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ASSOCIAÇÃO DE ENSINO SUPERIOR DO PIAUÍ – AESPI

CURSO DE BACHARELADO EM DIREITO

FRANCISCA ÉRICA PEREIRA DA SILVA

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E


ODIREITO AO ACOLHIMENTO FAMILIAR

TERESINA
2019
FRANCISCA ÉRICA PEREIRA DA SILVA

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E O


DIREITO AO ACOLHIMENTO FAMILIAR

Artigo apresentado a Associação de Ensino


Superior do Piauí como exigência parcial para
a obtenção do título bacharel em direito.
Professor Orientador: Prof.ª Ma. Fabiola de
Moura Sérvulo

TERESINA
2019
FRANCISCA ÉRICA PEREIRA DA SILVA

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E O


DIREITO AO ACOLHIMENTO FAMILIAR

Artigo apresentado a Associação de Ensino


Superior do Piauí como exigência parcial para
a obtenção do título bacharel em direito.

Teresina, ____ de _________ de _____.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________
Prof.ª Esp. Rutheene de Carvalho Sousa
Associação de Ensino Superior do Piauí – AESPI
Membro 1

__________________________________________________
Prof. Esp. Thiago Veras Pádua
Faculdade do Piauí – FAPI
Membro 2

__________________________________________________
Prof.ª Ma. Fabíola Moura de Servúlo
Associação de Ensino Superior do Piauí – AESPI
Orientador (a)
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES E O
DIREITO AO ACOLHIMENTO FAMILIAR NO BRASIL.

Francisca Érica Pereira da Silva1


Ma. Fabíola de Moura Sérvulo2

RESUMO
Com a constituição federal de 1988 e o Estatuto da criança e do adolescente de 1990, a
sociedade mudou a forma de lidar com as crianças e jovens que até então não eram
reconhecidos como detentores de direitos. Houve um grande avanço no que diz respeito à
proteção ao público infanto-juvenil, no entanto a institucionalização de crianças e adolescente
ainda é muito presente mesmo 29 anos depois da criação do Estatuto da criança e do
adolescente (ECA). De acordo com os dados do cadastro nacional de adoção, hoje no Brasil
existem 47 mil crianças em acolhimento institucional, e somente 7 mil estão aptas para
adoção. O presente trabalho tem como objetivo buscar os motivos que expliquem o porquê o
número de institucionalizados ainda é tão grande no Brasil. Será feito uma análise
considerando o histórico da cultura de institucionalização em nosso país e como essa prática
ficou enraizado até os dias atuais. A nova lei de adoção e suas implicações e desafios. Será
dado ênfase ao art. 227 da CF/1988 que assegura a criança e ao adolescente a absoluta
prioridade dos direitos e melhor interesse do menor sobre qualquer situação que deve ser
respeitada pelo estado, pela família e comunidade. O presente trabalho foi realizado através de
pesquisas doutrinárias, legislativas e de entrevistas com mães por adoção.
Palavras-chave: Estatuto da criança e do adolescente – Convivência familiar –
institucionalização de crianças e adolescentes – Acolhimento institucional.

ABSTRACT
With the Federal Constitution of 1988 and the Child and Adolescent Statute of 1990, society
has changed the way it deals with children and young people who until then were not
recognized as rights h//olders. Great progress has been made with regard to the protection of
children and adolescents, but the institutionalization of children and adolescents is still very
present even 29 years after the creation of the Child and Adolescent Statute (ECA). According
to data from the national adoption registry, today in Brazil there are 47,000 children in
institutional care, and only 7,000 are eligible for adoption. The present work aims to search
the reasons that explain why the number of institutionalized is still so large in Brazil. An
analysis will be made considering the history of the culture of institutionalization in our
country and how this practice has been rooted to the present day. The new adoption law and
its implications and challenges. Emphasis will be given to art. 227 of the CF / 1988 which
assures children and adolescents the absolute priority of the rights and best interests of the
minor over any situation that must be respected by the state, family and community. The
present work was carried out through doctrinal, legislative and interviews

1
Francisca Érica Pereira da Silva é graduanda do curso de Bacharel em direito pela Associação de Ensino
Superior do Piauí.
2
Fabíola de Moura Sérvulo é professora no curso de direito na Associação de Ensino Superior do Piauí.
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Keywords: Child and adolescent status - Family life - Institutionalization of children and
adolescents - Institutional welcome.

1. INTRODUÇÃO

O Estatuto da criança e do adolescente completa nesse ano de 2019, 29 anos de


existência, o conjunto de direitos para crianças e adolescente ainda são desconhecidos para a
maioria da população que ainda desrespeitam esses direitos garantidos, ainda se há muito a
melhorar, o número de institucionalizados ainda é muito grande, No Brasil cerca de 47 mil
crianças e adolescentes vivem em abrigos, ambientes coletivos sem nenhum pertencimento
familiar. Desses 7 mil estão aptos para adoção, ou seja, tiveram o poder familiar destituído.
No entanto cerca de 37 mil pessoas aguardam na fila nacional de candidatos a pais adotivos, a
velha conta que nunca fecha que já se tornou quase um clichê em muitos discursos sobre o
assunto. Uma das primeiras causas a serem citadas em busca de justificar o desfalque nesses
números (quantidade de crianças disponíveis e quantidade de pretendentes a adoção) seria o
perfil procurado pelos adotantes. Mas seria esse o motivo principal para justificar tal conta?
Não seria injusto colocar a culpa nos adotantes, por desejarem perfis fora do que esta
disponível quando há a demora das instituições judiciárias em destituir o poder familiar?
Naturalmente as pessoas querem crianças mais novas, não é reprovável as pessoas quererem
viver várias fases da infância com a criança. Além disso, podemos observar o monopólio das
informações sobre as crianças institucionalizadas, onde a sociedade civil não tem
conhecimento sobre a situação de cada criança que se encontra no abrigo, tendo por
justificativa a preservação da imagem do menor. Porém, qual seriam os limites para essa
preservação de imagem? Divulgar a imagem de crianças no abrigo ofenderia a sua dignidade?
Para a criança é vergonha pra ela estar lá ou é vergonha pra quem a deixa lá? Em se tratando
do principio do melhor interesse do menor, há muito que se analisar quando trazemos esse
principio para resolver o problema de institucionalização, o que é melhor para o menor? Estar
em um ambiente sem nenhum pertencimento, como é o caso das instituições de acolhimento,
ou estar no seio familiar? O presente artigo irá fazer uma análise sobre essa problemática de
todos os fatores que contribuem para a institucionalização de crianças e adolescentes levando
em conta também todo o contexto histórico no que diz respeito à proteção à infância e a
juventude. O interesse em apresenta-lo surgiu a partir de participação em seminários estaduais
com essa temática e do contato com os depoimentos de mães por adoção.
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2. METODOLOGIA

A metodologia utilizada para a produção desse artigo foi através de pesquisas


bibliográficas.
A pesquisa bibliográfica é feita a partir do levantamento de referências teóricas já
analisadas, e publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros, artigos
científicos, páginas da web sites. Qualquer trabalho científico inicia-se com uma
pesquisa bibliográfica, que permite ao pesquisador conhecer o que já se estudou
sobre o assunto. (FONSECA, 2002, P.32)

Para Gil (2007, p.44), os exemplos mais característicos desse tipo de pesquisa são sobre
investigações sobre ideologias ou aquelas que se propõe a analise das diversas posições acerca
de um problema.

3. CONTEXTO HISTÓRICO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E


ADOLESCENTES NO BRASIL.

A institucionalização de crianças e adolescentes no Brasil se faz presente na nossa


cultura desde o período colonial. Com a chegada dos europeus para ter acesso às riquezas
naturais, houve a necessidade do controle da prole indígena, iniciou-se uma grande fase de
domesticação desse povo. Os Jesuítas implantaram escolas elementares para ensinar os
pequenos indígenas a ler, escrever e contar. E assim esvaziar a identidade indígena, dessa
forma surgiu a primeira instituição destinada a crianças no Brasil.
Desde o período colonial, foram sendo criados no país colégios internos, seminários
asilos, escolas de aprendizes artífices, educandários, reformatórios, dentre outras
modalidades institucionais surgidas ao sabor das tendências institucionais e
assistenciais de cada época. (RIZZINI & RIZZINI, 2004 p.22)

Com o passar dos anos muitas crianças, tanto ricas como pobres, passaram a ser
educadas longe de suas famílias de origem. Mas em meados do século XX esse modelo de
internato não era mais utilizado pelos filhos de ricos, entretanto, é mantida para os pobres até
os dias atuais.
Durante anos crianças nascidas em famílias em situação de extrema pobreza ou com
qualquer outra dificuldade que impossibilitasse sua criação, já tinha destino certo a procurar
assistência do estado: Eram encaminhadas para instituições. Essas instituições eram até o final
da década de 1980 denominadas de “internato de menores” ou “orfanatos” e funcionavam nos
moldes de asilo, embora as crianças em sua quase totalidade tivessem famílias (RIZZINI &
RIZZINI, 2004 p.14). Até o inicio do século XX não se tem registro de políticas sociais
implantadas pelo estado, essa prática de institucionalização perdurou por muitos anos como
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sendo a única assistência dada pelo estado. Apesar de que desde o início dos anos de 1.900, a
internação de crianças aparecerem na literatura jurídica como o último recurso a ser adotada.
(RIZZINI & RIZZINI, 2004 p.14).
Durante o período colonial crianças com dias ou meses de vida eram constantemente
abandonadas, por não encontrarem abrigos, eram deixadas em calçadas, praias, terrenos
baldios e lixeiras. Acabavam por falecer por falta de alimentos, pelo frio, tendo por
companhia ratos, porcos e cães. (Venâncio, 1997). No Séc. XVIII Houve uma grande
preocupação com o grande número de abandono de bebês pela cidade de salvador. Para
Renato Venâncio, abandono de bebês no Brasil colônia era resultado da pobreza, e dos
preconceitos morais.
As rodas dos expostos3 foi o primeiro programa de assistencialismo no Brasil (1726-
1950). De origem medieval surgiu na Itália no século XII e se difundiram pela Europa, foram
trazidas pelos colonos portugueses no século XVII. A roda tinha como objetivo evitar o
aborto e o infanticídio que poderia ser causado na falta dessas instituições, mantendo o
anonimato das mulheres brancas solteiras que abandonavam seus filhos evitando assim os
crimes morais. A roda tinha por finalidade precípua não constranger pessoa alguma, nem
quem levava a criança tampouco quem a recolhia (Venâncio, 1997). A participação da igreja
católica foi fundamental para a implantação da roda dos expostos. Caberiam as Santas Casas
de misericórdia a assistência à infância abandonada. A primeira roda dos expostos foi
implantada na santa casa de misericórdia na cidade de salvador na Bahia em 1726, por um
grande comerciante, João de Mattos de Aguiar.
As crianças muitas vezes chegavam às santas casas de misericórdia necessitando de
assistência médica. Chegavam desnutridas, com doenças degenerativas. Por conta da situação
em que chegavam essas crianças na santa casa, era alto o índice de mortalidade infantil, de
acordo com Marcilio apenas 20% a 30% dos que foram deixados na roda Atingiam a idade
adulta. E mais da metade morriam antes de completar um ano de vida. Assim que chegavam
era providenciado o batismo se caso a criança ainda não fosse batizada. As crianças
permaneciam de um a dois meses, após os devidos cuidados a criança era encaminhada para
uma ama de leite e depois a uma ama seca (de criação) que eram pagas pela santa casa, elas
cuidavam da criança até os 07 anos de idade quando era encaminhada para instituições de

3
Segundo MARCILIO o nome da roda provém do dispositivo onde se colocavam os bebês que se queriam
abandonar, consistia em cilindros rotatórios de madeira que eram fixados no muro ou na janela da instituição,
no tabuleiro inferior e em sua abertura externa, o expositor depositava a criança abandonada. A seguir girava a
roda e a criança já estava do outro lado do muro.
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caridade. Ou eram encaminhadas para famílias que manifestassem o desejo de criar a criança
abandonada enviando um requerimento à santa casa.
A prática de criar filhos alheios sempre, e em todos os tempos foi amplamente
difundida e aceita no Brasil. São inclusive raras as famílias brasileiras que, mesmo
antes de existir o estatuto da adoção, não possuíam um filho de criação em seu seio.
((Marcilio, 1998, p.68).

Em meados do século XIX iniciou-se no Brasil um grande movimento contra o fim da


roda dos expostos liderado por médicos higienistas que se preocupavam com o alto nível de
mortalidade dentro das casas dos expostos. Logo depois tiveram o apoio de juristas que
começaram a se preocupar com a infância abandonada como uma questão social. Em 1927 o
primeiro código de menores proibiu o sistema de rodas, mas a última roda só veio ser extinta
em 1950 no estado de São Paulo.
No início dos anos XX o país passou por uma série de mudanças, nesse período o
Brasil enfrentou uma fase de crise econômica e política, houve um aumento na criminalidade
e abandono infantil e a culpa era considerada das famílias. No entanto a principal causa era a
má distribuição de renda e falta de políticas sociais do estado para com a sociedade. O estado
foi pressionado a criar um código para regular o que ainda não existia em se tratando de
assistência e proteção a criança e o adolescente. Em 1927 foi promulgado o primeiro código
de menores também conhecido como código Mello Mattos contendo 231 artigos, Primeira
legislação brasileira destinada à infância (Decreto nº 17943-A, de 12 de outubro de 1927)
idealizada por José Cândico de Mello Mattos, autor do projeto, e primeiro juiz de menores do
Rio de Janeiro. O código tinha por objetivo dar proteção e assistência aos menores que por
deficiências ou negligências dos pais, encontrava-se em estado de abandono moral ou material
e/ou delinquência, também aboliu o uso do sistema de rodas dos expostos: “Art.15 A
admissão dos expostos à assistência se fará por consignação direta, excluído o sistema de
rodas”. O capítulo I do código assim se inicia:
Art.1º - O menor, de um ou de outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver
menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas
de assistência e proteção contidas neste Código.

Verifica-se já no primeiro artigo do código a classificação desses “menores” pode se


analisar uma concepção de infância pelo que prevê o código, abandonado ou delinquente,
determina para esse público, medidas de proteção e assistência. Adotando uma doutrina de
situação irregular. Para Couto e Melo (1998) com a criação do código de menores de 1927 o
termo “menor” veio para denominar as crianças pobres e abandonadas, esse termo estava
diretamente ligada a marginalidade e era usado como forma pejorativa. Já o termo criança se
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referia a filhos de “boa família” no que diz respeito à organização familiar e nível
socioeconômico.
O Código de Menores, de 1927, foi utilizado nessa época como firme propósito de
afastar as crianças de seu meio sócio familiar. A possibilidade de perda do “pátrio
poder” pela impossibilidade ou incapacidade, inclusive financeira, dos pais, permitia
que o juiz encaminhasse a criança e o adolescente a instituições de internação
(COUTO; MELO, 1998, p. 30).

A maioria das crianças era retirada de suas famílias pela simples falta de recursos
financeiros, o primeiro código de menores possuía um caráter discriminatório em relação à
pobreza aos olhos do governo a questão da pobreza já colocava a criança em risco podendo
ela a vir se tornar um delinquente sendo assim deveriam ser tuteladas pelo estado. O código
de menores foi à primeira tentativa efetiva de legislação especifica para a infância. As
crianças em estado de abandono ou delinquência eram encaminhadas pelo juiz para internatos,
que foram construídos logo após a criação das categorias de menores, cujo formato seria em
forma de circulo para facilitar a observação do comportamento dos internos. “O principal
objetivo deste aparato era transformar os delinquentes em dóceis e úteis” (COUTO; MELO
1998 PG. 29) com a destituição do poder familiar, as crianças ficavam sobre a tutela do
estado. Nesse período não se priorizava a educação, entendia-se que era mais importante
moldar a criança do que educa-la.
Em 1941 Surge o SAM, vinculado ao ministério da justiça, com o objetivo de
“sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores desvalidos e delinquentes,
internados em estabelecimentos oficiais e particulares”. Essa autarquia tinha como lema a
profissionalização de jovens delinquentes e a sua reintegração social na sociedade. Porém
uma década após a sua expansão o SAM foi duramente criticado, os jornais da época
noticiavam a todo tipo de horrores que era submetido os jovens. Em 1956 o ex-diretor do
SAM, Paulo Nogueira Filho, publicou o livro “Sangue, corrupção e vergonha” onde
denunciava os horrores que presenciou ao assumir a direção da instituição.

Espantou-me a promiscuidade em que viviam aqueles seres de todos os tamanhos,


de todas as idades e procedência, vivendo numa ociosidade deprimente. Comiam e
dormiam; uns entregavam-se a pederastia e outros fumavam maconha; os que
podiam incorporavam-se a “gang” para as excursões extremas de rapina ou para
promoção de rebeliões externas de rapina ou para a promoção de rebeliões internas.
Nem livro nem uma aula nenhum esporte. O projeto cinematográfico estava
quebrado; não havia bola; nem peteca; nem ginástica e muito menos rádio ou vitrola.
Para distração os menores ouviam, de quando em quando, gritos dos enclausurados e
viam, diante de si, permanentemente, os muros alvos e altos, que, em cima por uma
rede de arame farpado, circulava a casa e o pátio. (NOGUEIRA FILHO, 1956, p.37)

De acordo com a narração do autor supracitado acima, é possível concluir que não se
buscava a profissionalização desses menores, e muito menos era ministrado à educação para a
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reintegração na sociedade. Indo totalmente contra o que estava previsto no artigo 2º desse
decreto. O SAM acabou se tornando uma prisão para menores, na época ficou conhecido
como “escola do crime”, a mídia da época tanto denunciava os abusos das instituições, como
ressaltava o grau de periculosidades dos criminosos que passavam pela instituição. A
passagem pelo SAM tornava-se o rapaz temido e indelevelmente marcado (RIZZINI e
RIZZINI, 2004, p. 34). Outras legislações surgiram com a necessidade de oferecer direitos de
proteção especial a criança, como a declaração de Genebra, de 1924 e a Declaração universal
dos direitos humanos das nações unidas de 1948.
Em 1950 se instala no Brasil na cidade de João Pessoa, na Paraíba, o primeiro escritório
da UNICEF (Fundo das nações unidas para a infância). Com programas voltados a saúde da
criança e da gestante. Em 1959 foi aprovada a declaração universal dos direitos da criança.
Com novas legislações garantindo o direito da criança em vários aspectos torna-se
insustentável a situação criada pelo SAM. Em 1964 já na vigência do regime militar no Brasil,
o SAM foi extinto pela lei 4.513 de 1º de Dezembro de 1964 com a criação da FUNABEM
(Fundação nacional do bem-estar do menor) órgão normativo que tinha como missão inicial
instituir o Anti – SAM. E a finalidade de criar e implementar a política nacional do chamado
“Bem estar do menor”, a ideia da FUNABEM era a valorização da vida familiar e a
integração do menor na comunidade. Nessa época a destituição do poder familiar era muito
comum já que era atribuída a família a responsabilidade da situação em que o menor se
encontrava, entre 1967 e 1972 havia sido recolhida cerca de 530 mil crianças, a maioria de
favelas do Rio de janeiro, Minas gerais e Espirito Santo (Rizzinni e Rizzini 2004). Na década
de 70 houve investimentos significativos, os governos estaduais se sensibilizaram e deram
origem a FEBEM (Fundação estadual do bem estar do menor). O recolhimento de menores
considerados em estado de vulnerabilidade foi intensificado, e a responsabilidade por crianças
e adolescentes foi repassada de maneira plena para o estado. Porém essas instituições já não
cumpriam com o seu papel de ressocialização, continuando com as mesmas práticas do antigo
SAM a FEBENS era duramente criticadas pelos brasileiros por ser considerado novas escolas
do crime além de históricos de maus tratos aos internos. E foi assim duramente criticada em
diversas obras.
“A realidade por trás dos muros dessas instituições jamais correspondeu às
expectativas de reeducação ou socialização. Na verdade, tais muros serviram (e
ainda servem) apenas para que a sociedade escondesse “parcelas significativas de
crianças e jovens em dita “situação irregular” nome eufemista dos pauperizados e
excluídos pela lógica do sistema vigente nessa mesma sociedade.” (Martins, 2005.
Pág. 34).
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A institucionalização nesse período se fortalece, enfraquecendo cada vez mais os laços


afetivos entre menores e família. As FEBENS recolhiam das ruas não só os marginalizados,
mas também os inocentes colocando os dois no mesmo ambiente formando assim uma
verdadeira “escola do crime” para aqueles que ainda não faziam parte. Mais uma tentativa
falha de assistência à infância no Brasil. Todavia as famílias desses jovens não ocupavam
posição passiva com essa política de internamento. Apesar de a pobreza ser reconhecida como
fator determinante de internação, não impediu a concepção de que os pais queriam se ver livre
dos filhos.

A pesquisa citada, de Medina e Almeida, com família e menores internados, em


educandários da Guanabara, revelou a seguinte composição familiar de 1.950
famílias de 3.216 internados: 871 (44,7%) eram constituídas apenas pela mãe; em
764 (39,2%) não havia pai, nem mãe; 211 (10,8%) com pai e mãe e 104; (5,3%)
somente o pai. O abandono do pai era o fenômeno mais expressivo (32,7%) e o de
ambos os pais (22,3%). (Rizzini e Rizzini, 2004. Pág. 41)

Os dados indicam a dificuldade das mulheres solteiras em criarem seus filhos sozinhas,
ou por conta do forte preconceito naquela época em relação às mães solteiras ou por questão
de dedicação a trabalhos domésticos já que era uma atividade dominante naquela época
caracterizada por longas jornadas e baixos salários. A legislação menorista confirmava e
reforçava a concepção da incapacidade das famílias pobres em educar os filhos (Rizzini e
Rizzini 2004).

4. DA SITUAÇÃO IRREGULAR À PROTEÇÃO INTEGRAL

Na década de 80 a institucionalização no Brasil começou a ser questionada sobre a sua


eficácia, foram levantados debates, publicações e seminários. Profissionais de diversas áreas
tiveram interesse nesse campo de atuação sobre a forma que a assistência à infância vinha
sendo desempenhada no Brasil, e a maneira como ocorriam às internações, além das
consequências da institucionalização na vida do menor.
A doutrina de proteção integral foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro
através do artigo 227 da constituição federal de 1988, representou um grande avanço em
termos de proteção aos direitos fundamentais. Crianças e adolescentes deixam de serem
sujeitos passivos e passam a serem detentores de direitos em absoluta prioridade por estarem
na condição de pessoa em desenvolvimento. Em 1989 a ONU aprovou a convenção sobre os
direitos da criança a partir daí esses direitos passaram a ter força de lei e cada estado
signatário assumia o compromisso de construir uma ordem legal interna para garantir sua
11

efetivação, a convenção afirma quatro princípios: Não discriminação, melhor interesse da


criança, sobrevivência e desenvolvimento e respeito à opinião da criança.
Em 1988 esse movimento consegue dar um grande passo no que diz respeito aos
direitos da criança e adolescente ao inscrever suas propostas na constituição federal em seu
artigo 227 que logo depois foi promulgada.
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a
salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão.
A responsabilidade com a infância que por muitos anos foi omissa, passa a ser agora
da família, da sociedade e do estado, assegurada pela constituição federal de 1988. Assim se
rompe a doutrina de situação irregular, foi incorporada a obrigação da família, da sociedade e
do estado assegurar com absoluta prioridade os direitos da criança e do adolescente.
Em 1990 foi promulgada a lei 8.069 o estatuto da criança e do adolescente, desse
modo à infância deixou de ser um objeto de poder do estado e passou a ser de toda a
sociedade civil. Essa nova fase é denominada de doutrina da proteção integral. O estatuto
trouxe inúmeras inovações garantindo a crianças e adolescentes direitos até então inexistentes.
O inicio dos anos 90 foram marcados pelos esforços de implementação do ECA, as
medidas agora eram preventivas e não se limitando somente busca pela institucionalização. A
criança e o adolescente agora como sujeito de direitos na condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento. A lei não poderá ser aplicada de maneira prejudicial às crianças e
adolescentes. Assim discorre em seu Art. 6º
Art.6º Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se
dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e
a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Em seu art.4º contempla mais uma vez os direito já assegurados no art.227 da
constituição federal. Um dos princípios norteadores do ECA da responsabilidade tripartida.
Ou seja, a família, a comunidade e a sociedade são responsáveis pela condução dos direitos da
criança e do adolescente. Além de deixar explicito o principio da prioridade absoluta, ou seja,
por estar em posição de hipossuficiência, por serem mais fragilizados a criança tem absoluta
prioridade em todos os aspectos do direito, pelas políticas públicas e Ações do governo.
Art.4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à
saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à
cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária.
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Baseado na doutrina de proteção integral a lei assegura direitos a todas as crianças e


adolescentes sem discriminação de qualquer tipo. Assim descreve o código em seu artigo 2.º
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta lei, a pessoa até doze anos de
idade incompletos, e adolescentes aquele entre doze e dezoito anos de idade.

A lei é universal bastando somente ser criança ou adolescente. Com o ECA crianças e
adolescentes passam então a ser considerados cidadãos, com direitos pessoais e sociais
garantidos, desafiando os governos municipais a implementarem políticas públicas, dirigidas
a esse segmento.

5. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL X ACOLHIMENTO FAMILIAR

O acolhimento institucional tem caráter excepcional e provisório, como esta expresso


no ECA.
Art. 101. Parágrafo primeiro. O acolhimento institucional e o acolhimento familiar
são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para
reintegração familiar ou, não sendo esta possível, para colocação em família
substituta, não implicando privação de liberdade.

Se é assegurada a convivência familiar à criança e ao adolescente, que por estar em


condição de desenvolvimento o ideal é permanecer em um seio familiar visto que se tem uma
maior necessidade de um apoio de uma pessoa adulta para contribuir na construção de sua
formação como individuo, além de contribuir para o seu convívio em comunidade. Entretanto
em casos em que a criança se encontra em situação de vulnerabilidade, essa medida é adotada,
sendo um fator de risco por ser mais um episódio traumático.
Crescer em instituições não é bom para crianças. Um incontável número de estudos
bem divulgados no século XX revelou as consequências desastrosas desta prática
para o desenvolvimento humano. No entanto, o tema vem à tona no inicio do
terceiro milênio com a constatação de que uma parcela significativa de crianças
ainda hoje vive em instituições (Rizzini e Rizzini, 2004,pg 77)

Instituições de acolhimento não é lar! Permitir que crianças cresçam e se desenvolvam


em ambientes como esse é desumano, e aqui não quero falar mal das instituições, pois sem
dúvidas seus colaboradores (psicólogos, assistentes sociais, etc.) fazem o possível para
proporcionar o melhor para os institucionalizados. Mas o desenvolvimento de crianças e
adolescentes em locais como estes é varrer pra debaixo do tapete pessoas que tem seus
direitos assegurado com absoluta prioridade. Por melhor que o abrigo seja nunca vai ser igual
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à família, a família acolhedora4 ajuda a administrar a dor e os traumas das crianças. Quando
uma criança corre risco, o melhor lugar para ela não é uma instituição é uma família, viver em
família e em comunidade não pode ser reproduzido em uma instituição. Porém a
institucionalização é uma realidade cruel, segundo Neusa Cerutti5 o acolhimento familiar não
chega a 10% no Brasil.
Nos meus 10 anos de experiência com Acolhimento Familiar eu jamais vi casos de
crianças que saíram da família acolhedora para a adoção e foram devolvidas - o que
infelizmente sabemos que hoje é uma realidade no Brasil. Se fizermos uma análise,
vamos verificar que essa criança que foi devolvida saiu de um abrigo . (Cerutti,
Neusa)
Estamos a 516 anos colocando crianças em abrigos, nem mesmo com a implantação
do ECA essa realidade mudou, mesmo sabendo dos danos que isso pode causar na vida da
criança e do adolescente. Vemos o Brasil gastar tanto em presídios, quando sabemos que se
fossem feito os investimentos necessários, criando alternativas e estratégias nas famílias,
buscando o melhor interesse do menor lhe assegurando todos os direitos que lhe é devido
enfim lhe garantindo um futuro, não estaríamos gastando tanto com presídios.

5.1 DA DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR

Um dos fatores também a ser citado que contribui para o prolongamento de tempo de
institucionalização, é o processo na destituição do poder familiar, somente após esse ato é que
a criança ou adolescente ficaria apto para adoção. O art. 1638 do código civil trás as hipóteses
para a destituição do poder familiar.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. (Incluído pela
Lei nº 13.509, de 2017)
Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que:
(Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)
I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: (Incluído
pela Lei nº 13.715, de 2018)
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte,
quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou
menosprezo ou discriminação à condição de mulher; (Incluído pela Lei nº 13.715, de
2018)
b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão;
(Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)

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O programa família acolhedora consiste em famílias que são cadastradas e capacitadas para acolherem em
seus lares crianças e adolescente em vulnerabilidade social dando-lhes amparo, amor e a chance de uma
convivência familiar e comunitária.
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Assistente social e coordenadora do serviço de acolhimento familiar de Cascavel no Paraná.
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II – praticar contra filho, filha ou outro descendente: (Incluído pela Lei nº 13.715, de
2018)
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte,
quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou
menosprezo ou discriminação à condição de mulher; (Incluído pela Lei nº 13.715, de
2018)
b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à
pena de reclusão. (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)
A lei estabelece que o procedimento deverá ser finalizado em 120 dias, sabemos que
tal medida deve ser feita cautelosamente de maneira que não seja em um prazo tão curto a fim
de acabar se tornando ato injusto mas também que não seja tão demorado sob risco de
prejudicar o melhor interesse da criança ou do adolescente condenando-os a ficarem sem
ambiente familiar, portanto, deve ser feito em tempo hábil e eficiente . Sobre a restruturação
familiar, Sávio Bittencourt6 destacou em entrevista:
A ideia é que se faça esse trabalho (restruturação familiar) para que essa família se
reestruture, o fato é que muitas vezes essa família está com um processo de
desestruturação tão degradante, vulnerável socialmente que a sua restruturação para
ter capacidade de cuidar de uma criança vai levar um período muito grande e
improvável. Preferimos errar em favor do adulto, dando inúmeras oportunidades
para as pessoas que custam muito se reinventar, e por pena dela acabamos tornando
mais longo o período de institucionalização, deixando-as a perder sua infância.
(Bittencourt, Sávio)

No trecho dessa fala de Sávio Bittencourt (2017), podemos repensar como esta sendo
aplicado o principio da prioridade absoluta e interesse do menor, na verdade o interesse seria
do menor ou do adulto? No caso concreto o que se pode analisar é que as nossas instituições
estão sempre em busca de resolver o problema do adulto enquanto isso muitas vidas vão
passando entre os muros dos abrigos.

5.2 A VISIBILIDADE DA CRIANÇA INSTITUCIONALIZADA

Sabemos que na nossa sociedade a uma proteção muito grande a imagem da criança, é
comum não lhes revelar a identidade, protocolo que é rigidamente seguido pela imprensa
brasileira ao abordar matérias que envolvem crianças ou adolescentes principalmente quando
se diz respeito a situações de risco ou vulnerabilidade social. Mas se tratando de crianças
institucionalizadas é importante repensar sobre esse sigilo, pois, de acordo com o artigo 227
da constituição federal a proteção integral é dever não só da família e do estado, mas de toda a
sociedade. Se você pensar em ir visitar um abrigo nesse exato momento em que está lendo
este artigo, provavelmente não irá conseguir ter acesso as crianças que estariam lá, pois há

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Bittencourt, Sávio é procurador de justiça da infância e da juventude do MPE do estado do Rio de janeiro.
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todo um protocolo a ser seguido com dias e horários certos para sua entrada, e é estritamente
proibido fotografar as crianças. Se não vemos a imagem de uma criança institucionalizada,
como poderemos garantir a convivência familiar e comunitária? Sua imagem deve ser
preservada no caso de ofensa a sua dignidade, ora, quando uma criança desaparece a primeira
medida a ser tomada é espalhar cartazes com o rosto dessa criança para que se possa encontra-
la, pois se não se sabe quem é a criança como poderia ser encontrada? Todo esse monopólio
de informação ao invés de proteger a criança, se protege o segredo de justiça da
incompetência do sistema de justiça que não consegue colocar essa criança em família
substituta, ou reintegra-la em sua família de origem. Segundo Sávio Bittencourt:
Esta tentação de varrer a imagem de crianças, simplesmente proibindo a sua
veiculação, é acompanhada pela vedação de acesso a todos os seus dados e história
de vida. Parece ser o mais indicado para criar uma esfera de privacidade para elas e
suas famílias, mas se revela uma atitude pouco produtiva para o atendimento de
outros direitos mais importantes para sua saúde, evolução e amadurecimento.
(Bittencourt, 2017).

A total proibição acaba por prejudicar a criança quando se esta em jogo outros direitos
fundamentais. “A visibilidade dos institucionalizados deve ser compreendida pela
comunidade jurídica como estratégia essencial de viabilização do direito à família”
(Bittencourt, 2017, p. 13). O direito à família gera mais benefícios ao institucionalizado do
que obviamente a preservação a sua imagem. No que tange a institucionalização quando há
esse choque de conflitos o mais benéfico é que prevaleça aquele que trará mais vantagens à
criança ou adolescente.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Durante a pesquisa deste trabalho, foram ouvidas duas mães por adoção, que acabaram
por adotar seus filhos depois do contato que tiveram com eles. Uma delas estava na fila da
adoção com um perfil traçado, porém depois do contato com outro perfil, acabou criando
laços e adotando a criança. Já a outra estava em um projeto que no período natalino poderia
levar uma criança do abrigo para sua casa, quando decidiu que queria aquela criança
permanentemente em seu seio familiar. As duas crianças pertenciam ao abrigo lar da criança
em Teresina-PI. Abaixo o depoimento delas:
Depoimento da Mãe por adoção Maria de Lourdes, mãe do Josino, hoje com 22 anos de
idade.
O lar da criança tinha um projeto de no natal, levar uma criança para passar o natal em
família e aí minha filha que estagiava lá disse que iria trazer um menino para passar o
natal com a gente (em família). Foi quando ela trouxe o Josino, e a gente se deu bem com
ele, ele era muito animado, foi chamando todos de tios e se adaptou muito bem na nossa
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casa. Diante disso ele passou o ano novo, depois passou o carnaval, a semana santa e
ficamos naquele vínculo de todo o feriadão ir pegá-lo, durante essa experiência de dois
anos, nós vimos que estava na hora dele ser adotado e ele também queria (na época ele
tinha 7 anos de idade) pois tinha muito medo de ir pra Casa Dom Barreto, pois lá a casa
era só dos meninos maiores e ele era pequeno e tinha muito medo de ir pra lá, então em
casa entramos em comum acordo e todos aceitaram que ele fosse adotado
Nesse depoimento podemos ver algo que é considerado um desafio na adoção nos dias
atuais que é a adoção tardia, pois se trata de uma criança de 7 anos de idade inicialmente e
que só chegou a ser adotada de direito aos 9 anos de idade e isso foi possível graças a
aproximação da criança com a comunidade. É importante manter essa aproximação para que a
comunidade conheça quem são as crianças que estão abrigadas.
Segundo depoimento da mãe por adoção Francisca, mãe do Davi de 7 anos de idade:
Eu fiquei dois anos na fila de adoção, esperando uma menina de 3 anos de idade e
essa menina nunca veio, quando me chamaram no abrigo eu trazia sempre uma criança
como família acolhedora, ela passava o fim de semana, final de ano, e um dia me ligaram
e chegando lá me disseram que lá tinha muitas crianças e pediram pra eu trazer o Davi
(6 meses de idade), eu levei e ele passou 22 dias comigo e fui deixar ele, quando fui
deixar ele no abrigo dois dias depois me ligaram novamente, cheguei a pensar que era a
menina que eu estava esperando pois estava a muito tempo na fila e já tinha sido feito
todo o processo. Chegando lá fui informada que a criança que eu havia levado desde que
eu havia devolvido ele chorava muito ao ponto de estar com rouquidão, pegaram ele no
berçário pra eu ver e ele estava queimando em febre, e ela me pediu para leva-lo
novamente pra casa pra quando ele melhorasse eu devolvesse. Então eu disse que não
levaria, pois o problema iria permanecer, porém se ela me entregasse para ser meu filho
de verdade eu aceitaria. E ela diz que não, pois eu estava na fila de espera por uma
menina e eu respondi que quando a gente engravida não se sabe qual o sexo do bebê e de
toda forma aceitamos o que vier. Naquela época quem era família acolhedora poderia
ficar com a criança, hoje não.
No segundo depoimento já temos uma pessoa que estava há dois anos em fila de
adoção por uma menina de 3 anos de idade, é importante ressaltar que essa mãe é deficiente
física e tinha opção por uma criança maior para facilitar nos cuidados. Porém ao ser posta em
contato com um perfil diferente do pretendido a construção dos laços afetivos superou
qualquer tipo de dificuldades. Podemos analisar também a questão dos benefícios da
convivência familiar para a criança, pois ao ser devolvido ao abrigo a criança chegou a
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adoecer. Como informado no depoimento da mãe naquele tempo era mais facilitado à adoção
sendo família acolhedora. Hoje as famílias que são cadastradas na família acolhedora não
podem estar cadastradas na fila de adoção.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que há um problema em nosso país de enraizamento da cultura de


institucionalização de crianças e adolescente que é praticado desde o inicio da história do
Brasil. Observamos que o principal objetivo da implantação da roda dos expostos era
resguardar aquelas pessoas que abandonavam seus filhos, a proteção não era para o
abandonado, mas para quem estava abandonando para não ser punida por crimes morais na
época, e se formos comparar com os dias de hoje de como lidamos com a situação de crianças
e adolescentes que por algum motivo não podem permanecer em seu seio familiar biológico,
estamos mais atentos em resolver os problemas dos adultos do que daqueles que precisariam
de uma maior assistência para seu desenvolvimento. Por muitos anos a pobreza era a
justificativa para a perda do “pátrio poder” sendo assim crianças e adolescentes ficavam sobre
a tutela do estado que não se mostrava nenhum pouco interessado em restitui-los à sociedade,
durante todos esses anos houve várias tentativas falhas de assistência à infância e a
adolescência. Vamos evoluindo a passos lentos, pois mesmo após 29 anos da criação do
estatuto da criança e do adolescente ainda há muito a que se melhorar, a frase clichê “Criança
é o futuro do país” só vai fazer sentido quando ela tiver realmente um presente com todos os
seus direitos garantidos com a absoluta prioridade. Abrigo não é lar! É necessário adotar
políticas públicas com a finalidade de acabar com os abrigos, preparar a sociedade para estar
apta a acolher qualquer perfil de crianças ou adolescentes, incentivar o acolhimento em
famílias acolhedoras, pois somente dentro de uma família um individuo consegue se
desenvolver melhor. Aproximar essas crianças e adolescentes da sociedade, manter o
monopólio de informação desses indivíduos não irá resolver o problema deles, Além disso, é
necessária a celeridade do andamento processual a fim de resolver de forma hábil e
competente a destituição do poder familiar a fim de não prorrogar a permanência de crianças e
adolescentes em abrigos. Incentivar a busca ativa de famílias que estão no cadastro de adoção,
pois é fato que ao entrarem na fila é construído um perfil de sexo, cor e idade, porém se estas
pessoas tiverem um maior contato com aqueles que estão disponíveis para a adoção um laço
pode ser criado e um determinado perfil destruído.
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REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei federal nº 8.069, 13 de julho de 1990. Estatuto da criança e do adolescente.

Cerutti, Neusa. Entrevista Acolhimento familiar é prioritário. Instituto geração amanhã: 28


fev.2019. Entrevista concedida a Sandra Sobral. Disponível em
<<http://www.crianca.mppr.mp.br/2019/11/213/ENTREVISTA-Acolhimento-Familiar-e-
prioritario.html >> Acesso em: 29 de nov. 2019

Conselho nacional de justiça (2019). Relatório quantidade de acolhidos por estado.


Disponível em <<https://www.cnj.jus.br/cnca/publico/>> Acesso em 21 de ago. de 2019.

COSTA, Antônio Carlos Gomes Da. Os Regimes de Atendimento no Estatuto da Criança


e do Adolescente – Perspectivas e Desafios. Brasília: Presidência da
República/SDH/Subsecretaria dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2004.

COUTO, Inalda Alice Pimentel; MELO, Valéria Galo. Reconstruindo a história do


atendimento à infância no Brasil. In: BAZÍLIO, Luiz Cavaliere; EARP, Maria de Lourdes
Sá; NORONHA, Patrícia Anido. Infância tutelada e educação: história, política e legislação.
Rio de Janeiro: Ravil, 1998. P. 20-38.

MARCILIO, Maria Luiza. A roda dos expostos e a criança abandonada no Brasil colonial:
1726-1950. FREITAS, Marcos Cezar. (org). História social da infância no Brasil. São Paulo:
cortez, 1997.

MARTINS. Daniele Comin. Estatuto da criança e do adolescente e Política de


atendimento. Curitiba: Juruá 2005

NOGUEIRA FILHO, Paulo. Sangue, corrupção e vergonha. São Paulo: Organização


Libertas, 1956.

Rizzini, I, & Rizzini, I. (2004). A institucionalização de crianças no Brasil. Rio de Janeiro:


PUC-Rio.

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