso da frente da calça social. Não passei em casa para me trocar.
Retiro-o de lá e vejo um número desconhecido brilhar na tela. Coloco o dedo para o iPhone
ler minha digital e leio a mensagem:

Jev: É o Jev. Seu pai me deu seu número. Podemos nos encontrar?

— O que foi? — Ela estica o pescoço até suas veias saltarem para tentar ler a mensagem.
Viro-o contra a mesa. — É uma garota? — O canto de sua boca repuxa em um sorriso
curioso. — Ah, é uma garota! — conclui quando não respondo nada.
— É — minto, coloco o último pedaço do cachorro-quente na boca e pego o celular.

Bryan: Beleza. Onde?

— Vocês nem começaram e já me sinto trocada. — Ela faz bico emburrada e reviro os
olhos com impaciência. O sorriso dela desaparece instantaneamente. — Desculpa. Ela é
tipo, ciumenta?
— É. Uma coisa assim. Preciso ir, você pode pegar uma carona com seu pai?
Mackenzie não diz nada. Anui a cabeça devagar e me levanto, indo em direção ao Jeep.

Jev: Estou encaminhando a localização.

Bryan: Chego em dez minutos.

Por cima do ombro, dou uma última olhada em Mackenzie. Ela deixa o cachorro-quente
pela metade sobre a mesa, os ombros pendem para a frente em desânimo e o rosto fica
retorcido de desgosto. Libero uma lufada densa de ar antes de entrar no carro.
“Mmm, amor, eu não entendo isso
Você está mudando, eu não suporto isso
Meu coração não pode suportar esse dano
E do jeito que me sinto, não posso suportar isso
Mmm, amor, eu não entendo isso
Você está mudando, eu não suporto isso
Meu coração não pode suportar esse dano
E do jeito que me sinto, não posso suportar isso
Mmm, amor, eu não entendo”
CHANGES – XXXTENTACION

27 de outubro de 2017, às 15h15.

Estou sentada com a mão entrelaçada entre as pernas. Minhas panturrilhas estão
tremendo, meu coração oprimido dentro do peito e nem sei como consigo respirar. Tem
muitas palavras não ditas no ar; desconfiança, medo, angústia e pesar. O silêncio
constrangedor está roubando o que Bryan e eu tínhamos. E o que nós tínhamos era incrível
em um nível que não dá para se medir. Havia cumplicidade entre nós. Não existia nada que
não pudéssemos contar um para o outro; nada que nos impedisse de ser o que gostávamos.
Éramos melhores amigos, companheiros e tinha certeza de que acabaríamos indo para a
faculdade juntos. Talvez, depois daquele beijo, tudo tenha mudado entre nós. E dentro de
mim também. Mas isso, à essa altura do campeonato, pouco importa para ele.
Meus olhos estão ardendo, queimando em dor. Chorei os últimos trinta minutos. Desde
que entrei no Jeep, ele tem me tratado com frieza e, de novo, indiferença. Esse
comportamento hostilizado já não fazia mais parte de Bryan há tanto tempo, que foi como
ver duas personalidades em uma única pessoa. Então, assumo a culpa. Eu o beijei. Eu
estraguei nossa amizade. Eu fiz que chegássemos à essa merda que sufoca e machuca. Ele
mudou. Eu mudei. E errei quando acreditei que tínhamos superado.
Há uma música baixa escapando das caixas pequenas de som. Ele ligou para dispersar a
tensão, talvez fingir que, por causa do barulho, não consegue escutar que estou soluçando.
Costumava evitar chorar na frente dele, mas, quando aconteceu pela primeira vez, foi como
se uma ruptura houvesse surgido e agora não tenho mais vergonha de externar tudo o que
sinto. É péssimo. Eu me sinto frágil e fraca, incapaz de controlar as próprias emoções
enquanto ele se tornou uma pedra insensível.
Começo a me questionar como teria sido se tivéssemos namorado. Se tivesse aceitado
me envolver com ele além da amizade. Eu poderia ter tentado, então não o perderia. Ele
não sucumbiria na raiva, na aversão que criou de mim. Sinto-o chateado o tempo todo;
cansado e impaciente. Ele não é mais o Bryan que conheci. Está tudo errado, fora do lugar e
não faço ideia de como chegamos a isso.
Delineio as pregas da saia. As mangas do meu uniforme estão sujas com massa de bolo.
Não consegui me trocar a tempo, Bryan chegou e buzinou, saí com pressa, com medo que
ele perdesse a paciência e fosse embora outra vez. Já não falo com ele há semanas. Sinto
falta dele. Sinto muita falta dele.
— Mackenzie, não quero ser rude, mas eu tenho um montão de coisas pra resolver —
fala, ríspido. Sequer olha para mim.
Deus, quando foi que nós nos tornamos tão ruins um para o outro?
— Vou com você. — Enxugo o rosto com o dorso da mão, puxo o cinto de segurança e o
prendo. — Você não vai à loja. Eu perguntei pro seu pai hoje de manhã. Você já não vai há
semanas — cuspo em tom acusatório, Bryan se mexe quando percebe que descobri que ele
está mentindo. Que está mentindo há três semanas. Ele está me evitando e não assume.
Começou há quatro meses. Descobri que ele estava saindo com uma garota, que nunca
fui apresentada e não faço ideia se eles ainda estão juntos.
Estávamos sentados na loja de conveniência onde meu pai trabalha, comendo cachorro-
quente, mas o senti distante. Frio. Alguma coisa ali não estava certa. Porém, os meses foram
passando e tudo ficando cada vez pior. Bryan se distanciou, não retornava minhas ligações.
Era como se quisesse cortar todo e qualquer contato comigo e não sei o porquê, no entanto
comecei a acreditar, de um tempo para cá, que pode estar relacionado ao nosso beijo.
Talvez tenha se arrependido de continuar próximo de mim e queira voltar atrás.
Mas se for o caso, quero que me diga e não que fuja de mim como tem feito.
— Não, você não vai. — Ele encara o cinto preso e com pressa, o solta. — Sai do carro.
— Não vou sair. Não até você me contar o que está acontecendo!
Ele pressiona os lábios com raiva.
— Você tá testando a minha paciência.
— Você é que tá testando a minha paciência! — grito, irritada.
Por que ele sempre faz isso? Quando começamos a conversar, eu o pressiono, ele se
irrita e acabamos brigando. Ele vai embora irritado. Eu ligo para ele a noite toda e ele
recusa cada uma delas. Some por dias e só fala comigo depois que o venço no cansaço.
— Você disse que estava doente! — ele acusa, abrupto, apontando o dedo no meu rosto.
Afasto o corpo para encará-lo.
— É. Se eu não tivesse mentido, só Deus sabe quando eu te veria de novo. Você mudou
— analiso, olhando para ele. A postura austera, a roupa relaxada e os cabelos
desgrenhados. Não tem nada a ver com a aparência, mas a personalidade irritada e
impaciente; a falta de ânimo e sua ausência. — É a garota que você conheceu?
— Que garota, Mackenzie?
— Aquela que você estava falando no telefone, há quatro meses!
— Sério? Você está com ciúmes agora? — Não respondo. Ele continua me encarando,
esperando por uma resposta. — Quer saber? Você venceu. — Estende as mãos em rendição
e as bate contra o volante antes de ligar o motor do carro. O ronco é alto, principalmente
porque ele está acelerando mais que o necessário. Afundo os dedos no banco quando ele
arranca, meu corpo é jogado para trás com o impulso. — Você vai comigo.
Não reclamo. Se for para entender o que está acontecendo com ele, eu vou.
Bryan aumenta o volume da música. Changes, de XXXTENTATION, está batendo contra
meus tímpanos. A música é lenta, o piano penetra minha cabeça e meu cérebro dá um nó.
Comprimo os lábios, sentindo o enjoo na boca do estômago.
— Bryan, vá mais devagar — peço, olho para a velocímetro e o medo se espalha pelo
meu corpo. — Vou vomitar — anuncio, curvando o corpo para a frente, mas nada sai.
— Você está bem? — O tom preocupado chama minha atenção. Ele diminui a velocidade
gradativamente, até que o carro esteja a sessenta por hora.
— Vou ficar.
Ele assente quando me recomponho. Estamos no mais distante do centro de
Humperville, no subúrbio afastado e uma nuvem densa escura cobre parte daquela cidade
como se estivesse intoxicada. Desde criança, meus pais disseram que andar pela região
norte da cidade era brincar com fogo.
Fico olhando para as casas e os prédios com tinta descascada; o gramado mal cortado, a
relva verdinha do meu jardim parece o paraíso comparado à grama seca, que se alastra pela
rua. Parece que uma parte da cidade que foi abandonada.
O carro para em frente a uma casa com porta vermelha, maçaneta dourada e degraus
gastos. Uma das tábuas está solta, quando o garoto recostado ao pilar de madeira que
sustenta o telhado, pisa no degrau ela se levanta alguns centímetros.
— Fica dentro do carro.
— Por quê?
— Estou implorando. Não sai daqui.
Concordo, balançando a cabeça positivamente.
O garoto para no meio do caminho, sendo bloqueado por Bryan. A trilha estreita feita de
cimento está suja com bitucas de cigarro, na sombra, não havia percebido, mas ele está
fumando e segura pela alça uma mochila preta na mão esquerda. Ele ri alto de algo que
Bryan fala, mas ele não retribui. Empertigo o corpo quando o vejo. O cara é ruivo, fios
enroladinhos como macarrão e sardas salpicadas nas bochechas, em grande parte no osso
do nariz. Poucos fiapos de barba ruiva contornam o rosto pálido do garoto.
Ele olha diretamente para mim, por cima dos ombros de Bryan. Meu amigo grita alguma
coisa para o garoto e ele ri mais uma vez, porém, mais alto e nítido. Estou com a mão no
botão para descer o vidro do Jeep e escutar a conversa, mas antes que o faça, Bryan olha
para trás, repreendendo-me. O ruivo, cuja postura ficou mais relaxada ao me ver, gargalha
zombeteiro e falando aos sussurros.
Bryan puxa a mochila com aspereza da mão dele e, como uma ameaça, aponta o
indicador para o rosto do garoto maltrapilho; suas roupas estão sujas de graxa e a calça
jeans clara rasgada no joelho.
— Quem é esse cara? — questiono assim que ele toma seu lugar atrás do volante. Ele
coloca a mochila no assoalho entre as minhas pernas. Parece pesada.
— Ninguém importante. Só... esquece que você o viu. Não devia ter trazido você nesse
lugar de merda. — Outra coisa sobre Bryan: ele raramente fala palavrões, mas agora é tão
comum que se tornou parte dele. — Desculpa, Mack. — Ele parece mais calmo e sua voz
está carregada com sinceridade.
— Por que você está vindo a esse lugar de merda?
— Eu tenho um amigo que mora aqui. O Dave é mecânico. — Gesticula com o queixo
quadrado em direção ao ruivo que esfumaça o ar com o cigarro.
Ele acena para mim quando Bryan sai da vaga e, em um ímpeto de raiva, Bryan ameaça
passar por cima dele com o Jeep. Dave pula alguns passos para trás, para que as rodas não
atinjam seu pé e mostra o dedo do meio.
— Desculpa. Não queria ser grosso mais cedo, estou com a cabeça a mil.
Bryan não está prestando atenção em mim, na verdade, não tenho certeza se as suas
palavras são verdadeiras. Fico o encarando de esguelha, estreitando o olhar entre seu corpo
soturno e a mochila pesada nos meus pés. Quero descobrir o que está acontecendo com ele,
algo me diz que as respostas estão dentro dessa coisa.
Então, tomo a decisão mais inesperada. Pego a mochila com pressa, por um instante
penso que não vou conseguir erguê-la, uso as duas mãos e a coloco entre as coxas. Bryan
escuta o barulho, arregala os olhos quando se dá conta de que estou prestes a abri-la. Ele
estica a mão para pegar de volta, mas bato nele para afastá-lo.
— O que você está fazendo?! — grita, tentando alcançar a alça da mochila.
Mas é tarde demais. Abro o zíper, mesmo com a mão trêmula. Dentro desta mochila
encontro coisas que nunca imaginei que Bryan estaria envolvido. Pacotinhos de maconha,
cocaína e pílulas azuis estão cobertas por um plástico bolha. Viro a mochila de cabeça para
baixo, deixando que ela vomite todos os segredos dele na minha cara. Por último, e o que
mais me assusta, um revólver despenca no assoalho emborrachado do Jeep como se
pesasse uma tonelada. O barulho é ensurdecedor, fere minha alma. Um soluço entalado em
minha garganta ganha vida.
Encaro Bryan. Estou assustada, com medo dele.
— Não é minha. Eu juro. — Ele fica desviando entre as ruas e a minha mão que voa em
direção a arma. Eu a levanto no ar para olhá-la, seguro-a pelo cabo com a ponta dos dedos.
— Solta isso! — exige e estica o braço para tentar recuperá-la. — Porra, Mackenzie, coloca
tudo de volta na mochila! Agora!
— Não! Você ficou maluco? Que monte de merda é essa? — Aponto para toda a droga
espalhada, sacudo o revólver na mão para mostrar a ele. — Você pode ser preso!
— Já falei que não é minha!
— É do Dave? É com ele e os amigos dele que você tem andado?
Ele não responde. Está encolhido atrás do volante, cabisbaixo.
— Que droga, Bryan, é a mesma coisa! É como se fosse sua!
— Não, não é! — grita, seu rosto está ficando vermelho e vejo as veias em sua testa
ganharem evidência. — Solta isso logo, Mackenzie. Você não sabe manusear uma arma, ela
pode estar carregada!
— E você sabe? — disparo, forço minha voz a se manter firme e inabalável.
— Não. Nada disso é meu. Eu juro, Mackenzie, não é meu. Nada.
Eu não acredito nele. Por que eu deveria?
Ele faz uma nova tentativa de pegar a arma e sem perceber, Bryan puxa o volante junto,
perdendo o controle do carro.
Nós giramos.
Giramos.
E giramos mais algumas vezes.
Meu estômago embrulha e minha cabeça lateja com o impacto. Vejo o corpo de Bryan
sacudir ao lado do meu. Um baque de ir e vir. O gosto de sangue em minha boca se alastra à
medida que o carro diminui a velocidade e, enfim, para. Arregalo os olhos sem entender o
que acabou de acontecer. O som estrondoso ganha replay em minha mente. Nós batemos
em alguma coisa? Meu Deus. Nós batemos em alguém?
Pisco para que meus olhos voltem ao foco. Tem uma árvore diante de mim, o capô do
Jeep repartido ao meio pelo impacto voluptuoso com o tronco grotesco dela. Olho para o
lado, tentando abrir a porta, mas não consigo. Então, procuro por Bryan. Ele está
desmaiado, um filete de sangue escorre por entre os fios de seu cabelo, a bochecha
amassada contra o volante. Meu primeiro instinto é gritar por ajuda. Estou presa, Bryan
está desmaiado e não consigo alcançá-lo para ter certeza de que ainda está respirando.

Não sei o que o delegado Ryan McCoy espera que eu diga. Minha cabeça está latejando,
não consegui ouvir metade das coisas que ele disse. Exceto, claro, quando esclareceu que
Casey McCoy era seu irmão e Bryan, seu sobrinho e afilhado. Fiquei olhando para o
brutamontes a minha frente, ele é esguio, com músculos que se evidenciam por baixo da
camisa social. Fixo os olhos em outro ponto porque não quero olhá-lo nos olhos. Só queria
saber de Bryan e ir para casa, mas estou sentada naquela cadeira de ferro, encolhida como
se pudesse me fundir a ela.
O sangue em meu rosto está seco, as feridas do impacto ardem com o suor que escorre
do meu couro cabeludo e tem graxa no meu corpo, que não sei como consegui me manchar.
— Vou perguntar de novo. — Ele se aproxima, sentando-se à minha frente. As mãos se
cruzam entre as pernas longas. — Onde vocês conseguiram as drogas e a arma? — Minha
primeira reação é fechar os olhos. Não quero responder. Não tenho certeza de onde elas
vieram, minha mente está em completa desordem desde que saí do hospital. Apesar de ter
sido liberada pelo médico, meu tórax continua dolorido e o topo de minha cabeça lateja
quando faço esforço. — Mackenzie, não posso te ajudar se não me contar a verdade. Bryan
perdeu o controle do carro. Vocês bateram em uma árvore na Avenida Powell. Conheço
aquele caminho e sei para onde aquela avenida leva.
Quero contar a ele sobre Dave, dizer as características claras, ele é padrinho de Bryan.
Ele pode ajudá-lo. Pode trazê-lo de volta. Ele pode me ajudar. Repito até que a mensagem
fique gravada em meu cérebro.
E se Bryan estiver viciado em drogas? Se ele morrer como Sebastian? O pensamento me
assombra. A respiração leve de antes fica irregular, sinto minhas pupilas saltarem.
Não posso perdê-lo. Preciso ajudá-lo.
— Não são minhas. — Estalo a língua quando sinto o ácido em minha saliva queimar a
boca. — Não são — insisto e puxo os cabelos para trás. Os fios ficaram grossos com o
sangue seco.
— Tudo bem, acredito em você. São de quem?
— Eu não sei.
— Mackenzie.
— Eu. Não. Sei — repito pausadamente e, dessa vez, encaro o homem a minha frente.
Ryan tem cabelos loiros, como os de Bryan, uma barba rala no mesmo tom e olhos azuis
como os de Casey.
— Casey me contou que você e Bryan são próximos, que, se existe alguém que conhece
meu sobrinho do avesso, esse alguém é você. Você entende que a sua situação pode ficar
crítica se for presa? Bryan já se formou no colégio e talvez nunca vá para a faculdade, mas
você — ele curva o corpo em minha direção, querendo que eu volte a atenção dos meus
olhos para o seu rosto — ainda nem começou, não é, Mackenzie? Ainda tem dois anos na
Saint Ville Prep, isso, se conseguir sair daqui sem um processo por porte ilegal de arma,
venda de drogas...
— Eu não vendo nada! — grito, irritada.
— Mas Bryan sim, não é? Acobertar um traficante também é crime, Mackenzie.
Meu Deus, por que isso está acontecendo?
— Bryan não...
Mas paro, sou interrompida pelo pensamento inquietante que é Bryan se corrompendo
a esse mundo. Eu posso salvá-lo, posso evitar que o pior aconteça. Consigo fazer por ele o
que não fiz por Sebastian.
— Como ele está?
— Vai sobreviver. — Ryan se levanta da mesa e a contorna, sentando-se à cadeira atrás
da superfície plana. Mesmo sentado, ele continua onipotente e imperioso. Engulo a secura
na garganta. — Não se preocupe, ele irá para casa assim como você depois de ser
interrogado. — Quando não digo nada, ele estufa o peito e sopra o ar com impaciência. —
Se ele está com problemas, vou fazer o que está ao meu alcance para ajudá-lo a resolver.
Puxo um longo fluxo de ar para os pulmões. Inflo o peito e solto devagar pela boca
entreaberta. Ergo a cabeça em direção ao detetive McCoy. Detenho a ânsia de despejar tudo
que sei, porque estou prestes a entregar Bryan para a polícia e não quero cometer nenhum
erro que possa comprometê-lo mais que o necessário. Só preciso dizer tudo o que sei, que é
quase nada, e Ryan fará o resto para ajudar Bryan.
Tem um papel preso em uma prancheta à minha frente. Tenho que escrever tudo que
sei e assinar embaixo, responsabilizando-me caso dê um depoimento falso.
Pego a caneta ao lado e começo a escrever. Conto tudo. Lembro de Bryan há quatro
meses, como ele mudou desde então. O reencontro com Lilah. O seu desaparecimento.
Minha mente traiçoeira, então, me leva para mais longe.
Lilah chorando sob a chuva. Sebastian morto. Bryan me consola. Várias lembranças se
mesclando e fazendo confusão em minha cabeça. Não tenho certeza se o conheço de
verdade, se tudo foi ilusão, se a sua postura de indiferença era um jeito de manter as
pessoas afastadas do seu verdadeiro eu.
Comprimo os lábios quando começo a escrever sobre hoje; o encontro com Dave, Bryan
diz que não é dele, mas não acredito. Nós brigamos. Eu peguei a arma, portanto é possível
que tenha minhas digitais nela. Encaro as drogas sobre a superfície da mesa, minha visão
perde o foco com as lágrimas. Pisco para limpá-las e volto a escrever; assim que termino,
coloco minha assinatura embaixo de todo o texto e deixo a caneta cair da mão sobre o
papel. Minha letra não está bonita como costuma ser, é indistinta e confusa, mas está tudo
lá.
— Preciso te fazer algumas perguntas e posso te liberar. Você está de acordo? — Não
sei por que a polícia ainda usa gravadores, mas Ryan o coloca sobre a mesa, ao lado da
arma que está dentro de um saco plástico lacrado. Puxa o depoimento que acabei de
escrever para perto e passa os olhos pela letra desalinhada.
— Sim.
— Ótimo.
— Você notou alguma mudança de humor em Bryan recentemente?
— Sim. Ele anda irritado.
— O homem que relatou aqui. — Ele olha para a folha que acabei de entregar. — Você já
o viu antes?
— Não.
— Você acredita que Bryan possa ser o dono da arma?
— Sim.
— E as drogas?
— Acho que sim.
— Você acha ou tem certeza?
— Eu... não tenho certeza se Bryan comprou as drogas para usá-las ou vendê-las, mas
são dele.
— Você estaria de acordo em depor no tribunal?
— Tribunal? — Levanto o queixo, espantada. Ryan faz o mesmo. — Por que eu
precisaria depor no tribunal?
— Caso a promotoria resolva levar Bryan à julgamento.
— Não vou depor contra ele.
— Senhorita Wilde, se não depor contra Bryan McCoy no tribunal por vontade própria,
a promotoria tem o poder de intimá-la mesmo contra sua vontade.
— Por que você está tentando ferrar com o próprio sobrinho? — explodo e em um
rompante, estou de pé. A cadeira sai do lugar, o barulho alto faz com que Ryan tenha a
mesma reação. Ele se levanta, cruza os braços evidenciando os músculos sob a camisa. —
Eu pensei que você quisesse ajudá-lo!
— O meu trabalho é garantir que garotos como Bryan não interfiram nessa sociedade e
a intoxiquem com suas escolhas erradas. O homem que você descreveu? David Mason? Ele
tem uma ficha criminal bem extensa. Poderia me sentar aqui e tentar convencê-la de que
Bryan é tão criminoso quanto Dave. — Ryan se levanta, apoia a ponta dos dedos na mesa e
me encara. — Você parece ser uma boa garota, Mackenzie. Então, escute meu conselho:
para o seu próprio bem, fique longe dele.
— Você não quer ajudá-lo, quer prendê-lo!
— Quero manter a cidade de Humperville segura, sem esses marginais. E, se isso quer
dizer prender o meu afilhado, é exatamente o que farei. Graças ao seu depoimento e as
provas — aponta para as drogas e a arma exposta na mesa —, pode ser possível que
consigamos. Obrigado por ajudar a polícia de Humperville, Srta. Wilde. Você está liberada.
— O delegado está sorrindo debilmente, debochando da minha inocência.
Não consigo me mover e não saio da sala. Desabo na cadeira depois que Ryan dá as
costas para mim e ruma para outra direção. Estou com tremores em todo o corpo, sem
entender o que acabou de acontecer.
Ryan não está completamente errado. Se Bryan está mesmo vendendo drogas e
andando por aí com uma arma sob as roupas, alguém precisa pará-lo, mas não pensei que
seria eu a pessoa que o entregaria.
As lágrimas escorrem dos meus olhos deliberadamente. Não controlo como costumo
fazer. Estou sozinha naquela sala, reprimindo a ânsia de vômito e oprimindo soluços na
garganta, mantendo o choro silencioso. Cubro a boca com a mão espalmada, abafando um
grito de angústia que insiste em fugir.

“Nós sempre entramos nisso cegamente
Eu precisei te perder para me encontrar
Esta dança estava me matando suavemente
Eu precisei te odiar para me amar, sim”
LOSE YOU TO LOVE ME – SELENA GOMEZ

07 de junho de 2019, às 12h23.

Quando tinha quatorze anos perdi uma das pessoas mais especiais para mim. Sebastian
Linderman preenchia meu coração de um jeito que me fazia achar que poderia explodir se
gostasse ainda mais dele. Pensei, naquela época, que não haveria ninguém capaz de
preencher o vazio que ele deixou. No dia 22 de abril de 2015, Seb cometeu suicídio. Nunca
passou por minha cabeça que alguém teria coragem de fazer algo assim. Tirar a própria
vida parece tão… insano. É perturbador imaginar que eu estava lá, ao lado dele o tempo
todo, sem fazer ideia do caos em sua alma.
Naquela época, para ser feliz, eu precisava de tão pouco que nem me dei conta. Hoje eu
entendo que naqueles anos estava feliz, satisfeita e fazendo planos. Se eu soubesse que
estaria aqui agora, acho que teria feito escolhas diferentes.
Por exemplo, não teria cortado meu cabelo nem o descolorido. Aos dezesseis anos, meus
cabelos eram compridos até a cintura, em tom mel. Hoje, aos dezoito, bate sobre os ombros
e está mais claro, algumas mechas mesclam em tons claros e escuros. Quis mudar assim que
me mudei de Humperville para Brigthtown.
Moro com tia April há quase dois anos. Essa não é uma das coisas de que me arrependa,
talvez a saudade que senti dos meus pais seja um fato a ser considerado, contudo, diverti-
me muito com a irmã da minha mãe. Ela fez com que eu esquecesse os incidentes por um
tempo.
Solto uma lufada extensa de ar, inflo as narinas enquanto encaro a estrutura de ferro
preta com detalhes em vermelho, lembrando a estação de King’s Cross. As pessoas passam
despercebidas, empurram meus ombros e a minha mala velha de courino marrom.
O elastiquinho de silicone preto envolvendo meu pulso é a única coisa que está a meu
favor nesse momento. Desde que peguei o avião em Brigthtown oito horas atrás e vim
andando até a estação Torn’s Ville de Dashdown, puxo e o solto. Adquiri essa mania poucas
semanas depois de ter deposto e mandado Bryan McCoy para a cadeia.
O que a doutora Evanna Grey disse mesmo? Esses pensamentos de autopiedade não
favorecem minha autoestima, preciso superar. Passar por cima disso.
Sacudo a cabeça para forçar a ideia de ter ferrado com a vida de Bryan, embora não
quero e não vou pensar nisso.
Puxo o elástico o máximo que consigo e o solto. A pele fica vermelha no lugar onde
acerto, mas não me incomodo. É o único jeito de passar menos tempo pensando no passado
e me concentrando mais no que preciso fazer agora. Minha psicóloga diz que vou superar
isso quando conseguir resolver as questões pendentes, mas ainda não me sinto pronta para
enfrentar nada. Fugir foi a forma que encontrei para me estabilizar emocionalmente depois
de um balde de água fria atrás de outro.
Concentro-me no relógio pendurado sobre minha cabeça. O trem para Humperville sai
às 13h.
Não teria voltado para Humperville se não fosse por Molly Duncan. Pensar nela sufoca
meu coração. Engulo o choro na garganta – ainda odeio chorar – e faço um coque no cabelo
para me distrair.
Molly faleceu.
Mamãe ligou ontem à noite para contar. A voz sonolenta, embargada pelo choro, ainda
ecoa em meus ouvidos. Os soluços tímidos dela ficaram gravados na minha mente e, desde
que ligou, não paro de pensar. As pessoas, às vezes, só adoecem e morrem. Com Molly foi
assim.
Nós conversávamos por telefone todos os dias, desde que fui embora. Ela me
incentivou, mais do que qualquer um, que precisava sair da cidade se quisesse me curar;
Molly dizia que você não pode se curar no ambiente em que adoeceu. Segui seu conselho e
ela tinha toda razão. Um ano depois não tinha mais pesadelos com Sebastian nem estava
obcecada por Bryan, entrando em suas redes sociais a cada segundo só para ter certeza de
que estava bem. A minha recaída foi quando ele me bloqueou. Então soube que tudo entre
nós tinha acabado.
Duas semanas atrás, quando liguei para a casa dos Duncan, Jasper deu a notícia: Molly
tinha sofrido arritmia e estava no hospital, o estado era grave e os médicos já tinham dado
a notícia, a família podia visitá-la para uma despedida. Não consegui ir a tempo, tentei me
convencer de que não fui porque estava sem tempo, acabei de me formar e estava voltando
de viagem, mas, no fundo, sei que foi por covardia. Estava com medo de voltar e
reencontrar a bagunça que abandonei quando fui embora. No final, tornei-me uma nova
Lilah na vida das pessoas que eu amo.
O relógio marca uma hora da tarde e o trem faz sua primeira chamada para os
passageiros, soltando uma nuvem espessa de fumaça escura.
Eu me levanto arrastada, sentindo o peso nos ombros por estar prestes a colocar meus
pés na pacata cidade de Humperville. Encarar Jasper, dar uma desculpa por não ter estado
ao seu lado quando ele mais precisou. Rever meus pais, pedir desculpas por ter ido embora,
mesmo que com o consentimento deles e Nate, que ainda não me perdoou por tê-lo
deixado. Não tenho nem certeza se Effy quer me ver, afinal acabamos nos afastando com a
distância. Não voltei nenhum dia depois de 03 de novembro de 2017. Nem para as férias. E
eu nunca telefonei.
Qualquer pessoa com o mínimo de sentimento por mim ficaria arrasado com as
decisões que tomei. Embora tenham sido difíceis, foram necessárias para o meu próprio
bem. Como diria minha psicóloga, Evanna: “para o nosso próprio bem, devemos ser
egoístas algumas vezes”. Só entendi Lilah quando precisei seguir os mesmos passos que ela.
Meu companheiro de cabine fica com os olhos no notebook sobre o aparador; ora ou
outra, bebe um gole do seu chá gelado. Pelo tédio, fico tentada a dar uma olhada no que ele
tanto presta atenção na tela. Devia ter pensado nisso e trazido meu notebook, porém o
plano é passar apenas o fim de semana em Humperville e voltar na segunda de manhã, para
visitar as universidades de Brigthtown. Estou decidida a estudar jornalismo em qualquer
faculdade que me deixe o mais longe possível da minha cidade natal.
Plugo os fones de ouvido no celular e os ajeito nos ouvidos. Coloco a playlist no aleatório
e a música The Robbers, de The 1975, ressoa. Fecho os olhos para encostar a cabeça no
descanso. Estou acordada há doze horas e preciso dormir se quiser participar da cerimônia
fúnebre de Molly.
Pego no sono em poucos minutos e só acordo com a movimentação no vagão.
Abro os olhos devagar para escrutinar a balbúrdia em volta de mim. Pisco algumas
vezes para me acostumar à claridade. Empertigando o corpo, percebo que o homem que
estava ao meu lado já pegou suas coisas e saiu.
Começo a juntar as minhas: a bolsa de ombro, a jaqueta jeans que estava usando em
cima do vestido preto de alcinhas finas. Visto-a e amarro o cadarço dos coturnos pretos
desbotados, ajusto a meia-calça arrastão que ficou desalinhada e sigo em direção ao fluxo
de pessoas que caminham para a saída.
Assim que coloco os pés para fora, vejo papai. Ele está exatamente como dois anos atrás
– exceto pelas bolsas arroxeadas e protuberantes abaixo dos olhos –, cabelos castanho-
claros, olhos verdes e uma barba rala contorna seu rosto.
Papai perdeu o emprego como gerente na loja de conveniência no ano passado e está
trabalhando como garçom em um buffet para casamentos, isso explica as olheiras intensas
circundando os olhos.
Ele está lindo vestido com trajes sociais; a calça preta meio surrada não diminui sua
elegância.
Meu coração pulsa, bombeando sangue em efervescência para todo meu corpo. Sinto a
saudade em cada pico. Não vejo a minha família há muito tempo, sei que a culpa é minha e
tudo que quero é poder abraçá-lo.
Caminho devagar para sua direção, aumento a velocidade dos passos gradativamente
até que minhas pernas criem aceleração e, em poucos segundos, estou correndo.
A mala pesada impede que eu vá mais depressa, a bolsa bate em minha coxa,
atrapalhando meus passos e, quando estou perto o suficiente, meus pés impulsionam meu
corpo para cima em salto. Largo tudo no chão.
Envolvo seu pescoço, afundo o rosto na curva que o liga ao seu ombro direito e fico em
silêncio. Meu nariz roça na gola da camisa social, o perfume instaurado no tecido faz com
que me lembre da alergia e afasto para não começar a espirrar em cima dele. Papai devolve
meu abraço com o mesmo calor de intensidade. Sinto meu corpo suspender, fico no ar por
alguns segundos, sustentada por seus braços ao redor da minha cintura.
Quando o chão toca a sola dos meus pés, afasto-me mais e estudo seu rosto de perto.
Papai ganhou uma cor. A pele está mais bronzeada do que me lembrava. Pode ser que
tenha trabalhado no fim de semana passado, em um casamento ao ar livre sob o sol.
Com carinho, estica a mão para tocar meu rosto, esfrega com delicadeza o polegar
abaixo das pestanas e sorri.
— Você está linda — comenta, com a voz sussurrada. — Nem acredito que está aqui,
Mackenzie. — Com os lábios entreabertos, solta um fluxo longo de ar. — Senti sua falta.
— Também senti. — Seguro sua mão e a aperto com força.
Fiquei ensaiando esse reencontro com a minha família por quase dois anos. Em todas as
vezes que mentalizei me encontrando com meu pai, sentia uma lacuna em nossas
conversas, como se não pudéssemos mais falar sobre qualquer coisa como antes, porque o
fato de eu ter ido embora, foi como desistir de tudo. Inclusive do que era importante para
mim.
Foram dias longos, intensos e de difíceis decisões. A ideia partiu de mamãe, porque,
desde que a polícia levara Bryan preso, não consegui dizer uma palavra sequer. Não que
não quisesse dizer aos meus pais e Nate como estava me sentindo, só… não conseguia. Por
mais que abrisse a boca, forçasse as palavras a saírem, não consegui. Havia um grito
entalado na garganta, que doía e obstruía a passagem de ar aos meus pulmões. Tive noites
insones e com falta de ar, respirava pela boca e fazia um barulho esquisito quando o ar
escapava pelas vias respiratórias. Tudo isso causado pela culpa e, claro, pesadelos onde
Bryan apontava aquela arma para mim.
— Sua mãe e seu irmão estão nos esperando na igreja — diz ao se inclinar para pegar a
mala que deixei no chão para abraçá-lo. — Você… está bem?
— Estou bem — garanto com um meneio de cabeça. — De verdade — insisto, porque
seu olhar enviesado diz que ele não acredita em mim. — Pai, eu juro — dou uma risada
baixinha, seguro a alça da bolsa para dissipar a tensão nas mãos e o acompanho lado a lado.
— Não tenho mais pesadelos nem fico estressada. Me mudar para Brigthtown foi a melhor
decisão que poderia ter tomado — confirmo com veemência.
— Sua tia, como ela está?
— Chorando! Ela acha que nunca mais vou voltar para Brigthtown e vocês vão me
roubar dela — continuo sorrindo, porque pensar em tia April me conforta. Ela tem sido
mais do que uma “tia”, tem sido minha melhor amiga e mãe.
— Ela quem nos roubou. — Papai entorta os lábios em uma careta ao abrir a porta de
trás da minivan para colocar minha mala. Eles não tinham uma antes de eu ir embora. —
Jasper vai ficar feliz em te ver. Ele estava contando os dias pra você chegar. Uma pena que
não conseguiu voltar antes.
— E a Effy? — pergunto mordendo o lábio inferior. Ela deve me odiar por ter me
afastado. — Como ela está?
— Nós a vemos com a mãe aos domingos, na igreja. Ela está mais que bem. — Ele sorri
ao tomar seu assento atrás do volante. — Se formou com honra na Saint Ville Prep, foi
oradora da turma e tudo o mais — conta distraído, nem percebe que estou segurando a
língua e pressionando os lábios com firmeza para evitar perguntar sobre Bryan. — Mas não
muito feliz com a sua decisão de ir embora e cortar contato.
— Acha que ela vai me perdoar?
— Acredito que, assim que vir você, vai esquecer o motivo de estar chateada. Você
precisou ir embora, Mackenzie. Entendo que foi uma decisão difícil. Para mim, sua mãe e,
principalmente, para você.
— Obrigada, pai.
— Estou feliz que você tenha vindo, Mack. De verdade. — Ele estica a mão e toca meu
joelho, apertando-o docilmente. Abro um sorriso amistoso e retribuo seu aperto.
— Pena que algo tão ruim precisou acontecer — murmuro franzindo a testa e fazendo
careta.
— Lembra-se de que uma vez te disse que não importa como, quando e nem onde, as
coisas simplesmente acontecem? — Aceno com a cabeça. — O momento de Molly chegou.
Ela sempre foi muito grata por você e Nate terem sido os filhos que ela e Jasper não
tiveram. Acredite em mim, filha, Molly te amava e sabia que estar aqui depois do que
aconteceu era difícil pra você. Ninguém vai te julgar.
Quero ficar confiante, acreditar nas palavras dele, mas a sensação que tenho é de que
nem todas as pessoas a minha volta vão compreender meus motivos como a minha família.
Nem mesmo Nate aceitou a minha partida; ele entendeu minhas escolhas como abandono e
parou de falar comigo três meses depois que fui embora.
No fundo, sei que não está completamente errado.

Eu não sabia que Molly conhecia tantas pessoas. A igreja está lotada. Passo olhos pelo
ambiente, estudo as pessoas atentas ao padre no altar, diante do púlpito, fazendo suas
orações; os agradecimentos pela vida de Molly e tudo o que ela significou para aquele
mundo e a nossa comunidade.
Humperville não tem mais que cinquenta mil habitantes e, comparada à Dashdown – a
cidade vizinha – e Brigthtown, ela é minúscula. Mesmo assim parece que a cidade inteira
está diante da fotografia em tamanho de pintura e o caixão aberto. Rosas brancas
circundam o corpo e vejo a cabeça branca de Jasper ao ficar na ponta dos pés para tentar
encontrar minha mãe e Nate. Meu pai cruza os braços, recosta à parede e entendo que nós
não vamos entrar no meio dessas pessoas.
Continuo perscrutando o lugar, em busca de um rosto conhecido. Esperava ver Effy,
pois ela não morava muito longe de Molly e a visitou algumas vezes comigo e Nate, porém
não a encontro.
Detenho o olhar no homem de terno azul-marinho, com gravata na mesma tonalidade e
camisa branca. Os cabelos loiros úmidos, penteados para o lado esquerdo. O tecido de grife,
os homens com escutas e ternos elegantes feitos sob medida chamam atenção, entretanto
parece que sou a única que acha a presença dele nesta igreja algo estranho. Ninguém está
olhando para aquela direção.
— Por que Thomas Linderman está aqui? — sussurro para o meu pai, ressentida.
Lembro do memorial que preparamos para Sebastian e ele sequer esteve presente por
vontade própria; era tudo sobre política com ele.
— Ele é o prefeito, Mackenzie — papai responde com a mesma entonação baixa, sem
desgrudar os olhos do padre. — O padre José e o Linderman são amigos. Ele vem todos os
domingos à igreja. — E eu sequer sabia que meus pais frequentavam tanto a igreja. Não me
lembro de serem tão religiosos. Eles acreditavam, claro, mas não exerciam essa fé com
tanto afinco.
— Nem sabia que vocês vinham tanto à igreja — disparo sem prestar muita atenção
nele, mas ele pigarreia com força para limpar a garganta e entendo isso como um pedido
para que eu fique calada.
Toda a cerimônia transcorre naturalmente. Fico atrás, encostada à parede ao lado do
meu pai sem perguntar nada, enquanto o padre José fala, sou sugada para as lembranças
que tenho com Molly, de toda quarta-feira sem falta ir até a casa dos Duncan. O bolo de
laranja, o chá de jasmim e as conversas maduras por serem idosos, inteligentes e espertos,
deixavam-me orgulhosa, feliz por fazer parte da vida deles.
Sinto o aperto em meu peito, a respiração sufoca dentro do tórax e a dor vem profunda.
A ardência na garganta não me deixa mais segurar o choro, deixo um soluço escapar e
cubro a boca. Até estar aqui a morte de Molly era só algo que eu precisava digerir, mas não
havia pressa, porque existiam quilômetros de distância entre mim e a realidade. Mas agora
não posso mais fugir.
Cruzo os braços na frente do peito e abaixo a cabeça. O peso do braço do meu pai cobre
meus ombros, sou puxada devagar para o lado até estar aconchegada em seu abraço. Fecho
os olhos com força para limpar a visão toldada de lágrimas. Permito-me chorar o suficiente
para que aquele peso na boca do estômago diminua.

O prefeito é o primeiro a sair. Se despede do padre José e de Jasper. Ele é escoltado por
seus seguranças até a SUV preta parada em frente à igreja. As pessoas estão saindo aos
poucos, rumo ao cemitério. Ainda não encontrei minha mãe ou Nate. Abro a boca para
perguntar ao meu pai, mas ele segura minha mão e me guia atrás do aglomerado de
pessoas.
O sol está queimando minha pele. Desvencilho dos braços de papai para tirar a jaqueta.
Fico olhando para os lados, procurando por minha mãe e irmão. Às vezes, na ponta dos pés,
para conseguir enxergar – não cresci muito nos últimos dois anos –, mas tudo que vejo é um
fluxo longo de pessoas caminhando para a mesma direção.
Quero falar com Jasper, mas papai diz que vamos até a casa dele depois do enterro;
prestar condolências, beber e comer com ele.
Os portões altos de ferro do cemitério estão abertos. As pessoas passam aos poucos pela
entrada curta. Ancoro o braço na curva do cotovelo do meu pai e o acompanho a passos
pequenos.
Prendo o ar quando paramos de repente, olho para os lados e vejo mamãe sob a sombra
de um carvalho. Nate está recostado ao tronco protuberante, mexendo no celular. A franja
longa cai sobre os olhos, as pernas estão cruzadas. Minha mãe está elegante em um tailleur
preto, mais magra e com as bochechas encovadas. Ela alisa a saia longa quando me vê, abre
um sorriso fino e Nate finalmente fixa os olhos em mim. Esboço um sorriso e, rapidamente,
estou caminhando naquela direção.
Nate não sorri de volta. Apresso as passadas e, em segundos, estou envolvida no abraço
aconchegante de minha mãe. Expiro o ar, aliviada por vê-la. Com o queixo amparado em seu
ombro, abro os olhos e vejo que Nate está se afastando. Ele nem esperou para falar comigo.
— Você está tão linda. — Ela segura meus ombros para me afastar e analisa minha
roupa. — E com o mesmo estilo. Perfeita — sussurra e coloca minha cabeça entre as mãos.
— Não é o melhor ambiente para um reencontro, mas estou feliz que esteja em casa. —
Puxa-me de volta para o abraço, fecho os olhos e aspiro seu cheiro de sabonete e xampu.
— É bom te ver — digo e miro para a direção onde Nate desapareceu.
— Não se preocupe com ele — meu pai diz, fitando o rumo onde meus olhos estão fixos.
— Vocês vão conseguir resolver esse problema.
Quero dizer ao meu pai que sim, mas não tenho tanta certeza. Ele olhou para mim por
uma fração de segundo.
— Espero que sim.
— Vem, vamos. Acho que Jasper vai dizer algumas palavras antes de Molly ser
enterrada.
Mamãe me puxa, acaricia meus ombros enquanto me deixo ser guiada para a lápide de
Molly. Ela está certa sobre não ser o ambiente ideal; não sei lidar com essas emoções. Um
misto de tristeza e felicidade contornam meus sentimentos, tornando-os confusos. A
profusão tem uma guinada quando vejo Nate outra vez. Há um lampejo de ressentimento
na maneira como ele me olha. E estou triste por Molly, feliz por rever meus pais e
decepcionada comigo mesma por não ter conseguido manter a relação com meu irmão.

Alguma coisa entre meus pais está acontecendo. Percebo assim que entramos na
minivan. O silêncio corrói o clima e não consigo mais sustentar uma conversa em família
como antigamente. Eu me lembro dos dias que tomávamos café juntos, brincávamos e havia
conversas divertidas dentro do carro. Entretanto, meu pai assumiu sua posição ao volante e
minha mãe se sentou no banco do passageiro ao lado sem dizer uma palavra. Nate fica ao
meu lado atrás, mas assim que entramos, coloca os fones de ouvido e fecha os olhos. Não
tenho mais certeza se ele está evitando apenas a mim, acredito, pelo clima pesado e a
tensão exposta no ar, que eu não seja a única razão.
Jogo o corpo em desistência contra o encosto do banco. Meu pai ajusta pela terceira vez
o retrovisor e sorri quando vê meu reflexo.
— Você comprou os limões? Jasper pediu que levássemos. — Volto a atenção para meus
pais, mas papai mantém os olhos fixos na rua e o tom de mamãe é pétreo.
— Eu me esqueci — ele responde.
— Você esqueceu? — murmura e a vejo revirar os olhos. — Claro. Esqueceu.
— É, Maisie. Esqueci. Se você não se lembra, fui buscar nossa filha na estação.
— Ele precisa dos limões.
— Ele vai sobreviver sem os limões, garanto.
— Nicholas, vamos parar e comprar a droga dos limões! — mamãe brada, com a
respiração entrecortada. Nate abre os olhos, em direção a eles e meu corpo está duro feito
pedra. Que merda acabou de acontecer?
— É sério que vocês estão brigando por limões? — Nate resmunga, com uma careta de
insatisfação. — Vocês dois não conseguem passar dois segundos no mesmo ambiente sem
brigar. O plano de manter a filha querida sem a informação crucial da vida de vocês acaba
de ir por água abaixo. — Fico de queixo caído, fitando Nate e espero que ele fale mais,
porque algo me diz que meus pais não vão fazer. — O que foi? — Continua, porém, ainda
está olhando para os nossos pais. — É a verdade.
— Calado, Nate! — mamãe diz, ríspida.
Ele aperta os lábios e aumenta o volume no celular. Semicerro os olhos para o meu pai,
que está olhando através do retrovisor. Sem dizer nada, concentra-se na estrada.
No caminho, nós paramos para comprar os limões. Papai entra no mercado e mamãe
detém os olhos em um ponto fixo através do para-brisa. Fisgo a pele solta do lábio inferior.
— Mãe, o que tá acontecendo? — sopro a pergunta, tombando a cabeça para o lado. Ela
olha pelo retrovisor e me fita.
— Não é nada. Só… estamos estressados. Nos últimos dias, seu pai e eu tentamos fazer
de tudo para agradar Jasper. Só não quero decepcioná-lo. Precisamos dos limões. — Vejo no
canto de sua boca um sorriso forçado despontar.
— Entendo. A Molly… sofreu?
— Não. Ela simplesmente dormiu.
A forma como minha mãe responde me faz perceber que estão pisando em cascas de
ovos comigo; não querem que eu surte ou pare de falar se estiver enfrentando um
problema. Escrutino Nate, que continua deitado despojado ao meu lado. Os fones de ouvido
estão tão altos, que consigo ouvir a música daqui.
Vinte minutos se passam em completo silêncio até meu pai voltar e retomar a direção.
Permaneço em silêncio até chegar à casa dos Duncan.

A casa está cheia, como imaginei que estaria, levando em consideração a quantidade
exorbitante de pessoas na igreja.
Deixo a jaqueta no cabideiro atrás da porta e sigo meus pais e Nate para dentro da casa.
A mesa da cozinha está recheada de petiscos. Não conheço metade das pessoas – assim
como não conhecia na igreja – e procuro pelo rosto enrugado de Jasper no meio das
pessoas que contornam sua sala.
Não encontro o Sr. Duncan em lugar nenhum. Aviso minha mãe que vou dar uma volta
pela casa para encontrá-lo. Nate desaparece minutos depois de termos chegado e não
pretendo insistir em uma conversa com ele agora.
Caminho para o quintal da casa; vejo a cadeira de balanço em um canto, uma mesa
redonda de centro perto e uma caneca suja de café. Um livro de tricô está enfeitando o
assento da cadeira. Lembro de Molly. A cada pôr do sol, ela se sentava naquele lugar,
tricotava para passar o tempo, porque gostava de presentear as pessoas que amava com
seus cachecóis.
Mas Jasper não está ali.
Volto para a casa e olho para a escada no hall de entrada. Rumo para aquela direção,
subo até estar no patamar. A porta à direita está aberta, as luzes acesas e escuto a
movimentação. Aproximo-me devagar, de braços cruzados, e estico o pescoço para espiar
dentro do quarto. Jasper está sentado à beira da cama, com uma caixa velha de sapatos
sobre o colo e ao seu redor, um mar de fotografias o circunda. Bato com os dedos nodosos
na madeira da porta, ele ergue os olhos e abre um sorriso.
— Minha nossa, como você cresceu! — Afasta a caixa e se levanta, vindo em minha
direção. — E está linda. Você tinha quantos anos na última vez em que te vi?
— Tinha dezesseis. Não faz tanto tempo assim. — Reviro os olhos de brincadeira e
entro no quarto, encurtando a distância. Ele me abraça e retribuo, cruzo as mãos em sua
lombar e afofo o rosto em seu peito. — Caramba, vovô, senti tanto a sua falta! — suspiro
pesado, não fazia ideia como sentia falta do abraço quentinho do Sr. Duncan nem como me
aninhar nele me deixa feliz e protegida.
— Molly adoraria ter te visto.
— Desculpa. Meu Deus, desculpa! — peço, afundando o rosto em suas roupas pretas e
abafo o choro. — Eu queria ter vindo, mas…
— Não se preocupe. Nós dois sabíamos que você estava tentando superar o que
aconteceu. Ninguém consegue imaginar como foi traumático a pressão que o delegado
McCoy causou em você. E todo mundo te entende.
— Obrigada… e me desculpa. Prometo vir visitá-lo mais vezes.
Não conto a ele imediatamente que não voltei para ficar. Decido que, se a verdade é
dolorosa demais, prefiro mantê-la fora de alcance por enquanto.
— Você está vendo fotos? — pergunto quando já estou desvencilhada de seus braços.
— Ah, minha Molly adorava quando fazíamos isso. — Ele sorri para as fotos. —
Fotografias são valiosas! Quer me fazer companhia?
— Mas é claro!
Eu o acompanho de volta para a cama, mas não me sento lá, porque não há espaço para
mim, sento-me no chão com as pernas cruzadas. Jasper passa algumas fotos para mim e me
conta as histórias por trás de cada fotografia. A primeira vez que ele a levou à praia; ela
estava com tanto medo de se afogar, que não soltou a mão dele por nenhum segundo.
Quando a onda veio, arrastou os dois para a orla e Molly saiu da água toda arranhada na
bunda. Jasper ri ao se lembrar. Sua risada é contagiante e, em pouco tempo, já estou
entretida com suas histórias. Me aprofundando no sentimento que exala dele a falar sobre
cada uma. Mesmo depois de tantos anos casado com Molly, o brilho nos olhos dele não se
apagou.
— Vi o prefeito na igreja. Não acredito que ele ganhou mesmo as eleições — falo
baixinho, com a fotografia da praia nas mãos. — Vocês se conhecem?
O sorriso no rosto de Jasper desaparece.
— O prefeito quer mostrar que é um bom anfitrião nesta cidade. Mas você e eu sabemos
que ele é um poço de egoísmo.
— É. Eu me lembro do memorial do Seb. — Devolvo a fotografia para a caixa de sapatos.
— Então… vocês não se conhecem?
— Nos conhecemos, mas não é importante. A presença dele não significou nada.
Percebo que Jasper fica irritado ao falar do prefeito. Quando falei sobre Thomas
Linderman com Molly, ela pareceu indiferente, mas com Jasper a reação é outra.
— Nate veio com vocês?
— Sim.
— Que tal se comermos bolo de laranja e chá de jasmim como acompanhamento? Em
memória aos velhos tempos e a minha Molly.
— Eu adoraria.
— Depois vou pegar aqueles limões e tomar várias doses de caipirinha.
Acabo dando risada e concordo com ele.

“Eu nunca entendi
Como você me olhava
De uma maneira que ninguém jamais poderia olhar
E parece que eu parti seu coração
Minha ignorância ganhou mais uma vez
Eu errei em não perceber isso desde o início
E te machuquei tanto (…)
Desculpe-me por ser tão cega
Eu não pretendia abandonar você
E tudo aquilo que tínhamos”
SORRY – HALSEY

— Meu Deus! — escuto do patamar e levanto os olhos para a direção da voz surpresa.
Vivian McCoy está ao pé da escada segurando o corrimão com os nós dos dedos
esbranquiçados.
Olho de esguelha ao redor, à procura de Jasper. Ele desceu na frente enquanto eu ia ao
banheiro. Fico encarando a Sra. McCoy, acostumando-me com a visão da mulher que
envelheceu nos últimos anos. De onde estou, consigo enxergar alguns fios brancos
luminosos no topo da cabeça. Forço um sorriso e desço os degraus.
Todas as pessoas com quem me reencontrei na última hora usam esse tom de surpresa
na voz, como se estivessem vendo um fantasma se projetar diante dos olhos.
Um pouco receosa, paro um degrau antes de estar completamente de frente para ela.
Quero ter certeza de que não serei humilhada ou açoitada por palavras de ódio.
Mas Vivian me surpreende. Segura meu corpo pelos ombros e o puxa para baixo. Uma
ponte é criada com minha coluna, fico posicionada desconfortavelmente enquanto deixo
que me abrace. Coloca o queixo pontudo na parte superior de meu ombro, aspirando
pesado.
— Não acredito que você voltou — cochicha, afofando meus fios de cabelo. Quando se
afasta, mantém o toque em minhas mãos. Ela está me apertando, impedindo que eu escape
dela. — Está diferente — nota ao esticar uma mão para tocar meus cabelos mesclados em
tons e ondulados, para ajeitá-los atrás do ombro. — E linda. Continua usando a meia-calça
arrastão, é um bom sinal — ela diz, desviando os olhos para minhas pernas. Dou um sorriso
torto e olho a minha volta, sem que perceba que estou procurando uma brecha para
escapar.
Merda! Por que estou tão desconfortável? É só a Vivian.
— Acho que eu cresci um pouquinho também — emendo, fazendo uma pinça com os
dedos na frente do rosto. Ótimo, consegui livrar uma das mãos.
— Ah, isso é verdade — observa, erguendo os olhos para o meu rosto e descendo para
os meus coturnos. — Ou talvez seja o salto!
— É, pode ser — rio sem graça e termino de descer as escadas. Consigo soltar a mão
disfarçadamente para tirar uma madeixa que incomoda minha bochecha, coloco-a atrás da
orelha e sorrio. — Parece que continuo um pouco mais alta — digo, gangorrando na ponta
dos pés e calcanhar. — Como Casey está? — Mudo o foco do assunto.
Porém, percebo o erro que cometi. Os ombros relaxados dela encolhem um pouco,
tensos pela pressão.
— Desculpa, Vivian… aconteceu alguma coisa? — murmuro. Observo suas bochechas
ficarem purpúreas, enrugo a testa confusa.
— Casey e eu nos divorciamos pouco depois de você ir embora.
— Divorciaram?
— Sim, mas já faz tanto tempo, não é? É bobagem falar sobre coisas ruins. — Ela abana a
mão na frente do rosto, sinalizando que devemos mudar de assunto.
Por que meus pais nunca me disseram nada?
— Eu sinto muito. Não queria chatear você.
— Ah, por favor, Mackenzie. Não me chateou. É passado. Você está em casa, é tudo o que
importa.

Cada vez que a porta da frente se abre, sobressalto-me apreensiva. A verdade é que
estou com medo que ele atravesse por ela. Se Vivian está aqui, significa que ele pode
aparecer a qualquer minuto. Embora não tenha feito muitos planos para o meu futuro nos
últimos anos, tracei alguns para o meu retorno temporário a Humperville.
Primeiro, veria meus pais e mataria a saudade que sinto deles. Segundo, tentaria
consertar as coisas com Nate – mesmo que isso pudesse ser algo falho, eu preciso tentar –;
e terceiro, eu definitivamente iria evitar Bryan McCoy. Seria ótimo se ele sequer soubesse
do meu retorno, mas, a essa altura, já não acredito que esse seja o caso.
Pergunto-me como Bryan reagiu ao divórcio dos pais, como as consequências
psicológicas e emocionais o afetaram. Meus pais não falam sobre ele comigo, nunca
disseram nada sobre Bryan, na verdade, mas nas poucas conversas que tive com meu irmão
eu descobri que ele tentava lidar com a minha partida. Porém, um tempo depois, Nate
parou de falar comigo e não tive coragem de perguntar aos meus pais. Eu não sei o que
pensam sobre ele hoje. Não sei se têm raiva de Bryan pelo que aconteceu, se o culpam por
eu ter ido embora. Não faço ideia do que Bryan representa para os meus pais, mas, para
mim, ele significa perigo.
Por quê?
Esse é meu segredinho sujo: Bryan é meu inferno particular. Sabe quando você
descobre o que sente, quando já não importa mais?
Foi o que aconteceu comigo e meu coração. Depois de dilacerado, eis que a verdade vem
à tona e me choco com a realidade cruel. Estava apaixonada por Bryan naquela época, mas
tinha medo de admitir para ele e para mim o fato mais óbvio. Ele admitiu que estava se
apaixonando por mim, mas, quando o rejeitei, tive a certeza de que ele refrearia o
sentimento a todo custo. Iria sufocá-lo até que virasse pó. Hoje, não sei como me sinto a
respeito dele, mas só de pensar em vê-lo, minhas mãos suam e o meu coração enrijece com
a sensação.
As últimas mensagens que Bryan me enviou diziam:

Se lembra de quando disse “enquanto durar”? Durou o bastante. Pra mim, já deu.
Você já não está mais aqui, então simplesmente esqueça tudo.
Só para você saber: aquela merda não era minha, nem a porra da arma. Mas quem se
importa? Espero que esteja feliz, que tenha provado seu ponto.
Eu pensei que fôssemos amigos!
Obrigado por foder a minha vida!

No passado eu podia escolher entre a liberdade e você; te escolhi e não vou cometer o
mesmo erro desta vez.
Se cuida, Mackenzie.

A última foi a que mais doeu. Foi quando tive certeza de que nós dois tínhamos acabado.
Ele descobrira que eu o entreguei para a polícia sem hesitar; que traí sua confiança. Mas
nunca vou me esquecer o que me levou a tomar essa decisão.
O Bryan que conheci não era o mesmo que coloquei na prisão. Eram pessoas diferentes,
disputando espaço em meu coração e, naquela luta, não poderia ceder. Eu me importava
com Bryan, tinha medo de perdê-lo e, no fim, meu medo me levou exatamente para esse
caminho e tudo terminou.
Quando perdi Sebastian, a sensação de que poderia ter feito mais por ele não me
abandonava, era totalmente diferente do que senti por Bryan. Eu me sentia culpada.
Eu me apaixonei por Sebastian com todo o meu coração, mas amei Bryan com tudo que
eu tinha: minhas forças, meu coração e alma. Ele foi a minha pessoa favorita no mundo
inteiro.
A porta se abre outra vez. Rumo os olhos para lá, só para constatar que é só mais um
membro da família de Jasper trazendo as compras dentro de uma sacola impermeável.
Seguro a respiração, sopro o ar que enche meus pulmões com força e deixo a cabeça cair
para trás.
Estou sentada no primeiro degrau da escada, de frente para a porta de entrada,
encolhida. Peguei a jaqueta para me aconchegar. Não consegui nem mesmo tomar uma
xícara de chá inteira com Jasper. Perdi todo o apetite quando vi Vivian. Fiquei ansiosa, com
medo e esperando por ele.
— Por que você está aqui sozinha? — Mamãe ancora o braço na superfície de madeira
do corrimão da escada, ampara o peso do corpo nele e sorri para me animar.
— Estou pensando.
— Em quê? — Ela contorna a escada para se sentar ao meu lado. Dobro as pernas para
liberar espaço a ela.
— Por que nós nunca conversamos sobre o que aconteceu?
— Nós conversamos. Você, seu pai e eu. Lembra? Decidimos que seria melhor que você
se afastasse daqui por um tempo, para colocar a cabeça no lugar, curar os traumas que
passou. Você perdeu Sebastian e Bryan foi preso. Não tinha nada que pudéssemos fazer
para te ajudar aqui. April ofereceu um abrigo para você, um lugar para se recompor. Nós te
demos a chance de se recuperar longe de tudo isso.
— Não estou falando sobre eu ter ido embora, mãe. Estou me referindo ao Bryan. Por
que nós nunca falamos sobre a prisão dele? Vocês nunca disseram nada. Quer dizer, eu
estava em um carro com um cara armado e com um mochila cheia de drogas! Por que vocês
não me perguntaram nada?
— Você mal abria a boca para comer, Mackenzie, quem dirá para falar sobre ele.
Aperto os lábios e pisco para afastar o choro.
— Mas, se você quer saber, tinha muita coisa acontecendo naquele momento. Não
queríamos te encher com perguntas, mas é claro que tudo foi resolvido depois. Então, é
melhor deixar esse assunto para trás, ok?
— Vivian e Casey se divorciaram.
— Sim, há quase dois anos. — Mamãe apruma o corpo, alisando o tecido da saia.
— Você e o papai também vão se divorciar? — Esquadrinho seu rosto empalidecido, à
procura de resposta porque tenho certeza de que ela não está sendo sincera comigo. Está
com medo que eu acabe como da última vez; em silêncio absoluto, absorvendo todos os
problemas para mim como uma esponja. — Não tenho mais dezesseis anos. Eu vou ficar
bem.
— Não, nós não vamos nos divorciar. — O queixo dela treme e as mãos estão cerradas
em punho. — Esqueça esse assunto. Molly não está mais aqui e Jasper precisa de nós — diz
taciturna.
— Jasper está bem — falo ao escutá-lo pedir por mais um copo de caipirinha.
— Ninguém está bem, Mackenzie. Por favor, não pense no passado. Não é o que a Dra.
Grey vive dizendo? — Imediatamente me arrependo de compartilhar com ela os conselhos
que minha psicóloga me dá. — Vamos — chama, gesticulando para que eu me levante. —
Seu irmão voltou, vá ficar com ele na sala. Jasper está esperando para uma partida de
futebol no videogame.
Assisto enquanto ela sai, ajeitando a lapela do casaquinho preto. Bato a cabeça com
força contra a parede para fazer os pensamentos se acalmarem. Respiro fundo e ganho
impulso com os pés para me levantar.
Então, acontece.
A porta se abre, dois garotos entram rindo alto, parecem entorpecidos pelo som
esganiçado das risadas. Apoio a mão esquerda na parede ao meu lado, porque sinto que
minhas pernas se tornaram duas gelatinas.
O primeiro garoto, com cabelos loiros platinados e olhos azuis me encara enquanto
puxa as mangas do paletó preto. Por baixo, usa camisa social preta de botões. Os cabelos
parecem úmidos, como se tivesse acabado de sair do banho.
O outro têm cabelos loiro-escuros, os lábios estão inchados e noto a mancha de batom
vermelho na base de sua mandíbula. O maxilar quadrado fica travado no minuto em que
nossos olhares se cruzam.
É ele.
Meu coração o reconhece tão rápido quanto cada batida afoita dentro do peito. Todo o
ar a minha volta parece ter sido sugado por ele. Assim como seu amigo, Bryan tira o paletó
preto e cospe um chiclete na mão.
Bryan tem uma tatuagem em seu pescoço: resistência.
É a palavra escrita, atravessada que desce de trás de seu lóbulo até a base do pescoço
em letra de forma.
— Quem é essa? — O platinado gesticula o queixo pontudo. Ele e Bryan têm quase a
mesma altura; ele cresceu alguns centímetros nos últimos anos. — Cara, você não disse que
a Molly tinha um neta — murmura, mas ele não tem a intenção de ser discreto.
— Não é neta da Molly — Bryan sibila, sem esboçar nenhuma expressão. Ótimo. Ele
continua inexpressível e indiferente quando se trata de mim. — Ela não é ninguém.
Ajustando a gola da camisa preta social, Bryan passa por mim e sequer olha para trás. O
garoto platinado o segue para dentro da casa, mas antes, próximo de mim, dá uma
piscadela sem que Bryan perceba e desdenha um sorrisinho antes de sumir entre as
pessoas.
Inclino sobre o corrimão para tentar vê-los, mas já desapareceram pelo fluxo de
visitantes na casa. Entorto os lábios em uma careta, mas sigo para a mesma direção. Mamãe
já tinha me mandado ir para lá antes de eles chegarem.
O meu plano de evitar Bryan acaba de evaporar.

No fim, ficam só os mais íntimos de Jasper. Seus irmãos foram embora, sobrinhos e
sobraram os vizinhos. As irmãs Barnes me ajudam a limpar a cozinha enquanto Nate, Bryan
e Aidan – descobri seu nome depois que Nate resmungou que ele estava roubando no
videogame. Mamãe fica perscrutando meus movimentos, está sobre mim como uma águia.
E papai ajuda o Sr. Duncan a colocar as coisas no lugar no segundo andar.
Eu sei o que todas as pessoas que estavam aqui tentaram fazer; diminuir a solidão de
Jasper, fazê-lo esquecer que perdeu a sua parte mais importante, mas o que elas não
perceberam é que a ausência de Molly não vai sumir depois que formos embora, ela será
sua companhia pelo resto de sua vida. Sinto pena dele e pretendo conversar com Nate,
pedir para não o deixar sozinho. Eu lembro como, às vezes, ele detestava nossas visitas
semanais.
Ora ou outra olho por cima do ombro, mirando a sala que fica atrás da cozinha. Minha
mãe e Vivian percebem, mas não dizem nada.
Não foi como imaginei; estava esperando por acusações, gritos e mais acusações. A
indiferença de Bryan é a última coisa que imaginava para o dia em que esse reencontro
fosse acontecer. Confesso que o silêncio é pior; se ele externasse o que sente a meu
respeito, o ponto final seria colocado, mas é quando sua mensagem faz sentido e o “ela não
é ninguém” ganha significado. Ele não liga. Se estou aqui ou não, não importa. Pode não ter
se esquecido do passado, mas decidiu colocar uma pedra sobre ele. Sou só uma lembrança
ruim, uma parte que já significou alguma coisa, mas hoje não faz diferença.
Não tenho certeza do que esperava, porque não pretendia encontrá-lo, então estou
debaixo de um mar onde a água é turva e não consigo enxergar um palmo à minha frente.
Controlo a respiração, esquivo de Vivian quando quase trombamos na cozinha.
— Para que serve? — Olho em direção ao som da voz melodiosa. Aidan apoia as mãos
no tampo da mesa. — Esse elástico no seu pulso.
— Nada — digo, puxo a manga da jaqueta para cobri-lo. Estico o pescoço para enxergar
sobre o ombro de Aidan, mas não vejo nada. Ele é muito alto.
— Você é a garota. — Está sorrindo para mim debilmente, com as sobrancelhas
franzidas.
— Desculpa, o que você disse?
— Não disse nada. — Empertiga o corpo e cruza os braços sobre o peitoral. Aidan tem
músculos definidos, desvio os olhos para não ser pega fitando seu corpo avantajado. — Por
quanto tempo vai ficar… — Ele trava, pressionando os lábios.
— Mackenzie.
— É. Por quanto tempo vai ficar, Mackenzie?
— Pare de incomodá-la, Aidan. — Vivian toca o ombro de Aidan e dá uma risada. —
Vocês terão tempo para se conhecer.
Quero dizer a ela que não, que estou indo embora em dois dias, mas aperto os lábios e
mantenho a língua grudada no céu da boca.
— Meu nome é Aidan. — Ele devolve o sorriso para Vivian, mas não desiste de
conversar comigo. — Sou amigo do Bryan. Ele é meio turrão, mas você se acostuma.
Não respondo nada. Seco as mãos na jaqueta e faço menção de contornar a mesa. Aidan
entra no caminho, criando uma barreira e impede a minha passagem.
— Aidan — escuto a voz rouca e elevada de meu pai. — Minha filha não é como as
garotas que você está acostumado a flertar. Se chegar perto dela, mato você.
— Claro, Sr. Wilde. Nem me passou pela cabeça dar em cima dela. — Pisca para mim
sem que ele veja. Acabo sorrindo em resposta, porque existe respeito entre eles. — A gente
se vê por aí, Mackenzie. — Ao passar ao lado do meu pai, ele dá uma palmada de
camaradagem no ombro ossudo de papai e solta uma risada alta quando, em resposta, meu
pai bagunça de leve os cabelos platinados.
— Moleque — ele murmura, sacudindo a cabeça. — Não deixa o Aidan te incomodar. Se
for o caso, fale comigo. Darei um jeito nele.
— Vocês parecem próximos. — Aponto com o queixo para a sala, onde Aidan acabou de
passar.
— É, algo assim. Então — papai une as mãos e as desliza uma na outra —, está com
fome? Acabei de colocar o Sr. Duncan para dormir.
— Vocês estão tratando o pobre homem como um inválido — Vivian ri, enquanto
guarda os pratos que mamãe secara. — Logo, ele vai nos expulsar daqui e acabou os
almoços aos domingos.
— Acho que agora acabou de qualquer jeito — mamãe emenda, entristecida. — Não
acredito que Jasper vá querer continuar nos recebendo aqui sem a Molly.
— Não seja boba, Maisie. — Lucille atravessa, revirando os olhos. — Jasper está na
idade de aceitar e ficar quieto. Resumindo: o seu querer não importa.
— Que crueldade, Luce! — Susan repreende a irmã. As irmãs Barnes parecem ter criado
um vínculo mais forte com Vivian e meus pais também, mas não digo nada, apenas observo
a conversa se desenrolar. — É claro que o querer dele importa, só que nós não ligamos
mais, porque Molly se foi e Jasper só tem a nós.
— Isso sim é cruel. — Vivian arregala os olhos para as irmãs, porém sorri em seguida.
— Vocês viram Dannya hoje? — A Sra. McCoy pergunta, seus olhos percorrem o rosto das
irmãs Barnes, minha mãe e depois papai. — Ninguém viu a Dannya ou a Gravity?
— Quem é Dannya? — pergunto, e busco por meu pai. — E Gravity?
— São as novas vizinhas, querida — Lucille se adianta, com um sorriso satisfeito. — São
uns amores, mas desapareceram depois do enterro.
— E são irmãs, como nós. — Susan aponta para a irmã e depois para si mesma. — Molly
criou a tradição do almoço aos domingos, para que elas se enturmassem com a vizinhança,
sabe? Como quando os McCoy se mudaram e houve as reuniões na casa de cada um de nós!
— Enfim, no próximo domingo devíamos fazer um almoço na casa de um de nós e
carregar Jasper até lá. — Luce puxa uma cadeira para se sentar à mesa. — Talvez Dannya
possa ceder o espaço na casa dela.
— Ah, eu duvido — diz mamãe, cruzando os braços e encostando a cintura na beirada
da pia. — Vocês sabem que ela está… — Vejo-a erguer os olhos em direção a sala e diminui
o tom de voz ao continuar: — saindo com o pai do Aidan. Agora elas almoçam na casa dos
Lynch aos domingos.
— Meu Deus! — Minha voz sai arrastada, um misto de choque e desaprovação adornam
as palavras. — Parece que estou no meio de uma roda de fofoca!
Todos caem na gargalhada e papai me abraça para me deixar confortável. Ele é o único
homem no meio de tudo aquilo.
— Você literalmente está no meio de uma roda de fofoca — ele diz, apertando-me mais
entre seus braços. — Bem-vinda de volta!
— Eu posso falar com ela — sugere Vivian, acomodando-se ao lado de minha mãe e
cruzando os braços. — Tenho certeza de que não teremos problema. É pelo Jasper. Vocês
sabem que ela e Gravity os veem como pais.
Sinto meu coração se aquecer. Saber que, na minha ausência, eles não ficaram sozinhos
me reconforta.
— É, mas ela não está aqui agora. — Luce revira os olhos com desgosto e a irmã lhe dá
um tapa no ombro. — O quê? Estou falando a verdade!
— Deixe de ser fofoqueira, mulher! — meu pai bufa. — Quer saber? Chega disso. Minha
filha está de volta, Jasper está dormindo, quero comer pipoca e assistir a um filme na
companhia de Mackenzie. Conversar sobre como anda a vida e matar essa saudade. Vocês
deviam procurar algo pra fazer. — Empurrando-me pelo ombro, sou guiada em direção a
porta. — Nate, estamos indo! — ele grita.
— Vou depois! — exclama Nate.
— Tchau! — despeço-me, acenando por cima do ombro e vejo de soslaio que mamãe
está nos seguindo até a porta.
Eu me sinto acolhida. Esse é o sentimento que tenho enquanto sou guiada de volta para
casa. Com o coração quentinho, acelerado pela dose de endorfina do dia.
Em casa, mamãe sobe para o banho e papai está na cozinha fazendo pipoca. Fico na sala.
Minha mala e a bolsa estão dispostas sobre o sofá. As pernas latejam tanto que não tenho
ânimo para me levantar. Doze horas de viagem, sendo que, oito delas, foi de Brigthtown a
Dashdown. Aspiro o cheio de pipoca de bacon de micro-ondas. Aproveito os minutos
sozinha para fazer uma varredura pelo lugar.
Atrás de mim está a sala de estar, a janela por onde vi Bryan ser preso, mas fora o sofá
gasto e uma televisão nova, tudo continua como antes. A cozinha pequena com piso de
linóleo e mesa redonda; um balcão separando a sala da tevê e um corredor curto, que a
divide da sala de estar. A escada para o segundo patamar fica ao lado direito da cozinha, o
corrimão e o parapeito em tons de madeira claro.
Apoio o queixo no ombro, amparo o braço no encosto do sofá e flagro meu pai
queimando a mão quando vai retirar o saco de pipoca de dentro do micro-ondas. Rio
baixinho para não ser pega e meu coração infla de estar perto dele outra vez. Percebo que
estava errada. Bryan não era a minha pessoa favorita no mundo. Antes dele, eu tenho meu
pai. Ele é a minha pessoa favorita no mundo inteiro.
Mas lembrar de Bryan diminui a felicidade, a motivação e tudo fica escuro como uma
nuvem de penumbra espessa cobrindo a minha vida. Fico sem entender como alguém que
trazia paz e luz aos meus dias mais difíceis se tornou a pessoa que mais machuquei e que,
provavelmente, mais me odeia na Terra.
Com duas latas de refrigerante em uma mão e na outra a pipoca, papai vem devagar em
minha direção. Ajeito-me no sofá para deixar um lado livre e o ajudo com as latas. Coloco os
protetores de copo na mesa de centro e disponho as latinhas suadas sobre cada um. Papai
começa a comer a pipoca antes de ligar a tevê para procurar um filme. Ele se joga ao meu
lado depois de pegar o controle e exala todo o ar dos pulmões.
Quero conversar com ele, perguntar sobre tudo que não sei. O dia foi longo e
inapropriado para conversas íntimas – embora tenha tido um lapso desse tipo de assunto
com minha mãe mais cedo. Abro a latinha de refrigerante e bebo um gole. Não estou com
fome, portanto deixo que coma sozinho.
— Pai — começo, esquadrinhando sua expressão concentrada. — Será que podemos
conversar?
— Conversar? — Ele pega o controle para diminuir o volume e ajeita a postura
despojada.
— Quero falar sobre o Nate.
— Seu irmão te ignorou o dia todo, não foi?
— É.
— Escute, querida, ele vai entender. Nate tinha quatorze anos quando você foi embora.
— Toca minha mão com carinho, para transmitir empatia. — No momento certo, ele vai
entender todos os seus motivos e te perdoar. Não fica pensando nisso.
— E você e a mamãe? O que está acontecendo? — Sei que vou precisar esperar para
descobrir, mas ele olha para trás, por cima do ombro, certificando-se de que ela não vai
aparecer de repente.
— Sua mãe e eu estamos passando por uma fase complicada, mas não é nada que nós
dois não possamos resolver, como adultos. Esse problema é nosso, você não tem que se
intrometer nem se preocupar com nosso relacionamento. Tenho certeza de que você tem
seus próprios demônios pra lidar agora — ele ri, esfrega o nariz com o dorso da mão para
disfarçar a mensagem subliminar, mas entendi. — Vocês conversaram?
— Não. — Afundo os dentes da frente na carne do lábio inferior e mudo a posição para
fugir dos olhos dele. — Bryan não quer conversar comigo. Ele me odeia.
— Vocês vão se entender.
— Vou embora na segunda de manhã. É melhor que até lá eu evite trombar com ele por
aí.
— Você contou pra ela? — Ouço a voz de minha mãe e levanto a cabeça para encará-la.
Está de pé feito uma estátua atrás de nós. Braços cruzados com autoridade, queixo
erguido e tremendo. Os cabelos molhados caem feito cascata sobre os ombros. Trajando um
roupão cor de rosa puído e pantufas brancas. Arqueio as sobrancelhas, meus olhos saltam
dela para meu pai, que repentinamente ficou em silêncio. Um frio de medo se aloja na boca
do meu estômago. Detenho o olhar em meu pai, que está respirando pesado.
Retirando o saco de pipoca que está entre nós, levanta-se para se sentar no sofá do
outro lado. Acompanho-o com os olhos e minha mãe se senta ao lado dele, para lhe dar
apoio. Independentemente de como esteja o casamento deles, ainda estão lá um para o
outro e é isso que admiro neles.
— Você não vai voltar para Brigthtown — solta meu pai, sem olhar para mim. — Nós
tentamos muito, Mackenzie, conseguir dinheiro para te manter lá. A faculdade, as despesas
na casa da sua tia, tudo isso é pesado demais. Você entende?
— Não vou voltar? — A voz dele ecoa em minha cabeça, perco o raciocínio no meio
dessa informação e todas as explicações dele parecem vagas. Meu cérebro não as processa,
por mais que tente. — Como assim, não vou voltar?
— Seu pai não está ganhando bem no buffet, Mackenzie. Seu irmão tem a bolsa de
estudos na Saint Ville Prep, mas ainda temos as despesas com os livros, uniforme e o
almoço. Nós… conversamos com o reitor da universidade daqui. É pequena e não tem tanta
influência como as outras instituições, mas você teria uma bolsa integral, cortaríamos os
gastos com condução e moradia. Você ficaria bem!
— Não — digo, sem olhar para eles. — Não vou voltar pra cá. Eu não posso.
— Você ouviu o que nós dissemos? — Escuto a calça de meu pai fazer barulho contra o
tecido de couro sintético do sofá quando ele se inclina e fecho os olhos. — Não temos
dinheiro para te manter fora do estado. Não estamos te dando uma opção, apenas
esclarecendo os fatos. April já sabe que você não volta na segunda.
— Vocês nem deixaram eu me despedir direito. — A dor do choro em minha garganta
faz com que a voz saia entrecortada. — Eu… nem disse a Evanna que não participarei mais
das sessões.
— Sua tia cuidará de tudo. Vai mandar o resto de suas coisas e…
— Deviam ter falado comigo. Eu podia trabalhar antes, juntar algum dinheiro!
— Nós não queríamos que você se preocupasse! — Papai brada, erguendo a voz. —
Fizemos de tudo, Mackenzie. Eu tentei muito! — Fito-o. Ele está com os olhos fixos em mim,
uma camada densa de água cobre seus olhos. — Eu juro que tentei, mas não deu. Não
podemos arcar com as despesas da sua faculdade, você entendeu? — Não respondo. —
Entendeu, Mackenzie? — ele insiste e aceno a cabeça para concordar. — Ótimo.
— Nós sabemos, Mackenzie, que foi difícil para você naquela época, mas as coisas estão
diferentes agora. Todos nós estamos. — Mamãe tenta abrandar a situação, porque meu pai
e eu não brigamos. Nunca. E ele nunca perde a paciência comigo. — O que aconteceu com
Bryan foi…
— Minha culpa — completo ao erguer o rosto. — Minha culpa, eu sei — enfatizo, com a
voz embargada.
— Você não estará sozinha e é só uma questão de tempo até se acostumar.
— Eu… — Fico de pé, aspirando o ar com força. Sinto que estou prestes a desmaiar. —
Preciso de um minuto. — Viro em direção ao quarto.
— Seu quarto está meio bagunçado agora. — Paro ao escutar meu pai, viro nos
calcanhares para encará-lo.
— Como é?
— Minhas coisas estão lá. — diz, olhando para a minha mãe. — Vou limpar tudo e deixá-
lo livre, está bem?
— Por que as suas coisas estão no meu quarto? — Fecho as mãos em punho, a fúria
vindo devagar e tomando espaço. — Eu não tenho mais dezesseis anos, lembram? Posso
lidar com a merda que está acontecendo aqui!
— Olha a boca! — minha mãe me repreende.
— O quê? Sou madura o bastante para algumas coisas e outras não? Nate não conversa
comigo. Meu irmão me odeia. Molly está morta e vocês estão mentindo pra mim! Estão
divorciados, é isso?
— Não! — eles falam em coro.
— Estávamos dando um tempo — meu pai esclarece. — Mas conversamos antes de
você voltar e decidimos tentar de novo. Por você.
— Nossa, pai! Você não tem ideia de como me conforta! — ironizo, dou as costas para
eles e caminho em direção a saída.
Escuto meu pai chamar e minha mãe diz para que ele me deixe, que preciso de tempo e
espaço. Ela não está totalmente errada, mas, quando algo ruim acontece em Brigthtown e
acho que não vou conseguir lidar, telefono para a Dra. Evanna. Não posso fazer isso aqui,
preciso segurar as pontas, lidar com o turbilhão intenso de pensamentos e emoções que me
fazem perder o ar.
Bato a porta atrás de mim ao sair. Estou prestes a descer os degraus da escada da
varanda, mas algo me detém.
Bryan está bem ali, a poucos passos de distância e uma fumaça escura paira sobre sua
cabeça. Ele prende o cigarro nos lábios, puxa a fumaça e a solta. Chuta uma pedrinha
invisível com a ponta dos sapatos e se vira.
Estamos nos encarando. Há uma profusão de sentimentos entre nós. Os ditos e não
ditos; os problemas que não resolvemos e os que decidimos fingir que não existiam. E tem o
meu sentimento, aquele que me trai, que me faz ser irracional e cometer erros idiotas.
Estou com tanta raiva dos meus pais que fico cega e, assim como quando soube que
Sebastian morreu, prestes a desmoronar, lembro-me de como Bryan foi capaz de me trazer
de volta à realidade enquanto detonava a ponta dos dedos no tronco da árvore em frente à
minha casa. Sou fisgada por essa lembrança.
Dou passos longos em sua direção.
Um.
Dois.
Três.
Quatro.
Ele para, com o cigarro entre os dedos, e os olhos vidrados em meus movimentos. Há
dúvida pairando em seus olhos. Bryan não entende que o que estou prestes a fazer vai me
trazer de volta, acalmar minha alma, evitar que eu me entregue, assim como ele fez anos
atrás ao me ver desmoronar por Seb.
Cinco.
Seis.
Sete.
Oito.
— Preciso de um minuto — sussurro, com o coração batendo no topo da garganta. —
Preciso de um minuto — repito próxima a seu rosto, para que entenda.
E me lanço contra ele.
O sabor da boca de Bryan é diferente. Um misto de cigarro e bebida alcoólica se fundem
a minha boca com sabor de Coca-Cola. Suas mãos estão paradas, para baixo, espero que me
afaste, mas não faz. Porém, não está retribuindo o beijo. Afundo a língua em sua boca,
pedindo que ele faça o que preciso; que tranquilize minha respiração, coloque minha
cabeça de volta no lugar, que o tremor em minhas mãos e o suor que escorre da nuca às
costelas seja dissipado.
Tudo que eu quero é que Bryan me dê o minuto que tinha ao lado dele quando
precisava, onde ninguém me alcançava, porque ele estava por perto.
A fraqueza é tudo aquilo que faz com que você não se reconheça. Descobri minhas
fraquezas nos últimos anos, listei cada uma delas para que, no futuro, não cometesse erros
que incitassem minha cabeça a fazer julgamentos sobre mim mesma.
Nesta lista curta, porém perigosa, o primeiro erro é Bryan. Porque ele me odeia e sei
disso desde que recebi suas mensagens. Ainda assim, preparada ou não para lidar com ele,
aconteceu e estamos aqui. Nos reencontramos no meio do funeral de uma das pessoas mais
importantes para mim e, como consequência, descubro que terei que voltar para
Humperville, enfrentar de uma vez por todas tudo que optei por deixar para trás. É
sufocante.
Bryan segura meus pulsos, porque minhas mãos foram autoritárias em direção às suas
bochechas. Como se não fosse possível, ele conseguiu ficar ainda mais bonito,
transformando o perigoso em atrativo. E devagar ele as desce, colocando-as ao lado do meu
corpo.
Encaro seu rosto. Não está impassível desta vez, contém certa confusão lampejando no
brilho de seus olhos, o lábio contorcido para a direita, uma carranca firme que não irá se
desfazer só porque eu precisava de uma válvula de escape – que encontro nele desde os
meus quatorze anos – e essa desculpa não vai suavizar nossos problemas.
— Que porra você pensa que está fazendo? — Ele passa o dorso da mão direita
rudemente contra o lábio, dou passos para trás, com a intenção de manter distância. —
Sério, você tem merda na cabeça?
— Desculpa — sussurro, encolho os ombros como uma garotinha assustada, mas não
desvio o olhar. — Eu…
— Você nada. — Ele dá passos pesados em minha direção. As solas de seus sapatos
sociais parecem pesar uma tonelada, porque o barulho que causam contra o chão é
ensurdecedor. — Fica. Bem. Longe. De. Mim — diz pausadamente, estende o indicador para
apontá-lo para meu rosto e percebo um leve tremelicar na ponta.
Há muitas coisas que gostaria de dizer para ele, mas, acima de todas, é que lamento
muito tê-lo machucado tanto. Para Bryan, criar vínculos era a coisa mais difícil que ele
poderia fazer e, de tanto eu insistir, nos tornamos amigos. Não, mais do que isso. Melhores
amigos. Então ele se apaixonou por mim e o rejeitei, porque tinha medo da história se
repetir; porque renegava o meu próprio sentimento.
Beijá-lo, a fim de escapar de uma crise de ansiedade, fez com que a pequena chama
ganhasse vida e agora está queimando dentro de mim, espalhando-se gradativamente.
Enquanto me olha, desejo dizer muitas coisas a ele; que por mais que tente me afastar,
faremos parte da história um do outro.
Empertigo a coluna, inflo o peito inalando o ar o mais profundo que consigo. Cruzo os
braços para enfrentá-lo e disfarçar o pavor que se alastra por minhas veias.
— Não sei por que fiz isso. Não vai acontecer de novo — prometo a ele, meneando a
cabeça positivamente. Mesmo que meu coração sangre de vê-lo agir assim, respeito sua
decisão de querer manter distância.
— Ótimo.
O cigarro que ele fumava ainda queima na calçada cimentada sob nossos pés. Ele pisa
com força para cessar a fumaça e vira nos calcanhares, rumo a sua casa do outro lado.
Quando ele termina o caminho, vejo Vivian espiando pela janela. Ah, que droga!
— Você acabou de beijar o Bryan? — Giro o rosto em direção à voz grossa de Nate. Ele
mudou bastante; têm alguns fiapos de barba acima do lábio superior e a voz vem ganhando
força, tornando-se encorpada a cada passar de ano. Ao lado dele, Aidan fica de braços
cruzados, contorcendo a boca para não rir. — Você mal voltou e já tá causando estrago. —
No começo parece que Nate está falando sério, mas se desmancha em uma gargalhada
amargurada. — Quer um conselho, irmã? Fica longe desse terreno, Bryan não é o mesmo de
antes. Se não quiser ter seu coração destroçado em pedacinhos, fica na sua zona segura.
— Você sabia, não é mesmo? Que nossos pais planejavam me trazer de volta pra valer.
— Claro. — Ele se aproxima, com as mãos dentro dos bolsos da calça. — Mas muitas
coisas mudaram e quero deixar tudo esclarecido entre nós. Nós não somos amigos. Você
não me conhece e eu não te conheço. Se você sequer tentar intrometer na minha vida, não
poderemos conviver nem mesmo debaixo do mesmo teto. Essas são as regras, são simples.
Minha garganta seca fecha e não consigo dizer nada.
— Você entendeu? — Nate insiste, arqueando uma sobrancelha, como se estivesse
falando com uma pessoa incapaz de compreender até mesmo as palavras mais simples. —
Entendeu, Mackenzie?
— Nós somos irmãos. Bryan pode me afastar, nós não temos nenhuma ligação familiar,
mas você e eu somos diferentes — decido não dar o braço a torcer, Nate está chateado
porque não entendeu meus motivos, mas prefiro acreditar que ele entenderá no futuro. —
Você sabe que é verdade.
— Sermos irmãos não pareceu ser algo com que você se importasse quando foi embora.
Então, na verdade, não sei. Entendendo ou não, se atravessar esses limites, estaremos em
guerra e eu não perco.
Nate passa por mim com os ombros rijos.
— Mais uma coisa — ele para, ombro a ombro comigo —, fica longe dos meus amigos,
Mackenzie.
Aidan assiste meu irmão me colocar para baixo com atenção, sem dizer uma palavra.
Quando Nate termina e caminha em direção à casa, o loiro platinado fica me encarando,
como se esperasse que eu retrucasse meu irmão. A verdade é que muitas coisas
aconteceram hoje e não sei se consigo comprar briga com Nate agora.
— Parece que as pessoas nessa cidade te odeiam — conclui, com um sorrisinho
complacente. A princípio, acho que está zombando de mim, mas depois percebo que está
sentindo pena. — Mas se quer um conselho, Wilde, vai devagar. — Aidan passa por mim,
enviando uma piscadela cúmplice.
Vejo-o partir em direção a minha casa. Quero entender a história de Aidan com Bryan e
minha família, mas não é o momento para isso. Espero alguns minutos antes de ir para a
mesma direção que ele.
“Se você está se perguntando se ainda te amo
Depois de tanto tempo longe
Aqui está o que eu vou te dizer
Eu realmente não te quero de volta
Eu só quero a vida que tivemos
Eu realmente não te quero de volta, não, eu não quero
Não, eu realmente não quero você por perto”
I DON’T WANT YOU BACK – AJ MITCHELL

Queria ser capaz de externar a raiva que sinto, que meus olhos transmitissem a cólera
mordaz que contorna minha íris. Independente disso, sei que nenhuma palavra que saia da
minha boca será capaz de demonstrar a ira crescente como fogo que permeia por minhas
veias; o sangue do meu corpo fica em efervescência assim que os lábios de Mackenzie Wilde
tocam a minha boca. Ser beijado por ela, do nada, depois de quase dois anos, faz com que a
raiva equilibrada entre em erupção.
É como acender um vulcão que esteve sob controle e, agora, o que expele de mim é uma
quantidade absurda de rancor, extinguindo-se vastamente.
Encaro minha casa à frente, a passos rígidos me direciono para lá.
Sexo é o que resolve tudo para mim. Não me surpreenderia se com Mackenzie isso
também funcionasse; existe um ser desprezível dentro dela, um que poucas pessoas
reconheceriam. Não me orgulho de pensar assim. A raiva dentro de mim foi o mecanismo
de defesa que encontrei para continuar a vida depois da prisão, melhor dizendo, depois de
ter sido traído.
Puta merda, nada doeu mais do que descobrir que havia sido traído por ela, que
Mackenzie me entregou para a polícia sem considerar o que eu havia lhe dito. A bomba
estava na minha mão, mas não pedi por ela. Fui colocado no meio de toda a confusão e
paguei por pecados que não eram meus.
Dois meses na prisão me fizeram pensar sobre minhas escolhas, mas principalmente
reconhecer que precisava encontrar meu lugar no mundo. Nunca fui do tipo que colocava
as necessidades alheias acima das minhas, mas, quando conheci Mackenzie, ela estava
acima de tudo. Colocaria-me na frente de um trem se isso garantisse que ela estaria feliz e
segura. Eu me dei conta de que faria qualquer coisa por ela sem hesitar. E é aí onde mora o
perigo.
Estar tão vulnerável para alguém significa criar brechas para que essa pessoa destrua
você.
Se você cria essa possibilidade, com certeza no final acabará na cadeia na companhia
dos destroços do seu maldito coração.
Fui preso com um pensamento infantilizado de que faria qualquer coisa para proteger
aqueles que amo, incluindo meu pai e Mackenzie. Mas, assim que fui solto, deparando-me
com uma realidade oposta à minha, descobri que precisava crescer.
Mackenzie tinha ido embora sem deixar rastros, quebrando a promessa de que não
seria uma nova “Lilah” em minha vida. Meu pai e minha mãe estavam em um
relacionamento tão lixo, por tudo que aconteceu, que não resistiram. Foi quando me dei
conta de que a vida que um dia conheci não existia mais. Tudo tinha mudado da noite para
o dia e eu também precisava mudar.
Fiquei apavorado, para dizer o mínimo. O garoto introspectivo de dezessete anos estava
sucumbindo em um mundo obscuro. Oprimido pelo medo, optei por aquilo que me daria
forças para enfrentar aqueles problemas: cedi à raiva.
Sabe como é se entregar para aquilo que enfraquece tudo que há de bom em você? Te
transforma em alguém totalmente diferente do que você se lembrava. Encarar-me no
espelho hoje é enxergar um Bryan com ideais diferentes e uma paciência de merda. Olhar
para dentro de mim é horripilante, porque tudo que encontro é um mar turbulento de
angústia e rancor. Ver Mackenzie Wilde é despertar tudo de ruim que tento manter fora de
alcance.
Antes de subir os degraus da varanda, cuspo a saliva intoxicada por ela.
— Eu vi vocês.
Assim que entro em casa, vejo minha mãe escorada no corrimão da escada. Os ombros
baixos e a expressão apreensiva. Imagino o que esteja se passando em sua cabeça. Vivian se
tornou uma mulher extremamente protetora depois de eu ter sido preso. E bem, mesmo
depois de tudo ter se esclarecido, que fui inocentado e só estava fazendo aquilo para
proteger nossa família, ela meio que decidiu que passaria o resto da sua vida tomando
decisões a fim de cuidar de mim.
— Você viu o quê? — Estou tirando o paletó quente e o colocando no gancho atrás da
porta, preso à parede.
— Vocês se beijando.
— Ela é maluca. Esquece isso.
— Eu sou contra — enfatiza, erguendo o queixo para se impor. Seguro os lábios para
não deixar que repuxem e me aproximo dela. Seguro-a pelos cotovelos e a trago para perto.
Beijo delicadamente o centro de sua testa.
— Você é contra o quê?
— Sou sua mãe e sou contra um relacionamento amoroso entre você e Mackenzie.
Reviro os olhos impaciente.
— Não revire os olhos para mim, Bryan. Estou falando sério.
— Tudo bem. Eu e aquela garota somos tudo, menos um casal.
— Ótimo. Ela te mandar para a prisão colocou certo juízo nessa sua cabeça oca.
Estaco no lugar e afasto o suficiente para conseguir enxergar o lampejo preocupado em
seus olhos e acaricio sua nuca. Cresci alguns centímetros, a cabeça de minha mãe bate na
altura do meu peito.
— Não sou mais criança, consigo decidir sobre os meus relacionamentos sozinho.
— Eu sei que consegue, mas honestamente? — Ela dá um passo à frente, ficando mais
próxima. — Não confio em você quando se trata dela — pontua, afundando com firmeza o
indicador em meu peito.
— Eu a odeio pelo que aconteceu — afirmo, e a afasto do caminho para abrir passagem
para o segundo andar. — Se tratando dela, não preciso de proteção.
— Eu não a odeio, Bryan. Só não quero que se machuque.
— Mãe, relaxa. Sobre a Mackenzie, está tudo sob controle.

Anarchy tem sua melhor definição através do nome. Falar sobre o bar do Jack, é
exatamente como encontrar no dicionário o sinônimo para anarquia. Motoqueiros se
reúnem, pessoas de todas as raças e etnias circundam pelos arredores de um bar de três
andares, sendo o subsolo o submundo de Humperville. Eu queria ter conhecido esse lugar
antes.
Jack Donavan criou um império para homens e mulheres desajustados, encontrou um
jeito de fazer com que cada pessoa excluída da sociedade se reconheça dentro das paredes
da Anarchy. Esse é um dos motivos pelos quais é o lugar para onde vou quando estou com a
cabeça cheia. Não tenho idade suficiente para estar aqui, mas Ashton mexeu uns pauzinhos
e me arrumou uma identidade falsa enquanto não completo vinte e um.
Comecei a frequentar o Anarchy depois de conhecer Ashton Baker, Finnick Taylor e
Aidan Lynch. Nos conhecemos no “Clube dos quatro”, nome que Willian Skinner deu,
inspirado em Clube da Luta, para que víssemos os encontros de terapia na quinta-feira, às
cinco da tarde, como algo familiar. É claro que deu certo.
Pessoas que não sabem onde é seu lugar no mundo, quando encontram outras com
problemas tão ruins quanto os seus, tendem a funcionar melhor juntas. Nós quatro
estávamos lá porque uma merda grande havia acontecido em nossas vidas, embora
tivéssemos encontros semanais individuais com o Dr. Skinner, ele estava disposto a fazer
com que nós pudéssemos ter algo em comum o bastante para render uma amizade.
Teimosos como somos, o primeiro mês foi insuportável para mim. Não queria continuar
aquilo, já era difícil demais ter que compartilhar meus problemas com um médico, quem
dirá com caras que nunca encontrei na vida.
Então, surgiu a The Reckless.
Um projeto com a iniciativa mais piegas que poderia existir.
Willian queria que nós criássemos algo juntos. Não importava o quê, precisávamos fazer
isso em dois meses e aí ele suspenderia todas as sessões de terapia em grupo. Skinner
costuma dizer que somos como diamantes brutos, que precisam ser lapidados, e ele é o
homem que tem as ferramentas necessárias para que cheguemos lá.
Eu não acreditava que nós quatro podíamos ter algo em comum, até que Aidan teve a
grande ideia de fazer uma “festa na piscina com poucos convidados” em sua mansão luxuosa
e convidou todos nós, mas o que nos convenceu de verdade fora a sala de jogos que ele
mencionou em um dos encontros com o clube.
Em menos de quatro horas descobrimos o que tínhamos em comum: gostávamos de
música. Aidan sabe tocar bateria, Ashton contrabaixo, Finnick guitarra e eu canto. Canto e
toco violão.
É estranho como algo tão pequeno toma proporções inimagináveis quando a sua vida
está no auge do fracasso. Finalmente tínhamos o que Willian Skinner tanto pediu: um
projeto para apresentarmos. Montamos tudo em dois dias. Ashton é bom com o
computador, montou uma arte minimalista, porém significativa para a banda. Tínhamos um
diamante com rupturas abaixo do nome The Reckless. Garotos imprudentes que precisam ser
lapidados.
Nunca estive tão animado com uma coisa como estava com a The Reckless. Já fazia algum
tempo que meu coração não balançava por nada e a sensação foi tão boa para nós que
decidimos levar a sério. Começamos a ensaiar no porão da casa de Ashton, que, apesar de
ter uma herança bilionária, preferiu não morar mais com os pais quando completou vinte
anos.
Tínhamos uma banda e um propósito. Foi assim que quatro garotos, com uma carga
emocional pesada, tornaram-se amigos. Não diria que os membros do clube dos quatro
contariam tudo da vida um para o outro, mas com certeza mataríamos um pelo outro.
Sorvo o odor da sala, contorcendo o nariz em uma careta. O cheiro de suor, uísque
barato, cerveja e cigarro se mesclam. A nuvem espessa de fumaça bafejando nicotina no
quadrado, que é a sala privada do Anarchy, deixa-me zonzo.
Saímos do palco tem vinte minutos e estamos esperando os nervos se acalmarem para
sairmos e aproveitar as regalias de ser a banda da casa esta noite.
Tocamos todos os fins de semana para o Jack. Um negócio fixo, que rende uma boa
grana e consigo ajudar minha mãe com as dívidas que o filho da puta do meu pai deixou.
Finnick dedilha o violão, Ashton sentou-se ao meu lado, com uma cerveja na mão, e
Aidan fica mexendo no celular o tempo todo. Ele está uma pilha de nervos desde que seu
pai, Darnell Lynch, iniciou um relacionamento com uma mulher quinze anos mais nova que
ele: Dannya Monaghan, que coincidentemente se tornou minha vizinha. Como se não
bastasse para deixar Aidan puto, Dannya tem uma irmã mais nova: Gravity. Agora elas não
saem mais da casa dos Lynch. Willa, a irmã mais nova de Aidan, lida melhor com a situação
que ele. Nós não sabemos como ajudá-lo a aceitar que o pai tem todo o direito de encontrar
uma nova pessoa.
De nós quatro, Aidan é o mais certinho. Ele não fode, faz amor.
É delicado como uma margarida e, enquanto para mim sexo resolve o que minha mente
se recusa a pensar, para Aidan é só mais um problema. Se não estiver envolvido
emocionalmente com a mulher com quem quer ir para a cama, significa perigo no dia
seguinte. É por isso que Aidan é o peso de porta do grupo, o que mantém as situações em
seu equilíbrio perfeito. Sem ele, Ashton, Finnick e eu estaríamos num poço fundo e escuro
de merda.
Então, aí vai o meu conselho para pessoas problemáticas: encontre seu equilíbrio.
Seguro o lábio inferior com a ponta dos dedos. A franja longa do meu cabelo cai diante
dos meus olhos, mas estou concentrado demais nos meus pensamentos para me sentir
incomodado.
— Qual é o problema? — Escuto a voz embolada de Ashton ecoar. Sentado ao meu lado,
consigo sentir quando se move para ajeitar a postura no sofá velho da sala privada.
Sinto que os outros também estão olhando para mim. Ergo os olhos e flagro Aidan
parado diante de mim, com o celular petrificado entre os dedos, mas não está mais dando
atenção para o Instagram. Ele quem cuida do perfil da The Reckless, apesar de todos nós
movimentarmos ela.
— Você tá estranho.
Sei que a expressão de Aidan é de quem está prestes a dar com a língua nos dentes.
— Não! — aviso com o tom duro.
— Não o quê? — Finn para de dedilhar o violão para nos dar atenção.
Meu corpo está todo tenso desde ontem à noite. Aquela vaca voltou e não tenho ideia de
como vou lidar com isso. Apesar de ter jurado a minha mãe que estava sob controle, sinto
que vou explodir a cada segundo. A pessoa que me mandou para a cadeia está dormindo na
casa ao lado da minha e não tem nada que eu possa fazer.
— Ele não quer que eu conte o que rolou ontem depois do enterro da Molly — Lynch
está me provocando, com um sorriso debochado desenhando os lábios.
— Tá, você dormiu com a Faith. Isso a gente sabe. — Finn coloca o violão de lado e puxa
o pufe redondo onde está sentado para mais perto. — O que tem de mais? — Ele mira
Aidan e recosto me acomodando mais ao sofá. Ergo o queixo para Aidan, desafiando-o a
contar a eles o que eu pedi, claramente, para não fazer.
— Espera aí um pouco. — Ashton se inclina para a frente porque estou evitando olhá-lo.
Ele tem uma habilidade incrível de notar quando estou mentindo e é a coisa que mais odeio
nele. — Nós temos algumas regras. Nada de mentiras, principalmente se for uma que vai
interferir nos nossos planos. Por acaso é algo que pode interferir?
— Com certeza — Aidan fala.
— Não — respondo ao esticar o braço para deixar o copo vazio do uísque, que terminei
há pouco.
— Você sabe que não sou do tipo que fica interessado nos seus problemas. — Finnick
tomba para a frente, ficando na mesma posição que Ashton e me encara. — Mas algo me diz
que é sério. — Ele aponta o indicador com a tatuagem de um diamante envolto com anéis
de prata. — Desembucha.
— Bryan! — Ashton diz meu nome com seu tom imperioso costumeiro. Ele é estourado
e nem por ninguém ousaria entrar em uma briga com ele. — Abre logo a boca e diz o que tá
pegando.
— Aquela garota — começo sem olhar para nenhum deles especificamente. Estico a
mão para o lado, deslizando-a sobre a mesa em busca do maço de cigarro. Pego um e o
acendo. — Ela voltou. — Pinço o cigarro com os dedos e o afasto dos lábios para expirar a
fumaça.
— Por que te incomoda? Ela estar de volta? Grande merda! É só agir como se ela não
estivesse aqui e os seus problemas estarão resolvidos. — Tento entender seus momentos
curtos de explosão intensiva porque, assim como eu, Ashton tem a sua história e um
passado. — Qual é mesmo o nome dela? — Vira o pescoço para Aidan.
— Mackenzie — digo antes de Aidan. O nome dela é como ácido na minha língua. — Não
é tão simples assim, Ashton. Nós convivemos com Nate.
— É melhor ainda — Ashton diz, brincando com a corrente prata no pescoço. — Ela está
de volta, Bryan. Brinque com ela. — Levanto a cabeça rumo a ele, com a testa vincada. —
Você foi inocentado diante de toda a cidade, seu padrinho foi afastado por um ano do cargo
de delegado por ter sido tão filho da puta e, de qualquer forma, você não estava errado. Só
estava com medo e tomou decisões querendo proteger a sua família. Eu teria feito o mesmo
que você. E, por pior que tivesse sido, você também tentou protegê-la. Em forma de
agradecimento, ela te mandou pra cadeia.
— Ah, qual é? — Aidan bufa, chuta o pé da mesa de centro e revira os olhos. — Eu olhei
nos olhos dela. — Ele aponta para o próprio peito, consigo perceber a indignação em sua
voz. — Ela está tão assustada quanto você. Eu conheço aquele elástico no pulso. —
Gesticula para o meu pulso. — Ela deve ter passado por poucas e boas também. Vocês eram
amigos, ela te amava, te entregou porque estava com medo.
— De que lado você está? — Ashton entrelaça os dedos entre as pernas, encarando
Aidan com desaprovação. — Não importa que ela mandou Bryan para a cadeia porque
estava com medo. Foi covarde do mesmo jeito. Nós temos que apoiá-lo. É isso o que nós
somos, é para isso que criamos a The Reckless, porque, quando não sobrar mais ninguém
nessa droga de mundo, é com ela que podemos contar. A banda acima das garotas, nós
acima de todos. Somos uma família, é assim que lidamos com as coisas.
Fecho os olhos enquanto inalo a fumaça do cigarro que queima entre meus dedos. Coço
a sobrancelha com a ponta do polegar e movo os olhos para ver a tensão nos ombros deles.
Eu amo cada um por se importarem comigo, valorizo o que nós criamos em busca de
superação e estou pronto para qualquer coisa, exceto para perdoar Mackenzie, como Aidan
insinuou ontem e, mesmo sem dizer essas palavras agora, sei que é o que ele espera que eu
faça.
Eu quero que Mackenzie Wilde se foda e não ligo para quantos problemas ela teve
depois de ter me mandado para a prisão. Não importa quão difícil tenha sido para ela, nada
se compara ao que eu passei por sua causa. Dormir com medo de acordar com uma faca no
pescoço ou ser sufocado pelas mãos grotescas de Lance, meu companheiro de cela.
Dave estava com medo do que eu poderia contar à polícia, portanto colocou seus
capangas de dentro da prisão para me vigiar. Passei dois meses vivendo na sombra do
medo. O sentimento me acompanha até hoje e, nem de longe, o que ela passou pode ser
comparado ao que aconteceu comigo.
Eu devia ter dito a verdade, mas Mackenzie tinha princípios certos demais para
compreender minhas escolhas. Ela vivia em uma bolha atmosférica diferente da minha,
onde em seu mundinho tudo era perfeito.
Apago o cigarro no cinzeiro quando minha cabeça começa a doer com tantos
pensamentos inúteis.
— Onde está Faith quando preciso dela? — Ajeito a jaqueta de couro ao me levantar.
Eles me acompanham com os olhos quando caminho em direção à porta.
— Ei! — Aidan chama, mas o ignoro. — Você sabe que te apoio, Bryan. Nós estamos
juntos nessa. — Minha mão está parada sobre a maçaneta da porta e assinto para ele antes
de sair.
Finnick não diz nada, só está encarando o lugar onde eu estava sentado segundos atrás.
Ele é assim, fica de fora de qualquer conflito. Às vezes, é irritante e nós o consideramos
preguiçoso demais para pensar em assuntos complicados, mas Finn é inteligente e o melhor
guitarrista que já ouvi tocar.

Tem um monte de coisas que não queremos saber sobre as pessoas que amamos. Essa é
uma frase do livro Clube da Luta, de 1996, e quando meus pais se separaram foi a primeira
história que me sentei para ler sem que me distraísse com os sentimentos ruins que tinha
daquele divórcio. Eu me sentia culpado por ver minha mãe chorar, em dívida com ela por
ter passado pelos dois meses mais infernais de sua vida e ainda assim ter permanecido de
pé por mim. Mães nunca serão verdadeiramente compreendidas. Elas estão sempre
dispostas a caminhar sobre a brasa pelos filhos.
Nada é estático. Tudo está desmoronando. Outra frase desse livro. Ela fez tanto sentido
para mim na época, que me dei conta de que tudo precisava ser destruído para que eu
pudesse recomeçar. Às vezes, o único jeito de dar passos na direção certa é acabar tudo
aquilo que você mais ama. Sair da zona de conforto. Experienciar o sentimento de dor
imutável.
Tudo que vivi até agora fizeram de mim o que sou hoje. Não me reconhecer quando olho
no espelho não significa que não esteja orgulhoso de ter dado a volta por cima, porque
decidi fazê-lo sozinho. Não me escondi no quarto. Não tentei afastar minha mãe porque
estávamos vivendo um momento onde precisávamos desesperadamente um do outro. Ela
com certeza será a única mulher por quem meu coração vai bater mais forte pelo resto da
minha vida.
Consigo sair do ar enfumaçado do corredor das salas privativas do bar. Deixo para trás
a conversa amarga de Ashton, o silêncio do Finnick – e não o culpo – e Aidan. Sempre ser
amável é irritante. Meu amigo consegue chegar a esse nível.
Subo as escadas rumo ao segundo andar, onde Effy trabalha como barwoman. Não foi
fácil conseguir essa vaga para ela. Felizmente Jack é um conhecido próximo e bastou
algumas conversas com um pouco de pressão para fazê-lo ceder. Effy quer o emprego para
poder ir morar sozinha quando começar a faculdade. Ela foi outra que teve seus planos
frustrados, mas, dessa vez, não tem nada a ver com Mackenzie, ou não totalmente.
Effy Cohen tem o coração mais doce que já conheci, as aparências podem mostrar uma
mulher durona, mas, no fundo, ela sofre mais que qualquer um. Quando soube que
Mackenzie tinha ido embora sem se despedir, exatamente como Lilah havia feito, Effy se
calou. Pensei que nós não iríamos mais ser amigos, não fazia sentido, porque Mackenzie era
o nosso elo; quem nos unia e nos mantinha ligados um ao outro, mas Effy conseguiu me
surpreender. Passei sessenta e dois dias na prisão. Ela me visitou toda semana. Me levava
sapatos novos, xampu e sabonete. Fiquei surpreso, Effy estava sendo a amiga que eu
gostaria que Mackenzie tivesse sido.
Soube uma semana depois apenas que Mackenzie tinha partido e esse era o motivo pelo
qual ela não tinha ido me visitar ainda. Quando finalmente fui solto, descobri que não era
uma partida temporária. Mackenzie estava fugindo de mim porque tinha me apunhalado
pelas costas. O delegado e meu padrinho, Ryan McCoy, contou para a minha mãe que o
depoimento que tinha me levado a prisão havia sido o de Mackenzie. Até então estava tudo
certo. Ela estava encurralada, precisava sair daquela confusão e não a culparia. O erro de
Mackenzie foi afirmar, sem ponderação, que as drogas eram minhas e que a arma que
estava comigo também era minha. Não tinha como eu sair de uma acusação dessas tão
facilmente. De qualquer forma, Ryan foi rebaixado do cargo um tempo depois por
negligenciar uma investigação.
Eu precisava fazer uma única coisa: pegar a merda da mochila e levá-la até Jev. Sequer
sabia o que tinha dentro dela, porque essa era uma regra clara. Eu nunca, em hipótese
alguma, devia abrir as encomendas de Jev. Para o meu próprio bem. Hoje entendo o porquê.
Embora soubesse que aquela área da cidade só podia significar isso. Mas a dívida do meu
pai com a família Adams estava quase acabando. Eles pegaram tantos carros e servi de
transportador para Jev por quatro meses fodidos, era a última vez que faria um favor a Jev
em prol de ajudar meu pai. Estaria tudo acabado e eu poderia voltar para a minha vida.
Mas ela estragou tudo.
— Olha quem apareceu. — Effy esboça um sorriso quando termino de subir o lance da
escada. — Vem, vou te servir vodca tônica, tá com uma cara péssima, McCoy!
Effy sempre usa muita maquiagem para trabalhar atrás do balcão. Ajeito-me em um dos
bancos altos, apoiando os cotovelos no tampo lustroso enquanto a assisto se mover atrás
da barreira de madeira. Anda de um lado para o outro, para pegar a vodca e a tônica. Coloca
um copo fundo na minha frente para servir. Reparo no cabelo curto e desgrenhado, o suor
escorrendo por sua nuca e entrando pela pequena abertura do corpete de seu vestido. Ela
seca a mão na saia de tule preto volumoso.
Ajeito a lapela da jaqueta de couro e umedeço os lábios, sinto-os secos e ardendo. Olho
em volta para ver se encontro Faith.
— Ela ainda não chegou — conta com um sorrisinho ao servir a dose de vodca.
— Viu? É por isso que você deveria ser minha garota. Não ela — brinco bebendo um
gole do drinque.
— É exatamente por esse motivo que eu não deveria ser a sua garota. — Ela está
piscando pesadamente as pestanas, as pálpebras têm um brilho por causa do glitter preto
da maquiagem.
— Nossa! — Espalmo a mão contra o lado esquerdo do peito. — Essa machucou, Effy.
Nós seríamos um excelente casal.
Ela semicerra as pálpebras em minha direção.
— Nem se você fizesse todos os exames de IST1 disponíveis nesse mundo! — Com um
borrifador, Effy espirra álcool na superfície do balcão para limpar o suor. Levanto o
cotovelo para facilitar seu trabalho. — E mais uma coisa, você quer diversão, eu quero
diversão, mas não com alguém que tenha dormido com qualquer garota que tenha sorrido
pra você nos últimos 12 meses.
— Meu Deus, você é tão pretensiosa! — rio, bebendo a vodca. Ela queima a minha
garganta, mas não tanto quanto eu gostaria. Principalmente para esquecer o ácido da saliva
de Mackenzie da noite passada. — Qualquer cara da minha idade, com os hormônios
agitados, dormiu com qualquer garota que tenha sorrido diferente.
— Você é ridículo. Não acredito que se formou com honra em 2017, na Saint Ville.
A quantidade de pessoas ao nosso redor aumenta conforme a noite cai. Ninguém está
interessado em ir para casa e estou ficando cansado de esperar por Faith Jones.
— Estava esperando que você dissesse, mas quer saber? Que se dane! — Effy joga o
pano úmido de álcool diante de mim, depois de ter servido três motoqueiros grandalhões.
— Você pretende me contar com detalhes o que rolou entre você e a Passarinho na noite
passada? — Mackenzie se tornou o “nome que não deve ser nomeado” entre mim e Effy.
Ambos estamos magoados, talvez Effy consiga perdoá-la mais facilmente, mas eu não
pretendo nem tentar. Demos esse apelido porque Mackenzie agiu como um pássaro; foi
embora quando o inverno chegou em sua vida.
— Aidan é um linguarudo! — Bato com o fundo do copo no balcão, gesticulo para o
recipiente vazio e peço por mais ao repetir a batida. — O que ele te contou agora?
Todos eles acabaram se tornando amigos. Qualquer um que queira estar perto de mim,
precisa aceitar que Effy é o bônus no pacote. Nem quando Faith se tornou sexo fixo, ela
conseguiu fazer com que nós nos afastássemos. Porque Effy ficou e Mackenzie se foi; isso a
torna importante demais para mim.
— Sabe, às vezes sinto falta do Bryan introspectivo! — brada com uma revirada brusca
de olhos. Apoia as mãos na cintura como minha mãe faz quando está prestes a me dar um
sermão que vai durar horas. — Me conta logo o que aconteceu.
— Ele já não te contou?
— Mas quero ouvir de você. Não pude ir à cerimônia da Molly porque recebemos
mercadoria ontem. Precisei ficar para receber.
— Sim, ela realmente voltou. Sim, ela me beijou.
— Eca, que nojo! É porque ela não sabe que a sua língua esteve na boca de Faith
algumas horas antes. — A expressão de Effy está se contorcendo em uma careta fofa. As
covinhas que Mackenzie tanto falava aparecem quando ela sorri, o rosto pálido e sardento
se enruga drasticamente quando está indignada ou chateada. — E como Nate está?
Não faço ideia de como Nate reagiu ao retorno de Mackenzie. Ele não fala muito sobre
ela desde que, definitivamente, parou de conversar com a irmã. Tudo que ouvimos de sua
boca foi: “Mackenzie escolheu me abandonar, farei o mesmo”. O assunto com ele também se
tornou proibido e sempre que um de nós tentava, ele explodia. Foi assim que o Clube, que
era dos quatro, tornou-se dos cinco, porque Ashton teve a ideia de levar Nate para as
sessões de terapia grupal às quintas-feiras.
Lá descobrimos que Nate guarda tanta raiva para si, que é como uma bomba-relógio
prestes a explodir. Todo mundo tenta ser ameno com o garoto por esse problema, exceto
eu. Sei lidar com raiva excessiva porque Ashton, às vezes, explode e não tem ninguém que
consiga acalmá-lo. Não até que ele esteja bêbado demais para se lembrar o motivo que o fez
ficar puto. Nós encontramos um jeito de suprimir a raiva de Nate, além de levá-lo ao Clube
dos quatro – sim, nós ainda chamamos assim, mesmo que agora tenhamos Nate –,
descobrimos que ele tem uma memória de elefante. Agenda todos os nossos shows.
— Ei! — Effy estala os dedos na frente do meu rosto. Os pensamentos toldaram minha
visão e preciso sacudir a cabeça para afastá-los. — E o Nate?
— Eu não sei. — Dou de ombros, pego o celular no bolso da jaqueta de couro para ver a
última mensagem que enviei. Ele não respondeu.

Bryan: E aí. Precisa sair um pouco?

Mandei na sexta-feira à noite, depois de ter voltado para casa, mas Nate não respondeu.
— Nenhuma resposta desde ontem à noite. — Mostro a tela do celular para Effy, que
deixa os olhos com uma fenda minúscula para tentar enxergar as letras. — Falo com ele
amanhã. Minha mãe convenceu a Dannya a fazer um almoço por causa de Jasper.
— É bom, né? Assim ele não fica sozinho. — Effy se aproxima, ao debruçar o corpo
sobre o balcão.
— O quê? — Afasto-me quando ela está perto demais. Os seios estão pressionados entre
os braços grossos. — Você sempre joga seus peitos pra cima de mim. Que horror, Effy! —
Caio na risada, mas ela está entortando as sobrancelhas em reprovação.
— Cale a boca! — Ela revira os olhos e não se afasta. — Você é quem tem que manter
seus olhos longe dos meus belíssimos seios. Mas, falando sério — com o indicador, afunda a
ponta no centro de minha testa e me empurra de leve —, acha que devo falar com ela? Quer
dizer, eu senti falta dela, mas não quero deixar você desconfortável. Nós nos aproximamos
muito e valorizo o que nós temos, Bryan. Sua amizade foi tudo o que me sobrou depois de
Seb, Lilah e Mackenzie.
Controlo a vontade de revirar os olhos. Posso fazer escolhas por mim, mas não posso
decidir por Effy e, assim como ela se importa com o que sinto, também me importo em
como ela se sente.
— Você sabe a minha opinião sobre ela. — Batuco com a ponta dos dedos na madeira,
evito olhá-la nos olhos. — Se quiser falar com ela, por mim tudo bem, porque não vou te
privar de tomar suas decisões, mas não espere que vamos compartilhar o mesmo espaço.
Não vai acontecer.
— Sabe de uma coisa? É essa raiva dela que te adoece. — Effy aponta o indicador
gordinho para meu rosto. — Já faz tempo, ela tinha dezesseis anos e estava assustada. Seu
padrinho colocou tanta pressão na pobre coitada, que as coisas fugiram do controle. Ele
admitiu que foi longe demais.
— Não interessa. Eu teria sido preso para protegê-la. — Aperto com força o copo de
vidro com a mão direta envolta nele. Sinto as paredes firmes do vidro amolecerem com a
força que imponho. — Eu não ligo para o que ela sente, Effy.
Ela estica a mão para tirar o copo que estou pressionando. Seria o décimo que quebraria
só com a força das mãos.
Meus pensamentos são a adrenalina para despertar a raiva que sinto de Mackenzie. É
quando eu me lembro do quanto a amava que me ferra. É saber que eu teria dado tudo para
ela sem receber nada de volta.

“Eu gastei muito tempo focando no que costumávamos ser?
Estou inventando detalhes nas lembranças?
Fiquei presa nesse lance meu e seu?
Bem, espero que não, porque eu amava o que tínhamos
Longe de vista não significa longe da minha memória
Não estou no seu espaço, mas você ainda está no meu
Espero que você não pense que eu poderia te deixar assim”
IF YOU NEED ME – JULIA MICHAELS

Antigamente as refeições em família eram uma questão de obrigatoriedade. É sábado à
noite e descubro que comer juntos, como antes, não é mais uma tradição. Meu pai me conta,
enquanto mastigo devagar um pedaço de pizza, que precisará sair daqui a pouco, porque
tem uma festa de dezesseis anos onde irá trabalhar com o buffet.
Subo os olhos em direção ao seu rosto. Desde a nossa discussão na noite passada, não
conversamos muito a respeito. Quis ligar imediatamente para tia April, brigar com ela por
ter escondido de mim os planos que meus pais tinham com a minha volta. Desisti também
porque, depois de refletir sobre o assunto, percebi que eles não tinham culpa. Nenhum
deles. O que aconteceu há dois anos desestruturou muitas vidas, bagunçou a mente e o
coração de muitas pessoas.
Apesar de entender e aceitar que não tenho mais escolha sobre o assunto, não consigo
me sentir em casa. Sair por tanto tempo e voltar de repente, está sendo difícil. Hoje, por
exemplo, passei o dia todo trancafiada no quarto. Embora tenha acordado às seis da manhã
para correr – um esporte que aderi para atenuar os pensamentos quando eles não me
deixavam em paz –, quando voltei para casa, fiquei no quarto o dia todo. Conferi as redes
sociais e fiz uma coisa que não fazia há muito tempo: visitei o perfil do Bryan no Instagram.
Mesmo bloqueada por ele.
Quando fui embora era algo que eu fazia quase todos os dias. Antes de ele sair da prisão,
conseguia repassar as fotos e olhar para as que tínhamos juntos. Dois meses depois, quando
foi solto, ele não só apagou todas as nossas fotos, como também me bloqueou.
— Vai ser difícil pra você, mas no final valerá a pena — meu pai está insistindo em ser
compassivo. No fim, decido só concordar com ele. — Ei, olhe para mim!
Levanto levemente a cabeça, como se pudesse calcular cada milímetro que meu queixo
se ergue para a direção dele. Fito os olhos cabisbaixos, a gravata borboleta torta e a lapela
do blazer amassada. Detenho a vontade de erguer a mão para ajudá-lo com a gravata e me
concentro em terminar o pedaço de pizza.
— Pai, eu já entendi. — Bebo um gole de refrigerante. — Será que podemos mudar de
assunto? — sussurro ao colocar o último pedaço na boca.
Ele assente, mas não retoma a conversa. Também não o faço. Mastigo lentamente.
Quando são quase oito da noite, papai sai de casa para o trabalho. Começo a lavar a
louça e mamãe desce para comer. Não conversamos direito desde ontem à noite, acho que
nenhum de nós é o mesmo. Afinal, a partir do momento que as opiniões se divergem em
uma família, os ideais e princípios mudam e se tornam completamente diferentes um do
outro, é complicado sustentar o relacionamento.
— Nate já comeu? — indaga encarando os dois últimos pedaços de pizza na caixa de
papelão sobre a mesa. Nego veemente com a cabeça enquanto enxaguo o último copo. —
Acho que vou pedir outra. Ainda está com fome?
— Não.
Mamãe bafora uma corrente de ar densa pelos lábios entreabertos. Apoio o queixo
sobre o ombro para olhá-la. Está usando o roupão cor-de-rosa felpudo da noite passada, os
cabelos úmidos caindo por sobre os ombros e gotejando o excesso de água.
— Tudo bem? — pergunto ao ver seus ombros tombarem para a frente. Ela fixa os olhos
em mim, puxa a cadeira da frente para se sentar e apoia os cotovelos no tampo da mesa
enquanto brinca com a ponta da caixa de papelão.
— Para ser sincera, Mackenzie, não estou. Realmente me sinto mal por você ter chegado
em um momento tão ruim. — Ela fecha os olhos inspirando fundo o ar quente. Sacudo as
mãos dentro da pia para me livrar do excesso de água e enxugo-as no avental que estou
usando. — Seu pai e eu estamos… pensando no que fazer. — Repuxa os lábios em um
sorriso entristecido, comprimo os meus me sentindo mal por eles.
— Se estão infelizes, não vejo por que continuarem juntos.
— Não é assim tão fácil, querida. Eu amo seu pai e sinto que ele ainda me ama também,
só… de um dia para o outro estávamos mandando você para Brigthtown, porque havia
drogas e uma arma dentro do carro onde você e Bryan estavam. E então Nate se fechou, não
falava com mais ninguém sobre como estava se sentindo e perdemos a linha. Paramos de
nos preocupar com nosso casamento para dar atenção a vocês. — Abro a boca para
questioná-la, mas sou interrompida por suas mãos sacolejando na frente do rosto. — Não
estou culpando vocês, de modo algum. Sem sombra de dúvidas, seu pai e eu consideramos
você e seu irmão as coisas preciosas que Deus nos deu. Mas, entende quando digo que meu
relacionamento com seu pai deixou de ser uma prioridade há muito tempo?
— Mãe, eu acho que vocês estão agindo como se Nate e eu ainda fôssemos crianças.
Claramente, não somos. Nate tem a idade que eu tinha quando fui embora, e sobrevivi
durante todo esse tempo sem ter vocês por perto me protegendo de tudo. Tá mais do que
na hora de vocês voltarem a priorizar o casamento. Não se preocupem comigo ou com Nate,
a gente consegue se virar.
— Obrigada por ter entendido os motivos de tomarmos a difícil decisão de trazer você
de volta. Eu sei que não será fácil, mas…
— Valerá a pena. Esse discurso tenho escutado desde ontem, mãe. Não se preocupe.
— Eu ia dizer que Bryan não é mais o mesmo e você precisa tomar cuidado.
Fito seu rosto pálido, contorcido em uma careta.
— Como assim? Pensei que ele e Nate fossem amigos.
Na sexta-feira à noite, depois de Nate ter me flagrado beijando Bryan, deu para perceber
que meu irmão valoriza a amizade que constituiu com ele. Não me espanto. Por fora, ele
pode parecer distante, estranho e demonstrar indiferença em relação a seus sentimentos;
mas, quando você o conhece bem o suficiente, pode-se dizer que Bryan é o melhor amigo
que alguém poderia ter. Não tenho dúvidas de que ele tenha prezado alguns desses
princípios. Ele é fiel àqueles que ama.
— Sim, eles são. Principalmente depois de ter sido inocentado.
Outra coisa que ninguém nunca me contou: como e por que Bryan saiu da prisão? Como
ele foi inocentado? Que provas ele tinha de que as drogas ou a arma não eram dele? Para
mim, naquela época, estava claro que Bryan se envolveu com coisas pesadas e com pessoas
com quem ele não deveria de jeito nenhum se relacionar. Então, o que foi que perdi? O que
foi que não vi que todo o resto viu?
— Só não se envolva emocionalmente com ele, por favor. Bryan tem prioridades
maiores agora e eu me sentiria péssima de ter que proibir o relacionamento de vocês.
Encrespo a testa em confusão.
— Mãe, Bryan e eu, nem em um século, teríamos um relacionamento além do que temos
agora. Ele me odeia e tem Nate, que praticamente me proibiu de me envolver com qualquer
amigo dele. E honestamente? Não estou nem um pouco a fim de criar confusão com ele. Já
temos problemas demais pra lidar — garanto a ela com um sorriso confiante. — Não vou
me envolver desse jeito com Bryan.

Nate desce para comer assim que entro no quarto. Ele está evitando encontros comigo e
depois de tudo que escutei dele, prefiro que não nos esbarremos pela casa, principalmente
para manter a trégua entre nós. Fico parada no meio de meu quarto, estou entre meus
pertences e as coisas do meu pai. Ele ainda não conseguiu tirar tudo, talvez porque o espaço
que ele tinha no quarto com minha mãe tenha ficado pequeno demais para os dois. No fim,
acabo não me importando com isso também. Estou considerando arrumar um emprego e
pagar por um lugar no dormitório do campus.
Escuto um barulho na rua e minha primeira reação é correr até a janela para espiar.
Afasto as cortinas para sondar. Bryan está entrando em um Dodge Charger 1970 preto. Não
sou fã de carros, mas aprendi um pouco sobre eles quando ainda era sua amiga e conheço
seu fraco por modelos antigos.
Bryan senta-se atrás do volante, agora ao telefone rindo de algo que escuta na ligação.
Inclino o corpo para a frente, sobre o parapeito. Pressiono a barriga contra as laterais e
ignoro o desconforto.
— Mackenzie? — A voz fraca e dócil vem do outro lado. Viro o rosto e me deparo com
Vivian, pendurada na janela de Bryan exatamente como eu estou na minha. Dou um sorriso
tímido para ela e aceno. — Já comeu? — Noto que está segurando uma blusa preta lisa nas
mãos e deduzo que está no quarto de Bryan para guardar algumas roupas.
Mordo o lábio inferior e meneio a cabeça em um movimento positivo.
— Ah, que pena! Queria te convidar para comermos juntas, conversar um pouco. Que tal
comermos uma torta de sorvete de limão? Fiz esta tarde! — Ela cruza os braços enquanto
espera por minha resposta.
— Claro. Eu adoraria. Hum… — Olho para a minha blusa cinza velha com um furo na
fenda entre os seios. — Só vou trocar de roupa e já te encontro. — Aponto por cima do
ombro.
Vivian diz que me esperará. Volto para o closet à procura de uma roupa melhor.
Encontro uma blusa branca com a frase Girl Power em cor-de-rosa. Visto uma calça preta de
moletom e calço meu All Star preto surrado. Desço as escadas com rapidez e encontro
mamãe sentada à mesa, ainda comendo a pizza.
— Aonde você vai? — Passo por ela amarrando o cabelo em um rabo de cavalo alto.
— Vivian me convidou para comer torta de sorvete — conto, apressada, ao terminar de
prender os fios.
— Agora? — Com os olhos esquadrinha o relógio digital sobre a geladeira, acompanho
seu movimento e vejo que já passa das oito e meia. — Está um pouquinho tarde, não acha?
— Mãe, eu acabei de concordar.
Para ser sincera, ficar no mesmo ambiente que Vivian e estar naquela casa outra vez
depois de tudo que aconteceu me assusta, mas se vou morar aqui, preciso voltar a me dar
bem com a família McCoy. Não Bryan, porque ele definitivamente ainda precisa de espaço,
mas se Vivian quer me dar alguma abertura, preciso aceitar. Os planos meticulosos que
tracei com a intenção de me proteger de Bryan e todo o resto acabaram sendo alterados
por tê-lo beijado contra sua vontade.
— Tudo bem, mas não fique até muito tarde, por favor.
— Volto antes das onze! — grito ao fechar a porta atrás de mim.
Atravesso os nossos quintais e de repente estou de volta anos atrás, quando Bryan e eu
ainda éramos amigos.
Estar na companhia de Bryan naquela época era a única coisa certa que eu sabia. Eu
amava, com todas as minhas forças, estar com ele.
Antes mesmo de terminar de subir os degraus da varanda, a Sra. McCoy está abrindo a
porta da frente.
— Que bom que você veio. Entre.
Ela abre a porta por completo e entro. Não consigo evitar a análise enquanto caminho
pelo corredor pequeno do hall, em direção à sala e perscrutando cada centímetro de cada
cômodo. Tudo está exatamente como me lembro: a cozinha americana impecável em seu
brilho lustroso, as portas pretas dos armários como se tivessem acabado de serem
instaladas e as banquetas altas ao redor da ilha com a pedra de mármore por cima.
Prendo o ar quando me lembro da festa de aniversário surpresa que preparei para
Bryan. Tudo é extremamente vivo na minha memória, como tinta fresca de uma parede
recém-pintada. Meu coração ainda ganha a guinada arrebatadora que turva meus sentidos
sempre que me lembro.
— Sente-se — pede ao apontar o indicador para a mesa quadrada de oito lugares na
sala de jantar. — Vou te servir um pouco de torta enquanto conversamos. — Assisto-a ir até
a geladeira, pegar a torta e servir em um prato de sobremesa. Batuco a ponta dos dedos
contra a pedra da mesa, evitando que o nervosismo se espalhe para o resto do meu corpo e
eu comece a suar.
Quando ela volta, está com dois pratinhos de sobremesa e os talheres. Coloca um deles a
minha frente e volta para buscar dois copos de água.
— Para você tomar depois que comer. Evita dor de garganta — comenta ao se sentar na
cadeira a minha frente. — Você deve estar se perguntando por que te convidei para vir até
aqui tão tarde, não é?
— Tem um motivo especial? — A colher com um pedaço da torta paira no ar, diante de
minha boca.
Quando Vivian não responde, desço a colher e a amparo no prato. Ela sorri sem graça e
entendo como resposta. Sim, tem outro motivo. Tinha pensado que fosse algo aleatório, que
ela estivesse apenas tentando me receber de braços abertos. Tinha considerado que ela só
estivesse curiosa quanto ao meu retorno, mas, por sua expressão entorpecida e o queixo
tremelicando enquanto me estuda, sei que é algo maior.
Nesse momento me lembro da noite passada. Eu beijei Bryan e ela estava na janela
assistindo tudo. As peças se encaixam facilmente agora que me dou conta disso. Tomo a
água, porque não pretendo mais comer. Olho para o creme de limão derretendo no prato
raso e as raspas que enfeitam a superfície escorrerem junto com o líquido. Parece uma
eternidade enquanto espero que Vivian se pronuncie, mas também noto o quanto está
nervosa. Embora a colher de sobremesa esteja na borda do prato, ela não consegue soltá-la.
Está prendendo entre os dedos o cabo fino de aço da colher, tornando os nós dos dedos
esbranquiçados.
— Você pode só dizer — incentivo-a me afundando ainda mais na cadeira onde estou
sentada. Ela parece desconfortável agora; embora o estofado da madeira seja grosso e
macio, é como se eu estivesse sentada em uma cadeira de rosas com espinhos.
— Olha, Mackenzie, meu plano era outro. Pretendia te trazer aqui e te proibir de ficar
perto do meu filho, mas quando olho para você, apesar de ter lembranças ruins, ainda me
lembro da garotinha que costumava ser. Graças a você, Bryan se abriu mais. Por sua causa,
hoje ele consegue ter amigos e expressar seus sentimentos. É pelo que vocês tiveram antes
que Bryan é quem ele é hoje. Nas coisas boas e ruins. Não posso tirar todo o seu crédito e
não consigo te odiar. — Ela sorri debilmente, mas não tem coragem de olhar para mim. —
Sua mãe e eu somos amigas há tanto tempo, que você acabou se tornando parte de mim
também. Eu só lamento que você tenha feito tantas escolhas erradas no passado, como, por
exemplo, mandar o meu filho para a prisão sem ter certeza de nada. Você não deu uma
chance a ele, Mackenzie. E por sua causa, ele passou pelos piores dois meses que um
adolescente poderia passar. É também culpa sua que Bryan vive uma vida tão
perturbadora. Eu não posso dizer por ele nem mesmo você, mas acredito que tudo que ele
sofreu dentro daquela prisão tenha matado o garotinho inocente que existia dentro dele.
Levanto o rosto para encará-la. Até então, estava entrelaçando os dedos da mão e
puxando com força o elástico de silicone preto que tenho no pulso. Cada vez que ele bate
contra a minha pele causando ardência, eu me lembro de que Bryan não foi o único lesado
na história.
O fato de ter sido preso não faz dele a única pessoa que se machucou. Fiquei péssima
por ele e pior ainda por mim mesma, por ter feito o que fiz. Mas se eu não tivesse feito,
talvez ele nem estivesse aqui. Talvez tivesse sucumbido nesse mundo sombrio e errôneo e
eu estaria chorando de arrependimento por não o ter entregado quando tive a chance.
— Eu sinto muito, de verdade — sussurro. Vivian está com os olhos avermelhados e, ao
redor, molhados com as lágrimas. — Talvez eu devesse ter dado uma chance a ele de se
explicar, mas Vivian… eu estava lá. — Vejo seus ombros ficarem tensos. — Bryan não era
mais o garoto que eu conhecia, não importa o que você diga para mim. Não importa o
quanto você ou ele tentem me culpar, Bryan já estava diferente há muito tempo. Tudo o que
eu fiz foi para tentar protegê-lo da pessoa que estava se tornando.
— Sabe por que Bryan estava com as drogas? — Com um impulso leve, Vivian está
debruçada sobre a mesa, murmurando com irritação. — Ele te contou por que estava tão
distante?
Nego com a cabeça.
— Exatamente. Você não sabia. Então, eu quero te contar. Antes de Casey abrir a loja de
carros, ele tinha um amigo empresário, influente e comprador de ações chamado Fuller
Adams. Na época, Bryan era um bebê quando Casey pediu emprestado a Fuller dinheiro
para começar seu próprio negócio. Ele tinha acabado de se formar e, diferente da família de
Fuller, Casey e eu não viemos de famílias ricas. Tudo que conquistamos, foi com trabalho
duro e nada nunca veio fácil para nós. É claro que Fuller emprestou o dinheiro, ele
considerava Casey como um irmão, parte da família. Até que dois anos atrás ele apareceu,
cobrando o empréstimo de Casey. Meu ex-marido pediu a ajuda do único filho para
devolver o dinheiro.
Estou mordendo as laterais das bochechas, reprimindo o choro garganta abaixo. Sufoco
o soluço que vem, engolindo em seco. Abraço o tronco com os braços, ao perceber que não
importa quantas vezes puxe e solte o elástico, não vou ficar mais calma. Meu Deus, por
quantas merdas ele passou naquela época que eu sequer fazia ideia?
— Quando eu descobri o que Casey obrigou Bryan a fazer, eu me divorciei
imediatamente. Ele se ofereceu para pagar a fiança, mas Bryan não quis. Ele queria sair da
prisão por conta própria e inocentado de todas as acusações. Das suas acusações, porque
foram elas que o levaram para aquele lugar. Bryan não estava tentando provar a mim ou ao
resto da cidade que era inocente. Queria provar a você, por isso ele não aceitou nenhuma
oferta, enquanto não conseguisse ser inocentado, ele recusou todos os acordos que
apareceram. Por você. Estou te dizendo tudo isso, Mackenzie, porque acredito que meu
filho merece ser feliz. Ele merece alguém que o faça feliz, que o ame e esteja ao lado dele.
Você é uma boa garota, foi uma boa amiga, mas nunca seria uma boa namorada ou futura
esposa para ele.
— Ele conseguiu… ser inocentado? — Passo o indicador sob as pestanas, enxugando o
pouco das lágrimas que escorreram.
— Conseguiu. Depois do depoimento de Casey e de David Mason, Bryan foi inocentado.
E meu filho ainda conseguiu com que Ryan fosse afastado do cargo, depois que descobriu
como ele agiu com você.
— Então as drogas e a arma…
— Não eram dele, Mackenzie. Mas eu acho que, no fundo, você já sabia disso. Bryan não
fazia ideia do que tinha dentro da mochila. A única ordem que ele recebeu do filho de Fuller
foi: “pegue a mochila e a traga para mim”. Tudo veio à tona depois, quando David
concordou em depor e, para diminuir sua pena, entregou o filho de Fuller. No fim, tudo foi
resolvido e os verdadeiros culpados foram presos. Bryan não passou de um fantoche nessa
história. Meu filho nunca falaria sobre isso com você abertamente depois de tudo o que
aconteceu, mas não vejo por que não te contar a verdade. Agora você está de volta, queria
que soubesse que sou contra vocês.
— Bryan e eu não temos nada — emendo, balançando a cabeça em um ritmo constante
de negação.
— Eu vi vocês ontem. Na verdade, vi que você o beijou. Não o machuque mais do que já
fez, Mackenzie. Não posso suportar vê-lo sofrer outra vez. Estou pedindo, não, estou
implorando que fique longe dele.
Ficar longe de Bryan depois de ouvir tudo o que a Sra. McCoy me disse é quase
impossível. É claro que eu iria querer ouvi-lo, saber dele o que aconteceu, poder me
desculpar, mesmo que ainda sinta que, naquela época, não havia nada que eu pudesse fazer
quando foi de escolha dele esconder tudo de mim.
Nós éramos melhores amigos. Ele podia ter simplesmente falado comigo e eu o apoiaria
no que quer que fosse, talvez até tivesse o ajudado de outras formas. Mas foi escolha de
Bryan não contar nada e agora sua mãe está fazendo escolhas por ele. Se ainda existe
qualquer resquício do que um dia ele foi, Bryan não concordaria com ela.
— Obrigada pela torta, Sra. McCoy. — Eu me levanto num rompante, ainda zonza com
as informações recentes bagunçando minha cabeça. — Preciso ir embora — comento com
um fiapo de voz, fraca e vulnerável, caminhando em direção à saída.
Quando estou na porta de casa, percebo que, apesar das palavras duras de Vivian, ela
acaba de me tirar do escuro; não sou mais a garota perdida, não estou mais confusa com o
passado, não preciso tentar adivinhar o que aconteceu com Bryan depois que fui embora.
Ela simplesmente me contou o que meus pais evitaram. Vivian teve a conversa comigo que
todas as pessoas em volta tiveram medo de ter.

O desenho que Sebastian fez de mim ainda está preso na parede do quarto. É a segunda
vez que acordo e dou de cara com ele. Ele me traz boas lembranças, consigo sentir meu
coração aquecer só de olhar para as linhas rígidas do desenho e os contornos que Seb
trabalhou do meu rosto.
Meu pai veio até o quarto e me acordou um pouco antes das sete da manhã. Em um
domingo. Apesar das refeições em família não serem mais um ritual, parece que ir à igreja
aos domingos de manhã são. É meio hipócrita que eles queiram se parecer com uma família
na frente da metade da cidade e onde ela realmente deveria existir, não existe.
Eu me arrasto para fora da cama e me arrumo em menos de trinta minutos. Opto por
um vestido rosa claro, estampado com flores brancas. Calço sandálias de salto baixo e deixo
os cabelos em sua forma natural; ondulados e volumosos. Cubro os lábios com uma camada
de gloss claro e, quando termino, pego o celular na escrivaninha em frente a janela.
Ao descer, vejo Nate sentado na sala com uma tigela de cereais, meu pai à mesa
redonda, no centro da cozinha, e minha mãe na beira da pia, lavando copos.
— Bom dia — cumprimento-os ao arrastar a cadeira para me sentar.
— Bom dia! — ambos respondem em coro, mas, para Nate, é como se eu não existisse.
— O que você quer comer, Mack? — Minha mãe se vira na ponta dos pés. Está usando
um vestido azul bebê de alcinhas, de tecido leve e franzido na saia. — Nós não tomamos
café aos domingos antes da missa, então…
— Pode deixar, mãe.
Contorno a mesa para pegar a caixa de cereais no armário onde costumávamos deixá-lo.
Está exatamente lá, mas, quando vou servir na tigela, não cai nenhum grão.
— Foi mau. Comi tudo. — Nate estica o braço ao lado de minha cintura para colocar a
tigela vazia na pia. Ele dá uma risadinha baixa e só consigo sentir o escárnio dela.
— Como assim, acabou? Eu comprei ontem! — Meu pai abaixa o jornal que está lendo
para encarar Nate. — Impossível ter acabado. — Ele se levanta rumo para onde estou
parada com a caixa vazia na mão. — Nathaniel Wilde. Onde estão as duas caixas de cereal
que eu comprei ontem? Comprei os favoritos da Mackenzie.
— E são os meus favoritos também. — Nate cruza os braços com as sobrancelhas
arqueadas e recosta o quadril na mesa redonda. — Eu comi tudo. Cheguei com fome ontem
à noite e acordei com fome também. — Levanta os ombros, com desdém.
Eu nem sabia que Nate tinha saído.
— Você devorou duas caixas de Cheerios? — minha mãe retruca, trocando um olhar
cúmplice com meu pai. — Nathaniel, é impossível você ter comido duas caixas de cereal
sozinho. Quem você trouxe para casa ontem?
— Não trouxe ninguém. — Ele revira os olhos. — Ah, qual é! Eu tô crescendo. Como
muito!
— Mãe, tudo bem. Eu como outra coisa.
— Viu? Se Mackenzie não tá surtando, por que vocês estão? — Gesticula, apontando o
indicador para mim.
— Você trouxe a Maeve de novo, não trouxe? — Vejo quando meu pai está inflando as
narinas. Conheço essa reação. É antiga e, se ainda tiver o mesmo significado, Nate está
muito ferrado agora.
— Ela ficou só por algumas horas. — Dá mais uma revirada de olhos.
— Não revire os olhos para o seu pai, Nathaniel — minha mãe intervém e, apesar de não
ser as circunstâncias ideais, gosto de ver como ela ainda o defende. — Ela dormiu aqui, não
foi? E não se atreva a mentir, porque você já está encrencado o suficiente por hoje.
— Tá. Ela dormiu, mas isso porque você tirou a minha carteira de motorista e eu não
posso dirigir até segunda ordem! Vocês queriam que eu fizesse o quê? A deixasse ir sozinha
pra casa?
— Mackenzie, você pode nos dar um minuto? — papai pede ao cruzar os braços na
frente do peitoral.
Concordo com ele. Pego um copo e o sirvo com suco de melancia, subo as escadas
pulando de dois em dois degraus enquanto escuto mamãe começar a gritar primeiro.
— Você conhece as regras. Nada de garotas em casa depois das nove da noite. Nada de
garotas dormindo no seu quarto! São as regras, Nathaniel! — exclama com a voz
entrecortada. Minha mãe sempre odiou ser contrariada e pior ainda quando é
desobedecida. Se ela impõe algo, ela espera que as pessoas cumpram isso e, quando não
acontece, é como se o inferno estivesse na Terra. — Quer saber de uma coisa? Você está
definitivamente de castigo. Nada de seguir Bryan e os outros meninos por aí. Nada de
encontros com a Maeve. Vou ficar de olho em você nessas férias! E se ousar me
desobedecer, as coisas vão ficar ainda mais complicadas para você. Estou avisando,
portanto, não teste a minha paciência, garoto!
— Maisie. — A voz branda do meu pai interfere o discurso explosivo de mamãe.
— Não. Já chega. Esse garoto está impossível, Nicholas!
— Já acabou? — Nate diz com a voz mansa e baixa.
— Só diz que vocês estão se cuidando, por favor, Nate. Você sabe como nós estamos
trabalhando duro para manter a hipoteca desta casa em dia. — No patamar, assisto a
discussão. Nate olha para baixo e respira pesado. Meu pai espera por uma resposta e
mamãe não tira os olhos injetados com cólera do corpo esguio de meu irmão.
— É claro que estamos.
— Ótimo.
— Mas vocês sabem que não estou com o Bryan só porque o sigo. Eu faço parte dos
negócios.
— Você só tem dezesseis anos. Não faz parte de nada. — Mamãe balança a mão no ar,
como se estivesse afastando algo incômodo da frente do rosto. — Pelo amor de Deus,
alguém precisa botar um pouco de juízo nessa sua cabeça!
Que negócios?
— Talvez você possa continuar os acompanhando se…
— Se o quê? — Como disse: ela odeia ser contrariada e meu pai está pisando em um
terreno perigoso.
— Mackenzie acabou de voltar, precisa se enturmar… fazer amigos — conclui ele, ao
estreitar os olhos em direção a minha mãe, que continua encostada à pia. — Se você quiser
continuar com seus “negócios”, por mim não tem problema, contanto que sua irmã vá com
você. E Nate, estou falando sério, quero que a leve com você. Nós devolvemos a sua carteira,
te emprestamos o carro, mas você tem que levar a sua irmã.
— Você ficou maluco? — minha mãe interrompe, inclinando os ombros para a frente
como se não estivesse escutado direito.
Na verdade, acho que meu cérebro deu um nó e não consigo compreender mais nada.
— Você só pode ter perdido a cabeça, pai. — Nate não relaxa os braços. Os mantém
presos ao peito, cruzados, e fala ainda mais alto. — De jeito nenhum!
— Então, você está decididamente de castigo enquanto vive sob este teto.
— Porra, pai!
— Olha a boca, Nate! — meu pai devolve, mais alto.
— Você nem sabe se a Mackenzie vai concordar com isso. A maioria das minhas saídas
compõe em estar com o Bryan. Vocês dois sabem como eles se odeiam? Pois se não sabem,
vou explicar: eles se odeiam, tipo, muito! Não vai dar certo nem em um milhão de anos.
— Bobagem — papai continua.
— Nicholas, eu acho que o que você está pedindo já é demais.
— Você viu o estado em que ela voltou na sexta-feira à noite? A nossa filha está
arrasada, Maisie. Decepcionada conosco. Ela foi embora porque uma coisa ruim aconteceu,
e daí? Já se passaram quase dois anos. Mackenzie não é mais criança. Ela precisa superar o
que aconteceu e qual a melhor forma de fazer isso se não a colocar para enfrentar o
problema?
— O quê? Forçando a garota a sair com Bryan e os meninos da The Reckless? Nossa, você
realmente é um gênio!
— Na verdade, pode ser divertido — Nate começa a rir, zombando descaradamente da
ideia mais idiota que meu pai já teve. — Eu concordo, mas com uma condição…
— Espera aí um pouco, mocinho. Você não tem condições. Você não cita as regras nessa
casa. Você só escuta e as cumpre!
— Maeve não pode dormir aqui em casa nem no sábado?
— Não! — meus pais respondem em uníssono.
— Que saco! — bufa e relaxa os ombros. — Tá. Que seja. Mas ela me acompanhar não
significa nada. Não vou forçar ninguém a ser amigo dela.
— Mackenzie é excelente em fazer amizades, você não precisa se preocupar.
— É. Do mesmo jeito em que ela é excelente em perdê-las.

“Me desculpe
Nada está fazendo sentido agora
Continuo falando
Quando estou nervosa, não consigo desacelerar
Me desculpe
A verdade é que eu estou enlouquecendo
Porque tudo que eu amo eu perco
E eu não quero perder você também”
SLIP – TATE MCRAE

Não conto a meus pais que ouvi a conversa antes de irmos à igreja. Sequer menciono
que sei o que estão planejando e decido fazer como Nate: fico calada durante todo o trajeto.
Na ida, recosto a cabeça no apoio do banco e fecho os olhos. Finjo que estou dormindo o
tempo todo. Meu irmão coloca os fones de ouvido e faz o mesmo. Apesar de ninguém dizer
uma palavra sequer sobre a discussão na cozinha, reparo mais em meu irmão do que havia
feito nos últimos dois dias.
Estava tão focada e preocupada com Bryan, que não percebi que meus esforços com
Nate foram fracos. Desisti dele tão fácil, que até consigo entender seus motivos de não falar
mais comigo. Assim que ditou cada regra para mim na sexta à noite, simplesmente acatei e
não faz nem um pouco meu estilo só aceitar o que as pessoas dizem o que eu devo ou não
fazer. Costumo ser irritante de tão persistente. Agarro com todas as minhas forças aquilo
que eu acredito e insisto nisso até que aconteça. Mas com Nate eu não fiz nada. Só desisti
dele e pronto.
Enquanto ele se arrumava na frente do espelho do banheiro, após ser açoitado com os
discursos morais do que é certo e errado por nossa mãe, fiquei o assistindo ajeitar a gola da
camisa social. Notei rachaduras em torno de seus dedos e como embaixo de suas unhas há
sangue seco. E lá dentro do carro vi o motivo de tantas feridas nas cutículas: Nate os cutuca
impacientemente até que sangrem.
Fico me perguntando no caminho de volta se Nate mudou tanto por minha causa. Se o
fato de eu ter ido embora mexeu tanto emocionalmente e psicologicamente com ele, que
precisa externar essa angústia de alguma forma. Não consigo evitar de me sentir culpada,
porque todas as pessoas que eu costumava amar, hoje, me odeiam. Seja por eu ter ido
embora ou porque, de algum jeito, eu consegui magoá-las.
É quando me dou conta de que Nate está certo a meu respeito: posso ter facilidade para
fazer amigos, mas tenho excelência em perdê-los. É tão horrível quanto Vivian me proibir
de estar perto de Bryan, mesmo que não estivesse planejando ultrapassar os limites que ele
colocou entre nós.
— Eu sei que é difícil pra você, Mackenzie — mamãe insiste na mesma frase. O mesmo
discurso encorajador de sempre. Eu acho que ela não percebe que é ainda pior. — Mas nós
precisamos mesmo que alguém fique de olho nesse garoto. Nate age como se já fosse
adulto.
— Mas ele também não é criança! — rebato em disparada. Chegamos em casa tem
menos de trinta minutos e já passa das dez da manhã. — Vocês ficam perdendo tempo com
a gente. Quando é que vão focar em vocês?
Perscruto com o olhar de corpo tenso a corpo tenso; papai está recostado à porta do
meu closet fechado e mamãe puxou a cadeira da minha mesa de estudos para perto. Estou
sentada na borda da cama, com a bunda bem perto de escorregar da lateral e com braços
cruzados.
— Eu não quero mais ouvir como vocês sabem que é difícil pra mim. Esse discurso
ridículo já deu. Já sei que vocês sabem e eu já disse que entendo. Mas me colocar para
seguir Nate por aí? Vocês não confiam nele?
— Seu irmão precisa de alguém que segure suas rédeas. Sua mãe e eu não conseguimos
ficar em cima dele o tempo todo, Mackenzie. Sem contar que você pode se enturmar,
conhecer os lugares onde eles frequentam e nos manter a par de como seu irmão tem agido
longe dos nossos olhos. — Ele dá uma última olhada de esguelha para mamãe antes de se
afastar do closet e rumar em minha direção. — Pensa nisso. Se você não concordar, nós
com certeza vamos trancá-lo naquele quarto pelo resto do ano. — Aponta por cima do
ombro para a parede que separa nossos quartos.
— O que faz vocês pensarem que vou entregá-lo se eu vir algo errado?
— Porque você é esperta. E… nós queremos que ele pare de te ignorar. É uma
oportunidade de se aproximarem, ok? — conclui minha mãe, com um sorriso modesto. Dá
leves palmadinhas em meu joelho desnudo antes de se levantar. — Você já sabia. Eu vi você
espionando do patamar. Então, só concorde e pronto.
— Só vou concordar porque quero muito que Nate volte a falar comigo — digo
franzindo os lábios em uma careta. — E nem sei se é a melhor ideia pra conseguir isso.

Vovô Jasper é responsabilidade nossa hoje. O almoço que eles tanto discutiram na sexta
ficou decidido que aconteceria na casa dos Lynch.
Dannya Monaghan, que ainda não tive a oportunidade de conhecer, é a nova namorada
de Darnell Lynch, pai de Aidan. O Sr. Lynch é proprietário de vários pubs e boates na
cidade, exceto um bar chamado Anarchy. Esse, o dono está relutante em vender e recusou
todas as propostas bilionárias que recebeu. Descubro tudo à medida que meus pais e Jasper
conversam.
A princípio, o Sr. Duncan disse que nem sobre seu cadáver ele pisaria na mansão dos
Lynch. Pergunto no caminho o motivo de estar tão contrariado a ir almoçar fora.
— Eu passei a minha vida toda almoçando com a minha Molly em casa. Por que agora
tem que ser diferente?
— Porque agora o senhor está sozinho! — Nate dispara, com uma sobrancelha
arqueada. Inclino o pescoço para a frente, com uma expressão de repreensão, que ele
ignora e joga o corpo de volta ao encosto. — Nós vamos jogar videogame quando
voltarmos. Dessa vez, o senhor vai perder! — brinca, digitando algo no celular. Na verdade,
Nate não está com a atenção em nós, portanto decido não me importar com nada que diz.
— Porque eu estou de volta e o senhor terá que me aguentar — argumento ao passar o
braço na curva do seu cotovelo. Ele dá uma risada constipada, sacudindo a cabeça, fazendo
com que os cabelos brancos úmidos de gel respinguem em meu rosto. — Vou voltar a te
visitar toda quarta-feira. Bolo de laranja e chá de jasmim. Nate também vai.
Meu irmão gargalha ao desviar os olhos da tela do celular.
— Só se eu estiver louco. Vou às terças, quando você não estiver lá.
— Você está de castigo — eu o lembro e encaro meu pai pelo retrovisor do carro. Ele
está cobrindo a boca com a mão para abafar a risada. — Não pode sair sem que eu esteja
junto. Supera.
Nate infla as narinas em irritação, mas não ligo. De certa forma, meus pais têm toda
razão em exigir que eu faça isso. Nate é a pessoa mais importante para mim. Se eu quiser
viver os próximos anos aqui, preciso que ele esteja do meu lado; e se o jeito for me
aproximando, para tentar entendê-lo, é exatamente o que farei. O resto consigo lidar
depois.
— Você continua irritante pra cacete — murmura ao morder o lábio inferior.
— O que nós conversamos sobre essa sua boca suja? — Minha mãe se vira entre os
bancos da frente para apontar o indicador para Nate. Ele faz uma careta, resmungando
baixo, mas não retruca. — Você está cada dia mais impossível. É ótimo que sua irmã vá ficar
de olho em você. — Ela envia uma piscadela para mim e assinto, com os lábios firmes.
— Mal posso esperar pra ver esse desastre! — rebate erguendo alto as sobrancelhas
grossas.
O assunto se esvai quando papai para o carro em frente ao portão preto imperioso, com
uma águia desenhada na frente, com a cabeça de lado. Ela é grande e rudimentar, o bico
fino longo é a fechadura.
Meu pai estica o braço para fora do carro para tocar o interfone digital e moderno. Uma
voz baixa, arrastada, ressoa da caixa pequena e ele explica que veio para o almoço.
— Diz pra esse safado do Darnell que, se ele sabe que tem visitas chegando, precisa
estar pronto para recebê-las — vovô Jasper resmunga, coça as sobrancelhas arqueadas e
vejo que está realmente irritado. — A pobre Dannya mal chegou e ele não perdeu tempo.
Ele acabou de perder a esposa. Como pode pensar em ter uma namorada nova?
Consigo entender sua frustração com Darnell imediatamente depois de escutá-lo. Ele
acabou de perder Molly e com certeza, se fosse tão jovem e saudável como Darnell, seria fiel
à sua mulher até seu último minuto de vida. Talvez não aceite que um viúvo esteja tentando
seguir em frente.
— Vovô! — minha mãe o repreende, mas ele está estalando a língua no céu da boca pra
evitar resmungar de novo. Assim que papai termina de falar com a pessoa ao interfone, os
portões se abrem.
Sinto como se eu estivesse em um filme de Hollywood.
O jardim de entrada é enorme, a relva é verde e tem um trabalho espetacular de
jardinagem com a cerca viva. Há canteiros de flores silvestres, outras rosas brancas e
vermelhas em mesclagem, logo imagino as irmãs Barnes se deslumbrando com elas.
Ao lado direito da mansão vejo que tem mais atrás dela do que nossos olhos conseguem
alcançar. Pouco antes de chegarmos à porta de entrada, uma fonte jorra água para cima –
que desperdício de água! – da boca de um anjo com harpa.
Assim que papai estaciona o carro, em frente às escadarias, que dão para a porta de
entrada de madeira clara, noto outros carros estacionados em volta. Inclusive, o Dodge
Charger que vi na noite passada.
— Uau! — Encaro a casa clássica enorme, que se estende na minha frente, quase
furando o céu azul. — Por que alguém viveria em uma casa assim? — sussurro para mim
mesma. Nem mesmo os Linderman exibiam tanto luxo quanto a família de Aidan.
— Só os mesquinhos! — vovô Jasper resmunga, colocando o braço ossudo por cima dos
meus ombros. — Espero que ele tenha caprichado no almoço.
— São os Lynch, vovô. É claro que ele caprichou. — Nate está rindo feito um tonto
enquanto encara a mansão. — Já estive aqui outras vezes e, acredite em mim, esse é o
melhor lugar do mundo. Porra, Aidan é um puta sortudo!
— A boca, Nate! — dissemos em uníssono e acabamos rindo, porque repreendê-lo pela
sua boca suja é bastante comum.
— Vem, vamos entrar. Esse mal-educado não virá abrir a porta.
Vovô me guia escada acima, mas antes que possamos bater na porta, Aidan abre uma
fresta e coloca a cabeça para fora.
— Quem é mal-educado? — retruca, com a testa vincada.
— Seu pai, é claro! — Jasper responde, empurrando a porta meio aberta para entrar. —
Não fica no caminho, garoto, soube que você tem uma sala enorme de jogos. Nate não parou
de falar sobre ela. Acho bom que você tenha reservado um tempo pra jogar comigo!
— O senhor não é velho demais para essas coisas? — Aidan pergunta, deixando-nos
passar. Ele detém o olhar em mim, mas ajo como se não percebesse. — E aí, Mackenzie.
— Oi — cumprimento, acenando positivamente com a cabeça.
— Olha só esse garoto! — Vovô faz menção de erguer a mão para batê-lo, mas quando
desce aperta as bochechas de Aidan tão forte, que pressiono os lábios para não gargalhar
alto. — Respeite os mais velhos. Cadê seu pai? E a Dannya?
— Estão lá fora. — Aidan massageia as bochechas quando vovô se afasta, soltando meu
braço e ruma aos fundos da mansão.
Um lustre enorme está sobre nós, jogo a cabeça para trás para vê-lo melhor. Nunca, em
toda a minha vida, vi algo tão delicado antes. Os cristais pendurados são como gotículas
pequenas de chuva, há milhares delas em um fio transparente pendendo em nossa direção.
É enorme e lindo, como se uma árvore de Natal de mais de dois metros de altura estivesse
pendurada em cima de mim.
— Gostou? — Aidan olha para a mesma direção que eu, cruza os braços e mantém as
pernas afastadas.
— É lindo.
— É mesmo.
— Parece caro — comento e minha intenção não é ser invasiva, mas aperto os lábios em
seguida, quase arrependida de ter feito o comentário.
— Minha mãe quem escolheu. Ela gostava de coisas assim: delicadas e bonitas. Você
sabe. Mulheres curtem essas baboseiras — Aidan está rindo baixinho ao meu lado e só
então me dou conta de que estamos sozinhos.
Abaixo a cabeça para olhar em volta. O piso cor de areia de linóleo quase consegue
deixar nosso reflexo nítido. Uma mesinha com uísque e copos de cristal estão dispostos do
outro lado. Diante de mim, uma escada que vai de uma ponta a outra, para o segundo andar.
— Só você e seu pai vivem aqui?
— E minha irmã.
Só então reparo nas roupas de Aidan.
Se eu não estivesse aqui e soubesse que sua casa é uma mansão bilionária, não diria que
ele tem tanto dinheiro assim. Está usando jeans surrado rasgado nos joelhos, uma blusa
preta de algodão, de mangas compridas, que caberia mais dois dele. A manga esconde
quase que por completo suas mãos e está calçando botas pretas. Os cabelos platinados
estão bagunçados e consigo ver a raiz preta despontando na franja.
— O que foi? — indaga, abaixando o queixo para olhar sua roupa. — Tá tão ruim assim?
— Não. — Com o punho, escondo a boca para que ele não veja meus lábios se
repuxando num sorriso. — Não mesmo. Só é… diferente.
— Ah, ótimo. Diferente é bom. Vem, vou te mostrar o lugar.
Eu o sigo e escuto atentamente enquanto me apresenta a cada cômodo.
A mansão contém: quinze quartos, sendo dez suítes; oito banheiros à parte; uma sala de
jogos de fliperama; duas salas, que o pai de Aidan separa para reuniões de negócios; dois
bares; uma sala de cinema com pipoqueira e máquina de guloseimas; uma sala com jogos
de bilhar; um estúdio de dança – ele comenta que sua mãe era bailarina – e outra acústica,
onde usa para ensaiar com a bateria. Aidan conta que, na casa, trabalham cinco faxineiras,
duas cozinheiras, um jardineiro e a governanta, que cuida dele e da irmã quando o pai está
fora, a negócios. Ele não fala muito sobre a mãe ou como ela faleceu, apenas a cita como
passado e nada mais.
Quando estamos voltando para o térreo, uma figura feminina se materializa diante de
nós. A garota tem cabelos longos, pretos, abaixo da cintura; ondulados e finos nas pontas.
Aidan diminui o passo quando a vê. Os lábios estão delineados com batom preto e ela tem
um piercing de argola prata no nariz. Os olhos azuis dela se arregalam quando me vê.
— Willa.
— Aidan.
— Mackenzie — respondo, de brincadeira, porque percebo a tensão entre eles. Mas
quando ela me fuzila, percebo que foi uma péssima ideia. — Desculpa — peço, ao cruzar os
braços. Ela recosta na parede ao lado, entrelaçando as pernas uma sobre a outra e, de
repente, inclina a cabeça para a frente, gargalhando tão alto que se engasga. Aidan faz a
mesma coisa e fico chocada enquanto meus olhos saltam de um para o outro.
— Estávamos só brincando com você — ela conta, ajeitando uma madeixa do cabelo
escuro atrás da orelha. Percebo que seus caninos são levemente tortos, o que deixa a beleza
de Willa ainda mais peculiar. — Sou Willa, irmã do Aidan. Muito prazer. — Estudo sua mão
estendida em minha direção e calculo quais as chances de eles estarem brincando comigo.
Porque ninguém até agora se mostrou interessado em ser meu amigo. Todas as pessoas
têm sido corteses, mas ninguém, de fato, gosta da minha presença aqui além dos meus pais.
Engulo a bola de saliva que trava na minha garganta e finalmente estendo a mão para ela.
— Aidan falou bastante sobre você. — Ela desvia os olhos para o irmão e sinto o rubor
queimar minhas bochechas. Dou uma risadinha baixa.
— É? — emendo.
— Sim, e é raro meu irmão reparar em alguém. Ultimamente, ele passa o tempo
implicando com a Gravity.
— Gravity?
— Ah, eu me esqueci de que você acabou de chegar. Tudo bem, eu te apresento todo
mundo.
— Willa! — Aidan chama sua atenção, negando veementemente com a cabeça.
— O quê?
— Péssima ideia! — alerta-a. Sinto minha testa encrespar de confusão. — Péssima ideia
mesmo — enfatiza.
Willa revira os olhos em resposta, sem soltar minha mão.
— Eu não ligo pro Bryan e seu ego frágil!
Meu corpo todo congela, trago a mão de volta e entrelaço os dedos.
— Ah, qual é! — Ela me encara, embasbacada. — É sério isso? Você tem medo dele?
Não respondo. Desvio os olhos para o chão e me concentro nas minhas unhas pintadas
de branco.
Não, não tenho medo dele, mas tenho medo do que pode fazer com o meu coração se eu
chegar muito perto.
— Aidan! — Willa brada, com a voz gutural. — Cai fora!
Ergo os olhos para vê-la apontar por cima do ombro.
— Eu assumo daqui.
Aidan olha para mim, como se perguntasse se tudo bem por mim ele ir.
— Anda, garoto!
— Você é sempre tão amorosa com seu irmão mais velho.
— Você é só um ano mais velho, imbecil! Anda, sai! — Ela o puxa pela manga da blusa e
ele finalmente termina de descer os degraus da escada.
— Vou ficar na sala — ele me avisa. — Se ela for um pouco demais, você me chama.
— Se isso acontecer, Bryan já arrancou seu pau fora há muito tempo! — Willa ri para o
irmão e Aidan revira os olhos quando finalmente nos deixa a sós. — É bom finalmente te
conhecer. Effy me contou tudo sobre você.
Outra vez fico paralisada. O que mais aconteceu no meu tempo longe daqui foram as
pessoas falando sobre mim para quem nunca sequer me viu.
— Desculpa, Willa. Não consigo ficar confortável com tudo isso. É demais pra mim.
— Ah, eu entendo, quer dizer, não deve ser fácil pra você. Considerando tudo o que
aconteceu. — Ela se senta, com as pernas cruzadas. Willa usa uma saia xadrez vermelha e
preta, botas de salto alto e um cropped de couro sintético preto. — Nós acabamos nos
tornando amigas, sabe? Aidan é amigo do Bryan, Effy é amiga dele também, e aí aconteceu.
Não é nada muito grandioso, mas nos tornamos próximas. Você sabe, quando a ocasião gera
uma consequência. Nesse caso, uma ótima consequência.
— Parece que todo mundo me conhece. Sinto como se toda a minha vida tivesse sido
exposta. — Em meus lábios, um sorriso fraco se desenha.
— Nós conhecemos você. Quando Bryan bebe, ele fala um pouquinho demais. — Ela faz
uma pinça com os dedos e dá risada. — Ele não fala mais tanto sobre você como antes,
mas… ainda é irritante. Juro que, desde que Mackenzie surgiu na boca daquele garoto, eu
fiquei doida para saber mais sobre você. Ele é um heartbreaker, queria conhecer a garota
que fez com ele o mesmo que ele faz com as outras.
Abaixo a saia do vestido e contorço o tecido leve entre os dedos.
— Você sabe por que ele me odeia?
— Ah, mas é claro! Porque você o mandou para a prisão e deu no pé. O que é que tem?
— E você não me acha uma traidora por ter feito isso?
— Traidora? Mackenzie, você tinha dezesseis anos e estava sendo interrogada. Posso
imaginar em que posição ficou, não dá para te odiar pelo resto da vida por esse motivo. —
Willa empurra meu ombro com o seu e dá uma risadinha complacente. — Nem todas as
pessoas estão encarando o que aconteceu pelo seu ponto de vista. No seu lugar, acho que eu
é quem estaria com raiva.
É estranho estar falando com alguém que não conheço sobre um assunto tão delicado,
mas Willa parece saber mais sobre o que aconteceu do que qualquer outra pessoa e foi a
primeira a ser amigável quase que imediatamente comigo.
Quero um pouco de compaixão; quero que alguém sinta compreensão por minhas
decisões. Não quero ser mal interpretada ou julgada injustamente outra vez. É só aqui que
percebo o quanto me sinto exausta de tudo que ouvi e tem menos de setenta e duas horas
que voltei para Humperville.
— Então, quer conhecer as meninas? — indaga, batendo as mãos uma na outra. — Elas
estão no bar. — Willa se levanta, assentando a saia que saiu do lugar e estende a mão para
mim. — Não se preocupe, mulheres unidas jamais serão vencidas. — Com uma piscadela,
sou motivada a segurar sua mão.
Willa a aperta com firmeza e me puxa escada acima. Subimos três lances de escada até
estarmos no terceiro andar. Os bares são um de frente para o outro, onde estive minutos
antes com Aidan. Na porta tem uma placa pendurada na fechadura “apenas as garotas” e
lembro-me de que Aidan brincou sobre não ousar interferir a irmã em sua reunião
particular com as amigas.
Quando Willa abre a porta, meu rosto é atingido por luzes baixas. Acontece rápido, mas,
assim que entro, pares de olhos ficam sobre mim em questionamento. Encaro-as com a
mesma curiosidade afiada, meus lábios se esticam naturalmente e levanto a mão para
acenar.
— Mackenzie? — A voz, que já não escuto há muito tempo, sobressai-se ao som baixo,
que escapa das caixas de som estrategicamente amparadas nas paredes. Saio em busca de
um rosto conhecido e a vejo deitada em um pufe preto, com as pernas longas esticadas para
a frente. — Puta merda — Effy murmura ao ficar de pé. A morena ao seu lado, de cabelos
medianos com piercing no septo acompanha com o olhar enquanto Effy se desloca. Os
cabelos ruivos batem sobre seus ombros e ela deixa o copo no chão. — Meu Deus, você tá
diferente! — Seus olhos rastreiam meu corpo devagar.
— Ela é linda — Willa comenta, piscando outra vez para mim. — Você já conhece a Effy.
— Sinto um leve empurrão em minha escápula e dou passos à frente. — Aquela é a Gravity,
irmã da Dannya. — Gesticula com o queixo para a garota do piercing no septo, deitada
desleixada no chão. — Aquela é a Trycia — apresenta-me apontando com o indicador para
a garota de pele negra e cabelos trançados. Trycia umedece os lábios enquanto beberica de
seu drinque. Ela está debruçada sobre o balcão do bar e estende uma mão para acenar. —
Maeve — pontua, sorrindo para a loira de cabelos escorridos, que está acomodada no sofá
vermelho no canto. Ela não está bebendo nada, mas reparo imediatamente em sua jaqueta
de couro adornada com pins de bandas e filmes. É o tipo de roupa que eu usaria. Sorrio
para ela, porque consigo ligar o nome dela ao da garota que meus pais mencionaram mais
cedo. — E… — Willa está rastreando o lugar, mais uma vez, girando nos calcanhares para
ter visão de todo o bar. — Cadê a Faith? E a Bailey?
— Estão brigando de novo — Trycia comenta sem dar muita importância. Apenas bebe
mais um gole da bebida azul de sua taça e pega o celular ao lado. — Saíram logo depois de
você.
— Por quê? — Willa questiona, afastando-se da porta. Continuo parada no mesmo lugar
porque me sinto deslocada. Elas não parecem abaladas com a minha presença.
— Porque… — Gravity começa, mas Maeve arranha a garganta para chamar atenção.
Noto a olhada sutil de seus olhos azuis para mim. — Não sei.
— Por causa do Bryan — Effy completa. — Vocês não precisam agir assim por causa
dela. — O queixo de Effy está erguido em minha direção. — Tenho certeza de que a
Mackenzie não quer ser tratada com indiferença porque conhecemos sua curta história de
amor com o Bryan. Então, vocês podem dizer a verdade.
— Certo. — Gravity empertiga o corpo e cruza as pernas. — Faith trepou com Bryan
ontem de novo e Bailey está surtando porque é ela quem vai enxugar as lágrimas da irmã
hoje à noite quando ele der um pé na bunda dela. De novo.
— Viu? Um heartbreaker. Ele só se importa com o pau dele. — Willa se joga ao lado de
Maeve no sofá vermelho. —Sente-se, Mackenzie.
— Na verdade, eu acho que o Bryan tá certo. — Trycia se afasta do balcão para se juntar
a Gravity no chão, Effy permanece em pé a poucos centímetros de distância. — Se ele não
quer compromisso, que se divirta então. — Ela bebe o último gole da bebida na taça. —
Então, Mackenzie, você voltou pra ficar ou é só uma coisa passageira? — pergunta,
cruzando as pernas sob o corpo. Mas, por alguma razão, sinto que todas ali sabem que
voltei de uma vez por todas.
— Voltei pra ficar. — Fito Effy, quero muito falar com ela sozinha.
— Você! — Willa grita de repente, mirando seu olhar em Trycia. — Não seja hostil com
ela por causa do Aidan. A nossa regra é que não brigamos por causa de garotos.
— Por quê? Agora ela é nossa amiga? — Trycia retruca, apontando a unha longa pintada
de rosa pink para mim.
— Quem sabe? Ela terá que fazer parte do grupo de um jeito ou de outro. — Encaro
Willa, que está insistentemente forçando a barra. Maeve está olhando para mim. — Vocês
não ouviram? Nate só pode sair se ela estiver junto.
— Nossa! — Effy bufa, rindo. — O que é que ele fez dessa vez?
— Passei a noite lá — Maeve conta, ainda me encarando. — Mackenzie, não se
preocupe, não estamos te convidando pra se sentar e ser nossa amiga por causa disso. Mas,
de um jeito ou de outro, a gente se conheceria. Só… senta e relaxa. — Ela se afasta um
pouco de Willa para abrir espaço entre ambas. Desvio-me de Effy e caminho até lá. Quando
me sento, Willa me lança um sorriso cúmplice.
Por um instante penso que tudo aquilo foi armado; que Nate, assim que recebeu seu
castigo, enviou uma mensagem para cada uma delas pedindo que me mantivesse o mais
longe possível dele. É quando percebo que minha mente tem criado coisas absurdas, como,
por exemplo, imaginar que a namorada do meu irmão e ele estejam armando um complô
contra mim, querendo que eu me sinta mal pelo passado. Não é justo que eu fique na
defensiva sempre que alguém tenta se aproximar. Sinto-me enjoada e uma necessidade
arrebatadora de deixar esses pontos bem esclarecidos para elas.
— Vocês querem saber de uma coisa? — sussurro e ganho a atenção de cada uma delas.
Effy cruza os braços na frente do tórax, o corpo arraigado parece tenso, mas não me
comovo. — Nos últimos dias, eu fui humilhada, rebaixada e culpada por tudo de ruim que
aconteceu com as pessoas que eu mais amava, quando, na verdade, ninguém, além dessas
pessoas, tinha culpa. — Com uma força extracorpórea, consigo me reerguer. Aliso a saia do
vestido e encaro cada uma delas. — Não preciso que vocês sejam hospitaleiras comigo por
obrigação. Não quero que você se sinta obrigada a ser gentil comigo porque é namorada do
meu irmão. — Aponto para Maeve. — E muito menos que você aja como se entendesse
como eu me sinto, porque Aidan provavelmente acha que preciso disso — digo a Willa. —
Vocês não precisam agir assim, se não estão confortáveis na minha presença. Realmente
sinto muito que tenham escutado o pior de mim e ainda mais por ter ido embora sem me
despedir, mas eu estava quebrada — murmuro para Effy. — Estava mesmo destruída. E já
estava assim há um bom tempo. Eu perdi Seb e Lilah. Tinha acabado de perder Bryan
também, então, quer saber? Aguento toda a merda ruim que você ou qualquer um tenha pra
me dizer, mas não suporto de jeito nenhum essa falsa hospitalidade.
Estou prestes a sair quando Effy me chama outra vez:
— Não estamos sendo falsas.
— Pra mim, parece que estão.
— Ei — Gravity está se levantando do lugar e andando duro em minha direção —, você
tem que ter muita coragem de dizer isso quando estamos sendo bem legais em te receber,
depois de ter apunhalado seu melhor amigo pelas costas.
Inflo o peito com ar e não reteso com sua aproximação.
— Eu adorei — ela diz, sorrindo e cruzando os braços.
Encaro os outros rostos a minha volta. Todas estão com o mesmo sorrisinho despojado
de Gravity.
— O quê?! — Fico confusa, murcho no lugar e meu andar decidido perde a força.
— Bem-vinda de volta! — Effy diz e abre os braços, chamando-me para um abraço.
— Mas eu pensei…
Effy revira os olhos e me puxa pelo punho para me abraçar.
— Pensei que estivesse com raiva… — completo quando meus braços envolvem sua
cintura e apoio o queixo em seu ombro.
— Ah, mas eu estou com raiva. Com muita raiva. Você foi embora. Não deixou nenhuma
mensagem. Não retornou nenhuma ligação! — Ela segura pelos meus ombros e me afasta.
— Apesar disso, eu acho que entendo o que aconteceu com você. Não tanto quanto gostaria,
mas tenho tentado me colocar no seu lugar. Se Bryan estivesse em apuros, não sei o que
faria para protegê-lo, provavelmente qualquer coisa que estivesse ao meu alcance e,
naquela época, seu alcance era pequeno.
Meus olhos estão ardendo. Pisco para afastar as lágrimas.
— Obrigada. Obrigada. Obrigada — repito inúmeras vezes.
Eu queria escutar aquilo, na verdade, precisava. Estou tão cansada de me sentir pequena
e culpada. Cansada de sentir que estou lutando contra o mundo; e saber que não estou
sozinha nessa batalha me dá energia para enfrentar o que ainda está por vir.
“Então me olhe nos olhos
Diga o que você vê
Paraíso perfeito se desfazendo
Eu queria poder escapar
Eu não quero fingir
Eu queria poder apagar
Fazer seu coração acreditar
Mas eu sou um péssimo mentiroso”
BAD LIAR – IMAGINE DRAGONS

Recuso outra ligação de April. Ela tem me ligado desde sexta, provavelmente porque
meus pais contaram que não reagi bem à notícia de voltar para Humperville. Escondo o
celular entre as pernas, expelindo o ar com impaciência. Effy desvia os olhos castanhos
para mim e, com a sobrancelha arqueada, pondera se deve ou não se intrometer. É cedo
demais para agir, como se não existisse uma distância de quase dois anos entre nós.
A luz baixa amarelada impede que eu veja por completo sua expressão, mas acho que
ainda posso arriscar um palpite: ela está curiosa para saber quem é a pessoa que vem me
causando tanto desconforto na última hora. Sim, há mais de uma hora que estamos
sentadas naquela sala mediana, com som ameno e conversas sussurradas. Trycia finge que
não se importa com a minha presença, mas basta algumas olhadelas enviesadas sem
disfarce rumo aonde estou sentada, para que eu perceba que tem algo em mim que não a
agrada.
Sinto o telefone entre as coxas vibrar. Pego-o e, com os dedos ágeis, recuso a ligação a
tempo de virar a tela para baixo, bloqueando a visão de Effy, que ruma diretamente para o
celular entre minhas mãos.
— Você devia atender de uma vez — resmunga, bebendo um gole de sua garrafinha
d’água. A maioria de nós não tem idade para engrenar na bebida alcoólica, sendo Trycia e,
aparentemente, Faith – que não conheci ainda – as únicas exceções. Porém, algo me diz que,
se não estivéssemos na casa do pai de Willa, a idade não faria a menor diferença para as
outras.
Balanço de pronto a cabeça, em recusa. Effy analisa de forma minuciosa meus
movimentos coordenados. Ainda consegue me ler nas entrelinhas.
Não sinto que Effy está totalmente à vontade comigo ou que, de fato, esqueceu que fui
embora sem sequer me despedir; agi de forma vil e egoísta, sem me preocupar com seus
sentimentos, mas a tensão em seu corpo mostra que se importa e que se preocupa que o
nosso reencontro seja o mais “normal” possível.
— É horrível isso, sabia? Você telefonar inúmeras vezes e a pessoa sequer retornar ao
menos com uma mensagem de texto.
Sinto a indireta me atingir em cheio.
— Effy, eu sinto muito. Mesmo! — insisto na desculpa e sei que precisamos de um
momento para finalmente colocar os pingos nos is que faltam na nossa história. — A última
coisa que eu queria era te magoar.
— Não se preocupe, Mackenzie. Não sou rancorosa e você sabe. Não foi por isso que
retornar as minhas ligações não importava? Por que tinha certeza de que, quando voltasse,
estaria aqui te esperando pra te receber de braços abertos? — Com o canto do olho, assisto
as unhas pintadas de lilás – sua cor favorita – afundarem na garrafinha de água. — Mas nem
todas as pessoas são compreensivas como eu. Quem quer que seja ao telefone, não vai te
desculpar se você continuar dando um gelo nela.
— É a minha tia. Ligo pra ela quando estiver em casa. — Decido dizer a verdade,
porque, se quero recuperar a confiança de Effy, não é mentindo que farei.
— April? Nossa! Você deve ter desligado pelo menos umas vinte vezes.
— Quem é que está contando? — brinco com uma risadinha nasal, mas Effy não acha
graça e apenas arqueia a sobrancelha ruiva. Pigarreio, remexendo-me no pufe preto onde
estou acomodada.
— Lembra nossa época da escola.
Reflito observando as garotas rirem e conversarem.
— Sim. A diferença é que nós agora somos mais velhas e responsáveis, mas,
principalmente, existe uma lealdade inquebrável entre nós, Mackenzie — frisa, balançando
repetidamente a cabeça de um lado para o outro. — Essas garotas são como a minha
família, então, se você quer fazer parte dela, por favor, não seja o tipo de garota que
acredita que o certo deve estar acima dessa lealdade. Eu mato e morro por cada uma delas.
— Entendi. — Engulo a bola de saliva que oprime minha garganta.
— E o Bryan também.
— Como é? — Viro o pescoço em direção a sua voz fraca.
— Não o magoe.
— Eu não…
— Quando você se foi, algo especial nasceu entre nós e não vou deixar que a sua volta
destrua isso. Não importa o que você sinta hoje ou como está arrependida, não o machuque.
— Ela respira fundo. — Por favor — emenda, com a sombra de um sorriso permeando os
cantos dos lábios finos.
— Effy, eu prometo que o que Bryan e eu tivemos no passado, não significa nada —
minto e aperto os lábios para evitar que saia qualquer coisa.
Sua cabeça se inclina para trás em uma gargalhada frouxa.
— Nós não estamos, tipo, saindo. Somos amigos. Ele é importante pra mim, como amigo.
— Não que ele já não tivesse tentado qualquer coisa a mais. — Giro o tronco em direção
a voz fina. Maeve está com a cabeça inclinada para o lado, com um sorriso despontando do
canto da boca. — Porque, bem, é o Bryan. — Lança um dar de ombros despretensioso. — É
o que ele gosta. Garotas, sexo e… garotas. Nada pessoal, Mackenzie, mas é bom você
conhecer logo de cara o terreno perigoso que esse garoto se tornou.
— Ele tem mel no pau, por acaso? — Willa está esticando o pescoço com tanta força,
que percebo as veias saltadas. — Até parece que é tudo isso que vocês dizem.
— Willa, ele é exatamente o que nós dizemos. — Trycia joga o cabelo trançado por cima
de um dos ombros e sorri. O piercing no nariz reluz contra a luz amarela do bar. — Você
não percebe, porque nunca esteve interessada de verdade.
— E você já esteve? — Willa rebate e cruza os braços. — Só tem olhos pro Aidan, desde
que te conheço.
Ela vinca a testa em reclamação.
— Resumindo: Bryan é bonito, possui um andar arrogante de bad boy e a tão almejada
jaqueta de couro, o que as garotas da pacata cidade de Humperville adoram. É a diversão
que todas esperam ter quando a noite cai.
— Ei, as boates do Darnell são incríveis! — Trycia reclama, empurrando de leve Maeve
pelo ombro depois do seu comentário. Todas parecem gostar de Bryan, só não consegui
definir de que jeito. Estou olhando para Maeve, fitando-a sem pormenor, porque quero
entender qual é a dela. — Soube que ele vai abrir vagas de emprego no Purple Ride. Você
acha que consegue uma entrevista pra mim, Willa?
— Posso tentar.
— Obrigada. Eu adoraria trabalhar lá. Soube que o famoso passeio no túnel roxo é
incrível.
— Túnel roxo? — indago e os olhares caem sobre mim.
— Sim. É um túnel espelhado dentro da boate. É como passear sob o céu estrelado à
noite. Só que roxo — Willa conta, dando risada. — É extremamente difícil conseguir uma
entrada. É o melhor estabelecimento do papai em toda a cidade. Acesso VIP para os
diplomatas, empresários e riquinhos metidos à besta. É insano o que aquele lugar pode
proporcionar. Só conseguimos entrar uma vez ao mês, quando a The Reckless é a banda da
casa.
— Vocês têm uma banda? — pergunto, com meus olhos saltando de uma para a outra.
— Não. — Escuto a resposta, mas nenhuma delas está movendo os lábios, então giro a
cabeça para a direção contrária.
A porta diante de nós está entreaberta e uma garota de 1,70m de altura está parada
entre a fenda e a madeira. Os cabelos pretos ondulados acima dos ombros, a maquiagem
preta marcando a linha d’água sob as pestanas da pálpebra.
Encaro-a com apreensão porque seu olhar de irritação mira meu corpo que, perto do
dela, é minúsculo. O quadril com curvas definidas, seios avantajados espremidos em um
macaquinho xadrez; nas cores branco e preto. As botas envernizadas de salto fazem
barulho quando finalmente entra. Ela usa um colar longo, que pende entre os seios. Reparo
na aliança presa na corrente e ela sorri para mim ao estender a mão.
— Faith.
Meus olhos se prendem nas unhas pintadas de preto e no anel. O arco dourado envolto
em seu anelar; o coração vermelho minúsculo e lustroso é a pedrinha que o adorna. É
exatamente o mesmo anel que Bryan me deu no meu aniversário de quinze anos. Embora
tenha certeza de que o meu está guardado em casa, não consigo ignorar o fato de ser
idêntico.
— Namorada do Bryan — ela enfatiza, com um sorriso débil contornando a boca fina
em formato de coração.
Eu me apresso a ficar de pé, contudo, a palavra namorada ainda está ecoando em minha
cabeça.
— Mackenzie.
— Prazer — ela responde quando seguro sua mão. O anel parece queimar a minha
quando nos tocamos.
— Namorada? — A voz vem por cima dos ombros de Faith. Ela vira a cabeça devagar,
apoia o queixo fino sobre o ombro direito e acompanho seu olhar. — Você é uma piada,
irmã.
A garota que entra deve ser Bailey. Ouvi sobre estarem discutindo, outra vez, por causa
de Bryan.
Bailey é baixinha, poucos centímetros mais baixa do que eu, mas sua postura autoritária
causaria receio em qualquer um.
— A única coisa que Bryan ama em você é como corre para ele num estalar de dedos! —
dispara ela e, embora as palavras ácidas não sejam direcionadas a mim, sinto como Faith
retesa o corpo ao ser atingida por elas. Bailey tem cabelos curtinhos, como os de um garoto.
Ao passar por mim, bagunça os fios negros com os dedos adornados com anéis de prata. —
E aí. — Gesticula o queixo para mim e se joga entre Maeve e Willa. Ela engancha a curva do
cotovelo no pescoço de Willa e a puxa para beijar sua bochecha.
No começo pensei que Bailey e Faith discutiam porque ambas têm algum tipo de relação
com Bryan, mas levo só alguns segundos para perceber que não é o caso; Bailey trata Willa
como sua namorada, exclusivamente dando atenção a ela e, ora ou outra, cochicham.
Faith se senta perto de Gravity que, até então, esteve em silêncio mexendo no celular.
Aos poucos, consigo assentar todas as informações importantes que recebi delas nas
últimas horas. É difícil imaginar que Bryan se tornou o que elas dizem; ele costumava ser
quieto, evasivo e com uma personalidade introspectiva impenetrável. Desfrutar da
companhia dele era algo que poucos conseguiam.
— O que vocês estavam falando do Ride? — Faith pergunta, recostando a cabeça contra
a parede. Bastou a irmã se intrometer para o assunto Bryan morrer para ela.
— Algo sobre como a boate é incrível — Gravity conta, sem muito interesse. — E que só
temos entradas uma vez por mês, por causa da The Reckless. Então você chegou e
interrompeu a conversa interessantíssima.
— Por que você está tão irritadinha hoje, querida? — Faith envolve o pescoço de
Gravity com o braço e a puxa para beijar a lateral de sua cabeça. — É domingo, Vity. Relaxa!
— A The Reckless é uma banda, que não é nossa — Gravity dá continuidade ao assunto
ignorando o comentário de Faith e todas estão vidradas, prestando atenção. — Bryan é o
vocalista; Aidan toca bateria; Ashton fica no contrabaixo; e Finnick na guitarra. Eles são
incríveis! — Dá um sorrisinho complacente e consigo sentir uma pontada de orgulho no fim
de suas palavras. — Nós nunca perdemos nenhum show, desde que eles fundaram a banda.
— Vocês fazem parte? — Não evito a pergunta.
Effy ergue o queixo para responder, mas Faith levanta a mão para impedi-la. Estou
prestando atenção nela agora.
— Nós somos amigos. De alguma forma, acabamos assim. Ficamos felizes em apoiar os
meninos.
— Diga por você! — Bailey vocifera. — Sou decididamente obrigada a participar de tudo
por sua causa — pontua. — E por sua causa. — Vira-se para Willa.
— Então, vocês só aparecem nos shows como… fãs? — Meus olhos saltam de uma para
a outra.
— É o que os amigos fazem, Mackenzie. Eles apoiam seus sonhos. É o que sentimos uns
pelos outros, que faz com que tudo ganhe sentido e, principalmente, que mostra que
ninguém está sozinho. Em todos os shows, estamos lá por eles. Somos uma frente unida! —
É Effy quem diz tudo e escuto com atenção. É como se ela estivesse tentando me provar
algo; talvez que tenha encontrado neles o que eu não consegui oferecer.
Aceno com a cabeça concordando com Effy, pois não tem nada que eu possa dizer que
vá convencê-la do contrário. E preciso ser honesta, evitar a hipocrisia, porque nossos
significados de amizade são iguais, a diferença é que eu não consigo cumprir o meu papel.
Batidas imponentes contra a superfície da porta faz com que o burburinho das
conversas cesse. Encaro a direção de onde vem o ruído de punhos cerrados afrontando a
porta e, em seguida, uma sequência de gargalhadas irrompe através das paredes, vindo do
lado de fora.
— É o idiota do Ashton — Gravity ri e apoia as mãos contra o chão para ganhar impulso
e se levantar. — O que você quer? — murmura, com a orelha grudada na madeira branca.
— O almoço tá na mesa, Vity.
— Estamos descendo.
— Estou morrendo de fome! Darnell disse que ninguém come até que todas vocês estejam
à mesa.
— Já estamos indo.
Willa se levanta primeiro, sendo seguida por Maeve, Bailey e Faith. Trycia está
encarando a porta com as sobrancelhas arqueadas, em uma visível reprovação à balbúrdia
de Ashton. Assim que Effy se põe de pé, levanto-me também. Ainda com o celular nas mãos,
resolvo que seguirei os conselhos dela e retornarei as ligações de tia April em algum
momento.
Gravity abre a porta e consigo ver o corpo esportivo, responsável pelas risadas e a
gritaria espalhafatosa. Ashton traja uma camiseta preta com a frase There Is Nothing I Think
About You em branco, uma calça justa de moletom e um relógio com alças de borracha.
Reparo nas pequenas pintinhas marrons espalhadas por seu rosto; nada exorbitante ou que
exime sua beleza natural. Os cabelos pretos são jogados para o lado quando atravessamos a
porta, ele afunda os dedos entre os fios e os penteia para o lado.
— Ei — chama e paramos no patamar. — Quem é a novata? — Gesticula com o queixo
fino retangular em minha direção.
— Não se faz de sonso, Ashton! — Bailey resmunga.
— Mackenzie. — Assim como fiz com as meninas, levanto a mão para acenar. Não
importa que ele provavelmente saiba quem sou e só está tentando parecer inocente, entrar
nesse jogo de que ninguém me conhece é melhor do que se eles agissem como se
soubessem tudo sobre mim. — Gostei da camiseta. — Faço uma mesura com o queixo,
apontando para a frase em seu peitoral.
— Valeu! — Uma sobrancelha se ergue e lhe lanço um sorriso torto.
— Por nada.
Giro nos calcanhares com risadinhas logo atrás de mim e Ashton mandando Bailey calar
a boca porque, na verdade, não tem nada de especial em sua camiseta. E agora parece que
todos sabem que, apesar de já conhecerem grande parte da história, não é a minha versão.

Darnell Lynch está esperando no final da escada. A camisa social dobrada até os
cotovelos e a bermuda cáqui está levemente amarrotada.
Fico surpresa ao me deparar com um homem mais novo que meu pai. Ele não tem os
olhos azuis de Aidan ou Willa, mas o cabelo preto azulado da filha sim. O corpo esguio
recosta à parede com braços cruzados.
— Aí estão vocês, sete mulheres e um segredo — Darnell brinca passando um dos
braços pelo ombro de Willa.
— Piada sem graça, pai! — retruca, mas retribui o abraço desajeitado ao enlaçar a
cintura de Darnell com o braço. — É só a Mackenzie.
— Dannya e eu queríamos conhecê-la, mas você a raptou! — ele brinca de novo, ainda
me encarando. Estou atrás de Effy, mais próxima de Ashton e Trycia.
Terminamos de descer a escada e prendo o olhar no Sr. Lynch.
— É bom finalmente conhecer você, Mackenzie.
— Muito prazer, Sr. Lynch. — Meneio a cabeça em um cumprimento cortês e minucioso.
Embora ainda estejamos caminhando rumo à parede de vidro que separa a mansão da
área de lazer, diminuímos o ritmo para conversar. Ashton está suspirando e resmungando
atrás de mim o quanto está morrendo de fome.
— Que bom que voltou. Seus pais falam sempre muito sobre você. Como Dannya é a
única vizinha que não te conheceu, ficamos curiosos para vê-la logo. E deve imaginar que
esses almoços se tornaram bem comuns. Será sempre bem-vinda!
— Obrigada — agradeço, mas fico meio zonza.
São muitas pessoas dizendo que me conhecem ou que já ouviram algo sobre mim.
Contudo, não deixo de me sentir grata por parte dessas pessoas ainda estarem tentando me
conhecer e não apenas deduzindo o que fiz ou deixei de fazer no passado. Ou usando dele
para me ferir propositalmente. É claro que nenhum deles sofreu qualquer consequência
por conta das minhas escolhas, mas gosto da sensação de poder olhar para o lado bom da
coisa pela primeira vez, desde que retornei à Humperville.
Darnell atravessa a grande parede de vidro primeiro, arrastando a porta para o lado. Ao
me deparar com a área de lazer, fico chocada com o vasto gramado e como é circundado
por diferentes tipos de flores. Olho com atenção para a piscina olímpica, que não consigo
medir seu tamanho só com os olhos. Atravessando a porta, noto um deque com
churrasqueira e frigoríficos.
Algumas mesas com guarda-sol serpenteiam em volta da piscina e espreguiçadeiras de
madeira branca. E não muito afastado da porta, uma mesa retangular fora montada para
receber a Eastville inteira. O Sr. Duncan, as irmãs Barnes, Vivian e meus pais estão sentados
nela; entre Vivian e mamãe percebo uma mulher de cabelos castanhos curtos, com corte
chanel e bico, usando um vestido curto solto e branco. Ela sorri de algo que Vivian diz e
bebe um gole pequeno da taça de vinho.
Parece um almoço de Ação de Graças. Todas as pessoas sentadas naquele lugar
lembram uma grande família tradicional do século XXI; alguns sorrisos sinceros, outros
nem tanto. Algumas pessoas ali se amam, mas nem todas compartilham do mesmo
sentimento. Aparentemente, para as meninas, é comum que estejam rodeadas de pessoas
tão diferentes e mesmo assim se sentirem em casa.
— É estranho, não é? — Effy sussurra e cruza os braços ao meu lado quando nota que
não dei um passo em direção à mesa, desde que atravessamos a porta de correr. — Você foi
embora por dois anos e quando volta tem uma família completamente diferente do que se
lembrava.
— Como foi que aconteceu? — questiono, sinto o ar rarefeito em volta de mim. — Como,
de repente, essas pessoas se tornaram parte da vida umas das outras?
— Acho que só aconteceu, Mackenzie. Em um dia estava visitando a casa dos seus pais e
no outro passava as tardes jogando videogame com Jasper, Nate e Bryan. Um tempo depois,
Bryan conheceu Aidan, Ashton e Finnick e, num piscar de olhos, todos os outros chegaram.
Dannya se mudou para a casa entre as irmãs Barnes e os Duncan. Então, ela conheceu
Darnell… e pronto. Rapidinho estávamos fazendo parte da vida um do outro. Isso
simplesmente aconteceu. Você não fez amigos? Pessoas de quem vai sentir falta em
Brigthtown?
— Não — sou sincera.
Não consegui. Não fui capaz. Estar longe, não quer dizer que você supera o que tinha no
seu passado.
— Além de tia April, não tenho ninguém em Brigthtown.
— Bom, para a sua sorte, há muitas pessoas aqui que vão te receber de braços abertos.
— Mas nem todo mundo. — Não reparei que Gravity tinha ficado enraizada ao lado de
Effy, apenas observando enquanto as outras se acomodam à mesa. — Bryan, Ashton,
Finnick e até mesmo o Aidan. Eles, com certeza, vão fazer você se arrepender do dia em que
colocou o Bryan na prisão.
— Mas eles nem me conhecem — comento em um fiapo de voz enquanto encaro o rosto
passivo de Gravity.
— É a regra deles. A banda acima das garotas. Você machucou Bryan no passado,
significa que você também os machucou. — Ela cruza os braços e vira o rosto para me
olhar. — Aidan talvez não, ele é frouxo demais pra seguir essa regra ao pé da letra, mas…
não seja tão vulnerável. Quanto mais frágil você aparenta, mais eles vão jogar com você.
— Desde que eu cheguei é tudo que eu tenho sido: vulnerável.
— Sem contar o beijo — Effy comenta e sinto o sarcasmo esvaindo em seu tom de voz
macio. — Bryan me contou — esclarece.
— Que beijo? — Gravity entorta ainda mais o tronco em minha direção.
— Beijei Bryan. — Não vejo motivos para ficar na defensiva com Effy e Gravity; apesar
de tudo, elas se mostraram bastante fiéis. — Foi em um momento de fraqueza.
— Garota, qual é o seu problema? Como é que você ainda está respirando?
— Não seja exagerada, Vity! — Effy revira os olhos castanhos.
— Ele sempre falou de você com desprezo. Um beijo assim? Do nada?
— Foi só um momento de fraqueza.
— Tá certo. Mas se quer um conselho, Mackenzie. Evite esses momentos de fraqueza,
porque são eles que te deixam vulnerável. Já que você vai andar com a gente a partir de
hoje, nós daremos um jeito de cuidar de você.
Quero dizer a Gravity que não preciso que cuidem de mim, que consigo me virar
sozinha, que posso me reconectar à minha antiga essência sem que elas me protejam.
— Ah, só mais uma coisa... — Ela está prestes a começar a andar em direção à mesa
quando se volta para mim. — Não deixe Faith saber que esse beijo rolou. Essa é uma das
regras claras entre nós: não ficamos com Bryan. Não damos corda para ele em consideração
a ela, mesmo que tente. Porque ele vai. — No fim, ela está rindo, mas sei que não está
brincando.
Tenho escutado muito sobre Bryan nos últimos dias; sobre como não há resquícios do
garoto que um dia foi. Não importa quão fundo eu tente penetrar no chão sólido de seu
coração, não encontrarei mais aquele garoto. O que me machuca nessa história é saber que,
em partes, sou culpada. Mas não deixo de me lembrar da conversa de Vivian, onde sei que
Casey McCoy também tem sua parcela de culpa.
As pedras que jogamos em Bryan fez com que ele formasse essa armadura em torno de
si. A necessidade de se proteger do mal externo o transformou no que elas chamam de
heartbreaker. A confiança, que ele já não tinha no passado, foi totalmente extinta no seu
presente e é possível que ele não consiga fazê-lo no futuro.
— Essa garota sempre metendo com a língua nos dentes. — A voz rudimentar e gutural
me faz sobressaltar. Effy acompanha meu olhar em direção à porta, a poucos passos de
onde estamos paradas.
Eu o vejo com os olhos que todas veem.
Os cabelos loiro-escuros bagunçados, a camiseta do Guns N’ Roses sob a jaqueta de
couro pesada. Um colar de prata envolve seu pescoço descendo entre o peitoral, o jeans
preto rasgado nos joelhos e os coturnos na mesma cor estão com os cadarços frouxos.
Minha cabeça desce, escrutinando sua roupa e sobe de volta a seus olhos azul-caribe. Os
lábios finos rosados estão entreabertos e o antigo costume de esconder as mãos nos bolsos
da calça está lá, evidenciando que, por menor que seja, ainda existe um pouco dele do
passado. Ao seu lado direito, vejo Ashton; e do outro, chuto que seja Finnick.
O ar oprimido faz meu tórax latejar.
Ele passa por nós, esbarrando propositalmente em meu ombro, fazendo com que eu
cambaleie alguns passos à frente. Effy ampara meu corpo, segurando-me pela cintura e
evita uma queda. Meu corpo perde suas forças só de olhar para ele. A mescla de perfume
forte masculino e cigarro invadem minhas narinas; esfrego a ponta do nariz com o dorso da
mão para tentar suprimir o espirro.
— Às vezes, ele é tão babaca! — Effy diz sacudindo a cabeça de um lado para o outro em
negação.
Ashton e Finnick o acompanham em direção à mesa; em seguida, Aidan aparece e, desta
vez, ele passa por mim como se eu não estivesse lá. Ele trocou de roupa; está usando uma
camiseta branca com um diamante preto, com rupturas, silcado no meio e a calça preta,
com tênis da Adidas. Observo enquanto caminha em direção à mesa.
— Alguma coisa deve ter acontecido.
Effy começa a andar em direção à mesa sem esperar por mim. Faço o mesmo caminho,
mas devagar e calculado. Não tinha percebido Nate até então, que está sentado ao lado de
Maeve. Estudo os lugares vagos; não quero me sentar ao lado de Vivian nem perto de
Bryan. Estou parada na ponta da mesa vasta, o cheiro da comida invade minhas narinas e
lembra ao meu estômago que não comi nada o dia todo.
— Mack — meu pai me chama, reconheço sua voz sobressaindo às conversas que
rondam a mesa. — Sente-se! — exclama com um sorriso convidativo.
Assinto, mas continuo olhando todos os possíveis lugares. Enxergo um entre Aidan e
Ashton.
Rumo para lá. Assim que Ashton percebe a direção para a qual os meus passos estão me
guiando, ele ergue o pescoço me desafiando. Aidan acompanha seu olhar e me flagra.
Sem vulnerabilidade.
Mostre a eles.
Puxo a cadeira com força, aceitando de maneira implícita o desafio de Ashton. Aidan
abaixa a cabeça e noto que está tentando esconder a risada. Do seu outro lado, Trycia está
sentada em frente a Aidan, seu olhar pesando sobre mim. Não hesito e me acomodo lá.
— Boa escolha — Aidan me parabeniza ao pegar um pedaço de pão na cesta a nossa
frente. Ele parte ao meio, colocando a metade em meu prato. Tira uma lasca generosa,
enfiando na boca.
Aperto os lábios, concordando com um meneio de cabeça.
Bryan está sentado de frente para mim e Faith ao seu lado. Sei que ela está me olhando,
mas não me atrevo a comprar essa briga. Concentro minha atenção na conversa de Aidan
com Trycia, que está tentando convencê-lo a ir com ela escolher um presente para o pai na
próxima sexta.
Pego a metade do pão e tiro um pedaço para colocar na boca. Ashton não está comendo,
mas bebe do gargalo de uma garrafa de cerveja, estudando meu rosto enquanto mastigo
devagar. Desvio os olhos para sua direção e ele me lança um sorriso consternado.
— Qual é a do elástico? — Ele move a cabeça, apontando para o meu pulso.
Ainda estou mastigando e, enquanto como, decido se o que Gravity disse tem sentido: se
eles estão jogando comigo ou se ele quer mesmo saber.
Ergo o braço e o sacudo, fazendo o elástico de silicone largo balançar em meu pulso fino.
— Antiestresse — respondo terminando de engolir o pedaço de pão.
— O quê? Estresse? Você não parece do tipo estressada — Ashton diz, rindo.
— Você nem me conhece — sussurro, encrespando a testa. Escuto a risadinha de Aidan
ao meu lado e o lábio de Ashton franze em uma careta de desgosto.
— Não preciso conhecer pra saber que você é do tipo que causa o estresse. — Ele bebe
mais um gole de cerveja. Foco em seu pomo de adão alto se movendo enquanto engole a
bebida.
— Ashton — Finnick, que está ao seu lado, finalmente ergue os olhos. — Para de falar
merda.
— Não, tudo bem. — Aprumo o corpo. Não seja vulnerável. Não demonstre fraqueza. — É
Ashton, né? — Ele está vincando a testa para mim e, embora não pareça, minhas
panturrilhas estão tremelicando sob o assento da cadeira. Meu coração pulsa tão forte, que
sinto que o sangue não está sendo ejetado como deveria para o meu cérebro. Vejo-o acenar
devagar, ponderando sobre o que pode vir a seguir. — Concordo. Posso ser do tipo que
causa o estresse, mas acredite em mim quando digo que não é como se você fosse capaz de
esquecer depois. — Estico a mão e pego a taça de cristal com água a minha frente. Dou um
gole longo, o que ajuda o pedaço de pão entalado finalmente seguir seu caminho.
Aidan gargalha e Finnick faz o mesmo. Evito olhar para Bryan, mas a lateral de meu
rosto queima tanto que posso dizer que ele está me fitando. Ashton, apesar de ter acabado
de receber uma boa resposta, não parece bravo. Vejo o canto de seus lábios tremer e, em
seguida, um sorriso. Ele volta a atenção para sua cerveja e a vira para tomar mais um gole e
dissipar a sombra do sorriso.
O almoço segue. Coloco algumas batatas assadas em meu prato. Sinto Vivian lançar
olhares em minha direção, talvez para ter certeza de que não estou ultrapassando limites.
Aidan me ajuda a partir a carne assada e com a farofa temperada. Nós conversamos
enquanto comemos, mas não é nada de mais. Ele é educado, atencioso e divide sua atenção
com Trycia, que também conversa com ele.
— Você estuda? — pergunto depois de terminar de comer e afasto o prato.
— Meu pai quer que eu faça administração na Universidade de Humperville. Willa
começa em setembro a estudar lá. Ele acha que eu preciso de um plano B, caso a banda não
dê certo. E bom, o plano B dele é que eu assuma os pubs e as boates na cidade.
— Não é ruim, é?
— Não, não é. Por isso concordei. Mas vai me deixar ocupado e tô preocupado de que
jeito vai afetar meu papel na banda — ele conta e bebe um gole de cerveja. — E você?
Voltou pra cá para estudar?
— Pensei que todo mundo soubesse da minha vida — brinco, inclinando a cabeça para
trás dando risada e Aidan faz o mesmo.
— Olha, nem todo mundo tá a fim de saber da sua vida toda. Eu sou um desses. Não
estou interessado no seu passado, só no que vai fazer daqui pra frente — Aidan diz e sinto a
sinceridade evocada em sua voz. Gosto mais dele a cada minuto.
— Meu plano era vir só para o enterro da Molly e voltar, mas parece que tenho que
ficar.
— Willa vai ser uma boa companhia e Effy também; na verdade, todas as meninas serão
legais. Você não está sozinha, Mackenzie. — Ele sorri, mantendo a linha dos lábios fechada.
Os cantos de sua boca, entretanto, estão curvos.
Olho em volta quando Aidan fala. Vislumbro o rosto de cada uma delas; até mesmo
Faith, que ri de algum comentário que Bryan faz. Elas não parecem erradas ou mentirosas.
Transmitem confiança, algo de que tenho precisado. Bryan pode achar que não fui
castigada o suficiente, que mereço seu desprezo, mas não tive mais ninguém nos últimos
anos e o meu coração nunca parou de amá-lo. É o que mais dói; saber que eu deveria ter
parado e, depois de tentar, ele sempre o acompanhou.
Embora estivesse evitando olhá-lo, não consigo mais parar. Meus olhos, que rastreavam
o rosto de Faith, saltam para o seu. Bryan está sorrindo e eu não me abstenho de sorrir
junto; o cantinho dos meus lábios tremem, doloridos, porque quero sufocá-lo, mas não
consigo. Faith ampara a testa em seu ombro coberto pela jaqueta de couro e ele roça os
lábios no topo de sua cabeça, inspirando o perfume dos fios. É aqui que eu me detenho, que
me poupo do sentimento monstruoso que é ter ciúmes de algo que não me pertence.
Devolvo o olhar e a atenção para Aidan. Ele sorri para mim, como se dissesse que
entende o que sinto.
— Parece que não estou mesmo sozinha.
Aidan anui.
— Ei, Bryan! — A voz simplória de Darnell evoca a atenção de todos à mesa. — Que tal
cantar alguma coisa para nós?
— O que vocês querem ouvir? — ele indaga, passando os olhos para os rostos à mesa.
— Imagine Dragons. — É quase unânime, mas falado mais pelas meninas e pelos
meninos, do que pelos mais velhos.
Bryan sorri e, concordando, arrasta a cadeira e sai.
Todos estão se levantando e o seguindo para dentro da casa.
Gravity e Effy vêm a meu encontro. Sorrio para elas em agradecimento. Quando
entramos, sou guiada por elas em direção à sala de estar. Ela é espaçosa e Bryan está
sentado à mesa de centro com o violão apoiado nas pernas. Aidan assumiu seu lugar em
uma percussão com o desenho de um diamante branco com rupturas – como o da sua
camiseta – na superfície preta; Ashton e Finnick se sentam próximos.
Bryan dedilha o violão sem nenhuma música em mente e Aidan bate contra a superfície
sólida da percussão do mesmo jeito. Eles estão pensando, trocando olhares e, sem dizer
uma palavra sequer, já sabem que música escolheu cantar.
Imagine Dragons é uma das minhas bandas favoritas e reconheceria suas músicas em
qualquer lugar. Bryan move a cabeça devagar, no mesmo ritmo em que faz a melodia no
violão. Aidan o acompanha dando peso com as batidas.
— Oh hush, my dear, it’s been a difficult year and terrors don’t prey on innocent victims. —
A voz de Bryan é mais encorpada que anos atrás, quando o ouvi cantar pela primeira vez,
mas ainda causa arrepios e faz com que meu coração queira rasgar as paredes corpóreas e
sair. Consigo sentir os calafrios subindo por minha espinha e atingindo minha nuca. Ele
canta de olhos fechados, sentindo a música com propriedade e não consigo desviar a
atenção. Apoio as mãos no encosto do sofá para sustentar meu corpo. — Trust me, darlin’,
trust me, darlin’.
A rouquidão na voz de Bryan é o que torna a música peculiar; a potência e a maneira
sincera com que diz cada palavra:
— It’s been a loveless year, I’m a man of three fears. — Nesse momento, ele abre os olhos
e estão saltando de rosto em rosto até que pare em Faith. Acompanho tudo como
observadora. — Integrity, faith and crocodile tears, trust me, darlin’, trust me, darlin’. —
Faith fecha a cara instantaneamente e Bryan volta a fechar os olhos.
Ele está cantando para ela.
Então, ele para por alguns segundos e Aidan o acompanha, como se já tivessem feito
isso milhares de vezes. Bryan ergue o rosto em minha direção, abrindo as pálpebras
pesadas e cruzando seus olhos azuis intensos nos meus.
— So look me in the eyes, tell me what you see, perfect paradise tearing at the seams. —
Gravity me agarra pelo cotovelo, afundando as unhas em minha carne quando percebe que
Bryan está cantando o refrão da música para mim, invadindo com sua voz rouca e grossa
cada membro do meu corpo estático. De repente, todas as pessoas em volta desaparecem,
estamos só nós dois naquela sala de estar e sua voz atinge em cheio meu coração,
perfurando cada muralha impenetrável e descobrindo todos os segredos que guardei.
Desvendando os sentimentos que eu disse que não tinha por ele. Talvez agora ele saiba. — I
wish I could scape it, I don’t want to fake it, I wish I could erase it, make your heart believe…
Ele para mais uma vez, respirando pesado e retorna breves segundos depois:
— But I’m a bad liar, bad liar, now you know, now you know. I’m a bad liar, bad liar, now
you know, you’re free to goo…
Bryan continua cantando, mas não estou mais prestando atenção porque conseguiu
fazer com que meu cérebro e coração entrassem em parafuso. Conseguiu provocar em mim
o que não fazia há bastante tempo.
Então me olhe nos olhos, diga o que você vê. Paraíso perfeito, desfazendo-se. Eu queria
poder escapar. Eu não quero fingir. Eu queria poder apagar. Fazer seu coração acreditar, mas
sou um péssimo mentiroso. Péssimo mentiroso. Agora você sabe. Você está livre para ir.
A música termina um tempo depois e uma sequência de palmas irrompem das pessoas
que circulam a banda The Reckless. Vendo-os assim, sei que têm futuro, porque não estão
colocando apenas os sonhos em primeiro plano; estão agindo como família, estão fazendo
isso juntos e não vejo por que daria errado.
Bryan finaliza a música cantando repetidas vezes o refrão.
Acredito que cada pessoa interprete as músicas que escutam de acordo com o momento
em que sua vida está. Para mim, Bad Liar, cantada por Bryan, que um dia foi apaixonado
por mim, é uma declaração de que, apesar de não poder negar o que um dia já sentiu, não
pode apagar como eu o magoei no passado. Então, ele me diz: “você deve ir embora, porque
não quero fingir que estou bem e que esqueci o que aconteceu”.
É insuportável perceber que está no mesmo lugar que a pessoa que você ama, mas que
não faz mais parte da sua vida.
Aos poucos, todos estão saindo, esvaziando a sala. Embora eu queira me afastar, como
ele mesmo pediu, não consigo forçar minhas pernas a se distanciarem.
Ashton, Finnick e Aidan ficam me encarando. Effy e Gravity tentam me puxar, mas não
me movo. Minhas pernas criaram resistência e não saio nem um milímetro do lugar.
— Mackenzie — Effy diz em tom autoritário.
— Vocês podem ir — digo, puxando o braço para me afastar do seu toque.
Eu vou ficar. Preciso ficar.
Bryan percebe que continuo plantada no lugar, como se minhas pernas tivessem sido
envolvidas por raízes. Ele olha para os amigos, que também estão dispostos a ficarem lá.
Assim que dá o primeiro passo em direção a saída, Aidan, Finnick e Ashton se levantam.
Contudo, mesmo que eu tente ignorá-lo, não posso. Não depois de escutar a música. Não
quando percebi que fora cantada para mim.
Finalmente me movo. Sinto os olhos de Effy e Gravity me cercarem, mas não me
importo. Com o meu corpo miúdo e os braços cruzados, sou uma muralha que pode
facilmente ser arrancada do caminho se ele quiser. E mesmo assim, permaneço estacada
entre ele e a saída da sala. Ele bufa em frustração. Vejo o quanto seus ombros caem ao
perceber que não estou disposta a simplesmente dar as costas depois do que acabei de
escutar.
— Podem ir. — Bryan gesticula com o queixo para a saída. Todos olham diretamente
para ele, preocupados com a sua decisão de ficar. Embora os olhares sejam pesarosos,
recheados de hesitação, quando Bryan assente com firmeza, transmitindo segurança, todos
saem. — O que foi? — ele pergunta depois de ter certeza de que estamos sozinhos.
— A música. — Mantenho os braços cruzados para reprimir os tremores do meu corpo.
— O que significa?
— O quê? Está tentando dizer que agora devemos ser honestos um com o outro?
— Bryan! — repreendo-o. A forma como fala faz parecer que nunca fui uma amiga
sincera. — Eu sei que errei e sinto muito, mas estou voltando pra ficar.
— E o que isso tem a ver comigo? — Ele dá passos à frente, dizimando a distância entre
nós.
— Não quero ter que adivinhar o que você sente. Você sempre foi um enigma pra mim
— sussurro a última frase, fugindo do seu olhar.
Bryan está apertando os lábios e as íris, inquietas, desviando do meu rosto para o meu
corpo retraído. Ele se aproxima, percebo pelo modo como me vislumbra que está
arquitetando algo que vai destruir minhas noites de sono.
Para diante de mim, a poucos centímetros de seu queixo tocar minha testa. Sinto-me
ainda menor que na sexta-feira à noite, quando o beijei. Ele contorna os lábios,
umedecendo-os de forma provocativa.
— Quer dizer que só de te olhar sei que a minha presença mexe com você. — Seus olhos
perscrutam meu rosto. — Acredite em mim, estou sendo mais cavalheiro agora do que já fui
com qualquer outra garota, em consideração ao que nós fomos um dia. Fique longe de mim,
para o seu próprio bem.
Ele passa por mim. Mantenho os braços cruzados, unindo coragem para discutir.
— E se eu disser que não? — Sei que minha afronta pode obrigá-lo a entrar nessa briga,
mas não quero ser vulnerável. Não quero demonstrar fraqueza. — Se eu disser que não vou
me afastar?
— Então, no futuro, você não pode dizer que não te avisei.

“Não diga que me ama, pois eu não serei recíproco
Não diga que precisa de mim, pois eu não preciso disso
Não diga que me quer, pois eu estou sozinho
Então depois que a gente terminar de se pegar, garota
Eu estarei completamente sozinho”
ALONE – BAZZI

Paro o carro no estacionamento do prédio de Faith, na vaga reservada para ela. Verifico
o relógio no console, passa das sete da noite e ela não abriu a boca durante todo o caminho.
Conheço-a há tempo o suficiente para dizer que está puta com algo, pelo modo como gira o
anel que lhe dei no dedo médio e a forma como cerra os dentes mordendo as laterais da
bochecha. Se eu perguntar o que tem, sei que vamos brigar e já tive dramas o bastante para
um dia.
Embora esteja parado, não desliguei o motor do carro. Ainda estou me decidindo se
subo com ela ou se vou para casa. Por um segundo, estreito os olhos para seu corpo
encolhido no banco do passageiro. Remoendo o que quer que seja, Faith não irá dizer
imediatamente. Será no pior momento, como sempre. E vou dizer coisas que não irá gostar.
Bato com a mão na chave, desligando o motor do carro. Faith finalmente levanta os
olhos para mim. Solto um longo fluxo de ar pelos lábios e recosto a cabeça no apoio da
poltrona.
— Vai subir? — inquire já com a mão na porta.
— Você quer que eu suba? — Giro o rosto para dar atenção a ela. Uma de minhas
sobrancelhas está arqueada. — Porque você não parece estar muito a fim hoje.
— Eu estou sempre a fim de você. Esse é o nosso maior problema. — Volto a fixar os
olhos para a frente, para absolutamente nada. — Conversamos lá em cima — diz, ao abrir a
porta.
Quero emendar na conversa que esse não é o nosso maior problema. Esse é o maior
problema dela. Não é como se o nosso sexo casual não fosse consensual. Ambos estamos
aproveitando da melhor parte de ser jovem, com hormônios à flor da pele e uma habilidade
com a boca indescritível. Nenhum de nós concordou com relacionamento. Eu posso estar
com ela hoje e amanhã estar com outra. É fácil para mim. Mas não tenho certeza se ainda
funciona para Faith.
Começou há seis. Nos conhecemos no Anarchy. Ela estava deprimida porque tinha
flagrado o namorado com uma amiga da faculdade. Fiquei ao seu lado porque tenho a
habilidade de ser o ombro amigo; faço da minha companhia algo que as pessoas desejem.
Fui o aconchego que Faith precisava naquele momento e nem um pouco interessado em
namorar. Então, ela queria experimentar uma coisa nova. Viver a vida que eu vivia. O luxo
do prazer sem ter que ligar no dia seguinte. Sem se preocupar em dar explicações e evitar o
ciúme tóxico. Topei porque já vivia dessa forma e sei até onde posso ir. Tenho o domínio
completo do meu coração. Sou eu quem dito as regras. Porém, ultimamente, Faith tem
falado sobre exclusividade, o que é uma merda porque eu odiaria ter que partir seu coração.
Estou a seguindo em direção ao elevador porque, apesar de estar chateada, tenho a
esperança de receber o que vim buscar. Enquanto esperamos, tiro o celular do bolso para
reler a última mensagem que Nate enviou, pouco antes de ir para o almoço na casa de
Aidan.

Nate: Estou de castigo. Meus pais colocaram Mackenzie na minha cola. Mas se for um
problema pra você, dou um jeito de escapar.

Não quero arrumar mais problemas para Nate e hoje, no almoço na casa de Aidan, tive
certeza de que Nicholas e Maisie não vão dar o braço a torcer. Contudo, Nate precisa de nós.
Conversamos e disse a ele que tudo bem. Consigo agir como se Mackenzie não estivesse em
nosso encalço. Tê-la encarado depois da música, ficou mais fácil assentar as coisas dentro
de mim. Apesar da raiva, vê-la se contorcer na minha presença, faz-me sentir que ela é
vulnerável a mim, assim como um dia fui a ela.
As portas metálicas se abrem e espero Faith sair primeiro. Devolvo o celular ao bolso da
calça e a sigo pelo corredor extenso em direção à porta do seu apartamento. Ela demora
mais que o normal para conseguir encaixar a chave na fechadura. Noto as mãos trêmulas,
lutando contra o buraco em que a chave deve ser inserida.
Seguro seu pulso e a afasto ao pegar a chave. Em menos de dois segundos abro a porta.
Estico a mão, dando a ela passagem. Faith atravessa a soleira sem dizer uma palavra. Assim
que entro, fecho-a atrás de mim. Ela joga a bolsa no sofá, ruma pisando duro para a cozinha
compartilhada e abre a geladeira, inclinando-se para procurar por alguma coisa.
Tiro a jaqueta de couro e a penduro no encosto do sofá. Sigo para a mesma direção, fico
atrás dela enquanto estuda a geladeira quase vazia. A jarra de água gelada, uma caixa de
leite e outra de suco.
— Você precisa ir ao supermercado. — Inclino meu corpo sobre o dela, amparando uma
mão na porta da geladeira e outra em sua cintura.
Ela se levanta, sobressaltada. Mantenho as mãos em sua cintura, evitando uma colisão
contra meu peito. Com alguns passos para trás, Faith se livra do meu toque e a assisto,
intrigado, voltar à sala. Se está mantendo distância é porque quer conversar; e, se a
conheço bem, não vou gostar.
Fecho a porta da geladeira e me debruço sobre o balcão ilhado. Cruzo os dedos e
pressiono os lábios, esperando que comece.
— O que ela queria? — pergunta, com as mãos na cintura.
— Ela?
— É. Mackenzie. Não se faça de idiota, Bryan.
Deixo a cabeça tombar para a frente.
Não quero falar sobre Mackenzie.
— Nada importante.
— Mas eu quero saber.
— Por quê? — Arqueio a sobrancelha, com a testa vincada em confusão.
— Você não pode estar falando sério — sussurra. Pelo modo como seu queixo treme, sei
que está bem perto de explodir.
— Não combina com você.
— O quê?! — Um misto de confusão e indignação assombra seu rosto.
— Essa insegurança.
— A culpa é sua. — Aponta o indicador em acusação. — Nunca sei o que você tá
sentindo, eu não sei o que significo pra você!
Certo, ela quer falar sobre sentimentos…
— Melhor eu ir embora.
Desencosto da ilha para pegar a jaqueta no sofá. Minha proximidade faz com que se
afaste.
Pego a jaqueta e a visto.
— Mas se quer saber de uma coisa... — Viro-me para ela antes de rumar para a saída.
Cruza os braços, esperando. — Eu estar aqui não significa nada?
— O que significa para você?
— Você sabe que não funcionamos assim, Faith. Se quer sexo, ótimo, eu quero também.
Mas se está procurando um namorado que te traga flores e chocolate, não sou esse cara. —
Diminuo a distância entre nós quando percebo que minhas palavras estão quebrando a
tensão em seu corpo. — Enquanto estiver entre quatro paredes com você, sou seu. Você
será a única garota para mim. Mas, quando eu atravessar aquela porta — gesticulo com o
queixo para a porta sobre seu ombro —, acabou. Isso é tudo que posso te oferecer. É pegar
ou largar.
Faith abraça o próprio tronco. Ela é pequena perto de mim. Seu corpo é minúsculo
quando estou de pé, de frente para ela. Consigo sentir a reação que minhas palavras têm em
seu corpo, embora esteja quase a tocando.
Não me olha nos olhos e não se arrisca; amparo o indicador sob seu queixo, forço-a a
mirar seus olhos voluptuosos em mim. Eu poderia ser pior. Poderia mentir. Dizer que, com
o tempo, posso amá-la e prometer que vou entregar meu coração, mas não vai acontecer; e
ser sincero com Faith tira o peso dos meus ombros. Não quero carregar o fardo de ter sido
outro babaca que cruzou seu caminho.
Não é que eu nunca queira estar em um relacionamento, mas no passado, quando Lilah
finalmente deixou de significar algo para mim, arrisquei uma declaração para Mackenzie e
fui rejeitado no instante em que ponderava me entregar a um relacionamento. Escolhi
Mackenzie, claro. É um erro que não me permito cometer nunca mais. A banda tem me
proporcionado algumas experiências extraordinárias; no backstage, uma garota sempre
quer estar comigo e posso desfrutar disso sem ter que me comprometer. Além disso,
quando a The Reckless deixar de ser uma banda da região para se tornar uma influência no
topo das paradas, ser a banda mais ouvida, com o maior número de álbuns vendidos, não
quero estar com o coração amarrado em alguém.
— Eu topo — ela diz e a carranca desaparece de seu rosto. — Sem compromisso. Sem
exclusividade. Nenhum tipo de relacionamento…
Afundo a mão em sua nuca, sob o manto pesado de seus cabelos escuros, interrompo
suas palavras com meu toque. Puxo seu corpo para mais perto, ela cambaleia, mas não
reclama. Inclino o corpo para alcançar seus lábios e o beijo é lento.
Faith não resiste a minha língua separando sua boca, pedindo espaço, e ela concede
gradativamente.
Sua língua esbarra na minha e as mãos ansiosas, que antes envolviam sua cintura, ela
leva até minha nuca. Fica na ponta dos pés, mas não a deixo fazer muito esforço. Desço as
mãos por sua cintura, na parte de trás de suas coxas e seguro, erguendo-a. Suas
panturrilhas entrelaçam meu tronco e, sem parar, o beijo caminho às cegas em direção a
seu quarto.
Já estive lá tantas vezes que decorei as barreiras que nossos corpos podem encontrar
pelo caminho. Abro a porta sem muito esforço; Faith é leve, não pesa quase nada. Com o pé,
fecho-a assim que atravesso.
Passo o antebraço por cima de sua cômoda, derrubando todos os cremes que ela deixa
ali. Coloco-a sentada na superfície, desço os lábios por seu pescoço e ela o estica abrindo
espaço.
Com as mãos ágeis desabotoo com pressa os botões de seu macaquinho, aperto com
brutalidade seu mamilo direito, sobre o sutiã rendado preto. Afundo o rosto na fenda entre
os seios fartos, arfando contra a pele arrepiada. Diminuo o ritmo quando subo com a mão
pela lateral de seu braço, em direção à alça do sutiã. Puxo o elástico e o solto, ela resmunga
pela ardência do impacto contra a pele.
Afasto o rosto para ter contato visual. Faith está resfolegando com os lábios
entreabertos. Essa intimidade eloquente que travo com as garotas com quem durmo é o
que faz com que se sintam especiais; olhá-las nos olhos, porque, apesar de ser só a foda de
uma noite, no dia seguinte meu pau ainda estará latejando enquanto penso nela.
Deslizo o dedo sob a alça e a desço por seu ombro. Ainda não abri o fecho, mas depois
de ter discutido com Faith, quero ir devagar. Não apressar as coisas, estender esse
momento onde prometo que sou dela.
— Você gosta de me torturar. — Faith agarra os fios de cabelo em minha nuca e me
puxa para perto. — Idiota — murmura ao me beijar abrupta, sua língua afunda em minha
boca, transformando o beijo de antes em algo até romântico se comparado com o de agora.
É uma das coisas que adoro em Faith: ela sabe ser gentil, mas também consegue ser
safada. É uma mudança significativa de papel na cama.
Coloco as mãos em sua coxa e a puxo para mais perto, tirando-a de cima da cômoda.
Deito-a em sua cama, onde finalmente termino de despi-la. O corpo perfeito de Faith,
esculpido com curvas sinuosas e abençoada com seios enormes estão expostos. Deslizo o
dedo por sua barriga, contornando seu umbigo. Prendo o dedo no elástico de sua calcinha,
puxo-a para baixo devagar e me livro dela, jogando-a junto de suas outras peças.
Ainda estou vestido e, por mais que Faith tente me tocar, não deixo. Afasto-me para
tirar os coturnos e as roupas. Sinto um calafrio ao cobrir seu corpo com o meu, o toque de
pele com pele quente faz o tesão entrar em seu ápice. Ela se levanta para me puxar pelo
pescoço e, ao envolver minha cintura com suas pernas, relaxo o corpo e deixo que ela nos
guie. Girando, deixo-me cair de costas no colchão.
— Chega de joguinhos — sussurra, próxima a minha boca. — Fiquei desejando você
dentro de mim o dia todo; e se eu te conheço, você vai me torturar até que eu implore,
então você fica quietinho aí!
— Seu desejo é uma ordem — brinco, segurando-a pela cintura.
Ela se inclina por cima do meu corpo, abrindo a primeira gaveta da mesa de canto e
pega a embalagem laminada.
Rasgando a embalagem da camisinha, ajudo-a a colocar.
Sua entrada molhada brinca em cima do meu pau latejando de desejo por ela. Incentivo-
a, subindo o quadril em sua direção. Faith libera uma risadinha nasal, fisga o lábio inferior
com sua cara safada, que eu adoro, e desce com força contra mim. Afundo os dedos na carne
de seu quadril, acompanhando seus movimentos; ela rebola, arqueando as costas à medida
que aumenta o ritmo. O ruído da cama em atrito contra o assoalho e o gemido escapando de
seus lábios rareiam e a pele arrepiada denunciam o orgasmo breve.
Ela senta uma última vez, seguro seu quadril impedindo-a de se levantar. Agarro-a pela
cintura, giro na cama e fico por cima. Agarro seu queixo, afundo os dedos em sua bochecha
para manter seus olhos nos meus. Movo o quadril contra sua virilha, metendo com força.
Faith geme, eu grunho e a assisto satisfeito rolar os olhos quando atinge o clímax.
— Porra! — Enterra as unhas longas em meu ombro. Estou acostumado a ficar com
marcas pelo corpo quando estamos transando, portanto não me importo de chegar em casa
com alguns vergões. — Você tem toda razão. Nós funcionamos melhor quando só fazemos
sexo — sussurra, e fecha os olhos. O suor que escorre de sua testa se une ao cabelo.
Dou risada saindo de dentro dela.
— E você vai arrumar essa bagunça. — Ela aponta para seus produtos de higiene
pessoal caídos perto da cômoda. — Depois que tomarmos um banho e eu te fazer gozar. —
Com impulso, Faith se levanta e estende a mão, convidando-me a acompanhá-la.
E eu não sou louco de recusar.

Sei que algo está errado quando entro em casa depois da uma da manhã e minha mãe
ainda está acordada, esperando por mim na sala. Apenas a luz amarela fraca do abajur está
acesa; ela usa seu robe de cetim preto longo e tem uma taça de vinho na mão. Ela passou a
beber mais do que de costume depois que meu pai voltou para Dashdown e assinaram os
papéis do divórcio. Oficialmente, minha mãe deixou de ser uma McCoy e voltou a ser uma
Sawyer.
Fico escorado em uma das colunas que sustentam o arco entre a sala e o hall de entrada.
O modo como o seu olhar está perdido denuncia que não reparou em minha presença.
Com a jaqueta de couro pendurada em meu antebraço, eu seguro o envelope pardo com
a minha parte do dinheiro dos shows que fiz neste fim de semana. Desde que meu pai saiu
de casa, estamos acumulando contas vencidas. Faço o que posso para ajudá-la, mas ainda
não é suficiente, porque Vivian não se recuperou completamente do divórcio e não
conseguiu um emprego em que durasse mais que duas semanas.
— Mãe. — Desisto de continuar assistindo a lástima, que é vê-la perdida. Ela sacode a
cabeça e limpa o rosto com o dorso da mão quando repara em mim. — Tudo bem?
— Tudo bem, na verdade eu estava esperando por você e acho que perdi a noção do
tempo. — Colocando a taça na mesinha de centro, ela se levanta, enxugando a mão no
tecido do robe.
Dizem que as mães sabem exatamente como os filhos se sentem sobre alguma coisa,
mas eu tenho certeza de que esse sentimento é recíproco; é claro que minha mãe é
transparente, porém não consigo evitar a culpa dentro de mim. Enquanto transava com
Faith, minha mãe precisava de mim e eu não estava aqui. De novo. Na primeira vez estava
na prisão recebendo ameaças de David – antes que conseguíssemos com que fosse preso e
eu solto – e passando noites em claro com medo de ser sufocado com meu próprio
travesseiro.
— Qual é o problema?
— Nenhum, querido. — A distância entre nós agora é ínfima e, para confirmar o que
está dizendo, ela agarra minha cabeça entre suas mãos. Como está meio alcoolizada, então
seguro-a nos cotovelos. Deixo o envelope e a jaqueta caírem no chão, ela segue o barulho
das coisas caindo com os olhos. — O que é isso? — Ajoelha-se para apanhar o envelope que
se abriu e algumas notas saíram.
— É o que consegui esse fim de semana.
— Bryan, é muito dinheiro. — Sei o que aquele olhar quer dizer.
— Ganhei com os shows.
— Bryan… Você devia estar estudando. — Tomba a cabeça para o lado e seus olhos
estão marejados de novo. — Devia estar se divertindo com seus amigos e namorando uma
garota tão incrível quanto você.
— Você é a única mulher que habita meu coração, mãe. — Sorrio para tranquilizá-la. —
E é por isso que estou preocupado com você. O que aconteceu? — Com o cenho franzido,
tento encará-la nos olhos, mas ela foge outra vez. Fecho os olhos, suprimo o suspiro. —
Mãe, pode, por favor, ser sincera comigo? É uma regra. Nós nunca vamos mentir ou
esconder algo um do outro. Se lembra?
Quando saí da prisão, minha mãe estava plantada no portão. Soube que ela passou mais
de doze horas lá, esperando pelo momento em que o juiz assinaria minha ordem de soltura.
Nunca vou me esquecer da sensação de liberdade sentindo o vento fora dos portões
quando me liberaram; eu já era legalmente responsável pelas minhas ações e um garoto de
dezessete anos, assustado, sozinho e abandonado, passou por noites insones naquele lugar,
temendo pela própria vida, rezando para um Deus, que sequer sabia existir, e fazendo
promessas de que, se fosse liberado dessa, nunca mais mentiria para alguém em sua vida
ou faria promessas que poderia colocar seu futuro em risco.
Assim que eu a vi com olheiras e o cabelo desgrenhado, nós colocamos uma única regra:
nunca mais mentiríamos ou esconderíamos alguma coisa um do outro, porque, por mais
inocente que pareça, pode ser o fim.
— Seu pai ligou.
— Eu sei. — Encrespo a testa e franzo os lábios em uma carranca. — Você não atendeu,
certo? Porque eu recusei todas as ligações. — Ela aperta os lábios e só com essa reação a
minha pergunta, revela que sim, ela atendeu. — Mãe, nós não precisamos dele. E você não
precisa manter contato só porque sou filho dele. Já sou adulto, posso decidir se quero ou
não ver o meu pai.
— Ele vai se casar.
Aquilo não me afetaria se minha mãe não estivesse magoada. Eu diria: foda-se! Porém,
Vivian não é como eu e o fato de saber que meu pai seguiu em frente quando ela ainda está
estagnada no lugar mexe com ela. Queria poder dizer que a entendo, mas a verdade é que
superei a ausência do meu pai rapidamente, porque ele foi o maior culpado e saiu ileso sem
nenhuma consequência. Na verdade, acho que seu castigo foi perder a mulher mais incrível
que já conheci.
— Ano que vem. Ele quis ligar e contar porque ficou com medo que você acabasse
descobrindo por outra pessoa e também... — minha mãe faz uma pausa e a vejo contorcer
os dedos da mão enquanto segura o envelope de dinheiro — ele quer que você conheça a
noiva.
— E daí? Eu não quero. Não me importo com a nova mulher, a nova família, ou seja lá o
que ele chama, ou o que vai fazer com essa pobre coitada. Não dou a mínima!
— Eu sei que você não quer e não vou obrigá-lo. O ressentimento que você tem com seu
pai, eu entendo. Mas… Bryan, quero que você me entenda também. Eu amei o seu pai
durante anos. Antes de nos casarmos, antes de sermos um casal de verdade e o amei
depois. Para mim, não é fácil. Tomei a decisão certa em me divorciar, não acho que fui
precipitada e não me arrependo. Jamais poderia aceitar o que seu pai te obrigou a fazer,
como te colocou em uma posição onde você não teve escolha, mas machuca saber que o
homem que amei por uma vida inteira encontrou outra pessoa.
Em poucos minutos, ela está chorando de novo. Contenho a vontade de gritar com ela,
porque é um absurdo que, depois de tudo que ele fez, ela consiga olhá-lo assim. Como
alguém que ainda ama e fica magoada ao descobrir que tem outra mulher. Não consigo
entender como minha mãe tem espaço dentro do seu coração para sentir qualquer coisa
pelo merda do meu pai além de ódio.
Porque eu não consigo ver Mackenzie da mesma forma. Não consigo olhar para dentro
de mim e enxergar qualquer resquício de sentimento que não seja a mágoa. Por mais fundo
que eu vá e escave em busca de algo que não seja áspero, que não tenha a intenção de
magoá-la, não encontro. É como se a raiva e o ressentimento tivessem consumido tudo,
assim como o fogo consome quando queima.
Não é só por minha melhor amiga ter me entregado para a polícia. Eu posso entender
isso. Posso compreender que ficou assustada, que não me reconhecia pela forma como
vinha agindo, mas… ter ido embora? Ela fugiu sem olhar para trás. Em meu momento de
maior fraqueza, a garota que preenchia cada espaço do meu coração não estava lá. Ela que,
em pouco tempo, me convenceu de que seríamos bons um para o outro. A garota resiliente
que dizia coisas maduras demais para a sua idade e que se mostrou confiável. Tudo
desabou em um piscar de olhos. Bastou um único erro meu, para que Mackenzie jogasse
para o alto todo o resto.
Eu poderia perdoá-la por me entregar para a polícia.
Poderia perdoá-la por não confiar em mim.
Mas ser abandonado, como se nunca tivesse significado nada para ela? Isso não dá para
esquecer. Não quando habitei o inferno pela porra de dois meses. Se não fosse por Effy e
minha mãe, teria passado por ele sozinho.
Cerro os punhos, com raiva. Não sei se veio das lembranças ou porque não suporto ver
minha mãe chorar pelo filho da puta do meu pai, mas estou prestes a explodir. É como se
meu cérebro estivesse queimando e a ira se misturando ao meu sangue, em efervescência
em minhas veias.
— Eu entendo que você o ama, mas o que não entendo é por que você continua se
machucando tanto por causa disso. Já se passaram quase dois anos e ele seguiu em frente.
Você devia fazer o mesmo.
Inclino-me para pegar a jaqueta no chão antes que minha mãe diga qualquer coisa que
possa me impedir de sair dali. Visto-a com pressa, caminho para fora agradecendo por não
ter guardado o carro na garagem. Afundo a mão no bolso da calça, em busca da chave e o
destravo, jogando-me no banco do motorista.
Desfiro socos contra a direção com força, porque não é só sobre minha mãe estar
magoada com meu pai: é que ele sabe como isso a afeta. É sobre como ele conhece nossas
necessidades financeiras e tenta comprar meu perdão. É sobre ainda não ter descoberto,
nem com todas as sessões de terapia com o Dr. Skinner, como superar esse rasgo em meu
peito. É sobre eu estar perdido e não saber como recomeçar.
Sufoco o nó que trava na garganta, empurro-o com força goela abaixo e não me permito
desmoronar, porque precisei reaprender a não demonstrar emoções, ser sempre
indiferente ao que acontece a meu redor, não importa o quão ruim seja o que está
acontecendo; ser indiferente e não se mostrar afetado pode ser o único escape que
realmente funciona.
Coloco a chave na ignição. Talvez deva voltar para o apartamento de Faith ou ligar para
os caras, exigir um encontro com a banda de última hora, porque me lembro de um tempo
onde fazíamos isso uns pelos outros. Quando alguma merda acontecia, algo que realmente
nos tirava o sono, íamos à casa de Ashton e tocávamos a noite toda, até que nossos olhos
não fossem mais capazes de suportar. Só parávamos quando o cansaço fosse maior que a
porra da raiva, tristeza e rejeição.
Giro a chave. Sinto o ronco do motor sob meus pés. Fecho os olhos e penso por alguns
segundos para onde eu deveria ir. Então me lembro do ônibus escolar abandonado, que
transformei em um porto seguro na época do colégio. Podia ter apresentado aquele lugar
para Aidan, Ashton e Finnick. Poderia ter levado Faith e trepado com ela lá a noite inteira,
mas aquele era o meu lugar. O meu espaço para pensar. Onde a minha fuga terminava. E é
exatamente para lá que vou.
Decidido, arranco com o carro. Não me importo com as regras básicas de trânsito. Só
quero chegar ao meu destino.
Faço uma curva fechada, escuto o pneu cantar no asfalto e um baque surdo me faz pisar
no freio em urgência. O sobressalto que meu coração dá, a pancada alta e saliente munindo
meus ouvidos com um uivo agoniado de dor, faz-me abrir a porta do carro e saltar dele
exasperado.
Corro meus olhos pela estrada escura, coberta por uma neblina densa e um ar ameno.
Amparo o braço na porta, perscrutando o espaço entre a frente do carro e a estrada,
aparentemente vazia.
Um grunhido de dor surge entre a penumbra. Arrasto-me em direção ao capô do carro.
Esqueci de ligar o farol, portanto não consigo enxergar muita coisa. Na verdade, antes
mesmo de atingir o que quer que fosse, não tinha me tocado sobre os faróis.
Então, quando estou ao lado do capô, vejo a silhueta de alguém esparramado ao chão se
mexer. Pela forma estridente que a voz escapa de sua garganta, posso garantir que é uma
mulher. Pego o celular no bolso da jaqueta para ligar a lanterna e, assim que o faço, a figura
feminina se projeta na minha frente.
O rosto espantado como o de um animal selvagem, os cabelos curtos e presos em um
rabo de cavalo se desprendem do elástico. Ela usa uma regata preta e calça legging verde-
água. Um de seus pares de tênis foi arremessado para o outro lado da rua e aproximo a luz
da lanterna para conseguir enxergar. Talvez tenha atingido algo a mais. Os olhos verdes
estão arregalados para mim, espantados e amedrontados.
Um filete de sangue escorre de sua testa. Levo alguns segundos para assimilar a imagem
à pessoa e só então percebo que a garota esparramada no asfalto se trata de Mackenzie
Wilde.
Comprimo os lábios com força e, como se ela fosse algum tipo de vírus, afasto-me com
uma das mãos na cintura.
Ela tenta se levantar, mas resmunga outra vez, deixando o corpo voltar ao chão. Fico
paralisado por alguns segundos, assentando a ideia de ter acabado de atropelar Mackenzie.
Detenho os passos quando percebo que estou me aproximando.
Por um mísero segundo, penso que ela enfim vai conseguir se levantar, mas cede ao
peso do corpo e volta de encontro ao chão. Desta vez, o estrondo do seu corpo contra a
solidez do asfalto faz com que eu saia do estado de transe em que entrei desde que a acertei
com meu carro.
— Que porra você estava fazendo? — grito e me aproximo, esticando a mão para ajudá-
la. A ideia mínima de tocá-la me enche de desgosto, mas não sou um babaca completo.
Ainda me resta a sensatez e, se eu acabei de atropelá-la, sou eu quem devo estender a mão
primeiro. — Tá tentando se matar?
— Foi você quem fez essa curva como se estivesse na Fórmula 1, com os faróis
desligados e não viu que eu estava atravessando a rua! — dispara, com a voz mais rouca
que o normal. Quando meus dedos tocam sua pele, sinto-a gélida e suada.
— São duas da manhã! — Coloco-a sentada sobre o capô do meu Dodge Charger
enquanto atravesso a rua para pegar o par de seu tênis arremessado. — Por que você tá por
aí às duas da manhã? — Quando volto, ponho o sapato ao seu lado e paro com as mãos na
cintura.
— Eu estava correndo. Não que seja da sua conta.
Mackenzie leva os braços em volta do corpo, protegendo-se do vento gélido corrosivo
que nos açoita. Estou respirando pesado, meu peito sobe e desce num ritmo frenético, que
causa dor dentro da caixa torácica. Não consigo raciocinar direito, pois tudo aconteceu
rápido.
Uma fração de segundo bastou para que meus planos fossem alterados: num segundo
estava dirigindo rumo ao antigo ferro velho do meu pai; e no outro, estou de pé de frente
para uma das pessoas que mais odeio nessa Terra, sem saber o que fazer com ela.
— Acho que torci o tornozelo. — Franze o lábio em uma careta e desço os olhos junto
com a lanterna fraca do celular em direção ao seu pé direito. Está tentando girá-lo e noto os
primeiros sinais de inchaço entre seu tornozelo e o peito do pé.
— Cacete — grunho, fecho os olhos jogando a cabeça para trás. — Não se mexa! —
ordeno e abaixo. Coloco a lanterna do celular virada para cima, para clarear seu pé
enquanto toco.
A região inchada está mais quente. Ela resmunga quando seguro seu pé entre as mãos,
apertando-o levemente. Em que merda fui me meter agora?
— Eu acho que você torceu mesmo — digo e paro com a mão embaixo do queixo.
— Que droga! — resmunga, com a voz carregada de dor e percebo um resquício de
choro sobressair dela.
Levanto-me para encará-la; quando faço isso, percebo que a linha do sangue onde sua
testa provavelmente fora cortada, está escorrendo mais depressa e quase atingindo sua
sobrancelha. Caminho de volta para o carro e, dentro do porta-luvas, encontro um lenço de
pano limpo. Volto até ela e o entrego.
— Limpa isso. — Gesticulo com o rosto em direção ao sangue em sua testa. — Não
quero que manche meu carro.
— Só… me deixa em casa — pede por fim e tenta descer do capô, apoiando justamente o
pé torcido. Ela grita de dor e fecho os olhos, expirando o ar com impaciência. — Merda, que
dor!
— Sobe. — Ajoelho-me à sua frente, de olhos fechados e com as omoplatas viradas para
ela.
— O quê?
— Sobe logo antes que eu mude de ideia.
Com dificuldade, Mackenzie está sobre mim. Seguro por trás de seus joelhos e, com um
pulo, ajeito seu corpo em minhas costas. Ela continua pequena e leve como uma pluma. Um
dos braços se agarra ao meu pescoço com força, com medo de que eu a deixe cair.
Rumo para o banco passageiro do carro e solto uma das mãos de sua perna para poder
abrir a porta. Quando consigo, ajoelho-me outra vez e é ridículo como o destino parece
estar zombando de mim nesse exato momento, porque jurei que nunca mais estaria nessa
posição por ela outra vez.
— Desce! — digo em tom autoritário e leva mais que o tempo esperado, para que ela
consiga se acomodar no banco do passageiro.
Fecho a porta sem sequer olhar para ela e atravesso pela frente do capô, pego o celular
que deixei no asfalto e assumo minha posição atrás do volante.
— Vou te levar ao hospital, lá a gente liga para os seus pais.
Viro o rosto para analisá-la. Mackenzie está me encarando confusa.
— O que foi? Acha que só porque odeio você, tinha a intenção de te acertar com meu
carro? — Apoio o cotovelo no volante e giro o tronco para ficar mais de frente para ela.
Não consigo definir de imediato sua expressão, mas o que disse a ela no almoço está
certo: sinto de longe o quanto a minha presença a afeta.
— Não acho — confessa, mas não acredito em suas palavras. Seus ombros estão tensos
demais e seu olhar é amedrontado.
Eu me lembro desse olhar. É o mesmo com que me olhou quando virou a mochila de
cabeça para baixo no assoalho do meu Jeep e encontrou as drogas e a arma.
— Você sempre me viu desse jeito? Como um tipo de monstro? — Não resisto à
pergunta e, sem perceber, meu punho está cerrado. Estou com raiva dela de novo.
— Não.
— Mentira.
— Não, não é mentira.
— Você, Mackenzie, sempre olhou para mim e não tinha certeza sobre quem eu era. Não
importava quantas vezes eu tivesse provado a você meu valor. Não importava o quanto eu
tivesse demonstrado como me sentia, você nunca confiou em mim.
Ela pressiona os lábios. Está com medo. Exatamente como dois anos atrás.
Talvez minha única salvação seja me transformar naquilo que sempre temeu.
“Pensei que meus demônios
Estivessem quase derrotados
Mas você escolheu o lado deles
E você os puxou para a liberdade
Eu guardei os seus segredos
E achei que você faria o mesmo”
DEMONS – JACOB LEE

— Não houve rompimento de ligaduras do tornozelo — a médica diz, analisando a
radiografia. — Uma leve entorse. Você ficará boa dentro de cinco ou sete dias. — Ela sorri
amigável para Mackenzie, que apenas continua tentando mover o tornozelo e contorcendo
o rosto com a dor. — É natural que sinta desconforto, não adicionou nenhuma compressa
no local, mas receitei aqui alguns analgésicos que te ajudarão com isso. — Na bancada ao
lado, pousa o papel recém-impresso. — Sobre o ferimento em sua cabeça... — Vira a folha
na prancheta, analisando a ressonância. — Foi identificada uma leve concussão, acho
melhor que fique internada por um período de vinte e quatro horas, para termos certeza de
que nada mais grave aconteceu.
— Ficar aqui? — A voz de Mackenzie escapa pelos lábios entreabertos com um sopro de
ar. Quase não consigo escutá-la. — Eu odeio hospitais! — ruge e afunda os incisivos na
carne sensível do lábio inferior.
Estou sentado do outro lado do quarto, escutando a médica explicar para Mackenzie há
vinte minutos os motivos pelos quais ela deve ficar. Já estou ficando cansado do discurso
convincente da médica e da luta incansável de Mackenzie de contrariá-la. Nós nem ligamos
para os seus pais ainda. Ela não deixou, porque não queria preocupá-los. Mas agora, ao que
parece, não terá escapatória.
— Sinto muito, Srta. Wilde. Você terá que ficar. — O sorriso dócil da Dra. Cecile Dorn é o
ponto final na conversa. — Venho mais tarde para saber como está se sentindo.
A doutora sai do quarto em seguida e Mackenzie fica encarando o pé enfaixado,
ignorando o fato que já sabia: ela irá ficar. Assim que foi hospitalizada, depois de eu contar
na recepção que se tratava de um acidente de trânsito, imediatamente as enfermeiras
providenciaram tudo.
Não me movo. Nem mesmo quando rastreia o quarto com o olhar, à minha procura. Não
é como se eu quisesse estar ali com ela, mas também não posso deixá-la sozinha por ter
sido eu a pessoa que causou tudo isso. É um inferno. Uma zombaria do destino com a minha
cara.
— Você não precisa ficar — diz, entrelaçando os dedos no colo.
— A gente tem que ligar para os seus pais. — Ignoro o que diz, apoiando as mãos nos
braços da poltrona onde estou sentado e ganho impulso para me levantar. — Pra quem
você quer que eu ligue? Seu pai ou sua mãe?
Ela fisga o lábio inferior, mordiscando de leve enquanto pensa.
— Pro meu pai — pede ao erguer o rosto para me olhar. — A chefe dele ligou e ele
precisou ir à sede do buffet onde trabalha, porque parece que o alarme disparou e…
— Mackenzie — interrompo-a, já com o celular na mão. — Você não precisa me contar
nada. Primeiro, porque não estou interessado; e segundo, não é da minha conta. — Ela para
e assente, encarando meu rosto tácito. — Te atropelei e foi um acidente. É minha obrigação
como um ser humano decente te fazer companhia até que seu pai ou a sua mãe estejam
aqui. Não é como se eu me importasse, porque, na verdade, não dou a mínima.
Dirijo-me em direção à porta e detenho o passo ao escutar sua voz fraca me chamar.
— Você pode ir embora. — Com o queixo amparado sobre o ombro, encaro o rosto
pálido e lábios trêmulos. — Não, vou ser mais clara. Eu não quero que você fique. Eu
realmente sinto muito, Bryan, que você me odeie tanto. Sinto muito que você sinta que,
para mim, tenha sido fácil. Lamento que essa raiva dentro de você seja a única coisa viva e
real a meu respeito. E sinto muito, por nós dois, que não consiga dar a mim uma chance de
me explicar.
— Você me deu? — indago com a voz arrastada. Cerro os punhos ao lado do corpo,
sentindo a corrente elétrica que atravessa minhas veias, corroer meu coração.
Ela não responde, a linha firme de seus lábios continua imutável.
— Deu uma chance pra eu me explicar? Você pensou em mim quando foi embora? Você
considerou como eu me sentia, Mackenzie? Em como eu me sentiria ao perceber que a
única pessoa com quem realmente me importava, não estava lá para mim quando mais
precisei?
Uma ruga veemente cresce entre suas sobrancelhas.
— Eu estava assustada e com medo! — grita e bate as mãos abertas contra as coxas. O
estalo do contato de suas mãos e pernas faz com que eu vire o corpo por completo em sua
direção. A distância, entretanto, permanece. — E perdida, Bryan. Você ficou sem falar
comigo por meses. Você se lembra? Me ignorava. Me deixava esperando. Não atendia mais
minhas ligações. E, eu juro, queria muito que existisse outra garota na sua vida ao invés de
David Mason. — O nome desse cara me assombra. Encolho os ombros, escondo o pescoço
na jaqueta de couro, como se uma arma estivesse apontada para a minha cabeça. —
Preferiria mil vezes ter perdido você pra outra garota.
— Daí você foi embora e nunca telefonou. É assim que supera os seus medos? —
Aproximo-me, eximindo a cada passo e grito: — É dessa maneira que você lida com o que
sente por mim? Fugindo? — zombo, com uma risada de escárnio.
— É! — brada, com a voz marejada. — Foi assim que lidei com o que eu sentia por você.
Te dei as costas e fui embora. Abandonei você, Effy e minha família, porque estava tão
destruída por dentro, que não sabia como te encarar. Fui a culpada por estragar grande
parte da sua vida e nunca me senti tão envergonhada antes! Eu não sabia como. Não tinha
ideia de como te olhar nos olhos depois de ter dito ao delegado Ryan que você era dono das
drogas e da arma. Que você estava envolvido com David. Me desculpa! — grita mais alto e
estridente a última parte, à medida que as lágrimas descem copiosamente e mancham seu
rosto, que agora está avermelhado pela força da voz.
Jogo a cabeça para trás, devolvo o celular para o bolso da jaqueta e apoio as mãos no
quadril, rindo.
Minha gargalhada se espalha rapidamente pelo quarto, criando ecos, e paro, de repente,
recuperando o fôlego.
— É aí que você se engana. É aí que você erra e eu sei que a sua capacidade de confiar
em mim é falha. Porque eu nunca te culparia por fazer o que achava certo. Não te culparia
por me entregar à polícia, porque entendi que não teve escolha. Foi colocada em uma
posição onde não conseguiria escapar, nem que tivesse toda a capacidade do mundo de
esconder as coisas. — Dou passos em direção à cama, apontando o meu peito como se ela
pudesse sentir exatamente o que eu senti naquela época. — Eu estou puto com você e sou
incapaz de te perdoar por ter sido a porra da única garota que amei de verdade e, quando
mais precisei, você não estava lá! Você se esqueceu de mim — a última frase é um sopro na
tensão atmosférica que nos ronda.
Quando termino, há silêncio. Um silêncio filho da puta que não consigo entender. Ele se
estende, deixa que apenas nossas respirações criem o som desconfortável em meio ao
conflito.
Mackenzie olha para mim, como se finalmente todas as coisas se assentassem em sua
cabeça. Como se a conversa que nós dois esperamos tanto para ter, tivesse, enfim,
acontecido. Na pior das ocasiões, no pior dos momentos, ela entendeu como me sinto e
compreendi o que a levou embora, mas nenhum de nós está disposto a agir como se não
estivéssemos magoados um com o outro.
É com o silêncio que percebo que não dá para estilhaçar um coração e pedir desculpa,
como se bastasse para consertar o estrago. Estou cheio de feridas e rupturas, de rancor e
mágoa. E ela continua perdida. Não importa o tamanho da distância que colocou entre nós
em busca de se encontrar e reconstituir, ela continua sem saber para onde está indo.
Existe um abismo entre nós, que não acaba com um sinto muito.
— Acho que terminamos — digo, ainda ofegante.
— É. Acho que terminamos — ela sussurra, fugindo com seus olhos para o outro lado.

Espero do lado de fora pelo pai de Mackenzie. Quando o vejo descendo do carro,
acompanhado de Maisie, sei que vou escutar um discurso moral que não será nada breve.
Tenho conhecimento da antipatia da mãe de Mackenzie e Nate por mim, mas nunca dei
tanta importância para isso. Contudo, seu olhar acusatório me causa desconforto na
espinha e uma bola de saliva trava em minha garganta com sua proximidade.
Ela está usando calça jeans, tênis e a blusa de pijama de mangas compridas, estampada
com cactos. Nicholas traja calça jeans e camisa listrada, é sua roupa rotineira e estou
acostumado a vê-lo vestido assim.
Comprimo os lábios e espero por eles. Jogo a bituca do cigarro que estava fumando no
chão, piso em cima para apagá-lo e ambos param diante de mim, com os olhares pesarosos,
como se estivessem esperando que eu admitisse a culpa.
Antes mesmo de abrir a boca para explicar, sinto a mão pesada e irada de Maisie acertar
meu rosto. Escuto a voz grossa e chocada de Nick repreender a esposa. O tapa foi tão forte,
que minha cabeça tombou para o lado e meus dentes acabaram cortando a lateral da boca.
Massageio o queixo e limpo o filete de sangue com o polegar.
— Fica longe da minha filha! — avisa, apontando o indicador. — Você já corrompeu
meu filho, não vou admitir que machuque Mackenzie outra vez. Eu conheço você, Bryan. Sei
o tipo de pessoa que se tornou.
— Desculpa, Sra. Wilde. Vou pagar pelas despesas hospitalares.
— Quero que enfie esse dinheiro no rabo, Bryan — murmura, ao passar por mim.
Nicholas fica para trás, estudando a esposa pisando duro em direção às portas de vidro
do hospital.
— Você está bem? — Nick pergunta, com as mãos dentro dos bolsos do jeans. — Sinto
muito. Mackenzie acabou de voltar. Maisie só está com medo de perder a filha outra vez.
— Entendo — digo simplesmente, olho para trás, para a mesma direção que Nicholas.
— Espero que você não conte nada disso a sua mãe. Estragaria a amizade delas. Você
sabe, ambas se tornaram extremamente protetoras nos últimos anos.
Assinto com a cabeça sem dizer nada.
— Vá para casa e obrigado por ter ligado.
— Por nada.
Nós dois seguimos em direções opostas, mas consigo sentir o olhar de Nicholas queimar
em minha nuca enquanto rumo para o carro a poucos metros dali.
Assumo meu lugar atrás do volante e encaro a rua diante de mim. Está escuro,
silencioso; e, se não fosse pela respiração irregular ecoando dentro do carro e as batidas
frenéticas do meu coração, tudo estaria realmente quieto e calmo.
Minha bochecha ainda arde pelo tapa e, embora seja um cara impaciente, não consigo
ser assim com Maisie. Algo em mim compreende seu sentimento de proteção maternal, o
que me obriga a ser complacente com suas ações.
Além disso, sou um dos culpados pelo seu casamento estar indo de mal a pior. Nicholas é
aquele tipo de pessoa que acredita no lado bom de qualquer um: não importa o seu
histórico filho da puta ou todos os seus erros do passado; se você demonstra o mínimo de
arrependimento que seja, ele vai te aceitar.
É por isso que eles brigam tanto. Porque ele acredita em mim. Acredita que a The
Reckless tem potencial, acredita que Nate confia em mim por uma boa razão. Ele me
respeita, principalmente por não ter permitido que Nathaniel ficasse completamente
sozinho quando a irmã foi embora. Mas isso porque eu compartilhava do mesmo
sentimento que Nate: nós dois fomos deixados para trás pela pessoa que amávamos.
Tínhamos algo bastante em comum e nos aproximamos. Não foi forçado nem premeditado,
só aconteceu. Então o convenci a participar da terapia em grupo com o Dr. Skinner e não
havia mais distância entre nós.
Ainda me sinto desconfortável em aparecer na sua casa porque Maisie não gosta de
mim, e fico pior quando estou lá na sua ausência, mas Aidan, Ashton e Finnick também
frequentam a casa dos Wilde e eles são como minha família.
Pensando neles, pego o celular para ligar para Ashton. Preciso de um momento com a
banda e algumas cervejas, mesmo que seja segunda-feira, às cinco e meia da manhã.

A casa de Ashton fica à orla do rio Dark Water. O trecho é afastado, quase fora de
Humperville, entre a estação de trem e a pequena floresta localizada depois da Street
Powell, no lado norte da cidade. Sempre que atravesso a avenida, tenho lembranças
tortuosas da noite de 27 de outubro de 2017, mas já fiz aquele trecho tantas vezes nos
últimos anos, que ela se tornou exatamente isso: uma lembrança ruim. Muito, muito ruim.
A casa de madeira rústica fora construída pelos avós de Ashton, há uns trinta anos. Fica
num terreno íngreme entre a copa das árvores, quase uma cabana abandonada no meio do
nada. Naquele lugar é onde o rio desce torrencial, por causa das pedras e deságua na
cachoeira, onde, particularmente, é meu lugar favorito em Humperville.
Antes de conhecê-lo, eu não fazia ideia do que existe por trás de um monte de árvores
altas e escuras; na realidade, na adolescência, tinha medo de arriscar entrar ali. Mas, depois
que conheci os meninos da banda, tudo mudou. Nem que eu ficasse milionário e tivesse
dinheiro o suficiente para oferecer a Ashton, ele não venderia esta casa. Ela é tudo o que ele
tem e que seu pai não pode ameaçar tirar dele.
Estaciono o carro na lateral da casa, em frente a um montante de lenha úmida e uma
pilha espessa de folhas secas que Ashton usa na lareira. Fico sentado em frente ao rio,
assistindo-o desaguar na cachoeira com pressa, e atento ao barulho. Uma camada de
neblina cobre a visão da paisagem e está frio pra caralho, porém meu corpo não reclama.
Ele está em uma infinita espiral de emoções turbulentas, em estado de torpor, que nem se
tivesse controle sobre elas, teria vontade de sair.
São seis e meia da manhã e não durmo há vinte e quatro horas, mas nem que tentasse
muito conseguiria aquietar os sentimentos causados pela discussão com Mackenzie.
Escuto o barulho da trinca da porta girar. Tenho um cigarro entre os lábios e trago
lentamente escutando os passos de Ashton em minha direção.
— Que porra você está fazendo aqui fora? Vai congelar, cara! — Ignoro a voz gutural de
Ashton e continuo puxando a fumaça. A nicotina tem o efeito entorpecente que eu tanto
adoro. — O que é que aconteceu com seu rosto? — De repente, ele está de pé na minha
frente, com o cabelo bagunçado e o rosto amassado de sono. — Puta que pariu, você entrou
numa briga?!
— Isso? — Aponto com o cigarro entre os dedos para o sangue seco no canto dos meus
lábios. — Um incrível oi de Maisie Wilde. Atropelei a Mackenzie. — Vejo-o arregalar os
olhos com o choque. — Sem querer — emendo, sacudindo a cabeça prontamente em
negação. — Parece que todo mundo acha que eu atropelaria a garota de propósito.
— Nós já escutamos você falar dela o suficiente pra sabermos o quanto você a odeia —
Ashton desiste de me convencer a entrar, então se senta ao meu lado. — Tem tanto ódio no
que você diz, de verdade, acreditava que você poderia desejar que ela morresse.
Giro a cabeça para olhá-lo incrédulo.
— Odiá-la por ter me dado as costas quando mais precisei? Sim. Mas desejar esse tipo
de coisa? De jeito nenhum.
— Então, quer dizer que ela ainda está viva. — Ele ampara os antebraços sobre os
joelhos e encara o rio correndo, assim como estou fazendo desde que cheguei. — O que
rolou?
— É claro que ela tá viva, para de falar merda. — Pressiono a bituca do cigarro contra a
folhagem do chão para apagá-lo. — Não quero falar sobre isso. Preciso de uma cerveja.
— São quase sete da manhã — ele me lembra enquanto me levanto limpando a calça e
me acompanha. — Você precisa de um café amargo e um banho, isso sim. Já arrumei o
quarto de hóspedes, você pode dormir até se acalmar e depois a gente conversa.
Quando me viro para ir em direção à casa, vejo o corpo arraigado de Effy recostado ao
batente da porta. Ela está de braços cruzados e com uma carranca que conheço bastante.
— Você ligou pra ela? — Paro de repente e Ashton tromba comigo.
— O quê? Acha que só você tem o telefone dela? — indaga, com uma risada irônica no
final da frase. — Liguei. Tentei o Aidan e o Finn, mas o Aidan é mimado demais pra acordar
às seis da manhã e o Finn está lidando com as merdas da mãe, então seremos só Effy, você e
eu por enquanto.
— Pra mim, tá beleza.
Continuo a andar e, dessa vez, não paro até estar próximo a porta. Effy sorri para mim.
Eu entendo aquele sorriso, sei o que significa e, sem dizer nada, ela me abraça. Retribuo
envolvendo a sua cintura e inclinando o corpo para afundar o rosto na curvatura de seu
pescoço.
Assim que entro na casa, ainda com os dedos de Effy entrelaçados nos meus, sinto o
cheiro do café forte que Ashton prometeu e vejo uma pilha pequena de roupas limpas em
cima de uma das cadeiras de madeira antiga. Sei que são para mim. Assim como Aidan,
Ashton já me recebeu na casa dele outras vezes, quando precisei.
Effy solta a minha mão para pegar a pilha e a estica para mim.
— Quando você terminar, a gente pode conversar. — Ela sorri e estica o braço para me
entregar.
— Obrigado.

Por muitas vezes, nós fomos o suporte um do outro. Sempre que um de nós precisava,
mandávamos mensagem e nos reuníamos, na maioria das vezes, na casa do Ashton por ser
afastada da sociedade. Lá podíamos tocar a noite inteira. Fazer barulho sem incomodar a
vizinhança e fazíamos isso quase todos os dias até que nos tornássemos parte da vida um
do outro. Hoje não é diferente; quando um de nós precisa, a gente se reúne no porão, onde
os instrumentos ficam guardados e, algumas vezes, as garotas também estão presentes.
Nesse momento são quase onze da manhã, ignorei todas as ligações da minha mãe e
estou cantando Demons, de Jacob Lee. O som da bateria incendeia e guia meu coração com a
música. O solo da guitarra e a base do contrabaixo me envolvem na melodia e nos tornamos
um só. A banda, em uma sintonia perfeita, irrompe através da música naquele palco
improvisado no porão de Ashton e eu sei que seremos, um dia, a porra de uma lenda.
Effy sorri para mim quando abro os olhos para cantar.
Não gosto de admitir, mas todas as músicas que ensaiamos até agora demonstram todos
os meus sentimentos em relação a Mackenzie. Quando lembro da nossa discussão no
hospital, sinto o sabor amargo da cólera subindo por minha garganta. Uma guinada
estarrecedora incendeia minha alma e é quando eu canto com mais vida.
É quando a música e eu nos tornamos um só; quando eu me lembro por que comecei a
cantar, eu me lembro por que criamos a The Reckless e por que nos tornamos uma família,
que será lembrada por uma nação. É o que nós queremos. É por esse motivo que
continuamos crescendo.
Estar sozinho pode te dar um propósito.
— I thought my demons were almost defeated, but you took their side and you pull them
to freedom I keep your secrets and I thought that you would do the same — canto a última
frase da música de olhos fechados e o som estrondoso de todos os instrumentos juntos
cessam na última palavra. Ao abrir os olhos, vejo que Effy estava filmando a última estrofe
da música.
Achei que meus demônios estavam quase derrotados, mas você ficou ao lado deles e os
puxou para a liberdade. Eu guardei os seus segredos e pensei que você faria o mesmo.
Fico parado, ofegante, com o violão pendendo na frente do meu corpo. Há suor
escorrendo do meu rosto, meus cabelos ficam molhados e escorrendo para o violão.
Effy se aproxima, tirando a tampa de uma garrafa d’água e oferece a mim. Os meninos
descem do palco, tão suados e esgotados quanto eu, em direção à caixa térmica com mais
garrafas.
— Valeu! — agradeço, engolindo com pressa toda a água da garrafa.
— Acabei de postar! — Effy sacode o celular na frente do meu rosto, dando saltinhos de
felicidade. — Não vejo a hora de vocês ficarem extremamente famosos! Juro, eu terei os
integrantes da banda The Reckless me seguindo no Instagram! — brinca, fazendo uma
dancinha engraçada. Dou risada sacudindo a cabeça.
— Você é maluca — digo ao deixar o violão no pedestal para descer. — Você postou no
seu ou no oficial da The Reckless?
— No meu. Não convenci Aidan a me fornecer a senha do Instagram de vocês. Ele anda
bem paradinho, por sinal.
— Vai sonhando — Aidan diz, jogando-se no sofá, que antes era ocupado por Effy e
Faith. — Você nunca vai acessar o Instagram da banda, Effy.
— Porque você é a porra de um egoísta! Eu poderia ajudar, sabia?
— Você postaria o quê exatamente? — Finnick pergunta, bebendo um gole longo do
gargalo da garrafa.
— A rotina de vocês. — Ela dá de ombros. — Sei lá, as fãs daqui iriam gostar.
— Nós temos fãs? — Ashton que estava sentado na escada do porão indaga, parando
com o bico da garrafa no lábio inferior. — Já estamos nesse nível?
— Claro que vocês têm fãs — retruca, descansando o queixo no meu ombro. — Muitas,
por sinal. É só questão de tempo até alguém investir.
— Não se faz de sonso, Ashton. — Effy abana a mão em frente ao rosto, e revira os olhos
para ele. — Até parece que não fica todo satisfeito quando uma garota bate no backstage da
Anarchy pedindo um “autógrafo”. — Ela faz aspas no ar para demonstrar.
— Elas estão me agradando por vontade própria, o que você queria que fizesse?
Reclamasse?
— Você é tão mulherengo. — Effy balança a cabeça em negação e um sorriso sombrio
estampa seus lábios. Fico encarando, curioso, os dois se alfinetando.
— Tá rolando alguma coisa entre vocês dois? — Gesticulo com a mão que seguro a
garrafa. — Porque parece que tá rolando.
— Não! — ambos respondem em uníssono.
— Cacete, vocês estão saindo? — Aidan apruma o corpo, quase cuspindo o gole de água.
— Não estamos saindo — Ashton retruca. — Eu não saio. Bryan e eu somos do time de
pegar sem se apegar e Effy é do tipo pra namorar.
— Que bom que você sabe. — Aponto para ele, com um tom de repreensão. O que me
conforta é saber que nós quatro temos o mesmo pensamento: a banda acima das garotas.
São prioridades e a The Reckless nunca funcionaria se não pensássemos assim. — Porque
você sabe que Effy é a irmã mais nova que nunca tive e eu odiaria ter que brigar com você
por isso.
— A banda acima das garotas — Aidan diz, com um sorriso brando nos lábios e estica a
garrafa para um brinde.
— A banda acima das garotas — nós quatro repetimos e nos juntamos no centro do
porão para batermos as garrafas.
Evito olhar para o rosto de Effy, porque sei que ela está longe de concordar.

Meu celular vibra dentro do bolso da calça no instante em que termino de ajudar Ashton
a juntar todas as garrafas plásticas e jogá-las no lixo. Estou ignorando as ligações do meu
pai desde sábado à noite, mas sei que, em um momento ou outro, terei que atendê-lo.
Despeço-me de Aidan e Finnick em seus respectivos carros. Aidan dará uma carona
para Effy de volta, então não me preocupo. Recuso mais uma vez a ligação enquanto
retorno à casa de Ashton. Ele disse que posso ficar hoje, se quiser.
Envio uma mensagem para a minha mãe avisando que estou bem e que ficarei mais um
pouco em Ashton. Ela responde com um pedido delicado, para que eu não durma fora hoje.
Respondo que estarei de volta em casa à noite e que jantaremos juntos.
Outra chamada é acionada no meu celular, interrompendo a minha troca de mensagens
com Vivian. Bufo, jogando a cabeça em exaustão para trás. Pego o maço de cigarro no bolso
da jaqueta de couro e o acendo. Sento-me no degrau de madeira, pendendo as mãos entre
as pernas e deixo o celular de lado. Assisto o nome do meu pai piscar insistentemente
através daquele display. Enquanto trago a fumaça da nicotina, desejo que desista. Torço
para que se canse e me deixe em paz.
Puxei a ele essa teimosia. Ambos somos teimosos, rancorosos e persistentes. Não tem
nada que nos faria voltar atrás em uma decisão ou desistir de algo que queiramos muito.
Então, se quiser vencê-lo, preciso ser mais teimoso. Mais rancoroso. Mais desprezível.
Contudo, já é a décima ligação em poucos minutos.
Mordo a ponta do polegar. A fumaça do cigarro sobe e concentro minha atenção na
décima primeira ligação de Casey. Pego o celular e aceito a chamada.
— O que você quer?
— Oi pra você também, filho.
— Se for sobre seu casamento, já estou sabendo.
— Não é sobre meu casamento, Bryan. É claro que gostaria que conhecesse minha noiva
antes de formalizarmos, mas agora só estou ligando para saber como você está. Sua mãe me
contou que a sua reação não foi das melhores.
Permaneço em silêncio, prensando os lábios um no outro fitando o rio Dark Water
seguir seu leito. Fecho os olhos, suspiro com impaciência e dou uma risada com escárnio.
— Desde quando você se importa, Casey?
— É injusto, Bryan. Eu sempre me importei. Foi você quem escolheu me afastar. Você
pediu que eu ficasse longe, não aceitou nenhum dinheiro que enviei. É você quem age como se
não se importasse.
— Nós não precisamos do seu dinheiro ou da sua pena.
— Pelo amor de Deus, Bryan! Fui casado com a sua mãe por quase vinte e cinco anos. Sou
seu pai. O que sinto por vocês não mudou. Ainda me importo e desejo que sua mãe seja feliz.
Quero que você seja feliz.
— Sabe o que me faria feliz, pai? Que você parasse de agir dessa maneira. Que parasse
de falar, como se a culpa não fosse sua também.
Escuto-o suspirar através da linha.
— Não posso mudar o passado, Bryan. Mas consigo fazer muito por você e sua mãe no
futuro. Se você deixar, eu posso…
— Vou te perguntar de novo: por que você está me ligando?
— Sua mãe ficou preocupada porque não conseguia falar com você, então me pediu para
tentar — solta uma risada fraca —, mas nós dois sabemos que você mais ignora minhas
ligações do que se importa com elas.
— Já falei com ela. E estou bem — friso e mordo as laterais da bochecha.
— Você poderia vir passar um tempo comigo. Soube que Mackenzie voltou, seria bom se
afastar por um tempo.
— Eu não consigo manter uma conversa com você por cinco minutos sem querer socar
alguma coisa. Como, nós dois, sobreviveríamos sob o mesmo teto, Casey? — Coloco o
cigarro na boca e o trago.
Há um silêncio incômodo entre nós e não ouso cortá-lo.
— Só… pense nisso. Talvez possa ingressar em uma faculdade de Dashdown. Você é
inteligente, tem um currículo impecável e concentrar suas energias nos estudos pode ser bom.
— Eu tenho a The Reckless.
— E vocês são ótimos, mas não acha que está sonhando um pouco alto demais? E se não
fizerem o sucesso esperado? O que é que você vai fazer no futuro? Sua mãe e eu não estaremos
aqui para sempre.
— Parece que você se esqueceu de quem tem pagado as contas que deixou para trás.
Sou eu, pai. Com o dinheiro que ganho tocando com a The Reckless. Eu quem tenho sido o
homem da casa há dois anos, seu covarde de merda! — grito a última frase antes de
desligar.
Casey McCoy não saiu de casa porque quis. Ele foi expulso. Assim que saí da prisão, suas
coisas estavam na sala, amontoadas em uma pilha de lembranças. Minha mãe disse que
gostaria que meu pai tivesse ido embora antes de eu ter sido liberado, queria evitar que eu
sofresse mais um trauma: o de ver meu pai sair de casa. Mas eu me sinto tranquilo de ter
estado lá naquele momento porque minha mãe ficou em frangalhos, derrotada pelo buraco
cravado em seu peito pelas omissões do meu pai.
Vivian chorou por horas. Fiquei plantado do lado de fora do quarto, como fazia quando
Mackenzie chorava na Saint Ville Prep. Vigiei seu choro com afinco, ansiava pelo momento
em que ele cessasse e que ela me dissesse que havia superado aquele divórcio, mas isso
nunca aconteceu.
Nunca ouvi de minha mãe que meu pai agora fazia parte do seu passado e acho que
nunca vou escutar.

“Não, estou bem, estou deitada no chão novamente
Porta rachada
Eu sempre quero te deixar entrar
Mesmo depois de toda essa merda, sou resiliente
Porque uma princesa não chora (Não)
Uma princesa não chora (Não)
Por causa de monstros na noite
Não desperdice nosso precioso tempo
Com garotos de olhos bonitos”
PRINCESSES DON’T CRY – CARYS

Enxugo as lágrimas quando minha mãe irrompe pela porta do quarto do hospital.
Odeio estar neste lugar outra vez. Odeio estar chorando como uma garota perdida.
Odeio Bryan. Sim, pela primeira vez em dois anos, o sentimento que domina meu coração
não é amor, o que sinto por ele nesse momento é mágoa, quero poder arrancar o que sinto
de dentro de mim, acabar com isso de uma vez por todas, porque é o sentimento puro que
faz com que eu me sinta mal. É o amor que sinto por Bryan que me torna frágil, vulnerável e
fraca. É o fato de gostar dele, que me deixa à mercê. É por esse sentimento que tenho me
deixado ser humilhada e incompreendida. E quando me dou conta disso, é que decido que
não quero mais.
Cometi erros tanto quanto ele e Bryan não pode mais me culpar. Não pode mais me
tratar dessa maneira, como se as suas palavras e ações não me afetassem. Parece que se
esqueceu de que, assim como ele, também tenho um coração que se machuca.
Mais uma vez, limpo o rosto com o dorso da mão. Passo com mais força sobre a pele.
Observo meu pai atravessar a porta e não quero que me veja chorar, então forço um sorriso
assim que seus olhos pousam em mim. Minha mãe joga a bolsa furiosa na poltrona onde
Bryan esteve sentado e para diante de mim, com as mãos amparadas na cintura fina. Os
olhos injetados de raiva miram meu rosto. Ela ofega como se tivesse caminhado de casa até
o hospital, mas sei que não é nem um pouco esportiva e reconheço seu modo de agir
quando está prestes a cuspir ódio para todos os lados.
Meus olhos saltam dela para o meu pai. Ele toma a mesma posição; mãos na cintura e
olhar compenetrado.
— Ele fez de propósito? — ela indaga, com a voz entrecortada. — Te atropelou de
propósito? — repete, dessa vez sendo mais incisiva. Fico confusa por um momento e, até as
peças se encaixarem, leva alguns segundos. — Mackenzie, Bryan tentou te machucar?
— Quê? — respondo indignada. Minha voz soa mais fina que o esperado e arregalo os
olhos para ela. — Não! Foi um acidente! — Apesar de Bryan ter achado que eu pensei a
mesma coisa, não passou por minha cabeça, nem por um segundo, que ele tivesse tentado
me atropelar. — E eu nem me machuquei muito. Só torci o tornozelo e bati a cabeça.
— Mas por que diabos você estava na rua a esta hora? — ela continua entrando na
frente do meu pai antes que ele possa falar. Os lábios entreabertos deixam claro que tinha a
intenção de me perguntar.
— Eu estava correndo. É o que faço quando não consigo dormir ou quando isso não
resolve. — Levanto o pulso para mostrar o elástico de silicone. Vejo quando Maisie revira
os olhos em consternação, girando o corpo nos calcanhares para se afastar. — Não fiz nada
de mais. Só estava correndo, Bryan não me viu porque estava escuro e me atropelou. E
estou bem — friso, franzindo as sobrancelhas.
— Não quero que fique andando por aí sozinha tarde da noite — completa, outra vez,
interrompendo meu pai.
— É uma piada? Porque parece que vocês estão adorando essa coisa de me controlar
como uma marionete. — Gesticulo com as mãos para ilustrar, erguendo os ombros com
frustração. — Vocês decidem para que faculdade vou. Me obrigam a sair com Nate, na
companhia de pessoas que claramente não gostam de mim. Forçam decisões que eu
poderia tomar sozinha. — Fecho os olhos, pendendo a cabeça para trás. — Você me proíbe,
mãe, de sair? Quer que eu volte para Humperville e me sinta em casa quando não
conseguem nem mesmo fazer com que Nate converse com vocês? A maneira como vocês
têm agido é exatamente o que tem de errado em tudo. Comigo. Com Nate. Com o casamento
de vocês. — Aponto para eles e solto a mão aberta sobre a coxa. — Vivian me contou sobre
o Bryan, o que vocês não tiveram coragem de fazer. Bryan tem cuspido na minha cara sobre
a minha covardia há dias e tenho engolido tudo sem reclamar, mas agora já deu. Cansei —
sussurro, balançando de leve a cabeça. — Cansei de ser humilhada, tratada como se não
fosse madura o suficiente para lidar com as coisas. Cansei de me sentar, cruzar os braços e
ouvir as pessoas me dizerem o quão horrível eu fui por ter entregado meu melhor amigo à
polícia; e cansei, principalmente, de ser tratada como uma menininha de cinco anos. Eu não
sou mais criança.
— Nós sabemos, Mackenzie, só não queríamos…
Ergo a mão com a palma virada para a frente, calando meu pai.
— Queriam me poupar. Eu sei que as intenções de vocês são nobres, mas consigo me
entender com Nate sozinha. Posso fazer amizades sozinha. Eu realmente consigo me virar.
Vocês só precisam me dar uma chance de provar que eu tô melhor agora do que estive dois
anos atrás, tá?
— Mackenzie.
— Mãe, por favor — insisto, com os ombros cabisbaixos. — Chega. Estou falando sério,
chega. Vocês nunca se intrometeram em nada, não é agora que isso vai mudar. Podem, por
favor, deixar que eu viva a minha vida por conta própria? Indo para a faculdade que eu
quiser, morando onde acho melhor e praticando o esporte que gosto no horário em que eu
achar melhor? Eastville não é um bairro perigoso e vocês sabem disso.
— Tudo bem — meu pai cede primeiro, rendendo as mãos para cima e com um sorriso
torto. Eu já sabia que ele seria o primeiro a concordar. — Se você diz que pode dar conta de
tudo sozinha, acredito em você.
— Obrigada, pai. — Desvio os olhos para a minha mãe, que mantém a postura ereta. Ela
está olhando contrariada para meu pai, mas não diz uma palavra a mim. — Mãe?
Ela bufa.
— Certo. Mas se for necessário a minha intromissão na sua vida, eu…
— Eu vou correndo te contar.
— Você promete? Promete que a história não vai se repetir? Promete para mim,
Mackenzie, que, se precisar dos seus pais, virá até nós pedindo ajuda? — retruca, com o
rosto mais pálido que o normal. Minha mãe se tornou superprotetora e tento não culpá-la.
— Prometo, mãe.

É quarta-feira, à noite, quando recebo uma mensagem de Willa. Trocamos números de


celular, mas não conversamos mais desde domingo. Ela exigiu que eu criasse uma conta no
Kik Messenger para participar do grupo das garotas. Na verdade, tinha pedido que fizesse
isso no domingo, mas aconteceu o pequeno incidente com o Bryan e a nossa discussão
rondou minha cabeça por dois dias até que o sentimento de raiva se atenuasse e eu voltasse
a mim.
Preciso me concentrar no que realmente importa agora: a faculdade e arranjar um
emprego antes de setembro.
Topo fazer uma conta no Kik quando me lembro de que Willa comentou sobre o Purple
Ride abrir vagas de emprego e Darnell sendo o dono e ela a filha, meu acesso a essa vaga
seria bem mais rápido e fácil.
Envio um emoji sorridente para ela no Kik e leva apenas alguns segundos até que eu
esteja no grupo delas.

Willa: Bem-vindaaaaaaaaaa!

Gravity: Oi! \o/

Effy: :)

Faith: =D

Trycia: Oi.

Bailey: ;)

Maeve: Olá!

Leio as mensagens e bloqueio a tela do celular outra vez. Preciso falar com a tia April
também e sei que ela tem uma conta no Kik Messenger, por causa do seu chefe barra
possível namorado.
Eles ainda não estão juntos, porque o processo de divórcio de Garrett foi mais intenso
do que o esperado e ela não quis se precipitar com uma declaração romântica depois de
estar trabalhando com ele há mais de oito anos. Faço uma nota mental de enviar uma
mensagem para ela depois, porque agora está tarde e não quero incomodá-la.
O celular vibra com uma nova mensagem, mas desta vez não é do grupo intitulado:
books and wine, mas, pelo que entendi, o nome é alterado constantemente, de acordo com
os programas que elas fazem juntas. Ao que parece, perdi uma noite legal de livros e vinho
no apartamento de Faith. Na realidade, a mensagem é de Gravity.

Gravity: Soube do seu tornozelo, tá melhor?

Mack: Tá sim.

Gravity: Tá muito ocupada agora?

Mack: Não.

Gravity: Posso ir até aí?

Encaro a mensagem no celular desconfiada. Gravity mora entre a casa das irmãs Barnes
e o Sr. Duncan, mas não apareceu nenhum dia por aqui.

Mack: Ah, claro. Sem problema.

Meus pais não cederam ao castigo de Nate e ele não pôde sair nos últimos dias porque
fiquei de repouso. Apesar de ter tido aquela conversa com eles na segunda-feira, no
hospital, ambos pediram que eu acompanhasse meu irmão. Era mais um favor a eles do que
um castigo, mas ressaltaram que eu poderia desistir quando quisesse. Agora Nate passa
mais tempo no quarto.
Hoje a dor no tornozelo já diminuiu um pouco e acredito que até sexta-feira esteja
melhor. Ajeito a postura, afofando a cabeceira da cama com o travesseiro nas costas. O
inchaço no peito do pé diminuiu e as veias estão em sua coloração normal. Já não sinto
tanta dor ao tentar girá-lo, mas fico com medo de colocar os pés para fora da cama.
Escuto algumas batidas sequenciais na porta, aviso que está aberta.
Gravity coloca primeiro a cabeça e sorri ao me ver. Os cabelos pretos estão presos no
topo da cabeça, em um coque desgrenhado. Traja um short de moletom cinza e uma
camiseta branca com o Bob Esponja estampado na frente; por cima, veste uma jaqueta
jeans preta e usa pantufas amarelas nos pés. Sufoco uma risada ao ver suas roupas, mas ela
percebe e checa a própria aparência antes de entrar no quarto.
— O quê? Você achou que eu me arrumaria toda só pra te visitar? — ri ao fechar a porta
atrás de si. — Nem morta. Estava prontinha para ir pra cama.
— Estou vendo — analiso mais uma vez, usando meu tom brincalhão. Gravity entra na
brincadeira e não cessa a risada.
Afasto as pernas para o lado para dar a ela espaço na cama.
Senta-se, recostando a cabeça à parede e junta os joelhos contra o peito ao chutar as
pantufas para longe. Ficamos em silêncio por alguns segundos; eu reconheço aquele
silêncio aconchegante. Bryan e eu tínhamos esse tipo de conexão. A que não é necessário
falar muito, porque nos entendemos no vasto silêncio. Sinto a mesma coisa com Gravity
nesse momento. Ela está quieta, mordiscando o lábio inferior como se estivesse
controlando a vontade de falar algo e, ao mesmo tempo, ajeitando alguns fios de cabelo
rebeldes que se desprenderam do coque mal feito.
— Como foi que aconteceu?
— O quê?
— Ele não te viu ou…
— Nossa! — rio de novo. — Todo mundo acha que o Bryan me atropelaria de propósito.
Gravity vira o pescoço para olhar para mim e dá uma risada nasal baixa.
— À essa altura do campeonato, você já deve imaginar que a raiva que ele sente pode
ser perigosa.
— Eu não acredito que o Bryan teria coragem de machucar alguém de propósito.
— Também não, mas se perguntasse diretamente a ele, ficaria ofendido. Não é a mesma
coisa com você.
Arqueio uma sobrancelha, confusa.
— Não entenda mal. O gênio do Bryan pode ser um porre. Você é mais acessível e fácil
de conversar. É um elogio — acrescenta, tombando a cabeça em minha direção.
— Quanto mais escuto sobre ele, menos o reconheço.
— Ah, ele com certeza não é mais o mesmo. Eu não faço ideia de como era antes de você,
mas por tudo que Effy conta, a impressão é de que Bryan era um príncipe num cavalo
branco.
— De jeito nenhum! Bryan nunca foi um príncipe. Effy ficou maluca.
Rimos em uníssono de novo.
— Parece que você ficou mais leve. Não tá tão assustada como no domingo. Talvez bater
com a cabeça tenha feito você entender o que eu disse.
— Eu acho que só estou de saco cheio. — Dou de ombros, e entorto os lábios em uma
careta. — Desde que cheguei aqui, todo mundo tem agido comigo de uma forma tão injusta.
Meus pais me tratam como criança. Bryan me odeia. Nate me odeia. E é muito provável que
o resto da The Reckless também me odeie.
— Ninguém nunca está acima deles, Mackenzie. Não existe ninguém mais importante no
mundo para eles do que eles mesmos. Então, relaxa. Se te odiarem ou não, acredite em mim,
não fará nenhuma diferença. O que faz a diferença é se você deixa ou não isso te afetar.
Gravity fala tudo com uma tranquilidade absurda. Nada parece afetá-la. Ou realmente
não se afeta com nada. Suas emoções são todas tão impassíveis que penso que sequer
existem.
— Obrigada, Gravity. Por ter me acolhido.
— De nada, Mackenzie. Eu odeio a forma como todo mundo tem te tratado. Não é justo
e, acredite em mim, eu não sou a única a pensar assim. — Ela sorri, desta vez, comedido. Há
compreensão nele. — Princesas não choram — sussurra, sem desviar os olhos. — Não
importa o quão pesado é essa coroa, você precisa segurá-la. Porque ela é sua e ninguém
pode tirá-la.
— Ninguém está acima de mim além da minha coroa, Gravity.
Nós rimos mais uma vez e ela assente, em concordância.
— Effy e eu vamos na sexta-feira de manhã visitar o campus da HU. Willa visitou ontem!
E aí, o que você acha? Topa ir? — Gravity pende os braços sobre os joelhos dobrados.
Fisgo o lábio inferior pensativa.
— Não se preocupe com o seu pé. Vou pegar o carro do Darnell emprestado. — Ela
balança a sobrancelha sugestiva e dou risada, porque ainda não contei a ninguém que
também tenho a minha carteira de motorista. Foi um presente de tia April de formatura. —
Às vezes, provocar meu sobrinho postiço é meu passatempo favorito.
— Aidan não merece isso — gargalho, balançando a cabeça em negação.
— Ele é chato demais. Ciumento do caralho! — Revirando os olhos, estica as pernas. —
Odeia o fato de Dannya estar num relacionamento com o pai, mas a mãe dele está morta e
Danny não. Ninguém está fazendo nada de errado.
— É difícil pra ele.
— Você tá defendendo-o? — Esboça um sorriso brincalhão. — Tá a fim do Aidan?
— Céus, não! Só estou dizendo que ele perdeu a mãe não tem nem dois anos ainda. É
complicado aceitar que outra mulher vai viver sob o teto onde a mãe dele esteve.
— É, mas é só uma questão de tempo até o Darnell pedir minha irmã em casamento e aí
é que as coisas realmente ficarão feias.
— Você acha que ele vai…
— Ah, sim. Eu não tenho dúvidas de que Darnell Lynch pedirá a mão da Danny logo. Ele
tem falado sobre se casar outra vez há meses com ela. Mas Aidan não aceita, acha que o pai
jamais faria algo assim.
Fico pensativa por um momento. Não é um problema meu, mas já sinto por Aidan. Para
ele, a mãe continua viva em cada canto daquela mansão.
— Tenho certeza de que a Danny vai querer se mudar, é por isso que o Darnell vai me
arrumar um emprego no Purple Ride mês que vem. Assim que acontecer, Effy e eu vamos
dividir um apartamento perto ao campus. Então, adeus dependência e olá liberdade!
Uma ideia passa por minha cabeça. Pressiono a boca e mantenho os olhos em um ponto
fixo na cama e, sem perceber, fisgo e mordisco a pele solta do lábio inferior.
— Algum problema, Mack? — Escuto Gravity estalar os dedos e me deparo com eles na
frente do rosto. Encaro-a, apreensiva, decidindo-me se é cedo demais para falar o que
acabei de pensar.
— Acabei de ter uma ideia. Pode ser louca e idiota, mas…
— Hum? — Gravity empertiga o corpo, aprumando a postura como quem está pronta
para ouvir qualquer baboseira que venha a sair da minha boca.
— É só uma ideia. — Respiro fundo, entrelaço os dedos sobre o colo. — Mas, você acha,
hipoteticamente falando, que seria possível eu morar com vocês nesse apartamento?
— Você acabou de voltar. Não quer curtir mais os seus pais?
— Eu quero ter uma vida. A minha vida. Quero tomar minhas decisões, ser
independente, ganhar liberdade. E só poderei fazer isso se não estiver mais morando com
eles.
— Você teria que arrumar um emprego primeiro — murmura, pensativa.
— Talvez Darnell consiga algo para mim no Purple Ride também.
— O único problema é a sua idade. Você não tem vinte e um ainda.
— E daí? — Jogo os ombros para cima. — Meu pai poderia assinar uma autorização ou
coisa assim? Você, por acaso, tem vinte e um?
— Faço vinte e um, no dia 4 de julho! É no mês que vem, ele não vai me barrar por causa
de um mês.
— Se eu não conseguir com ele, posso tentar outro lugar. Mas, se você não quiser, tudo
bem.
— Não seja boba, não tem nada a ver com você. Effy e eu adoraríamos. Mais uma para
dividir o apartamento significa que pagaremos mais barato por ele.
Sorrio com satisfação.
— Nós vamos encontrar um jeito do Darnell contratar você. Soube que ele paga bem
seus funcionários e que as gorjetas são melhores ainda se ficar em uma área VIP na boate.
— Então, você concorda?
— Por mim não tem problema, Mack. Morar sozinha e ser independente pode fazer com
que você veja o mundo com outros olhos.

Não consigo dormir depois que Gravity vai embora. Estou presa em um looping infinito
de excitação e ansiedade. Fico imaginando minha vida, fazendo planos e me recordo de uma
Mackenzie aos dezesseis, que mal podia esperar para ingressar na faculdade. Tinha uma
visão diferente, se imaginava nesse cenário ao lado de outras pessoas e com certeza em um
outro universo. Era colorido, cheio de expectativas. Gravity depositou esperança dentro de
mim, o que há muito tempo estava amortecida.
Estou sorrindo feito uma tonta. Sonhando como aquela Mackenzie de dois anos atrás.
Criando expectativas. Pela primeira vez, desde o meu retorno, sinto um aconchego
imensurável no peito; a vontade sincera de estar aqui e ir para a Humperville University.
Como não consigo dormir e por causa do tornozelo ainda um pouco dolorido, não posso
sair para correr, então me sento diante do closet. Organizar as coisas – mesmo que não
tenha habilidade para manter a organização – quando meus pensamentos são inquietos faz
com que eu tenha uma distração, sendo assim, eles acabam se atenuando.
Tiro peça por peça do armário. Ele não estava mesmo organizado definitivamente,
porque ainda tem algumas caixas de sapato do meu pai se unindo às minhas botas e meus
coturnos.
Dobro uma camisa, deixo-a de lado e parto para outra. Quando uma pilha de camisetas e
shorts ficam prontas, perfeitamente dobradas e separadas por cor, levanto-me para apoiá-
las na cama desarrumada. Volto a me sentar em frente ao armário, retomo o trabalho, mas
desta vez vou para as calças.
Enquanto arrumo e olho para todas essas roupas antigas, que não usei mais por duros e
longos anos, decido que não preciso mais delas. Existe uma nova Mackenzie nascendo
dentro de mim. Um novo ciclo se inicia e sinto tranquilidade de me desprender do passado.
Vou doar todas as roupas que deixei em Humperville, decido. E mais algumas que trouxe de
Brigthtown e não me servem mais.
Recomeço as pilhas, mas desta vez uma para doação e outra para guardar no closet. No
meio de tanto tecido, encontro o vestido amarelo que mais parece uma camiseta comprida.
Lembro-me da noite em que usei. A primeira vez que Bryan saiu comigo, Lilah, Effy e
Sebastian. Naquele dia, em especial, era notório que tínhamos uma conexão diferente.
Estico o vestido para vê-lo melhor. Ele com certeza não me serve mais. Vai para a pilha
de doações.
Enquanto dobro a peça, o cheiro daquela noite é estridente, como se o perfume de
Bryan tivesse encontrado um jeito de se impregnar nessa peça de roupa por anos. Ficamos
perto um do outro, mas não tivemos nenhum contato físico de verdade e mesmo assim, é
vivo, como se eu voltasse para aquele momento. Eu sinto tudo de novo.
Meu peito se expandindo para que meu coração caiba lá dentro, porque ele tinha
crescido muito nos minutos em que cantei e dancei com Bryan, como uma bomba prestes a
explodir. Como senti a rouquidão de sua voz guiando as batidas do meu coração,
envolvendo-me em You Are That I Want como nunca tinha estado cativada antes por nada
no mundo. E só me dei conta desse sentimento delicado anos depois, quando já estava
muito longe daqui e dele para poder dizer que eu retribuía tudo o que sentia por mim.
Levo o vestido ao nariz. Não me importo se vou espirrar por horas a fio depois de
inspirar o cheiro de guardado, mas, ainda com a lembrança viva e palpável daquela noite,
acabo sorrindo e o abafando ao pressionar o tecido nos lábios.
A raiva que senti de Bryan no hospital aquele dia está sob controle. Talvez porque tenha
dito algumas coisas que ficaram presas, mas não tive oportunidade e agora ele sabe. Deixar
cada uma dessas lembranças para trás é deixar o que aconteceu no passado. Eu preciso
muito disso. Esquecer o que sinto por Bryan, me perdoar e seguir em frente.
Termino de dobrar o vestido. O ritual é lento e tenho consciência de que estou devagar
de propósito. Quando termino, coloco-o de lado, sobre a pilha de outras roupas velhas e
surradas que não quero. Não, de que não preciso mais.
O que eu sinto por Bryan é como aquele vestido amarelo que usei no primeiro dia do
sentimento mais puro que tive por ele e, dar um fim nele, é como colocar um fim para nós
também.
Nesse momento, traço um novo plano: encontrar um emprego, entrar na faculdade,
morar com as meninas e esquecer o que sinto por Bryan McCoy. E mesmo que demore, vou
negar veementemente para mim e para outras pessoas até que se torne real.
Amei o campus da HU. Saio de lá comentando com Effy e Gravity como gostei do lugar.
Não são prédios grandes como arranha-céus, mas são como pequenos casarões de cinco
andares dispostos um ao lado do outro e localizados entre a copa de árvores que os ronda.
O gramado é tão verde que desconfiei ser artificial.
Os tijolos expostos avermelhados e antigos, as vidraças emolduradas com madeiras
escuras e ressecadas estão escamando, mas fora a aparência de antiquário, o reitor Callum
Heaton é simpático e nos recebeu de braços abertos. Mostrou cada ala, os laboratórios, as
salas de dança e costura dos alunos de moda.
Conheci o jornal e a rádio da universidade, posso optar por um dos dois caso queira um
extra curricular dentro da universidade. E adorei. Como as aulas ainda não começaram, o
campus está vazio e vejo poucos alunos percorrendo pelo caminho cimentado que
serpenteia na orla dos prédios antigos e rumam para os dormitórios.
— Soube que vagou alguns apartamentos bem perto daqui — Effy comenta, colocando
um pedaço de donuts de chocolate na boca. Paramos em uma cafeteria na esquina da rua da
universidade. — É na rua de trás do trabalho da Bailey.
— Ela trabalha por aqui? — pergunto e tomo um gole do suco de melancia, encaro
apreensiva Effy, que lambe os dedos sujos de chocolate.
No começo pensei que ela relutaria, já que no almoço da casa dos Lynch pareceu um
pouco esquiva demais se tratando de mim, mas a ideia de morarmos juntas para ela caiu
bem. Tenho certeza de que ter mais alguém para dividir o aluguel, mesmo que esse alguém
seja eu, não é um problema para Effy.
— Sim. Bailey faz tatuagens pra um cara chamado Easton, algo assim — Gravity
responde. Ela está concentrada em sua agenda aberta, batucando a caneta sobre o papel.
Em poucas horas notei sua obsessão por horários e organização. — É bem ali. — Gesticula,
apontando para o outro lado da rua. Acompanho com os olhos para a direção, mas não vejo
nada além de um sobrado caindo aos pedaços.
— Ali? — Mantenho os olhos rumo ao sobradinho cinza, com a porta de ferro afundada.
— Cada um ganha dinheiro como pode — Effy responde, mas ela está mais concentrada
em devorar os outros dois donuts de chocolate. — Ela e Faith estão morando na cidade
sozinhas há três anos. Os pais não ajudam com nada. Elas se viram. — Dá de ombros. —
Para ser honesta, Faith me inspirou a sair da casa dos meus pais. Ela diz que, apesar dos
apertos para pagar o apartamento, valeu a pena.
— Por que vieram justo para Humperville?
Gravity estreita o olhar para mim.
— Você é uma das poucas pessoas que tem o desejo de fugir daqui, Mackenzie. A
maioria adora Humperville, por ser uma cidade pequena e ter exatamente tudo que
qualquer um precisa. Além da hospitalidade, é claro. Foi por esse motivo que Danny e eu
nos mudamos pra cá.
— E qual é a sua história? — Apoio o cotovelo no tampo da mesa, olhando-a com
curiosidade. — Por que vocês vieram para Humperville?
— É a mesma história de sempre. Pais que não ligam. Irmã mais velha, que é mais mãe
que a própria mãe. — Gravity força um sorriso e desvio o olhar para Effy em busca de
explicação, mas ela está com as sobrancelhas ruivas arqueadas, encarando Gravity. — Não é
nada de mais. — Ela faz uma pausa curta e respirando fundo, continua: — Então, estive
pensando, agora que você irá dividir o apartamento com a gente, acho que devíamos
encontrar um em que cada uma tenha seu quarto. É bom preservar a privacidade. — Coça o
nariz com o piercing no septo e sorri, percebo que está tentando mudar de assunto e
respeito sua decisão.
— Concordo — Effy diz, com a boca cheia de donuts e reparo em seu prato que é o
último. Ela mastiga devagar e finalmente engole. — Não precisamos de uma cozinha grande
nem uma sala espaçosa. Mas, com certeza, um quarto para cada uma é essencial. Eu odiaria
ter que conviver com a bagunça da Mackenzie.
— Ei! — repreendo-a com uma risada.
— Se você ainda for organizada daquele jeito, tenho medo de dividir um quarto com
você.
— Eu preciso arrumar um emprego primeiro.
— Ah, relaxa. Adiantei o assunto com Willa — Effy murmura, limpando os dedos sujos
de chocolate no guardanapo de pano sobre o colo. — Ela disse que vai conversar com o pai
sobre isso. Você até poderia trabalhar no Anarchy comigo, mas temos um problema.
— Qual? — Cruzo os braços na mesa, inclinando o corpo para a frente.
— Bryan é muito presente naquele lugar.
Entorto os lábios, forço um sorriso tenso.
— E daí?
— Pensei que você quisesse evitá-lo?
Demonstro desdém, jogando os ombros para cima.
— Sim, mas eu quero mais ainda um emprego.
— Eu gosto dessa atitude. — Gravity aponta a caneta preta para mim, sorrindo. — Você
tem toda razão. Certo. Temos duas opções — Ela se inclina para escrever na agenda. —
Anarchy ou Purple Ride.
— Podemos falar com Bailey. Talvez o Easton precise de mais alguém para ajudar. Uma
secretária, quem sabe — Effy comenta. — Ele é tatuador, às vezes precisa de alguém para
agendar os horários.
Meu celular, que está ao lado na mesa, vibra e o mesmo acontece com o de Effy e
Gravity, cortando nossa conversa.
É Nate me enviando uma mensagem no Kik. Aparentemente, todos eles usam o
aplicativo.
Não conversei com meu irmão ainda. Acho que ambos estamos nos evitando, porque já
tive tensão demais para o pouco tempo em que estou aqui.

Nate: Preciso sair hoje.

Mack: Ainda estou com dor no tornozelo.

Nate: ?

Mack: ?

— O ensaio da The Reckless foi cancelado. Vão dar uma festa — Effy explica, franzindo o
cenho. Ampara o cotovelo na mesa para apoiar o rosto com uma expressão pensativa.
— Estava demorando — Gravity murmura, encarando a tela do celular.

Nate: É UMA FESTA!

— Você vai gostar, Mack. — Effy pega o copo d’água que está à sua frente e toma um
gole.

Nate: ???????

— Vocês vão?
— É claro! — respondem em uníssono, rindo. — Nós nunca perdemos uma festa da The
Reckless.

Nate: Mackenzie, pooooooooor favor.

Mack: Vou pensar.

Nate: Ah, qual é!
Nate: Faço o que você quiser.
Nate: Qualquer coisa.

— O que é que rola nessas festas? Nate tá implorando pra eu ir — Balanço o celular para
elas e dou risada. — O que tem demais em uma festa?
— A The Reckless faz um show de graça. É tipo, louco, muita gente aparece pra assistir.
Além dos jogos. As apostas. Tudo acontece quando eles resolvem fazer uma festa.

Nate: Mackenzie?

— Você também devia ir.
— Você acha, Effy? — Dou risada, mas estou sendo sarcástica. Eu, com certeza, não
deveria ir.
— Mackenzie, você passou dois longos e duros anos vivendo reclusa com sua tia. É hora
de se divertir. Curtir os seus dezoito anos como ninguém!
— Eu concordo com a Effy.

Mack: Qualquer coisa?

Se vou em uma festa com Nate, para cumprir o que combinei com meus pais, mereço
algumas explicações.

Nate: Não abusa.

Mack: Você quer ir nessa droga de festa?

Nate: Quero.

Mack: Então eu vou abusar.

Nate: :)

Mack: Primeiro: a regra é que não temos mais regras.

— Doei metade das minhas roupas — digo balançando a cabeça ao me lembrar de que o
plano era ficar com as roupas que tia April me mandasse, mas não falei com ela ainda e, na
verdade, estou postergando esse momento.
— Se você tem uma camiseta e uma calça jeans já é ótimo. Eu tenho a roupa perfeita pra
você. — Gravity está sorrindo enquanto fala e Effy foca os olhos nela.

Nate: Segundo?

Mack: Quero saber de tudo. No tempo em que estive fora, quero que você conte tudo pra mim.

Nate: Tá.

Mack: Isso inclui o motivo de você me detestar tanto e por que tá tão envolvido com a The Reckless.

Nate não responde mais, mas sei que viu a mensagem.
Depois de ter na sola do meu pé alguns cacos de vidro perfurando a pele, impedindo-me
de dar os passos certos para a direção que quero, estou tentando retomar o controle. Se
esse é o melhor jeito ou não, eu não sei, mas já cometi erros antes, aprendi com eles e não
estou isenta de cometer outros. Contanto que eu consiga dar a volta por cima, como uma
princesa que não chora, posso lidar com o resto.

“Eu saquei a sua, você precisa ter o controle
Você acha que eu não te conheço
Eu te conheço, eu conheço
Estou tentando te dizer agora
Eu tenho feito o que você quer
Mas eu não vou ser sua garotinha obediente
Não, não mais”
YES GIRL – BEA MILLER

Envio uma mensagem para tia April no caminho de volta para casa, embora eu tenha
cedido à sua persistência, Vity ganhou alguém que é tão insistente quanto minha tia. Seu
telefone toca a cada segundo, ela dirige, portanto não desvia sua atenção das ruas para
atender, porém, pela maneira desdenhosa com que olha para a tela, consigo imaginar de
quem se trata: Aidan.
Olho através do retrovisor.
Estou sentada no banco da frente com Gravity e Effy no de trás, ela passou grande parte
do caminho também concentrada no celular. Envia mensagens o tempo todo. Os dedos são
ágeis e inquietos, como se escrever mensagens de texto dependesse de sua existência. Não
se passa nem meio segundo desde a última ligação de Aidan e o celular de Vity soa outra
vez no console do carro de Darnell.
— Você não vai atender? — É a primeira vez que Effy se pronuncia desde que entramos
no carro. Perscruto seu rosto sardento pelo retrovisor, mas é inexpressivo como antes.
— Ele deve estar pirando — tem sarcasmo em minha fala e Vity entra na brincadeira,
rindo também.
— Deixa ele sofrer mais um pouco.
Aidan liga várias vezes até que estejamos na porta da casa de Effy. Ela sai primeiro e
combina de se encontrar com a gente mais tarde, para a festa, na casa de Gravity. De sua
casa para Eastville é rápido, apenas um quarteirão.
— Sobre a roupa — diz Vity assim que estaciona o carro em frente à sua garagem, após
deixarmos Effy —, vem se arrumar aqui. Tem uma coisa que quero testar em você. — Ela
sorri.
— Tá. Obrigada pela carona — concordo e salto do carro. — E sobre hoje, foi divertido.
— De nada. Também achei. Vou ligar para os donos dos apartamentos na semana que
vem e aí resolvemos tudo. — Devolve o sorriso amigável e fecho a porta. Vity também sai
do carro. — Vou falar com a Willa hoje sobre a vaga de emprego. Acho que vai dar certo.
— Tudo bem. Nos falamos mais tarde, então.
Aceno enquanto atravesso a rua. Estou prestes a colocar a chave de casa na fechadura
quando a porta se abre.
Os olhos frios azuis concentrados de Bryan travam com o meu no mesmo instante. Fico
parada, em choque, com a presença dele ali. Afasto o corpo para o lado, para evitar uma
colisão com seu corpo pétreo, que passa apressado por mim. Apesar de termos nos olhado
por breves segundos, o fato dele estar na minha casa significa alguma coisa. Ele deixa a
porta aberta e, quando entro, encontro meus pais na cozinha.
Minha mãe sentada à mesa e meu pai recostado à ilha da cozinha, de braços cruzados
com o olhar perdido no rosto de Maisie. Deixo a porta aberta atrás de mim e estou pronta
para questioná-los sobre a presença de Bryan. Ele poderia ter ido para falar com Nate, mas,
pela expressão taciturna dele e os rostos desamparados dos meus pais, tenho certeza de
que não é o caso.
— O que foi? — inquiro, deixando a bolsa no sofá para me livrar do peso no ombro. —
Aconteceu alguma coisa?
— Nada de mais. Bryan só queria deixar o dinheiro dos custos do hospital.
— Nós recusamos — minha mãe se apressa a explicar ao notar que estou com a boca
entreaberta, prestes a discutir.
— Por quê? — Cruzo os braços na frente do peito, confusa.
Ambos se olham, perdidos e confusos.
— Ele me atropelou. Eu quero esse dinheiro — digo, com a testa vincada. — Vocês
deviam ter aceitado.
Dou passos para trás, em direção à porta e, embora meu tornozelo ainda doa um pouco,
tento andar o mais depressa possível, a tempo de poder alcançar Bryan e não ser
necessário bater em sua porta e correr o risco de topar com Vivian.
Durante o percurso tento convencer a mim mesma, em um discurso mental, que tive
danos físicos demais para deixar quieto, mas a verdade é que estou disposta a fazê-lo pagar
por todos os danos, inclusive os que sofri desde que cheguei em Humperville.
As humilhações, causadas por ele, o acidente com o carro e a dor no tornozelo a cada
passo que dou em direção a sua casa só me incitam a fazer exatamente isso.
— Ei — chamo quando o vejo subindo a escada da varanda. — Bryan — repito ao
perceber que, apesar de ter me escutado, não deteve o passo. — Estou falando com você. —
Paro no primeiro degrau com os braços cruzados e o queixo erguido, minando confiança.
Contudo, sinto meus joelhos cederem. Troco o peso de uma perna para outra, disfarçando a
sensação de pavor que o olhar frio indiferente de Bryan causa em mim. — Vim buscar o
dinheiro.
Reparo na jaqueta, no cabelo desgrenhado e na camiseta branca que usa sob o couro
pesado. O jeans claro, surrado e rasgado nos joelhos amarrotado. Ele desce os degraus que
havia subido, com os braços desleixados e balançando ao lado do corpo, de repente se
detém um degrau antes de esbarrar em mim.
Mantenho a postura ereta, sem me permitir desmanchar sob o olhar duro.
— O que foi que você disse?
— Que vim buscar o dinheiro que meus pais recusaram. — Aperto os braços
entrelaçados com mais força, distribuindo a tensão das minhas pernas para o restante dos
membros.
— Seus pais não querem o dinheiro. As contas no hospital já foram pagas.
— E daí? Você me atropelou.
— Foi um acidente.
— Como eu posso ter certeza? — desafio-o, sem me importar com o campo minado que
estou entrando.
Vejo o canto de sua boca afundar. A covinha escondida sob um amontoado de pele
finalmente aparece. Bryan está sorrindo e desce o olhar azulado para meu corpo imóvel,
que por baixo de toda coragem, quase desmorona com a forma com que seus olhos
esquadrinham a silhueta do meu corpo minúsculo.
Perto dele sou pequena e, além desse fato convicto, ele está um degrau acima, o que o
deixa maior, olhando-me de cima. Não me deixo abalar, não vou me render só porque ele
está agindo como quando nos conhecemos; subestimando minha capacidade comparada a
sua.
— Pensei que tínhamos terminado, que nossa discussão no hospital tivesse colocado
fim nisso — pontua, sua voz é baixa e controlada. Aperto os lábios com firmeza. — Eu me
enganei?
Finalmente solto os braços e estendo a mão aberta em sua direção, esperando pelo
dinheiro.
— Estamos só começando, Bryan.
— Tem certeza de que quer entrar nesse jogo comigo, Wilde?
Um passo.
Um passo dele em minha direção me faz recuar dois para trás, o que desarma toda a
minha compostura de autocontrole. Agora Bryan está com os pés no gramado, suas botas
amassando a relva verde de seu quintal. Comprimo os lábios e sinto um leve arrepio na
espinha. Limpo a garganta com força e levanto a mão outra vez.
— Eu também sei jogar.
Ele ri. É tão afiado que consegue perfurar meu peito e fico com raiva. Está zombando de
mim de novo, travando uma luta comigo e confiante de que vou perder.
Ele tem certeza disso, que a minha vulnerabilidade em relação a ele vai me fazer perder.
Consigo ler tudo nas entrelinhas mascarando seus olhos. Devolvo seu sorriso, porque não é
inquebrável.
Bryan também têm fraquezas e momentos de vulnerabilidade. Existem rupturas que
podem ser penetradas e ele sabe disso.
— Pra que é que você quer o dinheiro?
— Danos emocionais? Mentais? Não importa. Eu saí lesada, então quero o dinheiro.
Bryan contorna os lábios com a língua aveludada. Afunda a mão direita no bolso da
jaqueta de couro e volta com um envelope amarelo na mão. Ele o deposita sobre a palma da
minha e sorri.
— É seu.
Fecho-o no punho.
— Obrigada.
— Por nada, você tem razão. São danos
Engulo em seco, trincando os dentes.
Afasto a mão que nos mantém distantes e, eximindo os centímetros que existe entre
nós, Bryan se inclina em direção ao meu ouvido.
— O que o vencedor ganha? — sussurra.
O contato de seu hálito contra o lóbulo de minha orelha transforma meu peito em uma
bomba pesada de oxigênio. Meu cérebro, racional e compenetrado, insiste que devo recuar,
porque é imaturo, mas meu lado irracional diz que, se eu me sujeitar a ser provocada,
burlarei a lei básica de que toda ação tem uma reação. E se Bryan for tudo o que ouvi nos
últimos dias, estou pisando em um terreno perigoso, do tipo que, se eu não vencer, significa
que perderei tudo.
— Como todo bom jogo, existe um ganhador e um perdedor.
— Eu sei como um jogo funciona — disparo com ácido instalado na ponta da língua. —
Acho que quem vencer, escolhe o que quiser.
— Gostei. Um leque aberto de opções.
Ele, enfim, se afasta e consigo respirar. O ar reprimido no pulmão escapa por meus
lábios.
Bryan ruma de volta às escadas da varanda com a sombra de um sorriso vitorioso no
rosto.
— Que tipo de jogo estamos jogando? — murmuro, mas não tenho certeza de que ele
me ouviu.
— Está com medo? — questiona ao parar.
— Não tenho medo de você, Bryan. Eu te conheço.
Ele sufoca o riso, como se o tivesse atingido em um ponto específico.
— Eu — aponto para meu peito, dizimando outra vez a distância entre nós —, acima de
qualquer pessoa, sei quem é você. Fui eu — enfatizo, mantendo a linha tênue de raciocínio e
Bryan acompanha cada passo meu com os olhos. — Antes de você machucar qualquer
outra, eu te machuquei primeiro.

— Que é que foi aquilo?


Escuto ao cruzar a entrada. O sangue flui para a minha cabeça, a vermelhidão em meu
rosto o deixa em brasa. Nate está estacado ao lado da janela, os olhos de águia furtivos
miram meu corpo. Tento controlar os tremores causados pela tensão de uma conversa um
tanto quanto peculiar com Bryan e, enquanto me movo devagar em direção aos meus pais,
que permanecem intactos na cozinha e injetam os olhares para mim, assim como Nate está
fazendo nesse momento.
Ele me segue até cozinha. Ouço os passos pesados e o ranger do assoalho com sua
proximidade.
— Falei com você.
— Eu não tenho que dar satisfações a você, Nate. — Giro no calcanhar para enfrentá-lo.
Minha voz sai irritada e o ar rarefeito causa um leve desconforto no meu peito. — Peguei o
dinheiro. — Levanto o envelope para mostrar aos meus pais, que estão com uma expressão
de indignação no rosto.
Volto a andar em direção a eles.
— O que você tá tentando provar? — Nate continua me seguindo e guinchando atrás de
mim. — Eles precisam desse dinheiro.
— Eu também preciso — digo, eufórica.
Decidi que não iria contar a Nick e Maisie sobre meus planos de me mudar no mês que
vem até que conseguisse um emprego e acertasse os detalhes com Vity e Effy, mas dizer
que preciso daquele dinheiro quando meus pais nunca deixariam nada me faltar gera
desconforto em meu pai. Percebo de onde estou que os ombros penderam e minha mãe
recostou a cintura no balcão como se tivessem a acertado na boca do estômago.
Fecho os olhos para respirar fundo. É nesse momento que deixo o envelope com
dinheiro em cima da mesa e puxo uma das cadeiras para me sentar. Tudo bem, essa
conversa tem que acontecer de um jeito ou de outro mesmo.
— Estou pensando em me mudar — conto. A voz que tanto controlei para sair alta e
clara, na verdade, acaba sumindo no ar e não tenho certeza de que eles escutaram. Mas
Nate com certeza ouviu, porque, quando se senta na cadeira diante de mim, tem um
sorrisinho vitorioso no rosto. — No mês que vem.
— E você precisava do dinheiro do Bryan? — meu pai questiona, então tenho certeza de
que escutou com clareza tudo que disse.
— Ele me atropelou, pai. Não foi de propósito, eu sei que não, mas de qualquer forma
vocês gastaram com o hospital e eu gastei com os analgésicos. Vocês decidiram que não
queriam ser reembolsados, mas eu decidi que queria.
— É vingança — Nate se intromete de novo, rindo. O modo desleixado como estica as
pernas para baixo da mesa só prova o que eu desconfiava: ele está se divertindo com a
situação em que Bryan e eu nos encontramos. — Eu disse pra vocês como é péssima a ideia
da Mackenzie sair com a gente?
— Nate. Cale a boca! — interrompo, irritada.
Na verdade, desde que cheguei, tenho vontade de mandá-lo ficar quieto, mas nesse
momento, onde acabo de dizer para os meus pais sobre os meus planos, é onde eu mais
queria que Nate tivesse amadurecido.
Rastreio a cozinha em busca do rosto da minha mãe. Por algum motivo, ela não disse
nada. Pensei que, com seu instinto de proteção maternal, ela seria a primeira a gritar
comigo e dizer que não tenho como me manter sozinha longe deles. Não fiz em Brigthtown
e não faria em Humperville. Porém, ela está enraizada na mesma posição, os braços
atravancados um no outro. O olhar perdido fita um ponto no chão e o acompanho, mas não
tem nada para que ela pudesse concentrar toda sua atenção. Quando levanta a cabeça, noto
a palidez em seu rosto, como se todo o sangue tivesse sido drenado nos segundos em que
escutou sobre eu estar me preparando para me mudar.
Observo-a cautelosa abrir a boca, mas fechar em seguida desistindo de falar. Eu
esperava tudo, menos essa reação apática. Estava pronta para ouvi-la gritar sobre minha
ingenuidade ou disparar como estou sendo injusta de sair logo que voltei. Meu pai, por
outro lado, não parece tão em choque como Maisie.
— Mãe? — chamo-a apreensiva.
— Você quer se mudar no próximo mês? — pergunta, leniente.
— Se eu conseguir um emprego, sim.
— Mas você acabou de voltar — ela sussurra, agora os olhos comovidos pairam sobre
mim.
— Não estou indo embora de Humperville. Quero me mudar para um apartamento,
perto da faculdade. Vai ser melhor pra mim, mãe.
— Nós decidimos que você iria embora na primeira vez, porque acreditávamos que
seria melhor para você também e não te vimos por dois anos — desabafa e meu mundo rui.
Escuto as paredes em volta de mim desmoronarem e o chão sob meus pés
desaparecerem. Eles estão se esforçando. Agindo como se não se importassem com o fato
de eu não ter voltado por dois anos, nem mesmo para visitá-los.
No meio disso, desvio para Nate e seu olhar acentuado mostra que, tudo que desferiu
para mim na última semana, era o sentimento resguardado, que até meus pais mantinham
fora do meu alcance. Eles tentam ser compreensivos, mas, no fundo, estão magoados. O
plano era eu ir embora, mas ir embora não quer dizer abandonar a família.
Nós éramos unidos, eu tinha sorte de ter uma família que servia de base para sustentar
a minha vida e, magoada como estava na época, não me dei conta de como eles se sentiriam
se eu não voltasse mais. E, preciso admitir, se Molly não tivesse falecido, talvez nunca
voltasse. Por nenhum momento pensei nisso; considerei que eles ficariam chateados
comigo, porque achava que, no final, eles entenderiam.
— Agora você entende? — Nate emenda, com os braços cruzados sobre a mesa. —
Entende que, diferente deles, eu não compreendo como você conseguiu? Como foi capaz de
ir embora e sumir por dois fodidos anos? — É a primeira vez que o escuto dizer um
palavrão sem ser repreendido em seguida. — Como conseguiu viver em paz na sua vidinha
ridícula enquanto nós passávamos dois anos sem ver você? Eles sentiram a sua falta. Eu
senti a sua falta. Porra, você podia ter voltado ao menos pra visitar, não acha? Foi egoísta da
sua parte. Sim, você estava machucada. Muita merda rolou, mas só alguém muito estúpido
faria o que você fez.
— É verdade? — Ignoro Nate, porque nossa conversa pode esperar, mas meus pais
estão em silêncio absoluto diante de tudo que meu irmão diz e me preocupa que não
tenham nada a dizer. — Vocês estão magoados por eu não ter voltado durante todo esse
tempo?
— Nós queríamos que você tivesse voltado, ao menos para nos visitar. — É meu pai
quem fala, mas não sinto mágoa em sua voz.
— Vocês podiam ter ido me ver!
— Com que dinheiro? — Nate intervém outra vez. Encaro seu rosto pálido, porém a
ponta do nariz e as bochechas estão avermelhadas. — Papai foi demitido, só tínhamos a
renda da mamãe que ela, inclusive, gastava metade enviando pra você.
— Nate! — minha mãe enfim o repreende.
— Não, espera. — Ele se levanta, inflando as narinas de irritação. Faço o mesmo. — É
ridículo da sua parte dizer uma coisa assim. Eles deram duro pra um caralho pra te manter
lá fora! — Aponta em direção à porta, o braço treme. — Papai vira as noites trabalhando em
um lugar que odeia, a mamãe pega mais aulas na escola para cobrir o que falta e eu tô
fazendo o que posso por aqui também.
— Fazendo parte dos negócios da The Reckless?
— É, Mackenzie. Fazendo parte da equipe da banda. Eu não sou talentoso para cantar,
não sei tocar nenhum instrumento, mas sou muito bom em outras coisas. Alguns de nós
descobre no que realmente vale a pena investir cedo. — Ele faz uma pausa para respirar
fundo. Os olhos fechados e a boca pressionada em uma linha fina rígida. — Você quer sair
de casa e ter sua vida? Beleza! Mas não repita o mesmo erro. Não saia pra buscar sua
independência, porque quer fugir do problema que encontrou quando chegou aqui!
— Eu. Não. Estou. Fugindo, Nate!
— Pra mim parece que tá!
— O que você quer que eu diga? Eu errei! — grito, bato as mãos espalmadas contra o
tampo da mesa. — Sim, eu errei! E sinto muito! Devo desculpas a vocês. — Olho para Nate e
depois para meus pais, que permanecem intactos. — Mas não dá pra voltar no tempo agora,
caramba! Não quero sair de casa porque me deparei com problemas, quero sair de casa
porque, pela primeira vez, tenho um plano. E adivinha, Nate? Não estou fazendo isso
pensando em ninguém além de mim!
— Você é uma vaca egoísta do caralho!
— Você é um pirralho! Age como se fosse um adulto e soubesse de tudo, mas não, na
verdade, não sabe de nada. Anda por aí com essa pose de durão, culpando-me pelos seus
sentimentos de frustração. Mas quer saber de uma coisa? Você precisa escolher se me
perdoa ou se vai me odiar, porque gostando ou não, morando sob esse teto ou não, eu vou
ficar. Eu não vou embora de novo! — Paro. O ar entre nós é pesado. Aspiro, ofegante e
recupero o fôlego. — Não espero que ninguém entenda os meus motivos, eu parei de tentar
quando me dei conta de que era uma perda de tempo.
— Já chega! — meu pai, enfim, interfere. Vendo que Nate está bem perto de explodir e,
aquela raiva, como uma bomba relógio, vai atingir cada um de nós. — Vocês dois, parem
agora mesmo! — Ele levanta o indicador para Nate, quando faz menção de retrucar. Eu
mantenho os lábios pressionados e a língua colada ao céu da boca, evitando mais conflitos.
— Se a sua irmã quer se mudar, nós ajudaremos a empacotar suas coisas como fizemos
na primeira vez — mamãe diz, com um sorriso estreito no rosto. Não sei se acredito nela ou
se me preocupo com o fato de Nate estar certo sobre ainda estarem magoados comigo.
— Eu realmente sinto muito — repito para eles, respirando pesado. — Por tudo. Por
não ter voltado.
— Nós sabemos. Mas isso — ele aponta para Nate e depois para mim — precisa acabar.
Dizer o que pensamos, às vezes, alivia a angústia — Um vinco profundo se forma entre as
sobrancelhas grossas de papai. — E é por isso que não intrometemos, mas precisa acabar
antes que digam coisas de que vão se arrepender e se desculpar não será o bastante para
reparar o estrago. Vocês não são mais crianças, nós sabemos e vocês já disseram isso outras
vezes, então não ajam como uma. Sobre se mudar, a decisão é toda sua, Mackenzie.
Depois que papai fala, o silêncio cresce e como nenhum de nós diz mais nada, meus pais
saem primeiro. Volto a me sentar na cadeira e puxo o envelope com o dinheiro. Eu nem sei
quanto tem ali.
Nate se senta também, à minha frente outra vez.
— O que mais você quer saber? — pergunta, dessa vez a voz soa controlada.
— O quê?
— Nós fizemos um acordo. Vamos à festa hoje e eu faço o que você quiser.
Respiro fundo. Afundo a cabeça entre as mãos apoiando os cotovelos sobre a mesa. Por
alguns minutos, havia me esquecido dessa festa e de como Bryan e eu entramos em um
jogo, que eu sequer faço ideia de como reagir, porque não sei o que estamos fazendo.
Deixei-me levar pelo momento, a ânsia de não me calar mais diante de tudo que ele diz e
não demonstrar fraqueza. A minha coragem momentânea me obrigou a fazer exatamente o
que Gravity disse para não fazer.
— Acho que você já disse tudo que eu queria saber.
— Você não quer saber por que levo o que faço na The Reckless tão a sério?
Eu o encaro.
— Você tem um motivo especial? — indago, cruzando os braços em cima da mesa. —
Algo importante?
Ele fica em silêncio. Vejo quando morde as laterais da bochecha e depois sacode a
cabeça, negando.
— Por que você faz então?
— Diferente do que nossa mãe pensa, Bryan não fez com que eu odiasse você. — Nate
para, batuca os dedos feridos no tampo da mesa em concentração. Quando finalmente
levanta os olhos para mim, vejo a camada cristalina que acumulou sobre seus olhos. —
Você se lembra de como se sentiu quando Sebastian morreu?
— Eu nunca me esqueceria daquele sentimento.
— Eu me senti da mesma forma quando foi embora. Você estava viva, mas não estava
aqui. Precisava de ajuda, mas não sabia para quem pedir. Papai voltou a fumar e passava
algumas noites fora bebendo, isso o levou a perder o emprego de gerente na loja de
conveniência e deixou o casamento deles à beira do precipício. Se tem uma coisa que
aprendi com você, Mackenzie, é que nossas escolhas afetam também as pessoas que
amamos.
Engulo a bola de saliva que ficou atravessada na garganta. O rosto avermelhado de Nate
e os dedos machucados é para onde meus olhos miram e saltam. Eu não fazia ideia de que
papai tinha perdido o emprego porque estava bebendo. Ele amava aquele emprego como
ama a própria vida.
— Eu estava na merda de assistir nossos pais brigarem. Esperando pelo dia em que
você voltasse, ao menos para nos visitar. Ansiava por esse dia, porque pensava que você
poderia resolver o problema deles de alguma forma, mas você nunca voltou. No começo
nossa mãe me iludia — ele sorri, mas não é um sorriso feliz —, dizia que você voltaria para
as férias e, quando julho chegava, uma nova desculpa saía da boca dela. E foi assim durante
esses dois anos, até que poucas semanas atrás eles disseram que você estava voltando e,
dessa vez, era pra valer. Você acha que acreditei?
Replico a resposta apertando os lábios com força extracorpórea. Quero atravessar a
mesa, cruzar o limite e abraçá-lo. Enquanto Nate fala, apesar de jurar que todo o
sentimento que tem é o de raiva, consigo sentir que não passa de mágoa e eu sei que ele
pode superar.
— Então Bryan apareceu, porque comecei a experimentar umas coisas.
— Que coisas? — Minha voz sai consternada, as pestanas se apertam e o rosto de Nate
se contorce em uma careta de repulsa. — Nate, não me diga que…
— Eram leves, mas experimentei e nossos pais perceberam. Por isso, eles autorizaram
que eu fosse às sessões de terapia com Bryan, porque eu andava mais irritado que o
normal.
— Bryan te convenceu a ir à terapia então?
— Não só isso. Eu também estava devendo pra uns caras.
— Nate, só faz dois anos que fui embora.
Ele afunda mais na cadeira, envergonhado.
— Bryan pagou pelas dívidas, mesmo com a corda no pescoço depois do Casey ter ido
embora. Eu devo muito a ele.
— Você era uma criança ainda — sussurro. — Como foi que isso aconteceu?
— Eu entrei na Saint Ville Prep na mesma época. — Ele sorri, dessa vez é de orgulho.
Estufa o peito exibido e apruma a postura. — Conheci um cara, um bem idiota. Na verdade
— Nate revira os olhos, joga a coluna para trás e cruza os braços —, ex-namorado da
Maeve. Foi assim que a conheci. Ele era um babaca, pra dizer o mínimo. Vendia ecstasy nas
festas da escola e a tratava como um projeto pessoal. Comprei algumas drogas dele com a
mesada, saí com a Maeve, ele quebrou a minha cara e me ameaçou se eu não pagasse o que
devia. Bryan devolveu o favor e pagou pelas dívidas. Fim da história. — Nate sopra o ar,
afastando um filete da franja, que escorrega no meio de sua testa.
— Espera um pouco. Esse cara, você o conheceu em alguma festa ou ele estudava na
Saint Ville?
— E importa?
— Importa, Nate. Nós temos um acordo — lembro a ele, arqueando uma sobrancelha.
Ele bafora, tomba a cabeça para trás em desistência. — Você fala ou nada de festa.
— Na sua época na Saint Ville, não existia uma abelha rainha?
— Hum... — Recosto à cadeira, pensativa. — Eu não tenho muita certeza disso. Nunca
tentei pertencer a nenhum grupo.
— Bom, já eu queria me encaixar e pertencer a qualquer lugar que me aceitasse. A
abelha rainha atualmente é Alyssa Davis. Ela deu uma festa de boas-vindas aos calouros,
convidou metade da escola e foi lá que conheci o Sean e a Maeve. E não, ele não estudava na
escola. — Nate faz uma pausa, recuperando o ar que os pulmões exigiam e continua: —
Enfim, o que importa é que eu preciso quitar essa dívida com o Bryan. Ele não aceita o
dinheiro, mas aceita que eu o ajude e, no final, acabei pertencendo a um lugar.
— Ele te cobra? Pede favores em troca de ter te ajudado?
— Não. Faço porque me sinto na obrigação de pagar. Ele podia ter sido preso de novo,
por minha causa, só de ter se envolvido. Ele diz que bastou uma prisão para aprender a
lição de nunca colocar ninguém acima dele, mas, quando me lembro do que fez por mim,
acredito que Bryan só coloca alguém como prioridade quando realmente importa para ele
e, por alguma razão, eu sou alguém com quem ele se importa.
Nate para de falar e fica me encarando, como se quisesse que eu desse um veredito, mas
ainda estou digerindo cada palavra e atenuando a forte sensação de que Bryan não é quem
diz ser.
Ele pode dizer que me odeia, mas parece que, no fundo, essa não é a verdade.
Nate nunca foi importante para Bryan. Eles não eram amigos e muito menos próximos
disso. Mas Bryan, sendo meu melhor amigo, sabia que Nathaniel é importante para mim e,
se qualquer coisa viesse a acontecer com ele e eu não estivesse aqui para ampará-lo, a culpa
me corroeria.
Bryan está com tanto medo da minha volta quanto eu estou com medo do jogo que
estamos fazendo um com o outro.
— Você tem mais alguma pergunta ou já posso enviar uma mensagem para Maeve e
dizer que tô liberado hoje?
Envolvo o elastiquinho ao meu pulso com o indicador, puxo-o com força e solto contra a
pele. Entorto o lábio e franzo o nariz em uma careta de repulsa.
— Sobre o Bryan… o quanto você diria que ele me odeia? Em uma escala de zero a dez?
— Onze.
Nate se levanta, sem esperar que eu responda e, embora tenha sido convincente, eu não
sinto que ele esteja certo sobre isso.

Yes Girl, de Bea Miller, retumba através de uma microcaixinha de som, onde o celular de
Gravity está plugado. Paro, recostada ao batente da porta de seu quarto, assistindo-a cantar
a música a plenos pulmões, como se quisesse que a Eastville inteira escutasse sua
declaração fervorosa.
Abafo a risadinha, comprimindo a mão contra o lábio. Effy está escorada à cabeceira da
cama, lendo uma revista de fofocas dos famosos. Eu tenho uma vaga lembrança de um
momento assim no passado; Lilah, Effy e eu em meu quarto, após assistirmos muitas aulas
cansativas na Saint Ville Prep, destilávamos todo nosso estresse em fazer as unhas umas
das outras. Apesar de Lilah ter sido péssima, ainda sinto falta daquela época.
Trajo uma regata branca, calça jeans preta, rasgada nos joelhos – sob o jeans pesado
minha meia-calça arrastão favorita –, botas de couro de cano baixo e salto alto. Nada
especial, como Vity havia sugerido. Eu também não teria nada de mais no closet depois de
tirar grande parte das roupas para doação.
— Você chegou. — Effy é a primeira a me notar, deixa a revista de lado para se levantar.
Reparo em sua camiseta vinho e no macacão jeans preto que está vestindo. Os coturnos
pretos estão desamarrados, mas ela não parece se importar enquanto ruma para a caixa de
som e abaixa o volume. É uma pena, estava curtindo a letra da música, Bea Miller
desferindo palavras que eu mesma gostaria de dizer.
É quando o som cessa que Gravity finalmente nota minha presença. Ela ajeita a lapela da
jaqueta clara, ajusta o top branco sob o jeans e regula a gargantilha preta que adorna seu
pescoço. Dá uma risadinha, recuperando o fôlego.
— Eu não te vi chegar!
— A porta estava aberta. — Aponto por cima do ombro com o polegar rumo à escada. —
Eu chamei, mas ninguém respondeu, então entrei. Espero que não se importe.
— Tudo bem. Se Danny estivesse em casa, eu nem poderia ligar o som tão alto! — Ela
volta a sorrir e vem até mim pulando na ponta dos pés, segura minha mão e empurra meu
corpo, para que me sente em sua cama. — Eu quero muito que você experimente uma coisa
que fiz.
Gravity estudará moda na Humperville University. Eu não levei em consideração que
tinha costurado algo para mim em tão pouco tempo que nos conhecemos, nem com seu
comentário de hoje de manhã sobre ter a roupa perfeita.
Ela some para o banheiro, encaro Effy em busca de resposta, que só dá de ombros, mas
sei que só não quer estragar a surpresa.
Quando Vity volta, uma jaqueta de couro preta está dobrada em seu antebraço. Fito a
peça com apreensão, subo os olhos para o rosto retangular da morena e cruzo os braços
com a testa franzida.
— Uma jaqueta de couro?
— Não é só uma jaqueta de couro. É a sua jaqueta de couro, gata.
Segura o couro pelos ombros e o estica na altura do meu rosto, desdobrando as partes
da peça. Encaro perplexa o que Gravity fez com a jaqueta. Meu nome, Mackenzie, bordado
nas costas com lantejoulas, que brilham dependendo da postura que ela fica contra a luz.
— O que você acha? — pergunta, ansiosa. Ela morde o lábio inferior impaciente. —
Gostou? É um presente de boas-vindas. Quero fazer uma para cada uma de nós, mas achei
que você precisava de algo que te lembrasse que, de agora em diante, você vive por você e
mais ninguém.
Eu não quero, mas meus olhos acabam marejados e pisco para afastar as lágrimas. Elas
têm me abraçado com vontade, mostrado que eu posso dar a volta por cima e não preciso
fugir para conseguir superar meu passado. Posso lidar com ele aqui, de onde estou, porque
sou forte o bastante. A jaqueta suspensa no alto do meu rosto grita o quanto preciso de um
(re) começo, onde sou a única capaz de escrever os detalhes dessa história.
Levanto-me e estico os braços para que Gravity consiga passar as mangas da jaqueta em
mim e ando em direção ao espelho para ajeitar a lapela. Ela caiu como uma luva em meu
corpo. Os botões e zíper são prateados, brilham contra a luz e fico incrivelmente linda com
ela. Encaro meu reflexo; os cabelos loiros tingidos, a boca vermelha com batom e as
bochechas rosadas. Devo ter emagrecido bastante nos últimos anos, mas só me dou conta
disso quando olho com mais carinho para mim naquele espelho e percebo que preciso me
recuperar de inúmeras formas. Apesar de ter sido convincente em palavras e ações nos
últimos dias, sei que tenho um caminho longo e tortuoso para seguir antes de alcançar a
Mackenzie que eu gostaria de ser.
Afundo as mãos no bolso da jaqueta e encho os pulmões com ar. Meu peito infla, sinto-
me poderosa e resiliente. Sorrio para meu reflexo, vejo Effy e Gravity se aproximarem. Cada
uma delas ampara uma mão em meu ombro em forma de apoio. E o sorriso que começa a
rasgar meu rosto se afrouxa ainda mais.

“Me arrastando de volta para você
Já pensou em ligar quando tomou umas?
Porque eu sempre penso nisso
Talvez eu esteja muito ocupado sendo seu
Para me apaixonar por outra pessoa”
DO I WANNA KNOW? – ARCTIC MONKEYS

— Você dirige? Desde quando? — Nate indaga, arrastando-se até a minivan de nossos
pais. — Essa é nova e onde você arranjou essa jaqueta?
— Desde quando você fala tanto comigo? — devolvo, destravando as portas pelo
controle do carro.
— Desde que você me forçou a isso.
Paro com a mão na maçaneta do lado do motorista.
— Eu dirijo tem pouco mais de seis meses e ganhei a jaqueta de presente da Gravity.
— Agora vocês são amigas, tipo, amigas mesmo? — Reparo no nariz contorcido de Nate
e na forma desconfiada com que me olha enquanto assumo meu lugar atrás do volante.
Não gosto de dirigir, essa é a verdade. Tirei a carteira porque tia April me deu de
presente e não queria fazê-la gastar o dinheiro para nada, então fui e consegui minha
habilitação, porém não dirigia muito em Brigthtown e não imaginei que precisaria dirigir
em Humperville. Mas quando meu pai entregou a chave da minivan, contei a ele sobre a
habilitação e pediu que fosse eu a pessoa a dirigir, assim Nate continuaria com a carteira
retida, cumprindo o primeiro castigo que lhe deram por causa de Maeve.
— Então, que tipo de relacionamento você tem com a Maeve? É sério ou só algo
passageiro?
— Nós nunca formalizamos nem nada. — Ele dá de ombros com desdém e o encaro.
Giro a chave na ignição e engato a marcha ré. — Mas acho que é sério sim. Ela é dois anos
mais velha que eu. — Piso no freio com força e o corpo despreparado de Nate é lançado
contra o painel.
— Dois anos?
— Que porra! — resmunga, massageando a testa vermelha. — Você quer me matar?
— A primeira coisa que você faz quando entra no carro é colocar o cinto de segurança.
— Gesticulo com o queixo para o cinto intocado.
— Da próxima venho até com um capacete. — Continuo acelerando para tirar o carro da
vaga da garagem. — Qual é o problema com a Maeve?
— Nenhum problema, não sabia que ela tinha minha idade. Só isso.
— Garotas mais velhas querem dizer que terei menos problema.
Desvio a atenção da estrada para olhar meu irmão cabeça oca, uma coisa que detesto
fazer é dividir minha concentração com a rua e o passageiro. Nunca consegui fazer as duas
coisas ao mesmo tempo e estou quase entregando a direção para Nate só para ter a
oportunidade de falar enquanto ele dirige. Contudo, também não sei como ele é na direção,
considerando que nossos pais tiraram a carteira dele.
— Ela não se apega a mim.
— Mas e você? — Paro no primeiro sinal vermelho e a freada brusca locomove o corpo
de Nate alguns centímetros à frente, o que faz com que me olhe repreensivo.
— Eu o quê?
— Se apega?
— Por que diabos eu falaria isso com você?
— Quer que eu dê meia-volta? — Sorrio e sei que o desenho do sorriso em meu rosto é
algo que nesse momento Nate detesta.
— Tá. Que seja. Eu gosto bastante dela.
— Talvez uma garota mais nova se envolvesse mais. É engraçado que você queira
namorar alguém mais velho, para que essa pessoa não se apaixone, e você faz exatamente o
que está evitando.
— Mackenzie.
— O quê?
— A droga do sinal abriu!
Olho para a luz verde acima de nós e arranco com o carro. O pneu canta e Nate joga o
corpo para o canto, esconde os olhos atrás da mão aberta e respira pesado. Dou uma
risadinha, como um pedido silencioso de desculpas.
— O que é que você quer que eu diga? Gosto dela. O que posso fazer?
— Não tô dizendo pra fazer algo, Nate. É você quem tem que decidir.
Não posso pedir para meus pais não se intrometerem em minha vida e fazer a mesma
coisa com Nate.
Um silêncio calmo nos aconchega dentro do carro. Nate me guia, instruindo quais ruas
tenho que pegar para chegar à casa de Ashton, onde a festa e o show da The Reckless vão
acontecer.
Queria poder dizer que estou animada com a festa, mas o fato de estar indo com Nate e
não com Gravity e Effy me apavora. Sei que, assim que pisarmos no lugar, ele me deixará
sozinha e esbarrar com Bryan depois de ter concordado fazer com ele um jogo que me
parece muito com algo que faz com Faith, não é algo que eu queira para começar a noite.
Também não é o tipo de relacionamento que quero com alguém.
Nate me instrui a entrar na Street Powell e eu reconheço aquela parte da cidade, o dia
fatídico em que tudo entre mim e Bryan desmoronou de uma vez por todas. Passo pela
árvore em que batemos, acabo sendo sugada para a lembrança e envolvo o volante com
força, até que os nós de meus dedos fiquem esbranquiçados. Nate parece notar, pois chama
por mim, mas não lhe dou atenção.
Concentro toda a minha energia em cessar as batidas frenéticas dentro do meu peito,
que causam a sensação asmática de falta de ar e tento afastar o pensamento, tento me
concentrar em outra coisa e, então, paro. Piso abrupta no pedal do freio e respiro fundo;
sinto como se estivesse sufocando, que a lembrança daquela maldita noite me
estrangulasse. Aperto o próprio pescoço, as veias saltadas estão rígidas como tábua e Nate
continua dizendo o meu nome.
Aperto os olhos e bato a testa contra o volante. Puxo o elástico do pulso e solto. Faço
repetidas vezes. Inspiro e expiro o ar devagar pela boca, incho a barriga com o ar,
trabalhando a respiração diafragmática que doutora Evanna me ensinou. Preencho as
lacunas em minha mente com pensamentos positivos e bato outra vez com a testa no
volante, e outra vez, e outra vez, até que sinto a palma da mão de Nate interromper o
impacto da minha pele contra o volante revestido de couro.
Viro o rosto para o lado. Nate está com o braço esticado, a mão protegendo minha testa
e o cenho franzido em preocupação. Pela primeira vez vejo um resquício de empatia por
mim nos olhos verdes-ocre.
— Você tá bem?
Não corri nem fiz nenhum movimento que pudesse me causar falta de ar e mesmo
assim estou resfolegando.
— Foi bem aqui que tudo mudou. Na Street Powell — conto, mesmo que Nate não tenha
perguntado. Ele levanta a cabeça, encara a avenida vasta e escura e volta a olhar para mim.
— Eu sinto muito por ter ido embora, Nate. Mas eu não fazia ideia de como lidar com tudo
aquilo. Não sabia. Se eu soubesse tudo que sei hoje, as coisas teriam sido diferentes. E estou
tentando mudar.
— Você devia ir à terapia comigo.
— Na mesma que você e os membros da The Reckless vão?
— Pode te ajudar.
— Eu vou pensar a respeito.
— Tá.
Ele retira a mão quando percebe que não vou voltar ao movimento repetitivo e o fato de
termos conversado por alguns minutos fora o suficiente para me situar.
Não estou em 2017. E, embora seja a Street Powell que conheço, não é a mesma
situação.

Nate me instrui a virar a primeira, à direita, rumo à floresta que orna a avenida. Mesmo
contrariada, ligo a seta e viro a direção. Antes de ter acesso à estrada estreita coberta de
folhagem seca, consigo ouvir a música Somebody Told Me, de The Killers, irrompendo do
centro da copa de árvores. Ergo o pescoço até minhas veias saltarem, como se isso me
permitisse enxergar através dos troncos largos e os galhos altos.
— Acho melhor você parar o carro por aqui — Nate aconselha-me, já desafivelando o
cinto. — Acredite em mim, não terá espaço pra essa minivan lá.
Algumas bolas de barbante serpenteiam o caminho, criando uma fraca iluminação
amarela e, ao que parece, foram colocadas para que as pessoas conseguissem chegar até a
casa de Ashton.
Apesar de escuro e a voz rouca de Bryan amaciando meus tímpanos, consigo escutar o
barulho do rio Dark Water por aquele trecho.
Paro o carro perpendicular entre as árvores, como Nate disse, e assim que desço,
consigo ver alguns jovens bebendo, sentados em um tronco velho à beira da estradinha
vasta. Um deles usa jaqueta jeans preta e tem as mãos tatuadas, reparo nele porque os
olhos negros recaem sobre mim ao me ver descer da minivan.
Nate para ao meu lado, ajeitando a gola da jaqueta jeans verde militar.
— Vamos?
— Vai na frente — peço, indicando o caminho com o queixo e sem deixar de reparar no
par de olhos que continuam me seguindo enquanto ando.
Nate faz o que digo, faço um esforço para acompanhá-lo e as botas de salto não ajudam
nem um pouco a manter seu ritmo. Se soubesse que a festa aconteceria no meio de uma
floresta, teria me prevenido. Porém, não extraio a irritação e apenas continuo seguindo
Nate. Quanto mais perto ficamos do som, mais alta e estridente se torna a voz de Bryan.
Eu nunca admitiria para ele ou para qualquer um, mas amo a maneira que consegue
tocar as pessoas com sua voz. Não é qualquer um que tem a habilidade de ir tão fundo na
alma de alguém e Bryan é intenso como Marte.
Alguns minutos caminhando e o cara que me encarava fica para trás. Agora consigo ver
a proporção que Gravity e Effy disseram que uma festa dada pela banda The Reckless toma.
O terreno onde a casa de Ashton está situada é quando termina a subida íngreme e, após
ela, uma depressão. O campo com folhagens secas se transformou em um fluxo de pessoas
inimaginável. Eu não conseguiria pensar em nada do tipo até estar aqui para presenciar.
Um palco improvisado fora colocado entre a casa de madeira de Ashton e o rio Dark Water.
O palco onde Bryan extravasa toda sua energia contida é pequeno, mas não é um problema
para ele.
De onde estou consigo enxergá-los bem – por estar no topo de um monte. Bryan não usa
nenhuma camisa sob a sua trivial jaqueta de couro e quando se inclina à beira do palco de
paletes para cantar o refrão de Somebody Told Me, as garotas aproveitam para massagear
seu ego ao deslizar os dedos sobre os gomos do tanquinho.
Ele mina suor, mas elas não se importam com os respingos. Há muitos gritos
reverberando pelo campo aberto, atingindo meu peito com força e, embora não conheça a
The Reckless tão bem quanto as centenas de pessoas que pulam e gritam a cada frase
cantada por Bryan, consigo sentir meu coração se envolvendo a esse momento
monumental onde Bryan, Aidan, Ashton e Finn mandam ver com a banda.
Nate ri ao meu lado e giro o rosto para estudá-lo. Ele move a cabeça junto à melodiosa
canção irrompendo das caixas medianas de som. Bryan recomeça a música, mas não antes
de fazer uma pausa para pegar um copo do chão. Com um único gole, ele acaba com o
líquido ambarino e volta para a orla do palco. Ele estica a mão para a frente, uma garota a
segura e ele a puxa para o palco. Virando-se na direção dela, desliza a mão espalmada em
suas costas, trazendo-a para mais perto.
— Well, somebody told me you had a boyfriend, who looked like a girlfriend that I had in
february of last year. It’s not confidential, I’ve got potential — canta, olhando-a nos olhos
como se aquilo fosse uma verdade absoluta. E a garota sorri em resposta, também levando
a sério. Bryan sobe os dedos abertos para a madeixa escura de cabelo que cai sobre o
ombro dela e a afasta carinhosamente.
Até que ele faz algo que leva todas as mulheres daquela plateia à loucura: se inclina,
rumo aos lábios da garota e o sorriso com covinhas que eu tanto conheço aparece, a boca
dele resvala na curva do sorriso dela e os gritos que vem depois quase me deixam surda.
Segurando sua mão, ele a ajuda a descer do palco, mas não antes de enviá-la uma piscadela,
que diz que o que acabou de acontecer ainda não terminou.
E o meu coração parece entrar em curto-circuito.
— A rushing, a rushing around — volta a cantar, passa a mão livre pelo cabelo molhado
de suor e o joga para trás. Os olhos azuis vidrados na multidão que canta e pula. — Pace
yourself for me, I said maybe, baby, please. — Bryan pressiona a mão aberta contra o peito,
após a frase e sorri contra o microfone. Meu Deus, que mulherengo!
Ele termina a música e, embora queira me aproximar para ver o show de perto, não sei
como passaria pelo mar de pessoas apinhadas pulando frenéticas, sem ser pisoteada até a
morte.
Uma nova melodia inicia. Aidan toca o bumbo com força, mordendo o lábio inferior e
balançando o tronco. Bryan coloca o microfone no pedestal, ajusta a jaqueta ao corpo suado
e se aproxima do microfone.
— Vocês conhecem essa? — ele indaga, coloca os indicadores para cima e, em seguida,
estala polegar e dedo médio no ritmo do bumbo de Aidan. — Do I wanna know. — Palmas
pesadas acompanham a batida. — Have you got colour in your cheeks? Do you ever get that
fear that you can’t shift the type. — Um coro de gritos ecoam após Bryan cantar a primeira
frase da música. — That sticks around like summat in your teeth?
Ashton, que toca o contrabaixo, aproxima-se da lateral do palco improvisado, como
Bryan fez na outra música e o vejo piscar para alguém, que está cantando junto com Bryan
próximo dali. Noto Aidan olhar para a mesma direção, dar uma risadinha para Finnick, que,
apesar de se manter compenetrado em fazer seu trabalho como guitarrista, não deixa de
retribuir o sorriso. Ali eu percebo que a The Reckless é conectada de um jeito surreal, que
poucas bandas de rock têm, e entendo porque todos acreditam que eles alcançarão o
almejado sucesso. Eles levam a banda a sério, além dela ter autenticidade e o fato de se
envolverem com o público daquela maneira, mesmo que seja peculiar, é o que faz eles
serem adorados.
A voz de Bryan é rouca e cheia de emoção. Fecho os olhos para escutá-lo ovacionar o
refrão, e é como se ele estivesse sussurrando cada palavra na ponta de minha orelha.
Consigo sentir sua presença só de ouvi-lo cantar. Abro os olhos e o deparo olhando para
onde estou. O sentimento transmitido através do olhar e a letra da música atingem-me em
cheio, como no dia em que cantou Bad Liar olhando para mim.
Será que quero saber, se esse sentimento é recíproco? Triste por te ver partir, eu meio que
esperava que você ficasse. Querida, nós dois sabemos que as noites foram feitas
principalmente para dizer coisas que não se pode dizer no dia seguinte. Me rastejando de
volta para você.
Lembro-me de uma época onde Bryan era incomunicável e agora que encontrou sua
própria maneira de dizer o que pensa, ele não vai parar.

Escuto outras músicas como Snuff, do Slipknot, Sweater Weather e Daddy Issues, de The
Neighbourhood, You Are The Right One, de Sports, 7, de Catfish And The Bottlemen e, para
encerrar, Bryan canta Demons, de Jacob Lee. Em meus dezoito anos de vida, não estive em
muitos shows, mas adorei a The Reckless. As músicas conversam entre si, como se
estivessem contando uma única história e a energia que emana dos garotos no palco é
insana. Com certeza iria a mais shows deles.
Embora não estejam mais assumindo seus papéis no palco, músicas continuam
ressoando das caixas de som altas demais, para que eu consiga conversar com alguém sem
gritar. Assim que os meninos descem do palco, um aglomerado de pessoas os cerca e param
para conversar com cada uma delas. Vejo Aidan abraçar uma das garotas e Bryan conversar
com outra – para quem cantou Somebody Told Me.
Tomei a decisão de não me importar, mas me importo e é o que mais odeio sobre meu
coração, porque ele quer o que quer e não dá a mínima para o que estou tentando fazer.
— Vou falar com eles. Você vem? — Nate chama, mas já está a muitos passos de
distância. Deve ter se movido durante o show, mas por estar tão concentrada nas músicas
que tocaram não me dei conta.
— Vou ver se encontro as meninas por aí. A gente se vê mais tarde.
Não é exatamente o tipo de coisa que meus pais queriam que eu fizesse. O plano era eu
ficar na cola de Nate, mas é a primeira vez que estou em uma festa de verdade e não
pretendo ficar de babá a noite toda. Meu irmão também acha estranho, franze o cenho,
porém aproveita dos meus cinco minutos audaciosos e se vira para ir na direção onde os
meninos continuam dando atenção aos fãs.
— Atenda ao telefone quando eu ligar, Nathaniel! — grito por cima da música, tentando
ser mais alta e estridente que ela.
Nate levanta a mão, dando a entender que escutou o que eu disse.
Olho em volta. Sinto-me perdida e deslocada. Busco pelo celular no bolso da calça jeans
e abro o aplicativo do Kik.

Willa: Chegamos!

É uma mensagem de quase três horas atrás. Nate e eu chegamos tem pouco mais de
uma hora.

Mack: Onde encontro vocês?

Mando no grupo e espero por resposta, que não vem. Fico na ponta dos pés, embora
esteja no alto da colina. Não reconheço os cabelos fogo de Effy nem o preto azulado dos de
Willa ou os castanhos escuros de Vity.
Resolvo enfrentar a multidão diante de mim. Caminho rumo à casa austera à direita,
totalmente contra o fluxo de pessoas que tenta alcançar a The Reckless. Entre cotoveladas e
empurrões, articulando pedidos de desculpa que não serão ouvidos, consigo me afugentar
na escadaria que dá para a entrada da casa, que também está tomada de pessoas.
A jaqueta de couro começa a grudar em minha pele suada e me pergunto como Bryan
consegue ficar com a dele o tempo todo.
Atravesso a porta abarrotada com jovens levemente alterados pela ingestão do álcool e
sorrio para um garoto de cabelos loiros em quem esbarrei e acabo derrubando um pouco
de cerveja em sua camiseta. Ele anui, aceitando meu pedido de desculpa silencioso.
Continuo minha travessia penosa até atingir a sala, que não é grande como aparenta do
lado de fora. A casa de Ashton possui três andares e, assim como na entrada, as escadarias
para o primeiro andar também alojam pessoas. Algumas estão sentadas e outras em pé, e
outras mais beijando alguém.
Paro diante de tantas pessoas e não sei para onde ir. Estou quase me arrependendo de
ter vindo quando meu celular toca no bolso da jaqueta. Faço uma oração silenciosa para
que seja de uma das meninas, mas meu coração erra uma batida e prendo o ar.

bryanmccoyoficial começou a seguir você.

Olho por cima do ombro em busca dele, mas não o vejo. Com todas aquelas pessoas a
sua volta, ele ainda me desbloqueou no Instagram e começou a me seguir?
Entro em seu perfil. Duas fotos apenas. Em uma delas, está usando óculos que
provavelmente não são de grau, sentado sobre uma grade; e em outra, em preto e branco,
deitado em sua cama com a fumaça criando uma nuvem espessa sobre sua cabeça. A
legenda é um trecho da música de Snuff:
Então, se você me ama, deixe-me ir e fuja antes que eu saiba. Meu coração está muito
sombrio para se importar.
Curto as duas fotos e o sigo de volta. Entendo que sua tentativa de me desestabilizar
tem a ver com nosso encontro rudimentar de mais cedo e que o joguinho, do qual
mencionamos, começou.
Começo a andar ainda olhando para a tela do celular e sem me dar conta, esbarro em
algo com um impacto grotesco. Algo respinga em minha blusa branca, manchando-a toda
com o líquido vermelho e molhando parte da jaqueta de couro. Abro os braços, esticando-
os como se isso fosse amenizar o estrago na blusa. Levanto o rosto e o reconheço, é o cara
que estava me encarando quando desci da minivan.
— Caralho, desculpa! — Ele está com os braços abertos e contorcendo o rosto,
transtornado. — Vai ficar manchada!
— Tudo bem — digo, guardo o celular no bolso e passo a mão para tentar diminuir o
excesso do líquido. Me sinto ensopada e melada. — Hum... você sabe onde é o banheiro?
Ele encara a escada cheia de pessoas e volta os olhos pretos para mim. Entortando o
nariz, roça o dorso tatuado da mão contra ele. Parece pensar a respeito e depois de alguns
minutos responde:
— Eu sei. Mas passar por aquela multidão dará um trabalho imenso, sem contar na fila.
— Droga — murmuro e olho em volta, esperançosa em encontrar uma das garotas.
— Foi mau mesmo — ele repete e tomba a cabeça para o lado.
Observo seu rosto apreensivo. Ele é bem bonito; o rosto triangular, o queixo fino e os
lábios avermelhados chamam a atenção. Os cabelos castanhos estão penteados para trás,
altos com um topete. Ele traja uma camiseta preta sob uma jaqueta preta jeans.
Puxo o tecido da minha blusa estragada e a sacudo tentando ficar menos desconfortável.
Ele estuda meus movimentos, olha por cima do ombro e faz um meneio de cabeça em
direção ao corredor vasto atrás de nós. Algumas portas estão fechadas, embora esteja
cheio, ainda podemos andar por ele sem ter que empurrar ninguém.
— Tive uma ideia.
Eu o acompanho mesmo não o conhecendo, se ele pode me ajudar com a blusa molhada
e grudenta, aceito.
Para diante de uma das portas fechadas e retira a jaqueta. Os dois braços são cobertos
por tatuagens, olho atenta para cada uma delas, que são indistintas, pois é uma sobre a
outra. Consigo ver números romanos e tribais, mas nada além disso. Em seguida, ele retira
a camiseta preta. Dou um passo para trás, assustada, e ele para de se mover, a camiseta na
metade do caminho.
— O que você tá fazendo?
Enfim termina de tirá-la e a estende para mim.
— Te dando a minha. Pode ficar. Esse é o quarto do Ashton. — Ele indica, apontando
com o queixo para a porta fechada atrás de mim. — Ninguém entra aí. Fica tranquila, vou
ficar aqui vigiando. — Estende-a para mim, meio contrariada pego a camiseta de sua mão.
Ele sorri, veste a jaqueta e fecha os botões.
Entro no quarto e, como ele disse, está escuro e vazio. A cama de casal de Ashton está
desarrumada e há sapatos por todos os lados. Balanço a cabeça, em repreensão. Se Effy se
incomoda com a minha desorganização é porque não visitou o quarto de Ashton ainda.
Tiro a jaqueta de couro, deixo-a no chão enquanto me livro da minha regata imunda e
coloco a do desconhecido, que, por sinal, é muito educado. Ela é cheirosa e, apesar da minha
alergia, não espirro ao senti-lo.
Coloco a jaqueta de couro outra vez e saio. Ele está parado do outro lado do corredor,
com as mãos enterradas nos bolsos do moletom e apoiando um dos pés contra a parede de
madeira. O seu sorriso é uma visível aprovação ao meu visual. Sua camiseta fica larga e
sobra tanto pano na frente que caberiam mais duas de mim e mesmo assim ainda me sinto
bonita com ela.
— Fica melhor em você.
— Obrigada. Prometo devolver.
— Não tem problema, considere como um presente, tá? Foi mau pela sua regata —
Então me dou conta de que a deixei no quarto de Ashton, mas não pretendo voltar para
buscá-la e ficar carregando-a para cima e para baixo até ir embora. — Então, nunca te vi
por aqui antes.
— Ah... — Coloco as mãos nos bolsos da jaqueta e deixo o corpo cair até estar recostada
ao seu lado na parede. Cruzo as pernas e olho para meus pés. — Voltei para Humperville
tem uma semana. Vou estudar na HU.
— Legal. O que vai estudar?
— Jornalismo. Você é, tipo, amigo do Ashton?
Ele faz uma careta confusa.
— Por causa do quarto. Você disse que ninguém entra nele.
— Não somos amigos, só nos conhecemos por acaso. Essas festas são abertas, qualquer
um entra e sai. — Dá de ombros. — Você é amiga de algum deles ou, assim como eu, só
apareceu por acaso?
— Acaso.
O celular vibra com uma notificação e interrompo nossa conversa para ler a mensagem
no grupo das meninas.

Gravity: Estamos no porão. Vamos jogar. Desce aqui!

Sorrio para a tela, sacudo a cabeça em negação porque posso imaginar os tipos de jogos
que esse grupo faz.
— Tenho que ir. Obrigada de novo pela camiseta. — Aponto para ela.
— Que nada. A culpa foi minha.
— Seu nome é?
— Jev. — Ele sorri, esticando a mão para me cumprimentar. — Você?
— Mackenzie. — Seguro sua mão. O aperto é forte, mas não o bastante para que eu me
incomode. — A gente se vê por aí, Jev.
— Espero te encontrar de novo, Mackenzie.
Minha resposta é um sorriso sincero. Acho difícil acontecer, mas se nos encontrarmos,
não reclamaria. Jev parece ser um cara legal e é muito bonito.
— Só mais uma coisa. — Já tinha saído do lugar, mas estaco alguns passos diante dele.
— Você sabe onde fica o porão? — Franzo a sobrancelha, torcendo para que ele não me
ache uma maluca.
— Uma porta ao lado do balcão da cozinha, não tem erro. — Aponta para a direção por
cima do meu ombro. Volto a andar, mas Jev segura meu pulso. — Você acharia estranho se,
tipo, eu te pedisse o número do seu celular? — Um vinco profundo em sua testa faz com
que seus olhos quase fechem e apenas uma fresta permite que eu os veja. — Não tem
problema se não quiser passar…
— Não tem problema. — Estendo a mão com a palma virada para cima, pedindo seu
celular. Ele me entrega com um sorriso vitorioso e digito o número. — Pronto.
— Eu posso te ligar ou, sei lá, mandar uma mensagem? — Jev parece sem graça, mas o
sorriso sombreando seu rosto não some.
— Você pode me ligar se quiser ou mandar mensagem.
Eu estou de volta e quero fazer amigos. Não quero ficar sozinha nem acuada no meu
quarto, na casa dos meus pais, ou no meu futuro apartamento. Então, além das meninas, Jev
pode ser o começo.
— Farei isso. — Bate com o aparelho contra a palma da outra mão. — Com certeza a
gente se vê por aí, Mackenzie. — Ele pisca ao passar por mim, estou sorrindo para as costas
de Jev como uma tonta.
Meu celular vibra com outra notificação:

Effy: CADÊ VOCÊ? PRECISAMOS DE MAIS UMA PRO JOGO DAR CERTO!

Mack: TÔ INDO!

Rumo para onde Jev apontou e não demoro para encontrar a porta. A quantidade de
pessoas espalhadas pela casa e o terreno de Ashton não diminui, mas o acesso parece mais
tranquilo quando atravesso a cozinha e abro a porta.
Desço as escadas e escuto risadas mais no fundo. A música do lado de fora alcança as
paredes do porão, a atravessam e ainda permeiam pelo cômodo, que não é pequeno como
aparenta. Assim que termino os degraus, vejo as meninas reunidas em uma roda e os
meninos da banda também estão ali. Por quanto tempo fiquei andando por aí sozinha? Os
únicos que não vejo são Maeve, Nate, Faith, Trycia e Finnick.
— Aonde você se meteu? Nate disse que te deixou sozinha quase uma hora atrás. —
Willa arqueia uma sobrancelha, confusa. — Não importa! — Ela abana a mão para me
interromper e aperto os lábios.
— Ei, o que houve com a sua blusa? — Effy indaga. Acompanho sua voz até encontrá-la
sentada no chão, com o tronco virado em minha direção.
— Um cara derrubou bebida nela. — Puxo o pano da camiseta de Jev e continuo me
aproximando. Observo os rostos de Aidan e Bryan, que estão sentados no sofá preto e
gasto. Eles estão olhando para mim com atenção exagerada. — Ele me deu a blusa dele.
Inclusive, deixei minha regata no seu quarto, Ashton. Pego depois.
— No meu quarto? — Ele sobressalta. Estava recostado à parede com os braços
cruzados, mas parece bem atento na conversa agora. — Por que você estava no meu quarto
com um cara?
— Não estava no seu quarto com um cara — defendo-me e me aproximo. Vários pares
de olhos estão sobre mim. Willa e Bailey atentas à próxima resposta. — Seu quarto é o
único lugar onde não está infestado de pessoas bêbadas, então me troquei lá.
Ashton revira os olhos e, quando abre a boca para retorquir, Bryan o interrompe com
um pigarreio.
— Vamos jogar ou não? — inquire ele, com a expressão cansada de esperar.
Agora ele não está usando a jaqueta de couro, apenas uma camiseta branca colada ao
corpo, evidenciando os músculos do braço e os gomos do tanquinho. Desvio os olhos
quando me demoro ali.
— Willa e eu estamos de fora — Bailey anuncia, passando o braço em volta da cintura
da namorada e a puxando para perto. Elas estão sentadas ao chão, como as outras. Porém,
longe da roda.
— Effy, Mackenzie, Ashton, Aidan, Bryan e eu. — Gravity coloca uma garrafa vazia no
centro da roda. — Desçam — diz para Aidan e Bryan, que continuam no sofá. Eles
obedecem.
— Também vamos jogar!
Alguém grita do alto da escada, a porta bate e Faith se apressa com Finnick andando
calmamente atrás dela.
Ele parece ser sempre… quieto. Não o imagino jogando qualquer coisa além de
videogame.
— Que tipo de jogo vamos jogar?
Não me sento na roda como Faith e Finn, fico em pé encarando cada um deles. Estou
parafraseando o que disse a Bryan mais cedo e ele percebe, pois para seus olhos em mim e
responde:
— Sete minutos no céu.
Desafia-me com o olhar: você entra ou não nesse jogo?
Já assisti a filmes onde jogavam, mas nunca estive, de fato, em um jogo como este.
— Precisamos de pares — Ashton emenda, encarando-me com a sobrancelha erguida.
— Decide logo se joga ou não.
— Quais são as regras?
— Não temos regras. Vocês fazem o que quiserem dentro do armário — Faith responde,
gesticulando com o queixo para uma porta pequena sob a escada. — E não precisam fazer
nada se não quiserem. É simples. O casal escolhido quem decide tudo.
A escada é alta, portanto imagino que dentro dele haja espaço o suficiente para caber
duas pessoas com mais de 1,80m.
— Entra no jogo ou não? — Bryan indaga, jogando o peso do corpo para trás.
Sento-me ao lado de Faith.
— Vou jogar.
Bryan abre um sorriso convencido e sustento seu olhar. Não vou ceder tão fácil como
ele pensa. Estou cansada de ser só eu a fraca, vulnerável e perdida nessa história.
Os garotos ficam do lado oposto.
— Eu giro. — Faith se inclina rumo à garrafa para girá-la.
Com uma mão, ela impõe força e a garrafa de vidro gira várias vezes antes do gargalo
parar mirando Aidan. Subo meu olhar até ele, que pisca para mim descontraído. Olho para
outra direção, a tempo de ver Faith rindo e girando mais uma vez a garrafa, que para em
Bryan. Eles fazem uma piada sem graça e ela gira outra vez até que pare em uma garota.
Todos riem quando a garrafa para, porque ela está mirando a única garota com quem
Aidan não gostaria de entrar naquele armário.
Gravity olha para a boca da garrafa apontando para ela.
— Que destino filho da puta — murmura, ao se levantar e limpar a poeira da bunda.
— Acredite em mim, Gravity, eu odeio isso tanto quanto você. — Aidan também se
levanta, ajeitando a jaqueta jeans e anda lado a lado com Vity para o armário.
Acabo rindo também, porque eu sei o quanto Gravity adora irritá-lo.
Todos ficamos em silêncio, alguns tentam abafar a risada comprimindo os lábios, mas
estamos esperando que um grite com o outro ou que simplesmente saiam de lá
emburrados, mas os sete minutos passam e, assim que a porta se abre, Gravity está
limpando o canto da boca e sei que a última coisa que fizeram foi brigar.
Aidan, entretanto, mantém a expressão impassível, então não posso dizer se ele gostou
do que aconteceu ou se está preocupado com o que pode acontecer depois.
— Minha vez de girar — Gravity fala, inclinando-se para a frente e gira a garrafa.
Ela roda muitas vezes antes de parar. Encaro o gargalo virado para mim e meu coração
desanda nas batidas. Levanto o rosto para os garotos e não tenho certeza se qualquer um
deles toparia entrar no armário comigo.
A garrafa gira e para em Finn. Subo os olhos para ele. Ele bufa, mas não hesita em se
levantar. Faço mesmo e o sigo em direção ao armário.
Ele estica a mão para que eu entre primeiro e é o que faço. O armário está com as luzes
apagadas; assim que Finn entra, ele busca pelo interruptor na parede e, em segundos,
consigo ver seu rosto. As bochechas estão coradas e o cabelo loiro úmido, penteado para o
lado.
— Desculpa, não vai rolar. — Ele cruza os braços e recosta à parede.
— Eu imaginei.
— Não é nada pessoal — diz, olhando-me nos olhos. Finn não está tentando fugir de
mim ou demonstrando que sente repulsa, ele só não quer fazer isso.
— O que vamos fazer pra passar o tempo? Você não parece ser do tipo que fala muito.
— Coloco as mãos nos bolsos da jaqueta e tenho adorado fazer isso, até consigo entender
Bryan. Resolvo arriscar nas perguntas em posso conhecê-lo, pois, por ser calado, não faço
ideia de quem ele é. — Por que você é sempre assim na sua?
Ele detém o olhar em meus ombros rijos por alguns segundos, desce alguns centímetros
e os fixa em minha boca.
— Tem razão. Eu não gosto de conversar. É melhor a gente se beijar e acabar com esse
jogo logo.
Finn se afasta da parede e não tenho tempo para raciocinar, em questão de segundos
sua língua toca o céu da minha boca. Não fecho os olhos quando o beijo, porque é novo para
mim.
Beijar alguém que você gosta é diferente de beijar alguém por quem você não sente
absolutamente nada, apesar de causar a sensação prazerosa e a liberação da endorfina. Eu
só beijei uma única pessoa nos meus dezoito anos de vida. Bryan foi o único que tocou em
mim, o único que tive vontade de beijar e Finn faz isso naturalmente, como se fosse algo tão
natural quanto respirar. Sua língua é habilidosa e ele sabe onde colocar as mãos, que nesse
momento estão em minha cintura, puxando meu corpo contra o seu. Não consigo sentir seu
toque completamente, pois o tecido da camiseta de Jev é grosso e não me concentro em seu
perfume, porque a mesma camiseta impede que aconteça.
Finn lambe o contorno dos meus lábios ao se afastar.
— Por favor, não me diz que eu sou o primeiro que você beija.
— Por que você acha isso? — sussurro, seu rosto está a poucos centímetros do meu, sua
respiração toca minha testa.
— Você ficou em choque quando te toquei — ele ri.
— Você não foi o primeiro — esclareço e tento não parecer ofendida com seu
comentário.
— Isso é bom — diz e abre a porta. — Até que foi divertido — confessa, rindo quando
saio. — Ninguém precisa saber, se não quiser — sussurra para que só eu escute.
Assinto para ele e retomo meu lugar na roda. Finnick faz o mesmo. Todos olham para
nós, curiosos, porém não esboçamos nenhuma expressão que nos denuncie.
Aparentemente, nosso beijo será um segredo.
— É você quem gira agora — Finn diz, sorrindo amigável para mim.
Concordo com ele meneando a cabeça e inclino o tronco para segurar a garrafa. Eu a
giro e roda até que a boca da garrafa mira Bryan. Seu olhar recai sobre mim.
Fico alguns segundos imóvel.
— Você precisa girar de novo — Faith me apressa.
— Eu sei.
Inclino-me e repito a ação. A garrafa parece girar mais vezes que anteriormente.
Então ela para e a primeira coisa que passa em minha mente é: o destino é mesmo um
filho da puta.

“Nós nos encontramos
Eu te ajudei a sair de um momento difícil
Você me confortou
Mas me apaixonar por você foi o meu erro
Eu te coloquei no topo, te coloquei no topo
Eu te reivindiquei de forma tão orgulhosa e abertamente
E quando o momento era difícil, era difícil
Eu me certificava de estar te segurando perto de mim
Então chame o meu nome (chame o meu nome)
Chame o meu nome quando eu te beijar tão suavemente”
CALL OUT MY NAME – THE WEEKND

Eu gosto de como seu corpo fica tenso em minha presença. Adoro vê-la balançar nos
calcanhares, como fazia antigamente quando ficava ansiosa com algo. Mackenzie é o tipo de
garota fácil de desvendar através de suas reações corporais. Houve um tempo onde a
achava enigmática, uma garota que precisava ser mapeada para ser compreendida, mas
reencontrá-la após esses dois anos, com meus sentimentos a seu respeito controlados, pude
olhá-la como faço com qualquer outra e tudo ficou mais fácil.
Consigo saber exatamente como se sente com apenas alguns segundos estando ao seu
lado. E nem estamos tão perto assim. Ela entrou naquele armário com medo, embora
estivesse tentando me intimidar, mostrando que não a afeto, mas eu sei o que causo nela. É
um jogo que já tive o prazer insano de jogar com outras garotas e eu adoro, porque nunca
perco.
Não pretendia beijá-la hoje, mas confesso que, apesar do nosso passado influenciar na
maioria de minhas decisões, ela me desafiou e não pretendo fugir. Não importa o quão ruim
tenha sido nossos encontros, as coisas agora são diferentes. Quero jogar com ela,
apresentá-la a um mundo que não conhece. E com certeza, fazê-la viver no mundo em que
eu vivo; onde o amor não está acima de tudo e o que sobra é a vontade de ter todos os seus
desejos realizados como em um sonho.
Mackenzie fica recostada na parede, uns cinco passos de distância de onde estou com o
corpo apoiado. Dois minutos se passaram em completo silêncio, exceto pelo som abafado
de Call Out My Name permeando por estas paredes. Não consigo vê-la porque não
acendemos as luzes, mas posso enxergar sua silhueta inquieta na penumbra. Eu a conheço
bem o bastante para saber que esse silêncio infinito uma hora fará com que ceda e diga
alguma coisa. Então, sou paciente e espero.
Escuto-a suspirar pesado, tentando inutilmente calar os gemidos fracos que escapam. A
frustração é evidente; vi-a em seus olhos quando o gargalo da garrafa apontou para ela. Os
olhos arregalados evidenciaram a surpresa, também fiquei, mas não deixei que isso ficasse
tão transparente. A chance de nós dois acabarmos aqui era mínima, provavelmente o jogo
terminaria antes que acontecesse.
— Não precisamos fazer nada — diz ela, a voz fraca quase inaudível.
Sorrio para o vulto de seu corpo, esperando que também esteja me enxergando através
da silhueta.
— Você disse que não tinha medo.
— Eu não tenho — ela é rápida em responder e eu tenho certeza de que está mentindo.
— Qual é o problema então?
Vejo-a articular os lábios. Ela os abre e fecha imediatamente, trincando a mandíbula
com tanta força que consigo escutar os dentes rangerem.
— A gente pode se beijar e acabar logo com isso? — dispara, desencostando da parede.
— Nós temos. — Tiro o celular do bolso e acendo a luz da tela.
Uma notificação do Instagram está escancarada ali.

mackwildeofc começou a seguir você.

— Quatro minutos — continuo e enfio o celular de volta no bolso. — Adorei a jaqueta.
Combina com você.
Ela expira, voltando a tocar as costas na parede.
— Por que estamos fazendo isso, hein? A gente só vai se machucar. Eu sei o quanto me
odeia e você sabe o quanto me magoa. Acho melhor…
— Você está se acovardando, Passarinho?
— Não me chama assim. É ridículo. Não faz o menor sentido!
— Já percebeu como os pássaros são? Eles vão e voltam quando querem, e da forma que
querem. Você é assim. Vai e volta quando quer e como quer, sem se importar em como vou
me sentir a respeito. Você é um pássaro, Mackenzie, e preciso admitir que admiro sua
liberdade.
— Você se acha esperto, não é? — grunhe, saindo de sua posição anterior e dando dois
passos decisivos rumo onde estou. — Acha que sabe de tudo que passei nesses dois anos,
age como se soubesse como foi para mim. E quer a verdade, Bryan? Não foi fácil. Para
nenhum de nós.
— O que mais? — incentivo-a a brigar comigo. — O que mais eu não sei?
— Eu estive sozinha, Bryan. Durante todos esses dois anos. Esse foi o meu castigo por
ter traído você. — Mais dois passos em minha direção e já consigo sentir o calor emanando
de seu corpo.
— Quer que eu sinta pena de você? Você costumava odiar esse tipo de sentimento.
— Não! — exclama, com raiva. — Eu quero que você me perdoe, para que eu possa
seguir em frente. Em paz!
— Você conseguiria ficar em paz sabendo que mandou alguém inocente para a prisão?
— provoco. — Você é covarde, Mackenzie. E sempre teve a ilusão de que era uma boa
pessoa porque tomava as decisões com sensatez, mas quando está coberta de medo, não
pensa direito. Faz as escolhas erradas e torna as coisas difíceis para todo mundo a sua
volta.
— Para. — Ela irrompe e a distância entre nós agora é quase inexistente. Sinto-a tocar
em meu peito, empurrando meu corpo para trás fazendo pressão com o indicador. — Para
de dizer essas coisas para mim. Você sabe que eu te amava e eu nunca, nunca em toda a
minha vida, te machucaria de propósito. Você sabe, Bryan. — Sua última frase não tem
força, embora esteja admitindo e isso me deixe zonzo, não fraquejo. — Não te entregaria
dessa forma e não te deixaria para trás por egoísmo. Então, por favor, para.
Enterro minha mão direita em sua nuca, sob a massa grossa de cabelos quando ela
ampara a mão em meu peito. Ambos os toques são suaves e é a primeira vez que nos
tocamos sem termos sido pegos de surpresa. Puxo-a para mais perto. Seu hálito quente toca
a ponta de meu nariz.
— Você não precisava ter entrado aqui comigo, mas entrou. Eu te dei todas as
oportunidades de se afastar, mas parece que você não consegue.
Estico a mão para alcançar a maçaneta da porta do armário. Sinto a chave sob os dedos
e a giro, trancando.
— O que está fazendo? — sussurra ela, girando a cabeça para acompanhar o barulho da
trinca.
— Nós precisamos de mais do que 7 minutos pra resolver todos os nossos problemas.
Ela se afasta alguns centímetros, mantenho a mão em sua nuca e ela mantém a sua em
meu peitoral.
— Você quer sair? — indago, já com uma das mãos de prontidão para abrir a porta caso
ela diga que sim, mas Mackenzie apenas abre a boca, sem dizer nenhuma palavra. —
Porque não vou te obrigar a ficar se quiser ir.
— O que diabos estamos fazendo, Bryan? — enfatiza.
É a terceira vez que me faz essa pergunta hoje. Na primeira, ela estava me pedindo o
dinheiro que seus pais recusaram; a segunda foi poucos minutos atrás. Gostaria de ter a
resposta para dar a ela, mas honestamente? Só estou seguindo o fluxo de nossas emoções.
No hospital, a nossa discussão para mim foi como o ponto final de que precisávamos, estava
pronto para deixar para trás. Eu iria apenas evitá-la, até que não estivesse mais morando
naquela rua e, aos poucos, cada um faria o que deveríamos ter feito dois anos atrás:
estaríamos enfim esquecendo o passado.
Estava disposto a esquecer.
Então ela apareceu. Insinuando que estávamos apenas começando e agora não sabe
para que rumo esse jogo nos levará. Eu tenho algumas respostas, mas talvez seja cedo
demais para dizê-las a ela. De qualquer forma, eu vou ganhar.
— Estamos jogando — esclareço. — É um jogo de sentimentos, Mackenzie. Quer que
seja honesto? Eu poderia brincar com você, porque sei como se sente quando te toco. —
Deslizo o polegar pela base de sua bochecha, ela estremece sob o meu toque e acabo
sorrindo. — Você está com medo? — repito, insistindo na pergunta que fiz a ela mais cedo.
— Você mudou.
— Dois anos faz toda diferença na vida de alguém. Dois meses na prisão também.
Ela retesa e encaixo outra mão em sua nuca.
— Se eu desistir…
— Significa que eu ganhei. Quer desistir?
Pressiona os lábios, impedindo as palavras de saírem.
— O que é que você quer de mim?
Queria que houvesse ao menos meia luz nesse armário de merda, porque adoraria ver o
que seus olhos estão dizendo. Sob o toque, pela proximidade de nossos corpos, consigo
decifrar o que está sentindo, mas gostaria de lê-la melhor.
Ela amolece em minhas mãos, como se eu drenasse suas energias. Gosto de causar todos
os tipos de sentimentos nas garotas com quem jogo, porque é sobre tensão sexual e uma
avalanche de sentimentos reprimidos, mas com Mackenzie é diferente, porque é preciso
admitir que ela ainda consegue despertar o pior e o melhor de mim.
Deixá-la saber disso também pode ser sua própria ruína. Eu sempre fui bom em
controlar meus sentimentos, tanto que a amei profundamente por longos anos, fodendo
com a minha mente e coração sem tentar repará-los.
Eu poderia ter me entregado para qualquer garota depois de Mackenzie, principalmente
por ter conhecido e estado com muitas delas, mas por alguma razão, neste momento, sinto
que meu coração e eu estivemos esperando por ela.
— Quer que eu me machuque?
Não respondo. Porque não faço ideia.
— Você tem raiva de mim porque eu nunca disse que te amava também. Odeia o fato de
eu nunca ter te correspondido — responde, convicta. Seguro a risada na garganta.
— Eu podia ter saído com qualquer garota no colégio naquela época, Mackenzie.
— Você podia, mas eu era a única que você queria.
Touché!
— Seu ego está superinflado nesse momento.
— Você ainda gosta de mim, não é? — Seu lábio estica.
Levo alguns minutos para responder. Escuto alguém bater à porta, tentam abri-la, mas
como está trancada – e agradeço por ter feito isso –, a madeira permanece intacta. Posso
fazer ideia de que Ashton está querendo socar minha cara nesse momento, por estar
estendendo os sete minutos e não faço a menor ideia de quanto tempo estamos aqui,
embora não pareça tanto assim.
Desenho a base de seu rosto com ambos os polegares, decidindo se deixo-a saber da
verdade. Eu posso manter o controle dessa brincadeira. Posso levar o jogo a sério até o final
e depois agir como se não significasse nada, mas quero mesmo magoá-la?
— Call out my name when I kiss you gently — cantarolo a frase da música de The
Weeknd e me inclino sobre ela.
— Bryan — murmura, com as mãos amparadas em meus ombros.
— Nos beijamos duas vezes — sussurro a milímetros de distância da sua boca, ansiando
o momento em que irei tocá-la. — Em uma delas você disse que não podia retribuir o que
eu sentia e, porra, sofri pra caralho, Mackenzie. Na segunda, fui pego de surpresa e estava
com tanta raiva que não pude apreciar a sensação de te beijar. Só respira fundo, porque,
quando eu começar, não vou parar.
Ela faz exatamente o que digo: respira fundo. Nossos corpos se movem em sintonia, de
encontro com a parede do outro lado. Apoio a mão aberta para diminuir o impacto quando
sua coluna bate contra ela e, como se não bebesse água por mais de três dias, afundo a
língua em sua boca.
A sede é replicada quando Mackenzie devolve o beijo, entrelaçando os braços em volta
de minha nuca. Fica na ponta dos pés, facilitando o acesso entre nossas línguas, visto que
sou muitos centímetros mais alto que ela. Envolvo sua cintura, puxando-a para cima. Arfa,
ao laçar minha cintura com os calcanhares, enterrando os pés com as botas entre minha
calça e a jaqueta.
Desço a língua para contornar a base de seu rosto e subo por sua mandíbula, rumo ao
lóbulo da orelha. Mordisco-a, puxando de leve. Mackenzie pressiona sua virilha contra a
minha e para, de repente, ao perceber que se deixou levar pela momento. Afasta o rosto
para me estudar, encaro seus olhos sob a penumbra do armário.
— Nós não somos mais crianças — murmuro em direção a sua boca, que recebe a minha
com a mesma vivacidade de antes.
Essa vontade de me beijar e essa vontade que tenho de beijá-la não é algo premeditado.
Existe essa tensão entre nós há muito tempo e tenho lembranças vivas do momento em que
Mackenzie chutou o balde para isso e me beijou. Fui surpreendido, porque, na época, não
tinha ideia de como ela se sentia. Embora dissesse que não gostava de mim daquela
maneira, eu sabia que gostava. Não é uma coisa difícil de descobrir, a pessoa deixa alguns
sinais bem claros:
1. Mackenzie ficou enciumada quando pensou que tinha encontrado uma nova garota,
sem nem fazer ideia de que só ela existia para mim;
2. Nossos encontros, mesmo que estivéssemos convencidos de que não passava de
amizade, tornaram-se mais intensos e falar sobre os sentimentos – amigáveis ou não – ficou
insuportável, porque era impossível falar deles sem que comparássemos com nós mesmos;
3. Mackenzie tinha uma ideia deturpada de que poderíamos ser amigos até que criasse
coragem para me dizer que também gostava de mim.
Mordo seu lábio inferior e o puxo quando me lembro disso. Desço as mãos pela base de
sua bunda, apertando-a de leve. Mackenzie não se afasta com meu toque, na verdade, ela
morde minha boca com força, revidando e segura com firmeza os fios de cabelo em minha
nuca. Quando paro de beijá-la, desenrosca as pernas que envolvem minha cintura e abaixa a
cabeça até que meus lábios toquem de leve sobre seus fios. Minha intenção não é beijá-la ou
ser carinhoso, porque não faz meu estilo, mas é como se ela estivesse pedindo por isso,
então o faço.
Encosto minha testa na sua e ficamos em silêncio, apreciando as respirações pesadas se
colidindo e o calor infernal que se tornou aquele cubículo.
Ela está suando e eu também.
— Apesar de gostar de você, consigo ter o domínio sobre meus sentimentos. O que eu
sinto não me guia. Não enfraquece as minhas decisões. Eu controlo o quanto isso me afeta.
Essa é a diferença entre nós dois — sussurro a resposta de sua pergunta de antes, contra
sua testa e a afasto de vez, segurando-a pelos ombros.
Escuto sua mão tatear pela parede ao lado, em busca do interruptor e, em questão de
segundos, consigo ver seu rosto. O cabelo levemente desgrenhado e penso que o meu não
está diferente. Seus lábios estão inchados e o peito infla na respiração entrecortada.
— Você sabe como me sinto. Acha divertido? — ela devolve, em um fiapo de voz.
— Você ouviu por aí sobre mim.
— Que você é um babaca egoísta? Sim! Mas, eu pensei…
— Que com você seria diferente? Que, quando eu me desse conta do que sentia, te
perdoaria e as coisas entre nós ficariam bem?
Ela não responde.
— Eu gosto de estar com garotas. Gosto de beijá-las e transar com elas. Eu gostei de te
beijar agora, mas é só isso. É assim que os jogos comigo funcionam.
— Você é um idiota!
— Se deu conta disso só agora?
Mackenzie aperta os lábios, controlando-se para não explodir. Porém, gosto de suas
explosões, é quando dissemos as coisas mais sinceras um para o outro.
— Nossos sete minutos acabaram — sibila, ajeitando a madeixa grossa de cabelo que
criou uma cortina em seu rosto.
— Já faz um tempo.
Ela é a primeira a se mover para sair, mas detém o passo, o corpo parado na lateral em
minha frente.
— Você não é único capaz de controlar o que sente, Bryan. Também consigo ser teimosa
quando quero. — Ela move o rosto devagar em minha direção. — Se me conhece como eu
te conheço, sabe disso.
Abro um sorriso.
— Parece que nosso jogo acaba de ficar ainda mais interessante. Gosto de ver essa
determinação no seu olhar, Mackenzie.
— Você também desperta algumas coisas em mim, nem todas são boas.

Destranco a porta e é como se estivéssemos precisando de ar quando saímos, porque


respiramos tão fundo o frescor do porão, que é possível ouvir nossos pulmões
agradecerem. Devolvo a chave para o seu lugar na fechadura e ela estaca no lugar,
enraizando as botas contra o cimento.
Os rostos virados em nossa direção criam uma camada de rubor nas bochechas de
Mackenzie, que tenta esconder ao afundar o pescoço na jaqueta. Sustento cada olhar,
passando por rostos distintos com expressões estoicas.
— Que foi? — disparo, coloco ambas as mãos nos bolsos da jaqueta e começo a andar de
volta para o meu lugar ao lado de Aidan. Ele acompanha cauteloso meus passos e mantém o
olhar injetado de curiosidade sobre mim até que me sente.
— Vocês sabem por que o jogo se chama sete minutos no céu? — Ashton inquire,
visivelmente irritado. — Eu nem entrei na porra do armário ainda.
Inclino o tronco para a frente, a fim de conseguir enxergá-lo.
— Qual o problema?
— Vocês ficaram por trinta malditos minutos! — Faith resmunga.
— Nenhum deles está sangrando — Bailey ri atrás de nós. — Então, deve estar tudo
bem.
Giro o pescoço para encará-la no instante em que eles explodem em gargalhadas, apesar
de não gostar do comentário, Bailey conseguiu com que a tensão se dissipasse, então
resolvo deixar para lá e não insistir no assunto.
— Não quero mais jogar — Mackenzie anuncia e é quando percebo que ela permanece
em pé próxima do armário.
Vinco a testa para a pessoa logo atrás dela.
Assim que Mackenzie se vira nos calcanhares, o corpo sobressalta com a presença de
Nate, de braços cruzados, recostado à coluna de concreto e fazendo julgamentos
precipitados sem nem mesmo conversar.
Faz parte da sua nova personalidade; ser impulsivo, impaciente e com certeza teimoso.
Não importa o quanto esteja magoado com a irmã hoje, Nathaniel nunca aceitaria que eu a
tocasse, independente de ser só um jogo ou não. Então sei que a maneira como está me
olhando acabará sendo um problema.
Conspiro a seu favor.
— É melhor pararmos — digo, ficando de pé.
Ignoro os resmungos de Ashton por ter sido o único a não entrar no armário com
alguém e depois de lamuriar uma superstição de que, com certeza, seria o próximo, ele se
aquieta. Aproximo-me de Nate e Mackenzie mantém a postura austera, preparando-se para
escutar algo doloroso do irmão. Conheço-o o bastante para saber que ele pode ser cruel
quando quer.
Todos que estão naquele metro quadrado sabem como Nathaniel Wilde pode reagir
quando algo que não concorda está rolando e, por isso, além de Ashton, ninguém lamenta o
jogo ter terminado. Se levantam e, antes que possa dizer qualquer coisa, Mackenzie sobe as
escadas de dois em dois degraus.
Nate mantém a postura firme, encravado à coluna como se tivesse se fundido a ela.
— Não precisa falar nada.
— Não vou falar, porque não preciso. Eu te devo, Bryan, mas não estou disposto a usar
minha irmã para pagar. É tudo o que você precisa saber.
— Nate.
— Nós somos amigos. Não vamos estragar isso — ele emenda, mas já se desencostou da
pilastra para seguir o mesmo caminho que Mackenzie. — É tudo que eu te peço.
Nate sabe o quanto sou rancoroso. Eu sei o quanto ele está magoado, talvez não o
suficiente para detestar a irmã como eu ou desejar que se machuque. E, principalmente,
que aconteça em um relacionamento comigo. Ele conhece o tipo de envolvimento que
mantenho com as garotas: casual, sem me deixar levar pelo emocional. Com um meneio
firme de cabeça, concordo com ele, mas em nenhum momento faço promessas.
Ele entende e sobe as escadas com pressa.
Um sinto muito fica preso na garganta ao vê-lo fechar a porta.

O nome dela é Hannah. Com H no final.


Hannah gosta que a chame pelo nome enquanto goza. Gosta que eu a segure firme pela
raiz do cabelo, que a puxe e bata em sua bunda. E adora que seu nome tenha um H no final,
porque para ela é diferente das outras Hannas. Eu não me importo de ouvi-la gritar, não me
incomodo que suas unhas marquem meu pescoço ou que me xingue enquanto pressiono
contra sua virilha.
O som da música This Love, de Camila Cabello, ressoa do lado de fora, permeando entre
as paredes do quarto de Ashton. Não consigo enxergar nada além do corpo bronzeado
coberto por uma camada cristalina de suor de Hannah. O barulho estrondoso da cabeceira
da cama ricochetea ao acertar brutalmente a parede atrás dela, unindo-se ao som delicioso
que faz ao gemer. O orgasmo sobe em espirais intensas, faz com que minhas panturrilhas
tremam e eu meta contra ela com força uma última vez.
Desmonto o corpo pesado na coluna de Hannah, inspirando lentamente o perfume
almiscarado emanando de sua pele. Afasto os cabelos castanhos para o lado e beijo seu
ombro delicadamente, fazendo-a suspirar. Pelo canto do olho, assisto o vislumbre de um
sorriso adornar o canto de sua boca e me sinto satisfeito por duas coisas: deixei-a feliz
sendo carinhoso e lhe proporcionei um incrível orgasmo.
Ashton me matará depois, porque acabei de gozar na camisinha em sua cama.
Afundo as mãos no colchão ao lado da cabeça de Hannah e me ergo. A garota que subiu
no palco, para quem cantei Somebody Told Me, estava bebendo na cozinha quando saí do
porão. Era como se fosse premeditado e o destino quisesse que nos encontrássemos. Ela
sorriu e devolvi o sorriso com a mesma fome intensa de quando cantei a música.
Conversamos um pouco, mas o assunto final acabou sendo na cama.
Eu me levanto em busca da camiseta e a encontro emaranhada a uma regata com cheiro
adocicado. Levanto-a na altura dos olhos e, de repente, a luz do abajur é acesa. Olho por
cima do ombro, deparando-me com Hannah olhando curiosa em minha direção. A regata é
pequena, com uma mancha redonda vermelha na altura dos seios e me lembro de
Mackenzie ter avisado a Ash que deixou a regata no quarto dele. Deixo a regata na beirada
da cama de casal e passo minha camiseta pelo pescoço.
— Nada de telefones — Hannah pronuncia, viro-me para ela, surpreso. — Nada pessoal,
só gosto das coisas mais simples. O sexo foi bom, mas acabou.
Abro um sorriso.
— Acabei de ficar apaixonado por você.
Ela está à procura da blusa que vestia, que não me lembro modelo nem cor.
— Lide sozinho com isso — ri, zombeteira. Ao encontrar a blusa, veste-a e os cabelos
ficam presos na gola. Aproximo-me para ajudá-la a tirar os fios castanhos longos e a descer
a bainha. — Você é bem fofo. Talvez a gente transe outra vez. — Abaixo-me para apanhar a
calça jeans e entrego a ela.
— Telefones? — Levanto a sobrancelha, esperançoso.
— Nem sonhando, gato. — Hannah envia uma piscadela ao terminar de se vestir e
calçar os sapatos. — Se for o caso, eu te acho.
Sorrio para ela em despedida e espero que saia pela porta para pegar o celular.
Entro no Instagram e vou até o perfil de Mackenzie. Escrevo uma mensagem privada
para ela:

Bryan: Tô com a sua regata! ;)

Leva apenas alguns minutos, para que Mackenzie responda. Sorrio satisfeito para a tela.

Mack: Por que você tá com a minha regata?

Bryan: É uma história interessante.

Mack: Não quero nem saber.

Bryan: Ah, qual é. Estava ansioso pra contar.

Mack: Bryan?

Bryan: Que é?

Mack: Pare de me mandar merda!

Bryan: Vou levar a regata pra você.

Mack: Não precisa. Eu me viro pra pegar depois.

Bryan: Ainda estamos jogando, Passarinho. Só entra na brincadeira.

Mack: Para de me chamar assim.

Bryan: Tá.

Meu sorriso abre ainda mais.
Acabo deixando o celular cair entre as pernas. Apesar da música alta lá fora, escuto os
gritos altos e estridentes pelo corredor. Apresso-me em vestir a cueca e a calça, ignorando o
celular no chão e até mesmo deixando a regata para trás ao abrir a porta em rompante.
Atravesso o corredor, correndo na direção de onde vem os gritos. O número de pessoas
caiu e raramente uma briga acontece nas festas da The Reckless, mas detenho o passo
sacudindo a cabeça ao ver a roda montada no centro do terreno de Ashton, em frente ao
palco de paletes.
Luta clandestina.
Não é sempre, mas acontece, porque, até onde sei, esse tipo de luta ocorre em grande
parte das cidades nas redondezas. Humperville não é muito movimentada por elas, mas
Dashdown, Brigthtown, dentre outras, é comum e a polícia está sempre atrás delas, porque
os lugares mudam a cada nova luta. Apoio a lateral do corpo no batente da porta,
respirando mais calmo, porque já notei o que está acontecendo. Não é algo que se pode
controlar e impedir que aconteça, é um grande erro de qualquer anfitrião tentar.
— O que tá acontecendo? — Aidan para com os braços cruzados, estica o pescoço para
tentar enxergar sobre as cabeças dos apostadores. — Porra. Uma luta clandestina? Aqui?
Agora?
Dou de ombros.
— Eu é que não vou me meter.
— O que a gente faz? — Finn aparece logo atrás, apoiando a mão aberta no batente de
madeira sobre a minha cabeça.
— Espera acabar — Ashton responde, ancorando-se na porta. — Também não sou louco
de tentar tirá-los daqui.
— Quem é que tá lutando?
— Não conheço. Não são da cidade — Ashton responde, com os ombros lá em cima. —
Mas e você? O que é que aconteceu mais cedo com a Mackenzie? — Eles estão olhando para
mim, ansiosos para que eu responda.
— A gente só se beijou. — Omito os detalhes sórdidos da discussão. O olhar de Aidan
fica taciturno quase no instante que digo em voz alta.
— Por meia hora? — Aidan vira o corpo, deixando-o mais de frente para mim e com
menos atenção para a roda que grita em torcida.
— Não forcei Mackenzie a entrar naquele armário e deixei claro que, se ela quisesse
sair, podia. Mas adivinha só? — Paro de falar e desencosto do batente para olhá-lo. — Ela
não saiu.
— Ah, porra! — Ashton empertiga o corpo, consternado. Olho para a direção onde ele
está mantendo os olhos arregalados. — É a droga da polícia — murmura, passando por
mim e vejo as luzes azuis e vermelhas piscarem entre a copa de árvores.
— Vai lá pra dentro. Se seu tio estiver patrulhando hoje não será bom — Finn incentiva,
apoiando as mãos pesadas em meu ombro.
Concordo e a minha conversa com Aidan não termina. Nós não brigaríamos por garotas,
tenho certeza, mas se meu amigo estiver tão interessado em Mackenzie como parece,
decido que vou recuar. Desistir do jogo, não, porque não sou um perdedor, mas talvez
deixar o caminho livre para que ele se aproxime dela e Mackenzie possa decidir o que quer.
— Aidan — chamo-o antes de entrar. — Você é mais importante pra mim do que ela,
então, se achar que estou te atrapalhando, eu me afasto.
Ele apenas assente e gira o corpo esguio para seguir Ashton e Finnick.
Entro e fecho a porta do quarto de Ash. Fico sentado na cama, esperando pelo momento
em que a música acabará. Em questão de segundos, o silêncio do meio da floresta acopla à
casa de Ashton e nada além do barulho de conversação soa pelas paredes do quarto.
Consigo ouvir minha respiração e, no fim, acabo me sentindo mal por ser o único a ficar
trancado no quarto, agindo como se não existisse.
Mesmo inocentado, ter passado pela polícia me deixa com uma má reputação. As
pessoas não confiam verdadeiramente em mim e tudo se torna difícil. Em Humperville, por
ser uma cidade pequena, um emprego decente e até mesmo para cursar a faculdade: tudo
isso se transformou em um sonho inalcançável, independentemente de como meu caso com
a polícia tenha terminado, inocentado ou não, as pessoas não perguntam. Eu serei sempre
um culpado, alguém que passou atrás das grades por dois meses, sendo acusado de portar
arma ilegalmente e com a suspeita de estar vendendo drogas.
Pego o celular do chão e vejo duas notificações de mensagens no Instagram.

Mack: Lamento dizer, mas vou à terapia com vocês.
Só pra você saber.

Respondo:

Bryan: Não tem graça.
Você fica me seguindo por aí.

Mack: Você sempre achou que o mundo girava a seu favor.

Bryan: E o seu mundo não gira?

Mack: Continua presunçoso. Agindo como se fosse o mais esperto e inteligente de
todos.

Bryan: Eu sempre estive no quadro de melhores alunos. Precisa superar. Não tenho culpa de ser beeeem mais
inteligente.

Mack: Você continua falando merda.
E por sua causa, vou correr de madrugada de novo.

Bryan: Viu, seu mundo girando a meu favor. Se for atropelada de novo, não me culpe. Tô bem longe de casa.

Mack: Ainda na festa?

Bryan: Na verdade, preso aqui.

Mack: Ao menos, tivemos um ponto positivo nisso tudo hoje.

Bryan: Hahahahaha.
Que ponto positivo? Eu beijei você. Uma merda.

Mack: Eu venci no jogo hoje.

Bryan: Você venceu? Hahahaha.

Mack: Venci. Você não tá mais me ignorando e tá falando comigo como se ainda
fôssemos amigos. ;)

Touché!
Mackenzie acaba de acertar em cheio e é só aí que me dou conta de que não estou com
raiva dela. Pela primeira vez em dois anos, não sinto meu coração arder em ódio. A
conversa é leve, divertida e minha bochecha está doendo por rir das coisas que diz.

Bryan: Não cante a vitória tão cedo, Passarinho. Pode ser tudo parte de um plano.

Mack: Eu disse que te conheço. É melhor que seu plano seja me esquecer. Hahaha.
Até mais, Bryan.

“Eu não costumo dizer isso
Eu não costumo jogar este jogo
Sim, eu sei que não estou desbotada
Mas parece que é assim
Eu não costumo dizer isso
Mas eu acho que deveria deixar você saber
Que querido, querido eu não, eu não quero ir
Como eu poderia ir para casa?
Quando sinto que pertenço
Em seus braços, é como champanhe
Sinta-se derramado em minhas veias
Sim, eu me embriaguei demais para dirigir
Então estou batendo aqui esta noite”
CRASHING – ILLENIUM FT. BAHARI

Meu corpo mina a suor e não sei há quanto tempo estou fazendo o mesmo percurso,
mas, pelo modo como minhas panturrilhas latejam e meu peito dói exigindo mais de mim,
posso perceber que estou correndo há horas. Embora esteja cansada e meu corpo tenha se
transformando em uma mina corrente de água salgada, não paro. Obrigo minhas pernas a
irem mais rápido e concentro minha atenção em Crashing, a música que ressoa em meus
ouvidos.
Saí para correr algumas horas depois de ter chegado em casa da festa da The Reckless,
com um formigamento insuportável e uma vontade absurda de voltar para lá. Não me sinto
orgulhosa de admitir que tenho fraquezas bem evidentes se tratando de Bryan e os lugares
onde sua mão me tocou fervem com a lembrança. Eu pensei que, se corresse até a exaustão,
poderia ser englobada por isso e ele não me perturbaria mais, mas é o oposto.
Quanto mais tento evitar o sentimento, mais quero provar dele.
O fogo é rei de Marte e Marte é o planeta da guerra. Bryan é como o fogo, ele é alguém
que consome da guerra como se houvesse alguma virtude, o porém é que não há nada de
bom em estar envolto no caos. E o pior é ser sugada por esse sentimento sem conseguir
refrear. Sempre que penso quando os lábios de Bryan me tocaram, deparo-me com uma
realidade tão absurda que tenho medo de enfrentar o pensamento. É preciso admitir que
nós dois ainda gostamos um do outro, mais do que achamos que seria possível depois de
tanto tempo e a meu ver não estamos nos esforçando o bastante para sumir com ele.
Bryan está certo sobre eu ter medo, mas não pelos motivos certos. Tenho medo de me
machucar. Medo da fraqueza e de que essa mesma fraqueza tenha poder soberano em
minha vida, porque nunca quis ser dominada por qualquer sentimento além do meu amor
próprio e vejo agora que o que estamos fazendo me leva para o caminho contrário ao que
decidi poucos dias atrás.
Eu precisava esquecê-lo. Pôr um fim no que sinto por ele. Não queria fortalecer nossa
atração incendiando nossos dias com joguinhos. Só queria provar a ele e a mim mesma que
não sou fraca como dizem. Agora termina comigo correndo de madrugada porque não
consigo pensar em outra coisa senão nos lábios dele me tocando.
Diminuo o ritmo ao atingir o ápice. Meus pulmões não suportam mais a opressão. E
minhas panturrilhas brigam comigo, tremendo como duas varas finas. Eu me jogo no
gramado de uma casa vizinha, não muito longe da minha e estico as pernas o suficiente
para mantê-las alongadas. Meu cabelo molhado de suor gruda em minha nuca e em grande
parte da testa.
Massageio o comprimento das pernas e movo os pés devagar. Tudo dói
insuportavelmente. O céu começa a clarear e a luz do sol dá seus primeiros sinais com os
raios cintilantes. Estou em um confronto: me jogar nessa grama e deixar que me encontrem
ou correr de volta para casa sem morrer no trecho.
Decido por nenhum dos dois, apenas me levanto e caminho leniente pela calçada. Tão
silenciosa que tudo que consigo ouvir, além da música nos fones de ouvido, é meu coração
pulsando na têmpora.
Eu amo como as músicas contemplam a minha vida, ao mesmo tempo que odeio. Sinto
como se os compositores estivessem mantendo meus dramas amorosos sob vigia e, no
primeiro desastre, aproveitam da situação para suas criações. Crashing é exatamente assim,
porque, desde que beijei Bryan, é como se eu tivesse encontrado meu lugar no mundo; e,
apesar de querer muito, voltar para ele não é uma opção. Ele tem todas as armas para
partir meu coração e gostaria de evitar, porque estar emocionalmente estilhaçada é a
última coisa de que preciso.
Avisto Gravity sentada nas escadarias da varanda de minha casa. Ela tem uma garrafa
d’água em uma das mãos e ainda usa as roupas da festa. Tento andar mais depressa para
chegar até ela, mas minhas pernas reclamando e o tornozelo recém-curado me alertam de
que peguei pesado demais; a dor é lancinante e me controlo para não contorcer os lábios.
— O que está fazendo aqui? — pergunto quando já estou a poucos centímetros de
distância de chegar até ela.
— Esperando por você. — Sorri, estendendo a garrafa d’água para mim. — Você já
pensou em levar água? É tipo o básico pra alguém que corre tanto.
— Saí tão depressa, que nem pensei nisso. Chegou agora? — Sento-me ao lado dela. O
cabelo está uma bagunça. Há nós emaranhando os fios castanho-escuros e o piercing no
septo levemente torto para a direita.
— Sim. Foi uma confusão total.
— O que houve? — Jogo a cabeça para trás para engolir a água.
— A polícia chegou lá. Ashton terá que responder na delegacia. Rolou uma luta
clandestina no meio da festa. Bizarro! — ela está rindo e eu vinco a testa evidenciando
minha preocupação. De repente, meus olhos pairam na casa ao lado e o carro de Bryan não
está parado na rua como de costume.
— Ele está bem. Relaxa — solta uma risadinha, acompanhando meu olhar.
— O quê?
— Você ficou preocupada com ele.
— Não fiquei.
— Ficou sim. A quem você está tentando enganar? — Ela puxa a garrafa de volta
abrupta e dá uma risada antes de beber um gole. — Você não é uma pessoa tão difícil de ler
assim.
— Fica tão na cara? — questiono, frustrada. Meus ombros caem um pouco para a frente
ao me inclinar para descansar os cotovelos nas coxas da perna.
— Hum... antes dos sete minutos no céu eu diria que não, mas depois, ficou sim bem na
cara. Todo mundo percebeu que algo beeem intenso e estranho rola entre vocês dois. E não
estou falando só do fato de se odiarem, é muito além disso. Eu podia jurar que o Bryan
preferiria mil vezes se afogar no Dark Water a beijar você, mas, depois de hoje, não tenho
mais tanta certeza.
Bufo e me estico para alcançar a garrafa de água de volta. Quando consigo vencê-la na
briga pela água, eu bebo o último gole.
— Nós estamos só… jogando.
— Você está fazendo tudo que eu disse para não fazer.
— Não é tão simples assim, Gravity. Eu estive apaixonada há muito tempo.
— É, mas as coisas agora estão diferentes, Mack. Bryan não é mais aquele cara que você
conheceu e, com certeza, não é o mesmo por quem se apaixonou.
— Eu sei que ele está diferente — respondo, dessa vez, miro outro ponto que não seja
sua expressão repreensiva.
— Ele vai partir seu coração.
Viro a cabeça para encará-la.
— Eu nem vou perguntar o que aconteceu nos trinta minutos que vocês ficaram naquele
armário, porque posso imaginar. — Levanta as mãos com as palmas viradas para a frente,
aperta os lábios com firmeza, coibindo algo que não descubro de imediato o que é. — Toma
cuidado, tá? Bryan não é o tipo de cara que está preparado para entrar em um
relacionamento sério. Tudo que ele faz é transar com as garotas e pronto, acabou. E ele não
te fará promessas, eu tenho certeza, mas se, por acaso, você for a garota, ele te abandonaria
num piscar de olhos para correr atrás dos próprios objetivos. A história da banda estar
acima das garotas pode parecer bobagem, mas eles levam muito a sério, o que quer dizer
que você nunca será uma prioridade.
— Você se envolveu com um deles? — Minha voz é controlada. Mordo o lábio inferior,
porque tenho medo de dizer algo que faça com que Vity se feche.
— Não. — As pálpebras pestanejam e desvia os olhos para me evitar. — Não com um
deles.
— Quem então?
— E importa?
— Eu quero saber. — Gravity dá risada da minha resposta e se levanta, ajeitando a
jaqueta jeans.
— Você tem seus próprios problemas pra lidar. Foca neles, tá?
— Gravity — chamo-a quando noto que se levantou e começa a atravessar o
entroncamento que separa o meu jardim da rua.
Vity se vira.
— Nós somos amigas, né? Quer dizer, você leva essa lealdade a sério. — Eu me levanto,
rumo em sua direção.
— Sim.
— Se eu perder o foco, se perceber que, por um minuto ou dois, estou me deixando
levar pelo que Bryan e eu estamos fazendo, quero que me traga de volta. Por favor.
— Se tem medo de ultrapassar os próprios limites, por que é que está fazendo isso com
você? É cruel, Mackenzie.
— Eu gosto dele, mas tomei a decisão de me aproximar fazendo joguinhos porque não
queria mais ser tratada daquela maneira. Queria provar que também posso ser forte, mas o
beijo — sussurro ao falar do beijo e meus ombros se inclinam para a frente, como se
houvesse algo pesado sobre eles — me tirou de foco, me desestabilizou e não sei mais o que
isso quer dizer. Fazendo o jogo dele, Bryan continua na minha vida e a ideia de tê-lo por
perto de novo… — Faço uma pausa para recuperar o fôlego. — A ideia de Bryan fazer parte
da minha vida outra vez me traz algum tipo de paz. — Gesticulo as mãos, tentando ser o
mais honesta com Gravity o possível. — Mas, ao mesmo tempo, estou com medo de que
essa decisão seja minha ruína, porque esse não é o Bryan que eu conheço. Ele está diferente
e você tem toda razão, não é o cara por quem me apaixonei, então por que é que meu
coração se rende toda vez que estamos perto um do outro?
— Mackenzie, a sua história com Bryan não é um conto de fadas.
— Eu sinto que, se continuar fazendo isso, pode haver alguma chance dele me perdoar
de verdade.
— Então você não está jogando com ele por que quer que fiquem juntos? É só uma
tática pra que voltem a ser amigos? Para que voltem a se falar? Você está mesmo colocando
seu coração em jogo por tão pouco?
Aperto os lábios.
— Sabe por que não disse a Bryan que sentia o mesmo por ele dois anos atrás?
Ela não responde.
— Porque eu tinha medo de estar arriscando tudo por algo que, com certeza, era
passageiro. Assim como meu sentimento por Sebastian passou, por Bryan também
passaria. Não queria colocar tudo o que tínhamos a perder por uma paixão idiota.
— Mas ela não passou.
— Não.
— E aí você perdeu os dois. O Bryan por quem estava apaixonada e seu melhor amigo.
Assinto.
— Tudo bem. — Ela respira fundo ao revirar os olhos. — Se você perder o foco, te trago
de volta, mas eu torço para que não seja necessário.
Gravity continua seu caminho e, dessa vez, deixo-a ir.
Não conto a ela que, quando o desafiei, minha intenção não era exatamente essa. Só
queria que Bryan parasse de agir como se eu fosse vulnerável demais para lidar com ele,
queria que parasse de me tratar daquela maneira e eu queria muito que entendesse meu
lado nessa história, porque eu o entendo.
Eu faço ideia de como foi difícil para ele. Estar na prisão é estar em um triturador
diariamente e foram dois longos meses. Imagino que tudo de bom que Bryan tinha em seu
coração foi deixado naquele lugar, dia após dia, estar naquele inferno o matou aos poucos e
eu aceito a minha culpa, só não quero viver com ela para sempre. Quero que finalmente
entenda que tê-lo deixado para trás não foi um ato de egoísmo, apenas amor-próprio. Que
eu me arrependi em seguida, mas meu orgulho era imaturo demais para me fazer voltar
atrás. Se eu puder fazê-lo entender como me sinto, talvez o que tem entre nós seja
superado.
Eu não sei para onde nos levará, mas espero que seja para um lugar melhor de onde
estamos agora.

— Sinto muito — repito, jogando a cabeça para trás chocando-a contra a cabeceira da
cama.
Escuto o discurso de tia April e, pelo modo como está brava, eu seria maluca se a
interrompesse ou tentasse me justificar. Para ela, estou errada e pronto. Não tiro sua razão,
ela está certa em estar chateada e magoada por estar em Humperville há quase um mês – já
faz uma semana desde a festa da The Reckless – e não ter telefonado, embora tenha lhe
enviado uma mensagem de texto pelo Kik na semana passada, dizendo que ligaria assim
que possível.
A verdade é que fiquei ocupada na última semana. Gravity e Effy estão ocupando meu
tempo na busca pelo apartamento perfeito e tentando incessantemente conseguir uma
reunião com Darnell, pai de Aidan e Willa, e também dono de várias boates club aclamadas
em Humperville e Jack, dono do Anarchy, que é um pub bastante movimentado também.
Darnell está relutante por eu ainda não ter vinte e um. Não quer ter problemas com a
justiça por permitir que uma menor trabalhe na área VIP do Purple Ride, servindo mesas de
agiotas à empresários. No entanto, Jack até me ofereceu algo, porém, não é como Effy, que
trabalha para ele de terça a sábado. Ele propôs dois dias na semana, mas não pagaria nem
metade do aluguel do apartamento. Gravity conseguiu a entrevista no Purple Ride, mas
Trycia desistiu por ter conseguido emprego em um lugar mais calmo. Estou ficando
frustrada com a relutância dele em me aceitar e até cheguei a ficar desanimada, quase
desistindo da ideia.
— E depois de todo esse tempo, você simplesmente desaparece! — Tia April finaliza,
soltando uma lufada densa de ar em exaspero. Seguro a risadinha na garganta para não a
deixar mais irritada. Contudo, tenho certeza de que seu momento frustrante durará apenas
alguns minutos.
— Tia, eu amo você — declaro com um sorriso sombreando meu rosto. — É sério, eu
fiquei muito chateada quando descobri que sabia que estava retornando para cá pra valer e
não me disse absolutamente nada. Foi injusto. Podia ter sido sincera comigo.
— Você não teria entrado naquele avião se soubesse.
— É, você tem razão.
— Como estão as coisas por aí? Fez amigos?
— Alguns — lembro-me imediatamente das meninas, embora eu esteja mais próxima
de Gravity e Effy, as outras são incríveis também. Os meninos da The Reckless parecem
fantasmas, eles somem e reaparecem do nada. Vejo-os na casa de Bryan e já os vi algumas
vezes durante essa semana por aqui, mas é tudo rápido e passageiro. — E elas são bem
legais. — Enfio o indicador no buraco da meia arrastão e puxo devagar. — Vou em uma
festa hoje no apartamento de uma delas.
— Mackenzie, isso é incrível! Não acredito! Vou ligar para a doutora Evanna e atualizá-la
disso! Garrett, você ouviu? Mackenzie fez amigos!
— Desde quando o Garrett te visita numa sexta-feira à noite? — balbucio, em tom de
brincadeira.
— Desde que você me abandonou aqui. Eu chorei por noites, sabia disso? Estava
desesperada! Não tive notícias suas! Sua mãe tentou me atualizar, mas tinha medo dela estar
tentando me enganar só para me tranquilizar. Nunca mais faça isso, mocinha. Quero saber os
detalhes. Me conta tudo. Falou com Bryan? Como ele reagiu?
Conto a ela e não escondo nada. Nem mesmo sobre o jogo. Também conto a tia April que
minha mente anda tão concentrada nesse joguinho que Bryan e eu estamos fazendo, que há
uma semana não uso a pulseira como uma válvula de escape. Quando fico nervosa com
algo, envio uma mensagem a ele pelo Instagram.
Tem sido divertido, porque ele não parece se importar e, apesar de não termos nos
encontrado mais nenhuma vez pessoalmente depois do beijo, falar com ele pelo celular,
mesmo que de vez em quando, sacia a vontade de vê-lo.
— Não acredito que você o beijou no meio de uma crise!
— Nem me lembre disso. — Afundo o rosto entre as pernas, sentindo o rubor das
bochechas queimar minha pele.
— Ele ficou bravo, e com razão.
— Eu sei disso.
— Bryan pode estar magoado com você ainda, mas não o bastante para tentar afastá-la
outra vez. É um bom sinal. Vocês são jovens, é natural que queiram fazer joguinhos, apesar de
ser meio sádico. — Ela dá uma risadinha no final. — E é claro, tem todo o sentimento
reprimido vindo à tona. Pode ser perigoso, mas é aquele tipo de perigo que vale a pena
arriscar.
Conto sobre os sete minutos no céu.
— Eu brinquei disso quando estava no último ano do ensino médio. Grayson Thompson
apalpou minha bunda, aquele safado. Não era esse o combinado, caso não pudesse
ultrapassar os limites, devíamos falar e eu disse claramente: “não toque meus seios ou a
minha bunda!”. E adivinha? É claro que ele tocou. Fiquei com tanta raiva, que o soquei no
nariz. Nunca vi tanto sangue na minha vida e seus avós me colocaram de castigo por duas
semanas! Eles nunca entenderam que eu estava me defendendo, senti-me tão humilhada
naquela época!
Uma risada escapa pela minha garganta e tombo a cabeça para trás, tentando reprimi-
la. São quase oito e meia, Gravity combinou de sairmos para ir à casa da Faith, às nove,
então tenho mais alguns minutos com tia April. Meu peito estava comprimido de angústia
antes daquela ligação, mas sabia que, em um momento ou outro, teria de acontecer e
aproveitei que estou vivendo uma fase mais leve para lidar com ela agora.
A princípio achei que Faith fosse contra a minha presença no apartamento dela. Pensei
que estivesse com raiva porque fui para o armário com Bryan, mas, ao mesmo tempo, sei
que ela não está tirando conclusões precipitadas e, segundo Effy, Faith acha que não rolou
nada, porque Bryan nunca me beijaria.
Não estou disposta a brigar com ela por causa dele, até porque não existe uma disputa,
ao menos, não para mim. Minha última conversa com Gravity, apesar da intensidade em
tudo que dissemos, foi bastante esclarecedora, até mesmo para eu entender o que estou
fazendo.
Eu o amo. A fagulha do sentimento que tenho dentro de mim talvez nunca se apague,
mas porque Bryan é alguém que se infiltrou em meu coração de uma maneira que fez com
que a marca fosse profunda demais para ser retirada. Ele é como uma tatuagem, embora
tente tirá-la, ainda assim existirá resquícios. Não dá para tirá-lo daqui, independente se
nossos caminhos continuarão na mesma direção ou não, ele sempre será alguém que
amarei. Sei que é o mesmo com ele, Bryan não precisa me dizer, posso ver. Ficamos
marcados na vida um do outro; com o bem ou o mal.
— Que horror — rio.
— Então vocês se beijaram. Mas antes de qualquer coisa, experimente sair com outras
pessoas. Você é jovem demais para se envolver com alguém, mesmo que este alguém seja o
Bryan. — Tia April sempre gostou dele demais. Mesmo depois de tudo o que aconteceu, e
imaginando que o sentimento que Bryan nutre por mim hoje seja mais mágoa que amor, ela
nunca deixou de achá-lo incrível.
— Bryan não é o tipo de cara que curte exclusividade, tia.
— Melhor ainda. Você beija sem se apegar e aproveita sua juventude como ninguém — ela
pigarreia. — Não faça como eu. Não passe anos da sua vida apaixonada pelo mesmo cara e
perca todo o seu tempo e energia se concentrando apenas nisso. Você precisa aproveitar a
mocidade! — diz em tom sussurrado, dou risada, porque apesar de estar sendo sincera, não
é uma sinceridade completa. Sei que não se arrepende de ter estado apaixonada por Garrett
pelos últimos anos e sei que ela considera que valeu esperar por ele cada minuto. — Apesar
de que eu me diverti bastante, mesmo apaixonada por outro cara. Então, tudo bem estar
apaixonada e sair com outras pessoas enquanto quem você quer não está disponível.
— Tia April, ele era um homem casado — enfatizo.
— Pois é. Não espere que o homem que você ama se case para acertar as coisas com ele. É
tudo o que posso te dizer. Agora vou te deixar sair com as suas amigas. Garrett e eu vamos ver
um filme.
Filme, que nada.
— Tudo bem. Eu te ligo, prometo.
— Se você não me ligar, eu juro pela minha vida que estarei aí muito em breve!
Assim que desligo, escuto Nate conversar pelo telefone com Maeve, sei disso porque ela
também estará na festa de Faith e não daria tempo de fazer uma visita ao meu irmão.
Apesar de ter concordado com Nate de ir à terapia, não fui ontem. Decidi que precisava
de mais um pouco de espaço depois do que aconteceu com Bryan no armário; ainda não
consigo pensar naquela cena sem me contorcer e sentir um formigamento entre as pernas.
Nem de perto senti por Finn, tudo que senti no instante em que Bryan me tocou.
Apanho a jaqueta de couro que Gravity me deu e a coloco por cima da blusa preta de
mangas quase transparente, sob o tecido fino coloquei um top preto. Estou vestindo um
short jeans e sob ele a meia arrastão. Inclino-me para colocar os coturnos e ajeito a gola da
jaqueta ao me erguer.
Abro a porta quando Nate faz o mesmo. Os cabelos estão bagunçados, veste uma calça
de moletom cinza e camiseta de algodão branca simples. Tem uma mancha de ketchup no
peitoral, mas não digo nada. Ele me estuda com cautela, seu olhar nem disfarça como me
analisa minuciosamente.
— Você vai também?
— Qual o problema?
— Quem vai estar lá?
— Só as garotas, até onde eu sei.
— Quer que te leve?
— Vou com a Gravity, mas, de qualquer forma, você não está autorizado a dirigir —
provoco dando uma risada no final da frase.
— Vai logo. — Ele me empurra pelos ombros, descendo as escadas comigo e damos
risada. — Já está enchendo meu saco.
— Estou indo!
Aceno por cima do ombro. Ao abrir a porta vejo Gravity do outro lado da rua, recostada
ao carro de Darnell. A qualquer hora, Aidan Lynch terá um infarto.

Good Things Fall Apart, de Jon Bellion e Illenium, toca no minirreprodutor na estante da
sala de Faith, o som acaba sendo abafado pela conversa das garotas.
Gravity está debruçada sobre o balcão, conversando com Faith sobre os apartamentos
que estivemos pesquisando no decorrer da semana. Apesar de não conversarmos muito,
Faith parece animada com a ideia de Gravity, Effy e eu morarmos sozinha. Sinto que ela me
evita, minha presença em seu apartamento hoje é tolerável porque agora fazemos parte do
mesmo círculo de amizades. Quando pode me evitar, ela o faz.
Maeve se senta ao meu lado, falando com Trycia sobre Aidan. Tento participar da
conversa, olhando para elas e fazendo sim com a cabeça quando me fazem perguntas. A
verdade é que Trycia mencionou algo sobre desistir de Aidan e todas concordaram, embora
Bailey tenha feito uma piada sobre essa promessa já ter sido feita outras vezes e ela
fracassou.
Por Trycia estar considerando desistir, ela começa a falar comigo mais abertamente e a
acho divertida. Cantarola a música, move o tronco mesmo sentada no carpete e por ser
meio difícil de se mover, e Willa revira os olhos, decepcionada por Trycia ter dito que Aidan
é parado demais se tratando das garotas. Qualquer um o passaria para trás em dois tempos.
— Não é verdade — Willa o defende, exalando o ar dos pulmões. — O Aidan só acredita
na garota certa. Ele não fica perdendo seu tempo e se estressando com casinhos de uma
noite só como Ashton e Bryan.
Trycia está com as sobrancelhas arqueadas, os lábios tremem ao tentar sufocar a risada.
É engraçado como Willa insulta o irmão e logo depois o defende.
Contorço os lábios, comprimindo o sorriso.
— Ele está a fim de você, Mack — Trycia diz, apesar de não parecer chateada, sinto uma
pontada de decepção em sua fala. Gravity está entortando o quadril para tentar ouvir sobre
a voz de Faith. — Ouvi uma conversa de que ele e Bryan discutiram a respeito.
— Você ouviu? — Maeve dá um gole em seu suco de laranja. — Onde?
— Na última festa da The Reckless. Algo sobre Bryan deixar o caminho livre caso Aidan
esteja interessado — Desvio os olhos para Vity, que mantém a atenção em nós. Faith
também parou de distribuir doses de vinho nas taças para escutar. Ela continua: — Parece
que você tem dois pretendentes. — Para evitar dizer mais alguma coisa que possa irritar
Faith, Effy sugere com um movimento sutil das mãos, que Trycia engula o restante da água
no fundo de seu copo.
Também estou segurando um copo com suco de melancia. Em um único gole, termino
de bebê-lo e o deixo de lado.
— Não estou interessada — pronuncio, mas, pelo modo como o rosto de Trycia se
contorce, ela não acredita.
Além de Gravity e Effy, nenhuma delas perguntou sobre o que aconteceu entre mim e
Bryan no armário. Embora tenha beijado Finnick também, para elas, é impossível que nós
tenhamos feito algo além de olhar um para outro por sete minutos. O fato de não
mencionarem Bryan me faz pensar que estão poupando Faith.
All Time Low, também de Jon Bellion, inicia no reprodutor. Faith cantarola e mantém as
mãos ocupadas, colocando as taças de vinho em uma bandeja.
— Por que você não estaria? — Willa pergunta, um pouco ofendida.
Um sorriso tímido sombreia meu rosto.
— Não é meu foco. — Coloco o copo na mesa de centro e jogo o corpo no encosto do
sofá, como se estivesse pesando uma tonelada. — Aidan é legal, muito bonito, mas não
quero um relacionamento agora e… ele é o tipo que quer um relacionamento, né? — Com os
olhos rastreio os rostos surpresos. Bailey principalmente.
— Espera um pouco, quero ter certeza de que não entendi errado. — Ela afasta as mãos
da cintura de Willa, para se endireitar, e vira o tronco de frente para mim. — Você não quer
um relacionamento?
— Não! — respondo convicta.
— Uau! — ela assobia, voltando a aninhar a cabeça de Willa em seu braço. — Todo
mundo pensava que você entraria de cara em um relacionamento com alguém, porque você
é a versão feminina do Aidan.
— A versão feminina do Aidan? — sussurro aérea.
— Sim, ele é quieto e não se envolve em confusão — Faith diz ao se aproximar, coloca
uma taça de vinho na minha frente. Abro a boca para recusar, mas desisto quando Effy se
adianta em colocá-la em minha mão. — Ele é bem centrado, só ficaria com uma garota se
tivesse certeza de que eles acabariam ficando juntos de verdade no final. Aidan não gosta
da instabilidade, ele curte a segurança de um relacionamento duradouro. É meio que uma
ilusão, meu ex-namorado não pensou duas vezes em me trair. — Faith pega uma das taças e
se joga na poltrona em frente ao sofá onde estamos sentadas.
Eu já bebi vinho com tia April, às vezes sentadas no balcão de sua cozinha, tarde da
noite. Ríamos e ela me contava sua paixão platônica por Garrett. E sempre que acontecia,
bebíamos quase uma garrafa inteira de vinho chileno. Por fim assistíamos tevê até
adormecermos no sofá.
— Você quer proteger seu coração das decepções amorosas — ela continua depois de
bebericar de sua taça. Penso por um segundo e Vity está me fitando, provavelmente se
lembrando de nossa última conversa. — Mas se envolver com Bryan é totalmente o oposto
desse desejo, flor.
Ela estende a taça em minha direção, querendo fazer um brinde. Levanto minha taça e
as outras fazem o mesmo. Bailey é a única que segura uma lata de cerveja e, no instante em
que o brinde é feito, noto o anel no dedo de Faith. Estou apertando a língua no céu da boca,
controlando-me para não ser invasiva.
Bebo um gole intenso da taça.
— Vai devagar no vinho — Effy me alerta com um sorriso brincalhão nos lábios. — É
sério, se ficar bêbada com o vinho, se arrependerá amanhã.
— Já tomei vinho outras vezes — conto, e Maeve está olhando para mim com um
sorrisinho no contorno de sua boca. — O quê?
— Nada. Você é fofa — diz ela, esbarrando o ombro em mim. — Então, em Brigthtown,
você não saía para se divertir nem nada?
— Não. Como não fiz nenhum amigo, passava meus finais de semana aprendendo a
cozinhar cookies de chocolate e bebendo vinho com tia April enquanto ela me contava suas
pérolas amorosas — cantarolo, levantando a taça e bebo outro gole. — Minha vida nesses
dois anos foi resumida a tédio. — Tenho certeza de que já contei sobre isso para Effy e
Gravity, mas é a primeira vez que falo abertamente com as outras. Os olhares estão
perplexos e fixos em mim enquanto falo.
Why Do You Love Me, de Charlotte Lawrence, começa a tocar, retumbando nos alto
falantes minúsculos da caixinha pequena da JBL. Cantarolo baixo enquanto termino de
tomar o vinho. Elas continuam olhando para mim, esperando que eu conte mais sobre
minha vida nos últimos dois anos. Parece ser interessante para elas, como se fosse algum
tipo de espetáculo e, apesar de estar convicta sobre isso, não me sinto chateada. Acho que
estou bem o bastante para falar sobre o assunto.
— E muita tristeza — murmuro, deslizando o indicador pela boca larga da taça. Fico
aérea, meu olhar fixo em um ponto puído do carpete. — Nas primeiras noites tinha
pesadelos. Bryan apontava a arma, que encontrei na mochila, para a minha cabeça. —
Aponto o indicador para minha têmpora, com o polegar erguido. Pisco algumas vezes para
afastar as lágrimas que se acumularam. — Ele dizia o quanto me odiava e se arrependia por
ter se apaixonado por mim, e esperava que eu sofresse tanto quanto ele, então apertava o
gatilho. Eu acordava gritando, chorava desesperada por não saber como ele estava, mas eu
não tinha condições para ajudá-lo.
— Nossa — Maeve sussurra e Gravity nem parece estar prestando atenção, porque o
celular está em sua mão e ela digita algo na tela. — Mas… acabou? Quer dizer, você continua
tendo pesadelos com ele?
Levanto a cabeça e limpo o rosto com o dorso da mão esquerda.
— Não — libero uma risada entristecida. — Apesar de odiar os pesadelos, eu me sentia
bem de estar tendo alguma resposta dele, mesmo que não fosse real. Nós nunca
conversamos de verdade sobre o que aconteceu e eu queria muito que pudéssemos falar
sem que acabássemos brigando. Desde que cheguei, tudo com ele tem sido intenso. Ao
menos estamos nos falando, é um ponto positivo, né?
Elas fazem que sim com a cabeça.
Maeve se levanta, rumo à cozinha compartilhada, apanha a garrafa de vinho quase vazia
e volta nos servindo com mais.
— Nate e eu estamos tendo problemas — ela conta mudando de assunto, cruza a perna
sob o peso do corpo ao se sentar do meu lado outra vez. Eu estar aqui não parece ser um
problema para ela enquanto conta sobre seu relacionamento. — Ele é inseguro. — Beberica
do vinho, pensativa. — Acho que nossa diferença de idade interfere, quer dizer, quem se
importa com isso?
Engulo em seco, porque posso ter influenciado Nate com esse assunto na semana
passada.
— Eu gosto dele. Não me importo de ser mais velha e de ir primeiro para a faculdade.
Não vai mudar nada entre nós, eu não pretendo ir embora de Humperville. — Ela dá de
ombros demonstrando insignificância. — Ele está obcecado nisso e antes não era um
problema.
Encolho o pescoço.
— Posso ter um pouquinho de culpa nisso — confesso, fazendo uma pinça com os
dedos. Maeve me fita, intrigada. — Eu juro, não foi a minha intenção. — Empertigo o corpo,
girando o quadril para ficar de frente para ela. — Quando Nate disse que você era dois anos
mais velha, fiquei preocupada que talvez pudesse magoá-lo. — É como se Maeve me
afundasse com seu olhar de repreensão.
— Você disse isso pra ele?
— Fiquei o questionando sobre o relacionamento de vocês.
— Qual é o seu problema? — sussurra, a boca aberta em um O perfeito. Pressiono os
lábios e estou prestes a pedir desculpas quando ela bafora o ar com força e bebe de uma
vez o resto do vinho na taça. — Esquece. — Ela bate com a taça na mesa de centro e se
levanta. — Eu pensei que ele quisesse terminar comigo porque estava com medo e
inseguro, mas foi você quem plantou essa coisa na cabeça dele! — Maeve afasta com
exaspero os fios de cabelo do rosto, começa a calçar as botas de cano baixo.
— Aonde você vai? — Effy se levanta também, deixando a taça na mesa.
— Falar com o Nate, o que você acha?
Maeve termina de amarrar os cadarços da bota e nos contorna. Pega a jaqueta no
suporte atrás da porta e sai.
Effy faz o mesmo caminho, mas detém o passo com a porta entreaberta.
— Vou falar com ela. Podem continuar. É longe demais para ela ir andando até a casa
dos Wilde.
Ela bate a porta e o silêncio ricocheteia. Faith está bebendo, mas consigo ver o sorriso
atrás da boca da taça, embora tente disfarçar, gostou de ver que acabei ferrando com uma
amizade que sequer começou.
— Que merda! — Cubro a boca com a mão e descanso o cotovelo no joelho, ainda
segurando a taça em uma das mãos. — Eu ferrei com o relacionamento deles?
— Não seja boba — Vity comenta, com uma das sobrancelhas erguidas. — Maeve não
ficará chateada por muito tempo.
— Mas por que diabos você se meteu nisso? — Trycia pergunta, o queixo desce alguns
milímetros e a boca fica entreaberta. — Desculpa, Mackenzie, nós nos apoiamos aqui, com
certeza. — Dá uma risadinha, estudando todos os rostos. — Mas o relacionamento do Nate
e da Maeve provavelmente é a coisa mais certa que aconteceu para os dois no último ano.
Então, por que atrapalhar?
— Minha intenção não foi atrapalhar — digo em defensiva. — Só fiquei surpresa
quando Nate contou. Foi assim que aconteceu. — Gesticulo com a mão vazia e ergo o
ombro.
— Maeve vai te perdoar — Willa diz, seu tom de voz é doce e suave. E ela parece ser
sincera. — Você e Nate nem conversavam direito uma semana atrás, ainda estão
conhecendo como a vida de vocês ficou depois desses dois anos. Fica tranquila, Maeve não é
de guardar rancor. Assim que ela e Nate se entenderem, você terá a chance de se desculpar
e tudo ficará bem.
Elas parecem convictas do que dizem; embora Willa esteja sorrindo, ainda sinto um
desconforto no coração.
As conversas seguem seu ritmo natural e nenhuma delas mencionam Maeve ou Nate.
Effy volta trinta minutos depois, dizendo que pediu um Uber para Maeve e que ela voltará
quando se resolver com meu irmão.
Bebo mais algumas taças de vinho. Gosto do aperto nas papilas gustativas e no
relaxamento proporcionado pelo álcool. Em uma festa com certeza não poderia beber, mas
posso fazer isso no apartamento de Faith. Sei que elas estão falando sobre a voz de Trycia,
porque ela sobe na mesa de centro e canta Sign Of The Times, de Harry Styles. Exceto
Gravity, todas se alteraram um pouco.
Ela canta tão bem quanto Bryan e Willa faz dueto com ela. Percebo imediatamente que
ambas têm talento para a música. Bato palmas e canto com elas, embora não seja tão boa.
Faith se joga ao meu lado e canta comigo. Agora ela parece ter se esquecido que Bryan e eu
temos um passado.
Bailey continua sentada no mesmo lugar, sorrindo para a namorada que está com a
costela colada na de Trycia, cantando com todo o fôlego disponível.
— Just stop your crying, It’s a sign of the times. We gotta get away from here, we gotta get
away from here. Stop your crying, baby. It will be alright — Willa canta olhando para mim e
estende a mão para que eu a segure.
Eu não penso mais em Sebastian como antes, mas, por alguma razão, Willa desperta
todas as lembranças boas que tenho dele. Ela é como a chave secreta que abre a minha
caixinha de segredos. Talvez Sebastian seja a única parte de minha vida que nenhuma delas,
além de Effy, e agora Gravity, conhece e a vejo com o olhar perdido ao escutar a música.
Fomos tocadas por ela, sugadas para a presença de Seb, que era toda a energia e alegria de
nossos dias.
Lembro de chegarmos na escola, de braços dados e as gargalhadas altas por nada.
Lembro-me dele ajeitando as madeixas de cabelo que caíam em cortina em meu rosto nas
aulas de biologia, onde fazíamos par. Sou consumida pelos momentos em que passamos
juntos no almoço e ele jogava ervilhas em mim para me fazer rir. De nós dois sentados no
píer. Eu me lembro de tudo, mas não choro. Na verdade, estou sorrindo e cantando com
elas a plenos pulmões, feliz porque não só amei Sebastian, fui amada por ele também.

“Porque há algo sobre isso que me traz à vida
Sim, sei todas as consequências, não me importo
Essa santa redenção nos rasga em dois
Mas eu não posso virar as costas para você”
QUEEN OF THE NIGHT – HEY VIOLET

— Cansei! — Trycia desce da mesa de centro, pega sua taça no chão e bebe um gole
longo, tombando a cabeça para trás. A taça se esvazia e estende a mão, pedindo para que
Gravity coloque mais.
Quatro garrafas já foram esvaziadas.
— Vamos jogar? — Faith morde o lábio inferior, levantando-se e volta para a poltrona
onde estava antes. — Verdade ou desafio? — sugere, movendo a sobrancelha de modo
sugestivo.
— Verdade ou desafio, eu topo. — Willa desce da mesinha e se acomoda ao lado de
Bailey. — Vamos? — Ela beija o queixo de Bailey com a voz manhosa.
— Joga você. Não curto essas coisas — diz ela, entrelaçando os dedos nos de Willa.
Gravity coloca mais um pouco de vinho em minha taça, esvaziando a quinta e última
garrafa. Contudo, já sinto minha cabeça rodopiar. Ela fora a única a se abster da bebida hoje
por estar dirigindo.
— Ok. — Faith coloca uma garrafa de vinho vazia na mesinha de centro. — Vocês jogam
também — diz para Effy e Gravity, embora seu tom não seja uma pergunta e sim uma
afirmação. Elas trocam olhares, mas não são contra.
— Eu giro. — Trycia segura pelo comprimento da garrafa, passa os olhos entre nós e a
gira.
Não consigo olhar por muito tempo enquanto ela roda, mirando para todos os lados. A
garrafa enfim aponta para Faith, que abre um sorriso satisfeito, porque o gargalo está
apontando para mim. Portanto, sou eu quem faço a pergunta e ela quem responde.
— Verdade ou desafio? — inquiro, inflando o peito.
— Verdade.
— Você se mudou para Humperville há três anos. Por quê?
— Nossos pais não aceitavam a orientação sexual de Bailey, então saímos de casa —
Faith responde tranquilamente, mas quero emendar mais perguntas, mesmo sabendo que é
contra as regras do jogo. Abro a boca para rebater e Faith levanta a mão aberta para me
calar. — Uma pergunta por vez.
Dito isto, inclina-se para girar a garrafa. Ela aponta para Gravity e Trycia. É Gravity
quem vai escolher entre verdade e desafio.
Trycia pigarreia e fulmina Gravity.
— Verdade ou desafio?
— Verdade.
— Você beijou o Aidan?
Estamos olhando para ambas. Meus olhos saltam de Gravity, que não fica nem um pouco
tensa com a pergunta.
— Sim. — É tudo que ela diz e não sei por que não perguntei a ela sobre isso antes.
— Isso porque vocês se odeiam. — As sobrancelhas de Trycia caem um pouco e se vira
para pegar a taça. Ela dá goles curtos, saboreando porque não temos mais nenhuma garrafa
fechada.
— Trycia, era só um jogo e não faz muito tempo que você estava dizendo que ia desistir
— Gravity replica e inspira profundamente. — Não vamos brigar por causa do Aidan. Nós
duas sabemos que eu não dou a mínima pra ele.
— Pois é, o homem que você queria te largou na sarjeta e, se não fosse por sua irmã,
você estaria se afundando na própria lama. — Vity se levanta com as narinas infladas.
Nunca vi tanta raiva em seu olhar; geralmente ela é moderada e se controla bem quando se
trata de seus sentimentos.
— Não use meu passado contra mim, Trycia. Nós nos conhecemos por acaso e o nosso
passado, querendo ou não, nos trouxe até aqui.
Eu não tinha assistido nenhuma discussão entre elas ainda. Espantava-me que tantas
garotas reunidas e com personalidades diferentes não tivessem desavenças, mas a
discussão entre elas só me faz perceber que não importa quão intimamente você conhece e
ama alguém, você pode se desentender com ela e tudo ficar bem depois.
— Já chega. Você gira a garrafa, Vity.
Gravity solta o fluxo de ar com força e se abaixa para girar a garrafa. Ela está parada
entre mim e Faith. Sou eu quem escolho se quero verdade ou desafio.
— Verdade ou desafio?
— Verdade.
— Com medo, Wilde? — ri, mas abafa quando bebe mais um pouco. — Tudo bem. O que
rolou entre você e o Bryan no armário aquele dia?
Estou buscando ajuda em Gravity, mas, quando meus olhos a resvalam, não parece estar
mais presente. O olhar pétreo está fixo na ponta dos dedos, que brigam entre si. Olho para
Effy que, com poucos minutos olhando para mim, ela me incentiva a dizer a verdade.
— Conversamos. — Não é mentira, mas perco a coragem de contar sobre o beijo,
porque me lembro de Gravity dizer que ficar com Bryan não é uma opção para o grupo,
embora nós estivéssemos em um jogo, pelo modo como Faith me olhou quando saímos do
armário e como está me encarando agora, sei que espera que eu diga que não aconteceu
nada.
— Só conversaram? Por trinta minutos?
— As regras do jogo… — começo, mas Faith não me deixa falar.
— Eu quero saber. Só conversaram?
Aperto os lábios, respiro pesado e o ar entre nós rareia. Tento controlar as batidas em
meu coração, respirando devagar. Ela se levanta com imperiosidade.
— Vocês namoram? — indago, ao me levantar também. — Por que ele estaria jogando,
se vocês estão em um relacionamento? — Aperta os lábios, controlando a raiva.
— Ele não beijaria você.
Não respondo, mesmo sabendo que Faith quer que eu revide. Não vou brigar com ela.
— Já escutei tudo o que ele sente por você e sei que ele preferiria chupar Lilah a estar
com você.
Não sei como Faith sabe sobre ela, mas imediatamente percebo que Bryan não a trata
apenas como algo casual ou talvez ela quer que eu pense assim, mas existe intimidade entre
eles.
— É uma pergunta por vez — grunho. — São as regras do jogo.
— Ei! — Effy chama nossa atenção. — Quem liga para o que eles fizeram? Por que você
liga? — indaga Faith, com a sobrancelha erguida. — Ele te deu um anel uns oito meses atrás
no seu aniversário e vocês transam de vez em quando, mas não é um relacionamento, Faith.
Você precisa entender e parar com essa palhaçada de uma vez por todas. Sabe muito bem
que do Bryan tudo que vai conseguir é sexo. Então para de pegar no pé da Mackenzie por
uma coisa tão óbvia e a deixe girar a droga da garrafa!
Effy está bufando, irritada.
Faço o que ela diz, exilando as possibilidades de Faith de continuar essa discussão.
Lembro-me de Willa dizer que nós nunca devemos colocar os garotos acima de nós, mas
Faith está tão cegamente apaixonada por Bryan, assim como Trycia por Aidan, que é
exatamente o que ela está fazendo. Embora ele sinta tudo que sinto e nosso beijo tenha
trazido tantos sentimentos de volta, não vou deixar que as pessoas conheçam essa fraqueza
e nem darei a Faith o prazer de saber sobre isso.
A garrafa gira, parando entre Willa e Faith.
Faith escolhe desafio.
Willa desafia Faith a ficar dois meses sem transar com Bryan. Ela faz bico, mas
concorda, embora Trycia tenha feito uma piada sobre isso não durar nem uma semana.
É engraçado como aprendi a lidar com o que sinto por ele. Ouvi-la dizer aquilo, saber
que ele a toca dessa maneira, causa-me náuseas e minha cabeça rodopia, mas consigo agir
como se não me importasse. Respiro pesado e meu coração parece ter sido infiltrado pela
exaustão, porque tenho vontade de parar o jogo e ir embora. Contudo, continuo forçando
meu corpo a permanecer intacto e meu rosto se manter impassível até que acabe.
A garrafa gira outras vezes, o jogo continua, mas não estou mais prestando atenção. O
vinho está no topo de minha garganta e sinto que vou vomitar a qualquer momento.
— Mackenzie. — Sou despertada do torpor e levo os olhos em direção a voz de Faith. —
Verdade ou desafio? — Não acredito que somos eu e ela outra vez.
— Desafio — respondo, derrotada e me inclino um pouco para a frente, abraçando meu
tronco tentando reprimir a náusea.
Faith ri e não gosto nem um pouco.
— Te desafio a ligar para o Bryan agora, no viva-voz e se declarar para ele. Nós todas
vamos ouvir.
— O quê?
— Você escutou. — Ela cruza os braços, esperando. — Se não cumprir o desafio,
teremos a consequência. E, para você ter opções, eu te mandaria seduzir o meu vizinho,
Charlie.
— Não trouxe o celular — digo e estou sendo sincera, acabei o esquecendo entre o
emaranhado de cobertores na cama.
— Usa o meu. — Faith estende a mão com o celular para mim.
— Faith! — Willa a repreende.
— Que foi? Ela não precisa fazer se não quiser.
Insomnia começa a tocar no instante em que envolvo o celular de Faith nas mãos.
— Eu vou fazer! — declaro, aprumando a postura. Embora ainda esteja com vontade de
vomitar, a adrenalina me consome e vejo que Faith já deixou o número de Bryan na tela.
Fecho os olhos e pressiono na tela para ligar. O telefone está tocando e torço para cair
na caixa postal. Quero tanto que ele não atenda, que começo a acreditar que meu desejo irá
se realizar, porque ele demora, mas, assim que afasto o telefone da orelha, escuto um alô
baixo e consternado na linha.
Como não respondo, Bryan continua:
— Oi, Faith.
Coloco no viva-voz e apoio o celular no centro da mesa. Tento controlar a respiração,
uma forma de não hiperventilar, mas meu peito está sendo reprimido pelo medo.
— É a Mackenzie — sussurro e torço para que ele tenha escutado e eu não precise
repetir.
Ele não responde imediatamente. Pelo seu tom de voz, imagino que estivesse dormindo.
Mordo o lábio inferior e aperto as pestanas com força. Meu rosto queima com o rubor.
— Bryan? — o chamo.
— Oi?
— Você está ocupado?
— Estava dormindo.
— Quero te dizer uma coisa. — Levanto o olhar para Faith, que está se controlando para
não cair na gargalhada. Nesse momento, consigo odiá-la por me fazer passar por essa
situação.
Há um barulho no fundo, como se ele estivesse se levantando e espero que responda.
— Bryan — o chamo de novo quando percebo que a ligação já passou de três minutos e
nenhum de nós está dizendo nada.
— Estou ouvindo — murmura. Se não tivéssemos começado nossos joguinhos uma
semana atrás, ele provavelmente desligaria o telefone e me mandaria para o inferno.
— Eu ainda gosto de você — digo de uma vez, quero acabar logo com isso.
— Eu sei. Por que tá me ligando do celular da Faith?
Faith gesticula com as mãos para que eu insista mais uma vez.
— Não tinha seu número. Você não e-entendeu — gaguejo e meu queixo treme
enquanto falo. — Eu gosto mesmo de você.
— Eu também. — Bryan responde e o que ele diz me choca. Minha boca está
escancarada e Gravity está abafando a risada comprimindo a mão contra os lábios. Effy
esconde o rosto entre as mãos abertas e Willa arregala os olhos. — Quanto você bebeu,
Passarinho? — ele solta uma risada nasal.
— Não importa — balbucio, gesticulando as mãos como se ele pudesse ver. Que idiotice!
Estou tremendo. — Eu só queria te ligar e dizer que como me sinto. Estava me sentindo
sufocada e agora que já disse… vou desligar. — Pego o celular da mesa de centro, pronta
para encerrar minha tortura, mas Bryan murmura meu nome.
— Já comeu? — questiona e não tenho tempo de retirar a ligação do viva-voz.
— Ainda não.
— Precisa comer, então.
— Farei isso assim que chegar em casa.
— Tudo bem — ele pigarreia. — Vou esperar por você.
— O quê?
— Vamos comer juntos.
Afasto o celular para checar o horário. São quase duas da manhã.
— Mas está tarde.
— Não se tem horário para uma boa refeição, Passarinho.
— Pare de me chamar assim — resmungo e reviro os olhos, estou falando com ele como
se não tivéssemos plateia. — Eu ainda vou demorar.
— Quer que vá te buscar?
Estou com vontade de tirar do viva-voz e perguntar que diabos ele está fazendo, porque
Faith pode ter errado sobre muitas coisas, mas não errou quando disse que Bryan ainda
tem ressentimentos. Ele nunca me trataria dessa maneira. Ele não é fofo e não tiraria o
carro da garagem no meio da noite para me buscar em lugar nenhum.
— Não. Já estou indo embora. Eu te vejo depois.
Não espero que ele responda, apenas me apresso a encerrar a ligação. Faith parece
bastante chocada e Willa também, entretanto, Gravity e Effy estão rindo.
— Eu acho que vou vomitar!
Eu me levanto e jogo o celular no colo de Faith. Empurro as portas até encontrar o
banheiro e não demoro muito, assim que vejo a privada, debruço sobre ela e despejo tudo
que bebi durante essa noite.

Prometo conscientemente de que nunca mais beberei vinho na vida, embora Gravity e
Effy gargalhem de mim e digam já ter escutado isso outras vezes, de outras pessoas que
beberam demais.
Luto contra o enjoo a cada curva que Vity faz. Tenho certeza de que deixarei meu
estômago nas ruas de Humperville antes de ela conseguir me deixar em casa.
Encaro meu reflexo no retrovisor no meio do para-brisa: fiz um coque no cabelo depois
de ter vomitado no banheiro de Faith e sujado grande parte das madeixas. Minhas maçãs
estão vermelhas e pinicam como se estivessem em chamas. Massageio a região escarlate
das bochechas, inspiro e expiro o ar que entra pela janela aberta do meu lado direito.
— Eu juro que nunca mais vou beber. — Puxo o ar com força para meus pulmões e inflo
as bochechas para mantê-los aprisionados na boca.
Effy gargalha.
— Te avisei para ir com calma no vinho. Ele é pior do que vodca em uma ressaca.
— É a primeira vez que passo mal por beber.
— Tem certeza de que não quer ir dormir na casa da Willa com a gente? — Vity
pergunta, olhando-me através do retrovisor.
Encaro sua expressão preocupada no reflexo e faço que não com a cabeça, sacudindo-a
com mais força que o necessário. Sinto minhas têmporas saltarem.
— Prefiro vomitar tudo em casa.
— Seus pais vão matar a gente! — Effy resmunga, bufando.
— Não se eles não souberem — Vity enuncia, soltando levemente o ar pelos lábios. — O
quê? — Vira o rosto para encarar a perplexidade no de Effy. — É só ela não ir para casa.
— Gente, tá tudo bem — rio, abanando a mão na frente do rosto. — Tenho certeza de
que Nate pode me ajudar, afinal, aposto o que quiserem que Maeve está em casa e contra as
regras de novo.
Vity revira os olhos. Ela tem feito muito isso durante o caminho.
— Está bem, mas se você precisar de alguma coisa, me liga, tá?
Só então percebo que o carro está parado em frente à minha casa. Encaro a
protuberância da mesma e fico com medo de levar bronca, porque nunca aconteceu. Nunca
dei esse tipo de trabalho para os meus pais. Vendo as luzes apagadas, sinto-me culpada por
ter passado do ponto, sendo que confiaram em mim e, ao mesmo tempo, sinto-me feliz por
ter gostado tanto de sair com as meninas e, pela primeira vez, aproveitado de verdade uma
noite. Não me refiro só ao fato de ter bebido além da conta, mas sim de ter me divertido.
Gravity e Effy saem do carro e dão a volta para abrir a porta para mim. Dou um riso
silencioso, coberto de agradecimento. Caminhamos no mesmo ritmo leniente até que
estarmos no pórtico. Insistem em entrar, mas me recuso a aceitar, porque, se entrarem, a
atenção será ainda maior e, com certeza, meus pais serão acordados.
— Podem ir. — Gesticulo com a mão, a voz sai gutural e arrastada. — Xô! — Espanto-as,
empurrando Vity pelos ombros, que está relutante a descer da base dos degraus da escada.
— Vejo vocês amanhã.
Fico sob o pórtico, assisto-as partir com o carro e, quando não estão mais em meu
campo de visão, corro pela relva molhada de orvalho e me ajoelho próximo à árvore
imperiosa, que rasga o céu com seus galhos. Apoio as mãos abertas contra a casca robusta
do tronco, tombo a cabeça para a frente e vomito. É horrível. Minha garganta, além de seca,
começa a arder, provavelmente se ferindo por já não haver mais nada que vomitar e
mesmo assim meu corpo insiste em expulsar algo.
— Você exagerou mesmo! — A voz rouca alta irrompe por cima de cada gemido que
escapa de mim.
Lembro-me de nossa conversa minutos antes de começar a passar mal. Tenho quase
certeza de que parte da minha instabilidade veio dele.
Resmungo ao notar a sujeira amarela ornando a blusa preta quase transparente que
estou vestindo. Franzo o nariz em uma careta desprezível e busco apoio no tronco da
árvore para conseguir me levantar.
Subo os olhos para a voz e vejo Bryan de braços cruzados na minha frente. Está vestindo
camiseta branca lisa e calça de moletom preta. Com certeza, não mentiu quando disse que
estava em casa, mas não tenho certeza de que estava mesmo dormindo. Seus cabelos estão
bem arrumados e o rosto não parece amassado pelo sono.
— Você vai mesmo entrar assim?
Olho outra vez para a casa com as luzes apagadas.
— Já sou mesmo uma decepção para eles.
Bryan revira os olhos e nem tenta disfarçar que está impaciente.
— Sabe o que mais odeio nas pessoas? O quanto se tornam autodepreciativas quando
estão bêbadas.
Solto uma gargalhada alta e só me dou conta de que não a controlei quando Bryan olha
por cima do ombro, garantindo que ninguém está passando na rua e assistindo ao que
estou fazendo.
— Estou com fome — revelo, com um sorrisinho. — Você me convidou para jantar.
Ele ergue uma das sobrancelhas. Não parece irritado com meu comentário, mas
também não acredita que eu esteja falando sério.
— Quero comer.
— Não é problema meu.
Virando-se, Bryan ruma de volta para a sua casa. A porta entreaberta mostra que ele
realmente não tinha a intenção de demorar na conversa comigo.
Começo a caminhar atrás dele. Acabo me lembrando de uma época onde me achava
extremamente irritante por ser tão insistente e o quanto ele amava isso em mim. Gosto um
pouquinho da minha versão bêbada, porque ela é obstinada como a antiga Mackenzie
costumava ser.
Bryan para de repente e meu corpo bate contra o seu. Ele se vira, parece tenso agora.
Será que ele disse a verdade quando falou que também gosta de mim? Porque, apesar
de ter dito com todas as palavras no armário na semana passada, não sei se acredito. Meu
coração quer acreditar, mas preciso ser racional. Se tratando dele nada tem tanta convicção
e, como sempre, não o compreendo direito. É enigmático, seu olhar não transmite quase
nada e o sinto sugar cada pedaço de mim quando estamos juntos. Eu odeio tanto isso.
Odeio estar perdida e confusa. Odeio que ele me deixe perdida e confusa.
— Você prometeu.
— Não prometi nada — devolve, inflando o peito. Eu tenho total consciência de que
estou sendo irritante, mas gosto. Porque desperta nele algo que eu sei que estava morto até
um tempo atrás.
— Você ainda não devolveu minha regata.
— Estava na lavanderia.
— Não precisava ter lavado.
— Não fui eu quem mandei para a lavanderia. Foi o Aidan.
Ele volta a andar e volto a segui-lo.
— Então é verdade? O Aidan gosta de mim? — Estamos subindo as escadas do pórtico
de sua casa, Bryan é mais rápido e sobe de dois em dois degraus. Acho que minha leniência
na hora de subir pode ser justificada por causa do álcool.
— Por que você tá perguntando pra mim? — Vira-se, parando outra vez de repente, mas
no alto da escada, e paro dois degraus abaixo. — Você está bêbada, não deveria nem ter
atendido o telefone.
— Por quê? Não teria como saber que era eu?
— Quando Faith me liga tão tarde da noite só significa uma coisa. Quer que eu diga em
voz alta o que é?
Ele é tão babaca e mulherengo, tenho vontade de enforcá-lo com minhas próprias mãos.
É claro que Bryan é solteiro e não precisa se justificar com ninguém, mas está meio óbvio
que Faith não vê esse relacionamento com os mesmos olhos. E é tão mais irritante saber
que Bryan comprou o mesmo anel para ela que havia comprado para mim.
— Eu já entendi que o relacionamento de vocês é uma coisa casual.
Assim que termino a frase, o enjoo volta com força e corro para a lateral das escadas.
Apoio-me no corrimão de madeira, inclino o corpo para a frente e vomito de novo. Bryan
desce os degraus, escuto-os rangerem e sinto sua mão puxando meus cabelos sujos, que se
soltaram do coque mal feito.
Quando percebo que não vou vomitar mais, ergo a cabeça e seguro os fios para amarrá-
los outra vez. Bryan assiste meus movimentos com cautela, esperando que me debruce e
vomite outra.
Respiro fundo, quero ar puro e sinto cheiro de chuva. Jogo a cabeça para trás, a tempo
de ver que as estrelas, que havia no céu antes de sair hoje mais cedo, desapareceram, e um
aglomerado de nuvens escuras estão se concentrando no centro do manto escuro.
— Você pode entrar, tomar banho e comer alguma coisa.
— Sua mãe está em casa? — É a primeira coisa que pergunto, porque, antes estava tão
acostumada a ser bem-vinda naquela casa, que nem me toquei que Vivian não me vê mais
dessa maneira.
— Está num retiro espiritual da igreja. Volta só no domingo.
Ele volta a andar, sobe as escadas com pressa e me espera na porta. Abre-a o suficiente
para que eu consiga entrar. A única luz acesa é do abajur da sala e a tevê ligada. Um filme de
terror está passando nela, não é o meu gênero favorito, portanto não demoro muito o olhar
sobre ela. Há um cobertor no sofá e uma caixa cilíndrica de Pringles original na mesa de
centro, sobre o carpete felpudo que circunda o jogo de sofás e a mesa, duas latinhas de
cerveja.
— Vou pegar toalhas e uma roupa pra você — anuncia, voltando alguns passos em
direção à escada para o primeiro andar.
Tomo a liberdade de me sentar no sofá. Tiro os coturnos e puxo o cobertor para meu
colo. Apanho a caixa de Pringles, pego algumas batatas e mastigo receosa, espero que não
vomite outra vez depois de comer.
O controle da tevê está sobre um dos braços do sofá, mudo de canal porque não estou a
fim de assistir Invocação do Mal. Eu tenho medo de filmes de terror, mas fico ainda mais
apavorada ao saber que são baseados em fatos.
Está passando Frozen na Disney. Deixo ali. Melhor do que vê-los brincar de cabra-cega.
Estou quase pegando no sono quando Bryan volta com duas toalhas na mão, uma calça
de moletom cinza e uma camiseta vermelha.
— Você pode ficar. — Ele coloca as coisas em cima da mesa e olha para a tevê. — Eu
estava assistindo ao filme.
— Eu sei — Dou de ombros. — Mas fiquei sozinha e tenho medo.
— Bêbada você fica autodepreciativa e folgada — Bryan assinala, contabilizando nos
dedos em uma das mãos.
Mordo o lábio inferior e assinto, porque acho que vou me arrepender amanhã de ter
insistido tanto para vir até aqui. Ainda não tenho certeza se estou fazendo isso pelos
motivos certos, Gravity e Effy podiam ter ficado comigo ou eu poderia ter ido com elas, mas
quis vir para casa.
Um sabor horrível se concentra em minha boca e preciso ir ao banheiro antes de
conversar com ele, ao menos para lavar o rosto e a boca.
— Posso ir ao banheiro?
Bryan concorda e subo as escadas. A porta de seu quarto está fechada. Não paro até
estar na porta do banheiro.
Vou até a pia, lavo o rosto me inundando de uma sensação de frescor. Procuro por uma
pasta de dente nas gavetas e lavo a boca, querendo sumir com o azedume.
Minutos depois, estou de volta à sala. Ele continua de pé, ereto.
Fecho os olhos e inspiro fundo.
— O que você disse no telefone… — Irrompo, chamando sua atenção.
Ele sobressalta, olhando-me de volta.
— O que é que tem?
— Não brinca comigo desse jeito.
— Faith estava pegando no seu pé, só estava tentando amenizar as coisas para você.
Apesar de detestar tudo que fez comigo, Mackenzie, você não precisa aguentar essas
merdas por causa do que tenho com ela.
— Como você sabia?
Bryan suspira e de dentro do bolso do moletom, retira o celular. Fica alguns segundos
movendo os dedos ágeis na tela e, em seguida, coloca o aparelho de frente para mim.
É um vídeo meu. Estou sentada no sofá de Faith. Maeve está ao meu lado direito, Effy ao
esquerdo e Trycia sentada no chão. É de hoje, constato. E, segundos depois, escuto o que
estou dizendo no vídeo:
— Não. Como não fiz nenhum amigo, passava meus finais de semana aprendendo a
cozinhar cookies de chocolate e bebendo vinho com tia April enquanto ela me contava suas
pérolas amorosas. Minha vida nesses dois anos foi resumida a tédio. E muita tristeza. Nas
primeiras noites tinha pesadelos. Bryan apontava a arma, que encontrei na mochila, para a
minha cabeça. — Aponto o indicador para minha têmpora, com o polegar erguido. Pisco
algumas vezes para afastar as lágrimas que se acumularam. — Ele dizia o quanto me odiava
e se arrependia por ter se apaixonado por mim, e esperava que eu sofresse tanto quanto ele,
então apertava o gatilho. Eu acordava gritando, chorava desesperada por não saber como ele
estava, mas eu não tinha condições mentais para ajudá-lo.
— Nossa — Maeve sussurra no vídeo e o foco da câmera pesa em seu rosto.
Quem quer que tenha filmado, voltou a câmera para mim no instante em que estou
limpando o rosto.
— Não. Apesar de odiar os pesadelos, eu me sentia bem de estar tendo alguma resposta
dele, mesmo que não fosse real. Nós nunca conversamos de verdade sobre o que aconteceu e
eu queria muito que pudéssemos falar sem que acabássemos brigando. Desde que cheguei,
tudo com ele tem sido intenso. Ao menos estamos nos falando, é um ponto positivo, né?
— Quem foi que te mandou isso? — questiono, a voz sai entrecortada, porque estou me
sentindo… traída? Não importa. Quem quer que tenha feito aquilo, não tinha o direito.
— E importa quem mandou?
— Importa pra mim, Bryan. É pessoal. — Tento pegar o celular, mas ele o afasta,
guardando-o de volta no bolso do moletom. — É da minha vida que estou falando. As
pessoas não podem me filmar e divulgar como se o que aconteceu comigo foi algum tipo de
show.
— Você nunca contou nada.
— Como eu te disse aquele dia no hospital — suprimo o suspiro e pisco para evitar as
lágrimas —, você não me deu a chance de explicar.
Ele fecha as pálpebras pesadas e esconde o rosto atrás das mãos.
— Estou te dando a chance agora. Quero saber de tudo.
Fisgo a pele solta do lábio inferior, reprimindo a vontade de contar tudo de uma única
vez. Não sei como explicar ou por onde começar, porque esperei pelo momento em que
dissesse que estava pronto para me ouvir e ele parece sincero em suas palavras, comovido
pelo vídeo que recebeu e, embora ainda esteja com raiva de quem mandou para ele, estou
certa de que, se não tivesse feito, ele nunca aceitaria me escutar.
— Acho que já disse algumas coisas, Bryan, mas por pensar que sua dor é maior que a
minha, nunca quis escutar de verdade e eu não aguento mais nenhum desprezo quanto a
isso. Preciso ter certeza de que está pronto para me escutar de verdade.
Ele assente, movendo devagar a cabeça. Afasta um pouco as mãos para que eu veja seus
olhos azuis.
— Ótimo. — Respiro fundo e desço as pernas do sofá, deposito os cotovelos cansados
sobre as coxas da perna para continuar: — Naquela época, eu fiquei muito nervosa com
tudo que aconteceu, quer dizer, você passou quatro meses sem falar comigo direito e eu
entendo, juro que eu entendo, também estava difícil para você. Depois que sua mãe me
contou…
— Minha mãe o quê? — murmura, chocado.
— Me deixa terminar — enuncio um pouco rude e ele aperta os lábios, forçando-se a
ficar calado. — Sua mãe me chamou até aqui, no dia em que te beijei lá fora e me contou
tudo. E que estava preocupada, que não queria que fôssemos um casal e eu também
entendo que ela esteja magoada comigo. Respeito a decisão dela de não me querer por
perto, mas — puxo e solto o ar com exaspero —, até então, eu não sabia do seu pai ou do
filho de Fuller, nem mesmo quem era David Mason. Eu me senti no meio de um jogo, porém,
não estava entendendo como mexer as peças. Segui meus instintos, não te entreguei só
porque estava com medo, assustada e sendo pressionada pelo delegado Ryan, te entreguei
porque pensei que, de alguma forma, estava te ajudando. Não sei, talvez te livrando de uma
enrascada!
— Me livrando? Mackenzie, eu passei pelo inferno! Era a última vez que estava fazendo
aquilo, a dívida do meu pai estaria paga e tudo voltaria ao normal, você só precisava
esperar por mim.
— Como você queria que eu soubesse, Bryan? Como? — enfatizo, deslizando a bunda
mais para a frente até estar na pontinha do sofá. — Você me excluiu da sua vida por quatro
malditos meses!
— Estava tentando te proteger! — exclama, as palmas abertas e viradas para cima.
Cotovelos amparados sobre as coxas e o olhar desesperado. Eu sei que ele quer que o
entenda e vice-versa, mas, mesmo falando, é muito difícil. — Não queria te envolver. Não
queria que eles soubessem que existia alguém importante para mim, então te afastei,
porque era o melhor que eu podia fazer por você. Fiz por você, Mackenzie. Tornei-me um
completo estranho, por você. E não quero que se sinta culpada por não ter participado
disso, porque eu não queria. Escolhi te esconder desse momento da minha vida.
— Me fazendo acreditar que estava saindo com outra garota?
— Nós não estávamos juntos. Você ter ciúmes não tinha o menor sentido.
Aperto os lábios, com raiva, porque ele tem razão.
— Não importa. — Fecho os olhos e pego fôlego para continuar: — Tive medo de te
perder e te entreguei. Não faz sentido isso também hoje, mas, para mim, naquela época,
fazia. Porque, Bryan, tudo que pensei naquele momento foi em como eu poderia ter salvo
Sebastian e não fiz, e, apesar da ideia ser idiota, me pareceu ser a coisa certa, mas quando
me dei conta de que não foi, fiquei envergonhada! Com medo de você me odiar! Eu te vi
saindo daqui, algemado, como se fosse um criminoso e eu tive certeza de que tinha
cometido um erro, mas a porta da viatura fechou e não tinha mais nada que eu pudesse
fazer.
— Podia ter escolhido ficar do meu lado.
— Me arrependo de ter te entregado, mas não me arrependo de ter ido embora. Eu
precisava, Bryan. Precisava. Estava quebrada e não seria boa o bastante para te ajudar. Fui
consumida pela culpa, pelo medo e insegurança. Eu tinha certeza de que você era inocente,
mas não sabia o quanto, porque não fazia ideia dos seus motivos. Então, não importava
meus instintos, quem decidiria se você era inocente ou não seria a justiça. E ela foi feita.
Você foi inocentado.
— Você deixou a Effy para trás também. Sua família.
— Quando meus pais sugeriram que eu fosse morar com a tia April por um tempo, era
algo passageiro. Para mim e para eles. Ficaria por uns meses, faria um tratamento
psicológico porque tinha pesadelos à noite, insônia e não falava, ou comia; vivi um estado
de entorpecimento intenso desde que te vi sendo levado pelo delegado Ryan. Pareceu, para
todo mundo, que eu tinha morrido naquele acidente de carro, que uma parte importante de
mim havia sido entregue no meu depoimento e, quando você foi preso, eu entendi que era
você. — Detenho a fala comprimindo a língua no céu da boca. Estudo o olhar distante de
Bryan, como se finalmente tivesse compreendido. — Perdi você. A minha parte importante.
Ele engole em seco, mas não diz nada.
— Eu nunca conseguiria olhar nos seus olhos outra vez se não tivesse partido. Sei que
você acredita que enfrentar a prisão e todo o resto teria sido melhor se eu estivesse por
perto, mas acredite em mim, Bryan, não teria. Nós dois precisávamos desse tempo longe
um do outro. Tinha feridas em mim que não se curariam facilmente sem ajuda e você
sempre foi uma distração — confesso e torço para que ele não se magoe. — Eu devia ter
feito isso quando Seb morreu. Devia ter buscado me curar de verdade, mas nós já
estávamos nos tornando amigos. Próximos demais e você é como uma droga, e eu só queria
provar mais e mais e mais — repito várias vezes, balançando a cabeça. — Ainda te amo —
confesso com sinceridade e tenho certeza de que a conversa fez com que o efeito do álcool
evaporasse. Estou concentrada e meu mundo não está rodopiando. — Eu preciso que você
saiba disso. Não me importo se quiser continuar me odiando depois, mas eu amo você.
— Não sou mais aquele cara.
— Continuo tendo certeza de que amo você. Fui embora porque te amava e acho que
voltei porque não aguentava mais não saber sobre você. Era tudo tão superficial, como se
você fizesse parte de um sonho bonito que acabou. — Jogo os ombros para cima, com
desdém. — Te ver de novo, apesar de tudo, fez-me perceber que foi real. Fez com que eu
entendesse de verdade como me sinto.
Seu pomo de adão se move outra vez ao engolir a saliva.
— Eu juro que o que aconteceu no armário me fez entender algumas coisas e uma delas
é que ainda gosto de você — Bryan diz e um sorriso sombreia meu rosto. — Não o
suficiente para abrir mão da vida que tenho hoje. — Ele coça a nuca, bufando. E meu sorriso
desaparece tão rápido quanto veio. — Você é linda por dentro e por fora, e espero que
tenha encontrado a cura de que precisava em Brigthtown. Depois de ver o vídeo e te ouvir
falar, eu sei que deve ter se tornado alguém melhor. Mas esse é quem eu sou agora. — Bate
contra o próprio peito. — Já me machuquei demais com o amor para dar a ele uma nova
chance. Prefiro passar uma vida transando todas as noites com garotas diferentes a ter meu
coração partido outra vez. Você fez sua escolha quando foi embora e eu fiz a minha.
— Eu pensei que essa conversa…
— Não me arrependo dos meus sentimentos por você, Mackenzie. Foram verdadeiros
dois anos atrás. São verdadeiros agora. Mas acho que nos reencontramos no momento
errado.
Concordo, anuindo a cabeça.
— Não estava esperando muito, só queria poder ser sincera e dizer como me sinto. Você
sabe que muitos sentimentos reprimidos me sufocam. — Dou uma risadinha consternada,
tentando amenizar a tensão que cresceu em nossa atmosfera. Bryan também sorri, vejo sua
covinha crescer, mas não é tão intenso como de costume. Ele não está feliz de verdade. —
Como isso funciona pra você? — Tento mudar de assunto, para provocar outros
sentimentos. Puxo a perna para cima, querendo ficar mais relaxada.
— O quê?
— Sexo sem compromisso.
Ele vinca a testa.
— Eu sou virgem — conto, dando de ombros e tenho sorte de poder usar a desculpa de
estar bêbada para me justificar depois. — Então não estou pensando em entrar nessa vida,
só fiquei curiosa.
Bryan pigarreia e percebo que, apesar de ser bom com as garotas, consegui deixá-lo
constrangido. Meu sorriso se abre mais.
— Como você consegue não se envolver emocionalmente?
Ele dá de ombros.
— Estou concentrado nos meus objetivos.
— A banda?
— Sim. A banda. É fácil quando me lembro de que preciso me ater agora, porque é por
uma boa causa. Sentimentos causam distrações e não posso me dar ao luxo de ficar
distraído quando estou tentando fazer da The Reckless um sucesso.
— Quando começar a transar quero que seja com alguém especial. — Levanto-me,
ajeitando a jaqueta de couro ao corpo. — Não precisa me levar, sei onde fica o banheiro. —
Pego as coisas sobre a mesa de centro e Bryan se levanta também. — Aidan parece ser um
cara legal, né? As meninas disseram que sou uma versão feminina dele — rio, sacudindo os
ombros.
— É, acho que sim. — Bryan coloca as mãos nos bolsos e, desde que voltei, é a primeira
vez que o vejo tão desconfortável perto de mim. Antes era só ódio e rancor, mas agora está
diferente.
— Talvez eu saia com ele — digo, afastando-me mais.
— Mackenzie. — Paro com o pé erguido no primeiro degrau da escada. — Devíamos
parar de jogar.
Viro-me para ele.
— Você está desistindo?
— Estou.
— Então você perdeu.
Ele meneia a cabeça fazendo que sim.
— Eu venci — sussurro, meus olhos se movem e miro o olhar nele. — Posso escolher
meu prêmio?
— Pode.
Deixo as roupas na base da escada e diminuo a distância entre nós. Ando devagar, quero
estender o momento em que vou tocá-lo, porque sei que a nossa conversa finalmente pôs
um ponto final em tudo: no ressentimento, no passado e no jogo, que mal começamos. Não
sei se Bryan está tentando se ater ou me poupar.
Seguro-o pelas laterais da camisa e, ficando na ponta dos pés, toco de leve seus lábios.
Bryan não reage imediatamente, as mãos estão soterradas nos bolsos do moletom – como
sempre – e nos entreolhamos antes de abrir os lábios para sua língua entrar em minha
boca.
Sinto quando seu antebraço me envolve pela cintura, puxando-me para perto e outra
mão vai rumo à massa de cabelos sujos em minha nuca, afundando-a neles. Ele me beija
devagar, diferente de como agiu no armário. Estávamos sendo guiados pelo calor da briga,
mas agora é como a despedida que nunca tivemos. Ele me explora, desliza a superfície
aveludada de sua língua nos lugares certos e pressiona seu corpo contra o meu com
vivacidade. Sinto-o vivo tocando minha virilha e sua mão envolta em meu quadril desliza
pela trilha de ossos em minha coluna espinhal, sob o tecido pesado da jaqueta de couro.
Quero tirá-la, poder senti-lo de verdade e é isso que faço.
Subo as mãos em direção aos ombros e retiro, deixo-a cair na base de nossos pés e
Bryan desliza as mãos por meus braços cobertos por uma camada fina da blusa, segunda
pele, transparente. A pele se arrepia sob seu toque, porque sua mão tem alguns calos leves
que resvalam nos pontos sensíveis e contorço os dedos dos pés.
Ganho impulso segurando seus ombros e pulo para envolver sua cintura com os
calcanhares. Bryan anda até que minhas costas batam na parede mais próxima. Ele está
tomando cuidado para não descer as mãos para lugares onde eu não gostaria de ser tocada,
sinto que está sendo mais cauteloso com os movimentos, diferente de quando nos beijamos
no armário. O fato de eu ser virgem e amá-lo faz diferença para ele ao me beijar.
Interrompo o beijo e afasto o rosto para estudá-lo. Seu lábio inferior está levemente
inchado e vermelho. Dou um último selinho em sua boca antes de desenroscar minhas
pernas de sua cintura.
Estou prensada entre a parede e seu corpo, suas mãos levemente amparadas em minha
cintura. O ar rarefeito o deixa com a respiração arfada. A ondulação em meu coração é
sufocante e preciso me distanciar se eu não quiser desmoronar na frente dele.
— Era o que você queria? — Seu hálito quente toca meu nariz e tento não me atentar ao
fato de suas mãos ainda estarem em minha cintura.
— Era. — Empurro-o gentilmente, espalmando as mãos em seu peito e o afasto. —
Agora preciso de um banho.
Sigo para a escada e Bryan segura meu pulso.
— Não sei se estou pronto para te perdoar, mas quero tentar.

Saio do banho e as roupas de Bryan ficam enormes em mim, mas confesso que gosto da
sensação de estar as vestindo.
Penteio o cabelo em frente ao espelho e deixo a toalha pendurada no grampo próximo
ao boxe.
A barra da calça desliza no assoalho do corredor. A casa está silenciosa, não escuto mais
o som da tevê ou Bryan mexendo nos armários da cozinha.
Continuo caminhando pelo vestíbulo vasto, meus olhos rastreiam os cômodos, embora
estejam com as portas fechadas. Estou sentindo leves tremores no corpo, talvez por estar
caindo uma tempestade lá fora e meus cabelos estejam molhados. Tenho certeza de que há
um termostato por aqui em algum lugar, mas não me recordo onde.
Paro em frente à porta do quarto de Bryan, está entreaberta e escuto vozes. Encosto a
bochecha na parede gélida, colando a orelha em uma tentativa de ouvir o que estão
dizendo.
Primeiro, acho que Bryan está no telefone com alguém, mas, quando suprimo a
respiração pesada e tudo que escuto são as vozes dentro do quarto, descubro que não. Tem
alguém dentro do quarto com ele, especificamente uma garota.
— Você precisa ir embora. Agora! — ele ordena e escuto um barulho do outro lado,
estou com a mão erguida, prestes a escancarar a porta. — Eu ligo pra você amanhã, Audrey.
Audrey?
Fecho os olhos. Não consigo acreditar que tinha uma garota escondida no quarto dele
durante todo esse tempo. Então me lembro do cobertor, a tevê ligada e duas latas de
cerveja no tapete chique de Vivian. Eu deveria ter desconfiado que, em uma sexta-feira à
noite e a casa vazia, Bryan não estaria realmente sozinho.
— Por que eu tenho que ir embora? Se livra dela! — Audrey grita, irritada.
— Eu não posso me livrar dela, porra! — Bryan detém a fala e estico a cabeça um pouco
para dentro do quarto a tempo de vê-lo parado e com as mãos na cintura. — É você quem
precisa ir. Por favor. — Ele diminui a aspereza no tom, a fim de convencê-la. A garota está
deitada na cama de casal de Bryan, ao menos vestida com short e regata. — Te ligo amanhã.
— Você não liga no dia seguinte.
Bryan bufa, esfrega o rosto com as mãos e puxa os fios de cabelo, desgrenhando-os.
— Eu vou te ligar. Não terminamos o que começamos. — Bryan se inclina para beijá-la e
fujo a tempo de não ver.
Ele acabou de me beijar.
— O que quer que eu faça? Ela apareceu de repente. Pensei que estivéssemos só
brincando no telefone, mas ela levou a sério! — Volto a colocar o rosto na fresta e o vejo
abrir os braços, em visível frustração por não a convencer a ir embora.
E não sei por que eu ainda não fui.
Decido que é o mais sensato a se fazer.
Corro até o banheiro para pegar minhas roupas. O efeito do álcool já foi embora quase
por completo, posso comer em casa e fingir que não escutei essa conversa.
Assim que entro no banheiro e fecho a porta, recosto-me sobre ela.
Meu coração não entende que as coisas com Bryan não funcionam como para mim. Ele
não é mais aquele cara e eu preciso aprender a não amá-lo mais dessa maneira. Nós nunca
vamos ficar juntos. Ele está convicto de suas decisões, e se for tão objetivo como me
lembro, não mudará de ideia.
Coloco a mão sobre o peito, tentando aquietá-lo, mas é uma luta inútil. Ele está trôpego,
quase saindo pela garganta. Deslizo até que minha bunda toque o chão, bato com a cabeça
contra a madeira algumas vezes tentando me recompor. Eu preciso ser mais racional.
Encontrar uma forma de lidar com o novo Bryan e não me deixar ficar tão abalada por ele.
Solto todo o ar que prendi nos pulmões até agora, levanto-me, mesmo que minhas
pernas estejam moles como gelatinas e pego as roupas que deixei no chão. Abraço-as
enquanto abro a porta, a tempo de vê-los parados no corredor.
A expressão de Bryan não é muito decifrável no momento, mas Audrey parece gostar de
eu tê-los pego no flagra. Está sorrindo, zombando de mim.
— Mackenzie — Bryan me chama, mas ajo como se não o estivesse escutado e ando
firme rumo às escadas.
— Vou pra casa agora — respondo e paro de frente para ele. — Te devolvo as roupas
amanhã. Obrigada por tudo.
Ele não diz mais nada e, por um segundo, espero que me impeça, mas não acontece.
Calço meus coturnos com pressa, pego a jaqueta de couro que ficou caída no chão e
corro até a porta. Eles continuam parados no patamar, olhando para mim de lá.
Abro a porta.
Me chame de volta.
— Quer dizer que não preciso mais ir embora? — Audrey diz em tom vitorioso.
Aperto os olhos.
Me peça para ficar.
Então vou embora sem escutar a resposta dele.
“Você não pode ficar e consertar isso
Você não sabe por onde começar
Eu tenho muitas partes quebradas
A culpa é da minha física, talvez seja culpa do meu pai
Eu me paro antes de me apaixonar
Todas as coisas certas ainda parecem erradas
Ainda sinto errado
Você precisa de alguém que eu não consigo me tornar
Eu não sou o cara certo
Eu não te amo
E você deveria estar agradecida por eu não te amar”
I DON’T LOVE YOU – AIDAN ALEXANDER

O barulho estrondoso da porta ao ser fechada por Mackenzie faz com que eu volte para
a realidade e comece a compreender a última hora em que Audrey esteve comigo.
Eu não fazia ideia de que Mack levaria a sério o que disse ao telefone, afinal estamos
jogando e pensei que para ela fosse um jogo também. Além disso, recebi o vídeo de Effy
antes de receber a chamada e tinha certeza de que Faith daria um jeito de humilhá-la. Fosse
por tirar a prova de que eu a magoaria ao rejeitá-la ou por suas próprias palavras.
É quando ela vai embora chateada que me dou conta de que fiz a escolha certa em
desistir desse jogo. Mackenzie pode dizer que sabe jogá-lo, pode tentar me convencer de
que é uma jogadora, mas, na realidade, é intensa demais para isso e tem muito sentimento
envolvido, de ambos os lados, para que dê certo. É arriscado para nós dois continuarmos
brincando.
Chego à conclusão de que não quero que se machuque, não quero vê-la sangrar, porque
já sofreu o bastante nos últimos anos e sou capaz de magoá-la ainda mais, sei que sim. Suas
reações a cada ação que tenho deixa evidente.
— Preciso de um minuto — peço a Audrey, ao descer as escadas com pressa.
Meu corpo para diante da porta, a mão suspensa em direção à maçaneta, contudo não a
movo. Fecho os dedos, suprimindo o suspiro na garganta. É melhor assim. É melhor para ela
que saiba que eu não valho a pena e não será ela a garota capaz de consertar tudo de errado
que existe em mim.
Mudo a direção. Não quero ficar com Audrey, sinto-me estranho sobre essa convicção,
porque sexo resolve os meus problemas. Não desta vez, cara, diz meu consciente enquanto
minhas pernas caminham em direção ao escritório antigo do meu pai.
Ao abrir a porta, vou para a mesa grande e extremamente organizada. Para minha mãe,
esse lugar é inabitável desde que ele fora embora, mas a verdade é que escondo uísque e
cigarros na terceira gaveta de madeira de carvalho. Ao abri-la, vejo-os lá. Pego e saio do
escritório, agora vou para a cozinha pegar o isqueiro e um copo limpo.
Preciso de um minuto para organizar meus pensamentos, entender o que tudo
significou para mim e não conseguirei fazer isso na presença de Mackenzie ou Audrey.
Abro a porta dos fundos, sento-me sobre o pórtico da área de laser, em uma cadeira de
balanço que minha mãe usa para fazer cachecóis – graças a Molly, ela aprendeu e lidou
melhor com a partida do meu pai por encontrar algo que a distraia.
Abro a garrafa de uísque, despejo o líquido ambarino no copo até cobrir todo o fundo.
Deixo o celular sobre o banco de madeira com o cinzeiro, apoio o copo e o maço de cigarros,
apenas um fica entre meu indicador e médio. Prendo-o entre os lábios e acendo. A fumaça
sobe imediatamente.
Preciso entender o que está acontecendo, para poder fazer as escolhas certas.
Comprimindo os lábios, tombo a cabeça para trás e envio mais nicotina para meu
organismo. A dopamina se espalha gradativamente; a sensação de relaxamento começa a
afetar meus membros. Jogo as pernas para a frente, desleixadas. Estico a mão para alcançar
a bebida quente e, assim que viro goela abaixo, o líquido queima minha traqueia.
A chuva açoita as vidraças de casa, observo a piscina pequena quase inutilizada
transbordar e a quadra de basquete coberta pela folhagem seca da árvore, que faz sombra
sobre ela.
Tudo nesse lugar se tornou sombrio desde que meu pai foi embora. Não vejo mais
minha casa como um lar para mim ou para minha mãe e poderia dizer que não entendo por
que nunca saímos daqui. Seria o mais sensato a ser feito, mas me lembro de conversas
vagas com minha mãe sobre o assunto e eu sendo insistente de que precisava ficar. Não
precisava, mas queria. Tinha esperanças de que ela fosse voltar em algum momento e agora
que ele chegou, tudo que eu sinto virou um mesclado de emoções reprimidas: amor, rancor,
ódio, mágoa, paixão e um puta de um tesão por ela. Tudo em uma única pessoa que não
consegue se decidir se quer pedir que vá embora outra vez ou se luta por ela a ponto de
cometer tantos erros que fará com que Mackenzie queira ir embora.
Vi nos olhos de Mackenzie. Ela queria que minha resposta fosse outra. Ela quer que eu a
queira como antes, quer que a ame e seja o cara que ela conheceu, mas não posso. Não
consigo mais. Estou acostumado demais a essa vida nada regrada e a relacionamentos que
não me sufocam.
Beijá-la é incrível. Mesmo depois de dois anos fodidos sem estar perto dela, continua
sendo o paraíso, o lugar perfeito para se estar. E quanto mais experimento, mais difícil fica
dizer não. Ficar entre quatro paredes com Mackenzie sem querer beijá-la e fazer todas as
coisas que são inimagináveis é impossível. Não consigo não pensar. Não consigo não
desejar esses momentos. E ao mesmo tempo, de verdade, não quero machucá-la e isso é
tudo que eu sei fazer.
Mordo a unha do polegar, forço as pestanas enquanto penso no assunto. Preciso
encontrar um jeito de deter, de fazer com que eu não sinta.
— O que está fazendo?
Giro o pescoço e encontro Audrey. Os cabelos castanhos bagunçados dela são
ondulados, a pele morena e o olhar profundo direcionados a mim. Ela sabe que estou
desestabilizado desde que Mack entrou no banho e não para de mirar seus olhos opacos em
mim em tom acusativos.
— Pensando — respondo e volto a olhar para a chuva.
Audrey é alguns anos mais velha que eu, nos conhecemos no Purple Ride mês passado,
mas decidi ligar para ela ontem, quando o ensaio da The Reckless mudou de data e não
tínhamos nenhum show marcado para o fim de semana. Jack precisou cancelar o de sábado
na Anarchy para uma pequena reforma, então estava entediado. Os meninos estão
ocupados e acabei ficando sozinho em um fim de semana. Não é algo que estou mesmo
acostumado. E porra, ela é tão bonita. Não dá para negar que a sensualidade de sua postura
e o olhar intenso mexem comigo.
— Posso te fazer esquecer.
Ela se afasta do batente e caminha devagar em minha direção. Audrey parece uma
modelo enquanto caminha, move a cintura com volúpia e, ao sentar-se em meu colo, sou
obrigado a estender a mão para apagar o cigarro. Descanso o copo ao chão do meu lado e
espero que me beije. Se inclinando, ela lambe lascívia o contorno de minha boca, rebolando
o quadril contra mim. Derrubo a cabeça para trás, exalando o ar pesadamente.
— Você me quer. Se não quisesse, não teria ligado. — Desliza o lábio inferior pela
extensão do meu pescoço, sugando a pele daquela região com força e a sucção faz com que
meus pelos ericem. — Está vendo? — Ela desce a mão por meu abdômen, rumo a meu pau,
que está vivo.
Mas Audrey não sabe que, neste momento, não estou pensando nela.
Estou pensando em Mackenzie.
Seguro sua cintura com firmeza e a levanto.
— Não está ajudando — revelo e a vejo cruzar os braços, emburrada. — É melhor você
ir. — Desta vez, estou mesmo a mandando para casa. — Quer que te leve ou chame um
Uber? Você quem decide.
— Quem é aquela garota?
— É só uma amiga. Ela precisava de ajuda.
— Eu estava quase te chupando quando ela apareceu. — Ela aperta mais os braços,
afunda as unhas pintadas de vermelho em sua carne. — Quem é que para no meio do sexo
pra socorrer uma amiga?
— Eu faço isso. — Pego a garrafa de uísque, o maço de cigarros e o copo. Em um único
gole, termino de beber e entro em casa, deixando-a sozinha sob o pórtico. — Você precisa
ir, Audrey. Não estou mais no clima.
Escuto a porta bater com força atrás de nós e me viro. Ela parece irritada de verdade.
Inclino a cabeça para trás, amaldiçoando Aidan por ter toda razão ao dizer que sexo casual,
às vezes, é uma droga. Porque alguém sempre está esperando alguma coisa que o outro
lado não está disposto a oferecer.
— Vou chamar um Uber — anuncia e concordo com ela, movendo a cabeça. — E, por
favor, não me ligue mais enquanto não resolver seus assuntos com ela.
— Tudo bem. — Deixo o uísque na bancada e a assisto subir as escadas para buscar
suas coisas.
Apoio as mãos na lateral do mármore, estico a espinha criando uma ponte com minha
coluna e tronco. Elevo os braços o máximo que consigo e a cabeça cai entre eles. Respiro
fundo, odiando ter me perdido nesse sentimento que é gostar e não gostar de Mackenzie. Já
escutei que existe uma linha tênue entre o amor e o ódio, mas nunca pensei que estaria bem
no meio dela.
Viro mais uma dose de uísque no copo e continuo bebendo, desta vez estou sozinho. A
porta da frente abre e bate em um ruído imperioso, avisando que Audrey finalmente foi
embora e não gostou nada de ter sido dispensada antes de receber o que veio buscar.
Bagunço os cabelos passando as mãos com brutalidade nos fios.
Bebo mais algumas doses e termino a garrafa em menos de trinta minutos. Estou
bêbado e, sempre que bebo assim, é porque estou pensando nela.

Sorvo cada pensamento que me assombra enquanto corro. Acordei por volta das sete da
manhã e não consegui mais pregar os olhos. Já faz algum tempo desde a última vez que
coloquei em prática minha facilidade com o atletismo. Sebastian e eu costumávamos ser os
melhores corredores da Saint Ville Prep, mas não voltei a fazer o exercício por falta de
motivação. Encontrei outras formas de absorver meus sentimentos, desviar a raiva e
manter o foco. Claro que estou falando de sexo, mas não funcionou para mim hoje, então
precisei encontrar um jeito de colocar a cabeça no lugar. Segui os passos de Mackenzie e
iniciei uma corrida nas redondezas da Eastville.
As estações não são tão definidas nessa cidade como nos outros lugares. É verão e,
desde a madrugada, não para de chover, o que despencou a temperatura. Meu moletom
está molhado pelas gotas grossas de chuva que me banham, meus tênis não estão em uma
situação diferente e os fios de cabelo grudam em minha testa. É incômodo, mas não tanto
como ficar trancafiado em casa.
Liguei para Aidan, tudo que eu menos queria hoje era passar o sábado todo sozinho,
porém ele disse que está ajudando o pai com assuntos do trabalho. Ashton aproveitou que a
The Reckless teve uma folga no fim de semana e viajou para a casa dos pais – não que seja
seu destino predileto, mas ao menos ele tem um lugar para onde voltar – e Finnick sempre
é criterioso se tratando de sua mãe. Ele não a deixaria sozinha num sábado, quando não se
tem nenhum compromisso sério para tratar. Então, ficará de olho nela o dia todo.
É quando noto que não estou acostumado a ser tão solitário, quer dizer, se fosse há dois
anos, eu estaria bastante satisfeito com a ideia, ansioso para passar um dia inteiro de paz e
tranquilidade sozinho em casa, mas o Bryan de hoje prefere companhia. Uma companhia
que me dê alguma distração, de preferência. Principalmente porque eu odeio como minha
mente trabalha quando estou sozinho e nas últimas horas ela tem estado fora de órbita.
Eu recusei sexo. Mandei uma mulher responsável, linda e gostosa pra caralho embora,
porque não conseguia pensar em outra coisa a não ser em Mackenzie. É um nível de
calamidade desconfortável demais para ser encarado com bons olhos. Definitivamente
fiquei baqueado pelas coisas que ela disse, talvez tenha sentido alguma empatia e preciso
aceitar também que devo a ela desculpas. Querendo ou não, coloquei-a naquela situação. Se
a tivesse posto para fora do carro naquela tarde de 27 de outubro de 2017, nada disso teria
acontecido. Eu a envolvi nisso porque estava frustrado demais.
Diminuo o passo quando avisto minha casa. As janelas estão fechadas e a chuva ruge
contra a madeira. Mas não é a chuva açoitando o imóvel que me faz ficar lânguido, nem o
estrondo ensurdecedor do relâmpago e a coloração esbranquiçada que corta o céu, mas sim
a presença de Mackenzie sentada no banco sob o telhado da minha varanda. Os cabelos
estão úmidos, bagunçados e o olhar pétreo se detém em um ponto fixo da madeira do
pórtico.
Subo às pressas, os degraus rangem com o peso do meu corpo e antes mesmo de estar
protegido da chuva, estou retirando o moletom ensopado.
— Por que você foi correr na chuva?
Ela está usando calça jeans clara, regata branca e um All Star preto surrado. As solas
estão gastas e os cadarços sujos.
Dou de ombros.
— O que você quer? — pergunto, já em direção à porta de casa.
— Vim trazer as suas roupas. — Acena com o queixo erguido em direção à calça e a
blusa vermelha perfeitamente dobradas ao seu lado. — E pedir desculpas.
Paro onde estou, viro para ela nos calcanhares e a encaro, com a expressão confusa.
— Você estava acompanhado e eu atrapalhei seus planos. — A jogadinha de ombros
despretensiosa, tentando demonstrar desdém, não é o suficiente para me convencer. — Me
desculpa.
A verdade é que ela está certa. Se não tivesse aparecido, teria transado com Audrey e
passaríamos o dia juntos. Agora preciso lidar com esses sentimentos conturbados que
Mackenzie desperta em mim, ter alguma racionalidade e me concentrar para não
enlouquecer até o fim de semana acabar.
— Tem razão, você atrapalhou meus planos.
— Effy me contou que foi ela quem mandou o vídeo — muda de assunto e se levanta,
entrelaçando os dedos com desconforto. Não digo que é verdade, mas também não nego.
Mas sim, foi Effy quem mandou. — Acho que ela queria que tivéssemos aquela conversa,
pelo menos para isso não ficar mais tão estranho. — Aponta para mim e depois para o
próprio peito. — E mesmo assim, ficou ainda mais estranho quando vi aquela garota.
Mackenzie está enrolando ao invés de ser objetiva. Cruzo os braços, encosto a lateral do
corpo na madeira e ignoro os tremores no corpo por estar congelando aqui fora e
respingando chuva no carpete, que diz “bem-vindo”.
A maneira como a olho parece deixá-la mais desconfortável, mas se continuar como
antigamente, sem a boa e velha pressão, ficarei plantado vegetando do lado de fora o dia
todo e são quase onze da manhã, estou morto de fome.
— Ela ainda está aí? — indaga, gesticulando para dentro da casa.
— Não.
— Bebi demais, por isso fui tão insistente em entrar e falar com você. A ligação que fiz
também foi uma brincadeira, tudo o que eu disse…
— Mackenzie — interrompo-a, erguendo os olhos para a sua boca seca. — Você está
falando demais. Dando voltas e mais voltas. Eu quero entrar, tirar essa roupa molhada,
tomar um banho e comer, porque estou morrendo de fome. Se você não tem mais nada pra
dizer, então… — Contorno seu corpo, que emana instabilidade, para pegar as roupas no
banco e volto, já abrindo a porta.
— Posso ficar? Só por algumas horas? Vity ainda não voltou. — Ela aponta para a casa
das Monaghan do outro lado da rua, por cima do ombro. — E Effy está com ela na casa dos
Lynch. Nate saiu para um encontro com Maeve, devo esse momento a eles, mas prometi aos
meus pais que ficaria na cola dele por um tempo, para garantir que ele não faça nenhuma
merda. Então, eles estão pensando que estou com eles. — Assim que dispara a falar, a falta
de fôlego não a faz parar. Fico petrificado no lugar enquanto a assisto perder a trava na
língua. Sufoco uma risada. — E você disse que iria tentar me perdoar. Era pra valer, né?
— Sim, era.
— Eu posso ficar aqui só por algumas horas? Sua mãe ainda não voltou, né? — Fica na
ponta dos pés, averiguando se está mesmo certa em suas conclusões.
O fato de estarmos encurralados aqui outra vez só prova que o destino gosta de brincar
com a gente. Apesar de não parar de pensar nela e nem conseguir transar com Audrey por
sua causa, não tinha planos de revê-la tão cedo.
— Você sempre tem uma excelente desculpa pra entrar na minha casa — brinco, mas
seus ombros murcham. — Na primeira vez, mentiu dizendo que tinha esquecido a chave de
casa e, na verdade, seu pai já estava lá há algum tempo. Como posso ter certeza de que não
está mentindo?
— Liga pro Nate, se acha que estou inventando. Ele vai confirmar que está com Maeve e
que nossos pais pensam que estou com eles. — Ela cruza os braços também, faz uma careta
de descontentamento por não acreditar nela de imediato. E travo uma pergunta na
garganta: Nate sabe que você pretendia passar as próximas horas comigo?
Empurro a porta de casa para entrar sem respondê-la. Mackenzie me segue, mesmo não
tendo dito se poderia ou não. Contudo, acho que entendeu meu silêncio como sim. Quando
éramos amigos, ela tinha muitas versões, conheci várias delas, mas a minha favorita em
particular era sua teimosia. Não importava o quanto eu dissesse não, ela sempre insistia no
sim até que eu cedesse. Foi por essa insistência eloquente que nos tornamos próximos.
Lembrar disso faz com que todo o resto se apague, embora eu saiba que, em um momento
ou outro, o passado voltará para me assombrar.
Ela tira os sapatos no hall, deixando-os secar no carpete. Faço o mesmo e a sigo para
dentro.
Vasculha apreensiva com os olhos a sala. Ainda tem batata Pringles na mesa de centro, o
cobertor continua no sofá e as duas latinhas de cerveja que bebi com Audrey também estão
lá. Começo a juntar a bagunça e ela se senta no sofá de quatro lugares, unindo as mãos em
cima do colo.
— Eu vou tomar um banho e você não fique tão à vontade — digo, vendo-a se esticar
para alcançar o controle remoto e ligar a tevê.
— Não estou à vontade.
Ela sorri. Balanço a cabeça em negação, mas também estou sorrindo.

Quando volto para a sala, a tevê está ligada, mas Mackenzie não está no sofá onde a
deixei. Estou secando os cabelos com a toalha, trajando a calça de moletom preta que usei
na noite passada e a camiseta vermelha que emprestei para ela, que, inclusive, está
chafurdada com seu perfume adocicado.
Caminho em direção a cozinha, onde a vejo abrir e fechar os armários. Tem dois pratos
de porcelana branca dispostos na ilha de mármore e talheres. Algo ferve no fogo e
Mackenzie fica na ponta dos pés em busca de algo na última prateleira do armário. Recosto
ao caixilho, retesando o ombro onde estou ancorado enquanto a assisto se esticar para
alcançar. Levo alguns segundos para perceber que é uma garrafa de vinho, bem soterrada
por trás de todas as peças de porcelana que minha mãe já comprou e ganhou em toda a sua
vida de casada.
— Que está fazendo? — Finalmente me anuncio e ela alcança a garrafa, abraçando-a
com força e espalma a mão contra o lado esquerdo do peito.
Controlo-me para não gargalhar do solavanco que seu corpo deu ao ouvir minha voz.
— Preparando o almoço. Só um agradecimento por ontem e por hoje. Além de um
pedido sincero de desculpas por ter atrapalhado seu sexo casual de ontem — o tom
condescendente quando diz o último motivo faz com que eu não acredite em suas
desculpas se tratando de Audrey. Entorto a sobrancelha, deixando bem claro o quanto eu
não acredito nela. — O que foi?
— Mentirosa. Você não se arrepende de ter atrapalhado a minha noite.
Ela aperta os lábios. Está se decidindo se mente ou se diz a verdade. Diga a verdade.
— Você tem o ego inflado demais. Nem deve ser tudo isso. — A última frase é um
sussurro. Ela abraça a garrafa e não posso negar que fiquei um pouco ofendido com seu
comentário, porque sou sim muito bom se tratando de sexo.
— Está mentindo outra vez. Você não acredita nas próprias palavras. — Ela deposita a
garrafa de vinho na ilha e volta sua atenção para a panela que está ao fogo. — Se está
mesmo arrependida, devia me compensar de outra forma — brinco, ao me aproximar.
Sento-me na banqueta alta e amparo os braços no mármore gelado. Mackenzie fica aflita
com a minha impertinência, consigo sentir daqui o nervosismo que emana do corpo dela.
Estou mais relaxado, como se a corrida e o banho tivessem me trazido de volta para
meu verdadeiro eu. Um excelente jogador, embora tenha assumido que esse jogo é um
perigo para nós e feito o certo ao desistir, não consigo resistir. Gosto de apreciar seu corpo
responder às minhas provocações e sentir que causo efeitos nela, mesmo quando está em
negação.
— Não vou transar com você. — Vira-se, apoiando as mãos na beirada da pedra e
inclina o corpo um pouco para a frente. — Só no seu sonho, Bryan.
— Você está me desafiando outra vez, Passarinho.
— Não precisamos jogar, para que nós dois saibamos o que sentimos um pelo outro —
diz bastante convicta. — Tive tempo suficiente para pensar no assunto. — Ela entrelaça as
mãos na frente do corpo, sorrindo para mim. — Tenho certeza de que não precisamos
mentir, omitir ou fazer joguinhos. A mesma tensão que você causa em mim, eu causo em
você. Está bastante balanceado, sabe. — Estou errado sobre a versão teimosa de Mackenzie,
a minha favorita é quando ela arrisca e é ousada. Pode até não ter certeza, mas a confiança
em dizer essas palavras me deixa convencido de que está certa. — Se eu fosse uma versão
feminina de você, poderíamos fazer sexo e acabar logo com isso — empurra de leve o corpo
para cima, usando as mãos como sustentação e por fim está de pé outra vez —, mas eu não
sou esse tipo de garota. Não tenho interesse em dormir um dia com você e estar na cama
com outro, no dia seguinte. Posso beijar muitas bocas se eu quiser, mas o meu corpo é o
meu templo.
Preciso admitir que fico embasbacado. Não imaginei que ouviria esse tipo de coisa
saindo de sua boca e nem em um milhão de anos imaginaria aquela garota de quase um
mês atrás, acuada e medrosa, mostrando-se tão empoderada diante de mim neste
momento. A dor é frustrante, te deixa impotente e transforma suas milhares de versões
boas em um completo caos, mas não é impossível de encontrar a força nele. Mackenzie é
como uma fênix, vejo claramente isso. Não importa o quanto meu fogo a queime, ela
sempre dará um jeito de surgir das cinzas e ser sua versão melhor que a anterior.
— Não consegui transar com Audrey na noite passada. Mandei-a embora assim que
você saiu.
— Por quê? — Encosta a bochecha no ombro para me olhar de esguelha.
— Nossa conversa, o beijo. Tudo isso me deixou fora de foco.
Ela dá um risinho zombeteiro, desliga o fogo e dá a volta na ilha para se sentar no banco
ao meu lado.
— Espero que goste de macarrão com queijo, porque, além de cookies de chocolate, isso
é tudo que eu sei fazer. — Ela empurra um dos pratos para mim. Embora eu queira
continuar fazendo esses joguinhos com ela, porque gosto de como reage, Mackenzie quer
mudar o foco, então aceito. — Podemos abrir? — Aponta com o indicador para a garrafa de
vinho bem perto de mim.
Faço que sim com a cabeça e me levanto. Abro a garrafa, pego duas taças no armário e
volto para ela, servindo. Nenhum de nós é legalmente maior de idade para beber, mas
contanto que não façamos mal para ninguém, está tudo bem. E tenho certeza de que nós
dois fomos instruídos a não exagerar no vinho, mesmo que Mackenzie não tenha levado
isso muito a sério na noite passada.
— Você não ficou de ressaca? — pergunto, ao assumir meu lugar ao seu lado na
banqueta outra vez. Ela bebe um gole e sacode a cabeça, negando.
— Acho que me acostumei a tomar vinho com tia April. Fazíamos muito isso em
Brigthtown. Eu sinto que fui a filha que ela nunca teve nesses dois anos.
— Posso fazer uma pergunta? — Bebo também um gole curto da taça.
— Já que vou passar quase o dia inteiro aqui, por que não?
— O que diabos você fez com aquele dinheiro?
— O que peguei de você?
Concordo, assentindo.
— Ainda não decidi o que vou fazer com ele, mas sei que preciso. Quero me mudar no
mês que vem.
— Se mudar?
— Sim. Gravity, Effy e eu vamos alugar um apartamento juntas e dividir.
Effy mencionou sobre a mudança, mas nunca disse que Mackenzie seria uma colega de
quarto. Mesmo longe daqui, ainda vamos nos ver, porque Effy me fez prometer visitá-la.
— Vai ser bom, eu acho. Meus pais estão bem… possessivos. — Ela faz garras com as
mãos e sorri. — Querem controlar a minha vida. Depois que você me atropelou…
— Sem querer — emendo.
— Sem querer — ela repete. — Nós tivemos uma conversa e eles melhoraram, mas sinto
que minha mãe está o tempo todo em cima de mim. Havia pelo menos umas trinta ligações
dela na noite passada em meu telefone! E, eu sei, entendo que estejam preocupados e
chateados por eu não ter voltado, mas quero ter a minha vida, fazer minhas próprias
escolhas sem ficar com medo se estou os decepcionando ou não. Willa me ligou hoje cedo,
conseguiu convencer Darnell a me dar uma chance. Vou falar com ele na segunda-feira. Se
conseguir esse emprego no Purple Ride, posso começar a empacotar minhas coisas.
Ela bebe mais um gole ao terminar de falar. Fico feliz por ela, de verdade. Eu senti falta
dela e de sua amizade, mas me contenho para não dizer nada e, ao invés disso, sorvo mais
um gole da bebida. Vinho não é meu forte, prefiro Bourbon, mas não estou a fim de ir até o
escritório do meu pai para pegar uma nova garrafa.
— Eu queria poder sair dessa casa.
— Por que você e sua mãe não se mudaram?
— Falamos sobre isso algumas vezes. Uma casa menor, mais barata e que cabe em
nosso orçamento, mas gostamos dos vizinhos. Minha mãe gosta. — Omito o fato de que eu
também torcia para que ela voltasse. — E quando eu não estiver mais aqui, não quero que
ela se sinta sozinha e na Eastville ela tem amigos.
— Você acredita que a The Reckless ganhará o mundo, né?
— Eu acredito que, com dedicação e trabalho duro, todos os sonhos são possíveis. Não
dá para romantizar o sucesso como se fosse um milagre, acaso ou sorte. Porque não é
verdade. Sonhos se realizam porque as pessoas batalham por eles. Aidan, Ashton, Finnick e
eu estamos fazendo de tudo para que tenhamos essência e sejamos algo novo para o mundo
e não só mais uma banda de rock. É preciso muita calma e paciência para ser admirado.
— Eu acredito em vocês. Estive no último show e, uau — arregala os olhos, assobiando
—, são incríveis.
Sirvo mais um pouco de vinho para mim e para ela também.
— Obrigada por tentar, Bryan. — Mackenzie está saltando de assunto outra vez e
permito. — Obrigada de verdade. — Estica a mão para tocar meu braço sobre a ilha e a
energia estática que corre em minhas veias com seu toque me sobressalta. — Eu não
suportaria viver sabendo que te magoei e não lutei o bastante para ganhar seu perdão,
então, obrigada.
— Eu também te devo desculpas. — Empertigando o corpo, Mackenzie se afasta e crispa
a testa em confusão. — Se eu não tivesse te levado até Dave aquele dia, nada teria
acontecido. Eu te envolvi nessa história.
Ela inspira e expira profundamente.
— Bryan, você se lembra o que eu dizia sobre sermos amigos? Nós cuidamos um do
outro. Eu queria ter sabido levar esse significado mais a sério, queria ter conseguido te
proteger como merecia, mas brigarmos, eu te odiar ou você me odiar, não mudará nosso
passado. Mas podemos mudar o futuro. Pode ser diferente agora. Não somos mais crianças.
— Sinto seus dedos tocarem o dorso de minha mão, tentando entrelaçá-los aos meus. Sou
levado pelo momento e a deixo fazer isso. — Podemos lidar com as coisas de um jeito
diferente de como lidamos no passado. Eu aprendi com os meus erros e você aprendeu com
os seus.
— Nós nunca conseguiríamos ser amigos de novo. Você sabe bem disso. — Desentrelaço
meus dedos e fecho as mãos em punho. — Porque você tem toda razão quando diz que
estamos diferentes e estamos mesmo diferentes.
— Eu só quero você de volta na minha vida, Bryan. Não importa de que jeito. — Ela se
levanta, aninhando-se entre minhas pernas. Tombo a cabeça para trás, para assisti-la laçar
os braços em volta do meu pescoço, evitando que eu fuja mais.
— Assim também não dá. — Tento afastá-la, puxando um de seus braços para baixo,
mas ela insiste e mantém os braços firmes. — Você não pode juntar os meus pedaços e
consertar meu coração. Não pode mudar o que me tornei. Não consigo ser a pessoa de que
precisa.
— Você gosta de mim? — sussurra, a poucos centímetros de tocá-la com minha boca.
— Já disse como me sinto.
— Qual é o problema? Não é a mesma coisa com Faith?
— Você já esteve com alguém de quem não gostasse? — indago, embora não tenha
certeza se Finnick a beijou ou não aquele dia. Mackenzie nega depressa. — Quando você
está com alguém de quem gosta, é diferente. E eu não quero me arriscar. Porra — deslizo o
polegar contornando seus lábios e vejo seus olhos lacrimejarem —, a cada vez que eu te
beijo fica mais difícil manter o raciocínio. Quanto mais perto fico, menos quero me afastar e
te deixar controlar a minha vida de novo é um erro.
— Você está me dando motivos altruístas, mas não está escutando que estou dizendo
que não ligo.
Agarro sua cintura e a afasto, colocando-a sentada de volta no banco.
— Você acabou de dizer que seu corpo é um templo.
— Eu disse que não faria o que você faz. Se estou com você, estou com você.
Dou uma risada baixa, deixando a cabeça cair para a frente.
— Eu não namoro, Mackenzie. Não existe exclusividade em um relacionamento comigo
e é isso que estou tentando te dizer. Por que acha que quis acabar com os joguinhos? Por
que acha que abri mão de ganhar? Porque você leva qualquer relacionamento a sério. Vi
pelo modo como você saiu daqui ontem, vi pela sua fragilidade enquanto falava sobre me
amar. Eu partiria seu coração, mesmo sem querer.
— Se você não quer me machucar, é só não me machucar.
Porra teria sido bem mais fácil se tivesse dito que não a amava, que já não penso nela
dessa maneira há muito tempo e, quando penso que estamos na mesma sintonia, algo dá
errado. Alguns minutos atrás estávamos sendo despretensiosos, fazendo provocações e
agora estou tentando convencê-la de como somos errados um para o outro.
— Quando estive na prisão, meu colega de cela era um capanga de David Mason. Eu
apanhei dele tantas vezes... — Fecho os olhos, contorcendo o rosto com a lembrança. —
Todos os dias, ele me dava um lembrete do porquê eu nunca deveria abrir a boca. Nós
éramos menores ainda e eu seria transferido, assim que completasse dezoito, para uma
prisão de verdade e se já era ruim com ele, não conseguia imaginar como seria estar com os
criminosos da pesada. Sabia por que estava ali. Havia cometido muitos erros em nome do
amor e cada soco que Lance desferia na boca do meu estômago, era um lembrete para que
eu nunca mais colocasse ninguém acima de mim. Quando digo em nome do amor, refiro-me
ao meu pai. — Inclino-me para ajeitar uma mecha de cabelo desgrenhado, que cai sobre seu
ombro. Ela está com o rosto molhado e as bochechas coradas. — Nunca me arrependi de ter
te amado, posso ter mentido e negado depois, mas estou sendo sincero pra caralho agora
ao te olhar nos olhos e dizer o quanto te amei. E o quanto ainda gosto de você, mas é só isso.
Por tudo que significamos um para o outro, por tudo que fez por mim e, é sério, as últimas
horas foram cruciais para eu ter certeza de que você é o meu começo, meio e fim. Não
conseguir ficar com Audrey foi insano, só pensava em você — sorrio, ao confessar e ela
sorri de volta. — Mas é também um puta de um erro, Mackenzie. Não quero cometer o
mesmo erro outra vez, eu sei que você pensa que estamos maduros agora e que seria
diferente, mas não vou arriscar. Gosto da minha vida como ela está e você precisa de
alguém que esteja completo, que te ame e esteja disposto a te dar tudo, porque, depois de
escutar pelo que passou, sei que você também merece ser feliz e encontrar o jeito como
você gosta de viver sua vida.
Ela assente, enfim concordando com tudo que digo.
— Ainda acho que está errado, mas respeito sua decisão.
Passo a mão por trás de sua nuca e a puxo de encontro aos meus lábios. Paro alguns
centímetros e confesso:
— Eu não sei amar e, quando acho que consigo, não faço direito.
— Nem todas as pessoas têm facilidade para amar e compreender as outras, e eu te
entendo, Bryan. Entendo sua decisão.
— Obrigado.
— Quer dizer que acabamos de verdade agora, não é?
Quero dizer que não, mas é como disse para ela ontem: nos reencontramos no momento
errado.
— Sim.
— Você consegue me perdoar por tudo? Para que eu possa ficar em paz?
Lembro de, na semana passada, ter dito a ela que seria muita coragem sua tentar viver
em paz depois de ter me mandado para a prisão. Mas saber como ela viveu os últimos anos
me fez ver toda a situação por outro ângulo.
— Eu te perdoo e espero que você possa me perdoar por ter te magoado. Duas vezes.
— Duas vezes? — ela sopra.
— Uma no passado e outra hoje.
Ela assente, em concordância.
— Nós devíamos comer — muda de assunto e limpa o rosto com o dorso da mão. — Vai
esfriar. Assim que terminarmos, prometo ir embora e te deixar em paz.
— Tudo bem.
Eu me levanto para ajudá-la com a panela.
Não tocamos mais nesse assunto, comemos em silêncio e devolvo a regata de
Mackenzie. Sinto-me aliviado por ter dito tudo que pensava e ter sido honesto com ela.
Descubro que é melhor se magoar com a sinceridade do que maculá-la com uma mentira
que trará paz momentânea.

“Nós poderíamos ir mais devagar
Esperar até que estejamos mais velhos
Mas eu posso ser alguém que você pode não conhecer
Eu estou passando por mudanças
É uma montanha-russa
Mas eu posso ser alguém que você pode não conhecer
Nós poderíamos ir mais devagar”
SLOWER – TATE MCRAE

Mudar o corte e a cor de cabelo.
Reformar o guarda-roupa e mudar todo o seu estilo.
Pintar as unhas de uma cor que você nunca usaria.
Escutar músicas que nunca escutou.
Aproximar-se de pessoas que jamais criaria vínculo.
Tudo isso porque acreditamos que, de alguma forma, uma dessas coisas será capaz de
mudar ou até mesmo apagar o que você sente por ele, mas quer saber a verdade sobre
essas mudanças? Elas ajudam sim, mas não da maneira como você espera. Quer dizer,
assim que me mudei para Brigthtown cortei e mudei a cor do cabelo e não adiantou para
que eu conseguisse esquecer de tudo e os problemas permaneceram intactos por aqui.
Quando voltei para Humperville, decidi me livrar de algumas roupas que costumavam
me lembrar do que eu sentia por Bryan, e isso, apesar de fazer todo o sentido na minha
cabeça, não surtiu qualquer efeito em meu coração. Embora cada uma dessas opções seja
louvável e não devam ser descartadas como primeiro passo, eu diria que não é um método
com eficácia.
Se fosse o caso, eu não estaria com o coração tão apertado de angústia e tão
arrependida de ter ido com sede demais ao pote. A minha necessidade de receber o perdão
de Bryan era tão grande e intensa, que estava burlando todos os meus princípios com a
ideia de que faria diferença para nós dois. Mas não fez. Ele pode ter me perdoado, mas não
voltou para a minha vida.
E por isso vou pintar meu cabelo de novo. Dessa vez, um tom mais claro do que o atual.
Sim, estou dizendo que essa teoria de que mudar o cabelo traz mudanças para a vida é uma
porcaria, mas estou arriscando nela mesmo assim. Gravity pintou minhas unhas de preto e
colocou um adesivo de uma cruz branca no dedo anelar e Effy está segurando um tubo de
tinta em cima da minha cabeça, decidindo se faz ou não. Mas quero que ela faça, preciso
disso.
— Anda logo! — apresso-a, batendo ambos os pés no chão de linóleo da suíte de seu
quarto. — Você me deve. Na verdade, vocês duas — friso com a sobrancelha arqueada. —
Gravaram um vídeo meu, particular, e mandaram pra ele! — resmungo. Tenho falado sobre
esse maldito vídeo desde sexta à noite e não parei até hoje, segunda-feira, exatamente às
duas e quinze da tarde.
Gravity me contou tudo. Ela quem gravou o vídeo e mandou para Effy. Trocaram
algumas mensagens enquanto eu despejava todo o meu passado e decidiram mandar para o
Bryan. Simples e patético. Eu me senti tão ridícula naquela cena, ele olhando para mim e eu
sem fazer ideia do que se passava na cabeça dele.
— Você me disse para te trazer de volta, caso perdesse o foco — Gravity explica, em tom
consternado e estica as pernas para a frente. Está recostada entre a pia e a privada, sentada
ao meu lado. Eu estou sobre a tampa da privada.
— Se fosse necessário. Estava tudo sob controle — defendo-me e cruzo os braços,
soprando uma madeixa de cabelo sobre a testa.
— Não, não estava. O que não percebeu é que você não tinha foco nenhum — dispara
Effy, mexendo em meus fios com uma luva de plástico. — Vocês dois iam acabar fazendo
merda. O único jeito de fazer com que parassem era convencer vocês a conversarem. Você
mesma disse que queria conversar com ele sem que brigassem, nós demos um jeito de
acontecer. Deveria estar feliz de te ajudarmos!
Estou olhando repreensiva para Effy. Gravity só dá uma risada, joga a cabeça para trás e
comprimo os lábios para sumir com o sorriso quando a encaro, sendo ainda mais
impaciente que antes.
— Você conhece o Bryan antigo como ninguém, mas eu conheço o novo Bryan. Eu sabia
que ele não deixaria quieto se visse aquele vídeo — Effy continua, mas, dessa vez, sinto a
massa gelada da tinta sendo espalhada na raiz escura do meu cabelo. Fecho olhos, temendo
que fique feio, mesmo que já tenha algumas mechas claras no cabelo. Tornar-me
completamente loira não estava nos planos até ontem. — Ele é sincero e gosta de deixar as
coisas com todos os pingos nos “is”. Eu não me importo se quiser me odiar pelo resto da
vida, mas tenho certeza de que me agradecerá depois, quando não estiver mais tão brava.
Vocês não teriam tido essa conversa tão necessária se não fosse por nossa causa.
Nisso Effy tem toda razão. Se elas não tivessem se unido e enviado aquele vídeo para
Bryan, nós continuaríamos em pé de guerra. Vivendo nesse campo minado de coisas que
nunca foram ditas. Por causa delas, apesar de estar chateada, também estou aliviada que o
que eu senti antes e o que sinto hoje não é mais um fardo só meu. Compartilhei com ele, que
compreendeu.
Coisas ruins acontecem com um propósito e estou confiante de que não ficarmos juntos
agora possa ser uma coisa boa para nós dois no futuro. Quero pensar assim, tenho
trabalhado nesse mantra desde sábado quando resolvemos não entrar em nenhum tipo de
relacionamento, tentando me convencer e transformar essa coisa péssima em algo
infinitamente bom para nós. E espero que eu não fique vulnerável se o vir por aí.
Sei que vai acontecer. Não vamos conseguir nos evitar para sempre. Ele faz parte da The
Reckless e estou envolvida demais com as meninas para agir como se não significassem
nada.
Vê-lo com Audrey também me mostrou uma nova perspectiva e saber que fui a causa de
ele não ter conseguido transar com ela me faz pensar em sua frustração. Ele não quer estar
comigo, mas pensa demais em mim para se concentrar em outra coisa. Não sei o que pensar
sobre isso, mas, com certeza, prefiro não acreditar que seja um ponto positivo à essa altura
do campeonato.
— Só não façam mais isso — aumento o tom de voz, o que obriga Gravity a olhar para
mim. — É sério. Eu me senti violada! Vocês tiveram boas intenções, entendo, mas não façam
mais, tá? É ruim demais quando um cara age dessa maneira; quando duas mulheres, que
são minhas amigas, fazem, é pior ainda.
Effy está penetrando seu olhar em mim e a pele de minha bochecha chega a pinicar com
o rubor.
— Nossa, você está exagerando! — Vity abaixa o celular, que estava mexendo segundos
atrás, e ergue as sobrancelhas que quase tocam a raiz de seu cabelo. — Mas tudo bem, você
tem toda razão. Foi estúpido, idiota e muito desrespeitoso com você. Eu prometo que nunca
mais vai acontecer, ok?
— Ok. Obrigada. — Sorrio para ela e desvio para Effy.
— Me desculpa. Fui eu quem enviou. Minha intenção nunca foi te deixar desconfortável
nem nada disso. Só queria que vocês conversassem e resolvessem de uma vez por todas.
Eu assinto com a cabeça no mesmo instante em que Effy começa a massagear meu
couro cabeludo. Os dedos longos e cheios fazem movimentos circulares e só então me dou
conta de que ela já espalhou toda a tinta em meu cabelo.
— Agora é só esperar — avisa, retirando as luvas de plástico.
Caminho até o espelho sobre a pia e analiso minha aparência. As maçãs levemente
coradas porque, diferente do fim de semana, hoje está potencialmente quente e um pouco
de suor escorre de minha testa. Trajo uma camisa social branca, onde os dois primeiros
botões estão abertos e estou usando uma calça jeans preta, rasgada nos joelhos. Ela é justa,
porém nada desconfortável e estou usando botas de courino de salto alto. Hoje é o dia da
minha entrevista com Darnell Lynch e não queria me vestir de qualquer jeito. Espero que
ele não se incomode com a meia arrastão aparecendo nos furos da calça.
A gosma branca em meu cabelo começa a endurecer. Tento tocar, mas, mesmo
concentrada no celular e recostada ao caixilho da porta do banheiro, Effy flagra o momento
e estapeia a minha mão para afastá-la. Já vejo por cima de todo o produto alguns fios mais
claros.
— Não se atreva a atrapalhar minha obra de arte! — ralha, com a sobrancelha direita
arqueada e franzindo os lábios em uma careta fofa. — Então, você pode nos contar como foi
toda a conversa misteriosa? Tentei persuadi-lo, mas Bryan não abriu a boca. Raramente
acontece. No geral, ele é muito aberto comigo.
Não imaginei que Bryan estivesse sendo discreto quanto ao que aconteceu. Apesar de as
duas garotas nesse cubículo serem as únicas em quem confio em todo o grupo, não
mencionei nada.
— Ele não disse nada?
— Nada.
— Nadinha mesmo? — Viro-me nos calcanhares e Gravity não está mais tão atenta ao
celular, agora se senta onde eu estava minutos atrás, sobre a tampa do vaso.
— Eu acho que não está interessado em falar no assunto. Ele me perguntou se você
tinha mencionado alguma coisa e eu disse que não, então ele disse: “foi uma conversa
pessoal”. Resumindo, acho que ele está tentando te preservar ou, sei lá, se preservar.
— Digamos que chegamos a um acordo de que não somos certos um para o outro —
afirmo, meneando a cabeça como se tentasse convencer ao meu coração disso também. —
Nem amizade, nem relacionamento casual ou sério.
— Quer saber de uma coisa? Eu concordo com ele — Vity diz, batendo com as mãos
espalmadas nas coxas. — Você não precisa se decidir agora se quer ou não um
relacionamento, quer dizer, quantas pessoas você já beijou desde que começou a beijar?
Aperto os lábios, pensativa.
— Duas.
— Certo uma foi o Bryan e o outro? — Effy contabiliza nos dedos; indicador e médio.
Suprimo o suspiro, decidindo se conto ou não sobre Finn.
— Finnick — desabafo, sopro o ar com tanto exaspero que Gravity e Effy estão
arregalando os olhos. — Que foi?
— Você e Finn se beijaram? — Effy indaga, os olhos tão esbugalhados que suas íris se
perdem na branquidão dos glóbulos. — Sério, vocês se beijaram mesmo naquele dia?
— Sim, mas foi estranho — murmuro, minha testa cria gomos ao vincá-la. Estou
pensando naquele momento pela primeira vez em quase duas semanas. — Eu não sei dizer.
Ele me pegou de surpresa, não estava esperando que fosse me beijar e eu nem consigo
dizer se ele beija bem ou não.
— Você beijou o Finn e não soube apreciar o momento. Que mancada, Mackenzie! —
Vity diverte-se e começa a rir. — Porque, é sério, é raro o Finnick ficar com alguém.
Conheço os meninos há um ano e nunca o vi levar ninguém para a cama. Eu cheguei a
pensar que talvez ele fosse virgem ou gay.
— Eu não acho que seja o caso. — Effy está cutucando o cantinho da unha do polegar e,
em seguida, se aproxima de Vity para tirá-la de cima da privada e me instrui a voltar a ficar
sentada. Começa a soltar as mechas de cabelo que prendeu com grampos. — Nunca vi
também, mas Finn é assim mesmo. Quieto e reservado. Nunca o vi reclamar de nada, apesar
da vida dele ser uma merda.
— Como assim?
— É a mãe dele — Vity esclarece, mas está comprimindo os lábios se decidindo se conta
tudo logo de uma vez ou se espera que Finn faça, mas eu sei que, mesmo se eu quiser muito
saber, ele nunca me contaria. — Ela é viciada. Nós já o vimos correr por aí o tempo todo,
porque, às vezes, a Sra. Taylor some por dias. Finn nunca sabe se encontrará a mãe morta
ou viva quando chega em casa. É bem triste.
— Nossa! — assobio e, nesse instante, reflito sobre como nos últimos tempos tenho sido
dramática. Finn tem uma vida de merda e não se lamenta como eu ou se mostra a vítima da
situação. É quando percebo que posso aprender e amadurecer muito com cada um deles.
Até mesmo Faith, que saiu de casa sem ter um tostão no bolso para ajudar a irmã. São
escolhas arriscadas, mas que valem a pena. — Como soube disso? Ele contou?
— Não, mas já escutamos conversas. Nós sabemos que ele não fala muito sobre isso
nem com a The Reckless. É realmente muito pessoal para ele. O pouco que eles sabem são
das sessões de terapia toda quinta.
Lembro-me de Nate ter mencionado eu ir até lá essa semana. Prometi que iria, ao menos
para experimentar, mas ficar no meio deles parece ser um tanto quanto perigoso para mim
agora. Então estou pensando seriamente em desistir da ideia, talvez consiga um novo grupo
de terapia, com pessoas que não conheço e que não me conhecem, afinal cheguei aqui e
todos tinham um pré-conceito a meu respeito.
— Mas retomando ao assunto — Vity se acomoda ao meu lado no chão outra vez —,
você devia sair com meu sobrinho postiço.
— O Aidan?
— Sim, o Aidan. Porque ele está a fim de você e tenho certeza de que se dariam bem; e
se não der certo — ela dá de ombros, fazendo bico com os lábios —, vocês podem só parar
de se ver. Vocês não se conhecem, como você conhecia o Bryan. Seria uma experiência
completamente nova para você, que esteve apaixonada pelo mesmo cara por anos. —
Revira os olhos, com visível reprovação. — Mas se você não quiser, tudo bem também.
Aproveitar a sua vida, não se trata de homens, se trata de você, Mack. Talvez só queira ir à
festas com a gente, ficar bêbada e focar na faculdade e está tudo bem também se decidir
isso. — Effy segura de leve meus cabelos sujos de tinta em um rabo de cavalo e me puxa
devagar rumo à banheira, onde a torneira está e me inclino para que ela os lave. Vity
emenda: — Nós vamos te ajudar, certo, Effy?
— Sim, ela tem razão. Quem é que precisa de um namorado quando você tem as
melhores amigas do mundo?

Effy termina de escovar meu cabelo assim que Aidan buzina na porta de sua casa. Eu
poderia ter dito não, como Vity deixou claro, mas acabei cedendo. A ideia é que Aidan me
leve até o Purple Ride hoje, para a entrevista com seu pai. Assim que Vity mandou
mensagem para Aidan, com uma desculpa tosca sobre Effy estar passando mal e que não
poderia me dar carona, ele se dispôs a me levar como o bom rapaz que Vity diz que é.
Verifico minha aparência no espelho do quarto de Effy. Por sorte, minha camisa social
não tem respingos de tinta e meu cabelo está quase platinado. Apesar do temor, não ficou
ruim e, quando sorrio para meu reflexo, sinto-me reluzir com a nova aparência.
— Ficou lindo! — Effy balança os fios curtos do meu cabelo. — Eu sou uma artista —
vangloria-se, dando uma piscadinha para nosso reflexo no espelho. — Espera, antes de você
ir, precisamos tirar uma foto sua.
Effy me puxa para o centro de seu quarto; ele é claro com paredes brancas e um armário
com portas de vidro ao lado da porta, onde guarda os livros. No canto esquerdo, ao lado da
janela, há uma cama de solteiro.
Ele é bem límpido e simples, mas aconchegante. Percorro os olhos por todo o cômodo
enquanto ela e Vity decidem como tirar a foto. Fico esperando, sorrindo para elas e é
quando noto que não estive muitas vezes na casa de Effy. Se vi seus pais duas vezes em
todos esses anos de amizade foi muito. Ela nunca se abriu sobre a sua família, só dizia o
quanto eram rigorosos e pegavam no seu pé pelo seu corpo e como comia tanto só para
lidar com os problemas. Mas Effy sempre esteve sorridente demais para parecer que se
incomodava com as paranoias da família, mas vendo que quer sair de casa, em busca de
independência, tenho certeza de que a toxicidade das palavras deles a afetaram demais, a
ponto da convivência se tornar insuportável.
Enquanto discutem, prendo o cabelo, porque quero parecer mais velha e séria para
Darnell.
— O que está fazendo? Estragando a minha obra de arte? — Effy brada, irritada. — Você
prendeu o cabelo perfeito! Não acredito!
— Só tira logo essa maldita foto — rio, e entorto o rosto para o lado.
O clique que vem primeiro não estou olhando diretamente para a câmera e, quando
olho para o celular que Effy está posicionando próximo a meu rosto, ela bate outra.
— Pronto. — Ela estica meu celular para mim e esboça um sorriso satisfeito. — Me
manda depois pelo Kik.
— Certo. Agora preciso ir. — Corro rumo a cama e coloco minha entrevista ensaiada
dentro da bolsa. Vity quem me ajudou a escrever um discurso simples, porém bem
eloquente das razões pelas quais eu preciso desse emprego.
— Boa sorte! — Gravity passa os braços em volta do pescoço de Effy e acena para mim.
— Se o Darnell não te aprovar, fique tranquila, eu darei um soco nele por você. — Effy
envia uma piscadela e, em seguida, um beijo no ar para mim. Sorrio em agradecimento.
Desço as escadas com pressa, acenando para ela por cima do ombro direito. Estou
sorrindo, embora elas não possam ver. Passar o dia com elas foi a recarga de energia que
estava precisando. Ontem não participei do almoço da vizinhança na casa do vovô Jasper,
com medo de me encontrar com Bryan, mas sinto-me tão revigorada que acho que não me
sentiria tão mal se o visse agora.
Passo pelo caminho de pedras no jardim de Effy até a BMW preta de Aidan. Quando
tento abrir a porta, ela está trancada e leva alguns segundos até que ele a abra para mim,
pois está concentrado em algo no celular. Sorrio para ele e não sei direito como agir,
embora tenha o visto há poucas semanas, saber que está a fim de mim torna esse
reencontro um pouco constrangedor.
— Oi, desculpa a demora — peço, deixando a bolsa no assoalho do carro para colocar o
cinto de segurança. O ar-condicionado do carro está ligado e fico mais confortável por não
estar enfrentando o calor infernal do lado de fora.
— Sem problema. — Aidan sorri, e aperta o botão que liga o carro. Chique. — Então,
está nervosa? — O sorriso em seu rosto não some. Inclino-me para pegar a folha de papel
que Gravity e eu escrevemos e começo a ler as palavras escritas, repetindo-as inúmeras
vezes para mim mesma.
— Um pouquinho — respondo, sem desviar o olhar da folha de papel. Aidan está
tentando enxergar, esticando o pescoço em minha direção. O flagro olhando de escanteio.
— O que foi? — rio e dou atenção a ele.
— O que é exatamente isso? — Aponta com o queixo, as mãos estão ocupadas girando a
direção e saindo da vaga. — Espera um pouco. — Aidan segura a folha com uma das mãos e
a puxa. Ele não parece tão constrangido como eu, na verdade, está bem relaxado como se
fôssemos melhores amigos de longa data. — É um discurso? — Com uma mão, Aidan
segura a folha na altura dos olhos; e com a outra, controla a direção. — Não acredito! —
começa a gargalhar e fico intercalando entre olhar para a rua por ele e tentar tirar o papel
de sua mão.
— Me devolve! — exclamo e ele puxa a folha para longe de mim outra vez. — Aidan,
sério, não tem graça! — Quando paro de rir, ele engole a risada e enfim me devolve. — Eu
preciso muito desse emprego, tá?
Ele pigarreia sem graça.
— Desculpa. Não quis ser um babaca intrometido.
Fecho os olhos, respiro pesado.
— Não foi. Só… não quero fazer nada errado.
— Relaxa. Meu pai já gosta de você. A única coisa que o faria desistir de te contratar é se
seu pai não assinar a autorização. — Fisgo o lábio inferior, levo a língua ao céu da boca para
não contar que meu pai ainda não concordou com essa ideia, porque ele não sabe que estou
tentando trabalhar no Purple Ride.
— Que cara é essa?
— Não disse ao meu pai sobre esse emprego.
— O quê?! — Aidan parece petrificado com o choque. — Pelo que Willa disse, estava
tudo certo pra você começar ainda essa semana.
— Eu sei. Falarei com ele hoje! Meus pais estão tão controladores que fiquei com medo
de implicarem com a ideia, só queria ter certeza de que a vaga é minha antes de contar a
novidade e eles surtarem. — Tento sorrir para amenizar a tensão, mas falho e os ombros de
Aidan estão pesarosos. — Pode, por favor, não contar nada a ninguém? Tenho certeza de
que meus pais vão concordar depois de conversar.
— Se meu pai descobrir que seus pais não sabem da entrevista, ele provavelmente não
vai nem chegar a falar com você. — Aidan está mordendo o lábio inferior, ponderando nas
consequências da mentira. Sei pelo modo pesado com que respira e pisca. Tento não focar
em sua boca, mas é exatamente para onde meus olhos fogem. — Tá. Vou cobrir essa pra
você, mas, por favor, dá um jeito nisso ainda hoje. Meu pai vai ficar muito puto comigo e
Willa se descobrir!
— Por que você?
— Passei a noite toda de sexta revisando currículos e recusando a maioria, só para que
ele te desse uma chance. — Aidan sorri, dando de ombros como se não fosse nada. Mas
significa muito para mim.
— Você fez mesmo isso? — Willa me ligou sobre a entrevista no sábado, então o que ele
está dizendo pode ser verdade.
— Sim. Você merece uma chance, Mackenzie. Em todos os sentidos.
— Caramba! Obrigada, Aidan. De verdade.
— Não me agradeça ainda, mas aceito você me pagar uma pizza qualquer dia desses,
caso ele te contrate.
— Fechado!

Purple Ride é uma boate club de quatro andares, com uma exclusividade ímpar para
homens e mulheres que têm dinheiro. É um espaço reservado, feito especialmente para
aqueles que gostam de luxuosidade.
Enquanto atravesso o túnel roxo que as meninas mencionaram quando as conheci,
entendo a proporção de grandiosidade que disseram, não apenas pelo prédio majestoso,
mas também os tons de roxo e lilás nas luzes de neon que circundam o ambiente. O famoso
túnel estrelado, com pontinhos em lilás salpicados no teto, que alternam de lilás para roxo e
de roxo para lilás conforme andamos por sua extensão. Deve ter pelo menos cinco metros
de comprimento e caminhando dentro dele, as luzes me seguem. Por onde passo, é onde os
pontinhos de luz ficam mais fortes. É um tanto chamativo demais, mas as cores me deixam
deslumbrada e, apesar de não serem minhas preferidas, não consigo nem mesmo piscar,
hipnotizada pelo Purple Ride.
Aidan acompanha a lentidão dos meus passos sem resmungar, porque paro a cada
segundo para olhar o teto do túnel. Escuto suas risadinhas e tenho certeza de que já
presenciou a mesma reação em outras pessoas diversas vezes.
Quando chegamos ao fim do túnel, tombo a cabeça para trás a fim de identificar o que
cada andar tem. O térreo, onde estamos, tem uma pista de LED lilás que não deve ter nem
mesmo três centímetros de altura. A camada fina parece sensível e fico com medo de pisar
nela e acabar quebrando. A cabine do DJ é suspensa por uma corrente grossa que vem do
teto. Pergunto-me como o músico consegue entrar naquele lugar. Também, suspenso no ar,
há outras cabines. Aperto os olhos em direção a elas e Aidan percebe que estou confusa.
— Dentro das cabines colocamos hologramas — Aidan explica, cruzando os braços. —
De pessoas fazendo passos de dança. O pessoal adorou quando papai colocou Michael
Jackson para dançar o Moonwalk.
— Vocês têm um holograma do Michael Jackson?
Aidan dá de ombros, como se não fosse grande coisa.
— E muitos outros artistas. Houve tanta burocracia quando usamos pela primeira vez
que não é muito comum usarmos, mas sim. Temos. — Ele sorri, olhando para as cabines de
holograma. — Você ficaria espantada com o que se pode conseguir tendo influência e muito
dinheiro.
Suprimo uma risada ao encarar mais adiante. O primeiro andar é um espaço comum
aparentemente. Há mesas dispostas e consigo enxergar do térreo um bar; infelizmente, o
segundo e terceiro meus olhos não alcançam para que consiga ver mais detalhes.
— O térreo e o primeiro andar são espaços abertos; se pagou para entrar, você pode
andar por eles normalmente. Já o segundo e terceiro são reservados. — Aidan anda mais
um pouco para dentro, rumo ao elevador de vidro, que só reparei agora que estou perto.
Luzes de neon ornam as bordas de borracha dele e, assim que pisamos nele, a cor do chão
muda de lilás para um roxo escuro. Aidan aperta o botão transparente do segundo andar e
a porta cilíndrica se fecha. Ele começa a se mover e chego à borda para ver o térreo ficando
para trás enquanto subimos. — Papai reserva o segundo andar às empresas, às vezes, uma
firma inteira reserva de dez a vinte mesas para os funcionários. Mas não se engane achando
que o espaço comum é mais desorganizado que este. — Aidan sai de dentro do elevador
andando de costas assim que ele para e o sigo para fora. — Acredite em mim, eles vêm ao
Purple Ride para encher a cara e fazer merda. Já tivemos alguns problemas bem intensos
com filhos de empresários,.
Apesar de ser quase idêntico às mesas do primeiro andar, a deste as poltronas são
estofadas de preto e as mesas são maiores. Há quatro banheiros; dois femininos e dois
masculinos. E dois bares. Segundo ele, se eu for contratada, provavelmente trabalharei
neste andar. É bem aberto e arejado, a única coisa que nos separa de olhar para o térreo é
uma grade de ferro maciço que circunda todo o andar. Apoio-me nele, fechando as mãos em
torno da borda arredondada. Inclino-me para a frente e, apesar de lá de baixo não parecer,
é bem alto. Volto rapidamente para trás, porque ainda morro de medo de altura.
— Tudo bem? — Ele sorri, amparando a mão aberta em minha lombar porque quase
tropeço nos meus próprios pés.
— Nunca mais vou olhar aqui — enuncio, apontando sobre o ombro para a barra de
ferro atrás de mim. — E o terceiro andar?
Aidan me chama e o sigo de volta para o elevador. Não tenho certeza se ele tem
autorização para me mostrar tudo antes de ter feito a entrevista, mas estou adorando o
tour.
Quando chegamos ao terceiro andar percebo que a separação das mesas aqui é
diferente. São cabines numeradas de vidro, à prova de som, Aidan conta. O que acontece no
terceiro andar é bastante privado, pois só políticos, agiotas e pessoas “importantes” como
celebridades frequentam aquele lugar. As hostess, segundo Aidan, são avisadas com
antecedência quais cabines atenderão na noite e precisam assinar um termo de
confidencialidade; tudo que escutarem no decorrer das reuniões que ocorrem ali, nunca
deverão ser mencionadas para ninguém. Elas precisam ser discretas, devem entrar e sair
sem serem notadas. Não me parece ser um lugar que as pessoas vão para se divertir, mas
não digo nada.
Esse andar é mais extenso, apesar de seu formato circular. Há seis banheiros; três
femininos e três masculinos. Três bares a disposição dos clientes e uma cozinha à parte. É o
único andar da boate que serve comida.
A discrepância no tratamento no Purple Ride é gritante, porém, outra vez, fico em
silêncio. O Sr. Lynch parece ser um bom homem. Se decidiu criar uma área específica em
uma boate é porque viu necessidade para isso.
Sigo Aidan de volta para o elevador e ele aperta o botão para o quarto andar, mas, dessa
vez, usa um cartão magnético para conseguir fazer com que funcione.
— Se for trabalhar aqui, também terá um desses — avisa, tirando e sacudindo o cartão
na minha frente. — É a chave que te dá acesso ao andar administrativo. É onde meu pai fica.
O Purple Ride funciona de quinta a domingo e, apesar de não abrir todos os dias como o
bar do Jack, ele paga bem melhor.
Aceno fazendo um movimento positivo com a cabeça para que ele saiba que entendi o
que disse. A porta do elevador se abre e vejo Darnell parado de frente para uma sala, no
fundo do vestíbulo, segurando um iPad e movendo o indicador sobre a tela.
O quarto e último andar não é como o resto da boate: cheia de cores, que se intercalam
entre lilás e roxo. É apenas um corredor normal, com fotos de Aidan, Willa e Darnell
penduradas na parede, elas e as portas são brancas.
Noto que são quatro portas diferentes, com números em dourado pendurados na frente.
Exceto isso, mais dois banheiros: um feminino e outro masculino.
— Oi, pai. — Aidan acena, chamando sua atenção e rapidamente Darnell está com a
cabeça levantada, sorrindo para nós. — Trouxe Mackenzie para a entrevista.
— Ah, que bom que chegou, Mackenzie. — Ele sorri, estende a mão para me
cumprimentar com toda cordialidade. Está usando gravata e terno, com extrema
formalidade, como se não tivéssemos almoçado juntos outras vezes e não agíssemos como
família lá fora. — Estava agendando novas entrevistas pensando que tinha desistido.
— Só me atrasei um pouco — digo, mexendo no cabelo.
— Sem problema. — Ele estica a mão para me mostrar a sala onde devo entrar, Aidan
faz menção de me seguir, mas Darnell estica a mão bloqueando sua passagem. — Você fica
aqui fora.
— Pai, qual é!
— Só porque é meu filho e Mackenzie sua amiga, não significa que o tratamento seja
diferente. Você espera lá fora — repete e Aidan bufa contrariado, mesmo assim não insiste
mais. Dá meia-volta e atravessa.
Um carpete preto escrito “Purple Ride” em cinza está sob a mesa branca com tampo de
vidro. Uma estante com variadas bebidas logo atrás, a cadeira com encosto grande
chamativo e duas à frente da mesa. Mesmo sem ser convidada, sento-me em uma delas.
Logo atrás de mim, há um sofá preto de dois lugares e mais algumas prateleiras com
bebidas.
Darnell toma seu lugar atrás da mesa, deixa o iPad de lado e apoia os cotovelos,
cruzando as mãos sob o queixo.
— Está tudo bem com a sua família você vir trabalhar aqui? — Todo o meu ensaio com a
Gravity vai por água abaixo e não me lembro uma palavra sequer do que escrevemos na
folha de papel. Meus dedos coçam, ansiosos para pescá-la em minha bolsa. Cruzo as mãos
sobre a mesa para deter a vontade. — Seus pais não ficaram preocupados? Porque
pretendo te colocar nas áreas VIPS.
— Segundo e terceiro andares? — Estou um pouco hesitante, porque o terceiro me
parece um campo minado de problemas.
— Ah, Aidan já te mostrou o lugar. Que bom. — Ele sorri despojado, jogando o corpo
pesado para trás. — Sim. Você ficará no segundo andar se for mesmo contratada, junto com
Gravity; mas, se for necessário, terei que te subir para o terceiro andar. Acredito que Aidan
tenha te explicado como ele funciona.
— Explicou sim, senhor.
— Bom. Nós separamos esses andares por nomes. — Darnell solta o botão do blazer e
joga as laterais para o lado. — Tour Ride é o térreo e primeiro andar. Tour Trip, o segundo.
E Tour Heaven, o terceiro. Nosso andar administrativo chamamos de Peace and Order,
temos algumas salas de descanso que você pode usar por uma hora em cada noite. Você tira
para descanso. Há dias em que o trabalho fica demais e não quero cansar nenhuma de
vocês. — Ele sorri, amigável. — Até aqui tudo bem?
— Sim.
— Você começa seus estudos daqui um mês e meio, acha que dará conta dos dois?
— Tenho certeza de que sim.
Estou apostando em respostas curtas, foi o que Gravity me disse caso eu ficasse nervosa
a ponto de me perder.
— Você já trabalhou antes?
Hesito.
— Não.
— Quantos anos tem?
Penso em dizer que ele sabe essa resposta, mas, como disse que não há
preferencialismo nem mesmo para o filho, não existiria para mim também.
— Tenho dezoito anos.
— Completos?
— Sim.
Ele retira um papel de dentro de uma pasta lilás. É o primeiro objeto que não tem a cor
cinza ou preta nesta sala. Com uma caneta, começa a preenchê-lo.
— Muito bem. — Ele entrega a pasta lilás para mim e na capa está escrito Purple Ride
em dourado. — Preciso que traga ainda hoje esses documentos e a assinatura dos seus pais.
Você começa na quinta-feira. Cheque o salário e preencha sua conta bancária. Só faço
pagamentos assim. Preencha suas medidas de roupa com atenção, para que não tenhamos
problema com seu uniforme. Ah, seja bem-vinda! — Darnell afasta a cadeira para se
levantar e estende a mão para que eu possa cumprimentá-lo.
No fim, não consigo evitar de sorrir e agradecer de maneira calorosa. Balanço a mão do
Sr. Lynch e a aperto com força, dizendo que ele não irá se arrepender e que darei o meu
melhor. Ele concorda e diz que confia em mim.
Assim que saio da sala, envio uma mensagem para Gravity, Effy e Willa no Kik.

Mack: Conseguiiiiiiiiii!

Gravity: Quando podemos começar a olhar os apartamentos de verdade? Quase me
esqueci, PARABÉNS!

Effy: Graças a Deus! Parabéns, Mack! VAMOS LOGO ALUGAR NOSSO APARTAMENTO!

Willa: Eu sabia que conseguiria. Tô orgulhosa de você!

Elas respondem quase imediatamente, como se estivessem esperando por mim. Não
consigo evitar de dar alguns pulinhos em comemoração.

Aidan está recostado em sua BMW do lado de fora do Purple Ride. Fiz tanta cerimônia
para entrar no prédio e para sair foi muito rápido. Ele se afasta do carro assim que me vê
saindo, sorrindo, e tudo que eu queria era ter alguém para abraçar nesse momento, porque
é uma felicidade com necessidade de ser compartilhada.
Estou segurando a pasta na mão e Aidan sabe que isso significa que fui mesmo
contratada. Ele corre em minha direção e não detenho o passo quando estamos perto um
do outro. Eu o abraço, repetindo “obrigada” tantas vezes, que pareço uma mensagem
gravada. Aidan ri contra meu pescoço, levanta-me no ar e estamos rodopiando na calçada,
gritando como dois malucos.
É uma felicidade divina, de realização pessoal, o que já não sentia há algum tempo.
Nesse momento me esqueço de tudo: Bryan, o passado e toda dor. Ao me dar conta disso
percebo que, sempre que foco em mim, não tem espaço para mais ninguém e essa
constatação me faz ter certeza de que Bryan experimentou essa sensação de confiança e
alegria de fazer algo para si, sem pensar em ninguém além de mim mesma. Eu gosto. Gosto
de estar feliz por mim. Adoro estar orgulhosa de mim.
Deparo-me com os dedos de Aidan entrelaçados nos meus, embora tenhamos nos
separado alguns segundos atrás, ele não me soltou de verdade. Também gosto do calor da
mão dele aquecendo a minha.
— Precisamos comemorar.
— Eu te pago aquela pizza. — Libero meus dedos dos seus ao levantar o indicador,
dando pulinhos.
— Que tal você pagar a próxima? Eu pago essa! O que você quer comer?
Entorto os lábios, pensando.
— Na verdade, eu queria fazer uma coisa que não faço há muito, muito tempo.
— O quê? — Ele coloca as mãos nos bolsos da calça jeans caída. Tento não pensar que
fez isso porque ficou desconfortável com elas separadas.
— Parque de diversões. Ainda está aberto, né?
— Está sim, mas não voltei mais lá desde que minha mãe morreu.
— Acho que devíamos ir então. — Seguro-o pelo pulso e o puxo de volta para o carro. —
É um dia cheio de recomeços e quero ter boas lembranças dele.
— Todas as boas lembranças que você quiser, Mackenzie.

“Alguns erros são cometidos
Está tudo bem, tudo ok
Você pode pensar que está apaixonado
Quando está apenas com dor
No fim das contas é o melhor para mim
Essa é a moral da história, querido”
MORAL OF THE STORY – ASHE

— Não acredito!
Seguro a grade alta que circunda o parque de diversões. Um aviso está pregado no
portão fechado com corrente e cadeado. Aidan encara o parque escuro diante de nós,
encrespando a testa em desaprovação.
— Você sabia?
— Não. Não sabia. — A voz de Aidan some no ar e meus braços desabam ao lado do
corpo. — Quer ir a outro lugar? — sussurra, e nego, sacudindo a cabeça.
Humperville mudou tanto nos últimos dois anos. Nunca tinha escutado sobre uma boate
club como o Purple Ride e é luxuosa demais para ser passado despercebido.
Estou mordendo o lábio inferior quando Aidan me puxa para trás pela manga da camisa
social. Dou passos para trás, afastando-me da grade. Nós dois estamos encarando o parque
à nossa frente; os brinquedos enferrujados e empoeirados como se tivessem sido
abandonados ali.
O lugar costumava ser iluminado pelas lâmpadas em cores vivas do playground e uma
cortina de pisca-pisca transpassando acima de nossas cabeças enquanto afundávamos os
pés no chão gramado. Contudo, tudo atrás da grade é sombrio e sórdido. Sinto um arrepio
subir por minha espinha e não consigo disfarçar a decepção. A primeira vez que saí com
Lilah, Sebastian e Effy foi para visitarmos esse parque. A primeira vez que saí com Bryan
também foi nesse parque e queria poder comemorar em um lugar onde tivesse lembranças
boas e familiaridade. Mas não existe nada além de uma sombra taciturna encobrindo-o.
— Eu aposto que foi o Thomas Linderman! — acuso, pressionando os lábios. Aidan fica
em silêncio. — Ele odeia tudo que traz felicidade.
Lembro-me de Thomas ter se irritado com Lilah e Sebastian na primeira vez, porque ele
não queria que os filhos tivessem tanta liberdade. A podridão dentro daquele homem pode
ser capaz de fazer qualquer coisa e, em prol da política, mandaria o próprio filho para uma
escola militar do outro lado do mundo, só para que as pessoas de Humperville não
descobrissem que Seb era gay. Eu não consigo não me enojar quando me lembro de que
Thomas Linderman é o novo prefeito. Por que diabos alguém elegeria um homem como
ele?
— Espera aqui. — Aidan se afasta e sigo com o olhar ele caminhar em direção ao carro
estacionado do outro lado da rua. Leva poucos segundos para que tire de dentro do porta-
malas um alicate grande e robusto.
— O que vai fazer?
Aidan passa por mim e com um único movimento rompe a corrente, o cadeado cai no
chão. Ele empurra o portão, que range com a ferrugem e indica com o queixo que eu entre
primeiro. Cruzo os braços e caminho devagar. A montanha-russa velha, suja por estar
disposta ao tempo sem ser utilizada, está bloqueada e não tem nenhuma forma de passar
para ficar mais perto. O carrossel e o carrinho bate-bate não estão em condições diferentes.
Parece cenário de filme de terror.
— É ilegal, você sabe, né? — Viro o pescoço para olhar Aidan, que me segue em silêncio
com as mãos escondidas na jaqueta jeans. — Estamos invadindo e, provavelmente, isso
hoje é terreno privado.
— Não é ilegal quando seu pai é o dono — Aidan fala tão baixinho, que quase não o
escuto. Estou girando nos calcanhares devagar, associando sua resposta sobre o parque de
diversões agora ser do seu pai e a resposta anterior, quando perguntei se sabia que havia
sido fechado. — Não me olha desse jeito — ele ri, passa por mim e se senta em um banco de
madeira velho em frente à tenda de tiro ao alvo. — Eu realmente não sabia que estava
fechado. Meu pai comprou tem uns dois anos e, até ano passado, funcionava. Não fazia ideia
de que ele tinha fechado. Minha mãe adorava esse lugar. — Os olhos cabisbaixos de Aidan
percorrem todo o perímetro do parque e, além de estar escuro e frio aqui, fica cada vez
mais sombrio. Corro para me sentar ao lado dele. — Mas não foi o Thomas Linderman
quem vendeu. Foi o antigo prefeito. Não sei os planos do meu pai para esse lugar agora.
Deixo a bolsa no colo e acaricio meus braços para tentar aquecê-los. Aidan estuda com
cautela os movimentos de sobe e desce de minhas mãos, em seguida assisto-o tirar a
jaqueta e estendê-la para mim.
— Não precisa. — Sorrio e tento afastar sua mão, mas ele insiste, então passo os braços
pela manga. — Você vai congelar — digo ao fechar os botões da jaqueta jeans.
— Estou tranquilo — responde, devolvendo o sorriso. — Algum motivo especial pra ter
escolhido aqui?
— Meus antigos amigos, Lilah, Sebastian e Bryan. Acho que foi aqui que a nossa amizade
se fortaleceu. Queria ir a um lugar onde me lembrasse um pouco de como eu era antes de
tudo dar errado. Pensei que, se voltasse para cá com a sensação que tenho nesse momento,
poderia sentir que dá para seguir em frente sem que doa. Mas acho que ainda assim dói.
— Então, você e Bryan não se resolveram?
— A gente se resolveu, não como eu esperava, mas acabou de verdade. Ele tem razão
quando diz que vou me machucar porque faço muita merda quando se trata dele. Não
consigo ser racional, só sigo o meu coração e, na maioria das vezes, meu coração tá errado.
— Apesar de usar um tom brincalhão e sorrir, Aidan não me acompanha. A linha de seus
lábios permanece intacta e o olhar mais profundo estuda minha expressão com um quê de
curiosidade. — O que foi?
— O Bryan é bem idiota, às vezes, mas, de nós quatro, é o único que consegue tomar
decisões. Estando envolvido ou não emocionalmente, ele segue o que acha certo. Eu sou
tipo você — Aidan estica as pernas e agora vejo o sorriso sombrear seu rosto —, sigo meu
coração e faço merda. E o pior é que a consequência é igual a um efeito dominó — ele
ilustra, gesticulando com a mão no ar como se estivesse dando um tapa em alguém. —
Quando começa a dar errado, simplesmente não para. É a porra de um desastre —
gargalha, sacudindo a cabeça.
— Qual é a sua história? — Jogo os ombros para trás, recostando-me no encosto sujo do
banco. Imediatamente afasto-me porque não quero sujar a jaqueta dele, mas Aidan puxa
meu corpo para trás e estamos os dois com as pernas esticadas e olhando para a tenda
onde costumava ter tiro ao alvo. — Quero conhecer você melhor — emendo e Aidan encara
meu rosto. — Que foi?
— Você me deixa extremamente curioso.
— Está bom. Te deixo curioso. Vai me dizer que não tinha um pré-conceito de mim?
— Tinha ideia pelo que Bryan contava, mas ver os dois lados da moeda é meu ponto
forte. Tanto que estou aqui com você.
Pressiono os lábios com força, impedindo que diga qualquer coisa. Aidan é assim, é esse
tipo de pessoa e, apesar de já terem me dito, não acreditei. Mas eu gosto dessa
personalidade, aprecio como se esforça para não ter um julgamento precipitado de pessoas
e ações. Ele prefere acreditar que todo mundo tem um lado bom.
— Então quero saber sua história. Você com certeza não estudou na Saint Ville Prep,
mas é a única escola de ricos dessa cidade. Por onde você andou?
— Eu morava com minha família em Grev Willow, que, inclusive, têm muitos lugares
como esse espalhados por toda a cidade. Acredite em mim, se você acha isso macabro, iria
se surpreender com o que rola dentro deles depois da meia-noite.
— O quê? — Empertigo-me, curiosa.
— Não é nada sobrenatural. As pessoas só encontraram um jeito diferente de se divertir
e ganhar dinheiro, mas não vem ao caso. — Aidan me puxa de novo para trás, porque, com
a empolgação, movi o corpo alguns centímetros para a frente e minha bunda está quase
fora do banco. — Grev Willow é bem longe de Humperville. Já faz tanto tempo que não vou
pra lá que não sei, talvez umas quinze horas de viagem.
— E o que diabos vocês vieram fazer em Humperville?
— Faz quatro anos que meus pais vieram para cá, mas Willa e eu só viemos depois de
terminarmos o colégio. Nós estudávamos em um internato em Grev Willow, eu me mudei
primeiro e ela depois, já que somos um ano de diferença. Acho que esse é o maior
arrependimento do meu pai. Nós aproveitamos pouco da nossa mãe, porque ele insistia que
o melhor era que ficássemos na Willowgrev Academy, longe de casa e sem distrações dos
estudos. Quando minha mãe faleceu ano passado, eu disse ao meu pai que só faria o que
quisesse e ele teria que respeitar minhas decisões. É por isso que a The Reckless, a
faculdade e todo o resto é importante pra mim. São escolhas que fiz sozinho.
— Você não gostava do internato?
— Eu gostava, tinha amigos e tinha Willa. Mas, quando saí de lá, a sensação que tive é
que fui subjugado a minha vida toda! Quase não reconhecia minha mãe quando nos víamos
e as lembranças que tenho dela são vagas. — Uma depressão em forma de vinco se cria na
testa de Aidan, ele parece tão… decepcionado consigo mesmo a respeito da mãe. — Todos
os dias procuro ver vídeos dela, só para que eu não me esqueça de como era o som da sua
risada, mas minha mãe era bailarina, achava que precisava ter equilíbrio mental e
emocional, e isso se resumia a ser neutra em suas emoções. A maioria dos vídeos dela são
dançando e séria pra cacete. Fico irritado sempre que os vejo, porque ela não parecia nem
um pouco feliz; mas nós nunca vamos saber direito como se sentia de verdade.
— Você… pode me contar como ela morreu? Se não quiser, tudo bem.
— Eu não quero — diz, sorrindo. — Não agora, pelo menos.
— Entendo.
— E você?
— O que tem eu?
— A sua história. Qual é?
— Todo mundo que está envolvido com o Bryan, direta ou indiretamente, sabe da
minha história.
— A história que sabemos é a sua com o Bryan. Eu só estou interessado na história da
Mackenzie Wilde hoje.
— Aidan Lynch. — Desencosto-me do banco para ficar de lado e amparo o braço no alto
do encosto. — Você acaba de me surpreender muito. — Faço uma pausa pesarosa,
enquanto puxo o lábio inferior entre o indicador e polegar. — Minha história… — Fico
pensativa. É quando percebo que minha história está totalmente entrelaçada com a de
Bryan. Não consigo pensar em mim de maneira singular. Ele está sempre envolvido. Sacudo
a cabeça, limpando meus pensamentos. — Eu não sei. Na verdade, desde que Sebastian
morreu, quatro anos atrás, a minha vida ficou estranha. Tenho a sensação de que a minha
história começa agora, porque tudo que ficou lá atrás precisa ser descartado. Aprendi
muito com tudo, mas não me reconheço mais. Não sei quem eu sou ou o que quero ser. Mas
eu sei de uma coisa — levanto o indicador e Aidan fica atento —, meu suco favorito é de
melancia, meu prato preferido é macarrão com queijo e eu amo muito waffles com chantilly
e morango.
— Você só pensa em comida? — brinca, rindo, e o acompanho. — Isso quer dizer que
você tem um livro inteiro de páginas em branco. Devia usá-las. Por que não faz uma lista de
todas as lembranças que você gostaria de ter de agora em diante? Acho que pode te ajudar
a visualizar o que você quer e não quer nesse novo começo.
— É uma boa ideia. A primeira coisa que eu colocaria é: convencer meus pais de que
trabalhar no Purple Ride é um começo excelente! — Passo a mão no ar à minha frente, como
se estivesse escrevendo no meu livro invisível. — Só não sei como fazer isso.
— Seja honesta com eles. — Dá de ombros despretensioso. — Eu conheço seus pais há
algum tempo já, eles são bons em serem bons.
— Você é cheio de frases prontas. — Empurro-o com meu ombro e seu corpo trepida,
quase caindo do banco. Aidan não estava esperando que brincasse com ele assim, então
desata na gargalhada. — Obrigada por ter invadido o terreno do seu pai. Tenho mais uma
lembrança nova desse lugar: o dia em que me tornei amiga de Aidan Lynch.

O cheiro mesclado de chocolate e manteiga derretida invadem minhas narinas. Inflo-as


inspirando fundo ao fechar a porta atrás de mim. Mamãe está sentada à mesa, rindo de algo
que meu pai e Nate dizem. A conversa descontraída e os sorrisinhos bobos me levam para
um momento onde o relacionamento dos meus pais não estava tão fragilizado e reunidos
na cozinha, fazendo brownies de chocolate como antigamente, faz com que meu coração se
aqueça.
Sorvo o cheiro adocicado fluindo da cozinha para os outros cômodos da casa. Papai está
com a barba suja de chocolate e tem manteiga derretida na testa. Nate usa o avental, mas as
mãos estão sujas da massa e, quando estou completamente no ambiente onde a bagunça
acontece, vejo que não estão sozinhos. Maeve está sentada do outro lado da mesa, mais
próxima de meu pai e Nate.
— Oi — cumprimento, puxando uma cadeira para me sentar. Deixo a pasta com o
contrato e a autorização do Purple Ride sobre o tampo. Minha mãe vê imediatamente
quando a deixo lá, mas não diz nada. — O que está acontecendo? Quase um mês que estou
aqui e não vejo isso há bastante tempo. — Meu dedo gira devagar, apontando para a
reunião íntima da cozinha.
— Seu pai conseguiu um emprego — minha mãe anuncia, batendo palmas. — Um
emprego de verdade.
— O buffet era um emprego de verdade, Maisie — meu pai nem disfarça a entonação
repreensiva em sua voz. — Mas é um emprego fixo dessa vez. Na loja de ferragens da Greta,
como gerente! Estou tão animado. — Ele sorri.
Sorrio também. Meu pai parece feliz, consigo ver o brilho em seu olhar que costumava
ser uma parte dele todos os dias dentro de casa. Ele sempre foi meu herói, o elo que unia
esta família. Acho que por esse motivo fui embora tão tranquila, porque sabia que cuidaria
de tudo, que meu pai era a base que sustentava todo o resto. Acho que eu ter ido embora foi
um fardo pesado demais para carregar sozinho e, assim como ele era a base da família, eu
era a sua.
Consigo imaginar como fora difícil para eles, mas para o meu pai ainda mais. Tudo fica
em câmera lenta enquanto o vejo borrar o nariz de Nate com chocolate e apertar a
bochecha de Maeve com as mãos sujas. Eu me sinto tão grata por vê-lo sorrir dessa maneira
de novo, tão feliz porque encontrou um novo propósito.
Não quero acabar com essa felicidade, mas prometi a Darnell que tudo estaria pronto
ainda hoje e com Maeve presente ou não, eles precisam saber. Ainda não tive a
oportunidade de me desculpar com ela pelo que aconteceu com Nate, entretanto não me
parece chateada, porque sorri para mim como se nada tivesse acontecido. Eu pigarreio,
querendo chamar a atenção deles para mim. Infelizmente a alegria da minha família é um
barulho alto e espalhafatoso e não conseguem me ouvir na primeira vez. Arranho a
garganta de novo, agora mais alto. Minha mãe está me encarando, apreensiva e meu pai
segurou o punho de Nate para evitar que ele lhe atire farinha.
— O que foi, Mackenzie? — Mamãe está esticando a mão para tocar a minha,
entrelaçada sobre a mesa. Estou nervosa e torço para que trabalhar no Purple Ride não seja
um problema.
— Eu queria conversar com vocês. — Nathaniel desamarra o avental e o deixa sobre a
pia. Ele se aproxima, apoiando as mãos no encosto da cadeira de Maeve. — Sobre isso. —
Empurro a pasta lilás do Purple Ride para a frente e meu pai se estica para pegá-la, ele não
se dá ao trabalho de limpar as mãos para abri-la. Com a testa franzida, os olhos alternam
entre as linhas da autorização escancarada em seu rosto.
— De jeito nenhum! — Meu pai joga a pasta de volta na mesa e me dá as costas.
— Por quê? — Eu me levanto, espalmando as mãos na superfície dela. — Por que não?
— Você sabe o tipo de gente que frequenta aquele lugar?
— Sim, eu sei. Pessoas ricas. Poderosas. Pai, eu sei.
— Você se esqueceu de acrescentar o perigosas — minha mãe diz, apoiando meu pai.
— Eu vou trabalhar no Tour Trip, longe de pessoas ricas, poderosas e perigosas —
enfatizo, encarando minha mãe. — Já aceitei o emprego. Um de vocês só precisa assinar a
autorização, ainda não tenho vinte e um e, sem ela, não posso ser hostess lá. Pai, por favor,
estou pedindo uma chance.
— Eu sei que você vai conseguir outra coisa. — Maisie tenta me confortar, passando o
indicador enquanto acaricia minha pele.
— Quero trabalhar no Purple Ride, mãe. E se vocês não assinarem, darei um jeito de
conseguir. — Pego a pasta e empurro de volta para o meu pai. — Tia April também é minha
responsável. — Lembro a eles, porque quando decidi que iria morar lá, eles precisaram que
alguém fosse responsável por mim.
— Você está mesmo disposta a passar por cima da nossa decisão? — A voz indignada do
meu pai alcança meus tímpanos. Afundo o pescoço entre os ombros, porque a chateação
fica evidente.
— Desculpa, pai.
Ele e minha mãe trocam um olhar cúmplice. Dá para perceber que estão tentando se
decidir.
— Não existe nenhuma outra opção? — Minha mãe se volta para mim.
— Vocês deviam deixá-la ir — Maeve responde e Nate também se surpreende com a
namorada. — Eu não quero me intrometer, não é da minha conta o que vocês vivem em
família, mas Mackenzie, em pouco tempo, nem estará mais morando nesta casa. Ela vai ter
consequências de suas escolhas, aprender com elas e talvez estejam errados e o Purple Ride
seja algo bom. Tudo o que vocês sabem é o que escutaram por aí. Assim como tudo que eu
sabia de Mackenzie era tudo o que ouvi. Tenho certeza de que ela sabe o que é melhor.
Sorrio em agradecimento e Maeve retribui.
— Eu concordo. — Nate pressiona os ombros de Maeve, fechando os dedos em volta
deles. — Assina a autorização, pai. Mack não é mais criança. — Ele tomba a cabeça para o
lado, empurra o ombro de meu pai de leve com o seu e sorri. — Não vejo a hora de me
livrar dela — sussurra, em tom de provocação.
— Ah, cale a boca! Você não se livraria de mim nem se quisesse muito — rio,
balançando a cabeça em negação. — Eu prometo que, se eu perceber qualquer coisa de
ruim, peço demissão. É temporário. Não vou ficar na faculdade para sempre, nem vou viver
no apartamento com as meninas para o resto da minha vida. Quero me casar e ter crianças
chatas como Nate correndo pela casa — brinco, franzindo o nariz em uma careta.
— Como é que pulamos do seu primeiro emprego para o seu casamento? — Minha mãe
apanha a pasta do centro da mesa e a abre. — Não consigo nem pensar nisso. Para mim,
você ainda é a minha menininha. — Os olhos rastreiam a autorização de Darnell, fisgo o
lábio inferior. — Você pode pegar uma caneta pra mim? — pede e me levanto, rumo a
minha bolsa; assim que volto, meu pai está a encarando. Consigo notar, através de sua
expressão, que nem mesmo ele acredita que minha mãe vai mesmo assinar. Quando
entrego para ela, não pensa muito, apenas assina na linha indicada, fecha a pasta e a
devolve para mim. — Acho que devíamos sair para jantar fora, o que vocês acham? Eu
pago! — Ela se levanta, empurrando o corpo com as mãos escoradas na mesa. — Mais duas
pessoas desta família estão oficialmente empregadas.
— Posso convidar alguém? — pergunto retesando os ombros quando Nate e Maeve
estão com as sobrancelhas arqueadas. — Que foi? Eu tenho amigos.
— Por mim tudo bem. — Minha mãe joga os ombros para cima com desdém e se vira
para subir.
Tiro o celular do bolso e envio uma mensagem para Aidan. Trocamos nossos números
hoje quando ele me deixou em casa. Assim como as meninas, ele e a The Reckless também
usam o Kik.

Mack: Consegui a autorização. Obrigada por segurar a barra por mim.

Aidan: Beleza. Eu pego aí mais tarde.

Mack: Acha cedo demais te convidar pra um jantar em família? :)

Aidan: Acho. Mas quem é que liga?

Mack: Tô te esperando.

Aidan: Chego daqui a pouco.

— Você parece feliz. — Levanto os olhos do celular e vejo meu pai apoiado no descanso
da cadeira. As mãos tombam para a frente e ele me encara. Maeve e Nate também
desapareceram da cozinha nos segundos em que passei no celular. — No estado em que
você saiu desta casa dois anos atrás, achei que nunca mais te veria feliz de novo.
— Eu sei que está chateado comigo. Por tudo — digo sincera. Desde a nossa última
discussão, onde Nate explodiu, não conversamos nada que não fosse necessário e sinto falta
do meu pai. É engraçado como sinto mais falta dele agora que vivemos outra vez sob o
mesmo teto do que quando estive em Brigthtown. — Pai, eu sair desta casa não vai mudar
nada. Não será como da última vez, eu prometo. — Ele puxa a cadeira para se sentar.
— Acho que só estava me recusando a assinar porque sei que agora não tem nada que
te impeça de ir embora. — Sorri, esticando-se sobre a mesa para segurar minha mão.
Nossos dedos se entrelaçam e, apesar da sua mão estar suja de chocolate, não me importo.
— Estou feliz por você, Mackenzie. Como seu pai, sei o quanto cobra de si mesma para ser
perfeita. Para mim e para o todo o resto, tenta ser a garota que não comete erros e se
esforça demais para que o mundo não seja tão cruel em seus julgamentos. E, apesar de não
conversamos mais sobre isso, esse seu coração partido está tão evidente no seu rosto,
escondido atrás desse sorriso…
— Pai — tento detê-lo, mas com um aperto leve em minha mão, paro.
— Querida, só existe um homem nesse mundo que irá te amar para sempre,
independente dos seus erros, que irá te respeitar e dar a vida por você, e esse homem sou
eu. Sou seu pai, Mackenzie, e para mim o seu sorriso é o que me salva todos os dias.
Pisco para afastar as lágrimas e me levanto, contorno a mesa e meu pai faz o mesmo.
Corro para abraçá-lo e não me importo de ficar cheirando a chocolate e manteiga, ou que
minha camisa branca fique maculada com farinha. Tudo o que eu quero é sentir o
aconchego de estar em casa.
— Quem você convidou? — pergunta, descansando o queixo sobre minha cabeça.
— Aidan.
— Aidan? — Ele me afasta pelos ombros e se inclina um pouco para me olhar nos olhos.
— Desde quando vocês são tão próximos?
Dou de ombros.
— Na verdade, não somos.
— Não estou entendendo.
— Quero estar perto de pessoas que possam acrescentar em minha vida, como, por
exemplo, fazer com que eu me torne alguém melhor. Aidan tem um coração bom, talvez eu
aprenda mais com ele do que com qualquer outra pessoa.
— E o Bryan?
— Não quero falar dele.
Pego a pasta do Purple Ride na mesa e vou até a sala para pegar minha bolsa.
— Bryan é passado. Na verdade, ele deixou de fazer parte da minha vida há muito
tempo. Antes mesmo de ter sido preso.
— Eu sabia.
Paro na escada, segurando o corrimão. Escuto Maeve rir de Nate.
— O quê?
— Ele te magoou.
Seu tom não é compreensivo.
— Não importa, pai. É como me disse. Nenhum homem além de você vai me amar,
independente dos meus erros. Eu duvido que Bryan entenda o que amar significa. Só quero
deixá-lo no passado, no lugar de onde nunca deveria ter saído.
Meu pai levanta as mãos na altura dos ombros, em forma de rendição.
— Não está mais aqui quem falou.
Sorrio e vou para meu quarto.
Desde a minha conversa com Bryan no sábado, não me senti tão aliviada e feliz como
hoje. Primeiro, consegui meu emprego. Segundo, tive um momento memorável com Aidan e
consegui conhecê-lo melhor. Terceiro, meu coração quase explodiu de amor pelo meu pai. A
sensação que tenho é de que devo a ele por tudo que faz por mim.
Abro a gaveta da minha mesa de estudos e, na primeira gaveta, está o envelope com
quinhentos dólares que peguei de Bryan. Não consigo evitar estreitar os olhos para a janela
de frente para a minha. Embora a luz esteja acesa, as cortinas estão fechadas e não consigo
ver nada além da silhueta de alguém caminhando pelo quarto.
Bato o envelope com o dinheiro contra a minha mão, pensativa. Tinha planos de usá-lo
para uma parte do aluguel do apartamento, mas com o salário do Purple Ride posso me
virar e meus pais precisam de um momento para eles, onde possam conversar e resolver
todos os assuntos pendentes. Por experiência própria sei que se preservar de conversas
problemáticas só levará ao fim premeditado.
Levanto a tampa de meu notebook – o restante das coisas que ficaram na tia April
chegaram na quinta-feira passada – e começo uma busca rápida por viagens que durem
apenas um fim de semana. Talvez eles devessem ir para a praia, já que não tiveram uma lua
de mel quando se casaram. Encontro um resort em Fort Beav, uma cidade vizinha de
Brigthtown. Com o dinheiro que tenho não é suficiente para pagar a viagem toda. Fecho o
notebook com força, frustrada.
Resolvo tomar banho e conversar com Nate sobre isso depois. Talvez ele possa me
ajudar.

Meus pais, Nate e Maeve vão na minivan e vou com Aidan em seu carro. Assim que
entro, seus olhos pesam em mim, analisando em silêncio as roupas que estou usando.
— O que foi? — Olho para a minha blusa de gola rolê preta com fios dourados e aliso a
saia reta de botões xadrez bege claro. Talvez seja a meia-calça preta lisa ou o blazer
amarelo sob a blusa tenham lhe chamado a atenção, porque é diferente das roupas que
estive vestindo. — Esse é o meu guarda-roupa de Brigthtown. — Sorrio, fechando um
pouco o blazer para disfarçar meu constrangimento.
— Você tá linda — diz, com o tom de voz ameno, sem desviar os olhos. — E esqueci de
comentar sobre seu cabelo mais cedo, mas também combinou com você. — Os lábios se
alargam, sua arcada dentária reluz no contorno de seu rosto.
— Obrigada. — Estou com os fios amarrados em um coque, a franja faz o contorno de
meu rosto e ajeito uma mecha dela atrás da orelha. — Você conhece o restaurante Dalla
Casa?
— Conheço. É para lá que seus pais estão indo? — Aidan pressiona o botão no console, o
ronco do motor soa e ele sai da vaga.
— Sim. Não sabia que tinha restaurante italiano em Humperville.
— Você quase não andou muito pela cidade quando morava aqui. Parece que a única
coisa que conhecia era o parque de diversões — zomba, em tom brincalhão, mas preciso
concordar com ele.
— O píer e o karaokê também — acrescento, encostando a lateral do corpo à porta e
cobrindo o lado esquerdo do peito como se estivesse ofendida.
— Nunca fui ao karaokê.
— É legal. Podemos ir qualquer dia, se quiser.
Aidan concorda, contudo não responde mais nem tenta puxar assunto. De repente, ele
fica estranho, o clima leve entre nós muda e me pergunto se disse algo que tenha o
chateado. Entreabro os lábios para soltar a pergunta com um fluxo denso de ar, mas
engasgo e desisto. Estudo a lateral de seu rosto; a mandíbula quadrangular e o queixo o
acompanham. Os cabelos estão crescendo, portanto, a raiz escura começa a dar seus
primeiros sinais de aparência e alguns fios platinados estão entrando para o ouvido. Não
faz com que ele fique menos bonito, ao contrário disso, Aidan parece mais atraente.
Reparo em sua camisa branca de botões e o jeans claro surrado, tudo porque estou
desconfortável por não estarmos mais conversando. É estranho, porque gosto de apreciar o
silêncio quando é confortável, mas esse silêncio é diferente. Eu o repudio. Quero falar com
ele sobre qualquer coisa.
— Posso te fazer uma pergunta? — Aidan volta o olhar para mim.
— Claro que pode. — Viro um pouco o corpo.
— Por que me convidou?
Por que eu o convidei?
Eu não faço a menor ideia. Nós tivemos alguns momentos legais hoje como, por
exemplo, ele dizer que eu posso ter todas as lembranças boas que quiser e o fato de ele ter
dado um jeito para entrarmos no parque de diversões, que não é mais um parque e sim um
lugar abandonado. Mas acho que, principalmente, por ele ter estado ao meu lado em um
momento tão legal. Não foi só porque Vity e Effy insistiram que saíssemos juntos, quer
dizer, aceitar a carona dele pode ter sido um começo, mas não vejo dessa maneira. Na
verdade, não vi os momentos que passamos juntos hoje como um encontro. Só um amigo
me apoiando em um momento importante.
— Eu não quero ficar entre você e o Bryan. — As mãos envolvendo o volante se apertam
em volta do círculo com força.
— Bryan e eu não temos nada — sussurro em defensiva.
— Não quis dizer desse jeito. Não quero ficar no meio do problema de vocês. Ele é meu
amigo, importante pra mim e eu respeito os sentimentos dele, mas não quero me envolver
no que tiveram no passado e não quero sentir que estou aqui só para tapar um buraco. Há
dois dias vocês estavam juntos, na casa dele, certo? — Mordo o lábio inferior porque estou
constrangida demais para falar em voz alta. — Vou entender como um sim.
— Eu te chamei porque achei que tínhamos nos dado tão bem hoje e gostei de ser você a
pessoa a estar comigo quando consegui um emprego. Não foi nada de mais. Você podia ter
recusado, se não quisesse vir. — Endireito o tronco voltando a olhar para a frente,
respirando pesado.
— Mackenzie — ele ri, a gargalhada é sincera e explode permeando pelo carro. Giro o
pescoço para vê-lo me encarando e liga a seta para encostar o carro. Olho para o lado e vejo
que já chegamos. A minivan dos meus pais está parada à frente. — Não tem nada a ver. Só
não quero me colocar em uma posição onde você terá que escolher entre mim e ele. Acho
que nós dois sabemos que, agora, ele seria sua primeira opção. Mas eu curto estar com
você. Curto pra caramba ficar do seu lado e hoje foi melhor ainda, porque não tinha
ninguém por perto e você foi só você, e eu fui só eu. — Inclina-se e projeta a mão em
direção ao meu rosto, afasta a franja que se soltou de trás da minha orelha e sorri ao descer
a mão sobre a minha. — Não quero pensar que você tá me usando pra causar algum
sentimento no Bryan.
Aperto os lábios. Será que estou fazendo isso? Não sinto que esteja e em nenhum
momento pensei em chamá-lo por esse motivo. Então concluo que Aidan está errado.
— Não te chamei por isso — sopro amuada, encrespando a testa. — Ok. — Fecho os
olhos e balanço a cabeça, envergonhada. — A Vity me convenceu a aceitar a carona. Effy
não estava passando mal. Elas queriam que nós dois tivéssemos um tempo juntos, porque
eu sei e elas também sabem que você está a fim de mim. Mas eu não pensei no Bryan em
nenhum momento que estivemos juntos.
Ele sorri e me sinto mal. Eu pensei em Bryan, talvez não da maneira como Aidan acha,
mas pensei.
Tenho esperança de que o tempo se encarregará de levá-lo embora, porque estarei
concentrada demais em mim para me preocupar com ele.

“Pensar demais me fez beber
Mexendo com a minha cabeça, woah
Me diga o que você odeiam em mim
Seja o que for, eu sinto muito
Sim, sim, sim
Eu sei que posso ser dramático
Bem, todo mundo está dizendo o que nós tivemos aquilo
Sim, sim, sim
Sim, sim, sim
Estou chegando a um acordo com um coração partido
Eu acho que às vezes as coisas boas desmoronam”
GOOD THINGS FALL APART – ILLENIUM FT. JON BELION

30 de agosto de 2019, às 16h51.

Desde que terminou o ensino médio, o sonho de Effy é sair da casa de seus pais. Nos
últimos dois anos em que nos aproximamos, eu pude conhecer seus medos de perto e a vi
se levantar de tombos mais de uma vez, tratando-se da sua família. Portanto, ela quer que
eu faça parte desse momento a qualquer custo, que seja para carregar suas dez caixas de
mudança ou ajudá-la a montar a cômoda antiga que sua avó lhe deu de herança ao falecer.
Há quase dois meses, não sei o que é ter uma conversa com mais de quatro palavras
com Mackenzie, então preciso admitir que não estou nem um pouco animado em encontrá-
la no novo apartamento de Effy. Não é nada extraordinário, mas nós temos nos evitado o
mês de julho inteiro e agosto também, só para a “esquisitice” pós-término – se é que
podemos chamar isso de término, porque não tínhamos nada além de rancor pelo outro –,
mas aconteceu e não trombar com ela era minha prioridade. Contudo, não dava para evitar
os encontros por completo. Aconteceu que ela se aproximou demais de Aidan. Por mim
tudo bem, não estou incomodado com essa amizade. Falei sério quando disse a ele que me
afastaria se achasse necessário, mas queria mesmo ficar longe dela.
Ela foi aos shows da The Reckless. Foi a festas na casa de Ashton e Aidan. Não faltou a
nenhum almoço da vizinhança, nem evitou a terapia em grupo na quinta-feira de manhã.
Começou a ir duas semanas após termos àquela conversa em especial. Segundo Nate, ela
precisava de alguém para “conversar”. Vendo que nós dois estávamos incomodados com a
presença um do outro, principalmente em um ambiente onde precisávamos falar sobre nós
dois, eu parei de ir. Mas ainda ligo para o Dr. Skinner e o visito em seu consultório, às vezes.
Ele é insistente e chato pra caralho, mas acabo cedendo, porque é o único que consegue me
escutar sem me achar um bosta.
— Você tá cheirando a álcool, meu Deus! — Effy abana a mão ao sair do meu carro e dar
a volta para pegar as últimas caixas no banco detrás. — Quanto você tem bebido?
— Não bebi nada, mãe. — Reviro os olhos e abro a porta, passo adiante para pegar as
caixas mais pesadas e deixo que Effy carregue as malas de roupa.
— Vai dizer que ontem você e os meninos não saíram?
Ela acomoda a mochila no ombro e puxa a mala de rodinhas para fora. Bate a porta do
carro e a acompanho rumo aos dez degraus que precisamos subir para chegar à recepção.
O recepcionista é um estudante universitário de vinte e um anos, de aparência franzina
e cabelos castanhos oleosos. Tem uma placa de fundo branco em letras pretas com seu
nome: Ryde.
É um prédio de treze andares, na rua de trás da faculdade. Em frente a ele, há um
parque simbólico onde alguns estudantes se reúnem após as aulas para beber e fumar. Da
janela do quarto de Effy, conseguimos ver todo o movimento da rua e a praça. O elevador é
uma droga. Vive quebrando e até me ofereci para ajudá-la com o aluguel por um tempo
porque Jack prometeu a ela um aumento, ao menos para que conseguisse dinheiro para
ficar em um lugar melhor, mas Effy é orgulhosa demais para aceitar qualquer ajuda minha.
E porque sabe que não vivo nadando no dinheiro, mas, graças à influência de Darnell, a The
Reckless conseguiu um show na festa formal de calouros da universidade e eles nos pagarão
um bom dinheiro. Além de termos conseguido aumentar nossas noites no Purple Ride; ao
invés de tocarmos uma vez ao mês, tocaremos três. Às sextas-feiras e aos sábados
continuamos no Anarchy.
O elevador trepida ao se aproximar do oitavo andar. É estranho porque as portas não
são numeradas como costumamos ver em outros prédios – como o de Faith, por exemplo –
e sim com letras do alfabeto. Para cada andar, são dois apartamentos e Effy mora no
apartamento “P”.
— Nós saímos — respondo finalmente sua pergunta de antes porque a maneira como
ela está me olhando diz que me jogará do seu quarto assim que entrarmos nele. — Mas, em
minha defesa, estava chateado.
Effy gira a chave na fechadura e empurra a porta com a lateral do corpo para conseguir
abri-la.
— Esse lugar tá caindo aos pedaços — reclamo, atravessando a soleira.
Deixo a caixa sobre o sofá de quatro lugares azul-marinho que compraram na semana
passada. A televisão não é grande coisa também. Está presa à parede em frente ao sofá, em
uma distância que alguém com problema de visão não conseguiria enxergá-la direito por
ser pequena. Um carpete peludo preto sob o sofá; um presente de minha mãe para Effy em
comemoração à sua súbita mudança de vida.
— Você queria o quê? Um hotel cinco estrelas? Bryan, nós quase não conseguimos
alugar esse apartamento. — Effy ruma em direção à cozinha.
O balcão de tijolos e mármore bate no peito dela. Ele é tão alto que duvido que elas o
usarão como mesa. Por sorte, Darnell deu de presente para Gravity uma mesa de madeira
de quatro lugares, que deixaram em frente à porta da varanda ao lado da cozinha.
Effy coloca a mochila sobre o balcão com dificuldade e abre o zíper. Começa a tirar
latinhas de refrigerante, Cheetos, uma caixa de Cheerios, outra de leite e suco.
— Aonde é que você arranjou tudo isso?
— Fui às compras. Na minha antiga casa. — Ela dá um sorriso debochado. Apoio os
braços no balcão, balanço a cabeça fingindo decepção. — Que é? Eles me devem isso por
tudo que passei lá. Então por que estava chateado? Pensei que tínhamos um acordo. Você
me liga quando precisa.
— Eu precisava de uma coisa, mas você não ia me dar.
— Nojento — murmura, rindo. — O que houve?
— Meu pai enviou um convite de jantar de noivado. Minha mãe passou a noite inteira
chorando!
— Não acredito que ele fez isso! — Ela guarda o leite na geladeira e termina de colocar
o resto das coisas nos armários praticamente vazios. Além de três pratos, três copos, três
garfos e três facas, elas não têm nenhum utensílio de cozinha. — Eu podia ter ido até a sua
casa e, sei lá, distraído sua mãe.
— Você é incrível! — Estou sorrindo enquanto assisto-a fechar a mochila.
— Eu sei que sou fodona pra caralho! E aquela cômoda não se montará sozinha. —
Gesticula o dedo em direção ao vestíbulo onde ficam os quartos e o banheiro.
— Já estou indo! Nossa, você é tão mandona!
— Sem reclamar. — Ela coloca a mochila nos ombros e me abraça por trás, envolvendo
minha cintura. Suspira contra minhas costas e coloco os braços por cima de suas mãos. —
Queria gostar de você desse jeito. Seria tão mais fácil.
— O que foi?
— Nada. Só estava pensando que seríamos um belo casal se a gente se gostasse assim.
— É o Ashton, né? Aquele filho da puta fez alguma coisa?
— O que aconteceu com: a banda acima das garotas?
— Você é diferente, e você sabe. — Tento olhá-la soltando seus braços, mas ela quase
me esmaga, evitando que eu veja seu rosto. — Quer conversar?
— Você é idiota se acha que eu sairia com o Ashton — expele uma risada contra minha
jaqueta de couro. — Não é nada com ele.
Effy não costuma falar comigo sobre seus relacionamentos amorosos, mas tem uma
coisa muito estranha rolando com ela e quero saber o que é.
— O que é então?
— Você sabia que…
Effy não termina porque a porta acaba de levar uma porrada de alguém e o barulho a
detém imediatamente. Ela não se afasta, mantém as mãos envolta da minha cintura, mas
estreita a cabeça para o lado a fim de ver quem é.
Mackenzie e Aidan atravessam a porta. Ela está segurando uma caixa pequena e Aidan
outras duas. Estão rindo de algo e meu estômago revira. Às vezes, quando a vejo
descontraída dessa maneira, meu coração fala uma língua que eu não compreendo. Porém,
aprendi a controlar os sentimentos melhor que qualquer um e, de tanto mentir para mim
mesmo, acabo acreditando que ela não significa nada.
— Oi. — Effy tomba mais a cabeça para o lado, rindo.
— E aí — Aidan ri, deixa a caixa ao lado da que coloquei no sofá e se aproxima. — Não
sabia que você estava aqui.
— Vim ajudar com a cômoda — digo e meus olhos pairam em direção a Mackenzie, que
está pendurando a bolsa no cabideiro atrás da porta.
Há dois meses ela age desse jeito, como se fôssemos estranhos. Quando conversamos
em minha casa aquele dia, era para que nosso clima melhorasse, mas agora nós nem nos
olhamos mais.
— Posso ajudar — Aidan se oferece, e cruza os braços.
— Você prometeu ajudar com a minha mesa. — Mackenzie se aproxima, também
cruzando os braços, porém não parece estar falando sério. Ela ri e empurra Aidan com o
ombro, fazendo-o se deslocar.
Eu sei como ele a olha. Está completamente à mercê dela.
— Você me ajuda com a cômoda e depois te ajudo com a mesa. Pode ser?
— Fechou! — Aidan bate as mãos e segura a de Mackenzie, puxando-a para o corredor.
— Primeiro minha mesa! — Mackenzie grita de seu quarto, que é a última porta no
corredor.
— Tá! — Effy devolve, rolando os olhos. — Ela sempre vence, de algum jeito. — Ela
solta os braços da minha cintura e me viro para encará-la, penso que está chateada, mas, na
verdade, está sorrindo. — O que foi?
— Nós ainda não terminamos a conversa. O que tá rolando?
— Esquece isso. Eu estou feliz demais hoje para me entristecer com assuntos do
coração, tá? Só vamos colocar tudo no lugar de uma vez para que eu nunca mais tenha que
voltar pra casa dos meus pais! — Aponta, mostrando a sala desorganizada e a cozinha. —
Mas vou visitá-los de vez em quando, é o acordo.
Effy começa a juntar as caixas que trouxemos do sofá e corro para ajudá-la. Sua
independência sempre me surpreende, a maneira como não espera para que as coisas
aconteçam; ela simplesmente faz.
Pego a primeira caixa e Effy começa a colocar as outras, uma sobre a outra em meus
braços. A porta é aberta outra vez, mas agora é Gravity. Ashton, Finnick, Dannya, Willa e
Faith entram logo atrás, carregando mais algumas caixas e não só isso, como latas de tinta e
pincéis.
— Ah, que bom que tá todo mundo aqui. — Gravity gira nos calcanhares. — Mackenzie,
tá em casa? — ela grita, colocando as mãos na cintura. A resposta de Mack e Aidan é
voltarem para a sala. — Vamos pintar esse apartamento. Não aguento mais olhar para essas
paredes azuis — diz, olhando ao redor. — Trouxe ajuda!
— A gente ia montar minha mesa. — Mack aponta por cima do ombro com o polegar e
Gravity ergue uma sobrancelha, como se não se importasse. — E depois íamos montar a
cômoda da Effy. — Não estou suportando o peso das quatro caixas de Effy, então as devolvo
para o sofá.
— Como é que vamos dar uma festa da casa nova com essas paredes horríveis?
— E desde quando nós decidimos uma festa da casa nova? — Effy estufa o peito ao meu
lado, colocando as mãos na cintura. Ela reprova totalmente a ideia.
— Bom, na verdade, eu decidi. Ia conversar com vocês quando chegasse aqui! — Vity
está usando uma jaqueta de couro igual a de Mackenzie, a diferença é que a sua tem seu
nome. Agora cada uma delas tem a sua.
— Vai ser legal, Effy — Willa incentiva, mostrando os caninos tortinhos, que é seu
charme. Se Bailey pudesse ler meus pensamentos, socaria meu nariz. — Você não acha,
Mack? — No entanto, Mackenzie está dando de ombros como, mas no fundo parece
animada com a ideia.
— Essas tintas não têm cheiro — Ashton diz, como se isso fosse a maior preocupação de
Effy. — Relaxa.
— Cale a boca, Ashton! — Revira os olhos para ele e tenho certeza de que sua chateação
tem a ver com ele. — Não vamos dar uma festa hoje, Gravity.
— Por que não? — Mackenzie dá um passo à frente, ficando ao lado de Vity. As duas
com uma postura defensiva, usando as jaquetas de couro é até bem sexy. Pigarreio para
evitar a risada presa na garganta. — Qual é, Effy. Uma festa no apartamento novo. Sem
regras. Sem nossos pais.
— Na verdade, eu sou a única adulta e responsável nessa sala. — Dannya dá um passo à
frente, as mãos dentro dos bolsos de moletom. Viro o rosto em direção à Aidan a tempo de
vê-lo contorcer o rosto em uma careta. — Concordo com Effy sobre a festa. É cedo demais
pra isso.
— O prédio inteirinho é de estudantes. Ninguém liga se vamos ficar com o som ligado
até as quatro da manhã.
— Parece uma boa ideia — Finn diz e todos estamos olhando para ele. Por não falar
muito e evitar dar sua opinião, nenhuma expressão tem um significado tão simbólico como
a de surpresa no rosto de todos nós.
— Meu Deus, você fala! — Vity zomba, o que faz com que Finnick sorria.
— Eu falo. Cacete, vocês são chatos! Decidam logo. É sexta-feira!
— TÁ! — Effy bufa, erguendo os braços, rendida. — Faremos uma festa. Pequena. Nada
de multidão. E, por favor, nada de maconha ou drogas, tá? Só a gente.
— Isso! — Gravity comemora pulando e Mackenzie e ela batem as mãos. Fico encarando
a interação entre elas e alternando o olhar para Effy, que está dando um jeito de pegar as
caixas sozinha.
Corro para retirá-las dela.
Sigo em direção ao quarto, contornando os corpos de Vity e Mackenzie. Assim que
coloco as caixas em sua cama de casal, Effy bate a porta com força e, quando me viro para
encará-la, está prendendo os cabelos já curtos com um prendedor no alto da cabeça.
— Tem certeza de que não quer falar o que te deixou tão irritada hoje? Você adora
festas tanto quanto a Gravity. O que tá rolando?
— A Gravity não sabe pedir a opinião das pessoas. Ela simplesmente decide e pronto.
Sozinha, ela decidiu que tínhamos que pintar o apartamento e sozinha decidiu que
devíamos dar uma festa. Eu odeio tanto isso nela — desabafa, andando de um lado para o
outro. — Será que foi uma boa ideia?
— Vocês morarem juntas?
— É. — Eu me sento em sua cama. — Eu convivi com pessoas diferentes de mim a vida
toda. Não quero ficar estressada porque Gravity esqueceu a calcinha pendurada no boxe do
banheiro ou porque ela trouxe um cara estranho pra casa.
— Effy, relaxa! Vocês são amigas e nem dormiram sob o mesmo teto ainda. Você não
acha que está sendo um pouco precipitada demais? Talvez, se conversarem, ela possa te
entender. E não acho que cometeu um erro, mas também penso que precisa entender que
ninguém é igual a você. É claro que a Gravity e a Mackenzie terão atitudes que você, com
certeza, não vai se identificar, mas dá pra conviver sim.
Effy morde o lábio inferior, pensativa. Fico parado no lugar, esperando que me
responda. Ela pestaneja, joga a cabeça para trás e solta o ar dos pulmões com força. Ao
voltar a olhar para mim, assente.
— Você tem toda razão. Estou sendo paranoica.
— Está sim.
— Obrigada.
— Um abraço? — Eu me levanto, abrindo os braços.
Ela anda devagar em minha direção, estico a mão para puxá-la e ser mais rápida.
Envolvo os braços ao seu redor e coloco a lateral da bochecha contra sua testa. Sinto sua
respiração quente tocando o pomo de adão rijo.
— Foi bem estranho a forma como você e a Mackenzie se trataram. Faz quanto tempo
mesmo que não se falam?
— Quase dois meses — respondo, e estou balançando de leve seu corpo como se
estivéssemos dançando.
— Conheço você, Bryan. Não está feliz, né?
— Claro que estou feliz.
— Mas seu coração perdeu o compasso só de ouvir o nome dela.
— Odeio você, sério.
— Ela ficou longe por dois anos e você não se comportou desse jeito. O que mudou
agora?
— A máscara do ódio caiu — confesso, porque não preciso mentir para Effy. Com ela,
consigo me deixar ser vulnerável. É o nível de confiança que existe entre nós, assim como
sou com os caras da banda. — Dá para esconder o que você sente quando seu coração está
ocupado detestando tudo sobre essa pessoa. Mas descobri que tem coisas sobre a
Mackenzie que eu mais gosto do que odeio.
— E por que você não diz isso pra ela e acaba logo com essa tortura?
— Nós não podemos ficar juntos.
— Por que não?
— Porque a banda é a minha garota. Porque é tudo o que eu quero ter agora, amanhã e
depois. A The Reckless é meu futuro, Effy, e nada pode estar acima disso. Nem mesmo a
Mackenzie.
— Para mim parece ser um monte de merda saindo da sua boca.
Dou risada. Deixo um beijo sobre o manto de cabelos vermelhos.
— Você é bastante engraçada.
— É sério, Bryan. Pra mim não faz o menor sentido as coisas que você diz quando se
tratam dela, quer dizer, sobre o passado, sim, você tem razão. Ela pisou na bola, mas agora?
Não faz sentido.
— Faz pra mim.
— Quer saber o que eu acho de verdade? Que você sempre foi apaixonado pela
Mackenzie. Não de quatro anos atrás, não de dois anos atrás, mas desde sempre. Acho que
se aproximou de Lilah querendo se aproximar de Mackenzie, porque você era introspectivo
e não sabia como falar com a Mack. Mas com Lilah era fácil demais, você não sentia nada
por ela. — Dá de ombros, com desdém. — E está com medo de novo. Por isso está a
afastando mais e mais.
— Como eu poderia estar apaixonado por ela naquela época? Eu tinha só dezesseis. —
Dou risada, seguro-a pelo ombro e a afasto. — Você ficou completamente maluca. Deve ser
o cheiro de mofo que esse apartamento tem.
— Você pode tentar enganar todo mundo, Bryan. Mas não a mim. — Ela está apertando
as pestanas. — Pra mim, você gosta dela há muito mais tempo do que diz gostar. Pode
negar o quanto quiser, mas sou uma observadora nata. Sou boa em olhar, observar, analisar
e eu entendi sua estratégia. Nunca foi apaixonado por Lilah de verdade.
— Como você explicaria todo o meu sofrimento quando ela foi embora?
Agora que estamos afastados, consigo olhá-la nos olhos.
— Eu chutaria que você estava sofrendo de triângulo amoroso. Se aproximou de Lilah
por causa de Mackenzie, mas se encantou com Lilah. Porque ela tinha uma personalidade
forte, mas eu me lembro daquele karaokê. Você queria muito aquele momento com
Mackenzie. Você, Bryan McCoy, sempre foi um idiota rendido por ela.
Ela dá risada. E não digo nada.
Porque ela está certa. Sou apaixonado por Mackenzie há muito tempo. Mas meu jeito de
amar é estranho, diferente, porque criei prioridades e eu sou a minha prioridade. Gosto de
Mackenzie demais para querer que ela fique competindo com meu ego o tempo todo.
— Eu sei, pode dizer o quanto sou esperta. Estou pronta para ouvir. — Effy faz um gesto
com a mão, movendo os dedos e me chamando. — E tem mais. Você não quer um
relacionamento com ela agora porque tem medo de estragar tudo com suas babaquices.
Porque você erra muito, Bryan, com todo mundo. De tanto se esforçar para não magoar as
pessoas que ama, é exatamente o que acaba fazendo. Eu, na verdade, tenho um pouquinho
de pena de você.
— Você é ridícula. — Balanço a cabeça, rindo.
— E você vai se ferrar, porque Mackenzie está mudando. Ela vai experimentar o que
você experimentou e vai gostar como você gostou. — Ela se afasta, rumo à porta. — Acho
que explica por que você ainda não transou com ninguém desde o vídeo que te mandei.
— De que porra você tá falando? — Estou rindo e andando atrás dela.
— Ashton me contou. Não transa com ninguém há quase dois meses.
— Como é que você e Ashton conversam sobre a minha vida sexual?
— Nós somos amigos.
— E falam sobre mim?
— O drama da sua vida é com certeza mais divertido que o nosso, Bryan. — Ela dá
palmadinhas de consolação em meu ombro e abre a porta do quarto. — Você não pediu
meu conselho, porque a verdade é que se tornou um bad boy com as características óbvias
de um; seguro de si e assertivo, mas vou te dar mesmo assim: um relacionamento é cheio
de erros. Você não vai acertar sempre, assim como ela não vai. Vocês vão se machucar, não
dá para evitar, mas vão aprender e vão moldar suas vidas de acordo com a personalidade
um do outro, sem ter que perder a sua essência. Você não precisa escolher entre ela e a
banda, porque Mackenzie sabe o quão importante as duas coisas são para você. Tenho
certeza de que ela entende.
— Eu tomei a decisão certa em não querer um relacionamento sério, Effy. Você está
enganada.
— Então eu espero que você consiga voltar a sua vida de libertinagem, porque o tempo
passa e a Mackenzie não vai te esperar.
Effy sai sem esperar que eu refute sua resposta. Ela está tão convicta sobre tudo que
disse que não se importa com a minha defesa. Acha que sabe o que sabe e é a verdade
absoluta em sua cabeça. Mas não me arrependo das coisas que disse para Mackenzie, não
me arrependo da decisão que tomei. Eu amo a minha vida como está agora. Amo não ter
que dar satisfação das minhas escolhas e o fato de sair sem ter que me explicar. Posso ter
qualquer mulher se ela também me quiser.
É tudo questão de escolha e se Mackenzie quer experimentar essa vida, ela tem todo
direito.

A primeira vez que vi Mackenzie tinha doze anos. Meus pais e eu tínhamos acabado de
nos mudar para a casa ao lado, minha mãe queria visitar os Wilde a qualquer custo, mas
sabia de verdade o que ela queria com a visita. Era, de novo, uma mudança para mim. Não
só de casa, mas de cidade. Estávamos sempre nos mudando e nunca entendi o motivo, mas
hoje eu tenho certeza de que meu pai estava fugindo da dívida do Fuller. Nós achávamos
que estava tentando o melhor lugar para hospedar sua loja, onde ele mais ganharia
dinheiro. Nunca questionamos ele ter escolhido Humperville, pois, apesar de ser uma
cidade pequena, é também uma cidade de pessoas ricas e poderosas. Então fazia sentido
para nós que ele quisesse morar aqui.
Ela estava dormindo no sofá quando atravessamos a porta de sua casa. Tinha baba no
canto de seus lábios e o cabelo grudava nela. Provavelmente a cena mais nojenta e
apavorante que vi em toda a minha vida, ao mesmo tempo que era adorável. Eu lembro
como sua respiração estava lenta, calma, e as pálpebras fechadas com um leve inchaço. A
Sra. Wilde colocou o indicador sobre os lábios, pedindo silêncio e, enquanto nos levava para
a área de lazer, contou que a filha estava se esforçando muito no colégio, para conseguir
uma vaga na Saint Ville Prep dali a dois anos. Achei incrível que tivesse tanto tempo e,
ainda assim, preocupada com sua vaga. A sensação que tive foi de admiração. A primeira
impressão sempre é a que fica e a de Mackenzie não foi a baba no queixo e nem o cabelo
oleoso nojento, mas como ela estava sempre disposta a correr atrás do que queria.
Eu a vi de longe outras vezes depois, mas nunca tive coragem de falar com ela. Effy está
certa quando diz que minha personalidade introspectiva foi a maior barreira entre mim e
Mack, mas essa mesma personalidade me fazia não ligar tanto. Estava satisfeito assistindo-
a de longe. Comecei a tirar o lixo antes de ir para a escola, às sete da manhã, porque era o
mesmo horário que Mackenzie saía para retirar o seu. Ela nunca olhou para o lado, nunca
reparou que estive lá.
Porém, Effy errou quando disse que me aproximei de Lilah de propósito, essa nunca foi
minha intenção, mas eu sabia que elas eram amigas. Acertou sobre estar envolvido em um
triângulo amoroso, porque gostava das duas, mas Lilah era alcançável para mim. Era fácil
conversar e estar com ela, já Mackenzie me causava insegurança, algo que eu detestava
demais.
Meu cabelo está sujo de tinta branca, minhas mãos e meus braços também. Ashton,
Finnick e Aidan não estão em uma situação melhor que a minha, mas ao menos estamos nos
divertindo. Estou cantando Good Things Fall Apart alto, para que as garotas escutem do
quarto de Mackenzie – o primeiro a ser pintado e nós ficamos com a sala e cozinha –, Aidan
usa uma lata de tinta para fazer o ritmo e Ashton ajuda com a segunda voz. Ele adora se
exibir, portanto tirou a camiseta antes de começarmos e está todo manchado. Elas
respondem também, no refrão. Parece algo que Mackenzie e eu diríamos um para o outro.
Willa tem uma voz linda, alta e rouca, e não se acanha ao soltá-la.
— Tell me what you you hate about me, whatever it is, I’m sory, yea, yea, yea, yea, yea, yea.
I know I can be dramatic, well, everybody’s saying we had it, yea, yea, yea, yea, yea, yea. —
Mackenzie entra na sala no instante em que canto o refrão. Ela para, de braços cruzados,
analisando a parede que Finnick e eu estamos pintando. Aidan para de tocar. — Que foi? —
indago, seguindo seu olhar fulminando a parede.
— Está mal pintada. — responde, atravessando a lona que usamos para cobrir o chão e
vai até a geladeira. Tira a jarra de água e serve dois copos. — Faz de novo! — Ela bebe um
gole e faz o mesmo caminho de volta.
— Não tá ruim — Ashton, que está pintando a parede atrás do sofá, diz, encarando a
parede diante de mim. — Você é fresca.
— Você tem razão, não está ruim, está péssima! — Bebe outro gole de água e continua
andando. — Pinta de novo, Bryan — está provocando, consigo sentir pela farpa em sua
língua. — Odeio como você é teimoso — sussurra e continua seu caminho de volta para o
quarto. Dou uma última olhada no corredor.
— O que foi isso? — Finnick acompanha meu olhar.
— Acho que foi uma resposta — digo, dando risada.
— Foi meio estranho — Aidan complementa, deixa a lata de tinta vazia de lado e vem
até mim. — Mas ela tem razão. Tá horrível. — Encaro a parede branca pela metade. Na
verdade, ainda tem alguns pontos de azul nela.
Mas a música diz: me diga o que você odeia em mim, seja o que for, eu sinto muito. Eu sei
que posso ser dramático. Bem, todo mundo está dizendo que nós tivemos aquilo. Eu estou
chegando a um acordo com um coração partido.
— Você acha?
— Tenho certeza. Melhor pintar de novo.
— Nós íamos dar mais uma demão — Finnick entra em defensiva. A camiseta preta e os
cabelos loiros estão maculados de branco. — Acho que a sua amiga está de implicância
mesmo, Aidan.
— Desde quando você fala tanto? — Aidan dá um tapa de brincadeira na cabeça de Finn,
que devolve, respingando a tinta do pincel na camisa jeans dele. — Caralho, Finn! Não vai
sair nunca mais!
— Você é tão metido a besta, que vem pintar um apartamento com uma camisa nova.
— Ele tá tentando impressionar a Passarinho — Ashton brinca, voltando a se concentrar
na parede.
— Ah, é. Tinha me esquecido de que você tá arriscando esse tipo de relacionamento
com ela — brinco também e sigo o exemplo de Ashton e umedeço o pincel com mais tinta
para continuar. — Algum progresso?
— Nenhum progresso. — Ele começa a desabotoar a camisa.
— Mais um homem sem camisa nessa sala! — Finn reclama. — Vocês gostam de se
exibir ou é impressão minha?
— Você é acanhado demais pra mostrar seu tanquinho, Finn? — Ashton ri.
— Ah, cale a boca, Ash!
— Você a conhece há mais tempo, Bryan. O que eu faço?
Aidan parece não se importar em falar abertamente comigo sobre Mackenzie, porque eu
disse que não ligo para o que acontece entre os dois, mas isso é quando ele não quer entrar
em detalhes ou quando não me pede ajuda para conquistá-la. Gosto mais quando é cordial,
não fala sobre o assunto, mas começo a desconfiar que não gostou de Mackenzie ter me
alfinetado minutos atrás. Talvez tenha ligado a música e a sua resposta, como dois mais
dois são quatro. Aidan se envolve rápido e é uma merda, porque parece que ele está sempre
a um passo de se machucar.
Deixo o pincel de lado após constatar que estou certo a respeito de Mackenzie.
— Você está bravo.
Ele não afirma, mas também não nega. Finn e Ash param de pintar as paredes quando
percebem que o clima entre nós mudou.
— Tá. O que foi?
— Só quero saber. — Joga os ombros naturalmente para cima, mas sei que seu desdém
é forjado. — Sei lá, você a conhece há mais tempo. Foram melhores amigos.
— Eu acho que você já entrou na friendzone, cara — Ashton afirma. Não quero
concordar com ele e acabar deixando Aidan mais puto. — Entrar nessa zona é um caminho
sem volta, todo mundo sabe.
— Não é verdade — respondo, convicto. Se fosse o caso, Mackenzie e eu não teríamos
nos beijado tantas vezes e sentido tesão um pelo outro. — Eu não sei. Já chamou ela pra
sair?
— Tentei, mas ela disse que está cedo. Nós sempre saímos como amigos.
— Friendzone — Ash cantarola.
— Eu não sei por que ela me provocou, Aidan. A gente já não conversa há muito tempo.
É sério.
— Foi você quem provocou — acusa.
— Como é que é?
— A música. Você quem provocou.
— É só a porra de uma música, Aidan!
Finn e Ash trocam olhares.
— Só não faz isso, beleza?
— Mas eu não fiz nada!
— Ela estava magoada quando você disse que não a queria. Então não provoca. Não
estou falando por mim, porque se Mackenzie disser que não quer nada comigo, vou
entender. Estou falando por ela, pra você não a machucar mais.
Jogo a cabeça para trás, suspirando.
— O que aconteceu com a banda acima das garotas? — Finn pergunta com as
sobrancelhas levantadas. Ele está realmente falante hoje.
— Não estou colocando ninguém acima da banda — respondo, sem desviar a atenção de
Aidan. — Parei de ir à terapia por causa dela, Aidan. Não direciono uma palavra a ela
quando estamos por perto. A dispensei pensando nela, porque eu sei que não estou pronto
pra um relacionamento. Não joga sua frustração pra cima de mim, caralho!
— Não estou jogando nada pra cima de você, Bryan.
— Você está sim, a culpa não é minha.
— A culpa é sua sim. Você é especial demais pra ela e agora que está conseguindo se
reerguer, não quero que se machuque.
— Ela era especial pra mim antes de eu ser pra ela.
A sala cai em completo silêncio.
Não espero que Aidan me entenda, mas eu entendo o que ele está tentando fazer. Quer
protegê-la, porque realmente gosta dela.
É por isso que eu bebo.
Porque eu sei o que ela odeia em mim e não estou fazendo nada para mudar.

“O dia em que você se afastou e agiu como se fosse superior
Foi o dia em que me tornei o homem que eu sou agora
Mas esses muros altos, eles falharam
Agora eu sou mais alto que todos
Esses muros altos nunca quebraram minha alma
E eu
Eu vejo todos eles caindo
Eu assisti todos eles caírem por você”
WALLS – LOUIS TOMLINSON

Please Don’t Go, de Joel Adams, está tão alto que as paredes do apartamento parecem se
mexer conforme a batida imperiosa tenta atravessá-las.
Effy está puta com Mackenzie e Gravity, porque o acordo era uma festa privada, só para
conhecidos, mas grande parte das pessoas espalhadas pela sala e corredor, nenhum de nós
conhece. Além disso, ela acabou de flagrar um casal fazendo sexo em sua cama. Eu nunca a
vi tão furiosa em toda a minha vida. Geralmente, ela mantém suas emoções sob controle,
consegue disfarçar quando algo a incomoda, mas hoje poderia apostar que suas amigas não
vão ter paz pelo resto da noite.
Estou seguindo-a para todos os lados porque o descontrole é notório. Aparentemente
convidaram os vizinhos do sexto, sétimo, oitavo e nono andar. O resto do prédio parece não
se importar com a festa, acredito que pela maioria dos moradores serem jovens estudantes
loucos para se divertir.
Afastaram o tapete da sala e montaram uma mesa no centro, onde um grupo de quatro
pessoas joga beer pong. Effy ainda não encontrou Mackenzie ou Gravity, tenho certeza de
que estão em algum lugar do apartamento que, apesar de pequeno, conseguiu acomodar
umas trinta pessoas sem nenhum problema. A sala e a cozinha estão inabitáveis, por Effy
estar estressada, não consigo relaxar. Estou recostado à bancada da cozinha, de braços
cruzados, assistindo ao jogo de beer pong. Não disfarço a carranca nem finjo que estou me
divertindo.
A música muda rapidamente para One Way Or Another, de Until The Ribbon Breaks,
rastreio a sala em direção à caixa mediana que Ashton trouxe, plugado a tevê e vejo
Mackenzie mexendo no celular. Estou prestes a ir até ela quando Effy aparece, tocando-a no
ombro. Discutem algo e Mack revira os olhos, dando de ombros e apontando para o próprio
peito enquanto refuta o que a ruiva diz. Contorço os dedos dentro das botas, forçando-me a
não ser intrometido.
Por fim, Mackenzie se vira e deixa Effy falando sozinha. Minha amiga percorre os olhos
pela sala, provavelmente em busca de um rosto conhecido. Assim que paira sobre mim,
levanto a mão para chamar sua atenção. Empurrando as pessoas com os ombros largos,
consegue chegar onde estou. A frustração se evidencia quando bufa.
— Sério, ela tá muito insuportável! — Effy resmunga, ficando de frente para mim. —
Preciso beber alguma coisa — murmura, olha por cima de mim e os ombros pendem ao se
dar conta de que é quase impossível chegar aos coolers onde as latas de cerveja estão
alojadas. — Gravity é uma péssima influência. — Sei que Effy não fala sério, acredita que
Vity é a melhor pessoa que já conheceu, mas está com tanta raiva da situação que não filtra
o que diz. Por isso ignoro. — Você também não parece estar se divertindo.
— É porque não estou.
— Bryan McCoy não está apreciando uma festa. O que foi?
Jogo os ombros para cima, ainda circulo o lugar com os olhos. Não sei ao certo o que
estou buscando, mas sempre detenho o olhar em uma garota, confundindo-a com
Mackenzie. Não é o meu natural esse tipo de atitude, ficar perambulando, procurando por
ela. A verdade é que a vi beber tantas latas de cerveja hoje que acredito já ter alcançado o
limite, mas não vai parar tão cedo. E se Effy, que é amiga dela, não conseguiu convencê-la,
será impossível que eu consiga.
— Acho que não estou no clima. Quer dar o fora? — sugiro e há uma esperança
embutida em minha voz.
— Eu quero, mas não posso. Tenho certeza de que amanhã seremos expulsas. — Cruza
os braços, na altura do peito e contorna com os olhos o caminho que fiz há pouco com os
meus.
Bury A Friend, de Billie Eilish, é a próxima música que toca. Algumas pessoas param
diante da tevê e começam a dançar. Os jogadores de beer pong cessam a rodada para abrir
mais espaço, para que mais pessoas se aproximem para dançar.
— Preciso de você aqui, tá? Não vai embora, por favor.
— Sério? — Tombo a cabeça para trás. Estava esperançoso de que poderia escapar de
mansinho enquanto ela não me olha.
— Quando todo mundo for embora, eu terei que limpar tudo sozinha! Mackenzie e
Gravity estão bêbadas demais pra raciocinar. Por favor, Bryan, fica. — Ela segura a minha
mão. Os olhos amendoados e inocentes são sua arma para me convencer a fazer qualquer
coisa. Contrariado e com um suspiro preso na garganta, sacudo a cabeça concordando. —
Obrigada, obrigada! — Segura minha mão e a aperta. — Você é o melhor amigo de todos.
— Eu sei.
— Ótimo. Eu vou trancar os quartos porque não estou a fim de pegar outro casal
transando na minha cama. Essa cena nunca vai sumir da minha cabeça — diz aérea, como
se tivesse sido sugada para a cena. Dou risada. — Cale a boca. Tá cheio de garota bonita,
aproveita. — Envia uma piscadela para mim e sai.
Na verdade, tem uma garota sentada ao sofá que não conseguiu parar de me olhar
desde que chegou. Não estou muito interessado. O dia foi puxado e terminamos há poucas
horas de pintar os cômodos e montar os móveis que elas precisavam para a rotina diária.
Ainda tem tinta debaixo de minhas unhas e acabei manchando minha camiseta – apesar de
não ser a minha favorita. A garota tem o cabelo em ondulações proeminentes abaixo dos
ombros, um tom claro de castanho. Não consigo enxergar a coloração de seus olhos porque
a distância entre nós é grande, mas é profundo, como se já me conhecesse.
Vou em busca do cigarro no bolso da jaqueta de couro. Pego o maço e o isqueiro, e saio
para a varanda. É o único lugar que ninguém descobriu. Fecho a porta assim que atravesso
e vou até o parapeito para me escorar.
Acendo o cigarro e é a mesma sensação de sempre; nicotina ativando a dopamina, a
sensação de relaxamento me deixando menos tenso e meus pensamentos a respeito de
Mackenzie evaporando à medida que fico extasiado. Tudo no seu devido lugar, onde
deveria estar. A fumaça sobe e a suavidade desce.
— Oi. — Escuto a voz frágil, baixa e sensível permear através dos meus tímpanos. Giro
um pouco a tempo de ver a garota do sofá parada próxima a porta.
Reparei nas suas roupas antes, mas agora está mais fácil de ter uma visão completa. Usa
um vestido preto, que se ajusta ao corpo, emoldurando seu quadril definido e evidenciando
as curvas salientes. Umedeço o lábio inferior enquanto a encaro. Ela é bonita, tem simpatia
exalando dela. Os olhos que antes não conseguia enxergar estão bem nítidos agora graças à
luz amarela da varanda e a claridade da lua sob seu corpo. É pequena, tão baixa quanto
Mackenzie e se pudesse chutar, ela não tem mais que dezoito anos. As botas são longas, na
altura dos joelhos com saltos medianos.
— Oi — respondo, sem muito interesse e volto a olhar para a frente, concentrando-me
na fumaça e na cidade apagada de Humperville.
— Você quer ficar sozinho? — pergunta e a escuto dar um passo à frente. Então me dou
conta de que ficar próxima a porta foi uma tática. Se eu responder que sim, fugirá do
constrangimento rapidamente.
Swin é a música que começa a tocar ao me virar para vê-la outra vez. Chase Atlantic,
uma das minhas bandas favoritas.
— Não, não quero.
A garota então exima a distância e se ampara no parapeito ao meu lado.
— Meu nome é Beverly, pode me chamar de Bev. — Beverly está sorrindo, mas não olha
diretamente para mim. — Beverly Bryant.
Nunca entendi o motivo das pessoas utilizarem primeiro e segundo nome para
apresentações, mas Beverly não parece ter nenhuma segunda intenção ao fazer isso.
— Bryan. Bryan McCoy. — Continuo fumando e olhando para a frente sem desviar.
Ficamos em silêncio e cantarolo a música Swin para preencher o silêncio entre nós. Pela
visão periférica, consigo notar que Beverly está me encarando, um pouco de choque
circunda os olhos acinzentados. Os lábios pequenos em formato triangular, entreabertos.
Viro o rosto para focar neles. Já não beijo alguém há um bom tempo e estar com alguém
com quem acabei de conhecer nunca fora um problema para mim, porém, desde que
Mackenzie e eu teoricamente resolvemos nossos problemas, não ando muito animado com
a ideia de beijar outras bocas. É constrangedor admitir isso. Às vezes, sinto a
vulnerabilidade como uma fraqueza que desperta sempre que penso nela.
— Você canta bem.
Franzo a testa.
— Você conhece a The Reckless, certo?
— Não. O que é a The Reckless? — ela ri, sacudindo a cabeça. — Desculpa. Eu me mudei
para Humperville tem pouco menos de três meses. Não consegui fazer amigos e não andei
muito pela cidade ainda. Por que pensou que eu conhecia?
— Você não parou de me olhar desde que chegou. — Bev enrubesce. Uma garota não
cora por minha causa já há algum tempo. Mesmo quando transava sem compromisso, não
conseguia fazê-las corar por algo que eu disse, mas sim porque tiveram um orgasmo.
Preciso confessar que gosto dos dois tipos de rubor, mas o que Bev acabou de ter é inocente
e puro. Eu gosto do que sinto em seguida. — Pensei que me conhecesse.
— Não conheço… só te achei interessante.
— Defina interessante. — Apago o cigarro contra o parapeito metálico.
— Suas roupas. O modo como falou com a sua amiga e segurou a mão dela. E como você
a seguiu preocupado por aí desde que ela pegou um casal na cama dela. Eu nunca vi um
cara cuidando e se preocupando tanto com alguém que não fosse ele mesmo. Sem contar
que você parece ter sido arrastado para essa festa contra a sua vontade, assim como eu.
— Legal você mencionar. Ia te perguntar. O que veio fazer aqui? Porque se não tem
amigos, então…
— Eu moro no apartamento “O”. É aqui do lado. — Indica por cima do ombro,
apontando para a porta atrás de nós. — Mackenzie me convidou. Achei estranho porque
não conversamos nada até agora. Mas vendo que convidaram tantas pessoas do prédio,
acredito que foi só por educação.
Anuo com a cabeça, concordando com Beverly.
— O que veio fazer em Humperville, Bev?
— Estudar. — Ela está sorrindo.
— O que vai estudar?
— Ainda não me decidi. Vou fazer um curso preparatório antes. Quero ter um leque
aberto de opções, quer dizer, não posso decidir o que vou fazer para o resto da vida aos
dezenove anos. — Quase acertei a idade de Beverly.
— Seus pais?
— Meu pai ficou em minha cidade natal, Fort Beav. E minha mãe é modelo, então, deve
estar em algum lugar do mundo fazendo ensaios fotográficos para marcas famosas — Bev
parece distante ao falar da mãe. — E você, Bryan?
— Eu canto. É isso que faço. Minha história não é interessante, a banda é o resumo de
tudo. — Até penso em contar sobre minha vida dramática para a garota. Ela parece
confiável e tem um potencial arrebatador para acabar na minha cama, mas não tenho
vontade de partir para a malícia com Beverly. — Devia ir nos ver tocar qualquer dia desses.
Nosso próximo show é amanhã, na recepção de calouros da Humperville. Ou no Purple Ride,
na semana que vem.
— Não posso entrar — diz com um sorriso cobrindo os lábios. — Ainda não tenho vinte
e um. Faço aniversário mês que vem — conta, balançando na ponta dos pés e segurando no
parapeito. — Só terei o prazer de entrar em boates ano que vem.
— Se quiser ir, posso tentar colocar você na boate.
— Sério? — Bev se vira para mim. Um certo tipo de encanto contorna sua íris.
— Sério. — Escondo as mãos nos bolsos da jaqueta de couro.
— Sua namorada não vai se incomodar?
Por que diabos ela pensa que tenho uma namorada?
— Namorada?
— Eu vi o jeito que olha para Mackenzie. É óbvio que vocês têm alguma coisa.
Jogo a cabeça para trás cedendo à gargalhada.
— Beverly, eu não tenho uma namorada. Sendo mais honesto, não namoro.
Bev curva as sobrancelhas para baixo, confusa.
— Mas não vou mentir, nós temos uma história e ela ainda mexe comigo. — Não
acredito que estou falando sobre esse assunto com Beverly, uma completa estranha, e o
engraçado é que não estou sob influência de álcool dessa vez. Porra!
— Eu terminei com meu namorado quando decidi que viria para Humperville. Queria
aproveitar a faculdade sem estar comprometida com alguém a oito horas de distância. Não
sou a favor de relacionamentos a distância. Valorizo o toque, a presença e o corpo a corpo.
Isso de conversas através de Skype e FaceTime não funcionam para mim. Seth ainda está
arrasado e não tem um dia que não pense nele, mas não me arrependo da decisão que
tomei. Poderia ser egoísta e acabar fazendo algo pior, como trair ou mentir dizendo que não
estou indo à festas e dançando com desconhecidos.
— Namoraram por muito tempo?
— Sim, desde o colégio. Primeiro amor. Primeira vez. Ele foi meu primeiro em tudo. Eu
me machuco só de lembrar como Seth me olhou. — Beverly está comprimindo os lábios e
tenho certeza de que tenta suprimir o choro.
— Pode me dar seu número? — Fico de lado, apoiando a cintura no parapeito. — Vou te
levar para as festas mais loucas e divertidas dessa cidade. Te garanto.
Ela sorri.
— Obrigada, Bryan. Sabia que tinha te achado interessante por um motivo.
Beverly diz que não está com o celular no momento, mas me passa seu número e pede
que mande uma mensagem para ela e, assim que chegar em casa, salvará meu número. Nós
conversamos sobre o clima em Humperville, coisas banais e aleatórias. Noto que Bev gosta
de falar sobre sentimentos e emoções, não se priva de dizer o que sente. É sincera e sinto
verdade em cada palavra que sai de sua boca. Ela tem a mania de ajeitar o cabelo atrás da
orelha e faz sempre que se refere a Seth, o ex-namorado que ainda assombra seus sonhos.
A porta de vidro de correr atrás de nós é aberta. Ambos olhamos para aquela direção.
Gravity está de braços cruzados, utilizando a jaqueta de couro com seu nome escrito atrás.
Ela me analisa primeiro e, em seguida, encara Beverly, fulminando-a de um jeito esquisito.
Estou prestes a pedir para ela ir embora, mas me interrompe antes.
— Mack e eu queremos jogar beer pong, mas precisamos de duas pessoas para jogar.
Vocês topam?
Beverly troca um olhar comigo.
— Por mim tudo bem — sussurra e assinto, concordando com ela.
Deixo-a ir na frente.
Vinte copos vermelhos de plástico estão sobre a mesa; dez do meu lado e de Bev, outros
dez do lado de Mack e Vity, em formação triangular.
São elas que começam o jogo. Vity é a primeira a jogar. Sei o quanto é boa no beer pong,
pois jogamos muitas vezes na casa do Ashton e do Aidan, então a bola quica uma vez na
mesa antes de pular para o copo no topo da ponta do triângulo.
De acordo com as regras, se a bola quica uma vez na mesa antes de entrar no copo,
Beverly ou eu somos obrigados a tomar dois copos de 500ml de cerveja. É quem
arremessou a bola de pingue-pongue que escolhe qual de nós irá beber. Vity me deixa de
fora e escolhe Beverly. Assim que ela engole o primeiro gole, percebo que Bev não é muito
fã de beber. A careta que faz quando termina o segundo copo é quase insuportável de olhar.
Mantenho-me afastado da mesa, porque é minha vez de jogar. Bev me acompanha para
evitar que descumpramos as regras quando o álcool subir. A música que toca agora é Okay,
também de Chase Atlantic. As pessoas a nossa volta estão torcendo, cantarolando a música
a plenos pulmões.
Sou tão bom quanto Gravity, mas a bola não quica na mesa antes de cair no copo. Não há
nenhuma curva, o ângulo é reto e a cerveja respinga na mesa ao atingir a superfície do
líquido. Bev e eu comemoramos e decido que quem bebe é Gravity. É a vez de Mackenzie
jogar. Ela estuda em qual copo irá direcionar sua força, mas acho que impõe demais porque
a bolinha pula fora da mesa. Resmunga, bate o pé e Bev escolhe qual copo Mackenzie
deverá beber, já que errou.
É a vez de Beverly jogar. Fico espantado ao perceber que ela joga extremamente bem. A
bolinha quica duas vezes na mesa antes de pular para dentro de um dos copos. As pessoas
ovacionam, comemorando, e Bev ri, dando de ombros quando a olho questionador.
— Sorte de principiante!
Bev escolhe Mackenzie para beber.
Faltando três copos em cada lado da mesa, começo a perceber que Mackenzie não está
engolindo mais a bebida como antes. É repulsivo vê-la engrenar a cerveja pela garganta
como se estivesse engolindo veneno.
Fico de braços cruzados, esperando que ela termine o primeiro copo. Bev arremessou, a
bolinha quicou três vezes antes de cair no copo e isso obriga Mackenzie a beber o que lhe
sobrou na mesa – uma das regras que implementamos ao jogo, se a bolinha não quica
nenhuma vez, é apenas um copo, mas se ela quica duas ou três vezes, bebe a quantidade em
que pulou.
Eu me afasto da borda quando ela agarra o terceiro copo, mesmo não aguentando mais.
Porra, é só desistir! Ela não precisa beber se não quiser. Mas os convidados ao nosso
redor estão esperando que ela vomite ou tenha coma alcoólico, porque gritam para ela
girar de uma vez.
Bufo, revirando os olhos. Sou movido pela completa consciência de que ela
provavelmente vai me mandar à merda, mas não vejo qualquer necessidade de vê-la passar
mal outra vez por beber tanto. Dou a volta à mesa, sinto os olhos de Beverly e Gravity me
acompanharem.
Fuckin’ Problems escapa da caixa de som no instante em que paro o copo de Mackenzie
no ar, cobrindo a borda com a mão espalmada. Ela levanta o olhar sonolento em minha
direção, mal consegue manter as pálpebras abertas.
— Já deu. Você já bebeu demais. — Inclino para sussurrar só para ela. Com a outra mão,
seguro de leve sua mão para sentir seu pulso. Já tive pessoas que me pararam antes que eu
atravessasse o limite e estou fazendo o mesmo por ela.
— Me deixa em paz — murmura, ao puxar o braço com força. Não tem necessidade, já
que quase não a toquei.
— Eu bebo por você — sugiro.
É a pior ideia que tenho porque Mackenzie vira o copo até que as bochechas se inflem
com o líquido. A sua teimosia, mais uma vez, me surpreende, pois ela cospe a cerveja de
volta no copo e o entrega para mim.
— Vai se foder, Bryan!
Seguro o copo de plástico contra o peito. Parte da minha camiseta se molha e a jaqueta
também.
— Não preciso que beba por mim.
Eu podia rebatê-la, mas desisto da ideia. Ela está bêbada, tentar convencê-la do
contrário é inútil. Minha atitude provavelmente será vista como se eu estivesse tentando
controlá-la, mas é longe disso. Só quero pará-la antes que se arrependa amanhã.
— Primeiro você me provoca com a música. Agora quer beber por mim? Porra! — ela
murmura, diminuindo a distância sem se importar que está gritando comigo na frente de
todas as pessoas da festa. — Eu não te entendo. Se quer se afastar, então se afaste. É tão
fácil!
— Eu estou afastado. Há dois meses.
Ela aperta os lábios pronta para refutar, mas então vejo as mãos de Aidan cobrir seus
ombros e devagar a puxa.
— Vem, você precisa de um refrigerante. — Aidan está sorrindo, tentando amenizar a
raiva irrompendo dela.
Eu o assisto puxá-la para o corredor, rumo a seu quarto. Aidan adquiriu o poder de
acalmá-la. Apesar de ter me pedido conselhos, de um modo irônico, ele não precisa de mim
para conquistá-la. Ele tem seu próprio modo de agir, que agrada a qualquer mulher.
Fico parado e sinto alguém puxar o copo vazio da minha mão. Levo os olhos em direção
a pessoa e vejo Bev puxando devagar o plástico e o deixando sobre a mesa. Vity revira os
olhos e se afasta também, para a mesma direção onde Mack e Aidan foram.
— Você se molhou. Quer ir até meu apartamento? Tenho certeza de que trouxe uma
blusa do meu irmão por engano na mala. — Ela sorri amistosa.
— Quero — concordo e Bev sorri, segura minha mão e me puxa por entre o aglomerado
de pessoas que nos cercam.
Dou uma última olhada no corredor antes de me deixar ser guiado para o apartamento
de Beverly.

Beverly tem muitas plantas em seu apartamento. As paredes são brancas e as


prateleiras com livros acima da tevê de uma madeira crua. Há quadros de gatos espalhados
pela sala e por todo o corredor. Também tem fotos suas e de seu irmão, porém não
pergunto muito sobre ele ou sua família. A verdade é que agora não estou realmente
interessado em saber e perguntar como se estivesse, seria hipocrisia de minha parte.
O sofá é um rosa bebê claro e há algumas almofadas cinzas o enfeitando. Por fora o
prédio pode parecer gasto e que está caindo aos pedaços, mas Bev fez do seu apartamento
aconchegante, olhando por dentro ninguém desconfiaria que o prédio está em degradação.
— Há tempo você é apaixonado por ela? — Bev estende uma toalha limpa para mim. —
O banheiro é no final do corredor. — Indica, esticando o braço para mostrar. Enquanto
esteve procurando a toalha, dei uma boa olhada em seu apartamento. Ela fez a pergunta,
mas não me deu espaço para responder, então não tenho certeza se quer mesmo saber.
Eu me levanto do sofá para apanhar a toalha estendida. Aperto o tecido atoalhado com
força, refletindo.
— Desde sempre — respondo, mesmo que ela não esteja interessada de verdade.
— E por que é que vocês não estão juntos? — Ela se joga no sofá e pega uma almofada
para distrair as mãos. — Não consigo enxergar nenhuma barreira que pudesse atrapalhar
vocês.
— Eu sou bem babaca quando quero. — Jogo a toalha por cima do ombro direito e volto
a me sentar. Gosto de conversar com Bev. Gosto muito. É a mesma sensação quando falo
com Effy ou um dos meninos da The Reckless. — E não confio nela o suficiente pra me
arriscar. Além de estar focado na banda. Mackenzie nunca seria uma prioridade pra mim.
Por um minuto, Beverly fica pensativa, pairando em um lugar onde essa conversa não
existe. Fico esperando que ela diga mais alguma coisa antes de me levantar.
— Você vai viver uma vida inteira sozinho? É o seu plano de sucesso?
Nunca pensei dessa maneira.
— Talvez só não tenha encontrado a garota certa ainda — diz.
— Eu acredito que ela possa ser a garota certa, mas no momento errado. — Levanto-me
e rumo para o banheiro sem estender o assunto.
Uma camiseta branca lisa está disposta sobre a tampa da privada. Tiro a jaqueta e a
blusa que Mackenzie molhou com cerveja e umedeço parte da toalha para limpar meu
peitoral. Estou todo melado de bebida.
Nós fizemos escolhas difíceis pensando em nos proteger, mas sempre que nos
esbarramos eu me questiono se nos afastar é a solução dos problemas ou se estou apenas
criando mais dor.
Encaro meu reflexo no espelho.
Não dá para negar que o cansaço está escancarado em meu rosto, nas bolsas roxas de
olheiras sob os olhos. Tenho bebido demais, embora hoje tenha mantido o controle ao me
distrair com Bev e Effy. Tenho pensado mais nela que o normal, fazendo o meu mundo girar
para o lado oposto do que quero.
E não sei que caralho fazer para voltar aos trilhos. Não consigo não culpar aquele vídeo.
Se Effy não o tivesse enviado, talvez continuaria a odiando e fingindo que seu sofrimento
fora pequeno perto do meu. Queria conseguir voltar ao que eu era alguns meses atrás, antes
de saber tudo que soube. Não teria a beijado, deixado-a voltar para a minha vida. Se
soubesse os efeitos colaterais, eu a teria evitado a todo custo. Estou tentando me afastar,
mas tudo me puxa de volta como um maldito ímã.
Saio do banheiro e vejo Beverly mexendo em seu celular.
— Já salvei seu número.
— Ok. Eu te mando uma mensagem.
— A música parou tem uns cinco minutos. A festa deve ter acabado.
— Prometi a Effy que a ajudaria com a bagunça.
— Tudo bem. — Ela se levanta, ajeitando a saia do vestido. — A camiseta ficou boa em
você.
— Obrigado. Volto pra te devolver.
— Não se preocupa. — Bev me acompanha até a porta.
Saio e me viro para vê-la apoiar a lateral da cabeça à porta.
— Gostei de ter te conhecido hoje, Bryan.
— Eu também — digo e estou sendo sincero.
— Quando você e Mackenzie não estiverem mais em uma montanha-russa, quem sabe
podemos ir a um encontro? — Estica os lábios devagar em um sorriso tímido. Ela está
ruborizada outra vez. É ousada, deixa claro o que quer, mas tem vergonha em seguida.
Beverly chega perto de ser fofa, diferente das outras garotas que conheci ou transei.
— Por que não?
Estou com a jaqueta sob os ombros e a camisa suja em uma das mãos. Sigo andando de
costas enquanto Beverly não fecha a porta, mas logo a perco de vista, porque entro no
apartamento de Effy sem olhar para trás.

Effy está na cozinha segurando um saco de lixo preto em uma das mãos, recolhendo as
latinhas de cerveja espalhadas pelos cômodos. Metade do saco parece ter sido preenchido.
— Onde é que você estava? — Effy bufa, frustrada, parando a poucos passos de mim
com as mãos na cintura. Abro a boca para responder, mas ela me para. — Esquece. Não
quero nem saber. Vity me contou que saiu com a vizinha. Preciso de ajuda aqui. Mackenzie
está ocupada colocando tudo que bebeu para fora enquanto Gravity segura o cabelo dela.
— Cadê os meninos?
— Aidan teve uma emergência familiar e precisou ir embora. Ashton, aquele canalha
debochado, saiu com a vizinha do nono andar. E o Finn não chegou nem a aparecer. —
Revira os olhos e volta a pegar as latinhas. — Nate e Maeve também não vieram. Faith
perguntou por você, mas, quando contei que saiu com Beverly, ela foi embora. Willa e
Bailey estavam no quarto da Gravity, por isso não vi nenhuma delas.
Deixo a blusa suja em cima do sofá. Noto algumas manchas de gordura sobre o tecido
estofado e não digo nada, para evitar que Effy surte mais.
Vou até a lavanderia para pegar um pano úmido e produto. Tento remover a mancha,
mas não resolve. Então vou até a cozinha para lavar a louça e limpar a sujeira de
salgadinhos pela bancada enquanto Effy aspira a sala e os quartos. Não vi Faith ou qualquer
uma das meninas, mas se Effy disse que estavam por lá, é porque estavam. Passei grande
parte da festa na cozinha, estressado e o restante na varanda com Beverly.
— Tá. Eu quero saber. O que rolou com a vizinha? — Effy fala, mas preciso ler seus
lábios para conseguir entender. O barulho do aspirador é muito alto.
Acabo sorrindo.
— Não rolou nada.
— Mentira.
— Verdade.
— Até parece que você ficou sozinho com ela no mesmo cômodo e não rolou nada.
— Não aconteceu.
— Então você está mesmo passando por uma fase difícil — reflete, lembrando-se da
nossa conversa de mais cedo.
— Só porque você é minha melhor amiga e eu te amo, não te dá o direito de se
intrometer na minha vida sexual.
— Tudo bem, se não quer falar, eu respeito. Mas é estranho.
Decido não discutir mais com Effy. Nós continuamos a limpeza do apartamento. Ora ou
outra, administro meu olhar para checar a hora. A festa acabou por volta das duas da
manhã. É sábado, dia trinta e um de agosto e a recepção oficial dos calouros na Humperville
University. A The Reckless tem um show marcado às onze da noite. Algumas horas antes do
show sinto meu estômago revirar, como se tivesse comido algo estragado e o enjoo me
arrebata. É natural. Acontece todas as vezes, embora já esteja acostumado a cantar para o
público.
Nós terminamos de limpar tudo quase às quatro da manhã. Nem Gravity ou Mackenzie
apareceram na sala desde então.
— Você devia ficar — diz quando pego a jaqueta para vesti-la e as chaves do carro sobre
a bancada da cozinha. — Está tarde.
— Preciso ir.
— Tem certeza?
— Tenho, querida.
— Ridículo. Não me chama assim.
— Tudo bem, querida.
Effy pressiona os lábios em desconforto.
— Preciso te contar uma coisa — Effy sussurra e detenho o passo. Ela andou estranha o
dia todo e tinha certeza de que não era um simples estresse por causa da mudança.
— Desembucha de uma vez. — Cruzo os braços, esperando.
Fisgando o lábio inferior, Effy fecha os olhos e expira.
— Seu pai me enviou um convite para o jantar de noivado também. Mas… não é tudo —
murmura, ponderando se continua ou não. Estou revirando os olhos e quase explodindo,
porque Effy sabe como odeio segredos. — Ele me pediu para te convencer a tocar com a
The Reckless no dia. Bryan, eu disse a ele que você não concordaria de jeito nenhum. Não
estou tentando te convencer a fazer, só não queria mentir pra você ou esconder a verdade.
— Há quanto tempo ele te pediu pra fazer isso?
Os ombros de Effy murcham e tenho quase certeza de que ela vem guardando há
bastante tempo.
— Puta que pariu, Effy! — Passo as mãos pelos cabelos, desalinhando os fios em
frustração. — Essa é a nossa regra primordial: não mentir ou esconder nada um do outro.
Foi desse jeito que a nossa amizade deu certo. Porra! — Chuto o pé do sofá, enfurecido.
— Você devia ficar hoje.
— Por que está insistindo tanto? Tem mais alguma coisa?
— Não! Eu sabia que você ficaria bravo, não quero que dirija desse jeito.
— Você está mentindo e sabe como eu sei disso? — Minhas narinas inflam em fúria e
Effy se encolhe mais. — Porque sua pressão sobe, suas pálpebras trepidam e você
tremelica! Diz logo.
— A sua mãe foi vê-lo. Hoje. Ela me fez prometer que te convenceria a ficar. Desculpa,
Bryan. Desculpa!
Effy une as mãos na frente do colo em forma de coração. Fecho os olhos, inspirando o ar
profundamente. Estou tentando não gritar ou jogar todo o estresse para cima dela, mas está
muito, muito difícil.
— Que porra!
— Desculpa, Bryan. Ela não queria que você soubesse, tinha certeza de que você
surtaria!
— O que diabos ela foi fazer lá? — Desabo no sofá. A confiança de minha mãe sobre mim
é frágil, tanto que não confiaria que eu respeitaria sua decisão de ir vê-lo.
— Ela não me contou. Só disse que voltaria a tempo de você não desconfiar que tinha
saído. Bryan, eu juro, ia te contar, mas não agora. Só…
— Por favor, pare de falar — peço, colocando o cotovelo no braço do sofá.
Massageio as pálpebras com os dedos. Estou cansado pra caralho hoje. Convencer-me a
vir até aqui e ajudá-la com a mudança, montar os móveis e até mesmo pintar as paredes.
Tudo me parece um plano infalível para mentir para mim.
— O que foi? — A voz sonolenta de Mackenzie invade a sala, levanto só um pouco a
cabeça para conseguir enxergá-la. Ela parece bem melhor, menos instável e menos bêbada.
— Aconteceu alguma coisa?
— Não é nada. — Começo a me levantar, pronto para ir embora dessa vez. Effy entra no
meu caminho. Jogo a cabeça para trás, suprimindo um suspiro de exaustão. — Sai da frente,
Effy.
— Não vou deixar você dirigir por aí irritado. Da outra vez, você a atropelou. —
Gesticula o queixo apontando para o corpo ereto de Mackenzie apoiado à entrada do
corredor.
— Foi um acidente.
— Um acidente que poderia ter sido pior — Mackenzie fala. Passei os últimos dois
meses sem sentir raiva dela, mas nesse momento sou influenciado pela raiva que sinto da
minha mãe. Talvez direcionando-a toda para ela. É errado, eu sei, mas não consigo evitar.
— Você fica — diz, simplesmente. — Ninguém quer que você seja preso outra vez por um
acidente.
Effy aproveita o momento de distração para passar a trinca na porta e pegar a chave.
— Desculpa, estou fazendo pelo seu bem. Você vai me agradecer depois, tenho certeza.
— Me dá a porra da chave, Effy! — Estendo a mão com a palma virada para cima.
— Não, Bryan. Me desculpa, mas não.
Ela não me dá tempo para continuar discutindo, apenas contorna meu corpo petrificado
e ruma em direção ao corredor. Effy me conhece o bastante, sabe que eu não agiria de
forma insana só para pegar a chave. Então é fácil para ela só ditar as regras e me deixar sem
qualquer opção de fuga.
Passa por Mackenzie, que permanece intacta no lugar, encarando-me. Só agora reparo
que tem uma toalha sobre os ombros.
Volto a me sentar no sofá, jogo a cabeça para trás sobre o encosto e fecho os olhos. Não
consigo acreditar que minha mãe convenceu minha melhor amiga a mentir para mim e me
prender aqui. A que nível de instabilidade emocional a Sra. McCoy acha que eu me
encontro?
— Você vai ficar bem? — Escuto os passos leves se aproximar. Mackenzie parece
disposta a falar comigo, coisa que não se mostrou muito mais cedo.
— Vou. — Não estou tentando mesmo ignorá-la a essa altura do campeonato.
— Vou trazer um travesseiro e cobertores.
Ela some pelo corredor, volta minutos depois trazendo no braço lençóis, o travesseiro e
um cobertor. Não está frio, mas não o recuso. Deixa tudo no sofá ao meu lado.
— Você precisa de mais alguma coisa?
— Não.
— Ok.
Levanta-se, mas, antes que esteja completamente longe, seguro-a no pulso.
— Você ficou dois meses sem nem olhar para mim. Por que está falando comigo agora?
— Não sou como você, Bryan. Não tenho um coração feito de pedra e gelo. Eu me
solidarizo quando você se machuca.
— Então é isso, está falando comigo por questão de solidariedade?
— Por que mais seria?
— Me diz você.
— Está fazendo de novo.
— Fazendo o quê?
— Me provocando. — Ela puxa a mão de volta para si e a coloca contra o colo.
— Eu te provoco?
— Você sabe que sim e eu não faço ideia do que está tentando provar. Nós conversamos,
decidimos que seria melhor assim.
Eu me levanto e fico de frente para ela. Encaro seus olhos que saltam de um lado para o
outro, estudando minhas feições, procurando desvendar o que estou tentando fazer com a
proximidade. Não é minha culpa. Não é culpa dela. Simplesmente acontece e odeio muito
como Effy tem razão ao dizer que sou completamente rendido a ela. Queria muito que ela
estivesse errada, queria conseguir ter algo com Mackenzie que não fosse tão frágil e
complicado. Eu estava muito errado sobre achar que tinha o controle dos meus
sentimentos.
— Vamos continuar desse jeito, agindo como se nunca tivéssemos nos conhecido.
Fingindo que não significamos nada um para o outro — ela conclui, afastando-se. — Tenho
me sentido cada vez melhor desde que a gente se afastou.
Ela não precisa me dizer. Sei o quanto está mais solta e se divertindo mais sem o peso
do nosso passado. Não quero ser egoísta, seguindo o que eu sinto e a magoando depois
outra vez.
— Você sabe que tomei essa decisão pensando em você.
— Não, você tomou essa decisão pensando em você. Eu prefiro fingir que nada
aconteceu entre nós do que me deitar tentando adivinhar com quem você está passando a
noite. Não gosto dessa sensação.
Eu odeio pra caralho quando ela age assim.
— E mesmo assim você se importa comigo.
— E mesmo assim eu me importo com você — parafraseia, mas desiste de discutir
comigo.
Também desisto. Ela não é a única teimosa. Eu também sou.
Ruma em direção ao banheiro; assim que fecha a porta, caio no sofá outra vez e cubro o
rosto com o antebraço. Respiro pesado inalando o ar quente do apartamento. Escuto o
chuveiro ligar, a água escoar e a luz cair um pouco. Meu coração está tão confuso e fodido
desde que conversamos. Não consigo tomar a decisão certa e quando tomo, volto atrás em
pouco tempo, porque não resisto. É estranho pensar que passei quase dois anos magoado
com ela, com a angústia me movendo e moldando meus dias, para, em seguida, perdoá-la e
ponderar sobre minhas escolhas.
Em um rompante, estou de pé, andando pelo vestíbulo pequeno do apartamento.
Espero, do lado de fora, com os braços cruzados e a cabeça abaixada.
As coisas precisam acontecer entre nós. Preciso parar de frear o que sinto. Quero ficar
com ela. É tudo o que eu sei. Apesar de não admitir, não gosto de pensar em Mackenzie com
Aidan. Não gosto de imaginar ela com nenhum outro cara e entendo o que disse sobre não
confiar em mim, por não saber com quem estou passando a noite. Ela se machuca, se
magoa, chora calada e mantém o orgulho intacto a fim de não demonstrar. Eu a entendo
muito bem, porque faço o mesmo.
Então, foda-se o autocontrole!
Foda-se a história da banda acima das garotas!
Não dou a mínima, contanto que o sentimento de perda que estou sentindo agora acabe.
A chave do chuveiro desliga e espero. Meu coração está quase rompendo a parede
torácica e vindo ao mundo externo, onde tudo é visivelmente mais complicado.
Escuto a trinca da porta e a madeira se abrir. Os cabelos tingidos estão molhados,
respingando pelos ombros desnudos. Mackenzie está envolvida pela toalha, segurando a
parte superior com um braço. Ela sobressalta ao me ver, mas não diz nada.
— Eu gosto de você.
— Por que você continua dizendo isso? Por que continua insistindo que gosta de mim?
— Porque gosto de ver como você perde a linha, o foco. Como sua respiração falha, o
rosto cora e a sua boca treme com a simples menção de eu querer você. — Dou passos
curtos rumo a ela. Espero que se afaste ou que tente me parar, mas ela não o faz. — Mas é
recíproco. Você faz o mesmo comigo.
Afasto a madeixa molhada de cabelo que cai sobre seu ombros e com o indicador
contorno sua mandíbula com resquícios da água do banho. Delineio os lábios secos
entreabertos com o polegar e enterro a outra mão em sua nuca.
— Eu não resisto a você — confesso.
Ela segura com firmeza meus pulsos, penso que agora irá me afastar, mas continua
hesitando e desistindo no último segundo.
— Lembra quando te disse no armário que, quando começasse, não pararia?
Concorda, balançando a cabeça em sinal afirmativo.
— Se você me pedir para parar, eu paro.
— E se eu disser que não quero que pare?
— Então eu serei seu.
Diferente de todas as outras vezes que nos beijamos, eu me inclino devagar para
estender o momento em que meus lábios estão a centímetros de tocar os dela. Seguro-a
com firmeza na nuca e, ao sentir sua boca, tudo em mim cria vida própria. Meu peito corrói
em batidas frenéticas incessantes e Mackenzie não hesita. Não parece ter dúvidas. Espero
sentir seus lábios enrijecerem e os ombros ficarem tensos, mas nada disso acontece. Ela
retribui com a mesma urgência, colidindo a língua contra a minha e enlaçando meu pescoço
com o braço. Não menti, porra, eu senti falta dela. Eu quis fazer isso, arrependi-me e
busquei por desculpas para ir até ela. Só sou covarde demais para admitir.
Meus dedos afundam na toalha e a puxo devagar rumo a seu quarto. Atravesso a soleira,
guiando-a às cegas. Bato a porta e giro a chave para trancá-la. Mackenzie está colada a mim,
sinto o medo mesclado ao sabor de menta da pasta de dente. Do que ela está com medo?
Com Mackenzie é diferente. Não consigo entender o que ela quer ou até onde posso ir.
Tenho medo de ultrapassar qualquer limite e acabar estragando tudo. Ela me deixa tenso,
ansioso e com uma maldita insegurança. Quero fazer tudo certo, quero colocá-la em um
pedestal e deixá-la saber que tento fazer direito.
Eu me afasto um pouco, ela resfolega e minhas mãos estão em volta da toalha. Descanso
minha testa sobre a sua, expirando.
Devagar, desato o nó da toalha, que escorrega penosamente por seu corpo em ondas
perfeitas. Por instinto, Mackenzie fecha os olhos e leva o braço para cobrir os seios
intumescidos.
Beijo cada centímetro de seu rosto, enquanto a guio rumo a cama. Ela para, as costas
dos joelhos batem contra a borda e a envolvo entre meus braços. Paro os beijos e não ouso
descer os olhos porque ela está envergonhada e não quero que se sinta desconfortável
perto de mim.
— Senti falta disso — sussurra, contra meu peito. Deixo meu queixo sobre sua cabeça.
— De te abraçar. Nós só nos beijamos e todas as vezes senti que estivemos fazendo isso sob
uma pressão horrível, como se estivéssemos cheios e transbordando. — Ela contorna
minha cintura com os braços e pressiona a lateral do rosto contra meu peito. Tento afastá-
la, mas não deixa. — Estou com vergonha — confessa e sopra uma risada contra a camiseta
que estou vestindo.
Eu a solto sem olhar para ela. Pego a toalha do chão e estendo para ela, olho para o
outro lado enquanto se cobre.
— Não estou com pressa — digo, volto a olhá-la agora que voltou a cobrir seu corpo sob
a toalha. Eu me sento ao seu lado e entrelaço minhas mãos entre as pernas. Tento disfarçar
que fiquei duro só de beijá-la.
— Você deixa tudo confuso pra mim.
— Eu sei que deixo, mas não quero mais te confundir, Mackenzie.
— O que você foi fazer no apartamento da Beverly? — pergunta, erguendo o olhar.
— Você derrubou cerveja em mim e aqui estava impossível de ir até o banheiro. Ela me
emprestou a camiseta do irmão. — Puxo o tecido para mostrar, mas ela não parece
acreditar muito.
— Você está colocando a culpa em mim?
— Não, pelo amor de Deus, claro que não!
— Você podia ter escolhido não ir até lá.
Arqueio uma sobrancelha, olhando-a confuso.
— Você tá certa. Desculpa.
De repente estamos em um silêncio pesado e constrangedor.
— Você ficou chateada por que tirei sua toalha?
— Não. — Sacode a cabeça com força e ri em seguida. — Eu me sinto atraída por você,
Bryan. Muito. Queria poder experimentar tudo com você.
— Eu não durmo com ninguém há dois meses — revelo e me sinto aliviado por ser
sincero. — Não consegui ficar com ninguém.
— Tá falando sério? — ela ri, mas me olha desconfiada. Pestanejando conforme seus
olhos se alternam entre olhar para a minha boca e meus olhos. — Faith?
— Não falo com ela desde aquela noite que você me ligou.
— Audrey?
— Não.
— Ninguém?
— Ninguém, Mackenzie.
Ela morde o lábio inferior pensativa.
— Eu te entendo por desconfiar. — Eu me levanto, pronto para voltar à sala. — Você
devia descansar. A gente conversa amanhã. — Levo os lábios em direção a sua testa.
Quando a toco, Mackenzie segura a minha mão e me puxa em um ritmo lânguido e
desconfiado, mas não me privo. Ela me beija outra vez, acabo caindo sobre ela quando
agarra a gola da camiseta e me puxa com mais força. Amparo as mãos sobre o colchão, uma
mão de cada lado de sua cabeça, fico alguns centímetros afastado de sua boca, observando
seu rosto corado.
— Você se lembra do pen drive que te dei de aniversário com as músicas de The 1975?
— Sim.
— Falling For You. Eu definitivamente me declarei pra você naquela época. Tenho
certeza de que você sabia, por que nunca disse nada?
— Estava esperando o momento certo. Não queria apressar as coisas. — Acaricio os
cabelos molhados salpicados pelo colchão onde estamos deitados. — Você era importante
demais para mim e tinha medo de te perder.
— Qualquer passo errado e estragaríamos tudo — reflete.
— Sim, eu pensei dessa maneira.
Mackenzie leva a mão em direção à minha nuca e acaricia os fios de cabelo da raiz
enquanto estuda meu rosto.
— O que acontece agora? — indago, desenho com o indicador a linha de seus lábios e a
base de seu maxilar.
— Você me beija. Aqui. — Ela pressiona o indicador contra os próprios lábios e segue a
linha de seu queixo até o pescoço. — Aqui. — E continua, entre os seios cobertos e para na
altura da virilha. — E aqui.
Hesito, mas dura apenas alguns segundos porque Mackenzie envolve o tecido da gola e
me puxa em direção a sua boca.
Então eu a beijo. Primeiro nos lábios, ela retribui e não demoro a seguir as instruções
que me deu. Resvalo os lábios pela trilha de seu queixo ao pescoço. Ela inclina a cabeça para
trás, abrindo espaço para ir mais a fundo. Meus dedos deslizam e percorrem a curva
sinuosa de sua cintura sobre o tecido da toalha. Com os incisivos, mordo o pano e desfaço a
prensa que fez para mantê-la envolta do corpo. A mão direita me ajuda a afastar o tecido.
Os bicos de seus seios estão mais rosados pelo intumescimento. Rastreio a língua na
depressão entre os seios em volúpia. Subo, circulando-a entorno da aréola e sugo devagar o
primeiro mamilo. Mackenzie arqueia a coluna, expirando com aspereza. Não detenho a
língua que circunda os seios e a faz estremecer sob o toque aveludado. Faço o mesmo com o
outro, o movimento de sucção deixa uma leve marca avermelhada em volta do mamilo rijo
e continuo.
Inspiro seu perfume de xampu e sabonete de erva-doce, solto o ar de leve contra a pele
sensível e afasto mais a toalha; libero o caminho enquanto desço. Chego a sua virilha sem
pressa, é lisa e rosada e paro por um instante. Ergo o olhar para seu rosto. Ela evita olhar
para mim, mantém o foco no teto e está ofegante como se estivéssemos correndo. Acaricio
seu quadril e levo a mão até seu rosto, acariciando-o também.
Eu imaginei esse momento algumas vezes, quando comecei a pensar em transar com
ela, aos dezessete anos. Mackenzie tinha uma idealização inocente sobre nós dois irmos à
faculdade e ficarmos com outras pessoas. Sobre ela me contar com detalhes como seria a
sua primeira vez e eu sempre imaginando que a minha seria com ela. Infelizmente, não
aconteceu.
Deixo um beijo sobre a pele de sua virilha e a encaro. Quero ter certeza de que posso
seguir em frente. Mackenzie percebe que estou demorando demais e agarra meu cabelo,
abaixando minha cabeça em direção às paredes sensíveis de seu sexo.
Desço a língua entre os lábios vaginais, separando-os. Sob o toque da minha língua, sei
que estão inchados e vou devagar, lambendo e sugando o clitóris. Ela projeta a coluna para
cima e geme quando atinjo seu ponto mais sensível ao introduzir a língua em sua abertura.
Com mais força imposta, afunda minha cabeça mais uma vez segurando os fios de cabelo
entre os dedos com mais força. É como uma ordem silenciosa, para que eu repita o que
acabei de fazer. Obedeço, entocando a língua em um ritmo de cadência e acaricio o clitóris
com o polegar.
Mackenzie arqueia a coluna outra vez, articula um palavrão e o líquido quente que sai
de sua vagina esparrama em minha língua.
Volto beijando seu abdômen, deixo rastros em volta de seu umbigo e deposito um beijo
em cada seio. Quando chego a sua boca, está expirando com força, de olhos fechados e em
sua testa tem rastros de suor. Fecho a toalha outra vez em volta dela e dou outro selinho
nela.
— Cacete — murmura e dou risada antes de beijar sua têmpora. — Que foi que acabou
de acontecer? — Ela não abre os olhos, mas me estico para me deitar ao seu lado.
— Você gozou na minha boca.
Ela gira a cabeça para o lado, para me encarar. Dou risada das bochechas coradas e o
suor raso em uma camada cristalina cobrindo parte de seu rosto.
Passo o braço em volta de sua cintura e trago-a para perto. Inspiro mais uma vez seu
cheiro e fecho os olhos, acomodando o queixo na curva de seu pescoço e ombro. Embora
não diga mais nada, sei que Mackenzie não está tentando dormir. Ao abrir os olhos, tenho
certeza, porque os seus estão estalados como se estivessem sob efeito de algo.
— O que foi? — sussurro, contra seu ouvido.
— Nada. Por que mudou de ideia? — pergunta, virando-se para mim.
Apoio o cotovelo no colchão e apoio a lateral do rosto sobre a palma da mão.
— Do que tá falando?
— Dois meses atrás você disse que não podíamos ter nada. Por que mudou de ideia?
— Querer ficar com você não significa nada?
Franzo a testa. Tenho certeza de que tem uma coisa esquisita rolando aqui.
De repente, não estou mais tão feliz de tê-la feito gozar.
Nem de tê-la beijado ou a tocado.
— Significa, mas estamos falando de você, Bryan. Demorou, mas entendi, nesses últimos
meses, que sexo casual é o que você gosta. Só estou tentando entender o que é que mudou
agora.
— Porra, não me diz que você está pensando o que eu acho que está pensando.
— Não vou dizer então.
Eu me levanto e paro na frente dela, entre suas pernas.
— Tá de sacanagem comigo?
— Bryan, dois meses atrás você estava dizendo que não podíamos ficar juntos. Me disse
com todas as letras e palavras seus motivos, e eu entendi. Levou algum tempo para
perceber que eu nunca poderia te oferecer o que quer e você estava longe de querer
abandonar essa vida fodida de libertinagem que leva. Eu digo que sou virgem e as coisas
mudaram de repente?
— Você está mesmo insinuando que o que acabou de acontecer tem a ver com a sua
virgindade?
Ela não responde.
— É sério, Mackenzie?
Levo as mãos à cabeça, encarando-a.
— Não tem nada a ver.
— Para mim, faz todo sentido.
— Mas não é. Em nenhum momento, isso passou pela minha cabeça, porra!
Ela se levanta também.
— Eu não transaria com você hoje nem que me pedisse. O que aconteceu entre nós
agora foi o mais longe que chegamos se tratando de intimidade, porque sexo é isso.
Intimidade. — Paro inspirando e expirando, esperando que ela diga algo que contorne essa
situação. — Por que me deixou te beijar? Te tocar desse jeito? Eu disse que podia parar, se
você quisesse.
— Lembra quando eu disse que queria que as minhas primeiras vezes fossem com
alguém especial? — Ela fisga o lábio inferior, pensativa e evitando olhar para mim. — Você
é especial para mim, Bryan.
Por um minuto, não consigo entender o que ela está dizendo.
— Queria experimentar, como você faz.
— Não significou merda nenhuma pra você.
— Significou, sim. É por isso que foi com você.
— E agora já era? Acabou? Tudo que eu te disse não valeu nada?
— Sinto muito — seus ombros caem conforme diz.
Merda! Merda! Merda!
— De quantas maneiras diferentes você consegue quebrar meu coração? — Minha voz
sai em um fiapo, transtornada.
Mackenzie abraça o próprio tronco, reprimindo os tremores.
— Entenda como um ato de proteção. Eu quebrei o seu antes que você fizesse outra vez
com o meu.

“E tudo dentro de mim quer encontrar
Novas formas de te arruinar
Embora não seja certo
Mas eu não me sinto bem
Em fazer você se sentir pior do que eu
Eu sei que é o que você merece
Mas quanto mais eu te machuco, mais eu me machuco”
HURT ME – MADISON MCWILLIAMS

Estou acordada há horas, mas não consegui me levantar. Meu corpo pesa e minha
cabeça parece um fardo de toneladas. Tem acontecido nos finais de semana, quando saio
com Gravity depois do expediente no Purple Ride. Às vezes, nós bebemos por lá mesmo e
não morar mais com os pais significa que não preciso telefonar para avisar que não
chegarei antes da meia-noite. O que estou tentando dizer é que a liberdade tem um sabor
distinto, é difícil seguir outro caminho que não seja sua total independência.
Moro com Vity há duas semanas – embora só tenha trazido o resto das minhas coisas
ontem – e Effy se mudou ontem. Acho que ela estava tentando sair de casa sem criar
cerimônia com os pais, mas se tratando dos Cohen, é óbvio que rolou todo um discurso
moral sobre Effy voltar para almoçar com a família aos finais de semana. O oposto de como
foi a minha saída: minha mãe chorou, meu pai olhou para mim e entendeu que não sou
mais uma criança que precisa ser protegida o tempo todo e Nate, apesar de não admitir,
está preocupado se estou conseguindo cozinhar, já que não sou tão boa na cozinha como
meu pai. Mas, cada segundo vivendo sob o teto manchado deste apartamento, é o paraíso
na Terra para mim. Nunca experienciei algo tão simbólico como não depender de ninguém
além de mim.
Enquanto olho para o teto, a lembrança dessa madrugada é um mártir. Não importa o
quanto tente não olhar para ele, não consigo evitar. A lembrança é uma ruína e sou
consumida por ela. Encarei aquele teto mofado por um bom tempo sentindo a língua
habilidosa de Bryan percorrer meu corpo. Ele é muito bom com ela. Meu Deus!
Fecho os olhos e puxo o edredom até que cubra a ponta de meu nariz. Arquejo o ar,
sentindo os arrepios da madrugada cobrindo minha pele em espirais libidinosas. É a
primeira vez que alguém me toca desse jeito. É a primeira vez que temos um momento
assim. Talvez a influência do álcool me faça tomar as decisões mais difíceis e perigosas, mas
não nesta madrugada. Desta vez, a minha consciência está tranquila, porque não só me
lembro de tudo como quis cada segundo. Ele me deixa confusa, perdida e não é de agora
que percebo que sempre que ficamos juntos por mais de dois minutos no mesmo cômodo,
tudo se torna uma centelha de fogo e a minha boca termina na dele. É tão óbvia nossa
atração que não posso ser hipócrita ao me recusar a sentir.
Aprendi algo nos últimos dois meses que não consegui em dois anos que estivemos
separados: sinto tudo como antes, só não digo e o deixo acreditar que não. Faço de conta
que não me importo. Quando nos encontramos, não o olho nos olhos e não direciono a
palavra a ele. Agir como se não ligasse é uma tática para que, em breve, não precise mais
fingir. Para quando a mentira não for mais uma mentira. É assim que tenho lidado com
meus sentimentos por ele, foi o jeito que encontrei de não pensar em nós dois com o
coração comprimido. Fiz um pacto comigo mesma, é uma questão de fidelidade a si
próprio: se um dia Bryan tentasse se aproximar outra vez, seria forte o suficiente para
dispensá-lo.
Não fui forte para negar a sensação de tê-lo comigo, mas fui o bastante para dizer que
estou tentando me proteger de mais uma decepção. Não quero vê-lo sair pela porta da
frente com um novo pedaço do meu coração, porque é óbvio que um tempo depois ele
voltará para buscar outro, e outro, e outro, até que não sobre nada para alguém que
realmente valha a pena.
Não menti quando disse que queria que minhas primeiras vezes fosse com alguém
especial. Eu quero e não me importo se para outra pessoa não significar a mesma coisa.
Para mim é importante.
Bryan pode ter sido sincero sobre minha virgindade, mas não consigo confiar nele para
acreditar. Houve palavras de ódio e rancor que saíram de sua boca que me magoaram,
como posso ter certeza de que não está tentando ser vingativo?
É aí que me dou conta de que Bryan tem razão sobre eu vê-lo como um monstro. Às
vezes, simplesmente não consigo enxergar o melhor de alguém, mas não é premeditado. As
pessoas são sugestivas a serem ruins e ficar em dúvida com elas é a forma que encontrei de
me proteger.
Não sei quando foi que fiquei assim. Quando alguns princípios mudaram, mas sei o
ponto de partida. Era sábado de manhã. Chovia pra cacete e escutava meu coração se
partindo na cozinha de Bryan.
Acho que cansei de tentar convencê-lo de que o passado não pode ser o guia de nossas
escolhas futuras. Aprender com ele é uma dádiva, mas se prender como uma verdade
absoluta é o maior erro de Bryan.
Meu celular toca sobre o a mesa de apoio ao lado da cama, anunciando uma mensagem.
Estico a mão para pegá-lo e é uma notificação do Kik. Assim que o abro, o nome de Aidan
está em primeiro na lista de mensagens não lidas. Pisco algumas vezes associando a
mensagem, ao horário e sobressalto.
— Estou atrasada! — grunho, afastando o edredom pesado para o lado e, enquanto
corro para o closet em busca da toalha de banho, abro a mensagem de Aidan.

Aidan: Tá pronta? Já tô aqui!

— Ah, merda!
Corro para o banheiro e agradeço por estar vago. O banho é rápido, apresso-me para
escovar os dentes e pentear os cabelos. Prendo-os com o elástico enquanto passo as
alcinhas de meu vestido azul estampado com bolinhas brancas. A saia pouco acima dos
joelhos e o decote quadrado estão amassados, mas não me importo. Recebo outras duas
mensagens de Aidan.

Mack: Atrasada!!!!

Aidan: HAHAHAHA.
Aidan: Tudo bem, eu espero.

Calço meu All Star branco novo no quarto e bato a porta ao sair. Effy está debruçada
sobre a mesa pequena, movendo os dedos sobre a tela do celular, hipnotizada com o que vê
na página do Instagram.
— Bom dia — cumprimento-a, rumo à geladeira em busca de água.
A saliva de minha boca parece ter sofrido exílio.
— Bom dia. Bryan foi embora bem cedo — diz, mas finjo não estar prestando atenção e
torço para que ela não pergunte nada sobre nós dois. — Queria conversar com você sobre
ontem. Tem um tempinho agora?
— É sábado. Dia de tomar café com o Aidan. — Fecho a porta da geladeira com o copo
d’água cheio. — Mas podemos conversar enquanto tomo esse copo de água! — Ergo-o
mostrando a ela. Effy exala o ar e não disfarça o toque de reprovação. — Você está brava —
concluo, puxo a cadeira para me sentar na frente dela e envio uma mensagem para Aidan
dizendo que estou encrencada com Effy.
— Estou sim, claro. Nós combinamos de ser uma festa pequena, Mack. E vocês
convidaram quase o prédio inteiro! — Controlo a vontade de rolar os olhos. Effy se tornou
segura e responsável, como se fosse a pessoa adulta desta casa quando, na verdade, Gravity
é a única capaz de beber e entrar em qualquer boate sem precisar mentir. — Olha, eu sei
que você está tentando “recuperar o tempo perdido” — ela faz aspas com os dedos para se
expressar —, mas eu também moro aqui e queria muito que vocês levassem a minha
opinião em consideração! Tinha um casal transando na minha cama ontem! Sem contar que
Bryan e eu ficamos com toda a limpeza depois.
— Desculpa — peço e estou sendo sincera. Vity e eu estávamos muito animadas para
fazer uma festa da casa nova há duas semanas, mas queríamos esperar que Effy também se
mudasse para oficializarmos tudo. — Não vai acontecer de novo, tá? — Termino a água em
um único gole denso. Sinto que ela ainda não terminou o que pretendia falar, portanto não
me movo.
— Aconteceu alguma coisa entre você e o Bryan ontem? — Quase engasgo. Tusso para
disfarçar e bato a mão no tórax. Effy se levanta para dar palmadas em minhas costas. —
Não precisa responder, já disse tudo.
O tom irônico me faz erguer a cabeça para encará-la. Effy nunca o defende, mas também
não fica do meu lado. Sempre acho que está ponderando sobre quem está certo ou errado.
Tento não pensar muito nisso porque acabo aborrecida e enciumada por parecer que Bryan
é a única pessoa que Effy defenderia. Ainda sinto que não me perdoou, mesmo morando
juntas e falarmos sobre tudo.
— Vai contar para o Aidan? — Levanto-me para deixar o copo na pia. Effy segue meus
movimentos, erguendo a cabeça e inclinando o tronco para não me perder de vista. — Sabe,
que rolou uma coisa entre você e Bryan.
— Por que eu contaria?
— Por que ele gosta de você? — As sobrancelhas ruivas de Effy se arqueiam. — E vocês
estão saindo?
— Nós somos amigos, o que significa que não preciso me explicar com ele. E não
estamos saindo como um casal.
Essa é uma ótima desculpa. Porém, também sei que Aidan está esperando o momento
para dar o próximo passo e eu não me decidi se vou deixá-lo cruzar essa linha segura onde
me encontro. Ele é um homem incrível, com uma alma linda e um coração que merece ser
amado. Eu ainda vivo nesse mar de caos e a última coisa que quero é trazê-lo para a minha
confusão.
Quase dois meses que começamos essa amizade. Ele me visita com frequência, saímos
juntos mais vezes na semana do que estou acostumada a sair com Vity e Effy. Nós trocamos
mensagens o dia todo e, aos sábados, saímos para tomar café de manhã, já que a The
Reckless tem uma agenda agitada no fim de semana.
No começo pensei que não iria durar, porque existe uma regra específica entre eles: as
garotas não podem estar acima da banda. Contudo, acredito que Aidan não tenha me
colocado acima dela em nenhum momento. Nossos encontros não o atrapalham com shows
e ensaios; quando os outros membros ligam, ele corre até eles e é o que acho mais lindo
nele; sua lealdade às pessoas que ama. Apesar de não dizerem uns aos outros, sei que
significam muito e que se amam como uma família. Então por mim tudo bem, até porque
nunca me senti uma segunda opção para ele.
— Ainda acho que você deveria contar que houve uma recaída.
— Não foi uma recaída — enfatizo. — O que aconteceu entre mim e Bryan foi o
seguinte: duas pessoas solteiras que se divertiram. Ponto final.
— Ele parecia chateado quando saiu hoje de manhã. Tem certeza de que não rolou mais
nada?
Mordisco o lábio inferior. Não sei o quanto posso ser sincera com Effy. Nossa amizade é
compartilhada. Não é como Gravity. Tenho certeza de que, se contar para ela com detalhes
o que aconteceu com Bryan, ficará entre nós duas, no entanto, com Effy existe esse receio.
— Eu pareço chateada? — Fico parada ao lado dela, cruzo os braços e apoio o peso do
corpo em uma das pernas. Effy comprime as pestanas, encarando-me de volta em uma
análise minuciosa. Parece um teste do polígrafo, só que é Effy quem conclui se estou
dizendo a verdade ou mentindo.
— Não.
— Está vendo? — Ando em direção ao cabideiro para pegar minha bolsa transversal de
lapela – presente da minha mãe quando me mudei – e pego a cópia de minha chave na
mesinha recostada à parede. — Nada com o que se preocupar. Se não estou chateada, te
garanto que Bryan também não está. Nós fizemos o que ele está acostumado a fazer, nada
de compromisso!
Effy respira pesado, cruza os braços repetindo minha pose de minutos atrás.
— Que foi agora?
— Vocês dois são incrivelmente teimosos.
— Eu acho que ele que é incrivelmente teimoso.
— Vocês se gostam, deviam ficar juntos de uma vez. — Assim que Effy termina de falar
percebo que tenho duas opções: sair, deixando-a falar sozinha ou faço Aidan esperar mais
algum tempo. — Ou sei lá, só não ficarem mais. Sem recaídas.
— Você tem razão. — Abro a porta com pressa e sorrio para Effy. — Desculpa, a gente
se fala depois!
Fecho-a antes que Effy tenha a oportunidade de dizer mais alguma coisa que possa me
deixar minimamente frustrada e estrague não só o meu café da manhã, mas todo o meu dia.
E ainda temos a recepção formal de calouros da universidade hoje mais tarde. Ficar bem
não é questão de escolha, mas sim uma prioridade.
Assim que chego ao elevador, não permito que Bryan ou as lembranças da noite
passada me deixem divagando. Simplesmente esqueço, quer dizer, ao menos tento.

Aidan pede panquecas de chocolate e cobertura e fico no meu waffle com chantilly e
morangos por cima. É uma bomba de açúcar, às nove da manhã de um sábado. É um ritual
que criamos pouco tempo depois que nossa amizade evoluiu. Começou com convites para ir
à casa dele, comer as panquecas de chocolate que Dannya insiste em fazer, mas Aidan odeia
como ela se esforça para “ocupar” o lugar da mãe, embora eu não veja dessa maneira. As
panquecas de Eline Lynch para Aidan são insubstituíveis, mas, quando notei que ele se
sentia desconfortável com o fato de Danny tentar, eu o convidei para tomarmos café fora.
O café da manhã em família na mansão dos Lynch é como um ritual imutável nos
últimos anos, desde que ele e Willa saíram do colégio interno, e apesar da mãe parecer
sempre séria e concentrada no ballet, colocava todas as suas energias na cozinha, para
agradar aos filhos. Aidan me contou sobre as manhãs que passava ao lado dela, vendo-a
cozinhar para eles e descobri que essa é a única lembrança verdadeira e boa que tem dela.
Não quero que ele sinta que Darnell está tentando camuflá-las introduzindo alguém que
não aprova.
Então, estamos sentados em nossa mesa de quatro lugares de sempre. Tomo café
amargo para balancear com o doce do chantilly e Aidan me acompanha. Nós rimos de um
comentário que ele faz da festa de ontem, sobre eu ter vomitado em seu par de All Star
novinho e que a governanta da mansão não gostou nada de ter que lidar com eles.
— É sério, ela ficou furiosa.
Finco o garfo em uma rodela de morango, levo-a direto à boca mordiscando devagar.
— Da próxima vez que a vir, Rowan vai te dar uma bronca!
— Tudo bem. — Jogo os ombros para cima despretensiosa. Não estou preocupada com
Rowan. — Eu sei lidar com o mau humor da Rowan.
— Faz tempo que não comemos lá em casa. — Aidan está brincando com o pedaço
pequeno de panqueca que cortou no prato. É quando noto que seu apetite é fraco hoje.
Geralmente pede quatro rodelas de panqueca e, apesar de ter mantido o pedido, não comeu
nem metade da primeira enquanto já estou terminando de comer meu waffle. — Meu pai tá
preocupado.
— Você falou com ele?
— Sobre o quê?
— Sobre você se sentir desconfortável com Dannya fazendo tudo que sua mãe fazia.
— Não, porque é inútil.
— Você precisou ir embora ontem depois que ele ligou. O que aconteceu?
Aidan recosta ao banco estofado vermelho e confortável. Coça o nariz, retorcendo-o em
uma carranca e cruza os braços, engolindo a contragosto o pedaço de panqueca que colocou
na boca. Ele move a língua nas laterais da bochecha, como sempre faz quando não consegue
se decidir se será totalmente honesto comigo.
— Ele vai pedi-la em casamento.
Apanho a xícara de café a poucos centímetros de mim e dou um gole curto para ajudar o
pedaço de waffle atravessar a garganta. Levanto o olhar para Aidan, que está evitando me
encarar.
— Você já esperava que fosse acontecer. Qual o problema?
— Ele quer dar a porra do anel da minha avó. — Finalmente ergue o queixo, as narinas
inflando de raiva. — Não deu nem para a minha mãe, porque dizia que tinha um significado
especial e que o repassaria para mim no futuro, para que eu desse para alguém que fosse
especial. Ele não tá nem pensando direito no assunto!
— Certo. Mas ele perguntou pra você antes, então?
— Sim.
— É só dizer que você não concorda.
— Eu disse, mas parece que, quando se trata de Dannya, nada do que eu penso importa.
— Willa está lidando bem com a novidade?
— Willa não liga. — Espreme as pestanas, sacudindo a cabeça. — Acho que ela não se
importa com as tradições ou com o fato de ele estar tentando colocar alguém no lugar da
minha mãe. Ela não dá a mínima.
— Você devia fazer como a sua irmã. — Tenho liberdade para falar com Aidan sobre
qualquer assunto. Ele não é grosso, mesmo quando não concorda comigo e não me detém
só porque pensamos diferentes. Às vezes, é tão fácil falar com ele que não acredito que é
real. — Parar de se importar. Não estou dizendo que você precisa deixar as lembranças da
sua mãe de lado ou esquecer o lance do anel, só que você sempre diz como quer viajar por
aí com a banda e aproveitar sua vida. O seu pai ficará aqui, Aidan. Em um momento ou
outro, você e Willa não estarão mais por perto e ele terá que viver sozinho naquela mansão
enorme. Ele será um velho rabugento e solitário, se você não cooperar. Darnell também tem
direito de viver um pouco. É triste demais que ele não tenha ninguém com quem
compartilhar a vida. Esse casamento não significa que Dannya é a única prioridade. Ele
pensa em você e Willa também. Se não se importasse, não teria te ligado ontem e pedido
sua “bênção” para esse casamento. — Dou um sorriso para tranquilizá-lo e Aidan o devolve,
sorrindo também. — Dê uma chance a Dannya também. E Gravity — reforço, inclinando-me
sobre a mesa. Aidan reprime sacudindo a cabeça.
— Dannya eu posso suportar. Gravity é aquele brinde surpresa que, se você pudesse,
devolveria para a fábrica. — Sei que ele está brincando. A raiva que Aidan tem de Vity é
porque ela sempre dá um jeito de ser provocativa.
— Você é um mentiroso. Minha nossa! — rio, bebo mais um pouco de café e descanso o
corpo no encosto. — Nem parece que se beijaram um tempo atrás.
— Aquilo foi uma droga! Ela beija mal pra caralho!
— Tá mentindo de novo — cantarolo, revirando os olhos.
— Foi nojento, sério. Depois fiquei pensando em como pareceu que eu beijei Willa.
Gargalho, jogando a cabeça para trás e acabo chamando a atenção dos casais, que estão
sentados à mesa atrás de mim.
— Então você pensou sobre o beijo.
— Cale a boca, Mackenzie! Por que estamos falando sobre isso? — Sacode a cabeça,
como se fosse possível tirar a cena da mente. — Nunca mais participo de um jogo idiota
como esse, que pode me obrigar a beijar minha tia postiça. A não ser, claro, que sejamos só
eu e você no jogo. — Aidan envia uma piscadela para mim.
Aidan a princípio parece um cara quieto que não aposta em investidas, mas ele faz com
frequência e ultimamente tem sido ainda mais direto. Quase engasgo com o último gole de
café que dou. Limpo a boca com o guardanapo e rio, disfarçando o constrangimento,
embora sinta que tem evidências do rubor em minhas bochechas.
— Ah, droga! — Ele pega o celular sobre a mesa. — Tô atrasado pro ensaio da The
Reckless. — Levanta-se, em um rompante. — Preciso ir.
— Você está tão ferrado! — implico, com uma risada diabólica.
— Não tem graça. Eles vão ficar putos comigo!
Eu me levanto também.
— Eu iria com você, mas não acho que seja uma boa ideia.
— Com certeza, não seria uma boa ideia. Nada de distrações no ensaio.
Forjo descontentamento, porque sei que ele está brincando. Apesar de ter certeza de
que o fato de distrações no ensaio ser verdade, Aidan não se incomodaria de me levar se eu
realmente quisesse.
Caminhamos em direção ao balcão com a comanda em mãos. Dividimos a conta, como
sempre, e rumamos para a saída.
A BMW de Aidan está estacionada do outro lado da rua, contudo a distância do
apartamento é apenas de dois quarteirões da cafeteria onde estamos.
— Te vejo mais tarde na recepção? — apressa-se em dizer, enquanto caminhamos em
direção ao seu carro.
— Claro.
— Até lá então.
Ele abre a porta pelo controle na chave e beija minha bochecha antes de entrar. Vou até
a calçada e espero que saia da vaga para finalmente seguir meu caminho de volta ao
apartamento.
Aceno para o para-brisa traseiro do carro, inclinando um pouco o tronco para a frente.
Ele coloca a mão pela janela e a sacode para mim também. Sorrio e cruzo os braços, espero
que faça a primeira curva e suma do meu campo de visão.
A discussão desconfortável com Effy. A noite passada com Bryan. Nada disso me
incomodou na presença de Aidan. Meu coração é tão grato por tê-lo por perto, porque está
sempre sendo amaciado por sua bondade. Ele infla e se agita na presença de Aidan, mas não
é romântico. É puro como o que eu sinto por Nate.
Caminho devagar de volta para o apartamento. Já não faço minhas corridas matinais há
alguns dias, meu corpo começa a dar seus primeiros sinais de que sente falta dessa rotina.
Decido que na segunda-feira, antes de começar a faculdade, retomarei o exercício.
Avisto a praça em frente ao prédio, alguns jovens universitários correm pela pista
destinada a isso e outros fazem passeios com seus cachorros. Um casal de idosos sentados
sob a sombra de uma das árvores robustas: o senhor que me lembra muito Jasper lendo
jornal; e a senhora, possivelmente sua esposa, lendo um livro de banca que não consigo
enxergar o nome.
Inalo o ar puro das folhagens e diminuo o ritmo quando estou passando pelo parque
arejado. Crianças passam correndo ao meu lado, rindo, e não consigo imaginar esse bairro
como familiar, por causa da universidade, mas aparentemente não é restrito só a
estudantes, porque existem pessoas distintas percorrendo o trecho que leva de uma ponta
a outra. Lembra-me muito o Central Park. Não é a primeira vez que me sinto em casa
morando nessa região, mas, nesse momento específico, estou completamente rendida a
sensação de familiaridade e sorvo o momento respirando fundo.
Atravesso a rua em direção ao prédio. Antes mesmo de alcançar o botão do interfone,
Ryde abre a porta para mim. Atravesso-a distraída em busca da chave do apartamento em
minha bolsa e só me dou conta de que tenho que prestar atenção a minha volta quando
meu corpo cambaleia para a frente e é amparado por duas mãos que me colocam de pé,
estabelecendo o equilíbrio que perdi ao trombar com um peitoral rijo.
Ergo a cabeça, pronta para me desculpar, então detenho a língua no céu da boca.
Conheço o formato daquele queixo e o contorno dos lábios finos. Reconheço o olhar
veemente e a cor das íris sombreadas. Forço a memória para me recordar de onde conheço
esse cara. Sinto minhas têmporas saltarem com o esforço. Tiro a mão de dentro da bolsa,
com o molho de chaves na mão.
Jev.
Penso imediatamente, ao vê-lo levantar a mão para rastrear os cabelos e acabo notando
as tatuagens nos dedos.
— Oi — diz, sorrindo. O piercing no nariz cintila contra a luz e Ryde está esticando o
pescoço para esquadrinhar a conversa. — Lembra de mim?
— Lembro — murmuro, sacudindo a cabeça. Jev tem um perfume acentuado e a única
pessoa que conheci que usa um perfume tão forte quanto o dele é Bryan, porém, Jev
consegue que o cheiro seja ainda mais intenso. — Oi — finalmente respondo, sorrindo
também. Levo alguns segundos para assimilar a coincidência de ele estar aqui depois de
quase três meses que eu dei meu telefone a ele.
— Você mora aqui? — Jev coloca as mãos dentro dos bolsos da jaqueta jeans escura que
está usando, encara por cima do ombro rumo ao elevador velho.
— Sim.
— Caramba! — Coça a nuca. — Eu me mudei para cá tem quatro meses. Que loucura!
— Mudei há duas semanas. — Sorrio, sem mostrar os dentes. Jev devolve o sorriso. —
Coincidência mesmo. Mas Humperville não é uma cidade muito grande, então é normal que
voltássemos a nos esbarrar por aí. Achei estranho não ter acontecido antes — digo, sendo
sincera. Porque, depois da festa da The Reckless, pensei que Jev apareceria outras vezes, em
outras festas.
— Não sou muito de sair de casa. Curto mais maratonar séries enquanto me encho de
salgadinhos! — Jev gargalha e o acompanho. Se fosse dois meses atrás, talvez eu dissesse a
ele que também prefiro ficar em casa. Mas hoje estou acostumada a estar entre pessoas
suadas de tanto dançar em uma mescla de álcool e perfume barato. — Eu prometi que
ligaria, mas, você sabe, não queria te assustar. Estava esperando o momento certo.
— Me assustar? Por que me assustaria? — Indico com a cabeça o elevador e Jev abre
espaço para que eu passe primeiro. Ele vem logo em seguida.
— Sei lá, a gente se conheceu em uma festa e trocamos o quê? Meia dúzia de palavras?
— Achei que fosse querer sua camiseta de volta — rio, aperto o oitavo andar e Jev o
quinto.
— Não. Te dei ela. Para recompensar o que fiz com a sua regata.
— Não foi nada de mais. A mancha saiu depois de passar um tempo na lavanderia.
— Nesse caso, acho que quero a camiseta de volta. Tem um valor sentimental.
— Ah, é?
— Não, estou zoando. Mas no auge em que se encontra minha vida, realmente preciso
dela de volta.
Nós rimos em uníssono e, de repente, a caixa metálica fica em silêncio absoluto.
— Qual seu apartamento?
— Moro no J — Jev conta, acompanhando a contagem de números no painel lateral,
para saber quantos andares faltam para chegarmos ao quinto. Como o elevador é velho, ele
demora mais que o normal para fazer seu percurso, então tenho certeza de que temos
alguns minutos antes de pararmos. — Mas posso ir até seu apartamento para buscá-la. Qual
o seu?
— Moro no P!
— É engraçado, né? Que os apartamentos são por letras e não números.
— Tudo em Humperville é diferente. Olha só, nós nos reencontramos depois de quase
três meses — comento, pensativa. — Eu me surpreendo cada vez mais com essa cidade.
— Eu gosto daqui. De Humperville, quero dizer — ele ri, porque ninguém em sã
consciência gostaria de viver em um prédio que está caindo aos pedaços. Nós rimos outra
vez. — Espero poder morar em um lugar melhor quando conseguir juntar uma grana. Nós
não conversamos muito aquele dia — Jev emenda ao perceber que estamos chegando ao
quinto andar. — Que tal se combinarmos alguma coisa qualquer dia desses? Um encontro.
Franzo a testa e o encaro.
— Um encontro? — sopro, um pouco desconfiada. — Você é bem direto.
— Sou. Desculpa. Eu disse que, se tivesse te ligado antes, te assustaria. Gosto das coisas
claras, quer dizer, se quero sair com uma garota, por que eu ficaria negando a vontade? Mas
você tem todo o direito de recusar, se não quiser e me achar um maluco.
— Acho que eu prefiro caras diretos. Esse lance de ter que adivinhar o que vocês
querem deixa-me maluca! — grunho, sacudindo a cabeça, porque isso definitivamente me
leva para Bryan. — Tá. Legal, Jev. Gostei de você ter sido direto. — Sorrio e cruzo os braços
assim que a porta do elevador se abre e mostra o corredor amplo dos apartamentos do
quinto andar.
— Que tal na semana que vem? Sexta?
— Eu trabalho.
Ele para de andar e segura a porta do elevador para que não se feche.
— Onde?
— Purple Ride. Conhece?
— Quem não conhece a boate mais irada de Humperville? Ainda estão colocando os
hologramas?
— Às vezes. — Dou risada.
— Você tem um tempo de descanso, certo?
— Sim, por uma hora. — Levanto o indicador para ilustrar.
— Perfeito. Uma hora é o bastante para que a gente se divirta.
— Só acredito vendo!
— Você verá. — Aponta o indicador para mim, desafiando-me. — E não se esqueça da
minha camiseta. Eu realmente gosto dela.
— Ela não tem nada de mais. — Balanço a cabeça, rindo incrédula. — Mas tudo bem. Te
devolvo na sexta, tá?
— Sem problema. Até lá.
Ele enfim se afasta do elevador e a porta fecha. Aceno para Jev, que sorri e acena de
volta.
Desde que o conheci na festa da The Reckless senti algo dele. Não consigo dizer
exatamente o quê, mas é como se Jev me conhecesse, o que é louco e estranho, mas, ao
mesmo tempo, parece uma conexão natural, como a que tenho com Aidan.
Depois de uma longa conversa entre mim, Effy e Gravity, nós conseguimos nos entender
e chegar a um acordo: nunca mais iremos contra uma à outra quando tomarmos uma
decisão. Só daremos uma festa se todas quiserem e se uma de nós não quiser algo
grandioso, devemos respeitar. É a lei primordial para a boa convivência, Gravity e eu
sabemos que fomos longe demais com Effy. É mais difícil para ela do que para nós, embora
ache os pais controladores e caretas, para ela morar sozinha e longe da família é novidade.
Ela está se adaptando. No entanto, Gravity e eu já passamos pela experiência de ficar longe
da família, então nossa adaptação é rápida. Com tia April, por exemplo, precisava seguir
algumas regras da casa e, por estar pagando por tudo agora, não considerei que não é
porque estou “pagando” que não tenho que respeitar a privacidade de Effy. Estamos melhor
agora e não ficou nenhum clima estranho entre nós.
Effy faz um coque despojado em meu cabelo, ondula duas mechas de minha franja que
emolduram meu rosto. Trajo um vestido preto longo ombro a ombro, que acentua a curva
de minha cintura e é justo no quadril. Meus seios medianos se encaixaram perfeita, mas
tenho certeza de que é porque foi feito sob medida por Gravity. Ele tem uma fenda que
começa na metade de minha coxa. O tecido não é leve e sinto-o pesar enquanto caminho
pelo quarto, em busca de um par de brincos pérola.
O vestido de Effy também é longo, porém o tecido é acetinado com uma luminosidade
própria. Vity fez como Effy queria: alças não tão finas, com um decote quadrado que sobra
tecido sobre os seios e que faz um X nas costas. Uma parte dos cabelos ruivos estão presos
para o lado e ela usa brincos dourados longos. O batom vermelho contrasta a pele pálida de
Effy e a camada de base é mínima, não se deu ao trabalho de esconder as sardas. Com o
passar dos anos, acho que minha amiga aprendeu a amar as peculiaridades em seu corpo.
Não tentou esconder as curvas mais avantajadas nem os ombros marcados com as sardas
vermelhas. Ela está linda e confiante naquele vestido.
Gravity optou também pelo tecido acetinado, no entanto, verde-esmeralda com uma
pequena camada de brilho. Não é longo como o meu e de Effy: ele vai até os calcanhares,
onde uma fenda se abre entre as pernas. O decote é em V, evidenciando os seios e um laço
sutil envolve seu quadril, delimitando onde a saia começa. Ele é mais longo atrás e acho
Vity sempre ousada. Ela não se importa se é vulgar ou o que pensarão sobre ela na primeira
semana de aula. Quanto mais convivo com ela, mais parecida quero ficar. Também não quis
fazer nenhum penteado, pediu que Effy apenas ondulasse seus cabelos com o babyliss e foi
o que ela fez.
Gravity levou semanas trabalhando em nossos vestidos. Escutei a máquina de costura
batendo várias noites e em muitas outras, desisti de dormir porque era impossível, mas não
ousaria reclamar. Graças a ela temos vestidos incríveis e autênticos. Na verdade, graças a
ela, meu guarda-roupa não fica mais que uma semana sem uma novidade. Ela sempre usa a
mim, Effy ou Willa para testar seus modelos. Servimos de base e ela pretende criar uma
coleção toda para montar um site on-line e vender suas peças. É divertido participar de
seus projetos, porque, quando vemos os desenhos, não imaginamos que ficará tão perfeito
no corpo quanto no papel.
Pelo reflexo do espelho, vejo Vity digitar uma mensagem no celular com pressa. Effy
finaliza meu penteado com o fixador e espalma as mãos em meus ombros. Também não
abusei na maquiagem; se não fosse pelo batom vermelho e o delineado bem marcado, não
pareceria que estou usando maquiagem.
— Você tem as melhores amigas de todas, puta merda! — Effy diz, sorridente. Não
consigo esconder a satisfação ao ver o resultado no espelho. — Vity costura para você, eu
cuido do seu cabelo. Somos tão talentosas! — Junta as mãos em forma de oração na frente
do colo.
— Também acho que você tem muita sorte — Vity responde. Apesar de não parecer,
por sempre estar concentrada no celular, ela tem uma habilidade incrível de se concentrar
em conversas aleatórias e no que faz em seu telefone. Mas descobri recentemente que
passa bastante tempo no Pinterest, buscando inspiração. — Willa quer uma foto nossa. —
Vity se levanta com o flash da câmera ligado. — Está mortinha de inveja que nossos
vestidos nunca foram usados antes! — ri, brincalhona.
Fico entre Effy e Gravity. Ela estende o celular de modo que consiga pegar nossos rostos
e parte de nosso corpo, mas é impossível que consiga focar nos vestidos. Então, depois de
tirarmos uma foto juntas, Vity começa a tirar fotos nossos individuais. Sou a primeira. Fico
em frente à parede branca perto da porta, coloco uma mão na cintura, entreabro os lábios e
levanto um pouco o queixo com superioridade. Ela dispara e a próxima é Effy.
Quando finalmente terminamos a sessão de fotos e envia todas para o grupo das
meninas no Kik, estamos prontas para ir.
— Eu contei a vocês?
— O quê? — Effy pergunta, olhando preocupada para Vity.
— Darnell alugou uma limusine para levar a gente — ela ri, mas saltita animada. — Ele
é maluco, mas gostei da ideia. E é só a ida, então tudo bem.
— O Aidan irá surtar quando souber — Effy conclui e concordo com ela, mas acabamos
rindo.
— Ele que surte então. — Vity dá de ombros e, mais uma vez, tenho certeza de que ela
realmente não se importa com o que Aidan pensa. — Vocês estão prontas para o melhor
baile da história? Porque não aceito menos que memorável.
— Não podemos beber, vamos trabalhar amanhã. Darnell já nos deu folga hoje! —
enuncio, mas Gravity ri.
— Meu bem, você acha que eles servirão bebidas lá? Dã, no mínimo são estudantes com
dezenove anos. Se quiser beber algo alcoólico, temos que fazer uma parada.
— Eu passo. Se eu faltar amanhã ao trabalho, Jack me mata.
— Então, sou só eu? — Vity ri e saímos do apartamento. — Que seja. Sou a única com
vinte e um mesmo. E é bom que você não beba, Mackenzie, assim evita recaídas.
Cesso a caminhada até o elevador e elas param também.
— O quê? Você acha que eu não escutei nadinha? Vocês dois são bem barulhentos —
Gravity fala, mas tenho certeza de que Effy fez seu trabalho de confirmar que sim, Bryan e
eu ficamos nessa madrugada. — Não precisa me olhar com essa cara de culpada. Se você se
sentiu bem, é o que importa. O que não pode acontecer é você voltar a se machucar com as
atitudes do Bryan.
— Eu sei. É por isso que eu o dispensei em seguida.
Os queixos de ambas caem milimetricamente enquanto me estudam.
— O quê? É tão improvável assim que eu tenha dito não pra ele?
— Não é improvável. É que o Bryan raramente dá o braço a torcer e, quando acontece,
sai com o orgulho ferido. Eu vivi para ver acontecer! — Gravity está rindo, mas Effy me
encara com uma aura de preocupação encobrindo seu rosto e as bochechas avermelhadas.
— Deve ter sido difícil pra ele, quer dizer, nós tivemos uma conversa antes. — Effy volta
a caminhar em direção ao elevador e aperta o botão para chamá-lo.
— Que conversa? — Eu tento não ficar curiosa a respeito dele e finjo que não me
importo, mas Effy não fala sobre as conversas que tem com Bryan e tenho certeza de que
ela entende e sabe dos sentimentos dele mais do que eu. Talvez eu ficaria menos confusa se
ela me dissesse qualquer coisa sobre ele.
— Algumas horas antes de vocês ficarem, eu tentei abrir os olhos do Bryan. Ele relutou
no começo, dizendo que tem prioridades, mas acho que toquei num ponto sensível dele.
— Que ponto? — Vity indaga, curiosa. A porta do elevador se abre.
— Que o Bryan sempre esteve apaixonado por você, Mackenzie. Desde o colégio. Antes
de Lilah. Antes de tudo.
Começo a rir, porque, de tudo que já escutei de Effy e Bryan, isso é o mais idiota. Meus
ombros chacoalham e minha cabeça pende para trás. Entro no elevador, sou seguida por
elas. Espero que me acompanhem na risada, mas não acontece e retenho a minha.
— Está falando sério?
— Sim. Você era apaixonada por Sebastian, então não percebia nada, mas eu notava. É
claro que tinha minhas dúvidas e, nossa, quando ele apareceu com Lilah foi muito estranho.
Pensei que fosse coisa da minha cabeça e a vida seguiu, mas depois que nós nos
aproximamos, na sua ausência, entendi que sempre estive certa. Bryan McCoy é apaixonado
por você desde aquela época.
— Impossível — digo, aérea. — Ele sofreu pra caramba quando Lilah foi embora.
Effy dá risada.
— Sofreu, sim. Mas tenho quase certeza de que ele começou a gostar dela, não o
bastante para esquecer a quedinha que tinha por você. Bryan a superou bem rápido depois
que vocês se aproximaram, não acha?
Mordisco o lábio inferior e percebo que até mesmo Gravity ficou pensativa.
— Faz sentido — Vity finalmente diz, depois de alguns segundos calada. — Explicaria
por que ele sentiu tanto a sua ausência nos últimos dois anos e se afundou nesse poço sem
fundo. O buraco negro que o sugou é basicamente o que ele sente por você. — Minha amiga
sorri, mas não está feliz. Na verdade, Gravity parece compadecida e até mesmo empática
enquanto pensa. — Entendo o Bryan. Eu senti por alguém algo parecido. Isso me destruiu
de muitas maneiras diferentes — sussurra e se Gravity está se abrindo sobre o seu passado,
ao menos um pouquinho, pela primeira vez, é porque compreende. — Você tê-lo
dispensado deve ter acabado com ele, porque se o que Effy diz for verdade, significa que
Bryan não faz ideia de como lidar com o que sente por você. Deve haver muito medo e
insegurança. É como se você fosse um cristal — ela ilustra, fazendo concha com as mãos —
e toda a raiva, todo o rancor e tudo que ele desferiu nos últimos meses tinha mais a ver com
o fato de ele não ter ideia de como se aproximar, do que de não querer estar com você. É
meio louco, mas é, pode ser.
— Então, eu agi errado? — Minha voz sai baixa, consternada.
— Não. Não acho que tenha — Effy responde, suspirando. — Eu queria poder dizer que
sim, mas, na verdade, você e Bryan precisam resolver muitas questões antes de tentarem
ficar juntos.
— Não confio nele — confesso.
— No seu lugar, eu também não confiaria. — Vity assente, movendo de leve a cabeça. —
Tudo que vocês tinham foi quebrado. Vocês estão tentando consertar o passado, mas não é
o passado que precisa de conserto. São vocês.
— É. É melhor assim. — Effy coloca o braço na curva de meu cotovelo e sorri para mim,
mas não sei como ela espera que eu fique depois de me contar o que contou. — Acredite em
mim, se for para vocês ficarem juntos, vai acontecer de um jeito ou de outro. O destino já
uniu vocês outras vezes.
Não gosto de deixar minha vida à mercê, acreditando que tudo se trata de destino. Gosto
de definir meus passos, estar no controle e decidir quando e onde as coisas vão acontecer.
Não quero depender do destino para acertar tudo que está fora do lugar, mas, ao
mesmo tempo, Gravity tem razão.
Bryan e eu não ficaremos juntos enquanto não dermos um jeito de consertar o que está
quebrado dentro de nós.

“Meu amor, ele me faz sentir como ninguém (como ninguém)
Mas meu amor não me ama, então eu digo a mim mesma
Um: não atenda o telefone você sabe que ele só está ligando
Porque está bêbado e sozinho
Dois: não deixe-o entrar, você precisa expulsá-lo novamente
Três: não seja amiga dele, você sabe que acordará na cama dele
Pela manhã”
NEW RULES – DUA LIPA

A música é alta e há tantas pessoas espalhadas pelo salão iluminado, que não sei onde
devo concentrar minha atenção. Tantas cores em um único lugar, um misto de odores e
uma mescla de pessoas diferentes, que nunca sequer esbarrei nas ruas de Humperville. No
centro do salão, um lustre gigantesco pende e a corrente que o sustenta tem aparência
velha e gasta pelo tempo.
Estamos paradas no hall de entrada, assistimos dali a agitação dos futuros estudantes
da universidade. New Rules, de Dua Lipa, retumba das enormes caixas de som dispostas em
cada lado do palco onde a The Reckless fará seu show. O diamante branco com rupturas,
logo da banda, está exposto em uma tela preta de LED no fundo. Confesso que estou ansiosa
para assistir a mais um show deles. A energia é insana, é impossível estar no mesmo
ambiente que a a banda e não se contagiar com eles.
O caminho todo até aqui eu me esforcei para não pensar muito no que Effy me contou
sobre Bryan, afinal o fato de ele estar apaixonado por mim desde aquela época não justifica
seu comportamento dos últimos meses. Não explica seu esforço para me deixar mal. E não
pretendo me deixar afetar com essa descoberta. Estou determinada a seguir um caminho
diferente e, se possível, para o lado oposto de onde Bryan está indo.
— Meu Deus, quanta gente! — Effy finalmente quebra o silêncio entre nós. — É possível
que Humperville tenha tantas pessoas assim?
— Nem todos são daqui — Vity explica, perscrutando o cenário abarrotado de pessoas à
frente. — Dividir e conquistar ou mantermos nossa zona de conforto ficando juntas?
— Primeiro, zona de conforto, depois dividir e conquistar — pontuo, com um sorriso
arraigado no rosto.
Finalmente, um homem de aparência delgada se aproxima de nós. Ele tem uma
prancheta em mãos, um sorriso soberbo e batuca a caneta preta contra o papel.
Provavelmente é mais velho que o resto de nós, talvez vinte e quatro anos ou mais. Gravity
começa a gargalhar, porque ele exala uma postura confiante e prepotente, o que, com
certeza, faz dele um veterano no meio de uma tonelada de calouros.
— Oi — cumprimenta, mantendo a linha do sorriso firme. — Preciso confirmar vocês na
lista. — Aponta com a caneta para o papel preso no grampo da prancheta.
— Gravity Monaghan, Effy Cohen e Mackenzie Wilde. — Sou mais rápida e atravesso as
meninas, provavelmente porque Gravity faria uma piadinha com o veterano e acabaríamos
sob os olhos de águia dele pelo primeiro semestre inteiro.
Ele confere o papel, retorcendo os lábios.
— Noah — apresenta-se, voltando a sorrir. — Noah Russell.
Gravity ri de novo e preciso lhe acertar uma cotovelada para que ela pare. Noah leva as
mãos até os cabelos castanhos, ainda úmidos e reprime os dedos, parando no ar poucos
centímetros antes de tocar no topete perfeito. Os olhos castanhos claros miram Gravity
repentinamente.
— Eu organizei tudo, espero que vocês se divirtam.
Noah abre a espaço para que nós atravessemos e Gravity desata a gargalhar, andando
mais depressa. Começo a rir também, sacudindo a cabeça.
— Ele parece ser desse tipo todo certinho — Gravity diz. — O smoking não tem nem
uma dobrinha, vocês viram?
— Por que é que você sempre repara nessas coisas? — Effy ri também.
— Vou estudar moda, se lembra? É meu trabalho estudar a roupa dos outros.
— Eu acho que você conseguiu deixá-lo desconfortável, Gravity. — Olho por cima do
ombro e vejo que Noah permanece com os olhos sobre nós. — Vamos torcer para que não
seja um problema.
— Ah, não será. Ele não teria coragem de implicar com a gente. Relaxa.
Gravity estreita o olhar pelo salão em busca de algo ou alguém. Retenho o passo e elas
também param. Nesse momento queria muito encontrar Willa, Trycia ou até mesmo Faith.
— Não entendi seu comentário — Effy enfim diz, referindo-se ao que Gravity disse.
— Darnell é um dos homens mais ricos da cidade como também o maior investidor
dessa universidade. O reitor Callum Heaton come na palma da mão de Darnell — Vity
ilustra, estendendo a mão com a palma virada para cima. — Então fiquem tranquilas
porque Noah não ficará de implicância, ao menos, não enquanto andarmos juntas.
— Às vezes, você é tão presunçosa, nossa! — comento, um pouco chocada.
— Já que Dannya resolveu se casar, preciso tirar proveito de alguma coisa dessa
história. Que seja da fama do meu cunhado — ela ri, sem se importar nem um pouco com
meu comentário. Quanto mais tempo passo com Gravity, mais presencio de sua
personalidade difícil e começo a compreender um pouco de como Aidan se sente. Às vezes,
em alguns comentários, parece que ela está mais abusando do poder que Darnell tem, do
que feliz pela irmã. — Acho que é hora de dividir e conquistar. Acabei de ver um carinha
bonitinho olhando para mim ali na pista de dança. — Leva o indicador para a frente,
mostrando o centro, onde um apinhado de pessoas se acumula.
A música atual é Toxic, na versão de Yael Naim.
— Vejo vocês mais tarde, está bem?
Gravity nem espera nossa resposta. Solta o braço enganchado em meu cotovelo e some
pelo mar de futuros estudantes da Humperville University.
— Já faz tempo que sou amiga dela e ainda não me acostumei com esse espírito livre —
Effy comenta com a atenção voltada para o lugar onde Gravity entrou e desapareceu em
questão de segundos. — O que você quer fazer?
— Será que as meninas já chegaram? — Fico na ponta dos pés para tentar enxergar
sobre as cabeças, mas continuo não vendo nenhum rosto conhecido.
— Não tenho certeza se Faith e Trycia viriam. As duas já estudam aqui. — Effy pesca o
celular na bolsinha pequena prateada e começa a digitar uma mensagem. Também recebo
uma notificação no meu e sei que é no grupo das meninas.
A mesa de comida e bebida está disposta logo atrás de nós. É longa, começa próxima à
entrada e termina em um corredor onde uma placa avisa dos banheiros. Em volta, mesas de
oito lugares foram dispostas para acomodar todos nós. O centro do salão livre para a pista
de dança.
— Quer beber alguma coisa? Ponche? — Gesticulo para a travessa de ponche de frutas
atrás de mim.
Effy assente, sem desviar os olhos do celular. O meu vibra novamente em minha bolsa
de lado e tenho certeza de que é uma nova mensagem no grupo. Sirvo duas taças com o
ponche e dou o primeiro gole antes de voltar para perto de Effy.
Odeio quando Gravity tem razão. Não tem álcool no ponche. Sinto o sabor de
refrigerante de limão e estalo a língua no céu da boca atenuando o sabor, no finalzinho, o
sabor de uva. Contorço o rosto em uma careta, mas não tem nada além de ponche na mesa,
então terei que me contentar com ele.
Volto para Effy, que já guardou o celular, e entrego a bebida para ela. No primeiro gole,
sua reação não é diferente da minha. Acabo rindo.
— Odeio tanto como a Gravity tem razão sobre as coisas. — Effy sacode a cabeça,
colocando a língua para fora em reprovação ao drink. Continuo rindo.
O remix de Ride It, de Jay Sean e Regard, começa. Eles estão mudando a playlist. Sigo
meu olhar rumo ao palco e vejo que é Noah quem está mexendo na mesa de som, com fones
de ouvido no pescoço. Ride It, no entanto, não dura muito, algumas pessoas reclamam
quando a música cessa, mas outras comemoram com The Hills, de The Weeknd.
É simultâneo, como se os membros da The Reckless combinassem suas entradas para
que sejam triunfais. No refrão, onde todos os estudantes estão cantando The Hills, os quatro
integrantes da banda atravessam a porta principal. Automaticamente, meu olhar se eleva
para aquela direção, seguida por Effy e os convidados daquele salão acompanham.
Bryan está na frente. Usa camisa social, porém ele gosta de quebrar padrões, então não
está trajando o paletó do smoking, é a jaqueta de couro que completa seu visual. Confesso
que combina com ele e não posso ignorar que a jaqueta lhe dá um ar sexy de bad boy. Ao
seu lado direito está Aidan, com o look completo do smoking. Ashton ao lado esquerdo, no
entanto, está trajando apenas a camisa social, onde os botões perolados estão até a metade
abertos, como o verdadeiro exibicionista que é. Finnick caminha logo atrás de Bryan,
vestindo a roupa social, contudo, abandonou o ideal do paletó e optou apenas pelo colete.
A The Reckless devia ser considerada um paradoxo.
Eles se aproximam das pessoas, cumprimentam as que falam com eles e estão
sorridentes. Effy e eu não somos notadas enquanto percorrem o trecho em direção ao palco
e meu coração vibra de ansiedade.
Quero escutar a voz de Bryan, vibrar com Finn na guitarra, sentir o corpo arrepiar com
o grave do contrabaixo de Ashton e deixar meu coração pulsar com as batidas da bateria de
Aidan. A cada show, é uma novidade. Um novo repertório, um novo tipo de apresentação. E,
pela aparência dos garotos, eles vão sair da monotonia de rock alternativo. Estou
empolgada para saber o que vão fazer nessa festa em particular, porque há gostos distintos
na pista de dança.
A música para outra vez. Bryan não sobe ao palco como os outros. Permanece no meio
da pista, rindo, e de onde Noah está, lança o microfone para ele, que o pega no ar. Fico na
ponta dos pés para conseguir enxergar; como não consigo, olho ao redor em busca de algo
que possa me deixar mais alta. Effy aparentemente está fazendo a mesma coisa. Estamos
encarando as mesas em volta da pista de dança. Effy e eu trocamos um olhar para ter
certeza de que é uma boa ideia, por fim, rimos e sacudimos os ombros. Corremos em
direção a uma das mesas, afastamos a toalha branca e subimos nela.
Consigo enxergar perfeitamente Bryan de onde estou, assim como Aidan, Ashton e
Finnick. Bryan leva o microfone em direção aos lábios e no silêncio, sem a interferência dos
instrumentos da banda, ele canta a primeira frase em acústico, sua voz rouca sendo a única
melodia em todo o salão.
— Show me how — canta devagar, como se estivesse soletrando. — Show me how like
you like it done. You’re all mine. I’ll make you feel like you’re the one.
— Puta que pariu, eu amo essa música! — A mesa balança porque Effy está pulando
sobre ela. Eu a olho repreensiva e para. — Desculpa!
— Take off your clothes. — Assim que Bryan canta esta frase, Ashton entra com o
contrabaixo enquanto Bryan se livra de sua jaqueta e a entrega para uma das garotas, que
está a sua volta. — Give me your trust, look me in the eyes and confess your lust. Get on your
kness, beg me to stop, I promise I’ll love it if you do it. So do it for me. — Ele encerra a
primeira parte da música e, enfim, a banda inteira entra, ecoando com o barulho
ensurdecedor do bumbo da bateria e a guitarra.
Mostre-me como, mostre-me como você gosta. Você é toda minha. Eu vou fazer você se
sentir como se fosse única. Tire suas roupas. Me dê sua confiança. Olhe-me nos olhos e
confesse sua luxúria. Fique de joelhos, me implore para parar. Eu prometo que vou adorar se
você fizer isso. Então faça isso por mim.
É o que ele canta na música So Do It For Me, de Rosenfeld. Não havia escutado ela ainda,
até conhecer Gravity e Effy. Elas têm uma playlist diversificada e muitas bandas que a The
Reckless faz cover, mas, recentemente, estou ansiosa para descobrir se eles pretendem
cantar músicas de autoria própria.
— Give me your hand, I’ll show you things you’ve never done. Hold my head, I’ll make you
feel like never before. — Bryan está de costas para a plateia, com uma das mãos levantadas
para o céu.
Me dê sua mão. Eu vou te mostrar coisas que você nunca fez. Segure minha cabeça. Eu vou
fazer você se sentir como nunca se sentiu antes.
Ele canta novamente o refrão. Desta vez, de frente para o público, incitando-os a
cantarem juntos e é o que fazemos. Effy realmente ama a música, porque não mede esforços
para soltar a voz. As veias em seu pescoço saltam com a força que impõe na garganta e
estende as mãos para cima, tentando fazer com que Bryan a note. Não demora muito para
que isso aconteça. Assim que a vê, levanta o indicador em nossa direção, apontando para
Effy como se estivesse cantando para ela. Se eu não tivesse certeza de que entre eles é só
amizade e não a conhecesse, desconfiaria que tivessem outro tipo de relacionamento.
Bryan termina de cantar a música olhando para Effy e, assim que canta o último verso, é
recebido com um público energizado, pedindo por mais. Mas antes ele conversa com
algumas pessoas que estão na frente do palco. Eles fazem pedidos de música e se
pulverizam com Bryan ao concordar.
— Talvez eu não devesse tentar ser perfeito — Bryan diz no microfone, ofegando. — No
final, se eu cair ou se eu conseguir tudo — seus olhos rastreiam a plateia, resvalam em
todos os rostos que circundam o palco e, enfim, param em direção onde Effy e eu estamos
—, só espero que valha a pena!
Quando ele encerra o pequeno discurso, que, na verdade, é um trecho da música
Nervous, de The Neighbourhood, Aidan puxa o refrão no bumbo, acompanhado de Ash e
Finnick.
— You got me nervous to speak. So I just won’t say anything at all. I’ve got an urge to
release and you keep tell me to hold on. You got me nervous to move, so I just won’t give
anything to you. You got me turnin’ all around to be who you need me to. — A plateia explode
em aclamação, cantam a música com Bryan, sentindo-a em cada palavra.
Você me deixa nervoso para falar, então eu simplesmente não direi nada. Tenho vontade
de me libertar e você continua me dizendo para segurar. Você me deixa nervoso para mover,
então eu não vou dar nada a você. Você me fez mudar para ser quem você precisava que eu
fosse.
Bryan repete esse mesmo refrão três vezes, como um mantra, antes de entrar na
segunda parte da música. Não consigo desviar o olhar, exatamente como todas as vezes.
Fico obcecada, o mundo poderia acabar lá fora e eu continuaria hipnotizada por sua voz,
pela banda em um todo, porque eles são incríveis.
Noah é o ajudante de palco da vez. Ele corre atrás de Bryan, pega um banco alto e traz,
posicionando-o no centro. Bryan nota a movimentação e, em seguida, estende a mão para
uma garota na plateia. Ele não tenta escolher, apenas segura a primeira que está por ali e a
puxa para cima do palco. Guia-a para o banco e ela se senta, com um sorriso alegre. Ignoro o
aperto no peito, a sensação de ciúme assumindo seu posto. E ele canta um trecho para ela, a
mão espalmada no peito e cada palavra dita soa sincera. Como se ele realmente quisesse
que a garota ali fosse alguém específico.
— Come on, baby, don’t you hurt me anymore. I’m not the same way that I was before. I
got goosebumps all over me when you’re around, hard for me to breathe. Come on, baby, don’t
you do that anymore. It’s not like the days, at night, I feel so short. My nerves, they give me a
sign, tell me I’m not fine, mhm.
Vamos, querida, não me machuque mais. Eu não sou o mesmo que era antes. Meu corpo
todo se arrepia. Quando você está por perto, sinto que é difícil respirar. Vamos, querida, não
faça mais isso. Não é como nos dias, nas noites que me senti tão pequeno. Meus nervos, eles me
deram um sinal, me disseram que eu não estou bem.
Ele canta e, assim que termina com o refrão outra vez, ajuda a garota a voltar para a
plateia. Ela lhe dá um beijo na bochecha em agradecimento, algo escapa de seus lábios, mas
não consigo lê-los de onde estou. Bryan não diz nada, pois está ocupado iniciando a
próxima canção.
Reflections é um eco rouco no escuro, porque as luzes se apagam e entendo que faz
parte do show. Quando elas se acendem, Ashton está sem camisa, Bryan desabotoou os
botões da sua e dobrou as mangas na altura dos cotovelos. Aidan se livrou do paletó e
Finnick soltou os botões do colete.
O show corre como nos outros em que já assisti. Eles interagem com a plateia, Bryan
canta com emoção, não perdendo nenhum minuto de seus momentos sobre o palco, porque
ele vivencia cada show como se fossem únicos. Não sei por quanto tempo Effy e eu ficamos
sobre a mesa, mas nós aproveitamos. Ignoro as letras das músicas que parecem mais uma
forma de Bryan falar comigo.
Ele canta Apocalypse, de Cigarettes After Sex, e todos adoram. Finaliza o repertório com
Falling For You, de The 1975. Mais uma vez, finjo que faz parte do show. Embora essa em
especial eu tenha certeza de que sim, é sua maneira de falar comigo. A noite passada deve
ter sido difícil para Bryan, não tenho dúvidas, tanto quanto os últimos meses caindo em
seus joguinhos foram para mim.
Como sempre, a The Reckless passa um tempo conversando com seu público. Effy e eu
descemos da mesa e nos sentamos em volta dela. Neste momento, estou engolindo uma
colherada de macarrão porque estou morta de fome. As garotas se juntaram a nós alguns
minutos depois de o show finalizar. Faith está de mau humor, não preciso trocar meia
dúzias de palavras com ela para perceber. Willa também está emburrada, mas se a conheço
bem o suficiente, sei que tem a ver com Bailey, já que não veio com ela. Trycia, por outro
lado, parece bem animada. Love Of My Life, de Queen, é a música que Noah escolheu para
preencher o vazio da banda no palco.
— Vocês vão contar o que houve? — Effy irrompe sobre a música, os olhos pulam de
Faith para Willa.
— Não aconteceu nada. — Willa dá de ombros, mas mantém os olhos fixos nos dedos
entrelaçados sobre a mesa. — Nada que valha a pena contar e estragar a noite de todo
mundo.
— Ah, qual é. — A ruiva empurra o prato a sua frente, vejo que está vazio, mas
manchado com molho. — Desembucha, Willa!
— Bailey e eu terminamos — ela sopra e deixo meu garfo cair, ele tilinta contra a
porcelana e Faith parece sair da sua bolha atmosférica para dar atenção a nós.
— Como é que é? — grunhe, empertiga o corpo e ajusta a postura para ficar de frente
para Willa, que encolhe os ombros. — Você e a minha irmã terminaram? Por quê?
— Porque sim! — Willa brada, revirando os olhos. — Eu não quero mesmo falar nisso
agora. Pode ser?
— Não, espera um pouco. — Trycia apruma os ombros também, balançando a cabeça
em desaprovação. — É impossível que tenha acontecido, quer dizer, qualquer uma de nós
dessa mesa que dissesse que o relacionamento tá uma merda, eu acreditaria, mas você e
Bailey são diferentes. Tem confiança, compatibilidade, empatia e reciprocidade — pontua
cada um dos motivos pelos quais Bailey e Willa nunca terminaria, contabilizando nos
dedos. — Que diabos aconteceu?
— Já falei que não quero conversar sobre o meu relacionamento. Vocês podem, por
favor, entender? Quando eu estiver pronta pra falar, eu vou.
— Tem a ver com a faculdade? — Faith insiste, porque ela é sempre o oposto de
compreensível. — Ou com o fato de que Bailey está pensando em voltar para a nossa
cidade?
— Ela o quê? — É a minha vez de entrar na conversa porque Vity e Effy me contaram os
motivos delas terem saído, não faria o menor sentido voltarem para lá agora. — Por que ela
iria querer voltar?
— Porque está difícil pra caralho da gente se manter aqui — Faith suspira, ponderando.
Mas como está incomodada, não parece se importar de desabafar, mesmo que eu esteja
presente. — Bailey e eu podíamos dividir o apartamento, mas ela é teimosa e eu o orgulho
em pessoa. Nós nos precipitamos em sair da casa dos nossos pais, eles não a aceitavam, mas
não medimos as consequências quando saímos. Nós… só pegamos tudo e fomos embora.
Sem nem olhar para trás. E agora que o dinheiro está em falta, Bailey acha que devíamos
engolir o orgulho e voltar.
— É ridículo! — Effy está em reprovação constante. Não parou de balançar a cabeça em
negativa desde que Faith começou a falar. — Vocês só precisam encontrar um emprego que
pague mais.
— Não é fácil assim, Effy. Você, por exemplo, está se preparando para sair da casa dos
seus pais tem quase um ano. Bailey e eu não juntamos grana o suficiente em caso de
emergências como essa! Mas nós vamos dar um jeito, como sempre demos. Só que ela é
precipitada. É o jeito dela. — Faith fita a expressão cabisbaixa de Willa, noto o vislumbre de
empatia em seu olhar e segura sua mão. — Não se preocupe, quando ela se acalmar, vocês
vão conversar.
É um lado de Faith, que até então não conhecia. Para mim, ela se mostrou uma garota
que não pesava o sentimento dos outros. E depois do jogo de verdade e desafio em sua casa,
a desconfiança entre nós cresceu. Porém, vendo-a apoiando Willa, melhor que qualquer
uma de nós, me dá outra perspectiva sobre Faith. Tenho a mania de julgar as pessoas de
modo precipitado e é uma das coisas que preciso mudar.
— Boa noite, meninas — o assunto dissipa quando o Sr. Lynch nos cumprimenta. Eu
esperava vê-lo aqui depois de descobrir que é um dos homens que doa dinheiro para a
universidade. — Estão se divertindo? — Dannya tem os braços entrelaçados nos dele, com
um sorriso escancarado no rosto.
Com os olhos, esquadrinha a mesa e, ao reparar que Gravity não está entre nós, sua
expressão muda.
— Cadê a Gravity? — Estica o pescoço, mas com tantas pessoas espalhadas pelo
ambiente, duvido que a encontre.
Gravity sumiu desde que chegamos.
— Ela está por aí, conquistando — Effy ri, bebe um gole do copo de água que está a sua
frente. Por fim, desistimos do ponche de frutas porque estava mesmo horrível.
A mesa toda cai na gargalhada com o comentário de Effy, exceto Dannya, que aparenta
ficar mais preocupada.
— Eu vou tentar encontrá-la. — Toca o ombro de Darnell, para avisá-lo; e assim que ele
assente em concordância, ela desaparece também.
— Como foi o show da The Reckless?
— Eles arrasaram, como sempre! — Trycia responde. O queixo de Darnell tremelica,
tentando atenuar o sorriso orgulhoso.
Darnell puxa uma cadeira e se junta a nós à mesa. Não voltamos mais no assunto de
Bailey e tentamos focar no quanto Willa, Effy e eu estamos ansiosas para o início das aulas.
Como trabalho de quinta a domingo no Purple Ride, pretendo conseguir um trabalho
voluntário no jornal da universidade. Darnell diz que, caso eu não consiga, para falar com
ele que moverá uns pauzinhos e fará acontecer. Eu agradeço e não dispenso a ajuda, mas
tenho certeza de que irei conseguir.
Minutos se passam até que Aidan, Ashton e Finn se juntem a nós. Esquadrinho por cima
dos ombros largos, mas não vejo Bryan.
— Cadê o Bryan? — Effy pergunta, movendo o pescoço tentando enxergar.
— Com aquela garota da festa de ontem. Como é que ela chama mesmo? — Aidan
sussurra a última parte, arqueando uma das sobrancelhas e busca ajuda em Ashton e Finn.
— Acho que é uma tal de Beverly — Ashton responde, puxa outra cadeira e se acomoda
entre Effy e Trycia. — E aí? O que vocês acharam da nossa entrada de hoje?
— Tão gloriosa quanto sempre. — Effy não controla o revirar de olhos, mas está rindo.
— O que você achou, Mackenzie? — Ash está perguntando para mim. Dos quatro, ele é o
que menos sente afinidade a meu respeito, mas ultimamente sinto que está tentando ser
menos arrogante comigo.
— Acho que vocês adoram chamar atenção — digo em um tom suave de brincadeira. —
Mas funciona. Eu gostei.
— A gente adora chamar a atenção — Ashton confirma, rindo, e passa o braço no
encosto da minha cadeira. — Pelo visto conseguimos. Tá todo mundo falando!
— Que bom, eu acho. — Tiro a mão dele de minha cadeira.
— Certo. Essa festa não tem isso aqui de álcool. — Ashton demonstra fazendo uma
pinça com o polegar e indicador. — Que tal uma festinha na minha casa?
— Vocês precisam de juízo, isso sim. — Darnell levanta-se rapidamente, abotoando o
blazer. — Vou procurar por Dannya; se forem embora, cuidado na estrada. — Ele sorri,
pressionando o ombro de Aidan ao passar por ele e Finn. — Willa, você ainda não tem
idade para beber, então, sem álcool pra você.
Willa sorri concordando com o pai em um movimento sutil de cabeça,
— Vamos dar o fora — Faith concorda quase que imediatamente com Ash e, por fim,
todos se levantam. Exceto eu.
— Vou esperar pela Gravity. Vocês podem ir. — Gesticulo, aponto com o queixo para a
saída e no rosto de Effy vejo que hesita. — Sério, eu vou ficar bem — confirmo, anuindo.
— Tudo bem. Eu vou ficar com a Mackenzie, assim que Gravity chegar, nós vamos.
— Effy, não precisa ficar. Pode ir.
— Não vou te deixar sozinha.
— Eu vou ficar — Aidan diz, sentando-se onde Willa estava segundos antes. — Pode ir
na frente. Levo Mackenzie e Gravity, sem problema.
— Tem certeza de que você e Gravity não se matarão no caminho? — Effy diz enquanto
se levanta. Está rindo e Aidan a acompanha na brincadeira.
— Não garanto que não a jogarei para fora do carro, mas prometo me controlar.
— Está bem. Eu espero por vocês lá!
Effy aperta meus ombros de leve e segue com o pessoal para fora. Agora somos só Aidan
e eu na mesa.
— O que achou do show?
— Eu gostei bastante — digo, rindo.
Essa é uma pergunta que ele faz sempre que faço parte da plateia que os assiste. Ele
pergunta três vezes, para ter certeza de que não estou dizendo que gostei só porque somos
amigos e não quero magoá-lo.
— Considerando a quantidade de pessoas que tem nesse baile, vai levar um tempo até
meu pai voltar com a Danny e a Gravity. E acho que Bryan vai demorar com a Beverly. —
Forjo o desgosto no rosto com um sorriso ao escutar o nome deles na mesma frase. — Quer
dar uma volta pelo campus?
— Claro.
Não espero por Aidan. No minuto em que respondo, já estou de pé ao lado dele.
Aidan estende o braço para mim e o seguro. Guia-me para a saída, fugindo do
congestionamento de pessoas próximas à entrada do salão. Noah voltou para a porta, com a
prancheta em mãos. Noto que ele e Aidan se conhecem porque há um movimento cortês de
cabeça de ambos assim que passamos pela porta.
O vento está gelado, como costuma ser às noites em Humperville. As duas madeixas
soltas que emolduram meu rosto voam com o sopro frio, os pelos de meu braço eriçam com
o toque sereno do tempo. Ajeito as mechas atrás da orelha, sem me importar se vou
estragar as ondas que Effy fez neles. Aidan me guia pelas passarelas ao redor do campus,
feitas de cimento, que são ornamentadas ao redor com grama. O único barulho entre nós
além do vento em choque com nossos corpos, é o do meu sapato de salto batendo contra o
chão.
Aidan solta meu braço e corre para parar na minha frente, bloqueando a passagem. Eu
paro e solto uma gargalhada ao vê-lo deter meus passos curtos. Cruzo os braços, tentando,
de alguma forma, proteger-me do frio do vento.
— O que foi? — inquiro, sem deixar de sorrir. Aidan retribui o sorriso e estica as mãos
para tocar meus braços. Ele afunda os dedos com leveza em minha pele, lambe o contorno
dos lábios e respira fundo.
— Quero te perguntar uma coisa.
— Claro. Se não for “quer sair comigo?”, por mim tudo bem — rio mais alto e, quando o
sorriso de Aidan desaparece, sei que é exatamente o que ele iria dizer. — Ah. Ok. Era isso?
— Já que você estragou o clima — Ele joga os ombros para cima, como se não
importasse mais. Fico sem graça, sinto as bochechas arderem e baixo os olhos para a ponta
de meus sapatos. — Sou a fim de você desde aquele dia na casa do Jasper.
— Impossível, Aidan. A gente mal se conhecia. Você olhou para mim por, sei lá, dois
segundos? — Franzo a testa, subo o olhar para seu rosto empalidecido. Aidan voltou a usar
o paletó e os dois primeiros botões da camisa estão abertos. Ele coloca as mãos no bolso da
calça social, afastando-as de mim. — Eu não sou assim. Não fico a fim de alguém depressa e
não esqueço de repente. Leva tempo.
— Você não me deu uma chance. — Aidan dá um passo à frente. Um passo a menos que
estamos de distância. — Uma — repete, tirando uma das mãos do bolso e ergue o indicador
na frente do rosto. — Eu sei que você não é assim, sei que é diferente e é por isso que eu
gosto de você.
— Aidan…
— Deixa eu terminar — ele pede, virando a mão com a palma para a frente diante do
meu rosto. Aperto os lábios com firmeza, fazendo o que ele pede. — Sou seu amigo. Adoro o
que nós temos. Mas preciso de mais, Mackenzie. Não sei como dar o próximo passo com
você, fico nervoso — ri. — Então pensei que, se eu fosse direto, facilitaria para mim e para
você. Sem rodeios. Sem muitas palavras. Só eu dizendo claramente que quero ficar com
você, se me der uma chance.
Inclino a cabeça para o lado, analisando o rosto esperançoso de Aidan.
É tão injusto com ele. Nunca impus qualquer limite entre nós, quer dizer, não pensei que
precisasse. Já tive amigos homens antes, embora tenha me apaixonado pelos dois, mas com
Aidan é diferente. A última coisa que quero é magoá-lo, mas, ao mesmo tempo, e se eu
sentir? Se for algo além da amizade e só não me dei conta ainda por que não o deixei se
aproximar de verdade? E se não sinto nada, por que não abri espaço em meu coração para
recebê-lo?
Estou com a respiração falha, porque parece que estou dançando no escuro. Não vejo
nada. Não sei o caminho. Não consigo enxergar. Continuo tão perdida quanto estava dois
meses atrás. Não saio do lugar porque continuo cometendo os mesmos erros. Quando
penso que estou pronta, regrido um pouco mais. E se agora for diferente? Se por me sentir
diferente, os sentimentos aqui em meu coração talvez também estejam.
Aidan dá outro passo à frente. Um passo mais perto de me tocar. O mais próximo que
estivemos de atravessar a linha.
Arquejo o ar.
Seu hálito quente invade meu espaço pessoal.
Perto demais.
Ergo o olhar para o seu rosto. Ele vai me beijar.
Então, eu deixo.
Aidan resvala sua boca contra a minha devagar. Separo os lábios quando sua língua
pede espaço. A mão que hibernava em seu bolso da calça toca gentilmente minha cintura,
abolindo a distância entre nós, cortando a corrente de ar que atravessa. Retribuo o beijo
com sutileza. Ele é calmo, não tem pressa em saborear. Cada movimento é calculado, Aidan
pondera e eu espero que me faça sentir qualquer coisa que prove que podemos ser mais
que amigos, que posso sentir mais do que um carinho de irmão por ele. Mas seu beijo é tão
vago quanto o de Finn.
Eu o amo, não tenho dúvidas e é por esse motivo que sinto o cuidado que vem dele ao
me tocar, mas não como ele gostaria.
O que sinto por Aidan não é suficiente para sustentar um relacionamento entre homem
e mulher, não valeria a pena tentar, porque, no fim, tenho certeza de que o que sinto agora
não mudará com o tempo.
Então sano todas as dúvidas de minutos atrás. Não posso retribuir o que sente por mim.
Não tem espaço para amá-lo como deveria. E descubro também que não tem nada a ver
com Bryan. Eu só não gosto de Aidan dessa forma e me forçar a fazer isso, seria como
enganá-lo.
Seguro-o pelos braços, afastando-o de mim.
— Desculpa — sussurro. — Não dá, Aidan.
— Eu fiz algo errado?
— Não. Você não fez nada errado. — Cruzo os braços e, com leveza, toco a ponta do
indicador em meus lábios. Estão tremendo e o ar quente que escapa entre meus lábios toca
a ponta de minha pele. Fecho os olhos, inspirando profundamente. — Acho que esse é o
problema. Você é tão… perfeito.
Quando abro outra vez os olhos, há curiosidade injetada em sua expressão.
— Você nunca erraria comigo. Se esforçaria demais para não me machucar. E se
esforçaria tanto, com medo de errar em cada passo estando ao meu lado, que acho que
nunca te conheceria como homem de verdade. Não saberia dizer quais são seus defeitos e
suas qualidades, porque você parece sempre tão perfeito pra mim. Eu tenho medo de que
se torne artificial, tentando esconder suas falhas. — Faço uma pausa curta antes de
continuar: — Ninguém é perfeito, Aidan. As pessoas cometem erros. Magoam quem elas
amam. E está tudo bem. É isso que faz com que a gente aprenda a dar valor e seja sincero.
— Ele fica mais confuso, arqueando as sobrancelhas. — Não estou dizendo que você não é
sincero, mas, comigo, tenho a impressão de que tem medo de ser verdadeiro e isso acabar
pesando em como me sinto sobre você. Sou sempre sincera, eu digo como me sinto e tudo o
que penso; e mesmo que se machuque, você não se defende. Você deixa que eu te magoe.
Por quê?
Ele não responde.
— Porque você quer que eu te ame a qualquer custo.
— Não é verdade.
— É sim, Aidan. Você sabe que é. — Dou um passo à frente, em busca de suas mãos. —
Sobre o que eu falei hoje mais cedo no café, você claramente discordou de mim, não é?
— Não sei do que você tá falando.
Fecho os olhos, arquejo o ar e volto a encará-lo.
— Você não concorda comigo sobre seu pai. Sobre Dannya ou Gravity, mas não tenta
defender seus motivos porque não quer discordar de mim.
Aidan pressiona os lábios, contudo não responde.
— Mas não anula o fato de você ser uma pessoa incrível — digo, acariciando seu queixo.
— Você e eu somos tão bons juntos, como amigos. Acho que nunca fui clara com você sobre
minhas intenções. Deixei que pensasse que teríamos alguma chance porque estava sendo
egoísta, gosto de me sentir exclusiva e importante para você.
Ele continua em silêncio. Tenho medo que minha liberdade em ser honesta possa ter
sido afetada por magoá-lo. Porque ele está chateado. Consigo ver.
— Aidan?
— Por que eu tenho a sensação de que tem a ver com Bryan e acabei ficando no meio de
vocês dois? — Não me olha diretamente nos olhos, mas a voz embargada é uma boa
explicação.
— Nós ficamos juntos ontem.
Decido que preciso ser sincera com Aidan. Ele merece que eu seja transparente. Apesar
de ter certeza de que o que aconteceu entre mim e Bryan foi algo passageiro e não ter nada
a ver com a minha resposta para ele agora, não é justo com Aidan. Não quando sabia de
seus sentimentos, que estava esperando o momento em que Bryan não fosse mais tão
importante. Que eu não me chateasse quando pensasse nele ou ficasse magoada ao vê-lo
com outra garota. Ele é tão cuidadoso em seus passos, tratando-se de mim, que não
percebeu que não existe tempo para que Bryan deixe de significar para mim. Ele sempre
será uma parte importante da minha vida. Já entendi e aprendi a lidar com esse detalhe,
mas Aidan não.
— Ontem? — Leva alguns minutos para enfim responder. Pelo modo como seus olhos
estão perdidos, encarando o chão e intercalando entre olhar em volta, sei que tenta digerir
o que acabei de lhe contar. — Na festa?
— Depois dela.
Ele puxa os fios de cabelo e bufa.
— Não acredito que ele fez isso.
— Ele não fez nada, Aidan. Nós fizemos.
— Ele sabia que eu estava a fim de você.
— Assim como você sabia que Bryan sempre esteve a fim de mim.
Aidan fecha os lábios em uma linha dura. Elevo os olhos para os seus, que se encontram
em uma mescla de confusão e arrependimento. Não entendo direito o que ele esperava de
mim, mas tenho certeza de que o magoei. Não consigo dizer o quanto, só de vê-lo neste
estado de torpor, mas acho que o suficiente para que volte a si. É quando percebo que,
desde o começo, foi amizade para mim. Estava tentando ter alguém em quem confiar, mas
ele teve seus motivos e está claro para mim agora que nenhum deles envolvia nós dois
como amigos.
— Sinto muito, Aidan. Não quis te magoar — é tudo que digo. Não faço ideia do que
mais poderia dizer para fazer com que essa expressão depreciativa suma de seu rosto. —
Eu... — Dou um passo à frente, estendo a mão querendo tocá-lo; e, ao mesmo tempo que
espero que me afaste, também torço para que aceite minhas desculpas.
Contudo, ele não me afasta ou aceita meu toque. Detenho a mão no ar, poucos
centímetros de distância de tocar as suas porque os postes de luz que clareiam o caminho
de cimento ao redor piscam em cadência, interrompendo-me e simultaneamente escuto um
disparo agudo que me deixa atônita e Aidan sobressalta, encarando sob o ombro, tentando
enxergar através da penumbra da noite.
Eu não sei qual o som exato do disparo de uma arma. Não faço ideia de quão alto ou
ensurdecedor ela pode ser ou quanto pavor pode causar às pessoas que escutam, mas a
sequência de gritos desesperados que irrompe do prédio onde Aidan e eu estamos
finalmente nos faz mover.
O meu corpo age no automático. Estou correndo atrás de Aidan, em direção aos gritos e
à balbúrdia. Correndo para onde o caos se concentra e sendo abraçada pelo frio da noite em
Humperville. Tento gritar por Aidan, para pedir que me espere, mas ele não para nem por
um segundo e acabo o perdendo de vista ao colidir com uma multidão em pânico.
Aidan sobe as escadas. Consigo vê-lo pelos fios de cabelo platinado esvoaçando. Ele está
indo na contramão; enquanto os estudantes tentam sair do prédio onde é ambientado o
salão de bailes, ele está tentando entrar.
Paro antes de atingir o limite da escada, medindo quais são minhas chances de
conseguir atravessar a maré de universitários em pavor e, ao mesmo tempo, tentando
entender por que diabos Aidan está correndo direto para o lugar de onde devíamos estar
fugindo.
— O que aconteceu? — inquiro ao agarrar o braço de uma ruiva, que esbarra em mim.
— Foi um tiro! — ela grita, sobre as vozes mescladas. — As luzes se apagaram, nós
achamos que podia ter sido um blackout. Acontece muito!
Não, não acontece muito. Não que eu me lembre.
Com um solavanco, a ruiva consegue se soltar de minha mão e continua correndo,
seguindo o fluxo de pessoas. De repente, ouço o som de sirenes. O espaço onde estou parece
pequeno demais e me sinto sufocar. Não tem ar o bastante para todas as pessoas que
tentam fugir do salão. Não tem oxigênio o suficiente para circular nos meus pulmões e não
tem um rosto conhecido percorrendo por onde estou. Então eu me lembro de Gravity.
Dannya. Darnell. E Bryan. Todos eles estavam lá dentro minutos atrás, antes de Aidan e eu
sairmos. Começo a compreender o desespero de Aidan. Ele só quer ter certeza de que as
pessoas que amamos estão bem e seguras.
Sinto uma mão envolver meu pulso, afastando-me da multidão que tenta escapar, antes
que me derrubem e eu seja pisoteada. Abaixo o olhar para as unhas pintadas de preto e
continuo em direção ao rosto: Gravity. Uma película fina de suor cobre seu rosto. Parte de
seus cabelos desgrenhados, colando em sua testa. Minha primeira reação é abraçá-la.
Gravity é diferente. Não é muito ligada a demonstrações de afeto, mas não reclama. Na
verdade, sinto-a exalar o ar contra meu pescoço em alívio. Nosso abraço dura apenas
alguns segundos, porque a polícia entra no prédio, seguida de um paramédico com uma
maleta de primeiros socorros e mais dois socorristas. Um carro do corpo de bombeiros
acaba de estacionar no gramado do campus.
Eu me dou conta de que tudo aconteceu em uma fração de segundos. Assisto tudo em
câmera lenta, abraçada a Gravity e, quando ela soluça, é que percebo que está chorando.
Meu coração é esmagado dentro da caixa torácica, porque aparentemente sou a única que
não está entendendo nada do que está acontecendo. O entorpecimento vem segundos
depois da adrenalina ficar em seu auge e o medo ser o único sinal em meu corpo.
— Gravity — indago, com a voz em um tom ameno. — Que foi que aconteceu?
Ela levanta a cabeça e nossos olhos se encontram.
— Foi o Darnell.
— O Darnell? — Eu me sinto culpada por ficar aliviada. Gosto dele, mas tenho certeza de
que o foco da minha preocupação estava em outra pessoa.
Assente, sem dizer mais nada. Estou esperando mais explicações, que me conte em
detalhes o que houve nos vinte minutos em que Aidan e eu estivemos andando pelo
campus.
— Eu preciso ficar com a Danny — sussurra, e sigo a direção para onde seus olhos
miram.
O paramédico está descendo, com as luvas cirúrgicas ensanguentadas, seguido por uma
maca que carrega o corpo de Darnell. De onde estou, não consigo dizer se ele está morto ou
vivo, mas Dannya chora desesperadamente, tentando inutilmente sufocar o soluço
cobrindo a boca com a mão direita. Aidan desce ao lado dela, amparando seu corpo ao
ajudá-la descer. Eu espero mais um pouco, segurando a mão de Gravity com força quando
vejo Bryan logo atrás. Diferente de Gravity, Dannya ou Aidan, Bryan está maculado de
sangue nas mãos e nas mangas da camisa social.
O torpor parece ter fluído todo o sangue de seu rosto, pois a palidez fica em contraste
com a vermelhidão do sangue. Abro a boca alguns centímetros, tomada pelo choque em vê-
lo naquele estado, perguntando-me se também fora atingido pelo disparo. Aos poucos, sinto
a mão de Gravity afrouxar do nó em que nossos dedos se encontram.
— Vou com eles para o hospital. Você devia pegar uma carona com o Bryan para casa.
Por favor, eu prometo que explico tudo depois.
— Grav…
— Mack, por favor. Liga pra Effy, tá? Diz que o Darnell foi baleado. — Ela aperta a minha
mão e sei que se sentirá melhor se eu disser que farei o que está me pedindo. — Mack, não
vai pra casa sozinha! Quem quer que tenha feito isso, quer atingir qualquer pessoa que
esteja próxima do Darnell, então, só por hoje, engole o orgulho!
— Eu quero ir junto. — Volto a apertar sua mão com mais força, impedindo-a de dar um
passo a mais. — Quero ficar com vocês.
— Acho que agora a gente quer ficar em família.
Quando Gravity diz isso, eu desisto. Solto seus dedos, porque ela nunca menciona os
Lynch como “família”. Ela se recusa a aceitar que eles, de fato, são uma família.
— Eu te ligo assim que der, tá? Faz o que estou te pedindo. — Ela volta e me abraça
outra vez. Deposita um beijo em minha testa e corre.
A ambulância já saiu do lugar e não percebi quando foi que Aidan também sumiu do
meu campo de visão. Dannya provavelmente foi com Darnell e, de onde estou, só vejo
Gravity falando com Bryan e gesticulando com as mãos. Ele rastreia seus olhos em volta,
parando em mim. Encolho os ombros, porque o que acaba de acontecer praticamente muda
como vamos lidar um com o outro hoje. Por fim, Bryan assente para Gravity e a toca no
ombro, um sinal visível de compadecimento. Em seguida, vejo Beverly descer as escadas,
rumo a Bryan.
Observo a minha volta. O lugar que antes estava cheio de desespero, fica calmo. Tudo
que sinto é a brisa leve da noite tocando meu pescoço nu. A expressão de Bryan é taciturna
enquanto fala com Beverly. Ela mexe na camisa dele com intimidade e então percebo que
este tempo todo esteve segurando a jaqueta dele. Ela a estende para ele e deposita um beijo
casto em seu rosto, embora também tenha respingos de sangue chafurdando sua pele.
Bryan então caminha em minha direção. Não consigo olhar para outro lugar se não as
manchas intensas de sangue em sua camisa. As mangas até metade do antebraço e parte do
peitoral tem a cor avermelhada.
Ele para a poucos centímetros de mim. Mantenho o olhar preso em sua roupa suja.
— Vamos? — sibila e sem me deixar responder, começa a caminhar.
Eu o sigo e todo o trajeto até o carro é um silêncio absoluto.

Bryan liga o som e sei que é para disfarçar que o silêncio entre nós é incômodo. Slow
Dancing In The Dark, de Joji, permeia pelo carro assim que Bryan estaciona na vaga
reservada para o apartamento “P”. Ele percebe que estou prestes a perguntar, então se
estica e aumenta o volume mais um pouco. Inclino-me no banco e desligo o som. Bryan olha
para mim, repreensivo.
— Darnell está bem? — pergunto, sem desviar os olhos do painel.
— Ele vai ficar bem quando se recuperar.
— O que foi que aconteceu? Por que ninguém tá me contando nada?
— Ninguém entendeu nada, Mackenzie. Aconteceu muito rápido.
Suspiro, massageando as têmporas.
— Aidan e eu estávamos só andando pelo campus. As luzes começaram a falhar e eu
escutei o tiro.
— Alguém cortou as luzes. A música cessou. O blackout durou dez minutos. Então nós
escutamos o disparo e uns quinze segundos depois as luzes se acenderam. Darnell estava
caído perto de mim e Beverly. Minha primeira reação foi tentar estancar o sangramento. —
Ele mostra a manga da camisa, sacudindo o braço. — Não sei o que aconteceu direito. —
Bryan cobre os olhos, apertando as pálpebras com as pontas dos dedos. — Vamos descobrir
quando as investigações terminarem.
— Você acha que alguém tentou matá-lo?
— Darnell é o segundo homem mais rico de Humperville. Em uma cidade, que é
comandada pelo dinheiro e por políticos, eu não tenho dúvidas de que alguém tentou matá-
lo. Há meses, Aidan vem dizendo que Darnell devia ser mais cuidadoso, talvez contratar uns
seguranças ou sei lá. Se Willa e Aidan estivessem no salão, provavelmente também teriam
sido atingidos. Quem quer que tenha atirado em Darnell, queria feri-lo de um jeito ou de
outro.
Mordo o lábio inferior.
— A gente devia ir até ao hospital.
— Eles querem ficar sozinhos. Aidan me pediu para ficar longe, por enquanto.
— Gravity me pediu a mesma coisa.
Bryan anui, concordando comigo.
— Você devia entrar.
Por mais que Bryan tenha me explicado e eu tenha compreendido, não quero ficar
sozinha e não quero deixá-lo sozinho. Se estava por perto e viu tudo o que aconteceu, não
deve ter sido fácil. Quero ignorar que estamos magoados um com o outro por hoje. Porém,
tudo tem acontecido rápido demais entre nós, tanto quanto a tragédia que aconteceu essa
noite. Decido não insistir nem demonstrar que estou preocupada com ele. Estou prestes a
sair do carro quando vejo Beverly atravessar pelo estacionamento. Paro com a porta
entreaberta e espero até que entre no elevador. Volto as pernas para dentro do carro e
Bryan arqueia as sobrancelhas enquanto me encara.
— Por que ela não veio com a gente?
— Ela quem?
— Beverly.
— Eu ofereci para trazê-la. Ela recusou.
— Entendi.
— Foi uma noite longa, melhor você entrar.
— Não consigo — bufo, deixando os ombros caírem. Fecho os olhos e viro o tronco para
ficar de frente para ele. — Não dá para fingir que alguém que eu conheço quase morreu
hoje, Bryan. Não vou fingir que nada aconteceu.
— E o que você quer que eu faça? Eles não querem ninguém de fora por perto agora.
Vamos respeitar o pedido deles, ok?
— Darnell tem inimigos, com certeza — sopro para mim mesma, pensativa. — Mas,
quer dizer, ter inimigos no negócio não significa que vão entrar em uma guerra de verdade,
não é?
— Eu não sei. — Ele dá de ombros, impaciente. — Mackenzie eu não faço ideia. A polícia
vai cuidar disso. O Darnell sabia que, uma hora ou outra, alguém tentaria alguma coisa,
confie em mim, ele sabia. Esquece por enquanto. Quando ele puder receber visitas ou Aidan
quiser falar no assunto, tenho certeza de que vamos ficar sabendo.
— Você tá tão calmo — reparo, analisando-o com apreensão. — Nem parece que o pai
do seu melhor amigo acabou de levar um tiro! — exclamo, minha voz subindo algumas
oitavas.
— O que você tá querendo dizer? Que eu atirei nele?
Pressiono os lábios, porque, mesmo sem querer, eu continuo insinuando coisas ruins se
tratando de Bryan. Nunca me passaria pela cabeça que ele teria coragem de atirar alguém,
mas, por causa do passado, continuo dizendo coisas que vão machucá-lo e fazê-lo pensar
que vejo só o pior que tem nele.
— Não, Bryan. Só que você não está tão preocupado quanto deveria.
Bryan se irrita. Vejo pelo modo que suas narinas inflam e sua respiração rareia. Ele abre
a porta com força e atravessa pela frente do carro. As roupas sujas me incomodam
bastante, mas ele nem parece notar que estão imundas com sangue. Abre a porta do meu
lado, com um rompante e me segura pelo pulso, puxando-me para fora do carro.
Encosto-me na porta assim que a fecha e respiro pesado quando ele apoia ambas as
mãos no teto de seu Dodge Charger. Uma de cada lado da minha cabeça.
— Que porra você quer que eu diga? Que estou enlouquecendo com o que sinto por
você? Que estou preocupado com Aidan, porque eu tenho certeza de que essa história ainda
não acabou? Quer eu demonstre tudo que eu sinto, para que depois você cuspa na minha
cara? É isso? — Bryan para, inspirando o ar com força. — Você quer me ver por trás de
todo o medo e insegurança, só para ter o prazer de dizer que está partindo a droga do meu
coração antes que eu faça com você? Merda, Mackenzie, isso não é um jogo! O que eu sinto
não é brincadeira! Assim como eu nunca brinquei com ninguém! Sim, posso ser um cara
que gosta de transar pra caralho, que gosta de estar com várias garotas, mas nunca menti
para elas. Eu nunca prometi nada ou disse que as queria só para depois dispensá-las. As
coisas comigo funcionam de forma transparente, entendeu?
Ele bate com a mão aberta contra o teto do carro e sobressalto.
— Você me entendeu?
— Eu não sei por que você está falando de nós.
Enfim, afasta-se, colocando as mãos na cintura.
— O nós nunca existiu — continuo, sentindo as batidas de meu coração rasgarem meu
peito.
— É a primeira vez que algo coerente sai da sua boca — Bryan diz, afastando-se.
Eu me distancio da porta do passageiro.
— Mas quer saber de uma coisa? — Ele para, em frente ao capô do carro. — O que
aconteceu ontem, tudo que eu te disse, era verdade. Eu nunca mentiria para você.
Aperto os lábios, segurando o choro na garganta, embora tenha certeza de que meus
olhos estejam me denunciando.
— Você demorou demais — digo, a voz embargada criando o clima mais pesado entre
nós.
— Quem é que foi embora por dois anos?
— Quem é que passou quase uma vida inteira apaixonado por mim em silêncio?
Bryan retesa, como se tivesse sido atingido por um soco no estômago.
— Effy te contou.
— Ela não precisaria me contar. Se eu tivesse olhado mais devagar, teria descoberto
antes. Mas você sempre estava fugindo de mim, mantendo-se distante e eu achando que a
verdade era que você se achava superior demais para mim. Inteligente demais. — Sinto que
estou chorando porque meu rosto está úmido. — Você demorou demais, Bryan.
Os ombros murcham e sinto que ele desiste de discutir comigo. É quando percebo que
prefiro nossas discussões aos nossos silêncios; nossas brigas, ao nada.
Ele entra no carro e me afasto. Outra vez, Bryan vai embora, achando que tudo que sinto
por ele é raiva, assim como eu achava que era tudo o que ele sentia por mim.

“Quando eu disse “você é única” eu falei sério
E eu ainda sinto o mesmo , como há muito tempo atrás
O tipo de amor que nós tivemos você não pode substituir
Nós fizemos coisas juntos, não podemos voltar atrás
Se você precisar de um ombro para chorar
Se você precisar de alguém, eu estou ao seu lado
E eu sei que não é o mesmo que era antes
Se eu pudesse voltar no tempo, amor eu faria isso”
NEVER – TREVOR DANIEL

Não sei como consigo dirigir até minha casa. Levo vinte minutos e não estou totalmente
concentrado na estrada. O sangue de Darnell está colado em minha pele. Sei que é só uma
questão de tempo até ser levado de volta à sala de interrogatório da delegacia e não estou
nem um pouco animado com a ideia de passar por tudo aquilo outra vez.
Sinto um arrepio percorrer minha espinha. Retraio os ombros, o medo traumático de
dois anos atrás volta para me assombrar.
Paro o carro diante de minha casa. As luzes estão apagadas. Agarro o volante com força,
envolvendo meus dedos no círculo. Aperto-o até sentir as articulações doerem. Penso em
Aidan, em como pode estar sendo difícil para ele e em como me sinto inútil, porque não há
nada que eu possa fazer para tornar as coisas menos complicadas para ele e sua família. Ele
perdeu a mãe pouco mais de um ano e sabemos que ainda está se recuperando disso. Se
Aidan perder Darnell também, não terá nada que eu ou qualquer outra pessoa possa fazer
para ajudá-lo. Não desta vez. A terapia em grupo, o nosso apoio, será apenas uma migalha
em meio ao turbilhão de sentimentos ruins que arruinarão sua sanidade. Eu tenho medo
por ele. Tenho medo de que, se Aidan perder Darnell, nós também o percamos.
Aidan não é como Ashton, Finnick ou eu. Ele encontra forças em sua família. Sustenta-se
dela. Apesar de ter vivido grande parte de sua existência em um colégio interno, Aidan ama
a família acima de qualquer coisa.
Nós sabemos da vulnerabilidade de Darnell. Também sabemos com quais tipos de
pessoas e investidores ele está envolvido. Não é preciso uma revelação bombástica para
saber que onde tem dinheiro, existe ambição. Se tem uma coisa que eu aprendi, depois de
ter sido preso, foi que o dinheiro corrompe as pessoas. Não importa quão bom seja o
coração de alguém, se ela experimenta uma pequena dose do que o dinheiro irá lhe
proporcionar, tudo muda. Meu pai, por exemplo, costumava ser um cara justo. Vendia
carros porque era apaixonado por eles, mas bastou o mínimo de poder, uma amostra do
que ele poderia ser se ele se arriscasse mais, para que tudo fosse por água abaixo.
Descobri um tempo depois que Fuller Adams não era só dono de ações no maior
hospital de Dashdown, também era agiota. Meu pai não fazia ideia do quão fundo era o
poço ao se envolver com esse cara. Quanta merda e sujeira poderia sair de lá. E quanto mais
se cava, mais se descobre.
Darnell Lynch recebe todos os tipos de pessoas em suas boates, mas principalmente o
Purple Ride, que se tornou o ponto de encontro de homens como Fuller, que são movidos
unicamente pela ambição. O acesso ao terceiro andar é restrito, portanto não fui até lá
muitas vezes, mas Aidan confidenciou a mim e aos outros caras da banda alguns dos nomes
que passaram por lá. Em sua maioria políticos, diplomatas, agiotas e pessoas com tanto
dinheiro que daria para comprar Humperville inteira se quisessem. Essa cidade é
inteiramente contaminada por pessoas como Fuller Adams.
Estreito o olhar sobre capô do carro. O sangue em meu rosto começa a secar. Não pensei
muito quando o vi caído no chão, ensanguentado. Corri até ele, tirei suas roupas e cobri seu
ferimento com minhas mãos. Mas tinha tanto sangue. Tanto, que rugiu de dor. Dannya
gritando. Gravity deixou de ser uma compenetrada e vi um lado seu que até então não
conhecia: um misto de pavor e preocupação caracterizavam seu rosto. Nunca a vi tão fora
de si como hoje. Ela não conseguiu raciocinar. Não pensou em nada. Só ficou parada me
vendo agir. Por fim, quando Aidan chegou, Dannya já tinha chamado a polícia e telefonado
para o hospital. Quando ela disse de quem se tratava, algo que demoraria quarenta minutos
para estar lá, em menos de dez o gramado da faculdade se cobriu com viaturas e a
ambulância. É onde tenho mais certeza de que o dinheiro é o que comanda Humperville.
Lembro de Gravity ter perguntado por Mackenzie. Aidan olhou para trás como se não se
lembrasse do porquê ela não o seguiu. Eu fiquei puto com ele, mas não briguei. No lugar
dele, também estaria em desordem. Só me lembro de Gravity ter dito que iria procurá-la,
porque, quem quer que tenha tentado matar Darnell, não pretendia parar agora. Não era
seguro para nenhum de nós perambular pelo campus.
Olho para as mangas da minha camisa com sangue. Vejo através do retrovisor os
respingos. A molhança espalhada em meu peitoral. O pânico que senti esta noite retorna.
Mais agudo e propenso a me enlouquecer do que antes. Fecho as mãos em punho e em uma
forma de extravasar o que sinto, desfiro socos contínuos e incutidos de raiva. Nós avisamos
a ele. Dissemos que iria acontecer. Darnell não levava essa porra a sério! Aidan e eu
conversamos tantas vezes com ele, que eu perdi as contas; e por causa de sua teimosia,
muita gente hoje poderia ter sido atingida por uma bala perdida.
Quando penso nisso, fico apavorado. Poderia ter sido qualquer um de nós. Gravity.
Dannya. Aidan. Mackenzie.
Pressiono as pálpebras, quase não consigo respirar. Então abro as janelas do carro.
Estou esperando, mas não sei o quê. Minha mãe já deve ter recebido a ligação de Dannya e
provavelmente não dormiu esperando por mim. Não estou nem um pouco ansioso para a
nossa conversa, que estamos adiando desde hoje de manhã, quando ela chegou da casa do
meu pai. Nós tomamos café juntos. Ela tentou se explicar, mas eu não quis ouvi-la. Não vejo
nenhum motivo para que ela fique querendo revê-lo e sofrer por ele todas as vezes.
Meu celular toca no instante em que estou pronto para sair do carro. O nome de Beverly
pisca na tela. Pondero se devo ou não atender. Ela é mesmo uma garota de se impressionar.
Dois dias que a conheço e dois dias que fico bastante interessado. Porém, desta vez, não se
trata de sexo ou de atração física, realmente não ando no clima para isso, mas é uma
atração emocional. É diferente de Faith ou qualquer outra garota em que estive
casualmente.
— Ei. — Por fim atendo, apoio o cotovelo direito no arco do volante e com a mão
esquerda aliso os cabelos. — Vi você no estacionamento do apartamento quando deixei
Mackenzie.
— Eu vi vocês também — ela ri, sem graça e ficamos em silêncio por alguns segundos. —
Odeio dirigir.
— Você devia ter aceitado a minha carona.
— Você sabe por que não aceitei — Beverly ri. Ela faz muito isso. Independentemente da
situação, está sorrindo. Mas não parece superficial ou forçado, ela só tenta mascarar a dor
com o sorriso. Cada um luta com as armas que tem.
— Sei.
Beverly não quer ficar entre mim e Mackenzie. Quer evitar se relacionar com Mack
porque se sentiria mal por estar interessada em mim e ser amiga dela. Para Bev, soa como
falsidade ou até mesmo uma amizade de conveniência. E, honestamente, vendo por este
ângulo, até que ela tem razão.
— Como você tá?
— Eu me sinto estranho. Estou todo sujo com o sangue de alguém.
— Você ainda não chegou em casa?
— Cheguei, mas não tive coragem de entrar.
— Qual o problema?
Recente demais para deixá-la saber de todos os meus problemas. Se fosse dois anos
atrás, eu com certeza não estaria nem mesmo sendo aberto para tê-la como amiga.
— Nenhum. Ainda estou pensando no que aconteceu nessa maldita festa.
— Ele vai ficar bem, Bryan.
— Espero que sim, caso contrário, Aidan não vai suportar.
— O Aidan parece ser um cara forte e ele tem o apoio de vocês. Ele também vai ficar bem.
Sendo sincera, estou mais preocupada com você do que com ele e Darnell.
Acabo rindo também.
— Não fui eu que levei um tiro, Bev.
— É, mas vendo como você ficou, parece que foi. Darnell deve ser especial.
— Os Lynch me acolheram na família. Eu me sinto parte dela, mas hoje não.
— Tenho certeza de que Aidan te pediu para ficar longe por uma razão. Se quiser, posso ir
com você visitá-los no hospital durante a semana. O que acha?
— Seria bom, eu acho. — Inclino-me sobre o volante, arquejo o ar e fecho os olhos.
Estou exausto pra caralho. — Bev. Preciso desligar ou vou dormir aqui fora, dentro do
carro.
— Se quiser vir para cá, te faço companhia.
Penso por um segundo. Se fosse em outra ocasião, eu aceitaria.
— Não posso. Não quero matar minha mãe do coração — brinco, rindo.
— Tudo bem, não tem problema. Se precisar de alguma coisa, você me liga.
— Ligo.
— Até mais, Bryan.
— Até.
Encerro a ligação. Guardo o celular no bolso da calça e tiro a chave da ignição. As luzes
permanecem apagadas, entretanto, através das grandes janelas da sala, um vislumbre da
luz do abajur mostra que eu estava certo e provavelmente minha mãe não dormiu
esperando por mim.
Subo os degraus do pórtico rumo à porta da frente. Assim que a abro, sou surpreendido
pelos braços de minha mãe envolvendo meu pescoço. Quase sufoco com a massa de cabelos
desgrenhados cobrindo meu rosto e a força que impõe em volta de mim. Dou passos para
trás até recostar à porta e fico de braços abertos porque não quero manchar seu robe de
cetim com sangue. Preciso de um banho.
— Graças a Deus! Estava quase ligando para o Ryan! — exclama e ao escutar o nome do
meu padrinho, por instinto, eu a afasto.
— Qualquer um, menos ele, mãe.
— É o único da polícia que conhecemos. — Consigo ver seu rosto maculado com uma
expressão preocupada. Os olhos vermelhos e as rugas se evidenciam enquanto ela sorri. —
Eu colocaria essa cidade abaixo atrás de você. — Ela cobre meu rosto com sua mão aberta e
mantém o sorriso.
— Estou todo sujo. Preciso tomar banho. — Enfim, desce os olhos por minhas roupas
sujas e repara nos pingos de sangue em meu rosto. Parece que lutei na guerra.
— Danny me contou que você tentou parar o sangramento.
— Ela deu alguma notícia? — Desço sua mão e caminho para a sala, desabotoando a
camisa. Não vejo a hora de me livrar dessas roupas. Uma camiseta limpa está sobre a
mesinha de centro e não tenho mais dúvidas de que Dannya contou tudo em detalhes. Tiro
a camisa suja e passo a camiseta preta pela cabeça. Termino de me vestir e me sento ao
sofá. — Disse como ele está?
— O tiro perfurou o ombro esquerdo, mas a bala não ficou alojada no corpo. Tiveram
que fazer uma cirurgia para retirar os estilhaços, mas correu tudo bem. Ficará em
observação pelos próximos dias, até terem certeza de que não ocorrerá nenhum
sangramento ou coisa assim. — Ela para, deslizando os lábios um no outro. — Quem quer
que tenha feito isso, não tinha uma mira muito boa.
— Não, não tinha.
— Você está bem?
— Estou.
— Tem certeza? Não parece bem.
— Mãe, eu acabei de presenciar uma tentativa de homicídio. Vai por mim, é uma merda
saber que a sua vida corre perigo. — Nunca contei para ela as ameaças que sofria do meu
colega de cela na prisão. Já foi ruim demais sem que ela soubesse. Fiz isso para protegê-la,
mas, pelo modo com que olha para mim, diz que acabei de revelar a ela um pedacinho do
meu passado naquele inferno. — E o Aidan?
— Ele não falou uma palavra desde que chegou no hospital.
— Caralho! — Bagunço os cabelos, jogo a cabeça para trás e fecho os olhos. Queria
dormir e acordar fora desse pesadelo. — Tenho que avisar o Finn e o Ash. — Vou em busca
do meu celular no bolso, pego-o e minha mãe se senta ao meu lado enquanto digito uma
mensagem para Finn e Ashton. Tenho certeza de que Mackenzie avisou as meninas.
— Bryan.
— Oi? — respondo, sem desviar os olhos da tela do celular.
— Quero falar com você sobre a minha viagem a Dashdown. Eu sei que não é o melhor
momento, mas você me evitou o dia todo.
Ergo o olhar em sua direção.
— Não vou levar a The Reckless pro jantar de noivado dele.
— Ele não se importa se não quiser tocar no jantar de noivado. Só se importa com a sua
presença lá.
— Eu não vou.
— Bryan.
— Não, mãe. Eu não vou. Você fez sua escolha. Eu fiz a minha. Se quer fazer parte dessa
noivado, eu não ligo, mas não vou fazer isso.
— Seu pai e eu superamos essa fase. Eu o superei, Bryan.
— Jura? Porque até dois meses atrás te peguei chorando nesta sala porque descobriu
que ele estava se preparando para ficar noivo de outra mulher!
— Sim, é verdade que eu fiquei chocada ao descobrir, mas não me sinto mais assim em
relação a Casey.
— Desculpa, mas não acredito em você.
— Não vou te forçar a ir se não quiser, mas eu quero participar do noivado. Quero estar
lá, Bryan.
— Não vou te impedir.
— Fui até lá porque Casey estava preocupado comigo e com a sua reação. Eu o amo,
Bryan, não por nós, mas por tudo que vivemos juntos. — Não sinto dor como costumava ao
ouvi-la falar dele. Na verdade, ela parece bem sincera enquanto me conta seus motivos. —
Nossa história acabou. Aconteceu o que tinha que acontecer e agora estamos seguindo em
frente.
— O que você quer dizer com estamos?
Ela pigarreia e se levanta. Dá voltas em torno da mesa de centro e para atrás dela,
encarando-me.
— Eu tenho saído com uma pessoa já tem algumas semanas. — Morde o lábio inferior,
com culpa e cruzo os braços. Definitivamente não estou bravo com ela por estar seguindo
em frente, mas parece que ela pensa que sim. — Queria te contar, mas estava preocupada
com sua reação. Na verdade, ele é corretor e estive pensando… acho que chegou a hora de
nos mudarmos. Vender esta casa. Pagar nossas dívidas e arranjarmos um lugar menor para
nós dois. Eu e você — ela acrescenta, como se precisasse ser bastante específica para que
eu não confunda as coisas. É a primeira vez que reparo em como ela está sorridente.
Ultimamente tenho estado tão concentrado em mim e Mackenzie, que me esqueci de olhar
para o lado, para as pessoas que eu amo e que retribuem o que sinto. Acabei me perdendo
de novo no turbilhão de sentimentos que tenho por essa garota. — Mas não vou dar
nenhum passo sem falar com você, quer dizer, só temos um ao outro. — Contorna a mesa
de centro e se aproxima, pega minha mão e acaricia o dorso. — O que você acha?
— Mãe.
Eu me levanto, retribuindo o aperto em sua mão.
— Só tem uma mulher em todo o mundo que eu iria até a lua por ela. Essa mulher é
você. — Seguro sua cabeça entre as mãos. — Eu te amo. Faria qualquer coisa para te ver
feliz. Estou pronto para me mudar desse lugar. — Aproximo meus lábios de sua testa e a
beijo. — Quer se mudar de cidade? Nós faremos isso.
— Não — ela ri e estapeia meus ombros. — Meu futuro namorado mora em
Humperville.
— Quando vou poder conhecer esse cara? Quero ter certeza de que ele sabe o que está
segurando nas mãos.
— E o que é que ele está segurando? — Ela revira os olhos, em um jeito de me provocar.
— O meu mundo inteiro — sopro e a abraço.
— Você está emotivo demais hoje. — Abraça minha cintura, apoiando a cabeça em meu
ombro. — Vamos marcar alguma coisa depois do noivado do seu pai, está bem?
— Como você quiser, mãe.
Saio do banho e encontro minha mãe na sala, sentada no sofá com as pernas sob o
corpo, concentrada no jornal que passa na tevê. A verdade é que não sou mais tão chegado
em televisão, principalmente em jornais locais. As notícias correm rápido e, em sua maioria,
não trazem tanta verdade. Passo os olhos por toda a sala tentando localizar o controle
remoto e o vejo entre as unhas pintadas de vermelho das mãos dela.
— Não quero ouvir o que estão falando do Darnell. — Gesticulo com o queixo, cruzo os
braços na altura do peito enquanto espero que ela desligue, mas não acontece. — É sério,
mãe. Prefiro não saber pela televisão.
— Não estão falando do Darnell. — Inclina-se, soltando uma lufada longa de ar. E,
finalmente, o som da jornalista some no ar. — Não diretamente. Estavam falando sobre ter
sido na universidade e questionando a segurança dos alunos depois disso. Ao que parece, o
reitor decidiu adiar o início das aulas para a semana que vem. Dará algum tempo para a
polícia investigar mais a fundo o caso, sem que uma multidão de alunos curiosos atrapalhe
tudo!
— Imaginei que ele faria isso. — Eu me aproximo e me acomodo ao seu lado. —
Coloquei aquelas roupas em um saco de lixo. Não quero ter que olhar para elas nunca mais.
— Você está bem? — Ela se estica para acariciar meu ombro, tomba a cabeça para o
lado, apoiando-a na palma da mão direita onde escora o cotovelo no topo do encosto do
sofá. — Sei que disse que sim, mas não é o que vejo em sua cara.
— Fiquei apavorado hoje. — Sacudo a cabeça para afastar a lembrança do som
imperioso do disparo da arma. — A última vez que senti tanto medo assim foi dois anos
atrás, quando… — Paro de falar, mordo a língua.
— Quando?
— Quando eu fui preso.
— Quando te colocaram lá.
— Mãe.
— Você sabe que a culpa foi dela.
— Mãe! — repreendo-a de novo. — Não vamos falar sobre a Mackenzie, vamos?
— Foi você que a deixou em casa hoje. Por quê? Ela e Aidan não estão namorando?
Aperto as pálpebras com a ponta dos dedos. Minha vontade é afundar os olhos para
dissipar a raiva que sinto quando penso nisso. Quando penso nela e em Aidan, porque não
faço ideia do que está rolando entre os dois. Mackenzie nunca me contaria e Aidan, depois
do que aconteceu na sala do apartamento dela, duvido que será sincero sobre qualquer
coisa a respeito do relacionamento deles.
— Por que ela não foi com ele?
— Eu não sei se eles estão namorando. Quem te contou isso?
— Maisie.
— Maisie — repito, reflexivo. Meu olhar enviesado paira sobre minha mãe. Ela se mexe
desconfortável no lugar. — Maisie te disse que eles estão namorando?
— Sim. Ou algo parecido.
— Você é uma péssima mentirosa.
— Mas eles estão saindo. Ela tem certeza disso. Maisie me contou que eles passam
muito tempo juntos, na verdade, tornou-se uma tradição Mackenzie tomar café com os
Lynch.
— Qual é o problema de vocês? — Deixo a cabeça cair por cima do encosto e dobro o
braço bloqueando a luz fraca do abajur em meus olhos. — O que isso tem a ver comigo?
— Só quero ter certeza de que o que nós conversamos quando ela voltou continua claro
nessa sua cabeça.
— Que você não aprova um relacionamento entre mim e Mackenzie? Sim, tá bem fresco
na minha memória.
— Não mudei minha opinião.
Abro os olhos para encará-la através de uma fenda entre meu rosto e o antebraço.
— Mackenzie e eu conseguimos resolver nosso relacionamento sem que você ou Maisie
interfiram nisso. Somos adultos, não precisamos da aprovação de ninguém.
— Eu sabia que a sua chateação não se tratava só do Darnell. Bryan, você é meu filho e
eu conheceria essa cara de quem acabou de ter o coração estilhaçado, mesmo que não
estivesse por perto para te proteger. O que foi que aconteceu dessa vez?
— Você quer saber por que quer tentar me ajudar a lidar com os meus sentimentos ou
só para adicionar mais um motivo à sua lista de razões para odiar Mackenzie Wilde?
Ela entreabre os lábios e um suspiro derrotado acaba saindo deles.
— Para ser honesta, não quero odiá-la. Não forço esse sentimento. Tentei conversar
com ela, pedir que ficasse longe, mas não adiantou muito.
— Eu soube dessa conversa.
Minha mãe ergue uma sobrancelha. A pele de sua testa enruga e vejo a confusão
transbordar de seus olhos. Quando Mackenzie disse que minha mãe tinha conversado e
contado coisas que se referiam a mim, eu fiquei puto. Poderia ter brigado com Vivian sem
arrependimento, mas ela voltou do retiro em que estava mais leve e feliz, não consegui
estragar seu momento raro de paz com os meus problemas. Mas agora que ela menciona o
que aconteceu, tenho vontade de confrontá-la apesar do nosso momento legal minutos
atrás.
— Como mãe, só quero te proteger. Eu sempre vou tentar te proteger. Não é sobre a
Mackenzie, é sobre qualquer uma que tente te atingir.
— Você, às vezes, se esquece de que eu também errei. Tanto quanto a Mackenzie, eu
errei pra caralho. Quer saber por que estou chateado? De verdade? — Espero que ela
concorde e estou disposto a dizer a verdade se ela estiver aberta para me escutar. — Estou
incomodado com o fato de Mackenzie estar saindo com meu melhor amigo. Estou puto
comigo porque tive a chance de ficar com ela e a joguei fora porque prefiro sexo sem
compromisso. — Minha mãe curva os ombros para a frente, escutando apreensiva. — É, eu
transo, mãe, e gosto muito disso. — Respiro e afundo os dedos nos cabelos. — E não sinto
mais o meu coração, porque não importa o que eu diga agora, não fará diferença nenhuma
pra ela.
— Vê-la com o Aidan te fez mudar de ideia?
— Acho que isso pode ter influenciado, sim.
— Você não tem que ficar com uma garota porque sentiu que a perdeu para o seu
melhor amigo, Bryan.
— Mãe, não tem nada a ver!
— Se quer ficar com a Mackenzie precisa conquistá-la. Depois de todos esses anos, não é
dizendo que gosta dela que vai fazê-la mudar de ideia. Ser sincero, às vezes, querido, não é
suficiente. — Ela dá palmadinhas em minha coxa.
— O que eu faço então?
— Que tal começar parando de ir para a cama com a primeira garota que você
encontra? — Joga a coluna contra o encosto, bufando. — Eu espero que você esteja pelo
menos se protegendo.
Acabo caindo na gargalhada porque não é o tipo de conversa que tenho constantemente
com minha mãe.
— Você acabou de dizer que não aprova.
— E você disse que não precisa da minha aprovação. Só te dei um conselho.
Reflito sobre o que ela diz, mas decido que não quero mais conversar sobre Mackenzie.
Nenhum de nós está tendo as ações mais maduras e não estamos tentando consertar o que
aconteceu. Talvez ainda precisemos de tempo para superar.

A semana corre devagar. Tento falar com Aidan porque estamos preocupados com ele.
Desde o acidente com seu pai, ele desapareceu das redes sociais, não atende ao telefone
nem responde às mensagens de texto ou no Kik. Finn e Ash tentaram ir à casa dele, porém
Rowan disse que aparece esporadicamente e quase não lhe fornece informações do estado
de Darnell.
Na quinta-feira decido voltar ao clube de apoio da terapia do Dr. Skinner. É uma
tentativa de encontrá-lo, mas assim que atravesso a porta da biblioteca municipal, o
pequeno grupo é composto por Ashton, Finnick, Nate e agora Mackenzie, são as únicas
pessoas presentes entre quatro prateleiras extensas de romances clássicos.
Estão sentados nas cadeiras vitorianas da biblioteca, em um círculo pequeno e
silencioso. Vejo o Dr. Skinner no centro, distraído com a leitura de um dos livros. Sulcos
intensos se formam na pele de sua testa, é um sinal de que está realmente envolvido com a
leitura. Seus olhos rastreiam cada linha da página com atenção.
Pigarreio, chamando a atenção de todo mundo.
Eu preciso ser honesto e dizer que Aidan não foi o único motivo de eu ter decidido
voltar. Dois meses atrás, após a conversa mais tensa que tive em anos com Mackenzie,
pensei que o nosso relacionamento deixaria de ser estranho e carregado de rancor, mas
aconteceu o oposto, começamos a agir como se fôssemos completos estranhos. Depois
disso, o clima ficou tão esquisito que decidi que não viria mais à terapia em grupo. Queria
me afastar, agir como se não me importasse, mas também resolveu muita coisa. A conversa
com a minha mãe foi inteligente, recebi conselhos dela e refiz os planos:
Ignorar Mackenzie não é uma opção. Ela foi a primeira garota por quem me apaixonei,
também foi minha melhor amiga e tudo que vivemos antes é intenso demais para ser
coberto com o orgulho. Não dá para fingir que não estamos ligados pelo passado e,
claramente, estamos próximos de novo por conveniência. Não digo coincidência porque o
fato de nossas famílias terem se aproximado era premeditado, não dava para evitar e está
na cara que nosso círculo de amizades também é o mesmo. Está mais do que óbvio que não
se apaga alguém da sua vida só porque ela ferrou com você no passado. Teremos que
aprender a conviver um com o outro sem que nos afetemos.
— Eu tive a sensação de que você voltaria hoje — o Dr. Skinner diz, sem retirar os olhos
de águia de cima do livro. Reviro os meus, porque tenho uma relação de amor e ódio com
esse cara.
Por causa dele, Ashton, Finnick e Aidan conhecem meu passado e sabem que Mackenzie
é meu ponto fraco. Porém, foi também por causa dele que consegui sair do fundo do poço.
— Podemos começar? — Ele bate o livro com força, sobressaltando cada um de nós.
Cumprimento Ashton, Finn e Nate com um meneio de cabeça, dou uma breve olhada em
Mackenzie. Está vestindo a jaqueta de couro, regata e calça jeans. De braços cruzados,
devolve o olhar.
— Vai logo, estou morto de fome.
— Você sempre está com fome, Ashton — Nate brinca, rindo. — Por onde andou? — Ele
olha para mim.
— Por aí. Você quem precisou de um tempo da banda — digo, porque é verdade.
Nathaniel nunca faltou a um show da The Reckless, mas recentemente ele não tem
aparecido tanto. — Tá rolando alguma coisa?
— Problemas em casa. — Ele joga os ombros para cima com desdém. Sei que Maisie e
Nick estão vivendo uma fase difícil no casamento; com a volta de Mackenzie, pensei que
conseguiriam voltar aos trilhos, mas aparentemente estava enganado.
O Dr. Skinner se levanta da cadeira do centro e some por entre as prateleiras. Ficamos
em completo silêncio. O clima da The Reckless ultimamente está tão pesado com o
afastamento de Aidan, que não faço a menor ideia de como voltar à normalidade.
— Vocês se lembram da Serena? — Skinner retorna batendo com uma bola de basquete
no chão e a pegando de volta no ar.
— Ah, merda! — Finn reclama, fulminando a bola como se pudesse furá-la. — Esse jogo
idiota de novo? Eu odeio isso.
— Você odeia isso porque te obriga a abrir a boca — Ashton ri. — Eu até curto esse
jogo. Quando Bryan começou a vir, foi por causa dessa bola que ele cuspiu toda a ira que
tinha da Mackenzie! — gargalha, intercalando o olhar entre mim e Mack. — Vai ser muito
divertido. Tô ansioso pra jogar. Posso começar?
— Sem problema. — O doutor joga a bola para Ashton, que a agarra e ele se levanta, em
direção ao centro.
O jogo da bola de basquete foi criado como uma forma de fazer o clube dos quatro abrir
a boca. No começo, nós estávamos tão relutantes em falarmos sobre nossos problemas na
frente dos outros, que nossas sessões eram puro tédio.
Chegávamos à biblioteca às dez e saíamos às onze e meia, entretanto era totalmente
contraproducente pois passávamos uma hora e meia olhando um para o outro sem dizer
uma palavra. Então, um belo dia, o Dr. Skinner nos trouxe Serena, neste caso, a bola de
basquete. Eu lembro dele ter colocado O’Children para tocar, de Nick Cave, e me entregou
Serena para que eu começasse.
Nada importava naquele dia. A bola não era importante. A música, apesar de ter uma
letra que nos induzia a nos abrir, não importava para o Dr. Skinner. Ele só queria que
colocássemos para fora o que nos chateava. Falar, apesar de haver pessoas magoadas
posteriormente, é melhor que conviver com o que te machuca. Não sei quais suas razões de
ter trazido Serena de volta, mas se a bola de basquete está quicando no meio da biblioteca,
é porque existem pessoas neste círculo que ainda não disseram tudo.
A dinâmica é: a pessoa que está com a bola deve usá-la como uma cápsula e transmitir
todos os sentimentos para ela. De alguma forma, você acaba se sentindo melhor depois que
deposita sua mágoa em Serena. Geralmente, fazemos isso, mas com pessoas reais e que são
importantes para nós. E essas mesmas pessoas acabam magoadas porque depositar nossas
frustrações emocionais em alguém é o mesmo que sugá-las.
Em seguida, quem estiver com ela em mãos, deve lançá-la para a pessoa que você
acredita que está precisando se esvaziar e ela deve fazer o mesmo. No final descobrimos
que todas as pessoas no círculo estão sofrendo, que a sua dor não é a única no mundo e,
com certeza, o mundo não terminará hoje porque está vivendo uma fase ruim. Nós
acabamos sentindo empatia, o que fortalece a amizade e a confiança do grupo.
Pelo canto do olho vejo o Dr. Skinner deslizando o polegar rechonchudo pela tela do
celular e, em segundos, O’Children está ressoando baixinho dele. Deposita-o na cadeira em
que estava sentado no centro e, enquanto a música toca, Ashton aperta Serena entre as
mãos.
— Muito bem crianças. Comecem. — Skinner sorri, assentindo para Ashton.
Ash suspira e encara a bola.
— Descobri recentemente que meu irmão está voltando para casa. Isso está fodendo
com a minha cabeça. Me enlouquecendo. Não é que eu não o ame, mas a nossa família se
abalou demais com as escolhas que ele fez. Tô preocupado que esse retorno possa interferir
em nossas vidas. Principalmente na minha.
Ashton não costuma falar muito do irmão. Tudo que sabemos é que o cara trabalha na
Marinha. Não faço a menor ideia de como pode estar abalado, mas se escolheu esse
sentimento para depositar em Serena, deve estar passando por um momento fodido.
Fecha os olhos e respira fundo, em seguida arremessa a bola para Finn, que a agarra
segundos antes de ser atingido no rosto. Ele se levanta, assume o lugar de Ashton no centro
do círculo e coloca Serena debaixo do braço.
— Minha mãe fugiu outra vez da clínica de reabilitação.
Finn não dá muitos detalhes. É a única frase que ecoa de sua boca e, assim, arremessa a
bola para Nate. Ele caminha até o centro e segura-a entre as mãos com força.
— Meus pais vão se divorciar — conta e, pela expressão de Mackenzie, ela não sabia. A
voz de Nate é embargada e não consigo acreditar que Nick e Maisie estejam mesmo se
divorciando. — Mas eu tô de boa. — Dá de ombros, como se não se importasse. — Ia
acontecer. Eu sabia.
Com raiva, ele lança a bola para Mackenzie. Sequer olha para onde estava apontando e,
por pouco, ela não consegue pegá-la a tempo. Mack leva alguns segundos, digerindo o que o
irmão acabou de contar. Seu olhar demora sobre Nate, como se esperasse que ele pudesse
lhe dar mais informações. Por fim desiste e ruma para o centro da roda. Puxo o ar para os
pulmões devagar. Cruzo os braços, esperando que comece a falar, mas Mackenzie parece
ter perdido a habilidade da fala. Ela abre e fecha os lábios, desvia para o Dr. Skinner em
busca de ajuda, ele a incentiva com um aceno comedido de cabeça.
— Você consegue — ele diz, escorando a lombar na mesa atrás da roda.
— O que eu tenho que falar?
— O que você quiser — Finn atravessa o Dr. Skinner, com a sobrancelha erguida. —
Desabafa.
Ela está girando nos calcanhares, encarando cada um de nós com atenção.
Independentemente do que Mackenzie pretenda dizer, torço para que não seja nada
relacionado a nós. Estou farto de tanta confusão entre nós dois. Eu, com certeza, não
consigo mais lidar com esse drama.
— Meus pais vão se divorciar — ela conta, embora fique ainda mais nítido que não
assimilou a informação que Nathaniel vomitou em seu colo. — E… — Gira nos calcanhares,
para o corpo de frente para mim. Cruzo os braços porque conheço aquela expressão.
Conheço esse olhar de quem vai falar coisas das quais se arrependerá depois. — Eu não te
odeio.
Ashton ri e viro o pescoço para repreendê-lo. Ele cobre a boca com a mão e reviro os
olhos. Assim que volto para olhá-la, Mackenzie lança a bola para mim. Eu a agarro e me
levanto.
Vou até onde ela estava em pé. Estou surpreso com ela, porque havia medo sombreando
seu olhar. Não entendo por que Mackenzie teria medo de admitir que não me odeia,
embora sábado tenha parecido o contrário.
Muitas coisas estão me deixando perturbado essa semana: o desaparecimento de Aidan,
a situação do Darnell, o fato de minha mãe estar decidida a ir ao jantar de noivado do meu
pai e tudo que o envolve. Eu tenho um turbilhão de sentimentos que estão me
incomodando pra caralho, mas só consigo pensar em respondê-la.
— Eu também não te odeio, Mackenzie.
Pela primeira vez, desde seu retorno, sorrimos com sinceridade um para o outro.
Sem máscaras.
Sem rancor.

“Quando você foi embora
Meu coração tentou te substituir
Por alguém como você
Mas eu nunca consegui encontrar
Eu não quero lutar contra isso
Tem que ser você
Eu gostaria de poder voltar no tempo
O poder é seu e não meu
Talvez com o tempo você verá
Que eu posso te dar todas as coisas
Que você perdeu”
IT’S GOTTA BE YOU – ISAIAH

A água do rio Dark Water cobre meus pés até o tornozelo. Eu não tenho certeza de qual
foi a última vez que Mackenzie e eu estivemos no píer. Esse lugar se tornou importante
para nós dois por motivos diferentes. Sinto que cedi a ela, dois anos atrás, bem aqui. No dia
que descobri que Lilah tinha ido embora. A verdade é que, naquela época, estava apavorado
com a ideia de ser amigo dela. Me assustava pra caralho saber que Mackenzie tentava se
aproximar, embora eu soubesse que não passava de um tapa buraco para a perda que
sofreu.
Porém, estamos aqui outra vez, sentados na borda chutando a água contra seu fluxo.
Respirando pesado em um silêncio de vinte minutos e que se estende. No instante em que
saímos da biblioteca, nós soubemos que teríamos outra conversa e, desta vez, o que quer
que saia de nossas bocas, tem que ser pra valer. O que quer que nós decidamos, tem que ser
levado a sério. Nenhum de nós consegue mais lidar com joguinhos. Entretanto, parece que
não sabemos como orquestrar uma conversa sem que um de nós saia magoado e acho que
esse é o principal motivo de não termos dito nada. Porque não queremos cavar mais fundo
a ferida.
Eu vim para casa e coincidentemente Mackenzie veio com Nate, para almoçar com a
família. Posso imaginar que muitas coisas estão passando por sua mente nesse momento,
principalmente depois do irmão contar sobre o divórcio dos pais. Fiquei parado dentro do
carro do lado de fora, esperando. Havia uma probabilidade de cinquenta por cento de
agirmos como se nada tivesse acontecido na dinâmica com a bola. Se ela entrasse pela porta
da casa de seus pais e não voltasse em dez minutos, eu entraria em casa e retomaria minha
vida sem pensar mais nela. Mas não foi o que aconteceu. Ela entrou, ficou dez minutos,
voltou com roupas diferentes, uma mochila nas costas e bateu na janela do meu carro. E
aqui estamos.
Mackenzie tira o casaco de frio marrom que está vestindo e o coloca de lado. Faço o
mesmo com minha jaqueta.
A água do rio está atipicamente agitada, a brisa leve trivial que circula em torno de nós
sopra o cabelo de Mackenzie, preso em um rabo de cavalo. Agarro as laterais do píer,
fechando os dedos em volta da borda de madeira. Ela desvia a atenção da água para minhas
mãos, onde as juntas dos dedos ficam esbranquiçados pela força. Amenizo o impulso,
relaxando-os e os coloco entre as pernas, curvando o corpo cansado de ficar sentado aqui
sem nenhum de nós dizer nada.
Por fim, jogo meu corpo para trás e me deito. Cubro os olhos com o antebraço, a
madeira range ao meu lado, denunciando que Mackenzie acaba de fazer a mesma coisa.
Ergo alguns centímetros o cotovelo, o suficiente para olhá-la. Ela usa o casaco como
travesseiro, confortando a cabeça sobre ele. Está de olhos fechados e com a respiração
lânguida.
— Eu gosto de vir aqui. Me traz boas lembranças — expira, livrando os pulmões do ar
estocado. Pelo modo que abre a boca, consigo perceber que vem prendendo a respiração há
bastante tempo.
— É.
Volto a fechar o cotovelo e cubro os olhos outra vez.
— Você se lembra do dia em que a Lilah foi embora? Eu achei que você estava tentando
se afogar. — Uma risada fraca escapa de sua garganta, ela pigarreia, tentando disfarçar a
tristeza no tom. — Fiquei apavorada e te achei um babaca por me fazer acreditar que
realmente pensou nisso.
— Você quem deduziu tudo. Como sempre fazia.
— Tem razão. Tenho um forte espírito de dedução.
— Nem tudo é como parece ser.
— Como o quê, por exemplo? — A madeira range outra vez e me assusto, levanto o
braço e deparo com Mackenzie deitada de lado, apoiando a cabeça na mão e o cotovelo na
superfície do píer.
Inalo o ar intensamente, refletindo.
— O fato de eu ter te procurado dois meses depois daquela conversa na minha casa, não
tem nada a ver com a sua virgindade. — Mackenzie aperta os lábios com firmeza. —
Transar com Faith ou qualquer outra garota, não significa que eu tenha sentimentos por
elas. Se eu soubesse que você apareceria na minha casa aquele dia em que me ligou, não
teria levado Audrey para lá. Não querer estar em um relacionamento por ter outras
prioridades, não significa que com você eu também não queria. Te dizer tudo o que disse na
sexta foi a coisa mais difícil que já fiz. Me abrir, puta merda, é a coisa mais difícil pra mim —
rio, atônito, sacudindo a cabeça. — E depois que eu saí do seu quarto, eu me arrependi pra
caralho de ter sido tão fraco!
— Nossas escolhas para lidar com o que sentimos são totalmente diferentes, Bryan. Eu
fugi e você encontrou consolo transando e agindo como se não se importasse com mais
ninguém além de você. Mas eu fiquei me perguntando se existe qualquer resquício do cara
por quem me apaixonei para que eu saiba se estou lutando pela pessoa certa.
Cruzo os dedos em cima da barriga e olho para o céu, vendo indícios de chuva.
— A única coisa que você precisa saber é que ainda sinto o mesmo por você e tanto
naquela época como agora, e não sei como lidar com isso.
— Não dá pra confiar em você. — Ela volta a se deitar, olha para o céu assim como eu.
— Não depois de tudo.
Eu naturalmente ficaria puto com ela por ouvir isso, mas fico surpreso quando percebo
que não estou. Já tivemos conversas antes sobre como nos sentimos em relação um ao
outro, mas está mais leve e concentrada. Quanto mais falamos, menos rancor sentimos. É o
que eu gosto. Gosto de não ficar com raiva dela.
— Você sabe que é mútuo, né?
Ela ri.
— Eu parti seu coração quantas vezes? — Vira o pescoço para me encarar e faço o
mesmo.
— Se for contar desde que eu me mudei pra Eastville, umas trocentas.
— É louco pensar que você gosta de mim desde a adolescência, eu nunca imaginei algo
assim. — Sulcos intensos se formam entre seus olhos. — Não combina nada com você.
— Gostar de você não combina comigo?
— Você é todo bad boy, Bryan. Não só agora, mas desde aquela época. Mesmo na escola,
as garotas queriam ficar com você. Uma fila enorme de pretendentes. Inteligente demais,
mas com a arrogância lá nas alturas. Nem preciso citar você sempre ter sido introspectivo.
Eu acho que te vi sorrir pouquíssimas vezes. Confesso que até pensei que teria uma história
triste por trás dessa personalidade, daí eu me dei conta de que não. Que esse era você.
Acabo rindo dela.
— Eu senti falta dos seus pontos de vista. Totalmente diferentes dos meus.
— Somos diferentes em tudo.
— Quase tudo.
— Tá. Me diz uma coisa em que somos parecidos?
— Uma? Eu tenho pelo menos três. — Impulsiono o corpo para a frente com as mãos
espalmadas e me sento. Mack faz o mesmo. — Primeiro, você é teimosa pra caralho! —
pontuo, fazendo a contagem no dedo. — Segundo, o seu orgulho é tão inflado que consigo
enxergá-lo como uma aura ao seu redor. — Gesticulo com as mãos, ilustrando uma bola e
desenhando seu corpo. — E terceiro, você gosta de mim tanto quanto eu gosto de você.
— Nossa! — ela assovia. — Sabe o que eu mais senti falta em nós? — Não respondo, ela
ri primeiro, balançando a cabeça. — Como eu me sinto quando estou com você. Posso rir,
fazer piadas, dizer o que penso e como me sinto e você vai dizer algo completamente
oposto e, no final, nós dois aprendemos.
— No sábado, você disse que o nós não existia.
— Eu estava errada. — Dá de ombros, com desdém. — Você sabe que só disse aquilo
porque estava com raiva. Quantas mentiras já contamos um para o outro tentando nos
proteger?
— Algumas, eu acho.
Mackenzie mordisca o lábio inferior, pensativa.
— Estou disposta a tentar, se você também estiver.
— O que você exatamente quer tentar?
Suspira.
— Está claro para nós dois que não dá para sermos um casal como os outros. E não
confiamos o bastante pra entrarmos nisso de cabeça. Então, por que não começamos como
antes?
Não respondo, porque ainda parece um enigma o que está sugerindo e sinto que não
vou gostar.
— Não quero ficar com você, Bryan. Não agora, pelo menos. Eu sei que, na conversa que
tivemos em sua casa dois meses atrás, era exatamente o que eu estava pedindo. E era o que
você não queria de jeito nenhum. Mas eu saí de lá tão magoada quanto entrei. O que era pra
ser “esclarecedor” — faz aspas com o indicador e médio no ar — acabou abrindo mais o
buraco que tinha no meu peito. — Ela pressiona os lábios, fazendo uma pausa. — Quero
que sejamos amigos.
Tombo a cabeça para trás, observo a nuvem escura que paira sobre nossas cabeças.
Mackenzie está certa. Só estamos nesse turbilhão porque, na verdade, não
compreendemos a dor um do outro.
— Parece bom pra mim.
— Mesmo? — Seu corpo pende alguns centímetros para trás, une as pernas contra o
tórax abraçando os joelhos.
— Mesmo.
O sorriso que Mackenzie esboça no rosto faz com que a sua decisão pareça a coisa mais
sensata que poderíamos fazer um pelo outro. Ela parece feliz com isso e, sendo honesto,
também me sinto.
— Se um dia eu me apaixonar, sei que será por você.
— Tá recitando Ali Gatie pra mim? — Arqueia as sobrancelhas e contorce o nariz em
uma careta enquanto ri. — Se vamos ser amigos, vamos impor algumas regras, começando
com: nada de recitar It’s You pra mim.
Nós dois caímos na gargalhada e mais silêncio nos circunda antes dela quebrá-lo:
— Por que você deu pra Faith o mesmo anel que deu pra mim?
Fito a água a nossa frente. Fiz muitas escolhas das quais me arrependo, mas ter dado o
anel para Faith não foi de propósito.
Faith quem escolheu o mesmo anel.
— Você já perguntou pra ela? — indago, apoiando os braços no topo dos joelhos.
— Por que eu perguntaria?
— Eu não escolhi aquele anel. Foi ela. — Mackenzie fica mais confusa, aprumo a postura
para estar mais próximo. — Era aniversário dela e todo mundo comprou uma coisa
diferente, mas não sou tão bom em escolher presentes como os outros. Perguntei o que ela
queria e fomos a uma joalheria. Quando a balconista apresentou os anéis para Faith, ela o
escolheu. Mas eu não fiz nada a respeito, porque não faria sentido eu dizer que não podia
comprar aquele anel.
— Você acha que ela sabia?
— Como ela saberia?
— Não sei. Você a conhece há mais tempo que eu. Acha que Faith poderia ter
encontrado alguma coisa que dissesse sobre o anel?
Paro e penso no assunto, mas sacudo a cabeça afastando.
— Acho que foi coincidência.
Pelo canto dos olhos, vejo-a assentir e virar para a frente, encara o rio e o vai e vem da
água. O silêncio entre nós não é tão desconfortável como antes, porque não estamos
impondo limites ou sendo teimosos. O que fazemos agora é curtir o nosso momento de
trégua.
— Bryan? — sussurra, apoiando o queixo pontudo no topo dos joelhos unidos.
— Hum?
— Tudo que fiz nos últimos anos foi sentir sua falta e me arrepender de não ter
acreditado em você. Fui consumida pela culpa e por isso a minha vida estagnou. Não quero
te magoar de novo e não quero que você me magoe. Então, se por um minuto, você achar
que pode acontecer e, se algo mudar, precisa me dizer, está bem?
Faço que sim com a cabeça.
— Quero te pedir mais uma coisa.
— Depende. — Dou risada. — Não dificulta as coisas pra mim, Passarinho.
— Na verdade, agora são duas coisas e a primeira é: não me chama desse jeito. E
segunda... — Fisga o lábio inferior. A respiração de Mackenzie muda, é irregular e rareia. —
Quero que me abrace. Pode fazer isso?
Apoio as mãos ao lado do corpo e de ímpeto, coloco-me de pé. Estendo uma mão para
ela e a ajudo a fazer o mesmo. Sou tão mais alto que ela hoje do que naquela época. Sua
cabeça inclina alguns centímetros para trás, para conseguir me enxergar. Seguro seus
ombros e a puxo para perto. Afundo os dedos da mão direita em sua nuca e abraço sua
escápula com o braço esquerdo. Mackenzie desaba em meu peito, envolve minha cintura
com ambos os braços e a força que impõe nisso é toda a saudade acumulada que disse que
sentia.
Na sexta, quando nos beijamos, pensei que tínhamos nos abraçado como antigamente,
mas não. Não era comparado ao que estamos fazendo agora. Estou sentindo seu coração e
ela escuta o meu. Estou acariciando a raiz dos cabelos de sua nuca e ela me aperta mais,
como se eu pudesse escapulir de seus braços. Escuto seu soluço reprimido e acho que ela
estava segurando o choro durante todo o tempo em que estivemos aqui.
— Eu mudei de ideia. Canta alguma coisa pra mim.
— O que você quer ouvir?
— Qualquer coisa que me faça lembrar que o divórcio dos meus pais é só mais uma fase
ruim e vai passar.
Não preciso pensar muito para decidir o que vou cantar para ela.
— Well, I will call you darling and everything will be okay, cause you know that I am yours
and you are mine. Doesn’t matter anyway. In the night, we’ll take a walk, it’s nothing funny,
just so talk. Put your hand in mine, you know that I want to be with you all the time. You know
that I won’t stop until I make you mine — cantarolo, sopro cada palavra da música Make You
Mine, de Public, contra a testa de Mackenzie. Ela balança o corpo de um lado para o outro e
ri. — Well I have called you darling and I’ll say it again, again. So kiss me ‘til I’m sorry babe
that you are gone and I’m a mess. And I’ll hurt you and you’ll hurt me and we’ll say things we
can’t repeat. — Fecho os olhos para cantar a última parte e ela roça o nariz contra minha
camisa.
Bem, eu vou te chamar de querida e tudo ficará bem, porque você sabe que eu sou seu e
você é minha. Não importa de qualquer maneira. À noite, vamos dar um passeio, não é nada.
Só para falar. Coloque sua mão na minha, você sabe que eu quero estar com você o tempo
todo. Você sabe que eu não vou parar até te fazer minha.
Bem, eu te chamei de querida e vou dizer de novo, de novo. Então me beije até que eu me
desculpe, baby, você se foi e eu estou uma bagunça. E eu vou te machucar e você vai me
machucar e vamos dizer coisas que não podemos repetir.
— Sinto muito pelos seus pais.
— Não é culpa de ninguém o que aconteceu com eles.
Não digo nada, porque sei que não sou tão bom como ela para dar conselhos, embora eu
tenha certeza de que está precisando escutar algo de mim. Eu canto. É meu jeito de me
comunicar.
— Essa música que você escolheu eu não conheço.
— Make you mine.
— Gostei dela.
— Como o Nate tá?
— Ele não falou durante todo o caminho pra casa. Eu acho que me culpa pelo divórcio
deles.
— Sou bom em conversar com Nate.
— Deixa pra lá. A gente vai resolver de um jeito ou de outro. — Ela se afasta,
gesticulando as mãos. — Preciso ir pra casa. Mas — coloca os braços na manga do casaco e
pega a mochila que deixou de lado até então —, a gente podia comer um cachorro-quente
no antigo trabalho do meu pai, como nos velhos tempos, o que você acha?
Se ela soubesse a lembrança que tenho daquele dia, não sei se sugeriria que
voltássemos lá. Não é o lugar, mas a escolha que fiz de me aproximar de Jev, como meu pai
pediu. Essa decisão tomei sentado em uma das mesas da loja de conveniência.
Naquela noite descobri que seria algum tipo de “transportador” para aquele cara, sem
fazer ideia que estava entrando na maior enrascada da minha vida.
— Pode ser — confirmo e alojo as mãos no bolso da calça.
Sob os dedos sinto meu celular vibrar. Pego e abro a mensagem de texto. É Aidan.
Vincos profundos se formam em minha testa.

Aidan: Meu pai teve alta. Tô em casa.

— O que foi? — Mack pergunta, ao fechar os botões do casaco. — Algum problema?
— É o Aidan. Ele tá em casa.
— Em casa? Já?
— Estranho.
Começo a digitar uma resposta.

Bryan: Vou até aí.

Sei que pedir permissão não é uma opção. Aidan recusaria na hora.
— Eu falo com você mais tarde. — Caminho em direção aos meus tênis e começo a
calçá-los. — Vou até lá.
— Espera, eu vou com você. — Mackenzie retira o celular da mochila e começa a digitar
uma mensagem também.
— Não sei se é uma boa ideia.
— Por que não? — Ela para com os dedos curvados e suspensos sobre a tela.
— Sabe que o Aidan é a fim de você, né?
— O que tem a ver?
— O que tem a ver é que eu não quero que ele nos veja juntos.
— Tá de brincadeira? — Pela maneira como seus ombros caem e por seu tom de voz, sei
que vai relutar. — Aidan e eu estamos resolvidos. Assim como nós dois. Somos amigos.
— Mackenzie.
— Eu vou e ponto final.
Acabo rindo. Teimosa, como sempre.
Termina de calçar seus tênis também e passa por mim, mas antes a seguro pela mão.
Levanto o celular e tiro uma foto de nossas mãos sem que perceba.
— Que foi agora?
— Nada.
Solto sua mão. Guardo o celular no bolso e a sigo por todo o amplo píer.

Rowan trabalha para a família Lynch há muitos anos e me considera parte da família
tanto quanto Gravity e Dannya. Assim que me vê parado à porta, nos deixa entrar. A
mansão não está silenciosa como de costume, há uma movimentação atípica e a feição das
pessoas que trabalham na casa demonstra preocupação. Do hall de entrada, consigo escutar
a voz de Dannya em uma discussão afrontosa com alguém ao telefone. E, quanto mais
Mackenzie e eu nos aproximamos do caixilho da porta da sala de visitas, mais estridente o
som de sua voz se torna.
Danny está aflita, andando de um lado para o outro, com o celular preso entre o ouvido
e o ombro. Um papel está na mão esquerda e a caneta na direita. Ela responde de modo
estoico para a pessoa na linha e vocifera um “vai se foder!” bem alto antes de desligar. Ao se
virar, sobressalta-se. Nossa presença na mansão aparentemente não era esperada, embora
tenha avisado Aidan que viria.
— Que susto! — Dannya para com a mão sobreposta do lado esquerdo do peito,
hiperventilando. Deixa o que tem nas mãos na mesa de apoio. — Quando foi que vocês
chegaram aqui?
— Agora mesmo — Mackenzie responde. Uma centelha de desconfiança desponta de
seu timbre de voz. — Tá tudo bem?
— Não. Estou enlouquecendo. Não faço ideia de como Darnell lida com todas essas
boates e esses pubs. — Derrotada, Dannya se joga na poltrona ao lado. — Estou tentando
ajudar, mas não tenho muito sucesso. E o Aidan, bem… — Ergue o olhar para nós outra vez,
mordendo a lateral da bochecha. — É o Aidan. Ele não me deixa ficar muito perto, é bom
que vocês estejam aqui e tentem conversar com ele.
Dannya ganha impulso com as mãos para ficar de pé outra vez. Dá para notar as noites
insones e o cansaço em seu rosto.
— Cadê a Gravity? Não vejo ela desde sábado.
— Ela tem ficado aqui. Nós revezamos no hospital.
— Entendi.
— O que vocês estão fazendo aqui?
Mackenzie e eu nos viramos imediatamente. Aidan tem uma notória diferença. Não só
na vestimenta como também na postura. Está mais ereta, o queixo erguido de maneira
arrogante e trajando roupa social. A primeira vez que o vi dentro de um paletó daquele,
feito exclusivamente para ele, sob medidas e tudo o mais, foi no sábado. Eu nunca o tinha
visto tão bem arrumado antes. O cabelo úmido e penteado também é uma novidade. Pelo
modo como Mackenzie o esquadrinha, é estranho para ela também.
— Eu te avisei que viria.
— Não precisava ter vindo. Ia te ligar.
— Você tá bem? — Mack pergunta, dando um passo à frente.
— Sim. O Purple Ride vai abrir normalmente hoje. — Nos entreolhamos e me viro para
Dannya, tentando entender.
— Seu pai disse que tudo bem a boate ficar fechada por uns dias, Aidan. — Dannya se
aproxima. — Você não precisa se preocupar com os negócios agora. Nós vamos dar um
jeito.
— Eu vou dar um jeito.
— Você não precisa fazer isso sozinho, Aidan — Mackenzie dispara, dando um passo à
frente, diminuindo a distância entre eles.
— Você já telefonou para a agência de segurança pessoal? — Aidan estende o pescoço
olhando para Dannya e ignora completamente a pergunta de Mackenzie.
— Sim. Marquei uma reunião às quatro hoje.
— Eu quero fazer a reunião.
— Aidan, eu posso cuidar disso.
— Não. É do meu pai que nós estamos falando. Tem que ser alguém de confiança e da
família.
— Aidan! — A voz estrídula de Mackenzie reverbera e ele volta a olhar para ela. Sua
atenção está dividida entre olhar para mim e Mackenzie.
Mackenzie pode achar que conhece Aidan pelos dois meses que compartilharam as
coisas, mas eu o conheço muito mais e sei que, no estado em que se encontra, uma
repreensão não vai resolver. Muito menos na frente da madrasta, que ele odeia.
— Que gritaria é essa? — Gravity aparece debruçada no corrimão da escada. — O
Darnell tá dormindo, seus idiotas!
E que os jogos comecem.
Procuro o batente da porta para me recostar. Já testemunhei muitas brigas entre
Gravity e Aidan. Quero estar preparado para o que vem a seguir. Mackenzie está me
repreendendo com o olhar por eu parecer tão relaxado, mas faço como Aidan e a ignoro.
— Por que é que vocês estão aqui? — Gravity termina de descer as escadas, cruza os
braços e alterna o olhar entre mim e Mackenzie. Estou de saco cheio de sermos
repreendidos por uma visita, que é totalmente compreensível.
— Vocês desapareceram por quase uma semana. Quando o Aidan mandou mensagem
pro Bryan e ele disse que viria, eu vim também. Quero saber como estão.
— Bem — Gravity responde, jogando os ombros para cima, mas noto a tensão que há
neles. Bem, porra nenhuma.
— Tem certeza? — É a minha vez de falar e todos disparam os olhares em minha
direção. — Porque tá bem claro pra mim que tem uma tensão muito esquisita nessa sala.
Vocês desapareceram por alguns dias, a gente deu espaço, foi bem compreensivo porque
estão passando por um momento difícil. Mas viemos aqui pra ajudar, e não pra agirem
como se estivéssemos cometendo um crime. Aidan, o que tá rolando? — Estou olhando
diretamente para ele. Aidan não mentiria para mim. Não mesmo.
— Vou conversar com o Bryan no escritório do meu pai.
Aidan sai andando. Troco um olhar discreto com Mackenzie antes de segui-lo pelo
corredor estreito entre a sala de visitas e a escada. Ele destranca o escritório e passa pela
porta primeiro. Assim que entro, Aidan a fecha.
— Então, o que tá…
A dor em minha boca vem antes que eu possa terminar de falar e, em seguida, o gosto
metálico do sangue se espalha por minha língua. Cambaleio trôpego para trás e sinto a
dormência alastrando pela extensão de meu queixo e maxilar. Levanto o olhar a tempo de
ver Aidan sacudindo a mão que usou para me socar.
— Que porra é essa, Aidan? — Levo a mão rumo à boca, massageando a região atingida.
— Não reclama. Nem fiz tanta força.
— Caralho! — Passo o polegar no canto dos lábios e o afasto para ver o sangue
vermelho sob o dedo. — Por que você fez isso? — Aidan vai até as prateleiras atrás da mesa
do pai e pega um guardanapo. Ele o estende para mim e o uso para limpar o sangue.
— Você sabia que eu estava a fim da Mackenzie e mesmo assim tentou trepar com ela. É
só pra você saber que eu ser calmo, paciente e compreensivo não significa que você pode
tentar me sabotar.
— Eu não tentei te sabotar. Que merda, Aidan!
— Você mereceu e sabe disso.
— Que seja, inferno! Dói pra caralho! — Aidan revira os olhos e vai em direção ao
freezer do pai. Pega um saco de ervilhas e joga para mim. O apanho no ar e coloco sobre a
boca. — Pra isso me chamou aqui? Me dar um soco sem que a Mackenzie veja?
— Poderia ter feito na frente dela também, não me importaria. Ela me deu um fora. E
meu pai foi baleado. Não tenho nem tempo pra pensar em mulher agora.
— Tá. O que você quer então?
— Acho que Dannya tentou matar meu pai.
Aidan está recostado à mesa, segurando a borda com dedos adornados de anéis. Meu
cérebro entra em parafuso por um segundo, digerindo que ele acabou de dizer que
desconfia da futura noiva de seu pai.
— A sua paranoia com a Dannya já tá passando dos limites da normalidade, cara.
— Não estou sendo paranoico. — Ele cruza os braços. — Os investigadores que estão
cuidando do caso disseram que, para atirar em meu pai, no escuro, o culpado tinha que
estar perto dele. As únicas pessoas que estavam próximas o bastante eram: Gravity,
Beverly, Dannya e você.
— Eu não fiz isso.
— Sei que não. Mas não duvido de Dannya. Ela não me engana, Bryan. Pode enganar
meu pai, mas não a mim. Ela quer o dinheiro dele. — Aidan leva o indicador em direção aos
lábios e começa a brincar com o inferior enquanto pensa. — Você será investigado.
— Eu?
— Sim. Você estava perto dele.
— Tá. Mas eu não tenho nada com isso.
— Faz parte da investigação. Eu contratei uns caras por fora. Se foi mesmo a Dannya,
não quero que ela tente subornar os investigadores dessa cidade corrompida pelo dinheiro.
— Aidan, olha só. — Deixo o saco de ervilhas na poltrona de descanso do Sr. Lynch —
Gravity e Dannya amam vocês.
— Bryan, eu não tô louco. Meu pai estava em cirurgia e tudo que Dannya pensava era
em quem iria tomar conta dos negócios.
— Os negócios do Darnell são tudo pra ele. Você sabe. É normal que ela se preocupe.
Aidan joga a cabeça para trás e gargalha.
— Pra alguém que já foi preso, você é muito inocente.
— Não usa meu passado desse jeito contra mim. Eu relevei o soco, mas não abusa.
— Preciso de um tempo da banda.
— Aidan, não. A The Reckless não existe sem você.
— Desculpa, cara. Eu preciso fazer isso pelo meu pai.
Passo os dedos pelo cabelo, exasperado. Sem o Aidan, a banda não vai funcionar.
— Eu conheço um cara. Ele pode me substituir temporariamente.
— Não vou colocar alguém no seu lugar.
— A The Reckless precisa continuar com ou sem mim, entendeu?
— Nós podemos diminuir o número de shows ou sei lá, Aidan. Porra, não abandona o
barco agora!
— Bryan. — Ele junta as mãos na frente do corpo. — Eu preciso de um tempo. Preciso
cuidar do meu pai e dedicar todo o meu tempo em administrar os negócios dele enquanto
ele não pode. É só por um tempo.
— Quanto tempo?
— Até ele se recuperar e eu ficar tranquilo quanto a segurança dele.
Entrelaço os dedos na nuca e solto um fluxo intenso de ar pelos lábios entreabertos.
— Não afasta os seus amigos, beleza?
— Vocês não são meus amigos, Bryan. São minha família.
Anuo em um movimento positivo com a cabeça. É lento, porque ainda estou assimilando
o que Aidan acaba de me dizer. Ele se aproxima e o abraço. Talvez eu nunca seja capaz de
conseguir entender o que ele sente; perdeu a mãe e ganhou a mim, Ashton e Finnick. E
agora quase perdeu o pai. Não acredito que Dannya esteja envolvida nisso, mas Aidan
nunca acreditaria sem provas, então decido deixá-lo resolver tudo por conta própria.
Eu saio primeiro do escritório e Aidan me segue em silêncio. Dannya, Gravity e
Mackenzie continuam no mesmo lugar: escoradas à parede entre o hall de entrada e a sala
de visitas.
— Meu Deus, você está bem? — Mackenzie pergunta para mim, encarando meu lábio
cortado e o inchaço.
— Sim.
— O que foi que aconteceu?
Olho para Aidan parado ao meu lado. Ele está com as mãos entrelaçadas nas costas.
— Aidan vai sair da banda por um tempo.
A expressão de Gravity é uma mescla de desconfiança e rejeição. Ela é esperta.
Provavelmente deve saber que Aidan desconfia de Dannya. Também sabe que a sua saída
temporária da The Reckless era inevitável. Mackenzie, por outro lado, fica pálida e o queixo
cai alguns centímetros. Desvio a atenção para Dannya, que mantém os lábios fechados em
uma linha rígida.
Nunca olhei para ela e vi qualquer interesse material em estar com Darnell. Desde que
ela e Gravity se mudaram para a nossa rua, ela se mostrava uma pessoa de boa índole e
uma mulher que faria qualquer coisa para apoiar a irmã. Até mesmo sair da sua cidade
natal, onde tinha uma vida estável, porque o passado de Gravity com o ex-namorado, filho
da puta, é uma merda.
Queria enxergá-la como Aidan, mas não vejo a Dannya que ele vê. Não consigo prejulgá-
la. Para mim, ela demonstra compaixão, respeito pela família de Aidan e não vejo nenhum
indício de que está tentando substituir o lugar de Eline.
— Por quê? — Gravity indaga.
— Pra cuidar dos negócios do meu pai. — Ele envia um olhar sutil para Dannya, sem
que Gravity perceba. — Ele precisa mais de mim do que a The Reckless.
— Tem certeza disso? — Dannya inquire.
— Absoluta, Dannya.
— Então, você não faz mais parte da banda? — Mackenzie intercala o olhar entre mim e
Aidan.
— Não.
Nunca pensei que um de nós precisaria sair da banda por qualquer motivo. Por tempo
determinado ou não. É estranho pensar na banda sem ter Aidan como um integrante dela,
mesmo que seja temporário.
A The Reckless não é só uma banda. É uma família. Não dá para substituir a família.

“Se eu te mostrar todos os meus demônios
E mergulharmos no fundo do poço
Nós vamos brigar e queimar todas as vezes como antes?
Eu falaria todos os meus segredos, abraçarei minha fraqueza
Se a única outra opção é deixar ir
Eu vou ficar vulnerável”
VULNERABLE – SELENA GOMEZ

O quarto de Gravity parece um cenário de guerra. Nunca entrei em seu quarto na casa
de Darnell, mas agora entendo o porquê. O edredom é um nó no meio da cama e tem
embalagens de chocolate e potes de Cup Noodles por todos os cantos. A escrivaninha e o
armário de canto não estão melhores que o resto do quarto; há embalagens de bala e
chiclete, e uma caixinha de macarons vermelhos pela metade.
Ela pula na cama assim que atravesso a porta, puxa o edredom até o queixo e se afunda
na cama como se fosse uma extensão dela. A porta está com um fresta de abertura e paro
no instante em que vejo Effy ofegando enquanto sobe às pressas a escada da mansão dos
Lynch. Abro-a por completo e a deixo entrar.
— Eu vim assim que soube. — Effy coloca a mão espalmada sobre o peito, tentando
acalmar a respiração. — O Darnell está bem? Ele saiu cedo, não acha?
Effy tira a bolsa de ombro e deixa no chão, só então se depara com o furacão Gravity
sentada na cama, comendo mais um macaron em silêncio.
Uma penumbra anuvia seu olhar, que está perdido e mirando um ponto fixo que Effy e
eu não conseguimos encontrar. Está terrivelmente calada depois que Bryan contou que
Aidan vai dar um tempo da banda. Pelo modo como encarou a notícia e as narinas inflaram
em desgosto, eu previ uma briga com Aidan se projetando diante de mim, porém Gravity
deu de ombros com desdém e subiu. Eu disse a Bryan que ele podia ir embora – se quisesse
– sem mim. Mas ele e Aidan voltaram para o escritório.
— Mas o que é que aconteceu aqui? — Effy está usando um short jeans curto e uma
camisa de botões amarela estampada com girassóis. — Gravity?
— O quê? — Volta os olhos em nossa direção. Tiro a mochila das costas e deixo cair ao
lado da de Effy. Também tiro o casaco, porque estou sentindo calor nesse quarto fechado e
sem ar circulando. — Que foi? — Engole o último pedaço de macaron, estende a mão para
pegar outro na caixinha.
Bufo ao me aproximar da mesa e pego a caixa antes que ela acabe tendo uma overdose
de açúcar.
— Você desapareceu por dias. — Abraço a caixa e me sento nos pés da cama. Effy me
segue e se senta no chão, mas chuta um copo de Cup Noodles para longe antes. — Nós te
ligamos. Mandamos mensagem. Como você está se sentindo?
— Acho que dá pra ver. — Os olhos de Gravity rastreiam por cada centímetro quadrado
daquele quarto. Effy e eu acompanhamos, mas, mesmo que esteja óbvio que ela se sinta
mal, não consigo entender a razão de ela ter nos afastado. — Desculpa não ter retornado as
ligações, as mensagens e ter desaparecido, mas é que foi muita coisa pra digerir. O Darnell
está se recuperando bem rápido e o Aidan achou que seria melhor se o trouxéssemos para
casa, que aqui ele estaria seguro. Aidan está com medo de que a pessoa que tentou matá-lo,
possa tentar outra vez no hospital, quer dizer — levanta os ombros, escondendo o pescoço
como se fosse atingida no peito por um soco bem forte —, Darnell tem inimigos, claro,
óbvio, os milionários odeiam que outras pessoas estejam milionárias.
— Até parece que foi a Dannya que levou um tiro, de tão chateada que você está. — Effy
estende a mão para acariciar o pulso de Vity e ela aceita, embora seja fechada para
demonstrações de afeto, o que é muito estranho. Coloco a mão em seu joelho coberto pelo
edredom, querendo ampará-la também. Deixo a caixa de macarons no chão.
— Poderia ter sido — Gravity responde, seus olhos saltam de mim para Effy,
alternando-se como se quisesse dizer alguma coisa. Em um segundo de ímpeto, está ereta e
aprumando a postura. Une as mãos na frente do corpo e abaixa a cabeça, assistindo os
dedos brincarem entre si. — O Aidan acha que a Danny tem algo a ver com o que aconteceu.
— Como assim? — Effy e eu respondemos em coro, o que faz Gravity rir por um
segundo, mas ele desaparece em seguida, não surtindo nenhum efeito na chateação dela.
— Ele cismou que a minha irmã, a mulher que o amou e amou Darnell com todo o
coração, pode estar envolvida com a tentativa de assassinato dele. — Pressiona os lábios,
fulmina a porta atrás de nós como se pudesse chegar até Aidan. — Ele é tão escroto e nunca
odiei tanto alguém como eu o odeio agora.
Effy e eu nos entreolhamos, mas não dizemos nada. Tudo que sair de nossas bocas pode
parecer para Gravity um insulto.
— Eu conheço a Dannya. Conheço de verdade o coração dela. Aidan poderia duvidar de
mim, porque sim, não sou flor que se cheire, mas ela? — Gravity solta o ar com tanta força,
que seu corpo perde a postura e cede; recosta a coluna na cabeceira e as pernas se juntam
contra o tórax. Sua cabeça cai em direção aos joelhos unificados e a escuto soluçar.
Vê-la chorar é uma novidade e até mesmo para Effy, que a conhece há muito mais
tempo. Pelo modo como a olha, doendo-se por Gravity, concluo que é a primeira vez que vê
a postura de Vity cair por terra e dói em mim também. Por um segundo, sinto raiva de
Aidan por fazer isso com ela.
— Ele acredita mais na tal da Beverly do que em nós. Na Beverly! — brada, com a voz
estrídula e carregada de choro. — A porra da nossa vizinha! Como que alguém pode
desconfiar da família e acreditar em uma completa estranha? A raiva que o Aidan tem de
mim e da minha irmã está passando dos limites.
Não conheço Beverly o suficiente para falar sobre ela, mas conheço muito menos
Dannya. Apesar de ser irmã da minha melhor amiga, nós nunca trocamos mais que duas
frases em todos os nossos encontros. Não conheço o bom e puro coração de Dannya, mas
conheço Gravity e por ela eu colocaria minha mão no fogo.
— Dannya vai provar sua inocência, Gravity — Effy pontua, apertando seu pulso com
mais força.
— Esse é o problema! — exclama, sua voz sobe algumas oitavas enquanto fala. —
Dannya não quer afrontar o Aidan. Não quer entrar em uma briga com ele. Ela me diz para
ser paciente, que as coisas vão se resolver como devem. E eu estou furiosa com ela, por
simplesmente aceitar as coisas que ele vem fazendo!
— Por que você não volta pro apartamento com a gente? — sugiro, pressionando um
pouco seu joelho com uma das mãos. — Será bom você sair um pouco daqui. A presença do
Aidan está te fazendo mal.
— Eu não vou deixar a Danny sozinha com esse babaca! — Gravity limpa o rosto com o
dorso da mão, com mais força que o necessário e sua pele pálida acaba com um rastro
vermelho. — Tudo que vocês estão vendo é o cenário de uma Monaghan se preparando
para a guerra. — Ela gesticula para o quarto imundo, para as roupas sujas empilhadas e o
closet de cabeça para baixo. As embalagens de doces e comida, tudo a nossa volta indica
que Vity está dando um tempo para colocar as ideias no lugar e se preparando para o que
vem a seguir. Ela fica bem quieta, como uma cobra antes de dar o bote; e, quando ataca,
ninguém sabe de onde veio. — É melhor vocês escolherem logo de que lado estão porque a
mansão Lynch se tornará em breve um campo de batalha e irão testemunhar a carnificina.
— Nós estamos do seu lado, Gravity. — Effy entrelaça os dedos nos dela e sorri para
convencê-la.
— Sempre — concordo e deito a cabeça em seu joelho.
Ficar contra Aidan e apoiar Gravity é complicado porque sou amiga dos dois, mas chega
um momento em que decisões difíceis precisam ser tomadas e, querendo ou não, Aidan
conseguiu desestabilizar Gravity como ninguém um dia havia feito – ao menos até onde sei
–, vê-la chorar não é comum. Ela não demonstra fraqueza ou vulnerabilidade. Não posso
levantar uma bandeira branca inútil entre eles, eu acabaria sendo massacrada.

Volto à casa dos meus pais por volta das seis da tarde. Costumo entrar no trabalho no
Purple Ride por volta das nove da noite. Eu esperava que Aidan nos desse folga até a
próxima semana, como a universidade fez, mas não aconteceu.
Pago pelo Uber e passo pela porta com meus pais à minha espera. Precisei voltar porque
tínhamos combinado de almoçar juntos, mas tive uma conversa definitiva com Bryan – que,
inclusive, não pensei muito sobre isso desde que fomos para a mansão dos Lynch – e depois
Gravity precisava de mim.
Passei um dia agradável com ela e Effy. Depois de ter nos contado o que a incomoda a
respeito de Aidan, ela estava mais leve e concentrada em ajudar Dannya no que fosse
possível. Não tive tempo de digerir a saída de Aidan da The Reckless, nem as coisas que
Bryan me disse no píer e nem mesmo consegui pensar no meu encontro com Jev amanhã.
Meus pais estão sentados no sofá. Não juntos, quando querem me dar bronca, mas em
lugares diferentes e afastados. Então tenho certeza de que a conversa não é sobre mim, é
sobre eles e o que Nate contou na terapia. Acho que, em partes, aceitei conversar com
Bryan porque estava tentando fugir desse momento e agora que ele chegou; não importa o
que eu faça, preciso conversar com eles.
— Finalmente! — Meu pai se levanta assim que deixo o molho de chaves na mesinha
atrás do encosto do sofá de quatro lugares e deixo a mochila ao lado. — Estávamos
preocupados, ligamos várias vezes!
— Desculpa, pai. Acabei me distraindo com Gravity.
— Como o Darnell está se sentindo? — Minha mãe vira o tronco para mim. Não consigo
dar um passo à frente sem pensar que o próximo será mais adiante de saber que eles vão
mesmo se divorciar e tudo será ainda mais real.
— Não cheguei a vê-lo. Parece que Aidan está “restringindo” as visitas do pai. — Dou de
ombros enquanto faço aspas no ar e reviro os olhos, pois me parece que Aidan está muito
paranoico no momento. Mamãe arqueia as sobrancelhas e crava os olhos em meu pai. —
Ele está tentando descobrir por conta própria quem atirou no pai.
— Dannya me contou que ele está desconfiando dela. Esse garoto não tem um pingo de
sensibilidade. — Minha mãe afunda os incisivos no lábio inferior com força, a raiva se
alastra por toda sua expressão cansada. Cruzo os braços e olho para os meus pés,
balançando o direito de um lado para o outro. — É melhor você se afastar deles, por
enquanto.
— Mãe, quantas vezes nós falamos sobre isso? Não vou tomar as decisões que você quer
que eu tome.
— Conheço você, Mackenzie. Tentará resolver as coisas sozinha. A polícia vai resolver
tudo.
— Do mesmo jeito que resolveram o problema do Bryan? — desafio, falando alto e
claro, meu pai esfrega o rosto e a barba por fazer, suspirando frustrado. Volta a se sentar,
derrotado. — Eu sei que deixei vocês preocupados naquela noite, mas eu nem estava no
salão quando tudo aconteceu. Quantas vezes preciso explicar? — Fisgo o lábio inferior
entre os dentes e o puxo, querendo controlar a ansiedade. Eles ficaram tão preocupados e
chocados que algo terrível como aquilo aconteceu com alguém tão próximo de nós. — Não
vou me afastar porque Gravity precisa de mim. Não vou dar as costas para a minha melhor
amiga. Não vou cometer o mesmo erro outra vez!
— Então é por causa daquele garoto? — dispara mamãe, fechando o punho no encosto
do sofá, com raiva.
— Do Bryan? Sim, pode ser. Eu aprendi com os meus erros, mãe. Aprendi que não posso
abandonar o barco quando alguém que amo precisa de mim só porque estou morrendo de
medo. Vou enfrentar esse problema com a Gravity e me afastarei quando ela quiser. Mas,
enquanto precisar de mim, irei apoiá-la.
— Eu te entendo — meu pai, como sempre, diz. Está amparando o queixo sobre as mãos
cruzadas e apoiadas nas pernas. — Mas toma cuidado, está bem? Os Lynch têm o que
muitos milionários de Humperville almejam.
— Nesse momento, eu só me importo com a Gravity e com o que ela sente. Aidan está
cuidando do pai.
O silêncio abre uma lacuna no assunto, que é apavorante. Encosto o quadril no encosto
do sofá e minha mãe volta a olhar para a frente, atentando-se ao que passa na televisão.
— Vocês têm mais alguma coisa para me contar? — Alterno o olhar entre eles. Meu pai
mantém os olhos baixos e a expressão contorcida, como se estivesse se segurando para não
dizer nada. E minha mãe, mais uma vez, agindo como se nada estivesse acontecendo. —
Nate contou pra todo mundo na terapia hoje que estão se divorciando. É por isso que me
convidaram para comer aqui hoje?
— Não! — respondem em uníssono, sobressaltados.
— Mas é verdade?
Meu pai fecha os olhos e inspira profundamente, sorvendo o ar como se fosse um bote
salva-vidas. Observo seu peito subir e descer na respiração lânguida e na impassibilidade
que minha mãe carrega em sua expressão. É como se ela não se importasse com o divórcio.
— Sua mãe e eu conversamos. Ela… me pediu para ir embora.
— Eu te disse que seria bom se déssemos um tempo! — esbraveja, olhando indignada
para meu pai.
— Você me convidou educadamente para me retirar da minha própria casa, Maisie.
Limpo a garganta para que eles percebam que ainda estou enraizada na sala, junto com
eles e que, se esperavam uma discussão particular, ela provavelmente é tudo, menos isso.
— Eu disse ao seu pai que seria bom se um de nós fosse morar em outro lugar por um
tempo. Não quero que Nathaniel fique presenciando nossas brigas constantes. Só quero que
nosso filho não fique traumatizado com esse casamento fracassado!
— Mãe! — grito, com repreensão.
Encaro meu pai. Eu já o vi chateado algumas vezes, mas o que vejo em seus olhos agora
parte meu coração em fragmentos minúsculos. É como se minha mãe estivesse tirando
pedaço por pedaço de seu coração e o esfarinhando diante de seus olhos de propósito, só
para vê-lo sangrar.
— Só estou dizendo a verdade.
— Pai — eu chamo assim que o vejo se levantar. — Espera — insisto quando se afasta e
desaparece na escada. — Você podia colaborar, né? Por que falar isso pra ele?
— Porque é a verdade, Mackenzie. É melhor cortar o mal pela raiz. Seu pai precisa sair
dessa casa. Quanto antes, melhor.
— Você ainda o ama? — indago. Minha respiração fica irregular e consigo entender ao
menos um pouco o que o Nate presencia todos os dias. — Ama? — exijo.
— Eu não sei! — grita, batendo as mãos abertas contra os assentos vagos do sofá. —
Não sei mais o que sinto pelo seu pai. As coisas entre nós só pioram com o passar do tempo
e eu só queria me sentir como antigamente. Antes de você ter ido embora. Antes de termos
dois filhos para criar e todas essas responsabilidades que me enlouquecem. Preciso de um
tempo para me decidir se quero ou não continuar tentando. É inútil fazer isso agora, porque
não sinto nada pelo seu pai além de raiva, então, por favor, respeite meu tempo e espaço,
Mackenzie. Assim como nós fizemos quando você precisou do seu.
Recebo uma notificação em meu celular, o que impede que eu continue a discussão com
minha mãe. Eu o pego no bolso da calça e vejo que fui marcada em uma foto no Instagram
por Bryan.
Nós dois de mãos dadas no píer, no instante em que me segurou e não pude mais andar.
De repente, sou levada para aquele momento onde nos tocamos mais uma vez e todo o meu
corpo reagiu. A legenda é:
If I’m ever gonna fall in love, I know it’s gonna be you.
Acabo sorrindo para a tela e Bryan me faz esquecer o problema com meus pais.
Uma nova notificação de mensagem no Instagram sobe na tela. É dele.

Bryan: Tá onde?

Mack: Na casa dos meus pais.

Bryan: Aquele cachorro-quente está de pé?

Mack: Sim.

Bryan: Ok. Te pego daqui quinze minutos.

Mack: Preciso de, pelo menos, vinte.

Bryan: Combinado. ;)
Bryan: Aliás, preciso do seu número.

Rio e envio meu número novo para ele.
— Eu acho que você devia pensar melhor sobre isso. Você parece decidida, mas meu pai
nem tanto. Estar em uma família não significa pensar só no que você sente e nas suas
decisões, mas como elas afetam as pessoas em volta. Se vocês decidirem que querem se
divorciar, Nate e eu vamos entender, mas, ao menos para mim, parece que vocês não estão
tentando lidar com o problema, estão fugindo dele. — Pego a mochila e minhas chaves, dou
um passo em direção às escadas e paro antes de continuar. — Você pode pensar que não o
ama mais, mas, se está sofrendo tanto, é porque ainda existe alguma coisa aí dentro que te
faz pensar que vale a pena tentar.
Minha mãe não diz nada.
A Mackenzie de quatorze anos dizia coisas assim o tempo todo para as pessoas que
amava.
A Mackenzie de dezesseis anos era a mais madura de todas as garotas de sua idade e
todas as suas decisões pareciam sensatas, até que não foram mais.
Só porque minha mãe viveu mais que a mim e teve mais experiências, não significa que
não posso aconselhá-la olhando por outro ângulo; vendo o relacionamento deles de fora,
consigo sentir que só estão em uma fuga constante e nunca tentando consertar o que se
partiu. Assim como Bryan e eu renegamos nossos sentimentos até agora e decidimos que é
melhor parar.
É melhor olhar para o amor com beleza e não com rancor. É melhor que nós vejamos o
que sentimos como algo bom e um terreno fértil para que novas coisas sejam plantadas.
Coisas que ainda não sentimos por não nos permitir.
Espero que meus pais entendam antes que seja tarde demais.

Bryan mastiga o cachorro-quente, como se não comesse um desses há muito tempo. Ele
saboreia e geme baixinho e acabo rindo, sem que perceba. É estranho que, depois de
brigarmos, nos beijarmos e repetirmos esse ciclo vicioso, estejamos sentados aqui e
dividindo cachorros-quentes como nos velhos tempos.
Meu coração se aquece de pensar que estamos fazendo de tudo para nos entender, que
é um esforço mútuo. Dias atrás, eu podia jurar que não o deixaria mais se aproximar e
tenho certeza de que esse mesmo pensamento passou pela cabeça de Bryan, mas nós
cedemos. Porque fazemos isso quando se trata de nós. Abrimos o coração. Abrimos espaço.
Nos tornamos vulneráveis.
Um pouco de molho fica no canto de sua boca e não detenho o impulso de me inclinar
por cima da mesa para limpá-lo. Com o polegar, retiro o molho que ficou no canto de sua
boca e sorrio para ele.
— Você parece uma criança enquanto come. — Limpo o polegar sujo no guardanapo de
papel. Bryan me encara por um tempo, tentando assimilar minha atitude de segundos atrás.
Noto a confusão em seu olhar e dou mais uma risada. — Então, como você está se sentindo
com a saída do Aidan da banda?
— É temporário. — Ele está na defensiva e descubro que Bryan não é tão amigável com
a ideia como achei. — Esse cara que vai entrar não vai nem mesmo conseguir esquentar a
bunda no banco porque, assim que Aidan disser que está pronto, vou chutá-lo para fora da
The Reckless.
— Uau! — assovio, mordo mais um pedaço do cachorro-quente e mastigo devagar. —
Você pode gostar dele. Já parou pra pensar nisso?
— Impossível ele ser tão bom quanto Aidan. Eu duvido muito.
— Se Aidan o indicou, significa que ele é bom de verdade. Ele não colocaria a The
Reckless em maus lençóis.
— Sim. — Bryan coloca o último pedaço na boca e acabo rindo de novo. Ele comeu tão
rápido e tão sedento, que não consegui acompanhá-lo. — Pergunta séria.
Paro com o cachorro-quente alguns centímetros da boca.
— Que foi agora? — inquiro, com dúvida.
— Você não fez mesmo nenhum amigo durante esses dois anos?
— Não.
— O problema em se relacionar, que me contou naquela época, era pra valer então.
— Sim, você achou que eu estava blefando?
— Para ser honesto, achei sim. Você só estava tentando se aproximar de mim. É o que
eu penso.
— Você não se cansa de ser convencido? Puta merda! — Tombo a cabeça para a frente,
gargalhando. — Ok. Minha vez. Você começou a gostar de mim quando? Preciso saber.
Quero algo do que me gabar no futuro. Caso você venha a colocar uma de suas namoradas
acima de mim.
— Se eu for namorar, Mackenzie, será com você. — Quase engasgo e começo a tossir.
Pego um guardanapo a tempo de cuspir o que estava na boca. — Estou brincando, nossa! —
Bryan gargalha e se levanta para dar palmadas em minhas costas. Chego para o lado, dando
espaço para que se sente ao meu lado. — Bom, você estava toda babada no seu sofá quando
te vi pela primeira vez. Nós tínhamos acabado de nos mudar. Você tinha passado a noite e o
dia todo estudando para, dali quatro anos, entrar na Saint Ville Prep. Por que estudar por
tanto tempo?
— Nem todo mundo nasceu com a facilidade de aprender como você, seu convencido!
— Enfim consigo morder outro pedaço de cachorro-quente. — Quer saber? Não parece que
passamos os últimos dois anos e dois meses brigando — digo com a boca cheia e Bryan ri,
mas sei que, no fundo, ele concorda. — Não tem mesmo mais rancor entre a gente, né?
Quero ter certeza de que estamos fazendo isso juntos. Você sabe, superando.
— Não teria concordado se ainda estivesse com raiva de você. — Engulo o último
pedaço e tomo um gole de Coca-Cola. — Tudo que disse em casa naquele dia foi a forma que
encontrei de me proteger de você.
— Eu também tentei me proteger de você. Nossas tentativas falharam. Só conseguimos
magoar ainda mais um ao outro.
— É verdade.
— O que mais me doía era saber que eu te conhecia mais que qualquer um e, quando te
reencontrei, não te conhecia mais. E fiquei me perguntando como é que algo como o que
nós tínhamos se destruiu.
Bryan fica pensativo, encarando seu copo de refrigerante ainda cheio.
— Você era a coisa mais importante para mim.
— Você também era.
— Eu colocaria você acima de qualquer pessoa sem pensar duas vezes.
Aperto os lábios porque não tenho certeza se eu faria isso e o ter entregado para a
polícia me diz que não. Eu não colocaria Bryan acima de qualquer pessoa.
— Desculpa por não ter sentido o mesmo por você.
— É passado.
— Sim, mas ainda quero me desculpar. — Sorrio, sem mostrar os dentes e Bryan
retribui. — Me diz uma coisa.
— Depende.
— Sobre a Faith.
— Sobre a Faith? Por que sobre ela?
— Por que vocês dois têm algum tipo de relação?
— O que isso tem a ver?
— Estou curiosa.
— Tá bom. Manda, mas não garanto que vou responder. — Bryan bebe um gole de sua
Coca-Cola e mordisco o lábio inferior enquanto penso, porque o relacionamento dos dois é
uma incógnita para mim e eu sinto essa necessidade absurda de saber tudo sobre o novo
Bryan.
— Você sente alguma coisa por ela? Sem ser a óbvia atração física. — Evito rolar os
olhos para ele e concentro minha atenção no guardanapo que seguro nas mãos.
— Não, quer dizer, quando você faz sexo com alguém, é claro que cria algum tipo de
afeto, mas não é amor. É sexo. E no sexo tem intimidade. É meio que inevitável você ignorar
a conexão que sente depois. Principalmente se o sexo for bom.
Eu me viro para ficar de frente para ele.
— E é bom? Com ela?
— Mackenzie.
— Estou curiosa.
— Não vou falar sobre Faith com você.
— Por quê? Nós somos amigos.
— Porque não — ele ri, sacudindo a cabeça. — Envolve ela também.
— Entendi, você não quer ser desrespeitoso com ela. É legal isso. — Dou de ombros
enquanto mordo o lábio inferior e respiro pesado. — Mas eu me lembro de uma época onde
conversávamos sobre sexo abertamente.
— Naquela época era diferente. Nós dois nunca tivemos qualquer experiência com
alguém. Se eu te contar sobre mim e Faith estaria violando a privacidade dela.
— Eu sabia. — Sulcos em forma de vinco se formam em sua testa. — Você gosta dela.
Bryan tomba a cabeça para trás, respirando fundo e depois ri.
— Por que você iria querer guardar segredo?
— Porque eu sou um cara muito legal.
— Quer dizer que, se a gente transasse hoje, você não contaria para o Ashton, Finnick
ou Aidan?
— Não. — Sacode a cabeça em negação, convicto. — Não contaria, porque é algo nosso.
Eles poderiam saber, tipo, a gente transou, mas não entraria em detalhes.
— Você é o primeiro cara que eu conheço que não quer contar vantagem das suas
transas. Apesar de não ter feito amigos ou namorado em Brigthtown, estudei em uma
escola onde os garotos eram nojentos e contabilizavam com quantas garotas ficavam no fim
de semana. Era repugnante ter que ouvir tudo que eles diziam.
— Não sou assim.
— Eu senti tanta falta de um cara como você. — Amasso o guardanapo. — Somos
amigos, certo?
— Sim.
— Independentemente do que aconteceu entre a gente, você vai ignorar qualquer
sentimento amoroso que tenha por mim e me dará conselhos, se eu pedir?
— Espera um pouco. Por que é que você está falando sobre isso comigo e não com Effy
ou Gravity?
— Porque Gravity está enfrentando uma barra com os Lynch e Effy é a Effy. Você e eu
sempre nos entendemos melhor. Você sabe disso.
Bryan esfrega as pálpebras com os dedos.
— O que você tá tentando dizer com Effy é a Effy?
— Ela não vai falar comigo sobre o assunto, porque ainda está chateada pelo passado.
Estou tentando me resolver com ela aos poucos, seguindo no ritmo que ela manda. Não
posso falar sobre o meu encontro amanhã.
— Você tem um encontro?
Bryan não parece decepcionado, mas surpreso. Ou ele sabe mascarar bem como se
sente.
— Sim.
Ele exala todo o ar dos pulmões e escorrega pela cadeira.
— Para isso dar certo, você tem que saber de uma coisa — enuncia, pigarreando. — Effy
é a Effy e por ela ser a Effy, você não pode falar mal dela pra mim. Ela é como uma irmã e eu
iria no inferno por ela.
Assinto ignorando a pontada de ciúme em meu peito.
— Beleza. Pode me pedir o tal conselho.
— Esse cara. Eu tenho a sensação de que ele me conhece há mais tempo do que parece.
Sei lá, acha que pode ser uma conexão?
— Não acredito que eu estou dando conselhos amorosos pra você.
— Qual é, Bryan. Você é o único amigo disponível que tenho nesse momento. Por favor.
— Tá. É o primeiro encontro?
— Sim.
— Então não pode ser conexão. Você primeiro precisa ter o primeiro encontro e ver se
rola mesmo a compatibilidade. Se sim, então você investe.
Eu suspiro, aliviando a tensão nos ombros. Por que estou fazendo isso com ele?
Parece que estou o forçando o tempo todo a sentir alguma coisa além do que ele disse,
causar uma reação mais ativa, algo como o ciúme, exatamente como ele faz comigo. Preciso
admitir que, às vezes, sou tão imatura e idiota quanto Bryan.
— Certo. — Mordo o lábio inferior e me viro para a frente. — Preciso ir para o trabalho.
— Encaro o horário na tela do celular. — Nossa amizade é recente demais pra pedir uma
carona?
— Você já me pediu conselhos amorosos. Nada é recente demais a partir de agora —
Bryan ri, mas não tem tanta emoção como antes.
Ele pega a chave do carro no centro da mesa, pagamos pela comida e o sigo em direção a
saída. Nós caminhamos em silêncio. Protege as mãos do vento, guardando-as na jaqueta de
couro e faço mesmo. Chuto uma pedrinha invisível e, assim que chegamos ao carro, Bryan
detém o passo ao pegar o celular no bolso. Os olhos rastreiam a tela e um sorriso consome
seu rosto. Paro, curiosa.
— Aconteceu alguma coisa?
— Aidan quer que a gente vá para o Purple Ride hoje. É o primeiro dia dele como chefe
oficial na boate.
— Você acredita nele? — Estou com a mão na maçaneta do carro. — Que Dannya atirou
no Darnell?
— No começo, não. Mas ele é meu melhor amigo, então se quer entrar em uma guerra
contra as Monaghan, é claro que ficarei ao lado dele.
— Mesmo que ele esteja errado?
— Não tem como saber se Aidan está errado ou não. Dannya pode realmente ter feito
algo contra Darnell. Só descobriremos depois que a polícia investigar. Por quê?
— Por nada.
Decido não contar a ele que, nesse caso, ficarei ao lado de Gravity. Entro no carro e o
assunto se encerra.

Concentro toda minha energia no trabalho. Purple Ride está lotado hoje. Todas as mesas
estão cobertas por playboys soberbos e distribuindo gorjetas como se não houvesse
amanhã. A idade média no Tour Trip é de 21 a 25 anos. Não vemos homens de negócios ou
pessoas importantes como no Tour Haven.
Um remix de River, de Bishop Briggs, ressoa através das caixas de som estrategicamente
presas nas paredes do segundo andar. Aidan esteve aqui uma hora atrás, fazendo uma
varredura, como Darnell costuma fazer antes de abrirmos, mas ele é diferente.
Darnell Lynch é adorado por todos os seus funcionários pelo seu carisma; apesar de
saber que Aidan carrega o mesmo dom, não está esbanjando amigabilidade nem sendo
prestativo como seu pai. Na verdade, a arrogância de Aidan é tudo que vemos minar dele.
Ele passou pelo bar onde estou essa noite. Conferiu as bebidas, a limpeza dos copos e
deu meia-volta como se não me conhecesse. Talvez queira manter as aparências, estar à
altura do pai, mas tudo que irá conseguir agindo assim é a desaprovação dos funcionários
do Purple Ride. Começando por Murphy, que é do terceiro andar. Ela está cobrindo Gravity
hoje. Me contou que Vity enviou uma mensagem de texto duas horas antes do Purple Ride
abrir, pedindo que Murphy assumisse por hoje. Darnell permite que os funcionários faltem
com justificativas quando conseguem que outro o cubra. Enfim, é preciso muita estratégia
para conseguir que alguém cubra seu turno, porque não temos folgas, já que a boate só
funciona de quinta a domingo.
Escutei Aidan perguntando para o seu assistente por Gravity. Ele disse que avisou da
falta, mas não a justificou. Eu o escutei mandar descontar do salário no final do mês. Aidan
só consegue provar mais que não precisa que eu o apoie nessa briga. Parece que, mesmo
sem provas, decidiu acusar Dannya e, como se não bastasse, está levando Gravity como
culpada também. Isso me irrita e desestabiliza, portanto decido não pensar tanto no
assunto e só me concentro na mesa 21, onde um grupo de filhinhos de papai estão torrando
a minha paciência pela noite toda.
Existem dois dispositivos sobre a mesa. Um deles é direcionado para o bar e o outro
para a cozinha. Como hoje estou no bar, fico de saco cheio de ir àquela mesa a cada cinco
minutos, eles parecem fazer de propósito ao apertarem o botão. Murphy acaba rindo
porque já atendeu caras como eles várias vezes no Tour Trip e, o pior, precisamos ser
pacientes, pois sabemos que eles são filhos de alguém que tem importância para Darnell se
tratando de negócios.
— O que vocês vão pedir? — Solto o ar com desânimo e reviro os olhos em
desaprovação. Deve ser a trigésima vez que venho até eles essa noite.
— Uísque. Bourbon. — Um deles pisca para mim e assinto, enquanto anoto no iPad. —
Ei! — um deles me chama de volta, quando já estou caminhando em direção ao bar.
Controlo a vontade de mandá-lo à merda.
— Sim? — Forço meu melhor sorriso.
— Soube que Darnell vai abrir uma boate com strippers. É verdade?
— Eu não sei. Só anoto os drinques e sirvo.
— Você devia servir nessa boate também. — Escrutino o rosto dele. É bonito. Seria mais
se não fosse um babaca. — Eu ia gostar se você rebolasse pra mim.
Estou forçando outro sorriso. Pela milésima vez esta noite.
— Não sou stripper.
— Mas poderia. É um elogio, Mackenzie. — Odeio que meu nome fique preso em uma
plaquinha de bronze do lado esquerdo do meu peito. E ainda mais que meu uniforme no
Purple Ride seja uma saia de couro apertada na altura dos joelhos, camisa lilás de botões e
botas de salto. Eu usaria essas roupas sem problema fora daqui, mas sempre que atendo
essa mesa, em particular, parece que eles me comem com os olhos. — Então por que o
Darnell não apareceu hoje?
É claro que esse cara sabe o que aconteceu com Darnell.
— Você não soube?
— Só queria ter certeza de que é verdade que o segundo cara mais rico de Humperville
baixou a guarda.
— Ele não baixou a guarda. — Entro em defensiva, arqueando uma de minhas
sobrancelhas. Os olhos verdes sob as luzes de neon lilás os deixam ainda mais claros. Os
cabelos escuros estão perfeitamente penteados para trás. — Se me derem licença, tenho
mais mesas para atender.
— Só mais uma coisa. — Detenho o andar no caminho, fecho os olhos respirando fundo
e me viro lentamente em direção à voz embriagada. — Quero seu telefone.
Darnell sempre diz que precisamos ser pacientes com esses clientes. Eles vão provocar,
mas precisamos ser inteligentes ao esquivar. A opção agressiva é a última que devemos
aplicar. A expulsão de um cliente como Kendrick Franco seria uma grande perda para o
Purple Ride.
— Meu telefone não faz parte do catálogo de bebidas, Kendrick. — Escuto-o rir atrás de
mim, mas não volta a me parar.
Solto o iPad na superfície do bar. Poucos clientes se sentaram esta noite a nossa volta e
dou graças a Deus por isso. Caso contrário, acabaria jogando uma garrafa de uísque na
cabeça de alguém. Tudo é tão estressante sem Darnell por perto.
— O Kendrick está te enchendo de novo? — Murphy debruça sobre o balcão. Preparo o
balde com gelo e coloco a garrafa de Bourbon dentro. — Quer que eu leve?
— Você poderia fazer isso? — Estou quase implorando que ela me dê uma folga hoje à
noite. — Eu juro que, quando você precisar, fico no seu lugar no Tour Haven.
— Querida, acredite em mim, é melhor você não querer isso.
Aperto a língua no céu da boca porque é contra as regras perguntar sobre o terceiro
andar e, mesmo que quisesse muito saber, Murphy não contaria. Ela é pelo menos cinco
anos mais velha que eu. Seu corpo sinuoso e os cabelos vermelhos que descem em cascata
na altura do quadril são seus pontos fortes de atenção.
— Relaxa. Eu sei lidar com pirralhos como Kendrick Franco. — Estende o braço e rouba
o balde antes que eu diga que não precisa ir até lá. — E você vai ficar ocupada — ela ri,
gesticula com o queixo para a porta do elevador. — A The Reckless acabou de chegar.
Bryan caminha na frente. Ashton está rindo de algo com Finn, que parece mais relaxado
que nas outras vezes que o encontrei. Aidan também está junto, a carranca em seu rosto de
horas atrás desapareceu como em um passe de mágica. Uma dose da The Reckless deve ter
o colocado de volta nos trilhos.
Eu me preparo para recebê-los, mas nenhum deles está se direcionando para o bar.
Caminham lentamente rumo a mesa 33, próxima ao elevador. Over My Head, de Echosmith,
permeia no ambiente no instante em que Bryan está rastreando o lugar com os olhos.
Assim que pousam em mim, estende a mão para me cumprimentar. Os outros membros o
seguem e repetem o ato, exceto Aidan. Já passou dos limites. Ele pode estar chateado
comigo, mas as coisas estão complicadas agora. Não faz o menor sentido ele continuar me
ignorando.
Em questão de segundos, a tela do meu iPad, que é sincronizada com todas as mesas
ímpares, acende e é a mesa 33 que está chamando. Respiro fundo e me direciono até eles. O
único que não tem idade para beber é Bryan, mas com Aidan sendo o atual administrador
de tudo, impossível que isso denote qualquer diferença.
— Já sabem o que vão pedir? — indago, parando em frente à mesa. Aidan está com os
olhos no catálogo de bebidas, mas os outros me encaram.
— Quero gin — Finn pede.
— Cerveja pra mim. — Ashton ergue o indicador.
— Pra mim também — Bryan emenda.
— Água. — Todos cravam os olhos em Aidan. — Estou trabalhando, vocês sabem, né? —
A mesa explode em gargalhadas. — Já não deu seu horário de descanso? — Aidan mira o
relógio e, em seguida, direciona o olhar para mim.
— Sim, mas tive que atender a mesa 21 e depois vocês chamaram.
— Pode ir. A gente espera pela Murphy.
— Mas eu já anotei. — Levanto o iPad.
— Eu mandei você ir. — Aidan ergue uma sobrancelha, me desafiando a desobedecer.
— Pega leve, Aidan! — Ashton o repreende, sem compreender por que está agindo
assim. — Ela só quer fazer o trabalho dela.
— Tudo bem, Ashton.
Eu me viro. Volto para o balcão de bebidas e entrego meu iPad para Murphy.
— O chefe me mandou sair — zombo, revirando os olhos, e Murphy cai na gargalhada.
Ela tem uma tatuagem de borboleta no pescoço e, quando ri, ela salta junto com as veias. —
Te vejo daqui uma hora.
Passo pela mesa dos meninos. Estou prestes a fazer algo bem idiota, mas Aidan não me
deixou escolha.
Caminho em passos decisivos em direção a eles. Bryan é o primeiro a me notar, com o
rosto franzido me encara e, automaticamente, todos começam a me olhar enquanto me
aproximo.
— Já estou no meu intervalo? — pergunto a Aidan.
— Já disse que sim.
— Então, você não vai se importar se a gente conversar?
— Na verdade, eu vou sim. Estou ocupado. É uma reunião. — Ele abre os braços,
mostrando a banda. — Privada — acrescenta e não movo nenhum passo, mesmo que tenha
sido bastante convincente.
— Você não precisa sair do seu trono. O que eu tenho para te dizer não é segredo. —
Cruzo os braços e Aidan se recosta ao banco estofado da mesa, aguardando. — Você acha
que é o chefe porque seu pai está fora, mas tem tratado mal todos os seus funcionários,
coisa que ele nunca faria, e tem agido comigo com falta de profissionalismo. Eu trabalho
para o seu pai e o que nós tivemos não tem nada a ver com o trabalho. Então, se você puder
parar de ser babaca com todo mundo, só porque não conseguiu o que queria, eu
agradeceria muito. — Ashton está sufocando a risada. Ele coloca a mão na frente da boca e
apoia os cotovelos no tampo da mesa. — Aproveitem as bebidas — digo assim que Murphy
aparece com a bandeja.
Entro no elevador e o rosto de Aidan se fecha junto às portas metálicas.

“Está ficando mais difícil respirar
Fumando o seu amor
Não pode ser bom para minha sanidade
Não pode ser bom para meus pulmões
Fumando o seu amor”
CHAINSMOKING – JACOB BANKS

Sinto o ar gelado do ar-condicionado ao entrar na sala de descanso do quarto andar. Há
duas beliches dispostas em cada canto da sala e uma cômoda pequena de quatro gavetas
próxima a porta. É o lugar familiar onde os funcionários usam para descanso em seus
intervalos.
Sobre a cômoda está minha bolsa térmica. Minhas mãos estão trêmulas e as
panturrilhas também, mas afundo qualquer pensamento que envolva Aidan no meu
subconsciente e não me deixo mais ficar abalada pelo seu comportamento babaca.
Aidan pode pensar que se compara a Darnell, mas ele não é tão bom quanto o pai
quando se trata de respeito às pessoas que trabalham no Purple Ride.
Apanho a bolsa e me sento na cama de baixo. A embalagem de plástico que mantém
minha salada reservada foi levemente amassada. Eu devo ter batido a bolsa enquanto subia
as escadas do Purple Ride mais cedo. Pego o garfo no fundo da bolsa e começo a comer. Me
dou conta de que minha respiração se alterou ao perder a cabeça com Aidan.
Desisto de comer. Fecho a tampa de plástico com força e devolvo o garfo para o fundo
da bolsa térmica. Meu celular vibra no bolso da frente e o retiro de lá. É uma mensagem de
texto de Bryan.

Bryan: Eu sei que somos amigos, mas você fica sexy quando está irritada. ;)

Meus dedos começam a agitar sobre a tela escrevendo uma resposta, porém, no instante
em que digito a primeira palavra, duas batidas lentas na porta me param. Digo que está
aberta e Aidan coloca a cabeça pela fresta. Meus ombros tombam para a frente e esqueço a
mensagem de Bryan. Guardo o celular e aprumo a postura.
— Trégua? — Aidan estende uma garrafa de licor de chocolate. Entorto o nariz
emburrada, fazendo uma careta. Bebidas doces são meu ponto fraco e ele sabe disso.
— Tá. Mas é só porque eu gosto de licor.
Aidan ri, mas não é o riso que estou acostumada a ver estampado em sua cara. É
controlado, como se não pudesse relaxar de verdade. Ele fecha a porta assim que entra e se
senta na beliche em frente a que estou no momento. Os braços ficam pendurados enquanto
apoia os cotovelos nas coxas e descansa a garrafa entre as pernas.
— Desculpa por ter sido tão idiota. — Ele esfrega o rosto com ambas as mãos. Esbraveja
algo ininteligível enquanto faz isso e sopra um longo fluxo de ar quando as palmas param
contra sua boca. — Não é sobre o que aconteceu entre a gente. É sobre o meu pai. É tudo
uma merda. Estou preocupado com ele.
— Uhum, mas você não pode usar isso como desculpa pra maltratar as pessoas que
trabalham aqui, Aidan. Caso contrário, quando Darnell voltar, ele não terá nem metade dos
colaboradores que têm agora. A culpa não é minha, da Murphy ou da Gravity. — Aidan
muda a postura. Apesar de não ter relaxado os ombros nem mesmo quando se sentou, ele
empertiga mais a coluna e afasta os cotovelos das coxas. Apoia as mãos em cada lado do
corpo e vira a cabeça para o outro lado, para que eu não veja seu rosto. — Ela também
precisa de um tempo. Você pensa que ela não se importa, mas se importa.
— Foi a Dannya, Mackenzie. Eu tenho certeza.
— Como você pode ter tanta certeza sem nenhuma prova?
— Acredito que Gravity é inocente, mas Dannya não.
— Gravity vai defender a irmã até o último minuto.
— Eu não preciso dela. — Franze o rosto, contorcendo os lábios em desgosto. — Não
estou contando com a polícia para esclarecer os fatos daquela noite. Tenho certeza de que
terei que fazer tudo sozinho.
Bufo, abaixo a cabeça e a balanço de um lado para o outro, em negação.
— Desculpa, Aidan, não posso te apoiar. Não dessa vez. Porque eu acho que você está
colocando a raiva que sente de seu pai, por ele querer seguir em frente, acima de tudo. É o
único critério que você usa pra acusá-la. Dannya teria que ser muito idiota para atirar no
Darnell naquela noite. Ela sabia que seria uma suspeita se fizesse isso.
— É por isso que eu acho que é ela. Por ser tão óbvio.
Continuo fazendo que não enquanto balanço a cabeça. Ele está cego. Muito cego.
— Eu não vou tentar convencer ninguém. Não vim aqui para te confrontar a escolher
um lado. Para mim, está mais do que claro que Gravity é a sua prioridade. Mas meu pai não
construiu um império sendo amigável. — Ele se levanta e fecha o botão do meio do blazer.
— Vim até aqui porque queria me desculpar e te dizer que meu comportamento não tem
nada a ver com o que aconteceu entre nós dois. Eu quero que sejamos amigos, como antes.
— É meio difícil. Mas se Bryan e eu estamos conseguindo, a gente também consegue. —
Abro meu melhor sorriso e me levanto também. Mesmo sabendo que as coisas entre nós,
provavelmente, ficarão bem estranhas quando ele e Gravity colocarem a mansão Lynch
abaixo. — Só pra você saber, Gravity declarou guerra contra você.
Ele ri, em deboche.
— Como eu te disse, o império do meu pai não se ergueu com ações amigáveis. Se
Gravity quer entrar nessa contra mim, tudo bem. Ela vai se desculpar quando eu provar que
estou dizendo a verdade.
— Como exatamente você vai fazer isso?
— É óbvio que tudo em Humperville foi corrompido. Nós dois sabemos disso. A polícia
não vai investigar tão a fundo como eu. Ter em mente de que vai levar muito tempo antes
de conseguir provar a verdade é o primeiro passo. Não estou com pressa, mas tenho
certeza de que vai acontecer. E daqui um tempo Dannya será presa. — Engulo em seco,
escutando-o falar. Tem tanta raiva revestindo sua voz que sinto pena.
— Teorias da conspiração. — Cruzo os braços e encosto a lateral do corpo contra a
escada da beliche. — Tem uma grande probabilidade de você estar errado.
— Pode ser que sim, mas vou me arriscar assim mesmo.
Aidan Lynch parece ter amadurecido alguns anos, mesmo em tão pouco tempo. A dor de
ter quase perdido seu pai deve tê-lo feito mudar a postura, o comportamento e a visão.
Sabendo quem Darnell é, tenho certeza de que ele já tinha tentado mostrar ao filho coisas
que se recusava a ver por ser amável. E Aidan está determinado a se tornar uma potencial
fonte de caos.
— Vou deixar você descansar. Tudo bem entre a gente?
— Só mais uma coisa. — Fico na ponta dos pés e cruzo as mãos na lombar. — Quero ter
certeza de que você sabe o que está fazendo saindo da banda. A The Reckless é tão
importante pra você quanto para os outros. É isso mesmo que você quer?
— Tudo o que eu sei é que é temporário. Não me vejo em outro lugar que não seja
fazendo parte da The Reckless. Não nasci pra ficar assistindo tudo nos bastidores.
Assinto, concordando com ele.
— Você não está chateado por eu ter dito que não podíamos ficar juntos, né?
— Eu fiquei, não vou mentir. Naquele dia, enquanto você falava, eu escutava meu
coração pedindo ajuda. Depois aconteceu tudo o que aconteceu com o meu pai e não tive
tempo de sentir mágoa, raiva ou qualquer outra coisa em relação a nós dois. Então me dei
conta de que não fiquei tão chateado quanto pensava. Não quando eu tenho um monte de
coisas mais importantes que o meu coração pra lidar.
— Eu te ligo — é tudo que eu digo e o vejo sair.
A garrafa de licor de chocolate continua no mesmo lugar. Guardo-a na bolsa térmica
para dividir mais tarde com Effy.
Deito-me na cama, tento não pensar mais nesse assunto porque não tem nada que eu
possa fazer para amenizar a situação entre Gravity e Aidan.
Foco minha concentração e atenção em Jev. O nosso encontro é amanhã e estou
bastante nervosa com ele.

Na manhã seguinte, às seis da manhã, envio uma mensagem para Nate vir tomar café
comigo. Já que meus pais devolveram sua carteira de motorista e ele tem permissão para ir
ao colégio dirigindo, não vejo problema dele fazer uma leve desviada de rumo. Recebo uma
mensagem dele às sete, dizendo que está na porta.
Não sou boa com a cozinha e Effy ficará surpresa ao acordar e se deparar com bolo de
laranja quentinho e o cheiro se espalhando pelo apartamento. Nós não nos falamos desde a
casa de Gravity. Nossos horários são muito diferentes e acabamos não tendo muito tempo,
mas está tudo bem para mim também.
Enfim, o bolo de laranja é uma das poucas receitas que conheço, graças às idas na casa
do vovô Jasper. Aliás, preciso reservar um tempo em minha agenda para uma visita.
Abro a porta e Nate está de pé, encostado na parede do outro lado do corredor, bem
próximo à porta de Beverly. Ele envia um olhar enviesado rumo à porta de Bev. Coloco a
cabeça para fora, olho para a mesma direção.
— O que foi? — pergunto chamando sua atenção. Nate parece sair do transe e se move.
— Bryan tá por aqui?
— Não, por quê?
— Eu tenho quase certeza de que vi o Dodge Charger estacionado na sua vaga do
apartamento.
Volto o olhar para a porta de Beverly. O azedume que se instala em minha língua é forte
e quase não consigo ignorá-lo. Quero saber quando é que a minha sensatez dará um jeito de
refrear o ciúme que sinto de Bryan sempre que penso nele com outra garota.
O interesse deles é recíproco. Beverly é uma garota em potencial para fisgar o coração
dele, e eu sei disso porque conversei com ela por meia hora e senti que nós duas
poderíamos ser como melhores amigas. A garota não tem a porra de um defeito sequer.
Isso me deixa maluca, com certeza.
— Ele não veio aqui.
Abro a porta com a certeza de que provavelmente está enclausurado no apartamento de
Beverly. Suprimo o suspiro e o impulso de revirar os olhos. Nate passa por mim e joga a
mochila no sofá. A gravata azul-marinho da Saint Ville Prep está toda torta e o blazer
amassado. Se a zeladora ainda for Nancy, Nate estará encrencado quando passar pelos
grandes portões do colégio.
Eu o seguro pelos ombros e o viro de frente para mim. Ajusto o nó da gravata e passo as
mãos em seus ombros, tento assentar o pano amarrotado sem muito sucesso. Queria ter um
ferro de passar roupas para ser mais útil, mas não tivemos tempo de comprar um.
— Por que você me chamou? — ele boceja contra meu rosto e sacudo a mão, afastando
seu hálito.
— Você escovou seus dentes hoje, garoto? — Faço uma pinça com os dedos e aperto o
nariz, para provocá-lo.
— Ainda não. Você me convidou pra comer. Fez bolo de laranja?
— Sim.
Nate puxa uma cadeira e se senta. Faço o mesmo e me sento de frente para ele. Sirvo
uma dose generosa de café em minha xícara e Nathaniel também.
— Você prefere suco de melancia.
— Não tive tempo de comprar. — Dou de ombros como se isso não fosse mais tão
importante.
Corto um pedaço de bolo e coloco em seu prato.
— O que você quer falar comigo?
— Sobre os nossos pais. — Nate para com o pedaço de bolo alguns centímetros antes de
conseguir abocanhá-lo. — Eu pensei que talvez nós pudéssemos pagar uma viagem para
eles. Sei lá, como uma segunda lua de mel. Quem sabe, eles se lembram de como eram
felizes antes de toda a merda acontecer.
— Você quer dizer toda a merda que você fez?
— Nate.
— Olha, eu pensei no assunto. Dois meses atrás, você mencionou sobre essa viagem e eu
acho que é melhor que eles se separem.
— O quê?
— Você não está em casa. Não sabe como eles estão sofrendo. Eu prefiro que se
separem e sejam felizes. O papai já empacotou as coisas — Nate conclui e finalmente morde
um pedaço do bolo. Ele mastiga lentamente, como se quisesse eternizar o momento para
que não tenha mais que falar no assunto. Mas, quando seu pomo de adão se move e sei que
engoliu, abro a boca para continuar falando, no entanto Nate estende a mão espalmada em
minha direção para me falar e emenda: — Se você quiser fazer isso, ótimo, mas não conta
comigo. Vai por mim, Mackenzie, a mamãe tá precisando de um tempo sozinha. E quando
digo sozinha, eu me refiro longe do papai. Se comprarmos uma viagem pra eles agora, vai
ser como jogar a merda no ventilador e eu não quero ser atingido.
— Nem todas as pessoas estão esperando serem salvas. — Sorvo um gole do café. Sinto
meu peito queimar por dentro e todas as minhas expectativas esvaírem pelo ralo enquanto
escuto Nathaniel.
— Isso. Eu acho que foi a melhor decisão que eles tomaram. Se um dia eles conversarem
e decidirem reatar, a gente pensa nisso de novo, mas agora é melhor assim.
— Você não parecia tão bem com a decisão deles ontem.
— Maeve tem pais divorciados. Ela me fez entender que não é tão ruim quanto parece.
— Maeve te fez entender?
— Sim. Escuta — Nate bebe um gole de café e ajeita a postura, colocando os braços
sobre a mesa —, ouvi eles conversando ontem à noite. Eles não vão “oficializar”. — Ele
estende ambas as mãos no ar e faz aspas com os dedos. — Quer dizer que eles não vão se
divorciar pra valer. Só vão morar em casas separadas por um tempo. O papai conversou no
trabalho e parece que a Greta aluga quartos em cima da loja de ferragens. Ele ficará lá por
um tempo, até que eles decidam o que fazer.
— Então eles só vão dar um tempo?
— Acho que sim. — Nate sacode os ombros, como se não se importasse. — É melhor
que continuarem brigando tanto. Eles só precisam de um tempo pra entender que ainda se
amam.
Exalo todo o ar que prendo nos pulmões, como se fosse aliviar o aperto que sinto em
meu peito. Nate me encara, analisando minha reação com apreensão. Apoio a cabeça entre
as mãos e coloco os cotovelos no revestimento da mesa.
— Vamos dar esse tempo pra eles, beleza? Esperar alguns meses. Se eles continuarem
sem nenhuma decisão, nós partimos para o plano B. Uma segunda lua de mel.
— Você tem razão.
— É claro que eu tenho.
Ele corta mais um pedaço de bolo e o coloca quase inteiro na boca.
— Ei, vai com calma!
— Preciso correr.
— O quê? Por quê?
— Combinei com a Maeve que a buscaria em casa hoje. Você entende, né? — Antes de
terminar de mastigar o pedaço que acabou de colocar na boca, Nate se levanta. — Eu te ligo
depois. — Nate faz algo que há muito tempo não fazia. Contorna a mesa e beija minha
cabeça. Corre para o sofá e coloca a mochila no ombro. — A gente pode tomar café mais
vezes antes de eu ir pro colégio.
— Promete? — Faço bico e ele está segurando a maçaneta da porta. — Sinto sua falta —
confesso, embora tenha certeza de que Nate não pode ouvir. — E escova esses dentes, pelo
amor de Deus!
— Prometo. Combinamos um dia fixo depois, pode ser? E eu vou escovar! — Ele revira
os olhos.
— Tá. — O sorriso que se abre em meu rosto é enorme, posso apostar. Sinto o canto de
minhas bochechas doerem, mas não me importo. — Manda um beijo pra Maeve! — grito
por cima do barulho da porta batendo.
Não tenho saído tanto com as meninas como gostaria. A verdade é que nós ficamos
ocupadas com a mudança para o apartamento novo, a pressa em fazer a matrícula na
faculdade e escolher as aulas. Tanto Faith quanto Bailey também estão enfrentando uma
barra em relação ao dinheiro e nenhuma de nós sabe como ajudar. O grupo no Kik das
meninas nunca esteve tão parado quanto ultimamente. O que aconteceu com Darnell
abalou as estruturas de cada uma de nós. Willa não se isolou como Aidan, mas recebeu todo
o apoio que podia de Bailey – mesmo depois de elas romperem.
Não sei a que par anda o relacionamento delas. Tudo que descubro é através de Effy,
porque Willa, apesar de sempre ser muito aberta comigo, não quer falar sobre Bailey ou o
que aconteceu.
— Bom dia! — Effy boceja, erguendo os braços. A blusa de seu pijama azul-marinho
estampado com estrelinhas sobe um pouco. — Você cozinhou? — O queixo de Effy cai
alguns centímetros e ela rasteja em direção a nossa mesa minúscula de três lugares. Ela se
senta no lugar onde Nate estava. — Bryan passou por aqui?
Acomodo o queixo sob uma das mãos, encarando-a.
— Não. Por quê?
A sobrancelha ruiva direita de Effy se arqueia.
— Que estranho. Ele me enviou uma mensagem dizendo que ia estacionar o carro na
nossa vaga.
Engulo em seco enquanto olho para ela. Sempre fico na dúvida se posso ou não confiar
em Effy.
— Você sabe que tipo de relação Bryan e Beverly estão tendo? — Effy para de cortar o
bolo e ergue os olhos para o meu rosto. — Se não quiser contar, eu entendo.
— Bryan não fala dos relacionamentos amorosos, a não ser que eu o aperte como uma
espinha. Por quê?
Meneio a cabeça, fazendo que não.
— Por nada. Só fiquei curiosa.
Effy aperta os lábios em uma tentativa de esconder o sorriso.
— Você está com ciúmes.
— Não. Só curiosidade.
— Mackenzie, eu te conheço desde o fundamental. Não negligencia minha inteligência.
— Nós estamos tentando ser amigos. — Ergo a mão na altura dos ombros,
demonstrando rendição. Mas nem sei o motivo de me mostrar rendida. — Tivemos uma
conversa saudável e esclarecedora ontem. E decidimos que é melhor que sejamos amigos.
— E claro que isso sempre funcionou entre vocês. — Levanta-se e ruma para um dos
armários da cozinha. Aperto um farelo de bolo, que caiu na mesa, enquanto escuto os
armários se abrirem e fecharem atrás da geladeira.
Fecho os olhos e suspiro.
— O que você quer dizer? — cedo, reviro os olhos e falo alto para que ela escute.
Effy volta com uma xícara na mão.
— Que não vai durar. Na verdade, se ele estiver muito disposto, talvez dure uma ou duas
semanas, no máximo. Depois disso, ele surta.
— Como assim, ele surta?
— Significa que Bryan chutará o balde.
— Ele sempre encontra um jeito de camuflar o que sente por mim.
— Sabe por que Bryan e eu conseguimos ter o que temos? — Effy puxa um pedaço do
bolo com os dedos e o coloca na boca. Balanço a cabeça, negando. — Porque eu nunca
gostei dele desse jeito e ele nunca gostou de mim como gosta de você. Em um momento ou
outro, ele vai mandar a amizade de vocês à merda. Como você disse, o Bryan sempre
encontra um jeito de camuflar o que sente e, nesse momento, ele tá usando essa amizade
como desculpa.
Mordo o lábio inferior, pensativa. Effy está observando meus movimentos e a escuto
suspirar mais de uma vez.
— Desembucha. Você tá mordendo o lábio! O que foi?
— Posso confiar em você?
— Como assim? — Effy deixa a xícara que pegou entre as mãos de lado e cruza os
braços em cima da mesa. — Mackenzie, que papo é esse?
— Eu tenho medo de me abrir com você e isso acabar caindo no ouvido do Bryan. E a
Gravity está ocupada demais falar comigo sobre ele agora. Tudo o que aconteceu, eu ter ido
embora, você se machucou e eu sinto muito, mas ainda tenho medo de que esse seja um
problema entre nós.
— Mackenzie. — Ela joga o cabelo ruivo e curto para trás, respirando lentamente e de
modo profundo. — Nós somos amigas há muito mais tempo que Lilah e Sebastian. Muito
mais tempo que Bryan e Gravity. Apesar de tudo, não estou tentando te julgar por suas
escolhas. É você quem faz isso. O tempo todo. Quem sabe, não é a hora de se perdoar por ter
partido? Eu já perdoei. — Pega a xícara de café de volta e bebe, mantém os olhos
minuciosos sobre mim.
— Eu posso ter tentado fazer com que Bryan sentisse ciúmes de mim ontem. — Effy
quase cospe o café de volta na xícara. Ela cobre a boca, engole e gargalha. — Não tem graça.
Não sei por que fiz isso.
— Eu sei. Você quer vê-lo louco atrás de você. O que aconteceu entre vocês sexta
passada não foi suficiente?
— Não. Não pra mim. Ele diz que gosta de mim, mas aparece a cada dia com uma garota
diferente. No mesmo dia, ele estava com a Beverly. Como é que eu posso acreditar em
qualquer coisa que ele diz?
— E você acha que ele sentir ciúmes faria alguma diferença?
— Eu gostaria, porque estou de saco cheio de imaginá-lo com uma garota e quase
explodir de raiva!
Effy volta a gargalhar.
— Passarinho. — Ela arranha a garganta, balançando a cabeça de um lado para o outro.
— Você se esqueceu de que é do Bryan que nós estamos falando? Aquele cara pode sentir
ciúmes de você, mas se acha que vai ter qualquer reação dele, é uma perda de tempo. Não
importa quão puto ele fique de te ver com outros caras, ele não vai mover um dedo sobre
isso.
Desabo contra o encosto, cansada. Massageio as têmporas.
— Ele não demonstra fraqueza, Mackenzie. E a última vez que demonstrou, você o
mandou passear. — Inclina-se um pouco sobre a mesa. — Por que você só não diz como se
sente?
— Quero ir devagar. — Enrugo a testa em vincos. — Nós ainda precisamos reconquistar
a confiança um do outro. E quero ao menos ter outros encontros com outras pessoas antes
de me envolver com a montanha-russa que é Bryan McCoy.
— Eu entendo.
— Tenho um encontro hoje! — Inflo o peito orgulhosa.
— Hoje? Sério?
— Sim, no meu intervalo do Purple Ride. Ele é nosso vizinho.
— Quem? — Effy curva as sobrancelhas, perscruta meu rosto como se pudesse ler nas
entrelinhas.
— É segredo, por enquanto. Mesmo que você não esteja interessada, pode dar azar.
Effy joga a cabeça para trás enquanto ri.
— Você quer apresentá-lo quando as coisas estiverem mais intensas. É compreensível.
— Ele é gato. — Pego a minha xícara de café esquecida até então e, enquanto beberico,
faço uma dança com as sobrancelhas para Effy. Ela solta outra risada aguda. — Vocês vão
morrer de inveja.
Minha amiga está prestes a responder quando a porta recebe batidas altas. Nós
sobressaltamos e Effy se levanta para abri-la.
De onde estou, tenho a visão perfeita de Bryan McCoy e Beverly Bryant de pé na
entrada. Empertigo o corpo e controlo a respiração, suprimo o aperto no peito e a sensação
de perda que acaba se apossando em mim.
— A gente ia sair pra tomar café, mas eu pensei que podíamos comer juntos.
— Nós já começamos a comer. — Effy aponta com o polegar por cima do ombro,
mostrando para Bryan.
— Será que tem espaço pra mais duas pessoas? — Beverly está sorrindo sobre a voz de
Bryan. Os cabelos estão úmidos e a bolsa de ombro pende na lateral do corpo. Ela fica na
ponta dos pés e, ao me ver, acena. Eu retribuo levantando a mão, mas logo ocupo minha
boca com outro pedaço de bolo.
— Ah. — Effy se vira nos calcanhares para trás, buscando por minha aprovação e, de
modo sutil, dou de ombros. — Tudo bem. Entra.
Assim que Bryan me vê, seu sorriso morre um pouco. Cruzo os braços na altura do peito
e me levanto.
— A mesa só tem três lugares, mas eu já terminei.
— Tudo bem, eu posso ficar no sofá, Mackenzie — Beverly propõe.
— Preciso tomar banho. É minha vez de contar o estoque de bebidas no Purple Ride.
Rumo em direção ao vestíbulo.
— Posso te levar, se quiser.
Viro a tempo de ver Bryan afastar as mãos do quadril de Beverly e as esconder no bolso
da jaqueta de couro.
— Fico pronta em quinze minutos — anuncio e volto a andar para o quarto.
Meu Deus, às vezes eu me sinto tão idiota!
Não.
O que me faz ter reações como essa é meu egoísmo. Não quero ficar com Bryan – ao
menos, não por enquanto –, mas também não quero vê-lo com outras garotas.

Faz um bom tempo que não visto uma de minhas meias arrastão. Então coloco uma saia
de brim justa, acima dos joelhos e com rasgos nos bolsos da frente. A tonalidade surrada se
contrasta com meu cropped de gola rolê verde-musgo. Calço as botas de cano baixo e saltos
medianos, prendo os cabelos em um coque firme e pesco a bolsa preta franzida transversal
em meio ao meu edredom bagunçado. Dou uma última espiada no quarto antes de pegar
minha jaqueta jeans pendurada no cabide atrás da porta.
Bryan está mexendo no celular, recostado à pilastra do corredor e a mão livre estocada
no bolso de sua calça jeans preta. Beverly e Effy estão em uma conversa animada, não ouso
atrapalhá-las ao atravessar pelo caixilho do corredor rumo para a porta do apartamento.
Bryan desfoca a atenção do celular e anda atrás de mim como uma sombra, esperando
que eu encontre meu molho de chaves em algum lugar dentro da gaveta da mesa de canto
que fica no hall de entrada.
Quando finalmente a acho, despeço-me de Effy e devolvo o aceno comedido de Bev
antes de passar pela soleira. E Bryan continua quieto, concentrado e muito relaxado para
alguém que apareceu antes das sete da manhã na casa de uma mulher.
— O que veio fazer tão cedo aqui? — Ele sobe os olhos azuis cristalinos em minha
direção. Bato o pé direito, impaciente, enquanto esperamos pelo elevador lento. Dobro os
braços e a jaqueta pende entre eles.
— Beverly me convidou pra tomar café. Ela vai trabalhar em uma lanchonete aqui perto,
sabia?
— Não sabia. Não somos tão próximas assim. — A porta do elevador se abre e sou a
primeira a me mover. Bryan guarda o celular no bolso da calça e aperta o botão do térreo.
O elevador leva quase uma eternidade para começar a se mover.
— Então, hoje é seu primeiro dia. Ela ficou um pouco nervosa e me ligou. — Recosta-se
no fundo, na parede de metal do elevador. Sua cabeça tomba até que seja amparada. Ele
fecha os olhos, respira fundo e afugenta as mãos mais uma vez na jaqueta.
Alguns hábitos nunca mudam, independentemente do quanto você pareça ter mudado
por dentro ou por fora. Certas coisas não saem de você. Assim como Bryan nunca saiu de
dentro do meu coração. Amá-lo pode ter se tornado um hábito para mim.
— Em que nível esse relacionamento tá?
Bryan abre os olhos. Uma nuvem densa de confusão sombreia seu rosto.
— É amizade ou é mais como o que você tem com a Faith?
— Desde que a gente resolveu que seríamos “amigos”, você faz essas perguntas
estranhas pra caralho. — Eleva as mãos no alto e faz aspas com os dedos. Fito seu corpo
imóvel, sua reação excêntrica e como nunca consigo decifrá-lo.
— Nós conversávamos sobre essas coisas o tempo todo no passado.
— É, Mackenzie. No passado.
— Se você diz. — Dou de ombros, assumo que preciso parar de fazer isso com a gente
ou nunca vai dar certo, mas, embora esteja tentando com todas as forças manter a língua
dentro da boca, não consigo. — Você sabe que a Beverly é uma suspeita, não sabe?
— Como assim uma suspeita?
As portas de metal se abrem e Bryan é o primeiro a sair. Ryde está debruçado sobre sua
bancada de porteiro, lendo um livro. Era para ser um trabalho de verão. Ficar plantado
aqui, abrindo a porta e fechando; recebendo pacotes dos correios e mantendo os jovens
universitários sob controle no prédio, mas esse prazo acabou sendo estendido para Ryde
com o adiamento das aulas na HU.
— É sério que vocês preferem pensar na Dannya como uma criminosa do que em
Beverly? — Bryan para de andar no instante em que insinuo que Beverly pode muito bem
ser a culpada. Seus olhos fixam em meu rosto, as íris agitadas saltando de um ponto do meu
rosto para outro. — O quê? Gravity fica chateada de pensar que todo mundo considera a
Danny uma possível culpada enquanto a Beverly é uma completa estranha! — Abro os
braços, aponto para o prédio prepotente atrás de nós e Bryan pega a chave em um dos
bolsos.
Ele volta a caminhar sem dizer nenhuma palavra. A pressão que ponho nele não é
suficiente para fazê-lo falar ou ao menos tentar fazê-lo pensar no assunto. Beverly é muito
mais suspeita que Dannya. Mesmo que ambas sejam estranhas para mim, Gravity não é.
Nós estamos bem perto de seu carro. Escuto o som do alarme e Bryan abre a porta do
motorista, assumindo seu lugar atrás do volante. Sento-me no banco do passageiro e coloco
a bolsa entre as pernas. Prendo um fio de cabelo que se soltou do coque atrás da orelha e
toco o lábio inferior com a ponta do indicador, sentindo minha boca seca.
— A gente pode tentar não brigar por que nossos amigos estão brigando? — Bryan
finalmente se pronuncia. Insere a chave na ignição e desaba no encosto do banco do
motorista. — Porque, caralho, já é ruim demais que eu seja um suspeito.
O contorno de sua boca enrijece. Por um segundo me esqueci de que não só Beverly
como Bryan, Dannya e Gravity estavam por perto e que todos eles são um suspeito em
potencial para a polícia. Vity me explicou sobre o assunto e como essa investigação pode se
estender por anos ou simplesmente ser arquivada por falta de provas.
— Desculpa, eu nem pensei por esse lado. A polícia te procurou?
— Ainda não, mas é só questão de tempo até que eu fique preso em um interrogatório
de novo. Aquele inferno — murmura, toca os cabelos e os bagunça com aspereza. — Se você
está tão curiosa pra saber sobre a Bev, é só me perguntar. Sem rodeios, beleza?
Anuo, concordando com ele.
Escuto duas batidas na janela do carro. Meu corpo sobressalta com o barulho ecoando e
elevo minha atenção para a pessoa atrás da porta.
Jev está sorrindo para mim, acenando com a mão direita e a esquerda segurando a
chave de um carro. Bryan se inclina por cima do freio de mão, querendo limpar sua visão.
Ele pisca algumas vezes, como se quisesse que seus olhos focassem melhor na silhueta
de Jev.
Pode ser minha impressão, mas sinto a respiração de Bryan contra meu pescoço se
tornar rarefeita.
— Jev? — sussurro seu nome e um sorriso contorna meu rosto.

“Toda vez que seus lábios tocarem outros
Eu quero que você me sinta
Eu quero que você me sinta
Toda vez que você dançar com alguém
Eu quero que você me sinta
Eu quero que você me sinta
E seus dias ficam um pouco mais longos?
Noites ficam um pouco mais frias?
Coração bate um pouco mais alto?
FEEL ME – SELENA GOMEZ

Suspendo a mão em direção à porta. Bryan curva o corpo sobre mim e envolve meu
pulso, parando-me. Eu o encaro pela fresta das pestanas, franzo o rosto em reprovação. A
respiração de Bryan é entrecortada, as pontas dos dedos longilíneos afundam em minha
pele e sob o toque consigo sentir o tremor deles.
— Eu o conheço. — Retorço o punho tentando escapar de seu toque; embora o aperto
suavize, Bryan não me solta. Minhas sobrancelhas entortam sobre a pressão que ele faz,
como se quisesse me prender dentro do carro. — Bryan. Eu conheço o Jev — repito,
arregalando os olhos. Sutilmente gesticulo o queixo para seus dedos em volta do meu pulso.
— Bryan. Me solta — peço enquanto pondero. Ele parece tão apavorado enquanto intercala
os olhos entre mim e Jev. Algo está acontecendo com ele. Existe pavor encobrindo sua
expressão e, pelos lábios entreabertos, noto os dentes rangerem.
Volto o olhar para Jev. Um pedido de desculpa incutido em minha expressão e torço
para ele que entenda.
— Conhece ele? — Bryan finalmente sai do transe. A expressão sombria que contorna
seu rosto acaba me deixando preocupada também. — Como? De onde?
— Bryan. — Procuro por Jev atrás do vidro. Ele se afastou alguns centímetros do carro,
nossos olhos se encontram quando busco por ele e, com um meneio sutil de cabeça, Jev se
afasta mais e mais, tornando-se apenas uma silhueta ambulante pelo estacionamento.
Fecho os olhos e solto o ar denso pela boca. — O que foi que deu em você? — Ele não tira os
olhos da direção para onde Jev foi. Acompanho, encarando o mesmo rumo. — Bryan! —
exclamo e seguro seu rosto, obrigando-o a olhar de volta para mim. — Que merda deu em
você?
Bryan sacode a cabeça, alguns fios de cabelo caem em seus olhos. A forma aérea com
que seu olhar permeia entre meu rosto e o caminho que Jev seguiu; a expressão soturna
que denuncia o pânico em seu semblante. Tudo fica ainda mais confuso quando ele solta
meu punho e joga a coluna contra o encosto do motorista. Fico dividida entre ir até Jev ou
ficar aqui com Bryan e entender o que acabou de acontecer.
Seus olhos voltam a foco. Vejo tudo em câmera lenta enquanto Bryan escancara a porta
do carro. Escuto o som pesado que o impacto de seus pés causa contra o chão do
estacionamento e suas pernas rumam para onde Jev desapareceu. Refaço seus passos; saio
do carro e corro atrás dele, tentando acompanhá-lo, embora tenha certeza de que não se
trata de pressa e sim necessidade.
— Ei! — escuto Bryan gritar e diminuo o passo quando Jev para, entretanto não se vira
para nós.
Assim que Jev e Bryan travam uma guerra com os olhos, alterno entre eles. Estou
resfolegando pela corrida curta e nem parece que sou bastante atlética.
— É bom te ver de novo, Bryan. — Jev esconde as mãos dentro dos bolsos do jeans e
Bryan franze o cenho. Minha cabeça automaticamente se vira para Jev. — Faz quanto
tempo? Dois anos? Menos? Mais? — Ele se aproxima, diminuindo a distância entre nós.
Bryan se põe entre mim e Jev, um gesto que até então, não tinha visto. Está sendo protetor.
— Eu ia te contar. — Ele entorta a cabeça e sei que está falando diretamente comigo.
— Me contar o quê? — incentivo-o a continuar falando.
— Que nós nos conhecemos. — Aponta para si e para Bryan. — Achei que imaginasse
que sim, já que nos conhecemos na festa do Ashton.
— Na festa do Ashton? — Bryan se volta para mim, em busca de respostas.
— A camiseta. Foi ele quem me emprestou. Então vocês se conhecem? — Continuo para
que Bryan não me interrompa, seu maxilar trava em resposta.
— Mais do que você imagina. Nossos pais são amigos, certo, Bryan?
— Nossa! — exclamo.
— Nos afastamos por um tempo. — Jev dá de ombros. — Travessias da vida, mas estou
de volta. Tentei te ligar.
— Estive ocupado — é tudo que Bryan responde. Desço os olhos por seu corpo rígido e
vejo os punhos cerrarem. — Por que você está aqui, Jev?
— É coincidência que a gente tenha se encontrado. Mackenzie e eu temos um encontro
hoje, quer dizer, se você ainda estiver disposta a sair comigo. — Ele estende a mão,
apontando para mim. Na verdade, não tenho certeza se quero sair com alguém que seja tão
próximo de Bryan assim. — Vou entender se quiser cancelar. — Volta a esconder as mãos
nos bolsos da calça.
Bryan está assustadoramente quieto agora. Ele não diz nada. Não me faz perguntas nem
demonstra estar feliz por rever um amigo antigo. O que quer que tenha acontecido entre
eles, parece intenso.
— Atende quando eu te ligar. — Jev sacode os ombros para Bryan. — Se me der uma
chance, vou te contar quando voltei.
— Espera um pouco. — Afasto o corpo de Bryan para impedir que Jev vá embora. —
Como é que vocês se conhecem há tanto tempo e eu não sabia nada sobre você?
— Quer contar pra ela, Bryan? — Jev enuncia, arqueando a sobrancelha grossa. — Eu
posso, se quiser.
Bryan e eu nos entreolhamos, ele parece querer e mesmo assim não diz nada.
— Não é uma história muito longa. Bryan me vendeu um Audi quando estava
trabalhando na loja de carros do Casey. Apesar de nossos pais serem amigos de longa data,
nós só nos aproximamos mesmo naquela época. Você pode me corrigir se eu estiver
esquecendo algum detalhe, Bryan. — Ele continua sem dizer nada. Jev dá mais um passo em
nossa direção. — A gente começou a sair e tudo o mais, mas ele nunca falou sobre você, é
por isso que eu não tinha certeza se vocês dois — tira uma das mãos do bolso e aponta com
indicador e médio para nós — se conheciam mesmo. Acho que é isso. Quer acrescentar
alguma coisa? — Encaro Bryan, que mantém a linha tênue dos lábios intacta enquanto
escuto Jev. — É toda a história. — Jev sorri satisfeito e aspira o ar. — Então, nosso encontro
ainda está de pé?
— Acho que sim — respondo, mas meus olhos estão compenetrados no silêncio
aborrecedor que Bryan se envolveu. Essa bolha não deixa que ele transmita nada. A
impassibilidade anuviando seu rosto me faz contorcer por dentro. — Te vejo mais tarde.
Jev estende a mão, acenando em despedida e Bryan permanece criando raízes no lugar.
Contorno seu corpo, paro diante dele e estalo os dedos na frente de seu rosto tentando
despertá-lo do torpor.
Bryan pisca algumas vezes e me encara.
— É por causa dele que você me deu o fora?
— O quê? Não! Não tem nada a ver. Não que seja da sua conta com quem eu saio ou
deixo de sair, mas Jev e eu não tínhamos combinado nada na sexta passada.
Bryan está pressionando os lábios com força extracorpórea. A linha deles em coloração
púrpura fica esbranquiçada.
— Não sai com ele.
Inclino a cabeça para trás, olhando-o espantada.
— Não sair com Jev? Por que não?
— Pelo mesmo motivo que você não ficou com Aidan. Porque você me ama.
— Você, como sempre, sendo presunçoso e agindo como se soubesse exatamente como
me sinto. — Cruzo os braços. Quero controlar a raiva que sinto de Bryan nesse momento,
porque estragar nossa grande evolução nas últimas vinte e quatro horas é tudo o que
menos quero. — Nós conversamos e resolvemos que seremos amigos. Amigos, Bryan —
reforço, comprimindo os lábios em uma careta.
— Mudei de ideia.
Pisco algumas vezes e jogo a cabeça para trás, espantada.
— Você podia ter dito isso ontem!
— Estava tentando ir pelo caminho mais lento, mas prefiro acabar de uma vez com isso.
Abro a boca em choque.
— Quer saber? — Levanto as mãos, me rendendo a esse jogo maluco que é estar com
Bryan. — Eu desisto. — Dou meia-volta, em direção ao carro. — Desisto de tentar me
aproximar de você!
— Mackenzie, espera.
— Você pode só admitir que ficou com ciúmes! — Eu me viro num rompante e ele para a
tempo de nossos corpos não colidirem. — Eu sinto isso o tempo todo com você. Todos os
dias uma garota diferente do seu lado. A cada show, uma garota diferente subindo no palco
e te dando mole. Eu queria fazer isso, Bryan. Ir devagar para não te machucar, para não me
machucar. Eu pensei que, se ficássemos juntos de cara, nós descobriríamos que nosso
relacionamento só funciona quando é assim: apagando fogo com gasolina! Fiquei com medo
de me entregar rápido para perceber que não funcionamos como um casal. Eu só queria…
— Fecho os olhos e abaixo a cabeça, suprimindo um suspiro. — Queria ter certeza de que
nós dois faríamos as escolhas certas dessa vez.
— E a porra da sua escolha é sair com Jev? — ele grita.
— Você não pode me julgar por eu estar aproveitando a minha vida!
— A culpa é dele! — Bryan aponta por cima do ombro. — A culpa é toda dele!
— Do que é que você tá falando? — Abaixo a voz, sinto meu coração maltratar meu
peito e as batidas se estenderem até meus tímpanos.
— Ele é o filho do Fuller. Era pra ele que eu fazia as entregas. As drogas. A arma. Era
tudo dele — Bryan fala depressa, atropelando todas as palavras e embolando a língua. —
Ele não voltou simplesmente pra Humperville. Mackenzie, ele estava preso. Eu o mandei pra
lá! Não sei o que ele quer, mas, acredite em mim, não é sair com você.
Minha boca escancara. Estou surpresa que Bryan tenha ido tão baixo.
— Você está me dizendo que um cara não sairia comigo por mim? Por favor, Bryan,
invente uma desculpa melhor que essa. Essa mentira não vai colar comigo! Está tentando
culpá-lo!
— Por que eu mentiria sobre isso? Por quê?
— Você já mentiu outras vezes. É por essa razão que estávamos tentando ser amigos.
Para reparar os erros. Reconquistar a confiança. Mas estou vendo que você não se importa
com nada disso. Você quer que eu viva nesse looping infinito de amar você e só você! Na
verdade — estendo o indicador quando vejo que vai me interromper —, você quer que eu
te ame porque, quando sentir qualquer carência emocional, é pra mim que você irá correr.
Você sabe que Beverly, Faith e todas as outras, apesar de te satisfazerem na cama, não te
amam.
— É o que você pensa? — brada, apertando as mãos ao lado do corpo em punho. — Que
eu corro pra você por que tenho a necessidade de me sentir amado? Que as vezes em que
tentei me aproximar foram por carência?
— Eu penso que você não suporta a ideia de me ver saindo com Jev.
— Sim, você tá certa! Eu não suporto!
— Mas pelos motivos errados! Você não quer que eu saia com ele porque não aceita
perder. — Empurro seu ombro com o indicador. — Se tudo o que você disse é verdade, por
que não falou na cara dele?
— Porra, você não percebeu? Ele estava me desafiando. Eu tentei te proteger!
— Então para de tentar. Todas as vezes que você tenta, você falha. — Bryan se afasta. Os
ombros caem para a frente e decido que essa discussão precisa acabar. — Não quero mais
conversar com você sobre isso. Não agora. — Coço a testa, sentindo-a doer. — Acho que
vou te magoar mais se continuarmos brigando. Preciso ir até o Purple Ride. — Dou as costas
para ele e continuo a andar em direção ao seu carro. Não espero que ele vá me dar uma
carona, mas preciso da minha bolsa.
Seguro a maçaneta e puxo a porta para trás, mas ela volta a se fechar antes que eu tenha
tempo de pegar a bolsa. Fecho os olhos, arquejando todo o ar de meus pulmões. Viro-me,
encostando o quadril no carro e cruzo os braços. Bryan tem os olhos cravados em mim.
— Você precisa me escutar. Eu estou fazendo o que prometi que faria. Não estou
mentindo nem escondendo nada! Meu pai pegou um dinheiro emprestado com o pai de Jev,
Fuller, e eles voltaram dois anos atrás para cobrar. Até então não sabia que o cara era
agiota ou em que tipo de merda estava me metendo quando prometi ao meu pai que faria
tudo que estivesse ao meu alcance para ajudá-lo a sair dessa! Mackenzie... — Ele apoia as
mãos no teto do carro, bloqueando qualquer escapatória. — Porra, olha pra mim! — ofega,
mordendo o lábio inferior. Abro os olhos e os ergo na altura dos seus. — Eu não estou
mentindo pra você!
Fecho a boca, segurando o suspiro.
— Confia em mim, só dessa vez. Estou implorando!
— Se o que você está me dizendo é verdade, não acredita que Jev possa ser tão inocente
nessa história como você? Não passou mesmo por sua cabeça que o pai dele pode ser o cara
por trás de tudo? — A minha defensiva faz com que os braços de Bryan caiam ao lado do
corpo. Não existe nenhuma barreira me impedindo de fugir, mesmo assim não me movo.
— Quer saber? Você tem toda razão. Já escutei coisas demais por hoje.
Quando Bryan e eu conseguimos concordar no assunto, nossos celulares tocam
simultaneamente. Pego o meu no bolso da frente da saia e Bryan faz o mesmo no de trás de
sua calça.
É Aidan.

Aidan: Meu pai voltou para o hospital. Houve um sangramento.

Nós nos encaramos.
A mensagem de Aidan nos tira da bolha onde passamos os últimos vinte minutos. As
coisas que disse que o magoaram não importam e a minha desconfiança cai por terra. Entro
no carro e Bryan também. Os planos de hoje parecem ter mudado de repente e não sei se
fico grata por isso ou preocupada por ter deixado a raiva vir à tona e explodir.
— Bryan…
— Eu sei o que você vai dizer. Que sente muito e toda essa merda que já estou cheio de
ouvir. Mas só pra deixar claro: você tá errada. Se quiser sair com a cidade inteira, não te
julgo. Você tem todo o direito. Nós dois não temos nada. Então para de me julgar também.
— Gira a chave na ignição. — Aidan precisa de nós agora, a gente fala sobre isso depois.
O ronco imperioso do motor me desarma. Não quero mais brigar. Toda vez faço isso;
deixo que a falta de confiança nos faça regredir, permito que o medo de me entregar ao que
sinto por Bryan seja maior e mais forte.

Gravity está deitada em cima do meu ombro direito. Eu me remexo no sofá da sala de
espera, tentando encontrar uma posição mais confortável sem que meus movimentos
atrapalhem seu sono.
Nós chegamos ao hospital quase juntas. Saltou do carro de Dannya às pressas e, assim
que nos topamos nas portas de correr do hospital, Vity não saiu mais de perto de mim.
Bryan está do outro lado da sala, conversando com Aidan. Não consigo desgrudar os
olhos deles. Tento ler os lábios que articulam em uma discussão que causaria especulações
em qualquer um, até mesmo Dannya que não está no seu melhor estado mental. Bryan
protege as mãos dentro dos bolsos da jaqueta de couro e gesticula com elas enquanto fala
mesmo que Aidan não possa vê-las.
Notei quase imediatamente o aspecto arroxeado no contorno dos olhos de Aidan. O
inchaço do rosto e as linhas rígidas que delineiam seu maxilar. Ele anda tenso. Perdendo
peso. E poderia dizer tranquilamente que não dorme uma noite inteira desde que seu pai
foi alvejado.
Bryan e eu estamos nos evitando. Ele saiu de seu carro rápido, deu um jeito de se
manter distante e não trocamos nem duas palavras nas últimas três horas em que estamos
aqui.
Houve um sangramento abundante na região do ombro e o médico explicou uma hora
atrás que os pontos estouraram devido ao esforço físico. Porém, nenhum deles sabia que
Darnell andava perambulando pela casa, fazendo ligações e passando noites em claro no
computador trabalhando, mesmo que Aidan tivesse garantido a ele que cuidaria de tudo,
como se fosse o próprio Darnell. É com essa atitude que me dou conta da falta de confiança
de Darnell no próprio filho. Ele não acredita que Aidan seja capaz de cuidar de tudo.
Willa também está aqui. Sentada com as pernas dobradas sob o corpo. Bailey ao seu
lado desde o minuto em que chegaram. As mãos de ambas entrelaçadas com força sobre as
coxas de Willa. Bailey também não parece ter dormido tanto nos últimos dias. Além de
estar mal-humorada, vejo as bolsas intensas abaixo das pestanas inferiores. A falta de sono
está enlouquecendo grande parte da família Lynch e transferindo toda a carga emocional
pesada para as pessoas em volta.
Gravity mexe as pernas dobradas e levanta a cabeça como se tivesse dormido por horas,
mas ela só se rendeu ao cansaço há quinze minutos. Alguns fios de cabelo se soltaram do
seu coque alto e se dá conta ao massagear as bochechas e senti-los sob a ponta dos dedos.
Vity prende as mechas atrás da orelha e estica os braços para cima, bocejando.
— Alguma notícia? — Willa eleva os olhos azulados para a voz sonolenta de Vity.
As duas não estão em um clima ruim como Gravity e Aidan. Willa nem cogita que a
madrasta tenha algum envolvimento com o que aconteceu. Isso só faz com que eu goste
mais dela.
— Ele tá sendo teimoso! — bufa, soprando a franja escura comprida que bloqueia sua
visão. — Não quer ficar em casa de repouso. O médico acha que devemos deixá-lo aqui até
que esteja totalmente recuperado para voltar ao trabalho. Ele se sentiria mais tranquilo se
Aidan aceitasse qualquer ajuda externa, como a de Dannya — ela fala mais alto que o
necessário e, quando Aidan pousa os olhos sobre nós, entendo que fez de propósito. Bryan
segue a direção para onde Aidan está olhando.
Por sorte, Aidan a ignora completamente. Suspiro ao jogar os ombros para trás e
descanso o pescoço no encosto. Agradeço que ele não tenha comprado essa discussão com
a irmã. Já chega de drama familiar. Estou exausta só de sentir o clima em que estão vivendo.
Gravity ameaça cair na provocação de Willa, mas aperto seu joelho com força.
— Aqui não. Se o Darnell souber que vocês estão em pé de guerra, só vai piorar tudo.
Fica calma.
Ela contrai o rosto, reprovando minha ação de me envolver.
— Effy deu notícias?
— Está no trabalho. O Purple Ride não é o único que contabiliza o estoque de bebidas às
sextas-feiras. — Um sorriso ameniza o contorno enrijecido da minha boca e Gravity retribui
sorrindo.
— Você e Bryan estão esquisitos. — Gravity se inclina para a frente, em direção à
garrafa d’água pela metade sobre a mesa de descanso entre os dois sofás de três lugares.
Willa, apesar de não estar mais tão atenta na conversa sobre Darnell, vira o rosto para
acompanhar o movimento de Vity. Assim que ela pega a água e desrosqueia a tampa, Willa
volta a prestar atenção à conversa com Bailey. — Aconteceu alguma coisa no caminho?
— Ele é o Bryan e eu sou eu — digo e tento esconder minha preocupação atrás de um
sorriso. — Estamos sempre brigando.
— Esse lance de amizade não vai dar certo entre vocês. — Gravity bebe toda a água da
garrafa em um único gole. — Ele não quer ser seu amigo e você também não quer ser amiga
dele. Se continuarem fazendo isso, quando estiverem prontos de verdade pra um
relacionamento, não sobrará nada no coração de vocês.
— Nós estamos com raiva agora. É só isso. Eu vou conversar com ele. Só quero esperar a
irritação passar.
— E por que é que você ficou irritada com ele, afinal?
Abro a boca para contar a Gravity, mas minha empatia por ela e toda a situação de sua
vida me trava. Não quero deixá-la preocupada ou estressada com os meus problemas. Só
quero que concentre toda a sua energia nos próprios problemas. Para resolvê-los, ela
precisa de toda a atenção nisso.
Meus lábios se desenham em um sorriso.
— Bryan e Beverly apareceram juntos no apartamento hoje. Acho que fiquei
incomodada. Foi só isso — finalizo a tempo de ver o médico de Darnell caminhando em
nossa direção. Dannya está com ele no quarto e, com certeza, pediu que o doutor viesse
trazer notícias. E torço para que sejam boas.
Os olhos do Dr. Tom Hoffman estão injetados de tranquilidade, portanto me sinto mais
aliviada. Ajusto a postura no sofá, Gravity e Willa se levantam, Aidan e Bryan ficam mais
próximos para ouvirem o que ele tem a dizer.
— Foi só um sangramento devido ao esforço físico constante dos últimos dois dias. Eu
recomendei repouso absoluto para ele, mas Darnell está relutante, então, como havia dito
mais cedo, seria bom que ele ficasse internado aqui por um tempo. Até que esteja
completamente recuperado para retornar ao trabalho administrando as boates. Os
estresses físico e emocional podem afetar a recuperação do Sr. Lynch. — Para o discurso e
meus olhos se projetam para os rostos preocupados na sala. Paro em Bryan, quando o
flagro me encarando. Nos entreolhamos por dois ou três segundos, mas voltamos a atenção
para o médico quando ele retoma: — O ideal seria que vocês não depositassem nele tantas
expectativas a respeito do trabalho. O que nós queríamos era que Darnell se desligasse de
seu trabalho no momento e se concentrasse em recuperar suas forças, mas o homem é
teimoso. Vocês, amigos e familiares, devem saber. — Abre os braços, apontando para nós.
— Para deixá-lo mais tranquilo, é melhor que não tentem eliminar a participação de
Darnell nos negócios. Deixem-no saber que ainda está no comando, mesmo que não seja
fisicamente. Mostrem que, apesar do distanciamento, ele não está perdendo os lucros nem
deixando seus colaboradores à mercê. Quem quer que esteja cuidando de tudo, enquanto
Darnell passa por esse momento delicado, precisa parar de tentar exilá-lo dos negócios. —
Nossos rostos se viram rapidamente para Aidan, que abaixa a cabeça, envergonhado. O
médico acaba de descobrir que é Aidan quem está tomando conta de tudo. — Conheço seu
pai desde que se mudaram para Humperville. Entendo que sua preocupação é a
recuperação dele e que acha que a melhor forma de tratá-lo é o forçando a ficar longe de
tudo, mas eu vejo que cada paciente tem seu tempo e momento. Obrigá-lo a sair do que lhe
dá energia para viver é como tirar o ar de seus pulmões. Então tente não ser tão duro com
ele e consigo mesmo, certo? — O doutor finaliza apertando o ombro de Aidan. As bochechas
criam um leve rubor, o médico se afasta e o silêncio nos engloba.
— Você não é o Darnell, Aidan. — Gravity cruza os braços e eu, que estava sentada até o
momento, levanto-me. Prometi que a apoiaria sem me envolver na briga dos dois, mas
estamos no hospital e não quero que façam uma cena. — Nunca será. Então para de tentar.
— É melhor você fechar o bico, Gravity — Aidan devolve, movendo a cabeça de um lado
para o outro em negação. — Estou fazendo tudo o que posso para evitar que o que
aconteceu se repita. Isso significa manter você e Dannya bem longe da minha família.
Duas coisas simultâneas acontecem no instante em que as palavras de Aidan atingem o
mais fundo do coração de Gravity: o estalo da sua mão contra o rosto de Aidan
reverberando pela sala tão alto, que posso sentir meus tímpanos vibrarem e o grito agudo
de Willa retumbando entre o nosso círculo.
Aidan leva a mão aberta em direção ao rosto. O vergão e a marca dos dedos de Gravity
estão do lado direito de seu rosto, criando contraste em sua pele, e a cabeça virada ao
contrário deixa a vermelhidão mais exposta para mim.
Seguro-a pelo cotovelo porque tenho certeza de que será capaz de partir para cima dele.
Gravity guarda seus sentimentos até que ela perde o controle deles. Sei que Aidan não
revidaria fisicamente, mas ter um bom coração não refrearia suas palavras.
— Quem decide se Danny é ou não a pessoa certa para Darnell, é o próprio Darnell. Você
age como uma criança mimada. Não aceita que seu pai está tentando seguir em frente,
porque você não consegue. Está projetando todas as suas frustrações para cima de mim e
dela, Aidan. Eu tive muita paciência até agora. Tentei entender sua raiva, mas quer saber?
Ela não tem o menor sentido. A sua mãe não vai voltar para te colocar pra dormir, supera
isso e para de tentar fazer da vida de todo mundo um inferno!
— Eu quero que você saia da minha casa hoje! — Aidan brada, porém não grita. Ele
mantém a voz pétrea e controlada. — Não passo mais uma noite sob o mesmo teto que
você.
— Você não tem poder sobre isso também. Se Darnell me pedir para sair, eu saio. Mas,
enquanto a casa for dele e não sua, continuo lá.
Aidan aperta os lábios, controlando a raiva. Gravity consegue tirá-lo do sério.
Ele dá um passo à frente, afrontando-a.
— É, mas sobre uma coisa eu tenho poder. — Ele faz uma pausa. — Você está demitida
do Purple Ride.
Gravity murcha os ombros e o queixo desaba. Passo o braço por cima de seus ombros e
a puxo para perto.
— Você tem vinte e quatro horas para ir até a boate e retirar todas as suas coisas.
Assinar os papéis e devolver o uniforme.
Aidan não diz mais nada, assim como Gravity. Willa assiste tudo em completo silêncio,
entretanto, conhecendo-a como conheço, não ficaria quieta se não apoiasse o irmão. O fato
de Gravity ter o agredido, pode ter colocado Willa contra ela nessa briga.
Ele caminha para o corredor e aperta o botão do elevador. Tenho certeza de que vai
visitar o pai em um dos apartamentos particulares do hospital. Aidan está tão decidido em
sua decisão que não vacila; ele sequer olha para trás. Bryan leva só alguns segundos para se
decidir se vai ou não atrás dele e, no fim, corre a tempo de alcançar o elevador aberto.

Como sempre, o Purple Ride na sexta-feira está lotado. Não consigo contabilizar quantas
vezes corri para as mesas vinte e um, vinte e três e vinte e sete. Effy conseguiu uma folga
com Jack para ajudar a servir algumas mesas comigo hoje no Purple Ride, mas, como Jack e
Darnell são rivais nos negócios, ela fez Aidan assinar um contrato de confidencialidade
sobre seu bico na noite de hoje.
A experiência de Effy em servir bebidas é muito boa e não quero compará-la com
Gravity, que era uma funcionária um tanto quanto preguiçosa. Effy não tem medo do
trabalho. Não importa quantos comentários escrotos ela escute na noite ou quantos
clientes insatisfeitos com a temperatura das bebidas, ela não perde a postura – mais uma
vez, o oposto de Gravity, que sempre que escutava uma reclamação explodia.
Aidan não voltou atrás a respeito da demissão de Gravity e não sei o que Darnell pensou
quando lhe contou o que havia acontecido entre eles hoje no hospital, mas quando cheguei
no apartamento, depois de fazer uma parada na casa dos meus pais para ver como anda o
clima por lá – nada fora do comum, embora a última briga deles na minha frente tenha sido
tensa –, voltei para o apartamento e topei com Gravity lavando suas roupas. Perguntei se
tinha acontecido alguma coisa, mas ela não quis responder. Ser amiga de Gravity é ser
paciente. Esperar o momento certo para que ela se abra. E você não pode pressioná-la. Se
fizer, ela dará um jeito de nunca mais ter que olhar para você de novo. Portanto, terminei
de me arrumar para o trabalho e quando saí, ela estava jogada no sofá assistindo aos
episódios de Friends, na Netflix.
Faltam vinte minutos para a minha pausa de uma hora. Jev ainda não mandou
mensagem e pensei a respeito da minha briga com Bryan.
Eu quem sugeri sermos amigos. Fui eu quem começou toda essa história quando ele não
pretendia. O novo Bryan é objetivo. Ele não faz promessas que não é capaz de cumprir. Se
disse que iria se esforçar para dar certo, é porque ele iria. Mas, na primeira oportunidade,
desconfiei dele e disse coisas movida à raiva que, se fosse Bryan me dizendo, não
conseguiria perdoá-lo. Quando me lembro de que disse a ele que nenhuma mulher seria
capaz de amá-lo quero bater com a minha cabeça contra a parede até que suma para
sempre da minha mente, mas esse é o tipo de problema que preciso enfrentar sem fugir.
Por isso decido que Bryan merece o benefício da dúvida. Ele pode estar certo sobre Jev, mas
não sei até que ponto.
Naquela época, tudo foi perturbador para nós dois. Não demos a chance de nos
explicarmos e duvido que Jev tenha recebido a oportunidade de se defender sobre o que
aconteceu.
Sempre que um novo cliente entra no Tour Trip, as luzes do elevador mudam de cor. É
assim que sabemos que precisamos ficar mais atentas ao iPad porque, a qualquer minuto, a
mesa ocupada pode chamar. Meus olhos se elevam para o elevador no instante em que o
lilás sutil muda para o rosa claro e não consigo desviar minha atenção quando vejo Bryan
segurando a mão de Beverly e a guiando pelo aglomerado de pessoas em pé curtindo a
música de SoMo, Ride.
Vê-lo com Beverly é diferente de vê-lo com Faith, porque com Faith eu tenho certeza de
suas intenções, mas com Beverly é diferente. O modo como ele a olha é diferente. Se parece
com o modo que Bryan costumava a olhar para mim antes de nos tornarmos uma mescla de
brigas e arrependimentos. Com ela, eu sinto que Bryan quer ser diferente. E não foi só pelo
olhar que notei.
Bryan nunca andou com Faith de mãos dadas por aí. Nem com qualquer outra mulher
que já o vi junto.
Bryan nunca segurou nenhuma garota pela cintura além de mim, como se quisesse
protegê-la do mundo.
E dói. Dói pra caralho ter noção de que as coisas estão mudando. Não só entre nós, mas
pelo modo como ele vem olhando para relacionamentos.
Meu iPad toca e o número trinta e um aparece escancarado na tela. Estou olhando para
eles, bem próximos do elevador. Eles estão rindo. Fazendo piadas e meu estômago se
afunda em enjoo. Não quero ir até lá e ser fraca, mostrar a vulnerabilidade que tenho
sempre que estou a um passo de perdê-lo de novo.
Olho para o lado em busca de Effy, querendo ajuda, mas ela está ocupada preparando
um sexy on the beach.
Respiro fundo, inflo o peito e caminho para aquela direção com autoconfiança. Tudo que
eu queria era que a The Reckless não tivesse cancelado o show no Purple Ride esta noite. Se
não tivessem cancelado, ele não estaria aqui nesse momento. Muito menos Beverly. Bryan
leva a sério seu trabalho com a banda e não ficaria com ela enquanto o show não estivesse
feito.
— Oi. — Paro ao lado da mesa, forço meu melhor sorriso, mas o de Bryan desaparece
quando percebe que serei a hostess deles hoje. Beverly joga uma mecha longa de seu cabelo
para trás, afastando-a do ombro e cruza as mãos sobre a mesa. Ela também fica sem graça,
mas continua com o sorriso no rosto. — Hum, o que vocês vão querer beber? — Jogo os
ombros para trás, afastando os cabelos que incomodam a base do meu pescoço.
— Margarita. — Beverly balança os ombros como se estivesse dançando a música.
Bryan sorri para ela.
— Quero uma cerveja.
Assinto e confiro o horário em meu relógio de pulso. Dez minutos para o meu intervalo.
Vou para detrás do balcão. Preparo a margarita de Beverly e pego uma cerveja no
freezer. Effy volta com sua bandeja de prata sob o braço.
— É a Beverly e o Bryan ali? — Gesticula com o queixo para a mesa trinta e um.
— Sim.
— E você os atendeu?
— Eu não tive escolha. — É o segundo sorriso que forço esta noite. Effy me encara,
curiosa, e volta a olhar para Bryan e Beverly. — Faltam dez minutos para o meu intervalo.
Vou deixar as bebidas e sair.
— Pode ir. Eu te dou essa força hoje. — Effy envia uma piscadela para mim enquanto
equilibra a margarita e a cerveja sobre sua bandeja.
— Você é meu anjo da guarda.
— Sempre fui. Só que você nunca percebeu — ela ri e caminha em direção à mesa de
Bryan.
Ele olha para mim, mas ajo como se não estivesse prestando atenção. Effy conversa e ri
com Beverly enquanto deposita seu drinque na mesa. Ela pergunta algo para Bryan e
finalmente sinto seus olhos irem para outro lugar. Aproveito o momento para pegar meu
celular no armário sob a bancada.
Passo por eles sem olhar para o lado e torço para que Bryan não perceba. Assim que as
portas do elevador se abrem, dou de cara com Murphy.
— Oi, gata. — Ela joga o cabelo vermelho para trás, afastando-os.
— O que está fazendo aqui? — Sorrio ao entrar e Murphy bloqueia as portas para me
dar passagem.
— Soube que você tem um encontro. Gravity me pediu para te cobrir pelo resto da
noite.
— Gravity? — indago, surpresa.
— Sim.
Não me lembro de ter contado a Vity sobre meu encontro com Jev, mas contei para Effy
e elas podem ter trocado essa informação.
— Não vai te atrapalhar no Tour Heaven?
— As coisas estão tranquilas por lá hoje, acredite se quiser. — Murphy pisca para mim e
acena, virando-se para entrar no Tour Trip. — Ah, divirta-se! Você merece um grande
encontro.
— Valeu, Murphy!
Ela deixa as portas se fecharem. Passo na sala de descanso para pegar minhas coisas e
levo mais cinco minutos para conseguir sair do Purple Ride.
Despeço-me dos dois seguranças grandalhões na porta e acaricio meus braços nus, em
busca de calor para inibir o vento frio da meia-noite. Pego o celular e ainda não tenho
nenhuma mensagem de Jev, aproveito que estou com ele na mão e envio uma mensagem de
texto para Gravity:

Mack: Obrigada por convencer Murphy a me cobrir no Purple Ride hoje. Te devo uma.

Vity não responde, então guardo o celular na bolsa. Fico trocando o peso do corpo entre
as pernas e batucando o pé direito contra o passeio. Olho mais uma vez para meu relógio, já
faz dez minutos que estou aqui.
Jev sabe que meu intervalo começa à meia-noite, começo a pensar que não vai aparecer
até que dois faróis piscam, cegando-me. Faço uma ponte com a mão direita sobre a testa,
tento bloquear a luz clara e vejo um Audi preto sendo estacionado de maneira
perpendicular ao meio-fio.
Ele sai do carro, ajeitando um blazer social preto e passando a mão pelo jeans que está
vestindo. A barba e os cabelos escuros estão molhados. Quando o vejo, um sorriso sincero
acaba se desenhando em meu rosto. Fica próximo o suficiente para que eu sinta o perfume
masculino marcante. Coço o nariz e o sinto arder por dentro. Tento controlar o espirro, mas
ele sai mesmo assim.
Jev ri.
— Meu perfume te causa alergia — afirma, balançando a cabeça. — Minha primeira bola
fora da noite. — Fungo, negando com a cabeça. — Na próxima, eu abuso só na loção pós-
barba, eu prometo! — exclama, levantando o indicador e médio na altura da cabeça.
— Tudo bem. — Esfrego o nariz e acabo espirrando de novo. Jev tira um lenço de dentro
do bolso do blazer e o entrega para mim. — Você anda por aí com um lenço no bolso, é?
— Precauções. — Dá de ombros, com a mão direita abre a porta do passageiro para que
eu entre.
Olho para ele agradecida.
Quero acreditar em Bryan. Quero muito que tudo que disse não esteja ligado ao fato de
Bryan não querer que eu saia com outros homens, como ele sai com outras mulheres. Mas
Jev não tem ações ruins nem demonstra qualquer ressentimento com Bryan.
Me acomodo no banco do passageiro. Enxugo o nariz com o lenço de Jev e o vejo
atravessar a frente do carro às pressas. Meu celular vibra. Eu o pego e vejo o nome de
Gravity na tela. Decido desligar o celular, não quero ser incomodada hoje.
— Então, que horas preciso te trazer de volta mesmo? À uma?
— Na verdade, alguém vai me cobrir. Não preciso voltar mais por hoje.
Jev e eu sorrimos um para o outro. Mesmo que seja nosso primeiro encontro e a
primeira vez que estamos conversando de verdade, é como se já tivéssemos feito isso
outras vezes. É a sensação que tenho.
— Nossa! — Jev liga o carro e solta o ar com força pela boca. — Você quer ir a um lugar
em especial ou posso improvisar? Preciso te confessar uma coisa — pigarreia para limpar a
garganta, coça o nariz e se inclina para ficar de frente para mim. — Não planejei nada. A
verdade é que nunca tive um encontro antes, quer dizer, já estive com outras mulheres e
tudo o mais, mas não saí em um encontro.
— Posso confessar uma coisa também?
Ele acena, assentindo.
— Eu também não. Se você improvisar, tenho certeza de que vamos nos sair bem.
Dou uma gargalhada e, como já me sinto à vontade, levanto a mão para ligar o som. Um
pen drive está plugado no aparelho e, instantaneamente, Bad Liar ressoa pelo carro. A voz
de Bryan invade minha mente, levando-me de volta para o dia em que cantou essa música
para mim. Engulo em seco encarando a tela do aparelho, chocada que, até mesmo no meu
primeiro encontro, Bryan dá um jeito de estar por perto.
— Não gosta de Imagine Dragons? — Jev questiona. Ele engata a marcha e sai do lugar.
— Eu adoro. É só essa música.
— O que tem? É uma das minhas favoritas.
— É a minha favorita deles.

“Essa é a minha música de luta
Música para recuperar a minha vida
A música para provar que estou bem
Meus poderes ligaram
À partir de agora vou ser forte
Eu vou tocar minha música de luta
E eu realmente não me importo
Se ninguém mais acredita
Porque eu ainda tenho
Muita força sobrando dentro de mim”
FIGHT SONG – RACHEL PLATTEN

Quando Jev disse que iria improvisar, não pensei que acabaríamos sentados no sofá de
seu apartamento; eu tomando uma taça de vinho e ele com uma garrafa de cerveja em uma
das mãos.
Conversar com Jev é fácil. Ele se aprofunda nos assuntos e não desvia do foco. Prometeu
que, apesar de termos acabado em um encontro menos formal e pedindo uma pizza, em
uma próxima vez ele cozinharia o melhor macarrão com queijo que já comi em toda a
minha vida.
Decido confiar nele. Jev tem uma autoconfiança em si próprio inabalável e toda vez que
tentei me desmerecer pelos erros que cometi, ele tratou de me corrigir.
Jev não acha que as pessoas devem ser julgadas por erros que cometeram no passado,
ainda mais quando, em meu caso, há dois anos, muita coisa mudou e eu também.
Hate Me, de Ellie Goulding e Juice, está tocando na tevê. Nós colocamos uma playlist
aleatória das músicas de 2019 no YouTube e sincronizamos seu celular com a televisão.
Embora o apartamento de Jev seja exatamente igual ao nosso, não tem tantos móveis e
eletrodomésticos.
Na verdade, ele não tem uma geladeira, apenas um refrigerador pequeno e um micro-
ondas que não caberia nem meia porção de comida congelada. O sofá de dois lugares, uma
mesinha de apoio no centro e a tevê são as únicas coisas que ocupam espaço na sala.
Quando pergunto o motivo, Jev conta que é porque ele passa mais tempo na revista local
onde trabalha, a Font News Humperville, como fotógrafo, que não sobra tempo para ficar em
casa. Ele basicamente só está aqui para dormir. Sai às sete da manhã e volta às oito da noite
e já devorou toda a comida que a revista disponibiliza para os funcionários.
— E será que lá eles estão aceitando estagiários? — Beberico um gole de vinho, estalo a
língua no céu da boca apreciando o sabor. — Estou pensando… não quero trabalhar no
Purple Ride para sempre. O Darnell foi incrível ao me contratar quando eu mais precisava,
mas vou fazer jornalismo, quero ter acesso à informação.
— Eu não tenho certeza disso, como sou fotógrafo, não passo tanto tempo dentro da
empresa, mas posso dar uma olhada. — Jev abocanha o gargalo de sua garrafa e joga a
cabeça para trás, engolindo com sede a cerveja. — Acho que posso conseguir. — Limpa a
boca com o dorso da mão e deixa a garrafa de lado, e entorta o corpo para alcançar a alça do
refrigerador. Ele pega uma nova cerveja.
— Qual é a sua história? Você morou em Humperville por um tempo? — Estou tentando
descobrir alguma coisa sobre Jev. Algo que prove que Bryan está certo, mas tudo que diz é
coerente e não se parece em nada com a personalidade enfadonha que Bryan me
descreveu.
— Sim, dois anos atrás resolvi tentar a vida em Humperville. Antes disso você precisa
saber, meu pai se formou em medicina, exerceu por algum tempo e depois comprou uma
parte do hospital onde trabalhava, em Dashdown. Mas ele nunca foi bom em administrar o
dinheiro e, como éramos só nós dois, eu sempre acabava lesado pela falta de controle dele.
— E veio para cá por quê? — Prendo a borda da taça entre os lábios. Jev não parece
ofendido com a minha curiosidade, então estou arriscando perguntas mais pessoais. Espero
vê-lo ficar desconfortável, mas ele não fica.
— É complicado. — Jev coça a sobrancelha com o dedo médio e desliza um pouco mais
no sofá. — Não sei o que o Bryan te contou — sinto meu corpo ficar tenso no instante em
que o nome do Bryan é introduzido na conversa —, mas seja lá o que for, pode me
perguntar logo. — Ele é tão controlado, como se nada no mundo fosse capaz de tirá-lo do
sério.
— Acho que você poderia ficar desapontado se eu te contasse.
— Mackenzie, depois de tudo que vivi com meu pai, acredite em mim, nada mais me
desaponta.
— Por onde você esteve nos dois anos?
— Na reabilitação. — Meu corpo enrijece com a resposta. Toda a minha coluna cria uma
postura pétrea. — Deixa eu adivinhar. Bryan disse que eu estava na cadeia.
— Disse.
— Bryan sempre tentando me ferrar. — Jev gargalha e balança a cabeça, em negação.
Não gosto do tom que ele usa ao se referir a Bryan. — Tive que fazer coisas das quais não
me orgulho por causa das dívidas do meu pai, Mackenzie. Queria conseguir te contar tudo
pelo que passei sem me envergonhar disso depois. Não vou te julgar se quiser acreditar em
Bryan. Ele é seu amigo. Se fosse ao contrário, se estivesse no seu lugar, também ficaria
confuso.
Afundo os dentes no lábio inferior e o puxo, sugando-o.
— E a sua mãe?
— Não sei por onde ela anda. Acho que se cansou do meu pai e se mandou. Não faz tanto
tempo assim, eu tinha dezessete anos. Depois que saiu pela porta da frente, nunca mais
olhou para trás. Essa tem sido a minha vida e ela já foi melhor, eu te garanto.
— Sinto muito, Jev.
— Não sinta. Não vale a pena. Nem por ela, nem por mim. Tem mais alguma coisa que
você queira saber?
Quero perguntar a Jev sobre as drogas, mas uma conversa leve e divertida se tornou
pesada. Ele fica me encarando como se soubesse o que estou pensando e fico mais nervosa.
— Ele te falou, não foi?
— O quê?
— Das drogas.
Instalo a língua no céu da boca.
— Eu te disse que fiz coisas das quais não me orgulho. Me envolvi com gente da pesada
e provei do vício, por esse motivo que passei dois anos na reabilitação.
— Então você é mesmo o filho do Fuller? — Minha voz sai arrastada. Deixo a taça de
vinho na mesa de centro e, se a resposta dele for sim, estou pronta para ir embora. Jev
repete meu ato e deixa sua cerveja de lado também. — Você me conhecia quando nos
esbarramos na festa do Ashton?
— Sim, sou filho dele. E não, não te conhecia. Não sabia que você e Bryan eram tão
próximos. Você estava na festa do Ashton então sim, eu suspeitei, mas não te convidei pra
sair por causa do Bryan.
— Por quê?
Jev não responde.
— Por que me convidou? Qual foi o real motivo?
Jev coça a barba e apoia os cotovelos nas coxas.
— Não sei. Eu gostei de você assim que te vi sair do carro naquela festa. Nós nos
esbarramos em seguida. Tudo foi coincidência, eu juro. — Jev levanta a mão no ar em
juramento.
Reparo em seu queixo onde a barba é mais volumosa e todo o contorno de seu rosto
sério. Ele tem um piercing pequeno no nariz, sobrancelhas e cílios densos. Os olhos são
miúdos e sombreados por um toque de mistério. Pego minha taça de vinho e a viro em um
único gole, terminando a bebida. Aliso a saia de couro – não acredito que saí para um
encontro usando meu uniforme do Purple Ride – e deposito a taça no revestimento da mesa
de apoio.
— Posso te servir mais? — Indica, gesticulando com o queixo fino para a taça.
— Não — junto à resposta, faço um movimento negativo com a cabeça. Nem mesmo
hesito. É melhor que eu pare de beber antes que minha dignidade caia por terra, após a
segunda taça. — Quero só suco ou água. — Abro um sorriso e torço para que ele entenda.
Não é que esteja sendo injusta, mas estou na casa de um homem que possivelmente
ferrou com a vida de Bryan e, se o que Bryan me contou é tudo verdade, Jev tem muitos
motivos para querer se vingar dele. Só quero ter certeza de que eu não seja um alvo.
Jev vai em direção à geladeira, lava minha taça e a reabastece com suco de laranja.
— Desculpa. Água e suco de laranja é tudo que eu tenho na geladeira pra beber — ele ri
e sinto o desconforto permeando em sua voz. — Como você e Bryan ficaram tão próximos?
— Volta e estende a taça para mim. Eu a pego e dou um gole no suco. O ácido da laranja
quebra o álcool do vinho.
— Ele nunca falou sobre mim?
— Não.
Há dois minutos estava prestes a me levantar e ir embora, mas alguma coisa a respeito
de Jev faz com que eu fique presa a ele. O charme natural que esbanja ao falar ou como me
trata pode ser um fator de peso máximo na minha decisão de ficar.
Bryan não me contou sobre os problemas que Jev teve com o pai – talvez ainda tenha –
e, com certeza, ele não se deu ao trabalho de perguntar. Ainda estou confusa. Uma parte de
mim quer sair daqui e ficar com raiva de Jev por Bryan; mas a outra parte, a que acredita
que, assim como Bryan e eu tivemos uma segunda chance, quer dá-la também a Jev.
Minha cabeça diz para ir embora e meu coração acha que pode haver mais coisas na
história que Bryan nunca teria coragem de me contar.
— Bryan e eu nos conhecemos no colégio. — Cruzo a perna direita sobre a esquerda,
desço a saia de couro quando noto que Jev desviou o foco de sua atenção para as minhas
pernas. Embora esteja usando a meia arrastão, fico desconfortável com o jeito com que me
olha. — Ele namorou minha melhor amiga por um tempo e, depois, tanta merda aconteceu,
que acabamos nos tornando tipo, melhores amigos. — Nem me dou conta de que estou
rindo enquanto conto a Jev sobre a minha melhor época com Bryan. — Preciso confessar
uma coisa, Jev.
— Não sou padre, mas prometo não te julgar — ele ri, une as mãos entre as pernas e
espera ansioso.
— Estou cogitando ir embora. — O sorriso dele murcha no instante em que seu cérebro
absorve minhas palavras. — Você é um cara legal, de verdade. Se você não tivesse me
contado, não teria acreditado em Bryan. — Esvazio a taça de suco em um gole longo. Inflo
as bochechas com o líquido e engulo. — Mas a minha parte racional está gritando que estar
aqui com você agora é muito errado e injusto. Eu já traí o Bryan uma vez, não quero
cometer o mesmo erro.
— Tem certeza de que quer ir embora?
— Não sei. Ainda estou me decidindo. — Mordo o lábio inferior, balanço o pé direito de
um lado para o outro. Jev se inclina, tira a taça de minha mão e consegue mais espaço para
se aproximar. Prendo o ar nos pulmões.
— Tem alguma coisa que eu possa fazer para que mude de ideia? — Sinto o toque
quente da ponta de seu dedo contra a pele da minha coxa coberta pela meia-calça. — É uma
merda que meu passado esteja sempre dando um jeito de definir meu futuro. Não importa
o que eu faça. Quantas vezes eu acerte, a confiança quebrada é como um coração partido.
Não dá para restaurar com toda essa facilidade. Eu entendo. — Meus olhos seguem
apreensivos enquanto Jev percorre com a ponta da língua todo o contorno de seu lábio
inferior.
— É muito confuso pra mim, desculpa. — Afasto sua mão e reclino meu corpo para trás.
— Você ainda está fazendo isso?
— Vendendo drogas? — Jev se afasta também, descarrega a coluna contra o encosto. Ele
cruza as mãos na nuca, apoia a cabeça sobre o encosto e estica os pés para debaixo da mesa
de modo desleixado. Faço que sim com a cabeça e torço para que veja. — Não. Já não faço
isso há muito tempo. Bryan não era o único odiando aquilo. Eu também estava naquela
porque precisava. Não era como se eu quisesse.
— Como assim? — Resvalo a cabeça no encosto, girando-a para olhá-lo.
— Eu não tinha dinheiro. Sabe quando só te resta opções das quais você não vai se
orgulhar da escolha no futuro?
Confirmo para que ele saiba que estou entendendo.
— Porra, que conversa pesada pra um primeiro encontro! — Ele cobre a testa com o
antebraço e chuta de leve o pé da mesa.
Encaro com atenção cada reação que ele tem. Estou esperando que exploda por estar
tocando em seus pontos mais sensíveis, buscando um traço do cara que Bryan considera
culpado, mas tudo que vejo é um cara de vinte e quatro anos assustado e com medo de sair
da concha do seu passado pelo julgamento precipitado.
Ele tem toda razão quando diz ser um assunto delicado e pessoal demais para um
primeiro encontro. Porém, Bryan plantou a semente da dúvida em mim e não consigo
deixar para lá. Só vou ficar à vontade com Jev quando tiver certeza de que pode ser uma
pessoa confiável. Sei que não acontecerá no primeiro encontro e talvez não aconteça no
segundo ou terceiro, mas, se estou disposta a conhecê-lo, preciso calçar meus sapatos de
guerra para atravessar o campo minado.
— Eu quero confiar em você, Jev. Mas não vai acontecer no primeiro encontro, sinto
muito.
— Imaginei. Então eu devo cancelar a pizza?
— Não — nego de pronto, sacudindo a cabeça. — Vou ficar mais um pouco, quero te dar
a chance de mudar a imagem distorcida que Bryan colocou em minha cabeça sobre você.
O sorriso de Jev se alarga e meu coração derrete um pouco. Ele sorri como uma criança
que está prestes a ganhar aquele presente de Natal que passou o ano todo pedindo para os
pais.
In My Mind, de Dynoro, toca em nossa playlist particular. Jev cantarola, ilustrando com
movimentos das mãos a letra da música; ele coloca o indicador contra a têmpora quando a
frase ressoa: In my mind, in my head this is where we call came from. The dreams we have,
the love we share, this is what we’re waiting for.
Acabo rindo porque sua animação inflou quando disse que estava disposta a conhecê-lo.
Nós conversamos sobre nossas vidas.
Exceto pelo passado, Jev é um cara normal e com sonhos reais. Ele tem vinte e quatro
anos e mentalmente faço as contas; ele tinha vinte e dois quando foi para a reabilitação.
Descubro que Jev não trabalha na revista há muito tempo, começou lá poucas semanas
antes de se mudar para esse prédio. Seu sonho desde criança era se formar em engenharia,
mas o pai tinha planos de que o filho seguisse a mesma carreira e cursasse medicina. Houve
muitas discussões, Jev conta. E chegaram ao ponto de não conseguirem mais viver sob o
mesmo teto. O Sr. Adams o deserdou e, desde que se afastou do pai, tem se virado sozinho
financeiramente.
A vida de Jev não é menos complicada que a minha ou de Bryan. Não noto alteração em
sua entonação de voz e ele não vacila ao falar sobre seu pai. Ele é tão convicto sobre tudo
que, mais uma vez, não consigo enxergar nele alguém ruim.
Jev me pergunta por que escolhi jornalismo e explico que sempre preferi lidar com
problemas que não são meus.
Quando a pizza finalmente chega, estou me sentindo cansada e provavelmente não
aguente mais trinta minutos com os olhos abertos.
— Quer assistir algo na Netflix? — pergunta, tirando um pedaço de pizza da caixa e
entregando a mim.
— Acho que não aguento muito tempo, estou exausta. — Jogo a cabeça para trás e abro
a boca relutante para mastigar o pedaço de pizza.
Um suspiro escapa de mim e entorto a cabeça a tempo de vê-lo indo para a cozinha e
servindo mais suco em minha taça. Assim que volta, ele tira da playlist e começa a zapear
com o controle pelo catálogo da Netflix. Tomo um gole do suco, sinto as pálpebras pesarem
e fico aliviada quando Jev anuncia que finalmente escolheu o programa: Friends.
Acabo rindo. Ele e Gravity se entenderiam bem, pois ela ama Friends e recebo muitos
insultos quando digo que ainda não passei do quinto episódio da terceira temporada.
Pisco pesado e Jev ri de alguma piada da série. Ele ainda está comendo, tento prestar
atenção nos comentários aleatórios que faz, mas minha mente não consegue se render a
nada se não ao cansaço.
— Precisa de um ombro? — Jev brinca, aproximando mais seu corpo do meu.
— Acho que preciso. — Tombo a cabeça até que esteja acomodada na curva de seu
ombro.
Escuto a risada de Jev.
Escuto também a voz de Rachel e de Ross, mas elas se misturam em uma só e não
consigo mais definir qual voz é a de quem. Meu corpo pesa, como se eu não dormisse há
dias, e desisto de continuar lutando contra o cansaço.

Forço minhas pálpebras e pisco várias vezes para que meus olhos se acostumem com a
penumbra do cômodo. Tento me levantar, mas meu corpo me puxa de volta. Estou com dor
de cabeça e as têmporas pulam de desespero. Esfrego os olhos com punhos cerrados e volto
a piscar várias vezes até que minha mente assimile o lugar onde estou com qualquer coisa
familiar.
Vejo uma caixa de pizza com dois pedaços de resto. Uma taça de suco de laranja pela
metade e estou coberta com minha jaqueta jeans até o pescoço. Eu a afasto e ainda estou
vestindo a camisa de uniforme do Purple Ride. Então relaxo. O apartamento é de Jev.
Reconheço o refrigerador pequeno e as garrafas de cerveja vazias na ilha. Contorço os
dedos dos pés e não os sinto estreitos dentro das minhas botas como costumam ficar. Levo
meus olhos para eles e estão cobertos apenas pela meia arrastão que fui trabalhar.
Jogo a cabeça para trás me sentindo pesada e exausta. Massageio as têmporas querendo
dissipar a dor incômoda que se alastra a cada segundo. Impulsiono o corpo para cima
apoiando as mãos nas laterais do sofá.
Apesar de ser confortável e eu não ser tão alta como Jev, ainda assim sinto dores na
lombar e pela espinha cervical.
Quando finalmente estou sentada, tudo gira e fica em desfoque. Pisco para que a visão
turva volte ao normal.
— Jev? — grito e minha voz ecoa no apartamento.
Olho para as portas de correr da sacada e percebo que ainda está escuro, portanto não
devo ter dormido por muito tempo. Consigo me erguer e olho ao redor, procurando por
minhas botas. Encontro-as estiradas bem perto do sofá e mesmo com a dor latente em
minha cabeça e corpo, consigo calçá-las.
Não me lembro de ter bebido tanto. Tenho quase certeza de que foi apenas uma taça de
vinho, só não garanto porque as imagens de horas trás estão embaralhadas em minha
mente e tudo fica um nó. Não quero entrar em parafuso agora, então evito buscar por
detalhes tão pequenos.
Minha bolsa está exatamente onde deixei: pendurada no cabideiro atrás da porta de
entrada.
— Jev? — Levanto-me, meio cambaleando.
Vou ao quarto. Não tem uma cama como o esperado, apenas um colchão de solteiro e
que sequer tem um lençol o revestindo. Também não encontro ninguém no banheiro.
Esquadrinho a sacada e, por mim, levanto uma das mãos colocando-a na cintura como se
fosse possível pensar melhor com isso.
Caminho tateando as paredes em busca do interruptor. Sinto-o sob a ponta dos dedos e
acendo a luz. Não me lembro dos detalhes, mas me lembro de conversar com Jev e
descobrir coisas da sua vida. Também me recordo de comer pizza com ele e de ter me
sentido tão exausta a ponto de dormir. A caixa de pizza está no mesmo lugar onde a
deixamos, o suco que não bebi completamente também parece intocado e começo a me
perguntar por que Jev me deixou sozinha em seu apartamento à essa hora da noite.
Até que vejo um papel dobrado sobre a mesinha, ao lado da caixa; se não estivesse tão
embevecida pelo sono, teria o notado antes. Vou até ele e o pego.

Tive uma emergência familiar.
Te ligo assim que puder.

E é tudo. Nenhuma assinatura ou previsão, apenas: te ligo assim que puder.
Dobro o bilhete e vou até a bolsa, guardo-o nela. A porta está aberta e a chave para o
lado de dentro. Por que diabos ele sairia sem as chaves? Decido levá-la comigo também.
Apago a luz e saio.

A sonolência quase me impede de chegar ao meu andar, na verdade subir no elevador


foi quase uma tortura. Assim que ele começou a vagar, tive náuseas.
As portas metálicas se abrem e o alívio que sinto por estar a poucos passos de me deitar
em minha cama me consome e, por essa motivação, consigo continuar a andar. Contudo,
essa emoção não dura nem meio segundo.
Não esperava vê-lo hoje. Depois de nossa briga no estacionamento e ter aparecido com
Beverly, estava considerando ignorá-lo por alguns dias antes de conversarmos de novo.
Bryan está recostado à parede ao lado da minha porta, a cabeça caída entre os joelhos
paralelos ao tórax. Sinto o chão rígido contra a sola de minhas botas enquanto caminho
para meu apartamento. A porta dele está aberta e não consigo dissipar a ruga intensa entre
minhas sobrancelhas.
Bryan levanta a cabeça, mira os olhos azuis conflituosos sobre mim e em um salto ele
está de pé, disparando em minha direção. Penso que serei arremessada para o outro lado
do corredor, porque ele não refreia o andar cambaleante nem me dá tempo para assimilar
sua expressão consolidada à tristeza, os olhos circundados por uma mescla de vermelho e
roxo.
O corpo trêmulo de Bryan desaba sobre mim e tudo que consigo fazer é afastar os pés
para deixar que o corpo robusto e pesado tenha espaço para se encaixar no meu. Tento
aguentar firme a luz clara do corredor, mas aperto as pálpebras para que não incomode
mais meus olhos.
Minhas mãos estão para cima enquanto Bryan envolve a minha cintura em um abraço.
Eu me sinto ser esmagada entre os braços dele, como se não nos víssemos há semanas. Ele
funga em meu pescoço e, em seguida, afasta-se carinhosamente. Segura meus ombros,
analisando meu rosto e descendo os olhos para o meu corpo. O uniforme do Purple Ride
está todo amarrotado, mas ao menos não estou suja ou cheirando a uísque – a bebida que
mais servimos na boate. Mas, assim que nossos olhos se encontram, sei que ele andou
chorando.
Eu conheço esse homem na minha frente. Bryan é uma rocha. Muitas vezes me sustentei
nele porque sabia que sua força podia ser a minha. No entanto, agora ele parece vulnerável,
fraco e pálido. Comprimo os lábios, porque se está aqui, tão tarde e chorando, algo terrível
aconteceu. E é o que imagino.
Então minha mãe solta um grunhido e meu pai exclama um “graças a Deus” tão alto e
estrídulo que não consigo mais me concentrar em Bryan. Porém, suas mãos não se afastam
de mim. Eu as sinto em todos os lugares. Em minha cintura, meu rosto e braços. Sinto a
ponta de seus dedos delineando as curvas e seguindo o desenho de meus traços corporais.
Ele se concentra em tudo que se refere a mim.
Não evito e acabo voltando a olhar para ele, em busca de explicação. Minha mãe quebra
nosso contato visual para me abraçar, assim como com Bryan, não consigo ter qualquer
reação. Apenas pisco algumas vezes para não me incomodar tanto com a luz. Os braços
fortes e proeminentes do meu pai envolvem a nós duas.
— O que tá acontecendo?
Quando a pergunta sai de minha boca, em um fiapo de voz, Bryan franze a testa como se
não estivesse me entendendo, como se eu fosse alguma maluca.
— O que foi? — Meus olhos correm dele para minha mãe e, em seguida, meu pai. Desvio
para a porta a tempo de ver Gravity e Effy abraçadas também. Os rostos estão inchados e
vermelhos, assim como o de Bryan. — Pelo amor de Deus, o que aconteceu? — sussurro,
segurando o braço de minha mãe.
Então, vejo dois policiais afastando os corpos de minhas amigas para o lado e começo a
entrar em pânico. A última vez que estive com policiais, Bryan acabou preso.
Fico tão apavorada quanto eles, não consigo entender e ninguém diz nada. Estou
esperando pela pior notícia.
— Cadê o Nate? — É a primeira pessoa que me vem à cabeça. — É a tia April? — sibilo,
apertando os lábios e comprimindo a garganta para evitar o choro.
— Estou aqui, querida. — Elevo meus olhos para a porta a tempo de vê-la. Também com
os olhos inchados.
— Por onde é que você andou? — Bryan ruge e, por um segundo, procuro pela pessoa a
quem ele está se referindo. Olho por cima do ombro porque é para mim que seus olhos
azul-caribe estão mirando. — Mackenzie, aonde é que você se enfiou nas últimas quarenta e
oito horas? — O primeiro impacto de Bryan foi ao me ver. Ele estava triste, mas assim que
colocou os olhos em mim, senti-o aliviado, mas agora têm raiva e fogo cintilando deles. —
Porra, você quase matou todo mundo de susto!
— Espera. O quê? Do que é que você tá falando? — Procuro por ajuda em meus pais e a
porta do meu apartamento parece um closet empanturrado de roupas prestes a serem
cuspidas para fora.
Meu pai coloca as mãos na cintura e ele só faz isso quando irá a me dar uma bronca.
— Você desapareceu. Desde sexta-feira. Ninguém viu você depois que saiu do Purple
Ride à meia-noite. Toda a informação que tivemos foi que Murphy recebeu uma mensagem
de Gravity…
— Que eu não enviei — minha amiga ressalta, de braços cruzados e abraçando o tronco.
— Que ela não enviou — meu pai pontua. — E que dois seguranças te viram entrando
em um Audi preto. Você não apareceu em casa. Nem voltou no trabalho. Nós te ligamos um
milhão de vezes! Por fim, chamamos a polícia!
— Vocês enlouqueceram? — sussurro, alternando o olhar entre eles. — Eu tinha um
encontro!
Começo a minha busca pelo meu celular na bolsa. Ele está desligado porque fiz isso
assim que saí do Purple Ride. Enquanto o celular liga, o silêncio no corredor é apavorante.
Assim que tento desbloquear, consigo ver a data:

9 de setembro de 2019, às 00h01.

Corro com os dedos ágeis para a caixa de mensagens do celular e abro a última
mensagem de Gravity:

Gravity: Do que é que você tá falando? Não pedi nada a Murphy.

Meu queixo cai alguns milímetros enquanto assimilo a data e o horário. A mensagem de
Gravity e Murphy.
Saí com Jev na sexta. Nós bebemos, conversamos, dividimos uma pizza e peguei no sono.
Eu não posso ter dormido sem pausa o sábado todo e o domingo. Então minha ficha cai
como uma bomba no meu colo.
— Eu acho… — sussurro, minha voz vai sumindo à medida que me dou conta. A bola de
saliva na garganta, o choro entalado e a vontade de gritar me deixam com dor. — Acho que
o Jev me sequestrou. Não me lembro de nada — Sacudo a cabeça, em negação. — Ele me
buscou no Purple Ride. Nós fomos para o apartamento dele. Bebemos. Comemos. E eu me
senti cansada. — Os policiais se encaram. — Então adormeci. Só acordei agora. Não me
lembro de mais nada. — Busco por Bryan, por incrível que pareça, é dele de que preciso
agora. Da minha rocha impenetrável. Porém, ele está olhando para o outro lado. — Não
aconteceu nada! — exclamo.
— Porra, Mackenzie! Você desapareceu por dois dias! — Bryan enrijece e vejo o maxilar
travar.
— Senhorita Wilde! — Um dos policiais me chama. — É melhor você nos acompanhar
até a delegacia. Precisamos conversar.
Tia April não desvia os olhos de mim por nenhum momento e, enquanto estou
assimilando as últimas quarenta e oito horas em que estive desaparecida, os rostos
conhecidos e um tanto preocupados começam a aparecer na porta do apartamento.
Todas as meninas. Nate. Maeve. Danny. Os meninos da The Reckless. Minha sala está
totalmente inundada pelas pessoas que me amam.
Começo a me perguntar por que diabos não consigo acertar em minhas escolhas.

Escuto tudo, mas é como se eu estivesse pairando em outra dimensão. Meu corpo está
presente na sala de interrogatório da delegacia de Humperville, mas minha mente está
inerte em algum outro lugar. É fundo. Vazio. Escuro. Frio pra cacete e não importa o quanto
eu me esforce para emergir, uma âncora se apossa do meu tornozelo e afundo outra vez.
O cheiro de café, a superfície gélida e metálica da mesa onde apoio os braços, o corpo
ereto da policial Abernathy Williams, ou como escutei os outros a chamarem: Abe.
Abe é menos intimidante. Não carrega insensibilidade nos olhos nem uma postura
imponente como Ryan McCoy. Eu agradeci muito por ele não ter sido um dos policiais a
irem até meu apartamento, mas nem em um milhão de anos projetei essa imagem em
minha cabeça; estar de volta nesta delegacia me causa arrepios e ondas nauseantes de
desespero.
Estou sentada de frente para Abe, ela bebericando com leveza seu café, sorvendo o
sabor pacientemente como um indicativo de que podemos levar o dia todo para isso. Então
eu me dou conta de que, dessa vez, é diferente porque não estou aqui para mandar Bryan
para prisão. Estou aqui porque fui vítima de um sequestro. Apesar de já ter feito todos os
exames no hospital, ainda não sabemos se foi só um sequestro ou Jev também poderá
responder por estupro.
Fecho os olhos e minhas pálpebras pesam uma tonelada ou mais. Não consigo me
imaginar em uma posição tão vulnerável a ponto de que alguém pudesse abusar de mim. E
é horrível. Sinto-me desprotegida e desnuda de todas as minhas forças. Sinto como se Jev
tivesse roubado toda a minha dignidade. Mas, acima disso, tudo que eu quero é ir para casa.
Se possível, nunca mais ir a um encontro com um estranho na minha vida.
— Você consegue repetir a última parte? — Não me lembro nem de ter começado a
falar.
— Por quê? Já não é o bastante? — indago, cobrindo os braços enquanto os envolvo com
as mãos. — Quero ir para casa.
Abe apoia os braços sobre a mesa. Ela é uma investigadora jovem e bastante bonita. Os
olhos são rasgados e o queixo é fino. A boca some em uma linha tênue, os cabelos castanho-
escuros escorregam por cima do ombro e o distintivo pende no pescoço. Retiro o que eu
disse: ela me causa tanto medo quanto Ryan.
— Você irá em breve, eu prometo, Mackenzie. Quero que saiba que conheço sua história
com essa delegacia. Conheço os momentos de pressão que passou sentada atrás dessa
mesa. — Ela arregala os olhos verdes e gesticula o queixo arredondado para mim. Reprimo
mais o corpo. — E gostaria de me desculpar por ter passado por tudo aquilo. — Abe alisa a
lapela de seu blazer azul-marinho. — Você disse que dormiu no ombro de Jev e, quando
acordou, só encontrou este bilhete. — Estende o papel amassado e, em seguida, segura as
chaves do apartamento entre os dedos. — E as chaves. Por que acha que ele deixaria as
chaves e um bilhete para trás?
— Não sei. — Sacudo a cabeça em negativa. — Eu não o conheço direito.
— Por que você estava no apartamento de um cara que não conhece direito?
— Por que eu sou uma idiota?
Baixo os olhos e amoleço o aperto nos braços. Solto os dedos e os deixo caírem em meu
colo, prendendo-os entre as pernas. Não sei há quanto tempo nós estamos aqui, mas, depois
do hospital, viemos para a delegacia e o sol dava seus primeiros sinais no horizonte. E estou
exausta como se não dormisse há dias.
— Fui ingênua de ter concordado em sair com ele. Eu sei.
— Tudo bem. A culpa não é sua. Nós sabemos. — Ela cruza os braços. — Jev Adams tem
uma ficha na polícia.
— Eu sabia disso também. — Nesse momento, a investigadora Abe comprime os lábios
e franze a testa. — Bryan me contou, mas eu não acreditei. Quando confrontei Jev, ele disse
que era reabilitação, não a prisão.
— Caras como Jev costumam mentir bastante em benefício próprio — conclui e duas
batidas aleatórias na porta nos fazem mudar de foco.
Abe se levanta e caminha em direção à porta. Não presto atenção enquanto conversa
com outro policial atrás da porta. Só volto para o momento quando ela se senta outra vez
na cadeira de frente para a minha, com um papel guardado por um plástico. Devagar, ela
abre e vejo a logo do Hospital San Rosé.
Abre o plástico e retira os papéis; enquanto lê, os ombros de Abe relaxam.
— Não houve agressão sexual. — O suspiro que vem em seguida é um sinal claro de
alívio em meus ombros. Então não estou suja, mas ainda sinto que perdi uma parte
importante de mim, porque Jev a roubou. Mas, enquanto a investigadora passa de folha por
folha e os exames provam que Jev não fez, fisicamente, nada comigo, mais confusa essa
história se torna. Tanto para mim, quanto para ela. — Porém, encontraram algo no seu
sangue. Alcaloides. Sabe que substância é essa?
— Não.
— É uma droga — finaliza e entrega os exames em minha mão. — Srta. Wilde... — Elevo
os olhos em direção ao rosto inclinado de Abe. — Vocês usaram drogas naquela noite?
— Eu não uso drogas — respondo, com pressa.
— Mas não é o que esses exames dizem. — Com o indicador, Abe bate uma sequência de
vezes sobre o papel. — Aqui diz que você usou substâncias como o alcaloide, cetamina e
possivelmente anti-histamínicos. Sabe o que mais essas drogas causam?
Balanço a cabeça, negando.
— Amnésia.
— Você está sugerindo que usei drogas com Jev e não me lembro? Que passei as últimas
quarenta e oito horas com ele e usando essas drogas?
— Mackenzie, reflita comigo. Ele deixou as chaves no apartamento, te escreveu um
bilhete como se nada tivesse acontecido. Por que ele deixaria esse monte de provas para
trás? Não faria sentido. A minha versão é simples e muito coerente. — Ela se inclina mais
sobre a mesa e, de repente, consigo sentir como Bryan se sentiu. Impotente, porque tudo
que eu disser parece incoerente e ridículo. — Vocês se encontraram após o seu turno. Você
pediu para Murphy cobri-lo para você. Jev te levou para casa. Vocês comeram, beberam e se
divertiram com as drogas; em seguida, você dormiu porque o efeito pode durar de vinte e
quatro a quarenta e oito horas, dependendo da quantidade ingerida. Como policial
investigativa, trabalho com os fatos e os fatos apontam que você se esqueceu do que
aconteceu pela quantidade de drogas encontradas no seu sangue. Eu já lidei com casos
assim antes.
A bile sobe e queima minha garganta. Quero gritar com Abe, eu não me esqueceria de
uma coisa assim. Estou apertando os lábios fortemente um contra o outro, como se isso
fosse capaz de me ajudar neste momento de fraqueza. Mas não consigo. Nada sai e Abe não
diz nada mais. Seus fatos são suas verdades, ela nem vai considerar tudo que contei. Não vai
considerar que Jev tem um histórico de prisão? Por quê? E a mensagem para Murphy, como
não vão investigar essa incoerência?
— Você está o acobertando! — eu digo, com raiva e rancor inibindo minha sanidade. —
Por quê? Foi comprada? Corrompida pelo dinheiro que ronda Humperville? Decidiu mudar
de lado? — cuspo tudo e, enquanto falo, Abernathy Williams cruza os braços, esperando
que eu conclua. Talvez eu seja presa depois disso por desacato. — Eu não pedi à Murphy
para me cobrir. Ela me disse que Gravity fez isso.
— Vou deixar todos esses comentários passar porque você ainda não está no seu
melhor estado. E espero que se cuide; caso contrário, vou sugerir aos seus pais que te
coloquem em uma clínica de reabilitação. — Abe se levanta e fecha o blazer. Fico
assistindo-a caminhar para a porta, a passos lânguidos. — Sobre a mensagem, conversamos
com Murphy antes de você aparecer. Ela disse que a mensagem foi enviada pela internet,
assinalada com o nome de Gravity. Verificamos o IP e a mensagem veio do seu
apartamento. Você pode ter enviado e se esqueceu, por causa da amnésia. — Eu pisco e
sinto uma lágrima quente cortar minha pele. — Está liberada, Srta. Wilde, e espero não te
ver mais em uma situação assim. Você preocupou toda a sua família.
A dor lancinante que domina meu peito, após as suas palavras, faz com que minhas
pernas bambeiem.
Eu sinto toda a vulnerabilidade de estar indefesa. De não ter a polícia ao meu lado para
me proteger. Sinto como Bryan se sentiu dois anos atrás, quando ninguém confiava ou
acreditava nele. Também sinto o que Aidan sente a respeito de seu pai, sobre ser fraco e
debilitado porque as pessoas que dominam essa cidade estão todas contra nós.
Tudo para mim, falando sobre teorias da conspiração, volta para a ideia onde seremos
jovens imaturos contra uma legião de pessoas ricas e com o poder nas mãos.
Passo pela porta com os exames nas mãos e não sei como conseguirei convencer a
minha família e meus amigos de que sou inocente. De que não fiz o que a investigadora Abe
disse que fiz. Não sei como vou fazer com que eles confiem em mim e saibam que eu nunca,
em hipótese alguma, faria algo parecido.
Então vejo Bryan. Ele não gosta de estar aqui. Não gosta da delegacia e odeia ter que
atravessar por aquela porta. Eu sei de tudo isso quando o vejo, sentado em uma das
cadeiras de espera desconfortáveis e em estado de calamidade. A tensão é visível em seus
ombros e queixo.
Ele se levanta assim que nota minha presença. Não penso duas vezes. Corro para ele e o
abraço, torcendo para que as coisas que disse na sexta não o tenham feito parar de me
amar. Não agora que mais preciso dele.

“Eu não tenho tempo
Para esperar por um avanço
Estou cansado de perder a paciência com você
Passamos por um ciclo de dor
Mas eu não posso te odiar
Mas eu não posso te salvar
Mais uma vez estou preso aqui no meio
Querendo deixar ir, precisando manter o controle
Não há um fim
E mais uma vez você entra
E estou ficando sem
Sem tempo, sem fôlego, sem espaço
Sem palavras, sem coisas que eu possa dizer”
RUNNING OUT – ETHAM

Tem uma coisa sobre Jev que eu nunca disse em voz alta: ele é o caos e gosta de se
espalhar de maneira gradual, para que as pessoas o sintam no seu momento mais intenso
de fraqueza. Espera que a pessoa se desarme, baixe a guarda e tire a armadura para cravar
a faca no peito. E, quando vai embora, é o momento onde ele batiza a ferida com vinagre.
A dor de Mackenzie no minuto em que me abraça é o caos de Jev dando seus primeiros
sinais. Não sei como ajudá-la porque eu mesmo não fui capaz de lidar com ele sozinho. É
óbvio que ele desapareceu em seguida e que fez parecer que Mackenzie era uma viciada. E
mais ainda que as pessoas olhem para ela com esses olhos.
Sei que, com o tempo Maisie e Nick vão acreditar. Gravity e Effy também, mas, nesse
momento, tudo que eles sabem é que as últimas quarenta e oito horas foram de completo
entorpecimento para Mackenzie. Onde ela se entregou para as drogas, se expôs e, para eles,
é como se tivesse descoberto a tempo de poder ajudá-la.
Tudo que posso fazer é abraçá-la. Estou magoado e puto de raiva.
Jev é um bosta. Não existe definição melhor para um cara do tipo dele. Eu quebraria
cada dente daquele sorriso soberbo se o visse outra vez.
Tenho mais ou menos ideia de quais foram as intenções dele e só de pensar nisso quero
vomitar. A polícia nem vai se dar ao trabalho de procurá-lo e é então que confio no que
Aidan diz. Ninguém vai procurar o filho da puta do Jev, assim como ninguém está
procurando o culpado de ter atirado em Darnell. É por essa razão que meu amigo quer
cuidar desse problema com as próprias mãos. É por isso que Aidan quer fazer justiça do seu
modo. Ele sabe melhor que eu quão suja a nossa segurança se tornou pelo dinheiro. Aidan
entende que nossa vida em Humperville não vale nada e quem quer que tenha feito o que
fez com Darnell, é mais poderoso e rico que o próprio. E o mesmo está acontecendo com
Mackenzie.
Ela funga contra a minha camisa. Aperto mais sua cabeça contra meu peito. Maisie e
Nick estão conversando com a investigadora Abernathy. As folhas com os resultados dos
exames dela pendiam em sua mão antes e acho que nem percebeu que Maisie a tirou
enquanto me abraçava. Ela envolve minha cintura com as mãos, entrelaçando os dedos em
minha lombar e naufraga o rosto contra meu peito. Eu a escuto chorar como em tantas
outras vezes, mas a diferença é que, quanto mais ela chora, com mais raiva eu fico.
Eu a seguro pelo ombro e a afasto, quero olhá-la nos olhos e posso perceber que as
pupilas ainda estão dilatadas e é provável que Abe também tenha notado.
Sinto os meus fios de cabelo sob a ponta dos dedos quando os escovo para trás.
Mackenzie me olha, enxuga o rosto com a manga da jaqueta jeans e abraça o próprio
quadril. Ela sempre faz isso quando tenta proteger seu espaço pessoal. Eu me inclino em
direção ao seu rosto para olhá-la melhor. Ter certeza de que não tem nenhuma marca ou
algo que prove que Jev tocou nela. Mas não há nada de díspar nela além das pupilas
dilatadas. Eu me frustro e de novo estou jogando o cabelo para trás.
Um misto de alívio e pavor tomam conta de mim. Se tratando de Jev, isso não pode ter
acabado. Ela não se machucou, então não consigo entender o que esse cara está tentando
me dizer. Pelo modo como falou na sexta, eu soube que era uma ameaça. Soube que, se
abrisse a boca para ela, ele a machucaria e mesmo assim eu fiz, porque estava desesperado.
Desesperado porque Mackenzie não acreditou em mim. Desesperado porque o filho da
puta, que ferrou a minha vida, estava a poucos metros de usar alguém que eu amo para me
ferir.
— O que tem naqueles exames? — Eu poderia garantir que Mackenzie está bem, mas é
do Jev que estou falando e não confio naquele cara. — Ele te machucou?
Mackenzie afunda as unhas pintadas de preto no brim da jaqueta.
— Não.
— Ele tentou?
— Não.
— Mackenzie você precisa me contar. Não é a Abe que está perguntando. Sou eu.
Ela franze o rosto. A maciez de sua testa se rompe com vincos de frustração estampados
ali.
— Não aconteceu nada — murmura, abaixa a cabeça para olhar as botas. — Você não
acredita em mim.
Fecho os olhos e os aperto com as pontas dos dedos.
— Caralho, Mackenzie, eu sei que você não usaria nenhuma droga, mas você sumiu por
dois dias! Só estou tentando ter certeza de que ele não te machucou fisicamente.
Ela ergue os olhos injetados de raiva direto para meu rosto.
— Não aconteceu nada, Bryan. Eu tomei uma taça de vinho. Outras dez de suco.
Comemos pizza e conversamos. Ele me contou da família, do pai, da mãe, falamos sobre
você e eu disse a ele que não estava pronta para confiar nele. Disse a Jev que confiava em
você, acima de tudo! — ela brada e dou um passo para trás. — Eu pedi que ele conquistasse
minha confiança. Depois disso, assistimos série e adormeci no ombro dele — Estremeço. —
Acordei e fui para casa, como se só tivessem se passado três ou quatro horas desde que
chegamos. Não sei o que aconteceu nas últimas quarenta e oito horas, mas sei o que está
acontecendo agora. Você não acredita em mim. A polícia não dá a mínima. E os meus pais
estão achando que sou uma viciada!
— Se acalma — peço em um tom mais baixo quando vejo que Maisie, Nick e Abe olham
para nós.
— Não, não vou me acalmar. Eu não acredito que você tá contra mim!
— Não tô contra você, porra! — sibilo, aperto os punhos ao lado do corpo. Eu encaro
seus pais por cima de seus ombros e, com a mão direita, agarro seu pulso puxando-a para
uma curva entre a sala de interrogatório e a recepção. Mackenzie joga as costas contra a
parede e cruza os braços, bufando. — Ele mencionou o que queria?
— Ele disse que queria me conhecer. Bryan, ele me drogou! Armou pra mim! O que ele
quer? — Sua voz é chorosa e, enquanto fala, balança a cabeça.
— Eu não sei, Mackenzie. Mas aqueles exames — aponto para o lugar onde estávamos
segundos antes — podiam ter te ferrado. Você não tem idade nem pra beber.
— Eu sei. Eu sei. — Ela leva as mãos em direção ao rosto e as esfrega. — Que merda! —
Para de mover as mãos, deixa uma fresta por onde os lábios escapam e sopra o ar com
aspereza. — O que é que eu vou fazer, Bryan? Nós podemos encontrá-lo? Como é que eu
pude ser tão idiota?
— Shhh, a culpa não é sua, Mackenzie — digo, seguro-a pelos pulsos e baixo suas mãos.
— Se Jev desaparecer, só vamos encontrá-lo quando ele quiser ser achado. Vamos dar um
jeito, tá? Eu prometo.
Mackenzie desaba. Ela chora como uma garotinha. Sua testa tomba até que seja
amparada em meu peito. Cubro sua nuca com uma de minhas mãos e volta a chorar. Não
interrompo mais, nem me deixo ser levado pela raiva. Não até que Maisie e Nick apareçam
e eu seja obrigado a me afastar.
— Nós vamos para casa — Maisie diz, com a entonação imperiosa. — Você
definitivamente está de castigo pelo resto da sua vida.
Nick coça a sobrancelha com o dedo médio, mas não interrompe a esposa.
— Eu vou pra minha casa — Mackenzie reluta.
— Você volta para o seu apartamento quando eu disser que pode. — Maisie ajeita a alça
da bolsa no ombro. — Drogas, Mackenzie? — Ela desvia os olhos para mim e sei o que
querem dizer. Ela está me culpando. — Nós a trouxemos de volta porque pensamos que
vocês já tinham superado essa paixãozinha. — Com o indicador aponta para nós,
intercalando entre mim e Mack. — Mas nós cometemos um erro. Eu cometi um erro ao
sugerir essa ideia. E cometi um erro maior ainda te deixando sair de casa. Você volta hoje
para lá e não quero ouvir uma palavra — ela emenda quando Mackenzie está pronta para
se defender. — Você vai na frente. — Gesticula para Mack e dou um leve aperto em seu
pulso para que ela obedeça, Nick segue na frente.
Maisie está olhando para mim e alternando entre fitar onde a filha acabou de sair. As
narinas inflam e a ponta do queixo treme. Reconheço essa reação e sei como ela termina. A
mãe da garota por quem me apaixonei me odeia com todas as forças. O modo como ela me
fulmina é terrível, mas não estou com medo, porque não fiz nada, embora ela ache que sim.
O movimento é rápido, mas como esperei por ele, consigo segurar seu pulso antes que
ela me estapeie pela segunda vez em menos de três meses. Maisie fulmina meus dedos
envolvendo seu pulso, os detendo. Suas unhas brancas e longas afundam na palma da mão e
desço seu braço devagar.
— Nem minha mãe me bate, Maisie.
— Talvez tenha faltado um pouco de agressividade na sua educação.
— Eu te respeito por ser mãe dela e por ser uma boa companhia para minha mãe, mas
me bater? Duas vezes? Por uma coisa que eu não fiz?
— A sua influência na vida da minha filha é o que a arruína! — exclama forçando os
dentes na carne do lábio inferior. Eles ficam vermelhos e inchados de repente.
— Não dou mais a mínima para o que pensa de mim.
— Eu sei que você não se importa. Se você se importasse, teria se afastado da Mackenzie
quando eu te pedi.
— Não é você quem decide isso.
— Sou eu sim. Sou a mãe dela.
— Minha mãe gosta tampouco da Mackenzie quanto você de mim. Vocês duas têm seus
motivos, acham que somos destrutivos demais um para o outro e podem até ter razão, mas,
no final, quem decide isso não são vocês. Você está com raiva e frustrada. Você culpa a mim
e a Mackenzie, culpa o que nós tivemos pelo fim do seu casamento. Mas a culpa não é de
ninguém além de você e Nick. Resolvam suas merdas e não envolvam a gente.
Viro nos calcanhares, pronto para ir embora. Não preciso escutá-la mais porque cansei.
Não quero fazê-la me odiar mais do que já odeia.
Vejo Mackenzie no banco de trás da minivan. Ela ergue o pescoço em minha direção e
ameaça sair do carro. Nego com a cabeça enquanto caminho em direção ao meu.
Assumo meu lugar no banco do motorista e no instante em que pouso as mãos sobre o
volante, meu celular toca. Pego-o sobre o console e o número é desconhecido.
Levo o telefone à orelha.
— E aí, cara. — A voz me faz afundar no banco.
— O que você quer, Jev?
— Mackenzie já saiu da delegacia?
— Você é mesmo um filho da puta — murmuro, apertando o celular. Sou capaz de parti-
lo ao meio com a força das mãos. — Eu juro por tudo que é mais sagrado, Jev, vou matar
você.
Jev gargalha, zombando.
— Você continua esquentadinho, né? Quando te vi no estacionamento... ah, cara, a sua
expressão de espanto foi demais! Eu adoro entradas triunfais! Soube que você também curte.
— Pare de palhaçada, Jev. Eu te conheço, você não ia cumprir cinco anos por tráfico?
— Não é a sua vez de falar sobre o passado. É a minha. Vou te dizer o que vai acontecer
agora. — Ele limpa a garganta e prossegue: — Você vai arrastar essa sua bunda mole até a
casa do David Mason, se lembra dele? O cara que você e sua namoradinha mandaram para a
prisão?
— E se eu disser que não?
— Você não vai fazer isso. Tinha as melhores notas no colégio, é inteligente pra caralho e
sabe que fazer de Mackenzie uma viciada para os amigos, a família e a polícia é só uma
amostra do que eu posso fazer de verdade. Nós dois sabemos que precisamos acertar as coisas.
Você sempre soube que, quando eu saísse, viria atrás de você, então não se faça de sonso
agora, beleza? Poupe nosso tempo.
— Não vou vender drogas pra você.
— Quem disse sobre vender drogas? Quero um acerto de contas. Você pode vir
voluntariamente ou eu posso fazer isso acontecer.
Fecho os olhos, balanço a cabeça e envolvo os dedos ao redor do volante.
— Se eu for, você nos deixa em paz?
— É uma promessa. Eu cumpro minhas promessas, você sabe.
— Mackenzie e todo o resto?
— Bryan, não tenho interesse nenhum nesses seus amiguinhos de merda. Você tem até o
fim do dia.
Ele desliga em seguida.
Jev tem razão. Eu sabia que esse dia chegaria.
Em cinco anos, não em dois.

Há muitos anos não fico sob a janela de Mackenzie, jogando pedrinhas contra o vidro
para que ela me escute. O rosto cansado e o cabelo desgrenhado aparecem no parapeito.
Pela sua expressão de surpresa, não esperava me ver, mas se vou enfrentar Jev preciso de
um momento com Mackenzie. Algum gás para energizar minha coragem. Há dois dias
estava com raiva dela, mas agora o sentimento não passa de uma lembrança ruim.
— O que foi? — articula os lábios, sem emitir som.
Faço um movimento com o queixo para a trepadeira na extensão da parede até o
parapeito de sua janela. Mackenzie respira fundo e aperta o indicador na vertical sobre o
lábio, pedindo-me silêncio. Em seguida, afasta-se da lateral e leva alguns segundos para
voltar. Com um aceno da mão, autoriza-me a subir.
Subo bem rápido para não correr o risco de ser pego. São quase sete e meia da manhã,
deveria estar indo para casa.
Passo a perna direita primeiro e, com o pé esquerdo apoiado na trepadeira, ganho
impulso para entrar no quarto. Há caixas de papelão espalhadas, as portas do closet estão
escancaradas e Mackenzie se aninhou na cama, com as costas apoiadas na parede. Um
emaranhado de lençóis e edredom ladeiam seu corpo encolhido.
Os joelhos unidos na frente do tórax servem de apoio para seu queixo. Seus cabelos
respingam água de banho e Mackenzie cheira a xampu de limão.
Eu me sento na lateral da cama e tiro os coturnos para dobrar as pernas sobre o
colchão. Mackenzie acompanha meus movimentos com a dúvida permeando o olhar. Tento
ser impassível, sem demonstrar como estou fodido de tanto medo. Jev é insano. Não dá
para prever suas escolhas e decisões. Se eu não for até ele, Jev poderá feri-la de verdade
desta vez; mas se eu for, posso acabar morto.
— Minha mãe fez alguma coisa?
— Algo assim — respondo com a voz mais baixa que o normal, desvio os olhos porque a
sensação que tenho é exatamente a mesma de dois anos atrás, quando precisava mentir
para ela para buscar as mochilas para Jev. — Mas não ligo, você sabe. O que sua mãe pensa
de mim não é importante agora.
Mackenzie assente, acuada. Afunda o queixo em uma fresta entre os joelhos e respira
pesado o ar denso que nos circunda. Queria que as circunstâncias fossem outras.
— Só passei pra te ver. Ter certeza de que está bem.
— Eu vou ficar — promete, com um sorriso amortecido delineando o rosto. — Jev não
me tocou e mesmo assim me sinto imunda — murmura e vejo uma lágrima grossa cortar
sua pele.
Estico o braço para limpá-la. Meu polegar desliza sobre sua pele como se fosse a
primeira vez que a toco. Mackenzie retrai os ombros, mas não foge do meu toque; na
verdade, seu corpo relaxa no instante em que nossas peles se tocam.
— Eu quero que você saiba que não importa o que aconteça, você está sempre comigo.
— É provavelmente a coisa mais bonita que já disse para uma garota. Eu não minto sobre
os meus sentimentos, não tento parecer o homem dos sonhos, mas sou sincero com
Mackenzie. — E eu estou com você.
Mackenzie franze o rosto, intensificando a careta.
— Vou deixar você descansar. — Estou me levantando quando ela agarra meu pulso e
não consigo dar mais nenhum passo para longe dela.
— Fica comigo — pede, a voz arrastada pelo choro. — Por favor, Bryan.
Torço o pulso até que consiga entrelaçar nossos dedos. Com um movimento de cabeça
contido, estou concordando com ela. Mackenzie se deita na cama, com o rosto para a
parede. Retiro a jaqueta de couro e a deixo no chão. Ergo o edredom e me enfio embaixo
dele, aninho seu corpo no meu. Puxo-a para perto, envolvendo um de meus braços em sua
cintura e aspiro contra o cabelo molhado.
Espero até que sua respiração fique amena. Não leva mais que dez minutos para que
pegue no sono.
Eu vi tristeza nos olhos de Mackenzie, mas, mais do que isso, vi a decepção consigo
mesma. Até acho que ela esperava que a minha reação fosse assim, como de alguém que
julga, mas não estou em posição de julgá-la quando estou definitivamente escondendo
coisas e correndo na contramão outra vez.
Apesar disso, tenho certeza de que Mackenzie ficará bem. Ela passou por coisas
horríveis antes e conseguiu superá-las. Sempre admirei sua força de resiliência e como
consegue usar isso a seu favor. Quando vê-la outra vez, sei que estará melhor. Sua
capacidade de se recuperar de problemas como esse e aprender com eles é admirável,
preciso admitir.

Eu reconheço as janelas, a porta, o pórtico e a tinta deteriorada da superfície de madeira


da casa de Dave Mason. Todo aquele lugar lixo, penoso e com cara de problema é uma caixa
de lembranças ruins, de dias em que me sentava em uma mesa redonda de três lugares com
Jev e Dave, jogava pôquer contrariado, perdia dinheiro como um viciado em jogos e dormia
com a consciência pesada de ter me envolvido com esses caras. Dias em que comparo com o
inferno.
Desço do carro e, assim que Jev escuta a porta metálica bater, a de madeira da casa se
abre. Ele sempre teve caras que o seguiam para todos os lados. Jev é um traficante meia
boca, que só vende toda essa merda porque é grana fácil e ele aprecia o modus operandi do
pai se tratando de dinheiro sujo.
Subo as escadas do pórtico devagar. Jev sorri ao me ver como o diabo recebendo visitas
no inferno, mas não retribuo. Não esperava ver ele tão cedo e, quanto mais penso nisso,
mais acho que vou sair daqui mais ferrado de quando entrei.
Jev e Mike, um de seus capangas, estão ocupando a entrada da casa. Eles se afastam para
me dar passagem.
A sala é uma imundície. Latas de cerveja, baseado e bitucas de cigarro para todos os
lados. Embalagens de salgadinho e calcinhas de prostitutas perdidas pelos cantos
improváveis. O sofá mostarda antigo e com marcas de que fora queimado por brasa de
cigarro. A mescla do odor de mofo com podre se alastra por todos os cômodos e, quanto
mais a fundo estou nessa casa, mais tenho certeza de que prefiro que seja rápido.
A televisão fica sobreposta em uma mesinha redonda de centro. Atrás do sofá a escada
de madeira revestida com um carpete vinho e à minha direita, a sala de pôquer. Logo mais à
frente, devia ser a cozinha, mas fora transformada em um estoque. Há mesas de madeira
retangular onde garotos da minha idade ou até mais novos embalam pílulas de ecstasy,
baseado e todos os tipos de narcóticos disponíveis no mercado.
Conforme caminho pela casa, olhos me acompanham. Ela é sempre cheia de homens
grandes, tatuados e com piercings. Eles se nomeiam a escória da sociedade e nem se
importam de serem chamados assim. A verdade é que eles preferem.
Existe uma poltrona estofada vermelha, como o trono de um rei recostada em um canto
da cozinha. Atravesso pela soleira acompanhado de olhares supersticiosos. Jev segura pela
gola da minha jaqueta de couro e detenho os passos lentos. Ele passa por mim e assume a
poltrona.
— Tira a jaqueta! — Jev ordena, gesticulando o indicador para mim e o leva sob o
queixo outra vez.
Olho para ele e, em seguida, para Mike. Ele me dá um empurrão quando não obedeço.
— Tira logo a porra da jaqueta, cara! — Jev repete. Ele odeia repetir.
Nesse momento acho que sempre soube o que tinha naquelas mochilas que eu
precisava vir buscar todos os dias. Só me recusava a aceitar porque não queria admitir. A
porra era séria. E agora sei o que vai acontecer. É desse jeito que Jev cobra seus devedores.
Mike me empurra de novo, estou a um passo de socar a cara desse desgraçado se ele me
empurrar outra vez.
Tiro a jaqueta e a jogo para Jev. Ele se levanta, passa os braços pelas mangas e ajusta a
parte da frente.
— Ficou boa em mim, não acha? — diz, puxando a parte da frente com bolsos. Gira os
braços para garantir que as mangas não ficaram curtas e suspira. — Eu odeio ter que fazer
isso, mas regras são regras. Sem ressentimentos, beleza?
— Você drogou a Mackenzie. Ela não tinha nada a ver com isso.
— Ela tinha tudo a ver. Primeiro — ele levanta o indicador, dando um passo adiante —,
ela entregou você e puta que pariu, Bryan, você perdoa rápido demais. Segundo, o fato de
ela ter te entregado significa que sabia alguma coisa e parte do acordo era ninguém saber
de porcaria nenhuma! Terceiro, você me entregou e fez Dave ser preso em seguida. Que
merda você tinha na cabeça? — Jev levanta as mãos, amparando-as na cintura. — Retiro o
que eu disse. Você é burro pra cacete!
— Acaba logo com isso, Jev — chamo-o, erguendo os braços.
— Vou te deixar dar um soco primeiro, deve estar morrendo de vontade, né? Te
conheço. Ninguém percebeu, mas você sempre perde a linha quando está com raiva. Ela se
excita com isso? Ela gosta de umas palmadas enquanto a fode?
O meu punho pesa mais que o normal quando levanto os dedos fechados em direção ao
nariz de Jev. Ele me disse um soco, mas desfiro outros e o derrubo no chão. Os nós de meus
dedos ardem, os ossos sensíveis da minha mão queimam em protesto e todo o meu corpo é
consumido pela adrenalina de arrebentar a cara dele.
Só paro quando sou carregado de cima de Jev. A minha jaqueta está manchada com
sangue e a camisa que uso também. Chuto o ar e arremesso socos em sua direção sem
conseguir acertá-lo. Jev se recompõe em questão de segundos, leva o punho ao nariz
ensanguentado e a boca com cortes verticais.
— Eu disse um soco — grunhe, tirando a jaqueta e balançando os braços. — Hoje nós
acertamos o nosso passado, Bryan. E, acredite em mim, não vou me arrepender de nenhum
segundo a partir de agora.
Paro de respirar quando Jev atinge o primeiro soco em meu estômago. Busco por ar,
porque minha vida depende disso. Minha traqueia se fecha e a jugular pula de desespero. O
próximo é na costela e, em seguida, sou atingido no rosto diversas vezes como se meu
corpo fosse um saco de areia.
Não sei quando acaba ou por quanto tempo Jev me atinge. Perco todos os sentidos, todo
o ar foge dos meus pulmões e minha visão turva. Tudo é consumido pela sombra. Não
penso mais, embora minha têmpora lateje e os caras que me seguravam antes não veem
mais necessidade.
Sinto o rigor sob a pele da minha bochecha quando caio ao chão, levanto as mãos para
defender minha cabeça e a dor lancinante se alastra à medida que os movimentos abruptos
de Jev me englobam.
Sufoco, não sei se por falta de ar ou pelo sangue bloqueando o ar na garganta.
Mas sou levado dali, carregado. Escuto perguntarem para onde devem me levar. Por
uma fresta mediana das pálpebras o vejo limpar o sangue dos dedos. Meu corpo se ergue e
não estou fazendo força para sair.
Sou carregado para fora, arremessado sobre o gramado molhado com orvalho.
Preciso ligar para alguém. Pedir ajuda. Alguém que não me carregue direto para o
hospital nem faça muitas perguntas.

***

27 de setembro de 2019, às 13h32.

Eu nunca estive com tantas ataduras em toda a minha vida. Bev escuta meus gritos,
resmungos e não se incomoda. Ela tem feito isso muito bem nas últimas três semanas. Meu
corpo é longilíneo demais para caber em seu sofá, então ela me cedeu sua cama de casal
extremamente confortável e eu me sinto péssimo por fazê-la dormir na sala.
Três semanas.
Estou há três semanas trancafiado nesse apartamento. Três semanas que Jev quase
externou todo o sangue do meu corpo. Não lembro como consegui ligar para Beverly, mas
ela disse que eu não falei nada só liguei milhares de vezes, então, através do GPS, conseguiu
me localizar. Descubro que ela é uma cientista do caralho e esse lance de tecnologia
entende melhor que ninguém, mas não é o curso que escolheu na universidade.
Depois da primeira semana aprendendo tudo que podia na internet para me ajudar com
os ferimentos, Bev decidiu que quer cursar medicina. Não é um curso que se tem na
Humperville University, então ela está mudando um de seus planos, que era estudar na
mesma universidade da mãe.
Nós temos apenas mais algumas horas antes que ela se mude de vez para Grev Willow.
Isso aconteceu rápido. Quase como um estalar de dedos. Em um dia, Beverly estava fritando
pipoca e se atrapalhando toda com o milho; no outro, ela me dava a notícia de que estava
com sua inscrição pronta e que eu teria que voltar para o mundo real.
Estou há três semanas agindo como se toda a minha vida estivesse no apartamento de
Beverly. Minha mãe acha que estou passando um tempo com Aidan e sua família, para dar a
ele uma força. Aidan persiste na mentira e Effy também acredita, porque Gravity não mora
mais com os Lynch para dizer o contrário.
Os caras da The Reckless aparecem para uma visita todos os dias e, nesta situação,
cancelamos todos os shows até o próximo mês. Mas combinamos que três semanas é o
suficiente e está na hora de eu voltar para o mundo real. Além disso, preciso conhecer o
substituto de Aidan e falar com Mackenzie.
Mackenzie está bem. É toda informação que tenho de Effy nas mensagens que trocamos.
Ela não voltou para o apartamento ainda e sua mãe não a deixa sair. Mackenzie acabou
pedindo demissão no Purple Ride, é por esse motivo que não acredito no que Effy diz.
Mackenzie mandou algumas mensagens, respondi algumas só para tranquilizá-la e
outras ignorei. Não sabia como encontrá-la ou contar o que aconteceu. As coisas só
piorariam, ela acabaria quebrando as próprias regras por minha causa.
— Ai, caralho, Bev! — Faço careta quando ela pressiona a ponta do cotonete em uma
das rupturas em meu rosto. Essa merda demora demais para cicatrizar. — Dói, porra!
— Você não para de se mexer, nem de reclamar! Eu tenho vontade de te acertar um
vaso na cabeça o tempo todo — ela reclama e tem sido assim há três semanas.
A verdade é que somos bons como amigos, mas nunca funcionaríamos como um casal.
Nós não suportamos viver juntos, mas Ashton tem uma mão pesada para curativos, Aidan
está lidando com os problemas da família e Finn… bom, ele tem os problemas com a mãe.
Não caberia um cara machucado e precisando de cuidados. Se fosse para Effy, ela me
obrigaria a ir a um hospital e dar queixa; talvez fizesse por mim se eu me recusasse. Beverly
era a única confiável o bastante para não contar nada a ninguém. Não quero nem
mencionar as loucuras que minha mãe seria capaz de fazer, caso soubesse o que aconteceu.
Soube através dela que a polícia está arquivando o caso de Darnell, portanto nenhum de
nós será interrogado. Aidan está puto e por isso não tem vindo me visitar. Como um caso
como esse é arquivado? Segundo ela, por falta de provas. E quanto mais escuto sobre tudo,
mais tenho certeza de que Aidan está certo.
— Pronto. — Bev tampa o tubo da pomada e se levanta. — Tem mais uma coisa… — Ela
morde o lábio inferior. — Mackenzie ligou.
Levanto a cabeça para ela.
— Pra você?
— É. Pra mim. Quando é que você vai deixar de ser covarde e contar a verdade?
— Por que é que ela te ligou?
— Eu não sei, por que você andava passando bastante tempo aqui? E aquele papo de
constituir confiança?
— Nós vamos.
— Se ela descobrir que você esteve morando comigo nas últimas três semanas, ela vai
pensar em mil possibilidades do que aconteceu entre a gente e nenhuma delas será
verdade. Sabe disso, né?
— Vou falar com ela depois. — Puxo o cobertor para cima, em direção ao queixo e me
afundo mais na cama. — Minha cabeça está doendo. Você pode parar de falar?
— Suas costelas já estão boas. — Bev vai até a ponta da cama e puxa o edredom de uma
vez. — Bryan, é meu último dia. Preciso entregar as chaves do apartamento e o caminhão
de mudança vem para buscar minhas coisas. Você precisa dar um jeito! O que vai fazer?
— Ashton virá me buscar, relaxa. Vou sair da sua casa rapidinho.
— Acho bom.
— Você continua falando. — Pego o cobertor e o puxo até minha cabeça estar
completamente imersa. — Fecha a porta quando sair.
Bev bate a porta com força e todos os quadros pendurados sobre a cabeceira da cama
balançam.
Estou torcendo para que a surra que Jev me deu tenha sido mesmo o ponto final e que
agora ele nos deixe em paz de uma vez por todas. Entreguei-o para a polícia e paguei por
isso duas vezes. Na primeira, ele usou Mackenzie; e na segunda, quase me matou de
pancada.
Por causa dos antialérgicos que Bev tem me dado, vivo sonolento, portanto não demoro
muito para cair no sono.

Ashton e Finn me ajudam a colocar a camisa que Aidan comprou. É um verde-musgo


escuro e calço All Star. Lembra-me muito a época em que estudava na Saint Ville Prep. A
calça que estou vestindo é um moletom preto surrado e por cima coloco um moletom
colegial de Aidan.
Todos eles estão ali e me olham apreensivos. Eles perguntaram o que aconteceu, mas
não entrei em detalhes. Já sabiam sobre Mackenzie, e Aidan queria poder cuidar disso
pessoalmente, mas acabou desistindo quando soube que, qualquer coisa que fizesse e Jev se
sentisse ameaçado, ele se voltaria contra um de nós.
— Você está ferrado dos pés à cabeça — Ashton diz, ao se afastar e cruza os braços
sobre o peito. — Ele deu mesmo um jeito em você.
— É o que ele faz. Mas também acabei com ele — digo em tom de brincadeira, porém
nenhum deles ri. Bev está recostada ao caixilho da porta, emburrada e de braços cruzados.
— Que foi?
— Você leva o que aconteceu na brincadeira, Bryan. Você tinha que denunciar, colocá-lo
de volta na prisão.
— Se eu fizer isso, ele vai voltar. De novo, de novo e de novo. É melhor deixar para lá!
Bev revira os olhos, exaustos. Comprimo os lábios e me levanto. Tirei todas as faixas que
envolviam minha costela e peitoral. Tenho manchas roxas espalhadas por todo o corpo e o
aspecto arroxeado que sombreia meu olho esquerdo é bem claro, quase não aparece mais.
Estava pior nos primeiros dias; meus lábios incharam e as pálpebras também.
— Não vamos comentar sobre isso com ninguém — aviso a Finn, Ashton e Aidan.
Nenhum deles concorda de verdade, mas não vão refutar agora. — Obrigado — agradeço e
me levanto. Preciso de uma jaqueta de couro nova. — Vou dizer pra minha mãe que nós
dois brigamos. — Gesticulo para Aidan e ele concorda. — Ela vai entender.
— Ou mandará a polícia na porta da minha casa.
— Ela não vai fazer isso.
— Não duvido de nada se tratando da sua mãe, Bryan — Ashton gargalha. — Sua cara
ainda tá péssima. O que vocês dois andaram fazendo aqui? — Bev repreende Ash enquanto
o encara. — Tá, entendi. Não rolou nada. Eu tenho medo de você — esclarece, apontando
para Beverly. — À primeira vista, você parece inofensiva e até bastante simpática, mas eu
tenho medo de te tirar do sério.
— É bom saber que desperto medo em você, Ash — Bev ri. É incrível como ela
conseguiu ficar próxima de todos eles em pouco tempo. — Vocês precisam ir. Minhas coisas
já estão no carro e o caminhão de mudanças chegará em breve. Preciso entregar a chave do
apartamento para o Ryde. — Ela levanta a chave no indicador, envolto pela argola do
chaveiro.
— Você tá literalmente me expulsando. — Eu me levanto com certa dificuldade. — Mas
valeu por ter cuidado de mim nas últimas semanas.
— Eu vou cobrar.
— Tenho certeza de que irá.
Beverly foi muito legal comigo nas últimas semanas e eu não me importaria de pagar
pela ajuda. Porém, apesar de parecer honesta quando diz que irá cobrar, não consigo
acreditar nela. Ela tem um bom coração. Ajudaria qualquer um de nós que precisasse de
auxílio e é por esse motivo que sei que Bev será uma grande médica.
— Nós vamos nos reunir semana que vem. — Finn desprende os braços e coloca uma
das mãos em minhas costas, como se me guiasse até a porta. — Precisamos conhecer o cara
do Aidan.
— Estou muito empolgado. — Reviro os olhos e pego a mochila sobre a penteadeira de
Beverly.
— Você tá resmungando e nem conheceu o novato.
Ignoro o comentário de Ashton.
A sala de Beverly é um aglomerado de caixas de papelão identificadas com nomes que
só ela entenderia. Em uma delas está escrito “livros” com caneta pincel de tinta preta e é a
maior de todas elas.
— Foi bom conhecer você, Bryan McCoy. — Bev para entre a porta e a soleira assim que
nós quatro a atravessamos. Existe um sorriso fazendo contorno em seu rosto e o
iluminando.
— O prazer foi todo meu — brinco, estendo a mão para ela, que a recebe com um tapa,
e, dando um passo à frente, abraça-me.
— Se despeça direito de mim, talvez eu nunca mais te veja — sussurra abaixo do lóbulo
de minha orelha e apoia o peso de seu corpo ficando na ponta dos pés.
Cerco sua cintura com um de meus braços.
— Nunca mais é muito tempo, Beverly Bryant — digo.
Ao levantar o rosto me dou conta de que todos estão arregalando os olhos por cima de
meus ombros. Eu me viro, olho para a mesma direção de Bev, Aidan, Ashton e Finnick a
tempo de ver Mackenzie parada na porta de seu apartamento. Segurando a alça de uma
mala pequena e sobre o ombro direito, sua bolsa. Está usando short jeans, a calça meia
arrastão, cropped vermelho e os ombros cobertos por sua jaqueta jeans adornada com pins.
Eu senti falta de brigar com ela. Falta de nossas discussões. Falta de só ficar com ela sem
dizer nada. É mais fácil agora admitir que senti falta de tudo que se refere a ela. Nossas
tentativas falhas de entrar em acordo, nosso fracasso em tentarmos ser amigos outra vez –
estava tão óbvio que aquilo nunca mais funcionaria para nós dois. Nossas bocas já se
encontraram vezes demais para aceitarem serem “amigas”. Nunca iria funcionar.
Não me dei conta disso agora, mas também não percebi no instante em que estávamos
sentados no píer. Para mim, essa ideia era o único jeito de recuperarmos a confiança. Foi
assim que a construímos antes, talvez usar do mesmo método nos faria alcançar o mesmo
resultado.
Contudo, o que senti ao escutá-la dizer que escolhia acreditar em Jev, colocando-me,
mais uma vez, como vilão me provou que não importava quantas vezes eu tentasse, ela
sempre veria desse modo. Não mudei por ela. Esse é quem sou hoje, mas me moldaria ao
seu jeito para que funcionássemos. Mas Mackenzie me machucou, me magoou, me colocou
como mentiroso e egoísta outra vez. Então pensei: por que não desistir?
Ela estava lá, pronta para entregar seu coração para um filho da puta mau-caráter e
uma garota incrível estava esperando por uma decisão. Eu fiz o que Mackenzie disse e corri
para Beverly. Não Faith, porque com ela é conexão sexual e, naquele dia, precisava de mais.
Precisava de Beverly. Uma conexão emocional. Mackenzie desapareceu e foi como se eu
tivesse voltado a mim. Embora nada físico tenha rolado entre mim e Beverly, tivemos sim
sentimentos um pelo outro. Não tão fortes como os que sinto por Mackenzie e me assusta
pra cacete saber que não consigo superá-la.
A forma com que me olha com os olhos se esbugalhados rumo a nós, como se
estivéssemos fazendo algo errado me faz arrepender de não ter ligado para ela antes. Me
sinto mal por tê-la deixado esperando por três malditas semanas, ainda mais consciente de
tudo que estava enfrentando.
Ela poderia me explodir só pela maneira com que está fulminando meu rosto, julgando
Ash, Aidan e Finn, e odiando Beverly com todas as forças.
As mãos apertam rudemente a alça da mala. Uma das mãos está na maçaneta da porta
do apartamento e chaves na fechadura. Com um único olhar, Mackenzie mostra que
desvendou o mistério das últimas semanas.
Dou um passo à frente, com uma das mãos erguidas. Torço para que note a súplica
sombreando meus olhos.
— Você vai ter que falar com ela. Se explicar e, principalmente, contar a verdade —
Aidan tem voltado ao seu normal aos poucos, dando conselhos coerentes e nobres. Não
importa como se sinta a respeito de Mack, ele valoriza nossa amizade acima de qualquer
coisa.
— É um bom conselho — Finn emenda e olho para eles.
— Eu ligo pra vocês depois, pode ser?
Eles assentem unânimes.
— Boa viagem, Bev.
Eu me afasto deles a tempo de segurar a porta. Mackenzie estava prestes a batê-la na
minha cara quando espalmo a madeira e a empurro para entrar. Acho que vai relutar, mas,
assim que atravesso a porta, está tirando a jaqueta jeans e a jogando no sofá. Ela larga a
mala no meio do caminho e a chuta para o canto.
Recosto à porta e cruzo os braços. Espero que desconte sua raiva ao arrancar o All Star
vermelho e soltar os cabelos presos. Deixa o elástico preto sobre a mesinha de centro e, de
repente, para, com as mãos amparadas na cintura.
Os lábios se tornam devagar uma linha dura de enrijecimento. Continuo parado com as
costas coladas à porta. Não vou dizer nada. Não antes dela. Nós dois não conversamos
muito depois que ela saiu da delegacia, não tivemos tempo e sei que precisamos conversar
sobre muitas coisas e eu preciso dizer muitas coisas.
Mackenzie precisa se decidir porque já pensei no assunto e ser amigo dela não é o que
eu quero. Preciso ter certeza de que o que aconteceu com Jev não influenciou o que sente
por mim.
O corpo de Mackenzie está reagindo à minha presença bem depressa. O peito sobe e
desce sem fôlego. Ela abre a boca seca e a fecha em seguida. Uma de suas mãos se alivia da
tensão e sinto que está prestes a gesticular enquanto fala, mas desiste antes de formular
qualquer frase.
— Por que você está todo machucado? — inquire e volta a apertar os lábios com
firmeza. — E não mente para mim, Bryan, ou juro que nunca mais falo com você. É sério! —
Finalmente solta a mão que agarra o quadril e aponta o indicador em minha direção.
Nós estamos bem distantes; ela parada perto da cozinha, quase recostada à ilha que faz
separação dos ambientes e me mantenho firme perto da porta.
— Não passou pela minha cabeça mentir.
— Então me conta por que diabos você desapareceu por semanas, quando mais precisei
de você, e agora estava com Beverly.
Meu maxilar trava por instinto. Escutá-la dizer que precisou de mim e eu não estive por
perto é como sentir que os papéis se inverteram. Eu já precisei dela e ela não estava aqui.
Agora ela precisou de mim e acabei me afastando. Em nenhum momento, minha intenção
foi provar alguma coisa para Mackenzie, mas acabou acontecendo.
Eu ter ligado para Beverly e não para Mackenzie só prova que a confiança que tenho
nela ainda é uma camada de cristal bem fina e frágil.
— Jev me ligou pouco depois de você sair da delegacia e pediu que eu fosse encontrá-lo.
Fui te ver porque queria ter certeza de que, independentemente do que acontecesse
comigo, você ficaria bem.
A tensão sobre os ombros é nítida. Eu pretendia contar, mas não quando ainda está se
recuperando do que aconteceu. Quero ser sincero, mas sem afetar seu progresso com a
superação. Exceto as olheiras inchadas, Mackenzie parece bem.
— Foi ele quem fez isso com você? — Ela mantém o olhar fixo em mim. Seus olhos
pulam de um hematoma a outro em meu rosto. — Então você ter ficado comigo naquele dia,
me abraçado daquele jeito, foi uma despedida?
— Sim. Para as duas perguntas, é sim.
— Por quê? Por que ele faria isso? Ele já me machucou, não foi suficiente?
Sinto meu peito ser esmagado pelas palavras dela.
— Acerto de contas, Mackenzie. O que ele fez com você foi só um jeito de garantir que
eu não fosse recusar um encontro com ele. Jev sabe que, se te machucar, também me
machuca.
Mackenzie morde o lábio inferior. Uma película cristalina de lágrima ilumina seus olhos.
— Nós temos que ligar pra polícia, Bryan! — exclama, perdendo a força na voz.
Fecho os olhos e balanço a cabeça em recusa.
— O que ele fez com você foi justamente um aviso para que eu não vacilasse mais. Se
mandá-lo para a prisão outra vez, Mackenzie, nós estamos ferrados. Nós. Porque ele usaria
você para me atingir — enfatizo. — A polícia faria o mesmo que fez com você. Não
acreditaria em mim e voltaríamos à estaca zero.
— Então não podemos fazer nada?
— Não, eu não posso.
Ela joga a cabeça para trás bufando em frustração.
— Ele prometeu que vai nos deixar em paz — garanto a ela.
— Você acredita no que ele diz?
— Eu preciso acreditar.
Mackenzie reluta, mas no fim cede ao menear a cabeça em um aceno positivo. Nós dois
sabemos que encontrarão um jeito de inocentá-lo e estaremos realmente fodidos se Jev
voltar. Não tenho forças ou qualquer influência para pará-lo. Teria que recorrer a recursos
perigosos como o meu tio Ryan.
Olho para ela em busca de algo que comprove que está bem, de que as últimas semanas
foram de superação e não de angústia.
— Você estava morando com a Beverly, não estava?
— Sim.
— E seus amigos mentiram pra todo mundo?
— Sim.
— E você mentiu pra mim.
— Desculpa.
— Porra, Bryan! — ela explode, passa as mãos pelos cabelos e gira de um lado para o
outro. Não desvio o olhar de seu corpo inquieto pela sala. — Por que você ligou para a
Beverly e não para mim?
— As coisas aconteceram muito rápido. Em um dia, nós estávamos bem; no outro,
descubro que você estava saindo com Jev. Eu te conto o porquê deveria se afastar dele e
você me coloca como vilão da história, como se eu fosse capaz de mentir sobre algo tão
sério. No outro, você desaparece por dois dias e ninguém sabe o que aconteceu! Quando
volta, descobrimos que esteve drogada o tempo todo. Eu confio mais em você do que você
em mim, Mackenzie. Você já estava péssima com o que aconteceu, então eu sinto muito por
não querer te envolver mais nisso. — Faço uma pausa para respirar. — Eu não te vejo como
uma opção, como você pensa. — Paro outra vez, porque conheço aquela expressão.
Mackenzie está criando deduções em sua cabeça e acreditando em cada uma delas,
descartando tudo que eu digo. — Só me fala que não estou aqui por nada.
— O quê?
— Você acredita em mim?
Mackenzie não responde.
— Vim aqui para te dizer que não quero ser seu amigo, quero ficar com você. E se você
não quiser o mesmo, tudo bem, mas precisa se decidir porque não vou mais te esperar.
Ela levanta os olhos para mim, hesitante.
— Você ficou com alguém depois de mim? — pergunta e finalmente consigo me mover
porque sei que dúvidas estão surgindo e pretendo esclarecer cada uma delas.
— Não.
Dou um passo em sua direção.
— Não ficou com a Beverly? — Ela arqueia uma sobrancelha, em dúvida. No seu lugar,
eu também estaria.
— Não toquei nela.
Dou outro passo.
— Faith?
— Já não a vejo há bastante tempo. E a resposta da primeira pergunta engloba as outras
duas que você acabou de fazer.
Paro, poucos centímetros de conseguir tocá-la.
— Então por que você apareceu com Beverly no Purple Ride aquele dia?
— Porque estava com raiva.
— Sempre que você estiver com raiva de mim ou brigarmos, é assim que vai lidar?
— Depende.
Mackenzie tomba a cabeça para trás, exalando todo o ar que infla seu peito.
— Será como uma briga ou como um término? — indago, pensativo.
— Não importa. Você não pode aparecer na minha frente com outra garota só para me
provocar, Bryan. Você me machuca quando faz isso.
— Você também me machuca.
— Provavelmente farei outras vezes.
— Eu também.
Estico a mão para tocar na alça de seu cropped de renda vermelho. Sinto sua pele se
arrepiar sob a ponta de meus dedos. Passo o indicador entre a pele sensível ao toque e a
alça fina do tecido. Mackenzie arqueja o ar quando meus dedos mudam o rumo para sua
nuca e a puxo para perto com um solavanco. Ela arfa contra meu pomo de adão e agarra as
laterais do moletom, fazendo-me dar mais alguns passos adiante.
— Você tem tanta sorte de ter meu coração nas mãos.
Colo minha boca à dela para impedir que diga qualquer outra coisa. É uma grande
responsabilidade para mim, depois de tantos anos, cuidar do coração de Mackenzie.
Mordo e sugo seu lábio inferior, ela afunda as mãos em meu quadril e busca briga com a
bainha de minha camiseta, querendo contato com minha pele.
Corro com o braço esquerdo por sua cintura e a envolvo, erguendo-a alguns centímetros
do chão. Sua língua se delicia com a minha. O seu sabor se alastra em minha boca e grunho
ao senti-la afundar os dentes na carne ferida do meu lábio inferior.
— Desculpa — pede ao se afastar.
— Não esquenta.
Desço as mãos pela parte de trás de suas coxas. Cravo os dedos na carne saliente de
suas pernas e a puxo para cima. Ela soterra os calcanhares cobertos pela meia arrastão em
minha lombar e caminho para o sofá, que é o lugar mais próximo e confortável de nós. Eu
me sento e a mantenho em meu colo. Ao tentar se levantar, agarro-a pela cintura e volto a
sentá-la em mim.
Meu pau está rígido, faz tanto tempo que não transo com ninguém que qualquer toque
inocente dela pode me provocar erupção.
Tiro o moletom que delimita meus movimentos e não me permite tocá-la como gostaria.
Mackenzie me ajuda, afundando as mãos em meus ombros e escorrega com o moletom por
meus braços. Ela o joga no chão e volta a me beijar. Minhas mãos vão para sua cintura. A
pele quente e arrepiada de Mackenzie causa em mim pensamentos impróprios.
A primeira vez que a toquei intimamente estava indo devagar. Me controlando para não
ultrapassar nenhum limite, respeitando sua inexperiência e tentando dar a ela tempo para
pensar sobre o momento. Não queria que fizesse nada por impulso, mas agora quero ser
mais como o Bryan que estou acostumado do que o Bryan controlado. Quero senti-la de
todas as formas possíveis e vê-la reagir a mim sem se privar de nada.
Mas sinto que Mackenzie não está tão tímida e acuada como na primeira vez. Suas mãos
passeiam por meu abdômen e sua virilha pressiona a minha seguindo seu instinto. Não é
por experiência ou por já ter feito antes, tudo é baseado na urgência de seu corpo e na sede.
Sei disso porque se atrapalha ao tentar tirar minha camiseta, os dedos acabam embolados
na barra dela e, quando a afasto para ajudá-la, eles tremem.
Quando estou livre dela, Mackenzie volta para me beijar. Seus lábios passeiam pela base
de minha garganta e sobem para o meu queixo, criando rastros úmidos pela mandíbula.
Entreabro a boca para receber sua língua e travamos uma batalha por necessidade.
Rebolando contra minha ereção, gemendo à base de minha orelha e me obrigando a manter
a cabeça no lugar.
Hoje não é um bom dia para sexo.
Hoje não é o dia para transar com ela.
Se eu sequer deixar parecer que quero, Mackenzie pode pensar errado de novo. Vou
deixá-la nos guiar desta vez.
Mackenzie se afasta e desliza os dedos por minhas costelas. Faz um caminho com a unha
do indicador pela fenda no meu peitoral, nas marcas arroxeadas pela surra que Jev me deu.
Os hematomas são grandes e assustadores, mas não doem mais.
— Que foi que ele fez com você? — Os olhos tristes dela acompanham os rastros
deixados em minha pele.
Seguro-a pelo pulso, pedindo que pare.
— Dói?
— Não. Eu estou bem.
Ela se inclina e beija meu peitoral, desce seguindo a trilha de ossos até minha coluna.
Beija os hematomas e continua, dessa vez, rumo aos gomos do meu abdômen. Eu não a
detenho, deixo que siga do seu jeito, comandando os movimentos e só me permito reagir ao
seu toque. Ela escorrega entre minhas pernas até estar de joelhos no chão e se atrapalha
mais um pouco com minha calça. É um moletom leve e fácil de ser retirado, mas as mãos
trêmulas são um empecilho para que concretize o plano. Mackenzie me envia um sorriso
torto, desculpando-se por ser tão embaraçosa.
— Relaxa, Passarinho. Nada precisa acontecer hoje.
— Cale a boca, Bryan! E se continuar me chamando assim, você vai ficar sem transar por
muito tempo ainda.
Acabo rindo e passo o polegar e indicador pela boca, ilustrando um zíper. Mackenzie,
entretanto, desiste e se levanta. Faço uma careta em protesto e estende uma mão para mim.
— Vamos pro meu quarto. Se a Effy pegar a gente aqui estamos ferrados.
Concordo e seguro sua mão. Ela me guia para o quarto, andando de costas pelo
vestíbulo escuro e só consigo ver a silhueta de seu rosto.
— Tenho só uma pergunta — digo assim que atravessamos e ela tranca a porta atrás de
mim.
— O quê?
Quando me viro, Mackenzie está passando o cropped pela cabeça. Fico paralisado, com
um sorriso débil, enquanto a olho. Ela é linda demais. Não está usando sutiã, os seios estão
saltados e os bicos escuros entumescidos de tesão. Minha garganta está seca e perco o
rumo do que estava falando.
— Eu me esqueci — confesso e umedeço os lábios olhando para ela.
Mackenzie fica desconfortável por eu parecer um tapado. Cobre os seios com o braço e
caminha até a cama. Dobra uma perna sob o corpo e a outra pende para fora.
— Você ficou todo idiota por me ver seminua — diz com uma entonação provocativa. —
Parece que derrubei todas as suas barreiras de bad boy. Uma por uma — pontua.
— E você está se achando por isso. — Eu me aproximo e Mackenzie escorrega o corpo
até estar completamente deitada na cama. Debruço sobre ela e deixo um beijo em seus
lábios. — Eu me lembrei. — Mordo o lóbulo de sua orelha e o puxo. Sua coluna se projeta
contra meu corpo. — Você vai me mandar embora depois? Só quero ter certeza de que não
vou me queimar se brincar com fogo.
Mackenzie solta uma risadinha baixa.
— Não vou te mandar embora depois.
— Então, não somos mais amigos?
— Desde quando amigos se beijam assim?
Ela me puxa de volta para seu corpo e prensa sua boca contra a minha outra vez. Eu a
faria rugir meu nome agora mesmo se não estivesse tão emocionalmente envolvido, mas
sinto que, por estar apaixonado por ela, o sexo será melhor ainda.
Mackenzie envolve meu quadril com as pernas e me joga na cama. Caio com os braços
abertos no colchão, seus mamilos rijos ficam a poucos centímetros do meu rosto quando
ela prende meus braços acima da minha cabeça, imobilizando-me.
— Eu não sei fazer isso direito, Bryan, você tem que me ensinar. — As bochechas
salientes ficam vermelhas de rubor. Abro um sorriso malicioso.
— Vou te ensinar todas as coisas que quiser aprender, baby.

“Eu preciso que você saiba que
Ontem à noite eu liguei o foda-se
Eu percebi que preciso de você aqui
O tão desesperado quanto pareça, yeah-eh
Vou dizer a elas que sou seu
E com muito orgulho
Eu sou forçado a me render, pois
Vivemos em uma época onde tudo é encenado
Onde tudo que fazemos é disfarçar nossos sentimentos
Eu estive com medo de me expor desse jeito
O tempo está acabado, yeah”
WOKE THE FUCK UP – JON BELLION

Mackenzie e eu derrubamos barreiras hoje. A sensação de estarmos mais próximos me
diz que seremos indestrutíveis daqui para a frente. Eu posso colocar a porra do mundo ao
chão se ela estiver comigo. Tudo que penso enquanto inclina seu corpo para esbarrar
nossas bocas mais uma vez nesta noite, depois de tudo que vivemos, só me prova que a
influência do passado no nosso relacionamento não é mais tão potente. Nós estamos no
comando. Esse sentimento de prepotência que se apodera de mim me deixa ainda mais
corajoso, ganho força para me armar e enfrentar tudo o que vier.
A boca de Mackenzie é habilidosa. Ao seguir os instintos sexuais dentro dela, despeja
beijos por todo o caminho em direção a minha virilha. Refazendo a trilha rumo ao meu
sexo, que pulsa.
Jogo a cabeça para trás, meu corpo reage ao seu toque em soluços intensos. Estou louco
para que ela me livre de uma vez por todas dessas camadas de roupas que, na verdade, não
são nem tão grossas. Impaciente, ajudo-a a descer a calça e a cueca. Quando meu membro
salta para fora, vivo e ávido, Mackenzie se senta sobre minhas coxas, cobre os seios mais
uma vez com o antebraço e leva o polegar à boca, mordendo a ponta. Ela está reprimindo
um sorriso tímido e tento não a apressar.
Seguro-a pelo pulso, trago seu corpo para perto e envolvo sua cintura para mantê-la
relaxada. A palpitação de seu coração é inquieta, a pele de sua barriga roça a glande de meu
pênis e inspiro o perfume doce de seus cabelos recaindo sobre meu rosto. Ela beija a parte
rígida de minha mandíbula e lambe a curvatura de meu pescoço. Aproveito a brecha para
morder seu ombro nu, sugo a pele e afasto o rosto para ver a marca vermelha. Deposito um
beijo casto no lugar.
Mackenzie escorrega entre minhas pernas e se ajoelha no chão. Eu me sento para vê-la e
entender o que está tentando fazer. Suas mãos vão para a minha lombar, espalmadas e
afunda os dedos em minha carne, cravando as unhas. Com um ímpeto de urgência, arrasta-
me para a frente, próximo à borda da cama.
— Você dita as regras — digo com um sorriso travesso. Ela move a cabeça contida, sem
esconder os dentes ao abrir um sorriso.
Quando sua língua toca a ponta do meu pau e sua boca escorrega pela extensão, minha
coluna se projeta pedindo por mais. Mackenzie comprime a boca, deslizando-a de leve até a
base e subindo em uma cadência perfeita. Controlo a respiração, inclino a cabeça para trás
e não resisto levar uma das mãos à base de sua nuca. Agarro os fios de cabelo desalinhados,
guio os movimentos no ritmo em que a excitação pede.
— Porra, assim! — grunho, mordo o lábio e levanto o quadril, movendo-o devagar em
sua boca.
Mackenzie geme baixo contra mim e aumento a velocidade com que invisto entre seus
lábios. Ela os fecha em volta de mim, tornando a passagem estreita e quente. Suprimo o
suspiro e agarro o lençol entre os dedos. Não quero gozar. Não ainda.
Tento anuviar os pensamentos, divagar com coisas que não se referem à Mackenzie
seminua ajoelhada entre minhas pernas, abocanhando, chupando-me ou introduzindo meu
membro em sua boca deliciosa.
É tudo contraditório; quanto mais tento não pensar para não gozar, mais eu penso nas
inúmeras formas que temos de nos envolver.
De repente, ela para e abro os olhos para fitá-la. Os seus estão erguidos para mim,
curiosos, querendo compreender o motivo de eu ter cessado os gemidos e diminuído o
ritmo. Não preciso dizer em voz alta para que entenda. Só de olhar para mim, Mackenzie
nota que estou tentando não convulsionar no clímax com seus movimentos específicos, a
língua ágil e aveludada percorrendo toda a extensão da minha ereção, que estou tentando
não me deixar levar pelos pensamentos impuros nem imaginando ela de quatro nessa
cama.
Seu olhar é invasivo. Ela afasta o suficiente para que a luz do fim de tarde toque parte de
seu rosto e posso observá-la melhor. O olhar sacana faz com que eu me arrepie inteiro e
vagarosamente, percorre com a língua a ponta de meu pênis, provocando-me. Não. Me
desafiando a aguentar a tortura. E continua, desce pelas veias saltadas e mordisca a lateral
da carne quente, sem se sensibilizar com meus esforços para tornar esse momento mais
longo.
Agarro a lateral do colchão, arqueando a coluna quando o jato quente esguicha de mim
para o rosto suado de Mackenzie. Todo o esforço que fiz não adiantou de nada e ela está
rindo feito uma idiota quando me jogo no colchão. Cubro os olhos com o antebraço. Meu
corpo se torna uma superfície inflável, puxando doses e mais doses de ar como se meus
pulmões não conseguissem filtrar.
Mackenzie rasteja sobre meu corpo até chegar a minha boca, cobrindo-a com a sua
demoradamente. Cerco sua cintura com um de meus braços e acaricio a pele quente.
— Você parece satisfeita! — Um tom de brincadeira circunda minha voz e Mackenzie ri.
As pontas intumescidas de seus mamilos tocam meu peito, bastante atrevidos.
— É porque estou.
— Eu também. — Beijo sua bochecha úmida de suor. — Não tô me referindo só a você
me fazer gozar. Falo sobre nós dois.
— Nós estávamos acostumados a brigar o tempo todo — reflete, ajeitando a coxa entre
minhas pernas. Chuto os pés para me desfazer por completo da calça. Me ajeito na cama,
trazendo-a junto comigo até estarmos encostados à cabeceira. Mackenzie está gentilmente
fazendo desenhos ininteligíveis em meu peito desnudo. — O que nós somos agora? — Ela
acomoda a cabeça embaixo do meu queixo. Estou de olhos fechados e tentando regularizar
minha respiração ainda.
— Não sei. Sua mãe me odeia — lembro a ela, acariciando os fios de cabelo soltos sobre
meu braço. Uma de minhas mãos está envolvendo sua escápula e meu indicador percorre o
braço que está sobre meu tronco.
— A sua também.
— E a gente não dá a mínima? — Preciso ter certeza de que estamos na mesma sintonia,
que o fato de nossos pais não nos apoiarem não se torne uma barreira.
— Não quero provocar a minha mãe. Meu pai saiu de casa tem duas semanas. Tia April
ficou para tentar aliviar a tensão, mas ela está bastante chateada. E tem o que aconteceu
comigo. Isso está a enlouquecendo.
Meneio a cabeça em um aceno positivo.
— Podemos manter isso por segredo por enquanto?
A ideia de esconder que estamos juntos não me agrada nem um pouco, mas, no
momento, aceitaria qualquer sugestão de Mackenzie só para estar com ela. Minha
consciência acaba ironizando esse pensamento, porque até um tempo atrás,
relacionamentos eram um erro e tanto para mim. Não é que nós tenhamos mudado, mas
concordamos em fazer dar certo sem mudar nossos princípios.
— Se é o que você quer. — Beijo sua testa e descanso a cabeça na cabeceira. Fecho os
olhos e inspiro fundo. Agora que meu coração conseguiu encontrar o ritmo certo e já não
durmo direito há semanas, estou quase me entregando ao cansaço por completo.
— Minha mãe não sabe que voltei para cá — revela e isso explica a mala.
Arregalo os olhos para ela, com uma sobrancelha arqueada.
— Não consigo mais morar com eles, quer dizer, eu saí de casa com um propósito:
independência. Voltar para lá foi como regredir uns dez mil passos. Tia April disse que
conversaria com minha mãe, tentaria convencê-la de que ela não pode mais me dar
sermões ou me colocar de castigo. Principalmente por uma coisa que eu não fiz.
— Para Maisie, você ainda é um bebê que precisa ser protegido.
— Mas eu não sou mais um bebê. — Abro os olhos a tempo de vê-la rolar os seus e
soprar uma corrente espessa de ar. — Até quando ela vai me dar ordens?
— Até o fim da vida dela. — Passo o outro braço por cima de seu corpo, rindo. — Acho
que só vamos entender quando tivermos filhos e essa baboseira toda. Parei de tentar
compreender os motivos da minha mãe há tempos. Tento deixá-la menos preocupada
sendo sincero, por exemplo, conto coisas como sexo e garotas. Eu a tranquilizo com exames
anuais e, às vezes, deixo camisinhas à vista no quarto só para ela ter certeza de que sou
responsável. Ajudo financeiramente e ligo quando vou passar a noite fora. Coisas do tipo.
— É bom saber que você não tem nenhuma doença sexualmente transmissível! —
Mackenzie zomba e deixa um beijo sobre a pele do meu peito.
Demonstrações de afeto parece fácil entre nós e me lembro de que não era tão difícil
mostrar que me importava quando estávamos no colégio. Como quando Logan e ela saíram.
Eu me importava com isso, preocupava-me que ele pudesse ser babaca e eu a protegia.
Agora é só transferir essa preocupação para o físico. Tocá-la carinhosamente quando
menos espera – sem ser por segundas intenções – e afagar seus cabelos até que durma. São
coisas simples que aprendi com meu pai. Ele fazia o tempo todo com minha mãe. Acho que,
por essa razão, é difícil para minha mãe superá-lo, porque se lembra de momentos como
esse onde estou com Mackenzie aninhada em meus braços e conversando aleatoriamente.
Mackenzie se afasta e se arrasta para fora da cama. Ruma para a porta e fico olhando
para aquela direção, esperando que volte. Escuto o barulho da porta do banheiro abrir e
fechar.
Seu corpo miúdo aparece alguns minutos depois, coberto pela minha camiseta que a
esconde até a coxa. As mangas da camisa são largas, porém os seios e o quadril se
enquadram perfeitamente ao seu corpo. Ela caminha com um sorriso de volta para cama.
Pega a ponta do lençol e o traz nos cobrindo. Desta vez, deita-se ao meu lado, apoia o
cotovelo no colchão e ampara o rosto contra a mão aberta.
O seu rosto cheira à sabonete de limão e os cabelos estão presos de novo.
— Se vamos fazer mesmo isso, teremos regras — diz, sobressaltada. Estreito os olhos
para ela, e, mesmo que não esteja tão vulnerável como minutos atrás, estou disposto a
aceitar qualquer coisa. — A primeira é: nada de garotas. De jeito nenhum. De nenhum tipo.
Mesmo que formos manter em segredo, você não tem o direito de sair com ninguém —
pontua, com o indicador ameaçador em direção ao meu rosto. Mordo o ar como se quisesse
mordê-lo. Mackenzie ri e o esconde sob o tecido fino do lençol. — A segunda coisa é que nós
precisamos sair mais, quer dizer, a gente não se conhece de verdade. — Arqueio uma
sobrancelha, confuso. — Não como um casal. Como eu disse, estamos acostumados a altos e
baixos. Nós não sabemos como lidar com isso — aponta para nós dois — de outra forma.
Nós brigamos e brigamos, e brigamos… E não sabemos como introduzir um relacionamento
nessa história. Terceira e última regra: nós nunca mais devemos usar o passado em nossas
discussões. Por qualquer motivo, nós conversamos, perdoamos e decidimos esquecer. Eu
preciso ter certeza de que superamos essa fase. Alguma objeção?
— Nenhuma objeção. Você é bem ciumenta — acrescento com um murmuro, brincando
com a costura do lençol enquanto rio de sua careta repreensiva pelo meu comentário.
— Você sabe como é insuportável ver alguém que você ama com outra?
— Eu te vi com Aidan, foi péssimo pra mim.
— O problema é que você não demonstra e isso me enfurece também. — Eu me inclino
em direção a ela, comprimindo o lábio para não rir. As bochechas proeminentes de
Mackenzie estão coradas e ela fica bastante fofa com ciúmes, preciso admitir. — Eu odeio
sentir ciúmes, então pare.
— Hum, tudo bem. — Por fim, estou deitado, puxando o lençol até a altura do pescoço.
Coloco a mão em sua cintura, trazendo seu corpo para perto. Consigo extrair dela uma
risada contida e aproveito para beijá-la mais uma vez.
Meus dedos deslizam por seu quadril e sinto o jeans de seu short sob os dedos.
— Por que diabos você ainda está vestindo isso? — Começo a desabotoá-lo. — Vou
acrescentar uma regra. Estar com você é uma coisa que eu desejo há muito tempo, vamos,
por favor, ficar sem as roupas na maior parte do tempo que for possível?
Mackenzie não contradiz, faz que sim com a cabeça e a ajudo a tirar o short e subo a
bainha da camiseta que veste, deslizo o dedo pelo caminho entre seus mamilos e belisco a
ponta de um deles. Ela arqueja e volto a beijá-la.
Sei que precisamos conversar sobre muitas coisas ainda, como Jev e como ela tem se
sentido desde que eu sumi, mas, por ora, nenhum de nós está interessado em deixá-lo
estragar as boas lembranças que estamos tentando construir aqui e agora.

Eu não sei por que pensei que poderia enganar minha mãe. Ela não acredita fácil assim
nas coisas que digo, principalmente quando passei três semanas fora de casa e volto com
hematomas demais para conseguir disfarçá-los com uma desculpas de que Aidan e eu
tivemos um desentendimento. Minha mochila pesa em meu ombro direito, mais que o
normal. Não tenho tantas coisas nela assim para que meu corpo penda tanto para um lado
só.
Conheço esse olhar inquisitivo que sombreia os olhos da Sra. McCoy, ou melhor, Sawyer.
Às vezes, esqueço-me de que, com o divórcio, minha mãe voltou a usar o antigo sobrenome.
— Você se meteu em uma briga, não foi? — Deixo a alça da mochila escorregar por meu
braço direito, não conseguiria segurar nem por mais um minuto.
Mackenzie relutou muito quando disse que eu precisava vir para casa. São sete da noite
e o medo que ela tem, na verdade, é tão meu quanto dela.
Nós passamos por altos e baixos nos últimos meses. O que sentíamos um pelo outro
vivia em corda bamba. Mas já ouvi que amor e ódio vivem paralelos em uma linha tênue.
Me ver sair pela porta de seu apartamento, mesmo eu jurando que voltaria mais tarde,
pode ter feito com que brotasse mais dúvidas em sua cabeça. Nós concordamos em ficar
juntos, mas não temos certeza de quanto tempo essa amenidade irá durar.
Mas falando sobre minha mãe, assim que me viu com marcas no rosto, não acreditou
nem por um segundo que Aidan seria capaz de me agredir – ela não tem ideia de como a
mão desse cara é pesada quando está com raiva –, mas em teoria, se me dissessem que
Aidan Lynch espancou alguém até que as entranhas se contorcessem, nunca acreditaria.
Não é da personalidade dele ser tão explosivo. Aidan consegue ter o controle e manter suas
emoção sob influência do cérebro. Ele pensa muito com o coração, mas sabe a hora de usar
a cabeça.
Percebo que, se eu continuar insistindo que Aidan e eu brigamos, e os hematomas
esverdeados em mescla ao roxo em meu rosto são graças ao punhos pesados do meu
melhor amigo, ela fará exatamente o que Aidan disse que faria: irá até a mansão Lynch e
descobrirá que, na verdade, essa merda fede mais do que parece.
— Entrei. Foi mal, mãe.
Ela respira pesado, a decepção flui em seus olhos.
— Com quem? Eu devo me preocupar? Por que é você está sempre se metendo em
confusão? Bryan, pelo amor de Deus! Você viu o que aconteceu com a Mackenzie três
semanas atrás.
Aperto os lábios, porque apesar de ter escutado sobre tudo, através de outras pessoas,
não estive aqui para reconfortá-la como deveria. Nunca duvidei de sua inocência.
Quero respeitar a decisão de Mackenzie de mantermos nosso “relacionamento” não
definido. Portanto, preciso mudar de assunto. Começando por não dar brechas para que o
assunto central de nossas conversas seja Mackenzie.
— A briga foi por uma idiotice, então relaxa, mãe. Não foi nada de mais. — Se contar
sobre Jev, as coisas ficarão bem pesadas por aqui.
Ela solta um suspiro de alívio, não posso negar que sempre que presencio a tensão nos
ombros de minha mãe se atenuar, não me arrependo de omitir algumas coisas. A vida não
tem sido fácil e tenho notado sua grande evolução por causa do tal namorado misterioso
que ainda não deu as caras.
— O jantar de noivado do seu pai é em novembro.
Esse maldito jantar. Está marcado há meses e ainda não consigo compreender por que é
que minha mãe quer ir. Não importa quantas explicações já tenha dado, ainda não entendo.
— Tem certeza de que quer ir?
— Tenho.
— Não vou te impedir. Diz que mandei “boa sorte” para a nova esposa dele.
— Ele só se casará no ano que vem. Nada é concreto ainda. É só uma festa de noivado,
sabe como seu pai valoriza as tradições. — Minha mãe cobre a perna esquerda cruzando a
direita por cima. — Estou pensando em levar o Mathew no seu lugar.
— Ah, então esse é o nome do corretor?
— Sim, Mathew Hardway.
— Mãe, espera um pouco. — Levanto a mão para interrompê-la. — O seu namorado é o
dono da corretora Hardway?
— Sim, por quê?
— E não foi ele quem ajeitou a venda do parque para o Darnell?
— Acho que sim. Não sei, Bryan. Math e eu não conversamos muito sobre trabalho.
Trabalho é trabalho.
Mathew Hardway não é de todo um cara ruim, mas sabemos que ele é completamente
contra o “reinado” de Thomas Linderman nesta cidade. É um cara bacana, mas nunca me
passou pela cabeça que ele e minha mãe estariam tão envolvidos. Principalmente porque
ele deve ser uns dez anos mais novo. Não que seja um problema, só não é comum. Homens
ricos preferem mulheres mais novas, como, por exemplo, Darnell e Dannya.
— Hum, então você diz ao Math que eu mandei um “oi” — digo com um sorriso ao pegar
a mochila do chão e mudar meu rumo para as escadas. — Preciso de um banho. Vou jantar
fora.
— Jantar fora? — Paro a tempo de ver minha mãe reclinada para o lado, com um sorriso
idiota no rosto. — Tipo um encontro? Quem é a garota? Bem que percebi que você estava
esquivo demais. Queria se livrar de mim para poder sair logo.
— Algo do tipo, mas assim como manteve seu segredo sobre o Hardway, vou manter o
da minha garota também.
— Se for dormir fora de novo me avise e nada de arrumar confusão na rua, Bryan. Estou
falando sério! Se voltar com outro olho roxo, vou te amarrar na cama!
— Pode deixar.

Todo o apartamento de Mackenzie é um cheiro mesclado de alho e cebola. Assim que


apareço, levo um susto ao me deparar com Gravity em casa. Segundo Mackenzie, ela cobrirá
o turno da noite para uma colega de trabalho no restaurante em que está atendendo como
hostess. A verdade é que, assim que Vity põe os olhos sobre mim, escrutina meu rosto tão
fundo que é como se tivesse cravado as unhas afiadas em minha carne, e sabe que tem algo
rolando entre mim e Mack. Apesar de não perguntar, Gravity sabe.
Ela nos dá privacidade e assume a cozinha. Diz que fará um frango frito com molho de
tomate. Não sei seu nível de conhecimento na cozinha, mas o de Mackenzie é bem fraco.
Effy é quem comanda a cozinha do apartamento, na maioria das vezes, é o que Gravity
resmunga quando, sem querer, coloca fogo na panela com óleo.
Ofereço ajuda, mas ela não aceita e me mantenho sentado no sofá, a dois lugares de
distância de Mackenzie. Estamos estranhos um com o outro. Passamos algumas horas
juntos hoje, o que faz com que a esquisitice de agora assuma um nível bem maior que o
esperado. Talvez não saibamos agir como amigos, tampouco quanto como casal.
Mack beberica do vinho em goles curtos. Mantém os olhos fixos na tela da televisão em
um episódio de Todo mundo odeia o Chris, no Comedy Central. Gravity e eu optamos pela
cerveja. É um clima estranho demais. Ora ou outra desvio a atenção para Mackenzie, não
consigo flagrá-la nem uma única vez me olhando. É desconfortável pensar que poucas
horas antes ela esteve ajoelhada entre as minhas pernas e agora somos dois completos
estranhos.
Ainda tem uma ferida em processo de cicatrização no meu lábio inferior. Dói sempre
que levo o gargalo da garrafa à boca e contorço o nariz de reprovação. Toco o machucado
com o polegar e deposito a long neck sobre a mesa de centro. Subo os olhos para o outro
lado, a tempo de ver Mackenzie arquejando o ar com força e se levanta, rastejando em
minha direção.
Minhas sobrancelhas se curvam e ela se aninha ao meu lado. Puxa as pernas para cima,
dobrando-as de lado. Meu braço está esticado no encosto e, com um movimento sutil,
Mackenzie pega a minha mão e a coloca sobre seu ombro.
— Não me olha assim — diz com um tom de repreensão, mas tem um sorriso no final da
frase.
— E aquele papo de “vamos manter em segredo”? — inquiro, sem desviar os olhos do
programa.
— Cale a boca! — ela ri enquanto sacode a cabeça de um lado para o outro.
— Ah! — Gravity exclama. Mack e eu voltamos os olhos para a figura ereta de braços
cruzados a alguns metros de distância. Seus olhos de águia parecem de um ser supremo e
julgador. No lugar de Aidan, eu teria medo de Gravity e não a afrontaria. — Pensei que
vocês iriam fingir a noite toda.
Mack e eu nos entreolhamos.
— Qual é! Vocês são muito transparentes! — Revira os olhos. — Nem se quisessem
mesmo manter em segredo funcionaria. Não com vocês. — Apanha a garrafa da superfície
da ilha e beberica um gole da cerveja, tombando a cabeça para trás. — É óbvio, é difícil
explicar. Deve ser química.
— Sabe, eu achei que você não aprovasse — Mackenzie ri, cruzando os braços.
— Não aprovo o modo como vocês se divertiam torturando um ao outro. Mas aprovo
um relacionamento saudável. — Outro gole longo e vejo a garganta de Gravity se mover
enquanto engole. Ela está esvaziando a primeira garrafa bem rápido e começo a me
preocupar. — E, Mackenzie, sua mãe ligou. Está puta. — Ela volta sua atenção para o fogão
e sinto o corpo de Mackenzie endurecer sob meu toque. — Disse que você desobedeceu.
— Quando é que ela vai entender que não sou mais criança? — grunhe, sacudindo a
cabeça.
— Você tem que decidir o que vai fazer, afinal, é uma garota que mora sozinha e
desempregada. As coisas vão ficar complicadas. Não ganho tão bem no Veins como ganhava
no Purple Ride. E Effy vai surtar, anota o que eu estou dizendo. — Com um garfo, aponta
sobre o ombro para nós.
— Estou tentando alguma coisa na faculdade — Mackenzie esclarece, mas, pela tensão
em seus ombros, não está tão confiante. — Vou dar um jeito, mas não posso voltar para lá,
Gravity.
— Não estou dizendo que precisa voltar, só não pode mais ficar em casa esperando a
oportunidade cair no seu colo. — Gravity desliga o fogo, bebe o último gole da cerveja e
caminha em nossa direção. — Já se passaram três semanas. Precisa conversar com alguém
sobre o que aconteceu e voltar para a vida real, princesa. Seu castelo de areia está
desmanchando. — Vity pega a bolsa no cabideiro.
— Aonde é que você vai?! — Mack praticamente grita.
— Para o trabalho.
— Eu pensei que…
— Eu vi o moletom do Aidan no sofá quando cheguei. Pensei que talvez ele tivesse
aparecido à tarde para te ver, mas, quando coloquei meus olhos em Bryan, soube que era
ele. — Gravity se vira para mim. — Jev ainda é um empecilho, vocês deviam conversar
sobre ele antes de qualquer coisa.
Mackenzie bufa no instante em que Gravity bate a porta ao sair. Ela pega a taça pela
haste fina e a esvazia em questão de segundos. Vity queria que eu estivesse aqui e
escutasse, queria que eu soubesse de algo que Mackenzie não está me contando. Se Gravity
rompeu seu orgulho é porque está preocupada de verdade.
— Que foi isso?
— Nada.
Mackenzie se levanta em direção à garrafa de vinho na bancada. Ela se serve e dá uma
espiada no fogão.
— Ela cozinhou, que bom — ri ao retirar a panela do fogão e a coloca sobre a superfície
de mármore da ilha. — Vamos comer.
— Mackenzie. Sem mentiras. Sem segredos.
Rumo para a cozinha pequena onde ela anda de um lado para o outro em busca de
pratos e talheres. É como se Mackenzie estivesse perdida na própria casa. O que quer que
esteja fazendo, Gravity conseguiu desestabilizá-la. Sei que está a um nível preocupante
quando ela se assusta e deixa um copo cair. Os cacos no chão se tornam fragmentos
invisíveis.
— Não se mexa! — ordeno com a mão esticada.
Mackenzie está usando uma camiseta longa e larga, um short curto de moletom e meias
listradas de preto e vermelho. Se ela andar, vai acabar se cortando.
Sumo para a lavanderia e volto com a vassoura e uma pá. Limpo os cacos de vidro e
ajudo Mackenzie a atravessar o lugar onde quebrou o copo. Ela caminha com a taça na mão
de volta para a sala enquanto termino de limpar a cozinha.
Vez ou outra dou atenção para a garota pesarosa sentada ao sofá, o olhar perdido na
tevê. Pensei que estivesse assim mais cedo por minha causa, mas descubro que, na verdade,
estava com medo que Gravity desse com a língua nos dentes.
Alguma coisa me diz que Mackenzie está pisando em lugares mais perigosos que um
chão amontoado de cacos de vidro.
Quando termino tudo, volto para a sala. Desligo a tevê, para que não haja nenhuma
brecha de distração entre nós. Mackenzie comprime os lábios, em visível reprovação. Paro
na frente da tela apagada com as mãos erguidas na cintura.
— Fala.
— O quê? — Ela bebe, disfarçando.
— Do que a Gravity estava falando? O que você tá fazendo que não pode me contar?
— Podemos conversar sobre isso depois?
Mackenzie se levanta, deixa a taça na mesa de centro e exila a distância que habita entre
nós. Entrelaça os braços em meu pescoço e fica na ponta dos pés para me beijar. Não a
afasto, retribuo o beijo. Sua língua adocicada almiscarada com o álcool se funde ao azedume
da cerveja no instante em que elas se tocam. Cerco sua cintura fina com os braços e a puxo
para mais perto, grunhindo à medida que o beijo fica intenso. Eu me sinto vivo e explodindo
em expectativa com as mãos hábeis de Mackenzie passeando pela pele do meu abdômen.
Concentre-se, Bryan!
Fecho as mãos em seus punhos e a afasto. Os lábios inchados e vermelhos de Mackenzie
estão umedecidos com minha saliva. Ela contorna a carne viva com a língua e arfo ao fechar
os olhos.
— Não podemos. Hoje mais cedo nós…
— Nós seguimos nossos desejos. Não tem nada com isso.
— É, mas eu não tenho certeza de como você está se sentindo. — Mackenzie vinca a
testa. — Quando eu te toco, você se incomoda? Você se recuperou do que aconteceu? Eu
não sei. E, pelo modo como Gravity te denunciou, tá bem claro para mim que você não tá
me contando tudo. O que foi?
— Eu estou procurando por ele — Mackenzie diz simplesmente, lançando a bomba em
meu colo. Não consigo resistir ao espanto, meu queixo dobra e minhas pernas tremem.
— Como é?
— É claro que eu não estou totalmente bem, Bryan. Você é a única pessoa que já me
tocou e que eu já toquei desse jeito; o que nós dois temos, não tem nada a ver com Jev ou o
que aconteceu. Não estou traumatizada com o toque, com a intimidade ou insegura — ela
cospe, apontando para o próprio peito. — Estou traumatizada com essa segurança de
merda de Humperville, que não está fazendo nada para prender esse lunático! Então, estou
fazendo por minha conta!
— Você está fazendo o quê?
Conheço esse olhar opaco. É o mesmo que me atingiu quando me senti traído por
Mackenzie. A mesma raiva que pede vingança.
— Quero encontrá-lo, Bryan. Fazê-lo confessar o que fez comigo e mandá-lo para a
prisão. Se ele sair amanhã ou depois de lá e vir atrás de mim, é um problema com o qual só
vou me preocupar quando chegar a hora. Tudo o que eu quero agora é que ele pague pelo
que fez.
Eu a entendo. É o mesmo sentimento que tive, mas, se Mackenzie continuar, pode se
machucar. Eu sobrevivi à Jev e se ele fizesse o mesmo com ela ou, até pior, talvez ela não
conseguiria.
— Mackenzie.
— Bryan, não.
— Você não tá pensando direito!
— Eu tive três semanas para pensar, enquanto você estava com Beverly e eu precisava
digerir o que tinha acontecido.
— Nós combinamos de não jogar o passado na cara um do outro.
Mackenzie aperta a boca com força, reprimindo a necessidade de voltar atrás.
— Desculpa — ela pede, frustrada e se senta no sofá. Mackenzie ampara as mãos
abertas contra o rosto. — Eu perguntei por ele na revista, mas Jev nunca trabalhou lá. Eles
nem o conhecem. Ryde me contou também que Jev se mudou para cá cinco dias depois de
mim, o que significa que planejou tudo.
Eu me aproximo e me sento ao seu lado. Acaricio suas costas e beijo sua têmpora.
— Ele não deixou nenhum rastro. Nada. A polícia investigou o apartamento. Não tem
nenhuma digital dele no meu copo! Nada que comprove que eu fui drogada contra minha
vontade! — esbraveja, apertando as laterais do sofá. — Tudo que encontraram foi meu
copo, com a minha saliva e resquícios das drogas. O filho da puta não deixou nada que
pudesse incriminá-lo. A única coisa que faria com que a polícia mantivesse esse caso seria
uma confissão dele.
— Mesmo que você o encontre, ele não vai confessar. Acredite em mim, Mackenzie. Se
fizer isso, terá que arrancar dele.
Mackenzie está com os olhos molhados quando levanta o rosto para mim. Com a ponta
do indicador, acaricia os lugares que lutam pela cicatrização.
— Não estou dizendo que você não merece justiça, mas, enquanto Jev não voltar, será
difícil encontrá-lo — digo quando seu indicador toca meu lábio inferior, no corte fundo. —
Se quisermos pegá-lo, você tem que ter paciência.
— Você vai me ajudar?
— Eu faria qualquer coisa para me livrar desse filho da puta de uma vez por todas, mas
não podemos ser descuidados.
— A casa que você me levou — ela começa — dois anos atrás, se lembra?
— O que tem?
— Fui até lá semana passada. Tem uma placa de aluga-se.
Eu me levanto num rompante.
— Merda, Mackenzie, você foi até lá sozinha?
— Não tinha ninguém que eu pudesse levar!
— Escuta, esses caras são perigosos, Mackenzie! — Puxo os fios de cabelo em
frustração. — Você não tá considerando nem um por cento de como isso te coloca em risco.
Ela aperta os lábios e espero pela objeção.
— Você pode morrer em busca de justiça! Porra — murmuro e chuto a base do sofá. —
O que eles fizeram comigo não é nem de perto o que poderiam fazer com você. Você precisa
parar — decido com a mão na cintura. — Precisa parar de procurá-lo.
— Não posso — ela sussurra.
— Por que não?
— Porque estou cansada de injustiça!
Pressiono os lábios com força extracorpórea. Eu faria qualquer coisa para convencê-la a
mudar de ideia.
— Tem uma pessoa que pode cuidar disso pra gente, mas, se eu for atrás dele, precisa
me prometer que você não vai se colocar mais em risco.
— Quem?
— Me promete que, se eu fizer isso, você não vai mais procurar por ele.
— Pra quem você vai pedir ajuda?
— Me promete — repito.
Fisga o lábio inferior, pesando suas opções. Ela não tem muitas.
— Tudo bem, eu prometo.
Assinto e respiro fundo. Não acredito que vou fazer isso.
Pego o celular no bolso e disco o número.
Toca uma, duas, três vezes antes que escute a voz embevecida na linha.
— Tio Ryan. Sou eu, Bryan. A gente pode se encontrar?
O queixo de Mackenzie desce alguns centímetros, embasbacada com a voz na linha, mas
não volto atrás.

Ryan vive em um bairro para policiais aposentados, mesmo que ele não se enquadre
nessa descrição. Ele é solteiro, não tem filhos e mora em uma casa de dois andares no final
da Colonial Street, a uns quarenta minutos do apartamento de Mackenzie.
A vida do meu tio se resume à polícia, crimes e investigação. Nunca conheci ninguém tão
obcecado pela profissão como Ryan. O cara se envolve de um jeito em cada caso, que é
assustador.
Nosso passado é trágico e não temos a melhor relação. A verdade é que Ryan nunca foi
tão próximo de mim ou do meu pai, apesar de ter sido escolhido por ele para ser meu
padrinho.
Só sei sobre sua vida porque dois anos atrás precisei visitá-lo algumas vezes antes de
conseguir que saísse da posição de delegado de Humperville e o ter afastado de casos mais
sérios, como os de Mackenzie, onde ninguém quer levantar a porra da bunda da cadeira
para resolver.
Por justiça, por ela, vou ultrapassar uma linha tênue bastante vulnerável e instável
entre mim e ele. Hoje meu tio pode querer nos ajudar e ser útil, mas amanhã existe uma
possibilidade dele mudar de ideia e nos deixar em maus lençóis. É um risco que se corre
por uma boa causa.
A luz fraca da lareira trepida através da janela da sala e estamos dentro do carro há
cinco minutos. Enviei uma mensagem para ele assim que cheguei, como instruiu que eu
fizesse, mas nada dele aparecer. Estou decidido a bater em sua porta daqui a pouco se ele
não abrir nos próximos três minutos.
Mackenzie está inquieta, brincando com os dedos sobre o colo e mordendo o lábio
inferior impaciente. Estou tentando encontrar um jeito de confortá-la, mas é difícil. Há
muito tempo não sou alguém útil no quesito carinho e atenção ou até admirado por ser
completamente compreensível. Tudo que faço por ela é baseado nos meus instintos e
seguindo os sentimentos recentemente aflorados, porque meses atrás só havia espaço para
a raiva. Então é complicado encontrar o caminho certo para ser alguém em quem ela possa
se confortar.
Agarro-me à ideia de que, ao menos, estou tentando e ignorando o fato de que a grande
maioria não acredita pelo que Mackenzie passou com Jev. E são uns imbecis. Podem não
conhecer o Jev, mas conhecem Mackenzie. É claro que Gravity e Effy não se enquadram às
essas pessoas. As duas, segundo Mack, estão sendo muito mais que amigas. Percebo, pela
maneira como fala delas, que as vê como parte da família. Se Mackenzie um dia as perdesse
por qualquer motivo, isso acabaria com ela.
Um ruído range do portão elétrico da garagem. A luz fraca invade as frestas e chamam
nossa atenção.
Mack e eu viramos o pescoço em sincronia, rumo ao som estrídulo do portão se abrindo.
Vejo os pés do meu tio primeiro e, conforme ele se abre, mais partes dele consigo enxergar.
Os lábios estão em uma linha soturna de seriedade e uma camada crespa fina de barba
contorna os ângulos duros de seu rosto. Está vestindo calça cáqui bege, com bolsos nas
laterais dos joelhos e uma camiseta preta justa.
Ligo o carro porque entendo que quer que o guarde na garagem, já que está vazia.
— O que está fazendo? — Mackenzie sussurra ao segurar meu antebraço. Os dedos
estão trêmulos contra minha carne. — Você vai entrar na garagem com o carro? E se ele
estiver tentando alguma coisa? Não confio nele.
Cravo os olhos nela. Um misto confuso de medo e dúvida sombreiam sua expressão
amena. Dou um sorriso para tranquilizá-la e engato a ré do carro.
— Meu tio pode ser um babaca, mas não é nenhum assassino.
Contrariada, afasta a mão de mim e encaixo a traseira do carro primeiro. Escuto quando
Ryan espalma a mão no capô, dizendo-me para parar e tenho vontade de mandá-lo se
afastar porque vai deixar marcas de dedo por toda a superfície. Assim que termino de
estacionar, o portão desce e saio do carro. Mackenzie faz o mesmo, recosta-se à porta de
braços cruzados e paira os olhos céticos sobre meu tio.
Nós trocamos um olhar primeiro, Ryan e eu. Muitas coisas são ditas com isso, muita
raiva e rancor acumulados em uma única ação, mas nossas bocas permanecem fechadas e a
língua atravancada no céu para que eu não diga nada que possa ofendê-lo e assim
impedindo que nos ajude.
Mackenzie está se colocando em perigo por justiça. Posso tentar alertá-la quantas vezes
quiser, mas, ainda assim, não serão suficientes para convencê-la. Ela quer ter certeza de
que alguém está fazendo alguma coisa para protegê-la e, já que a polícia não pode cuidar
disso legalmente, talvez possamos fazer alguma coisa sob os panos. Não acho que Ryan
tenha sido corrompido pelo dinheiro, que Thomas ou qualquer outro político de merda
tenha conseguido comprá-lo. Se fosse o caso, ele ainda seria delegado.
A casa do meu tio está mais despretensiosa que da última vez que pisei aqui. A caixa de
areia de sua gatinha malhada, Thea, fica logo após atravessarmos a porta que nos leva para
a cozinha.
Mackenzie se agarra ao meu braço direito como uma âncora. Busco com os dedos sua
mão e a seguro com firmeza. Uma pilha considerável de louça suja se acomoda dentro da
pia e noto alguns mosquitos voando por cima de um pedaço de pizza velho dentro da caixa.
A próxima porta nos leva para a sala; e, ao nosso lado direito, à escada de madeira
branca, que dá para o segundo andar. Nós passamos direto por ela e a sala que costumava
ter uma televisão pequena sobre a lareira e dois sofás de três lugares, foi substituída por
uma pintura abstrata de um diamante. Ele é colorido, uma mescla de tons vermelhos, azuis
e amarelos, em uma prancheta com fundo branco.
Os dois sofás foram substituídos por uma poltrona atarracada e braços de apoio
extensos. Um tapete cinza peludo cobre todo o quadrado da sala.
Continuamos nosso caminho para a primeira porta aberta atrás da poltrona, ao lado
esquerdo. Ao direito, um corredor estreito, onde me lembro de que havia um quarto de
hóspedes, uma biblioteca minúscula e um banheiro social. A porta em que acabamos de
atravessar é o escritório bem mórbido de Ryan.
Ele tem um quadro que ocupa toda a parede que faz divisa com a sala, com um fundo
áspero de madeira clara como os quadros de investigação que vemos nos filmes do FBI.
Nele estão pregadas colagens de matérias de jornais dos últimos seis anos, fotografias de
bandidos e meu tio foi bastante criativo fazendo um X com pincel vermelho no rosto de
cada um deles. Suponho que esses foram os que a polícia conseguiu prender sem a
intervenção do dinheiro dos ricaços de Humperville.
Ryan assume sua cadeira de encosto largo atrás de uma mesa de revestimento. Pilhas
de papéis cobrem grande parte dela e a parede atrás é estampada com um mapa de
Humperville. O desenho da cidade foi feito a mão, dá para perceber pelos detalhes. Nunca
tinha visto nada como aquilo. Algumas casas têm o nome das pessoas como Thomas
Linderman, Darnell Lynch, Abernathy Williams e até mesmo em nosso bairro, Eastville.
Casa dos McCoy. Casa dos Wilde. Casa dos Duncan. Casa das irmãs Barnes.
— Ryan, você sabe como isso é macabro? — Gesticulo a ponta do queixo para o mapa
que percorre toda a parede atrás dele. É enorme e assustadora. Parece que somos vigiados
o tempo todo pela polícia, como se Humperville fosse a porra de uma casinha de bonecas.
— Não tinha esse mapa na última vez. — Mackenzie está afundando os dedos com mais
força na carne do meu braço e impondo mais robustez no aperto de minha mão.
— Alguém precisa cuidar dessa cidade de verdade. — Ryan afasta os papéis para o lado
e cruza os braços sobre o tampo, inclina o corpo para a frente e inspira o ar. — Soube o que
aconteceu com você, Mackenzie. — O olhar estoico de Mackenzie vasculha toda a extensão
do escritório de Ryan e para nele quando seu nome ressoa.
— Você é tipo um policial malvado que ficou bonzinho? — Mackenzie ironiza com os
lábios trêmulos. Vejo que Ryan está sufocando o sorriso polido.
— Nunca fui malvado. Só fiz o meu trabalho. Achei que estava prendendo a pessoa certa
quando mandei Bryan para a prisão, com a sua ajuda, é claro — ele reforça a lembrança
como se quisesse torturá-la. — Mas fiquei muito feliz quando soube que Bryan era
inocente, quer dizer, sou padrinho dele. Pode imaginar minha decepção ao descobrir que
meu sobrinho e afilhado estava envolvido com drogas?
Mackenzie aperta os lábios e controlo a vontade de mandá-lo ir à merda.
Precisamos dele.
— Você pode ajudar ou não?
— Gosto da sua postura de ir logo ao assunto. — Ryan apruma o corpo e cola os braços
cruzados no peitoral. — Já estava cuidando do assunto quando soube que Abe deu por
encerrado o caso da Mackenzie. Houve muitos furos na investigação, como, por exemplo, o
próprio Jev.
Ótimo. Estou confuso de novo.
— Jev é um cara que recentemente foi libertado pela prisão. Pela lógica, a polícia seguiu
com o protocolo. Investigou os parentes e amigos da vítima. Descobriu o histórico e
passado de Mackenzie, mas cagaram para o histórico de Jev e Bryan. — Ele gesticula para
mim. — Na teoria, o caso ter sido encerrado por falta de provas é o caminho mais prático.
Mas você namora com Bryan, que mandou Jev para a prisão, e Jev, como todo traficante,
acredita que seus aliados não vão lhe apunhalar pelas costas. Resumindo: Abe poderia ter
continuado a investigar. Jev não deixou furos na história de Mackenzie, ele fez tudo com
muita calma e paciência, mas o passado dele com Bryan precisa ser levado em conta e é
uma boa motivação para tentar te machucar.
— Então você vai procurar por ele? — A voz de Mackenzie é um sopro no ar.
— Sim.
Ela respira aliviada e suaviza o aperto em minha mão.
— Mas você fica de fora, por enquanto. Pode me atrapalhar se ficar se intrometendo.
— Essa investigação não é formal. — Os ombros de Mackenzie murcham.
— Não, mas é melhor que nada. Se eu apresentar provas o suficiente para Abe, ela será
obrigada a reabrir o caso.
— Acha que vai demorar?
— Tenho motivos para acreditar que Jev saiu da cidade, então sim, vai demorar.
— Quanto tempo? — Mackenzie devolve, aflita. — A minha família acha que uso drogas,
Ryan!
Ryan se levanta e apoia as mãos na borda da mesa.
— Acredite em mim, Mackenzie, a sua família nesse momento é o menor dos nossos
problemas. A cidade foi corrompida. Você tem que agradecer que, ao menos, um de nós
quer ajudar.
Fecho os olhos e expiro.
— Se eu encontrar alguma coisa, falo com vocês. Por ora, é melhor seguir a vida.
Assinto e puxo Mackenzie pelo braço em direção a saída.
— Não precisa me mostrar o caminho, eu sei onde é a saída.
Mackenzie continua olhando por cima do ombro enquanto a guio porta afora.

Mackenzie passa todo o trajeto até seu apartamento em silêncio. Em um dos sinais
vermelhos, digito uma mensagem para minha mãe avisando que talvez passe a noite fora e,
alguns minutos depois, estou no estacionamento do prédio parando o carro na vaga.
Ela continua quieta mesmo depois de girar a chave na ignição e desligar o motor. O
olhar fixo à frente, a expressão pétrea como se alguém tivesse acabado de morrer.
Movo as mãos na superfície lisa do volante, fazendo o contorno do círculo e
transpassando os dedos pelas ondas no interior da roda.
— Vendo o Ryan, eu percebi que, mesmo que eu tentasse muito, não conseguiria
encontrá-lo. Passaria a minha vida inteira focada nisso, só para me frustrar com os
resultados. Obrigada por ter feito isso. Sei o quanto é difícil para você pedir qualquer coisa
a ele.
Sei que Ryan vai me cobrar o favor no futuro, mas não estou preocupado com ele agora.
— Ele vai encontrá-lo. Ryan sempre encontra quem procura.
— Não tenho dúvidas, mas, a partir de agora, não quero mais pensar nisso. — Ela eleva
o queixo em minha direção. Mackenzie não está chorando e não vejo nenhum sinal de que
vá fazer isso. — Vou deixar que Ryan cuide de tudo.
Respiro tão aliviado, que nenhuma palavra é capaz de descrever. Minha cabeça cai
contra o descanso no banco e meus pulmões libertam o ar que prenderam desde que saí
daqui.
— Você confia nele?
— Nele, não. Mas confio na sua obsessão por justiça. Ele prendeu o próprio afilhado,
porque achava que estava fazendo o que era certo, então não vai vacilar com qualquer
outro.
— Eu confio em você. Se confia nele, eu também confio — Mackenzie revela e isso
acalenta meu coração, estabiliza os pensamentos sobre nossa falta de confiança. — Pode
ficar comigo hoje?
Solto o cinto de segurança com um sorriso e Mackenzie faz o mesmo. Caminhamos
juntos para o elevador.
Assim que a porta se fecha, eu a beijo. Mackenzie ri contra a minha boca e sei que
estamos no lugar certo. Demorou, mas chegamos aqui.

“Não importa aonde eu vá
No final de cada estrada
Você foi bom para mim
Você foi bom para mim
Eu sei que é mais fácil correr
Depois de tudo que fiz
Você foi bom para mim
Você foi bom para mim”
YOU WERE GOOD TO ME – JEREMY ZUCKER FT. CHELSEA

É uma manhã de sábado como todas as outras da última semana. Minha tradição de café
da manhã com Aidan foi interrompida por todos os últimos acontecimentos, mas dormir e
acordar com Bryan é a sensação mais prazerosa e pura que já tive. Nesse momento,
entretanto, estou sentada sobre a ilha da cozinha, as pernas cruzadas e uma garrafa d’água
entre elas enquanto observo o corpo viril acomodado no sofá.
Nós somos compatíveis, mas não perfeitos. Temos química, mas brigamos bastante. Não
quer dizer que nossas diferenças devam sobressair em como nos sentimos. Tenho meus
problemas e traumas para superar e Bryan tem os dele, mas nos comprometemos a passar
por tudo juntos. Além disso, ele é bom para mim.
Não sei como é respirar perto dele, porque o tempo todo é como se eu estivesse com
borboletas voando no estômago e o coração incha tanto que não tenho certeza se a pequena
caixa torácica é capaz de comportá-lo. Eu sorrio mais por causa dele, embora também passe
raiva na mesma proporção.
Jev é um assunto que estou tentando superar e tento confiar que Ryan fará tudo que
estiver a seu alcance para encontrá-lo. Agarro-me a essa esperança, a de que ele me ajudará
a ter paz quando me deito à noite – se bem que, ultimamente, não tenho tido tempo para
pensar em Jev e no que aconteceu. Bryan ocupa todo o meu tempo e espaço. Divido a minha
vida entre a faculdade, amigos, família e Bryan. Contudo, tenho evitado a família. Eles
costumavam ser meu porto seguro, principalmente meu pai, mas eu notei na última semana
que, assim como eu, ele tem tentado se concentrar no trabalho para não pensar tanto em
minha mãe. Eu torço para que algum dia eles consigam resolver esse problema e voltem a
viver o casamento que tinham no começo.
Bryan se mexe no sofá e empertigo a postura para prestar atenção. Sua bochecha se
amassa no assento e há resquícios do que Jev fez com ele pela lateral do quadril e rosto,
mas é quase impossível de enxergá-los. Você precisa olhar com muita atenção para notar.
Estamos em um relacionamento sem muita definição no momento. Ir devagar é minha
prioridade porque temos todo o tempo do mundo, além disso, não quero que acabe. Por
esse motivo, não transamos ainda.
Temos muitos momentos íntimos. Ele me toca como se meu corpo fosse um templo e os
beijos frenéticos que me dá quando passamos muito tempo longe um do outro só prova que
esperar não é ao todo ruim. A urgência e o desejo sexual reprimido têm feito com que
nossos momentos juntos sejam ainda mais intensos.
Eu me sinto desejada quando Bryan me olha e ele sabe que acontece o mesmo comigo. A
atração física misturada ao emocional é o que torna tudo mais gostoso. Me arrepio sempre
que o imagino me tocando. São sensações que não tinha experimentado com ninguém ainda
e começo a entender por que Bryan trata o sexo como uma válvula de escape: quando ele
está entre minhas pernas, não penso em nada além daquilo. Minha mente e minhas
emoções sofrem blackout.
Minhas divagações são interrompidas quando escuto uma chave girar na porta e Effy a
empurra para abrir. Se Bryan não estivesse literalmente apagado, teria acordado.
Effy me encara e pressiono o indicador contra os lábios. Aponto em seguida para o sofá
e minha amiga está rolando os olhos porque ainda não se acostumou.
Ela, Gravity e os meninos da The Reckless são as únicas pessoas que sabem que algo está
rolando entre mim e Bryan, mas, como não rotulamos se é namoro ou se estamos apenas
nos divertindo, não tem muito o que falar sobre. São seis da manhã e esse é o horário que
Effy chega do Anarchy.
Os fios ruivos sempre desalinhados e a maquiagem na maioria das vezes borrada. Ela
cheira a suor e bebida alcoólica. Assim como eu, Effy também está tentando uma vaga na
Font News Humperville, no entanto nenhuma de nós teve resposta sobre a entrevista que
fizemos na quarta-feira.
— Ele não vai embora nunca mais? — Effy perscruta meu rosto enquanto se arrasta
pela sala, na minha direção. Estendo a garrafa d’água para ela, que a pega sem reclamar.
Toma um gole, jogando a cabeça para trás. — Ele é meu melhor amigo e estou feliz que
vocês estejam se “resolvendo”, mas vocês não desgrudam. — Ela estreita os olhos para vê-
lo no sofá.
— Ele vai embora todos os dias — digo, empurrando meu corpo para fora da ilha.
Puxo a bolsa pesada de Effy de seu ombro e a sigo pelo vestíbulo em direção ao seu
quarto.
— Quer que eu penteie seu cabelo? — indago ao fechar a porta, deixando a bolsa no
chão e Effy se senta na cama, jogando a coluna para trás.
Pentear o cabelo de Effy é como fazer massagem nela. Ela adora e me pede para fazer
isso quase todos os dias, quando chega do trabalho.
— Por favor. — Ela levanta o braço com dificuldade, apontando para a penteadeira. —
Gravity está em casa?
— Uhum, dormindo. — Procuro por sua escova de cabelo. Quando a encontro, volto
para a cama e Effy já está se ajeitando.
Subo na cama e recosto à cabeceira. Effy se acomoda entre minhas pernas e puxo os fios
curtos para trás. São ondulados e macios, começo a escová-los do topo da cabeça e desço
pelo comprimento. Alguns minutos depois, escutamos duas leves batidas na porta e, em
seguida, a cabeça de Gravity aparece pela fresta.
— Já chegou? — boceja, aproximando-se.
Gravity veste um moletom cinza largo e uma regata branca. Não calça nada nos pés e se
joga ao nosso lado na cama. Puxa um dos quatro travesseiros de Effy e o abraça sob a
cabeça. Outro bocejo e fecha os olhos.
— Você saiu da sua cama pra vir pra minha? Quão folgada você consegue ser? — Effy
cutuca Gravity com o indicador, fazendo-a pular e rir.
— Faz tempo que a gente não fica tão perto. Agora que a Mackenzie tá com o Bryan, ele
não sai da cola dela.
Effy apoia o queixo no ombro como se dissesse: “Viu? Eu te disse”.
— Não é verdade.
— É, sim. Será que devemos colocar uma regra no apartamento? Nada de namorados
em nossa casa?
— Não estamos namorando.
— Então nada de namorados e companhia no apartamento. — Nós rimos em uníssono
do comentário de Gravity. — Não sabia que o Bryan era tão chiclete.
— Ele não é.
— É você? — Effy grunhe, repreensiva. — Você quem fica o convidando pra ficar, né? Já
transaram?
— Não!
— Mentira! — Gravity pega o travesseiro em que está deitada e o lança contra meu
rosto. Caio para trás e deixo a escova cair. — Sua safada!
— Eu contaria se tivesse acontecido alguma coisa, não acha? — Pego o mesmo
travesseiro e devolvo o golpe no rosto. — E fala baixo!
— Por quê? — Gravity ri e golpeia meu rosto de novo, só para me provocar.
Bufo, desisto de escovar o cabelo de Effy e pego outro travesseiro para acertá-la.
— Viu? Ela corou! — Effy aponta com o indicador para mim.
Levo outra travesseirada na têmpora e, em questão de segundos, estamos pulando na
cama em uma guerra infantil de travesseiros.
Já fazia algum tempo que Gravity não ria tanto. O clima nos Lynch está pesado e, apesar
de Darnell já ter voltado ao trabalho, não é como se ele tivesse conseguido estabilizar o
relacionamento entre Dannya, Vity e Aidan.
Gravity não é de demonstrar afeição. Não é de deixar que suas fraquezas venham à tona.
Conheço o coração dela e sei que a guerra que travou com Aidan nem começou, mas já a
deixa instável.
Nós pulamos. Rimos. Acerto várias vezes o travesseiro em Gravity e Effy, e recebo
muitos outros em troca. Quando nos cansamos, caímos na cama com as barrigas para cima
e a respiração entrecortada. Encaro o ventilador de teto, em movimento lânguido e
constante.
— Aconteceram tantas coisas nesse ano — Gravity diz, resfolegando. — Mas a melhor
de todas foi nós três.
Effy e eu nos viramos para Vity.
— Você está sendo fofa e nem é meu aniversário — brinco e caímos na gargalhada de
novo.
— Estou falando sério. Vocês são minhas almas gêmeas.
— Awn, Gravity! — Effy passa o braço no pescoço dela e beija seu rosto. — Você é tão
fofa! Nem parece que fica puta quando guardamos a sua agenda toda organizadinha no
lugar errado.
Effy deita a cabeça na curva do pescoço e ombro de Gravity. Faço o mesmo e a abraço.
— Está bem, já chega, saiam! — Ela nos empurra. — Que bom que apreciaram o
momento porque ele acabou e, Mackenzie, é bom que você estabeleça um limite nas noites
do Bryan por aqui. Só nos fins de semana está ótimo pra quem não tá em um
relacionamento sério!
— Sim, senhora. — Rolo até ficar com a barriga para baixo e os braços unidos na frente
do corpo, apoiando o peso nos cotovelos. Gravity se ajeita na cabeceira da cama com um
travesseiro, Effy faz o mesmo. — Nós vamos dormir juntas?
— São seis da manhã, Mackenzie. Nós estamos acordando! — Gravity ri, mas continua
de olhos fechados. — Vou dormir só por mais cinco minutos.
— Eu vou preparar o café — aviso e rapidamente Gravity arregala os olhos. Estou
pronta para me levantar, com as pernas pela lateral da cama.
— De jeito nenhum. Da última vez você desperdiçou farinha e banana porque queimou
todas as panquecas. — Em segundos, Gravity está de pé. — Eu vou preparar o café e você
me ajuda enquanto Effy dorme.
Effy ri e eu também, mas não retruco. Nós caminhamos para o corredor e, antes de
chegarmos à sala, Gravity começa a gritar:
— Vamos, seu bundão, hora de acordar! Nessa casa é todo mundo de pé antes das sete!
— Gravity apanha uma almofada do chão e a joga contra Bryan, que reluta em abrir os
olhos. Ela pega outra e joga de novo.
— Já acordei, caralho!
— Que bom! Vem ajudar a gente com o café, anda!
Bryan e eu sorrimos um para o outro e estendo a mão para ele, puxo-o para fora do sofá
e a preparação do café da manhã é um misto de farinha no rosto, risadas e muita discussão
porque Gravity e Bryan discordam de tudo como se fossem irmãos.
Essa, com certeza, é a família que eu escolhi.
Estou sob a água corrente do chuveiro. A cabeça tombada para trás, meu corpo
envolvido pela nuvem de vapor que sobe. Além da água escoando pelo ralo da banheira,
não escuto mais nada. Estou com a barriga cheia e a garganta seca de tantas panquecas com
xarope de bordo que comi, a língua áspera por ter queimado no café quente de Bryan.
Apesar de não estar em um dos melhores momentos com a minha família, mais
especificamente minha mãe porque ela escolheu não confiar em mim, sinto-me bem. Não fiz
muito esforço para as coisas começarem a se ajeitar, simplesmente aconteceu. Começo a
me agarrar à ideia de que tive as pessoas certas me apoiando no meu pior momento:
Gravity, Effy, Nate, Maeve e meu pai. Essas pessoas acreditaram em mim e me amaram
independentemente do que a polícia disse.
Pego o sabonete no suporte onde nossos xampus se misturam – o meu, de Effy e Gravity
– e começo a ensaboar o corpo. Inicio o processo pelo pescoço e ombros, os músculos dessa
região estão bem mais tensos essa semana.
As aulas na faculdade começaram há quatro semanas e já tenho quatro trabalhos para
entregar de comunicação digital até o fim da semana que vem. Estou tentando manter a
minha mente ocupada com esses trabalhos, para não pensar tanto que estou
desempregada. A preocupação que não tinha antes com contas de água e luz, aluguel e
comida, começam a ser um peso para mim. Se não tivesse sido teimosa, provavelmente
ainda estaria morando com minha mãe e tia April.
Aliás, ela se mudou para Humperville, quer dizer, é para ser temporário, mas torço que
não. Mamãe precisa dela nesse momento. E comigo longe e meu pai também, tia April tem
conseguido manter minha mãe na linha.
Quando voltei para cá semana passada, Maisie me ligou insistentemente durante o fim
de semana todo. Eu atendi a primeira ligação, mas brigamos. Na segunda e terceira, decidi
que a colocaria direto na caixa postal. Se todas as nossas conversas se resumirem à brigas,
prefiro me afastar por enquanto e minha tia me diz como estão as coisas por lá, assim como
Nate tem feito.
Escuto o barulho da porta sendo aberta e puxo a cortina de plástico estampada com
margaridas a tempo de ver Bryan entrar no banheiro. A fumaça engloba seu corpo; a figura,
esbanjando virilidade, enquanto ruma em minha direção, é de tirar o fôlego. Convenhamos,
Bryan é bonito demais para o bem da minha sanidade mental e o toque calejado de suas
mãos em meu corpo causam pressão em minhas partes íntimas quase todas as vezes. Não
estou acostumada a trancar a porta do banheiro, portanto ele tem acesso completo. Estou
morando há bastante tempo com duas garotas e deixou de ser um costume passar a chave.
Bryan sorri assim que percebe que o flagrei entrando sorrateiro. Está sem camisa desde
que acordou e não se importou em vesti-la, mesmo com Gravity e Effy resmungando que
ele não podia desfilar pelo apartamento sem suas partes de roupa. Ele deu risada e
prometeu que essa seria a última noite que dormiria aqui. Concordo com elas. Nós
moramos juntas e precisam de privacidade. Bryan por ser amigo de Effy e Gravity, e estar
mais próximo de mim do que nunca, acabou se sentindo muito em casa.
— Oi, bonitão — brinco, mostrando a língua para ele. Vejo-o descer a calça cinza de
moletom e o pênis saltar para fora. — Quem disse que você podia entrar? — Eu me afasto
da borda da banheira para dar espaço e dou passos para trás abrindo distância entre
nossos corpos.
— Ah, eu disse. — Ele se inclina, em direção a minha boca, mas desvio para provocá-lo.
— Banhos matinais são tudo que eu pedi a Deus.
— Gravity e Effy saíram — concluo, porque, se ele está aqui comigo, significa que elas
não estão mais em casa.
— Gravity vai cobrir o almoço no Veins hoje e Effy prometeu que iria almoçar com os
pais. Somos só eu e você.
Bryan está tentando manter os olhos focados em meu rosto, mas conheço esse olhar
malicioso que tenta deter.
— Você não tinha uma reunião com a The Reckless hoje?
— Eu decidi que vou me atrasar uns vinte minutos.
— Você decidiu? — Contorno o delineado dos lábios com a língua e as íris azuladas de
Bryan acompanham o movimento ousado dela.
— É. Decidi.
— O que aconteceu com a banda acima das garotas? — provoco.
Bryan invade meu espaço pessoal erguendo os braços para escorar as mãos no azulejo.
Uma mão de cada lado da minha cabeça. Eu fico completamente sem ar sempre que ele fica
tão perto. Meus olhos alternam o foco entre os dele sedentos pulando de um ponto fixo
para outro; ora em minha boca, ora descendo para o bico dos meus peitos.
— Que tal se eu reformular assim: a banda acima das garotas, Mackenzie acima da
banda e banho com a minha garota acima de tudo?
Eu não tenho nem tempo para assimilar sua frase porque, em uma fração curta de
segundo, a boca de Bryan pressiona a minha. O baque oco de minha coluna contra a parede
gélida do espaço pequeno da banheira e a ducha ecoam pelo ambiente, gemo contra seus
lábios apressados. Sua mão ágil escorrega pela curva sinuosa de minha cintura,
massageando a pele lisa ensaboada. Levo uma das mãos até seu rosto e sugo sua língua
quando ele morde meu lábio inferior.
A minha frequência cardíaca muda, a mão pesada de Bryan desliza por todo o meu
corpo e para na base de minha bunda. O apertão forte na carne desencadeia a excitação até
o clitóris. Solto um arquejo alto contra sua boca e o pau duro toca minha coxa.
Nós temos uma coisa chamada urgência. É como se esperássemos pelo momento em
que vamos ficar sozinhos só para que a gente possa se tocar até que um de nós – ou os dois
– tenha um orgasmo. Pelas minhas conversas com Bryan, ele não transa para valer há três
meses. É o maior tempo que já ficou sem dormir com alguém desde que perdeu a
virgindade – não entramos muito no assunto, confesso que meu ciúme coibiu a curiosidade.
Paro de pensar quando seu dedo médio toca a parte mais sensível do meu corpo e,
devagar, me penetra. Bryan dá uma distância do meu rosto, o suficiente para me assistir
contorcer enquanto me fode com o dedo. Ele faz isso sempre. Gosta de me assistir revirar
os olhos de prazer e escutar minha voz gutural à base do ouvido.
Nossos corpos estão molhados pela água do chuveiro e quase não consigo pensar
direito devido ao movimento cadente do dedo de Bryan sendo introduzido em mim. Agarro
seus ombros com força e afasto mais as pernas, projeto o quadril para a frente, querendo
mais e lhe oferecendo mais espaço.
Com um único movimento súbito, ele levanta minha coxa rumo a sua cintura e prendo o
calcanhar na lombar. Tombo a cabeça para trás. Bryan acelera o ritmo e massageia com o
polegar meu clitóris inchado. Busco com a mão por seu pênis saliente, completamente duro
quando o envolvo. Roço com a ponta do polegar a cabeça dele, sinto o líquido lubrificando
sob o dedo e ele solta um gemido gutural. Seu corpo cai alguns centímetros para a frente,
sua testa cai sobre a superfície de meu ombro e escorrego a mão devagar por toda a
extensão. Mantenho o movimento, provoco-o acariciando e aumento a cadência.
Ele continua me fodendo com o dedo, e eu o masturbando.
— Mais rápido! — grunho embaixo de sua orelha e mordo o lóbulo. — Isso! — Envolvo
seu pescoço com o braço esquerdo e aumento a pressão da mão em seu pau.
Seu jorro quente vem contra minha barriga ao mesmo tempo que chego ao clímax. Nós
dois juntos, em uma sintonia perfeita. Todo o ar foge de meus pulmões e desço a perna para
relaxar. Bryan mantém as mãos em minha cintura, como se usasse do meu corpo para se
amparar. Beijo a base de seu maxilar, a sua boca e ele retribui. A respiração irregular ganha
notoriedade em meio ao barulho da água caindo.
— Caralho, Mackenzie — murmura, morde meu lábio inferior e me beija em seguida. —
Pelo amor de Deus, casa comigo!
Eu sei que ele não está falando sério, por isso caio na gargalhada.
— Quem sabe, daqui uns dez anos.
Bryan se afasta de repente.
— Dez anos?
— É. Quando eu já tiver terminado a faculdade e a The Reckless estiver tão famosa que
vou precisar te acompanhar para controlar suas fãs enlouquecidas. Talvez até seja odiada
só por estar com você.
— Feito.
Um sorriso curva seus lábios.
— Agora, preciso tomar banho de verdade.
— Eu te ajudo. — Ele pega o sabonete que deixei cair no chão. — Prometo que vou lavar
todas as partes importantes.
— É sério. Desperdício de água não é brincadeira. — Estico o indicador para a ponta do
seu nariz e Bryan ri, mas assente. — Sem gracinhas. Nada de me provocar.
Por fim, ele se estica e fecha o registro.
— Que tal então se a gente for lá pro quarto e…
Roço os lábios em sua boca para calá-lo.
— Se eu não te manter na linha, você só pensa nisso o dia todo. Reunião com a The
Reckless. Novo integrante. Se lembra?
— Ah, porra, você tinha que estragar o clima! — Bryan ri, ainda com a boca colada à
minha e estou encostada na parede mais uma vez. — Mais cinco minutos?
— Nada disso.
Estico o braço para o lado, o suficiente para alcançar minha toalha e estendo para ele.
— Vai se trocar. Vou com você hoje.
Bryan ri e pega a toalha fazendo bico.
— Desde quando eu me tornei um pau mandado?
— Se eu não te coloco na linha, você só pensa nisso — enfatizo e o ajudo a secar o
cabelo.
De repente, lembro-me do dia em que estávamos no píer. Ele tinha acabado de sair do
rio Dark Water, a água pingava de seu corpo. Com o blazer do uniforme, sequei seus
cabelos. Essa é uma excelente lembrança e, de repente, estou rindo sozinha.
— Do que você tá rindo?
— Se lembra daquele dia no píer que sequei seu cabelo? — Ele meneia a cabeça em
concordância. — Eu acho que te amo desde aquele dia. Nunca fiquei tão preocupada com
alguém como fiquei com você.
— O que foi que você disse? — Bryan segura meu pulso, parando a fricção da toalha em
sua cabeça.
— Que nunca fiquei preocupada com alguém como fiquei com você.
— Antes disso.
— Perguntei se você se lembrava daquele dia.
Bryan revira os olhos porque sabe que estou pulando a parte mais importante.
— Você disse que me ama.
— Disse? — continuo me fazendo de desentendida. — Poxa, não me toquei.
— Para com isso. — Ele solta meu pulso e volto a secar seus cabelos.
— Parar com o quê?
— Eu sei que você gosta de mim, assim como você sabe que gosto de você. Mas a gente
nunca disse.
Paro de uma vez de secar seu cabelo, sacudo a toalha e a enrolo como se fosse uma
corda. Lanço-a em seu pescoço e pego a outra ponta. Ele está definitivamente preso entre
mim e a toalha. Puxo-o um pouco, obrigando-o a abaixar o rosto.
— Nunca disse? — devolvo, torcendo o lábio para o lado como se estivesse pensando.
Gosto de provocá-lo. É mais divertido agora do que antes porque, quando perdemos a
paciência, conseguimos resolver de outro jeito. Antes nós gritávamos e nos magoávamos.
Gosto de saber que estamos aprendendo a lidar um com o outro, sem termos que mudar
nossas essências. Bryan ainda é explosivo, fala bastante palavrão, gosta muito de pensar e
falar sobre sexo e, às vezes, dependendo do assunto, fica introspectivo. Ele se fecha em uma
bolha impenetrável. Essa é uma das nossas dificuldades. Não consegui encontrar um jeito
de chegar até ele quando se fecha.
— Não ligo se não quiser falar. — Ele dá de ombros. — Mas seria legal de ouvir.
— Que eu te amo? — sussurro.
O corpo de Bryan fica bem mole quando essa frase escapa da minha boca.
— É.
Solto as mãos da toalha e o liberto.
— Eu te amo.
Não é como se eu nunca tivesse pensado nisso. Eu pensei, várias vezes. Mas nunca
ensaiei, como também não achei que chegaria o momento em que precisasse dizer.
Algumas coisas entre nós não funcionam do modo tradicional.
Nós nos tornamos amigos e nos separamos por tragédias irreparáveis. Nos
aproximamos e admitimos nossos sentimentos em uma provocação insensível. Não
confiamos um no outro, mas acreditamos em nossos corações. É confuso, complicado e, ao
mesmo tempo, amamos essa montanha-russa.
As pessoas podem aceitar ou não, mas a nossa sintonia perfeita é viciante.
— Eu te amo — ele repete tão baixo que quase não escuto.
Bryan está nervoso com o novo integrante, embora não admita. Ele fica aéreo de
repente, divaga pelos pensamentos e não consegue se concentrar. Aidan poderia continuar
na banda agora que o pai está voltando ao controle de tudo, porém ele segue com a ideia
obsessiva de encontrar quem atirou em Darnell – mais precisamente, tentando encontrar
provas de que Dannya fez isso. Para Bryan não existe ninguém tão bom como Aidan na
bateria e já prevejo os defeitos que ele encontrará no novato.
Segundo Aidan, ele é mais novo. Tem dezenove anos, não só toca bateria como também
toca teclado e canta. Bryan não é de demonstrar ciúmes nem sofre de insegurança, mas o
fato de saber que o novato também canta despertou antipatia pelo garoto antes deles se
conheceram. Ashton, como sempre, está fazendo piadinhas, zombando de Bryan e sua
instabilidade quanto ao cara novo. Finnick, por outro lado, permanece neutro. Não ri. Não
entra na onda de implicância com Ashton, nem defende o garoto novo como Aidan. Enfim,
ele basicamente é a impassibilidade que está mantendo o grupo em equilíbrio.
Faith apareceu hoje. Tenho motivos para acreditar que ela e as outras garotas
costumam participar dos ensaios com frequência. Ela parece estar bastante confortável
sentada com a saia justa e as pernas cruzadas no sofá velho no porão de Ashton. Maeve e
Nate também estão aqui. Trycia, não. Fico menos desconfortável porque a namorada do
meu irmão e eu nos entendemos, então sei que meus sentimentos estão sob controle,
contanto que ela esteja aqui para conversar comigo.
O fato de Bryan e eu estarmos levando esse relacionamento às cegas das outras pessoas
– principalmente de Faith e Nate –, faz com que ela nem se incomode em dar em cima dele;
na verdade, assim que chegamos, fez questão de se aproximar e beijá-lo. Bem pertinho da
boca. Não sou uma pessoa muito agressiva, tento manter tudo sob controle porque,
primeiramente, a ideia de segredo foi minha. Bryan está fugindo dela constantemente, mas
é uma questão muito simples de resolver, ao menos no meu ponto de vista. Ele pode chegar
e dizer a ela que não quer mais um “relacionamento casual”. É o sonho de Faith ouvi-lo
dizer isso. Só precisa estar claro que ela não é a garota certa.
Não consigo desviar os olhos da mão dela. Um dos dedos é adornado pelo mesmo anel
que estou usando hoje.
Não era para ser uma provocação porque não imaginava que Faith estaria aqui hoje,
mas nós duas estamos usando o mesmo anel, dado pela mesma pessoa.
Um burburinho vem do palco. É onde os garotos estão conversando – incluindo meu
irmão –, eles dão risadas e cochicham. Maeve e Faith não parecem incomodadas com isso,
mas, assim como o ciúme, a curiosidade não é algo que consigo controlar tão facilmente.
Estou olhando para eles, provavelmente meu rosto não me deixa mentir e Maeve me cutuca
com o cotovelo, chamando-me a atenção.
— É sempre assim, uma hora você se acostuma — diz dando de ombros. — Eles de lá, a
gente de cá. São assuntos da banda.
Meneio a cabeça em concordância e acredito nela. Volto meu foco para a nossa
conversa. As provocações de Faith e a ambiguidade quando ela se refere à Bryan começam
a me incomodar.
— Onde conseguiu? — Faith gesticula para a mão que apoio sobre a perna e levo os
dedos da mão esquerda em direção ao arco dourado.
— Ganhei do Bryan no meu aniversário de quinze anos. — Sou sincera e quero que
Faith perceba isso.
— Também ganhei o meu dele. — Ela estica e dobra os dedos da mão direita. — Acha
que é como uma marca? Toda garota que ele trepa, ele dá um anel?
Maeve fica bastante chocada com o comentário de Faith. A testa se enruga em
repreensão.
— Ele me contou que foi você quem o escolheu. Fiquei curiosa: você já sabia que ele
tinha me dado o mesmo anel e quis também ou foi só uma coincidência?
Faith sorri com audácia. Ela não vai mentir.
— O que você acha?
Agora tenho certeza de que Faith sabia que eu tinha um anel igual.
Estou prestes a responder, mas a porta no alto da escada faz um barulho alto e que
rompe qualquer palavra que deveria sair de minha boca. O som dos degraus da escada
sendo esmagados por botas de couro faz com que a conversa que aconteceria entre os
meninos da The Reckless acabe e todos nós estamos mirando a mesma pessoa.
O garoto parece ter exatamente a idade que Aidan disse. É magro, mas esguio. Tem
músculos, apesar do estereótipo não ser de um homem musculoso. As marcas ficam
evidentes sob a blusa justa branca, com a frase I don’t care, fuck it, em preto. A fonte usada
para a frase na camiseta não nos deixa confundir as palavras. Realmente é uma frase
rebelde e rancorosa.
Apesar do rosto fundo, sobrancelhas grossas e olhos acinzentados, o charme dele são os
lábios. É impossível não reparar. São volumosos e possui um contraste diferente do resto
do rosto. São bem mais vermelhos, percebo que é natural dele. Mas entre os dentes, tem o
palito de um pirulito. Acabo rindo porque ele parece um adolescente, como Nate. Um colar
prata pende no pescoço, o pingente é uma chave minúscula e só a noto porque estou
olhando atentamente para ele. Estudando seu andar desleixado e a despreocupação
exposta no rosto. Por cima da blusa, uma camisa social de mangas compridas preta e ele as
dobrou até a curva do cotovelo.
Quando enfim termina de descer os degraus, ele tira o pirulito da boca e dá um sorriso.
O doce é vermelho, então explica a coloração púrpura nos lábios.
— E aí! — ele cumprimenta, rastreando o ambiente com os olhos.
— Tá atrasado — Bryan diz em tom de reprovação. Claro que ele iria implicar logo de
cara! — A gente não se atrasa. Nunca.
Uhum, não era o que você dizia hoje mais cedo enquanto estávamos no banho.
Quero dizer em voz alta, mas acabo sorrindo.
— Foi mal, eu me perdi. — Ele devolve o pirulito para a boca e me distraio com Maeve e
Faith, que estão rindo. A desaprovação de Bryan é evidente.
— Relaxa, Bryan! — Aidan o atravessa e dá um abraço camarada no novato. — Bom te
ver, Jeremy.
— Chase — ele corrige rapidamente.
Aidan ignora o que ele diz com um sorriso.
— Pessoal, esse é o Jeremy Chase. Chase, esses são Bryan, Aidan, Finnick e Nate. Aquelas
ali — gesticula despojado para nós com o braço — são Faith; Maeve, que é a namorada do
Nate; e Mackenzie, amiga do Bryan. — Bryan dá uma leve conferida em Chase, como se
quisesse ter certeza de que ele não demorou muito enquanto olhava para nós. A verdade é
que Chase não levou nem dois segundos para voltar o foco para a banda.
— Prazer — diz, levantando um dos braços e acenando, mas sem olhar.
— Que mal-educado — comento para Maeve e ela ri.
— Eu acho que vocês deviam tocar alguma coisa juntos — Aidan continua e cruza os
braços. — Sabe, para ver como se sintonizam. A The Reckless é sobre a sintonia entre os
membros da banda. É por isso que as pessoas dessa cidade gostam dos nossos shows.
— Beleza.
Chase é tão quieto e fechado quanto Finnick, ao menos é o que parece à primeira vista.
Ele sobe no palco de paletes e assume sua posição na bateria.
Pega as baquetas, gira-as no ar e o som do bumbo reverbera pelo porão.
Bryan está quase rindo porque o som parece um erro, mas logo os lábios murcham
quando Chase toca para valer. É ritmado, alto e ele sente cada batida. O solo não me faz
lembrar de nenhuma música, então entendo que ele só quer uma demonstração para que
eles saibam do que é capaz. Ele fecha os olhos e respira fundo a cada batida. Aidan balança
a cabeça junto a melodia, rindo orgulhoso. Bryan está contorcendo o rosto em uma careta
porque não quer admitir que Jeremy Chase é bom.
Ashton se diverte com a reprovação de Bryan e Finnick mantém a impassibilidade,
outra vez assumindo que será ele que vai mantê-los sãos nesse momento de adaptação. É
uma pessoa nova, diferente e com dons atenuados. Ele é tão bom quanto Aidan e todos
sabem disso, até o próprio Aidan. É aceitar para doer menos, ele tem potencial para fazer
parte da banda.
Por fim, os outros assumem seus lugares: Bryan na frente do pedestal – empertigo a
postura para poder assisti-los –, Ashton no contrabaixo, à direita de Bryan; e Finn na
guitarra, à esquerda. Bryan canta Woke The Fuck Up, de Jon Bellion, apesar de não ser o
gênero que a banda está acostumada. Porém, aprendi que eles são movidos às emoções,
então sairão da área cômoda quando sentirem essa necessidade.
Faith cantarola o refrão e move o quadril em uma dança onde Maeve acompanha. Estão
balançando as cinturas de um lado para o outro e Maeve toca a lateral do meu braço me
chamando para acompanhá-las. Não reluto e faço isso. Bryan ri e pisca para mim sutilmente
enquanto canta o refrão.
Ontem à noite, eu liguei o foda-se. Eu percebi que preciso de você aqui, por mais
desesperado que isso pareça, yeah-eh.
A voz rouca que permeia por nosso espaço fechado é tudo que escuto. Os instrumentos
não importariam para mim se só Bryan estivesse cantando. É seu jeito de comunicação, sua
maneira de dizer como se sente.
Todas as músicas que cantou olhando para mim até hoje significaram alguma coisa e eu
juro, por tudo que é mais sagrado, que vou guardá-las dentro do meu coração para sempre.
Não importa o que acontecer daqui alguns dias, meses ou anos, ele estará marcado
permanentemente em mim como uma tatuagem.

11 de novembro de 2019, às 19h45.



— Eu odeio muito esse cara — Bryan resmunga através do telefone. Deixei-o no viva-
voz, caso contrário, estaria atrasada.
É nosso primeiro encontro. Eles vão fazer um show hoje no Anarchy. Plena segunda-
feira e aniversário dele. Pela milésima vez no mês, estou o escutando reclamar de Jeremy.
Acabo rindo porque não é verdade, Bryan gosta dele. Só está em negação por causa de
Aidan.
— Feliz aniversário, baby — rio enquanto cubro os lábios com gloss.
— Obrigado. Então ele está atrasado, de novo.
— Bryan.
— Oi?
— Relaxa!
— Não dá! Ele se atrasa toda vez! Porra, queria saber o que diabo ele faz antes de todos os
shows.
— Sei lá, ele não mora em Humperville, Bryan. Leva algum tempo até chegar aqui.
— Ele poderia se mudar.
— Ele é só um substituto. Não mudaria a vida toda pela The Reckless, que é uma coisa
temporária. Por que você não pergunta o motivo dele se atrasar?
— Já perguntei. Ele desconversa!
— Hum... Você não tá transmitindo confiança.
Chase não é de falar muito também, mas ainda conversa mais que Finnick. Esse é o
motivo pelo qual ele e Finn se aproximaram mais que os outros. Se entendem no silêncio ou
algo assim. Tudo que sabemos é que Chase morava em Grev Willow e estudou com Aidan
na Willowgrev Academy – em turmas diferentes, porque ele é mais novo –, mas atualmente
mora em uma cidadezinha com pouco menos de dez mil pessoas chamada Handson Wood. É
uns trinta minutos daqui até lá. Jeremy Chase ainda é uma incógnita para todos os
membros da The Reckless e Bryan não é muito do tipo que sabe como conquistar a
confiança de alguém.
— Como é?
— Confiança, sabe? Ele não é o Ashton, Finn ou Aidan. Eles já confiam em você. Chase,
não. Se continuar com esse temperamento e surtando todas as vezes, ele não vai se abrir
com você.
Bryan suspira.
— Seja bom pra ele.
— Ah, qual é.
— É sério.
— Como posso ser bom pra uma pessoa que nem conheço?
— Só seja compreensível, tá legal? Não grita com ele ou seja escroto, é fácil.
— Não é não.
— Bryan. É seu aniversário e nós combinamos de sairmos juntos. É melhor que você
resolva esse problema antes de me encontrar e, que possivelmente, chegue em mim e diga:
tudo deu certo! Ok?
— Tá.
— Estou falando sério.
— Tá bom! — murmura, bufando. — Eu te vejo daqui duas horas.
— Certo. Vou te mandar a localização.
Com a ajuda de Effy preparei uma coisa. Talvez dê certo, mas existe uma pequena
possibilidade de Bryan surtar comigo antes de entender o que estou fazendo. Na verdade,
conseguimos a chave do ferro velho do pai de Bryan, onde nos beijamos pela primeira vez.
Acho que assim como ele, não tenho o dom de ser romântica e preparar surpresas. Quando
fiz uma festa surpresa, ele odiou. Espero que o significado seja mais importante que o lugar.
O ônibus está exatamente como antes, mas agora os pôsteres pendurados estão
rasgados pela exposição ao sol através das janelas. Não precisei conseguir um ventilador
pequeno porque a temperatura em Humperville já começa a despencar no começo de
novembro e, em breve, as ruas estarão cobertas por neve e gelo.
Estou usando um vestido branco de mangas compridas – servi de cobaia para Gravity
outra vez e com a faculdade, está aprimorando suas técnicas na costura. Dessa vez,
desenhou um vestido de cetim com caimento nos ombros, forrado com um tecido leve e a
gola no colo tem mais pano para criar um babado do próprio tecido, minha clavícula fica
exposta com esse decote. É um charme, na verdade. Não estou tão habituada à salto alto
quanto gostaria, então optei por uma botinha de cano baixo e salto médio.
Cobri o canto onde nos beijamos pela primeira vez com uma manta felpuda azul-
marinho e preparei uma cesta como se fosse um piquenique no fim de tarde; queijo,
torradas, uva e uma garrafa de vinho.
Coloco as taças de lado e dobro as pernas sob o corpo enquanto espero. Algumas velas
estão acesas porque não consegui ligar o pisca-pisca. Ficou aconchegante com a pouca luz e
me sinto mais à vontade com o cheiro de rosas permeando o ônibus. Effy e eu viemos até
aqui mais cedo e limpamos tudo. O lugar costumava ser o preferido de Bryan, mas não
parece que tem vindo aqui com muita frequência.
Uma música baixa sai da caixa estéreo onde conectei meu celular. Toca alguns covers de
uma playlist aleatória do YouTube. Evito olhar para o celular porque acabo ansiosa e não
penso direito. Bryan me enviou uma mensagem dez minutos atrás dizendo que tinham
acabado. Porém, cheguei aqui há uma hora e estou quase ligando para ele.
Por fim, estou mastigando os cubinhos de queijo que trouxe e trinta minutos se passam.
Estou prestes a abrir a garrafa de vinho, na verdade, minha mão envolve o gargalo dela e o
abridor está na outra. O que me detém é o ronco do motor do Dodge Charger morrer ao
longe e o barulho do portão de metal sendo aberto e fechado em seguida.
Bato com as mãos para limpá-las e ajeito a postura.
Um cover de SoMo inicia na playlist, Dangerous Woman reverbera em constância com as
batidas frenéticas do meu coração. A porta enferrujada do nosso esconderijo range e os
passos ousados de Bryan retumbam em meus tímpanos.
Eu me levanto, ansiosa para vê-lo. Ajeito a saia do vestido e sorrio com o caminhar
minando a confiança pela passarela do ônibus. Ele está sorrindo sem nenhum vestígio de
que fui intrometida demais nos trazendo para cá.
Só existe um sorriso polido em seu rosto e excitação sombreando seu olhar. E eu tenho
certeza de que não mudaria nada em nossa história. Tudo aconteceu como aconteceu, para
que chegássemos até esse momento, onde criamos resistência para sobreviver às
adversidades.
Ele está cheiroso e não tem uma gota de suor em seu rosto.
— Foi em casa, né? — indago ao me aproximar. Sua mão rapidamente está em minha
cintura. Fico na ponta dos pés para alcançar seus lábios e o beijo.
Esperei o dia todo por isso e o arquejo gutural que deixa escapar em seguida prova que
também esteve esperando pelo momento em que nos encontraríamos.
— Precisava de um banho.
O perfume almiscarado com o sabor de menta de sua boca é um misto desejável. Abraço
seu pescoço e afasto o rosto para poder enxergá-lo melhor. A barba está feita, os cabelos
molhados e penteados para trás. As maçãs escarlate pela água quente e as pestanas
espessas pesam enquanto me fita. Aproximo os dedos para tocar sua boca e contorno seus
lábios com a ponta do polegar.
— Feliz aniversário! — desejo e o beijo mais uma vez, só para ter certeza de que não
estamos em um sonho e iremos acordar em breve para descobrir sobre a ilusão.
O aperto de Bryan em minha cintura se atenua. Nunca pensei que desejaria me fundir a
alguém como quero que nossos corpos se fundam. Não me senti tão aquecida e confortável
na vida como nos momentos em que estamos juntos. Meu coração está dividido entre sentir
tudo intensamente com o medo de que algo ruim aconteça e acabemos na estaca zero outra
vez.
— Falei com Faith hoje — conta assim que nossas bocas se soltam e deixa a distância
entre nossos rostos ainda maior. Bryan ri, joga uma madeixa de meu cabelo que cobre o
ombro direito e mantém os braços me cercando. — Disse a ela que não podíamos, você
sabe…
— Transar mais. Ótimo.
Ele continua rindo e não me deixo ficar irritada com isso.
— Ela perguntou se estávamos juntos.
— E o que você disse?
— Disse que era mais ou menos isso — ele responde e o guio para se sentar onde estava
minutos atrás.
— E ela entendeu?
— Acho que sim. Ela não ficou surpresa, na verdade.
— Que bom.
Bryan se senta na ponta e me recosto à parede metálica. Entrego a ele a garrafa com um
sorriso e em seguida o abridor. Ele abre a garrafa e despeja o vinho nas taças.
— Como foi que você conseguiu a chave?
— Effy. Eu não podia pedir pra sua mãe.
— Claro, a Effy — ele ri, bebericando um gole. Faço o mesmo.
— Você se importa? De eu ter feito isso?
— Por que me importaria?
— Porque é o seu lugar secreto.
— Deixou de ser meu lugar secreto quando te trouxe aqui. É seu também.
Tento segurar o sorriso, mas, por fim, as laterais da minha bochecha estão doloridas
pela força e desisto.
— A gente avançou bastante depois que paramos de negar o que sentíamos — revelo,
apertando a haste da taça.
— Um pouco disso, eu acho. A nossa falta de confiança um no outro também nos levou a
falarmos e fazermos muita merda.
O prato com o queijo picado em cubinhos está no espaço entre nós. Comemos devagar e
intercalo um cubo de queijo com um gole intenso de vinho.
— Eu acho que estamos mais fortes agora do que antes — ele acrescenta.
— E mais maduros.
— É, tipo isso — Bryan ri.
Ainda o vejo bem garoto, cometendo erros bobos, porém aprendendo com cada um
deles.
— Se resolveu com o Jeremy?
— É Chase — ele me corrige com uma gargalhada. Por fim, recosta-se ao meu lado e
bebe mais um gole de vinho. — Ele odeia que o chamem de Jeremy. Faço isso só para
provocá-lo.
— Você é horrível! — exclamo em tom de brincadeira.
— Ele disse que tentará sair mais cedo de Handson Wood. Espero que faça isso mesmo.
— Viu? Uma conversa sensata, uma resolução tão sensata quanto.
Bryan faz que sim com a cabeça, satisfeito por ter falado com Jeremy Chase. Nós
continuamos a conversar e quero dizer a ele que decidi que não quero mais que sejamos
um segredo. Quero que minha mãe o aceite porque eu o aceitei e que Vivian também faça
isso. Eu odiaria que nossos pais fossem um empecilho, já que nossa teimosia não é mais.
Limpo a garganta e Bryan para com o queijo na altura da boca, analisando-me. Ele sabe
que estou prestes a falar alguma coisa que pode não concordar logo de cara.
— Nós estamos namorando? — indago depressa, antes que perca a coragem. Ele vinca a
testa, confuso.
— Não sei. Você quer ficar comigo?
— Quero.
— Então, sim.
O ar fica ameno, que isso parece um “pedido”. Não estava esperando uma formalização.
Não se tratando de Bryan.
— Você acha que… poderíamos falar com nossos pais?
Bryan quase se engasga com o queijo e vira o resto do vinho goela abaixo.
— Ok. Você quer uma coisa formal. — Ele não olha para mim e joga a cabeça para trás,
olhando para o teto. — Acho que sim, não sei. É o que você quer?
— É, sim.
— Tá. Eu vou falar com minha mãe.
— Jura?
— Sim, mas, independentemente do que eles digam, estou com você, beleza?
— Ser a oposição é muito a sua cara.
— Não vou deixar de ficar com alguém que gosto porque minha mãe não aceita. Essa é
uma decisão minha.
Concordo com um movimento da cabeça. Tiro a taça de Bryan e a coloco de lado. Deixo a
minha junto e em um instante, estou com as pernas abertas e sentada em seu colo. Puxo a
saia do vestido um pouco para cima, para que ela não me limite e apoio as mãos em seus
ombros.
— Você sendo romântico é tão… — Cruzo os dedos em sua nuca e pendo a cabeça para
trás, como se estivesse pensando. — Sexy?
As mãos de Bryan sobem e descem pela curva do meu quadril. Ele beija o ossinho
saltado do meu colo e sobe pelo pescoço, até a base de meu queixo. Jogo a cabeça para trás,
abrindo espaço para sua boca percorrer esse trecho com mais liberdade. Afundo os dentes
da frente no lábio inferior para reprimir o gemido quando mordisca a pele da minha
bochecha.
— Não se acostuma. Não sou bom nisso. — Ele para, estudando com mais atenção meu
rosto e acariciando o inferior do meu maxilar. — Você é gostosa todos os dias, mas hoje,
puta merda — sopra abaixo de minha orelha e puxa a carne do lóbulo entre os dentes.
Bryan já não faz sexo há quatro meses e eu nunca fiz nada além das coisas que andamos
praticando nesses últimos meses. Quero muito passar a linha limite, mas não sou a única
com receio. Ele recua e estou tentando entender o porquê, embora parte de mim tenha
certeza de que tem a ver com a noite em que o mandei embora. Acho que o traumatizei com
o papo de virgindade. Continuo com o mesmo pensamento. É um momento importante
para mim e quero que seja com alguém especial.
Ele é especial. Talvez não tenha entendido o quanto.
Com a ponta dos polegares, apoio a base de seu queixo e jogo sua cabeça para trás para
beijar seu pescoço. Corro com a mão sob o couro da jaqueta que está vestindo para retirá-
la. Acabo me atrapalhando com a lapela de sua camisa social, mas levo só alguns segundos
para recuperar o controle. Bryan sacode os braços para me ajudar a tirá-la.
Eu me viro para tirar as botas e, em seguida, começo a desabotoar os botões perolados
de sua camisa. Bryan assiste os movimentos ágeis que meus dedos fazem enquanto
desabotoam.
— Você tá apressada hoje, né? — ele ri e eu também.
Quando vejo os primeiros indícios de pele despontarem sob a camisa, soterro as mãos
em seus ombros e escorrego o pano delicado por seus braços. Swin, de Chase Atlantic,
começa a tocar na playlist.
Queria ser inocente e dizer que não fiz de propósito, mas é impossível escutar essa
música e não me lembrar da festa de boas-vindas no apartamento. Senti tantas coisas
naquele dia, mas a principal delas é o quanto Bryan conseguia me enfurecer e me deixar
excitada ao mesmo tempo. Quando me lembro de vê-lo sair com Bev naquela noite, acabo
mordendo com mais força sua boca.
Ele resmunga e me afasto.
— Você tá com raiva de mim ou coisa do tipo?
— Só me lembrei de uma coisa que não deveria — respondo mais baixo que o normal e
volto a beijá-lo.
Estou rebolando a bunda contra ele, querendo excitá-lo, mas não preciso de muito
esforço para fazer isso. Em menos de dois segundos, está vivo e despontando sob meu sexo.
Passo os dedos abertos por seu cabelo e o olho nos olhos.
As mãos inquietas em meu quadril finalmente deslizam pelo interior de minhas coxas.
Levanto-me para que sua mão tenha espaço entre minhas pernas. Seu dedo toca minha
virilha por cima da calcinha e com o indicador, afasta-a para o lado e o polegar faz pressão
no clitóris. Ele sente a umidade do meu sexo e massageia a região inchada. Estou gemendo
e grunhindo contra ele, pedindo por mais. Quase levo minha mão para a dele, obrigando-o a
me penetrar e parar de provocação.
Porém, não preciso fazer isso. Ele afunda o dedo em mim, desço o quadril e rebolo,
exigindo mais. Embora impulsione o dedo em mim, não é suficiente.
— Bryan — chamo-o e ele para de mover o dedo. Quase reclamo, mas afasto o rosto
para olhá-lo.
— Que foi?
— Quero transar de verdade.
— O quê?! — ele grunhe, respirando pesado contra minhas bochechas salientadas pelo
calor dentro desse ônibus.
— Você ouviu.
— É, eu ouvi.
Levanto a tampa da cesta e uma corrente de embalagens de camisinha sai de lá, entre
meus dedos. Bryan olha para a minha mão e depois para mim, chocado.
— Aqui? Agora?
— Estou pronta.
— Não tá não.
— Não é você quem decide isso.
Pego uma e devolvo as outras para a cesta. Coloco a embalagem entre os lábios e rio.
Aprendi algumas coisas sobre o novo Bryan no último mês: ele não resiste às minhas
provocações. Se eu estiver preparada em todos os sentidos, tocá-lo no ponto certo, ele não
terá escapatória. Na verdade, se tratando de sexo, ele tem resistido muito mais que eu.
Considerando seu histórico com as mulheres, pensei que fisgá-lo seria mais fácil.
— Você estava bem preparada — ele ri, tira a camisinha da minha boca e a deixa de
lado. — Quando foi que você decidiu isso exatamente? — Beija meu pescoço, como se
quisesse me distrair do foco da discussão. Eu permito, porque não resisto aos beijos
molhados nessa região. — Espera só um segundo. Você me trouxe aqui só pra me
convencer a transar com você. — Não é uma pergunta, ele simplesmente conclui isso.
Sorrio para ele.
— Eu já me decidi faz um tempo, mas está mais difícil de te convencer a transar comigo
do que qualquer outra coisa. Qual é o problema?
Deslizo com a ponta do dedo bem devagar por seu peito, rumo em um botão da calça.
Levo menos de um segundo para soltá-lo e Bryan desce o olhar para a minha mão hábil
puxando o elástico da cueca e procurando espaço para entrar na calça.
— Só quero garantir que você tem certeza disso. Eu não sei muito ser gentil na cama —
Bryan ofega, sem tirar os olhos da minha mão.
Levanto o quadril, mantenho espaço entre meu corpo do seu e enfio a mão na calça.
Bryan pende a cabeça para trás, aperta os lábios com força e vejo quanta força impõe nas
pestanas quando se fecham. Ele está tão relutante. Por enquanto.
— Você parece bem gentil pra mim.
Com a mão direita, ele volta a me tocar. Pressiona o polegar e introduz o dedo em minha
abertura. Aproveito sua retaguarda e movo a mão com delicadeza, acariciando os pontos
sensíveis e saltados do seu sexo.
Ele não tenta fugir, portanto consigo fazê-lo levantar o quadril para facilitar a saída da
calça e cueca. A única coisa nos separando é o tecido fino de cetim do meu vestido e a renda
fina da calcinha.
Bryan cede e passa o antebraço para o lado, afastando a cesta de piquenique. Coloca as
taças em um lugar onde não possamos quebrá-las e me deita sobre a manta. Subo o vestido,
ergo os braços e ele o tira com mais facilidade, abro as pernas e ele se encaixa. Inclina o
corpo esguio sobre o meu. Beija cada centímetro do meu pescoço, a fenda entre meus seios
e belisca um mamilo, que faz com que uma energia estarrecedora comece na pontinha do
meu peito e termine no clitóris.
O ambiente seria silencioso se não fossem por nossas respirações pesadas. As írises
sombrias e desfocadas de tesão miram meu rosto, procurando por mais certeza. Projeto o
quadril para cima, arqueando a coluna para senti-lo e ele fecha os olhos, balançando a
cabeça. Faço de novo, sinto a ponta de seu pênis lubrificado tocar minha virilha, ainda
coberta, para provocá-lo.
Bryan cobre meu corpo, que parece minúsculo agora, com o seu. Ele beija minha boca
outra vez e minha língua vai ansiosa de encontro com a sua. Em seguida, afasta-se para me
encarar e um sorriso sagaz corrompe a minha pouca inocência quando se trata de Bryan,
literalmente, ajoelhado entre minhas coxas e chupando a rigidez de meus nervos.
Com uma mão o empurro em direção a minha virilha e, com agilidade, tira a calcinha
branca rendada. Ele a joga de lado e respira pesado em cima da região sensibilizada. Me
beija primeiro, devagar, e sinto a língua passeando entre meus nervos sensível e ergo a
coluna em resposta.
— Puta merda, Bryan!
Quando meu corpo entra em contato com o chão outra vez, levo a mão em direção ao
seu cabelo. Prendo os fios macios entre os dedos, fecho os olhos e arqueio a lombar para
cima. Sua língua passeia suavemente como uma tortura silenciosa no ponto abaixo do
clitóris, sobe, sugando com vontade e enviando ondas de calor por todo o meu corpo. A
sensação de minha pele escorregadia sob sua língua me deixa ainda mais anestesiada.
Bryan introduz a ponta do indicador em minha abertura, prestes a me consumir.
Grunho baixo em reprovação e volto a afundar os dedos em seu couro cabeludo. Estende a
cabeça com um sorriso molhado para mim, como se estivesse me perguntando o que eu
quero.
Que filho da mãe, cara de pau!
Estendo a mão em busca do preservativo e entrego a ele. Ele rasga a embalagem como
um mantra e o coloca. É tudo tão lento e silencioso que sinto todo a espiral de tesão do meu
corpo resmungando. Estou quase me erguendo para ajudá-lo quando posiciona o quadril
entre minhas pernas.
As batidas em meu coração vão até minhas têmporas. Ele apoia os braços na lateral do
meu corpo e beija minha boca. Sinto a ponta de seu pau na abertura, roçando devagar e, a
cada fisgada que tenho enquanto ele me penetra, mais abro a boca.
— Tudo bem? — pergunta, meio sem fôlego.
Apenas faço um aceno positivo com a cabeça. Estou com os olhos bem abertos e não os
desvio dos de Bryan, que também estão fixos em mim, no meu rosto se contorcendo com a
dor penosa de ter algo me abrindo por inteiro.
Quando está completamente dentro de mim, solto o ar dos pulmões. Ele começa a
movimentar a cintura, agarro seu quadril apertando os lábios. A dor, a princípio, é
lancinante e não consigo nem respirar. Mas a cada investida lenta, cada beijo sincero que
Bryan deixa em meu queixo, boca e rosto, e a cada vez que os sons pesados de nossas
respirações se fundem no ambiente, faz com que o desconforto vá embora. Os picos de
prazer começam a se manifestar. Aquela dor desconfortável é substituída pela sensação de
ser tocada no meu ponto mais sensível.
A cadência aumenta e abro a boca para deixar escapar um gemido. Não conseguiria
segurá-lo mesmo que quisesse. Projeto a coluna para cima e à medida que faço isso, ele
aumenta a velocidade. O ruído alto de nossos corpos em atrito com o chão e escapam do
conforto da manta, o descompasso de seu coração tocam a minha carne e os urros guturais
fogem do controle de Bryan e perfuram meus ouvidos. Quero que ele vá mais rápido e faça
mais pressão. Estou sentindo o desencadeamento do ápice pulsar meu peito e latejar na
pontinha do clitóris.
Passo os braços sob suas axilas e prendo a respiração ao cravar as unhas na carne de
suas omoplatas. Colo a boca em seu ombro para abafar o ruído.
— Puta merda, que saudade — ele murmura, o calor que irradia entre nossos corpos
está nos fazendo suar. — Vou gozar — avisa e penetra mais duas vezes, com força.
Seu corpo amolece e o meu também. Um orgasmo na primeira vez é tudo o que eu
queria. Solto seus braços e afasto o rosto de seu ombro. Ele cai com o corpo amortecido ao
meu lado.
Escuto o barulho da embalagem da camisinha e levanto um pouco a cabeça para vê-lo
colocar a usada de volta.
Faço uma careta.
— É para jogar fora depois — ele ri, se explicando.
Bryan passa o braço sob meu pescoço, puxando-me para perto. Estamos nus, suados e
estou uma sujeira entre as pernas. Queria só um banho agora, mas não consigo parar de
sorrir. Acabo mordendo o polegar porque ainda tenho reflexos dos movimentos de nossos
corpos e consigo sentir as fisgadas nos meus nervos sensíveis.
Aninho-me em seu peito e passo um braço em sua cintura. Coloco uma perna sobre as
suas e o agarro.
Bryan ri.
— Isso foi…
— Perfeito — termino a frase por ele.

“Mamãe, venha aqui
Aproxime-se, apareça
Papai, eu estou sozinho
Porque esta casa não me faz sentir em casa
Se você me ama, não me deixe ir
Segure, segure, me agarre
Porque eu sou um pouco instável
Um pouco instável”
UNSTEADY – X AMBASSADORS

Mackenzie fica repentinamente quieta. É incômodo para mim, apesar de ela ter dito que
ficou satisfeita. Insegurança não combina comigo. Nunca aconteceu de eu ficar em dúvida
se fui bom o bastante para uma garota, na maioria das vezes, meu ego e autoconfiança são
imbatíveis quando o assunto se trata de sexo. Mas, veja bem, um cara como eu não está
acostumado a levar a responsabilidade da primeira vez de uma garota. Principalmente
quando a garota em questão é Mackenzie Wilde.
Sou apaixonado por ela desde a adolescência, o que significa que ela é como um sonho
impossível de ser alcançado; como essas pessoas que apostam na loteria toda semana
acreditando que suas chances de ganhar estão aumentando a cada aposta. Estar com ela é
como ter apostado em todas as probabilidades, feito todos os jogos que era possível e
finalmente acertei os números corretos.
A respiração regular e o corpo amolecido entre meus braços são indícios de que se
entregou ao sono profundo. Eu passei quase quatro meses sem transar e gozei tão rápido,
que nem tenho certeza se ela também chegou lá. Minha relutância em fazer sexo com
Mackenzie era que isso pudesse mostrar algumas coisas. Alguns relacionamentos
fracassam depois do sexo. É por isso, eu acho, que os homens e as mulheres com a minha
idade estão transando antes de namorar. Vai que, por algum motivo, a química no sexo não
é tão boa como a compatibilidade emocional?
Sim, o que estou querendo dizer é que estou bastante preocupado que, para Mackenzie,
não tenha sido tão bom quanto foi para mim. Não sou ao todo um babaca completo. Eu me
preocupo com a pessoa com quem estou transando. Tem que ser bom para ela.
A minha primeira vez foi horrível, para dizer o mínimo. Tinha acabado de sair da prisão,
um jovem, ex-detento e não sei por que diabos resolvi sair para beber sozinho. Sei que a
mulher tinha os olhos verdes lindos, mas não foi isso que chamou minha atenção.
Pela primeira vez, estava pensando em uma mulher de um jeito novo. Talvez meus
pensamentos estivessem ocupados demais me imaginando com Mackenzie para pensar em
qualquer outra, enfim, a coisa toda saiu do controle e eu não podia nem mesmo entrar em
um bar de verdade com essa idade. Mas era meu aniversário e queria curtir. Entrei em um
pub, que nem tenho certeza se ainda existe.
Nós conversamos um pouco, ela me deixou dar uns goles em seu Martini e foi a primeira
vez que fumei também. Acho que gostei da sensação de experimentar uma bebida forte e a
nicotina. Tudo virou um hábito – e não é que seja bom –, mas sexo e cigarros trouxeram a
paz repentina de que minha alma precisava para seguir a vida. Na verdade, ela parecia uma
jovem de vinte e dois anos e nossas conversas aleatórias trouxeram distração para a minha
mente barulhenta, não resisti aos encantos joviais e a experiência de flerte dela. Nunca mais
a vi. Mas eu errei o buraco muitas vezes, foi constrangedor e fiquei traumatizado com
primeiras vezes cheias de expectativas e recheadas com decepção.
Mackenzie remexe o corpo sob meu músculo do braço dolorido, cessando os
pensamentos e meus olhos recaem para suas pálpebras pesadas. Tenho certeza de que meu
celular ficou esquecido em algum lugar do ônibus, então não faço ideia de que horas são ou
há quanto tempo estamos deitados aqui. Estou tentando me decidir se a deixo descansar
por mais algum tempo ou a lembro de que é segunda-feira e tem aula amanhã.
— Ei — passeio com a ponta do indicador por sua bochecha e, em seguida, o levo sob o
queixo. Ergo sua cabeça um pouco, o suficiente para que minha boca consiga alcançar a sua
e a beijo suavemente.
— Hum? — murmura sonolenta, ainda sem abrir os olhos.
— Tudo bem? — Prendo uma madeixa de cabelo atrás de sua orelha e finalmente
consigo ver as íris verde-escuras.
— Tudo e você? — boceja, mantendo o braço em volta do meu peito e a coxa torneada
entre minhas pernas.
— Tudo.
— Você tá me assistindo dormir já tem um tempão. O que foi?
— Nada — rio, depositando um beijo em sua testa.
Eu não me sinto estranho por demonstrar afeto por ela. Faço isso de um jeito tão
natural, que me assusta.
— Tá mentindo.
— Não tô não — insisto, com uma risada no fim do “não”, que repercute por todo o
ônibus. Mackenzie franze o rosto, deixando claro que não acredita em mim. Suspiro,
sabendo que não importa o que eu diga, ela não vai deixar o assunto morrer. — Estou
preocupado que a sua primeira vez tenha sido uma merda — digo rápido, antes que perca a
coragem. Mackenzie analisa apreensiva meu rosto, seus olhos saltam de um ponto para
outro e, em seguida, a cabeça cai para trás. Uma gargalhada alta nos engloba e meus
ombros tensionam.
— Você tá falando sério? O experiente Bryan McCoy está preocupado que não tenha
feito jus à fama? — O tom zombeteiro em sua voz faz com que eu me sinta mais pequeno.
— Algo assim.
Mackenzie suspira e vira o corpo, sentando-se sobre mim. Se ela me beijar ou rebolar
em cima de mim, rapidinho esqueço a história de irmos embora.
Os peitos expostos e rígidos nos mamilos estão bem perto do meu rosto quando se
inclina. Exalo o ar contra eles e volto a olhar para seu rosto.
— Alguma coisa como “transar é péssimo, como as pessoas podem gostar disso?”
passou pela minha cabeça nos primeiros minutos. Eu já ouvi dizer que dói, mas puta que
pariu… — ela suspira, balançando a cabeça. — Se todas as vezes fosse assim, dolorido, não
iríamos transar nunca mais. Mas depois... — Mackenzie tomba a cabeça para trás enquanto
faz movimentos circulares com o quadril por cima de mim, os cabelos curtos e ondulados
pendem sobre a pele nua de sua coluna — foi gostoso.
Seguro sua cintura e a paro.
— Melhor não fazer isso ou não vamos embora hoje.
— Quem falou em ir embora? — Ela contorce os lábios. Fica bem fofa quando não aceita
ser contrariada.
— Você não tem aula amanhã, garota?
Ela pensa um pouco no assunto, debruça sobre mim esticando o braço e alcança o
celular.
— É meia-noite — diz enquanto reflete. — Nós podemos ir à meia-noite e meia, o que
acha?
— Você vai ficar mal-acostumada.
— Você quem me deixou assim — devolve, com um sorriso travesso curvando o canto
de sua boca.
— Desde quando você é tão…
Não consigo terminar a frase porque, segundos depois, Mackenzie aperta sua boca
contra a minha. O beijo é quente, retribuo ansioso para sugar sua língua. Enterro os dedos
em seus cabelos, puxo-a para mais perto. Se continuarmos assim, nenhum de nós vai se
importar com as responsabilidades como o trabalho ou a faculdade.
Noto uma pequena mancha de sangue em sua coxa direita quando a coloco deitada de
costas na manta. Não quero assustá-la ou deixá-la desconfortável com qualquer
comentário, já escutei bastante que, na primeira vez, pode acontecer um leve sangramento
– mas não é em todas as mulheres que acontece – é tão natural quanto o próprio sexo,
então ajo como se não estivesse lá e volto a beijá-la antes que perceba para onde estou
olhando.
Tudo que quero é que Mackenzie continue se sentindo à vontade comigo, sendo safada e
desinibida, entregando-se aos instintos. Entregando-se aos nossos momentos sem nenhum
tipo de constrangimento. Quero ficar com ela essa noite e em muitas outras. Poderia ouvi-la
gemer alto sem se importar com quem está ouvindo e beijá-la para abafar pelo resto da
vida.

Mackenzie e eu chegamos à conclusão de que estamos em um relacionamento – é, não


dá para imaginar –, pelo menos, uns meses atrás, se alguém me dissesse que estaríamos em
um nível totalmente diferente de onde estivemos nos últimos dois anos, não teria
acreditado. Teria gargalhado e feito uma piada de mau gosto, talvez até ficado puto com
quem quer que estivesse falando tanta merda, mas a verdade é que quem cospe para o alto
pode acabar sendo atingido pela própria saliva. É por isso que, você nunca, nunca mesmo,
diga que não fará algo. Porque, acredite em mim, o universo ou Deus, seja qualquer for a
sua fé, dará um jeito de te mostrar que esse nunca pode sim acontecer.
— Então você está pronto para apresentar sua namorada para sua mãe? — Ashton diz e
gargalha em seguida. Ele está tirando sarro de mim, claro. Não seria o Ash se não
encontrasse uma brecha para me provocar. — Eu quero ser uma mosca no seu prato só
para ver a cara da Vivian quando vir a Mackenzie! — Bate com a mão na mesa da cozinha
de sua casa, fazendo com que as cervejas se mexam no móvel.
É sexta-feira à noite, estamos reunidos como há muito tempo não fazíamos. Aidan,
Ashton, Finnick, agora o tal do Chase também e eu. Estamos sentados à mesa de madeira de
carvalho rústica de Ashton, bebendo cervejas enquanto jogamos conversa fora. Ou melhor
dizendo, enquanto Ash tira proveito por saber quase tudo da minha vida.
— Nós devíamos fazer uma festa de despedida de solteiro — emenda, bebendo um gole
da cerveja.
— Essas festas só se fazem, Ashton, quando o cara vai se casar — Aidan responde, mas
não parece chateado. A verdade é que ele se recuperou bem do fora que Mackenzie deu
nele. Surpreendeu a todos nós. Ele costuma ser o mais sensível e sentimental, mas agiu
completamente o oposto disso. O pai dele ter levado um tiro o distraiu mesmo de tudo a
nossa volta.
— Mesmo assim. Bryan só vai enfiar o pau em uma única boceta de agora em diante. Eu
tenho certeza de que esse momento histórico precisa ser lembrado para o resto de nossas
vidas. O bom é que sobra mais para mim.
Chase está balançando a cabeça em reprovação para Ash, mas também ri.
— Você é o segundo mais misterioso. Esse posto oficial pertence ao Finnick. — Ashton
está claramente bêbado, é por isso que nenhum de nós está refutando as coisas que diz.
Aponta o indicador para o rosto de Chase, na outra ponta da mesa. Ele tem as pernas
esticadas sob a mesa, desleixado. — Nós não sabemos literalmente nada da sua vida.
— Você deve saber que sou rico.
Finn, Aidan e eu caímos na gargalhada e a cara de Ashton fecha.
— E arrogante!
— Todo mundo tem defeitos e qualidades. A minha qualidade é ser rico e o meu defeito
é jogar isso na sua cara. — Mais uma vez, estamos gargalhando.
— Vou te confessar, Chase, eu não gosto nem um pouco de você.
Uma coisa que Chase e Finn são diferentes: Chase não fica calado perante as
provocações de Ashton, o que faz com que nossos ensaios saiam da monotonia. Era péssimo
que só um de nós tivesse algum senso de humor, nesse caso, o Ashton. Até Finn ri da
resposta de Chase. E preciso admitir que estou me adaptando a esse novo integrante. Aidan
saiu, mas continua tão presente em nossas vidas quanto antes.
— Por eu ser rico ou por que sou arrogante?
— Pelos dois motivos. — Ashton levanta o dedo médio para Chase no mesmo instante
em que leva o gargalo da garrafa à boca. Por fim, Chase faz o mesmo e começa a rir.
Ashton também tem dinheiro, tanto quanto Aidan, mas não fala sobre isso. Não age com
prepotência ou exibe suas riquezas. Na realidade, ele está buscando por independência e
nunca busca por ajuda da família. Em resumo, a família dele é rica, mas Ashton não –
porque ele não quer. Existe algum tipo de orgulho nele. Quer bater no peito e dizer que
conquistou as próprias coisas. Tanto que a casa que mora hoje, no meio da floresta e a
quilômetros do centro da cidade, foi uma herança que recebeu da avó.
— Você disse que vai apresentar a Mackenzie para sua mãe no sábado e vai conhecer o
Mathew, namorado da Vivian?
— Sim, aproveitei a oportunidade. Ao menos se ela resolver surtar, o tal do Hardway
estará lá para manter a balança equilibrada. Mas acho que a minha mãe não é um
empecilho tão grande quanto a família de Mackenzie — respondo a Ashton, esvaziando a
minha terceira garrafa de cerveja esta noite. A ideia é ficar bêbado como há muito tempo
não faço quando estou com eles.
Mackenzie está ocupada fazendo trabalhos para a faculdade. Então nada de jantar, sexo
ou dormir de conchinha. Puta merda, eu me tornei o que mais temia. O cara que sente
saudades por passar um dia sem ver a namorada.
— Nós tínhamos um acordo. — Levo os olhos para Finn, que está partindo um palito de
dentes com os dedos. — A banda acima das garotas.
Todos nós estamos em um silêncio profundo enquanto analisamos a fala de Finnick. Eu
pensei que seria questionado por Ashton, mas nunca por Finn. Os olhos verdes estão
baixos, concentrados nas mãos, porém os ouvidos estiveram o tempo todo atentos à nossa
conversa. Até Chase está um pouco chocado com a recente manifestação de Finn na roda.
— Desculpa, cara, não entendi? — Lanço um olhar enviesado para sua direção, sem
perder a paciência.
Finn para de mexer no palito e faz um montinho com os pedaços destroçados. Em
seguida, sobe o olhar em busca do meu rosto e o crava em mim.
— Se a banda estourasse amanhã e precisássemos nos mandar da cidade, poderíamos
contar com você? Mudaria seus planos por causa dela? — É uma pergunta desafiadora e
sinto que, se eu errar na resposta, Finnick se levantará dessa mesa e correremos um sério
risco de perdê-lo. — Você romperia o nosso sonho por causa da Mackenzie? A regra “a
banda acima das garotas”, não era para que nós não ficássemos com mulher nenhuma. Para
mim me pareceu um acordo, para que, quando a hora chegasse, escolhêssemos a banda. E a
hora, eu me refiro a sairmos desse buraco de merda que é Humperville. Só quero ter
certeza de que ainda estamos na mesma sintonia. — Ele passa os olhos por nossos rostos.
— Porque, se não estivermos, vou cair fora.
Isso parece deixar a todos nós tensos. Inclusive Chase, que é novo no grupo.
— É claro que, quando a hora chegar, vou escolher a banda — digo, porém tem uma
dúvida sombreando minha resposta.
Não parei para pensar nisso em nenhum momento, quer dizer, quero muito que a banda
estoure e que sejamos ouvidos por milhares de pessoas. Quero colocar o pé na estrada com
eles e me jogar de cabeça nesse sonho, mas também quero poder voltar para Humperville
com a certeza de que estou voltando para alguém. E que esse alguém seja Mackenzie.
— Que bom — ele finaliza e bebe.
Finn não diz mais nada, mas ele conseguiu quebrar todo o clima bom da mesa. Acho que
é por isso que não fala muito. As palavras que saem de sua boca, apesar de sinceras, são
afiadas.

É sábado e estamos fazendo cerimônia para entrar em minha casa. Mackenzie está linda
dentro de um vestido rosa claro, com a barra da saia ondulada e a região de seus seios bem-
comportada em um decote em V discreto.
O pano que Gravity usou para costurar o vestido é solto e leve. Seus cabelos estão mais
curtos, notei assim que fui buscá-la. Ela disse que cortou mais um pouco e batem na parte
superior dos ombros. Estão ondulados e com mechas mais claras que a raiz.
Caminhamos em silêncio pelo caminho pedroso, ladeado com cascas de árvore. Estamos
de mãos dadas e estou pronto para ser recriminado pela minha mãe, embora não acredite
muito que ela ficará surpresa. Não depois da conversa que tivemos, onde me deu conselhos
a respeito de Mackenzie.
Abro a porta e a deixo passar primeiro. Sinto o cheiro de frango assado e batatas.
Risadas altas, que o bairro inteiro poderia ouvir. Conforme nos aproximamos da cozinha, os
saltos finos de Mackenzie contra o assoalho nos denunciam. Seu aperto em minha mão não
suaviza, na verdade, fica mais rígido e meus dedos estralam. Lanço um sorriso para ela, a
fim de confortá-la, mas só consigo deixá-la mais ansiosa.
Em uma fração de segundos, minha mãe aparece no caminho com a haste da taça com
vinho branco presa entre os dedos. Espero vê-la sorrindo, mas a curva de sua boca parece
ter desmanchado quando seus olhos desviam para Mackenzie. Se ela apertar minha mão
com mais força, vou ficar sem os dedos.
Minha mãe solta um suspiro lento e, aos poucos, um sorriso fraco delineia o contorno de
seus lábios. Mantenho o pensamento de antes: não importa se ela aprova ou não, isso não
afetaria a minha decisão de ficar com Mackenzie. Uma desgraça horrenda teria que
acontecer para me tirar de perto dessa mulher de novo.
— A mesa já está posta. — Ela estica o braço para apontar para a mesa longa de oito
lugares.
Mathew Hardway está lá. O terno sem nenhuma dobra, sentado com os ombros esguios
e aprumados. Um homem perfeito de cabelos loiros penteados para um lado só e olhos
claros apertados. A barba rala loira não é um defeito em Math, na verdade, o cara fica
bastante charmoso desfilando com os pelos por fazer por aí, como se não fosse de propósito
os contornos ficarem tão bem feitos. É irritante, mas se ele tratar minha mãe bem, aceito
que se sente à nossa mesa.
— Mathew Hardway — ele se apresenta com um sorriso largo e engomado. Estende a
mão direita enquanto segura a abertura do paletó para que ele não saia do prumo.
— Bryan — digo simplesmente ao apertar sua mão. Em seguida, ele se vira e
cumprimenta Mackenzie.
Tudo é cortês e estamos lidando uns com os outros por educação. Como já havia dito,
minha mãe não demonstra surpresa por Mackenzie estar sentada à mesa. Ela mastiga as
batatas lentamente com um pouco de farofa e ervilha, garfada após garfada, é uma tortura
silenciosa para Mack e consigo sentir o desconforto que irradia dela. Mas acho que não
tenho a habilidade para mostrar sua personalidade para a minha mãe e convencê-la de que
Mackenzie e eu mudamos muito. Aprendemos. E por termos nos perdoado, conseguimos
amadurecer.
— Então, Bryan, sua mãe me disse que você tem uma banda — Hardway corta um
pedaço de frango e coloca na boca. Pego a taça de água na minha frente e engulo um gole
para ajudar a massa a descer pela garganta.
— Sim.
— The Reckless, não?
— Sim.
— Já ouvi falar, vocês são bem conhecidos na cidade — diz com um sorriso orgulhoso.
A verdade é que homens como Mathew não se orgulham de sonhos como os de um
jovem querendo ser famoso no mundo da música. Ele é hipócrita como meu pai. Valoriza o
“trabalho duro”, como se tentar engajar uma banda nesse mundo não fosse duro o bastante.
Eles apreciam um diploma preso à parede, uma carreira sólida atrás de uma mesa de
escritório. Cabelos brancos de tanto estresse por ter que ouvir um chefe cruel e reclamão o
dia todo. Olheiras profundas, roxas e inchadas é o que provam o quanto você é bem-
sucedido. Mas é o que eles pensam, não eu.
— E somos bons — completo a frase dele e volto a comer.
— Muito bons. — Mackenzie sorri em aprovação, o que chama a atenção da minha mãe.
— Você o apoia? — minha mãe pergunta, com os punhos apoiados na mesa. De repente,
o olhar das mulheres que mais amo estão travando uma batalha diante de mim. —
Concorda com ele saindo todas as noites e muitas vezes voltando de madrugada?
— Sim. — É tudo que Mackenzie responde. Acho que não vê necessidade de uma
explicação mais elaborada ou frases de efeito que vão amolecer o coração de minha mãe.
— Se eles tivessem uma oportunidade de fazer sucesso fora daqui, você continuaria
apoiando? — Math pergunta e não gosto de sua postura, de se achar no direito de fazer
perguntas. Ele não é meu pai. — Quer dizer, geralmente, quando alguém quer investir em
uma banda como a The Reckless, o mais natural é que eles acabem entrando em uma turnê
mundial. Abrindo shows de algum cantor ou banda mais famosos. Essas turnês costumam
durar muito tempo. — Ele come a porção de comida do garfo enquanto espera Mackenzie
responder.
Ela fica bastante pensativa quanto a pergunta. Vejo que dúvidas estão cintilando em
seus olhos e começo a ficar preocupado. De repente, todo mundo resolveu nos colocar o
famoso “e se”.
— De quanto tempo estamos falando?
— Um ano e meio ou dois. Varia — Math responde.
Mackenzie respira fundo e olha para a comida quase acabada em seu prato.
— Eu, com certeza, esperaria por ele.
É a resposta que faz com que meus ombros relaxem, minha mãe acaba sorrindo para
mim. O sorriso é para que eu saiba que tenho sua aprovação.

23 de novembro de 2019, às 23h45.



O corpo de Mackenzie é uma ponte curvilínea em minha cama. Ajoelhada, de quatro e
agarrando os lençóis. Movo o quadril com aspereza contra sua bunda, aperto a carne
avantajada dessa região e afundo mais conforme seus gemidos preenchem meus ouvidos,
atingindo com força vitalícia meu peito.
Tudo que consigo enxergar é a silhueta de seu corpo curvado na cama e escuto os
baques surdos da cabeceira na parede.
— Mais rápido! Estou quase lá! — ordena e sou obediente.
Imponho mais pressão nos movimentos cadentes, enviando ondas de prazer para a
ponta de meu pênis. Deixo a cabeça cair para trás, arfando com força o ar. Contorço os
lábios em uma careta e repito o vai e vem. Seu corpo acompanha o ritmo, a pele suada
prega na palma de minha mão.
Seguro seus cabelos, puxo-os para trás em um rabo de cavalo e inclino o corpo sem
diminuir o compasso das investidas em sua abertura molhada. Beijo seus ombros e a base
de sua nuca.
— Goza pra mim, linda — murmuro ao morder a pele salgada e nua dos ombros.
Mackenzie arqueja sobre o som de minha voz em sua orelha e o barulho gutural que faz
sempre que tem um orgasmo é como música para meus ouvidos. Meto fundo uma última
vez, para que também liberte a pressão em meu membro, e saio de dentro dela.
Ela desaba de bruços na cama e tiro a camisinha. Visto a calça de moletom que estava
vestindo antes de começarmos e vou até o banheiro para me limpar.
Jogo a camisinha fora e quanto volto, Mackenzie está usando minha camiseta preta
escrito em vermelho Jurassic Park. Está movendo os dedos pela tela do celular. Alguns fios
de cabelo estão soltos sobre sua testa e pregados na pele úmida.
Rastejo até ela e caio ao seu lado com a barriga para baixo.
— Você acaba comigo — confesso com a voz abafada pelo travesseiro. Ela se inclina
para beijar meu rosto e o afasto um pouco para dar espaço o suficiente para seus lábios. —
Preciso dormir mais pra conseguir acompanhar seu ritmo.
— Também acho — zomba e muda o foco dos beijos para a pele nua de minhas
omoplatas. — Ei, estive pensando…
— O quê?
— Já que sua mãe oficialmente sabe da gente agora, seria legal se contássemos para a
minha família também.
Levanto a cabeça.
— Sério? Sua mãe não é lá a minha fã número um.
— Eu sei, mas podemos primeiro falar com meu pai.
— Nate também não concorda — adianto a ela.
— Ah, Nate vai concordar quando tiver certeza de que você não anda dormindo com
nenhuma garota por aí.
— Mas eu estou dormindo com uma garota. — Ela faz uma careta enciumada. — Você.
— Estico a mão para o seu pé e o belisco. — E você tá matando a minha rotina. Eu nem
durmo direito mais.
— Tudo bem. Vamos parar.
— Estou brincando. — Ajeito o corpo, ficando meio sentado e a puxo entre minhas
pernas. Ela deixa o celular de lado. — O que você tanto mexe aí? — Estico-me para pegar o
celular, mas Mackenzie é mais rápida e o esconde sob o traseiro. — O quê? Está escondendo
as coisas de mim agora?
— Não — ela ri.
— Ah, está sim. — Coloco a mão em sua bunda e Mackenzie gargalha, fugindo com o
corpo para o lado. — O que é que você não pode me contar?
— Estava conversando com Gravity e Effy.
— Sobre o quê? — Uma de minhas sobrancelhas se arqueia.
— Se você não pode ver, sobre o que acha que estamos conversando? — Mackenzie
revira os olhos como se a resposta fosse óbvia.
— Não sei. — Faço uma nova tentativa e Mackenzie gargalha de novo, por fim, eu
desisto. — Tá, então não quero ver. — Passo os braços por cima de seus ombros e beijo sua
têmpora.
— Acha que sua mãe e Mathew estão se divertindo no noivado do seu pai? — pergunta
e aumento o aperto em volta de seu corpo. Descanso o queixo em seu pescoço, respirando
fundo.
— Acho que sim, não sei.
— Você não tem curiosidade de saber quem ela é?
— Nem um pouco. Não quero saber quem é a mulher que ele escolheu para colocar no
lugar da minha mãe.
— Ele tem o direito de seguir em frente, você não acha?
— Meu pai superou tudo rápido demais para o meu gosto. Nunca vou esquecer as noites
que escutei minha mãe chorando por causa dele.
— Hum... — murmura, remexendo sob meus braços. — Se você conseguiu me perdoar e
eu consegui te perdoar, você também consegue perdoá-lo. — Não é bem uma pergunta e
acho que está pensando alto demais. — Ele é seu pai. Devia ser mais fácil de perdoar.
— É por ele ser meu pai, que é mais difícil. O trabalho dele não deveria ser me proteger?
Mackenzie gira o pescoço para me olhar.
— Você acha que seu pai sabia em que tipo de negócio Jev estava te colocando? Eu não
acredito que ele concordaria com uma coisa assim. Me lembro de um homem bom, Bryan.
— É, que pegou dinheiro emprestado com um agiota sem consultar a minha mãe e
escondeu isso por anos até que o cara voltou para cobrar. E eu paguei por essa escolha. Não
estou sendo vitimista, só apontando os fatos.
Ela se afasta e se inclina para acender o abajur ao lado da cama. Seu rosto se ilumina
pela luz fraca.
— Você deveria tentar.
— Tentar o quê?
— Como assim, o quê? Perdoar o seu pai.
— Eu tentei. Não funcionou antes, por que funcionaria agora? — Levanto o lençol para
me esconder sob ele.
Sei para onde essa conversa nos levará e não gosto nem um pouco do resultado. Minha
mãe tentou me convencer antes, mas não deu certo e a gente costumava brigar muito por
ela ir contra minha decisão de me afastar.
Escuto quando ela bufa. Não posso mais vê-la porque fechei os olhos.
— Você está agindo feito criança.
— Quê? — Arregalo os olhos para ela. — Mackenzie, essa é uma escolha minha, não sua.
Eu decidi não o perdoar, você só tem que respeitar isso.
— É só que…
Sua voz é interrompida pelo toque do meu celular. Ele ficou em algum lugar na sala
assim que chegamos. Hoje tivemos um show no Anarchy com a The Reckless e minha mãe
foi para o noivado do meu pai em Dashdown com Mathew. Mackenzie me acompanhou,
mas acabou antes do previsto por um vazamento de gás no bar. Jack fez uma reforma
recentemente, então alguma coisa deve ter acontecido.
Mackenzie olha o horário no celular.
— É mais de meia-noite. Quem ligaria essa hora?
— Ashton. Se ele estiver muito chapado.
Chuto o lençol para me levantar. Vou para o corredor e Mackenzie me segue através do
vestíbulo escuro. Desço as escadas com pressa e encontro o aparelho largado sobre o sofá.
O número que pisca na tela não é de Ashton, mas também não o tenho salvo na agenda.
— Alô? — atendo e os dois primeiros segundos são de um silêncio corrosivo.
Tiro o aparelho da bochecha e o afasto para ver o número.
— Alô? — repito e espero impaciente.
— Alô? — A mulher do outro lado da linha tem uma voz dura. — Você é… — Ela para e
mastiga a palavra seguinte. — Bryan McCoy?
— Sim.
— Bryan, meu nome é Gayle. Sou enfermeira-chefe na emergência do hospital San Rosé.
Temos motivos para acreditar que sua mãe, Vivian Sawyer, deu entrada neste hospital, às
vinte e duas horas e trinta e dois minutos de hoje. Você poderia vir e…
Não escuto mais nenhuma palavra que a tal da Gayle pronuncia. As batidas frenéticas
em meu coração fazem a costela doer e fico surdo.
— Bryan, o que foi? — Elevo os olhos para o corpo ereto de Mackenzie poucos
centímetros de mim.
Não consigo dizer nada. Nem sei o que aconteceu de verdade. Estendo o celular para ela
e Mackenzie fala com Gayle. Ela assente, mas não escuto o que sai de sua boca, embora
tenha certeza de que disse alguma coisa porque vi seus lábios articularem.
Mackenzie encerra a ligação e se ajoelha diante de mim, entre minhas pernas.
O que está acontecendo?
Não consigo pensar nem me mover. Estou preso nesse transe.
— Bryan? — Mackenzie segura meu rosto e meus olhos miram a palidez do seu. — Eu
preciso te contar uma coisa. — Ela pigarreia, mas não tem coragem de falar, então mantém
os lábios finos pétreos. — Tem uma possibilidade de sua mãe ter dado entrada na
emergência no hospital. Houve um acidente de carro.
— É grave? — Minha voz é um ronco gutural permeando pela sala quieta.
— Eu não sei — responde com a voz baixa e seus dedos acariciam minha nuca. — Vou
me trocar e pedir pra minha mãe levar a gente ao hospital. Você está bem?
Eu não respondo porque não sei como me sinto. Não tenho definição para dizer. Porra, é
a minha mãe! É ela quem move o meu mundo. Se ela parar, eu também paro.

Estão todos aqui na sala de espera. Nossos amigos. A única família que conheço. As
pessoas que se importam com a gente de verdade. Todos os rostos estão abatidos e
taciturnos, como uma lembrança dolorosa do que aconteceu nas últimas vinte e quatro
horas.
Queria encontrar um jeito de sentir alguma coisa além do choque momentâneo. Ele se
apoderou de mim. Muitas coisas passam por minha cabeça, mas nenhuma delas me leva
para o sentimento de luto.
Meus olhos permutam por todo o ambiente, estou concentrando no cheiro hospital e
sendo intoxicado por ele.
Depois de quase vinte e quatro horas, o médico veio, conversou comigo e preciso tomar
uma decisão que não quero.
Como é que eu posso ter sido colocado na posição em que preciso escolher entre
manter minha mãe viva, em estado vegetativo pela próxima semana, ou desligar todos os
aparelhos agora e doar seus órgãos? É insensível demais. Porque ela está em algum quarto
nesses corredores. Para mim, não está morta, mas também não está viva e estou tentando
entender o porquê de estar sendo torturado.
Mathew Hardway sofreu leves arranhões e terá alta nas próximas horas, mas minha
mãe, que estava dirigindo e foi o lado atingido pelo filho da puta bêbado que furou um sinal,
está esperando que eu decida, porque ela não respira sozinha. Minha mãe sofreu morte
cerebral.
Primeiro, quando cheguei ao hospital, eles disseram que era coma, mas o diagnóstico
concreto veio no começo da tarde.
Não consegui chorar, nem consigo pensar no assunto direito porque aconteceu rápido
demais para que eu pudesse entender. Afundei-me nossa bolha do entorpecimento e não
quero sair, porque, se eu fizer, terei que voltar para uma vida onde minha mãe não faz mais
parte dela.
Levanto num rompante e caminho para a saída. Escuto Mackenzie me chamar – ela não
saiu do meu lado nas últimas horas.
As portas automáticas de correr se abrem assim que me aproximo. Saio e me deparo
com os primeiros flocos de neve do inverno cobrindo os carros. Olho para o céu, sinto o ar a
minha volta e o comprimir pesado em meu peito. Contorço os dedos dentro do All Star que
estou usando e, apesar de não ter trazido nenhuma roupa de frio, o estado de torpor não
me deixa sentir nada.
Esse é o problema. Não sentir nada é pior do que sentir tudo.
Escuto os passos de Mackenzie atrás de mim. Ela ofega e respira fundo quando para ao
meu lado.
— Bryan.
Não respondo.
Ela faz um barulho como se os braços cobertos pela jaqueta de inverno estivessem em
atrito.
Minha mãe adorava a neve.
Mexo os pés, tirando a camada de neve fofa que se acomodou entre eles.
Minha mãe adorava a porra da neve e está nevando hoje.
— Bryan?
A mão gelada de Mackenzie toca a minha, mas não retribuo. Apenas fecho os olhos e
balanço a cabeça.
Não quero ficar sozinho.
Não quero que ela morra.
De repente, estou me sentindo um garotinho indefeso sendo consumido pelo medo.
Lembranças de minha mãe me abraçando e de um eu mais novo correndo para ela no fim
da aula. Minha visão é toldada por essas lembranças, como se estivesse vendo um filme
correr diante de mim: de nós dois fazendo um boneco de neve, escuto sua risada quando
acerta uma bola de neve em meu rosto e corre para se esconder atrás de um arbusto
quando vou até ela em busca de vingança. Nunca consegui acertá-la de verdade, ela sempre
deixava, para que eu não me sentisse estúpido e inútil. Estremeço por escutar seu choro na
madrugada tão vivo, como se fosse agora.
Fecho os olhos e cubro as orelhas. Dobro as pernas até estar de joelhos e escondo o
rosto para chorar. E finalmente começo a sentir. Não existe estado de torpor no mundo
capaz de camuflar a dor de perder alguém.
A mão de Mackenzie pesa em meu ombro, acaricia a extensão de minha coluna espinhal
e acaricia os fios de cabelo emaranhados na altura da blusa de manga comprida que estou
vestindo.
Ontem ela estava aqui, hoje não está mais.
Mackenzie se inclina sobre mim e me abraça. Escuto mais respirações pesadas na porta
e tenho certeza de que todos os caras da The Reckless estão aqui.
Aperto a mão de Mackenzie e alivio o meu peito me permitindo chorar.

Não sei por que fazemos isso. Não entendo a motivação que nos leva ao estado
deteriorável de precisar comer e beber depois de enterrar alguém que significou tanto em
nossas vidas. Mas meu pai insistiu e, em respeito a minha mãe, concordei.
A sala está cheia de pessoas que nunca vi, que conheceram minha mãe quando ainda era
casada com meu pai, mas que não chegaram a visitá-la nem mesmo uma única vez depois
de Casey ter ido embora. Eles bebem uísque caro com meu pai e lamentam a morte de uma
mulher maravilhosa com a maior hipocrisia, porque, quando mais precisamos, não estavam
aqui.
Estou envolto nessa bolha. Na bolha apática e insensível que Mackenzie disse que me
englobo sempre que quero me distanciar, sempre que meu corpo fica pesado demais,
apesar de meu peito estar vazio. Quero entupir minhas entranhas com nicotina, turvar a
minha mente com Bourbon e camuflar toda a dor que sinto com escapes destrutivos.
As únicas pessoas que passaram por mim hoje foram Mackenzie, Effy, Gravity, Faith,
Maeve, Nate e os caras da banda. Meu pai só torrou a minha paciência, tentou penetrar a
minha mente com seu veneno usando seus olhos azuis injetados com tristeza a fim de me
convencer.
Convencer-me a ir embora com ele porque não sobrou nada para mim em Humperville.
Minha mãe é tudo para mim e não sei se estou pronto para ter uma vida onde ela não exista.
Não tenho certeza se quero viver em um mundo onde ela não pertença. E muito menos
morar em uma casa onde cada canto me lembra dela.
Estou tentando entender o motivo de tudo. Tentando compreender por que diabos Deus
teve que levá-la. Já não estive sozinho o suficiente nos últimos anos? Já não me senti
desprezível e fraco o bastante? Precisava roubar o resto da minha força? Não consigo, eu
tento não culpar a força divina que minha mãe acreditava, mas quanto mais penso nisso,
mais acredito que estou sendo punido.
Mas por que estão me punindo? Por que fui um mulherengo que transou com a maioria
das garotas que cruzou meu caminho? Por que errei e aprendi com eles? Ou por que acertei
e mesmo assim precisava continuar aprendendo? Não consigo suportar a dor e aceitar que
a única mulher que me amou verdadeiramente no meu pior momento não está mais aqui
para me amparar.
Enredo os dedos da mão esquerda no cabelo. A direita está ocupada segurando uma
bituca de cigarro e neva pra caralho hoje. A fumaça subindo e toda nossa área de lazer nos
fundos está coberta por uma camada densa de neve. A cama fofa esbranquiçada não teve
piedade de nenhum pontinho verde de grama. Nossa piscina mediana está coberta por uma
lona azul pesada e nem me lembro de ter sido eu a pessoa a ter feito isso.
Mathew Hardway teve alta no hospital hoje de manhã. O cara estava em um estado
deplorável de aceitação. Parecia tão perdido quanto eu e, pior ainda, não conseguia
assimilar os acontecimentos e a morte da minha mãe. Assim como eu, Math está em estado
de negação e não o culpo por não ter aparecido na cerimônia fúnebre que o padre José
concedeu.
Mackenzie se sentou comigo no banco da frente da igreja, agarrou-se a mim como se eu
pudesse tentar fugir, caso não garantisse que fosse uma âncora na minha sombra.
Entretanto, não sinto que tenho forças o bastante para andar daqui até a casa dela, quem
dirá para tentar fugir.
Comprimo os lábios e aperto a bituca de cigarro entre eles. Aspiro a fumaça com força e
a solto devagar. A nuvem densa sobe, assisto apreensivo e torço para que leve ao
conhecimento de minha mãe tudo que estou sentindo sem tê-la por perto. Não consigo nem
mesmo chorar. Acho que todas as lágrimas do meu corpo vieram à tona nas últimas
quarenta e oito horas, quando decidi que faria a doação de órgãos.
Eu a vi pela última vez algumas horas antes de começar a organizar a cerimônia e o
enterro. Estava serena, acho que foi isso que me tranquilizou. Saber que, apesar de súbito,
ela não sofreu.
O impacto foi tão rápido que minha mãe sequer sentiu a hora em que deixou de
respirar. Ela nem relutou, na verdade, não teve tempo para querer lutar pela vida. Algum
tempo depois de ter entrado no hospital e os médicos constado que estava em coma, vinte e
quatro horas depois deram como morte encefálica. É tão absurdo que você não esteja
morto de verdade, e mesmo assim, está. Quer dizer, o seu coração ainda bate e seus
pulmões ainda funcionam, mas seu cérebro não tem mais nenhuma atividade, não tem
impulso entre os neurônios e é assim que você morre, mesmo quando tudo dentro de você
vive.
— Bryan? — Eu elevo os olhos em direção a voz mansa que permuta da porta. A
reconheceria em qualquer lugar e os olhos grandes perscrutando minha expressão,
querendo ter certeza de que estou bem.
Mackenzie é uma boa companhia na dor, mesmo que você seja convincente e diga que
prefere ficar sozinho, ela estará lá, sem dizer nada e você realmente se sentirá sozinho,
embora não esteja. Não disse nenhuma palavra desde a minha decisão. Não conversei com
ela ou com meu pai. Escutei tudo que disseram, mas minhas respostas ficaram travadas na
garganta. Pensei até que tinha perdido a habilidade de fala no primeiro instante, mas
consegui me encarar no espelho e dizer: resistência.
Disse vezes o suficiente para descer as escadas de casa e passar por esse inferno que é
ter um monte de gente em nossa casa, que nunca se importou comigo ou com ela.
Essa palavra, tatuada na lateral do meu pescoço; minha mãe a repetiu para mim várias
vezes como um mantra. Seja resistência. Resista à dor. Resista aos julgamentos. As pessoas
não conhecem toda a sua história, só te julgam por uma pequena parte dela. Eram coisas
que minha mãe dizia para mim o tempo todo. Coisas que me fizeram acreditar que eu sou a
própria resistência.
Por ela, vou resistir de novo a essa rasteira que a vida está me dando. Porém, não
respondo à Mackenzie. Não estou a fim de falar. Não hoje, não agora.
Volto a olhar para os flocos de neve caindo e lambendo o chão. Escuto-a suspirar atrás
de mim e, em seguida, os passos ficam distantes.
Estou sozinho mais uma vez e por mais que ame Mackenzie, sinto-me bem por ficar só.
Só saio do pórtico dos fundos quando a noite cai. Tomei uma garrafa de uísque sozinho
e fumei meio maço de cigarros. O cinzeiro está transbordando com as bitucas.
Assim que me levanto da cadeira de balanço, minhas pernas vacilam. A casa ficou
silenciosa tem pouco mais que quarenta minutos, mas só decidi que entraria um tempo
depois, para garantir que não desse de cara com o babaca do meu pai. Felizmente, a sua
nova e gloriosa família não apareceram com ele. Ao menos, Casey McCoy teve bom senso.
Abro a porta de tela e atravesso a soleira da cozinha. Sou detido pela decepção. Ele
ainda está lá. Vestindo um avental estampado com quitandas e a camisa social dobrada até
os cotovelos. Deixo a garrafa de vidro vazia sobre a mesa e caminho para a lata de lixo ao
lado da ilha de mármore, jogo as cinzas e bitucas fora, deixo o cinzeiro sobre a superfície de
pedra e torcendo para que meu pai continue agindo como se não tivesse notado minha
presença.
Dou passos lânguidos, porém precisos em direção a sala. Quero fugir dele. Não ter que
olhar para ele. Já tivemos contato e proximidade o bastante por um dia.
— A gente precisa conversar. — Ele sequer se vira para falar, continua lavando os
pratos e jogando os restos de comida fora. — Não posso ficar muito tempo em Humperville.
Pensou na minha proposta?
— Pensei. A resposta é não. — Estou prestes a tomar meu caminho de volta, mas ele me
para outra vez.
— Sua mãe não ia querer que levasse essa vida. — Agora ele está retirando o avental e
enxugando as mãos pesadas no pano de prato.
Ele se recosta à beirada da pedra da ilha.
Bufo, escondo as mãos no bolso da calça e recosto a lateral do corpo no caixilho que faz
a divisa entre a sala e a cozinha.
— Acha que vou estar melhor com você? — escarneço com um sorriso pesado e
diabólico circundando os lábios. — A última vez que confiei em você, pai, parei na prisão.
Os cabelos de Casey estão bem maiores, contudo os cachos escuros e brilhosos mais
definidos.
— Vou sair às seis da manhã. Você não precisa se decidir agora, leve o seu tempo. Mas
pense em sua mãe. Ela não iria querer que ficasse sozinho aqui.
— Eu não estou sozinho — digo, mas, no fundo do meu coração, é tudo o que sinto. Uma
maldita e miserável solidão.
— Sim, você tem amigos e uma namorada que te ama — meu pai se refere à Mackenzie,
mas não percebo raiva pelo que aconteceu. É natural, como se o pensamento já estivesse
incutido nele há bastante tempo. — Leva tempo para superar o luto e estou preocupado se
conseguirá fazer isso aqui, vivendo nesta casa e mantendo o mesmo círculo de amigos. Não
quero te obrigar a fazer nada, Bryan. A escolha é toda sua. — Ele deixa o pano de prato de
lado e cruza a linha delimitada que impus entre nós. Praticamente está ocupando meu
espaço pessoal.
— Obrigado, mas não.
— Não precisa responder agora — Apoia as mãos em meus ombros e os chacoalho para
me afastar de seu toque. — Pode ficar por enquanto e ter a experiência, se achar que
precisa de um tempo de tudo aqui, você me liga. Se pudesse te dar um conselho, como pai e
sei que me odeia porque acha que não sou bom nesse papel, eu diria para deixar
Humperville para o seu bem e de todas as pessoas que você ama.
“Eu me lembro de um Bryan introspectivo e que vivia em uma bolha onde ninguém
tinha autorização para ultrapassar. Se afastar e conhecer novas pessoas pode mudar isso.
Sei que pensa que nos mudamos de Dashdown anos atrás porque queria montar meu
negócio em outra cidade, mas a verdade é que sua mãe e eu conversamos. Achamos que
seria bom para você experimentar novos ares. Talvez estivesse sofrendo algo na antiga
escola que não queria contar, então decidimos nos mudar.”
“Para você foi a melhor coisa que aconteceu, não me arrependo em nenhum momento
de ter trazido você e sua mãe para cá. Tivemos uma vizinhança ótima, Vivian fez amigas e
conseguiu se enturmar, coisa que não fazia muito em Dashdown. Você conheceu Lilah,
Sebastian, Mackenzie e Effy. Ganhou amigos de verdade e superou seu problema com
interação social.”
— Eu não vou fugir como um covarde.
— Você não estaria fugindo. Só tirando umas férias. Essa cidade nunca te deu um
minuto de paz desde que foi preso. E mesmo inocentado, as coisas ficaram ruins para você.
— Está tarde demais pra se importar comigo, não acha, Casey? Você fugiu. Foi embora.
O divórcio com a mamãe não justificava sua saída da cidade e, porra, me comprometeu! Me
envolveu nos seus negócios!
— E ninguém lamenta isso tanto quanto eu, Bryan! Talvez eu nunca consiga me
perdoar, por ter te envolvido na minha dívida com Fuller!
— Ótimo, porque eu nunca vou conseguir te perdoar!
Ele meneia a cabeça compenetrado. Esse autocontrole soberbo do meu pai é a única
coisa que eu desejo. A única coisa dele que queria ter herdado: a habilidade de controlar
suas emoções.
Quando estou puto, estou puto e talvez eu quebre alguns dedos enquanto desconto
minha frustração em alguma coisa. Sou contra a violência em outra pessoa, mas transferir a
raiva e a dor que sinto nesse momento em um bom saco de pancadas ou uma parede bem
dura cairia bem.

Duas semanas depois começo a acreditar que meu pai tem razão. É dezembro, então as
ruas estão enfeitadas com luzes natalinas e é uma época que minha mãe e eu sempre
adoramos, entretanto, não sinto vontade de fazer parte disso esse ano. A angústia é
permanente, como se fosse uma parte de mim, que, de um jeito ou de outro, preciso aceitá-
la.
Esse lugar. Essa cidade. As pessoas daqui. Tudo foi substituído pela dor do luto. Não
quero encontrar a banda nem subir num palco. Dormir com Mackenzie? Nem me lembro
qual foi a última vez que a toquei e não é como se ela não tivesse tentado. Eu nem tenho
certeza se a beijo quando nos encontramos, porque tudo que faço é no automático.
Eu não pertenço mais a Humperville e dar de cara com essa realidade não é nem um
choque. Se não der um jeito, se não encontrar logo uma solução, talvez nunca mais saia
dessa bolha. Sinto como se nada no mundo tivesse a capacidade de me deixar feliz. Tudo foi
consumido pela escuridão e, de dentro para fora, também estou sendo envolvido por ela.
Sinto saudades do cara que eu era quando minha mãe estava aqui para aplacar meus
impulsos.
Enviei uma mensagem para Mackenzie algumas horas atrás, pedindo que me
encontrasse no ônibus no ferro velho. Tenho uma mochila de lado e um caderno velho no
colo.
A textura gasta e a tonalidade preta da capa de couro estão surradas de suor. Eu me
lembro de ter escrito muito nesse caderno quando Mack foi embora. O único jeito que
encontrei de externar as coisas que sentia. Escrevi tantas vezes sobre ela e rasguei tantas
folhas com raiva, que não consigo contar em uma mão só.
Chegou a hora de entregar o caderno a ela, afinal, tudo que está escrito nele se refere a
ela.
Escuto o barulho da porta do ônibus se abrindo e apago o cigarro que estou fumando
contra a lata sólida do chão. Abano a mão no ar para afastar a fumaça, sei que ela é alérgica
e sempre espirra quando fumo. Também sei que tenho que parar, mas não agora. Não
quando mais preciso.
Instantes depois a vejo. Ela não está no seu melhor estado emocional e a culpa é minha.
Falo menos com ela. Não me envolvo mais tanto em nossas conversas como antes. Na
verdade, preciso admitir, não escuto nada que ela diz. Meu cérebro parece ter entrado em
curto. Eu não tenho sido bom para ela.
Sem que eu diga nada, Mackenzie se senta sob as pernas dobradas de frente para mim.
Estou recostado à barra de ferro redondo que os passageiros costumam usar para se
segurar. Enquanto olho para Mack, uma mensagem subliminar está tomando meu olhar e
torço para que ela perceba. Torço para que eu não precise me explicar muito e ela entenda
a súplica neles.
— Quero terminar — digo e afundo os dedos na capa do caderno.
Eu me sinto a porra de um adolescente. Nunca imaginei que depois de esperar tanto
tempo, tivesse que dizer isso a ela.
— Eu imaginei. — Mackenzie solta as pernas para puxá-las contra o tórax.
Inspirando, apoia o queixo sobre os joelhos, cerca as pernas com os braços e foge o
olhar.
— Não é você ou nós. Você sabe que eu te amo.
Mackenzie não diz nada, apenas concorda com a cabeça. Bufo, sendo englobado pela
frustração.
— Talvez eu vá te amar pelo resto da vida.
Ela aperta os olhos e vejo uma lágrima cortar seu rosto. As bochechas pressionadas na
perna ficam mais salientes.
— E eu não posso te pedir pra me esperar. Não seria justo com você.
Eu pensei que dizer para a banda que estava saindo da The Reckless seria a coisa mais
difícil a se fazer, mas terminar com Mackenzie é pior ainda. O que sobrou do meu coração,
definitivamente estou deixando nas mãos dela.
Ela desvia os olhos para a mochila do meu lado.
— Vai pra Dashdown, né?
— Liguei para o meu pai hoje e disse que vou ficar por um tempo.
— Tem certeza de que a gente não pode…
Balanço a cabeça, negando.
— Não estou conseguindo levar esse relacionamento adiante morando na mesma
cidade que você, imagina nós dois a oito horas de distância. Nunca daria certo.
Mackenzie faz que sim com a cabeça. Não é a reação que esperava dela. Na verdade,
pensei que iria gritar comigo e me chamar de idiota, mas ela está sendo compreensiva. Eu
me sinto grato por isso.
— Te liguei porque queria te entregar isso. — Estendo o caderno para ela. Mackenzie o
olha por alguns segundos antes de ceder e pegá-lo. — São todas as músicas e pensamentos
que escrevi sobre você.
Passa o dorso da mão para limpar o rosto e agarra o caderno contra o peito. Parece uma
menininha indefesa.
Porra, dói pra caralho! Como é que ainda consigo sofrer tanto depois de tudo?
Pego a mochila ao lado e me levanto. Já está anoitecendo e a viagem até Dashdown é
longa.
Mackenzie leva algum tempo para se recompor. Quando enfim consegue, levanta-se e
ficamos nos encarando. Com a mão direita, toca meu rosto. Seu polegar acaricia a pele
sensível e rubra de minha bochecha e sorri.
— Eu espero que você encontre um jeito de voltar pra mim.

“Passei por sangue suor, lágrimas e dor
Esperando tanto pelos dias de glória
Escravo da minha própria vida
Trabalhando duro pelos dias de glória”
GLORY DAYS – THE FEDERAL EMPIRE

02 de maio de 2020, às 06h20.

A respiração pesada enquanto corro obstrui a passagem de ar, mas não paro de correr,
só diminuo o ritmo. Sinto o sangue que corre em minhas veias efervescer a cada passada
longa e determinada que meus pés dão.
— Mackenzie, vai devagar, porra! — Aidan resmunga logo atrás de mim, esbaforido.
Caio na gargalhada e continuo diminuindo as passadas, esperando que ele me alcance.
— Você tá muito lento, como sempre.
— Você que corre achando que estamos em uma maratona, puta merda! — O corpo
esguio de Aidan pende para a frente e apoia o peso nos joelhos. Continuo rindo de sua
expressão contorcida pelo cansaço. — Se eu fizer esse circuito com você, nessa velocidade,
por mais duas semanas, juro que terei um infarto! — exclama e suas sobrancelhas
acorcovam entre a fenda dos olhos, enquanto resmunga, mais uma vez, resfolegando.
— A gente tá quase chegando — exponho ao apontar para a direção do meu
apartamento.
É sábado. Eu corro todos os dias há dois anos e sete meses. É um hábito que Aidan se
convenceu no começo desse ano que deveria adotar, então o incentivei a correr comigo
uma vez por semana para começar, mas a falta de constância nas corridas faz com que ele
fique desmotivado e, bem, preguiçoso. Começo a rir de novo e emaranho os dedos nos seus
fios de cabelos escuros.
Aidan deixou o cabelo crescer e consequentemente o tom escuro de loiro assumiu o
lugar do platinado. Ele não quis pintar outra vez, porque acha que não conseguiu ter
autoridade quando assumiu o lugar de seu pai no ano passado porque tem um estilo
infantilizado demais. Mesmo que eu diga que, na verdade, o problema foi a sua prepotência
nos negócios, a cabeça-dura dele não vai aceitar. Então, por enquanto, estou deixando que
pense que é por causa de sua aparência que não conquistou respeito.
— Podemos ir caminhando até o final? Por favor, não te acompanho mais nem por um
carro novo.
Ele finalmente apruma a postura e começa a rastejar em minha direção. Estou poucos
metros à frente, esperando por ele.
— É mesmo um fracote — o tom brincalhão que contrai minha garganta faz com que
Aidan me envie outro olhar pesado de reprovação, que eu ignoro, claro. — Então, Jeremy
vai aparecer hoje?
— Você sabe quanto ele odeia que o chamem assim.
— É exatamente por essa razão que eu o chamo de Jeremy, dã.
Aidan e eu rimos.
Uma coisa sobre o Jeremy é que, apesar de sua postura pétrea e a personalidade
reservada, existem alguns pontos que fazem com que perca a cabeça.
Na ausência de Bryan, foi natural que eu acabasse me aproximando mais da The
Reckless. Não sei explicar, mas me senti na responsabilidade de estar à frente. De
acompanhá-los e fazer o meu melhor para apoiar a banda e os meninos. Sendo assim,
acabei ficando bem próxima do tal Jeremy Chase.
Minha amizade com Aidan deu uma pré-estabelecida. Nos apoiamos na dor um do
outro. Soubemos conversar e compreender. A falta que ele sente de Bryan é tão intensa
quanto a minha e esse sentimento nos uniu de novo. Estamos mais próximos agora do que
antes e isso engloba todo o pacote. Ashton, Finn, Jeremy… É inevitável ter uma intimidade
maior com um do que com outro, mesmo assim, é incrível que tenha conseguido me
aproximar tanto deles sem Bryan por perto.
Jeremy mora em outra cidade, portanto, aos sábados, temos que torcer para que ele
chegue no horário certo. Os ensaios da The Reckless acontecem às dez da manhã, mas, antes
disso, nos reunimos no meu apartamento para tomarmos café juntos e jogarmos conversa
fora. É meio divertido que tenhamos encontrado um jeito de superar o que aconteceu. Para
os meninos, eu era a coisa mais importante para Bryan; e para mim, eles eram a coisa mais
importante. Nós só quisemos “cuidar” um do outro em consideração ao que, para Bryan, era
importante.
Nate aos poucos está retomando seu lugar na banda como um pequeno ajudante, agora
que o relacionamento de nossos pais ficou estável, ele se sente mais à vontade para
retomar o que gostava de fazer.
Meus pais ainda estão morando em casas separadas, mas ao menos não discutem
porque um deles colocou a laranja no lugar errado na cesta de frutas ou coisas assim.
Tenho esperanças de que esse é um micro-passo importante para os dois. Não brigar por
qualquer coisa é uma fagulha de esperança no meu coração e no de Nate também.
Agora que ele tem dezessete anos e está se mostrando mais “responsável”, mamãe não
tem pegado tanto no pé dele quando se trata da banda. Acho que o fato de Vivian ter
falecido ano passado o fez refletir sobre suas ações e reações. Está mais obediente e
prestando mais atenção no que pode ou não chatear nossos pais. Sinto que Nate quer que
tenham orgulho dele acima de qualquer coisa. Notas altas, cumprir as ordens e chegar em
casa na hora marcada tem sido um grande avanço se tratando da irresponsabilidade de
meu irmão. Sem contar, é claro, Maeve.
Ela e Nate terminaram em fevereiro.
Nunca vi meu irmão tão decepcionado antes. Não vi aquele olhar sombrio e penoso,
nem mesmo quando fui embora. Ele se fechou com toda dor e decepção. Se o que Nate me
contou for verdade, Maeve não quer entrar na faculdade em um relacionamento. Eu reprimi
muito a vontade de grunhir um “eu avisei”. Só sei que meu irmão chegou ao meu
apartamento puto, decepcionado e xingando aos quatro ventos o quanto a odiava. Nós
comemos pizza e assistimos a filmes de ação no meu quarto pela tela de dez polegadas do
meu notebook velho e dormimos juntos como costumávamos fazer quando éramos
crianças.
No dia seguinte acordei e Nate já tinha ido. Ele disse que ficaria “bem”. E de fato, alguns
dias depois, era como se Maeve nunca tivesse feito parte de sua vida. Apesar de tê-la
encontrado outras vezes, Maeve nunca tocou no assunto. Sei que me olha com certo
constrangimento porque sabe que tentei alertá-lo, mas, no fundo, queria estar errada a
respeito dela.
Tecnicamente, Maeve só começa a faculdade no próximo semestre. Ela tirou um ano
sabático; se fosse para contar mesmo, deveria ter entrado na faculdade ano passado. Acho
que não se verem mais durante as aulas na Saint Ville facilitou para Nate o processo de
superação.
Solto um suspiro denso enquanto caminho com Aidan ao meu lado pela rua estreita que
nos leva em direção ao prédio. Quando olho para o relógio de pulso, vejo que são quase sete
horas. Dá tempo de preparar alguma coisa na cozinha, que, por sinal, ainda não sou tão boa
quanto Gravity ou Effy. Mas estou aprendendo e hoje já não queimo mais as panquecas.
Assim que chegamos ao prédio encontro o novo porteiro.
Jimmy tem uma barba grisalha de Papai Noel contornando o rosto e olhos azuis, que
quase consigo ver meu reflexo através das íris. Ele é um senhor amigável e com uma
conversa de pessoa mais velha e, portanto, mais experiente. Sabe, o tipo de conversa que
você fica se perguntando se quando tiver essa idade terá tanta inteligência emocional assim
para lidar com tudo.
— Bom dia, Jimmy — cumprimento ao atravessar o hall em direção ao elevador. Ele
está debruçado sobre o balcão.
O prédio passou por uma reforma gigantesca recentemente. O encanamento foi trocado
e a passagem de gás também. A pintura se modernizou e até o velho elevador foi
substituído. É claro que nós, inquilinos e estudantes, sofremos com o aumento do aluguel,
mas foi por uma boa causa.
A recepção ainda cheira a tinta fresca.
— Bom dia, garota. — Ele me dá um sorriso amarelo. — Aidan! — exclama acenando
com uma das mãos gorduchas.
— Tudo bem, Jimmy?
Chamo o elevador enquanto Aidan conversa com ele.
Estou toda suada e melada, meu corpo pede um banho.
As portas se abrem e nos despedimos de Jimmy ao entrar. Fico encurralada entre uma
parede metálica, Aidan e outros três universitários que estão descendo com roupas de
ginástica. Quando finalmente chegamos ao meu andar, exalo o ar dos pulmões em
agradecimento e empurro a porta – a única coisa que não foi consertada nesse prédio
foram os apartamentos –, ela range como sempre e é uma luta cansativa até que consiga
abri-la por completo.
Meus planos de assumir a cozinha são completamente frustrados. Effy já preparou o
café, uma pilha de torradas, outra de bacon e uma panela de ovos mexidos como se
fôssemos alimentar quatro famílias – mas considerando a gula dos meninos, eu diria que é
isso mesmo – e ela picou algumas maçãs, deixando-as no balcão.
— Nossa Effy, você acordou inspirada hoje! — Aidan comenta deslumbrado, aproxima-
se da mesa posta – que precisamos trocar para uma de seis lugares e acabamos ficando sem
espaço perto da porta da varanda – e tenta roubar uma torrada. Ele a deixa cair depois de
Effy estapear sua mão.
— Não toca nisso — Effy sentencia em tom ameaçador e Aidan ergue as mãos se
rendendo. — Não é porque você está em um dia ruim que pode comer sem os outros! É
falta de educação!
— Quer dizer que, se o Chase se atrasar, nós vamos morrer de fome? — Lambe a ponta
do indicador e Effy revira os olhos de novo, esticando-se sobre a mesa para tirar a mão de
Aidan da boca.
— Você acabou de voltar de uma corrida. Vai lavar essa mão.
— Effy, pensei ter escutado sua voz sagaz. — Gravity aparece do corredor, bocejando e
coçando os olhos.
Alguns fios de cabelo se desprendem de seu coque e se armam em volta de sua cabeça.
Quando olho para Aidan, ele está comprimindo os lábios para não rir.
A tensão entre eles não é pesada como antes, mas está lá em algum lugar. Eles mal
trocam meia dúzia de palavras quando estão no mesmo ambiente e fico tentando controlar
os ânimos para evitar que essa bomba relógio chamada Aidan e Gravity não exploda. É mais
por uma questão de sobrevivência. Se por acaso acontecer, eles não serão os únicos
atingidos.
— Quem é que está em um dia ruim? — Roubo um pedaço da maçã cortada, sem que
Effy perceba, enquanto pergunto e a coloco depressa na boca.
— Aidan, é claro. Hoje é o noivado da Danny e do Darnell. Esqueceu?
Não é mistério para Gravity que Aidan não aprova o relacionamento da irmã dela com
Darnell e também não é segredo que Gravity não só apoia os dois, como usufrui das regalias
que tem por ser cunhada dele. Falar sobre Dannya e Darnell abertamente se tornou algo
bastante comum, mesmo na presença dos dois. Embora isso possa despertar a fúria
crescente que ambos sentem.
Os olhares curiosos não estão sobre Effy, que fez o comentário, estão pairando em mim.
— O quê?
— Você esqueceu? — Gravity indaga.
— É, mais ou menos. — Junto os ombros ao pescoço e me sinto pequena por ter
esquecido. Gravity tem falado sobre esse noivado há dois meses. E Aidan reclamando do
mesmo evento há três. — Eu combinei de sair com o Holder.
Holder Flanagan é um garoto da universidade que comecei a sair mês passado. É
estranho estar tentando ter um relacionamento quando ainda sinto que meu coração
pertence a outra pessoa. Ainda não sei se Holder consegue fazer com que eu esqueça Bryan,
mas nós já não nos falamos há meses.
No começo, Bryan e eu conversamos muito por mensagens e sua última mensagem foi
me desejando um feliz aniversário com uma carinha feliz e um coração. Nossas próximas
conversas eram curtas. Culpei minha falta de tempo, por causa do trabalho na Font News e a
faculdade, porém com o passar do tempo, descobri que não era a única com quem Bryan
diminuíra o contato. Ele diminuiu tanto a ponto de não existir mais.
— Leva ele — Vity conclui. — Vocês vão acabar namorando de um jeito ou de outro.
Olho para Aidan.
— O que você acha?
— Você não tem que pedir a permissão dele — Vity enfatiza e, de onde estou,
repreendo-a com o olhar.
— Eu não sei. — Aidan coça a nuca e estou surpresa de não ter caído na pilha de Gravity
dessa vez. — Você tá mesmo pensando em ficar com esse cara pra valer?
Meus amigos estão nesta sala olhando para mim em questionamento: estou pronta ou
não para entrar em outro relacionamento?
Holder e eu tivemos nossos momentos bons no último mês. Transei com ele quase duas
semanas depois de termos começado a sair e me senti péssima. Se não fosse por Gravity e
Effy, talvez ainda estivesse me sentindo uma vadia.
Elas me tranquilizaram dizendo que Bryan e eu não estamos mais em um
relacionamento, que tudo bem estar cansada da espera, que nunca termina, e tudo bem
estar frustrada com as mensagens e ligações que Bryan ignorou.
— Não sei. Quem sabe? Tudo pode acontecer. — Sorrio tentando dissipar os
pensamentos melodramáticos que me levaram de volta para Bryan em uma fração de
segundo.
Sempre faço isso. Quando minha mente segue por esse caminho, fazendo-me ficar mal e
chateada, lembrando-me de que meu coração está partido, corro para a direção oposta. Eu
me camuflo do que estou sentindo. E eu minto. Minto sobre como me sinto em relação a
Bryan. Eles acham que superei sua ausência, que ter saído para beber com as meninas,
focado no trabalho, nos estudos e beijado outros caras fez com que eu me sentisse melhor,
pronta para partir para outra e continuo mentindo quando digo que Holder faz meu
coração palpitar.
Ele não é do tipo de cara que você fica e esquece. Tem características marcantes. Um
cabelo castanho macio, que parece pluma, e músculos tonificados por praticar boxe. Um
queixo delineado e lábios que se movem de maneira inesquecível pelo meu corpo. Não é um
cara que ninguém dispensaria, mas Holder é seletivo. Muito disputado pelas garotas da
faculdade, mas muito seletivo.
Chamei sua atenção porque um dia estava estudando na biblioteca à noite. Holder e eu
fazemos a mesma matéria de comunicação em mídias sociais – ele não faz jornalismo, ainda
está tentando se encontrar, por isso faz todas as matérias possíveis nesse semestre. Sentou-
se ao meu lado e trocamos ideias sobre os trabalhos que a professora Roselyn andava
passando. Enfim, depois disso Holder começou a aparecer com frequência na biblioteca, no
mesmo horário tardio que eu. Foi quando percebi que estava se aproximando devagar,
ocupando espaço, fazendo brincadeiras e tentando me distrair.
Ele insistiu por semanas. Passou janeiro inteiro me ligando e no meu aniversário me
enviou flores com um cartão muito determinado com a promessa de que iria me conquistar.
Fevereiro chegou e continuou com suas tentativas fracas de flerte.
Bryan nunca me disse se voltaria. No começo pensava que eu seria motivo o bastante
para que considerasse retornar para Humperville, mas ainda estou mergulhada no escuro e
não tenho certeza de nada quando se refere à Bryan.
Mas esse não foi o real motivo de ter aceitado sair com Holder. Só aceitei sair com ele no
final de março porque Bryan postou um vídeo no Instagram que me deixou confusa.
Depois de meses sem publicar nenhuma foto, postou um story preparando pipoca com
uma garota e, por incrível que pareça, ele escondeu o rosto dela. Fiquei magoada. Ele não
pensou nem por um milésimo de segundo como eu me sentiria vendo aquilo. Então, tudo
que eu sentia em relação a Bryan, antes de quebrarmos as barreiras da desconfiança, veio à
tona como um lembrete.
Nunca fui o tipo de garota que sai com o primeiro cara que vê. Não me relaciono e me
abro com as pessoas desse jeito. Daí o sentimento de mágoa foi substituído pela raiva,
porque Bryan é esse tipo de cara. Ele está em Dashdown para se recuperar da pior perda da
sua vida, mas não quer dizer que não pretende se relacionar com outras garotas.
Precisei voltar, mais uma vez, para ter certeza; e, quando entrei no seu perfil, não
encontrei mais. Ele apagou o vídeo dez minutos depois de ter publicado.
Perguntei para os meninos da banda. Pensei que poderiam saber de alguma coisa, mas
nenhum deles sabe o que está acontecendo com ele em Dashdown. O único sentimento que
me refreia a pegar um trem até a cidade é o medo.
Medo do que vou encontrar, de que Bryan tenha mudado muito e eu não o reconheça
mais. Medo de descobrir quem é a garota misteriosa do vídeo.
— Então leva ele — Aidan enfim concorda, com um sorriso.
— Tudo bem, vou levar. — Afasto-me do balcão da cozinha em direção ao vestíbulo. —
Preciso de um banho! — Aceno por cima da cabeça.
Já no quarto escuto baterem à porta. As vozes grossas e mescladas de Ashton, Finn e
Jeremy recheiam a sala.
Rumo para a minha escrivaninha de estudos e abro a primeira gaveta em busca do
celular. A minha esperança morre quando desbloqueio a tela e não tem nenhuma
mensagem de Bryan piscando nela.
Apesar do vídeo, da raiva, do ciúme e da saudade. Apesar de Holder e todo o resto,
continuo esperando por ele.
147 dias.
E envio para Bryan. As outras antes dessa são: 146, 145, 144, 143…
Eu contabilizei cada dia desde a última vez em que nos vimos e não importa quanto
tempo passe ou como estejamos nos sentindo quando nos reencontrarmos. Continuarei
contando os dias que levarão para reconstruir meu coração, pedaço por pedaço.

Holder fica bonito em qualquer roupa, mas no smoking, em especial, é deslumbrante.


Além do perfume masculino inebriante que contamina o espaço pequeno de seu carro.
Estamos a caminho da mansão dos Lynch. Queria poder ter tido tempo para ajudar
Gravity com os preparativos, mas, como atualmente trabalho na revista, quase não tenho
tempo às tardes de sábado.
Geralmente nos reunimos nessas tardes para conversar sobre as matérias do próximo
mês. Effy e eu conseguimos o estágio lá, uma em sequência da outra e um espaço em uma
coluna sobre Jornalismo e Investigação. Na verdade, ficamos responsáveis por matérias que
são postadas no blog da revista com essa temática. Ultimamente a Font News tem apostado
mais na internet para o envio de informações a população de Humperville.
Foi muito conveniente para a revista e nós duas sabemos que Angeline, nossa editora-
chefe, só nos designou para essa seção porque sabe que somos próximas de Aidan. A
verdade é que qualquer jornal local ou, nesse caso, a revista, está interessado em Darnell e
todo o mistério que engloba o paradeiro de sua suposta tentativa de assassinato.
Angel sempre fica no nosso pé, querendo que Effy e eu consigamos uma entrevista para
transmitirmos ao vivo no blog sobre a noite em que fora baleado, mas, infelizmente, Darnell
não está aberto a falar sobre aquele dia nem comigo nem com ninguém.
— O que tá pensando? — Holder desvia o olhar da estrada para me dar atenção e
aumenta a pressão no aperto de nossas mãos.
— Que Angel vai pegar no meu pé segunda-feira. Hoje na reunião ela me pressionou pra
caramba com essa história de entrevista. Darnell já deixou bem claro que não vai se
pronunciar sobre o que aconteceu.
— Já faz um tempão. Por que ela tá tão ligada nisso?
— O plano de Angeline é fazer com que a corrupção nessa cidade acabe. Mas seríamos
nós contra a cidade inteira. Ninguém liga, contanto que a vida continue boa, não tem
problema. Não importa o que é certo ou errado, justo ou injusto. Se a polícia está fazendo
seu trabalho direito ou se Thomas Linderman é bom para a cidade.
— Concordo com você, mas não quero que se chateie com isso. — Ele puxa minha mão e
beija o dorso. Sorrio e concordo com ele.
A entrada da mansão me lembra filmes antigos. Não por sua estrutura, mas uma fila
gigante de carros congestiona a entrada dos portões e, embora Darnell tenha contratado
dois manobristas para fazer o trabalho e deixar os convidados mais acomodados, não
parece que estejam dando conta.
Abro uma fresta da janela, o suficiente para conseguir colocar a cabeça para fora e dar
uma olhada na quantidade absurda de carros luxuosos se aglomerando. Vejo Aidan logo na
entrada com um iPad na mão. Acabo rindo. Tenho certeza de que está fazendo uma
inspeção minuciosa dos convidados e entendo o motivo de tanto congestionamento. Depois
do que aconteceu com Darnell, é claro que não deixaria qualquer pessoa entrar na mansão
sem antes uma boa verificação. E é mais óbvio ainda que ele faria isso sozinho.
— É o Aidan? — O peito esguio de Holder está pendendo sobre o meu corpo curvado em
direção à janela.
A pele nua de meus ombros sente o toque e me viro a tempo. Sua boca se choca contra a
minha quando ele me rouba um beijo, enrubesço, mas devolvo o beijo segurando a sua
cabeça sem deixar que se afaste.
— É o Aidan — sopro contra a sua boca e, quando finalmente a limousine da frente se
move, Holder volta a se ajeitar atrás do volante.
Enquanto o encaro dirigir fico pensando se o que estou fazendo é justo e se estou sendo
honesta comigo mesma saindo com ele. Holder não é o cara com quem pretendo ter um
relacionamento e parte de mim sabe que se Bryan aparecesse, a qualquer momento, eu
poderia facilmente magoá-lo – coisa que não quero –, mas, ao mesmo tempo, não quero
viver com a expectativa de um retorno de Bryan para, no final do dia, me frustrar por não
ter nenhuma mensagem dele no meu telefone ou uma garantia de que tem pensado em
mim. Pelo menos um pouquinho.
Sacudo a cabeça para afastar os pensamentos. Não quero sentir que o que estou fazendo
é errado. Holder e eu não estamos juntos de verdade. Estamos saindo casualmente e vendo
onde isso vai nos levar. Estou solteira e ele também.
Holder gargalha, o que chama a minha atenção, quando me viro para saber do que está
rindo, noto que seus olhos estão impregnados em mim. Comprimo os lábios e meu rosto se
contorce em uma careta desconfiada.
— Você tá fazendo de novo. — Faz círculos com o indicador em volta do rosto. —
Caretas — explica.
Não contei para Holder sobre Bryan. Ok. Não achei que fosse necessário, mas ele já me
flagrou pensando nele mais vezes do que gostaria de admitir e na maioria estou mentindo
para não ficar em maus lençóis.
Eu sei que tenho que ser sincera com Holder. Dizer que estou saindo com ele, mas que
meu coração teimoso permanece fiel à outra pessoa e toda vez que tento deixá-lo entrar,
meu órgão vital bate o pé como uma criança mimada e se recusa a aceitar.
— Desculpa, vou parar. — Abano a mão na frente do rosto como se fosse capaz de
capturar meus pensamentos com as mãos. — É uma noite importante.
Nós finalmente chegamos ao portão e saio do carro, arrastando a saia do meu vestido
longo azul e brilhante, de alcinhas, que valorizam meus seios. Holder ajusta a lapela de seu
smoking e se aproxima de mim erguendo o braço. Acomodo o meu na curva de seu cotovelo
e aceno para Aidan.
— Preciso fazer isso, pessoal. Coloquem os dedinhos aqui. — Aidan estende o iPad em
uma página em branco e, em seguida, coloco o polegar sobre o quadradinho onde
automaticamente se desenha minhas digitais.
— Nossa! — Holder assobia ao meu lado, alargando o sorriso — Você tá sendo
meticuloso mesmo. — É a vez dele de registrar sua digital e Aidan ignora seu comentário.
— Podem entrar! Vejo vocês daqui a pouco.
— Jeremy chegou?
— Como sempre, atrasado.
Dou risada e me deixo ser guiada por Holder para o jardim. Nós atravessamos mais
devagar que o restante dos convidados. É quando me dou conta de que, se apenas o
noivado de Danny e Darnell têm essa comoção e estrutura gigantesca, não consigo nem
imaginar como será o casamento dos dois. Eu sei que Dannya valoriza a simplicidade e
gosta, mas tenho desconfiado que o fato de estar com Darnell faz dela bem perto de ser uma
primeira dama, sendo assim, é mais que uma obrigação adorar esse tipo de evento de gala.
Paro alguns centímetros antes de começar a subida das escadas em direção a porta.
Ajusto a gravata borboleta de Holder no pescoço, porque notei um pequeno
desalinhamento assim que saímos do carro. Ele aproveita a brecha para beijar minha testa.
Odeio quando faz isso porque é fofo e fico com a impressão de que está bem mais envolvido
nisso do que eu.
É complicado quando a pessoa que você gosta não tem os mesmos planos que você.
Afasto-me com um sorriso agradecido pelo momento de demonstração de carinho. Em
seguida passo as mãos abertas nos ombros largos sobre o tecido do smoking como se
estivesse tirando uma sujeira e o seguro pela mão.
Darnell e Dannya estão na entrada prontos para receberem os convidados. Assim que os
olhos de Danny pousam sobre mim, vejo seu sorriso crescer.
— Gravity caprichou! — elogia o vestido e sei que está tão perfeito quanto os últimos
vinte que Vity fez para mim e me obrigou a posar para ela com as fotos.
Gravity está tentando uma bolsa de estudos para um curso de verão em Paris. Não é
como se eu estivesse triste por ela estar sonhando alto, mas não consigo imaginar minha
vida sem ela em Humperville, mesmo que apenas por três meses. Mas é claro que, se Vity
conseguisse, eu ficaria feliz em apoiá-la. É difícil e igualmente impossível, mas
considerando o último ano e toda a merda que rolou com o Darnell e Aidan a culpando por
isso, não me surpreenderia se ela quisesse ficar o mais longe possível depois que a irmã se
casar.
Nos resta esperar o resultado. Ela fez vários vestidos diferentes. Obrigou a mim e Effy a
sermos modelos, tirou e montou um book para enviar para a organizadora de lá. Estamos
esperando; e se conseguir, ela tem até junho para formalizar a papelada e se mudar. Darnell
prometeu que arcaria com os custos de moradia se ela conseguisse a bolsa de estudos – é
claro que Aidan não concordou –, mas Willa também está tentando. Gravity quer ser
estilista e Willa, apesar de amar a moda igualmente, prefere pertencer aos holofotes; em
resumo, Willa quer se tornar uma modelo. Então seriam as duas em Paris, sozinhas e com a
liberdade correndo nas veias.
Não sei onde Bailey se encaixa nessa história. Não tenho certeza a que par anda a
situação do relacionamento delas. Às vezes, estão juntas; em outras, separadas. É difícil e
Willa não se abre muito para mim. Mesmo que tenhamos nos dado muito bem no começo,
ela se afastou bastante desde a nossa reunião ano passado na casa de Faith.
— Mack? — A voz de Danny ressoa em minha cabeça e saio do devaneio. Ela está rindo
e Darnell também – consigo ver as linhas fundas de expressão em seu rosto. — Tudo bem?
Seus pais já chegaram!
— Eles vieram juntos?
— Sim, quer dizer, acho que vieram com Nate. — Ela alisa meu cabelo e fico tentando
encontrar um jeito de fugir, para que não desmanche as ondas que Effy demorou para
finalizar.
— Obrigada.
— Estão no salão!
— Salão?
— Transformamos a sala de estar em um salão. Ideia da Dannya — Darnell cobre os
ombros de Danny com os braços e a puxa para perto, enquanto explica.
— Tá bom, nós vamos para lá.
Puxo Holder pela mão, porque já congestionamos a fila de entrada por muito tempo. Ele
passa um dos braços em minha cintura em uma abraço desajeitado e seguimos em direção
a sala.
Vejo meu irmão acenando sobre as pessoas e me aproximo dele. Lovely, de Billie Eilish,
ressoa de algum lugar do lado de fora e cravo meus olhos nas janelas. Noto que um palco
mediano com caixas de som e iluminação foram montados. Tenho certeza de que Aidan
cuidou pessoalmente de tudo que esteve relacionado à banda na noite de hoje, incluindo o
aluguel da estrutura. O diamante em rupturas é uma marca registrada e está em todos os
lugares que se referem à The Reckless. Eu não tenho certeza se quando os conheci eram tão
famosos em Humperville como são agora, mas me dói saber que é Chase quem está ficando
reconhecido como o vocalista e não Bryan.
Aproximo-me de Nate e meus pais. Holder retira as mãos de cima de mim sutilmente,
porque não deixá-los saber do que está acontecendo entre nós é uma prioridade.
— Oi. — Abraço Nate, apesar de termos nos encontrado hoje no café da manhã e depois
no ensaio da The Reckless, ele odeia que faça isso, acho que é por esse motivo que faço. Para
provocá-lo, como a boa irmã que sou. Beijo sua bochecha e a mancho com o batom
vermelho.
— Argh, Mackenzie, fala sério! — Limpa a bochecha com o dorso da mão. Aperto o lugar
em seguida. — Para com isso! — exclama, tirando minha mão de seu rosto. Holder e eu
caímos na gargalhada.
— Oi! — cumprimento meus pais.
Nossa relação esfriou depois de Jev. Meu pai e eu continuamos com a mesma conexão
forte e inquebrável, mas não consegui manter o mesmo contato com minha mãe. Ela é
incompreensível demais e diz coisas que não pode retirar depois. Fico magoada e não sou
como meu pai, que conseguiu aguentar todos esses anos.
— Oi, querida. — Meu pai se inclina para me dar um beijo e retribuo.
Tia April voltou para Brigthtown em dezembro, depois do Natal. Afinal, ela tinha um
emprego e um namorado que não podia abandonar. Mas ainda mantemos contato e ligo
para ela todos os dias, para garantir que não estou saindo com estranhos. Depois de Jev, sua
preocupação aumentou, mas não tentou me aprisionar como minha mãe.
— Chase tá atrasado de novo! — Nate resmunga, soterrando as mãos nos bolsos da
calça e virando nos calcanhares para conseguir ter a visão de todos os rostos. — Esse cara
tá sempre enrolando. Queria saber o que acontece em Handson Wood.
— Calma, Nate — minha mãe pede, com um sorriso sereno. Ela está se esforçando, não
dá para negar. — Por que vocês não pegam uma bebida enquanto seu pai e eu damos uma
volta no jardim? — Agarra um dos braços de meu pai e franzo a testa, confusa.
— Nós vemos vocês depois. — Meu pai se afasta com minha mãe ancorada ao seu lado.
— O que deu neles? — pergunto a Nate, rindo.
— Não me pergunte. Nunca vou entender esses dois.
— Parece que estão fazendo as pazes. — Holder mantém os olhos neles a distância e
meu sorriso estende.
Holder não sabe tudo sobre mim, mas contei o suficiente para que o clima entre ele e
meus amigos e família não ficasse estranho. Por exemplo, Nate sabe que estamos saindo e
demonstra seu total apoio a nós – mais do que tinha com Bryan – e contei a Holder que
meus pais não são divorciados, mas vivem em casas separadas para tentar minimizar a
neblina de estresse que andava anuviando os dias. Também contei para Holder da The
Reckless, que os apoio e que somos amigos, ele não viu problema e até já tinha ouvido falar
sobre ela antes de nos conhecermos, embora não saiba que Bryan era o vocalista. Para ele,
Jeremy sempre foi o único vocalista que já passou pela banda.
— Sei lá. — Nate irrompe com o olhar pesaroso para onde nossos pais seguiram —
Acho que prefiro eles assim.
A postura de Nate muda repentinamente. Os ombros tensionam e toda a máscara de
tranquilidade é rompida. Holder e eu olhamos para a mesma linha de direção que meu
irmão, nos deparamos com Effy, Gravity e Maeve atravessando a barreira de pessoas
aglomeradas na passagem até chegar a nós.
Gravity também desenhou o próprio vestido, assim como o de Effy.
Vity apostou em um vermelho brilhante com duas fendas compridas e sensuais, que se
iniciam no topo de sua coxa. Temos a visão perfeita de suas pernas torneadas. O recorte do
decote é um V frouxo, atribuindo mais atenção para a região alta de seu colo. O caminhar
lascivo de Gravity chama a atenção de alguns convidados, em sua maioria, filhos de
empresários ricos e famosos que convivem com Darnell.
Effy costuma vestir roupas mais fechadas e que não mostram tanto a pele. Entretanto,
está usando um vestido preto, com um decote em Y. A fenda que separa os seios é todo o
charme do modelo. Além disso, uma fenda sutil na coxa direita deixa à mostra a pele pálida.
Maeve já se parece uma boneca trajando um vestido com saia de tule, em um rosa bem
clarinho, de manga, ombro a ombro, e o decote contorna os seios pequenos.
As três estão lindas como sempre.
— Oi — Effy cumprimenta primeiro e Nate vira o rosto para o outro lado, fingindo que
está procurando por alguém. Mas nós sabemos que ele não conhece nenhuma das pessoas
desta sala. — Faz tempo que chegaram?
— Chegamos agorinha — respondo primeiro e Holder volta a me abraçar pela cintura.
Retribuo o abraço desajeitado de lado, passando meu braço direito sob o paletó. — Todo
mundo da The Reckless já chegou?
— Vi Ashton agora há pouco — Maeve interpõe, apontando por cima do ombro com o
polegar e vejo seu olhar de relance em Nate, que disfarça não ter percebido. — Ele e Aidan
estão lá fora coletando as digitais. É um pouco demais, não acham? Aidan surtou!
— Acho que ele tá fazendo o que pode pra proteger quem ama. No lugar dele, eu faria o
mesmo! — Nate é ríspido na resposta e me pergunto se está mesmo defendendo Aidan ou
só tentando provar alguma coisa para Maeve.
— Eu concordo com a Maeve — Gravity ressoa, cruza os braços impaciente. — É
ridículo. Tem uma fila enorme lá fora! Ele poderia ter contratado alguém pra fazer isso. Sem
contar que a casa tá cercada de seguranças, que, inclusive, ele cuidou pessoalmente. Não
deixou Danny mover um dedo quanto a segurança de Darnell!
— Não dá para culpá-lo — Holder reflete. — Se fosse sua irmã, você estaria tão
preocupada quanto ele. Pra gente pode parecer muito tempo, mas pro Aidan não. O medo é
muito recente pra ele.
— Você não tá em posição de opinar aqui, Holder — Gravity enuncia, com uma carranca
contorcendo a pele suave de sua testa.
— Tá bom. Já deu! — Estendo a mão com um ato de levantarem a bandeira branca e
pararem de discutir. Muitas pessoas com personalidades diferentes no mesmo lugar, esse é
o único resultado.
— Vou pegar um refrigerante. — Nate sai primeiro e sem olhar para trás, anda em
direção à saída para a área de lazer.
Mudo de assunto. O clima já ficou bastante pesado se tratando de Gravity e Aidan.
Sempre acontece e, como sou amiga dos dois, tento manter o equilíbrio. É impossível para
mim dizer a Aidan que estou totalmente ao lado de Gravity, mas é complicado assumir isso
para Vity também. Então me mantenho neutra até que realmente precisem de mim para
alguma coisa.
Gravity avisa que vai pegar uma bebida. Não estão servindo cuba libre, mas, com
certeza, é um drinque que ela teria o prazer de preparar escondida no escritório de Darnell.
Effy se afasta para procurar pelos meninos. Segundo ela é só uma questão de tempo até os
convidados ficarem entediados sem a The Reckless tocando.
— O ar é cada vez mais carregado quando o assunto é Aidan e Darnell — Holder ri
consternado e roça o nariz em minha orelha, fazendo cócegas. — Se Gravity for mesmo para
Paris pode dar uma estabilizada nessa tensão. Ela precisa de um tempo.
— E eu preciso dela. — Inspiro fundo e aperto os dedos na lateral do quadril de Holder.
Encosto a cabeça em seu ombro.
We Are Young retumba das caixas de som e escuto um barulho alto irrompendo do lado
de fora.
— Acho que Jeremy chegou — rio, encarando sobre os ombros largos de Holder. — Só
ele bate tão forte em uma bateria.
Seguro Holder pela mão e o guio em direção à saída. Passaram-se só alguns minutos
desde que Effy foi procurar pela The Reckless. Assim que meus pés tocam o gramado da
área de lazer e tenho a visão completa do palco, vejo que os meninos já assumiram seus
lugares nos instrumentos e, na verdade, quem está cantando We Are Young é Jeremy.
Ele não tem uma voz tão rouca como a de Bryan. É mais suave, sem muito ruído e
consegue alcançar notas agudas que uma mulher alcançaria sem esforço. Cubro a boca para
não rir porque todos eles estão usando perucas.
Jeremy usa uma onde os cabelos são compridos e com cachos. Ashton apostou em uma
lisa, verde. Finn em uma cor-de-rosa e Aidan em uma amarela.
Aidan pressiona os pés no bumbo fazendo as primeiras batidas de We Are Young
retumbarem pelo espaço aberto da mansão. Não sei se seus planos de voltar para a The
Reckless seguiram a linha que ele planejava, mas, assim que Bryan partiu, ele soube que a
banda precisaria mais dele agora que seu pai, que já se recuperava. Não foi nenhuma
surpresa para os outros integrantes que Jeremy tivesse uma voz tão boa e que serviria
temporariamente para substituir Bryan. As esperanças de que ele um dia retorne para
Humperville e para a banda nunca morreram. Ninguém perdeu a fé em Bryan por aqui e
torço para que ele também não tenha a perdido no caminho.
Ashton faz a base do som com o contrabaixo e Finn coloca gás na música para que
Jeremy possa entrar com a voz e vejo que os acordes mudaram a melodia para o refrão.
— Tonight we are young. So let’s set the world on fire. We can burn brighter than the
sun…
Arrasto Holder para mais perto do palco e a voz de Jeremy atrai mais pessoas para o
gramado. Em instantes, espaços vagos são preenchidos e uma quantidade estarrecedora de
convidados dominam as partes menos habitadas. Ao redor da piscina, em torno do
quiosque do outro lado e congestionando a travessia da porta de correr – o caminho mais
próximo para chegar à área de lazer. No refrão, Jeremy, Ash e Finn pulam sem interromper
o ritmo, sem perder o fôlego e as pessoas ao nosso redor se envolvem com a energia. Os
globos de luz piscam incessantes e preciso fechar os olhos, para que não me ceguem.
Holder abraça meu corpo por trás, passando os braços longos por cima de meus ombros
e tombo a cabeça para trás, ajeitando-a sob seu queixo. Agarro seus braços também,
devolvendo o ato de carinho. Continuo movendo o quadril acompanhando as batidas
imperdoáveis que atingem meus tímpanos. O corpo robusto de Holder me acompanha e,
embora estejamos tão emaranhados, não me sinto presa para dançar.
Apoiando as mãos em meus ombros, Holder me vira para ele. Segura minha cabeça
entre as mãos e sorri antes de se inclinar para me beijar. Quando abro os olhos, os dele
estão brilhando e sorrindo para mim. Meu estômago embrulha. Esse olhar. Esse sorriso. Ele
gosta de mim de verdade. Não estamos só… nos conhecendo.
Holder está se apaixonando por mim.
As batidas frenéticas do meu coração amaldiçoam minhas costelas e sinto o ar sufocar
na passagem da garganta. Comprimo os lábios e, apesar de saber que é errado, e que
provavelmente estou sendo egoísta, eu gosto. Gosto que Holder goste de mim e que eu não
precisei me esforçar nem um pouquinho para conquistá-lo. Isso aconteceu só sendo eu
mesma.
A música cessa e o barulho da guitarra guincha. Viro-me às pressas para a frente e as
luzes do palco se acendem. Jeremy e os outros estão rindo, mas não consigo encontrar um
motivo. Consigo ver Effy pela primeira vez, do outro lado da piscina e meus lábios se
articulam em um “o que foi?” e ela sacode os ombros para dizer que não sabe. Volto a olhar
para o palco e, embora a respiração de Jeremy esteja irregular e fraca, ele não para de
sorrir.
— O que deu neles? — Holder questiona com o olhar curioso injetado para aquela
direção.
— Não faço a menor ideia.
— Pessoal — Jeremy sopra contra o microfone, entre um suspiro e outro, tentando
recuperar o fôlego. — Antes de me tornar o vocalista da The Reckless, um cara muito
importante passou por ela.
— Eu não sabia que tiveram outro vocalista. — Levanto a cabeça para ver a expressão
confusa de Holder sucumbindo toda a tranquilidade. — Você sabia?
— Sabia — sussurro e desvio a atenção ao palco.
Eu tenho uma sensação péssima me assombrando nesse momento. Aperto os braços de
Holder à minha volta, como se quisesse me recriminar por estar me sentindo dessa
maneira.
— Depois de cento e quarenta e sete dias, senhoras e senhores, Bryan McCoy está de
volta à Humperville.
Jeremy inclina o pescoço para a lateral do palco e tento me concentrar nas pessoas da
plateia. Não consigo me encontrar com a linha de raciocínio, minha habilidade se perdeu no
meio de sua frase. Sinto meu coração sufocar.
Outra vez, busco explicação de Effy. Sua expressão é tão chocada quanto a minha. Não
teria a porra de uma explicação para o que está acontecendo. Não depois de Bryan ter
cortado contato com metade de nós.
Automaticamente meu cérebro começa a tecer explicações. Nenhuma desculpa favorece
o suposto retorno de Bryan. Miro o olhar para a lateral do palco, mas não o vejo. Foram
quatro meses, eu o reconheceria em qualquer lugar se nos encontrássemos.
— Queria convidá-lo para cantar uma música com a gente. — Jeremy estica um dos
braços, convidando Bryan a subir.
Os meninos tiram as perucas instantes depois, mas Bryan ainda não subiu ao palco.
Percebo então que dei alguns passos à frente. Meu corpo é instintivo e está buscando por
respostas mesmo quando não há nenhuma explicação. Eles sabiam que ele voltaria hoje?
Aidan sabia? Isso explicaria seu tom de dúvida hoje a respeito de Holder.
A mão de Holder toca minha nuca e sobressalto em espanto.
— Você o conhece? — pergunta.
— Conheço, sim. Mas perdemos o contato quando foi embora.
— E por que ele saiu da banda?
— É complicado — murmuro e aperto os lábios com força.
A curiosidade injetada e a pressão que a ansiedade causa em meu coração me faz sentir
dores no peito e coluna. Abraço o próprio tronco, como se essa atitude fosse capaz de
acalentar a sensação desprazerosa que assumiu o controle do meu corpo.
Jeremy puxa a próxima música com palmas e batendo os pés. Aproxima-se do microfone
no pedestal e cantarola um longo Ooh-Ooh antes de soltar a voz em Glory Days, de The
Federal Empire.
— All of my life I’ve been in this fight, killing myself just to find the light, telling myself
everyday I wake that sacrifice is the price I pay. — É a voz suave e irreconhecível de Jeremy
cantarolando a primeira frase da música.
A resposta que vem a seguir é a que faz meu coração comprimir.
— Oh yeah, oh yeah.
O ruído rouco que atravessa e atinge a plateia é a voz que não escuto há meses. E,
quando Bryan aparece, sob os flashes fortes de um globo de luz, de jaqueta de couro preta,
coturnos longos e calça rasgada no joelho me traz lembranças que eu nunca esqueceria.
Quando ele move a cabeça, percebo que os fios de cabelo estão mais compridos na frente.
— Hum-hum... — Bryan murmura no microfone e minhas pernas se transformam em
duas gelatinas molengas.
Jeremy retira o microfone do pedestal e o chuta para o lado.
— Watching my time always slip away, losing my money and my mind today. — Bryan
pressiona a têmpora com o indicador e de onde estou, noto uma aliança de prata
envolvendo seu dedo. — Struggle so hard never sleep at night, chasin’ these dreams just to
stay alive. — Umedeço os lábios e dou mais um passo à frente. Holder continua me
acompanhando e buscando espaço entre as pessoas.
— Oh yeah, oh yeah — Jeremy responde ao trecho que Bryan acaba de cantar.
Os outros integrantes se preparam para entrar com toda força no refrão da música.
Conheço Glory Days pelos ensaios da The Reckless e, assim como qualquer outra música que
tocam, consigo sentir a emoção que emana deles: força, determinação e a garra em busca
daquilo que acreditam.
Jeremy e Bryan se unem no centro, parte dos pés na borda do palco de poucos
centímetros de altura e, com os braços erguidos, eles sacodem a cabeça no ritmo do bumbo
e o contrabaixo. Ashton e Finnick se aproximam deles, Jeremy e Bryan abraçam os dois, um
de cada lado, enquanto cantam o refrão.
— I spent blood, sweat, tears and pain waiting so long for the glory days. Slave of my life
away. Working so hard for the glory days! — Eles puxam as palmas e as pessoas
acompanham. Até Holder afastou as mãos de mim para imitá-los. — Working so hard for the
glory days — repetem e incendeiam os que, inclusive, não sabem a letra da música. —
Working so hard for the glory days!
Bryan joga a cabeça para trás e pula com Jeremy, enquanto repetem o refrão com
vivacidade. O sorriso no rosto de Aidan, Ashton e Finnick é capaz de parti-los ao meio.
— De novo! — Jeremy grita no microfone e todos os convidados pulam.
— I spent blood, sweat, tears and pain waiting so long for the glory days. Slave of my life
away. Working so hard for the glory days!
— Mais uma vez, mais forte! — Bryan incentiva.
— I spent blood, sweat, tears and pain waiting so long for the glory days. Slave of my life
away. Working so hard for the glory days!
— Working so hard…
Eles estendem o microfone para frente e a todos respondem:
— FOR THE GLORY DAYS!
— Porra! — Bryan grita no microfone, sorrindo e vivo como já não via há muito tempo.
— É isso aí!
Ele chuta o ar sem diminuir o tamanho do sorriso que circunda seus lábios.
— Mais uma vez, para encerrar. — Jeremy puxa com as palmas e nós respondemos:
— I spent blood, sweat, tears and pain waiting so long for the glory days. Slave of my life
away. Working so hard for the glory days!
— A voz do cara é foda — Holder comenta abaixo da minha orelha e me dou conta de
que estou sorrindo tanto que minhas bochechas doem. — Não que Chase cante mal, mas o
tal do McCoy, puta merda, incrível! A energia dele é de outro mundo!
— Eu sei — sussurro, batendo palmas e aclamando a The Reckless como uma lenda.
Dessa vez é diferente das outras porque Bryan está entre eles.
— São dias de glória, Humperville — Bryan sopra contra o microfone, rindo e ofegando
tanto que mal consegue deixar a voz sair.
Vê-lo sorrir me faz esquecer qualquer mágoa e ressentimento que tinha. Na verdade,
faz-me lembrar o porquê não me magoei ao deixá-lo partir. Eu queria vê-lo feliz, animado,
fazendo o que ama. Queria poder presenciar sua energia com a The Reckless outra vez e não
importa que tenha sacrificado nosso relacionamento para isso. Ele se recuperou e é tudo o
que eu poderia querer. Nada além disso.
— Você pode me apresentar? — Holder pergunta com um tom de voz esperançoso.
Apresentar meu ex ao cara com quem estou saindo? Vai ser divertido.

“Nadando em seus olhos, em seus olhos
Em seus olhos azul egípcio
Algo que eu nunca tive sem você
Você está me dando calafrios a cem graus
É melhor do que a pílula
Como você me faz dormir
Chamando seu nome, a única língua
Que consigo falar
Tirando meu fôlego, uma lembrança
Que você pode guardar
Me dando calafrios”
SOUVENIR – SELENA GOMEZ

Não consigo assistir ao show da The Reckless até o final. Eu me escondo em um dos
quartos de hóspedes e me encolho na cama de casal confortável. Holder não quis subir,
preferiu ficar e terminar de vê-los se apresentar. De onde estou, consigo escutar os
convidados de Darnell aplaudirem a cada finalização de música. Eles prepararam um
repertório diversificado, só para atender a todos os gostos e Jeremy cantou até mesmo
Perfect, do Ed Sheeran.
Não escuto a voz de Bryan mais há umas cinco músicas. Enquanto ele estava no palco e
eu me misturando ao público, sem ser notada, estava tudo bem. Mas agora que estou
sozinha, só sentindo o latejar dos dedos na sandália, acho que vou me esconder nesse
quarto até que Darnell anuncie seu noivado oficialmente com Dannya e aí poderei arrastar
Holder para casa e sair desse lugar. Ao mesmo tempo em que mapeio esse plano em minha
mente, também quero vê-lo. Dizer que senti sua falta e descobrir como ele passou os
últimos meses. Apesar da mágoa com o vídeo, não pensei em confrontá-lo sobre ele.
Vivian era tudo para Bryan, quem fazia ele se movimentar e, pensando melhor nisso,
acho que eu também acabaria num poço fundo de melancolia se perdesse um dos meus
pais.
Minhas mãos estão cruzadas sob a bochecha enquanto encaro a porta, estou deitada de
lado. A música que Jeremy canta para encerrar o show é Memories, de Maroon 5. Cantarolo
baixinho e movo os pés no ritmo da música. Quando ela finalmente termina e a sequência
de aplausos permutam por todo o ambiente, recheado com os agradecimentos da The
Reckless, abro os olhos.
Ganho impulso com as mãos para me colocar de pé. Pego a bolsinha prateada que
trouxe com o celular e batom.
Retoco o batom vermelho e caminho a passos decisivos para a porta, cravo as unhas
pintadas de branco nela e escancaro no minuto em que Souvenir, de Selena Gomez,
preenche o vazio deixado pelo som da The Reckless.
Essa parte do andar não está tão movimentada. Bryan e Jeremy conseguiram manter os
convidados vidrados no show nas últimas horas e, agora, tenho quase certeza de que estão
beliscando a mesa de petiscos que Rowan organizou pessoalmente, junto à Gravity. Que,
falando nela, desapareceu completamente. Só vi Effy assistindo ao show da The Reckless.
Nate também desapareceu e Maeve deve estar encontrando um jeito de escapar dos
encontros com ele.
Fecho a porta atrás de mim devagar e abro a bolsinha para apanhar meu celular.
Desbloqueio a tela enquanto caminho a passos lânguidos em direção a escada. Envio uma
mensagem através do Kik para Gravity e Effy. A última conversa no aplicativo é com Holder,
aproveito para enviar uma para ele também, avisando que estou no segundo andar e para
que me encontre.
Dois minutos depois recebo uma notificação de Holder.

Holder: Ok. Ouvi Darnell dizer que vão anunciar o noivado. Podemos ir embora depois.

Bloqueio a tela com um suspiro pesado e volto a guardar o aparelho.
Estou respirando fundo, inalando um cheio desagradável e tóxico. A ponte interna de
meu nariz arde e coço a ponta querendo espirrar. O cheiro desagradável de cigarro vem da
escada, elevo os olhos e vejo que tem alguém sentado ao topo, fumando
despretensiosamente. Entreabro os lábios pronta para reclamar, até que o cara fica de lado
e consigo reviver algumas lembranças ao notar a tatuagem resistência de modo vertical no
pescoço, com uma fonte legível e nítida.
Diminuo as passadas e acho que nem estou andando mais. Olho para trás, decidindo se
fujo ou se passo por Bryan. Então me dou conta de que nenhuma dessas opções estão
realmente disponíveis para mim.
— Você tá fugindo de mim ou é impressão minha?
A voz rouca invade minhas entranhas e é como se eu fosse rasgada de dentro para fora.
Eu senti tanta falta de ouvi-lo. Qualquer coisa que ele me dissesse seria o suficiente para
atenuar a saudade que partiu meu coração em dois pedaços.
Bryan apaga o cigarro em um cinzeiro de metal, que, até então, não tinha notado e se
levanta. Ajeita a lapela da jaqueta no mesmo instante em que dou passos para trás
equilibrando nossa distância. Enfim pousa os pés com coturnos no primeiro degrau e
termina de subir as escadas. Posso escutar meu coração bombeando sangue para o corpo e
o sinto fluir em minhas veias, rumo ao cérebro. Minhas têmporas latejam só com a presença
dele. Ele pega o cinzeiro e o coloca no parapeito do segundo andar.
Os olhos azuis-oceano estão mirando meu corpo e, provavelmente, Bryan já notou o
meu completo desconforto por estarmos no mesmo ambiente depois de meses sem nos
falarmos. Abraço meu tronco, mordisco o lábio inferior e olho para o outro lado quando não
suporto mais o contato visual.
Por que diabos está tão estranho? A minha primeira reação, acima de qualquer coisa,
deveria ser correr para abraçá-lo. Mas tem algo me enraizando, impedindo que eu dê
qualquer passo em sua direção e bloqueando qualquer intenção que eu tenha de externar
meus sentimentos.
— Não estou fugindo — finalmente consigo raciocinar e articular alguma coisa. Nem
reconheço a voz que sai de mim. É trôpega e baixa.
Limpo a garganta.
— Eu ia te ligar.
Levanto os olhos para ele. Seu cabelo está mesmo mais comprido na frente e alguns fios
até cobrem os olhos azuis. Não é a única coisa nova em Bryan. Eu sinto, mas não é visível.
Estudo sua postura, os olhos, embora sejam claros, estão nebulosos por uma nuvem de dor.
Aparentemente, ele está bem, mas acho que, por dentro, Bryan continua sofrendo. Algumas
coisas podem ter sido acertadas quando foi para Dashdown, mas seus sentimentos
continuam confusos e ele está mais… distante. É como se sua atenção estivesse dividida.
Seus olhos não conseguem se concentrar apenas em mim.
— Ia?
— Ia, sim.
Fecho o aperto em volta do tronco com mais força.
— Como você está?
— Bem. — Ele dá de ombros. Sim, ele parece bem, então por que não acredito? — E
você?
— Bem também. — Forço um sorriso e Bryan o devolve.
Ali está. O que eu queria ver. Qualquer resquício de que, por menor que seja, o meu
Bryan ainda habita o turbilhão que o corrói agora.
— Eu queria…
— Achei você! — Holder exclama, com um sorriso amarelo e saltita alegre em minha
direção. Ele corta Bryan no meio da frase e, apesar de ter parecido interessado em conhecê-
lo antes, ele nem o nota enquanto corre em minha direção. — Darnell vai anunciar o
noivado. Tá pronta? — Ele passa ao lado de Bryan e, em seguida, inclina-se para me beijar.
Nem tenho tempo para refreá-lo.
Solto os braços para abraçar Holder e abro a boca para que ele não sinta que estou, de
alguma forma, recusando seu beijo. Quando se afasta, meus olhos vão para Bryan
imediatamente. Ele está esfregando a nuca, é visível que ficou desconfortável e meu
coração se aperta por ele um pouco mais. Depois, alveja a mim e Holder com os olhos
selvagens e que me causam arrepios até a ponta dos pés.
Holder está lambendo os lábios e me abraça pela cintura de um jeito possessivo. Não
parece em nada com o cara que conheço. É como se sentisse que Bryan é uma ameaça para
o nosso relacionamento não rotulado.
— Oi. Você mandou bem lá hoje. — Holder alarga o sorriso e me puxa para nos
aproximarmos de Bryan. — Parabéns, sua voz é foda!
— Valeu! — É tudo que Bryan responde, coça a ponta do nariz e pigarreia. — Quem é
seu amigo?
Holder solta uma risada esganiçada e me encara.
— Bryan, esse é o Holder. Holder, esse é o Bryan. — Estendo a mão para apresentá-los e
Holder é o primeiro a esticar o braço para cumprimentá-lo.
Bryan encara a mão suspensa no ar. Pelo modo como suas íris estão observando Holder,
entendo que está decidindo se vai ou não ser amigável. Dentro de mim ainda existe uma
fagulha de esperança de que Bryan seja menos controlado quando se trata de seu ciúme,
uma parte pequena e egocêntrica, que gostaria de vê-lo brigar por mim como um homem
das cavernas. A outra parte é a que gosta de Holder e não quer que ele se sinta mal. Ele é
um cara bacana, não seria justo que eu seja a pessoa a partir seu coração.
— É um prazer, cara — Holder continua insistindo em um aperto de mãos. — A gente
ainda não definiu nosso relacionamento. Mas amigos com certeza não.
Bryan por fim cede e aperta a mão de Holder, forçando um sorriso amigável. Noto
porque seu queixo treme e as veias do dorso de sua mão saltam.
— Prazer.
— Ah, você tem um aperto de mão bem forte — Holder balança a mão ao se soltar,
rindo. — Então, voltou para ficar?
— Algo assim. — Bryan desvia a atenção para mim, mas não dura nem dois segundos.
— Ainda tô me decidindo.
— Como assim? — intervenho e felizmente ele se concentra só em mim.
— Não é certeza que eu fique.
— Por quê?
— Não tenho mais um lugar em Humperville.
— Isso não é verdade — sopro e Holder mantém os braços bem apertados a minha
volta. Bryan nota, porque está com os olhos bem presos nos dedos enodados de Holder na
pele nua dos meus braços.
Ele afunda as mãos nos bolsos da calça.
— Parece que é.
Seguro as mãos de Holder e o afasto.
— Você pode ir na frente? Preciso conversar com Bryan. Faz tempo que a gente não se
vê. — Olho de esguelha para o corpo rígido ao lado.
— Hum... — Holder pondera, alterna o olhar entre mim e Bryan. O rosto contorcido dele
prova que não concorda. — Tem certeza? Vai perder Darnell fazendo o pedido.
— Ele vai entender. — Bryan atravessa antes que eu possa responder. — Mackenzie e
eu somos amigos há bastante tempo. Precisamos conversar.
— Entendo. — Ele afunda os dedos em minha nuca, puxa-me para perto e deposita um
beijo em minha testa. — Vou te esperar. Quando quiser ir, só me mandar uma mensagem —
sussurra, ao se afastar. — Te vejo por aí, Bryan. — Ao passar ao lado de Bryan, Holder dá
um “tapinha” camarada em seu ombro.
Acompanho Holder descer as escadas e só volto a olhar para Bryan quando ele não está
mais visível para nós dois.
— Um namorado, hein?
— Não é um namorado. — Reviro os olhos e passo por ele. — Vamos dar uma volta, a
gente tem muito o que conversar.
Bryan me segue enquanto desço as escadas.
Encontro com Willa e Gravity no caminho. Ambas estão em uma conversa animada no
hall e assim que Gravity vê Bryan, seu queixo cai alguns centímetros. Ao contrário de Willa,
que apenas acena para ele e dá um sorriso cúmplice. Parece que sabia do retorno dele, o
que só prova mais uma vez que Aidan também sabia.
O vento toca minha pele e me encolho sob o ar gélido da noite. Bryan finalmente
consegue me acompanhar e andamos do lado um do outro pelo jardim que parece
interminável. É ladeado por cercas vivas e roseiras, e no final da trilha de pedras, um
labirinto pequeno de folhas verdes e rosas brancas. É para lá que estamos indo. Embora
seja um labirinto, não nos perderíamos porque há placas indicativas para a saída.
Assim que entramos no labirinto escuto um barulho vindo de Bryan. Ele está tirando a
jaqueta de couro e a estende para mim. Encaro o couro erguido em minha direção e paro de
andar.
— Vai se resfriar — explica, sacudindo a jaqueta mais uma vez no ar.
Respiro fundo e a pego. Passo os braços pelas mangas longas e cruzo os braços. A
jaqueta fica enorme em mim, mas me sinto aconchegada pelo perfume forte e viril de
Bryan. É o mesmo cheiro. A mesma pessoa ao meu lado. As mesmas lembranças e o mesmo
desejo ardente serpenteando pelo meu corpo.
Nós temos tantas coisas para falar, mas nada está saindo de nossas bocas. Bryan e eu só
estamos apreciando a companhia um do outro depois de quatro meses. Não é como
imaginei que seria, mas não me sinto desconfortável ou constrangida com essa
taciturnidade entre nós.
— Você gosta dele?
Detenho o andar outra vez e fico de lado para vê-lo. Bryan mantém as mãos nos bolsos e
os braços longos colados ao corpo.
— Quatro meses e tudo que você quer saber é se o que eu sinto pelo Holder é
verdadeiro?
— É só o que me interessa, por enquanto.
— Fala sério — murmuro e volto a andar. — Gosto, Bryan. Gosto do Holder.
— Faz quanto tempo? — Ele aperta o passo para não perder meu ritmo. — Três? Dois
meses?
— Um mês.
— E é sério?
Paro de novo, dessa vez é um rompante e Bryan se desequilibra ao parar também.
— Estou perguntando por que você disse que não era um namoro. — Ele desenha um
sorriso nos lábios e tenho que controlar a minha vontade de dar um soco na boca dele para
fazer com que suma. Pronto, estou irritada com ele. — Só quero estar a par do tipo de
concorrência! — Como pode ser tão presunçoso? — É sério ou não?
— Eu não sei, Bryan. Holder e eu não oficializamos nada. A gente pode falar sobre você?
— Sobre mim? Por quê? Não quero falar sobre mim. Quero falar sobre você. — Uma de
suas sobrancelhas se arqueia e fecho as mãos em punho. — Tá linda, como sempre.
— Você parece ótimo — disparo, com um olhar turvo em sua direção. — Eu acho até
que você esteve muito bem nos últimos meses, não é?
— Espera. — Ele pensa um pouco e, antes que possa responder, estou percorrendo o
caminho do labirinto de novo e seguindo as placas indicativas para a saída. — O quê? Do
que você tá falando?
Se fazer de idiota e desentendido é uma especialidade do Bryan.
— Se você não veio até mim para ser honesto e me contar, de verdade, como está a sua
vida desde a última vez que nos vimos, então eu não sei o porquê de estarmos conversando.
Bryan, a última vez que te olhei nos olhos você disse: eu não posso te pedir pra me esperar.
Não seria justo com você. Parou de responder minhas mensagens e atender às ligações,
também fez questão de postar um vídeo com uma garota e, dez minutos depois, apagou
como se nada tivesse acontecido. Eu te liguei depois disso, você viu? Te mandei mensagens!
Não se faça de tonto e nem tente fazer com que eu me sinta idiota por desconfiar! A sua
fama de mulherengo não ajuda também!
— Primeiro, sim, você tem razão. Eu não poderia te pedir uma coisa dessas. Nem sabia
se iria mesmo voltar. Segundo, parei de responder porque era uma tortura pra mim.
Imaginar a minha vida aqui sem a minha mãe era insuportável. Imaginar a minha vida em
Dashdown sem você, pior ainda. Além disso, a futura esposa do meu pai tá grávida de seis
meses, e eu precisei tomar conta da loja de carros até que ele conseguisse encontrar um
jeito de adaptar a nova vida aos negócios. Terceiro, a garota que você viu... — Bryan para de
andar e de falar. Ele segura meu pulso, obrigando-me a parar também. — Eu conheci um
cara, o Brooks, ele estava saindo com essa garota. Nós realmente estávamos na casa do meu
pai aquele dia. Eu gravei o vídeo, me diverti pra cacete com eles e dei muita risada. Brooks
postou o vídeo, mas apaguei assim que percebi. Não respondi suas mensagens sobre isso
porque, sei lá, você acreditaria? Pensei que seria mais fácil falar sobre isso pessoalmente.
Afasto minha mão do seu toque e esfrego o rosto. É confuso. Ele parece sincero ou é o
meu coração querendo acreditar nele?
— Não estou mentindo, se é isso que você tá pensando.
— É isso que estou pensando.
— Então para de pensar bobagem porque não estou mentindo pra você, Mackenzie. Eu
juro.
— Decidi sair com Holder depois que vi o vídeo.
— Quê?
— Eu fiquei com raiva, tá? Você não pode me julgar! Ele estava desde janeiro atrás de
mim. Me mandando flores, chocolate, cartões e eu fiquei puta! — esbravejo, cuspindo tudo
que estou sentindo em Bryan. Ele tem um sorriso entorpecido nos lábios, como se a minha
confissão inflasse ainda mais seu ego já alto. — Concordei em sair com ele. Já faz um mês. E
eu realmente gosto dele. — O sorrisinho torto de Bryan rapidamente se dissolve ao ouvir a
minha confissão, quer dizer, gosto de Holder de verdade, talvez não o suficiente ainda para
fazer de nós um casal.
— Não vou te julgar.
— Ótimo — arfo comprimindo os lábios. — Você esperava que eu ainda estivesse
sozinha — concluo e Bryan assente. — Não podia ficar esperando você pra sempre. Parou
de responder minhas mensagens. Ignorou minhas ligações e nunca me disse se voltaria ou
não. Você me entende?
— Entendo, mas não concordo. Só voltei por sua causa.
— Então você voltou?
Bryan aperta as pálpebras e balança a cabeça, em negação.
— Não, quer dizer, sei lá. Queria ter certeza de que sobrou alguma coisa pra mim nessa
droga de cidade. A The Reckless tá mandando bem com o Jeremy como vocalista e você
seguiu em frente.
— Se eu tivesse te pedido pra ficar… — Paro, pressionando os lábios. — Você teria
ficado?
— Honestamente, eu não sei o que teria acontecido se você tivesse me pedido para ficar.
Talvez tivesse reconsiderado a ideia ou não, não sei. O que eu sinto hoje é diferente do que
eu estava sentindo naquele dia.
— Nós estávamos indo bem, Bryan. De verdade. Mas sua mãe faleceu e o que nós
tínhamos ficou interrompido. Você parou de me olhar e só dava atenção para a própria dor.
Eu entendo sua decisão e nunca ficaria magoada por você ter partido. O que me machucou
foi você ter me ignorado até mesmo a distância. E eu achei que fosse hora de seguir em
frente. Se eu soubesse, teria te esperado.
— Nós sempre cometemos esses erros ridículos e que fazem toda a diferença depois. —
Ele esfrega os cabelos, frustrado.
— Você devia ficar. — Seguro seu pulso e o puxo para perto. Bryan não pondera ao meu
toque. — Não por mim, mas pela The Reckless e por você. Antes de nos envolvermos, você
tinha um plano muito consistente de viajar pelo mundo com os meninos e construir uma
carreira ao lado deles. Não desiste disso. Sua mãe não iria querer que desistisse!
Abraço Bryan pela cintura e descanso a lateral da cabeça em seu peito.
— Isso é o que eu teria dito pra você no dia sete de dezembro, quando decidiu ir
embora. — Aumento o aperto em volta de seu corpo e fecho os olhos, inspirando o cheiro
almiscarado que emana de seu corpo. — Pra não desistir da The Reckless. Sua mãe não
suportaria saber que você parou de sonhar porque ela não está mais aqui.
Bryan retribui meu abraço. Eu me afundo em seu corpo enrijecido como se fosse solo
fértil. O abraço como se fosse o último e escuto as batidas descompassadas de seu coração
martelando a lateral do meu rosto.
— Só não aparece na minha frente com esse cara — Bryan murmura contra o topo de
minha cabeça e deixa um beijo demorado nela. — E se continuar me tocando assim por
mais tempo, juro por Deus, não dou a mínima se você está em um relacionamento ou não.
Eu vou te beijar.
Eu me afasto dele e o vejo sorrir. É triste, mas é um sorriso.
— Uma distância segura — enuncio, apontando para nós dois e a distância de sessenta
centímetros entre nós. — Sem invasões de espaço pessoal.
— Tudo que eu queria era poder te beijar — confessa e dá um passo à frente, exilando a
distância que impus. Ele espalma a mão em minha bochecha e instintivamente minha
cabeça tomba para o lado. — Te tocar. — Ele a escorrega por meu pescoço e desce com o
polegar rumo a clavícula. Seu toque desce rumo ao decote triangular que evidencia meus
seios. Roça o polegar na região ondulada e deixo escapar um gemido. — Te escutar gemer
meu nome enquanto faço isso…
— Para. — Seguro seu pulso e obrigo sua mão a parar de descer. Mais alguns
centímetros e sua mão estaria envolvendo completamente um de meus seios. E aí eu não
teria mais nenhum controle sobre meu corpo. Em um relacionamento sério ou não com
Holder, é errado. — Você sabe que é meu ponto fraco, então para.
— Significa que você ainda me ama. — Bryan se inclina e beija meu maxilar. Fecho os
olhos e deixo escapar um ruído baixo, arqueando a coluna.
— Cale a boca, Bryan. — Mordo a base de seu queixo e o afasto. — Você mal voltou e já
tá querendo bagunçar a minha vida — brinco e Bryan sabe que não passa de uma
provocação barata para mudar o foco.
Um toque. Um mísero toque e ele conseguiu enviar ondas energizantes entre minhas
pernas.
Pego o celular às pressas na bolsa e começo a digitar uma mensagem para Holder.
Bryan me encara confuso e posso sentir seu olhar pinicar na pontinha dos dedos ágeis
enquanto escrevem.
— O que tá fazendo?
— Chamando o Holder para irmos embora.
— Não terminamos de conversar ainda. — Ele tenta roubar meu celular, mas desvio de
suas garras e rio, correndo para manter distância.
— Terminamos sim. Você já se explicou e eu entendi.
— Você acreditou, né?
— Você não tá mentindo. Eu sei quando você mente. — Devolvo o aparelho para a bolsa
e Bryan ri.
— Ah, é? E como você sabe?
— Você não me olha nos olhos, contorce o nariz e sua respiração fica irregular. Aprendi
a ler alguns detalhes importantes em você.
Bryan ri, satisfeito.
— Ele dorme com você?
— Ele tem uma casa, sabe — rio e continuo andando, porque falta pouco para
chegarmos ao final do labirinto.
— Mas vocês já transaram?
Bufo porque ele vai estragar um momento muito legal entre nós.
— Já, Bryan. Não vou mentir pra você.
— Só ele ou tiveram outros?
— Meu Deus! — gargalho e preciso de todo o autocontrole para não zombar dele nesse
momento. — Você tá morrendo de ciúmes.
Bryan contorce os lábios em uma careta.
— Não tô.
— E você tá muito falante. Me perguntando coisas.
— Só fiquei curioso.
— A minha vida sexual não é da sua conta. Sem querer ser grossa, mas é um fato. E você
terminou comigo.
Ele revira os olhos e está irritado. Posso ver o rubor irradiando em suas bochechas e
nas passadas duras que dá em direção à saída do labirinto. Alguns minutos depois sem
dizermos mais nada, finalmente chegamos ao final.
Bryan me segura pela curva do cotovelo e me puxa para trás, entre um pilar grosso e
longo. Minhas costas se chocam contra o cimento duro e gelado de sustentação da mansão.
Meus olhos pulam de um ponto a outro de seu rosto. Ele mira minha boca, em seguida, sobe
até meus olhos. Contorna os próprios lábios, umedecendo com a língua aveludada a região
protuberante de seu lábio inferior. Em seguida, seu corpo pesado se inclina sobre o meu,
sua boca para uns dez centímetros antes de tocar minha pele.
— Não vou desistir de você.
— Ah, é? E decidiu isso agora?
— Não me provoca, Wilde.
— O que eu fiz? — Minha mão está na bainha de sua camiseta e toco gentilmente seu
abdômen, arranhando com a unha longa sua pele arrepiada.
— Só queria avisar. — Ele deixa um beijo estalado no cantinho da minha boca e se
levanta.
Ele sai primeiro de trás do pilar e, ao longe, avisto Holder caminhando em nossa
direção.
— Holder deveria saber que ainda mexo com você — ele ri, enviando uma piscadela por
cima do ombro.
Bryan McCoy está mesmo de volta.

Holder está encarando o para-brisa. Me pergunto se ele está prestando atenção na rua
ou se acabou se perdendo nos próprios pensamentos. Os lábios cheios franzidos para o lado
direito, o que transmite preocupação. Essa constatação me pega de surpresa. Não pensei
que, em tão pouco tempo, conseguiria conhecer qualquer expressão dele. É nessa hora que
percebo que Holder não é Bryan. Sempre lidei com os homens como se todos tivessem as
características dele, mesmo sabendo que não é verdade.
Holder é transparente. Não me deixa confusa e não vai saltar do barco quando as coisas
se complicarem. É totalmente o oposto de Bryan.
É bonito, mas não usa de sua aparência para ser conquistador. Apesar de disputado na
universidade, nunca olhou para os lados. A não ser que eu estivesse em um deles.
Eu acabo me sentindo péssima por não conseguir sentir exatamente o que ele sente por
mim. É injusto. Nós dois daríamos um belo casal, mas eu não o amo. Pelo menos, ele não faz
meu mundo balançar como Bryan. Minha pele não se arrepia só de ouvir sua voz e meu
coração não cede a pressão frenética só por saber que ele está por perto. Com Holder tudo
é… calmo demais. Nenhum empecilho, nenhuma barreira, tudo um tédio.
Nós paramos no primeiro sinal vermelho. É só algumas quadras da mansão dos Lynch.
Ele continua apertando os lábios, forçando a mandíbula a ficar trincada. Tudo que disse
desde que saímos da mansão foi: ele falou umas palavras lindas, foi incrível. Você precisava
ouvir. Entramos no carro e esse silêncio pesado nos embalou como uma dança. Mas, na
verdade, não estou a fim de conversar também, então não posso reclamar.
Algumas gotas de chuva caem no vidro, no instante em que o sinal abre e ele arranca
com o carro. Ele leva a mão ao câmbio e tudo parece uma coisa mecânica demais. Está aqui,
do meu lado, ao mesmo tempo em que não está. Eu sei disso porque Holder não pisca nem
uma vez. Totalmente compenetrado em uma única atividade: a de me levar para casa.
Holder é esperto. Ele sabe quando uma coisa intensa está rolando ou até quando não
está. É instintivo. Então tenho certeza de que não me pedirá explicações, porque já deve ter
entendido alguns sinais.
Quando chegamos ao meu prédio recém-reformado e, portanto, as luzes dele nessa rua
são uma novidade maravilhosa, estaciona o carro na vaga do meu apartamento e levo
alguns segundos para assimilar essa informação. Escuto o carburador fazendo seu último
trabalho no motor até que o ambiente volte a ser silencioso.
— Não sabia que você e Bryan tinham uma história.
— Desculpa, eu queria ter te contado — emendo bem depressa, sem dar brechas para
que Holder continue. Na verdade, acho que ele nem terminou de falar o que pretendia.
Um sorriso constrangedor traça o contorno de sua boca.
— Desconfiei no minuto em que ele pôs os olhos em você. Só uma pessoa te olha
daquele jeito.
Viro o pescoço, só o suficiente para que seu corpo pétreo entre em meu campo de visão.
— Eu — completa.
— Foi um ano difícil pra ele. A mãe morreu, depois ele foi embora. A gente terminou. —
Minha última fala é um sopro no vento. Sinto todo meu corpo se encolher enquanto Holder
me analisa com apreensão. — Não te contei porque não achei que ele fosse voltar.
— Você pensou que ele ficaria em Dashdown para sempre?
— Não, quer dizer, sim. Ou algo do tipo. Ele estava feliz lá. Faz só quatro meses que ele
foi embora. Ele só ficou um pouco confuso de me ver com você e…
— Faz um mês que estamos saindo. Você pensa em ter um relacionamento comigo? Um
relacionamento de verdade? — O banco de couro faz um som constrangedor e rimos
quando ele se move. Estende o braço, prende uma madeixa grossa de cabelo atrás de minha
orelha – meu cabelo cresceu bastante nos últimos meses, está na altura do busto – e
gentilmente um de seus dedos esbarra em minha pele. — Sem ser sexo casual. — Dá uma
risadinha e acaricia a região onde seu dedo tocou um segundo atrás. — Você quer namorar
comigo, Mackenzie?
A palavra quer é um ênfase de fazer meu estômago embrulhar. Nesse momento, não
quero abdicar do que tenho com Holder, mas também não quero me afastar de Bryan agora
que ele voltou.
Não quero abrir mão de nenhum dos dois.
— Holder, eu gosto de você — confesso e o sorriso estreito se alarga. — Mas eu não
posso. Não ainda. — E é assim que, em poucos instantes e uma frase pequena, você faz o
coração de um homem apaixonado sangrar.
— Não é um não.
— Não — rio, sacudindo a cabeça.
— Mas também não é um sim.
— Não. Escuta. — Seguro sua mão quando o sinto fraquejar e percebo que está prestes a
se afastar. Não quero magoá-lo. — A gente pode continuar saindo. Um mês não é tanta coisa
assim. Tem muito sobre mim que você ainda não sabe. E eu gosto de estar com você,
Holder.
Ele entorta os lábios, como se pudesse ajudá-lo a pensar.
— Quero te pedir só uma coisa antes — bufa, soltando nossas mãos — Se eu não for um
fator relevante nessa equação, me avisa. Não é porque não estamos namorando, que
concordo com um triângulo amoroso. Não quero disputar sua atenção ou sentir que estou
sobrando. Só vou concordar porque acredito em nós.
— Holder, eu nunca faria nada que pudesse te machucar — prometo e entrelaço nossos
dedos.
Ele assente assim que me afasto, resignada.
Holder não me perguntou se ainda sinto algo por Bryan, mas, no seu lugar, eu também
temeria a resposta.
Não quero ser egoísta ou mentir para ele, mas não quero perdê-lo. Bryan está de volta,
mas Holder não merece que eu o dispense assim, como se fosse um estepe. Ele é um ser
humano, com sentimentos e um bom coração.
Eu pensei que Holder não fosse relevante até ter sido colocada em uma posição de
escolha. Ou o que sinto por ele é mais forte do que imaginava ou estou com medo de
magoá-lo porque já fui magoada. Não tenho certeza, não sei o que pensar e nunca estive tão
confusa como agora.
— Você quer que eu suba? — Holder indica o elevador alguns metros dali com o queixo
largo.
— Melhor não. — Dou um beijo em sua bochecha antes de pegar a bolsa e abrir a porta
do carro.
Holder me segura pela mão antes que eu consiga sair e meu corpo volta contra o seu em
um baque surdo. Ele resvala os lábios nos meus em um beijo casto.
— Te ligo amanhã. — O hálito quente na ponta do meu nariz faz meu coração contorcer.
— Tá!
Saio do carro e aceno. Me encosto em uma das colunas do estacionamento com os
braços cruzados e espero Holder sair do estacionamento. Pego o celular e envio uma
mensagem para Gravity e Effy no Kik:

Mack: Onde vocês estão?

Gravity: Quase chegando.

Effy: Cinco minutos. Aconteceu alguma coisa?

Mack: Várias. Preciso de vocês.

Gravity: Aguenta aí.

“Mas aqui estou me traindo com você
Amanhã faço de novo prometendo não fazer
Então só por essa noite a minha pele é sua
E o conflito de certo e errado continua
Talvez eu pense muito, talvez seja você”
MÚSICA SECRETA – MANU GAVASSI

— Repete. — Gravity para com a taça de vinho três centímetros antes que a borda toque
seu lábio inferior. — Holder te pediu mesmo em namoro?
Engulo um gole bem longo da bebida e uma jogadinha com os ombros é o meu jeito
despretensioso de concordar.
São duas da manhã e estamos sentadas sobre as pernas no meio da nossa sala do
apartamento. Effy falou com Bryan, mas disse que foi uma conversa bem rápida e sem
muitos detalhes. Segundo ela, ele parecia com bastante pressa para ir embora e Gravity não
trocou nenhuma palavra com ele. Se não nos tivesse flagrado saindo para o jardim àquela
hora na festa, nem saberia que ele voltou.
— Mackenzie, eu juro que não sabia que ele estava voltando. Se soubesse, teria te
contado — Effy insiste, impedindo que Gravity volte a falar de Holder. — Ele não me falou
nada — reflete ela, pesarosa e bebe o resto do vinho em tempo recorde.
Effy tem um histórico de ser uma amiga compreensiva, que respeita o tempo e espaço
do outro. E é famosa por sua incrível habilidade de conceder o perdão mesmo quando a
pessoa não o merece.
Porém, desta vez, ela parece estar mesmo magoada com Bryan e sua falta de
consideração. Além de ter parado de responder as mensagens, não ligou para avisar que
estava de volta. Por mais que eu diga que Bryan voltou hoje, Effy não acredita.
— Esquece o Bryan — Gravity diz, sacudindo a mão na frente do rosto. É, ela está
bêbada. — O Holder pediu a Mackenzie em namoro e ela disse não. Por que é que você disse
não?
— Porque o Bryan voltou. É óbvio, Vity — Effy responde por mim em tom de deboche.
— E se ele tivesse dito que pretendia voltar, nem teria começado a sair com ele.
— Falando assim até parece que o usei como band-aid.
— E não usou? — Gravity estreita os olhos para mim com uma sobrancelha arqueada,
quase tocando a raiz de seu cabelo. — Desculpa. Já bebi demais. — Ambas as mão se
levantam na altura dos ombros. As palmas para frente, trêmulas de arrependimento. —
Estou falando merda.
— Tá sim — confirmo, repreensiva. — Ok. Eu não usei o Holder. Queria sair com
alguém, sei lá, ser mais como as garotas do campus que se divertem saindo com caras
casualmente. Não era pra ter chegado nesse nível.
— E com nesse nível você quer dizer… — As sardas de Effy nas maçãs púrpuras se
salientam com o sorriso convencido.
— Você sabe. O nível de gostar.
— Você gosta dele? — Vity quase salta do lugar ao se inclinar para frente. — Então a
minha dúvida do porquê você não aceitou o pedido faz todo sentido. Eu sabia. — Ela
tamborila os dedos na mesinha de centro.
— Fiquei chateada com Bryan por causa do vídeo. Ele me explicou e acredito nele. Mas
não consigo dispensar o Holder. Só não sei o porquê. — Viro mais uma quantidade
generosa de vinho na taça e apoio o cotovelo no tampo de revestimento. Minhas amigas
acompanham meus movimentos com olhares curiosos.
— É porque você tem um bom coração. — Effy, que está mais perto de mim, aproxima-
se e joga meus cabelos para trás. — Você é uma garota que não quer partir o coração de um
cara. A única pessoa que você se envolveu de verdade em todos os seus dezenove anos de
vida foi o Bryan e foi péssimo pra vocês dois tudo que aconteceu.
— Você não tá querendo que Holder se sinta como você se sentiu quando Bryan
terminou com você quatro meses atrás. Ele te deixou sozinha e de coração partido. Você
gosta do Holder, mas não como ele gosta de você e não quer ser a pessoa que irá magoá-lo.
Acredite em mim, Mackenzie, não importa o quanto tente evitar, você precisa ser honesta
com ele e dispensá-lo. O cara é um gostoso e é disputado na universidade. Deixa o caminho
livre pra ele. — Ela se recosta ao sofá e tomba a cabeça para trás, fechando os olhos. — Não
é justo que você o prenda se não quer ficar com ele. Bryan está de volta e quer ficar com
você e tá mais do que na cara que você quer o mesmo.
Levo alguns segundos para assimilar tudo que elas dizem. É também o mesmo tempo
que Vity leva para cair no sono. Ela deve ter bebido muito rum com Coca-Cola na casa de
Darnell.
— Eu concordo com ela — Effy ri e puxa um cobertor do sofá para cobrir Gravity. — Sei
que parece a mesma história com Aidan porque você o dispensou, mas não é. Aidan te
amará independente de qualquer coisa, porque vocês sempre serão amigos. Holder é
diferente. Se você disser que não quer mais sair com ele, talvez nunca mais se falem de
novo. — Ela entorta os lábios com resquício de batom. — Ou ele pode admirar sua
sinceridade e vocês acabem se tornando amigos. — Dá de ombros e esbarra a lateral do
corpo no meu.
Rio e concordo com ela.
Conversar com Gravity e Effy acaba sendo uma terapia para mim. Consigo encontrar
clareza em meus sentimentos quando os exponho e entendo melhor tudo que está
acontecendo dentro de mim.
O retorno de Bryan é imprevisível, mas que ainda o amo não. O pedido de namoro de
Holder também é imprevisível, mas ele só fez essa escolha porque se sentiu ameaçado.
Eu gosto dos dois, de formas diferentes, e sei o que preciso fazer.
Aidan: Desculpa, eu sabia que ele estava voltando, queria ter te contado, mas ele me pediu
pra ficar quieto. Foi mal, Mack.

Estou com uma pilha de trabalhos da faculdade para entregar e dissertando sobre as
matérias do mês para a Font News. Agarro o celular como se toda a minha raiva pudesse ser
transmitida através desse ato e que Aidan sentirá minha indignação. Isso explica
completamente sua reação quando disse que levaria Holder ao noivado.
Aidan sabia que Bryan estava voltando, mas não abriu a boca para falar para nenhuma
de nós. Descobri isso porque enviei uma mensagem mais cedo, questionando-o e a
explicação veio, não teria mais nenhum motivo para que continuasse mentindo. Nem sei
como conseguiu correr comigo no ontem de manhã, olhar na minha cara e esconder que
Bryan estava na cidade.

Mack: Consiga uma entrevista com o seu pai para a Font News e eu te desculpo.

Não consegui encontrar nada para preencher as lacunas que deixei em aberto no
cronograma. É Effy quem escreve, mas sou eu a responsável por colocá-las em prática.
Basicamente faço o trabalho de pesquisar temas e trazer à tona coisas que pessoas, como a
investigadora Abernathy, gostam de encobrir. Faço com muito prazer porque Jev ainda é
um caso não solucionado para mim, embora para a justiça tudo esteja certo.
Não penso tanto nele ou no que aconteceu como antes, mas a injustiça me incomoda.
Esse foi um dos motivos que aceitei fazer parte desse projeto em específico. Tenho um
crachá que me dá acesso jornalístico e a influência de uma revista local, que faz com que
Humperville se mexa. Eu me sinto na responsabilidade de trazer a verdade para as pessoas
que não enxergam a corrupção dessa cidade.
Posso estar sendo um pouco demais pedindo a Aidan uma entrevista com Darnell, até
porque a noite de ontem e a conversa com as meninas me ajudou a atenuar dúvidas e me
tranquilizar. Não vou ficar chateada com Aidan por mais que dois dias.

Aidan: Você vai mesmo jogar baixo assim?

Mack: É pelo bem do jornalismo.

Aidan: Você é impossível! Haha. Vou ver o que faço.

Mack: Obrigada!

Aidan: Você tá bem? Sabe, com essa volta e tal.

Mack: É bom tê-lo de volta.

Aidan: A The Reckless agradece.

As batidas altas que irrompem da porta e a figura feminina cheirosa invadindo meu
quarto me faz abandonar o celular. Gravity está usando short jeans preto, sandálias de salto
plataforma e um cropped de Friends. Um colar longo pende do seu pescoço entre os seios e
o trivial coque despojado de cabelo deixa que alguns fios contornem o rosto triangular.
— Você não tá pronta ainda?
Volto a me concentrar no calendário improvisado que fiz sobre a mesa de estudos e
bato com a caneta no tampo. Ainda estou vestindo calça cinza xadrez de flanela e uma
camiseta preta tão surrada quanto meu All Star antigo.
A entonação indigna de Vity ressoa alto pelo quarto e sinto as têmporas latejarem.
— Não posso. Desculpa. Vocês podem ir.
— Não quer que eu fique para ajudar? — Olho para o lado e vejo Effy escorada ao
caixilho de braços cruzados. — Você sabe que eu posso te ajudar com as pesquisas também.
— Eu sei, mas posso me virar com isso.
— Já faz tempo que não nos reunimos com as garotas. Tem certeza de que não quer
almoçar com a gente? — Vity insiste mais um pouco, usando mais o lado emocional para
tentar me convencer.
Eu me viro na cadeira a tempo de vê-la com o bico mais longo e emburrado que já vi.
Dou risada de seu rosto contorcido.
— Tenho certeza. É o primeiro almoço oficial da Dannya como noiva do Darnell. Você
não pode perder, tá?
— Vou ficar com a consciência pesada de ir sem você. — Effy está tirando a jaqueta de
couro e sou rápida em sair da cadeira para correr até ela.
— Você sabe que prefiro fazer isso sozinha.
— Sua mãe e seu pai vão nos encher de perguntas.
— Eu falei com eles ontem, antes de vir para casa. É sério, está tudo bem — garanto a
elas, alternando os olhares para passar confiança.
Ontem foi uma noite intensa e não estou pronta para uma nova dose de Bryan hoje.
Todos sabem que ele está de volta, então com certeza ele estará nesse almoço na mansão
dos Lynch. Não quero perder o foco outra vez, ao menos não antes de esclarecer as coisas
com Holder.
— E vou comer com a minha mãe e Nate hoje à noite, tomar café da manhã com meu pai
amanhã.
— Tá. — Gravity se levanta num rompante de minha cama. — Se você tem certeza…
— É por causa do Bryan, né? — Effy ri.
— Em partes, sim. Mas a outra metade diz que devo ficar e terminar esse cronograma —
rio, apontando para o caderno e o desenho dos dias em que as reportagens devem ser
publicadas no site da Font News. — Não precisa se preocupar. — Acaricio os ombros de Effy
e ajeito a lapela da jaqueta de couro que contém seu nome atrás. — Vejo vocês mais tarde!
Ignoro o olhar desconfiado de ambas. Fico enraizada na porta enquanto as assisto andar
pelo corredor, ainda relutantes em me deixar aqui sozinha. Quando escuto a porta da frente
bater, tenho certeza de que já foram e volto para a mesa.
Pego o celular de novo e tem uma nova mensagem de Aidan no Kik.

Aidan: Tentei. Ele se recusou de novo.

Mack: Que droga!

Aidan: É. Talvez se fizermos juntos ele ceda à pressão. Hahaha. Já estão vindo?

Mack: Dessa vez, só Effy e Gravity.

Aidan: Ah, qual é! Por quê?

Mack: Muito, muito trabalho.

Aidan: Beleza, te entendo. Não fica sem comer. Sei que a gente combinou só aos sábados,
mas quero correr amanhã de novo!

Mack: Vou pensar se quero continuar correndo com você depois da sua traição!

Aidan: :(

Desligo o Wi-Fi do celular e bloqueio a tela. Para terminar esses trabalhos e o
cronograma, preciso de concentração máxima.
Volto a escrever as ideias que tive e risco a entrevista com Darnell da listagem do mês
de maio, mas a escrevo de novo na agenda para o próximo mês.
Às duas e meia da tarde concluí três trabalhos de comunicação empresarial e decidi
incluir uma entrevista com a The Reckless no cronograma do estágio. A ideia me veio em
meio à decisão de adiar a de Darnell e, querendo ou não, quatro deles estão ligados à
Humperville de alguma forma. Jeremy é o único que não mora aqui, então não tenho
certeza se seria uma boa ideia uma entrevista com ele. De qualquer forma, Effy e eu
daremos um jeito de fazer essa entrevista compensar o furo que ficou por não
conseguirmos uma com Darnell.
Meu estômago está roncando quando termino tudo. Começo a organizar a mesa de
estudos, jogando fora papéis rasgados e amassados. Organizo as pilhas de livro da
faculdade e elimino os post-its cor-de-rosa e roxo presos à parede.
Assim que termino de colocar tudo no lugar, solto um lufada densa de ar e encaro a
mesa limpa como se nunca tivesse sido usada antes. Com as mãos na cintura penso que Effy
estaria extremamente orgulhosa de mim agora.
Não sou muito organizada, mas, desde que comecei a morar com as meninas, meio que
se tornou um hábito manter tudo em ordem. Gravity tem um jeito despojado, mas presa por
sua agenda extremamente organizada e com as tarefas riscadas conforme vai cumprindo
tudo o que planejou. Entretanto, sua organização só vale para compromissos sérios como:
pagar o aluguel e fazer as compras de supermercado. Effy já discutiu com ela duas vezes
por deixar a toalha molhada no chão do banheiro.
Vou para o banho. Deixo a água quente cair nos músculos de meus ombros para relaxar
a região enrijecida pela tensão. Levo menos de cinco minutos para sair do chuveiro e mais
quinze estou vestindo minha saia jeans mostarda com botões pretos, um cropped de
mangas compridas e o decote em V no tom de cor da saia. Coloco meia-calça preta –
tradicional – e circulo pelo apartamento à procura da minha bolsa.
São quase três horas. Tenho certeza de que minha mãe e Nate já voltaram do almoço
nos Lynch e, como combinei de comer com eles hoje à noite, não é nada de mais chegar
algumas horas mais cedo.
Paro com a movimentação quando escuto alguém bater à porta. Detenho o andar
apressado e espero. Mais duas batidas e me dou conta de que não escutei errado.
Nós nunca recebemos visitas em casa. Exceto meus pais e os pais de Effy – que é um
evento inédito de tão esporádico –, ninguém aparece sem avisar e não temos um olho
mágico para checar quem está atrás dela.
Ajeito a bolsa no ombro para quem quer que seja perceber que não estamos aptas para
receber visitas hoje. Assim que abro a porta, dou passos vacilantes para trás e é como se
não estivéssemos nos encontrado ontem.
Bryan está com o cabelo molhado, a jaqueta, por incrível que pareça, dessa vez é um
jeans claro e tem respingos de água mais escuros marcando seus ombros esguios.
Cruzo os braços na frente do corpo, como uma defesa e a camiseta branca com o
diamante cinza da The Reckless estampado chama minha atenção.
A calça jeans que está vestindo é justa e o All Star preto me lembra muito o garoto que
conheci no colégio. Um sorriso satisfeito sombreia seu rosto e incendeia o brilho em seus
olhos.
Ele realmente parece melhor que quatro meses atrás. Dashdown fez bem para Bryan,
não dá para negar que tê-lo visto partir, apesar de ter me quebrado, valeu a pena.
— O que você…
— O importante é que você tá pronta.
— É, pra sair.
— Com o Holder?
Reviro os olhos e pego minhas chaves para trancar a porta. Bryan se afasta para me dar
espaço e ele não para de sorrir. Aquela escuridão que notei em seus olhos ontem
simplesmente desapareceu.
— E isso, por acaso, é da sua conta? — Começo a rir também e, apesar de estar andando,
não estou com pressa porque quero que ele me acompanhe.
— Claro que não. — Coloca as mãos na jaqueta para esperar o elevador.
Eu o estudo sem me importar de ser flagrada. Olho para a ponta de seu All Star até o
último fio úmido de cabelo. Contenho o impulso de estender a mão para ajeitar um fio
rebelde que caiu em sua pestana do olho direito e ele nota, porque desvia o olhar para a
minha mão fechada em punho.
— Pra onde você vai?
— A pergunta é: por que você está aqui?
A porta do elevador se abre e nós dois entramos.
— Pra te ver.
— Você me viu ontem.
— Fiquei com saudade. — O sorriso se estica e balanço a cabeça, em negação. — Você
não apareceu no almoço.
— Daí você resolveu vir ver como eu estava. Muito prestativo.
Como o elevador foi trocado o tempo que levamos para chegar ao térreo diminuiu.
Antes era um percurso sem fim, mas é só dois minutos até que estejamos no saguão.
— Oi, Jimmy — cumprimento o porteiro e abro a porta da frente, com Bryan logo atrás.
— Tchau, Jimmy! — exclamo antes que ela se feche por completo.
— Ei! — Bryan me para ao segurar meu pulso.
Diminuo o passo até parar e estar a poucos centímetros de tocá-lo.
O sol é bem fraco hoje e, apesar disso, é como se minha pele estivesse ardendo.
Comprimo os lábios com força e me obrigo a desviar os olhos de sua boca úmida e
chamativa. Forço a minha atenção para um casal de idosos sentados no banco do parque e,
em seguida, em uma garota em roupa de ginástica correndo pelas redondezas.
É quando Bryan desiste de falar e segura a ponta do meu queixo entre os dedos,
puxando-me para ele.
— Você não comeu.
— Ainda não.
— Vamos comer alguma coisa enquanto a gente conversa?
— Nós conversamos ontem.
Ele fecha os olhos murchando o sorriso. O suspiro longo que deixa escapar faz com que
eu amoleça.
— Tudo bem. — Relaxo os ombros.
Meus olhos passeiam em volta à procura do Dodge Charger de Bryan.
— O Dodge ficou em Dashdown — explica, com um sorriso fraco.
— Por quê?
Sou a primeira a começar a andar pela calçada. Bryan me acompanha.
— Como te disse ontem, não tinha certeza se iria ficar ou não.
— Então?
— Então? — repete, zombeteiro.
— Se decidiu?
— Pensei sobre o que disse. — Bryan olha para a frente. Parece decidido e seu andar é
confiante. Não que nunca tivesse sido, mas tem algo de diferente nele. Alguma coisa mudou
de ontem para hoje e muitas coisas mudaram de quatro meses atrás para agora. Só não
consigo enxergar o quê. — Conversei com os caras e eles concordaram em me ter de volta.
— E o Jeremy? — Sinto meu coração esmagar. Criei uma afeição por aquele garoto.
— O Chase nunca foi um integrante fixo.
Eu o seguro pela manga da jaqueta jeans, obrigando-o a parar de andar. Com a mão
desocupada, aperto seu outro braço.
— Bryan. Esse garoto fez muito pela The Reckless nos últimos quatro meses. Não é justo
vocês o dispensarem agora. — Afundo as unhas com firmeza no tecido de brim. — Jeremy
faz parte da The Reckless.
— O que você tá sugerindo?
— Encaixem ele. — Dou de ombros e volto a andar. — Sei lá, ele é um prodígio. Sabe
tocar mais instrumentos que qualquer um de vocês.
— Não me diga que você tá saindo com o Chase também.
— Não seria diferente do que você fazia antes.
Me dou conta de que estamos em frente ao Veins, o restaurante que Gravity trabalha. Ele
está aberto e serve uma comida mexicana incrível.
Gesticulo para a porta de vidro e Bryan entende. A sineta toca assim que a atravessamos
e o restaurante está bem cheio hoje. É folga da Vity, então quem está como hostess na
bancada da recepção é Summer.
Ela ajeita as madeixas espessas e loiras do cabelo atrás da orelha ao nos ver, ajusta o
decote do busto empinado e se aproxima com uma caderneta. Seu olhar selvagem engole
Bryan à medida com que se aproxima. Pela visão periférica, tenho certeza de que ele notou,
mas desvia o rosto para olhar os quadros ininteligíveis presos na parede do lado.
— Oi, Mack.
— Oi, Summer.
— Mesa para dois?
— Sim, por favor.
— Só um minuto!
Summer some para dentro do salão onde as mesas são distribuídas e Bryan assobia
fingindo que não notou as olhadelas dela. Sufoco uma gargalhada, mas não consigo evitar
os lábios de esticarem.
— Qual a graça?
— Você. Tentando fingir que não ficou interessado nela.
— Não fiquei.
— Ela tem peitos grandes, um cabelo hidratado e um olhar selvagem. Você notou.
— Para a sua informação, estou num encontro!
— Ah, é? Cadê sua companheira? — brinco, esticando-me para olhar para os lados.
Vejo-o pressionar com força estarrecedora os lábios, como se estivesse se controlando
para não perder a cabeça. Por fim, a corrente de ar que esvai de seus lábios é pesada e
acompanhada de um gemido baixo.
Enquanto me distraio com o retorno de Summer e os dois cardápios que me entrega,
Bryan aproveita para entrelaçar nossos dedos e ela rapidamente fita sua mão na minha.
Tento me desvencilhar do emaranhado que nossas mãos estão, mas ele reluta e vence. Só
me resta aceitar que estamos andando pelo restaurante que Vity trabalha e que, inclusive,
já estive com Holder outras vezes.
— Tudo pronto. Por aqui. — Aponta com a cabeça para mais adentro e nós a seguimos.
Nossa mesa fica bem no fundo, uma das últimas disponível. É perto do banheiro e
ladeada por plantas com folhas longas e pesadas.
Sento-me próxima de um dos vasos e Bryan pega a cadeira para se sentar mais perto.
Tanto Summer quanto eu ficamos analisando os movimentos astuciosos de Bryan ao mudar
a cadeira de lugar para ficar mais próximo de mim. Acabo sorrindo, sem que ele perceba.
— Volto daqui a pouco para anotar os pedidos. — Ela deixa os cardápios na mesa e se
volta para outros clientes.
Sobre o tampo dois copos de água foram reservados. Não é um restaurante chique. É
muito comum que durante a semana, no horário de almoço, esteja lotado com alunos da
faculdade. Eles atendem uma variedade de clientes e estão preparados para todos os gostos
peculiares. De frutos do mar à comida mexicana.
— Por que você fez aquilo? — Pego um dos cardápios e coloco na frente do rosto,
bloqueando a visão de Bryan sobre mim.
— Fiz o quê? — Levanto os olhos a tempo de vê-lo abrindo o cardápio e o posicionando
na mesma altura que o meu. — Segurei a sua mão?
— Sim.
— Você perguntou onde estava a minha companhia. Só queria te mostrar que ela está
aqui, bem do meu lado. De onde nunca deveria ter saído.
Baixo o cardápio e cruzo os braços. Inclino o tronco um pouco para frente.
— Bryan, não faz isso.
— Não fazer o quê?
— Tem o Holder. — Sua mandíbula se contrai quando pronuncio o nome dele no ar. Os
ângulos rígidos de seu rosto instalam um azedume em minha língua. Ele está puto, mas não
quer surtar comigo. Até que ponto vai esse autocontrole? — Se você tivesse…
— Não precisa repetir. Eu entendi que, se eu tivesse feito um monte de coisas
diferentes, nós estaríamos juntos, porque você teria me esperado.
— Que bom que entendeu.
— Qual é a de vocês dois? Não são namorados, não estão juntos, mas você é fiel a ele?
Me ajuda a entender essa merda, Mackenzie. Porque estou bem aqui na sua frente me
rastejando.
— Quero te perguntar uma coisa e seja sincero.
— Tá. — Ele dá de ombros.
— Você voltou mesmo ontem?
Bryan leva alguns segundos para responder, o que me desaba. Ele está hesitante, o que
só pode significar uma coisa: não, não foi ontem.
— Há quanto tempo?
Mais silêncio.
— Se você não me responder, eu vou embora.
Ele fecha os olhos e inspira.
— Duas semanas.
Pego a água na mesa e tomo um gole para tentar empurrar essa bola angustiante na
boca do estômago.
— Effy tinha razão e é por isso que ela ainda tá com raiva, porque você voltou há duas
semanas. O que foi agora? Você foi para Dashdown e aprendeu a mentir? Você costumava
dizer que nunca mentiria pra mim. Se lembra?
— Só o Aidan sabia que eu estava de volta — responde, porém mantém os olhos fixos
em outro ponto.
— Olha pra mim.
Se ele está fugindo o olhar dentro dos meus olhos, só pode significar que ainda não me
contou tudo.
— Mathew Hardway me ligou no mês passado. Minha mãe tem um seguro de vida desde
os dezesseis anos. — Bryan ergue os olhos para mim. — Além disso, eu precisava pagar a
hipoteca atrasada ou o banco tiraria a casa de mim. Eu voltei pra resolver isso.
— Você nunca voltou com a intenção de ficar ou me procurar — afirmo num sussurro
cabisbaixo.
Ele não tenta negar, não tenta se explicar, então tenho a certeza de que é verdade. Tomo
mais um gole de água e quero ter forças para me levantar daqui e ir embora. Bryan se sente
culpado, consigo notar pelo modo como seus ombros pendem para a frente e o olhar
animado de antes é substituído por uma dor profunda e que o deixa taciturno, como
estavam na noite passada quando nos encontramos na escada.
Meus olhos estão ardendo com a descoberta e meu coração se partindo em mais
fragmentos do que sou capaz de me abaixar para juntar.
Não queria dar uma chance para Holder para não o machucar, porque, no fundo, sabia
que o meu Bryan viria atrás de mim assim que pusesse os pés em Humperville. O cara por
quem me apaixonei com certeza viria atrás de mim porque ele é obstinado, confiante e
teimoso. Ele cria regras só para quebrá-las e quebraria cada uma delas por minha causa.
Esse homem sentado ao meu lado é um estranho. Não sei o que aconteceu com ele em
Dashdown ou se tudo isso é o que sobrou do luto que o consumiu, mas ele, sem sombra de
dúvidas, não é o Bryan de quatro meses atrás.
— Por que você resolveu aparecer ontem? — A minha voz é um fiapo de angústia e
torço para que não perceba, mas ele nota.
Seus olhos pousam em mim.
— Por que sou um babaca?
— Você resolveu o que precisava resolver?
— Eu vendi a casa. Preciso tirar as coisas de lá para os novos moradores.
— Ótimo. Fico feliz por você. — Puxo a bolsa do encosto da cadeira e a empurro para
trás, pronta para ir embora. — Você não vai nem tentar me explicar o porquê de não ter me
procurado? — Mais silêncio.
Ele aperta as pestanas com força e abaixa a cabeça.
— Porra, desculpa, Mackenzie.
Eu preciso de toda a força do mundo para não desabar na frente dele.
— Você só precisa confiar em mim.
— Me dá um motivo para confiar em você.
Ele esfrega o rosto com as mãos e a pele fica vermelha com a força que coloca no atrito.
Não vou chorar.
Levou um tempo para eu conseguir aceitar certas coisas, não posso regredir e não vou.
— Eu vou ficar. — Joga os ombros com desinteresse. — Vou voltar para Humperville.
— Por que você tá voltando? É por mim? Pela banda? Por você? Por que você tá
voltando de verdade?
— É por você, pela banda e por mim também. — Eu me levanto num rompante não
suportando mais ouvi-lo.
— Você continua não me contando nada. Ontem você disse que não iria desistir de mim,
mas eu sugiro que faça isso. — Eu paro de falar para recuperar o fôlego. — Eu quero que me
deixe em paz, ok?
— Mackenzie.
— Já chega. Eu te esperei, Bryan, por meses. O mínimo que você poderia ter feito por
mim era ter me procurado e contado a verdade, assim que colocou seus pés aqui. Se
encontrou outra garota ou se não pretendia mais voltar. Se a sua vida com seu pai era tão
melhor que a vida que tinha aqui, tudo isso eu aceitaria e entenderia. O que eu não aceito e
não entendo é por que você se trancou para mim, por que você continua mentindo e por
que eu preciso confiar em você quando tudo que recebo são explicações que não fazem o
menor sentido.
— Mackenzie, espera! — ele me chama quando começo a andar para a saída. Meus
passos são duros, altos e decisivos, quase como uma bola demolidora e sou capaz de
destruir qualquer coisa que entre na minha frente agora.
Summer chama por mim e sua voz aguda se mescla à gutural de Bryan.
Passo pela porta num ímpeto e os passos insistentes dele continuam me seguindo.
Nenhuma lágrima escorre. Acho que foram camufladas pela raiva e a mágoa, espero que
sim. Não quero mais chorar por causa dele.
— Eu te conto! — ele berra atrás de mim e eu paro. — Te conto o que você quiser, só…
não me deixe.
Viro nos calcanhares para vê-lo. A respiração irregular conduz a subida frenética de seu
peito.
— Eu nunca te deixei. Sempre estive com você ou, ao menos, o meu coração estava.
— É complicado, Mackenzie. É difícil de entender. Eu estava com medo. — Olhando-o
gesticular e se desesperar enquanto explica faz com que meu corpo perca a energia e não
consigo me mexer. Não saio do lugar, espero que me alcance. Quando Bryan fica nesse
estado raro de vulnerabilidade faz com que eu abaixe todas as minhas defesas. — Sei que
fiz merda, que eu devia ter te procurado, mas sabia que você estava saindo com esse
Holder. O Aidan me contou. Não queria aparecer com incertezas e estragar as coisas. Ia te
procurar quando estivesse pronto para te contar tudo, sobre mim e a minha vida em
Dashdown, sem esconder nada. Eu não resisti ontem e, quando disse a Aidan que iria,
decidimos contar para os caras e eles me convenceram a cantar com eles. Faço o que você
quiser, mas não me pede pra desistir agora que eu decidi ficar.
— Você sempre tem um motivo altruísta, né? — Balanço a cabeça, desacreditada.
Ele sorri.
Não é natural ou porque está feliz. Está sorrindo porque sabe que tenho razão. Todas as
suas desculpas são acompanhadas de um motivo altruísta e acredito nele porque conheço o
coração que habito.
Ele pode ser babaca, cometer erros e voltar atrás. Bryan é humano, tão imaturo quanto
eu e estamos aprendendo a lidar com a vida do nosso modo. Existem dias em que
acertamos nas escolhas e outros que erramos tão feio, que é quase impossível consertar.
Mas ao menos estamos vivendo e tentando.
— Eu te ligo quando estiver pronta para conversar. Agora eu preciso digerir essa nossa
briga.
— E se você nunca estiver pronta?
— Então, talvez eu nunca te ligue.

“Oh, então o que restou além
De um homem quebrado?
Porque nada fere como uma mulher
Eu não posso continuar sem você
Eu não posso continuar sem você, oh sim”
I CAN’T GO ON WITHOUT YOU – KALEO

Fiz merda de novo, ela está com raiva e com razão. Eu evitei por quatro meses olhar
suas redes sociais, procurar por ela. Lutei pra caralho para me segurar, mas fui tentado.
Estava a poucos quilômetros de falar com ela outra vez, a poucos passos de vê-la de perto
outra vez e, puta merda, não resisti. Não resisti porque a droga do qual sou viciado estava a
poucos metros de eu alcançar. Precisava só me esticar, esforçar um pouco mais e pronto.
Seria completamente saciado da abstinência.
Já contava com o tal do Holder Flanagan no caminho, mas fiquei com mais raiva de vê-lo
tão perto dela. Raiva? Não, eu diria que é um descontrole emocional assustador. Ele beijou a
boca dela, tocou-a como se fizesse isso há muito tempo e olhou para mim querendo exibi-la,
como se Mackenzie fosse algum tipo de troféu. Ou foi só Holder marcando território. Esse
cara vai me irritar muito ainda. E ter a certeza disso me deixa preocupado.
Ciúme não é um sentimento bonito, te deixa irritado e te faz pensar coisas horríveis. Te
transforma em uma versão de si mesmo irreconhecível e não gosto nem um pouco disso.
E só estou pensando tudo isso porque é plena segunda-feira, por volta das dezoito
horas, e Mackenzie trouxe Holder para o ensaio da The Reckless. Ela está carregando um
aviso no pescoço de: olha só, ainda não estou disposta a te perdoar ou a escutar o que você
tem para me dizer, então fique longe.
Não vou tentar me justificar, porque não tem desculpas para o que aconteceu. Fui
babaca. Eu tinha que tê-la procurado assim que saí do trem duas semanas atrás. Mas fiquei
trancafiado num quarto de hotel, esperando que Math aparecesse com as papeladas e eu
acabaria voltando para Dashdown como se nunca tivesse saído de lá. Então, por impulso e
um pouco de saudade – se Ashton me escuta dizendo isso, ele zomba de mim –, liguei para o
Aidan. Passei o meu quarto no hotel Crysmell e ele foi até mim.
Fiquei tão chocado em vê-lo depois desse tempo e Aidan também demonstrou surpresa.
Seus olhos arregalados de curiosidade perscrutaram meu corpo, como se eu fosse um
fantasma, e quando nos abraçamos, ele apertou meus bíceps e ombros com tanta força, que
achei que teria dor pela semana toda. Ele notou que meus músculos ficaram mais torneados
e salientes, porque comecei a ajudar o Brooks como mecânico na loja de carros do meu pai.
Brooks tem vinte e dois anos e é o melhor mecânico que Dashdown já viu. O cara é um
filho da puta inteligente, muito habilidoso e sabe cada nome de peça como um dicionário de
carros ambulantes. Meu pai quis “expandir” o negócio e montou uma oficina compilada à
loja. Resumindo: dentro da loja o comprador já pode realizar a primeira fiscalização de
cambagem, motor e todo o resto. Brooks Montgomery cuida dessa parte e o ajudei muito na
oficina, tanto quanto ajudei Emory na administração.
Foram duas pessoas de que me aproximei bastante e, graças a eles, passar pelo
momento de luto, que parecia eterno, fora mais leve. Dois meses trabalhando com a Emory
e o Brooks era como se tivesse colocado minha vida nos trilhos. Ocupei minha mente com a
loja, a oficina e o violão. Todas as noites tocava e cantava músicas que me lembravam a
minha mãe, para a minha irmãzinha, que nascerá daqui três meses.
Porra, foi muito louco.
Pensei que ficaria com raiva da noiva do meu pai e que odiaria a criança na barriga da
minha madrasta, mas eu participei da montagem do berço, a escolha da cor do quarto e até
escolhi o tema do chá de bebê no mês que vem. Fazer parte de tudo e sentir que a noiva do
meu pai queria que eu fizesse parte da vida deles foi uma soma importante nessa equação.
Pela primeira vez, quis estar em Dashdown e senti que fazia parte de algo muito maior que
eu e minha indiferença com meu pai.
Ainda temos problemas, é claro, mas amamos uma pessoa em comum: a pequena
Aurora. Então por causa dessa menininha, que nem chegou a esse mundo ainda, tentei
superar os problemas com meu pai.
Sem contar que a noiva dele é totalmente o oposto do que imaginei. Tudo facilitou a
minha vida, estadia e aceitação em Dashdown. No mês passado, quando Math me ligou
falando sobre a situação a qual me encontrava, meu pai e eu tivemos uma conversa de
“gente grande”. Ele me “aconselhou” a vir para Humperville, se ofereceu para vir junto e
contratar um advogado, mas eu queria resolver tudo sozinho. Sem contar que a futura
esposa dele me apoiou nesse quesito e eu também não queria ter que afastá-lo caso
acontecesse alguma coisa e Aurora precisasse dele.
Sei que pus meus pés aqui e não queria ficar. Queria ir embora. O tempo que passei
longe daqui me fez bem, apesar de ter sentido falta de tudo, principalmente de Mackenzie e
da banda. Bastou uma pequena olhadela nessa garota e as paredes que encobrem a
realidade ruíram. Só isso. Olhei para ela no show na casa de Aidan e pronto. Lá estava eu,
rendido por ela. Perdi todo o foco do que me trouxe aqui, assim como esqueci o motivo pelo
qual eu preciso voltar para Dashdown.
Eu decidi ficar, sei lá, voltar para a banda, talvez fazer faculdade. Curtir o momento.
Quando liguei para o meu pai e contei que queria ficar um pouco mais, ele deu risada e
disse que estava tudo bem e sua noiva e sua filha, que nem nasceu ainda, também
concordavam, eu tive um pouco mais de segurança sobre o assunto. Ainda o acho um
babaca estúpido, mas não posso culpar uma mulher incrível e uma bebê por seus erros do
passado.
Convivi com ele por meses, afinal, precisava buscar um caminho que nos levasse ao
manual prático da boa convivência. Ele respeitou meu espaço e não me obrigou a trabalhar
na loja ou na oficina, simplesmente aconteceu. O que também tornou mais fácil a minha
tentativa de perdoá-lo.
Enfim, estou de volta, mas as merdas não param de acontecer. Estou sentado nos
primeiros degraus da casa de Ashton e escuto o som alto estarrecedor da bateria de Aidan
invadindo as paredes e chegando à superfície. O céu dá seus primeiros indícios da noite e
Math me ligou trocentas vezes na última hora. Tenho certeza de que ele quer saber por que
diabos a casa ainda está com todos os móveis antigos e as roupas da minha mãe continuam
no closet.
Não tive coragem de ir até lá para organizar tudo. Tenho medo de que, quando
atravessar aquela porta, todo o sentimento ruim que levei meses para superar, irá retornar
ao seu lugar de origem, mais forte que antes. Tornei-me um cara que teme a própria dor.
Faço de tudo e luto contra o mundo para não senti-la.
Apesar de não ter transado com ninguém nos últimos meses, acabei beijando outras
garotas e me lembrei o porquê eu dormia tanto com garotas diferentes para atenuar o que
sentia. Tinha me esquecido como era dormir e acordar com uma dor profunda no peito, que
se alastra para os membros do corpo e não termina até que tenha dominado tudo de você.
Sexo era bom porque distraía a minha mente e me colocava de volta num lugar seguro e
distante de senti-la. Mas não consegui trepar com outra garota, então me contentei com
alguns amassos nas minhas saídas com Brooks e Emory. Sempre pensando em Mackenzie.
Minha mente e o meu coração nunca me deixam em paz quando se trata dela.
Na maior parte do tempo, quero saber o que está fazendo e o que está pensando. Se está
feliz ou se ainda sente a minha falta. Já me flagrei várias vezes arrependido de ter
terminado com ela, mas dura poucos minutos porque me lembro de que, naquele mês, nem
conseguia pensar nela dessa maneira. Não conseguia olhar para Mackenzie e desejá-la. Não
conseguia mais amá-la, embora eu tivesse certeza de que ela ainda estava dentro do meu
coração, sendo camuflada pelo sentimento de luto.
Se eu não tivesse ido embora e me dado uma chance com meu pai e a sua nova família,
talvez eu nunca mais voltasse a olhar para Mackenzie como antes e aí, de fato, nós teríamos
acabado. Eu teria nos destruído.
Acendo um cigarro para assistir o sol se pôr e deixo que a nicotina faça seu belo
trabalho dissolvendo as imagens de minutos atrás, quando Mackenzie e Holder chegaram
juntos. Abraçados como um casal de pombinhos apaixonados.
Evito a careta e engulo o ciúme; o que é dolorido demais. Effy também está com raiva e
não conversa comigo. E não é como se eu não tivesse tentado. Mandei mensagens, liguei e
hoje, quando cheguei para o ensaio, ela deu um jeito de escapulir. Arrumou uma desculpa e
foi embora.
Por fim, desisti e vim para fora. A bola de drama lá dentro é intensa demais para que eu
consiga lidar. Preciso ter uma conversa séria com os caras e colocar uma regra sobre
pessoas que não fazem parte dessa equipe. É melhor reduzir o número do público em
nossos ensaios.
Ainda estamos discutindo o que faremos com Chase. Mackenzie tem toda razão. Não
podemos simplesmente descartar o cara depois de tudo que fez. Finn sugeriu que ele
assumisse o teclado, porque seria interessante se tivesse um integrante na banda que
soubesse tocar piano ou teclado. A ideia foi jogada para Chase, mas ele ainda não deu
nenhuma resposta.
Ouço o barulho de motor de carro e o reconheço na hora. Nate está dirigindo a minivan
de Maisie. Ele detém o andar apressado quando nota minha presença. Com um movimento
rápido, apago o cigarro no chão e me levanto às pressas. Coloco as mãos nos bolsos da
jaqueta de couro. Percebo que está carregando uma sacola cheia com latinhas de cerveja e
lasanha congelada.
— E aí — cumprimento-o, recostado ao corrimão da escada.
Nós ficamos estranhos um com o outro quando Nathaniel descobriu que Mackenzie e eu
estávamos saindo antes. Ele nunca aceitaria, porque acha que eu faria qualquer coisa para
feri-la. Isso inclui transar com ela só pelo prazer de dispensá-la. Nunca faria isso com
Mackenzie ou qualquer outra garota, mas essa é a visão que Nate escolheu ter de mim pelo
meu histórico de mulherengo. Nós costumávamos ser bem próximos, mas isso também
mudou.
— Você voltou mesmo então.
— Voltei.
— É bom ter você de volta. — Nate balança a cabeça, a fim de afastar os fios grossos que
caíram sobre os olhos.
— Soube sobre você e a Maeve, se quiser falar…
— Já faz três meses que ela terminou comigo, então relaxa, já passou.
— Você gostava pra caralho dela, Nate.
— Gostava. Mas acabou. — Ele estende as sacolas para mostrar o conteúdo. — Trouxe
umas cervejas, quer uma?
— Beleza. Você ainda não bebe, né? — Nate ri, sacudindo a cabeça enquanto o sigo para
dentro da casa.
— Não. — Assim que entramos, ele começa a colocar as coisas da sacola sobre a mesa.
Rio porque eles não têm muitos anos de diferença um do outro. Se não estiver
enganado, Nate fez dezessete mês passado.
Nate joga uma lata de cerveja para mim e a pego no ar, antes que atinja meu rosto. Ele
pega outra de refrigerante. Nós abrimos no mesmo instante e começo a beber, encostando a
coluna na bancada de tijolos de Ashton. Encubro a mão desocupada no bolso da jaqueta e
bebo o primeiro gole.
— Você se sente melhor? O tempo que passou fora foi útil? — Nate pergunta, mas não
está olhando para mim.
Pega as quatro bandejas de lasanha e as guarda no freezer. Apanho as latinhas de
cerveja e refrigerante e passo para que as guarde também.
— Sim, foi bom.
— Mackenzie sofreu pra caralho por sua causa.
— Eu sei.
— É a segunda vez que acontece, Bryan. — Nate eleva os olhos e eu o conheço bem. Sei
que, se estivesse incomodado com algo, seria direto e diria de uma vez. Internamente, estou
pronto para essa conversa há bastante tempo. — Não vou aceitar que a magoe outra vez.
Ela tá feliz com o Holder. Só deixa ela em paz, tá legal?
Reprimo as palavras ao apertar os lábios e prender a língua entre os dentes da frente.
Nathaniel me encara, espera por uma resposta que não vem, porque estou me controlando
para não o mandar sair do meu caminho e ficar fora disso. São assuntos que Mackenzie e eu
temos que resolver sozinhos.
— Não posso fazer isso — digo e minha voz sai um pouco menos descontrolada que o
previsto. É um tom baixo e rouco, porém contém uma determinação inabalável em minhas
palavras. — Você pode me odiar se quiser, não ligo. Mas estou de volta e muito
determinado.
— Vocês brigaram ontem porque você foi um babaca de novo. E não — ele me detém
estendendo a mão —, ela não me contou nada. Percebi que tinha alguma coisa errada assim
que ela colocou os pés em casa. Já não via aquele olhar perdido e a tristeza na feição dela há
quatro meses. Você mal voltou e já tá bagunçando tudo pra ela.
— Nate, eu vou fazer tudo certo dessa vez. Prometo.
Ele ri, consternado.
— Como você pode fazer uma promessa dessas quando faz só vinte e quatro horas que
você cagou em tudo de novo? Você é especialista em fazer merda. — Nate junta as sacolas
que trouxe e as guarda em uma gaveta do armário, como se fosse sua própria casa. — Eu vi
a garota do vídeo. Mackenzie pode não ter reparado, mas eu reparei. — Todo o meu corpo
se retesa com as palavras de Nate. — Nós conhecemos aquela garota, Bryan. Todos nós. Tão
bem, que seria impossível não reconhecer. Desde quando vocês estão juntos?
— Não estamos juntos — murmuro, virando um último gole da cerveja. — É
complicado. — Limpo a boca com a manga da jaqueta e arremesso a lata vazia para o lixo.
— Foi uma idiotice o Brooks ter postado aquele vídeo.
— Se você não contar pra Mackenzie a verdade, eu conto. Eu ia fazer isso antes, mas, em
nome da nossa amizade, achei que você merecia a chance de contar por si próprio.
— Não tem nada pra contar, Nate.
— Se você se envolveu com ela ou não, eu não sei, mesmo assim, Mackenzie tem o
direito de saber.
A minha mandíbula dói com a força com que trinco os dentes. Não posso culpá-lo. Se
fosse minha irmã, estaria fazendo o mesmo por ela, tentando protegê-la a todo custo.
— Ela nunca entenderia — suspiro, olhando para a ponta dos meus coturnos,
balançando a cabeça em negação.
— Você pode se surpreender. Tá julgando a garota imatura que voltou de Brigthtown,
não está dando a chance para a garota que você deixou quatro meses atrás. Ela
amadureceu. Não gosto de vocês juntos porque acho que já deu no que tinha que dar, mas
não é justo que ela não saiba com quem você esteve nos últimos meses. Eu vi, Bryan, ela
também postou vários vídeos de vocês juntos.
— Se eu contar agora, ela vai me odiar.
— Então você mereceu.
Nathaniel dá de ombros, abre a geladeira, pega outra lata de cerveja e a joga para mim.
— Os caras devem estar esperando você para o ensaio, vamos descer. — Gesticula com
a cabeça, apontando para a porta do porão entreaberta.
Abro a cerveja, bebo a goles curtos me enrolando da tortura que estou prestes a passar
ao ver Mackenzie com Holder. Posso ter sido babaca, mas nunca trairia sua confiança desse
jeito, não depois de tudo que passamos para superarmos isso. Só não posso ser
completamente honesto com ela, porque não estamos falando de um segredo que é meu.

Concentro minha energia, força e determinação no ensaio. Chase trouxe um teclado e


tentamos introduzi-lo, o que deu muito certo e na última música temos certeza de que tê-lo
como parte da The Reckless foi um tiro no escuro que acertamos.
Está sendo como na última vez em que ensaiamos as músicas para o noivado de Darnell
e é como se eu nunca tivesse me afastado da banda. Sempre que canto na The Reckless sinto
que aqui é o meu lugar, a minha casa, o meu lar. É onde eu pertenço e para onde irei voltar
todas as vezes.
Finalizo com Kaleo, canto I Can’t Go On Without You com vivacidade. Sinto a letra
percorrer minhas entranhas e se fundir ao meu sangue, irrompo com a voz pela garagem,
acompanhado por todos os instrumentos melodiosos em sintonia perfeita.
De olhos fechados, contando o tempo e ritmo da música enquanto bato com o pé no
palco de paletes, sentado em um banco alto, agarro-me ao microfone como um bote salva-
vidas. Deixo-me ser inundado pelos sentimentos de cantar algo tão pessoal e vivo cada
palavra dita de maneira intensa. O gutural de minha voz atinge seu tom mais alto, o ápice
de cada nota assola minha garganta, mas não paro.
O suor que escorre pela lateral de minha têmpora é o resultado de um trabalho duro.
Não sei há quanto tempo estamos aqui, mas Holder acabou se cansando e foi embora.
Mackenzie, entretanto, permaneceu sentada no sofá velho de Ashton do porão mexendo em
seu iPad e Nate ao lado, acompanhando o ensaio.
Ele é como o ouvido do público e, quando erramos uma nota, ele pede para repetirmos e
refazermos a música. Às vezes, preciso mudar um acorde do violão ou Ashton precisa
mudar a batida com o contrabaixo. Aidan, às vezes, acaba suavizando a mão pesada nos
pratos da bateria e Chase também dá o seu jeito para que nos adaptemos à melhor versão
da The Reckless. Cantar covers é um começo, mas precisamos deixar nossa marca neles se
quisermos reconhecimento.
A última parte da música faz com que Mackenzie retire a atenção de seu iPad e olhe
exclusivamente para mim. A escolha da música, confesso, fora proposital. Sabia que ela me
enxergaria se cantasse a música certa, que prestaria atenção no que estou sentindo se eu
tivesse a motivação certa.
— I can’t go on without you, I can’t go on without you, oh yeah. — Abro bem os olhos,
miro a garota sentada com um vestido de gola de lapela de fundo azul-marinho, estampado
com folhas vermelhas. A meia-calça arrastão, sua marca registrada, sob o tecido fino do
vestido e as botas de cano baixo e salto alto batem lentamente contra o chão enquanto
canto para ela. — Can’t go on without you. — Imponho fôlego e força na voz, canto alto e
claro, para que ela entenda. — Oh, without you, Oh without, babe.
Quando encerro com a frase “Eu não posso continuar sem você, amor”, Mackenzie prende
o fôlego, arqueando a coluna para a frente. Gostaria que entendesse que não importa o que
viu naquele vídeo ou quantas merdas eu tenha feito nesses últimos meses, meu coração
deseja ardentemente por ela.
— Já são dez horas — Chase anuncia, ao alongar os dedos. Ele também está fazendo
segunda voz, portanto o ensaio de hoje ficou muito melhor que em outros que tive com a
The Reckless. — Preciso voltar pra Handson Wood.
— Cara, você devia se mudar. Tenho um quarto sobrando, se quiser — Ashton oferece,
com um sorriso colorindo o rosto. Eles se aproximaram bastante no tempo em que estive
fora.
— Valeu, Ash. Mas não posso.
— Desconfio que ele tenha uma namorada em Handson — Finn comenta com um riso.
Esse cara está estranhamente falante nos últimos tempos. Queria saber o que rola com ele,
mas duvido muito que contasse qualquer coisa. — Já viu as fotos que ele posta no
Instagram?
— Desde quando você é tão ativo no Instagram, Finn?! — Nate grita do sofá com uma
gargalhada alta.
— Desde sempre, babaca! — grunhe e guarda a guitarra no case.
— Quando você vai apresentar a garota pra gente, Chase? — Aidan indaga, saltando do
banco atrás da bateria.
— Só no sonho de vocês — ele ri e guarda o teclado no case como Finn. Fecha o zíper às
pressas.
— Então é uma namorada? — importuno, com uma risada zombeteira.
— Não — diz simplesmente, fecha o suporte do teclado e o coloca sobre os ombros. —
Tenho que ir, vejo vocês na sexta.
— Ainda tocamos no Purple Ride, às sextas?
— Três sextas do mês. — Aidan dá um sorriso aberto e vitorioso. — Ditei algumas
normas para o meu pai quando ele foi assumir tudo de novo. Esse é o melhor acordo que a
The Reckless tem.
— Aos sábados, no Anarchy — concluo, assentindo.
— Sim, mas não essa semana.
— Por quê? — questionamos em uníssono.
— Terça-feira que vem é meu aniversário. Quero dar uma pool party no sábado.
— Vinte e dois anos, né, cara? Tá ficando velho. — Ashton engancha o braço no pescoço
de Aidan, como se ele não tivesse quase a mesma idade que Aidan. — Bebida de graça.
Festa na piscina. Comida boa das cozinheiras da sua casa. Eu tô super dentro. Não se
esqueça das garotas, precisamos de muitas.
— Willa vai chamar umas amigas da faculdade, relaxa. — Aidan, enfim, consegue se
desvencilhar do braço possessivo de Ashton e, então, começa a encapar os pratos da
bateria. — Nós precisamos de uma festa assim. Já faz tempo que a gente não curte de
verdade.
— É. E todo mundo tá solteiro — Ashton emenda, puxando o grupo todo para um
abraço. — Eu gosto demais dessa ideia de todo mundo estar solteiro, certo, Chase?
— Ah, não enche a porra do meu saco, Ashton! — Ele foge. — Preciso ir agora. — Em
um movimento único, Chase se solta do aperto de Ash e se afasta em direção à saída. — Até
sexta.
Nós nos despedimos de Chase em coro. Mackenzie se levanta com a desculpa de que vai
acompanhar Chase até o carro – como se ele precisasse mesmo de escolta – e desaparece
escada acima instantes depois.
Nate vem para nos ajudar a desmontar e guardar tudo no lugar. Terminamos tarde e
interrompo uma conversa aleatória com Ash, Aidan, Finn e Nate quando meu celular toca
outra vez. É Math de novo. Sei que não posso mais ignorá-lo.
— E aí — atendo e me afasto da rodinha dos caras para escutá-lo.
— Te liguei o dia todo, garoto.
— Desculpa. Estava ensaiando com a banda. Aconteceu alguma cosia?
— Bryan, não se faça de desentendido. Nós precisamos que você tire as coisas da casa. Os
moradores se mudam na próxima sexta.
— Tem certeza de que você não pode fazer isso pra mim?
— São as suas coisas e da sua mãe. Não posso escolher o que jogar fora ou doar. Não
adianta fugir, são responsabilidades suas. — Suspiro, porque sei que Math tem razão. —
Sobre o apartamento que olhamos para você alugar e morar, encontramos um perto da
universidade. Não é no mesmo prédio que Mackenzie, não se preocupe. Mas, se você
concordar, vai morar na rua de trás. Literalmente em frente à universidade.
— Tá, pode ser. Se você diz que é bom, não preciso olhar.
— Não quer levar a garota para ver? — Olho para trás como se alguém pudesse ter
escutado, principalmente Mackenzie, mas ela ainda não voltou.
— Tá. Eu falo com ela.
— Certo. Aquela aplicação da parte do dinheiro do seguro de sua mãe que conversamos,
você precisa vir e assinar alguns documentos, daí estará tudo certo.
— Beleza, passo aí amanhã de manhã.
— Deixei algumas caixas na casa, para você embalar. É bom que comece ainda hoje,
Bryan.
— São quase dez da noite, Math.
— Se não começar hoje, talvez não dê tempo de tirar tudo até sexta. Você está em
Humperville há duas semanas, quem mandou não resolver isso de uma vez por todas? Vá até
lá e escolha o que quer levar para o apartamento, amanhã de manhã peço ao pessoal da
mudança para carregar o caminhão. Cubra os móveis para doação com lençóis brancos que o
pessoal passará para buscá-los à tarde. Certo?
— Tá. Vou ver o que faço.
— Bryan, faça isso. Hoje. Por favor, estou tentando te ajudar.
Math tem feito muito por mim desde que minha mãe faleceu. Sei que está tentando, de
alguma forma, suprir a necessidade que ela tem em minha vida. Pelo modo como me trata e
fala comigo, até se parece mesmo com ela e tenho certeza de que minha mãe deve ter
conversado muito com ele sobre mim. Ele sabe da importância da The Reckless na minha
vida e nunca tentou mudar minha cabeça por conta disso. Ao contrário, Math me incentiva
e, apesar de ter tentado afastá-lo, ligava todos os dias para o telefone na casa do meu pai à
minha procura, para ter certeza de que estou bem. Apesar de ser corretor, Math também se
formou em Direito, dois anos atrás. Descobri que, antes deles se “envolverem”, ele estava
trabalhando para a minha mãe, como advogado. Ela deixou todas as coisas na mão dele.
Enfim, o cara me ajuda bastante e eu espero poder retribuir algum dia.
— Vou fazer. Preciso desligar, falo com você amanhã.
Assim que encerro a ligação e me viro, Mackenzie já está de volta. Está sentada nas
escadas do porão, olhando para mim. Sei que disse que falaria comigo quando estivesse
pronta, mas ela deve saber que sou impaciente.
Rumo para a sua direção e guardo o celular no bolso da calça. Alinho a lapela da jaqueta
de couro, ela empertiga a postura e apoia os cotovelos ossudos sobre as coxas se
preparando para me xingar, talvez.
— Oi — falo primeiro e, de braços cruzados, recosto o corpo na coluna que sustenta o
primeiro andar, ao lado da escada. O armário que nos beijamos ano passado é logo atrás de
mim. — Boas lembranças daquele armário. — Gesticulo com o polegar por cima do ombro.
— Quer reviver?
— Quero — murmura e meu ombro tensiona surpreso. — É brincadeira! — Sacode a
cabeça, gargalhando. Os ombros também se movem depressa. — Mais ou menos.
— Você não tá com raiva?
— É claro que estou com raiva, Bryan. — Suas pestanas se fecham em um olhar felino,
que não consigo decifrar. — Mas meio que tento te entender. — Joga os ombros para cima,
como quem não liga.
Puta merda, se ela soubesse o quanto a amo por ser exatamente assim.
— Você perdeu a sua mãe. Eu sei o quanto ela significava para você.
— Sério? — Minha expressão indignada deve deixá-la irritada, porque arqueia uma das
sobrancelhas e bufa.
— É sério. Mas isso não quer dizer que estou esquecendo o que você fez. Ontem você
disse que me contaria tudo o que eu quisesse saber. — Ela se levanta, raspando a saia de
seu vestido com as mãos para desamassá-lo. — Estou pronta pra te ouvir.
— Agora? — Levanto as sobrancelhas e olho por cima dos ombros.
— Você acabou de cantar I Can’t Go On Without pra mim, Bryan. Se não está disposto a
fazer o que diz nas músicas, não as cante para uma garota.
— Uau! — assobio com um sorriso entorpecido mascarando minha preocupação.
— Mudou de ideia?
— Não. — Entorto os lábios em uma careta. — Claro que não. É só que…
Mackenzie cruza os braços, desconfiada. Merda!
— Eu preciso ir pra casa da minha mãe empacotar as coisas.
Ela morde o lábio inferior, pensativa. Se a conheço bem o bastante, tenho certeza de que
está cogitando alguma ideia e que, provavelmente, vou gostar bastante. Estou tentando
sufocar o sorriso, empurrando-o para bem longe porque não quero ser esses caras que
comemoram antes da vitória. Embora eu já me sinta um filho da mãe sortudo só por ela
estar me dando uma chance de me explicar.
— Quer ajuda?
Meu sorriso se alarga e ela me olha com um ar de: não comemore antes da hora.
— Se você não for sair com seu namoradinho — provoco, dando de ombros e revirando
os olhos.
— Para de implicar com o Holder, Bryan! — Mackenzie caminha em direção ao sofá
para pegar seu iPad e a jaqueta de couro.
Espero que ela volte. Os caras ainda estão terminando de organizar o palco.
— Pessoal, preciso ir.
Por um instante fico refletindo que estou sem o Dodge Charger. Vim até aqui porque
Aidan me deu uma carona.
— Ei, Nate, precisamos ir. — Mackenzie para alguns centímetros de mim.
— O quê? Agora? Não vamos ficar pra comer com eles?
— Não posso. Vou ajudar o Bryan a empacotar as coisas da Vivian — diz naturalmente e
Nate curva a sobrancelha para dentro, desconfiado. Lança um olhar enviesado para mim e
desvio.
— Se quiser, te dou uma carona depois — Aidan oferece para Nate e me olha,
inquisitivo. — Se precisar da nossa ajuda, é só falar.
— Mackenzie e eu damos conta. — Tento mostrar que quero ficar a sós com ela. Pelo
menos, por algumas horas.
— Tá. — Nate pega as chaves da minivan e as lança para Mackenzie. — Diz pra mãe não
surtar e que chego antes da meia-noite.
Mackenzie anui concordando com o irmão.
— Vamos? — Ela roda a argola das chaves no indicador e abro espaço para deixá-la
passar.
Eu notei essa diferença radiante em Mackenzie, como se tivesse deixado de temer dizer
o que pensa. Vejo mais a garota de quatorze anos nela, mas não como uma coisa ruim. O
progresso na personalidade e a maturidade são duas marcas evidentes nas ações e reações
que ela tem. Tenho certeza de que, se fosse em outro tempo, Mackenzie continuaria me
ignorando, mas agora ela quer encontrar um jeito de me entender e, quem sabe, me
perdoar.
É como se só agora estivéssemos prontos para um relacionamento de verdade. É
estranho pensar assim porque eu me sentia pronto para estar com ela quatro meses atrás,
antes de perder a pessoa mais importante da minha vida, mas são sentimentos diferentes.
Quando chegamos ao topo da escada e fecho a porta ao atravessar, meu celular toca.
Mackenzie detém o passo enquanto espera e seguro o aparelho entre os dedos. Vejo o nome
na tela e ignoro a ligação.
Mais duas tentativas e Mackenzie finalmente ri.
— Você não vai atender? Parece ser uma emergência.
— Não é uma emergência. — Meus lábios se esticam e abro a porta para entrar no
carro.
Desligo o celular para não correr o risco de receber novas ligações.
— Certo. — Mackenzie coloca a chave na ignição e se ajusta ao banco. Observo
atentamente todos os passos minuciosos que faz enquanto se arruma.
— Você quer que eu dirija? — Dou uma risada e Mack me olha, repreensiva.
— Não. Eu dou conta. — As mãos pairam no ar sobre a direção e ela suspira.
Liga o carro e leva uns cinco minutos para conseguir tirá-lo de frente da casa do Ashton
e colocá-lo na estradinha estreita da floresta para sairmos.
— Então, enquanto não chegamos, por que você não começa me contando sobre como
foi a sua vida em Dashdown?

“Oh, não fique com medo disso
Não se esqueça que foi real
Você se lembra da maneira que se sentiu?
Você se lembra das coisas que sentiu?”
DO YOU REMEMBER – JERRYD JAMES

Conto a Mackenzie sobre Daily, minha madrasta e Aurora, a bebê que ela carrega na
barriga. Ela se empolga com a ideia de ser uma menina e começa a contar que adoraria ter
tido uma irmãzinha – e reforça que não é que não quisesse Nate, mas que seria legal ter
mais uma garota na família para irritá-lo –, nós mantemos o foco nesse assunto até que
estaciono na garagem de sua casa.
Encontros com Maisie ainda me apavoram, portanto digo a Mackenzie que esperarei
por ela no pórtico da minha casa. Enquanto caminho para lá, sinto a geada de frio que
circunda através da noite e envolve meu corpo. Acabo fechando o zíper da jaqueta de couro
e afundando o pescoço mais para dentro da gola dela. Sento-me no primeiro degrau da
varanda e espero por ela.
A espera não leva muito tempo. Mackenzie retorna com botas Fioratto bege e uma calça
jeans escura, também está vestindo a jaqueta de couro com seu nome atrás e uma blusa
estampada do Bart Simpson por baixo.
Eu me levanto no instante em que seu corpo para à minha frente. Encaro a porta de tela,
a porta branca e a penumbra que serpenteia a casa. Está mais frio que antes e o ar soturno
não é nem um pouco atrativo. Mackenzie suspira ao meu lado e me pega de surpresa ao
atravancar seu braço na curva do meu cotovelo.
— Tá com medo? — Mackenzie perscruta, mas, por fora, sei que minha expressão não é
bem de medo.
— Tá tudo empoeirado. — Desvio para a superfície do parapeito da cerca que ladeia o
pórtico, a película fina de poeira só prova que ninguém esteve nessa casa há meses. —
Minha mãe ficaria puta comigo.
— A gente limpa tudo — garante ela, com um sorriso simplório.
— Não precisa. O novo morador deve fazer isso na quinta.
Dou o primeiro passo adiante.
Apesar de meu coração se contorcer de contragosto por estar de volta, estou satisfeito
que Mackenzie tenha ignorado a sua raiva e dúvida para estar aqui comigo. Acho que não
conseguiria fazer isso sozinho. Não, eu tenho certeza de que não conseguiria entrar nessa
casa sozinho outra vez. É doloroso demais. Eu mal pisei no assoalho superior e já sinto o
perfume da minha mãe através da lembrança. Recordo-me do primeiro dia que viemos para
conhecer a casa e eles me deixaram escolher o quarto. Poderia ter escolhido a suíte
principal e acho que ela teria deixado só para que eu não me sentisse deslocado e sozinho
como em Dashdown.
— Bryan?
— Hum? — murmuro, sem olhar para ela.
— Quer que eu abra?
— Quero.
Com um único movimento, Mack puxa o molho de chaves de dentro do bolso da frente
do meu jeans. E em um ímpeto, abre a porta, como se quisesse retirar esse band-aid de uma
só vez.
A sombra escura que anuvia a casa me faz dar dois passos para trás. Ela fica parada
entre o caixilho e a entrada. Um passo a mais e Mackenzie estará dentro dessa casa outra
vez e, provavelmente, eu também.
— Bryan, vai dar tudo certo. Estou aqui com você. — Estende a mão para mim e observo
as linhas estreitas da palma de sua mão. Elas se entrelaçam e se encontram, quase idênticas
às minhas e percebo que estou me concentrando em outra coisa de propósito, só para não
ter que me render. — Só segura a minha mão, tá? Eu te guio no caminho.
Meneio a cabeça em um movimento refreado. Nossas mãos se entrelaçam e o pico de
energia que corre da ponta do meu dedo da mão até o pé me faz olhá-la. De repente, não
estou mais apavorado por voltar aqui nem com medo de encontrar uma casa vazia, porque,
na verdade, ela nunca estará assim.
Mackenzie me puxa porta adentro e a fecha assim que entramos, sem soltar minha mão.
Pisco várias vezes para me acostumar com a escuridão. Uma pequena luz indica o caminho
e percebo o rastro de nossos pés no chão, marcando os lugares onde há poeira.
Mack vai na frente, guiando-me ao segurar minha mão e com a outra segura o celular
com a lanterna acesa. Não poderia acender a luz nem se quisesse. Mandamos cortá-la há
meses.
— Você se lembra onde sua mãe costumava guardar as velas?
— Em algum lugar nos armários da cozinha.
— Tá, vou encontrar. Fósforos?
— Lá também.
Sua mão se solta da minha e volto a guardar as mãos no bolso da jaqueta. Forço meus
olhos a enxergarem através do escuro, mas não importa quantas vezes pisque e alimente
minha mente com lembranças de como era essa sala ou como Vivian ficava sentada em seu
robe em algum canto do sofá. Tudo se projeta para me defender da dor e, mais uma vez,
sinto que estou encontrando um jeito de fugir da realidade.
Mackenzie volta com um pacote de velas e a lanterna do celular ligada.
— Segura pra mim? — pede, erguendo seu telefone. — Vou colocar algumas aqui na
sala. Se precisarmos ir lá em cima, usamos o celular.
Minutos depois temos velas espalhadas e acesas na maior parte da sala. Três delas
sobre a mesa de centro; duas, uma em cada mesa de apoio, ao lado dos braços dos sofás.
Mackenzie acendeu três no beiral da janela e duas na superfície da lareira. Se tivéssemos
qualquer coisa para queimar lá, seria o ideal. Mas, como faz tempo que ninguém vem para
limpá-la, acabaríamos nos sufocando com a fumaça.
A sala fica com uma iluminação aconchegante e o calor acaba nos aquecendo um pouco.
Comprimo os lábios enquanto esquadrinho os cantos e a minha última lembrança desse
lugar não é boa. Estava sentado no sofá maior quando recebi a ligação de que minha mãe
estava no hospital.
— Você se lembra do que me disse naquele sofá? — Mackenzie aponta para o menor, de
três lugares, e sorri. É como se soubesse para onde minha mente me levou e tenta trazer
uma lembrança diferente. Algo mais bonito. — Era seu aniversário de dezessete e fiz uma
festa surpresa de aniversário que você detestou.
— É. Detestei mesmo.
— Pois é. — Ela cai na gargalhada sem tirar os olhos daquele sofá. — Você me disse:
Está ouvindo como meu coração bate quando estou com você?
— Eu não disse isso.
Mackenzie se vira para mim e gargalha.
— Disse sim. E eu fiquei muito convencida.
— Disso eu me lembro. — Acabo rindo também.
— Você só se lembra do que te convém — Mackenzie desdenha com um dar de ombros
e retira a jaqueta.
Descubro que a blusa do Bart, que está usando, é de mangas compridas e há mais
pequenos Barts Simpsons desenhados por toda a manga longa.
— Naquela época, eu disse que era difícil te deixar para trás. — Mackenzie joga a
jaqueta no sofá e dobra as mangas. Sua cabeça se levanta e os olhos fitam meu corpo
parado. As luzes das velas revelam que sua expressão mudou de descontraída para tensa.
— Ainda é.
Ela umedece os lábios e respira pesado.
— Preciso ter certeza, Bryan.
— Do quê?
— Que nada mudou, que o que você sentia antes de ir embora ainda está aí dentro de
você. Preciso saber o quanto você mudou nesse tempo, porque muita coisa me deixou em
dúvida nos últimos dias. Você, como sempre, consegue me enlouquecer e me deixar confusa
como ninguém.
Demoro para responder de propósito, aperto os lábios para não rir.
— Baby, eu sou seu.
Consigo deixá-la sem reação. O queixo se move, observo sua boca articular, mas
nenhum som sai dela. Abraça o próprio corpo, os dedos pequenos naufragam pelo tecido da
blusa e acaricia os braços enquanto encara os pés.
Gostaria de conseguir decifrá-la, saber que tipo de pensamento vem anuviando sua
mente, o que ela pensou depois da nossa briga e se ainda está puta comigo, como tenho a
sensação de que está, ou se a sua pergunta é um indício de que posso avançar.
— Pensei em nós todos os dias. — Decido que só vou saber se arriscar, então dou um
passo à frente. — Você esteve comigo em cada pensamento e sei que você devia ter sido a
primeira pessoa que eu tinha que procurar quando cheguei à Humperville. Eu errei e
espero que possa me perdoar.
— Você tá se desculpando?
— É, parece que sim. — Com cautela, pego uma mecha de cabelo em seu ombro. Ele está
maior e mais escuro do que há quatro meses. Muita coisa pode mudar, em um curto ou
longo espaço de tempo. — Então?
— Por que você não me procurou? Preciso de uma explicação melhor do que a de
ontem, Bryan.
Suprimo um suspiro.
— Não menti. Eu estava com um puta medo de voltar. Não tem a ver com você ou com o
que nós tínhamos antes. Não tem a ver com “não te amar mais”, porque isso não vai
acontecer. Tudo se trata de mim e como a minha vida deu um giro de cento e oitenta graus
num piscar de olhos. Tem a ver com o fato de eu me sentir emocionalmente confuso e
instável sempre que penso em ter uma vida aqui de novo, sem a minha mãe. Se eu te
procurasse, se te olhasse, tocasse e até mesmo deixasse você me ver, seria a porra de uma
ilusão. Eu poderia acabar ferrando tudo e indo embora outra vez, te machucando outra vez,
te dando falsas esperanças porque não tinha certeza de nada. Não tenho certeza de nada —
reformulo, sacudindo a cabeça. — Tô voltando, mas sem ter certeza de que essa é a decisão
certa.
— Motivos altruístas — Mackenzie cantarola e suspira. — Tem mais alguma coisa
extraordinária que eu deveria saber sobre sua nova vida em Dashdown?
Contraio os lábios enquanto penso. Estudo os ângulos duros em seu rosto, a expectativa
se alastrando por ele e arquejando a sobrancelha para a fenda entre os olhos. É o seu jeito
de me suplicar para não esconder nada dela. Não importa o quão ruim seja, Mackenzie quer
que eu diga tudo sobre meu pai, sua noiva, a bebê e o que mais vier depois disso.
— Meu pai vai se casar até o final do ano. — Afasto, contrariado, a mão de seu cabelo e
me sento. — Eles farão uma cerimônia simples ou coisa do tipo. Só amigos e família. Daily
não quer nada muito grande. — Rolo os olhos me lembrando das conversas que ela teve
com a mãe. Mackenzie relaxa os ombros e se senta de frente para mim, com as pernas
encolhidas. Apoia a coluna no sofá e me esqueço de que estamos na minha casa antiga.
— Como ela é? Sua madrasta? — Seu corpo pende para a frente, encara-me afetuosa e
os olhos grandes brilham com uma curiosidade ultrajada.
— Legal.
— Só legal?
— É — gargalho e Mack também. Nossas risadas se mesclam no ar. — O pai dela já
morreu tem algum tempo, por isso a mãe dela mora com eles. E, hum, não tem muito pra
falar da Daily. Ela meio que é isso. Mãe, noiva, filha…
— Ela parece ser uma boa mulher.
— Meu pai tá feliz. Ele é uma pessoa diferente por causa dela. Antes pensava que ele e
minha mãe tinham um bom casamento. Considerava que tinham um bom relacionamento e
um casamento feliz, mas, quando o vejo com Daily, é diferente.
— Talvez você tenha criado a ideia de que eram felizes só porque ainda viviam juntos.
Infelizmente, a convivência e boa aparência não significam nada. É só um jeito de fazer
parecer para os filhos e o resto do mundo que tudo é perfeito, quando, na verdade, está
muito longe de ser sequer bom.
— Acho que você tem razão.
— Quer dizer que você e seu pai se entenderam?
— Perder a minha mãe me trouxe para a realidade. Eu ainda tinha o meu pai, mas não
conseguia olhar para ele e vê-lo assim. Mas ele está aqui e vivo e eu não tinha tempo a
perder com rancor. Não com ele. Ainda temos diferenças e eu ainda odeio oitenta por cento
de tudo que ele faz, mas tô tentando superar também.
— No fim, a melhor coisa que você poderia ter feito por si mesmo era ir embora.
— Agora eu te entendo.
Mackenzie empertiga a postura, encara-me curiosa.
— Como assim?
— Eu te julguei por ter deixado tudo pra trás. Achei que você tinha que enfrentar o que
aconteceu de frente, que fugir nunca seria a solução para o problema, porque não importa
quanto tempo passe, se não o enfrentar, ele vai continuar existindo. Você voltou e
encontrou o seu problema. — Rio, balançando a cabeça. — Eu. E eu voltei e ainda me
deparei com o meu problema. — Rastreio a sala na penumbra com os olhos. — A ausência
da minha mãe. Não importa o tempo que eu fique fora, ela não vai voltar.
— Mas você se curou.
— Ainda dói.
Ela arrasta a bunda no chão até estar a dez centímetros de mim. Busca a minha mão
com a sua e entrelaça nossos dedos.
— O importante é que você sorri, ainda se diverte e consegue ser leve.
Levanta a mão direita e toca minha bochecha. Acaricia as maçãs saltadas com o polegar
e seu tronco cai mais alguns centímetros para a frente. Sua boca quase toca a minha, ela
para a poucos milímetros de acontecer. Minhas íris estudam seu lábio inchado e imagino
como seria beijá-la depois desse tempo.
— O que importa é que você encontrou um caminho para voltar. Não ligo que tenha
agido de um jeito egoísta, contanto que esteja de volta, eu estou feliz. — O hálito de
Mackenzie é um ardor de menta.
O calor toca a ponta do meu nariz e me acende por completo.
Passo a mão em sua cintura e a puxo para mais perto. O som gutural que deixa escapar
de sua garganta pode ser confundido facilmente com um gemido de prazer. Coloco-a
sentada em meu colo e prendo as madeixas grossas de cabelo atrás de suas orelhas.
Suas mãos espalmam em meu rosto e sorrio para ela.
— Nós não tínhamos que empacotar suas coisas? — Mackenzie ri, soprando contra meu
rosto.
— Você tá sentada no meu pau, não tô pensando em mais nada.
Ela franze o nariz em reprovação, mas acaba rindo.
— Você só pensa nisso?
— E eu poderia pensar em outra coisa?
— Sei lá. Nós nem nos beijamos ainda.
— Hum, eu meio que tô pensando no Holder.
— Tipo agora? — Descansa os cotovelos em meus ombros. E resvala o nariz no meu.
— Não exatamente agora. Não que eu me importe com ele, mas te conheço. — Eu sei os
pontos onde tocar para deixá-la arrepiada e o pescoço de Mackenzie é um ponto sensível.
Soterro os dedos ali e acaricio a cervical com a ponta devagar. Sua nuca pende poucos
centímetros para trás. — Você se sentiria péssima se… — fecho a mão em volta de seus fios
de cabelo, em um rabo de cavalo, e puxo sua cabeça para trás suavemente — eu fizesse isso,
sabendo que está com o tal Holder.
— Nós não estamos juntos — confessa ao arfar.
Deixo um beijo molhado em sua garganta. Mackenzie arqueja o ar exasperada.
— Ele me pediu em namoro.
Paro o que estou fazendo e suavizo o aperto em seus fios até que meus dedos se soltem.
— Como é que é?
— Holder olhou no fundo dos meus olhos e disse: você quer namorar comigo?
É a brecha necessária para que Mackenzie se afaste e caia sentada ao meu lado.
— Eu amo você, Bryan. Com todo o meu coração. — Seus olhos agora miram minha
expressão de reprovação. O ciúme está entalado na minha garganta, porque tenho a
sensação de que depois de com todo o meu coração, tem um mas e mas nunca é bom. — Mas
eu não posso machucá-lo.
— Fala pra ele que você quer ficar comigo.
— Não vou fazer isso com ele depois de tudo.
— Seja mais clara, Mackenzie, porque, sinceramente, não tô conseguindo entender que
porra você está me dizendo.
— Estou te dizendo que quero resolver as coisas com Holder. Não é muito difícil de
compreender, Bryan.
Fecho as mãos em punho e não consigo acreditar no que está me dizendo. Aperto os
lábios e os transformo em uma linha tênue rígida, esbranquiçada. Para mim parece tão fácil
e óbvio. E não consigo entender o porquê dela não ver o que eu vejo. Só pode significar que
gosta dele, de um jeito ou de outro e estamos disputando um espaço no coração dela. Algo
que eu não quero.
— Vamos começar a empacotar. — Decido colocar um ponto final no assunto.
Abro o zíper da jaqueta de couro e a jogo no sofá. Mackenzie fecha os olhos, posso sentir
que está incomodada, mas duvido que irá dizer qualquer coisa para tentar melhorar a
nossa situação.
— As caixas devem estar lá em cima — sugere e se levanta. Eu faço o mesmo. — Vou
buscar.
— Tá. Vou começar pela cozinha.
Não olho para ela enquanto caminho para a cozinha com uma vela na mão. Juro que
quero entendê-la, mas não consigo.

Mackenzie e eu embalamos muitas coisas nas duas horas seguintes. Estar puto e
concentrado me faz ser mais ágil quanto às coisas que vou doar e o que vou levar para o
meu apartamento novo. Distinguimos as caixas escrevendo o nome das partes: cozinha,
quarto, sala.
É quase uma da manhã quando terminamos. Não falamos mais sobre nós ou Holder.
Nossa conversa é delimitada a assuntos que se referem a “Onde devo colocar essa colher de
sopa? E o jogo de jantar de porcelana?”.
Confesso que, quando encontro uma desculpa plausível para sua relutância em ficarmos
juntos, outra coisa vem e me faz perceber que não existe nenhuma.
O que ela quer dizer com “Quero resolver as coisas com Holder?”. Que porra isso
significa? A única resposta coerente a qual consigo chegar é que Mackenzie quer ficar
conosco, mas não sou do tipo que curte dividir. Não é o meu estilo ficar disputando espaço
no coração dela. Ou estamos juntos, ou estamos sozinhos; e, nesse caso, acho que estamos
sozinhos.
Passo fita para lacrar a última caixa do quarto da minha mãe. Tudo que é dela, decido
que não quero ficar. Todas as suas coisas irão para a doação e parte dos móveis também
foram cobertos por lençóis brancos, como Math havia me instruído. A única coisa dessa
casa que pretendo levar para o meu apartamento é a minha cama. O resto será doado.
Descemos as escadas e minha barriga está roncando de fome. Quero ir para o hotel,
comer alguma coisa e dormir. Mackenzie também está com as pestanas pesadas e o cansaço
se evidencia conforme descemos as escadas com as últimas caixas para deixá-las no hall.
Minha mãe era maníaca por limpeza, então agradeço muito a ela por isso. Facilitou
muito nosso trabalho de separar o útil do inútil.
Empilho minha caixa e pego a de Mackenzie para fazer o mesmo. Paro com as mãos na
cintura para apreciar o trabalho e as caixas de diversos tamanhos amparadas umas sobre
as outras, em pilhas de meio metro cada.
Rumo para o sofá coberto com o lençol, pego a jaqueta de couro e a visto em um
movimento rápido. Acendo a lanterna do celular e apago todas as velas que estão na sala.
Mackenzie apaga as duas que estão em sua mão e sigo o facho de luz do celular rumo a
porta.
Quando chegamos estava frio. O ar gélido e cortante. Com a madrugada no início,
piorou. Afugento as mãos nos bolsos da jaqueta depois de trancar a porta e Mackenzie faz o
mesmo.
— Para onde você vai? — pergunta, mas ainda não estou olhando para ela.
Estudo a rua vasta e escura, cobertas por um manto de luz branca que não ilumina
quase nada da Eastville.
— Estou ficando num hotel. Crysmell.
— Vamos dividir o Uber então. Fica no caminho.
Afirmo com a cabeça. Desligo a lanterna do celular e abro o aplicativo. Quero perguntar
o porquê não fica em sua mãe hoje, mas engulo a dúvida e fico quieto.
Cinco minutos depois, nosso carro chega. Abro a porta de trás e Mackenzie entra.
Cumprimenta o motorista e me sento distante. Há uma fenda enorme entre nós dois, mas
estou bravo demais para me importar. Só aviso ao motorista para pararmos primeiro no
prédio de Mackenzie.
O motorista estaciona na entrada do prédio e Mackenzie leva muito mais tempo para
sair do carro que o esperado. O homem atrás do volante está enviando olhares inquisitivos
e impaciente através retrovisor. Pela primeira vez, desde que entramos no carro, eu a
encaro.
Os olhos fixos estão na porta de vidro da entrada, com um aviso para tocar o interfone e
solicitar a entrada para o porteiro. Outro olhar repreensivo do motorista e nada dela sair.
— Não temos a noite toda, garota! — o homem resmunga e faço uma nota mental para
diminuir minha avaliação quando chegar ao hotel.
— Espera — murmuro para ele com o mesmo tom de impaciência.
Salto do carro e dou a volta para abrir a porta. Mackenzie me encara assim que o faço e
nossos olhares se encontram. Poderia dizer que vi desapontamento nos seus, mas o que
vejo é medo. Eles brilham como se todo o temor tivesse se concentrado neles. Ofereço
minha mão como uma ajuda para sair do carro, mas ela se encolhe em recusa. Suas pernas,
que estavam prontas para sair, assumem a posição anterior; os joelhos batendo um no
outro, encolhidas no banco de trás.
— Quero ficar com você — sussurra, mas sem olhar para mim.
Quero ter certeza de que não escutei errado porque é totalmente contraditório à nossa
conversa de horas atrás. Mackenzie nota que ainda estou petrificado no passeio, do lado de
fora, e o nosso motorista ainda mais impaciente.
— As horas que passamos juntos não foram suficientes. Quero passar mais um tempo
com você.
Anuo, concordando com ela, mas ainda estou confuso. Retorno para o meu lugar no
carro e digo ao motorista que podemos ir para o hotel. Não tenho certeza de que é uma boa
ideia. Uma palavra errada, um desencontro, poderia desencadear uma nova reação em
cadeia.
Seguimos o resto do caminho em silêncio. Pago pelo carro e o motorista sai apressado,
bufando como um resmungão. Deixo minha nota no aplicativo e sigo para o hotel entre as
portas giratórias.
Espero por Mack no saguão, é extremo de tão alto que o teto chega a ser e o lustre, que
pende sobre nossas cabeças, é imponente, com cristais em forma de diamante. O piso de
linóleo é quadriculado, intercalado em cores de branco e preto.
Ela segue encolhida atrás de mim, com os braços cruzados e me direciono para o
elevador. O andar é o décimo terceiro e leva muito mais tempo que o normal para
chegarmos. Assim que as portas de metal se abrem, sigo pisando duro para a porta de
madeira moderna e passo o cartão na fechadura.
Abro a porta e Mackenzie entra primeiro. Sua primeira reação é dar uma boa olhada no
quarto. Não é um hotel simples, qualquer um sabe disso. Mas meu pai insistiu em pagar
pelos dias em que ficarei hospedado, até encontrar um lugar para morar. Ele sabe que, nem
se eu não estivesse disposto a vender a casa, ficaria nela.
Mackenzie olha para a porta à esquerda, onde fica a suíte; e à direita, a sala com a tevê.
Todo o chão é acarpetado por um tom de bege claro e, antes mesmo de entrar no quarto,
ela retira as botas.
Deixo a jaqueta no sofá da entrada e tiro os sapatos também. Sigo para o quarto, atrás
dela.
— Você não entendeu o que eu disse antes — diz, emburrada e cruza os braços.
Fico confuso no começo, mas percebo do que está falando e começo a compreender o
motivo de ter vindo comigo.
— Eu entendi.
— Não, você não entendeu. Eu te pedi um tempo para resolver as coisas com o Holder e
você ficou bravo comigo!
Esfrego o rosto e enredo os dedos nos fios de cabelo, desalinhando-os por completo.
Bufo enquanto caminho para o banheiro ao lado. Empurro a porta com mais força que o
esperado e a mesma bate na parede, ovacionando um som oco alto que a faz se encolher na
cama.
— Viu? Você tá furioso!
— Não tô furioso. — Rolo os olhos para meu reflexo no espelho.
Seguro a camisa pela bainha e a puxo através da cabeça. Jogo-a no amontoado de roupas
que preciso levar à lavanderia e tiro as meias. Lavo o rosto com água e o seco com a toalha
pendurada no suporte. Volto para o quarto e encontro Mackenzie de pé, com os braços
cruzados, e balanceando entre transferir o peso do corpo de uma perna para outra. O bico
em seus lábios só mostra que consegui deixá-la irritada. Mas foda-se, também estou.
Passo por ela, como se não estivesse ali, e vou até ao telefone. Estou morrendo de fome.
Ligo para o serviço de quarto e peço duas porções de macarrão com queijo, refrigerante
e bolo de chocolate para a sobremesa. Não pergunto se está com fome antes, mas levando
em consideração que estivemos empacotando roupas, utensílios de cozinha e bugigangas
por horas, deve estar tão faminta quanto eu.
— Vai falar comigo? — Mackenzie entra na minha frente, bloqueando a passagem.
Até parece que cresci alguns centímetros nos últimos quatro meses, porque me sinto
mais alto a olhando assim. Seus olhos estão confusos, não sabem se olham para os gomos
do meu abdômen ou se eles se mantêm teimosos em meu rosto.
— Por que você veio? Por que tá aqui?
— Eu não quero que a gente fique assim. — Mackenzie aponta de mim para ela. — Você
ficou meses fora, não quero que fiquemos brigando, Bryan. Só estou te pedindo paciência e,
com paciência, quero dizer pra você não ficar emburrado comigo enquanto não consigo me
resolver com o Holder!
— Tem certeza de que você não tá assim por que gosta dele?
Mackenzie aperta os lábios.
— Não seria nenhum crime se eu gostasse.
— Não, não seria. Mas não vou ficar agindo como se isso não me incomodasse, porque
me incomoda. Não quero ver vocês juntos.
Ela entorta os lábios para o lado, mas no fundo, no fundo, sei que está controlando uma
risada.
— Você fica comigo ou com ele. Os dois não dá.
Contorno seu corpo fazendo um desvio para ir à sala.
— Você voltou há três dias e já está me colocando em posição de escolha?
— Voltei há duas semanas, mas pense como quiser.
— Para mim, foi há três dias.
— Tá, que seja. — Jogo-me no sofá e pego o controle da tevê.
— Bryan — Mackenzie chama, o som é um resmungo revestido com meu nome. — Pare,
por favor.
— Não estou fazendo nada.
— Tá sim. Você não está me escutando.
Coloco o som da tevê no mudo e me viro para vê-la. Está parada, de pé, atrás do encosto
do sofá onde estou sentado. Dobro a perna e a puxo para cima, giro o tronco para conseguir
enxergá-la direito de onde estou. Sua postura é autoritária, com braços cruzados e uma
testa em sulcos intensos de vinco. Pouso os braços no topo do encosto e espero.
— Tá, estou te escutando.
— Primeiro, você precisa entender que não posso ficar com você ainda.
— E eu te disse que não ia desistir, mas você também não facilita. De verdade,
Mackenzie, você quer que eu insista em você?
Ela fica quieta. Aceito seu silêncio, porque ontem nossa briga foi feia num nível onde ela
disse veementemente que esperava que eu desistisse. Mas não acredito mais nela. Não
depois de hoje e de tudo que dissemos um para o outro.
— Se você não terminar com ele, não podemos ficar juntos e não vou cair nesse
triângulo amoroso com você.
Consigo definir Mackenzie só de olhar para ela. Eu sinto seu pesar, a sua dúvida.
Percebo como está apavorada entre trocar o certo pelo duvidoso. No meu ponto de vista é
um assunto fácil de resolver. Se estivesse com qualquer outra pessoa nesse momento, eu
escolheria Mackenzie, mas ela está confusa e não sabe se quer ficar comigo. Talvez o vídeo
com a ex de Brooks tenha feito com que aqueles sentimentos de insegurança que tinha a
meu respeito retornassem. Eu sou o único culpado por isso. Nunca devia ter deixado o
Montgomery mexer no meu celular. Não estou a culpando por se sentir insegura, mas não
sei o que posso fazer para provar para ela que o que aconteceu, que aquela garota0 não
significa nada para mim ou que, apesar de ter estado em dúvida semanas antes, estou muito
determinado em ficar em Humperville a partir de agora.
— Só preciso de um tempo.
— Então leve o tempo que precisar — finalizo e solto o som da tevê para continuar
assistindo.
Mackenzie se junta a mim, mas não trocamos nenhuma palavra. Nosso jantar chega e
comemos assistindo ao Comedy Central. Invadidos pelo som da tevê, corroendo por dentro
com o barulho de todos os nossos sentimentos.

Na manhã seguinte, Mackenzie e eu ainda estamos em um clima estranho, mas ela


acabou adormecendo no hotel comigo. Não dormimos “juntos” de verdade. Acabei
colocando-a na cama e fiquei com o sofá, é por isso que estou com uma puta dor no
pescoço. Ele parecia mais confortável do que realmente é. Nós dividimos o Uber de novo.
Ela fica no apartamento para se arrumar antes da primeira aula na faculdade e eu vou para
o escritório de Mathew.
— A gente se vê — digo antes que feche a porta e Mackenzie concorda.
Nossa briga de ontem, assim como a de domingo, foi um enigma não desvendado. É
óbvio que ela está magoada comigo e é óbvio que eu pensei que conseguiríamos retomar de
onde paramos, se ela não tivesse descoberto que menti quanto ao meu retorno. Então é um
avanço médio para um regresso de alto nível.
Indico o endereço para o motorista e cruzamos quase Humperville inteira para chegar
ao escritório de Math. Ele já está me esperando, a carranca imutável exala mau humor e
tento sorrir para amenizar a situação.
— Sente-se. — Ele indica a cadeira à frente.
Mathew Hardway é dono de uma corretora, com um diploma em três profissões e atua
em quase todas elas quando necessário. O cara é um prodígio, orgulho da família e
excelente profissional. E, desde que minha mãe morreu, sinto que está tentando fazer um
papel com maior relevância na minha vida. Resumindo: ele quer facilitar as coisas para
mim e me dar sermão para que eu não saia da linha. O cigarro é uma das coisas que ele
repudia e tenta a todo custo tirar de mim.
— Eu cuidei para que o restante do dinheiro do seguro de sua mãe fosse para a sua
poupança. Gaste com consciência, Bryan. — Ele coloca uma pilha de papéis na minha frente
e indica as linhas onde devo assinar. — Sua mãe organizou grande parte da sua vida e
talvez não precise se preocupar com seu financeiro por muitos anos, mas não significa que
não precise trabalhar — continua e vira uma folha de papel, onde aponta mais uma vez o
lugar onde devo colocar meu nome. — O restante da quantia apliquei em ações. Vou
controlar isso para você também.
— Tá.
— Seu pai me ligou.
— O que ele queria? — Não tiro a atenção das folhas enquanto assino. Se meu pai ligou
para o Math, significa que algo o preocupa.
— Não sei. Algo como seu tio Ryan estar te procurando. Algum problema que eu deva
saber?
Paro com a caneta sobre uma das linhas do papel. A letra B do meu nome ficou torta e
ilegível na última folha.
— Nada. Eu ligo pra ele.
— Sabe que pode contar comigo, não é? Sua mãe…
— Mathew, eu conheço esse discurso. — Solto a caneta com mais força que o
necessário. Empurro os papéis de volta para ele. — Mas não se preocupe. Meu tio deve
estar preocupado, só isso.
— Não me lembro dele no enterro da sua mãe.
— Ao menos, ele não é hipócrita como o restante dessa cidade.
Com impulso dos pés, empurro a cadeira para trás e me levanto.
— A escritura da casa e todo o resto tá certo para os novos moradores?
— Sim, tudo certo. — Math junta os papéis entre as mãos e os coloca em uma nova
pilha. — Mandei sua cama para o seu apartamento novo. Aqui está o contrato e as chaves.
— Não posso agora. Acho que vou fazer uma visita ao meu tio. Liga pro Brooks, e passa
o endereço para ele.
— Farei isso. — Ele se levanta também e fecha o primeiro botão do blazer. — Garoto, se
precisar de qualquer coisa, você me procura.
— Valeu, Math!
Viro às pressas e pego o telefone no bolso para ligar para Ryan. É uma questão prática
de sobrevivência. Estar perto de Ryan e Math me traz a segurança de que preciso.

“Me assusta, o nosso beijo ser melhor agora
Só me ajuda, e não me peça pra não ir embora
Você diz que igual a nós não tem, e me assusta
Me assusta”
TE ASSUSTA – MANU GAVASSI

Passo parte da manhã inteira tentando me concentrar nas aulas de Sociologia, mas
acabo com uma página do Word vazia. Effy nota e me conhece o bastante para saber que
Holder e Bryan estão afetando meu rendimento na aula.
Às treze horas finalizamos nossa última aula e foco em conversar com Effy sobre o
trabalho na Font News. Angel com certeza vai nos encher mais uma vez por não termos
conseguido preencher nosso cronograma do mês com uma entrevista esclarecedora com
Darnell. A ideia de entrevistar a The Reckless, para ela, foi péssima. A banda ainda não é tão
“famosa” a ponto de o site da revista querer se interessar, mesmo assim, para “cobrir” o que
falta, no fim ela concordou. Além disso, a The Reckless não está envolvida em nenhum
assunto de jornalismo investigativo. Seria como publicar uma matéria sobre fofocas em um
site sério de informação ao público.
O prédio de cinco andares da revista fica a poucos minutos da universidade. Effy e eu
fazemos uma pequena parada no café para pegarmos uma bebida doce como macchiato
com xarope de caramelo.
Atravessamos as portas giratórias do prédio e nos deparamos com Peter e Gina,
responsáveis por cuidarem da recepção. Nós os cumprimentamos e usamos o crachá para
atravessarmos a roleta que bloqueia a passagem para os elevadores.
Trabalhamos no terceiro andar, no setor de gestão das mídias sociais e onde a mágica
do Jornalismo & Investigação acontece. Effy e eu temos uma mesa conjunta e é muito
divertido poder trabalhar com uma de suas melhores amigas. Tudo tem graça e vira piada,
até as reportagens mais bizarras, como a de um suposto cachorro da raça basset hound ser
um suspeito em potencial de roubar os pães de uma venda em Humperville.
Nesse andar trabalham em torno de dez pessoas; contando Effy e eu. As mesas são
divididas por uma película de acrílico, assim podemos ver nossos colegas através dos
cubículos. Nossa mesa é uma das últimas e está quase sempre desorganizada – a culpa é
minha e Effy surta muito por causa disso.
Afasto alguns papéis e deixo o café sobre um apoio de copo. Effy faz o mesmo e,
instantes depois, estamos sentadas atrás da mesa com nossos notebooks abertos. Fazemos
grande parte do trabalho prático; atualizar o site, responder os comentários de alguns
leitores da coluna, ficar de olho na concorrência e nas notícias preocupantes da cidade.
Angeline Larson tem o jornalismo correndo nas veias. Não sei exatamente o que faz seu
coração pulsar: a notícia ou a necessidade de provar o quanto Humperville sucumbiu na
corrupção. Não importa o tamanho do problema, ela vai dar a cara a tapa, ou melhor, vai
nos colocar no caminho certo para fazer isso.
O que aconteceu com Darnell no ano passado e comigo em seguida são casos que
Angeline gostaria muito de solucionar. Ela não é uma policial, mas adoraria que a polícia
reconhecesse que, por trás de uma revista de notícias, existe uma pessoa determinada a
fazer justiça.
Começo respondendo alguns comentários de leitores do site e Effy atualiza com a
primeira notícia de hoje. Uma atualização sobre a universidade, já que os acessos no site,
em oitenta por cento, são de calouros e veteranos da HU. Está rolando uma peça teatral de
O Fantasma da Ópera, ministrada por um dos alunos de Artes Cênicas e um pouco sobre a
obsessão dos alunos de Moda para conseguir o curso de verão de Amélie Fay em Paris –
para o qual Gravity vem dando sua vida.
— Você vai me contar o que rolou? — Effy mantém os olhos vidrados na tela de seu
notebook.
Arrasto a cadeira para alcançar a bancada atrás de nós e pegar uma caneta. Anoto na
agenda que a peça de teatro irá acontecer no dia dezesseis de maio e prego o post-it na
borda de meu notebook.
— O quê? — Também mantenho a concentração na tela do notebook, onde estou
alterando a publicação sobre O Fantasma da Ópera de “a fazer” para “feito”. Angel irá
receber uma notificação de que a publicação foi feita no site.
— Não se faz de sonsa. — Effy bebe um gole do café e volta a digitar. — Você não
dormiu em casa e não falou muito o dia todo.
— Nossa! — O tom forjado de surpresa faz com que Effy pare de digitar e arraste sua
cadeira para mais perto de mim. Faço uma nota mental de pedir para Angel uma mesa
separada para nós.
— Desembucha!
— Você tinha razão. — Giro na cadeira para ficar de frente para ela. — Bryan voltou há
mais tempo do que contou pra gente. E estou com raiva, quer dizer, estava com raiva.
Entendi os motivos dele, é só que… dói perceber que eu deveria ser a primeira pessoa para
quem ele deveria ligar e fui a última que soube.
— Nós fomos.
— É diferente.
— Vocês namoravam, essa é a diferença. Enfim, já estou quase o perdoando por isso.
Você devia fazer o mesmo.
— É sério? — Quase rio.
— É sério. Não sou boa em guardar rancor, você sabe.
— É, se tem alguém que não sabe guardar rancor, esse alguém é você.
— Sim, mas não conversei com ele ainda. Meio que estou esperando o momento certo.
— E o momento certo seria?
— Quando vocês dois — ela gesticula com o indicador e o anelar apontados para mim
— já tiverem se resolvido. Não quero fazer parte dessa montanha-russa de vocês.
— Uau!
— Não tem nada de uau. Fiquem juntos logo para facilitar a vida de todo mundo. Apesar
da chateação, a gente sabe que você vai acabar perdoando-o e vice-versa.
— Preciso falar com Holder primeiro.
— Holder sabe que vai levar um pé na bunda.
— É por isso que vamos sair na sexta. Porque quero poder esclarecer tudo. — Effy está
usando um brinco laranja de argolas e, sempre que mexe a cabeça, os brincos a
acompanham fazendo barulho. — Eu amo o Bryan. O tempo que ele passou fora não mudou
como me sinto.
— Holder também sabe disso.
— O quê? Holder sabe de tudo agora mesmo sem eu ter contado? — questiono num tom
condescendente.
— Bom, ele não sabe quando, mas em algum momento vocês vão acabar terminando
esse relacionamento, que nem é um relacionamento. Ou você estará tão envolvida com o
Bryan, que vai acabar traindo os próprios princípios. É melhor acabar com isso de uma vez.
— Você tem toda razão! — Fisgo o lábio inferior, pensativa. — Mas, ao mesmo tempo,
não quero magoá-lo.
— Alguém sempre se magoa. Se não for você é o outro.
Abro a boca para respondê-la, mas sou obrigada a engolir as palavras garganta abaixo.
Angeline está atravessando o corredor entre nossas mesas e olhando de maneira evasiva
para cada um de seus funcionários. Ela é uma mulher de trinta e poucos anos, magra e com
um metro e sessenta de altura, porém amedronta qualquer um. Porque, em comparação
com todos os outros envolvidos nos tabloides, Angel é a mais nova e bem-sucedida entre
todos.
Hoje, ela está vestindo uma blusa de manguinhas e cetim com brilho – Gravity iria
adorar o look de Angel hoje – uma saia lápis preta e justa, que desce acompanhando a
saliência das coxas e a curva do quadril. Os saltos altos vermelhos a deixam mais alta, com
quase um metro e setenta e seu cabelo está com um penteado atípico: um coque despojado.
Diria que não se levantou para se arrumar hoje, mas devido à sombra marrom, o delineado
preto e o batom vermelho vivo, Angel está em um dia daqueles para deixar seus
funcionários com uma puta vontade de ser tão rico, estiloso e disposto quanto ela.
Ela para em frente ao nosso cubículo e nos encara atrás da parede transparente do
acrílico. Dá a volta, até encontrar a entrada e uma vez respirando na mesma bolha
atmosférica que Effy e eu, sinto que estamos encrencadas e nem sei por quê.
— Consegui convencer o Darnell a dar uma entrevista.
— Como? — Effy indaga e olho para ela. É impossível que Angel tenha conseguido.
— Ah. Aprendi que, se eu quero algo bem feito, preciso cuidar disso eu mesma.
Angeline não é sempre arrogante e prepotente, na maioria das vezes ela é formidável
com todos. Exceto, é claro, quando quer nos dar uma bronca.
— Mas ele não quer ser entrevistado por alguém conhecido. Então, eu mesma farei isso.
Te mandarei a entrevista por escrito no fim de semana. Quero que esteja em todos os
tabloides segunda de manhã. Darnell Lynch conta tudo à coluna de Jornalismo &
Investigação da Font News sobre o tiro que levou na Humperville University. — Angel raspa
as mãos no ar, ilustrando um quadro imaginário. — O filho dele, Aidan, me ligou esta
manhã. O garoto está empolgado para dar uma entrevista também.
— O Aidan vai dar uma entrevista? — pergunto e não tento disfarçar o espanto.
— Ele parece furioso pela polícia ter fechado o caso. Vamos aproveitar esse momento
de vulnerabilidade da família para tirarmos tudo o que puder. A queda de Thomas
Linderman e a polícia de Humperville será tão linda, que não tenho nem roupa para esse
evento.
Angel se levanta com as mãos em forma de oração na frente do peito. Ela tem o sorriso
de quem conquistou um território importante e será difícil tirá-la dessa posição.
— Ah, mais uma coisa. — Ela para a poucos centímetros antes de cruzar a abertura do
cubículo. — É importante reforçar que Dannya e ele vão se casar no final de julho.
Darnell só teria concordado em conceder entrevista ao Font News se Dannya tivesse se
envolvido.
— Por quê? — Effy inquire, com uma das sobrancelhas ruivas estendida.
— Darnell quer que as pessoas da cidade parem de pensar que ela teria qualquer
motivo para atirar nele. Será interessante, já que Aidan acredita no contrário. Teremos a
manchete do século!
Com uma última olhadela no cubículo, intercalando entre mim e Effy, Angel sai.
Volto a atenção para a minha amiga, que parece tão chocada quanto eu. Porém, a
conclusão é mais que óbvia: Darnell só concordou em conceder a entrevista porque tem um
apelo inserido nas entrelinhas. Ele quer que as pessoas e com “pessoas” significa a própria
família, parem de achar que Dannya teria qualquer envolvimento com o que houve no ano
passado. Não importa que outras autoridades acabem envolvidas, como o prefeito, se para
isso ele puder amenizar a situação para a noiva.

No final do expediente, ligo para Aidan várias vezes, que não atende. A ligação fora
vezes o suficiente para a caixa postal, para que eu considere desistir de falar com ele. Por
ora, é o que decido.
Assim que desligo e volto para me encontrar com Effy no saguão do prédio, recebo
várias fotos de Gravity e seus desenhos de uma coleção exclusiva para Amélie. Sorrio para a
tela. O forte de Vity são modelos de gala, vestidos longos e com detalhes incompreendidos.
Apesar de fazerem parte das exigências de Amélie Fay para o curso no verão, não é tudo
que minha amiga precisa desenhar e costurar. Além dos vestidos elegantes e a
peculiaridade de cada modelo, a estilista quer algo inovador com uma coleção de verão.
Sugeri a Vity que apostasse em biquínis e maiô, mas ela refutou: Amélie não é da Califórnia,
é da França!
Lançar uma nova tendência não é fácil, mas acredito no potencial de Gravity.
Effy não está no saguão como combinamos, na verdade está plantada do lado de fora,
ajeitando as mechas de cabelo que se soltaram do rabo de cavalo ruivo. Detenho o andar
quando vejo Bryan e suas mãos soterradas nos bolsos do jeans surrado – como sempre – e
conversando com ela. Parece mais uma conversa particular e tensa. Nenhum dos dois sorri,
apenas falam e gesticulam. Effy contrai os ombros e Bryan joga a cabeça para trás,
suspirando. Queria poder ser alguém capaz de fazer intervenções pacíficas e que apazigua
conflitos quando acontecem, mas eu sou o próprio modelo de tempestade.
Se eu me envolver, posso acabar estragando mais ainda. Não consigo compreender a
razão da briga; mais cedo, Effy me garantiu que estava quase o perdoando pelo que
aconteceu.
Sento-me no sofá verde-musgo da recepção, onde um quadro acima de minha cabeça foi
pintado por um artista que aposta em desenhos abstratos. Talvez seja um cavalo com um
corpo de cubos galopando no deserto verde, mas pode ser um golfinho nadando. É difícil
dizer. Mexo no celular para distrair e, em uma última olhada para o lado de fora, Effy acaba
se recostando à parede frágil de vidro do prédio e Bryan continua falando.
Suponho que sejam as mesmas explicações que ele me deu, mas Effy acaba o
empurrando pelo ombro para sair de perto e eu me levanto imediatamente. Minha amiga
não é agressiva, ela não surtaria com ele por nada. Decido que minha intervenção, apesar
de não ser muito útil em momentos de conflito, é necessária.
Despeço-me de Peter e Gina, saio pela porta giratória e Effy está com os olhos cobertos
por uma camada cristalina de lágrimas. Mudo o foco para Bryan, que também parece
chateado.
— Vocês querem que eu volte lá pra dentro? — Aponto com o polegar por cima do
ombro. Tenho certeza de que Bryan sabia que estagiava com Effy na Font News, nem por
isso ele deixa de parecer surpreso ao me ver.
— Não. Já terminamos — Effy explica, limpando a marca roxa de olheiras abaixo dos
olhos. — Vou indo na frente. A gente se vê, Bryan. — Ela acena e começa a caminhar, de
braços cruzados.
— O que você falou pra ela? — inquiro e Bryan não desvia os olhos de Effy.
— Nada de mais. Só contei a verdade.
— Ela parecia bem com a ideia de você não ter ligado depois que voltou. Alguma coisa
você falou.
— Eu sempre falo alguma merda. — Finalmente ele se vira para mim e me encara. — É
bom que a gente se encontrou. Queria falar com você.
— Se for sobre o Holder, eu não…
— Não é sobre ele.
— Não estou com raiva por ontem.
— Não é sobre ontem também. — Bryan coça a nuca e chuta o chão, suspirando.
— O que é então? — Cruzo o braço e o espero falar.
Bryan desbloqueia a tela do celular e confere a tela por dois ou três segundos.
— Tá disposta a sair comigo?
Jogo os ombros para cima com desdém.
— Não tenho nenhum plano extraordinário pra hoje.
— Ótimo. Meu carro tá ali. — Com o indicador, aponta para o outro lado da rua.
— Você não deixou o Dodge em Dashdown? — Eu o sigo até o outro lado quando vejo o
modelo preto familiar.
— Chegou hoje. Meu pai pediu que trouxessem.
Rumo para a porta do passageiro e entro. Bryan faz o mesmo, sentando-se atrás do
volante.
Nós não conversamos muito no caminho e não pergunto para onde estamos indo. Bryan
faz muitas curvas e dá tantas voltas, que começo a me perguntar se ele só não está
encontrando um jeito de me enrolar. Dou uma última olhada para ele. Seu queixo quadrado
e o maxilar rijo apontam a tensão. Finalmente, ele faz uma última curva à esquerda e
entramos em uma viela, onde vejo uma placa de neon pendurada em um estabelecimento
com tijolos expostos nas paredes.
— É uma pizzaria — conta, dando uma risada. — Você precisa ver a sua cara. O que
estava passando nessa sua cabeça?
— Sei lá. Você tá estranho. Por que viemos a uma pizzaria do outro lado da cidade? —
Posso sentir o cheiro de queijo, orégano e pepperoni de onde estamos.
— É a pizzaria favorita do Aidan. — Ele estende a mão para mim e hesito antes de pegá-
la. O aperto é tão intenso e forte, transmite um calor familiar que faz meu estômago saltar.
Caminhamos pela calçada, em direção à pizzaria. Dou-me conta de que Bryan e eu
fizemos isso por três meses, como um casal, antes da tragédia acontecer e ele ser forçado a
ir embora. Estar com ele, de mãos dadas, faz-me lembrar o quanto sinto que estarmos
juntos é o certo. Encosto a cabeça em seu braço e ele diminui o ritmo. Ele beija o topo de
minha cabeça e sinto o calor de sua respiração tocar meu couro cabeludo.
Subimos um lance de escadas da entrada, pois é uma casa com uma fundação alta e a
porta de madeira é tão antiga quanto o próprio lugar. A sineta soa pelo ambiente assim que
atravessamos e me deparo com os integrantes da banda sentados em uma mesa. Estão
rindo de alguma coisa que Ashton fala e, como sempre, está sendo provocativo jogando um
sachê de ketchup em Chase, que joga em Finn e a brincadeira para ali. Para a minha
surpresa, Effy e Gravity também estão juntas e Bryan abre um sorriso amigável para mim,
como se dissesse: “Ops, foi mal!”.
— Pensei que tivessem brigado!
— Brigamos. Mas Ashton tinha convidado a Gravity, então a Gravity convidou a Effy.
— E o que é isso tudo?
— Eu me dei conta de que não tínhamos saído como antigamente para comemorar o
meu retorno e queria que vocês conhecessem o Brooks.
— Brooks?
— É. — Ele dá uma risada nasal contida. — Ele quem trouxe meu carro.
Dou uma olhada na mesa, mais uma vez, e agora estou procurando por um rosto
desconhecido. Enfim o vejo.
Brooks se adapta aos nossos amigos, como se já se conhecessem há anos. Ele gargalha
de uma piada de Ashton e provoca Finn e Jeremy também. Aidan e ele estão sentados perto
um do outro e os vejo se dando muito bem.
Brooks usa uma jaqueta jeans clara, com a lapela estofada com pelinhos.
Aparentemente, ele é muito mais alto que todos nós, porque, apesar de estar sentado, sua
cabeça ainda é a mais alta. Ele tem cabelos pretos e uma pele pálida, consigo notar cada
pontinho marrom das pintas espalhadas pela lateral de seu pescoço e mandíbula. Os
cabelos estão penteados para o alto e faz um comentário que faz com que Effy gargalhe.
Nem parece que vinte minutos atrás estava à beira do choro.
Bryan me puxa, despertando-me do devaneio e me guia para a mesa comprida onde eles
estão. Os pratos já foram dispostos e muitos deles estão bebendo cerveja. Se não estou
enganada, legalmente, da banda, os únicos que ainda não têm idade suficiente para ingerir
álcool são Jeremy e Bryan – embora falte só alguns meses para isso mudar –, os outros
estão bebendo cerveja. Incluindo Gravity. Effy tem uma lata de Coca-Cola na frente.
— Mackenzieeeeeeee! — Ashton grita e balanço a cabeça por perceber que ele já bebeu
mais cervejas que o esperado. — A mandona Mackenzie. — Ele levanta uma garrafa de
cerveja para mim e apoia os cotovelos na mesa. — É sério, essa garota, ela colocou a banda
pra frente quando o Bryan se mandou! Fez de tudo pra manter a gente unido! Não sei se
teríamos aguentado sem ela! Você é foda!
Sinto o olhar de Bryan sobre mim. Não preciso nem me virar para ter certeza.
— Por que eu sinto que você tá me olhando com essa cara de chocado?
— Porque eu estou — ele confirma. Na base de meu rosto, sinto seu dedo roçar meu
maxilar. — Você fez isso mesmo?
— Claro que eu fiz. Nós cuidamos uns dos outros aqui porque sabíamos o que todos nós
significávamos pra você. Todos sabemos a importância que temos na sua vida, Bryan.
— Obrigado, linda.
Eu me viro para ele.
— Nada de Passarinho?
— Eu acho que te amo mais ainda — confessa ignorando minha pergunta e minhas
pernas tremem. Olho para as pessoas à mesa, só para ter certeza de que ninguém nos
escutou. — Juro por tudo que é mais sagrado que estou tentando me controlar, deixando
você resolver seu lance com Holder, mas…
— Ei, seu safado, se afasta dela! — A voz não é conhecida como a dos outros e, quando
viro minha atenção para a frente, vejo Brooks com o gargalo da cerveja no lábio inferior. —
Parece até que nunca viu uma garota.
— Cale a boca, Brooks!
— Você passou quatro meses falando da Mackenzie, quero conhecer a garota. — Ele
gesticula, chamando-nos com a mão. Brooks não deve ser muito mais velho que os outros.
Tem duas cadeiras vagas entre Effy e Finn. Bryan e eu nos sentamos nela. — Esse fodido
falava dela o dia inteiro. Era um pé no saco! Mackenzie, Mackenzie, Mackenzie…
— Brooks! — Bryan revira os olhos e Ashton oferece a ele uma cerveja, que aceita. Peço
uma Coca para mim também e Gravity, que está do outro lado, sentada entre Brooks e
Ashton, ri para mim. — Você já tá falando merda. Quantas cervejas bebeu?
— Sei lá. O Ashton é bom companheiro. Bebi a quantidade que ele bebeu.
Bryan gargalha enquanto deixa o gole intenso da cerveja escorrer por sua goela. O
garçom me traz uma Coca e bebo um gole.
— Quando a Mackenzie voltou para Humperville, nós achamos que o Bryan iria fazer
qualquer burrada de tanta raiva que ele tinha da garota, mas aí a gente se deu conta de que
a única burrada que ele faria era se apaixonar por ela de novo — Ashton escarnece,
bebendo mais e mais.
— Mackenzie, é um prazer finalmente te conhecer. — Brooks tem uma barba rala
contornando o rosto. Ele a coça assim que desocupa uma das mãos, largando a long neck na
mesa. — Esse cara — aponta Bryan com o indicador — falou de você por dias e dias e dias a
fio. Deu um puta de um trabalho pra arrancá-lo de casa. Emory e eu lutamos duro pra
conseguir.
— Não estava com clima pra festa.
— É, você tinha acabado de perder a sua mãe. Foi barra. Lembro quando perdi a minha.
— O olhar de Brooks escurece. — Uma parte de você simplesmente morre quando isso
acontece. Não dá para explicar o sentimento, mas você cria a consciência de que o vazio que
fica nunca poderá ser preenchido. Por nada nem por ninguém.
Olho para Bryan e não posso entender esse sentimento como ambos, mas o olhar de
Brooks é exatamente o mesmo que vi em Bryan quando nos vimos pela primeira vez na
mansão Lynch. Embora tente disfarçar, agir como se nada tivesse mudado, o olhar nebuloso
que Bryan deixou transparecer naquele dia me mostrou que, apesar de não parecer, esse
buraco no qual Brooks se refere, é real em Bryan. E precisamos amá-lo, acima de tudo,
porque esse é o tipo de vazio que nada é capaz de preencher.
— O que você faz da vida, Mackenzie?
— Hum, estudo jornalismo. Faço estágio na Font News. E é só.
— Legal. Eu trabalho na oficina do Casey e nas horas vagas dava atenção pra minha
namorada. — Ele bebe um gole da cerveja e me dou conta de que Brooks está afogando as
mágoas. Bryan disse que eles terminaram há um mês, ainda deve ser difícil para ele.
— Cara, você tem uma namorada? — Ashton pergunta.
— Tinha. Ela terminou comigo no mês passado.
— Nem me lembra. Eu passei horas limpando seu vômito. — Bryan enrijece ao meu
lado, como se quisesse que Brooks parasse de falar.
— Por que vocês terminaram? — Effy quer saber; apoiando os antebraços na mesa,
inclina-se para a frente.
— Ah, ela queria muito curtir a faculdade sem um namorado de vinte e três anos, que
não tem um futuro.
— Você não é sem futuro. Você é um mecânico — Gravity observa, bebendo cerveja. —
É bem escroto da parte dela ter terminado com você por isso.
— Ela não terminou por esse motivo — Bryan entra na defensiva e o encaro. —
Terminou porque não queria que namorassem a distância. — Então compreendo o motivo
de defendê-la. Foi a mesma justificativa que usou para terminar comigo.
— Tanto faz, é a mesma coisa. Eu poderia me mudar com ela.
— Você deixaria seu pai e todo o resto? — Bryan esbraveja.
— Eu deixaria tudo por ela.
Noto Gravity balançando a cabeça em negação e Effy faz o mesmo. Ashton faz uma
piada, zombando e Jeremy, apesar de calado, está prestando atenção em tudo que Brooks
diz. Finnick não se concentra muito neles, acredito que está sempre pensando na mãe e em
formas de salvá-la do próprio vício. E Aidan entende Bryan e Brooks como ninguém,
porque também perdeu a sua. Estou sentada em uma mesa com homens e mulheres com
traumas diferentes, em busca de superação e amadurecimento. E encontram forças nas
amizades que fizeram através dessa dor.

Bryan estaciona o carro na vaga do meu apartamento. Effy e Gravity sobem primeiro e
fico alguns minutos sentada com ele no banco do passageiro.
Brooks voltou para Dashdown, deixamos-o na estação de trem minutos antes de virmos
embora. Ficamos preocupados de mandá-lo para casa desse jeito; Ashton e Aidan até
ofereceram um lugar para ele ficar essa noite, mas Brooks não quis. Disse que, quanto mais
tempo ficava em Humperville, mais difícil seria seu retorno para Dashdown. Ele não disse
diretamente, mas desconfio que sua ex-namorado está morando na cidade e que Bryan
sabe disso. Mas decido não entrar nesse assunto, afinal, não é problema de nenhum de nós
dois. Só Brooks e a garota podem resolver.
Holder está me ligando há bastante tempo e estou o colocando na caixa postal, só para
não ter que dizer a ele que saí com o pessoal sem convidá-lo. E quanto mais adio o nosso
fim, mais acredito que vou furar meus princípios por causa de Bryan.
Bryan está sentado aqui do lado, com um cheiro de perfume masculino maravilhoso e
trajando a sua jaqueta de couro, que me faz querer tirá-la a todo custo. Não importa
quantas vezes ordene aos meus instintos libidinosos para calarem a boca, eles sempre dão
um jeito de me provocar.
Ele está mais bonito que antes. Mais adulto, maduro e com uma aparência de tirar o
fôlego. Balanço a cabeça em negativa, inclino-me para ligar o som e escutar qualquer coisa
que cale meus pensamentos. Passei a noite toda pensando em como seria quebrar esse
maldito gelo. Como ele reagiria se o puxasse para os fundos da pizzaria e o fizesse colocar a
mão dentro da minha calça.
A música Chlorine, de Twenty One Pilots, é a primeira na playlist de Bryan. Ainda me
surpreendo com nossos gostos parecido para músicas. Ele acompanha o ritmo do som
batucando com os dedos no volante. O cheiro de cerveja se unindo ao perfume masculino,
que emana dele, me inebria.
— Sppin’ on straight chlorine, let the vibes slides over me. This beat is a chemical. When I
leave, don’t save my seat, I’ll be back when it’s all complete. — A voz rouca cantada de Bryan
entoa em nosso meio, acompanha a música e batuca com os dedos no volante e move a
cabeça a cada palavra que emerge.
Espero a música chegar no refrão para repetir com ele:
— Sppin’ on straight chlorine, let the vibes slides over me. This beat is a chemical. When I
leave, don’t save my seat, I’ll be back when it’s all complete.
Repetimos em coro, a música é a energia que faltava para complementar a noite e me
lembro do dia em que cantamos no karaokê, quando descobri que nos encaixávamos
perfeitamente. É a mesma sensação agora, enquanto balanço o corpo de um lado para o
outro e solto a voz como se estivéssemos de volta àquele dia.
Meus pulmões se comprimem, pedindo por ar, mas não paro. Bryan espalma as mãos no
volante, acompanha o ritmo das batidas da música e sinto o raio de calor percorrer minha
espinha, anestesiada com a sensação de me divertir com ele. Por mais que seja uma
diversão diferente do que as definições seriam capazes de explicar.
Erro uma nota e acabo desafinando, Bryan ri, balança a cabeça dizendo que isso não faz
a menor diferença. Ele aponta o indicador para mim e canto uma parte sozinha:
— Fall out of formation, I plan my scape from walls they confined. Rebel red carnation,
grows while I decay. I’m runnin’ for my life. — Bato palmas e movo o quadril, Bryan gargalha
e nossas risadas se unem no ar. Aponto para ele, para que cante o refrão mais uma vez.
— Sppin’ on straight chlorine, let the vibes slides over me. This beat is a chemical. When I
leave, don’t save my seat, I’ll be back when it’s all complete. The moment is medical, moment is
medical. Sppin’ on straight chlorine!
Nós cantamos a música inteira juntos. Damos risadas em momentos que acabo
desafinando e Bryan esquecendo a letra, inventando uma nova para se casar com uma
parte determinada da música. Quando terminamos, estamos rindo tanto, que é impossível
repor o ar aos pulmões. A essa altura, já soltei o cinto de segurança, estou com os pés
descalços e as pernas dobradas sob o corpo.
— Senti falta de me divertir assim com você — confessa e retira a jaqueta. Seu rosto
está vermelho e suado.
— Eu senti sua falta em tudo — disparo, o que faz com que olhe para mim.
A música seguinte é It’s You, de Ali Gatie. Eu me lembro de ter escutado essa música pela
primeira vez com Bryan no carro.
Bryan cantarola, mas sua voz não sai e eu permaneço com a atenção nessa música.
— Não li as músicas que escreveu pra mim — revelo, mordendo o lábio inferior. Bryan
para de murmurar a música, mas não se vira para mim. — Não consegui. Eu sei que você
queria que eu soubesse como se sente a meu respeito, mas quero ouvir de você.
Ele pigarreia e suspira.
— Escrevi uma que se chama With You e ela diz algo como: Meu coração está onde
deveria estar, com você, baby. Com você, baby.
Engulo o nó na garganta.
— Não importava o tamanho da minha decepção, eu nunca consegui colocar pra fora.
Sempre que tentei escrever sobre você com raiva, saía mais como uma declaração de amor.
— O que isso significa?
— Significa que não importa quantas merdas eu ou você faça, ainda vou pensar em você
com amor e gratidão. — Ele faz uma pausa e se vira para me encarar. — Você sempre será a
minha sintonia perfeita, Mackenzie.
Abro um sorriso, satisfeito.
— Eu só preciso saber uma coisa.
Assinto, para que continue.
— O seu coração, onde ele está?
— Onde deveria estar, com você.
Bryan estende a mão para me tocar e não me esquivo. Seu polegar afunda em minha
carne, permito meu corpo a matar a saudade sem me sentir culpada. Ele acaricia minha
bochecha, que pega fogo sob o toque mais inocente possível e o polegar desliza, rumo a
minha boca. A ponta de seu dedo circunda o contorno ávido de meus lábios e os entreabro.
Sinto o calor que emana dele e a necessidade absurda do meu coração gritando por ele.
Em ímpeto, levanto-me. Bryan não tem tempo para se preparar para meu corpo se
chocando contra o seu. Ele me ajusta em seu colo para que eu fique confortável e ambas as
mãos vão de encontro ao meu pescoço, acariciando minha nuca arrepiada. Bryan resvala os
lábios com delicadeza sobre os meus, devagar, como se estivesse testando se tem ou não
permissão para me beijar. Eu deixo. Permito que sua língua aveludada e quente ultrapasse
a linha segura e penetre minha boca. Afundo a minha em sua boca e meu corpo responde,
arquejando e um gemido escapa por minha garganta. Um misto de saudade e prazer nos
envolve através do toque íntimo.
Nosso primeiro beijo depois de todo esse tempo é lento e calmo. Não tem exaspero,
apesar da urgência estar evidente. Seus braços me cercam na cintura e abraço seu pescoço
o puxando para mais perto. Meu perfume se funde ao seu, o sabor de sua boca se mescla a
minha e quatro meses depois, estamos juntos de novo.
Dessa vez, não vou deixá-lo ir. Nem que a minha vida dependa disso.

“Você me fez dizer
Uh na na na na na
Não consigo tirar meus olhos de você
Na na na na na
Me fez agir como uma boba
Na na na na na
Oh baby baby, você me deixa louca por você
Eu fico louca”
NA NA NA – NOW UNITED

Os braços de Bryan entorno de mim são como uma proteção. Poderia acordar e dormir
desse jeito todos os dias, não reclamaria. Sua respiração lenta sopra contra meu cabelo e
devolvo o abraço, cercando a parte de cima do seu abdômen com meu braço. Aninho a
cabeça entre a mandíbula e o pescoço, de olhos fechados. Inspiro seu cheiro viril e deslizo o
indicador pelos gomos definidos do tanquinho. O movimento lânguido de seu umbigo até
seu mamilo o faz se contorcer sob o toque e repito, esperando a mesma reação.
O banco de trás do Dodge é apertado e quase não conseguimos fazer com que nossos
corpos coubessem no espaço pequeno. Apesar de silencioso e a respiração terna, nenhum
de nós dormiu. Amassos no banco de trás do carro: devíamos ter feito antes. Mas não
chegamos a transar de verdade. Seria injusto com Holder e decido que tenho que falar com
ele amanhã. Não dá para esperar até sexta, as coisas entre mim e Bryan estão ficando
intensas e num próximo encontro, tenho certeza de que não tentaremos mais nos controlar.
Sinto-me mal por Holder, mas me lembro do que Gravity e Effy disseram. Não estamos
em um relacionamento. Fui transparente quanto aos meus sentimentos em relação a Bryan,
embora tenha demorado demais para contar a Holder sobre ele. Meu erro foi deixar que
nossa história se estendesse, acreditando que nunca mais veria Bryan outra vez. Agora
parece óbvio que voltaríamos a nos encontrar. Contudo, não me sinto nem um pouquinho
culpada de ter saído com Holder.
— O que está pensando? Sua boca tá fazendo aquilo — Bryan brinca, prendendo meu
lábio inferior em uma pinça entre os dedos.
Estou vestindo só meu sutiã de renda e a calça jeans. Sua mão também acaricia a pele
nua da minha barriga e intercala com beijos castos no topo da minha cabeça.
— Aquilo o quê? — rio, pendendo a cabeça para trás para flagrar seus olhos em mim.
— Ele fica se contorcendo quando algo te incomoda.
— Só estou pensando que não me arrependo de nada.
— Nem eu.
Bryan se abaixa para capturar meus lábios. Eu retribuo o beijo e acaricio os fios de
cabelo em sua nuca. Nossas línguas entram em confronto por predominância. Mordo seu
lábio inferior, sugando-o e o puxando. Ele geme contra minha boca, soprando o ar com
rigidez.
— Melhor você subir. — Bryan me afasta para se sentar. — Não aguento mais nem um
segundo ficar aqui sem poder fazer nada — finaliza a frase com um sorriso e joga a blusa
para que eu me vista.
Gargalho e começo a passar a blusa pela cabeça. Ele veste a camiseta e a jaqueta de
couro.
— Você pode me beijar — desafio, puxo o cabelo preso na gola da blusa e a desço pela
bainha. — Pode me tocar. — Insinuo, ajustando as mechas de cabelo.
Bryan para de se vestir para me olhar, estuda cada movimento que faço com as mãos
com apreensão. Umedece os lábios e noto como o brilho em seus olhos mudou de afetuoso
para selvagem. Provocá-lo é um passatempo delicioso, porque sei que Bryan tem um
autocontrole ínfimo comparado ao meu. Com a palavra certa, posso estourar qualquer
bolha que o refreie. Embora não seja exatamente o que quero, fico tendo miragens dele
cedendo completamente aos próprios anseios.
— Estou me controlando por você, linda. — Bryan se arrasta no banco até estar perto
de mim outra vez, mergulha as mãos com os dedos calejados em meu pescoço e enrosca a
língua na minha outra vez.
— Você tem razão, preciso ir — murmuro, rindo contra ele e me inclino entre os bancos
dianteiros para pegar meus sapatos.
Bryan ri, mas não contesta. Termina de se vestir e calçar os coturnos.
Sou a primeira a sair do carro, ele vem logo em seguida. Procura por minha mão no
caminho e seguimos rindo em direção ao elevador.
— O que vai fazer amanhã? — pergunta enquanto esperamos pelo elevador.
— Nada. — Dou de ombros. — Na verdade, amanhã à noite vou jantar com meu pai. —
Estou com a língua presa no céu da boca, quase irrompendo com a pergunta se ele não
gostaria de ir.
Sei que minha mãe tem algum tipo de repúdio se tratando de Bryan, mas meu pai é
compreensível e se compadeceu muito com a morte de Vivian – não que minha mãe não
tivesse sofrido, as duas eram próximas –, mas o fato dele ter perdido a mãe não mudou a
simpatia que minha mãe tem por ele. Resumindo: é mínima.
— Hum... A gente se vê na quinta, então? — Faço um movimento positivo com a cabeça.
— Um encontro?
— Encontro?
— A gente já teve um?
— Se no seu aniversário considerarmos que foi um encontro…
— Aquele encontro foi o melhor de todos. — Bryan enlaça minha cintura e me puxa
para perto. Meu peito se choca com o seu. — Eu me lembro de cada detalhe.
— Você já teve algum outro encontro na sua vida?
— Não, mas, em minha defesa, o nosso é o único que me importa.
— Uma vez, você me disse que não era romântico. Se continuar dizendo essas coisas,
nunca vou acreditar.
— Sei lá, é o efeito que você causa em mim. Tá satisfeita?
Elevo os braços e os passo em seu pescoço.
— Ah, se você soubesse o quanto!
Bryan me beija mais uma vez e as portas do elevador se abrem, revelando uma figura
masculina impotente ao fundo da caixa metálica. Minha cabeça vira só alguns centímetros,
o suficiente para minha visão periférica captar de quem pertence o rosto contorcido em
uma carranca e a postura dura como a de um poste.
Holder é lutador de boxe, portanto tem ombros largos demais para o seu tamanho e
músculos que se evidenciam sob um tecido de malha fria cinza.
Tudo vira uma cena de filme de cinema; meus olhos cravam nele e as imagens
discorrem diante de mim como um borrão em câmera lenta. Vejo-o avançar e meu corpo
ser separado de Bryan com um único movimento abrupto do braço de Holder. A minha
garganta se fecha num ruído estridente de um grito, onde peço para Holder parar, mas ele
não detém as passadas decisivas que toma enquanto arrasta Bryan pela lapela da jaqueta e
o lança como se não pesasse nada e o joga contra um pilar de sustentação.
Bryan ruge em protesto, usa as mãos para agarrar as de Holder e tenta se soltar,
enviando chutes grotescos contra o peito de Holder. A diferença de altura deles é mínima,
Holder deve ter pouco mais que cinco centímetros a mais que Bryan, mas está tomado pela
raiva de me ver beijando outro cara e simplesmente não escuta minhas súplicas. Corro para
agarrá-lo pela camiseta.
Holder não é agressivo, mas tem uma mão pesada por causa do boxe e tenho certeza de
que, se estiver disposto, ferrará com a cara de Bryan em dois tempos.
— Holder! Para com isso! — berro e o seguro pelo braço. Ele não o solta, mas controla a
mão suspensa centímetros antes de desferir o punho irradiando ódio contra Bryan. — Solta
ele! — Bato o pé no chão em uma ordem. Estou puxando o ar com força para dentro dos
pulmões. — Holder!
Finalmente o solta e Bryan fica recostado contra o pilar respirando pesado, mas tem um
sorriso debochado. Envio um olhar repreensivo para ele, que parece dar a mínima.
Ele quer morrer?
— Que foi, Holder? — Bryan provoca e estou prestes eu mesma a socar a cara dele. —
Perdeu a coragem?
— Você deve ter perdido o juízo! — Holder dispara, grita no rosto de Bryan que mantém
um sorrisinho provocativo.
— É melhor você ir — digo e ambos olham para mim. — Agora, Bryan. — O sorriso dele
desaparece instantaneamente. — Por favor — emendo e estou partindo para um lado
emocional e sensível de Bryan.
Não sei por quanto tempo ficamos nos encarando. Nossas respirações pesadas se
chocam no ar e não consigo dizer com clareza qual de nós está mais nervoso. Consigo
escutar meu coração pulsando em minha têmpora, repasso os últimos segundos, depois os
minutos e por fim os dias. Fui egoísta com Holder e provocativa com Bryan. Podia ter
dispensado os dois, por enquanto ou simplesmente ter ficado com Bryan sem enrolar
Holder. Ter essa consciência me faz encolher de vergonha.
Bryan mantém os olhos fixos em mim, em uma súplica silenciosa contemplando o par
de olhos azuis. Abaixo a cabeça, fugindo deles.
— Me liga depois — ele pede depois que parece uma eternidade, ajeita a gola da jaqueta
que Holder desalinhou e, com um único olhar enviesado para Holder, se afasta.
Holder puxa o ar com dificuldade para os pulmões e abaixo a cabeça, envergonhada.
Começo a me dar conta de que ele deve ter visto que Bryan e eu estávamos nos beijando e
que, provavelmente, isso não aconteceu pela primeira vez esta noite. Enxergo a decepção
que inunda seus olhos, estudo a postura cabisbaixa e os ombros pendidos para a frente em
uma visível comprovação de que está rendido à dor.
— Holder, eu nunca quis… — Paro de falar, com a mão suspendida em sua direção.
Estou a um passo de poder tocá-lo. As suas, entretanto, estão com as palmas para a frente,
pedindo-me em um ato para não falar nada. — Nunca quis que acontecesse. Eu estava
planejando falar com você amanhã! — insisto, mesmo com a clara noção de que Holder não
quer me ouvir.
— Você podia ter dito pra mim que não queria namorar comigo, porra! — exclama e me
sobressalto com a voz alta. Holder raramente é mal-educado ou grita, então é uma surpresa
que esteja fazendo isso agora. Mas não posso tirar sua razão. Eu estaria magoada se
estivesse no lugar dele. — Podia ter me dito naquele dia que queria voltar pra ele! —
Aponta com o indicador para a direção onde Bryan saiu andando.
— Eu gosto de você, Holder, da sua companhia. Não queria que o que construímos fosse
jogado fora!
— Você fez exatamente isso. Pegou tudo e jogou fora. Como você pode confiar nesse
cara?
Aperto os lábios, controlando a vontade de mandá-lo para o inferno. Estou tentando ser
compreensiva, porque o que fiz foi errado. É contra o que eu sou. Não sou como Bryan, que
antigamente saía com várias mulheres ao mesmo tempo e, apesar de deixar claro para
todas, não se importava se os sentimentos iriam, em algum momento, ser um problema. Eu
me importo com o que Holder está sentindo e me preocupo que fique com raiva de mim.
— Ele perdeu a mãe, Holder. Como você também já perdeu a sua. Não posso esperar que
ele faça escolhas racionais. Não enquanto ainda dói.
— É ridículo usar o luto como desculpa para as merdas que faz. Eu nunca fiz e nunca
faria algo assim!
— Holder, eu sinto muito! — Dou um passo à frente, a fim de tocá-lo. Holder não se
afasta como o previsto e penso que pode ser um bom sinal. — Sinto muito, de verdade, por
não ter te contado nada do meu passado com Bryan e por não ter dito que ainda sou
apaixonada por ele!
O maxilar travado de Holder me faz parar de falar. Ele precisa de um tempo para digerir
e de tempo para me perdoar. Não espero que vá fazer isso agora, mas, em um momento ou
outro, irá compreender.
— Eu sei que você ainda vai encontrar alguém incrível, Holder.
— Te liguei várias vezes hoje, se tivesse atendido, teria te contado antes. — Levanto a
cabeça, para encará-lo. — Perdi a cabeça, é verdade. Não devia ter ameaçado socar o cara,
fiquei fora de mim. Mas eu vim aqui para te contar que meu tio tem uma academia de boxe
em Willow Grev. Está precisando de alguém para ajudá-lo.
— Você vai embora?
— Eu não tinha certeza até minutos atrás.
— Holder.
— Eu vim porque queria conversar sobre isso com você. Mas acho que é uma decisão
que depende só de mim.
Meus olhos estão ardendo. Nem sei por que estou chorando. Holder e eu só ficamos por
um mês juntos. Não é o suficiente para amar alguém. Ou talvez eu o ame assim como amei
Sebastian.
— Posso te abraçar? — peço, acanhada, com as mãos entrelaçadas na frente do corpo.
Holder pondera, mas não estou com pressa. Espero por longos minutos, por fim assente
e me apresso para correr em sua direção antes que ele mude de ideia.
Ele poderia ficar, mas é como Effy disse: Holder esperava que, em um momento ou
outro, acabássemos nos machucando porque está na cara que meu coração nunca mudou o
foco. Não posso culpá-lo por estar com raiva, assim como não posso me culpar por ter me
rendido ao sentimento. Nós dois fomos bons juntos. Nós dois somos bons juntos, mas não
como o esperado.
Holder está indo embora de Humperville e, consequentemente, da minha vida. Não sei
como vou me sentir depois, mas espero que melhor que agora.
Ele afunda o nariz na curva do meu pescoço e inspira meu perfume profundamente.
Envolve minha cintura e enlaço seu pescoço com os braços, puxando-o para perto.
— Se cuida — murmura e se afasta, mas ainda está segurando meu dedo indicador.
— Me desculpa, Holder. Não queria te magoar, eu não…
— Shhh... — sussurra, balançando a cabeça prontamente em negação. — Um mês que
valeu por uma vida inteira.
— Você me liga quando puder? Me dá notícias?
— Vamos ver — ele ri sem ânimo e finalmente me solta. — Esse lance de ser amigo de
uma garota que me deu o fora não é muito a minha praia. Acabo irritado e com ciúme do
atual. Me dá um tempo, beleza?
— Tá! — Forço um sorriso.
Abraço o tronco, reprimindo os tremores que me denunciam.
Ele acena e se afasta. Sinto como se a nossa história não tivesse tido um ponto final.
Algo como um assunto inacabado e não sei se é porque isso é verdade ou porque não
acredito que Holder foi embora. Aprendi a gostar dele e a olhá-lo com carinho. Quando
penso em Holder não me lembro do sexo ou dos beijos; vejo a nós dois assistindo televisão
e rindo enquanto comemos pipoca. Recordo-me de momentos onde fomos amigos e não um
casal.

Bryan: Vi ele saindo. Tá tudo bem?



Mack: Você ficou esperando aí fora?

Bryan: Ele estava descontrolado. Não ia te deixar sozinha.

Mack: Ele nunca me machucaria, Bryan.

Bryan: Prefiro não arriscar.

Mack: Nós terminamos.

Bryan: Quer dizer que podemos transar?

Mack: Meu Deus! Vai embora!

Bryan: ?

Não respondo mais, mas acabo rindo. Estou no corredor vasto do apartamento, em
direção à porta do meu. Escuto o barulho da televisão e as risadas de Gravity e Effy
repercutirem através das paredes de bloco. Confiro o horário no celular e são quase onze
da noite.
Uma nova notificação de mensagem do Bryan no Kik aparece no display.

Bryan: Era brincadeira, linda. Você tá bem?

Mack: Só preciso dormir. Amanhã será um dia beeeeeem longo.

Bryan: Beleza. Vou te deixar em paz. ;)

Mack: Você não me contou do Math. Conseguiu resolver tudo?

Bryan: Sim. Me mudo oficialmente pro apartamento novo no sábado.

Mack: Posso te dar uma mãozinha, se quiser.

Bryan: Relaxa. É a festa do Aidan, lembra?

Mack: Significa que você não vai?

Bryan: Chego mais tarde, mas apareço.

Mack: Que tal se você for jantar comigo e meu pai amanhã?

Bryan: …

Mack: ?

Bryan: Não sei se é uma boa ideia. Acabei de voltar.

Mack: É o meu pai. Vai dar tudo certo. :)

Bryan: Certo. Que horas te busco?

Assim que abro a porta, Effy e Gravity arregalam os olhos para mim.
Estão com um balde de pipoca entre os corpos, assistindo a It: A Coisa e duas latinhas de
Coca-Cola na mesa de centro – como se não tivessem acabado de comer pizza. Encaro toda
a cena delas ali e meus olhos voltam a marejar.
A consciência de perder alguém não é nada prazerosa. Eu perdi pessoas no decorrer da
minha adolescência, numa frequência que me fez entender que não dá para parar o mundo.
Ele gira e as pessoas acabam indo e vindo, tirando as coisas do lugar, bagunçando os
sentimentos e até mesmo te provando que alguns vieram para ficar, mesmo que não
estejam do seu lado em carne e osso.
Não sou apaixonada por Holder. Não o amo como homem e começamos a sair mais
como uma válvula de escape para mim, do que por real interesse e acabei sendo
surpreendida nos últimos dias pelos meus próprios sentimentos. Estavam atordoados,
confusos e toldados pelo medo, mas eles são transparentes agora e consigo definir Holder
como alguém que terá a própria história de amor para contar, e não será comigo.
Gravity e Effy se levantam, caminham em minha direção com um ar de preocupação
emoldurando os rostos. Me abraçam em seguida, sem perguntar nada. Ficamos nessa
posição por minutos, não sei quantos ao certo, mas, quando se afastam, tenho certeza de
que Holder esteve aqui antes de nos encontrarmos no estacionamento e um tom de
arrependimento permeia ambos os rostos.
— Achei que Bryan já tivesse ido, quer dizer, você passou pelo menos uma hora lá
embaixo. — Vity dá de ombros e volta para dentro. Fecho a porta e as sigo. — Refrigerante?
Ou é um daqueles dias onde precisamos entupir nossas entranhas com álcool?
— É um desses dias onde só quero ficar com as minhas duas melhores amigas. Não
importa se bebendo ou comendo pipoca. — Jogo-me no sofá entre as duas, coloco o balde
de pipoca no colo e tombo a cabeça para trás. — Bryan e eu não estamos mais em fase de
perder tempo com brigas. — Afundo a mão no balde, pego um punhado de pipoca e coloco
na boca.
— Devagar, pipoqueira! — Effy brinca, rindo e me lembro de que ela estava à beira de
chorar na conversa que teve com Bryan mais cedo.
— Você está bem? — pergunto, girando a cabeça para conseguir olhá-la. Effy parece
concentrada na tevê. — Você e Bryan tiveram uma discussão feia mais cedo. Ele não quis
entrar em detalhes, mas parecia chateado.
— A gente vai se resolver, na hora certa, quer dizer, amigos brigam, né? E ele foi muito
ridículo de ter ligado só para o Aidan! Eu quem estive com ele em literalmente todos os
momentos ruins!
— Puro ciúme! — Vity rola os olhos e cai na gargalhada. — Não sei onde vocês
encontram tempo pra sentir ciúme. Esse mal não me afeta. E, definitivamente, precisamos
de uma taça de vinho. Nós três.
Ela se levanta em direção ao armário. Pega três taças e uma garrafa de vinho. Abre,
serve a bebida e retorna com duas taças, depois volta para pegar a sua.
— Algum motivo especial?
— Darnell quer se casar em julho.
— Soubemos hoje. Até concordou em dar uma entrevista pra Angel. Ele perdeu a cabeça
ou algo assim? — Effy beberica da taça. O gole curto quase não faz efeito na quantidade de
líquido.
— Ele só quer que as pessoas parem de achar que Dannya seria capaz de fazer qualquer
coisa para feri-lo. Pelo amor de Deus, é a Dannya. Soube que o Aidan quase convenceu a tal
da Abe a reabrir o caso.
— E teria algum problema nisso? — Bebo um gole de vinho e balanço os ombros sem
importância. — Ela é inocente. Se a polícia reabrir o caso, ao menos vão provar que é
verdade.
— Poderia ser uma coisa boa. — Vity aponta a taça para mim. — Mas tem um porém.
— Qual? — Effy e eu indagamos em uníssono.
— Se Abe reabrir o caso, tenho medo de que Aidan possa implantar provas contra
Dannya.
— O Aidan não faria isso! — Effy quase se engasga com a visão de Vity sobre o sobrinho
postiço e paro de beber, embevecida.
— Ele faria qualquer coisa pra tirar a minha irmã de cena! Esse garoto é maluco!
— Acho que vocês se gostam — comento, sem nenhuma emoção na voz. Entretanto,
Gravity falta pular em meu pescoço.
— Você tá falando sério, Mackenzie? Esse cara me tira do sério. É difícil passar cinco
minutos perto dele sem querer vomitar.
— Supera. Ele, muito em breve, será seu sobrinho, real. Tenho certeza de que Dannya
está fazendo todo o possível para se dar bem com Aidan. Se esforça também — Effy
aconselha.
— Eu nem sei se vale a pena o esforço todo por amor. — Vity vira a taça de vinho num
único gole. — Toda essa humilhação por Darnell? Sim, ele é um homem incrível e não
deixou o dinheiro que ganha corromper sua vida. Mas Danny e eu nunca tivemos muito
dinheiro. Viemos de uma família de classe média. Estamos acostumadas com o médio. E,
principalmente, estamos acostumadas a viver muito bem, obrigada, sem um homem nos
enchendo a porra do saco.
— Você tá dizendo que ela deveria desistir do noivado? — Meu queixo cai de surpresa.
Seria como ceder à pressão que Aidan vem fazendo e admitir que Dannya tem culpa no que
aconteceu com Darnell.
— Por que não? Facilitaria muito as coisas pra todo mundo.
— É loucura! Eles estão planejando isso há muito tempo! — Effy comprime os lábios em
reprovação. — Ela acredita no que Darnell sente e só está passando por tudo isso porque
acha que vale a pena. Coloca fé na sua irmã, Vity!
— Eu coloco, Effy. Enfim, se ela quer entrar nessa, que vá sozinha. Estou cansada de
guerrear em nome dela. Quando Aidan me demitiu e me expulsou da mansão, ela não
moveu um único dedo para me defender. Quero que ela e a família Lynch se fodam! —
Gravity se levanta num rompante, cruza a cozinha e abre o armário para despejar mais
vinho na taça. Quando volta, está bufando de raiva. — Quero ir para Paris. Eu preciso muito
de um tempo. Sinto que vou ser demitida do Veins a qualquer momento.
— Por quê?
— Não sei, Mack. É só uma sensação.
— Se você for demitida temos dinheiro suficiente pra sobreviver até encontrar outro
trabalho, não precisa se preocupar! — Effy garante a ela, acariciando seus ombros.
— Obrigada. — Ela sorri para nós e, antes mesmo que uma lágrima fujona a denuncie,
Vity limpa abaixo dos olhos. — Então agora que Holder não é mais parte da jogada, você e
Bryan vão ficar juntos?
— Eu quero, se ele quiser.
— Ele quer. — Effy bebe mais um gole de vinho e sorri. — Acredite em mim. Hoje na
pizzaria ele não tirou os olhos de você! Foi tão… fofo. — Franze o nariz, a pele superior se
enruga. — Uh! — Sacode os ombros e fecha os olhos de leve. — Me dá até arrepio!
Vity e eu gargalhamos. Pego mais um pouco de pipoca e mastigo devagar.
— Estou feliz que ele esteja de volta — Vity confessa. — O quê? — Ela nos olha
espantada porque estamos olhando para ela com choque no rosto. — Ele ficou muito
adestrado depois que começou a namorar com a Mackenzie, a gente precisa concordar.
— Não deixa ele te escutar dizendo isso. — Effy afunda a mão no balde de pipoca e pega
um pouco também. — Vai ferir o ego de macho alfa dele.
— Faz tempo que a gente não se reúne com as outras, não é?
— Talvez a gente se reúna no meu aniversário — Vity diz, comendo pipoca. — Se
conseguirmos fechar a agenda de todas. Willa e eu nos vemos mais, ela tem mais contato
com Faith e Bailey e a Trycia…
— O que tem a Trycia?
— Ninguém sabe dela há tempos — Effy emenda, pensativa. — A gente não devia tentar
ligar para ela?
— Já tentei. Só caixa postal — Vity enuncia. — Vou ligar pra Faith amanhã para saber
como andam as coisas.
No ano passado, Faith e Bailey estavam pensando em voltar para a cidade natal delas,
mas, por alguma razão, ficaram. Apesar de todos os meus desentendimentos com Faith,
fiquei feliz de saber que elas continuariam em Humperville.
Nós passamos mais algum tempo conversando. Nada realmente sério. São questões
aleatórias e Gravity parece animada e não ansiosa com a espera dos resultados de quem
ganhou a bolsa para o curso de verão. Sua autoestima está inabalável, acredita que garantiu
uma vaga com os modelos que planejou e nem por um segundo duvido que seja verdade.
Vity é muito dedicada e persistente. Não tem nada que ela não possa fazer porque sempre
batalha por isso.
Acabo indo para a cama às duas da manhã, com dor de cabeça e arrependida, mais uma
vez, de ter ficado até tarde conversando com as meninas. Nossas reuniões improvisadas se
tornaram um hábito, é difícil que não façamos isso todos os dias antes de dormir e sempre
acabamos dormindo tarde e acordando mais cansadas.
Effy é a primeira a se despedir, com um bocejo longo e Gravity já está cochilando no sofá
– ela sempre apaga onde está, não importa o barulho ou o assunto da conversa –, vou para
seu quarto e pego um cobertor dobrado na cama. A cubro antes de desligar a tevê e ir para
o quarto.
Pego o celular de novo e vejo as duas últimas mensagens de Bryan no Kik.

Bryan: ?
Bryan: Me manda uma mensagem com o horário.

Mack: Às sete e meia, tá?

Troco de roupa e me deito na cama. Não levo mais que dois minutos para me entregar
ao sono.

Estou sentada com a perna direita sobre a esquerda, na recepção do prédio e


impaciente. Aliso a saia preta rodada de bolinhas e alinho a blusa amarela de pelinhos com
mangas que vão até o cotovelo. Brinco com o colar de pedrinha no colo e rodo o anel que
Bryan me deu muitos anos atrás no anelar.
Todos são sinais claros de impaciência, que ressaltam que Bryan está atrasado vinte
minutos. Eu telefonei e mandei mensagens, mas não respondeu nenhuma. Pensei que
estivesse tudo bem, porque nos falamos de manhã e trocamos mais algumas mensagens no
decorrer do dia.
Balanço o pé calçado com um sapato marrom, que lembra madeira e me estico amarrar
o cadarço. Meu pai já me ligou perguntando se estava a caminho ou se queria que viesse me
buscar. Na verdade, não contei que levaria Bryan, então não está esperando por ele.
Envio uma última mensagem para Bryan:

Mack: Você tá atrasado. Vinte minutos. Não dá pra esperar mais.

Chamo um Uber e vou para a casa do meu pai.
O caminho todo fico me perguntando o que aconteceu. Penso em ligar para Aidan e
tentar descobrir. Realmente faço isso, mas ele não sabe. Disse que falou com Bryan mais
cedo e estava tudo bem. Tento com Ashton e Finn, mas nenhum dos dois sabe dele também.

Mack: De qualquer forma, vou enviar o endereço.

Mando a localização para ele.
Encosto a cabeça no vidro da janela, sigo com os olhos as casas passarem e a rua escura
de Humperville nos engolir. Assim que chegamos, noto meu pai debruçado no parapeito da
sacada. O flagro fumando um cigarro e balanço a cabeça com repreensão. Não sei
exatamente quando voltou a fumar, mas tenho certeza de que se afastar da minha mãe foi
uma grande influência. E primeiro de tudo, ele tinha parado por minha causa e agora nem
moro mais com eles.
Pago pela corrida e bato a porta com força para que me veja. Seu olhar desvia para mim,
em um ímpeto pressiona a bituca contra a superfície larga do parapeito para apagar o
cigarro e se vira para dentro.
Meu pai mora em um sobrado, em cima da loja de ferragens onde trabalha. Greta alugou
o lugar para ele por um preço mais acessível, sem contar que é vantagem para a dona do
estabelecimento que tenha seu gerente morando por perto e cuidando de tudo
pessoalmente. Até mesmo quando o alarme soa tarde da noite, meu pai é o mais próximo
para checar tudo.
Há uma entrada separada, é um corredor estreito atrás de uma porta de ferro pesada.
Espero pacientemente de braços cruzados, recostada à parede gélida do sobrado. Escuto o
barulho da movimentação no vestíbulo e uma luz é acesa. O barulho do meu pai mexendo
no molho de chaves me desperta e me afasto.
A barba clara por fazer está bem espessa e ele a coça, em seguida me convida para
entrar, esticando um braço à sua frente. Dou um sorriso gentil para ele e entro.
Subimos o único lance de escadas até a porta de sua casa – uma outra porta fica em
frente e da última vez que estive aqui, meu pai contou que é onde Greta costuma guardar
velharias – e ele retém as passadas, com a mão erguida sobre a maçaneta.
Encaro os dedos que se movem, mas não tocam a porta para abri-la.
— Tudo bem, pai?
— Tudo — responde, mas o sorriso que se desenha em seus lábios é contido. — Mais ou
menos. Eu trouxe uma pessoa pra você conhecer, espero que não se importe.
— Uma pessoa? — Uma sobrancelha se curva. — Uma mulher? — enfatizo. O modo
como seu corpo reage a inquisição prova que estou certa.
— É. Tudo bem por você? Se não estiver peço para Soph ir embora.
— Soph?
Ele arranha a garganta num pigarro e coça a testa com uma mão. A outra repousa na
cintura.
— Sophia. Peço para Sophia ir embora.
— Pensei que vocês estivessem se entendendo — murmuro, ao afundar os dedos na
manga da blusa. Estou com raiva porque isso parece mais um ato desesperado, em busca de
intervenção. Meu pai quer que eu intervenha em alguma coisa, só não consegui ver através
de suas íris azuis o que exatamente espera que eu faça. — No sábado, vocês pareciam bem.
— Nós estamos, quer dizer... — A mão escorrega para a nuca e ele coça os cabelos. Os
fios estão bem maiores e o rosto dele também parece mais redondo. Ele está engordando
de novo, recuperando o peso que perdeu quando ele e minha mãe decidiram morar em
casas separadas. — Mackenzie, sua mãe e eu decidimos que é bom que saiamos com outras
pessoas.
— Você escolheu o nosso dia para me apresentar uma namorada?
— Tem razão. Péssima ideia. Vou pedir que ela vá embora.
Quero sentir algum tipo de remorso ou ter vontade de conhecê-la. Mas não tenho. Então
entendo os sentimentos que Bryan descreveu para mim sobre seu pai começar uma nova
vida, com outra mulher. O que ele pensa que está fazendo? Eles nem se divorciaram para
valer ainda e já está saindo com outra. Não é difícil de admitir. Estou enciumada pela minha
mãe.
Ele cruza a porta primeiro e o sigo. O cheiro no espaço está delicioso e a tal Sophia corre
de um lado para o outro, com um avental branco amarrado à cintura. Traja um vestido azul-
marinho de mangas com decote quadrado e uma saia justa que desce até os joelhos. Os
saltos batem contra o assoalho velho de madeira e ecoam por todo o sobrado. Meu pai para
de andar, enfia as mãos no bolso da calça cáqui e libera um suspiro apaixonado.
Jesus Cristo, não acredito que acabei de testemunhar algo assim!
Os cabelos estão bem alinhados e úmidos, penteados para trás. São escuros, em um tom
de preto azulado e destoam da pele pálida. Sophia para de se mover de um lado para o
outro assim que nota nossa presença e detém as passadas apressadas no meio da cozinha –
que é o primeiro cômodo que vemos quando entramos. O espaço é meio que um loft, um
único ambiente para todas as coisas: cozinha, sala e quarto. Têm uma escada para uma
sustentação de madeira, que meu pai usa como escritório e conseguimos ver tudo de onde
estamos. O banheiro é minúsculo e fica ao lado, próximo a escada.
Sophia têm lábios grossos e largos, dentes brancos e grandes, alinhados perfeitamente.
O sorriso é um estímulo para meus nervos. Encolho os ombros como uma garotinha
assustada, mas não me afasto nem desfaço o laço entre os braços. Puxo o ar com força e
noto uma mancha vermelha de molho em seu colo.
— Desculpa, não vi vocês aí. Estava terminando de colocar a mesa — explica, apontando
por cima do ombro.
A mesa para onde Sophia aponta tem um aparelho de jantar lindo de porcelana,
algumas velas acesas para tornar o ambiente mais agradável e taças em um tom de azul-
claro.
Meu coração se encolhe dentro da caixa torácica, como se não fosse justo mandá-la
embora depois de ter preparado tudo. Fico dividida entre o ciúme e a compaixão. Querendo
ou não, Sophia cuidou para que a mesa ficasse em perfeita ordem e, pela expressão
preocupada que engloba seu rosto, também cozinhou. Definitivamente é um jantar de
“apresentação” e não sei por que não pensei que acabaria acontecendo.
— É um prazer conhecer você. — Secando a mão no avental, Sophia se aproxima com a
mão erguida. Se eu segurar sua mão, significa que estou aceitando o que quer que ela e meu
pai tenham. Hesito por um instante. Olho para meu pai e sinto um súbito pedido de
compreensão em seus olhos. Desgarro os dedos da blusa e levo a mão até Sophia. — Sophia
Hernandez.
— Mackenzie — grunho, sem muita emoção.
— Espero que esteja com fome. Não sou tão boa na cozinha como seu pai, mas juro que
tentei. — Ele solta uma risadinha constipada ao meu lado e o olho, curiosa. Rapidamente o
sorriso some de seu rosto. Me agarro à alça da bolsa como um bote salva-vidas. — Fiz
molho vermelho de camarão!
— Não posso comer isso. Sou alérgica. — Levanto uma sobrancelha e meu pai se vira
para mim, com a expressão chocada e o pavor emoldura o rosto de Sophia. Dou uma
risadinha baixa. — É brincadeira! Eu adoro camarão.
Tiro os sapatos na entrada para ficar de meias e sigo para a sala, poucos centímetros
antes de onde está a mesa. Jogo a bolsa em um dos sofás e me sento, cruzando as pernas.
— Você quase me matou de susto — Sophia gargalha e pede a ajuda de meu pai para
soltar o nó do avental na lombar.
Desvio os olhos para não testemunhar a cena.
— Você iria me odiar muito se eu tivesse preparado um prato que não pudesse comer. E
eu já ia brigar com seu pai. Porque fiz uma lista de um possível cardápio para hoje. Só por
garantia!
Rio do esforço de Sophia. Ela parece ser sincera a cada palavra que diz. Gosto dela
porque meu pai parece gostar também e tento não pensar tanto em minha mãe.
Sophia pega uma garrafa de vinho e taças. Meu pai não costuma me deixar beber na
frente dele, mas Sophia o contraria.
— Pelo amor de Deus, Nick, a garota mora sozinha há meses. Ela deve tomar vinho com
as amigas. — Pergunto-me como ela sabe disso, mas Sophia parece ser o tipo de mulher
interessada na vida pessoal dos homens com quem sai.
Meu pai acaba cedendo e coloca uma taça para mim. Os dois se sentam no outro sofá, de
frente para mim. Olho para o telhado de madeira envernizado e para as vigas
protuberantes.
Concentro-me no sobrenome Hernandez. Por alguma razão já o escutei em algum lugar,
mas não me lembro direito onde. Eu a encaro, como se isso pudesse me mostrar tudo que
quero saber. Tenho a estranha sensação de já tê-la visto antes. Não consigo ligar o rosto ao
nome, mas há familiaridade na voz, no jeito como fala.
— Vamos lá, pode perguntar. — Sophia bate com as mãos abertas nas coxas nuas depois
de deixar a taça na mesa de madeira no centro.
Então vejo uma edição da Font News ao lado da taça e o rosto de Sophia estampado na
capa da revista.
Sophia Hernandez. Eu sabia que tinha escutado esse nome e a visto em algum lugar, mas
não me lembrava onde. A mulher é bilionária, no mínimo, proprietária da fábrica e empresa
Hernandez, onde criam jatos particulares para artistas, políticos e pessoas como Darnell.
Como é que estamos sentados no mesmo lugar que essa mulher? E como eu pude me
esquecer desse rosto? Quando Sophia visitou a Font News no mês passado, ela causou
muito alvoroço no prédio, principalmente porque a mulher não mora aqui e a sua empresa
nem é daqui, para começo de conversa. Dashdown é a cidade onde eles fabricam os
jatinhos. É uma cidade maior e com pessoas interessadas em investir nessa empresa.
— Você é a Sophia Hernandez — digo, convicta e meu queixo cai alguns centímetros. —
Por que é que você está sentada na sala do meu pai? — Ambos caem na gargalhada. Ela é
como uma inspiração para as jovens mulheres empreendedoras. — Espera. A Font News te
entrevistou no mês passado. Você sabia que eu trabalhava lá?
— Não. Acredite em mim. Fiquei tão surpresa quanto você quando seu pai me contou
que estagiava na revista.
— E por que você ainda está aqui?
— Ah... — Ela se recosta ao sofá e meu pai passa o braço sobre os ombros dela. Como
esses dois se envolveram? — É interessante você perguntar. Estive pensando em expandir.
Talvez consiga assinar algum contrato para montar uma nova filial em Humperville. A
cidade tem potencial.
Potencial para a corrupção, isso sim.
— Soube que aquele antigo parque foi vendido para Darnell Lynch. Tenho a intenção de
fazer uma boa proposta a ele.
— O Darnell não vai vender aquele parque. Tem valor sentimental demais. — Lembro-
me de Aidan ter contado que sua mãe visitava muito aquele parque. Darnell o comprou e o
manteve fechado por um motivo. Porém, assim que libero essa informação para Sophia,
sinto como se tivesse feito algo errado.
— Não vamos falar sobre trabalho — ela corta o assunto, como se tivesse percebido que
fiquei desconfortável. — Quero te conhecer. Me conta tudo sobre você.
— Me conta vocês. Como foi que isso aconteceu? — Gesticulo com o queixo para os dois.
— É uma história boba, sério — meu pai ri, sacudindo a cabeça.
Ele parece tão… feliz. Quero ficar feliz por ele, afinal a mulher que está sentada ao seu
lado não é de modo algum qualquer mulher e não sei como os dois podem dar certo. Sophia
tem padrões altos e meu pai é só um gerente de uma loja de ferragens. O mesmo medo que
me assombrou no relacionamento de Maeve e Nate me invade. Não quero que ele se
machuque, porque Sophia é o tipo de mulher que come o coração dos homens no café da
manhã.
— Meu carro estragou quando visitei Humperville pela primeira vez. Acabei
estacionando aqui na porta e seu pai foi muito gentil em me ajudar. Prometi uma
recompensa para ele e saímos para jantar naquele dia. Depois trocamos algumas
mensagens e bem... — Ela joga os ombros para o alto, despretensiosa. — Aqui estamos!
— Já faz um mês?
— Que nos conhecemos, sim. Mas só começamos a ter encontros como um casal há
umas duas semanas. — Meu pai está contorcendo o nariz como se isso fosse ajudá-lo a se
lembrar, enquanto contabiliza os dias.
Duas semanas e ele já está me apresentando a nova namorada. Isso é loucura.
Abro a boca para falar, mas sou impedida por uma mensagem no meu celular. Pego-o na
bolsa com pressa, meu pai e Sophia notam minha necessidade de ler o que chegou e não
tenho nada me impedindo de demonstrar que passei as últimas horas esperando por
notícias de Bryan. Ao menos, torço para que seja dele.
E é.

Bryan: Desculpa, Mack. Sério. Me perdoa. Vou te recompensar.

Levanto um olhar para o meu pai e começo a digitar uma resposta:

Mack: Cadê você?

Bryan: Dashdown.

Meu coração volta a sentir aquela sensação de que estamos sempre nos despedindo, de
que as coisas estão sempre fugindo do nosso controle. Eu tenho medo de perdê-lo. Toda vez
que estamos perto, fico esperando o momento em que tudo dará errado.

Mack: Aconteceu alguma coisa?

Bryan: Não é nada grave. Eu te ligo quando voltar.

Mack: Você vai voltar, né?

Bryan: Eu prometo.

Solto um suspiro e devolvo o celular para a bolsa.
— Desculpa, o que foi que você disse? — Volto para a conversa com Sophia e meu pai.
Tento me afundar na conversa com eles para não ter que pensar que Bryan vai demorar
mais quatro ou cinco meses para voltar de Dashdown.

“Amor, somos só você e eu
Amor, somos só você e eu
Só nós dois
Mesmo em uma sala lotada de pessoas
Amor, somos só você e eu”
CROWDED ROOM – SELENA GOMEZ FT. 6LACK

É sábado de manhã e mantenho a constância na corrida. Uma semana que Bryan voltou
e dois dias que foi embora outra vez. Ao menos, ele não decidiu me ignorar nos últimos dias
e me enviou algumas mensagens; nenhuma delas com uma explicação do que o levou de
volta a Dashdown, mas se precisou ir correndo assim, é porque é urgente.
Aidan tenta acompanhar meu ritmo. Consigo correr de seis a oito quilômetros sem
nenhum problema, mas é um percurso desafiador para ele. Decido diminuir a frequência
para que ele consiga me acompanhar, afinal hoje é a famosa pool party dele e não quero ser
a responsável por estragar os planos de todo mundo fazendo-o ter um ataque cardíaco
enquanto corre.
Abro a garrafa d’água e tomo um gole. Aidan repete com a sua. Diminuímos tanto a
cadência das pernas, que não estamos mais correndo e sim andando devagar entre as
árvores do parque em frente ao prédio.
Ontem, a The Reckless faria um show no Purple Ride, que mostraria à grande parte dos
ricaços de Humperville que Bryan voltara para a cidade e, consequentemente, para a banda,
mas os planos foram frustrados. Aidan, entretanto, não parece tão chateado com a falha de
Bryan. Se tudo estivesse seguindo como o planejado, ele teria voltado na quinta-feira à
noite, mas a sexta chegou e Bryan só enviou uma mensagem para o grupo dizendo que não
poderia comparecer.
— Você acha que ele está escondendo alguma coisa? — Aidan está prestes a virar a
garrafa na boca, mas não conclui o ato para me dar atenção. Uma de suas sobrancelhas se
levanta e fica apreensivo. — Quer dizer, por que ele não contou pra gente que estava
voltando pra Dashdown na quarta?
— Por que foi um imprevisto? Mackenzie, essas coisas acontecem. Tenta não ficar
paranoica, tá?
— Eu não estou paranoica — rio e tomo mais um gole de água. Desta vez, demoro um
pouco mais e quase esvazio toda a garrafinha. — Só achei estranho, sei lá. Ele poderia ter
contado antes e não esperado se atrasar no jantar com meu pai, que coisa! — o murmúrio
que foge da minha garganta é um resmungo.
— Sei disso — ele ri também e, com o braço suado, o passa por cima dos meus ombros.
Gosto muito que o que aconteceu entre nós ano passado não tenha afetado nosso contato
físico sem más intenções. — E eu te entendo. Mas confia em mim. Bryan é louco por você e
deve ter uma boa explicação pra te dar quando voltar.
— Você tem falado com ele?
— Liguei pra ele hoje de manhã.
— Hoje? — Meu tom de espanto o faz gargalhar. — Nós nos encontramos não eram nem
cinco da manhã, Aidan.
— Pois é. Por isso foi divertido ligar até acordá-lo.
— Não acredito. — Sacudo a cabeça em negação, mas não paro de rir. — É uma coisa
que Ashton teria feito, não você. — Continuo balançando a cabeça de um lado para o outro,
porém Aidan me faz parar para prestar atenção no trânsito.
São quase sete e meia da manhã, provavelmente. As ruas começam a ficar movimentada
em torno das oito. Então é normal que a rua do prédio onde moro já tenha ganhado vida.
Assim que cruzo a porta de vidro do prédio, cheiro de café me invade e meu estômago
ronca pedindo por café – e olhe que não sou uma dessas pessoas viciadas em cafeína.
Jimmy debruça sobre o balcão, estica os braços para a frente para ler seu jornal da manhã e
os óculos redondos de fundo de garrafa escorregam pelo ossinho do nariz, até a ponta. Ele
nos saúda com um bom-dia sussurrado e não desvia a atenção das notícias nem por um
segundo.
É quando noto que Darnell Lynch está na primeira página do jornal, segundos antes de
entrar no elevador. Eu me inclino, baixo o bastante para conseguir ler a manchete em letras
grandes e chamativas.
Darnell Lynch revela detalhes comprometedores sobre o atentado contra a sua vida ano
passado.
Investigadora Abernathy Williams reabre o caso e têm primeiro suspeito detido.
— Que merda é essa? — murmuro e, com passos apressados, inclino-me para perto de
Jimmy. — Posso ver, Jimmy? — Assim que o velho rechonchudo me entrega o jornal,
mostro-o para Aidan, que arregala os olhos.
— O quê? — sussurra, o puxando entre meus dedos. — Como assim? — Os olhos verdes
de Aidan saltam apreensivos, palavra por palavra e leva mais de cinco minutos para ler e
digerir tudo que está escrito em uma página inteira. Nesse meio tempo, envio uma
mensagem para Angeline.
— Você não sabia de nada? — Comprimo os lábios, em dúvida.
— Não! — exclama e devolve o jornal para Jimmy. — Meu pai não me falou nada.
— Talvez seu pai não quisesse que você continuasse se preocupando com essa história,
filho. — Jimmy tenta apaziguar a raiva que estanca Aidan no lugar. Os punhos cerram ao
lado do corpo e Aidan está deslizando os lábios com força um no outro.
— Pior que não posso nem falar com ele — grunhe, após um bufo desolado de
frustração escapar.
— Como assim? Por que não?
— Ele e Dannya foram viajar ontem à noite. Algum tipo de pré-lua de mel — diz em tom
de escárnio, revirando os olhos. — E se isso aqui for verdade, não é de agora que meu pai
vem mexendo com essa história. — Mais um sopro de ar exasperado sai da boca de Aidan e
me sinto mal por ele.
— Divulgaram sobre o tal suspeito?
— Não revelaram o nome. Acho que vou até a delegacia tentar descobrir o que a
investigadora Abe e meu pai estiveram fazendo nos últimos meses que não sei.
— Quer que eu ligue e cancele a festa?
— De jeito nenhum! — Aidan penteia os cabelos úmidos de suor com os dedos longos e
começa a andar para a saída. — Preciso beber depois dessa notícia. Vou até lá descobrir o
que tá acontecendo — repete, apontando por cima do ombro direito com o polegar e abre a
porta. — Vejo vocês ao meio-dia, na minha casa.
— Se precisar de alguma coisa, me liga.

Angel: O desgraçado desistiu da entrevista com a Font News. Alguma coisa aconteceu;
seja o que for, ele vai me pagar por essa. Anote minhas palavras.

É a mensagem que Angel me enviou em resposta. Segunda-feira será um dia onde Effy e
eu sofreremos as frustrações de nossa editora-chefe e a culpa é do Darnell.

Call You Mine recheia a mansão de maneira alta e estridente. As paredes e os pilares de
sustentação da estrutura luxuosa dos Lynch vibram junto com as batidas prepotentes da
música. Gravity e Effy estão deitadas em espreguiçadeiras, uma de cada lado. O guarda-sol é
amplo o bastante para sombrear nós três de uma só vez, bloqueando os raios solares.
Aidan não estava brincando quando disse que sua festa de aniversário antecipada seria
um grande evento. Ele contratou um bar e bufê para servir seus convidados e a cada
drinque de abacaxi que termino, um garçom se aproxima para trocar o copo. O mesmo com
Gravity e Effy. A piscina está cheia, todas as garotas foram convidadas e até alguns amigos
de Aidan que não conheci, mas Vity me conta que são pessoas que estudaram com ele na
Willow Grev Academy. E outras estudam com Willa.
É a primeira vez que Jeremy Chase não se atrasa. Ele, Ashton e Finn estão sentados à
borda da piscina bem na nossa frente, rindo e conversando. Nosso garoto mais calado,
Finnick Taylor, está bem relaxado hoje e conversando bastante. Até o vi trocando algumas
palavras com uma morena, que se ancorou no ladrilho da piscina.
Aidan voltou da delegacia uma hora atrás. Nós já estávamos aqui fazia um tempo e
quem nos recebeu foi Willa. Ele entrou no escritório do pai e não saiu ainda. Deve estar
tentando entender o que diabos aconteceu, coisa que eu também não consegui. Mesmo
depois de Effy ter me explicado que Darnell está nessa com a polícia há mais ou menos três
meses. A justificativa que ele usou para fugir da entrevista com a revista foi que, por causa
da investigação, era melhor que ele não falasse com ninguém até que o caso fosse
esclarecido. O jornal, entretanto, não precisa da autorização de Darnell para publicar
manchetes, o que é o oposto do que fazemos na Font News.
A mídia que o jornal local aborda é diferente e eles não têm respeito pela privacidade
das pessoas. Terem vazado algo íntimo como o ocorrido com Darnell ano passado, sem
qualquer responsabilidade, só prova que não respeitam nem um pouco a oposição dele de
se manifestar. Aidan voltou irritado porque a investigadora não quis lhe fornecer
informações do suspeito detido, mesmo que se tratasse de um caso familiar. Mais uma vez,
acho que Darnell cuidou para que o filho não se intrometesse mais nisso.
Decido que, se Aidan não aparecer nos próximos dez minutos, eu mesma o trarei para
curtir a festa. Ele gastou uma grana preparando tudo e passou os últimos dias falando da
pool party com empolgação. Não é justo que estrague o dia por algo que está mais do que na
cara que o pai o quer longe.
Atrás dos óculos escuros que estou usando, vejo Willa atravessar a piscina com Faith e
Maeve junto. Elas estão rindo e andando em nossa direção. Minha última interação de
verdade com Faith não fora muito agradável, o lance do anel nos deixou com os nervos à
flor da pele, mas estou disposta a uma trégua se ela também estiver.
— Ei! — Willa me cumprimenta e acho estranho que Bailey não esteja junto com elas.
Apesar de estar usando os óculos e não possa notar que perscruto a área de lazer atrás da
sua namorada, ela apruma a postura com um sorriso. — Ela não veio. Não gosta muito de
festas na piscina — esclarece, e não parece nem um pouco chateada por Bailey não ter
vindo.
Eu puxo as pernas para junto do peito e ajeito a toalha atrás da cabeça para servir como
travesseiro. Willa senta-se no pé da minha espreguiçadeira. Maeve, por outro lado, estende
uma canga entre mim e Effy. Faith se senta como Willa, mas na de Vity. As duas riem e
conversam, mas não estou prestando atenção.
Maeve se deita de bruços e fecha os olhos para fingir que está dormindo. Um garçom
aparece depois que todas se acomodaram e serve drinques para todas nós. Ele repõe o meu
de abacaxi e vai embora.
— Seu irmão ainda não saiu do escritório? — Sugo o canudo do drinque e olho para
Willa.
— Aidan é um teimoso. — Sopra a franja do cabelo e se ajeita. Estico as pernas para que
ela se deite em meu colo. — Se tivesse um pingo de inteligência, deixaria isso nas mãos do
papai e da polícia. Ele está puto comigo porque o ouvi falando com Dannya sobre o assunto,
mas não disse nada.
— Seu irmão está obcecado — Vity comenta, também suga o líquido de sua bebida pelo
canudo. — Eu nunca vi alguém tão paranoico com um assunto como ele. Todo mundo quer
que o culpado seja pego, mas o Aidan parou a vida por causa disso! Darnell vai se casar com
a minha irmã e estão tão envolvidos nisso, que saíram em lua de mel no meio de uma
investigação!
— Vamos mudar de assunto. — Faith levanta os óculos de sol e os usa como tiara para
afastar a franja longa. — É por isso que não saio mais com vocês. Só sabem falar de drama.
A vida de vocês, por acaso, é uma novela mexicana? — Willa, Maeve e Effy gargalham, mas
Vity e eu mantemos a expressão séria. — O quê? — Ela alterna entre mim e Vity.
— É que você meio que tem razão. — Vity enfim distorce os lábios até que um sorriso
esteja estampado em seu rosto. — Nossa vida é a porra de uma novela. — Se joga contra o
encosto da espreguiçadeira, cobre os olhos com o antebraço. — E tomara que o final da
minha história seja pegando um avião para Paris.
— Nunca vi alguém querendo tanto ficar longe dos amigos! — Maeve resmunga alto o
bastante para Vity escutar.
— Eu amo vocês, mas preciso mesmo sair daqui. É uma pressão e tanto.
— Bebe sua cachaça e pare de falar merda, Gravity! — Nós escutamos a voz de Ashton
sair da piscina e nos viramos para ele.
— Bryan não vem? — Faith inquire, esquadrinhando o ambiente atrás dele.
Meus lábios se unem em uma linha rígida de desgosto.
— Não. Você não soube? Ele voltou pra Dashdown — Willa conta.
— Não sabia. Já não falo com ele há um bom tempo.
— Que bom — sussurro, mas ela percebe e, antes que entremos em uma discussão,
encho minha boca com meu drinque doce.
Apesar disso, as meninas riem do meu comentário, até mesmo Faith; e, para apaziguar a
situação, envio a ela um sorriso em particular, como se dissesse: “se continuar assim,
podemos nos dar muito bem”.
— E Ashton — Vity emenda. — Se falar assim comigo de novo, você vai se arrepender
pelo resto da sua vida.
— Claro, estou morrendo de medo. — Ele rola os olhos e volta para a conversa com Finn
e Jeremy.
Vity entorta os lábios em uma careta e se levanta. As passadas lentas, porém decisivas
em direção à Ash faz com que todas nós comprimamos os lábios para não rirmos e
acabarmos a denunciando.
Primeiro Gravity levanto o pé nas costas de Ash, calcula a força e com um único
movimento do pé direito, o empurra para dentro da piscina. Ele solta um ruído alto antes
de cair e Gravity morde o canudo de sua bebida, esperando-o emergir.
— Mas que porra, Gravity! — Ele cospe a água da boca e limpa o rosto.
— Você é de açúcar, por acaso? — Com uma mão na cintura, Vity se inclina para
provocá-lo. — É uma festa na piscina, bonitão. Se não queria se molhar, era só não ter
vindo!
— Meu celular estava no meu bolso!
Gravity dá de ombros e desfila para se sentar na espreguiçadeira.
— Eu tenho os meus problemas e você tem os seus.
Todas nós rimos e Ashton sai da água pisando duro. Ele caminha até Gravity e nós
olhamos para a troca de olhares que dão. Ashton se inclina e Gravity deixa a taça sobre o
banco ao lado, com o indicador erguido, murmura:
— Não se atreva!
— Em questão de força, Gravity, eu ganho de você.
Ele passa o braço esquerdo na curva dos joelhos finos de Gravity e com o direito ampara
sua coluna. Ela chuta o ar e se debate, mas, dessa vez, não vence na luta. Ashton a ergue
como se ela não pesasse nem meio quilo e com o impulso dos pés na borda, pula com ela na
piscina.
Estamos rindo do show deles quando Aidan aparece com a expressão mais suave que a
última vez que o vi. Um garçom que está passando por ali sussurra algo no ouvido dele e
com um aceno contido, Aidan concorda. Em seguida, o homem volta com uma bebida para
ele.
Aidan estuda o cenário. Gravity e Ashton discutindo na piscina. Jeremy Chase e Finn
rindo dos dois. As meninas – exceto eu – estão apreciando a briga, se é que podemos
chamar as provocações baratas dos dois de briga.
Retribuo o olhar para Aidan na esperança de que entenda que estou perguntando como
ele está. Ele apenas concorda, retira os chinelos e os óculos de aviador espelhado. Deixa
seus pertences perto de Effy e mergulha na água sem dizer mais nada.
Por fim, também entramos na piscina. Fico recostada ao ladrilho gélido, coberta até o
pescoço pela água. Effy fica ao meu lado, mas conversa com Faith sobre a faculdade –
apesar de não fazermos os mesmos cursos – e Finn voltou a falar com a morena de antes.
Ela é bem bonita, na verdade. Tem cabelos pretos longos e olhos tão escuros quanto. O
sorriso branco e alinhado chama atenção e Finn ri das coisas que ela fala, mas não consigo
dizer se é sincero ou não.
Tornei-me uma grande observadora dessas pessoas como também uma grande
admiradora. Eu sei que cada um deles enfrenta um demônio diferente, que têm histórias
corrosivas por trás de sorrisos. Mas é incrível como conseguem apreciar os momentos de
leveza e abraçá-los com toda força.
Aidan, Ashton e Vity estão conversando no meio da piscina. Apesar de se odiarem, ali
consigo ver uma família bonita. Não sei como Aidan e Vity vão se entender, mas farão com
que isso aconteça, tenho certeza.
— Jeremy. — Aceno para ele que está dando a volta na piscina quilométrica com um
pratinho de aperitivos.
— Se me chamar de Jeremy de novo, não vai comer nem as sobras — ele ri, portanto
não parece chateado de verdade. Senta-se à beira da piscina e estende o prato para que eu
fisgue um cubo de queijo e azeitona. Deixa o prato de lado e enfia os pés na água.
Break My Heart Again, de Dua Lipa, é a música que toca quando Jeremy espirra água em
meu rosto e gargalha da cara que faço. O puxo pelo pé até que ele caia na piscina e afunde.
Ele volta à superfície e limpa o resquício de água dos cílios grossos. Segurando-me pelos
ombros, Jeremy cruza sua perna na minha e acabo afundando também. Escuto sua risada
alta reverberar e, quando subo, jogo mais água em seu rosto.
— Jeremy.
— É Chase. — Ele rola os olhos.
— Tá. Chase — enfatizo. Ele ri.
— Que foi?
— Você é tipo um lobo?
— Um lobo?
— Que, em noites de lua cheia, você se transforma e é por isso que se atrasa e, às vezes,
nem aparece? — Eu sei que é uma metáfora horrível, mas, além de fazê-lo rir, não fica
desconfortável.
— É, eu acho que sou tipo um lobo.
— Hum... O que é que você esconde em Handson Wood?
— Minha toca do lobo — brinca e é claro para mim que está tentando fazer piadas com
um assunto sério. — Tenho uma vida fora de Humperville. É com ela que me preocupo.
— Hum... entendi.
— Como você e Bryan começaram esse relacionamento conturbado?
Mordo o lábio inferior, porque, até então, não tinha pensado em Bryan ou falado sobre
ele com ninguém desde que cheguei. Sou tomada pela sensação de que Bryan e eu
viveremos nesse looping para sempre. De idas e vindas. Uma coisa que eu não quero mais.
Não quero mais viver tendo que me despedir dele. Essa é uma conversa que preciso ter
com ele, não importa quando Bryan voltar, preciso ser honesta e preciso que ele entenda.
Da próxima vez que for embora, seja por qualquer motivo, eu realmente não esperarei por
ele.
Conto a Jeremy Chase tudo. Desde 2015 até agora.
Anoitece rápido. Eu me divirto e não penso em mais nada. A nuvem carregada de
desgosto no rosto de Aidan também se dissolve e estamos tão envolvidos na companhia um
do outro, que nem nos damos conta quando o céu se torna uma mescla de roxo e laranja. No
fim da festa, a mansão Lynch parece ainda maior, só com os amigos mais íntimos.
Ash, Finn, Chase, Aidan, Gravity, Effy, Willa e eu. Nate também queria ter ficado, mas o vi
sair com Maeve uma hora atrás. Tentei convencê-lo a não ir, mas ele nem ligou para o que
eu disse.
Estamos sentados ao redor da piscina. Os serviços que Aidan contratara já pararam de
nos servir há tempos e uma leve rajada de ar atemporal sopra contra nossos corpos. O
álcool inibe a queda de temperatura de fim de tarde.
Ashton toca violão e Aidan trouxe a percussão. Estamos cantando músicas em coro,
apesar de Chase sempre puxar o primeiro verso. Nesse momento, Willa está mostrando seu
dom para a música cantando Crowded Room, de Selena Gomez. Ash precisou entrar na
internet para pesquisar sobre a música, porque ele não escuta muito as músicas dela. A voz
de Willa embala a mesma sensação eletrizante que a de Bryan, além disso, dá para perceber
que canta com todo o coração. Ela fecha os olhos, move o corpo e gesticula com as mãos nas
partes mais intensas da música.
Na segunda vez em que diz amor, somos só eu e você, amor somos só eu e você, Willa
aperta as pestanas com força e inclina o corpo para trás, num movimento sutil. Ajudamos
no ritmo ao bater palmas, mas não cantamos com ela. Deixamos que Willa coloque toda sua
voz para fora, exponha a vivacidade de seus sentimentos em cada linha da canção.
Gravity se levanta para dançar e noto o olhar de Ashton a seguindo. Alguma coisa hoje
mudou entre eles e Effy também nota, porque ri balançando a cabeça. Sempre achei que ela
e Ashton tivessem alguma coisa; apesar de negar, nunca acreditei nela, mas vendo-a rir
para a reação de Ash enquanto Gravity dança, movendo o quadril e acompanhando as
curvas delineadas de sua cintura sobre o maiô preto, descubro que Effy nunca mentiu. Ela
nunca gostou de Ashton.
Willa volta para o início da música e é quando ela e Chase fazem um dueto – decido
começar a chamá-lo como gostaria, talvez tenha um motivo mais intenso do que
imaginamos –, e acho incrível como a voz de Chase, fazendo base para a de Willa, fica
perfeita.
— Acho que cheguei atrasado. — A voz faz com que nos viremos para a direção de onde
o som ecoa.
Bryan está de pé, vestindo calça jeans e uma camisa branca com o diamante cinza da
The Reckless estampado na frente do peito. A mochila pende de seu braço direito por uma
alça final e a mão em volta do tecido.
— Acha? — Aidan para de bater na percussão e abre um sorriso para Bryan.
Uma bola de saliva obstrui minha garganta.
A área de lazer aconchega nossos amigos, mas é como a música que Willa cantou
segundos antes, ninguém além dele importa.
Bryan abre um sorriso, que delineia todas as curvas que enrijecem seu rosto, e o brilho
que lampeja de seus olhos azul-oceano confortam meu coração da ânsia de revê-lo.
Os ombros esguios relaxam, a alça da mochila escorrega e ele a deixa para trás. Meu
corpo simultaneamente reage. Num movimento rápido fico de pé e ando depressa, quase
ganhando força para transformar os passos em uma corrida. Trombo com ele, seu corpo
rígido pego de surpresa e envolvo o quadril em um abraço. Bryan, apesar de ter sido
surpreendido, retribui meu ato de carinho e também afunda os lábios em minha cabeça,
deixa um beijo demorado sobre os fios de cabelo e, em seguida, sua coluna pende para trás.
Suas pupilas saltam para o meu rosto em questionamento. Eu não sei por quê, mas não
sinto que preciso ficar brava com ele. Embora tenha certeza de que me despedir de Bryan
não é mais uma coisa que queira fazer pelo resto da vida, não me sinto magoada por ele ter
voltado para Dashdown de repente.
Uma onda de assobios altos e brincalhões permeiam pelo ar até chegar a nós. Quando
me viro, Aidan bate na percussão e Ash uniu os dedos na boca para assobiar outra vez.
Willa o repreende, mas ele foge de sua mão com a tentativa dela de bater nele. Eles nos
chamam de volta para a roda e Bryan faz algo inesperado.
Ele me beija. Na frente de todo mundo. E não parece se importar com essa
demonstração de afeto repentina e principalmente escancarada.
O meu corpo estremece sob o toque de seus dedos na pele nua do meu braço e cada
centímetro de pelo se eriça. A pontinha calejada e áspera de seu indicador desliza pela
extremidade do meu antebraço e sua mão se fecha em punho no meu pulso, puxando-me
para mais perto. Se relutei no começo do beijo, não faço mais. Cedo a ele entreabrindo os
lábios e estocando a língua dentro de sua boca. Uma de minhas mãos se ergue,
entremeando os dedos nos fios de seu cabelo.
Escuto mais uma onda frenética de palmas e risadinhas. Bryan se afasta, com os lábios
se curvando em um sorriso satisfeito e não me limito a devolver a mesma felicidade em tê-
lo de volta.
Aidan ligou o aquecedor da piscina, o que nos trouxe de volta para a água. Ashton,
Chase, Gravity e Willa conversam em um canto da gigantesca estrutura, Aidan, Finn e Effy
foram para a cozinha preparar hambúrgueres caseiros – uma receita da família de Effy –,
mas ela só concordou se tivesse mais um par de mãos para ajudar. Apesar de ter melhorado
exponencialmente na cozinha, nem ela ou Gravity me veem como uma pessoa que poderia
contribuir com excelência quando se trata de cozinhar.
Bryan e eu não falamos muito depois do beijo. Nos reunimos na roda e nossas mãos
ficaram enredadas o tempo todo, mas não conversamos. Confesso que quero saber de tudo,
o que aconteceu e por quê, mas estou esperando que ele faça isso por vontade própria, sem
que eu tenha que dar uma de namorada – se é que posso me nomear assim – controladora e
obcecada. Ele enfrentou muitas coisas em um período curto, quero ser maleável.
Ele saiu há uns dez minutos para atender uma ligação do pai. Não vi o chamado, mas
acreditei nele e o vejo retornar com uma long neck na mão direita. Antes de voltar para a
água, deixa o celular em uma das espreguiçadeiras e a cerveja na orla da piscina. Salta,
imergindo por completo na água.
Sinto sua mão enlaçar meu calcanhar e sou puxada para baixo. Afundo e abro os olhos
para vê-lo na água turva. Em seguida voltamos à superfície. Bryan ri e limpa o excesso de
água do rosto. Faço o mesmo, só que tirando os cabelos encharcados do olho.
Eu me recosto ao ladrilho com as pernas dobradas, emergida até o pescoço pela água.
Bryan se aproxima e me beija outra vez. Sorrio contra a sua boca porque ele parece mais
“carente”.
— Quanto tempo eu tenho que esperar pra poder perguntar o que aconteceu? —
Estreito os olhos em sua direção. Eu prometi que ia esperar, mas como ele só me beija e me
abraça e não diz absolutamente nada, não consigo mais fingir que não ligo caso não queira
me contar. Está mais do que na cara que eu ligo sim.
— Você pode me perguntar o que quiser, baby — ele ri, estende a mão para ajeitar uma
madeixa molhada de cabelo atrás da minha orelha.
— Tá — bufo, porque está mais do que na cara que Bryan não pretendia me contar nada
se eu não perguntasse. — Foi grave? Alguém se machucou?
— Não. Minha madrasta meio que teve um sangramento. O médico disse que ela
poderia ter complicações na gravidez, porque já tem uma idade mais avançada —
responde, afundando mais na água até que ela esteja em seu queixo. Com o corpo cria uma
barreira, prendendo-me contra a parede da piscina. — E meu pai precisou de mim pra
cuidar da loja. Brooks e Emory não dariam conta sozinhos. E — levanta o indicador e o
pressiona contra minha boca quando percebe que estou prestes a entrar com mais
perguntas — Emory trabalha pro meu pai na administração.
Faço menção de que vou morder seu dedo e ele o afasta.
— Mas ela está bem?
— Sim, quer dizer, ela precisa parar de se esforçar tanto. — Ele brinca com a água, sem
olhar muito para mim. — A mulher tá grávida, mas não para um segundo de fazer as coisas.
Não conhece o significado da palavra sossego. Enfim, se ela seguir as recomendações do
médico de ficar de repouso absoluto pelos próximos quatro meses, o bebê e ela ficarão
bem.
— Fico feliz que ela esteja bem. — Apoio os antebraços em seus ombros largos e com
uma das mãos espalmadas em sua nuca, o puxo para mais perto.
— Como foi o jantar com seu pai aquele dia?
— Pensei que fosse me perguntar do Holder.
Bryan contorce os lábios em uma careta. Ele definitivamente não quer saber do Holder.
— Por quê?
— Depois daquele dia a gente não se viu mais.
— Holder não é mais um empecilho. Não estou muito a fim de falar dos caras com quem
você saiu ou dormiu nos últimos meses.
— Não foram muitos, sabe — digo, em tom provocativo. — Você ficaria chocado se
soubesse — sussurro, mordendo a lateral do lábio inferior e Bryan se remexe
desconfortável sob meus braços.
Ele ri em escárnio.
— Pra sua informação… — Eu o calo com um beijo e Bryan não reluta. — Melhor assim
— sibila, puxando meu lábio com os dentes.
— Meu pai também está com uma namorada nova — respondo à sua pergunta do
começo da conversa. Ele estreita os olhos, embasbacado. — Pois é, também achei estranho.
E você não vai acreditar quem é a mulher.
— Pelo amor de Deus, não aguento mais nenhum plot twist.
— Como assim?
Bryan ri displicente.
— Nada. É que você gostava do Sebastian, que gostava de mim e eu gostava de você,
mas namorava com a Lilah. Effy era a fim do Graham naquela época, mas ele queria sair
com você!
Ele se enrola todo e acabo não entendendo nada. Balanço a cabeça, rindo.
— A gente devia ter feito um ménage.
É a minha vez de distorcer o rosto em uma careta repulsiva.
— Quando você não está pensando diretamente em sexo, você está indiretamente
pensando nisso.
A cabeça de Bryan pende para trás, uma gargalhada gostosa escapa de sua garganta.
— Esquece, quem é a namorada do seu pai?
— Sophia Hernandez.
— Sophia Hernandez? — Bryan reflete, retorcendo os lábios como se isso fosse ajudá-lo
a se lembrar. Espero mais um pouco para ter certeza de que não acertará. — Sophia
Hernandez? — repete, em sussurro. — Puta merda, aquela Sophia Hernandez? — enfatiza.
O tom de incredulidade de Bryan representa completamente como eu fiquei quando
meu cérebro assimilou a imagem da mulher elegante e controlada ao lado do meu pai ao
nome. A sensação a seguir, um instinto primitivo de repórter que despertei no primeiro
semestre da faculdade, mostrou suas garrinhas e quis pressioná-la a contar todos os seus
segredos, para saber mais sobre a empresa.
— É exatamente aquela Sophia.
— Nicholas mandou bem!
Dou um tapa nele de brincadeira.
— Tá. Mas e a sua mãe?
— Não faço a menor ideia, quer dizer, falei com ela ontem e parecia bem. Não contei pra
ela, mas meu pai disse que eles conversaram e que estava tudo bem, então eu acho que
minha mãe sabe dos dois. É esquisito.
— Eu sei — diz aéreo. — Me senti estranho também quando soube que meu pai ia se
casar. Achei ele um tremendo de um filho da puta. Mas depois que a minha mãe conheceu o
Mathew e vi que estava bem, sei lá, a coisa toda mudou. E aí fui morar com meu pai e vi
como age com Daily. Nunca ficou tão óbvio pra mim que estavam bem melhor com outras
pessoas. Talvez para os seus pais seja assim também.
Acho que Bryan tem razão, mas não quero aceitar. Mesmo que a atual namorada dele
seja Sophia Hernandez.
— Senti falta de conversar assim com você — revelo, em um tom ameno.
— Eu senti falta de tudo com você, linda.
Bryan sorri e sua mão instintivamente desce pela minha cintura curvilínea. Mesmo na
água, seu toque consegue despertar todos os sentimentos sensíveis e sensações libidinosas
que alguém é capaz de sentir. A ponta de seu indicador sobe até a base lateral da parte de
cima do biquíni e escorrega com a unha em direção à borda da calcinha.
Arfo, desviando o olhar para o outro lado, onde Vity, Ash, Chase e Willa estão
conversando. Não parecem prestar atenção em mais nada senão no que Ash diz.
Dou um pulo quando a mão de Bryan resvala a parte de cima de minha virilha. Ele solta
uma risadinha baixa e me pressiona mais contra o ladrilho. Inclina-se sobre meu corpo
vulnerável para me beijar e, enquanto me distrai com o movimento sagaz de sua língua na
minha, a ponta de seu polegar brinca deliberadamente com meu clitóris por cima do tecido
do biquíni.
Bryan detém o movimento e um resmungo gutural escapa de mim quando Aidan grita
da porta de vidro que os hambúrgueres ficaram prontos.
Ele leva as mãos para as laterais da minha cabeça, apoiando-se às pedras que ladeiam a
piscina e solta um palavrão baixo. Sua testa encosta em meu ombro e se desmancha em
frustração.
— Ei, vocês dois!
Levanto a cabeça para ver Aidan apontando para nós.
— É bom que vocês não tenham feito nada na minha piscina!
— Não enche o saco, Aidan!
Bryan sai primeiro e estica a mão para me ajudar a sair também.
— Eu vou entender isso como um quase — ele ri e passa o braço por cima dos ombros
de Bryan, sem se importar que ele esteja encharcado. — Cheguei numa hora ruim?
— Na pior possível.
Bryan foge das garras de Aidan e estende a mão para mim.
Essa é uma cena que eu nunca imaginei que nós dois estaríamos envolvidos, quer dizer,
quando eu o reencontrei, Bryan dizia insistentemente que nunca cederia para nenhuma
garota, que a banda sempre seria uma prioridade. Não havia nenhuma remota chance
sequer disso mudar. Mas olha só onde estamos agora?
Não só restabelecendo prioridades como criando outras.

“De volta do perigo
De volta dos mortos
De volta, antes que os demônios
Tomassem o controle da minha mente
De volta ao início
De volta ao meu coração
De volta ao garoto que alcançaria
As estrelas”
BACK FROM THE EDGE – JAMES ARTHUR

Antes do caos, estou acostumado à calmaria. Essa ligeira sensação de que ainda há
esperança, de que tudo ficará bem e você não só pode como deve acreditar.
A onda de tranquilidade que me invade nesse momento é como um prelúdio de que
muito em breve, serei absorvido mais uma vez por uma rajada imprevisível de caos que a
vida me preparou. Ah, porra, não estou sendo mesmo vitimista. Estou apontando um fato
óbvio se tratando da minha vida. Sempre que tudo vai muito bem é porque uma merda pior
está por vir, estou acostumado a isso. Mas tudo tem um porém. O meu porém está sentada
ao meu lado, rindo de Ashton, que colocou duas batatas palito no nariz e faz caretas para
Finn. Apostaram que ninguém conseguiria fazê-lo rir e Ashton está muito a fim de ganhar
uma grana extra.
Mackenzie é o elo que me conecta ao cara que eu costumava ser antes do caos. Muito
tempo atrás, antes de eu ser preso e minha mãe falecer, eu me considerava uma pessoa
diferente. Eu me transformei e renasci tantas vezes, por motivos e de formas diferentes,
que, às vezes, me esqueço de quem eu sou. Quem é o Bryan? Onde é o meu lugar? E onde eu
me encaixo? Todas essas perguntas desaparecem quando estou com ela. Não importa quão
fodida esteja a minha vida, o meu elo me conectará ao meu eu de novo.
Passei os últimos dois dias me perguntando se, quando me visse, Mackenzie estaria com
tanta raiva por eu ter furado com ela que terminaria comigo. Fui surpreendido de maneira
bastante positiva quando ela me abraçou. Naquele momento, nada importava além de nós
dois. É a melhor e pior sensação de todas. A melhor, porque sei que tudo que passamos e
precisamos superar para ficarmos juntos fez com que déssemos certo. E pior, porque nem
sempre Mackenzie vai compreender e eu tenho consciência disso. Mas ter consciência não
significa que esteja pronto.
Mastigo um pedaço do hambúrguer e rio, porque Ashton acaba de fazer Finnick
gargalhar. Todos à mesa acabam comprometidos, Ash não deixará ninguém em paz até que
receba cada centavo da aposta.
Por fim, o foco do assunto se torna a minha vida pessoal. Não estava tentando esconder
deles sobre Daily e o bebê, nem nada disso, só não tinha encontrado a brecha certa para
contar. Afinal, os caras da banda são a família que encontrei por aí e escolhi como minha.
Assim que abro a boca para começar a falar sobre Dashdown e o que houve nos últimos
dois dias, os olhares cravam em mim.
Mackenzie come sem prestar muita atenção porque já escutou a história e mesmo assim
tem as mesmas reações que o resto deles. Um pouco de surpresa contornando os olhares,
se unindo à orgulho e felicidade. Apesar de terem conhecido Brooks, nenhum deles
acreditou que eu estivesse mesmo disposto a fazer as pazes com meu pai.
Contudo, Aurora, minha meia-irmã, que está vindo ao mundo daqui quatro meses,
parece motivação o bastante para que as muralhas ao redor de mim, que impediam meu pai
de se aproximar, desmoronarem no minuto em que escutei o coração da menininha na sala
da obstetra. Essa garota nem nasceu e já a considero um elo forte da minha vida, que me
manterá ligado ao meu pai mesmo que eu não queira. Sei lá, nunca quis ter um irmão ou
irmã, nunca pensei nisso, mas comecei a me questionar que faria toda diferença na minha
vida.
Por exemplo, se eu tivesse um irmão ou uma irmã quando minha mãe morreu, a minha
dor poderia ter sido mais fácil. Eu teria alguém para me compreender, para compartilhar o
que eu sentia. Pela primeira vez entendi todas as reações, sensações, sentimentos e medos
que Lilah tivera quando Sebastian morreu. Para ela, ele era seu alicerce, seu mundo, assim
como minha mãe era para mim. E por sinal, penso nela bastante ultimamente. Na real,
desde que minha mãe morreu. Se eu disser isso em voz alta, para qualquer um dessa mesa,
ninguém compreenderá o porquê.
— Então você vai ser tipo o irmão mais velho? — Chase sorri. — Eu tenho uma irmã.
Muda toda a sua vida pra melhor.
— Não sei como é que você pode dizer uma coisa dessas! — Willa o encara, repreensiva.
— Aidan e eu brigamos o tempo todo. É insuportável.
— Porque você é insuportável! — Aidan rebate em defensiva.
— Depende de que ângulo você olha — Ashton diz, ele parece sério agora que entramos
no assunto “irmãos”. — Meu irmão, por exemplo, assim que entrou para a Marinha ficou
arrogante pra cacete. Nós dois não nos damos bem. É um fato.
— Porque você é arrogante na mesma medida, então vocês ficam competindo quem é
mais. — Gravity pega uma batata frita de seu prato e aponta o alimento para Ash antes de
colocá-lo na boca. — Escuta o Chase, Bryan. Ter uma irmã é um máximo.
Uma discussão sobre os prós e contras de termos irmão é pautada. Não sei quem vai
vencer, mas tenho certeza de que estou no time de que ter irmão é foda. Estou ansioso para
esse papel de irmão mais velho.
— A gente vai poder visitar quando ela nascer? — Ash bebe um gole de cerveja de sua
long neck, olhando para mim.
— Não sei se a minha madrasta quer um bando de brutamontes pegando a Aurora —
rio, e tombo a cabeça para facilitar a cerveja a descer pela goela. — Mas é, acho que podem.
— Vocês vão dar uma de machões superprotetores com a menina, né? — Mack pega o
copo de refrigerante e beberica. — Estou até vendo que a pobre Aurora nem nasceu e terá
que lidar com vocês, uma pena — brinca e gargalhamos em coro.
— O papo tá bom, mas preciso ir. — Chase se levanta, ajeita a jaqueta de couro e Finn
faz o mesmo.
— Me dá uma carona? — pede.
— Sem problema.
— Vocês não querem ficar? Arrumo um quarto de hóspedes pra vocês.
— Dormir com o Ashton no mesmo quarto? — Chase dá um tapa na cabeça de Ash para
provocá-lo. — Nem fodendo! — ri e começa a se direcionar para a saída.
— Vai à merda, Chase! — Ashton dispara e se inclina para tentar atacá-lo, mas Chase
desvia. — Até parece que a gente ia mesmo dividir um quarto. Essa mansão é enorme, deve
ter tantos quartos de hóspedes, que a gente iria se perder!
— É melhor eu voltar. — Finn dá de ombros e todos entendem o que aquele olhar
significa. Por mais que queira ficar, por causa da preocupação com a mãe, ele não vai.
Isso me leva a pensar nas coisas que me disse meses atrás, quando Mackenzie e eu
oficializamos o relacionamento. Ele é tão ansioso para sair da cidade, mas não tenho
certeza se conseguiria. A sua mãe é o que enraíza Finnick a ficar em Humperville.
— Fica para uma próxima. — Chase acena, despedindo-se de todos.
Aidan os acompanha até a saída e a mesa fica estranhamente quieta quando eles se vão.
Ashton come em silêncio, Gravity, Willa, Effy e Mack fazem o mesmo. Escuto os sons da
mastigação e o ronco do motor do carro de Chase invadir a cozinha onde estamos reunidos.
— Eu os convidei pra comer com a gente amanhã — conta Aidan retomando seu lugar à
mesa. Apoia os cotovelos sobre o tampo e pega o lanche do prato. — Vocês vão ficar, certo?
— É claro que eu vou ficar — Ashton diz. — Ainda temos uns três coolers com long
neck. Eu vou encher a cara!
Um coro de risadas se unifica no ambiente, irrompendo da cozinha até a sala de estar.
Encaro os rostos familiares e animados com a companhia um do outro.
Ashton rapidamente corre para a dispensa, pega um cooler cheio e distribui uma long
neck para cada um de nós. Effy recusa estendendo a mão para refreá-lo na insistência.
Mackenzie reluta a princípio, mas acaba cedendo também. Ash nem pergunta se quero
continuar bebendo, tira a tampa da garrafa e a coloca na minha frente.
A conversa continua e, dessa vez, estão falando sobre a festa. Aidan deu uma festa de
aniversário premeditada, mas seu aniversário é só na terça-feira, dia 12 de maio.
Sorvo um gole longo da cerveja e Mackenzie recosta à cadeira. Passo o braço por cima
do encosto sem que perceba. Ash nota e, antes que faça um comentário estúpido, paraliso-o
com um olhar estreito repreensivo. Effy repara sufocando um sorrisinho. De repente, sinto-
me mal que nossa amizade esteja em corda bamba. Ela é como uma irmã mais nova para
mim e dei tanta mancada nos últimos meses que não espero que me perdoe de primeira. Ao
mesmo tempo, não sou bom em “correr atrás do prejuízo”. O meu jeito de lidar com tudo foi
ignorando o que eu sentia e o que as pessoas sentiam a meu respeito. É claro que tenho
feito progresso pelo meu relacionamento com Mack, mas não consigo ser assim com todo
mundo. É uma merda.
— Estive pensando. — Gravity apruma a postura, segura a long neck entre as duas mãos
— Meu aniversário de vinte e dois é em julho, vocês acham que o Jack me deixaria dar uma
festa?
Os olhares miram Gravity.
— Por que você quer dar uma festa grande assim? — Ash lança um olhar investigador
para Gravity.
Ela morde o lábio inferior e a postura das pessoas sentadas à mesa mudam. Ninguém
morde a boca daquele jeito, nem enrijece os músculos dos ombros por “nada”. Alguma coisa
está acontecendo com Gravity, não só Mackenzie ou Effy compreendem, como até o próprio
Aidan, que a odeia – mas não acredito mais que completamente.
— Eu fui aceita — diz em tom ameno, apesar do desdém ao jogar os ombros, o canto de
sua boca se contorce até que um sorriso irrompe. — No curso da Amélie Fay, em Paris.
— Meu Deus — Willa murmura em tom incrédulo, mas com um fiapo de orgulho. —
Meu Deus! — repete, se afastando. — MEU DEUS!
— Sim, eu sei. — Gravity abre ainda mais o sorriso. Ela está feliz, dá para perceber, mas
tem mais alguma coisa e, de novo, não sou o único a notar.
— Parece que você não tá tão animada com a ideia. — Ash empurra a cadeira com o
peso do corpo e ergue os pés descalços para alcançar outra cadeira. — Que foi?
— Eu estou animada, só com um pouquinho de medo — esclarece com um tremor na
voz. — É Paris. É Amélie Fay. — Vity suspira, amparando a testa na mão aberta. — Porra, é
a Amélie Fay — repete num tom de voz baixo e comedido. — Vocês têm ideia do que é
estudar com uma das estilistas mais renomadas do século XXI? — murmura, embasbacada.
Gravity se afasta da borda da mesa, comprimindo os lábios até que sua boca se torne uma
linha dura branca. — É surreal.
— Você merece, Gravity. Parabéns! — Mackenzie se levanta, o que acorda todo o resto
para fazer o mesmo e puxa uma salva de palmas para a amiga.
Instantes depois estamos em fila indiana para cumprimentá-la na cozinha, exceto Aidan,
que sumiu minutos depois de Vity contar a novidade.
Não sei como a garota conseguiu se manter sob controle o dia todo, como se a sua vida
não fosse virar de ponta cabeça nos próximos meses. Por um lado, entendo seus receios e a
angústia. É um passo para perto de realizar um sonho, mas também para se afastar de tudo
que conhece e ama. Gravity tem uma vida aqui.
— Você cuida bem da minha amiga — sibila quando chega a minha vez. O tom firme de
sua voz não consegue camuflar o tremor de seu indicador apontado para o meu peito. —
Juro, Bryan, se a fizer chorar de novo, saio da França para vir aqui arrancar seu pau. — Dá
duas leves batidas na superfície do meu ombro e Vity se afasta, com um suspiro. Fecha os
dedos em volta do meu bíceps para não me afastar. — Estou de olho em você, querido.
Gravity me assusta. Não sei como Aidan não tem medo dela.
— Eu vou entender isso como um “vou morrer de saudade, Bryan”.
— Com certeza, não vou morrer de saudade.
Atrás de mim é Ashton. Eles conversam um pouco. Gravity só vai embora no começo de
julho, mas é como uma despedida. Ter anunciado sua aceitação no curso de verão faz com a
ficha dos seus amigos comece a cair. O choque maior é em Mackenzie e Effy, como o
previsto. Ambas estão com os olhos marejados de choque. Elas até se abraçam em grupo,
como se fosse a última vez que fossem se ver.
Ashton está recostado na coluna entre a cozinha e a sala de estar. Dou privacidade para
as garotas conversarem e vou até ele. De braços cruzados, parece mal-humorado.
— Que cara é essa?
— Cara de quem acha que Gravity não devia ir.
— Ah, vocês são próximos? — Cruzo os braços ao lado dele, a tempo de vê-las rindo
alto. Willa parece estar fazendo planos do lugar onde podem morar. Ela não foi aceita, mas
pretende ir mesmo assim.
— Nem um pouco.
— Qual é o problema então?
— Não sei, na real. Deixa pra lá.
— Você ficou sério de repente, sem piadinhas?
— Ah, não enche o saco, Bryan! — bufa frustrado.
— Eu estou dando graças aos céus! — Aidan aparece ao lado. Sua expressão também é
uma careta de desgosto. O que deu nesses dois?
— Não parece — implico, pendendo o corpo para o lado para estudá-lo melhor. —
Parece que você tá mais preocupado? Ou interessado nela?
— De repente, você começou a falar tanta merda. — Aidan me encara por uma fenda
entre pálpebras e pestanas. — Não viaja.
Dou de ombros.
— Apontando fatos, é o que estou fazendo.
— Você não tem um monte de problema pra resolver?
— Se ficou irritado, é porque aí tem coisa. — Ashton entra na minha brincadeira,
balançando as sobrancelhas em uma dança sugestiva, o que deixa Aidan mais irritado. —
Qual é, cara, quanto mais ódio tem, mais gostoso é o sexo.
— Faz sentido.
— Peguem toda essa tensão entre vocês — Ash une as mãos, fazendo uma concha — e
resolvam esse problema da raiva de um jeito mais divertido. É melhor trepar que levar um
soco na cara, não é? — Ele tenta segurar a risada, porque se refere ao dia que Gravity bateu
em Aidan no hospital.
— Foi um tapa — meu amigo o corrige. — Não um soco.
— Ela ferrou a sua dignidade. Qual a diferença?
— Vocês dois parem de falar tanta merda. Já separei os quartos, quem fica com a louça?
— Aidan fala alto o bastante para chamar a atenção das garotas.
Ashton e eu trocamos um olhar, coibindo a risada e a engolindo goela abaixo só para
não ferir ainda mais o ego de Aidan. Se gosta ou não de Gravity, não sabemos, mas que rola
um lance entre eles, uma conexão física, isso com certeza tem.

Mackenzie se oferece para lavar os pratos. Ashton e Aidan vão para a adega de uísques
do Sr. Lynch. Effy, Gravity e Willa vão para a sala de jogos. Fico com Mackenzie para ajudá-
la. Sei que precisou aprender a gostar de muita coisa desde que saiu da casa dos pais, mas
tenho certeza de que lavar a louça ainda é algo que detesta.
Limpo os pratos e os coloco na lava-louça, Mackenzie tira a mesa e joga as sobras de
comida no lixo.
Com um saco de lixo preto na mão, começa a pegar todas as garrafas de long neck vazias
espalhadas pela casa. Sabemos que Rowan passará um pente fino amanhã de manhã em
toda a mansão, para ter certeza de que não quebramos nada de Darnell nem assaltamos sua
adega – embora seja exatamente isso que Aidan e Ashton estejam fazendo nesse momento
– ou que não ficou para trás qualquer resquício de sujeira pós-festa.
Olho por cima do ombro, à procura de Mackenzie. Está debruçada sobre a mesa,
passando um pano úmido e tenho a visão perfeita de sua bunda redonda e empinada
quando se inclina para alcançar toda a mesa. Veste um short jeans branco que delineia as
curvas suntuosas e consigo ver perfeitamente o contorno da calcinha preta do biquíni. O
sangue queima na minha virilha com a visão e até me esqueço da torneira aberta.
— Bryan? — Sua risada coloca meu raciocínio no lugar e fecho a torneira. — Vai gastar
toda a água do mundo enquanto me assiste limpar a mesa?
— Ah, se você tivesse a visão que tenho…
Ela para o que está fazendo e cruza os braços na frente dos seios. Sobre a regata
vermelha justa, que se assenta em seu corpo como uma segunda pele e faz seus seios quase
saltarem pelo decote em V do colo.
— E o que você está vendo?
— Sua bunda — confesso com um sorriso malicioso.
Mackenzie larga o pano úmido na mesa e leva as mãos para a própria bunda.
— Algum problema com ela?
— Ah, linda. Problema nenhum.
Ela mordisca o lábio inferior, provocando-me.
— Que foi então?
— Pode ser a saudade, mas você ficou mais gostosa.
— Estou te deixando de castigo, por enquanto. — Sorri e me envia uma piscadela de
esguelha.
Volta a pegar o pano para continuar sua limpeza.
— De castigo? — Pego um pano de prato para enxugar as mãos e me viro, recosto a
lombar à borda da pia.
— Sim. De castigo. Primeiro, você voltou há mais tempo do que disse. Segundo,
desapareceu sem mais nem menos e me deixou no escuro, sem saber de nada, desde
quarta-feira. Não é como se eu também não quisesse transar com você aqui, — Mackenzie
passeia com o dedo pela mesa e, em seguida, transfere sua provocação para a ilha de
mármore. Minha mente instantaneamente projeta a imagem de nós dois fodendo nessa ilha.
— Mas você não merece nada disso. — Lança o pano para cima e o pego no ar, piscando
delicadamente com inocência.
— Você sabe que tenho um fraco por joguinhos.
— Hum... — murmura, estreitando os olhos. — Eu sei. É por isso que jogo eles com você.
— Então você quer jogar de novo?
— Se eu me lembro bem, da última vez, você perdeu. — Mackenzie esquece o pano
úmido por um tempo na mesa. Debruça sobre a ilha de mármore preto e entrelaça os dedos.
O decote de sua regata se alarga, evidenciando a fenda voluptuosa de seus seios. — Tá com
medo? — Ela ri em seguida.
— Com medo? — Afasto-me da pia e me aproximo, desfazendo o nó dos braços. Seguro
a lateral da ilha, fecho a mão na pedra e afundo os dedos com força. Me inclino um pouco,
minha respiração pode tocar a ponta de seu nariz e Mack consegue sentir meu hálito dali.
— Linda, não tenho medo de joguinhos de sedução.
— Deveria. Você sabe que, se tratando de sexo, seu autocontrole não é bom.
— Mackenzie, meu autocontrole se tratando de sexo é excelente. A última pessoa com
quem transei foi você. — Arqueio uma sobrancelha e me inclino mais, quase tocando sua
boca desta vez. Entretanto, ela foge, as pupilas saltadas estudam meu rosto com atenção
redobrada. — Não sei por que parece surpresa. Não é a primeira vez que fico sem transar
por sua causa.
— Eu transei com o Holder — confessa em um burburinho baixo.
Apesar de sentir meu sangue ferver com a menção disso e de ficar com raiva por ter
perdido a chance de socá-lo naquele dia no estacionamento, não quero que ela se sinta
culpada por ter feito algo que queria no momento em que eu não podia estar aqui por ela.
Contorno a ilha e fico de frente para ela. Seguro-a pela mão e a trago para perto. Prendo
uma mecha de cabelo atrás de sua orelha e deslizo o dedo para sua nuca.
— Transei com muitas outras garotas antes de você. Quem liga e fica contando?
— Não te incomoda?
— Pra caralho! Mas, infelizmente, você estava solteira, o que eu poderia ter feito?
— Para começo de conversa, você nunca deveria ter terminado comigo — diz
emburrada e me segura pela gola da camisa. — Babaca! — resmunga baixo, desviando o
olhar.
Nunca pensei na proporção do sentimento ou como terminar com ela poderia afetá-la,
mas agora vejo. Mackenzie tentou ser madura, compreender que eu precisava de um tempo
e tentou muito não ficar magoada comigo por ter terminado com ela. Porém, consigo
enxergar em seus olhos como a afetou, não o fato de eu ter ido embora, mas de ter sido uma
coisa tão… natural. Não foi como quando Lilah precisou partir ou quando Mackenzie
precisou. Nós estávamos bem, mas não estávamos juntos. Foi aceitar que você tem que
deixar alguém que ama ir, pensando só na felicidade dela e não na sua. Pensando só em
como ela se sente e não em como você ficará. Foi e é uma profusão de sentimentos que a
englobam, consigo enxergar sua luta para ficar bem comigo e esquecer que terminar com
ela partiu seu coração.
É difícil esquecer um coração quebrado, é mais complicado ainda esquecer quem fez
isso com você.
Eu a puxo para perto e a abraço. Beijo o topo de sua cabeça e descanso a bochecha ali.
Mackenzie me abraça pela cintura, de olhos fechados. Uma brincadeira boba, uma tensão
sexual, de repente se transformou num drama. Odeio isso.
— Mas sou o seu babaca.

Não sei por que diabos as pessoas se mudam. É uma merda. São caixas para
desempacotar, móveis para colocar no lugar e, às vezes, você até precisa pintar o lugar para
onde está se mudando.
Brooks veio de Dashdown para me ajudar com a mudança, trouxe a caminhonete
vermelha da minha madrasta e conseguimos colocar tudo na caçamba. Ashton, Aidan, Finn
e Chase vieram para me ajudar a colocar as coisas no lugar. Estamos estirados na sala,
respirando pesado e cheirando a suor porque passamos o dia todo pintando as paredes da
sala de branco para cinza escuro.
O apartamento tem três quartos, uma suíte e uma sala enorme arejada, com janelas que
ocupam uma parede inteira. A cozinha não é diferente dos outros apartamentos que estou
acostumado a ver, mas o balcão fica na vertical e não horizontal.
Olho para o espaço, com a cabeça jogada para trás e me dou conta de que Math tem
razão. Nem em um milhão de anos sonharia em morar em um lugar assim. O chão da sala é
de uma madeira marrom mais escura e que brilha dependendo da maneira como o sol toca
o chão. Todo o mármore que reveste a ilha da cozinha e a pia é preto, com uma mescla
esverdeada. Os armários, sob medida de tom carvalho, combinam com os eletrodomésticos
novos que comprei de aço escovado.
— Você ficou rico — Ashton observa, contemplando o espaço aberto da sala.
Math queria que eu ficasse com o sofá, mas não quis. Enviei-o para a doação. Aquele
maldito sofá me traz muitas lembranças da minha mãe e como foi tudo tão rápido na minha
vida nos últimos meses. Só quero fazer tudo devagar agora, para compensar os saltos
malucos que tenho vivido.
— Minha mãe facilitou a minha vida por, pelo menos, uns dez anos — reflito, ainda
digerindo minha conta bancária com mais zeros que nunca tive o prazer de ver. Aflição e
tranquilidade são dois sentimentos que brigam dentro de mim por causa disso. Tenho a
responsabilidade de não fazer merda em memória a ela. — Mas quero continuar ganhando
dinheiro. — Aperto a mão em volta da garrafa de plástico. — Precisamos aumentar os
shows da The Reckless.
— Estou cuidando disso — diz Chase, de olhos fechados. — Já que é um trabalho onde
vocês dedicam cem por cento do tempo…
— Eu não — Aidan explica porque ele pretende começar a fazer administração esse ano,
já que ano passado deu tanta merda que nem conseguiu iniciar as aulas. — Quero me
concentrar na faculdade também.
Finn vira a garrafa para beber um gole denso de água e vira a cabeça para encará-lo.
— Já pensaram como vai ser quando a banda estourar?
Todos olhamos para Finn.
— Eu não — Brooks ri. — Não faço parte dela.
— Já pensei. Eu iria aproveitar cada segundo da fama — Ashton confessa e, às vezes,
fico preocupado com o que a fama faria com a cabeça desse cara. — Festas. Dinheiro.
Mulheres.
— Se a reputação da The Reckless depender de você, Ash, estamos ferrados — Chase faz
uma provocação barata, que Ash não compra.
— Quando tiver dinheiro o suficiente, quero me mudar para cá — Brooks diz, pensativo.
— Montar a minha própria oficina.
— Algumas pessoas têm sonhos menos audaciosos — Aidan delibera. — Não deve ser
difícil montar uma oficina. Se precisar de apoio financeiro, posso falar com meu pai. —
Brooks arregala os olhos, surpreso e não diferente do resto de nós. — Que é? Meu pai vai
arcar com todos os custos de Gravity em Paris, ajudar o Brooks a abrir uma oficina seria
moleza.
— Valeu, Aidan. Não recuso a proposta, mas quero tentar fazer isso sozinho.
Conheço Brooks. Ele poderia aceitar, mas não ficaria com o dinheiro por muito tempo.
Veria Darnell como um agiota e teria pressa para pagar cada centavo que usou para a
oficina. Sei que o pai de Aidan é um cara que estende a mão para amigos e família, mas não
fez por Faith e Bailey quando precisaram, por que Brooks seria diferente? Ou Bailey é
orgulhosa demais para aceitar ajuda. O que quer que tenha sido, tivemos alguém bem
próximo de falir completamente e ninguém conseguiu ajudar. Prefiro pensar que as irmãs
Jones não aceitaram a grana.
Afinal, Darnell poderia ter tirado a mim e minha mãe da fossa, mas não aceitamos. É
comum que o orgulho seja maior que a necessidade.
Meu celular toca a poucos centímetros dali. Me arrasto pelo chão em direção a ele e tem
uma notificação de Mackenzie.

Mack: Algum compromisso hoje?

Bryan: Se eu tiver, eu desmarco.

Mack: Hum... Conheço essa tática, McCoy. Tá sendo fofo com segundas intenções.

Bryan: Calúnia!

Mack: Entãooooo, o que você acha de sairmos hoje?

Bryan: É quinta-feira. Não tem nada pra amanhã?

Mack: Desde quando você se preocupa com esse tipo de coisa? Quero conhecer seu
apartamento.

Paro de digitar e olho para Brooks.
Acabo tendo uma ideia.
— Como tá a agenda da The Reckless no fim de semana?
— O show de sábado, no Anarchy, foi transferido para a sexta, às dezoito horas — Chase
explica. — Show no Purple Ride, às vinte e duas.
— Estamos livres no fim de semana?
— Se nada surgir, sim — Aidan responde.
— Não marquem nada.
— Por quê? Ficou com a agenda lotada de repente? — Ash brinca, esticando-se para ler
as mensagens no meu celular.
— Vou viajar no fim de semana.
Nenhum deles entende, mas abro meu maior sorriso digitando uma nova mensagem
para Mackenzie.

Bryan: Vamos sair hoje. Que horas te pego?

Mackenzie tem um perfume marcante e incendeia meus pensamentos. Estou tentando


entrar no jogo dela, não me deixar levar pelas provocações, mas existe uma diferença
grande entre meu autocontrole com outras garotas e ela. E o pior é que Mackenzie tem total
consciência disso e faz de propósito.
Está usando uma saia jeans justa, com sua meia arrastão por baixo, cropped preto de
mangas compridas e a jaqueta de couro por cima. Os cabelos amarrados em um rabo de
cavalo, com alguns fios emoldurando o rosto arredondado. Cantarola baixinho Void, de The
Neighbourhood, movendo-se no ritmo da música. A cada parada de sinal vermelho, fico
mais vidrado nela.
O jeito como a amo é tão surreal como o medo que tenho de perdê-la. Dois sentimentos
diferentes no fogo cruzado. Sonho com os meus erros e ela se cansando de cada um deles.
Privo-me de ir mais intensamente, porque posso não merecer o que sente por mim. Carrego
o peso de querer ser o ideal para ela sabendo que isso de ideal é só a própria definição: uma
ideia vazia.
Descanso a mão em sua coxa, aperto seu joelho com suavidade e Mackenzie sorri para
mim em aprovação. Ela apoia a mão no meu encosto e acaricia minha cabeça devagar.
Convidei-a para sair, mas não tinha ideia de onde levá-la até me lembrar do drive-in. Não
tinha certeza de que ainda funcionava, já é ultrapassado há muitos anos, mas todo mundo
continua o preferindo para reprises de filmes antigos e, por incrível que pareça, o filme no
cronograma de hoje é Grease.
Quando entrei no site e vi, foi como um sinal divino para levá-la.
Assim que chegamos, o estacionamento do drive-in está quase vazio, por isso consigo
um lugar bom. Reclino um pouco meu banco e Mackenzie faz o mesmo com o seu. A
próxima música é Nervous, ainda de The Neighbourhood. Já cantei a música no show da The
Reckless várias vezes e adoro como a música tem uma história por trás.
— Não acredito que viemos no drive-in! — ela ri, satisfeita, encara o telão apagado à sua
frente e se inclina para me beijar depois. — Obrigada.
— Te trouxe no seu aniversário de quinze anos.
— Eu me lembro. Não quis uma festa e você me deu esse anel. — Levanta a mão para
mostrá-lo. — O que me lembra… — Mackenzie desce os olhos para minhas mãos, analisa
por um tempo meus dedos e fico confuso. — Você estava usando algum tipo de aliança no
noivado do Darnell.
Dou risada.
— Não era minha, na verdade. Encontrei nas coisas da minha mãe.
Mackenzie relaxa.
— Se um dia usar uma aliança será a nossa, linda. — Pisco para ela e Mackenzie
enrubesce.
Descobri uma coisa que adoro fazer, que é vê-la corar. Acontece muito quando sou
“fofo” ou “romântico” e gosto de vê-la sem graça por minha causa. É a sensação de que
estou falando ou fazendo a coisa certa, dizendo palavras que gosta de ouvir. E até hoje não
tenho do que reclamar de suas respostas e reação. Enquanto Mackenzie estiver sendo feliz,
vou continuar falando coisas do tipo.
As luzes se apagam e o telão acende, dando início ao filme. Não consigo prestar atenção
na droga do filme, embora eu queira muito. Estou vidrado em olhar para ela, admirá-la e
até mesmo considerar um merdinha sortudo demais só por estar com Mackenzie aqui.
Nada me tira da cabeça de que não fiz nada de extraordinário para experimentar um
sentimento tão bom.
É como se todo o passado tivesse desaparecido num piscar de olhos e toda a raiva que
senti no começo nunca tivesse existido, que nunca fez parte de mim e do meu coração. É
como se, durante uma vida inteira, só ela estivesse dominando tudo. Isso é insano e tenho
vontade de perguntar para ela se sente o mesmo que eu.
— O que foi? — Mack ri, balançando a cabeça ao me flagrar a fitando. — Você não para
de me olhar. Não quer ver o filme?
— Quero.
— Então presta atenção. É o nosso filme.
Encolho-me no banco. Sandy e Danny estão cantando Summer Nights. Nós cantamos
com ele, como se estivéssemos de volta ao karaokê, quase cinco anos atrás.
Quando a música termina, risadas irrompem de nós e o carro é englobado por elas.
— O que vai fazer no fim de semana? — Intercalo entre olhar para o filme e ela.
— No fim de semana? — Entorta os lábios enquanto reflete. — Nada, eu acho. Por quê?
— Queria te levar num lugar.
— O fim de semana todo?
— Sim. Algum problema? — Apoio o cotovelo no volante e rio.
— Só nós dois?
— Pense como um… quarto encontro.
— Tá, tudo bem. Para onde nós vamos?
Mackenzie nem presta mais atenção ao filme. Dobrou uma das pernas e está sentada
sobre ela, com o cotovelo apoiado na superfície do encosto do banco e olhando para mim,
sorrindo.
— Hum... — murmuro, solto um suspiro pesado e estreito os olhos. — Se eu te contar,
perde a graça.
— Tudo bem, tem razão. — Levanta as mãos rendidas.
— Mack.
— Que foi? — Ela já voltou a olhar para o filme, mas não consigo me concentrar.
— Tem uma coisa que…
O celular toca no painel do carro. Mackenzie se estica quase no mesmo instante que eu.
É o nome de Brooks na tela.
— Você tá atrapalhando meu encontro, seu idiota! — resmungo e Mack ri, negando com
a cabeça.
— Você precisa voltar. — Meu sorriso desaparece. — Aconteceu uma coisa.
Pigarreio, aprumando-me. Tento manter a estabilidade para não a preocupar.
— Com você?
Minha resposta a faz virar a cabeça.
— Comigo não.
— Então pode esperar — cochicho.
— Não pode. Precisa voltar. Agora.
Solto uma lufada de ar pela boca.
— Chego daqui a pouco.
O sorriso no rosto de Mackenzie desaparece.
— Qual o problema?
Encerro a chamada e jogo o celular abrupto no painel de controle. Solto um palavrão e
Mackenzie sobressalta. Esfrego os olhos com a ponta dos dedos.
— Aconteceu alguma coisa com o Brooks. Desculpa, tenho que voltar.
Subo o encosto do banco e giro a chave na ignição.
— Quer que eu vá com você?
— Não! — respondo, ríspido. Sua testa vinca. — Não precisa. O que quer que tenha sido,
ele não vai querer compartilhar com ninguém mais. Desculpa.
— Eu entendo.
Ela diz que entende, mas continua com a expressão pétrea de desgosto.
— Foi mal, Mackenzie.
— Eu disse que entendo, Bryan.
Assinto e saio do estacionamento do drive-in.
É o que eu disse: calmaria é um prelúdio do caos que vem a seguir.

“Sim, construímos castelos com sofás
Fogo sem fósforos
Promessas feitas sem medo de queimar
Agora estamos sempre repensando
Achamos que a felicidade é caro
Mas toda vez que estou com você, eu reaprendo
São as coisas invisíveis que eu mais amo
É o jeito que eu sinto quando eu te abraço
Porque todo o resto vem e vai, oh, vem e vai”
INVISIBLE THINGS – LAUV

Gravity só vai embora no começo de julho, mas colocou todas as suas roupas para fora
do closet e convenceu a mim e Effy a ajudá-la com a preparação das malas, afinal serão mais
de dois meses fora e uma quantidade peculiar de camisetas pretas. Apesar de ser uma
estudante de moda e uma maravilhosa estilista, Vity é muito prática. Roupas básicas e só
abusa no visual em festas importantes, como o noivado de sua irmã ou a recepção na
universidade no ano passado; fora isso, a composição de seu guarda-roupa é uma mistura
de short jeans curto rasgado, botas com salto baixo e de cano alto e uma considerável
coleção de cropped e blazer xadrez.
Pela maneira abrupta como soca as peças de roupa na mala, posso perceber que seu dia
não foi melhor que o meu e de Effy. Além do que aconteceu ontem no meu fiasco de
encontro, tivemos um dia cheio na Font News hoje. Angel está uma pilha de nervos por
causa de Darnell, que simplesmente a apunhalou pelas costas. Definitivamente, a revista
local e Angeline se tornaram inimigos em potencial de Darnell Lynch e seu negócio. Angel
fará tudo que estiver ao seu alcance para “desmascarar” o proprietário de uma das maiores
boates da cidade. Enfim, a coisa está feia no trabalho e os setores estão se desdobrando
para conseguir competir com o jornal. Não sei por que Angeline não abriu um jornal ao
invés de uma revista, já que seu foco é o jornalismo investigativo.
E falando sobre um dia agitado, Bryan não fez parte do meu. Estaria mentindo se
dissesse que não fiquei chateada com o que aconteceu ontem, quer dizer, ele continua
sendo evasivo. Não me diz as coisas por completo e isso me lembra muito a época em que
nos conhecemos e um tempo depois quando Jev apareceu em sua vida. Essa linha de
raciocínio me leva a ficar pesarosa outra vez e acabo mordendo o lábio inferior, sem me
preocupar em dobrar uma pilha enorme de blusas de Gravity.
Quando me trouxe de volta, Bryan não disse muita coisa e reformulava as desculpas
sempre que eu perguntava. Primeiro, disse que o problema era com Brooks, mas que ele
não tinha dado muitos detalhes e por isso não tinha nada que pudesse me contar. Segundo,
ele recusou prontamente a minha ajuda e, sério, foi até um pouco ríspido comigo. Terceiro,
quando perguntei hoje de manhã o que tinha acontecido, Bryan disse que Brooks tinha
cortado a mão e teve que levá-lo ao hospital. Achei a desculpa vaga, porém acho que estou
em uma fase de aceitação. Bryan sempre será do tipo que não se abre muito comigo nem
com ninguém e, se eu quiser ficar com ele, vou me sujeitar a esse tipo de atitude.
Inspiro profundamente pelo nariz, os dedos enredados no tecido de uma camiseta do
The Rolling Stones. Os olhos amendoados de Effy travam em mim e os castanhos de Gravity
mudam o foco de organizar o closet para me olhar. Não contei para elas o que aconteceu;
embora tivesse chegado mais cedo que o previsto na noite de ontem, fui direto para o
quarto e só saí hoje de manhã.
— Você deve ter suspirado umas trocentas vezes — Effy observa, curvando uma
sobrancelha ruiva e delgada. — O que aconteceu?
— Bryan está escondendo alguma coisa de mim — falo baixinho, mais uma conclusão
para mim do que para elas.
— Como assim, escondendo? — Gravity interrompe meu pensamento, levando as mãos
para a cintura, com a pose autoritária.
Effy, entretanto, não diz nada, o que só pode significar que ela concorda.
— Só não sei o quanto tenho que me preocupar — continuo, fisgo o lábio inferior e
desisto de dobrar a camiseta do Rolling Stones. A lanço para Gravity, que segura o pano
antes que acerte seu rosto. — Tenho certeza de que está escondendo alguma coisa — dessa
vez, falo alto e em bom som, alternando o olhar entre as duas.
— Esquece isso — Effy murmura com desdém, jogando os ombros para cima e
suspirando. — Ele é assim mesmo.
— Esquecer? — A voz incrédula de Vity permeia pelo quarto e o olhar repreensivo para
Effy diz o suficiente. — Por que você acha que ele está escondendo as coisas de você?
— É só uma sensação.
— Siga a sua intuição. Se você acha que tem algo errado, é porque tem algo errado.
— Só que — coço a testa, fazendo uma careta. Gravity e Effy se sentam, porque
entendem que essa conversa vai demorar — eu não quero voltar a esse ponto de desconfiar
um do outro de novo. A gente demorou pra superar isso.
Elas se entreolham.
— Entenda uma coisa sobre a intuição feminina: ela nunca está errada — Vity pontua e
puxa as pernas contra o tórax, apoiando o queixo fino nos joelhos. — Pode ser até uma
bobagem, mas errada você não está.
— O que você acha que ele poderia estar escondendo?
— Não sei. É uma sensação, tá? Não estou dizendo que ele realmente está escondendo
algo, mas tenho essa horrível impressão de que faltou alguma peça no meio desse quebra-
cabeça. Alguma coisa ele não me contou e deixou essa lacuna. Mas não é ele me contar ou
não que me preocupa, mas o motivo. Se Bryan está escondendo algo, quero saber o porquê.
— Porque ele é homem. — Gravity se levanta, limpando a calça jeans azul-escuro. — E
homens mentem. É a natureza deles.
— É muito clichê, não acha? — retruca Effy. — É meio ridículo dizer que homens
mentem. As pessoas, no geral, mentem. Eu minto. Você mente e até a Mackenzie já mentiu.
Vocês precisam parar de transformar as coisas em uma guerra dos sexos. — A impaciência
de Effy me chama a atenção, então em uma fração de segundo estou de pé, ao lado dela. —
Se Bryan está mesmo escondendo alguma coisa, você pode ir até ele e descobrir. Não falo
com ele desde a festa do Aidan no último fim de semana e, honestamente, não tenho
tentado.
— Vocês ainda estão brigados? — pergunto.
— Mais ou menos. Eu diria que ressentida é a melhor resposta pro que estou sentindo
nesse momento. — Ela faz uma bola de pano com uma das blusas de Vity e a joga dentro da
mala. — Enfim, não vale a pena perder tempo com esse tipo de coisa. Se estivesse
desconfiada como você dele, eu só perguntaria.
Na verdade, não perguntei de fato se Bryan está ou não escondendo alguma coisa. Eu
pensei que nossa última briga eu tivesse sido clara a respeito de mentiras e segredos, que já
estava magoada o bastante por ele ter voltado e não ter me procurado. Nós conversamos e
acreditei nas coisas que disse, não me passou pela cabeça que Bryan estivesse mentindo
mais uma vez para encobrir outra mentira.
— Nós vamos viajar amanhã. Vou aproveitar que estaremos sozinhos pra conversar.
— Faz isso. — Gravity volta para dentro do closet e tira uma última pilha de roupas,
dessa vez são calças. — E se ele não te disser a verdade, é melhor mandá-lo para o inferno
de uma vez por todas.
— Se ele estiver escondendo mais alguma coisa, me diz. Preciso pessoalmente ir até ele
e mandá-lo à merda! — Effy exclama com um bufo frustrado.
Eu me levanto para guardar algumas peças que Gravity separou para doação e as coloco
dentro de uma caixa de papelão. Lacro a caixa cheia e vou para a cozinha. Pego uma jarra de
água gelada da geladeira e três copos no armário. Volto para o quarto e elas estão rindo. Já
mudaram de assunto, o que eu agradeço muito.
Não quero mais falar sobre Bryan ou o quanto tenho dúvidas a respeito de como ele
está por trás de toda essa calmaria. Tenho medo de que a merda que posso descobrir seja
ainda maior e pior que da última vez que mentiu para mim.
Elas me pedem mais detalhes sobre a viagem repentina que Bryan planejou e conto
tudo que ele me deixou saber até agora.

Acordo antes das seis da manhã. Arrumo uma mala pequena com o essencial e fico
plantada na recepção do prédio a partir das sete. Foi o horário que Bryan e eu combinamos,
mas ele está atrasado. De novo. O que já vem me incomodando há muito tempo. Ele sempre
se atrasa, parece que se tornou um mau hábito e não tem nenhum compromisso que
conseguiria chegar sem se atrasar ao menos cinco minutos.
Às sete e vinte perco a paciência. Seguro a mala pequena em uma das mãos e rumo a
passos duros para o elevador, decidida. No instante em que o botão azul se acende e no
painel vejo que o elevador está descendo para o térreo, meu celular toca com uma
notificação de mensagem no Kik.

Bryan: Desculpa, tô chegando.

Reviro os olhos para a mensagem e bufo, dando meia-volta. Decido esperar do lado de
fora desta vez.
Não fico muito tempo plantada na entrada do prédio. Cinco minutos depois vejo o
Dodge Charger estacionar paralelo ao paralelepípedo do passeio e caminho até ele devagar.
Bryan salta do carro, os cabelos estão molhados do banho e bagunçados. Estudo seu corpo
acuado e a expressão de derrota no rosto; o jeans escuro; os coturnos pretos e surrados; a
jaqueta de couro com marcas de dobra e uma elevação na respiração. É como se ele tivesse
corrido de Dashdown até aqui. Esse pensamento me refreia e aumento a força com que
minha mão envolve a alça da mala.
— Você tá atrasado.
— Eu sei. Foi mal.
— Você não é de se atrasar.
— Desculpa.
Nenhuma explicação.
Entrego minha mala para ele, porque decido que não vou perguntar. Algumas coisas
precisam ser ditas e nem sempre para isso a outra pessoa envolvida precisa perguntar. É
óbvio que quero que me explique por que se atrasou mais de trinta minutos do nosso
combinado e por que não está tentando se justificar.
Entro no carro sem esperar por ele. Afivelo o cinto e pego o celular no bolso do meu
blazer. Escuto quando bate o porta-malas e me estico para ajeitar a barra dobrada do meu
jeans, só uma coisa para me distrair e talvez desviar o foco da raiva para outra direção. Eu,
sinceramente, estava planejando manter minhas desconfianças sob controle. Perguntar no
momento certo. Só deixar que nossa viagem fluísse da forma como ele planejou, mas me
sinto uma panela de pressão e talvez não consiga segurar a língua até chegar ao nosso
destino.
Comprimo os lábios e travo a língua no céu da boca para impedir que qualquer coisa
inútil saia. Bryan entra no carro e não leva nem dois segundos para nos colocar na estrada.
— Você comeu?
— Ainda não. — Não olho para ele, embora tenha certeza de que esteja olhando para
mim. Concentro minha atenção na janela e na paisagem atrás do vidro.
— Quer parar pra comer?
— Tanto faz. — Dou de ombros em tom de desdém.
Não gosto desse silêncio incômodo ou da sensação que vem junto dele. É notório que
Bryan sabe que estou brava, mas não faz ideia de que não é o atraso que me incomoda.
Inclino-me para a frente, rumo ao som. Conecto o canal de USB, sincronizando com o
pen drive. A música Invisible Things, de Lauv, ressoa em um volume baixo, a voz do cara
parece um sussurro através das caixinhas de som. Recosto na poltrona e fecho os olhos.
Minha atenção absorta na letra da música, na voz de Lauv e nas batidas suaves do ritmo.
Não estou com sono nem quero dormir, mas espero que Bryan pense que sim.
Não sei por quanto tempo fico de olhos fechados, agindo como se a sua presença não
fosse nada. O carro perde velocidade até estar completamente parado. A música continua
retumbando. Então sinto o calor de sua mão tocar gentilmente a base do meu maxilar.
Mantenho os olhos fechados e serenos, como se estivesse em um sono profundo. Ele
desliza, fazendo o contorno de minha mandíbula e, em seguida, meu queixo. Sua mão é
atrevida e sobe para meu lábio, desenhando minha boca com a ponta de seu indicador. Em
seguida, afasta uma mecha de cabelo, que se desprendeu do meu rabo de cavalo e a ajeita
atrás da orelha. Acho que ele vai parar agora, mas Bryan continua seu passeio lânguido
pelos contornos de meu rosto como se estivesse tentando decorá-lo.
Abro os olhos devagar, com uma dificuldade absurda, como se minhas pálpebras
estivessem pesando uma tonelada. O flagro com o dedo suspenso, alguns centímetros antes
de tocar a ponta do meu nariz. Controlo a respiração densa e o encaro.
— Vamos comer alguma coisa antes, tá? — sussurra e puxa a mão de volta. — A viagem
é longa.
— Para onde você está me levando? — A suavidade de sua voz quase me faz esquecer o
porquê de estar brava com ele.
— Para um lugar onde você será minha por um fim de semana inteiro. — Aquele sorriso
que eu amo escapa e vejo as covinhas profundas adornarem suas bochechas.
Meu Deus, eu o amo e o odeio em uma proporção lastimável. Quero ficar brava com ele,
mas não consigo. E quero ficar magoada porque tenho certeza de que não está me contando
tudo que deveria, porém ele sorri e estraga tudo.
Aperto os lábios com força para não retribuir.
— Ainda estamos jogando — digo com a expressão impassível. — O que quer que você
tenha planejado, tem que ser muito incrível pra eu ceder.
— Ah, linda. É incrível! — Desce as mãos pela minha blusa branca de botões perolados e
para com ela sobre o primeiro.
Bryan se afasta com um sorriso perspicaz. A autoconfiança mina dele. Abre a porta e
contorna o carro para vir até mim. Saio antes que ele possa ter a oportunidade de abrir a
porta para mim. Vou barrar todas as suas tentativas de me desviar do foco, porque preciso
saber que merda está acontecendo com ele. Ou melhor, que diabos aconteceu com ele nos
últimos quatro meses e porque tenho a sensação de que tudo que acontece e não posso
saber, é porque é pior do que consigo imaginar.
— Você tá com raiva — conclui, mas sua expressão passível é inabalável. O fato de saber
que não estou com raiva e isso não o afetar me incomoda. — Já pedi desculpa — sussurra e
abre a porta da lanchonete para que eu entre primeiro.
— E em algum momento eu disse que te desculpava? — Seguro a porta para encará-lo.
A sineta toca, mas fico uns dois segundos entre a parte interior da lanchonete e o batente.
— Não disse. Então significa que estou esperando alguma coisa. Você consegue pensar no
que seria?
Bryan pressiona os lábios um no outro com força, estoca as mãos nos bolsos da jaqueta
de couro, mas não responde. Entro na lanchonete por fim, deixando-o para trás. Escolho
uma mesa no fundo, distante da porta e de outros cliente espalhados. É uma mesa de
quatro lugares, sento-me perto da janela de vidro extensa e coloco a bolsa ao lado para que
Bryan entenda que não quero que fique tão próximo. Ele anda devagar em minha direção,
quase se rastejando e apoia as mãos no topo do tampo antes de se sentar.
— Dormi demais. Por isso me atrasei — esclarece, apoiando os cotovelos na mesa. —
Ontem o show foi até tarde. Não imaginei que fôssemos ficar até as quatro da manhã no
Purple Ride.
— Quatro da manhã?
— É.
Não fui aos shows ontem porque tinha alguns trabalhos da faculdade para terminar,
além das provas finais do semestre estarem perto. Estou tentando me concentrar mais nos
estudos e menos na banda agora que Bryan está de volta. Também ajudei Gravity a
organizar o closet. Não falei mais com ele porque me deitei por volta das onze da noite e a
última mensagem que me enviou eram dez e tinham acabado de chegar no Purple Ride.
Mordo os cantinhos da bochecha enquanto penso e esquadrinho seu rosto e as bolsas
protuberantes roxas de olheiras abaixo dos olhos. Sinto-me mal por ter ficado tão brava
com ele e me esquecido completamente do show de ontem.
Solto o ar que prendi nos pulmões e me recosto. A garçonete aparece para pegar nossos
pedidos. Tenho o meu na ponta da língua, portanto peço waffles e café, Bryan pede ovos e
suco.
— Desculpa. Eu me esqueci do show de ontem por um minuto. — Apoio o cotovelo na
mesa e, em seguida, amparo a cabeça na mão. Fecho os olhos puxando o ar com força e,
quando os abro de novo, Bryan está tirando a minha bolsa para se sentar ao meu lado.
— Qual é o problema?
— Não é nada.
Talvez a minha ficha ainda não tenha caído e Bryan estar de volta seja uma novidade
estarrecedora que não me acostumei. A morte de sua mãe pode tê-lo transformado de
muitas formas e continuo criando outras justificativas para acusá-lo. Não sei. Posso estar
sendo movida por muitos sentimentos e, se continuar me deixando levar por eles, vou
perdê-lo. Essa convicção me faz relaxar os ombros. Ele está diferente, sim. Mais atencioso e
romântico, às vezes fica sombrio e se perde nos próprios pensamentos, mas ainda é o
Bryan.
Ele precisa do meu voto de confiança se eu quiser que as coisas comecem a funcionar
para nós.
— Você mente mal pra cacete — ele ri.
— Não é nada. Só fiquei irritada pelo atraso.
— Na próxima te aviso se for me atrasar. — Assinto, concordando com ele. Sua mão
rasteja pela mesa em busca da minha e entrelaça nossos dedos. — Mackenzie?
— Hum? — Elevo o olhar cabisbaixo para ele.
— Eu amo você. Não vou deixar que se esqueça.

Torn Falls é uma cidade de quatro horas de distância de Humperville. Ladeada por
colinas e montanhas rochosas. Ela tem um ar ameno independente da época do ano;
inverno ou verão, a cidadezinha, com pouco mais que dez mil habitantes, não passa de
pacata e morta.
Não sei por que Bryan nos trouxe até aqui, mas, ainda em uma avenida vasta, entra por
uma estradinha íngreme, à direita. Quanto mais fundo entramos, mais escuro o caminho se
torna, além de ser pedregosa e íngreme, uma copa de árvores verdinhas se estende por
cima de nós como um manto. Quase não vemos o céu ou o sol do meio-dia. Esse trecho
acaba me lembrando um pouco a casa de Ashton, mas, definitivamente, as árvores dessa
colina são diferentes, além disso, ficou incrivelmente frio depois que Bryan pegou o atalho.
Encolho-me para tentar me aquecer e agradeço por ter trazido um blazer.
Nós subimos por quase uma hora, no ponto mais alto da colina noto uma casa de
madeira iluminada. É realmente quase como a de Ashton, porém, quanto mais nos
aproximamos, mais ciente fico de que a casa é muito maior. Com dois andares e com
colunas de sustentação de madeira fincadas ao solo, erguendo a varanda bem alta.
A casa é ladeada por um jardim de violetas e arbustos protuberantes serpenteando as
laterais. Uma trilha é serpenteada de grama artificial e casca seca de tronco de árvore,
folhas secas acabam sujando o caminho, mas não é nada que macule a beleza do lugar. Toda
a casa fora pintada em um tom de marrom ocre e envernizada para dar brilho. As janelas de
vidro com molduras de superfície de ondulada. Mais algumas plantas enfeitam ao patamar
suspenso. Estão tão verdinhas e bem cuidadas que começo a me perguntar se a nossa
viagem para dois, na verdade, não é para dois. Mas Bryan não diz nada, embora esteja
sorrindo o tempo todo. Talvez seja pela minha expressão maravilhada.
A escada que nos leva à estrutura elevada e, provavelmente, à entrada fica à direita, com
um lance de escada generoso. Acho que deve ter de dez a quinze degraus.
Bryan estaciona em frente à uma lona preta, na lateral da casa. Não espero por ele, salto
do carro e contorno a traseira em direção à casa. Fico parada em frente à trilha que leva
para a escada, vislumbrando os lampiões pendurados nas vigas dianteiras da casa. Cruzo os
braços enquanto espero que ele me alcance. Minhas suspeitas caem por terra quando vejo
que a casa está toda fechada.
— O que achou? — Bryan pergunta e giro nos calcanhares para olhá-lo. Minhas botas
esmagam alguns galhos secos do chão.
— É incrível. De quem é a casa?
— Do Mathew.
— Ele te emprestou?
— Sim.
Bryan gesticula com a ponta do queixo para que eu vá na frente. Não retruco. Corro pela
trilha gramada e subo as escadas depressa. Caminho mais alguns metros pela área de
sustentação assoalhada. Paro em frente à porta da entrada, esperando por Bryan com as
chaves. Seguro a porta de tela enquanto procura pela chave da porta de correr de vidro.
Dessa vez, Bryan entra primeiro para desativar o alarme e finalmente entramos.
Nunca estive em uma casa com um ar tão rústico, ao mesmo tempo caótico. Ao meu lado
direito, a sala. O ranger da madeira nos faz rir quando caminhamos. Bryan deixa as chaves
em uma mesinha de apoio ao lado da porta, tira a jaqueta e a deixa no gancho ao lado. Nem
me importo em tirar os sapatos e o blazer. Só quero dar uma boa olhada na decoração.
Primeiro a sala, o chão de assoalho está coberto por um tapete redondo felpudo bege.
Cobre a extensão dela. Temos uma poltrona preta reclinável em um canto e um sofá com
assentos pretos e encosto de madeira. Se parece muito com esses sofás de jardim. Elevo
meus olhos para a lareira de pedra preta, alta e vistosa. Sobre ela há um rifle de caça. Logo
atrás da poltrona, próximo a uma janela, vejo uma mesa de madeira de quatro lugares. No
centro, um enfeite de violetas do jardim.
À minha esquerda, quase escondida sob a penumbra, uma nova escada dá para o
segundo andar. Subo os olhos e vejo que ele é cercado por um batente de madeira trançado,
no mesmo tom da madeira externa da casa. Antes de subir, caminho por um corredor
apertado – noto também um armário sob a escada, é pequeno e quase invisível por ser do
mesmo tom de madeira do resto – e no final dele descubro ser a cozinha.
À direita, vejo mais uma mesa de quatro lugares. À esquerda, um balcão separando a
cozinha e todo o resto. Os utensílios são novinhos – apesar da casa ter um ar de antiquarias,
na realidade não tem muita antiguidade a adornando – em aço cromado e a pia com uma
superfície de mármore escuro. Há duas torneiras na pia da cozinha para água quente e fria.
Fogão cooktop por indução, micro-ondas e forno a gás embutidos nos armários.
Diante de mim, vislumbro a porta dos fundos e caminho até ela. Escuto os passos
pesados de Bryan atrás de mim, mas continuo sem esperar por ele. Minha curiosidade está
falando mais alto que todo o resto.
Assim que saio, sou embalada pelo vento gélido soprando em meu corpo. Contorno o
tronco com os braços, encolhendo o pescoço para mais dentro da blusa. Porém, nada me
pararia de ter essa visão agora. Estamos alto, como se a casa flutuasse na colina e não é nem
o segundo andar. Consigo enxergar galhos robustos das árvores, folhas verdinhas como a
que vemos em filmes. E uma coisa que chama completamente a minha atenção, o ruído
imperioso da cachoeira em queda diante dos meus olhos. A fumaça que escapa da água cria
uma nuvem ao redor dela, mas sim, a visão que temos da sacada da cozinha é de uma
cachoeira a poucos quilômetros da casa.
Não consigo controlar o sorriso. Ele se desenha involuntariamente e meu coração
esmaga no peito. Debruço sobre o parapeito, com os braços cruzados e fico na pontinha dos
pés. O vento joga meus cabelos para trás e fecho os olhos para sentir a brisa me englobar.
Escuto o barulho dos passos de Bryan, que se inclina atrás de mim, seus braços envolvendo
a minha cintura devagar. Ele encaixa o queixo na dobra do meu pescoço e ombro,
respirando fundo.
— É incrível, né?
— Esse lugar é… lindo demais — arfo, deslumbrada. — Onde foi que Math encontrou
um lugar assim?
— Ele é corretor. No lugar dele, também compraria casas em lugares assim.
— Ele vem muito aqui?
— Não. Nem sei por que ele tem uma casa em Torn Falls, se nem vem pra cá.
— Ele não se importou mesmo que viéssemos pra cá?
— Não. — Bryan sorri e beija minha bochecha. Sua barba faz cócegas em minha pele e
arqueio a coluna. — O que quer fazer primeiro?
— Quero olhar o segundo andar. — Eu me viro, sua boca toca a minha roubando um
beijo e dou uma risadinha. Passo os braços em volta de seu pescoço e recosto a lombar no
cerco. — Eu nunca me esqueceria — digo e Bryan franze as sobrancelhas, como se não
tivesse entendido.
Desde que saímos da lanchonete, não respondi o que ele disse sobre não me deixar
esquecer que me ama. Por mais que tentasse, momentos como estes estão marcados para
sempre na minha memória e coração. Eu não conseguia apagá-lo nem que quisesse.
— Que você me ama.
— Às vezes, parece que você tá esperando o momento pra me ver errar.
Entorto os lábios.
Não é de fato uma mentira, mas não é bem assim que penso.
— Desculpa. Muitas coisas aconteceram, Bryan. Entre a gente. Tudo poderia dar errado
num piscar de olhos.
— Só vai dar errado se a gente quiser que dê.
— Você voltou de Dashdown confiante. — Eu o encaro através de um fresta das
pálpebras. — Por que virou irmão mais velho sabe como tratar uma mulher?
— Tive tempo pra caralho pra pensar em nós. Só estou determinado.
— Se daqui a dez anos a gente se casar, vamos comprar a casa do Mathew, tá?
— Hum… — Bryan vagueia com o olhar pela floresta e cachoeira, em seguida contém os
olhos azul-oceano pairando em mim. — Se você topar, eu topo.
Tento manter a emoção sob controle.
— Eu supertopo morar aqui.
— Não me referi a isso.
Mantenho a atenção nele.
— Falei sobre a gente se casar.
— Estamos novos pra pensar nisso. — Bato em seus ombros para afastá-lo, mas Bryan
fecha os dedos em volta da madeira do parapeito para me dizer indiretamente que não vai
se afastar. — Como as coisas mudam, né? Meses antes, você sequer pensaria em namoro.
— Com a mulher certa, tudo pode mudar, linda.
— O que aconteceu com Passarinho?
— Parou de voar. Meio que já sabe onde é seu lugar. — Bryan desliza a mão sorrateira
para a bainha da minha blusa, afasta um pedaço do blazer para eliminar as barreiras que
atrapalhariam o toque em minha barriga. Mesmo com o vento frio, seus dedos estão
quentes quando me tocam. Controlo a respiração para não parecer que fui afetada.
— E esse lugar seria?
— Comigo.
Pressiono os lábios para afastar o sorriso, mas é difícil. Só desisto e começo a rir.
— O quê? O que foi?!
— Você. Todo romântico.
— Ponto pra mim?
— Vai sonhando.
Finalmente consigo afastá-lo impondo força nas mãos. Passo por ele e vou em direção à
sala. Quero ver o segundo andar.
— Romântico não é bom? — provoca, indo atrás de mim.
— Não disse isso, mas também gosto da sua versão irritada e safada.
Bryan me para no meio da escada, segura meu pulso com firmeza, contudo não sinto
dor. Só uma onda calorosa ricocheteando por todo meu corpo. Ele me puxa de volta alguns
passos, cerca minha cintura com um de seus braços e um solavanco abrupto faz com que
meu peito se choque contra ele. Seu queixo está na altura dos meus seios e seus olhos não
conseguem se concentrar em um único ponto. Intercalam entre meu rosto e a
protuberância sob a camisa de botões.
Ele sobe um degrau, agora ficando na mesma altura que eu. Os dedos ágeis invadem
minha nuca de modo ríspido e puxa minha boca contra a sua em uma colisão intensa.
Separo seus lábios com a língua, em busca de calor. Elas se chocam e brincam em uma
dança lenta. Gemo contra ele me deliciando dos segundos, que se tornam minutos em que
passamos nos beijando na escada. Bryan sobe um passo, sem interromper o beijo que fica a
cada segundo mais urgente. Amparo seu rosto entre as mãos e ele faz o mesmo comigo. O ar
frio se torna quente e até sufocante. Um sentimento de pertencer a ele me inunda. Sinto-me
presa a Bryan como um ímã. E gosto. Gosto do sentimento de pertencer a um lugar e a
alguém. Sinto prazer e orgulho por dizer que ele é meu na mesma intensidade.
Bryan desliza a mão por meu pescoço e garganta, em seguida passeia com elas pelas
ombreiras do meu blazer. Com uma delas, desce o tecido pesado até que esteja caído no
chão, em volta dos meus calcanhares. Rio na sua boca porque a mesma necessidade que o
corrói, habita em mim. Poderia facilmente fazer sexo com Bryan nessa escada. Amenizar a
sede de tê-lo dentro de mim outra vez. Quero que todas essas coisas aconteçam, mas
também gosto de vê-lo atrás. Gosto da sensação que vem junto com a súplica e ver o desejo
sombreando suas íris. É por isso que interrompo o beijo, pego o blazer e corro escada
acima.
Bryan rosna depois de um bufo frustrado, mas não diminuo o ritmo. Corro até estar no
topo da escada.
— Você não vem? — Jogo o blazer por cima do ombro e afasto um fio de cabelo caído no
olho.
— Você me provoca e depois me dispensa — resmunga, contudo está com um sorriso
grande. — Vou me cansar disso logo, logo. — Bryan ajeita a camiseta, mas ela não ficou
desalinhada por causa do nosso beijo.
— Tem certeza? — Dou passos para trás, andando de costas.
— Ah, tenho. Absoluta.
— Eu acho que não.
Viro para a frente, com a risada ecoando pelos cômodos da casa alta. O segundo andar,
apesar de ter o mesmo tamanho do primeiro, não é nada extraordinário. Um corredor curto
à direita, onde Bryan está escorado e emburrado, com um banheiro no final. À esquerda, há
duas portas abertas onde descubro que são dois quartos de casal.
— Você vai gostar do banheiro. — Bryan aponta com o polegar por cima de um dos
ombros. — Tem uma banheira de hidromassagem.
— Sério?
— Sim. Quer dar uma olhada?
Seu olhar é sugestivo. Rio e nego de pronto. Segundas intenções permeiam em sua
expressão. Ele terá que aguentar até anoitecer.
— Mais tarde. — Pisco para ele e começo a descer as escadas. — Tem algum mercado
aqui perto? Não trouxemos nada, né? Precisamos abastecer a geladeira.
— Nada é perto daqui — ri baixo e me segue. — Mas a gente tem que ir ou vamos
morrer de fome.
— Por que você não disse que era longe assim? Podíamos ter trazido tudo de
Humperville.
— E perder a oportunidade de fazer compras com você pela primeira vez? Nem
fodendo.
— Quem é você e o que fez com o Bryan? — Sento-me sobre o encosto de madeira do
sofá e cruzo os braços. — Se continuar assim, vou pensar que tá mesmo escondendo
alguma coisa.
— Só estou recuperando todo o tempo perdido.
— É mesmo?
Ele caminha devagar para mim e não fujo dele. Eu o puxo pela barra da camiseta e o
abraço.
— Ultimamente, eu tenho me lembrado bastante do passado. Sabe, quando a gente se
conheceu e tudo o mais. Lembra quando Lilah brigou comigo por causa de Sebastian na
escola, eu estava chorando na varanda da minha casa e você me convidou para almoçar?
Bryan anui, concordando.
— Aquele dia foi muito bom. Se não fosse por você, acho que teria ficado chateada o dia
inteiro.
— Você pensa na Lilah com frequência?
Não sei por que, de repente, estamos falando dela. Eu só a mencionei porque faria
sentido para lembrar, mas não gosto de pensar nela ou lembrar de como a nossa amizade
terminou. Eu a entendo, mas, quando Lilah voltou para o memorial de Seb, não falou
comigo ou com Effy. Se sua prioridade era apenas falar com Bryan, não vejo motivos para
continuar pensando nela ou remoendo tudo como uma tortura lenta.
— Não penso nela.
— Nunca?
— Às vezes. Mas não é nada de mais. Por quê? Você pensa?
— Às vezes. Só que nós nunca mais falamos sobre ela.
Eu tenho sabido controlar meu ciúme muito bem até agora. Não sei por que eu poderia
me sentir vulnerável e ameaçada. Naquela época, Bryan já gostava de mim, mas ainda não
consigo esquecer que ele também começou a gostar dela, o que significa que Lilah é uma
pessoa especial para ele. Consigo sentir carinho em sua voz quando menciona o nome dela
e não gosto. Não gosto de jeito nenhum como isso faz eu me sentir.
— Você quer conversar sobre ela? — devolvo, apreensiva.
— Não se você não quiser.
— Que bom, porque eu não quero. — A sobrancelha de Bryan franze.
— Nunca pensou que ela poderia voltar? Quer dizer, o pai dela mora em Humperville.
— Pensei sim, mas honestamente? Não ligo se ela voltar, contanto que fique bem longe
da gente.
A linha de seus lábios se enrijece e observo a tensão cobrindo seus ombros. Espero que
seja coisa da minha cabeça.
— Da gente?
— De mim e você.
Bryan arregala os olhos.
— Por quê?
— Ela me deixa… — Paro, cruzando os braços de novo. Solto o ar devagar pela boca. —
Insegura.
— Ela te deixa insegura? Sobre mim? Mas por quê?
— Porque sim, Bryan. Porque vocês ficaram juntos por um tempo.
— A gente tinha quinze e quatorze anos, Mackenzie. — Ele tenta sorrir, mas um leve
tremor contorna seus lábios, percebo. — Quem liga pra esse tipo de sentimento com essa
idade?
— Eu ligo — enfatizo. — Assim como o Holder te deixou inseguro porque eu senti
alguma coisa por ele. — O corpo de Bryan, de repente, fica rijo e sua boca se contorce em
uma carranca. — É a mesma coisa com Lilah. Pode ter acontecido há cinco anos, mas você
sentiu alguma coisa por ela e é esse detalhe que me incomoda. Se ela voltasse e fosse te
procurar, eu não ia gostar.
— Vocês eram amigas — sibila, em reprovação. Tento não pensar que ele está
defendendo-a depois desses anos, mas está mais do que na cara que Bryan está sim
defendendo Lilah e me sinto incomodada.
— Nós éramos. Mas acabou.
Tento sair do lugar, mas Bryan me para, espalmando as mãos em minha cintura.
— Tenho que te perguntar. — Espero para saber se posso continuar a falar ou não.
Como Bryan não discute, continuo: — Ela te procurou em Dashdown? Ela estava morando
lá, não é?
— Ela não me procurou.
— Então por que estamos falando nesse assunto?
— Por nada, só fiquei curioso. — Bryan está mais controlado que antes.
Uma discussão dessa seria diferente, talvez ele se irritasse mais, mas ele mantém o
autocontrole. Noto seus músculos enrijecerem e ficar tenso. Percebo seu maxilar travar e
até posso escutar os dentes rangerem, mas Bryan está guardando seus pensamentos e
opiniões para si mesmo. Não está tentando me provar porque estou errada nem tentando
me fazer pensar o contrário.
Ele mudou. E não é só por causa da morte de Vivian.

“Toda vez que eu juro que acabou
Faz com que você me queira ainda mais
Você se afasta e eu chego mais perto
E tudo em nós fica despedaçado
Amor, eu não sei por que
Eu tento negar
Quando você aparece todas as noites
Eu digo que te quero
Mas é complicado, tão complicado”
HURTS SO GOOD – ASTRID S

Bryan tinha razão sobre o banheiro. É espaçoso, na parede, ao invés de madeira, há uma
janela imponente. Se houvesse vizinhos e não um aglomerado de árvores em ambos os
lados da colina escura, eles poderiam ter a visão perfeita de mim na banheira com espumas
na altura das escápulas, encobrindo os seios. Além disso, a banheira fica sobre um suporte
de madeira alto e preciso usar uma escadinha de cinco degraus para subir.
Acendi velas aromáticas e abri uma garrafa de vinho que trouxe da minha compra no
supermercado com Bryan. O banheiro é iluminado pelas velas, o ar adocicado pelo aroma
das velas e sais de banho. Todo o revestimento, exceto as porcelanas da banheira, da pia e
vaso, é de madeira.
Brinco com a água. Ainda estou chateada com Bryan e tento não pensar muito no
assunto de nossa discussão a respeito de Lilah. Não sei por que, de repente, falamos dela ou
por que senti que ele estava a defendendo depois de todos esses anos. Só queria parar de
pensar nisso e esquecer, agir como se não fizesse nenhuma diferença. Sei que pode ser
coisa da minha cabeça, já aconteceu outras vezes; mesmo assim não gosto de excluir o que
sinto e não gosto de sentir como se Bryan não se importasse com isso.
São quase cinco da tarde. Nós levamos mais de duas horas para ir ao mercado e voltar.
Estamos sendo “cordiais” um com o outro e não consigo acreditar que viajamos por horas
para chegar num lugar incrível como esse e passarmos grande parte do tempo agindo como
se não existissem coisas que nos incomodam.
Solto um fluxo de ar frustrado, recosto à banheira e estendo a mão para pegar a taça de
vinho ao lado. Faço um desvio para não acertar – sem querer – a mão na garrafa e acabar
fazendo uma bagunça no banheiro de Mathew. Escuto a movimentação no andar de baixo,
de Bryan se mexendo pela casa e o som do óleo estalando quando joga alguns palitos de
batata na frigideira.
Uma caixinha de som da JBL está sobre a pia do banheiro. Já tinha conectado ao
bluetooth. Pego meu celular ao lado, entro na minha conta do Spotify e procuro por uma
música em minha playlist. Coloco Hurts So Good porque parece combinar com o que sinto
no momento. Pendo a cabeça para trás até estar meio deitada na banheira. Fazendo uma
concha com a mão, jogo água com espuma em meu colo, inspiro fundo e solto o ar pela
boca, diminuindo a frequência e acalmando meus pensamentos.
A voz de Astrid S perfura meus tímpanos e mantenho os olhos fechados, cantarolando
baixinho a música. Murmuro o refrão e balanço a cabeça, movendo-me no ritmo. Espalho a
espuma com as mãos abertas, um pouco se atravancando entre os dedos. Fico com raiva na
mesma proporção em que quero que as coisas entre mim fiquem bem, a profusão de
sentimentos bombardeando meu peito me deixa instável.
Levo as mãos à nuca e a massageio devagar, sentindo cada milímetro de pele eriçada.
Deslizo com o indicador pela extensão lateral de meu pescoço, rumo a fenda entre os seios.
A raiva que sinto de Bryan, entretanto, também me excita, porque sem todo o drama entre
nós deixaria a nossa história entediante.
Eu já fiz isso. Uma ou duas vezes no banho, pensando nele. Conhecer o meu corpo foi
uma das coisas que a ausência de Bryan me agregou. Ele já tinha me tocado. Holder
também me tocou. Mas nada foi tão íntimo quanto me conhecer, reconhecer os lugares e
pontos mais sensíveis em mim mesma. Descobri onde gosto de ser tocada, acariciada.
Apalpo gentilmente um de meus mamilos, sabendo que Bryan está no andar de baixo e
que eu provavelmente cederia a ele hoje se não estivesse com raiva. Brinco com a ponta
dura do mamilo, estimulando meu sexo a pulsar. Uma onda de excitação trafega do bico do
peito até o clitóris e levo a mão esquerda entre minhas coxas. Esfrego o nervo inchado, em
sequência a voz de Joseph, o SoMo penetra meu ouvido com sua versão de Pillowtalk.
Aumento a cadência, ocasionando pequenas explosões de excitação por meu corpo. O
dedo anelar entra em minha abertura, uma penetração lenta e deliciosa, sinto-me tocar a
região sensível e sedenta com avidez. Suspiro, afundando o corpo um pouco mais na água.
Não paro de massagear o clitóris, no entanto. O ritmo quente, frenético e estarrecedor me
faz arfar, escapando grunhidos baixos e uma sequência de gemidos enquanto me toco. O
tesão faz doer meu ventre, o que me estimula a impor mais força. Penetro mais um dedo,
arquejando a coluna. Estoco os dedos aumentando a velocidade. Comprimindo as coxas,
esmagando a mão entre elas, murmurando baixo e imaginando Bryan aqui comigo, eu me
sinto prestes a desmontar.
Então dou força à imaginação. Seu dedo corre o trecho entre os seios, passando pelo
umbigo e chegando a minha virilha. Ele quer me tocar, me dar prazer. Quer me ouvir
chamar seu nome, me possuir. E eu deixo. Mesmo com raiva, deixo-o me tocar. O olhar
selvagem está com sede e implorando por mim.
Escuto um pigarro alto e abro os olhos de repente, tirando os dedos.
Giro a cabeça e vejo Bryan de pé, recostado ao batente, com um prato de batatas fritas
na mão e mastigando uma lentamente, com o olhar divertido fixo em mim, comendo
debilmente como se seu cérebro tivesse entrado em curto.
— Por que parou, linda?
— Puta merda, Bryan! — Sobressalto-me, minhas bochechas queimam ao enrubescer.
Eu não tranquei a droga da porta? Tenho quase certeza de que tranquei. Ou estava tão puta
com ele que me esqueci.
— Você sabe que não precisa fazer isso sozinha, né? — Ele pega outra batata no prato e
leva à boca. Tenho vontade de me afundar na banheira e sumir.
Ele me flagrou me masturbando. E eu estava mesmo pensando nele.
— Posso te ajudar. — Sobe uma sobrancelha sugestiva, controlando-se para não rir.
Puta merda, que vergonha! — Posso aliviar seu estresse.
— Cale a boca — murmuro, afundando-me e a respiração pesada é um marco na nossa
conversa.
— Não precisa ficar com vergonha. Toda mulher devia se tocar.
Bryan entra com o prato e fecha a porta em seguida.
— Por sorte, ninguém estava te espionando, além de mim.
— Além de você? Privacidade, Bryan. É o mínimo que você deve dar a alguém.
— Eu bati.
— Quê?
— Eu bati antes de entrar, só que você não respondeu. Pensei que tivesse acontecido
alguma coisa, mas ainda bem que você estava só se divertindo — zomba e volto a ficar
corada. Arrasto a mão pela superfície da água, trazendo espuma para o colo. Ele coloca a
mão na água, medindo a temperatura. — A água tá boa. Música bacana. Clima bom. —
Gesticula para as velas e a taça de vinho intocada na borda da banheira. — No seu lugar,
também me masturbaria.
— A gente pode, por favor, não falar sobre isso? Já estou morrendo de vergonha.
— Ah, por que não? Você parecia tão…
— Não fala — sentencio, com o indicador em seu rosto.
— Excitada. — Abre um sorriso, que me deixa numa mescla de irritação e vergonha.
Não que eu estivesse fazendo algo errado, mas ser pega no flagra, masturbando-me no
banho, é sim constrangedor. Para qualquer pessoa. A música seguinte é Na Na, de Trey
Songz.
O sorriso de Bryan só aumenta a cada segundo.
— É uma playlist de sexo?
— Não! — exclamo, sobressaltada.
— Tem certeza? Porque estou achando que você planejava brincar a noite toda, e
sozinha. Seria muito mais divertido se parássemos de jogar e você me deixasse… — Ele
estende a mão para tocar a pele do meu rosto. Não o afasto como espera que eu faça. Sua
mão se espalma em meu rosto e acaricia minha bochecha. — Posso?
Ele estreita os olhos para a banheira, deixando o prato com batatas fritas na bancada de
madeira da pia.
Tira a camiseta e desabotoa a calça quando não digo nada. Ainda estou com vergonha
para dizer qualquer coisa, mas não vou dispensar sua companhia. Afinal, viemos para cá
para passar o fim de semana juntos. Não vou evitá-lo a noite toda, de qualquer forma.
Desvio os olhos para a água quando seu pênis salta da cueca boxer e brinco com a espuma,
como se sua nudez não me afetasse. Porque merda, afeta muito e perco o raciocínio. Ainda
quero falar com ele sobre a nossa discussão mais cedo.
A água se agita com seu corpo grande e a espuma abraça seus músculos, só então me
dou conta de que não o vi completamente nu desde que voltou. Já havia notado o torso
tonificado, os bíceps mais altos que antes. Bryan evidentemente malhou nos últimos meses,
ou fez tanto esforço físico que avantajou seus músculos ainda mais. Dessa vez, não fujo com
os olhos nem tento disfarçar que estou secando seu corpo a quarenta centímetros de
distância do meu.
— Quer continuar de onde parou? — indaga com um olhar malicioso, fazendo o
contorno dos lábios com a ponta úmida da língua. Meu foco muda para a sua boca
levemente inchada e vermelha. Jesus Cristo, só quero beijá-lo por uma vida! E ainda estou
brava com ele por defender Lilah.
— Não. — Contenho-me e ele dissipa o ar com um suspiro de derrota. — Quero falar
sobre a nossa discussão mais cedo.
— Esquece isso. Foi uma bobagem. Me desculpa — Bryan pede e talvez ele tenha pedido
mais desculpas para mim nos últimos dias do que já pediu em todos os anos em que nos
conhecemos.
Franzo o cenho.
— Não quero mais brigar por bobagens, beleza? Vamos parar de falar sobre Lilah e o
passado. Só quero me concentrar no aqui e no agora. Quero me concentrar apenas em você
— o ênfase na palavra você me desestabiliza. Basicamente uma frase derrubou os muros
que ergui depois da nossa discussão. — Mackenzie, eu amo você — reforça. — Porra, amo
você e, se tivesse ideia do quanto, não ficaria tão insegura.
Seu olhar congela em mim, no momento a música é Maybe, de James Arthur, o que o faz
rir porque o comentário anterior sobre ser uma playlist de sexo perde o sentido. Meu
coração pulsa nos ouvidos com sua declaração, não consigo engolir a bolha de saliva
cravada na garganta.
Ele tem razão. Estou sendo imatura de novo. Dando passos para trás quando
progredimos tanto em meio ao caos. Ele está aqui, está de volta e comigo. Bryan não tem
olhado para os lados. Não busca escape em festas, apesar de sua constante presença nos
bares por causa da The Reckless. Ignora olhares de mulheres interessadas e, enquanto eu
estiver ao seu lado, é o único lugar onde vai depositar toda sua atenção.
Pensando nisso, relaxo os ombros. Ele nota que estou cedendo e se aproxima. Meu
corpo reage, ansioso pela fricção de seu toque. Não quero mais jogar, desisto dessa ideia. Só
quero que me beije, que me toque, me faça sentir viva e apague os últimos quatro meses
angustiantes em que passei sentindo sua falta.
Bryan envolve o coque em que meus cabelos estão entremeados e o torce, levando
minha boca para a sua, onde esmaga meus lábios com força tórrida. Um gemido gutural
escapa de mim, o som ricocheteia em eco no banheiro. Sua língua atravessa a fenda entre
meus lábios, invadindo-me e impulsionando contra mim, exigindo mais. Não consigo
respirar. Meu clitóris pulsa, requisitando atenção.
Ele abre as pernas e me encaixa em seu corpo. Minha boceta lateja de excitação e
comprimo as pernas ao redor de seu quadril. Sinto o cume de seu pau pontuando em minha
entrada.
Ofego, curvando a cabeça para trás abrindo caminho para sua boca, que passeia pelas
veias saltadas na lateral do meu pescoço. Serpenteio os braços em volta de sua nuca,
deixando-as espalmadas em suas escápulas. Ergo o quadril quando a ponta de um de seus
dedos dá atenção para meu clitóris. Ajoelho-me diante dele, mas sem tirar o corpo da água.
— Eu senti tanto sua falta — grunhe, brincando maliciosamente com o clitóris erétil. Ele
entra em mim com um dedo, espalhando fogo pelo meu corpo. Tombo a cabeça para trás,
abrindo os lábios. Meu cabelo se desprendeu do toque e as pontas molhando em contato
com a pele da minha coluna. — Vem cá, linda. — Sua mão envolve meu pulso
possessivamente, me trazendo de volta. — Quero te sentir — sussurra abaixo em meu
lóbulo, mordendo a carne mole e beijando a pele atrás. — E quero que você me sinta
também. — Guia o pulso que segurou para baixo da água. Envolvo com os dedos o pênis
duro e tentador, mordendo o lábio inferior para provocá-lo.
Seu movimento de vai e vem com o dedo em mim, entretanto, não para. Ele só acelera à
medida que eu escorrego em cadência com a mão em seu pau. Se ele sentiu falta de me
tocar, mal posso explicar o que se passa em mim ao senti-lo entre meus dedos.
Esfrego seu membro, provocando em Bryan gemidos altos e que irrompem em tremor
por sua garganta. Vou com a boca para o seu ouvido e pouco abaixo, beijo e lambo sua
tatuagem. Ele arqueia a coluna em resposta e um sorriso de satisfação desponta em meus
lábios. Beijo seu ombro nu e o pomo de adão saliente. Belisco gentilmente a glande e Bryan
arfa na curva do meu pescoço.
— Me mostra o quanto você sentiu minha falta, hum... — sugiro, deixando o rastro de
um beijo em sua bochecha. — Me faz gozar, Bryan. — O seu nome soa em minha voz como
uma provocação e não uma exigência.
Contudo, minha frase desperta o homem selvagem e que não aceita perder desafios que
habita dentro dele. Bryan para de me foder com o dedo e se levanta em um ímpeto,
puxando-me pela mão. Estamos molhados, deixando rastros de água enquanto Bryan me
guia para fora da banheira com os dedos entrelaçados nos meus. Acho que está me guiando
para fora do banheiro, talvez para o quarto, mas ele para e me segura, pouco acima do
cotovelo, puxando meu corpo, que dá um tranco ao bater no seu.
Estamos molhados, com sabão por todo o corpo, respingando água e nossos braços e
pernas com espuma remanescente da água.
Bryan se ajoelha diante de mim, entreabrindo minhas pernas. Ele usa o resquício de
espuma e sabão para deslizar as mãos pela popa de minha bunda, contorna a região
arredondada e empinada entre as minhas pernas. Ele está literalmente fazendo uma
massagem lânguida pelo meu corpo. Não desvia os olhos do meu sexo e umedece os lábios,
mostrando sua sede.
Minhas pernas estão tremendo e todo o meu corpo acompanha o ritmo instável,
trepidando a cada segundo. Seus dedos calejados pelas cordas do violão, a selvageria
lampejando em seu olhar. Através dele, sei que precisa sentir meu calor tanto quanto eu
preciso dele dentro de mim.
Dou um passo para trás, não aceitando mais suas provocações – apesar de gostar de
como seus dedos sabem onde me tocar e me deliciar com a cena de vê-lo de joelhos diante
de mim, dando-me prazer – e Bryan me olha, com um sorriso perspicaz enfeitando sua
expressão safada.
Ele se levanta finalmente e volta a cobrir minha boca com a sua. Enterro os dedos
entreabertos nos fios úmidos de cabelo e os puxo para cima. Bryan cerca os braços em
minha cintura, dando passos para trás até que minha lombar se choque com a bancada da
pia. Paramos, resfolegando em busca de ar. Ele despenca a testa contra a minha e estende a
mão para o lado, rumo a primeira gaveta do gabinete embaixo da pia de porcelana. Estreito
os olhos quando puxa uma quantidade generosa de camisinha.
— Você tem planos de usar todas essas camisinhas no fim de semana? — brinco e fisgo
o lábio inferior de modo provocativo.
— Se você quiser. — Tira uma e sobe a embalagem à boca, com um sorriso presunçoso.
Puxa e a rasga. Nunca pensei que ver alguém rasgar a embalagem laminada de uma
camisinha seria tão sexy. E Bryan consegue fazer isso de um jeito que faz meu corpo pegar
fogo.
Ele a coloca e leva as mãos para a parte de trás de minhas coxas. Com um impulso forte,
coloca-me sentada sobre a bancada. Se acomoda entre as minhas pernas e inspiro fundo
antes de sentir a ponta de seu pau entrar. É apenas alguns milímetros, nada que fizesse
meu corpo retesar. Ele sai lentamente e faz de novo, provocando-me.
— Tão apertada — murmura, repetindo o movimento sensual, impondo a pontinha em
minha entrada e saindo em seguida. Seguro seus ombros para arrastar a bunda, ficando
mais na beira da bancada. — E tão gostosa. — Aperta as laterais da minha bunda, fincando
os dentes no lábio inferior com força e puxa a carne. Sexy. Gostoso. Lindo.
Seus olhos azuis estalados pairam sobre mim.
— Bryan — digo com a respiração pesada. — Se quer continuar com joguinhos, nós
podemos fazer isso. Mas não vou pegar leve dessa vez. — O tom ameaçador em minha voz o
obriga a repetir o movimento. Dessa vez, no entanto, ele introduz quase seu pau inteiro e
minha cabeça cai para trás. — De novo. Mais rápido e mais forte! — ordeno, de olhos
fechados e seu quadril investe contra mim vertiginoso.
Grunho quando a dor prazerosa explode dentro de mim. Abraço-o, respirando fundo na
pele de seu pescoço e Bryan entra em mim outra vez, mais rápido e impondo mais força,
preenchendo-me com avidez. Gemo contra a sua pele sentindo a pontinha de seu sexo
estocar várias vezes, numa frequência estarrecedora, meu ponto G. Quanto mais rápido e
mais forte, mais sinto o orgasmo vindo em espasmos intensos. Meus seios balançam com o
movimento ríspido, a bancada bate contra a parede em um som oco ensurdecedor. Nossos
gemidos e o som de nossas peles em embate se unificam no ar e torna o mais sensual à luz
de velas.
Afundo as unhas na carne de suas omoplatas, uma exigência silenciosa para que ele não
diminua o vai e vem selvagem até que um de nós atinja o ápice. Sei que Bryan está quase lá
porque seus olhos reviram e pende a cabeça para trás em exaspero. O orgasmo me provoca,
quer sair e arqueio o quadril para a frente, saindo alguns centímetros da superfície gélida
da bancada.
Mordo o lábio inferior e jogo a cabeça para trás quando a espiral do clímax vem. Bryan
também goza, porque cede ao cansaço e o barulho que fazemos juntos se dissolve. Minha
respiração densa sucumbe e ele está tão cansado quanto. Uma tira de suor frio desce em
sua têmpora de encontro com o pé do cabelo.
Apoia as mãos em cada lado de minha cintura como se buscasse apoio para não
desmontar. Inspira fundo pelo nariz e solta pela boca devagar. Não sufoco o riso, deixo a
alegria me invadir. O sexo entre nós é bom. Nossa sintonia é perfeita e nossa conexão é algo
que nunca tive com ninguém. Eu me sinto emocionalmente e fisicamente satisfeita quando
se trata de nós dois.
Por fim, leva as mãos em direção a camisinha e a tira. Afasta-se para jogá-la no lixo e se
senta na lateral da banheira, pendendo a cabeça entre os ombros e bagunça os cabelos –
como se não estivessem desalinhados o suficiente. Quando volta a olhar para mim, uma
satisfação escancarada cobre sua expressão.
— Eu senti falta de você em todos os aspectos. Mas fazer amor com você, é diferente. —
Ele nunca usou esse termo. Fazer amor. É sempre: trepar, foder, sexo ou transar. Fazer
amor é mais uma novidade se tratando de Bryan. Eu gosto como soa entre nós.
Desço da bancada com um empurrão das mãos e caminho até ele. Bryan afasta as
pernas e me sento em seu colo, abraçando seu pescoço.
— Eu amo você, Bryan. É por isso que tenho medo de te perder — revelo com hesitação
na voz. Ele franze a testa. — Se você tivesse ideia do quanto te amo, entenderia o que a sua
partida fez com o meu coração — parafraseio.
Ele ajusta uma madeixa longa de cabelo úmido atrás de minha orelha e escorrega um
dedo por minha bochecha, acariciando as maçãs salientes e provavelmente coradas pelo
calor que circula no ar.
— Mackenzie, você não vai me perder. — Segura meu queixo com a pinça que faz entre
os dedos. — Não vou a lugar nenhum. — Abraça-me pela cintura, apertando-me contra seu
corpo. Eu me sinto embalada e amada em seus braços. Fecho os olhos, respirando o
perfume que exala de seus cabelos.
— Tá — concordo e beijo sua cabeça.
Não sei por quanto tempo ficamos entremeados um no outro, mas acho que o suficiente
para decidirmos voltar para a banheira. Um compilado de canções de amor fazem serenata
para nós, enquanto conversamos, comemos batata frita e tomamos vinho. Bryan ri como se
nada no mundo pudesse nos atingir e eu só queria ficar com ele nesse lugar para sempre.

O quarto que Bryan e eu dormimos é como o banheiro: cercado por uma janela
imponente de vidro. Gosto da paisagem, de como consigo ver claramente as árvores e o sol
nascer. Dormimos com o som da cachoeira caindo e se encontrando com a água do rio.
Estou acordada, olhando para o horizonte e admirando a paisagem às oito da manhã.
Sinto cheiro de café passado e torradas. Bryan está na cozinha preparando nossa comida
enquanto não saio do transe, que é estar apaixonada por uma vista. Visto um moletom
branco da The Reckless, com o nome da banda estampado na parte da frente, na altura dos
meus seios e as mangas estão largas para mim por ser o tamanho perfeito para Bryan. Meus
braços finos cercam meus joelhos e entremeio o queixo na fenda estreita que minhas
pernas juntas deixam.
Tudo aqui é calmo, quieto, em repleta paz. O tipo de lugar que você vai para não ter
contato com o mundo externo. Você vive alguns dias de paraíso porque a realidade
cosmopolita tem o poder de te engolir.
Sonhei com Sebastian esta noite e acho que é por isso que acordei reflexiva. Não
sonhava com ele há muito tempo, minha mente andou ocupada demais com meu
relacionamento conturbado com Bryan para se atentar às outras coisas. Porém, talvez seja
porque faz cinco anos que ele se foi. Mas no sonho, Sebastian só olhava para mim. Só… me
olhava. E eu o amei outra vez. Não como amo Bryan, claro. Mas como eu amo Effy, Gravity e
os meninos da The Reckless. Meu coração acordou cheio de amor por Sebastian. E derramo
uma lágrima enquanto penso nele. Eu a capturo com o indicador antes que faça o percurso
completo e chegue ao meu queixo.
Eu queria que ele estivesse aqui. Queria que Sebastian visse esse lugar. Estou com
saudade de ouvir a sua voz e sentir o seu toque, mesmo que ínfimo. Bryan sabe que sonhei
com ele e que estou chateada, não sei se ele se sente desconfortável por eu pensar em Seb
como me sinto quando pensa em Lilah, mas se sentiu, não demonstrou.
Solto o ar pelos lábios entreabertos e comprimo os dedos dentro das meias de tricô
cinza que trouxe. Faz frio aqui de manhã, então me sinto empacotada.
— Oi. — Bryan aparece atrás de mim, com o peito nu e os gomos do tanquinho
expostos. Carrega uma bandeja de café da manhã com mamão, torradas e duas xícaras de
café. — Tudo bem? — pergunta com a expressão carregada de preocupação.
Assinto com um meneio curto.
— Pensei que fosse querer ficar na cama hoje. — Ele empurra a bandeja para mim e se
senta na lateral, mantendo a distância.
— Não sei por que fiquei tão chateada de repente — falo, esfregando o rosto no joelho
para afastar as lágrimas. — Já não ficava assim por causa dele há muito tempo.
Bryan engole em seco, noto seu pomo de adão se mover.
— Por que nós falamos de Lilah ontem? — sugere, subindo uma sobrancelha.
— Será que ela ainda tem esse poder todo sobre mim?
Ele dá de ombros.
— Vai saber.
Pega a xícara de café e a estende para mim.
— Você acha que… eu devo procurá-la?
Vincos profundos se projetam na testa de Bryan.
— Por quê?
— Eu sei que ela tem um perfil no Instagram. Procurei uma vez ano passado, quando
sonhei com Seb, só de curiosidade. Mas não olhei os stories porque fiquei com medo que ela
descobrisse que andava fuxicando.
— Você nunca disse nada — murmura, pensativo.
— Não era importante — desdenho. — Até agora.
— Mudou o quê agora?
— Não sei. Você ter me perguntado dela ontem me fez pensar. Nós éramos amigas.
Naquela época, não tinha maturidade para lidar com problemas tão intensos como os dela,
e acho que não me esforcei o suficiente pra tentar entendê-la e lutar por ela como merecia.
Afinal de contas, a vida que Seb tinha não era diferente dela. Lilah também sofria abusos do
pai. Nunca pensei nisso, mas, pensando melhor agora, faz sentido.
— Se for importante pra você. — Bryan mastiga devagar, sem olhar para mim e
beberica um gole de café para empurrar a torrada.
— Eu vou pensar sobre isso.
— Sim. Você sonhou com o Sebastian então é normal que esteja pensando nos dois.
Amanhã você se pergunta se tá mesmo disposta a procurar por ela.
Eu concordo com ele de novo e tomo um gole de café para me despertar.
— Estava pensando… você quer ir até a cachoeira?
Devolvo a xícara de café para a bandeja e não como nada. Não estou com fome.
— Acho melhor irmos embora — decido, sem olhar para ele. — A viagem é longa e
tenho que terminar umas tarefas da faculdade pra entregar amanhã.
— Tem certeza? — Bryan devolve no mesmo tom cordial que o meu.
— Tenho sim.
— Não vai comer? — Gesticula para o meu prato com duas torradas intocado.
— Estou sem fome, mas obrigada. — Sorrio para tranquilizá-lo e me ajeito até estar
recostada à cabeceira da cama, escorregando a coluna até estar deitada. — Vou dormir
mais um pouco antes de irmos.
— Vou limpar tudo então. Você tá bem mesmo?
— Sim. Só fiquei chateada por causa do sonho.
Bryan me olha desconfiado, mas não insiste. Apanha a bandeja na cama e sai pela porta
sem fechá-la.

Me liga quando você voltar. Quero te contar uma coisa. Tem a ver com Bryan.

E Lilah.

Recebi duas mensagens de Nate, no domingo de manhã, enquanto assimilava meu
sonho com Seb e a realidade de que os dois não fazem mais parte da minha vida há anos.
Ele ou Lilah. E não falei nada para Bryan. Na verdade, ainda estou encontrando desculpas
para não ter o confrontado quando tive oportunidade. Nós estávamos sozinhos e ele não
poderia fugir, a menos que me deixasse para trás. É só que o choque momentâneo me
deixou em estado de entorpecimento e me enclausurei na sensação por todo o domingo.
Até no caminho de volta para casa não consegui dizer uma palavra a respeito da mensagem
do meu irmão para Bryan. Mas também não tive coragem de ligar para Nate quando
cheguei em casa. Enfim cheguei à conclusão de que não quero falar sobre o assunto ainda.
No momento em que o vi pela primeira vez, três semanas atrás, sabia que o Bryan que
retornou estava diferente e não se tratava apenas da perda de Vivian, se tratava dele
mesmo.
Um sentimento de incerteza enraizado no meu coração se referia a essa nova versão de
Bryan. Uma que mente e esconde coisas com medo de como eu irei reagir a elas. Também
fiquei surpresa comigo, com a minha reação à ação. Eu queria brigar com Bryan. No fundo,
queria gritar com ele e obrigá-lo a ser honesto comigo. Fazer o que não tem feito desde que
colocou seus pés em Humperville. Quis agir como uma descontrolada e obrigá-lo a abrir a
boca de uma vez por todas, mas eu fui extremamente contra qualquer vontade. E isso só
prova a mim e ao próprio Bryan que não ajo mais como antes. A impulsividade faz parte da
natureza humana, mas sinto que posso controlá-la melhor agora, depois de tantos altos e
baixos. De tantas idas e vindas. Controvérsias e lições. Sei que o melhor jeito de lidar com os
meus problemas é respirando fundo e pensando no próximo passo, e não o dando às cegas,
abrindo brechas para cometer novos erros ou até repetir os que já cometi no passado.
É por isso que olho para as mensagens de Nate e ignoro o azedume que se instala na
ponta da língua. É por não querer ser impulsiva que controlo a vontade de esganá-lo. Mas
não significa também que não esteja a um passo de explodir. Bryan me armou como uma
bomba relógio e todo o cuidado que tenho tomado desde que retornamos da nossa viagem
é para não afetar as pessoas que nos amam, como Effy, por exemplo, que não desgruda os
olhos de mim desde que chegamos à aula do professor Gerard.
Toda terça-feira é uma tortura lenta nas aulas de Gerard. Com ele estudamos a história
do jornalismo. Não que a matéria seja ruim, mas nosso professor baixinho, com bigode e
uma barriga proeminente, anda atrás de um púlpito como se não estivéssemos nos
preparando para as provas de final de semestre.
Effy está com uma das mãos apoiando a base da bochecha, a boca entreaberta e um
filete de baba escorre pelo canto. Seguro o riso para não chamar a atenção de Gerard e com
o cotovelo, cutuco seu quadril.
Ela arregala os olhos sobressaltada e gesticulo para nosso professor filantropo, que
conta sobre Abigail Hawke, uma das jornalistas mais famosas e reconhecidas no ramo. Fora
a jovem estudiosa que abriu nosso jornal local e brutalmente assassinada nos anos noventa.
O caso dela nunca chegou a ser solucionado, de fato. Acontecimentos assim, entretanto, faz
com que os alunos fiquem vidrados na aula. Apesar de Effy e eu gostarmos de jornalismo
investigativo, nenhuma de nós está com ânimo para participar da aula de hoje.
Encaro meu arquivo aberto do Word em branco, pairo com os dedos sobre o teclado
querendo digitar algo produtivo da aula, mas não sai nada. Seguro o celular embaixo da
mesa para que o professor não veja que não estou imersa na aula e abro outra vez as
últimas mensagens de Nate. Leio e releio o que escreveu. Ignorei ao menos dez ligações
dele desde domingo e inventei desculpas para não ver Bryan também. Por mais que queira
evitar confrontos, uma hora ou outra, isso terá que acontecer. A verdade é que estou dando
um tempo, uma oportunidade para que seja honesto comigo e me conte o que quer que
esteja escondendo e Nate saiba. Quero dar a Bryan a chance de se explicar sem que um de
nós esteja apontando o dedo em seu rosto, em acusação.
Então meu celular vibra na ponta dos dedos, notificando uma mensagem no Kik. Hoje é
um dia que combinei de almoçar com Bryan, depois de recusar o convite de ontem e de
inventar uma desculpa à noite para não vê-lo.

Bryan: Minha vez de desmarcar. Ensaio com a The Reckless na hora do almoço. Posso te
ver à noite?

Mack: À noite vou estudar.

Bryan: Almoço amanhã então?

Mack: Ok.

Bryan: Certo. Te vejo amanhã, baby.

Solto um bufo desanimado, o que chama a atenção de Effy. Os olhos amendoados e um
pouco inchados de sono me fitam em questionamento. Não contei para ela ou Vity sobre a
mensagem de Nate. Queria conseguir, mas não consigo.
Deixo o celular na mesa, ao lado do notebook, e encolho os olhos. A ruiva gesticula o
queixo em minha direção, induzindo-me a contar o que quer que esteja me incomodando.
— A The Reckless tem ensaio hoje? — murmuro, alternando o olhar entre Effy e as
fileiras diante de nós, que fazem um círculo em volta do professor Gerard lá embaixo.
Estamos tão alto, que mal consigo enxergar o rosto dele sob o feixe de luz localizada, mas é
bom o bastante para manter o foco no corpo miúdo.
Effy reflete um pouco sobre a minha pergunta.
— Não que eu saiba. — Joga os ombros para cima, embora o vislumbre nos olhos seja de
alguém que ainda busca informação no fundo da mente. — Quer que eu pergunte pro Ash?
— Não. — Abano as mãos como se dissesse para esquecer o assunto.
Effy concorda, mas não fico completamente convencida. Digito uma mensagem para
Aidan.

Mack: A The Reckless vai ensaiar hoje na hora do almoço?

Aidan: Não. Ensaiamos ontem. Por quê?

Mack: Curiosidade.

Devolvo o celular para a bolsa, enfurecida. Eu o escondo embaixo de apostilas e uma
pasta com trabalhos em desenvolvimento, só para evitar que acabe enviando uma
mensagem para Bryan o chamando de babaca mentiroso.
Merda! Por que diabo Bryan está mentindo para mim? E o que é que tem a ver com
Lilah?
Movo-me desconfortável na cadeira, afasto o notebook para o lado e inclino o tronco até
estar debruçada sobre a superfície lisa da bancada. Effy acompanha meus movimentos com
o olhar. Apesar de saber que meu desconforto foi notável para ela, não diz nada e não tenho
vontade de contar o porquê.
Bryan está mentindo para mim; e, se não fosse pela mensagem de Nate, talvez eu
continuasse acreditando que minhas desconfianças não passassem de paranoia.

Quando saímos da universidade digo a Effy que não estou me sentindo bem e peço que
avise a Angel que tirarei a tarde de folga. Comprimo os lábios enquanto caminho pelo
passeio, rumo ao prédio onde moramos. Minhas passadas lentas quase me fazem parar no
caminho. Engancho o braço na alça da bolsa de lado e levanto a cabeça adiante. Essa
insegurança é o tipo de coisa que não sentia com Holder. Minha razão para mantê-lo por
perto ganham força e afasto o sentimento de arrependimento antes que tenha convicção de
que meu medo tinha alguma fundamento.
Pego o celular e faço uma tentativa.

Mack: Não vou ao estágio hoje. Vou dar um pulo no ensaio da The Reckless.

Espero por longos segundos, que se transformam em minutos e a resposta não vem.
Meu coração acelerado, inundando-se na impaciência, em um misto de raiva eminente me
dominam. Mordo o lábio inferior, irritada. Por que caralho ele está mentindo para mim?
Olho adiante. Para o campus cercado por uma grama verde, que se parece muito com
um tom artificial. Encaro os estudantes atravessando passarelas de concreto, respeitando
as placas para não pisar no gramado. E impulsionada pelo desespero, ligo para Willa. Ela
atende no segundo toque.
— Oi, e aí? — Forjo um sorriso, afasto o cabelo e o prendo atrás da orelha.
— Tudo bem? — Willa sussurra, como se tivesse acabado de acordar. Não seria possível,
é quase meio-dia.
— Sim. Tudo. Então, marquei de conhecer o apartamento novo de Bryan, mas ele não
me enviou o endereço ainda. — Minha boca se contorce com a mentira, mas não gaguejo.
Coloco a mão esquerda, que está livre, no bolso traseiro do jeans e continuo andando a
passos lentos. — Você sabe onde é, não sabe? Tentei ligar, mas ele não atende. — Se Bryan
anda mentindo, posso contar uma mentira ou outra por uma boa causa, não?
— Hum, não sei onde fica, nunca fui lá, mas eu posso dar uma olhada na agenda do Aidan,
tenho certeza de que ele anotou em algum lugar por aqui. — Escuto um barulho do outro
lado da linha e fisgo o lábio inferior em uma mordida lenta enquanto espero. — Encontrei.
Não é longe do seu! O prédio é na rua detrás da sua.
Bryan mora tão perto e mesmo assim nunca me deixou visitá-lo. Minhas suspeitas e a
ânsia fazem meu estômago embrulhar. Anoto o número do prédio e atravesso a rua para ir
até lá. Fica na mesma avenida que a universidade e é um prédio excepcionalmente melhor
de onde moro, por ser um condomínio novo na região, feito de forma exclusiva para
estudantes com pais ricos como Darnell.
O prédio novo é pintado de um azul-escuro, quase acinzentado. Duas plantas pequenas
adornam os dois lados da porta de vidro escuro. Pressiono o botão do interfone, de braços
cruzados enquanto espero ser atendida. Uma voz feminina sonolenta irrompe e digo que
vim visitar um morador. Ela não pergunta meu nome, portanto não me sinto na obrigação
de me identificar. Escuto o “clic” da porta sendo aberta e a empurro.
A recepção é maior e arejada, com um jardim e uma cascata pequena do meu lado
direito. O piso é um tom de areia envernizado, quase consigo enxergar meu reflexo nele. Ao
esquerdo, a mulher de meia-idade, com pele flácida e um olhar sonolento miram meu
corpo. Não me importo de esquadrinhar o lugar demonstrando curiosidade.
Eu me aproximo da recepção sem muito ânimo, inclino-me no balcão e encaro os olhos
verdes da mulher, que folheia uma agenda.
— Queria ver Bryan McCoy — digo sem esperar que me pergunte qualquer coisa.
— Ah, sim. Ele disse que viria. — Ela coloca a agenda sobre o balcão e sou pega de
surpresa, dou um passo para trás. — Delilah Linderman, certo? Ele disse que você chegaria
hoje. Me pediu para te entregar isso. — A mulher vasculha embaixo do balcão e sobe,
colocando uma chave no balcão e empurrando para mim.
Não penso nem respiro, pego a chave e a prenso no peito, como se realmente fosse
Delilah Linderman. Quero poder dizer que sinto surpresa, mas é como se, no meu interior,
soubesse que minha última conversa com Bryan fora esclarecedora o suficiente. Ele a
defendeu. Falou como se…
Refreio o pensamento para evitar os olhos marejarem. Sorrio para a mulher em
agradecimento mudo e dou meia-volta, rumo para o corredor largo onde ficam os
elevadores do prédio e pressiono o botão para chamá-lo. Na chave há o número e andar do
apartamento, portanto não preciso voltar para pegar mais informações. Bryan mora no
décimo terceiro andar, no apartamento duzentos e onze.
Meu corpo tomba para trás até estar recostada na estrutura de metal gélida. O aperto
em meu coração é lancinante, obstrui o ar em meus pulmões e me sinto pequena diante de
tudo isso. Não é a mentira. É o por quê. Por que esconder de mim que ele estava com Lilah?
Por que mentir para mim que se reencontraram? Não faz o menor sentido, afinal eu
também a amei. Também senti falta dela no começo e me senti traída quando ela foi
embora sem olhar para trás – mesmo que tenha entendido seus motivos depois. A questão
é: por que Bryan precisaria mentir para mim, se não sente mais nada por ela?
A porta do elevador se abre. Caminho pelo corredor estreito passando por dois
apartamentos antes de chegar à porta de Bryan. Coloco a chave na maçaneta e torço para
que não gire. Para que a mulher na recepção esteja errada. Bryan não mora aqui. Contudo,
assim que giro a chave na fechadura e escancaro a porta, o perfume masculino marcante se
mesclando ao seu xampu me inundam.
Fico parada na entrada, entre o batente e estar completamente dentro desse
apartamento. Vagueio com os olhos pela sala e parte da cozinha, que é tudo que consigo
enxergar na minha posição. Tento encontrar qualquer vestígio de Lilah por aqui, deixado
para trás, para ser encontrado. Então me lembro de que a mulher disse que “chegava hoje”,
portanto Lilah ainda não deve ter se mudado ainda para cá, mas com certeza esse é o plano.
Por fim impulsiono a contragosto o corpo para dentro. Fecho devagar a porta atrás de
mim, como um ritual minucioso. Abraço o próprio tronco, reprimindo os calafrios que
invadem meu corpo.
Já que estou aqui, é melhor mergulhar nessa banheira de angústia de uma vez por todas.
Deixo a chave e a bolsa no sofá cinza estofado de três lugares. Caminho para o vestíbulo
meio escuro por não ter nenhuma luz natural atravessando as janelas. Noto que um dos
quartos está com a porta aberta – o maior – e a cama nem está tão bem arrumada assim, o
que significa que alguém dormiu nesta cama. Pelos tons escuros, desconfio que seja o
quarto de Bryan e uma suíte faz parte do ambiente.
O quarto todo foi incinerado pelo seu perfume estridente e tem um pouco de vapor
saindo da porta entreaberta do banheiro, mas quando empurro a porta, descubro que ele
está vazio. O closet em frente a cama está semiaberto e vasculho lá dentro, vendo as roupas
de Bryan organizadas em cabides e um pouco dobradas em prateleiras presas às laterais da
parede.
Sinto-me uma verdadeira jornalista investigativa enquanto olho cada detalhe do quarto.
Há duas mesas de cabeceira, uma de cada lado da cama de casal, em uma delas uma foto de
Bryan e Vivian; e em outra, uma foto de Bryan e os meninos da The Reckless.
Saio do quarto batendo a porta. Atravesso o corredor em direção ao outro quarto, que
fica de frente para o de Bryan. Empurro a porta com força e munida à raiva por ele ter
mentido para mim. Está mais do que na cara que, se Lilah não mora nesse apartamento,
está bem perto de morar.
Assim que entro me deparo com outra cama de casal, coberta por uma manta branca
estampada de flores rosinhas. Diferente da de Bryan, essa está alinhada e sem nenhuma
dobra errada. Esse quarto também tem um banheiro, mas é menor que o outro. Ao menos
eles terão privacidade na hora do banho e mesmo assim. Mesmo sabendo disso, meu
sangue entra em combustão. Como ele pôde? Como esse…
Fecho os olhos, contornando a raiva e as mãos se fecham em punho. Nunca senti uma
raiva tão crescente de alguém antes e apesar de amá-lo com todo o meu coração, não
consigo sentir outra coisa além do desgosto nesse momento. E Nate sabia, de alguma forma,
Nate sabia que Bryan estava com Lilah e que ele mentia para mim esse tempo todo.
Eu me sento na cama, resignada, porque a verdade me açoita e me castiga como se eu
merecesse.
E eu não mereço. Não depois de tudo que passamos. Na verdade, eu merecia a
honestidade de Bryan mais que qualquer um.
Olho para a porta aberta do banheiro, para a porcelana provavelmente cara da pia e
consigo me enxergar no espelho. Sinto-me patética. Comecei a chorar e nem me dei conta.
Trato de enxugar as lágrimas antes que escorram para a minha blusa preta e fique marcada.
Afasto os cabelos e os prendo em um coque.
Então escuto a maçaneta da porta da sala e uma mescla de vozes transcorrerem pelo
corredor, ecoando.
Eles acham que estão sozinhos.
Dou risada porque é como se a piada da história fosse eu.
Escuto risadas, o que me incomoda para cacete. E não sou do tipo que usa palavrões
para se expressar, mas, nesse momento, estou sendo consumida pela chama da ira e só
quero… extravasá-la.
Respiro fundo e me levanto, indo em direção a porta. Não vou ficar escondida no quarto,
escutando a risada de Bryan que mexe com meu coração e Lilah, de quem tenho saudade,
mas sou orgulhosa demais para admitir.
Abro a porta com delicadeza, sem deixar que o som chegue até eles e caminho até a sala.
Nesta altura, um deles já deve ter percebido minha bolsa no sofá ou desconfiado que a
chave não ficou com a mulher da recepção, como Bryan tinha previsto.
Cruzo os braços e deixo o corpo tombar para o lado, sou amparada pelo caixilho entre o
corredor e sala. Não vejo essa garota há tanto tempo e esperava poder me reencontrar com
Lilah em situações diferentes. Ela está sentada no sofá, os cabelos longos, loiros e
ondulados na altura da cintura. Os olhos azuis chamam atenção por causa do delineado
preto que segue a linha de suas pálpebras. Bryan está de braços cruzados como eu, rindo e
apoiado na parede ao lado do sofá, de frente para Lilah. Não estão tão próximos, mas o
suficiente para que eu queira gritar com eles.
Minha bolsa está a pouco centímetros atrás de Lilah. Enquanto ri, seus ombros
convulsionam com a necessidade de mostrar o quanto está feliz. Meu Deus, eu odeio isso!
Não sabia o quanto odiava ver alguém feliz até sentir raiva de Lilah por estar feliz com
Bryan. E esse não é um sentimento bonito ou de orgulho. É algo que eu nunca desejaria a
ninguém porque te deixa podre por dentro.
Estou esperando o momento em que eles vão notar minha presença, quando a felicidade
será interrompida por mim, uma intrusa. Coloco a mão no queixo, elevando alguns
centímetros a cabeça.
— Sério, o seu pai — Lilah move a cabeça, sem cessar a risada e meu coração se
comprime. Porque a última vez que vi Casey foi no enterro de Vivian e eu me sinto
enciumada por não ter tido uma boa relação com o pai do meu namorado como,
aparentemente, Lilah tem — não tem limites quando se trata da Aurora.
Controlo-me para não me denunciar, aperto os lábios para segurar um gemido de
repugnância.
— Ah, você sabe como ele é — Bryan confirma, assentindo. — Puta merda. Esqueci. A
sua cópia da chave ficou na recepção!
— Não esqueceu — murmuro e dou um passo à frente para sair por completo do
corredor.
Lilah enrijece, mantendo a linha da coluna ereta e Bryan detém o passo que estava
prestes a dar em direção a porta. Vira-se lentamente, com o queixo rijo e os lábios em uma
linha tênue.
— Peguei na recepção quando cheguei. — Gesticulo com o queixo para a chave ao lado
da minha bolsa no sofá. Ele estava tão entretido com Lilah, que nem me notou. — Não
queria incomodar vocês. — Pego a bolsa no assento ao lado de Lilah, sem olhar para ela,
porque não consigo sem sentir meu estômago revirar ao vê-los juntos.
— Mackenzie — Bryan me chama, com a voz dura e firme. Não soa como se quisesse se
explicar, é como uma repreensão, o que me desarma por dentro.
Ele foi pego no flagra e está puto?
— O quê? — Travo no lugar, cravando meus olhos no corpo estacado de Bryan a poucos
passos de mim.
Ele não diz nada e a expressão dura suaviza.
— Não tem nada pra me dizer?
Bryan fica em silêncio, intercala o olhar entre Lilah e mim com os lábios pressionados
um no outro.
— Depois disso — aponto dele para Lilah —, você ainda não tem nada pra me contar?
Eu sou uma idiota, porque ainda estou dando uma chance para ele se explicar e Bryan
está a jogando fora.
— Se eu sair por aquela porta, você nunca mais vai me ver — digo em um tom firme e
aponto para a saída. — Eu juro, Bryan, se você não me disser nada…
— A culpa não é dele — Lilah murmura em defensiva, erguendo a cabeça para me
encarar. — Eu pedi para ele não contar que eu estava voltando.
Lilah se levanta e percebo que cresceu bastante, na nossa adolescência tínhamos a
mesma altura. Hoje, apesar de não ser tão alta como Bryan ou Aidan, Lilah é maior que eu
uns três centímetros.
Finjo que não me direcionou a palavra e a contorno, em direção a porta.
Quero gritar com ele e não consigo. Eu quero fazê-lo sofrer e se sentir enganado como
me sinto nesse momento. Uma idiota que fingiu não ver nada, mas não sei como fazê-lo
sangrar. Não sei como atingi-lo tão profundamente como me atingiu.
— Você nunca foi melhor que ele — respondo a Lilah, com a mão suspensa sobre a
maçaneta da porta.
Não consigo, estou com raiva, estou machucada e meu coração sangra, mas não consigo ir
embora.
— É por isso que vocês se merecem.
Desvio os olhos de Bryan para Lilah e volto para ele antes de abrir a porta.
Paro com as costas colada à madeira. Espero que ele abra a porta e venha até mim com
explicações. Qualquer. Maldita. Explicação. Mas ele não vem.
Bryan me deixa ir.
E dentro do elevador, sem que me veja, eu choro.

“Eu nunca quis machucar você
Mas é algo que sempre faço
E sei que não é uma boa desculpa
E ela sempre vai me odiar
Não importa o que eu diga
E não há dúvidas
O amor se foi”
SHE WILL ALWAYS HATE ME – JAMES BLUNT

Quando me reencontrei com Lilah, quatro meses atrás, fiquei surpreso. Quem não
ficaria? Não esperava que nossos caminhos fossem se cruzar outra vez. Ela tinha seguido a
vida em outra cidade e eu estava em Humperville. Mas imagine a surpresa quando cheguei
na casa de meu pai e descobri que ele morava não só com uma, mas três mulheres que
pertenciam à família de Lilah: sua mãe, Maya; sua avó, Diana; e sua tia, Daily.
Primeiro, eu precisava digerir a informação de que meu pai não só estava noivo de
Daily, como ela também esperava um bebê. Em seguida tive que lidar com a informação de
que Lilah estava mesmo vivendo sob o mesmo teto que o meu. A princípio pensei que era
alguma piada do destino e depois achei que tivesse me pregado uma pegadinha, porque não
era possível que nossos caminhos tivessem se encontrado mais uma vez depois de três
malditos anos sem ter notícias dela.
A última vez que a vi, entretanto, foi no memorial de Seb em abril de 2017, quando
soube da boca dela os motivos que a fizeram ir embora sem nem se despedir. Para mim
fazia sentido que Lilah e a mãe tivessem fugido de Thomas; no lugar delas, não veria outra
alternativa, mas quando a vi com sua família e meu pai, perguntei-me se aquele não seria o
primeiro lugar que ele as procuraria.
Então descobri que Daily Price não era só uma mulher incrível, como uma advogada
fenomenal. Daily obrigou Thomas a ficar exatamente onde estava e, caso ele se recusasse
assinar o divórcio e não deixasse Lilah e Maya em paz, elas colocariam a boca no trombone
e contariam tudo ao público sobre os abusos psicológicos que sofreram em casa.
Daily conhece o ponto fraco de Thomas, sabe que sua carreira promissora na política é
tudo que ele ama e preza. Ele não amava a esposa ou os filhos, só queria uma vitrine de boa
família para exibir e algo assim, em uma cidade como Humperville, vir à tona poderia
destruir sua candidatura, já que, na mesma época em que Sebastian faleceu, ele preparava o
campo para se tornar prefeito. Foi uma causa ganha. Ele decidiu assinar a papelada e seguir
a vida como se não tivesse uma filha a quilômetros de distância dali.
Delilah Linderman não era mais a adolescente acuada e insegura que namorei cinco
anos atrás. Conforme convivia com ela e descobria mais sobre sua nova personalidade,
ficava mais intrigado em conhecê-la. Em saber como ela chegou a esse ponto. Uma mulher
segura de si, geniosa e de opinião firme. Não vi Lilah abaixar a cabeça nenhuma vez para
ninguém nos quatro meses que vivemos juntos. E como Brooks e ela tinham personalidades
tão díspares e ainda assim namoraram por mais de um ano.
Ah, quando Lilah decidiu terminar com Brooks porque pretendia voltar para
Humperville foi uma coisa muito peculiar de se ver. Ela estava literalmente dizendo a ele
que não podiam continuar juntos, porque não queria sentir que estava presa a um
relacionamento onde não dava mais tudo de si. Bebi com Brooks a noite toda na sala,
sabendo que ela dormia em seu quarto no terceiro andar da casa.
Lilah não derramou uma lágrima sequer. Foi quando me dei conta de que não estava só
segura de si, mas não voltava atrás em suas decisões e ao menos tentava não se arrepender
das escolhas que fazia. Ela meio que aprendeu a calcular seus passos e as palavras que sai
de sua boca. Tenho certeza de que, antes do término com Brooks, Lilah se colocou muitas
vezes no lugar dele e ensaiou o que diria para que não o ferisse. Não adiantou muito,
porque, por mais que você tente prever a reação do outro, não dá para garantir que não irá
sofrer com suas escolhas. Lilah deveria saber que tem o controle sobre os seus sentimentos
e não os de Brooks.
Nós nos aproximamos mais conforme a minha amizade com Brooks crescia. Lilah
também trabalhou por um tempo na loja do meu pai, enquanto se decidia sobre o que
cursar na faculdade e meio que senti que Lilah via em meu pai o afeto que não teve com o
seu. O carinho mútuo é notório, qualquer um veria que Casey e Lilah são como pai e filha,
embora a única ligação com ela seja por estar noivo de Daily. Como isso aconteceu, eu
nunca soube, em como se conheceram e transformaram essa relação de dois a quatro e, de
repente, eram uma família feliz de comercial de televisão. Mas considerando que minha
madrasta é uma advogada, posso chutar que meu pai fora cliente dela. Acho que minha mãe
descobriu no jantar de noivado e não teve a chance de me contar, que a tia de Lilah se
casaria com meu pai.
Evitei Delilah nas primeiras semanas porque, de alguma forma, sentia que estava
traindo a confiança de Mackenzie nos encontros esporádicos que tínhamos na casa ou nos
almoços e jantares em família. Tornei-me aquele cara de anos atrás. Introspectivo. Vivendo
na minha bolha e desfrutando do mundo que criei para não ter que lidar com a realidade
que me cercava. Por incrível que pareça, foi Lilah quem deu o primeiro passo. E foi estranho
como eu cedi na sua primeira tentativa de conversar comigo. Talvez porque passava por
um momento difícil de luto e precisava desesperadamente que alguém falasse comigo sem
usar o “sinto muito por sua perda”.
Lilah só disse: “ei, você ainda manda bem com os números como naquela época?”.
Porque ela não dependia financeiramente do meu pai para comprar suas coisas e
começou a aceitar alguns trabalhos como babá no condomínio onde meu pai mora, até que
os pais das crianças encarregaram a ela a tarefa árdua de ajudar os pirralhos com o dever
de casa. Nós passamos parte da noite tentando resolver questões matemáticas dais quais
eu sempre fui muito bom e foi como se eu me conectasse com o cara que eu costumava ser
naquela época. Apesar de ser introspectivo, tinha muitas coisas em mim que eu gostava e
não queria ter me desapegado, e uma dessas coisas era como eu curtia pra caralho estudar.
É engraçado pensar nisso porque, no fim, acabei não entrando em nenhum curso nem
tentado qualquer faculdade.
Depois dessa noite meio que passamos a conversar mais todos os dias e hoje, quando
olho para ela, vejo-a como uma irmã mais nova.
Não é como se eu esperasse que Mackenzie fosse entender; quando Lilah fora aprovada
na universidade de Humperville para estudar Literatura, queria ser ela a contar para Mack
e Effy que estava voltando. Eu garanti a ela que da minha boca nada sairia. O plano era que
Lilah falasse com elas assim que estivesse tudo certo. Então arrumei o apartamento que
vamos dividir por um tempo, até que surja uma vaga no alojamento do campus e viemos
juntos pela primeira vez, para que ela concluísse a matrícula.
Cumprir promessas é uma merda e não sei por que continuo fazendo. Prometi a Lilah
que manteria segredo do seu retorno, mas não esperava que Mackenzie estivesse tão
desconfiada. Tomei cuidado para não abrir a boca, mesmo que quisesse muito contar tudo
para ela. Contar sobre Dashdown, sobre meu pai e que Daily, na verdade, era irmã da mãe
de Delilah.
Contudo, Effy não acreditou nas desculpas que dei e, em nossa última briga, ela tinha
certeza de que eu estava escondendo alguma coisa. Ainda tenho que ajeitar as coisas com
Effy e, cacete, nem sei por onde começar. Para proteger Lilah e sua vontade, eu menti para
Effy e Mackenzie. No lugar delas, eu estaria tão puto quanto.
A sala do apartamento, coberta por uma camada de luz lunar que invade pela porta de
vidro da varanda, tem uma massa de fumaça pairando no ar. Uma música baixa e lenta,
irrompe de uma caixinha de som móvel sobre a bancada da cozinha. Fumei quase um maço
inteiro de cigarro nas últimas quatro horas e busquei apoio em uma garrafa de vodca que
estava guardada no fundo do armário da cozinha. Meu corpo é uma mescla de suor, cigarro
e álcool. Daria qualquer coisa para conseguir sair do lugar e ir atrás dela, mas não consigo
me mover.
Meus pés estão presos nesse apartamento e meu corpo sendo deteriorado pelo cansaço.
Ainda não contei tudo. Ela ainda não sabe de tudo. E nem tudo, de fato, se trata de Lilah.
Estou de saco cheio de ter que mentir para ela. Não consigo mais olhar nos olhos de
Mackenzie e contar mais mentiras. A próxima vez que formos conversar, que a olhar nos
olhos, será para contar tudo que não posso nesse momento e torcer para que o lampejo de
ódio que vi em seus olhos quando bateu a porta do apartamento mais cedo, não esteja mais
lá. Com sorte meus motivos altruístas, como ela mesma disse, serão o suficiente para fazê-la
voltar para mim.
Meu telefone já tocou umas trinta vezes na última hora. Não sei se consigo lidar com
Ryan ou qualquer outra pessoa à essa altura do campeonato. Ele toca de novo e de novo,
inclino o tronco, meio bêbado e entorpecido pela quantidade absurda de álcool no meu
sangue.
Trinta e três ligações; algumas de Ryan, outras de Math e mais um monte de Aidan. Ele
sabia de Lilah e até pensei que fosse me denunciar, porque deixou bastante claro sua
opinião sobre eu continuar escondendo coisas de Mackenzie.
Eu sei que estou errado. Sei que fiz merda. Mesmo assim, não consigo ver por onde
começar para consertar as coisas.
— Você ainda tá nesse sofá — a afirmação irrompe através do corredor, à meia-luz do
quarto de Lilah acesa e subo os olhos para seu rosto.
Seu corpo recosta ao batente da passagem entre sala e corredor. Os ombros ossudos
sendo a âncora na parede. Desço os olhos para estudar o queixo fino, os olhos azuis
espreitam meu corpo desleixado no sofá. Quando me levantar, é certeza de que meu
traseiro deixará uma cratera no assento. Ela joga a perna longa direita na frente da
esquerda, as panturrilhas torneadas e calcanhares finos. O quadril largo e a cintura
curvilínea se movem à medida que a respiração sobe e desce.
Descobri que cortava o cabelo na época do colégio porque seu pai mandava, portanto
Delilah não o deixa mais curto. Os fios em mescla de castanho-claro e pontas loiras estão
presos em um coque mal feito no alto da cabeça e os braços ossudos de Lilah se cruzam na
altura do peito.
— Por que você não foi falar com ela? — dispara, saindo de sua posição e caminha até
mim, decidida. — Você está de dar pena, é sério, Bryan.
— Porque vou ter que mentir de novo. — Cubro os olhos com o antebraço, sinto as
têmporas saltarem de dor e comprimo os lábios. — É melhor que a gente fique um tempo
separado.
Por um segundo, esqueci-me de que Lilah também não sabe muitas coisas sobre mim.
Naturalmente acabei contando uma coisa ou outra, mas não tudo. E o principal motivo de
eu ter retornado antes do previsto também faz parte da lista de coisas que prefiro que
ninguém saiba.
Lilah chuta minha panturrilha com toda a sua força.
— Caralho, Lilah! — Esfrego a região dolorida, pendendo o corpo para a frente. — Por
que você me bateu?
— Você é um babaca. A culpa não foi totalmente sua, também. Te fiz prometer que não
contaria nada, mas Mackenzie ficou decepcionada com você. Entende que, se não resolver
essa merda agora, talvez não tenha chance em fazer isso depois? E o que mais você tá
escondendo?
— Não é da sua conta. — Pego o cinzeiro na mesa de centro, vendo seu lábio se
contorcer em repulsa. Ela odeia ser contrariada. Mudou, amadureceu, mas ainda tem um
resquício da menina mimada nela. — Acho que vou sair.
— Agora? — Lilah leva os olhos para o relógio digital da geladeira, curvando as
sobrancelhas. — Eu vou com você.
— Lilah. Nós concordamos que vivermos juntos não faria de nós pessoas que controlam
a vida um do outro.
— Você está bêbado e sem condições nenhuma de dirigir. Não vou beber hoje, então
vou dirigir pra você. Te deixo beber até vomitar as entranhas se quiser, mas não vai sair
daqui sozinho hoje. Goste você disso ou não.
Aperto os lábios com força. Nós não tínhamos esse tipo de problema em Dashdown,
porque sempre estávamos juntos. Brooks, Emory, Lilah. Ela não tinha que concentrar toda a
sua força em me proteger porque não estava tentando entrar em confusão. Diferente de
hoje, que estou bêbado e procurando desculpas para extravasar o sentimento de raiva e
culpa.
— Já estou meio que detestando a ideia de ter você morando aqui comigo.
— É temporário. Você sabe.
— Não estou reclamando. — Continuo andando até passar por ela.
Pego a garrafa de vodca e viro o último gole da bebida goela abaixo.
Sinto seus olhos analisarem meus movimentos de organizar a mesinha de centro,
limpar e desligar a música. Não preciso de um banho para encher a cara, então só vou no
quarto para pegar a jaqueta de couro e trocar a camiseta branca que estou vestindo. Coloco
uma do Nirvana e volto para a sala. Lilah já sumiu para seu quarto no meio minuto que fui
até o meu para me trocar.
Enquanto a espero na sala, ligo o celular de novo. Recebo mais algumas mensagens
notificando as ligações que recebi, mas ignoro todas, sabendo que é do meu tio. Envio uma
mensagem de texto para Ash:

Bryan: Vamos sair.

Ash: Agora?

Bryan: É, agora. Desde quando você tem horário pra essas merdas?

Ash: É terça-feira e tô com visita.

Bryan: Leva a visita.

Digito já imaginando de quem se trata.

Bryan: Convida os caras.

Ash: Você é um empata-foda do caralho, hein?

Bryan: Anda logo. Preciso de vocês.

Ash: Brigou com Mackenzie?

Bryan: Acho que ela terminou comigo.

Ash: Como assim você acha?

Bryan: Você vai ou não?

Ash: Tá. Onde você quer ir?

Bryan: Anarchy.

Ash: Beleza. Te encontro lá.

Even If It Hurts retumba alto enquanto atravesso com Lilah segurando a barra de minha
jaqueta de couro. Me concentro na letra da música, na voz de Sam Tinnesz e nas luzes
psicodélicas do bar de Jack. Um aglomerado de pessoas se reuniu no centro, afastando as
mesas para os cantos, como sempre acontece, para terem espaço e dançar na pista de
dança.
Antes de Mackenzie voltar para Humperville, eu gostava de me sentar no bar onde Effy
trabalhava servindo drinques e passava horas conversando com ela, sem me preocupar
com o depois. Nossa amizade sempre foi algo que pensei que nunca fosse capaz de abrir
mão e, enquanto olho para a nova barwoman atrás do balcão, meu peito se comprime de
saudade de Effy.
Seguro Lilah pela mão para que ela não acabe se perdendo no meio da multidão e com
um puxão rápido, coloco-a na minha frente. Seguro-a pelos ombros, guiando-a para uma
mesa ilhada próxima ao bar. Está meio suja, mas deve servir enquanto esperamos pelos
caras. Ela puxa uma cadeira e se senta, vou até o bar e pego uma cerveja. Volto para a mesa
e não espero que Ashton, Aidan e Finn cheguem para que eu comece a beber. Sei que Chase
não sairia de Handson Wood numa terça-feira, mas mordo a língua quando os vejo
atravessar pela multidão, em nossa direção.
Do It For Me é a música remixada que o DJ escolheu para colocar agora e me lembro da
noite da recepção na universidade em que a cantei na abertura do show. Porra, eu sinto
muita falta de tocar com a The Reckless. Estou ansioso para a próxima sexta e o sábado,
onde a agenda da banda está lotada e vou poder passar tempo o bastante com eles para
esquecer tudo.
— Ei! — Ashton me cumprimenta e desvia os olhos para Lilah.
Se Aidan cumpriu sua promessa, não contou para eles que, quando estava no hotel,
Lilah também estava lá e eles se conheceram.
— Quem é? — Gesticula com o queixo e nunca vi Ash estar na presença de uma mulher
bonita como Lilah e não fazer nenhuma cantada barata.
Ele está estranho.
— Delilah. É a minha… prima? — indago para ela, com um sorriso, e dou um gole na
cerveja.
— Mais ou menos isso. Minha tia vai se casar com Casey. — Ela se levanta para se
apresentar. Ash a segura pela mão, balançando o braço. Sem beijo no rosto? Sem cantadas?
Ele realmente não está no seu normal.
— E é a ex-namorada dele do colégio — Finn lembra a Ashton. Ele nunca usa tom de
brincadeira ou zombaria, então sei que só está acrescentando uma informação. — Que é?
Tenho uma boa memória. Me lembro de você ter falado dela uma vez na terapia em grupo.
— As mãos de Finn estão no bolso e ele não as tira para cumprimentá-la direito. Que diabo
deu neles?
Aidan a cumprimenta normal, já a conhecia então pulou as apresentações. Mas agiu
como se não fosse uma coisa importante, talvez para não fazer com que Ash e Finn fiquem
ainda mais estranhos com a presença dela. Chase se apresenta só como Chase, para evitar
que Lilah venha a chamá-lo de Jeremy também. Não há cadeiras o suficiente para todos,
cada um sai em busca de uma e, quando voltam, Ashton não está mais com eles.
— Cadê aquele cuzão mal-humorado? — pergunto a Aidan.
— Ele não vai admitir, mas está sendo defensivo com Mackenzie — Aidan comenta sem
muita emoção. Ele também pega uma cerveja e bebe tranquilamente ao meu lado. Finn
senta-se entre Lilah e Aidan. Ela parece aérea, o que não me surpreende. Lilah nunca
demonstrou interesse em saber muito sobre a The Reckless.
— Como assim?
— Na hora que viu Lilah, ele pensou que você tivesse dormido com ela e por isso
Mackenzie terminou com você — Lilah escuta a conversa, arqueando uma sobrancelha.
— Ele o quê?
— Não esquenta com ele. Ash tem um trauma porque a ex-namorada o traiu — Finn
conta para tranquilizá-la. Mas a tensão nos ombros de Lilah não diminui. — Logo ele
entende que Mack é meio ciumenta — ele ri, enfiando o gargalo da garrafa na boca.
— Esse não foi o problema — Lilah entra em defensiva. — Fiz Bryan prometer que não
contaria para ninguém sobre a minha volta. Então ele meio que mentiu para ela. — Ela se
encolhe no lugar, sentindo-se envergonhada.
A culpa é minha. Não me arrependo de ter mantido segredo porque não costumo
quebrar promessas, mas o que Lilah mencionou sobre Mackenzie não me dar uma segunda
chance depois começa a me assombrar. Não sei o motivo ao certo, mas começo a me
lembrar das últimas coisas que ela falou antes de sair. Pode ser o álcool fazendo efeito no
meu sistema, mas estou muito tentado a ir atrás dela agora.
— Você só dá mancada — Aidan diz. — Melhor assim.
Curvo a sobrancelha, sem acreditar no que ele está dizendo. É o quê?
— Foi mal, Lilah. Mas pedir pro cara mentir para a própria namorada? — Os dois
trocam um olhar evasivo. Acho que Aidan tem um dom absoluto de conseguir criar inimigos
assim que os conhece. Foi a mesma coisa com Gravity. — Você só pode estar brincando.
— É por isso que estou assumindo a culpa. — Apruma a postura, debruçando um pouco
sobre a mesa com os braços apoiando. — Porque eu não devia ter pedido esse tipo de coisa
pra ele.
— Talvez estivesse interessada.
— Aidan! — repreendo-o em um tom duro. Se ele não calar a boca por vontade própria,
vou fazer isso por ele.
— Bryan e eu tivemos um relacionamento de colegial, pelo amor de Deus! Quem leva
esse tipo de namoro a sério? Eu tinha catorze anos! — brada, enfurecida. As narinas
arqueadas de Lilah mostram o quanto está puta com Aidan.
Sei que Aidan só está defendendo Mackenzie, mas isso não quer dizer ofender outra
pessoa para conseguir mostrar de que lado está. Quando ele e Vity estavam em pé de
guerra, decidi não me meter, mesmo estando ao lado dele. Em uma briga com Mack está
mais do que na cara que Aidan não fica do meu lado nem fodendo. Aparentemente todas as
minhas escolhas, apesar das boas intenções, são erradas.
Tomo o último gole de cerveja e me levanto, interrompendo a discussão. Ambos olham
para mim.
— Vou andar por aí — aviso, dando as costas.
Pego a chave no bolso da jaqueta de couro e a jogo para Lilah.
— Pode ir na frente, se quiser.
Vou até o bar e pago por mais três cervejas. As pego e caminho em direção à saída. Se
soubesse que eles acabariam ficando contra mim, não teria chamado nenhum deles. Queria
ter vindo sozinho, de qualquer forma. Mas uma hora ou outra, começariam a perguntar
sobre Lilah e Mackenzie. É melhor que já a conheçam de cara. Dou uma última olhada na
mesa onde deixei Lilah, Finn e Aidan. Ela conversa com Finn, mas Aidan mantém a
mandíbula endurecida.
Aidan não conhece a palavra “limite” quando se trata de proteger as pessoas que ama.
Nesse momento, ele quer proteger Mackenzie de mim e de Lilah. Talvez esteja certo, mas
não significa que os erros que cometi até agora não foram com a mesma intenção.

Acabei sozinho debruçado em um balcão de um bar concorrente do Anarchy. O Devil’s


House é a casa de pessoas da pesada, portanto não ouso muito pisar no lugar. São pessoas
como Jev e Dave, pessoas que eu costumo evitar que frequentam esse lugar, mas não estou
ligando, contanto que possa beber sem restrição e sem um olhar acusatório para as minhas
escolhas.
Telefonei para Mackenzie.
O primeiro passo de fraqueza depois de algumas garrafas de cerveja. Na primeira vez,
ela atendeu, meio sonolenta e fiquei mudo. Não consegui dizer nada, embora tenha um
milhão de coisas para dizer. Acho que, quando se deu conta de quem era a ligação, desligou.
Tentei mais duas vezes e foi direto para a caixa postal. Merda! Estou me lembrando do que
me disse quando saiu do meu apartamento e estou com medo de perdê-la de uma vez por
todas.
Se eu sair por aquela porta, você nunca mais vai me ver.
Porra, eu só fiquei parado e a deixei ir embora. Fiz com que pensasse que não me
importava.
Afundo os dedos entreabertos nos fios de cabelo, bufando com a frustração me
dominando por dentro.

Bryan: Eu me importo, Mackenzie.
Bryan: Eu te amo.
Bryan: Eu só quero que você saiba.
Bryan: Atende a porra do telefone!

Digito várias mensagens, mais uma vez, sendo guiado pelo álcool que consumi na noite.
São quase uma da manhã e ignorei várias ligações de Lilah, Ash, Finn e Aidan.
Or Nah, em uma versão de SoMo, ressoa no bar.
Agarro a garrafa de cerveja, levantando-a rumo à boca. Paro quando meu celular toca na
superfície do balcão, com revestimento de madeira. O gargalo toca a parte debaixo do meu
lábio e meu peito se move como um trator num asfalto ruim, lendo o nome na tela. Preciso
de mais umas trinta dessas para lidar com esse desgraçado.
Desligo e peço outra cerveja para a mulher. Ela me serve, mais uma vez.
Balanço a cabeça e engulo a cerveja quase em um único gole. O suor frio escorre por
minha testa, sabendo que já o ignorei o dia todo. Estou fazendo isso pelo bem de Mackenzie,
estou só pagando pelos meus erros do passado. Quando tudo acabar, ela vai entender.
Bato com o fundo da garrafa no balcão e me levanto. Tiro umas notas da carteira e deixo
para a mulher.
Saio cambaleando em direção à porta, com os dedos em volta do celular. Se ele me ligar
de novo, vou atender. Vou me sentar na porra do paralelepípedo e esperar. E é o que faço.
O frio da madrugada lambe meu rosto enquanto caminho para a borda do passeio.
Sento-me, com as mãos pendendo entre as pernas abertas.
Como o esperado, o telefone toca de novo. A contragosto, levo o aparelho à orelha.
— Hum... — murmuro, de olhos fechados.
— Filho da puta, te liguei o dia inteiro! — A voz dele perfura meus tímpanos e fecho os
olhos, esfregando as pálpebras. — Onde você se meteu?
— Não deu pra atender.
— Nós temos um acordo. Esqueceu?
— Não — respondo, frio. — Não esqueci nada. Você não me deixa esquecer.
Ele ri amargo e todo o meu corpo arrepia.
— O que você quer?
— Tenho um trabalho pra você.
— Agora?
— Sim. Está com seu carro?
— Dou um jeito.
— Ótimo. Você deve ficar uns dois dias fora.
— Dois dias? — Pressiono os lábios, com uma vontade estarrecedora de fazer meu
punho atravessar a ligação e acertá-lo bem no meio da cara. — Não posso ficar dois dias
fora. Enlouqueceu?
— Da última vez, você ficou quatro e ainda visitou seu pai.
— E já foi ruim, caralho.
— Você trabalha pra mim. Se te mando ficar um mês fora, você fica.
Travo porque, às vezes, esqueço-me do motivo de estar fazendo isso.
— Beleza, Jev. Você quem manda. — Engulo o nó no topo da garganta. — Me manda o
endereço e o que preciso fazer.
— Dessa vez é em Grev Willow.
— Sabe que eu vou precisar de mais que dois dias, não sabe?
— Quanto tempo você precisa pra fazer o trabalho não me interessa. A droga precisa
estar lá em dois dias, o resto você se vira.
Nunca tive tanta raiva de alguém como tenho desse desgraçado. Eu perdi tanta coisa
por causa dele e continuo o deixando fazer coisas para me controlar.
— Quero você na estrada em uma hora. Se mudar o rumo, vou saber.
E ele rastreou meu carro.
É por isso que tenho preferido andar de táxi ou Uber. Não o quero sabendo cada passo
que dou na cidade. Não o quero olhando o caminho que faço para ver Mackenzie.
— Beleza — concordo, resignado, e não o espero se despedir, simplesmente desligo.
Eu não sei como contar isso para Mackenzie. Se disser como aconteceu e por que voltei
a trabalhar para Jev, ela se sentiria culpada.
Aquela noite em que Jev a sequestrou e a polícia fez vista grossa para o que aconteceu,
fora o primeiro passo dele para provar o quanto poderia ir longe se quisesse. Dois meses
atrás me ligou fazendo ameaças e que, se eu não fizesse uns trabalhos fora da cidade,
drogar Mackenzie seria pouco para a próxima vez.
Na verdade, nós não nos encontramos. Jev é como um rato que vive escondido na
penumbra, só aparecendo para se alimentar da fraqueza dos outros.
Desde que vim a Humperville para fazer meu primeiro trabalho, naquela semana em
que deveria ter procurado por Mackenzie e não fiz, nunca o vi cara a cara. Ele me liga,
encontro com seus capangas e o vejo através de vídeos, mas não sei por onde esse filho da
puta anda se escondendo. Se soubesse, essa história já teria terminado.
É por isso que não posso ser honesto com ela ainda. Preciso ter certeza de que
Mackenzie não é alcançável, que Jev não poderá tocá-la nunca mais e, quando eu tiver a
oportunidade, quero entregá-lo para os leões. Como meu tio diz, preciso ser paciente.
Aceitar que, por enquanto, não podemos ficar juntos, mas que a hora chegará e tudo estará
acabado. Seremos livres desse passado, que insiste em voltar para me atormentar.
Mesmo com Ryan dizendo que é bom que não estejamos juntos agora, não consigo
suportar a ideia de que ela me odeie. Qualquer coisa, qualquer sentimento que Mackenzie
tenha a meu respeito, é melhor que ódio. Não quero que o amor que sente por mim seja
sufocado pela decepção e transformado em ódio. Não suporto, que depois de tudo que
passamos, ainda não ficaremos juntos.
Não aceito essa ideia.
Pego o celular e faço uma nova tentativa de ligação para ela. Cai na caixa posta de novo e
entendo como um sinal. Deixá-la em paz por enquanto e ter uma vida inteira com ela
depois.

Escrevo um recado para Lilah e o deixo preso na geladeira, sob um ímã de maçã. Seguro
uma mochila com algumas roupas e itens de higiene pessoal. Quando cheguei, meia hora
atrás, a encomenda que preciso entregar já estava no porta-malas do meu carro.
Na outra vez em que Jev deixou uma encomenda para mim, ele arrombou a porta do
apartamento e, quando Brooks chegou, ficou assustado para cacete. Foi no dia que furei
com Mack no cinema.
Puta merda!
Odeio que o controle da minha vida esteja nas mãos dele.

Bryan: Vou passar um tempo fora. Para pensar. A gente pode conversar quando eu voltar?

Mas apago antes de enviar para Mackenzie porque, depois de um banho quente e
colocar a cabeça no lugar, decido que, com sinceridade, poderia conseguir fazê-la entender
as minhas escolhas das últimas semanas, não é altruísmo o que faço por ela, é porque a amo
e não quero que o que aconteceu ano passado se repita. Não quero imaginar que ele a toque
ou a drogue para me provar que pode fazer muito mais. E ele poderia machucá-la. Jev foi
cegado pelo poder e a necessidade de estar no controle de tudo, inclusive na vida de outras
pessoas.
Posso me segurar por mais algumas semanas até que esse filho da puta esteja preso e
incapaz de machucar qualquer outra pessoa. Só por mais algum tempo vou ignorá-la e
deixar que pense o que quiser de mim. Não importa, contanto que esteja segura, ficarei
bem.
Jev é um problema meu, não dela. Sou eu quem tenho que sofrer as consequências, não
ela.

“Todos os meus sentidos se intensificam
Sempre que eu e você mergulhamos
Cruzei o oceano da minha mente
Mas no final me afogo
Você me empurra para baixo, para baixo”
CAN WE KISS FOREVER? – KINA FT. ADRIANA PROENZA

Quero inventar uma nova desculpa para não ir ao trabalho hoje, mas já faltei quarta e
quinta, se não aparecer na revista hoje, na segunda serei uma ex-estagiária e com um
histórico disciplinar manchado. Tento não culpar Bryan por estragar meus últimos dias e
gostaria de poder dizer que meu mau humor e desânimo não têm qualquer influência dele,
mas estaria mentindo.
Estamos na hora do almoço e Effy, ora ou outra, descarrega seu olhar preocupado sobre
mim. Eu contei para ela e Gravity o que aconteceu. Também contei que Lilah estava
morando com Bryan e sabe-se lá Deus desde quando.
Tudo é muito confuso para mim e meu orgulho não me deixa retornar as ligações de
Bryan, embora não o veja desde terça-feira e tenha recebido uma quantidade preocupante
de ligações na madrugada de quarta, não tive vontade de falar com ele por não querer
mexer mais em uma ferida aberta.
Bom, Effy não pareceu tão surpresa quanto eu imaginava e Gravity, talvez por não
conhecer Lilah, não se sentiu tão chocada com a notícia da ex-namorada de Bryan e minha
ex-melhor amiga estarem dividindo o apartamento. Effy me contou que a discussão que
teve com Bryan outro dia no prédio da revista era exatamente por achar que ele não estava
sendo honesto. Conheço Bryan tão bem quanto Effy, mas estar apaixonada por ele fez com
que eu ignorasse a minha intuição de que alguma coisa naquela história toda sobre a ex-
namorada de Brooks não colasse.
Estou sentada com as pernas esticadas sobre o banco do refeitório, usando o braço
largo de Effy como encosto para o meu corpo desleixado, escuto um remix de Roses, de
SAINt JHN. Tenho apostado em músicas mais agitadas e com letras um tanto sensuais para
atenuar os pensamentos melancólicos. A música bate em meus tímpanos e movo a cabeça
no ritmo. Gravity paira com o garfo na boca entreaberta, encarando-me. Ela e Effy têm feito
isso nas últimas quarenta e oito horas, como se eu precisasse ser vigiada ou coisa assim.
Términos acontecem o tempo todo. Não é como se eu não tivesse passado por essa
experiência antes. Nós estamos sempre indo e vindo, mas desta vez, estou só indo, porque
cansei. Ele não consegue me contar tudo e não entendo o motivo. Já passamos por muita
coisa e quero sentir que estou em um relacionamento com alguém que confia em mim para
compartilhar tudo.
Effy me cutuca na costela com o cotovelo e tiro um fone do ouvido. Me dou conta de que
o som está tão alto, que poderia ouvir a música sem precisar colocar os fones.
Gravity empurra a bandeja, a comida intocada.
— Que foi?
— Vamos no Purple Ride hoje? — Vity argumenta, balançando os ombros em uma
dancinha sugestiva.
Comprimo os lábios, prestes a recusar.
— Não importa. Você vai de qualquer jeito. — Ela nem me deixa falar. — Não vou te
deixar em casa sozinha. Vocês terminaram, de novo — enfatiza, com um pouco de
ressentimento encobrindo seu tom. Sei que está tentando disfarçar, ter respeito pelo meu
tempo de “superação”, mas Gravity é péssima tentando deixar pra lá. — Vou te arrumar um
homem gostoso hoje. — Pega o garfo, erguendo os dentes de aço para mim. — E Bryan vai
se arrepender de sempre agir como uma babaca.
— Você sabe que entrar em um relacionamento pra me vingar, não é uma boa ideia.
— Não é um relacionamento. — Effy me empurra com o ombro, para que eu me
endireite. — É alguém pra você se divertir.
— É alguém pra te fazer gozar — Gravity dispara, falando em tom normal e viro,
olhando para os lados para ter certeza de que ninguém a escutou. — Que foi? Holder foi um
erro porque você decidiu se envolver romanticamente. Estou te sugerindo, oficialmente,
sexo sem compromisso. Com qualquer homem gostoso que apareça na sua frente essa
noite!
Ponho os fones de ouvido na mesa quando a música diz: transe com alguém experiente, é
isso que você quer. Gravity bate com as mãos espalmadas na mesa, rindo.
— Viu? Não sou eu, é o que essas músicas que você anda escutando estão dizendo.
Transe com alguém experiente, que te faça esquecer o que esse babaca do Bryan fez! —
Gravity apoia as mãos na mesa, impulsionando o corpo para cima. — Fiz um vestido
incrível pra você! — Pisca para mim, pegando sua bolsa. — Tenho aula agora, mas chegue
em casa antes das seis e vamos fazer os ajustes!
— Não disse que quero ir.
— Você não entendeu, não é, querida? Em pós-término, você não sabe direito o que
quer. Você me agradece depois.
Gravity ajusta a bolsa no ombro e congelo no lugar quando seu corpo se afasta um
pouco para o lado, o bastante para ver a figura feminina encolhida a poucos metros de
distância de nós.
Delilah tem uma bolsa preta com alça na altura de seu quadril, a lateral decorada com
bottons de livros. Veste uma calça jeans preta, rasgada nos joelhos, cinto preto de fivela nos
passadores e um cropped branco, mostrando a extensão de pele de sua barriga e umbigo.
Ela concentra seu olhar em nós. Pego o celular para pausar a música e minhas amigas
seguem para onde estou olhando. Effy enrijece ao meu lado, as sardas vermelhas
evidenciam pela palidez repentina que tomou seu rosto. Gravity arqueia uma sobrancelha e
cruza os braços. Pelo modo como Effy e eu olhamos Lilah, já percebeu que essa é a garota
de quem falamos outro dia.
As botas de salto alto ecoam no piso de linóleo do refeitório, enquanto Lilah caminha. Os
outros alunos não reparam nela como nós, paramos de comer e de raciocinar só para dar
atenção a ela. Seu andar esbanja confiança, não é como me lembrava, porque Lilah era
insegura e obsessiva. Afastava as pessoas que a ameaçavam, mesmo que se tratasse de
mim, que tudo que fiz durante nossos anos de amizade foi amá-la e respeitá-la. Lilah tem as
bochechas rosadas de Sebastian e o mesmo nariz empinado. Meu coração se aperta. São
detalhes que não me atentei no apartamento de Bryan, porque estava cega pelo ódio, mas
consigo enxergar as semelhanças dela e de Seb.
— O que ela está fazendo aqui? — Effy pergunta e meneio a cabeça em negação, porque
não faço a menor ideia.
— Oi — cumprimenta, os olhos pulam de mim para Effy e depois Gravity. — Quanto
tempo! — Um canto de sua boca se ergue num sorriso tímido para Effy. Minha amiga aperta
os lábios, controlando o impulso de uma resposta grosseira.
Eu me levanto e pego a bolsa. Effy me acompanha. Noto pela visão periférica a cabeça de
Lilah se mover à medida que contorno a mesa e paro ao lado de Gravity, segurando-a pelo
pulso. Quero sair daqui. Não estou pronta para conversar com Lilah e Effy parece tão tensa,
que não conseguiria formular nenhuma pergunta coerente.
— Espera. — Gravity não se move e com um safanão, puxa o braço de volta. Guarda as
mãos dentro dos bolsos da frente do jeans, estufando o peito como se fosse enfrentar Lilah.
Ambas têm a mesma altura. — Você é a Lilah, certo? — O queixo de Vity treme
instantaneamente e finalmente percebo que só escondeu as mãos para contornar a vontade
de bater nela.
— Delilah — corrige.
Lilah nunca gostou de ser chamada de Delilah, por esse motivo nunca usamos seu nome
inteiro. Ela preferia o apelido. Não foi só a compostura e personalidade. Ela mudou muito
mais que meus olhos conseguem alcançar.
— Certo, Delilah. — Vity dá um passo à frente, numa tentativa rasa de amedrontar Lilah.
Contudo, ela não move um milímetro do corpo. — Você não deve ter percebido, mas não é
bem-vinda aqui. Não é bem-vinda, com a gente — pontua, mostrando com o queixo Effy e
eu endurecidas no lugar. — Vai embora.
Lilah sufoca um sorriso. O modo com que aperta os lábios um no outro e o queixo treme,
e a cabeça tomba para a frente é para disfarçar.
— Desculpa, você é?
— Gravity.
— Gravity — repete, dando um passo à frente também. A personalidade das duas é
bem… parecida. — Não posso ir embora porque no próximo semestre vou estudar aqui.
— No próximo semestre — Gravity devolve, arqueando a coluna e se aproximando
mais. Mais dois centímetros e teremos uma colisão entre elas. — Não nesse.
— Bryan me falou sobre você. Protetora. Mandona. — Lilah eleva os braços, cruzando-
os na frente do espelho. — Não vim aqui para falar com você. — Ela se vira na ponta dos
pés com facilidade, mirando a mim e Effy. — Quero falar com vocês. Vim aqui hoje, por
vocês! — diz exaltada.
— Por quê? — disparo, afundando as unhas de uma das mãos na alça de camurça da
bolsa.
— Você entendeu errado. Tudo errado. Bryan e eu…
— Vocês o quê? Por que é que existe um vocês, afinal de contas? — Effy a corta, com os
olhos redondos e grandes saltados. — Não existe um nós ou você e Bryan, Lilah. Tudo
acabou quando você nos deu as costas.
— Effy. Não foi assim que aconteceu.
— Como foi então?
— A gente pode conversar em outro lugar? Por favor? — Pesca uma pele morta do lábio
inferior com os incisivos e semicerra os olhos nos encarando.
— Eu me lembro muito bem de como foi, Lilah. Sebastian morreu. Você desapareceu
por semanas e, quando voltou, não falou com nenhuma de nós. Bryan é tão importante
assim para você? — grunho, ressentida. — Ele era uma prioridade? Nós sofremos tanto
quanto ele quando você se foi.
— Bryan e eu namorávamos, Mackenzie. Era diferente.
Tento ignorar o sentimento repulsivo de ciúme que me amedronta e esmaga meu
coração. Os dois namoravam. É claro. Gravity enfim consegue perceber como meu corpo
reage a essa informação e suspira. Até então, para ela, pareceu uma coisa artificial.
Ninguém leva um relacionamento do colegial a sério. Porém, não só Lilah, mas Bryan
também era intenso. Não importa que naquela época já gostava de mim, pensar neles
juntos me incomoda. Me machuca. E não gosto de como esse sentimento me impulsiona a
fazer coisas como realmente transar com alguém só para ferrar com Bryan.
Jesus! Estou muito magoada com ele. Quando me lembro de chegar na recepção e a
mulher falar o nome dela, eu entrar no apartamento e ver que tudo estava preparado para
ela. A raiva cresce, a mágoa me açoita como a onda do mar que você não vê e te arremessa
para longe, sem ter qualquer controle.
— Ele merecia uma explicação — continua.
— E nós não? — Effy fica cada vez mais na defensiva e sei que essa conversa não nos
levará a nada. — Lilah, o que quer que tenha acontecido entre você e Bryan em Dashdown
nos últimos quatro meses, eu espero que tenha valido a pena.
Effy envolve meu pulso com a mão, cercando meu punho com os dedos curtos e me
puxa, passando por ela.
— Casey vai se casar com minha tia. Daily. — Nós paramos e Gravity também estaca,
com o olhar em dúvida. — Nunca falei dela com vocês por causa do meu pai, minha mãe
não falava com ela e minha avó há muitos anos. — Giramos até estarmos viradas para ela
por completo. — Por favor, nós podemos conversar em outro lugar? — Seu olhar muda de
foco a cada segundo, entre nós três. Lilah não está tentando excluir Gravity da conversa,
provavelmente deve ter percebido que não iríamos para lugar nenhum sem ela. — Por
favor? — repete, suplicando.
Effy hesita. Sei que está esperando que eu decida, porque, se eu disser não, ela também
não irá para lugar nenhum.
— Mackenzie, eu sei que você está chateada, mas por favor. Não me julgue pelas
escolhas que fiz e os erros que cometi aos quatorze anos.
Troco um olhar com Effy.
— Nós temos uma hora antes de irmos para o estágio. — Effy confere a hora em seu
relógio com pulseira de couro sintético preto. — É o tempo que nós temos. Você vem,
Gravity?
— Claro. — Gravity apruma a postura, embora tivesse dito minutos antes que tinha
aula. — Vou ficar com vocês.
Lilah liberta um meio sorriso cabisbaixo e segue na frente. Por uma fração de segundo,
sinto pena dela. Acho que o sentimento que tinha por ela antes de toda a merda acontecer é
ainda mais forte que o ciúme e a insegurança a respeito dela e Bryan. Não estou me
agarrando a isso, só que, assim como eu quis ser ouvida quando voltei para Humperville,
esse desejo deve queimar no coração de Lilah também.

Então as coisas acontecem porque precisam acontecer. É basicamente o que Lilah está
tentando nos dizer, que o destino se encarregou de fazer com que ela e Bryan se topassem
de novo.
Sorvo o sabor do suco de melancia, sentindo o adocicado se instalar em minha língua.
Vity arqueia a sobrancelha, incapaz de disfarçar o desgosto. Effy, entretanto, parece mais
aberta para escutá-la e, definitivamente, perdoar. Não estava esperando que ela não fosse
compassiva com Lilah. Não fico nem um pouco espantada de notar nos pequenos sinais que
o corpo de Effy dá, de que está prestes a perdoá-la e eu terei que aceitar que Lilah está mais
próxima de Bryan agora do que eu jamais estive.
Lilah conta com detalhes o seu primeiro ano em Dashdown. Como foi difícil para ela e
para a mãe deixar Thomas Linderman para trás, afinal ele não desistiria tão fácil das coisas
e precisariam enfrentar muito mais quando decidiram que não fariam mais parte da vida
um do outro. Daily é uma advogada fenomenal e com um pouco de persuasão, trabalho
duro e sem se deixar ser intimidada, colocou um ponto final na história de Maya e Thomas
Linderman. Lilah diz que, pela primeira vez, experimentou a liberdade e tenta sufocar o
choro quando fala de Seb, como se as coisas pudessem ter acontecido diferente se tivessem
decidido deixar seu pai antes. Tudo que Lilah pensa e fala, termina com Sebastian no final. É
como se os últimos cinco anos ela tivesse vivido com o propósito de se lamentar e se culpar
pelo que aconteceu com o irmão.
Eu sinto pena dela, entretanto. Não posso achar que o amei tanto quanto Lilah e que Seb
me amou tanto quanto a amava. Eu sei que não é verdade. Entre mim e Lilah, ele a
escolheria. Naquela época, esse sentimento, a sensação de ser uma escolha e,
principalmente, a segunda opção dele, me sufocava, porque queria ser alguém que
Sebastian amasse acima de qualquer coisa. Só me dou conta agora o quanto isso soa egoísta
e até um pouco obsessivo.
Lilah encerra a conversa dizendo que Daily conheceu Casey seis meses depois de ter se
separado de Vivian. Ele a contratou para dar início aos papéis do divórcio e se
apaixonaram. Lilah sabia quem Casey era, mas não tinha nenhuma intenção de entrar em
contato com um de nós. Para ela, tudo não passava de um relacionamento com pouco
envolvimento afetivo, até que Daily recebeu a proposta de casamento. Então, Lilah soube
que era sério, que as coisas ficariam mais estranhas. Se inscreveu na universidade de
Humperville no ano passado e seu plano era deixar que todos soubessem que agora eram
uma única família no casamento de Casey e Daily.
Lilah só descobriu que Bryan e eu estávamos namorando quando eles se encontraram
em Dashdown, em dezembro. Ela disse que Bryan a evitou no começo, que o sentia distante
e introspectivo como na época do colegial. Se a história de Lilah estiver certa, Bryan voltou
para seu casulo e regrediu muito. As coisas só voltaram a fluir entre eles e a família quando
Bryan a ajudou a fazer a tarefa de casa de uma criança que ela cuidava da vizinhança. Mas
garante a nós três que eles nunca, em hipótese alguma, ficaram juntos. A relação dos dois é
como se ela fosse sua irmã mais nova e acredito em Lilah.
— Eu terminei com Brooks há dois meses. — Sua frase sai em um fiapo de voz,
controlada e triste. Effy e eu erguemos os olhos para o rosto abatido de Lilah. — Minha
carta de aceitação chegou e… não queria vir para cá em um relacionamento. Ele ainda está
digerindo o fato de termos terminado.
Bryan também foi sincero a respeito de Brooks e a ex-namorada. Então por que ainda
estou chateada com ele? Por que sinto que faltam coisas nessa história?
— Você voltou quando?
— Na terça-feira — responde a Effy, cruzando os braços sobre a mesa. — Quando você
me viu chegar — gesticula para mim.
— Quer dizer que você não pisou em Humperville antes? — Perscruto o rosto pálido e
os olhos azuis semiabertos.
— Estive aqui no final de abril. Precisava vir e concluir minha matrícula, resolver sobre
o alojamento, mas não tinha mais vagas. Por isso estou morando com Bryan, mas também é
temporário — reforça, assentindo também para mim, como se eu fosse a única para quem
ela deve explicações.
— Se você quer provar alguma coisa — Gravity passou a última hora picotando
guardanapo de papel, fazendo um montinho no centro da mesa em silêncio. Os olhos
castanhos de Vity sobem para o rosto de Lilah, em desafio — devia morar em outro lugar.
Você sabia o quanto isso a magoaria, mas não fez nada a respeito.
Lilah olha para mim, querendo que eu diga algo a respeito, mas Gravity tem razão. Não
foi só o fato de Bryan esconder as coisas de mim, é imaginar que ela saberia como eu me
sentiria e nem por um segundo considerou uma outra opção.
Mordisco o lábio inferior, pensativa.
— Bryan deve ter te contado muita coisa dos últimos anos. Ao menos deve ter
mencionado como o relacionamento deles foi conturbado. Se ele não tem bom senso, você
deveria ter.
— Eu não tenho pra onde ir — murmura, entremeando os dedos em uma mecha de
cabelo e desviando a atenção para a espuma de seu cappuccino. — Se eu tivesse, não estaria
morando lá. Acredite — ela faz uma pausa e volta o olhar para mim — é tão desconfortável
para você quanto para mim, Mackenzie. Se eu tivesse qualquer outro lugar…
— Não importa — corto-a, exalando o ar com aspereza. — De qualquer forma, nem tudo
tem a ver com você, Delilah. — Seu corpo enrijece quando digo seu nome. — Bryan mentiu
para mim por meses. Voltou para Humperville, que fosse para te ajudar, não me interessa,
ele não entrou em contato comigo e depois de tudo isso… — Paro e agarro a borda da mesa,
fechando os dedos nos vértices arredondados. — Ele não me procurou. Me ligou, sim. Me
mandou mensagens, mas não me impediu de sair e não me procurou. Eu fico feliz por você
e por sua mãe, fico feliz por sua tia e entendo que a convivência de vocês dois foi uma coisa
inevitável. Acredito na sua história com Brooks e que você e Bryan não tiveram nada além
de amizade.
Respiro fundo, sacudindo a cabeça. Em seguida, estico o braço para pegar a bolsa ao
lado de Gravity.
— Mas ele só tem demonstrado que não se importa e estou de saco cheio de esperar
que se importe. Quando voltei para Humperville, Bryan me tratou mal pra cacete e engoli
cada merda que saía da boca dele porque o amava. Depois, finalmente, ficamos juntos e
Vivian faleceu naquele acidente, respeitei a decisão dele de ir embora. Juro por tudo que é
mais sagrado, nunca fiquei ressentida por ele ter me deixado. Tudo o que eu mais queria
era que Bryan voltasse a sorrir.
Ajeito a alça da bolsa no braço, mas permaneço sentada. Effy e Gravity me escutam
atentamente.
— Mas de novo, ele… fugiu de mim, escondeu coisas e seja por você ter pedido por
segredo ou porque ele queria me proteger da verdade, seja qual for o motivo, não consigo
aceitar que ele continua me tratando como se eu não soubesse lidar com os problemas,
como se eu não tivesse maturidade o suficiente para enfrentar os altos e baixos.
Lilah levanta a cabeça e, de repente, sua postura muda de relaxada para ereta. Effy nota,
assim como Gravity, e olho para a mesma direção que elas.
Bryan está parado a quarenta centímetros de nós, atrás de mim, com a expressão
estoica de quem acabou de escutar tudo que eu disse, mas não tem nada a respeito para
dizer. A leve pressão em meu peito é de quem acabou de ser pega no flagra e, ao mesmo
tempo, aliviada por ter dito o que pensava sem estar na presença dele para me refrear.
— Te liguei um milhão de vezes — Bryan diz, mas os olhos azuis-oceano estão vidrados
em outra pessoa. Sigo a linha de direção para onde miram e vejo Lilah enrijecer. — Cadê a
porra do seu celular?
— Esqueci em casa — responde com frieza.
— Não sabia que já tinha voltado — Lilah diz em tom repreensivo, mas é como se
quisesse denunciá-lo de alguma coisa. Minha cabeça vira de volta para ele. A postura está
ereta e os dedos da mão se fechando em punho cerrado. — Como foi a viagem?
— Bem.
— Que ótimo. — Ela o encara através da fresta das pálpebras e travo a língua no céu da
boca para controlar o impulso de perguntar por onde ele andou. — Para onde você foi?
Bryan aperta os lábios um no outro, transformando-os em uma linha tênue branca.
Entretanto, ele não responde.
— Vou te esperar lá fora. — Aponta com o polegar, por cima do ombro e sai.
— Ele te ignorou completamente — conclui Gravity, com o queixo caído. — Que imbecil!
Apesar de escutar o que Vity diz, concentro-me apenas nele. As passadas pesadas de
Bryan com as botas são altas, apressadas e munidas de ódio. Eu o sigo com os olhos para
fora e o vejo no momento exato em que abre a porta do motorista de seu carro num
rompante e uma fração de segundo antes de entrar, como se sentisse que minha atenção
está voltada para ele, eleva a cabeça e nossos olhares se cruzam.
Eu já o vi em muitas versões: relaxado, preocupado, com raiva, com ciúmes, triste e
apaixonado. Porém, não consigo identificar em que estado de espírito ele está ou em qual
bolha se afundou desta vez, tudo que consigo perceber é que algo o incomoda e meu
coração parece diminuir à medida em que a falta de informações me engloba. Quanto mais
sinto que Bryan não consegue ser honesto comigo, mais distante dele eu fico. E não é de
propósito. Não é como se eu quisesse, só está acontecendo.
— Às vezes, ele é — Lilah diz tão espantada com a reação de Bryan a minha presença
quanto Effy e Gravity.

O DJ está tocando a mesma música que escutei mais cedo no almoço, no Purple Ride. As
luzes piscam, infiltrando em minha visão e me deixando entorpecida com a quantidade de
lampejos que minhas íris sofrem. Roses tem uma batida mais intensa nas caixas de som da
boate, que em meus fones de ouvido, e acho que já bebi uma quantidade razoável de
margaritas porque consigo sentir meu corpo pesar. Vity comenta que a música tem tocado
em muitas boates porque ficou conhecida no aplicativo do Tik Tok.
Aidan e os outros da The Reckless estão por aqui em algum lugar, coincidiu de
concordarmos vir para a boate no mesmo dia em que a banda irá tocar. Confesso que não
estou nem um pouco animada com a ideia, então pretendo ir embora antes que subam no
palco. Bryan sempre tem uma carta na manga em noites como essa e não estou nem um
pouco a fim de ter meu coração partido por ver uma garota dando mole para ele em cima
do palco. Não estamos mais juntos e não poderia nem reclamar se quisesse. Mas não estar
com ele, não significa que ainda não doa.
Nós três conversamos bastante o dia todo sobre Lilah. Gravity acha que ela não está
contando tudo para nós; Effy, por outro lado, acredita que Lilah não mentiria mais à essa
altura do campeonato.
Eu não tenho nenhuma opinião sobre ela. Não consigo. Estou dividida entre odiá-la por
ter sumido por cinco anos e retornar morando no mesmo apartamento que meu namorado
e agradecer porque ela fez parte de uma fase importante da minha vida. Uma que eu não
conseguiria esquecer nem se quisesse. E que, de alguma forma, tê-la por perto é sentir
Sebastian em seu mais íntimo outra vez. Os dois tinham personalidades diferentes, mas os
traços no rosto de Delilah são parecidos com os do irmão e hoje, nas poucas vezes que
consegui olhar para ela sem desviar, eu o vi vivo nos olhos dela.
Seb tem vindo me visitar em sonhos e estou tentando não assimilar o retorno de Lilah
com isso e ignorando que, nos sonhos, ele me pede para perdoá-la. Sei que é o meu
inconsciente conversando com o passado e não quero ser ridícula a ponto de ignorar tudo
que aconteceu porque ando sonhando com Sebastian.
Não estar com Lilah, não ser mais amiga dela, porém, não significa que não nos vejamos
mais. Querendo ou não, ela e Bryan fazem parte da vida um do outro agora, e ela voltou
para Humperville. Os dois são família e estou tentando não me sentir mal por isso. Não dá
para culpá-los por escolhas que não foram deles. Aidan e Chase já me enviaram mensagens
dizendo que ela viria hoje também, com Bryan. Então estou me preparando espiritualmente
para o momento em que vou esbarrar neles.
Provavelmente estão em uma mesa aconchegante no Tour Trip enquanto Gravity, Effy e
eu estamos no térreo, no Tour Ride. Um palco mediano fora montado à frente, sob o
pêndulo da caixa de acrílico onde o DJ está com sua mesa de som. Good For You faz com que
Gravity grite ao meu lado, saltitando na ponta das botas de salto e me puxe pelo pulso com
Effy para a pista de dança.
Rio, erguendo a taça acima da cabeça para não derrubar nenhuma gota de margarita em
alguém. As pessoas na pista de LED branca cantam com Selena, ovacionando no refrão da
música.
O vestido que Gravity fez para mim é de pedrinhas prateadas, de alças finas, com um
decote nas costas que vai até meus quadris. Ele é quadrado na frente, escondendo meus
seios e a altura da bainha é acima dos joelhos. Estou usando uma sandália aberta preta, de
saltos finos e de tira única sobre os dedos dos pés. Prendi os cabelos para o alto, em um
coque e deixei alguns fios soltos que contornam meu rosto. As mechas finas ficam úmidas
de suor enquanto danço com Gravity e Effy.
Fazemos uma fila única, estou entre elas e rebolo com minhas amigas até que minha
bunda toque em meus calcanhares. Effy e Gravity me acompanham sem perder o ritmo.
Gravity usa jeans preto rasgado, um cropped de paetê prateado com tiras que prendem no
pescoço e costelas. Esta noite preferiu deixar os cabelos soltos e, quando Selena cantarola o
refrão na música, Gravity prende os cabelos e move o quadril sensualmente. Effy e eu nunca
fomos boas em danças, mas Gravity gosta disso, além de adorar a atenção que recebe
quando coloca seu corpo na pista.
Encorajada pela bebida, Gravity me encara com um sorriso malicioso e se inclina rumo à
minha boca, resvalando os lábios para me dar um selinho. Sou pega de surpresa, mas ela
gargalha e continua dançando como se não fosse nada. Ninguém além de Effy notou e
também acha graça, porém ignora o que aconteceu para voltar a dançar. Faço o mesmo que
elas. Viro a cabeça para trás, esvaziando minha taça de margarita. Termino de dançar a
música com elas e, quando o som do DJ cessa, saímos da pista.
— Nossa, estou pegando fogo! — Gravity comenta, abanando as mãos contra o rosto
vermelho e suado. — Preciso de água e, talvez, um cara pra beijar. — Ela analisa ao redor,
fisgando o lábio inferir enquanto vagueia com os olhos pela multidão espalhada na pista de
dança.
— Por isso você beijou a Mackenzie? — Effy observa, com um sorriso brincalhão.
— Só fiquei com vontade. — Dá de ombros, piscando para mim. — Foi estranho? —
pergunta, preocupada, com a sobrancelha arqueada. — Desculpa.
— Não, tudo bem — nego, sacudindo a cabeça. — Quer dizer, foi estranho, mas tá. —
Caio na gargalhada e elas também. — É a primeira vez que beijei uma garota.
— Eu também — confessa, dando de ombros. — Então primeiro vamos arrumar alguém
pra você, depois vou atrás do Ash.
— Quê? — Effy e eu falamos em uníssono.
— O quê? Você não gosta dele, gosta? — pergunta a Effy.
— Jesus Cristo, claro que não!
— Então tudo bem se eu ficar com ele — Gravity ri, o tom carregado de humor.
— Como assim ficar com ele?
— Ah, pelo amor de Deus, Mackenzie! É só sexo. Nada de mais.
— Desde quando…
— Desde a festa do Aidan estou interessada.
— Bem que desconfiei — murmuro, porque eles estavam implicando um com o outro.
— Vocês dois funcionariam bem, já que nenhum quer um relacionamento.
— Não é? Ele é meio babaca, mulherengo e tudo o mais, mas não vai me ligar no dia
seguinte querendo um segundo encontro. É perfeito pra uma noite.
— Claro — cantarolo em tom de brincadeira e coloco a taça vazia no balcão do bar.
— E você, Effy? — pergunto porque ela parece distraída.
— Eu o quê?
— O que vai fazer quando Gravity e eu estivermos ocupadas? — Balanço a sobrancelha,
sugestiva.
— Não sei, talvez Lilah esteja por aí. Posso ficar com ela enquanto vocês estão ocupadas.
Meu sorriso desaparece, ela percebe, mas nenhuma de nós diz nada.
Estico os braços para trás, apoiando-me na superfície do balcão do bar. Way Down We
Go começa para encerrar a primeira hora do DJ.
— Que chatoooooooooo! — Vity rola os olhos, repetindo minha postura. — Quer ficar
com o Ash? Não me importo de abrir mão dele. Tenho certeza de que ele não te dispensaria.
Ele gosta de você, eu acho.
— Não, valeu. Não estou a fim de me comprometer assim.
— O que quer dizer?
— Significa que não quero ser mais uma na lista de Ashton Baker — Effy ri, balançando
os fios ondulados de seu cabelo ruivo. — Prefiro a morte.
— Eu não ligo. Ele também seria mais um na minha — Gravity ironiza, lambendo os
lábios.
— Meu Deus — sussurro para mim mesma, mas rindo. — Vocês duas são víboras.
— Finn seria uma boa pedida pra você, Mack.
— Enlouqueceu, Vity? Finn nunca mais beijaria Mackenzie na vida dele.
— Obrigada, Effy, por me lembrar que foi meu segundo beijo e eu tinha um total de zero
experiência nisso.
— Não é isso — ela ri, enrubescendo. — Só que Finn tem alguns princípios. Por
exemplo, não ficar com ninguém que algum dos membros da The Reckless já tenha
namorado ou se envolvido romanticamente.
— E como é que você sabe disso? — rebato.
— Só observo mais que vocês. — O desdém na jogadinha de ombros de Effy me faz rir.
Ela é emocionalmente a mais controlada de nós. Observar é o segredo de Effy. — Ele só te
beijou porque você e Bryan não ficaram nem tiveram um relacionamento. As coisas agora
seriam diferentes. Aidan, entretanto…
— O que você quer dizer?
— Ah, qual é, Mack. — Vity cutuca minha costela com o cotovelo. — Vai me dizer que
você não repara em como ele te defende. O cara ainda é a fim de você.
— Você enlouqueceu, isso sim. — Aceno para Jeff, o barman, e peço outra margarita. O
conheço da época em que trabalhei no Purple Ride.
Cool Kids toca alto e estridente enquanto escuto a risada de Gravity e Effy se mesclando
ao som.
A música termina minutos depois e percorro os olhos pelo ambiente movimentado da
boate. Purple Ride cresceu nos últimos meses, mais do que Darnell poderia esperar, eu
garanto. Desde que a The Reckless aumentou seu número de shows na casa, uma
quantidade maior de jovens com idade entre vinte e um e vinte e oito anos aumentou na
boate. Consequentemente, o número de bebidas e mulheres também, afinal ninguém é cego
e os garotos da banda são atraentes. Não dá para negar.
Bebo um gole do meu drinque quando noto uma aglomeração perto do elevador. Sento-
me em uma das banquetas altas do bar, Gravity e Effy me acompanham, porque é um sinal
de que a The Reckless entrará no palco. Dou uma espiada no relógio do bar, atrás de Jeff, que
seca alguns copos de uísque, e descubro que são quase onze e meia da noite. Jurei que iria
para casa ao primeiro sinal da banda no palco, mas estou enraizada no banco e não consigo
me mover.
Só consigo vê-los por completo quando estão no palco. Todos vestidos com calça jeans
preta, camisetas brancas com o diamante da banda preto e jaquetas de couro caindo muito
bem sobre os ombros esguios. Meus olhos pairam em Bryan porque é sempre assim. Ele
entra em cena e meu mundo para. Nunca tenho certeza se o mesmo acontece com ele, mas
espero que sim, porque não é justo que ele mexa tanto comigo e eu não faça nem o mínimo
com o mundo dele.
Ele não diz nada ao microfone, Finn dá um passo à frente, com a guitarra colada na
altura da virilha. Os cabelos loiros estão encharcados, desalinhados em um emaranhado de
fios ondulados e faz um solo com a guitarra antes de Bryan entrar com a voz rouca
arrastada.
— All the good girls you take out for dinner — Bryan começa. Reconheço a música quase
imediatamente. Backstage, de Neffex. — But all the bad girls you take out for liquor. All the
good girls they don’t pull the trigger, but all the bad girls they pull it much quicker. It’s never
too late to get down and party.
Ele chega na lateral do palco, pendendo o corpo para a frente e com a mão esquerda,
segura o pedestal como se fosse mantê-lo de pé. Uma âncora improvisada. Só então percebo
que Bryan está bêbado e é uma coisa nova, pois nunca o vi beber demais antes de um show.
Na verdade, para mim, Bryan sempre disse que preferia subir ao palco são. Minha testa se
transforma numa escada de vincos.
Bryan pula e a plateia se une a ele no refrão.
— Oh, all the good girls they go to heaven, but the bad girls they get backstage —
pronuncia com a voz mais falada e menos cantada, talvez incentivado pelo álcool fluindo
em seu sangue. Basicamente convidando alguém para uma rapidinha no final do show e o
vejo piscar para alguém.
Que regresso, hein, Bryan?
Cruzo os braços como se ele pudesse me ver de onde estou. Isso foi demais e estou
também estou um pouco bêbada. Posso provocá-lo, se é assim que ele quer que as coisas
funcionem.
Saio do banco alto em direção ao palco.
— Ei, onde você vai? — Gravity me chama, mas não me impede de andar, apenas
começa a me seguir através da multidão com Effy atrás.
— Achar o cara de quem você disse que preciso — menciono por cima da música.
A voz alta, viril e sexy de Bryan ecoa em meu cérebro, porém não me detenho. Ao menos
não paro até que eu esteja sob seus olhos. Pode ser infantil, imaturo e posso estar
regredindo tanto quanto Bryan agora, mas ao menos uma vez nessa história, quero que ele
sinta como eu me sinto. Quero que a impotência recaia sobre ele e que as emoções que luta
para manter sob “controle” sejam cutucadas até que não possa mais manter os sentimentos
para si. Eu quero vê-lo explodir ao menos uma vez, sentir que me perdeu como eu sempre
sinto.
Ele me vê, sinto seus olhos sobre mim, mas sua voz mantém o ritmo envolvente e a
sensualidade ultrajada. Eu não o afetei suficiente. Me ver não significa nada. Ele me ignorou
hoje. Não quis se explicar quando teve a chance. Eu podia ter atendido suas ligações aquele
dia, mas ele estava bêbado e eu preferiria que fosse pessoalmente atrás de mim. Que se
mostrasse interessado, ao menos um pouco. Por que ele levou o dia todo para resolver ir
atrás de mim? Por que estava sendo encorajado pelo álcool? Ah, vai se foder, Bryan!
Olho para ele e seu olhar sustenta o meu. Não desvio, meus dentes rangem em
desaprovação. Vagueio com os olhos em volta e, de repente, pairam sobre um garoto. Ele
usa óculos quadrados de armação preta. Cabelos escuros, arrepiados e alinhados com gel.
Está vidrado na música, na apresentação da The Reckless, as mãos alojadas nos bolsos do
moletom cinza que usa. Bate um dos pés no chão, seguindo o ritmo predominante da
música.
Aperto os lábios porque estou com raiva. Estou com raiva de Bryan por mentir, por não
me procurar e lutar por mim como mereço. Lanço um novo olhar para Bryan, quando ele
está cantando o refrão pela última vez.
Oh, toda boa garota vai para o céu, mas as garotas ousadas vão para trás do palco.
Movida pelo instinto de repreensão, uma urgência predominante de fazê-lo sentir como
me senti quando o vi com Lilah ou como me sinto quando o vejo com qualquer outra garota
e, principalmente, como me senti minutos atrás, quando piscou e fez gestos para alguém
para encontrá-lo depois do show… Tudo isso em uma profusão eloquente de sentimentos,
que me tornam impulsiva e ridiculamente vingativa, caminho em direção ao garoto do
moletom. Munida de confiança e expectativa, meu coração pulsa em meus ouvidos como
um aviso.
Paro diante do garoto. Os olhos amendoados e as sobrancelhas arqueadas me encaram.
Meu peito exala e puxa o ar em uma cadência absurda. O coração retumba com a adrenalina
enquanto sinto cada veia do corpo latejar. Quando Bryan canta mais uma vez o refrão,
seguido pelos outros instrumentos, e Finn faz algo com a guitarra que incendeia o público,
fazendo todos pularem, exceto o garoto diante de mim. A curiosidade injetada em seus
olhos me incentiva.
Agarro a gola do moletom do garoto com ambas as mãos, fecho os dedos em volta do
tecido grosso e o puxo contra a minha boca numa colisão ríspida. Seus lábios se abrem para
receber minha língua e o gosto mentolado me invade. Ele abraça minha cintura, retribuindo
o beijo. Melhor do que imaginei que seria. Consigo sentir o coração do garoto batendo
contra meu peito e o meu, talvez no mesmo compasso deslocado. Pressiono sua boca com
mais urgência e ele me segura com tanta força em seus braços, que saio alguns centímetros
do chão. Passo um braço em volta de seu pescoço, forçando a boca contra a dele, sentindo-
me ser esmagada por seus lábios grossos e inchados. Sua língua me saboreando, rondando
minha boca e cada centímetro dela.
Mordo seu lábio inferior e lambo o superior quando a sola do meu pé toca o chão. A
música cessa e não a escuto mais invadir meus tímpanos. Afasto-me dele, limpando o
batom borrado em sua boca como se o conhecesse há muito tempo. Dou leves palmadas em
seu ombro e pisco para ele, afastando-me.
Gravity tem um sorriso orgulhoso no rosto quando a vejo e Effy parece chocada, mas
também sorri, porque seus olhos brilham. Olhando por cima do ombro vejo as narinas de
Bryan inflarem e sei que atingi o alvo com sucesso.

“Todos os meus sentidos se intensificam
Sempre que eu e você mergulhamos
Cruzei o oceano da minha mente
Mas no final me afogo
Você me empurra para baixo, para baixo”
CAN WE KISS FOREVER? – KINA FT. ADRIANA PROENZA

Dancing With Stranger me faz querer dançar, mas estou rindo tanto que não consigo
sair do lugar. A The Reckless saiu do palco há vinte minutos e fico feliz por não ter cedido à
ideia principal de ir embora por causa de Bryan. Fico feliz por ter ficado.
Rio de algo que Vance Kinsey fala, o garoto que beijei horas atrás. Ele me procurou e
Gravity deu um jeito de desaparecer pela boate assim que o show acabou e Effy saiu para ir
ao banheiro e não voltou. Acabamos sozinhos, pendurados no balcão enquanto dividimos
uma Coca-Cola.
Vance estuda engenharia na universidade de Humperville. Ele poderia facilmente ser
um estudante lá e não termos nos esbarrado até agora. Não temos nenhuma aula em
comum ou já chegamos a dividir qualquer ambiente além do refeitório, que provavelmente
já passamos perto um do outro, mas não nos reconhecemos. Ele faz o tipo nerd, estudante e
que leva a sério o lance de faculdade. E só chegou a vir para a Purple Ride porque anda
estressado com as provas do final do semestre e acabou sendo convencido pelo seu colega
de quarto a vir. Contudo, Keegan o abandonou cinco minutos depois de terem chegado.
Thank u, next é a próxima escolha do DJ que entrou há pouco. São quase duas da manhã
e tenho certeza de que Gravity já encontrou Ashton à essa altura.
— Então o Keegan faz o tipo irritadinho que usa de festas pra extravasar? — rio,
inclinando-me um pouco.
— Tipo isso — Vance concorda, empurrando a armação dos óculos para cima. — E
você? Por que veio hoje? Você não faz o estilo bad girl, como a música que eles cantaram.
Entorto os lábios em desaprovação, mas não posso culpá-lo.
— Hum... na verdade, não sou. Desculpa, te usei pra irritar uma pessoa.
— Ah, droga! — Ele ri, não parece se importar com minha confissão. — Relaxa. Não me
importo. Foi bom, na verdade. Você fez valer a pena ter vindo.
O rubor queima minhas maçãs.
— Você acha que deu certo?
Vance tem um rosto anguloso, com músculos do maxilar rijos e tonificados. Queixo
quadrado com um furinho no centro. Descubro que gosto, assim como gosto de covinhas. E
ele tem uma voz bem grossa para a sua idade; quando ri, é rouco e atraente. Apesar do
jeans surrado, o moletom e os óculos, ele parece ter um belo corpo por baixo de todas as
roupas.
— Tenho certeza que deu. — Pisco para ele e tomo um gole do copo com Coca e gelo.
— É seu ex-namorado?
— Sim.
— Hum... há quanto tempo?
— Menos de uma semana. — Encolho-me ao dizer e Vance parece decepcionado com
minha resposta.
— Que merda! Sinto muito.
— Não sinta. Ele mereceu — digo por fim, esvaziando meu copo.
— Você é cruel!
Abro a boca para respondê-lo, mas noto que a voz que escuto não é de Vance. Bryan tem
uma voz melodiosa e rouca, mas a de Vance é mais grossa e alta. Estreito os olhos para vê-lo
atrás de Vance, com a costela encostada à borda do balcão. Há quanto tempo ele está
parado ali e não o notei?
Vance se vira e topa com Bryan quase colado em sua coluna. Dirty Mind irrompe em um
remix e fecho os lábios com força ao vê-lo.
— Vamos conversar — pede, ignorando o olhar de Vance.
— Tarde demais. — Arqueio a sobrancelha.
— Tarde demais? — devolve, respirando pesado. Está com raiva, ótimo. — Não fode,
Mackenzie. Vamos conversar. Lá fora.
— Não quero — digo, jogando um dos ombros para cima enquanto levo o outro braço
para apoiar na superfície da bancada. — Não estou a fim — nego outra vez, mais veemente.
— Estou ocupada! — exclamo, voltando com os olhos para Vance e me arrependo em
seguida, porque significa que o estou usando como desculpa, outra vez, para provocar
Bryan. E esse é um bom garoto, não quero somá-lo ao nosso drama amoroso.
Bryan não quer me forçar a falar com ele, mas não quer que eu continue com Vance.
Vejo a luta interna transparecer em sua expressão quase sempre impassível e a vontade de
me arrastar para fora da boate, mesmo contra a minha vontade, ficando explícito conforme
suas narinas dilatam como um cão raivoso. Ele aperta as pálpebras com os dedos.
— Beleza — desiste e começa a se afastar.
— Eu já estou indo — Vance anuncia, bebendo o último gole de sua Coca. — Foi legal te
conhecer, mas é bom vocês conversarem. Dá pra ver que é o que você quer — ri, piscando
para mim. — A gente se vê por aí.
Vance se afasta. Estou prestes a me levantar e ir atrás dele, mas Bryan me segura pelo
pulso, guiando-me pelo aglomerado de pessoas em direção ao elevador. Pensei que
estaríamos saindo, mas, na verdade, Bryan está me levando para um lugar onde eu não
possa fugir. Seus dedos em volta do meu pulso apertam minha pele, com medo que eu
possa fugir. Ele afrouxa quando estamos no elevador e coloca o cartão magnético para
acesso ao quarto andar.
A porta se abre e Bryan volta a agarrar meu braço, guiando-me para a sala de descanso
dos funcionários. Ele abre a porta, dá uma primeira olhada e me coloca à frente para entrar,
seguindo-me. Assim que estamos na sala, Bryan gira a chave e cruza os braços, recostando
o corpo pétreo na porta. Fico a poucos centímetros dele, refletindo sua postura, cruzo os
braços e cerro os dentes.
— Você precisa me ver com outro cara pra pensar em falar comigo?
— Você gosta de me provocar.
— Se me trouxe aqui para continuar não falando nada sobre o que preciso saber, estou
indo. — Tento agarrar a maçaneta, mas ele me para, segurando meu pulso e, com um
solavanco, puxa-me contra seu corpo. — É melhor você me deixar sair — aviso a poucos
centímetros de tocar sua boca, em tom de ameaça.
— Ou o quê?
— Você não vai me manter aqui contra a minha vontade. Por fora é durão, mas por
dentro é fraco, Bryan.
Ele endurece, comprimindo os lábios de raiva.
— E vulnerável.
Puxa-me de novo e espalmo a mão em seu peito, grunhindo.
— Eu não deveria falar com você — responde, os olhos pulando de um ponto em meu
rosto para o outro. Com a mão livre, acaricia minha bochecha. Estremeço sob o toque de
sua mão quente em minha maçã e fecho os olhos, obrigando-me a manter a concentração
em outro foco, um que não me faça acabar me entregando a ele sem resposta alguma. —
Não deveria nem te olhar hoje. Prometi a mim mesmo que só faria escolhas que não
colocasse a nós dois em uma situação dessa, mas te ver com outro cara…
— Te deixa inseguro. Com medo — concluo e sei que estou certa. — Você não quer me
perder — entendo, sussurrando. Ele não responde, mas consigo ver a concordância
lampejando em seu rosto. — Mas não quer ser o que eu preciso. — Com um safanão consigo
fugir de seu toque e ganho espaço para uma segura distância de espaço pessoal. — Não
quer um relacionamento. Não de verdade. O que você fez lá embaixo, no show…
— O que eu fiz?
— Você acha que sou idiota? — Aponto para meu peito. — Convidando quem quer que
seja pra dormir com você.
— Ah, qual é, Mackenzie. — Ele aperta os olhos com os punhos e bufa. — Não estava
convidando ninguém pra transar comigo. É só a porra de um show.
— Você já fez isso um milhão de vezes. — Minha cabeça cai para trás.
— É. Mas é diferente. Porra, é diferente! Você não percebe? Não é possível! Não está na
cara? Estampado? — Ele se afasta da porta, andando em minha direção. — Eu nunca faria
uma merda dessa sabendo que você estava em algum lugar no meio daquela gente. —
Estica o braço com o indicador erguido, apontando para a parede. — Entende uma coisa, de
uma vez por todas: o Bryan que eu era antes de namorar com você... Não. Existe. Mais.
— Não dá — nego, balançando a cabeça. — Essa imagem de você está muito construída
em minha mente. E você escondendo as coisas de mim o tempo todo, não colabora.
Bryan fica tenso. Todo o corpo ganha uma nova postura com as mãos caídas ao lado.
Nunca pensei que conseguiria ser tão honesta comigo e meus sentimentos. Não consigo
ficar com ele assim. Não dá.
— Essa foi a última vez que beijei alguém pra te provocar ou fiz qualquer coisa
pensando em você. A partir de agora, acabou. Você conseguiu me perder, porque não sabe
ser honesto comigo. Quero estar com alguém que confie em mim o bastante para
compartilhar tudo. No colégio, eu sentia que estava sempre andando atrás de você e depois,
quando voltei, tive o mesmo sentimento: o de nunca conseguir te alcançar. E finalmente,
quando estávamos juntos, você escorreu da minha mão como água. Não consigo mais ter
esse sentimento de insegurança me acompanhando o tempo todo, Bryan. Preciso de alguém
que me dê segurança emocional. Alguém que eu não fique pensando se vai me trair ou
mentir para mim; por mais altruístas que sejam suas intenções, não posso mais aceitar.
O pavor lampeja nos olhos de Bryan. Acho que nunca fui tão honesta com ele ou comigo
em todos esses anos em que nos conhecemos. Pela primeira vez, sinto-me leve por dizer
uma coisa que dói, uma coisa que machuca e me destrói. Eu sinto que estou libertando nós
dois de um peso.
— Quatro meses atrás, quando terminou comigo — paro porque estou prestes a chorar
e não quero —, você me disse que eu seria alguém que você amaria pelo resto da vida. Eu
tenho certeza de que você marcou a minha vida da mesma forma e que eu nunca
encontrarei alguém que me fará sentir o que você faz. Amor. Paixão. Um desejo
incontrolável. Que me enlouquece, me deixa instável e também o único capaz de me
estabilizar. Você consegue ser tudo o que eu preciso, na mesma proporção em que não pode
ser o que preciso.
— Eu não menti sobre Lilah. Não aconteceu nada entre nós. — Ele se apressa em contar,
como se fosse mudar o que penso sobre nós agora. — Mackenzie, eu juro. — Sua mão corre
por meu braço até entrelaçar nossos dedos. — Só não contei sobre ela, meu pai e Daily
porque Lilah queria fazer isso pessoalmente. Eu prometi pra ela.
— Eu sei. Lilah me contou, mas não é por causa dela que estamos terminando.
Bryan enruga a testa, confuso.
— É porque estou seguindo a minha intuição e ela diz que você continua mentindo pra
mim. Não quero ficar para descobrir o que está escondendo. Por favor, não me liga mais.
Afasto-me de seu toque e contorno o corpo ereto.
— Vamos seguir em frente, tá? — Pairo a mão na maçaneta. — Nós temos amigos em
comum, quero tentar manter as coisas normais, sem que eles fiquem desconfortáveis
conosco no mesmo lugar. Consegue agir como se isso tivesse acabado da melhor forma
possível? — pergunto, sem olhar para trás.
— Consigo.
— Ótimo.
Saio da sala, sem olhar para trás.
Eu me espanto que, em todo o caminho do Purple Ride até meu apartamento, quase
quarenta minutos de distância, não derrubo nenhuma lágrima por ele.

30 de maio de 2020, às 13h45.



— O que vocês acham de 20 de junho? — Gravity pergunta, batendo com a caneta na
agenda e morde a cutícula do polegar.
Estamos sentadas na sala do nosso apartamento, com papéis espalhados na mesa de
centro e muitas ideias para a festa de despedida barra aniversário de Gravity. Embora ela
só faça vinte e dois no dia 4 de julho. Mas nesse dia, provavelmente, estará ocupada se
organizando para a viagem.
Não consigo pensar muito no assunto nem tento, na verdade. Não digo a ela para não a
chatear, mas ainda não me acostumei com a ideia de tê-la tão longe, por tanto tempo. E
bem, por causa de Effy, estou tendo que me acostumar com a ideia de ter Delilah por perto
quase o tempo todo. Sinto que não tenho raiva dela por causa do passado e, apesar de ter
terminado com Bryan há mais de uma semana, fico desconfortável quando penso neles sob
o mesmo teto. No entanto, Lilah não fala dele. Em hipótese alguma. Ele é um assunto fora de
questão, já que Effy e ele também não estão muito bem.
Lilah está sentada no sofá, lendo, como sempre e com poucas intenções de participar da
conversa ou dos preparativos da festa. Vity ainda olha torto para ela e quase sempre
entram em confronto. Eu percebi que ambas são parecidas em muitos pontos,
principalmente se tratando de homens. Talvez esse seja o motivo para tanta implicância
entre elas. Outro detalhe interessante: ambas parecem ter problemas com Aidan.
Acho que Aidan não gosta dela só por minha causa. Acredito que o fato de ser filha de
Thomas Linderman deixa as coisas ainda mais tensas entre eles. Enfim, não tenho certeza
se ela falou com o pai desde que voltou, mas acredito que sim. Outra coisa sobre Lilah:
misteriosa. São poucas as coisas que ela menciona sobre a mãe, o pai ou o próprio Seb. É
como se tivesse optado por apagar grande parte da sua vida. E não conversarmos como
antes colabora para a falta de informações que tenho dela. Estou tentando muito por Effy,
mas ainda é complicado.
— É uma boa data — Effy diz, mordendo a tampa de uma caneta. — É no mesmo dia em
que a The Reckless toca no Anarchy. Você nem vai precisar contratar uma banda ou coisa
assim. Podemos falar com o Ash e ele pode resolver essa questão.
— Nem me fale desse babaca! — Gravity levanta uma sobrancelha, irritada. — Ainda
estou pensando se vou deixar que ele entre na minha festa.
Ashton deu um fora na Gravity. Foi a coisa mais estranha que já vi. E ela não fala com ele
desde então. Ash não dispensa mulheres, ainda mais se essa mulher for Gravity. Qualquer
homem em sã consciência se sentiria honrado ficando com ela. Não vou entender o que
aconteceu, mas Vity não fala com ele desde a noite no Purple Ride, depois que ele a mandou
“passear”.
— Nunca fiquei tão excitada e com tanta raiva de alguém! — Ela arqueia as unhas e
urra, com raiva. — Esquece. Ele é um babaca. Não vale a pena a raiva. Enfim, o que vocês
acham do tema Black and White?
— Por que não uma coisa mais misteriosa? — Lilah finalmente tira os olhos do livro e
olha para nós. — Que tal máscaras?
Gravity gosta da ideia, mas não quer aceitar de cara só para contrariá-la. Acabo rindo.
— Dançar com alguém que você não sabe quem é. Beijar alguém que você não faz ideia
de quem seja. Seria interessante — continua explicando e Gravity se excita com a ideia.
— Olha, você…
— Eu sei que você não gosta de mim e se pudesse me mandaria de volta para
Dashdown, mas é uma ideia. — Dá de ombros, sem se importar.
— Na verdade, eu ia dizer que a ideia é muito boa — Gravity ri e volta a escrever. Lilah
também sorri, e enfia o nariz entre as páginas do livro de novo. — Você pode falar com o
imbecil do Bryan sobre a banda? — Vity fala, mas pairamos no ar porque Lilah mantém a
atenção voltada para o livro. — Ei! — Ela a cutuca com a ponta do dedo. — Estou falando
com você! Sai desse livro um pouco!
— Pensei que não quisesse minha ajuda.
— Isso é diferente. — Ela aponta para a agenda aberta. — Estou abrindo uma exceção.
Você pode conversar com Bryan sobre a The Reckless tocar na minha festa?
Lilah olha para mim, como se esperasse uma autorização.
Concentro-me em digitar uma mensagem para Aidan. Só estou fugindo de falar sobre
Bryan ou qualquer coisa que o envolva.
Nós terminamos e estou sendo forte em agir como se não me importasse. Estou
convencida de que fingir poderá fazer com que a coisa toda se torne real para o meu
coração. Não penso nele. Não falo sobre ele e deixei de segui-lo no Instagram para não ter
que ver as coisas que posta.
É como evitar uma doença. Você se isola para não ser atingido pelo mal que tem lá fora.
06 de junho de 2020, às 07h24.

Uma camada fina de suor brilha em minha testa e na de Aidan. Corremos quase dez
quilômetros hoje e ele conseguiu me acompanhar. Estamos quase chegando em meu
apartamento para comermos com os meninos da The Reckless quando Aidan recebe uma
mensagem de Bryan, dizendo que não vem. Sei que Chase o convidou e estava
emocionalmente pronta para reencontrá-lo depois de duas semanas, mas não consigo
evitar sucumbir na onda de alívio que toma todo o meu corpo e espírito. Não vou precisar
fingir que estou bem e que o término não mexeu comigo como nas últimas semanas.
— Ele está te evitando — Aidan diz, com um sorriso triste.
— Eu sei que está.
— Você tem certeza de que fez a escolha certa? Ele parece péssimo.
— Tenho, Aidan. Fiz pelo bem de nós dois, antes que isso se tornasse tóxico e
irreversível.
Aidan concorda e os dedos ágeis digitam uma mensagem para Bryan.
— Ele vai se recuperar quando voltar para a vida que estava acostumado a ter antes de
mim.
— Não tenho certeza se ele pretende voltar pra essa vida.
— É uma escolha dele, não minha.
Empurro a porta de vidro do prédio e entro com Aidan logo atrás de mim.
Nunca duvidei do amor de Bryan por mim, só não acho que continue sendo o bastante
para que o nosso relacionamento sobreviva.

13 de junho de 2020, às 15h32.



— E aí? Como estou? — Lilah desfila no vestíbulo do nosso apartamento com um
vestido branco com franjas de tecido e uma máscara branca com contornos dourados, que
contornam grande parte de seu rosto.
— Horrível! — Gravity entorta o nariz, em repúdio e Lilah tira a máscara para encará-la.
— Você é horrível.
— Você não cansa de implicar? — Lilah cruza os braços na altura do peito e o corpo cai
para o lado, encostando-se ao caixilho da passagem. — Sério. Estou dando o meu máximo
aqui, merda!
— Não está dando o suficiente. — Vity sobe uma sobrancelha, fazendo duplo sentido
com a palavra “dando” e caímos na gargalhada.
Estou me acostumando com a companhia de Lilah. Não é como antes. Ela está diferente
e eu estou diferente, mas é divertida e leve. Devolve as implicâncias de Gravity e percebo
que minha amiga também está aceitando melhor a novata no grupo. Se ela e Effy não têm
nada contra Delilah, não posso ser eu a estraga-prazeres da relação.
— Cale a boca, sua pervertida! — Lilah sacode a cabeça, rindo. — Jesus, você não vale
nada! E para a sua informação, a última vez que transei foi com Brooks.
— Já faz tempo mesmo, por isso você é tão esquentadinha.
— Não enche.
Lilah volta para o quarto, para trocar de roupa.
— Vocês parecem estar se dando bem — observo, experimentando minha máscara
preta.
— Você se sente incomodada? — Gravity pergunta em tom de preocupação.
— Não, quer dizer, ela não ficou com Bryan nem tentou, eu acho.
— Não tentei — Lilah responde, tirou apenas a máscara e continua trajando o vestido.
Ela se senta ao meu lado, sob as pernas cruzadas. — Fui apaixonada por ele no colégio, sim.
E acho que a carência que sentia, a necessidade de ser amada, me cegou para muitas coisas.
Passei dois anos ainda apaixonada por ele, mas quando vim para Humperville e Bryan disse
que não estudaria em Dashdown porque seu coração estava aqui, soube que estava
apaixonado por outra pessoa. Por você, com certeza. — Ela aponta para mim com o queixo.
— Daquele dia em diante soube que meu lugar também não era mais aqui, ao menos,
temporariamente. Mesmo que eu tivesse tentado, o que eu não fiz — reforça com ênfase. —
Bryan não teria ficado comigo. Ele é muito fiel, disso tenho certeza.
— Não tenho tanta certeza! — Effy cospe, com ressentimento. — Ele mentiu para mim
também.
— Porque eu pedi.
— Então você não deveria ter pedido uma coisa dessas pra ele, Delilah! — Minha amiga
explode. — Desculpa. Sinto falta dele.
— Vamos parar de falar dele? Por favor? — peço, abaixando a cabeça e mordendo o
lábio. — Eu sei que parece que está tudo bem comigo, mas ainda estou tentando superar.
Falar dele não ajuda.
Elas assentem, exceto Gravity, que me olha com curiosidade. O jeito com que me lê e
descobre coisas que não digo é assustador. Conheço Effy há muito mais tempo que Gravity,
mas Vity me conhece através de cada reação corporal e a cada jeito com que olho para o
nada. Ela pesca o que sinto nos detalhes pequenos e me sinto apavorada porque não tem
nada que eu conseguiria esconder dela.

18 de junho de 2020, às 18h23.



As malas de Gravity no corredor me inspiram a fazer uma faxina no quarto e sei que
Effy está tentada a seguir o mesmo caminho. Ainda estou me acostumando com a ideia de
que, dentro de algumas semanas, Gravity não estará mais aqui e até setembro teremos que
nos contentar com contatos através do Skype.
Recostada ao caixilho da porta do quarto, assisto minhas duas melhores amigas
colocarem os amontoados de caixa para a doação, que separamos semanas atrás, para o
lado de fora e duas malas grandes para viagens internacionais de rodinhas. Não quero ficar
triste ou fazer uma cena. Estou feliz por Vity. Ela queria muito esse curso em Paris e
trabalhou duro para conseguir, mas não consigo deixar de pensar que os próximos meses
serão como se uma parte de mim estivesse morta.
Effy ri de algo que Gravity fala e não consigo rir junto porque me perdi em divagações.
Algo sobre elas tentarem fazer pizza esta noite.
— Você fica de fora — Gravity aponta o indicador em riste para mim —, não quero que
coloque fogo na cozinha.
— Tudo bem, tenho que organizar meu closet mesmo. — Meu tom de que não me
importo a faz rir. — Se precisarem de ajuda, sabem onde me encontrar. — Mostro o quarto
atrás de mim com o polegar por cima do ombro.
Entro no quarto, deixo a porta entreaberta. Vou para minha mesa de estudos ao lado do
closet, a poucos centímetros atrás da porta. Subo a tampa do notebook e acesso ao Spotify.
Coloco uma playlist para começar a tirar as roupas do closet e alguns sapatos que quero
enviar para doação junto com os pertences de Gravity. Isso me lembra do ano passado
quando fiz uma limpa no closet na casa dos meus pais. Aquilo foi como um recomeço.
Tenho várias playlists no Spotify, mas recentemente criei uma em especial, com o nome
de Sintonia Perfeita. Nela adicionei todas as músicas que escuto e que me fazem lembrar da
minha trajetória até aqui. Gosto de sentir que minha vida tem uma playlist para defini-la e,
com certeza, cada música que coloquei aqui, tem uma parte do meu coração.
Pressiono o play no notebook e a primeira música que toca é Can We Kiss Forever?
Enfio-me em meio às roupas do closet, separando algumas peças penduradas na arara
presa entre uma parede e outra do armário. Fico na ponta dos pés para alcançar umas
caixas vazias em uma prateleira que paira sobre minha cabeça. Puxo o papelão por uma aba
e uma dor lancinante percorre minha testa quando sou atingida por um objeto pontiagudo.
Massageio a testa, no lugar onde dói, em movimentos circulares e abaixo a cabeça à procura
do que me acertou. É o caderno que Bryan me deu seis meses atrás e não tive coragem de
lê-lo sozinha. Queria que ele tivesse coragem de me contar por conta própria as coisas
escritas nele.
Inclino para pegá-lo do chão, sem sair da página em que abriu com a queda. Seguro pela
aba direita e o levanto, como se pudesse me machucar de alguma forma. Abaixo até estar
sentada, entremeando as pernas como um índio. Coloco o caderno à minha frente,
encarando a palavra escrita em uma das folhas amarelas.

Saudade.

O que isso significa?
A voz de Adriana Proenza corrói meus ouvidos e balanço a cabeça, recusando-me a ler o
que está escrito. Fecho a capa com força, mas meus dedos tocam a textura envelhecida da
capa preta. Sinto as ondulações sob o toque, como se esse caderno tivesse estado em
contato com o sol e a chuva. Não quero ler. Passei seis meses controlando a vontade de
saber o que estava escrito nele, posso me controlar mais um pouco. Nem é meu, para que
eu fique com isso.
Pego o caderno entre os dedos e me levanto, em direção à mesa de estudos. Guardo-o na
primeira gaveta, sob um amontoado de agendas antigas e cadernos que não uso mais. Faço
uma nota mental para entregá-lo a Bryan quando o vir. Mesmo sabendo que ele anda me
evitando.
Não era assim que eu imaginava o fim do nosso relacionamento. Depois de tudo que
passamos, pensei que conseguiríamos seguir em frente, sem ressentimentos. Então por que
eu continuo sentindo, dentro de mim, que não estou indo na direção certa? Por que meu
coração continua me dizendo que não fiz a escolha certa, apesar de ter certeza de que
nossas chances de continuarmos juntos eram ínfimas?
Puxo a cadeira e desabo nela. Travo o choro na garganta. Três semanas. Eu consigo
superar.
Todos os meus sentidos se intensificam sempre que eu e você mergulhamos. Cruzei o
oceano da minha mente, mas no final eu me afogo. Você me empurra para baixo, para baixo.
Apoio a testa na mão, respiro fundo, escutando o que a música diz.
Fecho a tampa do notebook com força, irritada, porque tudo que penso e faço, por mais
que eu tente e evite pensar nele, todas as coisas cooperam para que eu volte ao exato
momento onde me apaixonei por Bryan McCoy.

20 de junho de 2020, às 20h45.



Não sei como Aidan se sente a respeito dessa festa. Darnell pagou por tudo. Incluindo o
aluguel do Anarchy e tenho certeza de que Jack não pensou nem por um segundo em ser
maleável quanto ao valor do espaço porque Darnell tem tentado comprar esse bar há anos,
mas Jackson continua persistente em mantê-lo sob seu poder, embora Darnell tenha lhe
proposto continuar administrando o Anarchy, só que, sabendo, que todos os lucros iriam
para o bolso dele. É claro que Jack não aceitou nenhuma das ofertas milionárias de Darnell,
não porque o Anarchy lhe rende muito dinheiro, mas por orgulho. Ele acha que Darnell quer
“monopolizar” a cidade e que comprar o Anarchy não passa de uma guerra política com
Thomas Linderman. Seja o que for, não consigo nem pensar no prazer que Vity sente nesse
momento por estar irritando Aidan na mesma proporção em que se diverte com a própria
festa de máscaras.
Graças a Gravity tenho um guarda-roupa recheado com vestidos de festa. Esta noite
optei pelo modelo preto de lantejoulas, preto e justo, que se assenta perfeitamente nas
ondas curvilíneas do meu corpo. O decote em V avantaja os seios medianos e as alças são
finas. No entanto, nas escápulas, o decote é quadrado e não mostra muito a pele. Effy, como
sempre, fez meu penteado. Dessa vez deixei o cabelo solto, caindo em ondas pesadas na
altura dos meus seios. Lilah fez a maquiagem, disse várias vezes que não precisava, mas
Effy e Gravity insistiram. Fiquei surpresa ao perceber que as habilidades dela melhoraram
muito desde o colégio. Foi meio estranho passar quase uma hora com ela sem a companhia
das outras, não conversamos muito, na verdade. Achei bom que ela não tentou aproveitar
do nosso momento sozinhas para se aproximar. Lilah me maquiou e foi embora em seguida.
Também não falou de Bryan, embora tenha certeza de que ainda estão morando juntos.
Falling, de Trevor Daniel, está a todo vapor, agitando os convidados de Gravity. A ideia
da máscara foi uma boa, mas começo a suar nos olhos e rosto, provavelmente estragando
todo o trabalho que Delilah teve com a sombra. Trouxe uma bolsa transversal mediana,
preta, no tamanho que coubesse o caderno de Bryan. Não o vi ainda, não tenho certeza se já
chegou, apesar de já ter visto Ashton, Finn, Aidan e Chase andando por aí.
Não consigo reconhecer o rosto de quase ninguém nesse lugar, além deles e das minhas
amigas, não consegui ver ninguém.
Sentada em uma das mesas do bar, bebendo um drinque chamado Alexander – uma
mistura doce de cacau em pó, conhaque e leite condensado – e sendo a cada segundo
instruída por Effy para pegar leve com os drinques que vão chocolate. Esses são os mais
perigosos. Ela está certa, sei disso, mas não consigo resistir a uma boa dose de bebida
adocicada.
Lilah está sentada à mesa, mas não desgruda do celular. Gravity está por aí, em algum
lugar do bar, interagindo com metade das pessoas da faculdade. Eu não sabia que ela
conhecia tanta gente.
— Aconteceu alguma coisa? — Effy pergunta para Lilah, sobre a voz alta de Trevor
Daniel.
— Não tenho certeza. A The Reckless vai entrar em quinze minutos, mas Bryan não
chegou até agora. — Estou brincando com o canudo da minha bebida, fingindo não escutar
a conversa delas. — Eu já tentei ligar, mas ele está desligando na minha cara! — diz,
soltando um fluxo denso de ar pela boca, a frustração em transparência. — Babaca! —
xinga para a tela apagada, colocando o celular na mesa.
Seguro a risada na garganta.
— Você podia tentar.
Escuto, mas ignoro. Penso que Lilah fala com Effy, mas minha amiga me cutuca sob a
mesa e olho para Lilah. O rosto escondido sob a máscara branca.
— O quê?
— Se você tentar, acho que ele atende.
— Eu?
— Sim. Você — Lilah ri, bebericando de sua taça de licor de cereja.
— A Effy pode tentar.
— Eu já tentei! — exclama com impaciência. — Ele desliga.
— Não vou ligar pra ele.
— Pensei que vocês tivessem terminado numa boa. — Um braço estica por cima do meu
ombro, roubando duas batatas fritas no centro da mesa. Subo os olhos e vejo Gravity com
um sorriso de canto de boca. Ela optou por uma máscara vermelha, para ficar diferente de
nós três. — Se terminaram em paz, não tem problema você ligar. Por favor, o pessoal vai
começar a ficar entediado. Eu já tentei também, ele desligou.
Bryan não costuma furar com seus compromissos na The Reckless. Minhas sobrancelhas
curvam e meu nariz franze em uma careta enquanto penso nos milhares de motivos pelos
quais eu não deveria dar a mínima para o que ele faz ou deixa de fazer, mas não estar mais
com ele não significa que não me importe ou não me preocupe e, principalmente, não
consigo ignorar a sensação em meu peito.
— Bryan anda estranho pra cacete desde que voltou para Humperville — Delilah
desabafa. — Ele quase não fica no apartamento, desaparece por dias e quando volta está
mais irritado que o normal. Não sei o que há com ele, mas tem algo rolando, com certeza!
As coisas que Delilah diz dão uma guinada em meus pensamentos.
Bryan com certeza continua escondendo as coisas de mim, mas e se não for do jeito que
eu acho que é? E se o que está escondendo não tem a ver com outra garota ou que ele ainda
tenha sentimentos por Lilah?
Um momento de clareza me coloca de volta no eixo, ergo a cabeça olhando para as
meninas que devolvem meu olhar com expectativa.
Meu peito sobe e desce, exalando o ar com força. Eu me levanto com pressa e coloco a
mão na bolsa, pegando o celular. Não digo nada quando saio, mergulhando no apinhado de
pessoas e impondo força no cotovelo, abrindo brechas para sair do bar.
— Você só precisa confiar em mim.
Ele disse no dia em que saímos para comer, mas acabamos brigando. O que isso queria
dizer de verdade?
— Eu vou ficar. Vou voltar para Humperville.
— Por que você tá voltando? É por mim? Pela banda? Por você? Por que você tá voltando
de verdade?
— É por você, pela banda e por mim também!
Por que ele voltou de verdade? Bryan não estava pronto para voltar. A forma como o
olhei quando nos reencontramos no noivado de Darnell e Dannya, senti que havia alguma
coisa naqueles olhos. Não. Ele não estava pronto para retornar. Então por que diabo ele
voltou, se não estava pronto?
— Eu nunca te deixei. Sempre estive com você ou, ao menos, o meu coração estava.
— É complicado, Mackenzie. É difícil de entender. Eu estava com medo.
Medo de quê, exatamente? De me perder? Deixei claro que esperaria por ele. Do que
você está com medo, Bryan?
Sinto o calor e as paredes corpóreas ao meu redor me sufocarem.
— Ia te procurar quando estivesse pronto para te contar tudo, sobre mim e a minha vida
em Dashdown, sem esconder nada.
O que ele anda escondendo de mim?
Os sumiços repentinos. Os atrasos sem explicação. Nunca está disponível, tudo precisa
acontecer no tempo dele e quando ele pode.
Estou a dois passos de sair pela porta, mas sou barrada por um homem corpulento, aos
beijos com uma morena, bloqueando a passagem. Meu devaneio foi cortado ao meio, mas
reparo na barba rala do homem, nos cabelos escuros penteados com gel e na máscara que
cobre apenas a lateral direita de seu rosto. As pestanas grossas se abrem e consigo ver os
olhos castanhos cintilarem enquanto me olha.
Bryan já agiu assim antes e não me dei conta porque fiquei cega pelo ciúme, o medo e a
insegurança. Eu já o vi fugir, se esconder, se afastar e mentir para proteger as pessoas que
ama.
Digito seu número no celular e com o antebraço, empurro o casal que estacou minha
travessia. Eles saem do lugar no instante em que se separam do beijo. Eu encaro o homem
e, é estranho, porque é como se eu o conhecesse de algum lugar. Vasculho minha memória,
atrás de qualquer coisa que tenha ficado armazenada nela para que ligue ao rosto
bronzeado.
Pisco para limpar a visão turva e alcanço a porta grande, agarrando as duas maçanetas,
desviando os olhos do homem. Prendo o celular entre o ombro e a bochecha, escutando-o
chamar para Bryan. Dou uma última olhada no homem ao lado e ele envia uma piscadela
displicente para mim antes de se afastar. Giro a maçaneta para abrir as portas, mas estão
trancadas.
Por que as portas do Anarchy estariam trancadas?
— Oi — Bryan atende com a voz dura e rouca.
— Bryan.
Faço uma nova tentativa de abrir as portas, com o coração massacrando meu peito a
cada batida pesada.
— Não estou ouvindo.
— Bryan — chamo, minha voz entra em leve desespero quando começo a ligar a
imagem do homem de minutos atrás, a forma como Bryan vem agindo e todas as pessoas
que ele mais ama no mundo aglomeradas no mesmo lugar. — Onde você está?
— A caminho do Anarchy.
— Não venha.
Desisto de abrir a porta e dou passos para trás, mergulhando mais uma vez na multidão
que cerca a passagem.
— Mackenzie, o que foi?
— É o Jev, não é?
— O quê?
— É por causa dele que você anda estranho e mentindo pra todo mundo. — Tento
manter a calma, para não o apavorar. Fico na ponta dos pés para tentar enxergar Gravity.
Mas não vejo ela ou uma das meninas. — Ele te procurou, não foi? Nesse tempo em que
você passou fora. Te ameaçou de novo — concluo e levo uma das mãos à testa, limpando o
suor. Tiro a máscara e continuo empurrando as pessoas porque pedir licença
educadamente não resolve. — Eu não percebi antes, mas… — Travo no lugar, poucos
centímetros antes de chegar à mesa onde estava. Inspiro fundo e não gosto do cheiro que
sinto e da forma como estou suando. — Você agiu assim da última vez. Ficou estranho. Me
afastou. Não se explicava e agia como se não se importasse. — Minha voz embargada morre
no ar quando uma nuvem de fumaça paira sobre os corpos dos jovens que dançam,
despreocupados e não percebem o que está acontecendo. — Eu… — Faço uma breve pausa,
meus olhos ardem em contato com a fumaça. — Eu acho que o Jev começou um incêndio no
Anarchy.
Quando percebo o que, de fato, está acontecendo, olho para as pessoas à minha volta. O
mundo girando em câmera lenta, o calor subindo pelas paredes e o desespero batendo em
meu coração, machucando meu peito e oprimindo a respiração. Eu corro para Delilah,
Gravity e Effy.
Preciso nos tirar daqui.
Preciso tirar todo mundo daqui.

“A vida, ela não espera por ninguém
Se você não tomar cuidado
Ela pode passar muito rápido por você
Eu tenho que aprender, aprender a ir devagar
Porque, caramba, você faz com que seja
Tão bom estar vivo
Oh, eu estarei lá até o fim
Eu estarei lá até o fim
Meu amor, minha amiga”
MY LOVER, MY FRIEND – AJ MITCHELL

Saio do carro e não sei como cheguei aqui sem ter sofrido um acidente no caminho.
Deixo a porta aberta e cruzo a rua, vendo as sirenes vermelhas e azuis mescladas na porta
do Anarchy. O prédio reformado há oito meses, em chamas. Paro diante da cena
abominável, bombeiros cercam o lugar e a polícia cria uma barreira com seus homens para
manter a multidão afastada. Não respiro. Não penso. Só quero atravessar a linha
demarcada, ir atrás dela.
Enfio o corpo entre os braços de dois policiais corpulentos, não me importando com a
repreensão deles. Vejo a investigadora Abe, meu tio Ryan do outro lado e quero gritar para
que me escutem, mas minha voz para no topo da garganta.
Algumas pessoas estão saindo do prédio, escoltadas por bombeiros sobre o auxílio de
macas hospitalares. As cenas que se projetam diante de mim ficam em câmera lenta. A
compressão em meu peito, a falta de ar esmagando meus pulmões e a súbita necessidade
de saber o que merda aconteceu na última hora. Mackenzie me ligou e eu estava a trinta
minutos de chegar em Humperville. Faltavam trinta. Malditos. Minutos. E porra, nós
estávamos perto. Ryan e eu estávamos perto de finalmente pegá-lo, de fazê-lo pagar por
tudo. Como, de repente, perdemos o controle?
Desde que Jev me ligou, meses atrás, soube que não podia mais cair na conversa. Não
podia mais aceitar as ameaças dele. Eu me dei conta de que não importa quantos serviços
faça para ele ou quantas vezes me prometa que será a última vez, nunca acaba. Então liguei
para Ryan e concordamos em trabalhar juntos. Eu reunia toda a informação necessária,
descobriria os passos de Jev e o colocaria na mira da polícia, nem que demorasse mais
tempo que o esperado.
Escondi tudo de Mackenzie, porque achei que seria uma forma de tentar protegê-la. Se
contasse o que meu tio e eu estávamos fazendo, ela acabaria se envolvendo ou tentando me
parar. Não queria ter que preocupá-la. Conheço Jev. Já andei nesse terreno. Já estive sob
seus olhos de águia, sei como me esquivar no meio de um problema e sei como mentir para
ele. Mackenzie é inteligente e esperta, mas se eu estivesse correndo qualquer risco, ela não
saberia contornar. Poderia nos expor e Jev ficaria sabendo.
As janelas de vidro explodem, cortando minha divagação ao meio, estilhaços de vidro
cospem para todos os lados. Alguns socorristas se abaixam para fugir de serem
ricocheteados pela linha de fogo ou serem atingidos pelos fragmentos. E tudo que preciso
saber é se a minha família está bem. Se Aidan, Ash, Finn, Chase, Gravity, Effy, Mackenzie e
todos os outros saíram de lá.
O aperto me sufoca, paredes se fecham em volta de mim e faço o contorno da barreira
de policiais para chegar ao outro lado. Talvez para que Ryan ou Abe me vejam. Nós estamos
trabalhando juntos, porra! Temos um acordo. Nada aconteceria com eles. Os policiais
confiáveis iriam monitorar dia após dia cada passo deles. Jimmy, o porteiro, um policial à
paisana aposentado, ficaria de olho em Mackenzie porque Abe está convencida de que Jev é
um peixe pequeno nesse mar. Então por que diabo só eu fiz a minha parte do acordo? Por
que as pessoas que eu amo estão dentro de um bar em chamas? A polícia falhou comigo
mais uma vez!
— Abe! — berro de onde estou, tentando mais uma vez ultrapassar os policiais.
— Você não pode atravessar — o policial alto e calvo diz, colocando a mão direita sobre
o coldre como um aviso.
— Ryan! — Eu o ignoro e grito por meu tio.
Felizmente, ele me escuta e se vira, com as mãos na cintura. Olha para mim com as
sobrancelhas levantadas e caminha devagar em minha direção.
— Todos saíram? — pergunto às pressas. — Saíram a tempo, não foi? Porra, fala
comigo! — insisto quando não diz nada.
— Eu estava do lado de fora quando o fogo começou — explica, olhando por cima do
ombro. — Parece que foi um vazamento de gás e, como já havia acontecido outras vezes,
não podemos considerar que foi criminal.
— Como é? — Meu queixo cai, abismado. — Não podem considerar? Mas que merda
você está falando? Cadê a Mackenzie?
— Calma, Bryan!
— Não me pede calma, cacete! Nós tínhamos um acordo! Eu me infiltrava, me
aproximava de Jev, conseguia gravações e provas o suficiente de que ele andava traficando
para menores, nós o colocaríamos atrás das grades e tudo se resolveria!
— Eu sei. — Ryan segura meus ombros, tentando me manter calmo e me levando para
longe da multidão. — Mas é melhor que isso. — Um canto de sua boca repuxa e um sorriso
aparece. — No mês passado, depois de uma denúncia anônima, Abe prendeu Jev como
principal suspeito de ter atirado em Darnell Lynch e, nesta manhã, descobrimos a
localização dele — conta, estufando o peito em orgulho. — Jev estava morando com a mãe.
Não soubemos antes porque ele andava pulando de lugar em lugar. Não tínhamos ideia de
onde morava de verdade, até que conseguimos um mandado de busca e adivinha? A arma
estava na casa dele. Além das gravações de conversas que você teve com ele, conseguimos
solucionar o caso do Darnell.
Eu paro de ouvir o que ele fala. Não consigo. Não dá para acreditar que Jev esteve
envolvido nisso também. Sim, ele é um filho da puta e sim, não vale nada. Mas Jev Adams
como assassino?
— E onde ele está agora?
— Ainda estamos procurando por ele. — Ryan se vira para o prédio e sigo a linha de
seus olhos.
O aperto em meu peito se intensifica.
— Ryan. Cadê a Mackenzie? — Minha voz sai em fiapo, o tom gutural arranha e machuca
minha garganta. — E o Aidan? — A ardência nos olhos me faz piscar. Ele continua sem
responder. Estou perdendo a pouca paciência que tenho. Agarro-o pela lapela do paletó e
jogo seu corpo contra a porta de uma viatura. — Cadê todo mundo? Por que não estou
vendo nenhum deles sair, caralho? VOCÊ ME PROMETEU! — cuspo contra seu rosto. Não
sou mais menor que Ryan. Anos atrás tínhamos alguns centímetros de diferença, mas hoje
não é tanto. Sou dois centímetros mais baixo. — Você disse que nada aconteceria com eles!
— Eles estão bem — Abe murmura de braços cruzados. — É melhor se afastar dele
antes que eu te prenda por desacato, garoto. — Coloca as mãos dentro dos bolsos de uma
jaqueta impermeável preta e amoleço o aperto em Ryan. — Foram para o hospital. Por
sorte, Mackenzie percebeu o fogo a tempo de usarem as saídas de emergência. — Relaxo
em alívio, afastando os fios de cabelo que cobre minha testa. — Jev já sabia que seria preso,
então não estava se importando muito em se salvar. Mackenzie o viu lá dentro, minutos
antes de o celular ficar sem sinal. Algumas pessoas ficaram presas no subsolo. Ainda não
sabemos ao certo quantos feridos e quantas mortes. Mas a polícia não falhou com você
desta vez — Abernathy garante, arqueando uma sobrancelha bem delineada. — Nós
fizemos nossa parte, Bryan. Protegemos as pessoas que você ama e estão todos bem.
Suspiro, levo as mãos à cintura e abaixo a cabeça para esconder as lágrimas. Respiro
aliviado, pela primeira vez, na última hora. Não sei por que meu tio confiou em Abe, mas de
qualquer forma, em breve, ela se tornará delegada e ele terá que reportar a ela cada passo.
Mas se minha contagem de dias estiver certa, Abe soube de mim e nosso acordo no mês
passado, quando prendeu Jev como principal suspeito do caso de Darnell. Acredito que, a
partir desse momento, ela passou a acreditar em tudo que Mackenzie contou sobre Jev no
ano passado e suas suspeitas ganharam força.
— Jev está morto? — Encaro o fogo trepidando nos telhados. — E Jack? Não o vi!
— Jack saiu pouco depois de Mackenzie e os outros — Ryan conta, com um suspiro
relaxado. — Ele estava aqui, mas o levaram para o hospital. Sobre Jev… não temos certeza
ainda, mas ninguém o encontrou. Vivo ou morto.
— Quantas pessoas exatamente tinham no bar?
— Cinquenta pessoas. Era uma festa fechada. Nós temos motivos para acreditar que Jev
sabia que você estava trabalhando com a polícia. Ele desconfiou de manhã, quando
cercamos a casa da mãe com o mandado de busca na casa. Cães farejadores encontraram as
mesmas drogas que encontramos nos exames de Mackenzie no ano passado — Abe admite
com um “quê” de arrependimento na voz. Subo os olhos para seu rosto e tem um sorriso
triste adornando-o. — A mãe não sabia onde ele estava, mas como Ryan ficou aqui,
vigiando, ele ouviu quando Mackenzie gritou pedindo por ajuda. Imediatamente acionamos
mais viaturas, a ambulância e o corpo de bombeiros. Com certeza, se não estivéssemos aqui
e se não fosse por nosso acordo, talvez essas pessoas não tivessem nenhuma chance.
Meneio a cabeça em um movimento contido de concordância. Estou aliviado que, ao
menos uma vez, por mais difícil que tenha sido os últimos meses, consegui ajudar de
alguma forma. Esfrego os olhos porque o calor e a fumaça estão me incomodando. Começo
a me afastar, dar passos para longe deles.
— Vou até o hospital — digo, sem olhar para trás. — Preciso vê-los.
— Nós daremos notícias em breve — Abe promete e não me importo.
Se Jev não está mais por perto para causar problemas, significa que finalmente
ficaremos bem.
Uma movimentação descomunal começa. Uma sequência de aplausos e assobios
irrompem da multidão que cerca o Anarchy. Eu me viro no minuto em que um bombeiro
sai, segurando pelo bíceps de um homem e o arrastando para fora do bar em chamas. Um
aglomerado de policiais preparados se une ao redor dele e, apesar do rosto coberto de
fuligem e a lateral da cabeça queimada, o reconheço.
Jev e eu trocamos um último olhar antes de a polícia encaminhá-lo para a ambulância. E
ele não sairá ileso.
Se ele estivesse morto, não poderia pagar por tudo que fez. Eu espero que, dessa vez, a
polícia de Humperville cumpra com suas promessas.

Ligo para o hospital primeiro e descubro que todos já tiveram alta. Nenhum deles inalou
tanta fumaça ou esteve em contato constante com o fogo. Então estão bem. Só descubro
para onde foram quando ligo para Chase e me conta que estão reunidos na mansão dos
Lynch, com Maisie, Nicholas, Dannya e os outros familiares preocupados. Pego o caminho
para lá e chego em tempo recorde. Estaciono o carro em frente à mansão, meio torto; sem
me preocupar muito salto do carro em direção à entrada. Aperto a campainha várias vezes,
impaciente.
Rowan abre a porta. Está de pijamas e com os olhos inchados, denunciando que chorou
bastante na última hora. Quando me vê, sua primeira reação é me abraçar. Os fios pretos de
cabelo se soltam do coque e devolvo seu abraço. Rowan é minúscula, quase consigo
envolvê-la por completo dentro dos meus braços. Assim que me afasto, vou para a sala de
estar, que é onde costumam nos reunir.
Vários olhares disparam para mim simultaneamente. Não sei como reagir nem por onde
começar ou se eles estão esperando por uma explicação. Procuro por um par de olhos
verde-escuros, cabelos longos ondulados em tonalidade mel e um rosto arredondado.
Mackenzie, entretanto, não está sentada entre eles.
Lilah tem uma mancha de fuligem na bochecha e está abraçada a Effy; Gravity está
aninhada sob os braços da irmã. Aidan e os outros garotos estão sentados no chão; Finn e
Ashton com uma garrafa de água na mão. Chase ao lado de Aidan com a cabeça tombada
para trás, descansando nas pernas dobradas de Willa. Faith está ao lado, o olhar paira em
mim com um sinal vivo de preocupação. Bailey está ao lado da irmã, mas não tenho certeza
se esteve no bar. Nate e Maeve estão em pé, também abraçados. Darnell, de pé perto da
janela grande que dá para o jardim, bebendo uma dose de uísque quente. Maisie, Nicholas e
uma mulher alta e magra – deve ser a nova namorada de quem Mackenzie falou, Sophia –
ao lado dele, com os braços cruzados.
— Eu... — começo, mas não sei o que dizer. — Sinto muito — completo, alojando as
mãos nos bolsos da calça jeans. — Por toda essa merda.
Ash solta um suspiro cansado e meus olhos imediatamente percorrem até estarem
sobre ele.
— Sente muito? Cara, puta que pariu, nós quase morremos hoje! Se Mackenzie não
tivesse se dado conta de que o seu jeito babaca, imbecil e arrogante estava definitivamente
ligado a Jev, nós estaríamos mortos agora! Sabe quantas pessoas devem estar feridas ou
ainda presas naquele bar? Você tem ideia…
— Já chega! — Nicholas brada, levantando os olhos para mim. — Vocês ouviram Ryan.
Ouviram o que ele disse. Bryan não teve escolha. Não é uma boa hora para julgamentos.
Além disso, ele precisou mentir pra todo mundo nos últimos seis meses! Vocês são como
uma família para ele, então, por favor, vamos manter os nervos sob controle.
— Babaca — Ash murmura para mim e tapa o rosto com o antebraço para bloquear a
luz.
— Eu tenho ideia — emendo, sem dar brechas. — E sinto muito.
— Sentir muito não vai mudar nada — Aidan diz, travando a mandíbula. — Nós fizemos
uma promessa. Finn. Ash. Você. Eu. Prometemos que contaríamos tudo um para o outro,
que, independente do que fosse, nós ficaríamos juntos e passaríamos por qualquer coisa
que acontecesse porque somos uma família. Você abriu uma rachadura na nossa amizade. O
quê? Não confia o bastante em nós?
— Não, Aidan. Só estava tentando proteger todo mundo. Não queria que vocês se
colocassem em risco por minha causa.
— Ah, pelo amor de Deus! — Finn se levanta, impaciente. — Todo mundo nessa sala
daria a vida por você. Cada pessoa sentada aqui faria qualquer coisa pra te ajudar em
qualquer situação. Não vem com esse papo altruísta pra cima da gente, Bryan! Você contou
pra todo mundo porque odiava Mackenzie, como ela pisou na bola com você, mas nós
nunca estivemos no lugar dela pra entender que cacete tinha acontecido e agora, todo
mundo nesta sala, quase morreu hoje porque você quer ser o herói da história!
Não digo nada porque Finn tem razão.
— De novo você se isolou, se colocou numa posição complicada e quase ferrou com todo
mundo por causa disso. Quando você vai entender que nem tudo se trata só de você? Porra!
O cara tentou matar meu pai! — Aidan também se levanta e sinto as paredes se erguendo
diante de mim, fechando-me. Porra, eu consegui destruir todas as coisas boas da minha
vida!
— Já acabaram? — A voz feminina e frágil cresce atrás de mim.
Eu me viro nos calcanhares, vejo Mackenzie abraçando o próprio tronco, olhando para
baixo e com o cabelo e o rosto manchados de fuligem. Está com os pés descalços,
comprimindo os dedos no chão frio. Quando volta a olhar para mim, não vejo raiva ou
decepção como consigo enxergar nos outros. Ela está chateada com certeza, mas também
consigo sentir compreensão emanando deles e é o que me conforta no momento. Saber que
está bem, viva, segura e que, ao menos um pouco, consegue se colocar no meu lugar e
entender.
— Meu pai tem toda razão. Não é hora pra uma coisa assim. Por mais difícil que seja
entender os motivos das pessoas, por mais que você tente e não consiga se colocar no lugar
do outro, é preciso ser sensível. — Todos estão com a atenção voltada para ela. Seu corpo
está duro e enraizado atrás de mim enquanto as palavras sinceras e calmas escapam por
seus lábios de maneira doce. — Estamos vivos e bem. Bryan fez a escolha dele e está claro
que não concordamos, mas ele também estava correndo perigo para nos proteger. E não é
como se cada um que está aqui, nessa sala, não esteja escondendo alguma coisa. Todos nós
cometemos erros e, às vezes, o mesmo erro com que julgamos o outro. — Dessa vez,
Mackenzie olha para Lilah. — Quando Lilah foi embora, todo mundo a odiou por isso. Mas
depois eu precisei ir e Bryan também. Existem coisas na vida que você prefere guardar só
para você e está tudo bem. — Ela termina e tanto Ash como Aidan voltam a se sentar,
soltando o ar lentamente pela boca e relaxando. — Que bom que entenderam — murmura
e, sem dizer mais nada, ela se senta entre Gravity, Effy e Lilah.
Um silêncio ensurdecedor encobre a sala, como se não houvesse nada mais que
precisasse ser dito. Tenho certeza de que tudo que Ryan me contou, cada um deles ouviu e
todos sabem o que aconteceu nos últimos seis meses. Como eu tenho estado entre
Humperville e cidades vizinhas fazendo entregas para Jev, mas talvez nunca entendam qual
é a sensação de mentir para as pessoas que você mais ama, o tempo todo, tentando se
convencer de que é preciso, que fez a escolha certa, porque você não tem a intenção de
magoar, ferir ou fazê-la se sentir menos importante. São escolhas que você precisa fazer e é
difícil.
No momento em que vejo a compreensão inundar meus amigos, a família que escolhi
para mim, prometo a mim mesmo que nunca mais mentirei para qualquer um deles. Não
importa o motivo ou quão altruísta seja; se a história envolve um deles, eles precisam saber
a verdade.
Eu me junto a eles e Chase me oferece uma garrafa d’água. O silêncio permanece, mas é
inquieto. Ninguém está na menor intenção de quebrá-lo e, apesar de sentir a história
chegou ao ponto final, não consigo ver a minha vida voltando aos eixos.
Procuro por Mackenzie, a cabeça tombada no ombro de Gravity e recebendo um carinho
da amiga na bochecha. Então compreendo que a minha vida só voltará ao que era quando
conseguir fazer minha sintonia perfeita voltar para mim.

27 de junho de 2020, às 18h22.



Sufoco a risada alta porque um vizinho já reclamou que estamos fazendo muito barulho.
Faz uma semana que o Anarchy pegou fogo e não faremos nenhum show lá por um bom
tempo. Ao menos até Jack reconstruir o lugar – se é que tem planos para reconstruí-lo.
Queria reunir o pessoal depois do que aconteceu, mostrar que estou tentando não fazer
nenhuma merda. Eles toparam e, graças a Deus, o que aconteceu na mansão Lynch não fora
mencionado. Na verdade, a companhia deles parece leve, não tem toda a carga dramática da
semana passada e a energia deles começa a me contagiar.
Enviei uma mensagem para Effy e uma para Gravity, querendo convencê-las a virem
para cá e trazer Mackenzie. Não seria muito difícil, considerando que estão mais próximas
de Lilah, mas nenhuma delas me respondeu. Não sei se Effy ainda está com raiva de mim,
não tivemos tempo de conversar e sábado passado, na casa de Aidan, foi meio estranho. A
nuvem carregada de sentimentos que pairava nas pessoas naquela sala impediu que
qualquer conversa fluísse, tanto que ficamos em silêncio por mais uns trinta minutos e, de
repente, todo mundo começou a sair. Mackenzie, os pais e Sophia foram os primeiros.
Tentei disfarçar a decepção, mas ela ficou estampada na minha cara. Meu pai me ligou
naquela noite, preocupado e contei tudo para ele. Em seguida, Ryan me ligou, brigando
comigo porque Casey tinha ligado para ele e brigado com ele. A coisa toda virou uma bola
de neve e levou uns três dias para convencer meu pai de que não era tão ruim quanto
parecia.
Houve ao menos vinte feridos e uma morte, até então, não identificada. As famílias
ficaram desoladas, porque o bar naquela noite estava sendo frequentado por jovens
universitários, que se reuniram com o intuito de se despedir de uma grande amiga. Jev vai
responder por tráfico de drogas, tentativa de homicídio – por causa de Darnell – e
homicídio qualificado. Abe disse que provavelmente pegará prisão perpétua, com provas e
uma confissão dele. Não sei como Fuller ou a mãe reagiu à notícia. Meu pai também não fala
com o Sr. Adams há muito tempo – desde que quitou sua dívida – e ao que tudo indica, é
que esse assunto está encerrado.
Aidan ainda não se desculpou com Gravity por ter acusado Danny e, pelo modo com o
vejo agindo, não tem a intenção de se desculpar. É quando percebo que Aidan nunca vai vê-
las como parte da família ou sequer aceitar que eles serão. Com o que aconteceu, Darnell
adiou o casamento. Ainda não colocou uma data, mas não acho que passará deste ano e
Aidan terá que aceitar, de qualquer forma. Ele e Lilah também têm problemas. Não sei ao
certo se está ligado ao fato de quem ela é filha – mesmo que o contato com Thomas seja
ínfimo – ou que Aidan “assumiu” o ressentimento por Mackenzie. Não sei, mas eles não se
dão bem. Porém, nesse quesito, Delilah é diferente. Ela não responde as provocações de
Aidan e não se sente ameaçada por ele. Ela não está ligada a ele por nada; nem por família
ou rancor. Delilah é indiferente a respeito de Aidan. Não é como se ela se importasse com a
existência dele. Acho que isso, de alguma forma, o incomoda. Mas é uma história do meu
ponto de vista, não do deles.
Estamos bebendo cerveja e comendo nachos quando a campainha toca. Delilah retira os
olhos da página do livro que está lendo e os leva para mim com um semblante ameaçador.
Isso quer dizer que tenho que levantar a minha bunda do sofá e atender a porta.
Solto o ar pela boca e deixo a garrafa de cerveja na mesa de centro. Vou até a porta e a
abro. O corpo arreigado de Effy entra no meu campo de visão, segura uma sacola de pano
em uma das mãos e uma garrafa de vinho na outra. Gravity está pendurada no pescoço dela,
sorrindo.
— Minha festa foi arruinada por sua causa, mais do que justo eu fazê-la hoje aqui na sua
casa. Poucos convidados, mas os importantes. — Pisca para mim antes de me empurrar
para o lado e entrar. Effy sorri torto, em um pedido silencioso de desculpas. Dou uma
olhada no corredor.
— Ela não veio — Effy adianta e vai em direção à cozinha.
Gravity já se sentou no sofá entre Finn e Chase, pegou uma cerveja do balde de gelo e
está bebendo e conversando com eles. Lilah, por fim, cede e deixa o livro de lado para se
envolver na conversa. Effy tira um pote de sorvete de flocos da bolsa, mais uma garrafa de
vinho e um saco de batatas Chips. Coloca o sorvete no freezer, deixa o vinho e as batatas no
balcão. Dobra a sacola e se senta em uma das banquetas.
— Ela não quis.
— Será que ela nunca vai me perdoar?
— Se eu não consigo, quem dirá ela.
Entorto os lábios, decepcionado.
— Eu sinto muito, Effy. Não era só de você que eu estava escondendo as coisas.
— Sei disso, Bryan. E eu te entendo… é só que… você se afastou. E você é tipo, meu
melhor amigo. É claro que eu amo a Mackenzie e a Gravity. São as minhas pessoas. Mas eu
te conheço desde o colégio. Não tem ninguém que me conheça melhor do que você.
— Desculpa. Porra, eu sinto muito mesmo! — Entremeio os dedos nos fios de cabelo,
bagunçando-os.
— Vou pensar nisso.
Ela ri, mas consigo ver o lampejo em seu olhar que diz que já me desculpou, mas não
quer facilitar as coisas para mim.
— Vem, Gravity deu o veredito de que essa é a festa de despedida dela. Não vamos
decepcioná-la.
Voltamos para a sala onde nos acomodamos no chão, já que o sofá está cheio demais.
Rimos, conversamos e bebemos. Tudo deveria estar normal, mas não está. Mackenzie ainda
está com raiva e eu continuo achando que falta uma parte de mim.

01 de julho de 2020, às 19h59.



Decido que vou entrar na faculdade.
Minha mãe estaria orgulhosa por uma decisão assim. Não que ela desprezasse a ideia de
ter um filho que não pretendia estudar, mas a The Reckless é e sempre foi um plano incerto.
Consigo ver com mais clareza agora. A realidade é dura, vem como um soco no estômago,
pronta para desestabilizar as primeiras decisões que você toma no início da vida adulta.
Fui atrás da melhor pessoa para me ajudar nessa: Math. Meu pai está ocupado com
Daily, o casamento, a gravidez. Não quero perturbá-lo com isso, embora tenha contado esta
manhã que pretendia me inscrever no curso de administração – o mesmo que Aidan faz – e
começar logo no próximo semestre. Precisei ir atrás de orientação, meu antigo diretor da
Saint Ville Prep, e preencher uma ficha. Tive uma reunião esta tarde com o reitor da
universidade e estou confiante de que minha carta de aceitação chegará em breve.
É dia primeiro de julho, Gravity deve viajar no fim de semana para Paris já que seu
curso começa na semana que vem. Está tudo pronto para Willa ir também e, basicamente,
Aidan terá a mansão toda para ele – já que o pai e Dannya estão ocupados, trabalhando.
Agora sua noiva também compartilha uma mesa em seu escritório, ajudando-o com a
administração. O que deixa Aidan bem puto, mas sem ter muito o que fazer a respeito.
Pairo com uma caneta sobre um livro de administração, que Aidan me emprestou para
ler, ao escutar um barulho abafado atrás da porta. Eu me levanto, incomodado. Delilah não
costuma ser barulhenta ou mudar os móveis de lugar às oito da noite, então algo deve ter
acontecido.
Escancaro a porta e a assisto de braços cruzados atravessar o corredor com uma caixa
de papelão. Minha sobrancelha arqueia ao ler o que está escrito nela.

“Mudança.”

Que diabo ela está fazendo?
— Delilah.
Ela não responde.
— Delilah! — esbravejo num tom mais alto, o que a faz se virar para mim, com a caixa
nos braços.
Solto um bufo irritado, aproximo-me e tiro a caixa de suas mãos. Coloco-a entre nós,
separando nossos pés.
— Que merda está fazendo?
— Uh — murmura olhando para mim como se estivesse prestes a entrar numa briga.
Conheço esse olhar felino. — Tá. Não surta, por favor.
— O que você quer dizer com “não surta”? Que está fazendo com essas caixas? — Ergo a
cabeça, esticando o pescoço para enxergar por cima de seu ombro e consigo notar mais
caixas como a que coloquei no chão.
Ela espalma as mãos em meu peito, pondo-me para fora do quarto e fecha a porta para
bloquear minha visão.
— Vou morar com a Mackenzie e a Effy por um tempo.
— Do que você tá falando? Por quê?
Lilah suspira, fisgando o lábio inferior. Ela leva as mãos para o traseiro, guardando-as
nos bolsos da calça jeans.
— Tudo que eu mais quero agora é poder me aproximar delas. Como antes. Bryan, você
sabe. Sabe como senti falta delas, eu te contei o quanto as queria de volta na minha vida.
Mackenzie nunca vai me aceitar completamente enquanto eu morar com você. Gravity
tinha toda razão. Nunca deveria nem ter vindo.
— Você é quase uma irmã pra mim!
— Eu sei. Você também sabe, mas pra Mackenzie ainda sou sua ex-namorada. Então não
complica isso pra mim, quando nem mesmo você está se esforçando para acertar as coisas
com ela. Sei o que preciso fazer pra reconquistar a confiança dela e a primeira coisa é
saindo daqui. É só por um tempo. Gravity volta em setembro e até lá, com certeza, já terá
surgido uma vaga nos alojamentos da faculdade. — Delilah traz as mãos para a frente de
novo, gesticulando para me manter calmo. Meu peito sobe e desce em exaspero.
— E se não tiver surgido?
— Então eu vou me virar.
— É idiotice.
— Idiotice foi a gente ter pensado que daria certo, mas não dá. No lugar dela, eu
também me sentiria mal sabendo que alguém que meu namorado já gostou está vivendo
com ele sob o mesmo teto. Já conversei com elas e está tudo certo. Vou ficar no quarto da
Gravity até setembro, tá?
— E você contou o real motivo de estar indo pra lá? Que é por causa dela?
— Não. Ela não precisa saber. E você devia começar a pensar no que vai fazer pra ir
atrás dela. Estou de saco cheio de te ver suspirando pelos cantos, jogado no sofá da sala
bebendo cerveja e comendo batata Chips até as duas da manhã. Desde quando você é um
bunda mole?
— Estou dando um tempo pra ela.
— Um tempo? Você vai perdê-la isso sim. — Lilah abre a porta, cansada de discutir
comigo.
Sendo honesto, ela não está completamente errada. Desde o incêndio naquela noite fico
trancafiado nesse apartamento. Saio para ensaiar com a banda e para os shows, mas fora
essas saídas esporádicas, continuo maratonando séries que não gosto, escutando músicas
que me lembram dela num martírio eterno e repulsivo. Minha situação atual é de dar pena,
considerando como reagia a términos quase um ano atrás, as coisas para mim estão bem
complicadas.
Mas não quero ser rejeitado. Sinto-me de volta naquela época, na adolescência, que não
queria me aproximar, não queria confessar o que sentia porque tinha uma chance de ela me
rejeitar e, merda, não quero que aconteça. Não quero ter que me dar por vencido e
convencer meu coração de que acabou.
— Não tem tempo certo, Bryan. É agora ou nunca. No seu lugar, preferiria que fosse
agora.
— Se ela me rejeitar…
— Se ela te rejeitar, você sabe que mereceu — suspira, os ombros despencam com pena
de mim. Que droga, Delilah está com pena da minha situação! Porra! — Olha, eu sei que
tenho minha parcela de culpa. Nunca deveria ter pedido que mentisse por mim, que
escondesse dela que nossas famílias estão a um passo de se tornar uma só. Mas sua falta de
confiança nela, para lidar com situações como essa, foi o que levou vocês dois por esse
caminho. Você tem uma chance de voltar atrás e recuperar o relacionamento que tinham,
mas, Bryan, não conte comigo para sustentar a desconfiança dela. Eu te amo, você é como
um irmão para mim, mas eu quero o que tinha com elas de volta. E morar aqui só me afasta
mais disso!
— Não sei o que fazer.
— Oh, é muito simples! — Delilah me segura nos ombros, ajeitando meu corpo para
ficar de frente para ela e solta uma risada. — Olha no fundo dos olhos dela e diz: “eu sou um
babaca, me desculpa e prometo que vou fazer tudo certo dessa vez”. Ou você pode escrever
uma música pra ela. — Dá de ombros, simplificando tudo. — Mas, apesar de tudo, acho que
Mackenzie só está esperando que você demonstre que se importa com o que ela sente e
com o que ela pensa, quer dizer, você ao menos mandou uma mensagem perguntando
como ela estava depois do que aconteceu no Anarchy?
Pressiono os olhos com força me sentindo um idiota com a resposta.
— Jesus Cristo! Ela tem toda razão. Você é um idiota!

“Apenas coloque seu coração em minhas mãos
Eu prometo que ele não quebrará
Eu nunca esquecerei deste momento
Ele ficará novo
Porque eu te amarei
De novo e de novo”
OVER AND OVER AGAIN – NATHAN SYKES FT. ARIANA GRANDE

— Por favor, não chora — Gravity pede, comprimindo os lábios para impedir que ela
acabe desabando.
Dou risada.
— Como você tem coragem de me pedir uma coisa dessas? — implico, emburrada.
Estamos paradas no meio do aeroporto. Para as inúmeras pessoas que passam por nós,
essa despedida é insignificante. Mas, para Gravity, Effy e eu, é como se um elo estivesse
sendo partido. E de fato, ela está indo embora, não para sempre, mas por tempo demais
para o meu coração aceitar.
— Não acredito que vamos ficar dois meses sem te ver — Effy sopra, acomodando-se no
abraço que tentamos dar a três.
Darnell e Dannya estão distantes, assistindo tudo enquanto esperam por nós.
— Desde que nos conhecemos, não sei qual foi a última vez que não te vi dentro de vinte
e quatro horas!
— Pelo amor de Deus, Effy, eu vou te ligar o tempo todo!
Gravity é essa muralha de compenetração. Inabalável. Eu vejo uma mulher forte,
determinada, segura de si, agarrando-se a uma oportunidade única com unhas e dentes.
Partindo em direção ao sucesso, sendo abraçada por ele. E não podia estar mais feliz por
ela, é verdade. Mas Effy tem razão. Essa garota que nos prende nos braços, que soluça baixo
para não ser descoberta na mentira de que não choraria, contorcendo-se na dúvida de ir de
uma vez por todas e parar com a tortura, sempre esteve ao meu lado. Do dia que a conheci
na mansão Lynch, no dia em que apareceu com os cabelos desalinhados e pijamas no meu
quarto, porque sabia que eu estava chateada e agora, enquanto nos despedimos.
— Preciso ir — sussurra, relutante, mas se afasta. — Se comportem. Não façam
nenhuma merda quando eu estiver fora e, por favor, não deixem Lilah pendurar nenhum
quadro idiota no meu quarto.
— Pode deixar — garanto a ela.
Gravity impede um suspiro, engolindo-o à força.
— Seu quarto estará intacto quando voltar.
— Acho que teremos que arranjar um apartamento maior quando voltar. — As
sobrancelhas escuras e grossas de Vity pendem. — Seria uma sacanagem deixá-la sem ter
onde morar depois que eu voltar, não é?
— Cadê toda aquela pose de durona? — Cruzo os braços, provocando-a.
— Não enche, Mack! — ri, dando-me mais um abraço. — Vejo vocês em sessenta e seis
dias!
Gravity se afasta de novo e caminha para a irmã. Elas conversam por um tempo e se
despedem. Pega sua mala e passa por nós, sorrindo. Willa já está no portão de embarque e
Vity ruma para ela, sem olhar para trás. Talvez ela não resista e acabe se virando para se
despedir de novo; e, apesar de esperarmos por isso, por ser comum nos filmes, não
acontece. Gravity entrega sua passagem com Willa e é isto. Ela se foi.
Sábado. Falei com Gravity de manhã. Ela e Willa parecem se divertir na bela cidade de
Paris. Estou feliz por ela, mas já sinto falta de vê-la resmungando às sete da manhã, aos
sábados, por acordá-la para o café com os meninos da banda. Hoje, entretanto, além de não
termos o café, também não tivemos sua presença contagiante. É estranho porque está bem
perto de fazer um ano que moramos juntas. Estou acostumada à sua companhia no café da
manhã, almoço e até no jantar, quando estamos cansadas demais para cozinhar e pedimos
bobagens do fast-food.
Porém, estou na casa dos meus pais hoje. É estranho também pensar neles desse jeito, já
que não são mais um casal há bastante tempo. Minha mãe não parece realmente chateada
com meu pai e Sophia, sua nova namorada. E Nate também não se importa com ela. Acho
que ele tem seus próprios dramas amorosos para lidar e o fato de nosso pai ter começado
um relacionamento, não parece afetá-lo.
Minha mãe resolveu fazer um almoço, reunir meu pai e a namorada. Convidou-me e me
fez cancelar todos os compromissos que tinha de manhã para ajudá-la na cozinha. Uma
mesa grande fora montada no jardim e convidou nossos vizinhos. As irmãs Barnes, vovô
Jasper – rabugento e impaciente como sempre – e até Dannya e Darnell resolveram
aparecer. Nathaniel chamou Ash, Finn, Aidan, Bryan e Chase, mas eles têm ensaio às dez e
não tenho certeza se vão aparecer. Enfim, estou cozinhando desde as oito da manhã e não
sei se minha mãe está preocupada em parecer uma boa cozinheira para Sophia. De
qualquer forma, não acho que aquela mulher esteja interessada em competição feminina.
Experimento o purê de batatas e o sabor está bom. Levo-o para fora e deixo a travessa
no centro da mesa, coberta por uma toalha xadrez vermelha. Volto para dentro e vejo Nate
deitado no sofá, com um livro no rosto.
— Ei, levanta daí. Me ajuda a levar o resto das coisas para fora! — ordeno,
desamarrando o avental antigo do papai da cintura. — Nate!
— Que é?
— Me ajuda aqui! — exijo, colocando a travessa de arroz e aspargo na mesa redonda da
cozinha.
Nate fecha o livro suspirando em visível desaprovação. Dou risada e pego o milho
cozido no balcão da pia.
Levamos tudo para fora enquanto mamãe tenta finalizar a decoração em sua gelatina
cremosa de morango. Aproximo-me, cobrindo a superfície com rodelas de morango.
Fazemos vários desenhos de rosas com os morangos picados.
— Obrigada, querida.
— Por nada. — Pego a travessa e a levo para a geladeira. — Então, você vai me contar
por que um almoço de última hora?
— Ano passado foi um ano difícil e esse ainda mais. — Ela suspira, ancorando o corpo
na pia. Apoia as mãos atrás do quadril e me olha. — Fui tão protetora com você, devia ter
confiado mais que podia ter cuidado de si mesma desde o princípio.
— Mãe — choramingo, erguendo os braços para abraçá-la. Ela me abraça de volta,
inclinando a cabeça na curva do meu ombro. — Para com isso.
— Sinto muito por ter sido tão rigorosa. — Aperta-me entre os braços, o ar foge de
meus pulmões. Aperto os lábios para segurar uma reclamação.
— Você sempre foi incrível, mãe.
— Sobre o Bryan…
Enrijeço. Não falo e nem penso nele há semanas. Desde aquele incêndio, bloqueei-o de
uma vez por todas da minha cabeça. Sempre que sou sugada para ele ou nossos momentos
juntos, dou um jeito de chutar essas divagações para longe. Eu sei que as pessoas dizem que
devemos guardar as boas lembranças e nós dois temos muitas, já que nossas vidas se
uniram antes mesmo de eu entender o que era estar apaixonada por alguém, mas até
mesmo elas me deixam triste. Chateada.
Nós terminamos, porque nunca soubemos lidar com os sentimentos um do outro. Nunca
sabíamos conversar sobre os nossos problemas ou o que nos assustava. Tudo porque
estamos sempre tentando nos proteger da dor, quando, na verdade, não é uma coisa ruim.
Às vezes, é exatamente do que você precisa para amadurecer. Olhar para trás e capaz de
saber que você errou, doeu, mas tirou uma lição daquilo.
Eu espero que algum dia Bryan e eu possamos voltar a nos falar sem nenhum
constrangimento.
— Acho que nunca entendi o sentimento que vocês dois têm um pelo o outro, mas me
esqueci de como seu pai e eu éramos. — Eu me afasto e acomodo a lombar no balcão ao seu
lado. — Seu pai e eu também temos algo intenso. Não é como se pudéssemos decidir o que
fazer com essa coisa dentro de nós. — Pressiona a mão contra o peito. — Mas é estranho.
Não dá para entender ou definir o que é certo ou errado no amor. Por exemplo, ainda amo
seu pai e com certeza faria qualquer coisa para protegê-lo, mas é como se não estivéssemos
mais na mesma sintonia.
— Você se sente mal por ele ter começado a sair com a Sophia?
— Sinto, quer dizer, nós ficamos juntos por anos. Desde o colégio. Tivemos uma família.
Não vou ser hipócrita e dizer que vê-lo com outra mulher não me machuca, mas a vida
precisa continuar, não é? Nós dois decidimos seguir em frente. Como duas pessoas adultas,
maduras e honestas com os próprios sentimentos, decidimos que era hora de dar novas
oportunidades à vida.
Mordo o lado interno da bochecha, incomodada com o que ela diz. Minha mãe está certa,
acho.
Você nunca está pronto para dizer adeus ao amor da sua vida, mesmo que já tenha
chegado a hora.
— Você e Bryan são diferentes.
— Como assim?
— Vocês ainda estão na mesma sintonia.
— Mãe.
— Olha, ainda fico com raiva dele, às vezes. Mas eu estou pronta para deixar seu pai ir.
Você está pronta para deixá-lo ir? Não que a história de vocês será igual a nossa no futuro,
mas ainda te sinto relutante em seguir em frente. É como se você esperasse a cada segundo
o telefone tocar ou a porta da frente abrir e ele aparecer para dizer que quer recomeçar.
Afinal, o que você está esperando?
— Por ele — sussurro, segurando a respiração ao admitir. — Estou esperando por ele.
Por um primeiro passo — conto com o choro travado na garganta. — Pensei que depois do
que aconteceu no Anarchy nós ficaríamos bem, não sei, ele tentaria se explicar. Mas nada
aconteceu. Ele continua distante e sinto que, quanto mais o tempo passa, mais distante
estou dele. Bryan sempre foi — travo e pisco para afastar as lágrimas — desse jeito.
Introspectivo. Distante. Vivendo dentro da própria bolha. Eu achei que estivesse
entendendo os sentimentos dele. — Aperto os olhos, as pestanas ficando em uma fresta.
— Se você o ama, é o suficiente, querida. — Ela afaga minha cabeça, deslizando os dedos
entre os fios longos de cabelo. — Só espere essa ferida cicatrizar.
Assinto para ela e sorrio, sentindo o choro dissipar junto com a conversa pesada. Acho
que é a primeira e mais honesta conversa que tive com minha mãe em anos. Gosto do
sentimento de paz e compreensão que me cobre em seguida. Saber do relacionamento dos
meus pais, do ponto de vista da minha mãe, faz toda a diferença para mim. Eu cresci,
amadureci e passei parte da adolescência escutando meu pai dizer o quanto era apaixonado
por ela. Escutei frases dele das quais nunca esquecerei e que, inclusive, as repeti para Bryan
várias vezes e isso fazia com que ele achasse que eu era tão madura para a minha idade,
quando a mente genial por trás de tudo era o meu pai.
Então a campainha toca e vejo Nate atravessar a cozinha para ir atender. Todos os
nossos convidados já chegaram. Lilah e Effy estão em algum lugar na área de lazer,
conversando com vovô Jasper. Meu irmão abre a porta e escuto as vozes melódicas
romperem o silêncio entre mim e minha mãe.
— Estou morto de fome! — Ashton reclama. — O cheiro tá bom. Foi a Mackenzie que
cozinhou? Porque eu duvido.
— Cale a boca, Ashton! — grunho de onde estou e os vejo.
Ashton. Finn. Aidan. Chase.
Bryan.
A última vez que vi seus olhos azuis fora na mansão dos Lynch, após o incêndio, do qual
ele nem perguntou como eu estava.
— Não sabia que estava por aqui. — Ash pisca para mim, rindo.
— Hum... quer dizer que você fala de mim pelas costas? — provoco.
— Claro que não, Mack. Você é tipo da família.
Rapidamente ele se afasta, os meninos nos cumprimentam e somem para a saída.
Exceto Bryan, que permanece parado no lugar. Nate, minha mãe e eu ficamos
desconfortáveis. Não é a presença dele, de fato, mas tudo o que aconteceu entre nós e como
isso acabou afetando sua amizade com Nate, consequentemente seu relacionamento com
minha mãe.
— Nate, você me ajuda com os copos? — minha mãe quebra o gelo, gesticulando para o
armário.
Relutante, Nate concorda com um movimento curto de cabeça. Mantenho o corpo ereto,
os braços cruzados na altura dos seios, apertando-os com força para disfarçar o tremor.
Bryan coloca as mãos nos bolsos da bermuda cáqui bege e se encosta à bancada da cozinha.
Abaixa os olhos para não ter que olhar diretamente para mim e noto que sua camiseta
branca simples está amarrotada, como se a tivesse vestido às pressas. Os cabelos,
entretanto, estão penteados e bem alinhados para o lado. Um topete alto cresce em sua
testa e umedece os lábios vermelhos.
Esse silêncio é estranho. Nós não nos vimos mais, talvez por esse motivo não tivemos a
chance de conversar, mas ele poderia ter ligado, não é?
— Que bom que você veio — digo, fazendo-o olhar para mim.
— Não tinha certeza se viria. — Ele cruza um calcanhar sobre o outro, suspirando. —
Não queria deixar você desconfortável ou coisa do tipo.
— Não é você que me deixa confortável, Bryan. — Franzo o cenho. — Estou acostumada
à sua companhia desde os quatorze.
Ele ri e eu também.
— Não que você tenha facilitado as coisas para mim no começo, é claro. Mas sua
companhia não é repugnante ou desprezível.
— Desculpa, isso é meio esquisito. — Coça a nuca, rindo. — A gente não se fala há
semanas e eu sei que devia ter feito alguma coisa a respeito. A culpa não é sua.
Não digo nada. Quero que ele fale, que despeje tudo que vem guardando de mim nos
últimos meses. Preciso ouvi-lo como preciso de ar para sobreviver.
— O que eu mais quero agora é te abraçar, te beijar, te tocar, dizer que eu sinto muito
por tudo e que não te procurei antes por não saber como falar com você ou me explicar. —
Bryan tomba a cabeça para trás, a frustração se evidenciando a cada segundo. Ele só precisa
me contar onde foi que tudo começou a dar errado. Só isso. — Mas você deve estar
querendo algumas respostas — ri, sem graça.
— Isso é óbvio.
Ele suspira pesado e relaxo os ombros porque sinto que estou a um passo de entrar
num campo minado.
— Seria idiota eu dizer que te amo e que todas as minhas escolhas nos últimos sete
meses foi pensando em você e só em você? Porque foi. E sei lá, dê o nome que quiser pra
isso. Altruísmo. Empatia. Amor. Não sei. Só não queria que Jev te tocasse de novo. Aquele
filho da puta era problema meu, não seu. Na verdade, tudo que se refere ao meu passado, é
coisa minha e você não tem que ser sugada pra isso.
Trinco a mandíbula e meus dentes doem com o atrito.
— Você não tem que ser punida pelo meu temperamento e pelo meu jeito de lidar com
as coisas. Eu sei que você quer ser introduzida na minha vida, quer estar comigo e me
apoiar, mas, Mackenzie, honestamente, eu não fazia ideia de como te deixar participar
dessa parte da minha vida sem que você fosse afetada por isso. Posso te pedir perdão e
dizer que vou mudar, a minha intenção é ser alguém melhor. Por você. Pela banda. Por
mim. Quero fazer mais escolhas certas que erradas, quero te contar que Lilah é como uma
irmã mais nova pra mim e que nunca senti nada por ela que pudesse ser comparado ao que
sinto por você.
Aperto os lábios para segurar o sorriso.
— Quero tentar ser uma pessoa melhor, que faz escolhas estúpidas, mas que tem para
quem contar. Eu quero ser alguém assim, mas… — Ele trava, a língua contornando os
lábios. — Quero tentar ser alguém assim com você do meu lado. Porra! — ri entristecido,
jogando os ombros para cima. — É você quem me faz querer lutar pelas coisas. Qual
sentido tem se você, minha musa da inspiração, não estiver comigo?
Ele se afasta da bancada, volta as mãos para os bolsos da bermuda, mas sob o tecido
posso vê-lo contorcer os dedos em protesto. Só quer manter as mãos longe de alcance para
não acabar cedendo a tentação e me tocar. Mais uma vez, sufoco um sorriso. Não quero
deixá-lo sem graça.
Trinta centímetros é o que separa nossos corpos. Eu podia pará-lo. Estou convencida.
Na verdade, acho que a saudade que senti dele me fez esquecer tudo no instante em que
seus olhos pararam em mim. Ele tentou me proteger e eu tenho feito a mesma coisa por ele
por muito tempo. Pergunto-me se Bryan sacrificaria seu amor por mim para me salvar de
Jev. Se ele teria coragem de abrir mão do que nós temos para eu não ter que colidir com o
seu passado toda vez.
— Só me promete uma coisa.
— Qualquer coisa.
— Você nunca mais tentará me proteger escondendo coisas de mim. — Levanto o dedo
em riste para seu rosto e ele ri. — É sério. Tudo. Qualquer coisa. Quero que nós possamos
resolver juntos, não importa o assunto. Se tem a ver com o passado ou com o agora, você
precisa me contar!
Bryan tira as mãos do bolso e seus dedos se fecham em torno do meu indicador,
abaixando minha mão. Ele está rindo, as covinhas à mostra e os olhos apertados.
— Linda, eu te prometeria a lua agora mesmo se você me colocasse essa condição.
— Até parece! — murmuro, emburrada.
Bryan se aproxima, seu peito contra o meu. Sinto seu coração batendo e seus ombros
relaxam. Ele me abraça, cercando minha cintura com seus braços. Inspira profundamente
embaixo da minha orelha e beija minha mandíbula. Fecho os olhos, envolvendo sua cintura
e mergulhando a cabeça em seu peito.
Puta merda, eu senti tanta falta dele!
Imponho mais força no abraço e entrelaço minhas mãos criando uma corrente em volta
dele. Bryan está sorrindo no topo de minha cabeça, distribuindo beijos carinhosos. Afasto a
bochecha de seu peito e pendo a cabeça para trás, dando acesso livre para seus lábios me
tocarem. Ele percebe o que estou pedindo, mesmo sem dizer nada. Sua boca desce, colando
na minha. A língua ágil e aveludada, transigente, esbarra na minha com possessividade.
Suas mãos sobem, agarrando meu rosto. Correspondo ao beijo com a sede absoluta que
venho sentindo. Vira a cabeça, espiando pela janela as pessoas passeando pelo gramado
verde. Sua mão escorrega para a parte de trás das minhas coxas e me ergue, colocando-me
sentada na bancada da pia.
Ajusta o corpo esguio entre minhas pernas, as mãos apoiadas de cada lado, deixando um
espaço curto entre nossas bocas.
— Quero te entregar uma coisa — diz, sério e coloca uma mão no bolso da bermuda.
Quando sobe a mão para me mostrar, é um colar, mas o pingente me chama a atenção. A
aliança prateada que notei em seu dedo na noite em que retornou de Dashdown brilha
entre seus dedos, enquanto brinca com o aro fino. Está riscada pelo tempo, não tem
nenhuma pedra ou qualquer detalhe feminino. Olho para ele, confusa.
— Foi a única coisa da minha mãe que levei para Dashdown comigo. Era do meu avô —
explica. — E quando ele faleceu, foi a única coisa que ela guardou. Quero que fique com ela.
Eu me lembro da conversa que tivemos sobre o anel no drive-in. Não pareceu nada
importante antes.
— Não posso, Bryan, é como uma relíquia de família.
— Deixa de ser boba — ele ri, abre o colar e coloca com pressa em volta do meu
pescoço. A aliança pende entre meus seios, por cima da blusa. — Não é como se você não
fosse parte da família — murmura, brincando com a aliança entre os dedos.
— Obrigada. — Fecho os dedos em volta de sua mão, apertando a aliança entre nossos
dedos. — Você não sabe mesmo fazer um pedido de namoro, né? — rio, negando com a
cabeça.
— Você quer algo como: quer namorar comigo?
— Assim está bom.
— Então tá. — Ele me abraça pela cintura e beija minha mandíbula. — Mackenzie, você
quer namorar comigo?
— Tradicional, mas forçado.
— Hum... — murmura, pensativo. — Mackenzie, você topa ser a minha sintonia perfeita?
Jogo a cabeça para trás, rindo.
— Bem melhor.
Eu o abraço de novo, beijando seu pescoço.
— Sem provocações, caso contrário, serei obrigado a te sequestrar no meio do almoço
da sua mãe, baby.
— Tenho uma coisa pra você também.
Eu o afasto para abrir espaço e salto da bancada, indo em direção às escadas.
— O que é?
— Espera! — grito, mas escuto seus passos pesados rangerem o chão de madeira.
Bryan me segue até meu quarto antigo e nos deparamos com a mesma decoração de
anos atrás. Nunca me desfiz das colagens nas paredes ou do desenho que Sebastian fez de
mim. Ele fecha a porta e vou até o closet entreaberto. Guardei seu caderno em uma caixa de
sapatos antiga, junto com outras lembranças. Fotos de quando éramos mais novos, algumas
minhas com Seb e Lilah, outras de Seb, Lilah e Effy. É como uma caixinha de memórias.
Pego o caderno com capa surrada, a textura ondulada, lombada gasta e folhas amarelas.
Levanto-o, mostrando para Bryan, que curva as sobrancelhas em uma nítida reação de
curiosidade. Vou para a cama e me sento nela, com as pernas cruzadas sob o peso do corpo.
Bryan se senta ao chão e me lembro de quando isso aconteceu pela primeira vez. Não me
lembro de um dia tão triste como aquele. Era o enterro de Sebastian e estava convencida de
que tudo que precisava era me isolar do mundo.
Estendo o caderno para ele.
— Não li. — Sacudo o caderno, incentivando-o a pegá-lo. — Me parecia muito pessoal.
— Tudo que tem nele é sobre você — reforça o que já sei.
— Você disse, mas não senti que devia ler as coisas que escreveu sobre mim sem você,
quer dizer, são seus pensamentos. Suas músicas. Elas podem ser sobre mim, mas são os
seus pensamentos. Nas duas vezes que fiquei tentada a lê-lo, nós não estávamos juntos,
então não tinha certeza se deveria. É invadir demais a sua privacidade e não queria. A não
ser que você quisesse me mostrar.
— Eu quero. — Ele bate com o caderno na palma da mão.
— Estou pronta para ouvir o que o Bryan de três anos atrás escreveu sobre mim.
Bryan ri, desajeitado. Folheia o caderno, inspirando o ar com força para dentro dos
pulmões.
Ele abre em uma página qualquer e começa:
— Meu coração está onde deveria estar, com você, baby. Com você. Agora até a
eternidade, quando a escuridão vier para saudar a sua ausência, ele estará onde deveria
estar, com você, baby. Com você. Eu espero que possa sentir a minha presença, com você,
baby. Com você. Quando você chorar à noite, mesmo que odeie isso. — Sobe os olhos para
mim, e nós dois sorrimos, porque é só mais uma lembrança de como Bryan vigiava a porta
do banheiro do colégio para que eu pudesse chorar. — Quero que sinta que estou com você,
baby. Lembre-se de mim, lembre-se de que estou com você, baby, e você está comigo.
Bryan termina. Os olhos movem na folha, saltando de uma palavra à outra.
— É uma música.
— É linda. Não parece ter raiva.
— Não tem. Só tem…
— Saudades de mim — completo por ele.
— Estou sempre sentindo a sua falta — confessa com um sorriso colorindo seu rosto. —
É um saco, sabia?
— Não, não sabia.
— Agora você sabe.
— Bryan.
— Hum? — Ele está com a cabeça abaixada, ainda concentrado na letra. Eu sabia que
era pessoal, que se sentiria deslocado e constrangido. Por esse motivo não quis ler.
Aprendi muito com todos os meus erros. Você deve sempre respeitar a privacidade e o
espaço pessoal do outro, mesmo que queira muito sentir que faz parte de algo importante.
Esse caderno é sobre mim e é importante para ele.
— Eu amo você.
— Eu amo você também.
Ele deixa o caderno no chão, retira os sapatos e sobe na cama. Eu me aninho nele,
mesmo sabendo que tem uma quantidade absurda de pessoas na minha área de lazer nesse
momento, não quero sair daqui. Não quero me afastar.
Fecho os olhos e inspiro seu cheiro almiscarado. Bryan envolve meu pescoço,
abraçando-me por trás e me puxa contra seu corpo.
— Obrigado, baby.
— Pelo quê?
— Por ser o começo, meio e fim da minha história.
— Você não sabe se sou mesmo o fim da sua história.
— Se depender de mim, você será a primeira e a última mulher pra quem vou escrever
músicas.
Eu me remexo sob seu abraço.
— Se você está dizendo.
— Mackenzie, você é a única que poderia completar a minha sintonia, então só concorda
e fim de papo.
Movo-me até ficar de frente para ele. Passo um braço sobre seu quadril, afundo os
dedos em sua carne e resvalo meu nariz no seu.
— Tinha me esquecido de como você é um tesão quando está bravo.
— Como assim, você se esqueceu?
— Ah, você sabe, faz tempo que…
Bryan me interrompe ao me beijar.
É intenso, assim como todos os outros. Não quero parar. Não quero afastá-lo, mesmo
sabendo que deveríamos descer agora antes que alguém nos procure.
Enquanto o beijo, um filme é reprisado em minha mente.
Todos os momentos que passamos juntos desde que nos tornamos amigos até agora,
inundam-me como intrusos e sou sugada para essas lembranças. Apesar dos momentos
ruins, não os vejo mais assim. Na verdade, abraço a nossa história única, que me fez sentir
coisas que nunca achei que fosse capaz. Eu me deixo ser carregada por elas, sustentada por
um sentimento de que a sintonia que nos move é mesmo perfeita.
E eu o amo.
Agora e para sempre.

“Você é boa demais para ser verdade
Não consigo tirar meus olhos de você
Eu preciso de você, amor
E se está tudo bem
Eu preciso de você, amor
Para aquecer minhas noites solitárias
Eu te amo, baby
Confie em mim quando digo”
CAN’T TAKE MY EYES OFF YOU – VERSÃO DE JOSEPH VINCENT

10 de julho de 2020, às 20h42.

Acho que nenhuma palavra que já escrevi seria capaz de descrever o que sinto agora.
Não é como antes, talvez nunca tivesse sido. Mackenzie e eu estivemos em altos e baixos,
em lugares diferentes. Fomos separados pela vida, destino. Cheguei a pensar, por uma
fração de segundo, que não deveríamos ficar juntos. “É complicado demais”, minha mente
dizia. Muitas coisas achei que nunca poderia superar, como a morte da minha mãe. Não a
ter aqui, entretanto, não significa que não posso recomeçar e me permitir ser alguém feliz.
10 de julho. Duas semanas que formalizamos nosso relacionamento. Regredimos,
evoluímos constantemente. Erramos e aprendemos com eles. Escondi coisas, mas voltei
atrás. Eu me esforcei para ser uma versão melhor, não só para Mackenzie, mas para mim,
meu pai, minha irmãzinha, que está para nascer. Não quero ser exemplo de rancor e
vergonha para a pequena Aurora.
É piegas, mas sinto como se minha vida tivesse encontrado uma direção. Vou começar a
faculdade e a banda conseguiu marcar shows em Handson Wood, graças à Chase. Resolver
meu passado fez com que todas as outras coisas ao meu redor se ajeitassem.
Não é nenhuma mágica, só entendi que é preciso enfrentar os problemas
conscientemente. Não importa a quem esteja tentando proteger; mentir ou ser altruísta não
é um bom negócio se duas ou mais pessoas estão diretamente envolvidas nisso e que
precisam fazer parte da resolução tanto quanto eu.
— Ei! — Tiro os olhos do celular. Especificamente do Instagram e os levo para a porta
da sala de descanso do Purple Ride. Mackenzie está de pé, trajando um conjunto de short de
couro preto e cropped rendado branco. Os seios bem acomodados no bojo da blusinha e
apertados no triângulo que faz o decote. Umedeço os lábios com malícia. — Não pense
safadezas uma hora dessas, Bryan. Todo mundo está te esperando — pontua, colocando o
polegar por cima do ombro apontando para a saída.
— Tem certeza de que não temos nem cinco minutinhos? — questiono com uma
sobrancelha levantada, Mack morde o canto do lábio inferior, olha disfarçadamente por
cima do ombro e cruza a entrada, fechando a porta atrás de si.
— Temos uns dez — garante, sentando-se em meu colo.
Bloqueio a tela do celular e o deixo de lado na cama. Levo as mãos para a parte de trás
de suas coxas, ajustando-a melhor em cima da minha virilha. Com os dedos ágeis, levo-os
para o zíper de sua botinha de cano baixo e as retiro. Mackenzie apoia as mãos em meus
ombros, rindo, antes de se curvar para me beijar.
Consigo escutar as batidas da música remixada que o DJ da noite está tocando para
entreter os clientes de Darnell. O som, contudo, é abafado pelo gemido de Mackenzie
quando deslizo a mão para dentro de seu short e mergulho os dedos em sua boceta macia.
Projeta o quadril para cima, abrindo mais as pernas. Não paro de beijá-la e o seu calor
interno cobre minha mão, massageio a região molhada, sinto a ereção lutando dentro da
calça jeans.
Dez minutos é tudo o que temos antes de eu subir no palco e tem sido assim há dois
finais de semana. É como se estivéssemos tentando repor o tempo perdido e atenuando
nossos desejos implacáveis à flor da pele. Meus dedos entram profundamente e voltam,
sinto-a tremer contra meu peito e as laterais da perna esmagarem meu quadril. Rio contra
sua boca, sem querer parar, mas já prevendo Ashton socando a porta daqui a pouco,
interrompendo-nos na melhor parte.
Levo a mão desocupada para seu rosto, deslizo um dedo ansioso pela veia saltada de
seu pescoço e sorrio, sugando seu lábio inferior. Ela rebola em minha mão, provocativa e
seus dedos me tocam por cima da calça, incitando meu pau duro. Tiro as mãos dela e a
seguro no quadril, mudando nossas posições.
— Uma rapidinha — prometo resfolegando. Ela concorda, com um meneio de cabeça
contido.
— Não é como se não tivéssemos feito isso na semana passada e deixado o Ash puto —
ela ri, lembrando-se de que na sexta passada, o show atrasou quase vinte minutos por
causa de uma “rapidinha”.
— Semana passada a culpa foi sua — respondo, desabotoando a calça e Mackenzie faz o
mesmo com o short. — Criei um monstrinho cheio de necessidades. — Reclino o corpo
sobre ela, puxando a camiseta por cima da cabeça. — E eu amo atender cada uma delas —
sussurro, pairando sobre seus lábios entreabertos, notando sua dificuldade para respirar.
Seus braços enlaçam meu pescoço, descendo meu corpo de encontro ao seu.
— Então me fode logo — murmura impaciente. — Antes que seus amigos apareçam e
eu tenha que esperar até o final do show pra ter você de novo.
— Como queira, baby.
Estico a mão para a gaveta do aparador entre os beliches e vasculho atrás de uma
camisinha. Tenho certeza de que deixei uma por ali assim da última vez que estivemos
nessa mesma situação uma semana atrás. Finalmente sinto sob os dedos a embalagem
laminada, quando a música Falling For You, de The 1975, começa no Tour Trip. Mackenzie
aperta os lábios um no outro, escutando a música.
Nos encaramos por alguns segundos, prestando atenção na música e na letra. Essa foi
uma das músicas que Mackenzie colocou no pen drive que me deu quando fiz dezessete.
Naquela época, não soube definir, nem entender o que ela queria dizer quando disse que as
músicas a faziam lembrar de mim, mas honestamente, vendo por outro ângulo, não
estávamos prontos para nada. Não estava à altura para sentir o que sinto agora nem ela se
sentia preparada para lidar. Somos apaixonados um pelo outro há muito tempo. Tivemos
tanto medo do resultado quando nos permitíssemos nos entregar, sem saber que a única
consequência possível seria nosso mais conturbado e maravilhoso amor.
Afasto suas pernas para me encaixar nela, rasgo a embalagem da camisinha e a coloco.
Mergulho nela em seguida, seu corpo arquea para se aprofundar em mim. Meu tronco se
move devagar, deslizando nela suave enquanto as paredes macias de sua boceta me
abocanham. Gemo baixo, sob sua orelha e inspiro o perfume doce emanando dos fios de
cabelo à medida que nossos corpos em atrito sacodem com o beliche. O som asfixiado dos
pés metálicos raspando o piso de linóleo, seus gemidos fracos e baixos irrompem pela boca
aberta.
As pontas de seus dedos correm pelas laterais do meu corpo desnudo, passando pelos
vácuos que as costelas deixam sobre a pele. Ambas as mãos param na popa da minha bunda
e crava os dedos na carne, impulsionando-me a ir mais rápido. O ritmo acelerado ganha
mais rispidez enquanto a ouço gemer e só quero fazê-la gozar. Mais três estocadas
irregulares e profundas fazem com que ela grite, apertando minha bunda com força e
chegamos ao clímax juntos.
Seu corpo abranda sob o meu, as mãos desgarram da carne do meu traseiro e saio dela
para tirar a camisinha. Pego a embalagem e jogo no lixo do outro lado do quarto. Uma
camada fina de suor cobre o corpo de Mackenzie e assisto-a recuperar o fôlego, jogando as
pernas para fora da cama e apanhando o short do chão.
— Que foi? — indaga quando percebe que estou olhando para ela.
— Nada.
— Nada? Você não para de me olhar — ri, ficando de pé para facilitar a entrada do short
no corpo.
— Não consigo tirar meus olhos de você, baby — confesso e me aproximo, seguro as
laterais do colchão para me inclinar e colo meus lábios nela outra vez.
Mackenzie mergulha os dedos em meus fios de cabelo úmidos de suor. Sua língua
separa meus lábios, introduzindo-a com possessividade. O beijo arde, reacendendo a
vontade de ficar com ela a noite toda nessa cama. Beijando-a. Abraçando-a. Porra, eu quero
estar com ela o tempo todo, o que é que vou fazer quando a The Reckless começar a viajar
para Handson Wood durante a semana e eu só puder vê-la na faculdade?
Esse pensamento instala um azedume de desgosto na ponta da minha língua. Espero
que a banda faça sucesso quando ela já tiver terminado a faculdade e eu possa levá-la
comigo para todos os lugares.
Tenho vontade de exibi-la. Não como um troféu, mas sou um namorado extremamente
orgulhoso de ter uma mulher tão incrível ao meu lado. Quero que o mundo saiba que sou
dela.
Nossa rapidinha de hoje foi realmente “rápida”, apesar de topar com os caras e ter
certeza de que estão incomodados, não estou tão atrasado como da última vez. Eles estão
no palco, cada um com seu instrumento e esperando por mim. Abro o show de hoje
cantando Falling For You também. Não estava no repertório, mas estamos acostumados a
tocar músicas de The 1975, então não é nenhum problema improvisar. Mackenzie está bem
na frente, ao lado de Effy e Lilah, cantando e dançando a música comigo.
Sempre gostei da sensação de estar no palco, rodeado de pessoas realmente talentosas
e com uma plateia incrível, que canta e se anima com as músicas que escolhemos. É nesse
momento que você encontra várias pessoas que compartilham um gosto musical bem
parecido com o seu e a energia que começa a emanar dessas pessoas se torna incrível e
contagiante.
Cada rosto que vejo de onde estou, cantando comigo letras de músicas que, apesar de
não serem minhas, são de um gosto mais particular, faz com que me orgulhe do que
fazemos. Sabemos que cada um tem seu estilo e gosto musical, mas quando a The Reckless
entra em cena, é como se todas as pessoas gostassem do que cantamos só porque somos
nós no palco. Não tem uma explicação para esse sentimento. Ele existe, está aqui e eu
adoro.
Termino de cantar Creep e atravesso o palco para pegar uma garrafa d’água. Ensaiamos
uma música em especial na última semana e pedi para eles me deixarem tocar e cantá-la
sozinho. O violão está disposto em um aparador ao lado, vou até lá e passo a correia que no
pescoço. Volto para o centro, parando em frente ao microfone. Chase pega outro violão,
caso eu precise de suporte durante a próxima música. A boca próxima ao microfone para
fazer a segunda voz, mas também só se eu precisar de apoio.
A sequência de gritos, assobios e palmas se acalma quando passo mais de dois minutos
em silêncio, respirando pesado contra o microfone para recuperar o fôlego. Ajeito o ponto
no ouvido e sorrio para Mackenzie, parada a poucos centímetros do palco, um sorriso
ansioso despontando de seus lábios. Ela quer a próxima música. Não importa qual eu
cantarei, ela vai amar. Ela sempre ama. Porque Mack definitivamente ama tudo que se trata
de mim, mesmo quando não mereço.
Acho que faz parte de amar alguém. Você acaba se apaixonando como um todo.
Qualidades, defeitos. Momentos bons e ruins. Tudo faz parte da história que você construiu
com a pessoa que ama.
— Essa é uma música — falo com dificuldade para manter um discurso linear, já que
minha respiração me impede de articular direito —, que até uma semana atrás, não fazia
parte do repertório da The Reckless. — Meus olhos vagueiam pelos clientes do Purple Ride.
Alguns pendurados nas grades dos andares acima, prontos para ouvir o que vou dizer. —
Mas, enquanto escutava algumas músicas e entendia o significado de cada uma delas, achei
uma que, honestamente, nunca pensei que poderia cantar com tanto sentimento e verdade.
Você se apaixona uma ou duas vezes na vida, vezes mais ou vezes menos, o que importa?
Antigamente trazia garotas para esse palco. Cantava músicas para elas. A maioria não falava
sobre amor ou estar apaixonado. Eram só músicas, mas desta vez não. Com vocês, Can’t
Take My Eyes Off You.
Dou a primeira nota no violão, olhando para baixo. Como pedi, eles não me
acompanham com os outros instrumentos. Dessa vez seremos só o violão, Mackenzie e eu.
— You’re just too good to be true, can’t take my eyes off you. You’d be like heaven to touch,
I wanna hold you so much. At long as love has arrived and I thank God I’m live — canto a
primeira frase de olhos fechados e, quando volto a abri-los, Mackenzie está olhando para
mim. À essa altura, já percebeu que a frase que disse para ela mais cedo, antes de subir ao
palco, tem ligação com a música. — You’re just too good to be true, can’t take my eyes off you!
— continuo, dessa vez, olhando para ela. As pessoas mais próximas já perceberam que
estou cantando para ela. Só não souberam antes que sempre foram para ela.
Mackenzie bate palmas, no ritmo do violão e os outros a acompanham.
— Pardon the way that I stare, there’s nothing else to compare. — Balanço a cabeça,
encenando. — The sight of you leaves me weak, there are no words letf to speak, but if you
feel like I feel, please let me know that is real. — Desço do palco e tiro o microfone, parando
de tocar. Chase entende a deixa e assume o violão. Deixo o meu no aparador e vou em
direção a Mackenzie.
Com o microfone na mão, a poucos passos de estar de frente para ela, Effy a empurra
adiante, as pessoas abrem uma roda à nossa volta. Faço dela o centro das atenções, embora
eu só precise que ela entenda que para mim, só existe ela.
— I need you, baby and if it’s quite all right. I need you, baby, to warm the lonely nights. —
Estendo a mão para ajustar uma mecha de cabelo atrás de sua orelha e acaricio seu rosto.
— I love you, baby — canto reforçando o que já venho dizendo há semanas. — Trust in me
when I say…
Faço uma pausa para assistir sua expressão em uma mescla de felicidade e os olhos
apertados enquanto controla a vontade de chorar.
— Oh, pretty baby — sigo cantando, acomodo os dedos em sua nuca e a puxo para mais
perto. Seu corpo a poucos centímetros de tocar o meu, enfim. — Don’t let me down, I pray.
Oh, pretty baby, now that I’ve found you, stay and let me love you, baby. Let me love you —
sussurro a última frase.
— O que você está fazendo? — Nenhum som sai de sua boca, mas leio as articulações de
seus lábios.
— Cantando pra você — respondo no microfone, embora Chase continue tocando as
notas da música no violão.
Ergo o microfone para o lado e Lilah o segura. Estendo uma mão para Mackenzie,
convidando-a para uma dança. Ela hesita, encarando minha mão suspensa no ar, olhando a
nossa volta e, enfim, se dando conta de que temos toda a atenção dos clientes do Purple
Ride. As expectativas criadas nos olhares, a emoção chicoteando em alguns.
Ela finalmente cede e aceita segurar minha mão, puxo-a para perto, encosto a bochecha
em sua cabeça e Chase canta novamente o refrão da música, Ash o auxilia como segunda
voz.
— Por que fez isso? — sussurra, encostando o lábio em meu queixo.
— Ainda estou tentando me redimir com você.
— Ah, é?
— É.
— Hum... continue fazendo coisas assim e acho que poderemos chegar a algum lugar.
Rio, beijando sua bochecha, sem parar de dançar.
— Oh, coisinha linda, não me deixe machucado, eu imploro — cantarolo em seu ouvido, o
que a faz rir. — Oh, coisinha linda, agora que eu te encontrei, fique e me deixe te amar, baby.
Me deixe amar você — cochicho, deslizando as mãos por seu quadril.
Mackenzie libera um suspiro profundo.
— Não acredito que você fez quase a cidade inteira parar pra nos ver dançar.
— Eu diria a universidade inteira. Quando as aulas voltarem, todos os alunos vão saber
que estamos juntos. — Dou de ombros com descaso. — Melhor assim. Não teria saco pra
ficar dispensando cada garota que aparecesse na minha frente. Ainda me lembro de como
eu era requisitado no colégio. Um porre.
Ela para de dançar e se afasta um pouco para me encarar.
— Você. É. Convencido. Pra. Cacete. Bryan McCoy — articula pausadamente em um
murmúrio.
— Tudo bem. Confesso que estou mais preocupado que eu tenha que agir como um
homem das cavernas.
— Você não precisa, só tenho olhos pra você, baby.
Brinco com o colar e o anel pendendo em seu peito enquanto terminamos de dançar a
música.
Eu a amo. Amo tanto, que faria qualquer coisa por ela. Queria conseguir externar esse
sentimento. É estranho. Louco. Me deixa ansioso e, algumas vezes, perco o sono pensando
em nós. Em todas as coisas que espero poder fazer com ela ao longo da vida.
Nunca pensei que seria o tipo de cara que faz planos como casamento e futuro, mas
consigo me imaginar em um cenário assim se a pessoa ao meu lado for ela.

“Eu quero música tocando mais alto
Eu quero beijos no chuveiro
Eu quero…
Eu quero…
Eu quero você”
DESIRES – MARC INDIGO

18 de julho de 2020, à 1h51.

A última vez em que estivemos em um karaokê foi há cinco anos. Bryan namorava
Delilah e meus sentimentos por Sebastian pareciam uma rocha de tão sólidos. Estamos de
volta, não é a mesma sala, mas é um espaço quadrado privado, com um sofá estofado
vermelho de um vértice a outro. A mesa no centro tornara-se um aparador para as bebidas,
as batatas de bolinha com queijo, carne picada com cebola e molho barbecue.
Quando Aidan e eu nos aproximamos prometi a ele que viríamos a um lugar desses, mas
não tivemos oportunidade, até agora. Estamos reunidos, conversando, bebendo cerveja e
compartilhando sobre a noite de hoje. Um show que a The Reckless fez no Veins, o
restaurante onde Gravity trabalhava antes de se mudar para Paris no mês passado. Falando
nela, queria que estivesse aqui. Não tivemos nenhuma chance de aproveitar o karaokê
juntas. Faço uma nota mental para que a convença a vir quando voltar.
Delilah e Effy estão cantando Girls Just Want To Have Fun e minha parte favorita em sair
com elas, é que não parece que existe cinco anos de afastamento entre nós. É claro que as
coisas entre mim e Lilah melhoraram muito depois de sua decisão de sair do apartamento
de Bryan, mas eu teria a perdoado de qualquer forma. Estando lá ou não, as coisas entre
nós uma hora ou outra voltariam ao normal. Estar com Delilah é como ter de volta uma
parte de Sebastian e eu não abriria mão de nada que se refere a ele.
Elas dançam e cantam animadas.
— Cantam mal pra caralho! — Ashton provoca, enfiando uma bolinha de batata com
queijo na boca. Ele estica as pernas sob a mesa de centro, desleixado, descansando a cabeça
sobre a mão no encosto do sofá. — Saiam daí!
— Não enche, Ash! — Lilah o repreende dura, encostando o queixo no ombro para
colocar a língua para fora.
— Sabe essa língua, você enfia ela no meu…
— Pense duas vezes antes de falar isso! — Bryan o repreende, com a sobrancelha
arqueada. Aninho a cabeça entre sua mandíbula e ombro.
— Foi mal, cara! — Ash repuxa os lábios em um sorriso malicioso.
Antes um comentário assim me incomodaria. Não estou acostumada a presenciar Bryan
defendendo Delilah. Mas não me sinto mais desconfortável. O que existe entre eles não
passa de um sentimento recíproco de irmão e irmã. Quando os flagro discutindo, o cenário,
as respostas e os motivos me lembram minhas brigas com Nate. Bryan não me dá motivos
para ficar insegura e desconfortável com Delilah.
— Ashton sempre falando merda atrás de merda — Aidan diz com uma garrafa de
cerveja entre os dedos e ele assiste Effy e Lilah finalizarem a música. Ele não parece tão
animado, mesmo que a ideia de vir até aqui hoje tenha sido mais dele do que de todos os
outros. — Acho que já vou, estou cansado pra cacete.
Lilah canta a última frase e se vira, resfolegando para nos encarar.
— Quem é o próximo?
Abro a boca para responder Aidan, mas recuo quando Lilah aparece na minha frente
com o microfone erguido – ainda estou me acostumando com a ideia de usar seu nome
inteiro e não o apelido – e Bryan me cutuca com a lateral do joelho.
— Vocês são bons no karaokê — incentiva, sacudindo o microfone na frente do meu
rosto.
Effy se aproxima com o segundo microfone e o entrega para Bryan. Ele é bom, tem uma
voz incrível, mas eu só serviria de piada para o Ashton.
— Não se preocupe, se o Ashton falar qualquer coisa, soco a cara dele — Effy enfatiza,
fechando os dedos e ameaçando Ash, que foge com o rosto para o outro lado. Finn, que
digitava no celular, sobe os olhos para Effy. — Que foi? — Gesticula, arcando as
sobrancelhas ruivas para ele.
— Nada.
— Vamos lá, baby. Nós sabemos fazer isso melhor que eles. — Bryan me anima,
estendendo a mão para mim.
— Fica mais um pouco — sopro para Aidan antes de ponderar segurar a mão de Bryan
estendida. — Por favor.
Eu sei que Aidan é fiel ao pai e a família, também sei que a relação dele e Delilah não é
muito boa por minha causa. Desde que soube que estava me sentindo mal por causa dela,
como um ato de proteção, começou a repudiar a presença dela em nossos encontros.
Considerando que também tem a ver com Thomas Linderman sua antipatia com ela, não
acredito que Aidan a aceitará como parte do “grupo” tão cedo. A presença dela o incomoda
e Delilah não se sente bem com isso também, mas está tentando mudar essa visão
distorcida que ele tem dela.
— Te faço companhia — Delilah diz, sentando-se ao lado dele.
— Não precisa! — responde ríspido.
Delilah engole a saliva em seco e se afasta um pouco. Effy revira os olhos para ele e se
acomoda entre os dois.
— Fica mais um pouco. Depois vamos juntos. Precisamos de carona pra casa — ela
explica e, depois de soltar um suspiro de resignação, Aidan assente em concordância.
Finalmente seguro a mão de Bryan. Ele me guia para a frente da tevê e com o controle,
rola para baixo, atrás de músicas que possamos cantar juntos. Para sobre Grease, a música
que cantamos pela primeira vez, mas faço que não com a cabeça e continua. Não conheço
nenhuma música da lista, exceto a do filme. Até que vejo um nome familiar. Desires, de Marc
Indigo. Não é muito conhecida, por isso acho tão estranho.
Contudo, o fato de eu não conhecer as músicas anteriores pode significar que se trata de
uma pasta no karaokê não muito acessada. Bryan gosta de criar memórias para nós dois e
uma música pouco conhecida faria com que mais uma lembrança entrasse para a lista de
coisas inesquecíveis.
— Conhece essa? — pergunta, apontando o controle para a tela da tevê.
— Conheço, sim.
Ele ri em resposta.
— Ótimo. Então vamos cantar essa.
No momento em que Bryan aperta play na música e o som de um violão escapa pelas
caixas estratégicas da sala, cenas do filme Hot Summer Nights se projetam na tela. O
momento em que Daniel e McKayla dançam na rua, sob uma penumbra. Ele a segura pela
mão e a gira, segurando sua cintura e risadas irrompem.
Bryan estende a mão para mim, querendo reproduzir a cena como fizemos quando
cantamos You Are That I Want. Embora a música não seja um dueto entre homem e mulher,
conseguimos adaptar para nós. Bryan tem a voz parecida com a de Marc, um pouco mais
grossa e rouca, mas tem o mesmo timbre melodioso.
— I think I made it out, so now it’s time to live, but I’m not satisfied, now I want
everything. — Bryan me gira outra vez no meio da sala. Evito olhar para os lados,
concentrando-me apenas nele e em sua mão que vai para meu quadril e rebolamos em
sincronia. A sensualidade emana de nós e, quando volto à postura anterior, nossos ombros
ficam emparelhados e andamos em círculos um ao lado do outro. — Flying above the clouds,
I’m gonna have it all, I’m never coming back, I’m never coming down…
A cena muda e Daniel e McKayla não estão mais dançando na rua. Na verdade, ela o
provoca se inclinando em uma cachoeira de bebida, lambendo os lábios e excitando Daniel.
Percebo que não terão mais cenas dos dois dançando, então teremos que criar nossa
própria coreografia.
Levo o microfone à boca para cantar o refrão com Bryan:
— I want money, fame and power. I want pretty tress and flowers. I want tasty, sweet and
sour. I want, I want, I want liquor ‘til I’m downing. I want music playing louder, I want kisses
in the shower. I want, I want. — Bryan para e com o corpo paralelo ao meu, respirando
pesado, canta comigo: — I want you, I want you…
Eu quero dinheiro, fama e poder. Eu quero lindas árvores e flores. Quero algo saboroso,
doce e azedo. Eu quero, eu quero, eu quero beber umas até que eu esteja bêbado. Eu quero
música tocando mais alto, eu quero beijos no chuveiro, eu quero, eu quero… Eu quero você, eu
quero você.
Coloco a mão livre em seu pescoço, tão próxima que posso sentir seu lábio tocar o meu
inferior e sua mão pousar em minha lombar, guiando minha cintura em uma dança lenta e
calorosa. Sinto a mescla de seu hálito: menta, cigarro e cerveja. É um cheiro que me agrada
e atiça. Me faz querer tirá-lo daqui e só ter seus lábios em mim a noite toda.
Bryan, entretanto, recua no minuto em que abro a boca para beijá-lo e sobe no degrau,
um tipo de minipalco instalado para as pessoas se apresentarem. É a primeira vez que noto
nossos amigos nos olhando. Gosto quando somos só nós dois, sem plateia, e começo a me
arrepender de ter concordado vir para cá com eles.
— I think I’m where I was, right back where I began, my wishes on the floor, back in this
place again. I just want company, when there’s no one around, oh if I fell today, don’t think I’d
make a sound. — Ele dança sozinho, subindo um pouco a camiseta pela bainha e mostrando
o tanquinho. Vejo a borda da cueca da Calvin Klein despontando da calça jeans e com um
movimento brusco na lapela da jaqueta, retira-a e joga para mim.
Visto a jaqueta por cima da minha jardineira jeans e corro para o palco ao lado dele,
onde cantamos o refrão outra vez:
— I want money, fame and power. I want pretty tress and flowers. I want tasty, sweet and
sour. I want, I want, I want liquor ‘til I’m downing. I want music playing louder, I want kisses
in the shower. I want, I want. — Ele me ronda enquanto canto a música, andando em
círculos em volta do meu corpo tímido, como se eu fosse uma presa encurralada. — I want
you, I want you…
Bryan para atrás de mim, encaixando o queixo na curva do meu pescoço e inspira fundo
atrás de minha orelha. Provavelmente inalando todo o odor doce do meu perfume. Nós
repetimos o refrão e minha virilha está se contraindo, pedindo por ele. Por que diabo
escolhi essa música?
Ele desce a mão vazia por minha barriga e cerca minha cintura, guiando-me numa dança
lenta outra vez. Bryan sabe fazer isso como ninguém. Consegue cantar, dançar e ainda se
mantém concentrado, diferente de mim que já pressiono a bunda em seu membro com
segundas intenções. Embora nossos amigos estejam bêbados demais para perceber, é
constrangedor perder a linha. Bryan ri na lateral de meu pescoço e minha pele se arrepia
com o toque quente de sua respiração. Ele deixa um beijo no lóbulo de minha orelha e
segura minha cintura para me virar. Meu coração dá uma guinada com o solavanco,
amaldiçoando meus tímpanos com as batidas descompassadas.
— I want money, fame and power. I want pretty tress and flowers. I want tasty, sweet and
sour. I want, I want, I want liquor ‘til I’m downing. I want music playing louder, I want kisses
in the shower. I want, I want — canta sozinho enquanto enrubesço com o calor de seu toque
na maçã do meu rosto. — I want you, I want you…
No segundo em que Bryan começa a rir, sei que desde o começo fez para me provocar,
sabendo que não poderia saciar meus desejos com seus toques.
Assim que encerramos a música, Ashton e Delilah estão esperando para cantar uma
próxima música. Effy tenta convencer Finn a cantar uma com ela, mas quem acaba vindo é
Chase. Aidan e Finn permanecem sentados no sofá, encarando as telas dos celulares.
Nenhum deles percebeu que perdi o fôlego durante a música, várias vezes, por causa de
Bryan.
Entrego o microfone para Delilah e abro a porta para sair. Preciso de um pouco de ar.
Bryan me segue, rindo.
— Linda, espera.
Ando em direção a uma máquina de refrigerante logo ali perto. Mesmo sabendo que
nenhuma Coca-Cola ou água gelada poderiam atenuar o que sinto.
— Espaço — peço, esticando a mão para trás, a fim de pará-lo. Isso só faz com que ele
ria mais. — Por favor. Seu insensível! — Acabo indo na brincadeira também. Chego à
máquina e coloco o dinheiro no lugar para pegar um refrigerante. — Você não sabe cantar
sem me tocar ou me provocar?
— Sei e eu poderia, mas qual seria a graça? Te provocar faz o meu dia. — Não respondo.
Estendo a lata de refrigerante para ele, desistindo de abrir. Bryan abre e me devolve. —
Podemos resolver o seu problema, se quiser, baby. — Ele move as sobrancelhas de forma
sugestiva e dou um tapa em seu peito, afastando-o.
— Fica longe de mim, seu provocador barato!
Meus comentários só fazem com que ele se divirta mais.
— Foi divertido, vai. — Ele brinca com uma mecha de cabelo que caiu por cima de meu
ombro e aproveito a deixa para tirar a jaqueta e devolvê-la a ele. Mesmo que o cheiro seja
tendencioso e eu quisesse ficar com ela. — Vamos cantar mais uma?
— Não — digo simplesmente, bebo um gole de refrigerante e me recosto à parede ao
lado da máquina.
— Estive pensando que você poderia se mudar pro meu apartamento. — Bryan se
encosta na outra parede, de frente para mim e coloca as mãos nos bolsos da jaqueta de
couro, aconchegando-as lá.
Eu o encaro, perplexa. É verdade que tenho passado mais tempo com ele agora, que
mora sozinho, do que no meu próprio apartamento, afinal eu divido a casa com mais duas
mulheres. Não é legal que ele fique perambulando por lá e preciso respeitar a privacidade
delas.
— Pensa bem. Elas não precisariam procurar por outro lugar e você pode montar um
escritório no outro quarto — Bryan expõe como se não fosse uma extrema mudança de
ares para mim. — Ou o que quiser, sei lá. A casa seria sua. Não precisaria pagar pelo aluguel
e tudo o mais. Você só tem a ganhar.
— Você quer que eu more com você — afirmo, abaixando a cabeça. Olho para a ponta
dos meus pés, os tênis brancos levemente sujos nas pontas. — É cedo demais.
Bryan entorta os lábios, reprovando meu comentário. Quase me arrependo porque já
estamos juntos há semanas e não brigamos por nada até agora. Seria injusto quebrar essa
linha tão tênue de repente. Não estarmos brigando é um avanço, mas morar com ele é
precoce e Bryan sabe disso.
— Como assim, cedo demais? Nós já namoramos antes. Fomos interrompidos, mas
nunca mudei os meus pensamentos e sentimentos. Você é a minha melhor amiga também,
Mackenzie. Te conheço melhor que ninguém.
— Eu sei. Mesmo assim, não acho que esteja pronta pra um passo desses. Desculpa. —
Aperto a latinha de refrigerante entre os dedos.
— Você já passa a maior parte do tempo lá — persiste, uma nuvem escura sombreia sua
expressão e a reprovação ganha mais força a cada segundo.
Solto um suspiro cansado. Deixo a latinha de refrigerante pela metade no chão e cruzo o
corredor para alcançá-lo.
— Não estou dizendo que nunca vai acontecer, mas não agora. Não estou pronta, ok? —
Paro com os braços cruzados à sua frente. Mesmo que fique emburrado por ser
contrariado, não vou ceder. — Não quero brigar. — Aperto seus ombros e o puxo. Bryan
não hesita, apenas me abraça pela cintura e fico aliviada por não termos entrado realmente
numa discussão séria. — Sei que você fica preocupado o tempo todo comigo. Jev e Dave
estão presos, não estão mais aqui, nenhum deles tem motivos reais pra vir atrás de mim,
Bryan.
— Não é por causa deles que queria que fosse morar comigo. Sei que eles não vão voltar
a te procurar ou me procurar. — Bryan mantém o aperto à minha volta. — Sei lá, foi só uma
ideia idiota. Esquece essa merda.
— Não é idiota — rio e me afasto para enxergar seu rosto. Meu cabelo pende para trás e
ele o puxa de leve, brincando com os fios. Beijo seu queixo. — Só não é a hora certa ainda.
Meus pais estão se divorciando pra valer agora, Nate está bem abatido com a ideia. Não sei
como ele e minha mãe reagiriam com essa notícia. Você e ele começaram a se entender,
seria um regresso e tanto.
Bryan pressiona os lábios se dando conta de que tenho razão. Ele e Nate estão
começando a voltar à amizade de antes. Eles até conversaram sobre Maeve. Um assunto
que Nate vem relutando bastante para falar. Meus pais decidiram se divorciar. É melhor
assim, acho. Se o relacionamento dele com Sophia está caminhando para onde acho que
está, não vai demorar muito até eles estarem morando sob o mesmo teto.
Pensei que nunca seria capaz de vê-los felizes separados, mas aparentemente eles estão
superando bem o divórcio e o passado. Não quero aparecer com uma notícia assim de
repente, podendo deixar tudo mais complicado para eles. Talvez eu realmente vá viver com
Bryan em algum momento, afinal ele tem razão.
Passo mais tempo no apartamento dele que no meu. Em nossas noites de sexta, mesmo
quando ele não está lá, eu fico esperando. Em algum momento deve acontecer, mas não
quero que seja agora. Não quando faz três semanas só que nosso relacionamento se tornou
consistente e tenho certeza de que são poucas as coisas que nos abalariam.
— É. Você tem razão. Vamos esperar mais um pouco.
— Ultimamente você parece estar com pressa pra tudo — brinco, resvalando o nariz
gelado na ponta de seu queixo.
— Acho que sim, não sei direito.
— Nós ainda somos jovens, Bryan. Temos uma vida inteira de oportunidades pela
frente.
— Os jovens têm sede de viver uma vida inteira em poucos anos — reflete, dando-me
um selinho. — Mas você tem razão. Não precisamos viver tudo de uma única vez.

“Amor, você e eu
Sabemos que temos uma reputação
Nós temos estilo
Um casal de lendas
Você e eu
Viramos sensações da noite para o dia
Lado a lado
Um casal de lendas”
LEGENDS – NOW UNITED

23 de julho de 2020, às 16h02.

Nunca pensei em fazer uma tatuagem, mas tenho sentido que minha hora chegou. Eu
sempre quis algo com importância, que quando meus filhos me perguntarem eu possa dar
uma explicação para eles com significado. Antes não tinha fortes motivações para me
convencer a fazer uma tatuagem, até agora, quando Bryan disse que faria uma no bíceps em
homenagem à The Reckless.
Ashton nos recomendou o Easton, o tatuador e patrão de Bailey. Para a minha surpresa,
a garota voltou a trabalhar lá e explica muitas coisas, e principalmente ela não ter voltado
para a casa dos pais com Faith. Soube, entretanto, que a irmã entrou em um relacionamento
com seu chefe e por esse motivo ela quis sair do emprego. A resolução dessa história,
entretanto, Gravity não soube me contar em nossa última ligação via Skype.
Estou criando coragem de me sentar na cadeira do tatuador. Escutei vários boatos que a
costela é o pior lugar para se tatuar, mas é exatamente onde quero desenhar a meia-lua,
que representa uma fase da minha vida: a que Bryan e eu vivemos e superamos.
Legends está tocando no fundo e Easton está concentrado em concluir a tatuagem de
Bryan. O cara é bonito. Não me surpreende que Faith tenha acabado cedendo aos encantos
dele. Olhos verdes-escuros, pele bronzeada e cabelos castanhos arqueados. Ele está usando
máscara e luvas pretas. Bryan está deitado de bruços, sem fazer nenhuma careta, enquanto
Easton finaliza o desenho de diamante da banda.
Quando ele finalmente termina, Bryan sai sem nenhum resquício no rosto de que foi
afetado pela dor.
Engulo em seco e Easton já espera por mim. Ele arqueia uma sobrancelha, dando-se
conta de que estou receosa e quase desistindo de me sentar. Puxa a máscara para baixo.
— Você não vai se arrepender. Contanto, que a tatuagem tenha um significado pra você
e te lembre de alguma coisa que realmente valha a pena, você vai curtir pelo resto da vida.
Fisgo o lábio inferior, atenta às palavras de Easton. No fundo, não confio no que ele diz,
mas vim aqui e quero fazer isso.
— Vou ficar por perto — Bryan garante, incentivando-me enquanto me empurra em
direção à cadeira reclinável do estúdio. Vou meio contrariada. Ainda estou sobre o muro,
sem ter certeza se quero marcar minha pele para sempre. — Mas se não quiser fazer, não
faça.
Eu paro, virando-me para ele. Easton parece irritado com as palavras de Bryan me
motivando a desistir.
— É sério, linda. Se não se sente confortável ainda, não faça. Você não precisa. As fases
da sua vida podem ficar marcadas na sua memória.
— E se, quando estiver bem velhinha, eu me esquecer dessa fase importante?
— Então faz — Bryan ri, colocando-me sentada.
— E se eu me arrepender?
— Tudo bem, não faça. — Ele me levanta. — Vou pagar pela minha e vamos dar o fora,
está bem?
— Bryan. Quero fazer.
Ele ri, puxando um banco de madeira para se sentar ao meu lado.
— Mackenzie, não tenho o dia todo — Easton diz em tom repreensivo e me sento, como
se tivesse sido puxada para trás.
Solto um suspiro denso desmotivado e fecho os olhos.
— Pegue uma toalha para mim aí. — Indica um armário para o Bryan. Ele se estica e
agarra uma toalha média. — Vá no banheiro, tire a blusa e o sutiã.
— O quê? Por quê? — Bryan investiga, arregalando os olhos.
— Ela quer uma tatuagem na costela, porra! Você quer que eu faça como?
— Por que não desiste da ideia, baby?
— Bryan, é só uma tatuagem. — Coloco a toalha contra o peito, rolando os olhos e saio
da sala de Easton rumo ao banheiro.
Vejo Bailey na recepção, debruçada no balcão enquanto desliza o polegar ágil na tela.
Quero saber como ela está e, talvez, não tenha nenhuma outra oportunidade para
perguntar se não for agora.
— Oi. — Aproximo-me, com os lábios repuxados em um sorriso.
— Já terminou? — Os olhos de Bailey estão manchados com delineador preto e as
sobrancelhas arqueadas. Parece que ela também adicionou um novo piercing, dessa vez no
supercílio.
— Hum... ainda não — sondo por cima do ombro e vejo Bryan e Easton conversando
sobre a minha tatuagem. Eles parecem animados com a ideia. — Só queria saber como você
está. Faz tempo que não te vejo. — Um vinco desponta entre seus olhos e empertigo a
postura, pigarreando para limpar a garganta. — Sei que não somos próximas, mas…
— Se não somos próximas, por que quer saber? Foi a Willa que te pediu pra falar
comigo?
— Não, de jeito nenhum, ela…
— Então esquece. Me deixa em paz — diz intransigente.
Espremo os lábios em desgosto. Não me lembro dela tão impaciente e mal-educada.
— Só queria saber o que rolou entre vocês.
— Você não sabe? Não vou cair nessa.
— Bailey, eu realmente não sei o que aconteceu com vocês. Seja o que for, Willa sempre
gostou de você. Pra caramba!
— Se é verdade, não sei por que ela, de repente, ficou com tanto medo de sair comigo
em público. — Ela bate com as mãos abertas na bancada e apruma a postura, imperiosa. —
Nós ficamos juntas por muito tempo, mas quando Willa soube que o tal do Chase estava
vindo para a cidade, ela mudou. Nós estávamos com muitos problemas, sim, mas tínhamos
resolvido grande parte deles até esse cara aparecer. Então, por favor, não enche a porra do
saco!
— Mackenzie? — Bryan atravessa o corredor, vendo eu e Bailey discutindo.
Na realidade é Bailey quem se alterou e dou passos para me afastar do balcão. Não me
deixo afetar. Não é da minha conta os sentimentos de Bailey, mas me preocupo com Willa. E
se alguma coisa aconteceu entre ela e Chase? Essa é uma questão que vou descobrir quando
ela voltar de Paris.
— Oi. Já estava indo tirar a blusa.
Bryan lança um olhar retorcido de desaprovação para Bailey. Assim que passo por ele,
sustenta uma mão em meu quadril como se quisesse me guiar para o banheiro.
— Vou te esperar aqui.
Concordo com Bryan e entro no banheiro.
Coloco na cabeça que os problemas de Bailey e Willa não são meus. Dou por encerrado o
assunto. Em um momento ou outro, virá à tona de qualquer forma.

A meia-lua em minha costela ficou fina e incrível. Estou me olhando no espelho, com o
corpo enviesado, sem o sutiã ou qualquer blusa para bloquear a visão do desenho ainda
inchado.
Doeu muito, mas Easton disse que varia de pessoa para pessoa e que reagi muito bem à
agulha. As pontas finas e a curva delineada da meia-lua ficaram perfeitas. Ashton tinha
razão quando nos recomendou Easton para as tatuagens. O diamante com rupturas da The
Reckless, nas costas dos bíceps de Bryan, também ficou incrível.
— Não se mexa — Bryan pede e o vejo levantar o celular.
— Bryan! — repreendo-o.
— Faz uma pose, a foto vai ficar foda! — Coloco o braço na frente, tapando o seio e
cubro o outro com o braço. Apoio o queixo no ombro e olho para o espelho do closet de
Bryan. — Pronto! — Eu me inclino para pegar uma blusa sua do closet e a visto.
— Adorei! — Seguro o celular entre as mãos, vendo a foto.
Faço uma edição de preto e branco e a posto no feed do Instagram. Mordo o inferior,
ansiosa. Meu pai agora também tem. Sophia é mais avançada que minha mãe em questão de
redes sociais. Ela acha que é uma perda de vantagem meu pai não estar no Instagram; já
minha mãe, uma perda de tempo. É por isso que ela não tem uma. Simplesmente fico
esperando que ele me ligue. Para me dar um sermão ou me parabenizar pela coragem, sei
que vai me ligar.
Não pretendo contar para a minha mãe sobre a tatuagem. Apesar da sua incrível
mudança e evolução, ainda a sinto lutar contra muitos ideais criados desde quando era
criança e é difícil se desfazer de um conceito criado há muito tempo. Quero ser paciente
com ela e esperar que sua luta para evoluir, dia após dia, seja vencida com pequenas
atitudes. Por exemplo, ela aprendeu a respeitar minhas decisões e meu relacionamento
com Bryan. Confia em mim o suficiente para saber que eu não escolheria um caminho que
me causasse dor ou sofrimento.
— Você postou a foto? — Bryan indaga, olhando para o próprio celular.
— O que é que tem? Ficou incrível.
— Você está seminua…
— Shhh... — comprimo seus lábios com o indicador. — Para de falar bobagem. Nossa! —
rio, balançando a cabeça. — O que vamos comer?
— Ainda estamos falando da sua foto. — Ele balança o celular, seguindo-me até a
cozinha de seu apartamento.
— Não estamos, não.
Abro a geladeira e Bryan me segue, empurrando a porta para fechá-la. Bufo, frustrada e
cruzo os braços no peito, recostando-me nela. Brinco com o anel que me deu no colar,
esperando que ele defenda seu ponto de vista, mas vai perder e sabe disso. Depois que
começamos a namorar, ele começou a se mostrar um namorado bem ciumento. Mesmo que
ainda seja mais controlado que eu.
— Não vou apagar a foto, Bryan.
— Ao menos pode me dar os créditos por ser o fotógrafo? — Sacode o celular na frente
do meu rosto, com a foto escancarada na tela.
— Mas é claro que sim, depois que comermos. Estou morrendo de fome. — Volto a abrir
a geladeira e juro que, se ele a fechar outra vez, vou ficar muito, muito irritada. — Você foi
ao mercado?
— Não — responde, encostando-se e apoiando os cotovelos na bancada. — Se você
viesse morar comigo, eu teria mais motivação pra ir ao mercado. Não tem graça comprar
comida para uma pessoa só.
— Bryan. Já falamos sobre esse assunto.
— Eu sei. Mas uma mudança agora combinaria com sua tatuagem, não acha?
— Não entra em uma briga comigo, Bryan. Você sabe que é inútil e vai perder.
Bryan suspira e pende a cabeça para trás, porque sabe que tenho razão.
— Vamos sair e fazer compras — digo em tom ameaçador. — Anda! — exclamo, já no
corredor.
— Por que não pedimos comida?
— Porque quero cozinhar.
— Tem certeza?!
— Bryan!
Bryan não precisa de formalizações para começar um namoro, mas ele não percebe o
óbvio. A maioria das minhas coisas se unem às suas e passamos mais tempo juntos que
antes. Temos vidas separadas, mas no final do dia, estou no seu apartamento, emaranhada
em seus lençóis. Sou a única que não sinto a necessidade de dizer em voz alta que já
moramos juntos, só não fizemos disso um “acordo formal”.
Simplesmente aconteceu. Sempre quero vê-lo. Seja porque meu dia foi ruim ou porque
tenho uma boa notícia sobre o site da revista. Não importa se a razão é porque tive um
excelente café da manhã com meu pai e minha madrasta ou discuti com Nate outra vez.
Meu ponto final é nele. Quero ver seu rosto, não importa a ocasião. Quero o seu sorriso se
unindo ao meu em uma piada, ele puxando as cobertas de mim no meio da noite para,
instantes depois, acordar e me cobrir outra vez.
Então por que nós precisaríamos de uma formalização se já estamos seguindo na nossa
própria sintonia?
Dou uma última olhada em minha tatuagem antes de colocar uma blusa. Viro o quadril,
ficando de lado para me olhar no espelho e admirar que encontrei um significado belo para
contar a minha história, no futuro, para quem quiser saber.
Bryan está logo atrás de mim e sorri através do reflexo para me lembrar de que sempre
estará ao meu lado, em qualquer decisão ou em qualquer fase da minha vida. Em altos ou
baixos, estaremos juntos. É uma promessa silenciosa que fazemos um ao outro.
Suspiro, orgulhosa de mim.
Sou lua.
Sou feita de fases.
E vivo cada uma delas numa sintonia perfeita.

“Porque quando você ama alguém
Você abre seu coração
Quando você ama alguém
Você abre o caminho
Se você ama alguém e não tem medo de perder
Você provavelmente nunca amou alguém
Como eu amo”
LOVE SOMEONE – LUKAS GRAHAM

01 de agosto de 2020, às 11h42.

Meus olhos vagueiam, em busca dela. Os cabelos longos e ondulados, tocando a metade
da coluna, os olhos verdes-escuros sempre sombreados com uma ínfima ansiedade para me
ver. Chegamos até aqui hoje e depois de tudo que passei com meu pai, Mack não precisou se
esforçar tanto para me convencer a cantar algumas canções no casamento dele.
É. Ele e Daily são oficialmente casados e a pequena Aurora é uma bebezinha cheia de
energia, que não consigo ignorar. Estou com ela presa entre os braços, sacudindo-a de um
lado para o outro sob o telhado da varanda do jardim, impedindo que o sol afete seu
rostinho sensível. Merda! Estou fazendo de novo. Usando palavras diminutivas quando se
trata da minha meia-irmã.
Aurora foi apressada e Daily precisou passar por um parto às pressas na semana
passada. No dia em que Mack e eu discutíamos no supermercado entre levar comidas
saudáveis ou tudo industrializado para o apartamento.
Nós estávamos esperando que ela viesse ao mundo no final deste mês, mas acho que
Aurora vai herdar um pouco do meu gênio e impaciência. E estou pronto para ser o irmão
mais velho que ela merece.
Por causa do nascimento prematuro de Aurora, meu pai e Daily optaram por uma
cerimônia íntima. Em resumo: Mackenzie, Delilah, Diana, Maya, os noivos, o juiz de paz e eu.
Nada muito extravagante. Com um recém-nascido frágil como parte dos convidados e as
infinitas possibilidades de Aurora acabar pegando um resfriado ou algo assim, eles abriram
mão de uma festa.
Tudo aconteceu no jardim de casa. Montamos uma mesa pequena sob uma tenda para
bloquear o sol e finalmente meu pai é marido de alguém de novo. Pela primeira vez, hoje
penso em minha mãe. Antigamente acharia que, em algum lugar lá em cima, estaria infeliz e
abalada com a decisão do meu pai de se casar outra vez. Ter uma nova família. Mas os olhos
azuis estalados de Aurora me encarando provam para mim que a senhora Vivian está
extremamente feliz em algum lugar.
Essa criança inquieta em meu colo inspira esperança.
Encontro Mackenzie sentada em uma mesa no jardim, bebendo champanhe enquanto
conversa com Daily, Maya e Delilah. Diana, a mãe de Daily e Maya, está em algum lugar na
casa em busca do babador de Aurora. Ela manchou toda minha camisa branca com as
golfadas após mamar por quase uma hora. Particularmente, nunca pensei que um bebê
tivesse tanto estômago para tomar leite como ela.
Aurora bate a mão minúscula fechada em meu peito, chamando minha atenção. Eu me
dou conta de que gosta de atenção e quer que os olhos estejam sempre para ela.
— Que foi? Está com fome de novo? — pergunto e usando a lapela de seu macacão
branco, limpo a baba em seu queixo.
Nunca pensei que teria habilidade para segurar um bebê, mas, desde que a peguei na
primeira vez, não consegui largá-la. Só queria ficar com ela pelo maior tempo que fosse
possível e acho que Aurora também gosta da minha companhia. Daily é mãe de primeira
viagem, apesar de ter Maya e Diana como exemplos de mãe, e uma mão estendida para
ajudá-la, ela acaba pedindo minha ajuda.
Meu pai não é muito bom com crianças. Ele sempre passou muito tempo trabalhando e
fui sua única experiência, então basicamente minha mãe quem tinha o controle de tudo e
entendia meu choro e reclamações. Afinal, quem entende o que um bebê quer quando
chora? Dormir? Está com cólica? Ou sujou a fralda? O negócio é que você não consegue
compreender e, mais de uma vez, flagrei Daily no quarto quase arrancando os cabelos por
não conseguir acalmá-la. Não que meu pai não a ajude, mas quando Aurora não está no colo
dele ou de Daily, é no meu que ela se acalma.
Queria dar um descanso para minha madrasta e meu pai tem bolsas roxas abaixo dos
olhos, traços de quem não dorme há muitas noites. Já que estou aqui, quero dar uma
mãozinha e nós nos entendemos muito bem.
— É difícil conversar com você, Aurora. Tenho que te desvendar o tempo todo. É quase
como a Mack, que tenho que adivinhar o porquê ela está com raiva!
— Independente do que seja, sempre diga que ela está certa. — Ouço a voz de meu pai
atrás de mim, com as mangas de sua camisa social dobradas e os primeiros botões abertos.
— É melhor do que tentar se justificar porque, na maioria das vezes, você descobre que
está mesmo errado. — Ele estende o braço para pegar Aurora, mas recuo, negando. Ele ri.
— Acho que você será o tipo de irmão que protegerá a irmã de tudo.
— Acredite em mim, eu serei. — Caímos na gargalhada.
Dou-me conta de que senti falta dessa leveza com meu pai durante os anos em que
passamos sem nos falar direito e é preciso admitir que Aurora foi a ponte criada que nos
uniu de novo. Mesmo quando morei com ele por quatro meses, relutava. Não o queria em
minha vida. Mas meu pai e Aurora são toda a família que tenho.
Escuto a risada de Mackenzie e me viro para olhá-la sob o sol. Traja um vestido franzido
na saia rosa claro, aberto nas costas, onde consigo enxergar sua recente tatuagem de meia-
lua e o sorriso aberto transcende o que ela quis mostrar com esse desenho. Ela teve tantas
fases na vida e acredito que virá tantas outras para nós dois, que ter isso desenhado na pele
é como um lembrete de que não importa quão ruim a situação esteja no momento, a lua é
cheia de fases assim, que vem e vai. Faz parte do ciclo e você precisa aprender com ele.
— Obrigado por ter vindo e tocado no meu casamento, sei que é difícil para você todas
essas mudanças.
— As mudanças não são difíceis, pai — digo e sou sincero, Aurora ri de alguma coisa,
talvez da careta que faço enquanto olho para o nosso pai. — Não quando você tem um
ótimo propósito em frente.
— Sempre imaginei que você e Mackenzie acabariam ficando juntos, afinal. Naquela
época mesmo do colégio, quando você a espiava pela janela do quarto... — Meu pai ri com a
lembrança e fico embasbacado que ele tenha me flagrado fazendo isso. — Que foi? Sou seu
pai. Posso ter sido ausente em alguns momentos, mas em outros eu presenciei coisas que
sua mãe nunca reparou. Ah, qual é, também já me apaixonei! — exclama, com a gargalhada
exalando.
— Você nunca conversou sobre essas coisas comigo.
— Nem todos os pais tem essa habilidade. Sinto muito.
— Você será um bom pai para a Aurora. Aprendeu com seus erros.
Ele faz que sim com a cabeça.
Love Someone preenche o jardim, junto ao cheiro de comida na cozinha. Escuto o
barulho dos pratos e talheres tilintarem. Meu pai se curva para trás, a fim de descobrir o
que está acontecendo.
— Preciso ajudá-la — ele ri, estocando as mãos nos bolsos da calça social. Meus olhos
vão para suas mãos e descubro que foi dele que herdei essas manias. — Você pode ficar
com a Aurora por mais um tempo?
— Sem problema — afirmo, meneando a cabeça.
Seus lábios repuxam num sorriso e some pela porta da cozinha.
Quando volto a balançar Aurora, rindo e fazendo caretas para entretê-la, escuto os
degraus de madeira rangerem e subo os olhos para Mackenzie. Aproxima-se de Aurora para
brincar com ela e aperta seu queixo fazendo uma pinça com os dedos.
A música de fundo é perfeita para a situação em que estamos agora. O perfil de seu
rosto está relaxado, ela joga o cabelo para trás, por cima do ombro e se inclina por cima de
Aurora, que gargalha com as gracinhas que minha namorada faz para ela.
Minha.
O amor que nunca pensei que seria para a vida, mas não consigo pensar num futuro
onde ela não esteja completamente envolvida nele.
Sorrio, embora ela não veja.
— Você continua me olhando desse jeito. — Estala a língua no céu da boca, ainda com
os olhos voltados para Aurora. — Parece que sou um tipo de celebridade. — Ela levanta o
tronco, rumando os lábios em direção aos meus.
Mackenzie pressiona a minha boca com a sua, segurando minha nuca. Afasta-se, com um
sorriso torto.
A respiração irregular me denuncia.
Caralho, eu fico completamente instável perto dela!
É porque provavelmente nunca vou amar ninguém como amo você.
Não digo em voz alta, entretanto. Mackenzie deve estar cansada de me ouvir falar coisas
do tipo, porque desde que voltamos a namorar, não parei de olhá-la dessa maneira, não
parei de pensar em nós em um futuro e tudo isso a deixa ansiosa, portanto não falamos
muito. Ela não quer que fiquemos tão concentrados no que ainda não aconteceu, apenas no
que estamos vivendo hoje.
Não somos perfeitos e ainda vamos brigar por coisas que só nós entenderemos o
motivo. Não significa que não aceitamos viver isso intensamente sem as consequências,
porque aceitamos.
Estar em um relacionamento é navegar em um mar que pode estar calmo ou não,
depende em que tipo de estado atemporal nos encontramos. Mas concordamos em ser a
âncora e o bote salva-vidas um do outro.
Contanto, que estejamos dispostos a amadurecer, aprender com nossos erros, nós
ficaremos bem e juntos.
Sempre juntos.
Quase um ano escrevendo a história de Bryan e Mack. Na conclusão deste livro sinto
que dei o melhor de mim nessa história. Eu queria um enredo bem estruturado,
personagens que cresciam à medida que os acontecimentos fluíam e que os leitores
pudessem acompanhar de perto cada erro e acerto das personagens. O processo de escrita
de um livro, entretanto, demanda muito esforço do escritor, mas também muito auxílio,
ajuda e amparo de outras pessoas. São para elas que vão os agradecimentos.
Atualmente, no momento em que escrevo esses agradecimentos, Sintonia Perfeita conta
com 826 mil leituras na plataforma do Wattpad. Não sei se quando você, que está lendo
agora, ainda será esse número, mas é dia 27 de maio de 2020, às 18h08, e só consigo pensar
na trajetória que me trouxe até aqui com esse livro.
Quero agradecer meus leitores da plataforma imensamente. Se não fosse por eles, esse
livro nunca ganharia tamanho reconhecimento em meio às milhares de outras histórias no
Wattpad. Muito obrigada, vocês são como anjinhos em minha vida e a cada capítulo postado
lá para vocês, meu coração se aquecia mais e mais.
Para os leitores em geral, que esperaram ansiosamente até que o livro estivesse
completamente pronto. Gratidão por todo o apoio de vocês, sempre!
Amo demais cada um!
Para minhas parceiras maravilhosas, que sempre ajudam na divulgação com resenhas.
Espero, de coração, que nossa parceria possa vir a durar por muito mais tempo. Gratidão
pelo apoio nesses tempos difíceis e de incertezas!
Um obrigado muito especial para as minhas betas: Milena Botelho, Viviane Oliveira, Ana
Sarah, Carla Souza, que acompanharam capítulo por capítulo, surtaram e leram
pacientemente TODAS AS VERSÕES DE “SINTONIA PERFEITA” (um total de seis, risos).
Thaís Alves que, mais uma vez, criou a “cara” desse livro. Obrigada pelo seu trabalho e
esforço incrível com a capa de Sintonia Perfeita. Prepara os pulsos, porque logo teremos
mais quatro livros para sair em busca da capa perfeita!
Carla Santos por seu cuidado com Sintonia Perfeita e todo o carinho com meu livro. Uma
das pessoas que o mundo literário me presenteou e posso chamar de amiga. Muito
obrigada!
Ao meu noivo, Pedro Navarro, por sempre pegar no meu pé para concluir um projeto e
nunca se importar de eu não poder cumprir todas as coisas que combinamos porque
preciso escrever. Enfim, você é inspiração de amor para mim. Eu te amo, vida!
Obrigada, Deus, pelo dom de escrever e estar sempre comigo, honrando suas promessas
em minha vida!
Um obrigada de coração a todas as pessoas que acreditam no meu potencial e apoiam
meu trabalho onde quer que eu esteja. Seja no Wattpad, na Amazon, ou em qualquer lugar,
vocês fielmente estão lá comigo!
Amo muito cada um de vocês!
Até o próximo livro.
Um beijo no coração.

Amanda Maia nasceu nos anos noventa em uma cidade no interior do sul de Minas.
Começou a escrever com 12 anos na internet e, entre altos e baixos, encontrou-se em meio
aos romances new adult. Acredita que os livros possam mudar as pessoas, assim como eles
a vêm transformando. Sua melhor versão é aquela onde se descobre o “para quê veio ao
mundo” e escrever histórias com personagens intensos, onde os leitores se encontram, é
também onde está seu coração.

1)
Em 2016, a terminologia Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) passou a ser adotada pela
Organização Mundial de Saúde (OMS) e pelos principais Organismos que lidam com a temática
das Infecções Sexualmente Transmissíveis ao redor do mundo em substituição à expressão
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), porque destaca a possibilidade de uma pessoa ter e
transmitir uma infecção, mesmo sem sinais e sintomas. ↵

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