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Jésus Santiago

Ylaåirnlf a a

auténtlca
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Posfac•o

e o esan¯l e o er sem corpo


com seu médico, logo, todas as relaqöes que foram até ago-

ra objeto privilegiado da investigaqäo psicanalitica, podem


reivindicar ser consideradas fen6menos sociais e colocam-se,
entäo, em oposiqäo com alguns outros processos que
chamamos de narcisicos, nos quais a satisfaqäo pulsional
escapa da influéncia de outras pessoas ou renuncia a estas.
de que nos parece dificil atribuir ao fator numérlco uma das massas [La psychologie
importåncia täo grande, a ponto de ele ser capaz, por si
Esclareqamos mais uma vez a situaqäo.• se a Psicologia,
mesmo, de despertar na Vida psiquica humana uma pulsäo que procura observar as disposiqöes, as moqöes pulsionais,
nova e normalmente inativa. Com isso, nossa expectativa os motivos, as intenqöes de cada um dos seres humanos
serå orientada para duas outras possibilidades: a de que a
pulsäo social näo deve ser originåria nem indivisivel e a de Traduzido por Dr. Rudolf Eisler, 2. ed. , 1912.
ferente de como cada um deles sentiria, pensaria e agiria
por influéncias hereditårias. Esse substrato contém os
isoladamente. Certas ideias, certos sentimentos so surgem
infimeros rastros ancestrais que constituem a alma da
ou s6 se convertem em atos nos individuos ligados å mas- raca7 [Rassenseele]. Por trås dos motivos confessados de
sa. A massa psic016gica é um ser provis6rio, composto de nossos atos existem, sem dfivida, as razöes secretas que
elementos heterogéneos ligados entre si por um instante, näo confessamos, mas por trås destas existem razÖes
absolutamente da mesma forma como as células de um ainda mais secretas, que nos mesmos ignoramos.
suas mogöes pulsionais inconsclentes. As caracteristicas apa- que seu conceito de inconsciente näo coincide inteiramente com aquele
tomado pela Psicanålise. O inconsciente de Le Bon contém sobretudo
rentemente novas que ele entäo apresenta säo justamente
as marcas distintivas mais profundas da alma da raga, a qual nio é levada
as manifestaqöes desse inconsciente, no qual seguramente em conta pela Psicanålise individual. Na verdade, näo ignoramos que
tudo de mau da alma humana estå contido de maneira o nficleo do Eu (o Isso, como o chamei mais tarde), ao qual pertence
a "heran€a arcaica" da alma humana, seja inconsciente, e, além disso,
constitutiva; sob essas circunstancias, o desaparecimento da
n6s distinguimos o "recalcado inconsciente", que se originou de uma
consciéncia moral ou do sentimento de responsabilidade parte dessa heranqa. Esse conceito do recalcado falta em Le Bon.
Iidade inconsciente, orientaqäo dos pensamentos e rios degraus na escada da civilizaqäo. Isolado, talvez
sentimentos na mesma direqäo, através de sugestäo fosse um individuo instruido, na massa ele é um
e contågio, tendéncia a transformar imediatamente ser instintivo e, por consequéncia, um

em atos as ideias sugeridas. O individuo näo é mais bårbaro. Ele possui a espontaneidade, a violéncia, a
ele mesmo, mas um automato, que näo pode mais selvageria e também o entusiasmo e o heroismo de

ser guiado pela pr6pria vontade (p. 17). seres primitivos (p. 17).
Cada um, visto de maneira isolada, é razoavelmente inteligente de qualquer tentaqäo pode servir de ensejo a uma aqäo criminosa
figurada no sonho. Sobre esse fato, o Dr. Hanns Sachs fez uma bela
e sensato;

Quando in corpore, logo se revela a vocés um idiota. observaqäo: "O que o sonho nos revelou quanto is relaqöes com o

presente (a realidade) iremos depois procurar também na consciéncia,


ii "Inconsciente" é utilizado corretamente por Le Bon, no sentido
e näo temos o direito de nos surpreender se o monstro que vimos
descritivo, no qual ele näo significa apenas o "recalcado".
sob a lente de aumento da anålise revelar-se um pequeno infus6rio"
Cf. Totem e tabu Ill, "Animismo, magia e onipoténcia dos pensamen- [Infusionstierchenl (Cf. A interpreta€åo dos sonhos [Traumdeutung], 7. ed. ,

tos" [Ges. werke, IXI. 1922, p. 457) [Ges. werke, v. 2 e 3, p. 6261.


genital definitiva (Trés ensaios sobre a teoria sexual [Drei Abhandlungen
Alguns outros tracos da caracterizaqäo de Le Bon
der Sexualtheorie], 1905, Ges. Werke, v. V). Que a unificaqäo do Eu,
lanqam uma luz clara sobre a justificativa de identificar aliås, possa experimentar as mesmas perturbaqÖes que as da libido o
a alma da massa com a alma dos primitivos. Nas mas- mostram mfiltiplos exemplos bastante conhecidos, tais como o dos
pesquisadores da Ciéncia Natural [Naturforscherl que mantiveram a
sas, as ideias mais opostas podem coexistir e tolerar-se
sua crenqa na Biblia, e outros. [Acrescentado em 1923:] As diversas
mutuamente, sem que de sua contradiqäo 16gica resulte possibilidades de uma dissocia€äo posterior do Eu constituem um
um conflito. Mas esse é o mesmo caso da Vida animlca capitulo especial da Psicopatologia.
Contudo, todo prestigio também depende do sucesso e
que nunca saberia viver sem um senhor. Ela tem uma tal
desaparece com o insucesso (p. 103).
sede de obedecer que se submete instintivamente a qualquer
Näo obtivemos a impressäo de que, para Le Bon, o
um que se designe seu senhor.
papel dos lideres e a énfase sobre o prestigio tenham Sido
colocados em harmonia com a täo brilhante descriqäo
Cf. Totem e tabu. da alma da massa.
säo mais do que o consumador de um trabalho animico do
Cf. o texto e a bibliografia em B. Kraocovic jun., A psicologia das
qual os outros fizeram parte simultaneamente.
coletividades [Die Psychologie der Kollektivitäten]. Traduzido do croata
por Siegmund von Posavec, Vukovar, 1915. Em vista dessas contradiqöes absolutas, parece que o
Ver Walter Moede, A psicologia das massas e a psicologia social na trabalho da psicologia de massas teria de transcorrer sem re-
perspectiva critica [Die Massen- und Sozialpsychologie im kritischen sultados. No entanto, é fåcil encontrar uma saida mais espe-
Überblick], Zeitschrift fur pådagogische Psychologie und experimentelle
Pädagogik, de Meumann e Scheibner, X
VI, 1915. ranqosa. Provavelmente foram reunidas enquanto "massas"
coisa em comum, um interesse comum por um objeto, uma a carga de afeto do individuo através de induqäo reciproca.
mesma orientaqäo afetiva em determinada situaqäo e (eu E inegåvel que ai esteja em aqäo algo da ordem de uma
acrescentaria: em consequéncia) um certo grau de capacidade compulsäo a fazer o mesmo que os outros, a permanecer em
de se influenciar mutuamente (some degree of reciprocal influence sintonia com a maioria. As moqöes afetivas mais grosseiras e
simples tém a maior perspectiva de se propagar dessa maneira
i
Cambridge, 1920. em uma massa (p. 39).
e seu trabalho de pensamento näo é livre, e porque ern ocupam sucessivamente o lugar umas das outras.
cada individuo a consciéncia da responsabilidade por suas A segunda é a de que se tenha formado no individuo
realizaqöes estå rebaixada. da massa uma determinada representaqäo da natureza,
A avaliaqäo geral sobre o rendimento psiquico de uma da fungäo, das realizaqöes e reivindicaqöes da massa, de
massa simples, "näo organizada", näo é mais simpåtica em maneira que dai possa resultar para ele uma relaqäo afetiva
McDougall do que em Le Bon. Uma massa como essa é (p. 45): com o conjunto da massa.
Se reconhecermos entäo que a meta é dotar a massa com os
atributos do individuo, n6s nos lembraremos de uma valiosa [Nota acrescentada em 1923] Em oposiqäo a uma critica, aliås com-
observaqäo de Wilfred Trotter,l que vislumbra, na tendéncia preensiva e perspicaz, de Hans Kelsen (Imago V Ill/ 2, 1922), näo
posso aceitar que dotar dessa maneira a "alma da massa" com uma
organizaqäo significa que a estamos hipostaseando, ou que lhe
seja,

Instincts of the Herd in Peace and War I Instintos gregårios na paz e naguerral. reconhecemos uma independéncia em rela€äo aos processos animicos
London, 1916. no individuo.
caracterizam-se por uma sugestionabilidade particular. do termo, e isso näo é supérfluo, pois a palavra vai em direqäo
Assim, estaremos preparados para enunciar que a
sugestäo (ou melhor, a capacidade de ser sugestionado) é Konrad Richter. OSäo Crist6väo alemäo [Der Deutsche St. Chistoph].
Berlim, 1896. Acta Germanica, V, 1.

Cf. McDougall em Jornal de Neurologia e Psicopatologia [Journal of


Brugeilles, A esséncia do fenÖmeno social: a sugestäo [L'essence du
Neurology and Psychopathology], v. 1, n. 1, maio 1920: Uma nota sobre
phénoméne social: La suggestion]. Revue philosophique, XXV, 1913. a sugestäo [A note on suggestion].
ideias abstratas. Nossa justificativa reside no fato de que a "pansexualismo". Aquele que toma a sexualidade por algo
investigaqäo psicanalitica nos ensinou que todos esses anseios que envergonha e rebaixa a natureza humana estå livre

säo a expressäo das mesmas mo€öes pulsionais que, entre os


sexos, impelem uniäo sexual; em outras circunståncias,
Nachmansohn, A teoria da libido de Freud comparada com a doutrina
de Eros de Platäo [Freuds Libidotheorie verglichen mit der Eroslehre
[Nota acrescentada em 1924]: Infelizmente esse trabalho näo se realizou. Platos]. Intern. Zeitschr.j: Psychoanalyse, Ill, 1915; Pfister, id., V II, 1921.
que, em outros casos, eståo muito mals encobertas.
DUAS MASSAS ARTIFICIAIS: A IGREJA E O EXÉRCITO Na Igreja — podemos, com vantagem, tomar a Igreja
Cat61ica como modelo —, bem como no Exército, por mais
A partir da morfologia das massas, lembremos que
podemos distinguir espécies muito diversas de massa e di- Os atributos "eståvel" e "artificial" parecem coincidir ou estar em
reqöes opostas em sua formaqäo. Hå massas muito efémeras intima correlaqäo nas massas.
Igreja, mas näo desempenha nela o mesmo papel economico, dos individuos estå libidinalmente ligado, por um lado,
tendo em vista que se pode atribuir a Cristo mais saber e ao lider (Cristo, general), e, por outro, aos outros indivi-
preocupaqäo com os individuos do que ao general humano. duos da massa. Como essas duas ligaqöes se comportam
1 Contra essa concepqäo da estrutura libidinal de um
Exército serå objetado, com razäo, que as ideias de påtria,
Neuroses de guerra e "trauma psiquico" [Kriegsneurosen und "Psychisches
de g16ria nacional e outras que säo tho importantes para a Trauma"], München, 1918.
(na verdade, nåo do pånico militar) até mesmo como rada. Näo devemos esperar que o uso da palavra "pånico"
exemplo padräo para o aumento do afeto por contågio esteja determinado de maneira nitida e unlvoca. As vezes
(primary induction) [induqäo primåria], acentuado por ele. caracterizamos assim qualquer medo coletivo [Massenangst],
SO que essa maneira racional de esclarecer é falha nesse outras vezes também o medo de um individuo, quando ele
caso. Faltajustamente explicar por que o medo tornou-se ultrapassa qualquer medida; frequentemente o nome parece
täo gigantesco. O tamanho do perigo näo pode ser reservado para o caso em que a irrupqäo do medo näo é
desaparecem também — via de regra — as ligaqöes reciprocas dura e sem amor para com aqueles que näo pertencem a
dos individuos da massa. A massa se desvanece como uma ela. No fundo, toda religiäo é uma religiäo de amor como
garrafinha de Bolonha,22 da qual se quebrou a ponta.

de fenÖmenos anålogos ap6s a aboliqäo


Cf., a esse respeito, a explicaqäo
Ver as Conferéncias, XXV [Vorlesungen zur Einfiihrung in die Psychoanalyse], da autoridade do soberano patriarcal, em P. Federn, A sociedade sem
Ges. werke, v. Xl. pai [Die vaterlose Gesellschaft], Wien, 1919.
dos individuos da massa entre Sl. massa. Seremos primeiro cativados por uma reflexäo que:
Haveria ainda muito mais a investigar e descrever na nos promete trazer a prova, pelo caminho mais curto, de
morfologia das massas. Teriamos de partir da constataqäo que säo asAigaqÖes de libido que caracterizam uma massa.
de que uma simples multidäo de seres humanos ainda näo Iremos nos deter na maneira como os seres huma-
é nenhuma massa enquanto aquelas ligaqöes näo tlverem se nos em comportam-se afetivamente entre si. De
geral
estabelecido nela, mas teriamos de admitir que em qualquer acordo com o famoso simile de Schopenhauer sobre os
repetiu-se aquele segundo mal, de forma que eles foramjogados para acordo com os nossos pontos de vista te6ricos, so pode ser
lå e para cå entre os dois sofrimentos, até descobrirem uma diståncia
intermediåria, que lhes permitiu aguentar melhor a situaqäo" (Parerga
e Paralipomena [Parerga und Paralipomenal, Ii parte, XXXI, Similes e Em um escrito recentemente publicado (1920), "Além do principio
paråbolas). de prazer' [Jenseits des Lustprinzips], tentei vincular a polaridade de
Talvez com a finica exceqäo da rela€äo da rnäe com o filho, que, amar e odiar com uma suposta oposiqäo entre pulsöes de Vida e de
fundada sobre o narcisismo, näo é perturbada por uma rivalidade morte, e apresentar as pulsöes sexuais como os mais puros represen-

posterior e é reforqada por um esboqo de escolha sexual de objeto. tantes das primeiras, as pulsöes de Vida.
as obrigaqöes dele decorrentes de poupar o que era caro ä outros mecanlsmos como esse. De fato, aprendemos com
mulher, quanto no amor dessexualizado, sublimadamente a Psicanålise que existem outros mecanismos de ligaqäo

homossexual por outro homem. afetiva, as assim chamadas identificacöes, processos insu-
ficientemente conhecidos, dificeis de representar, cuja
investigaqäo irå agora nos manter afastados por um bom
Cf. Para introduzir o narcisismo [Zur Einführung des Narzißmus],
tempo do tema da psicologia das massas.
1914 (Ges. Werke, v. X).
o paijunto mäe. A identiflca€äo éjustamente ambivalente
Ver Tre's ensaios sobre a teoria sexual [Drei Abhandlungen zur Sexualtheorie],
desde o inicio; ela pode tornar-se expressäo tanto da ternura
Ges. Werke, V, e Abraham, Investigaqöes sobre a fase de desenvolvi-
quanto do desejo de eliminaqäo. Ela conduz-se como um mento pré-genital mais precoce da libido [Untersuchungen über die
derivado da primeira fase oral da organizaqäo libidinal, na friiheste prågenitale Entwicklungsstufe der Libido"], Intern. Zeitschr.jl
Psychoanalyse, I V, 1916, e também suas "Contribui€öes clinicas Psi-
qual o objeto cobiqado e apreciado foi incorporado através
canålise" [Klinische Beitråge zur Psychoanalyse", Intern. Psychoanalyt.
do ato de comer e assim foi aniquilado como tal. O canibal, Bibliotek, v. 10, 1921].
Quando, por exemplo, uma das moqas num pensionato esse elemento em comum, tanto mais bem-sucedida deverå
recebe secretamente uma carta daquele que ama, que des- ser essa identificaqäo parcial e, assim, corresponder ao inlc10
perta seu cilåme e qual ela reage com um ataque histérico, de uma nova ligaqäo.
algumas de suas amigas, ao saberem do fato, assumem esse Jå estamos pressentindo que a ligaqäo reciproca

ataque, como costumamos dizer, pela via da infecqäo psi- entre os individuos da massa é da mesma natureza que

quica. O mecanismo é o da identificaqäo, fundado em um essa identificaqäo nascida de um elemento em comum


quantas vezes se quiser, e que naturalmente é inteiramente
independente de qualquer suposiqäo que se faqa sobre a forqa

pulsional orgånica e sobre os motivos dessa transformaqäo Markuszewicz, Contribuiqäo ao pensamento autista em crianqas [Beitrag
zum autistischen Denken bei Kindern]. Internationale Zeitschrift fiir
repentina. O que é notåvel nessa identificaqäo é sua amplitu- Psychoanalyse, VI, 1920.
de, ela transforma Eu num aspecto altamente importante,
o Luto e melancolia [Trauer und Melancholiel, Sammlung kleiner Schriften
em uma caracteristica sexual, de acordo com o modelo do zur Neurosenlehre, Seqäo 4, 1918 [Ges. Werke, v. X].
[aktuellen Ichl é muito variåvel em cada individuo e que, a pessoa com a qual nos identificamos, que a poupemos e lhe ofereqamos
ajuda. O estudo dessas identificaqöes, tal como as que se encontram, por
para muitos, essa diferenciaqäo no interior do Eu näo vai
exemplo, na base da comunidade de clä, forneceu a Robertson Smith
mais longe do que para a crianqa. o resultado surpreendente de que elas se baseiam no reconhecimento
de uma subståncia comum (Kinschip and Marriage, 1885), e que por isso

podem igualmente ser criadas por uma refeiqäo compartilhada. Esse traqo
Introducäo ao narcisismo [Zur Einfiihrung des Narzißmus], l.c. [Ges, permite ligar uma identificaqäo como essa com a hist6ria originåria da
vverke, X]. familia humana, construida por mim em Totem e tabu.

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