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Francisco Jorge dos Santos

HISTÓRIA GERAL DO AMAZONAS

Manaus, 2007
APRESENTAÇÃO

Este livro tem como principal objetivo oferecer aos professores de História do Ensino Médio e
àqueles que querem algo mais que os manuais de produção apressada, um esboço geral do
processo histórico da sociedade, da economia e da política administrativa do Amazonas e, em
parte, da Amazônia como um todo. Longe de pretender esgotar qualquer assunto nele abordado,
no entanto, procura contribuir para reflexões temáticas ou globais do referido processo histórico.
A forma intelectual e material dessa contribuição vem da minha experiência de mais de
duas décadas no exercício do magistério, como professor dos antigos 1.º e 2.º graus, nas redes
pública e privada, e do ensino superior na Universidade Federal do Amazonas. Ao longo desse
tempo, além do contato íntimo com as fontes primárias manuscritas ou já publicadas, procurei,
na medida do possível, reunir tudo o que foi produzido nas diferentes áreas de conhecimentos
sobre a Amazônia, seja na arqueologia, na antropologia, na etno-história, na demografia, na
geografia, na sociologia, na economia e, evidentemente, na história, com o objetivo de formar
um acervo bibliografia e documental que pudesse ajudar na elaboração desse material didático.
Portanto, este livro é o resultado do esforço e da dedicação que dispenso à História do
Amazonas e da Amazônia. O conhecimento que ora reúno, encontra-se disperso em algumas
centenas de obras publicadas ou não, que foram produzidas durante os últimos quatro séculos,
as quais compulsei, analisei, interpretei, e muitas vezes reinterpretei argumentos que já se
encontravam cristalizados.
Os primeiros bosquejos deste livro foram uma série de apostilas, que elaborei para ser
utilizada como material didático na disciplina Economia Política do Amazonas, ministrada na
rede pública de ensino no ano letivo de 2000. Com a extinção da referida disciplina, essas
apostilas sofreram alterações, tanto nas formas, quanto nos conteúdos, com a finalidade de
transformá-las numa apostila de História do Amazonas, dedicada ao 3.a série do Ensino Médio.
Agora, portadora de mais alterações, ganha o formato de livro propriamente dito, que foi
publicado, em 2002 com o título História e Geografia do Amazonas, sendo que o conteúdo de
geografia foi de responsabilidade do casal de professores Ricardo José e Amélia Regina Batista
Nogueira.
Depois de passado quatro anos, movido pelas críticas e sugestões dos colegas professores
do Ensino Médio, achei por bem lhes oferecer um texto revisto e ampliado, agora com um título
mais apropriado de História Geral da Amazônia.
O desafio de produzi-lo deve-se ao fato de que ao longo dos anos, como professor e como
pai de jovens estudantes, ter desenvolvido a consciência da necessidade de uma publicação
dessa natureza, e, sobretudo, a partir dos apelos e reclamos dos colegas professores que militam
nos ensinos fundamentais, médios e nos vestibulares com a disciplina História do Amazonas,
sob a alegação de carência endêmica de material didático sistematizado e de qualidade.

* * *
O livro está estruturado em de duas partes, na primeira, faço uma abordagem histórica da
Amazônia portuguesa, enquanto que na segunda parte, me concentro mais no Amazonas
brasileiro. Essas duas partes contém cinco unidades compostas por dezesseis capítulos. No final
de cada capítulo há um texto de especialista ou um documento histórico para ser utilizado como
material de leitura complementar. Há também, em cada final de capítulo, indicações para
leitura, onde relacionei autores e suas respectivas obras, as quais estão estreitamente vinculadas
ao conteúdo abordado no respectivo capítulo. No final do livro, no entanto, apresentamos uma
bibliografia geral, na qual inclui, livros, teses de doutorados e dissertações mestrados, ainda
inéditas, e artigos publicados em revistas especializadas nacionais e em língua estrangeira etc., e
fontes primárias publicadas que foram também utilizadas como referência na feitura do livro.
Como sugestão de atividades relacionei várias questões discursivas com base nos respectivos
capítulos e também sugestões para pesquisa bibliográfica ou documental.

* * *
Sou muito grato aos professores Auxiliomar Silva Ugarte e Daniele Brandão Clementino,
por terem participado da elaboração do texto original da então Unidade III desta publicação.
Oportunamente, agradeço ao professor James Roberto Silva pela reprodução das imagens para
presente publicação.
Agradeço também, aos arqueólogos Eduardo Góes Neves e Fernando Walter Silva pelo
exercício da crítica ao capítulo inicial do livro, na sua versão original. De igual modo, ao
antropólogo Fábio Vaz Ribeiro de Almeida pelas generosas sugestões, e aos professores da
disciplina Economia Política do Amazonas e História do Amazonas que fizeram críticas ao
conteúdo das apostilas.
Agradecimento especial à historiadora Patrícia Maria de Melo Sampaio que leu os
originais, fez críticas e deu sugestões, as quais me ajudaram a diminuir as imperfeições.
Finalmente, peço aos leitores em geral, sobretudo, aos meus colegas professores que
venham ter acesso a este trabalho – a exemplo dos agradecimentos acima – que me enviem
sugestões, críticas e correções, a fim de que possamos juntos aprimorá-lo, tornando, desse
modo, a dinâmica do processo ensino-aprendizagem da história da região mais atraente, mais
prazerosa e comprometida com o exercício da cidadania, tão cara aos jovens de hoje.

Manaus, novembro de 2006.

Francisco Jorge dos Santos


Parte I

SUMÁRIO
UNIDADE I - DO PALEOINDÍGENA À CONQUISTA DA AMAZÔNIA

Capítulo 1

SOCIEDADES PRÉ-COLONIAIS DA AMAZÔNIA


Fases da “Pré-História” na Amazônia
Uma Nova Interpretação da Pré-história da Amazônia
Leitura Complementar N.o 1: “Aldeia Gigante”.
Indicações para Leitura

Capítulo 2

AMAZÔNIA INDIGENA NOS SÉCULOS XVI E XVII


Geografia dos Povos Indígenas
Demografia Indígena
Leitura Complementar N.o 2: “De mulheres guerreiras do Marañón às lendárias
Amazonas”.
Indicações para Leitura

Capítulo 3

DESCOBRIMENTO E CONQUISTA DA AMAZÔNIA


Impérios Coloniais Ibéricos
Descobrimento: Expedições Espanholas na Amazônia Quinhentista
União Ibérica (1580-1640)
Conquista Lusitana da Amazônia
Expedição de Pedro Teixeira
Leitura Complementar N.o 3: “Para Não Voltar de Mãos Vazias”.
Indicações para Leitura

Capítulo 4

RESISTÊNCIA INDÍGENA E CONQUISTA DA AMAZÔNIA


Invasores Versus Invasores
Expansão da Conquista
Rumo ao Oeste: a Fortaleza da Barra do Rio Negro
Leitura Complementar N.o 4: “Confissão do Massacre Demográfico Indígena (1654)”.
Indicações para Leitura
Anexo 1: Fortificações Portuguesas na Amazônia.
UNIDADE II – AMAZÔNIA PORTUGUESA

Capítulo 5

COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DA AMAZÔNIA NOS SÉCULOS XVII E


XVIII
Economia e Sociedade Colonial
Contrastes Internos
Ordens Religiosas
Legislação e Trabalho Indígena
Loteamento Missionário
Leitura Complementar N.o 5: “Liberdade e Escravidão Indígena”
Indicações para Leitura

Capítulo 6

AMAZÔNIA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII


Portugal na Primeira Metade do Século XVIII
Reformas Pombalinas
Governo Mendonça Furtado
Diretório dos Índios
A Queda de Pombal e a Viradeira
Extinção do Diretório dos Índios e a Criação das Milícias de Trabalhadores Indígenas
Leitura Complementar N.o 6: “Salário dos Índios... , na Amazônia”
Indicações para Leitura

Capítulo 7

CAPITANIA DE SÃO JOSÉ DO RIO NEGRO


Criação e Implantação da Capitania
Economia e Sociedade
Demarcações dos Limites da Amazônia Portuguesa
Viagem Filosófica ao Rio Negro
Leitura Complementar N.o 7: “Carta Régia de 3 de Março de 1755”.
Indicações para Leitura

Capítulo 8

GUERRAS E AS REBELIÕES INDÍGENAS DO SÉCULO XVIII


Os Muras
Os Manaus
Os Mundurucus
Índios do Rio Branco
Todo Dia Era Dia de Guerra
Leitura Complementar N.o 8 : “A propósito do nome da cidade de Manaus: índio bom é
índio morto”.
Indicações para Leitura
Parte II
UNIDADE III – AMAZONAS IMPERIAL BRASILEIRO

Capítulo 9

DE CAPITANIA DO RIO NEGRO A COMARCA DO ALTO AMAZONAS


Estado do Grão-Pará e Rio Negro e a Independência do Brasil
Comarca do Rio Negro (1824-1833)
Comarca do Alto Amazonas (1833-1850)
Cabanagem no Alto Amazonas (1836-1840)
Alto Amazonas Pós-Cabanagem
Leitura Complementar N.o 9: “O Imbróglio do Aniversário de Manaus”
Indicações para Leitura

Capítulo 10

PROVÍNCIA DO AMAZONAS: POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO


Dominação Política do Rio Negro
Concepção da Província do Amazonas
Nascimento da Província do Amazonas
Interesses Alienígenas e a Província
Província do Amazonas no Contexto Político do Brasil Império
Leitura Complementar N.o 10: “Enfim, Mais Uma Província no Império Brasileiro”.
Indicações para Leitura
Anexo 2: Governantes da Província do Amazonas (1852-1889).

Capítulo 11

PROVÍNCIA DO AMAZONAS: ECONOMIA E SOCIEDADE


Economia da Província
Abertura do Amazonas a Navegação Estrangeira e a Navegação a Vapor
Sociedade Provincial Amazonense
Presença Africana no Amazonas
Leitura Complementar N.o 11: “Uma Visão do Amazonas”.
Indicações para Leitura

UNIDADE IV – AMAZÔNIA, A “CIVILIZAÇÃO DA BORRACHA”

Capítulo 12

“CIVILIZAÇÃO DA BORRACHA”: O SERINGAL E O SERINGUEIRO


O Seringal
O Seringueiro
O Seringalista
Sistema de Aviamento
Diversidade entre Seringueiros
Rumo ao Acre
Leitura Complementar N.o 12-A: “Borracha e Ecologia”
N.o 12-B “A Lendária "Ferrovia dos Trilhos de Ouro” e os Seus
Trabalhadores”
Indicações para Leitura
Capítulo 13

“CIVILIZAÇÃO DA BORRACHA”: A EXPANSÃO E O DECLÍNIO


Café do Sudeste e a Borracha da Amazônia
Negócios Iniciais da Borracha
Demanda Internacional: europeus e norte-americanos
Declínio da Economia do Látex Silvestre
Leitura Complementar N.o 13: “O Lado Positivo da Era da Borracha”
Indicações para Leitura

Capítulo 14

A BELLE ÉPOQUE AMAZONENSE


Manaus, a Capital da Borracha
Manaus, em 1910: “uma caboca metida a gringa”
Leitura Complementar N.o 14-a: “Os Estivadores, a Imprensa e a Elite”.
N.o 14-b: “A Elite, Os Estivadores, e o Poder Público”.
Indicações para Leitura

UNIDADE V - SÉCULO XX: CRISE E DESENVOLVIMENTISMO

Capítulo 15

TEMPOS DE CRISE
Plano de Defesa da Borracha de 1912
Face Social e Política da Crise
Terras, Como Moeda de Troca
Leitura Complementar N.o 15: “A Rebelião de 1924, em Manaus”
Indicações para Leitura
Anexo 3: Governantes do Estado do Amazonas (1889 a ... )

Capítulo 16

POLÍTICA DESENVOLVIMENTISTA PARA A AMAZÔNIA


Amazônia na Era Vargas
Amazônia Pós-1964
Zona Franca de Manaus
Outro Lado da Zona Franca de Manaus
Os Índios e o Desenvolvimentismo na Amazônia
Os Waimiri-Atroaris
Leitura Complementar N.o 16: “O Clube da Madrugada”.
Indicações para Leitura

BIBLIOGRAFIA GERAL
Quadros

1. Datações de alguns sítios de pescadores-coletores-caçadores do litoral do


Pará e baixo Amazonas.
2. Grupos lingüísticos da Amazônia e seus respectivos domínios na época do
contato.
3. Capitanias da Amazônia.
4. Aldeamentos missionários da Amazônia no século XVVIII.
5. População da Capitania do Rio Negro.
6. Principais núcleos coloniais da Capitania do Rio Negro na segunda metade do
século XVIII.
7. Exportações da Província do Amazonas : 1853-186
8. População da Província do Amazonas: 1851-1872.
9. População da Província do Amazonas: 1840-1872.
10. Exportação de Borracha Brasileira: 1825-1860
11. Consumo de Borracha pelos Estados Unidos e Inglaterra: 1870-1895.
12. Consumo Mundial de Borracha em números redondos: 1980-1910.
13. Exportações Brasileiras: 1821-1910.
14. Exportação de Borracha Brasileira: 1827-1910
15. Dados Comparativos da Produção de Borracha, por volta de 1915:
Amazônia e Ásia
16. Produção, Consumo e Preços Mundiais da Borracha: 1900-1919
17. População do Amazonas e de Manaus: 1872- 1920
18. Concessão de Terras no Amazonas (1926-1930)
19. Chefes de Famílias Migrantes, Residentes em Manaus, Segundo os Estados
de Nascimento e de Última Residência, em 1979.
UNIDADE I

DO PALEOINDÍGENA À CONQUISTA DA AMAZÔNIA

Capítulo 1

Sociedades Pré-Coloniais da Amazônia


Capítulo 1

SOCIEDADES PRÉ-COLONIAIS DA AMAZÔNIA


Depois da descoberta do famoso Homem da Lagoa Santa, por L. W. Lund, entre os
anos de 1834 e 1844, em Minas Gerais, a arqueologia brasileira se iniciou na Amazônia.
Ainda no século XIX, houve as pesquisas de Domingos Ferreira Pena, João Barbosa
Rodrigues, Charles Hartt entre outros. E desde esse tempo, encontraram-se evidências
materiais sobre o início da ocupação humana da Amazônia.
Muitos sítios foram estudados desde então, alguns dos quais datados entre 10.000 e
4.000 anos a.C.. Artefatos líticos de estilo paleoíndio e arcaico antigo têm sido
encontrados em muitas partes da Grande Amazônia, incluindo o escudo e a costa da
Guiana, as várzeas do baixo Amazonas e tributários ao oeste e ao sul da Amazônia
brasileira.
No entanto, conforme afirmação do arqueólogo brasileiro Eduardo Góes Neves,
não existe atualmente um quadro consensual básico sobre a Pré-História da Amazônia
brasileira. Esse fato decorre, em parte, pela falta de conhecimento primário sobre a
arqueologia de muitas áreas da região, apesar dessa tradição centenária de pesquisa.
Considerando essa realidade, utilizou-se como base para a elaboração dos itens
sobre a chamada pré-história amazônica, as publicações que contêm os resultados das
pesquisas mais recentes dos arqueólogos André Prous, Anna C. Roosevelt, Pedro
Ignácio Schmitz e as do próprio Eduardo G. Neves.

Imagem 1.

Salvamento de Urna Funerária. (Sítio Arqueológico União do Vegetal, Puraquequara / AM).


Foto de Alberto César Araújo, 2000 (Acervo do IPHAN/AM).

Fases da “Pré-História” da Amazônia

Eduardo G. Neves afirma que o sistema de periodização da pré-história utilizado


para as Américas é diferente dos sistemas propostos por Thomsem, Lubbock e Mortillet
para o Velho Mundo, pois não se usam os termos como “paleolítico”, “mesolítico”,
“idade da pedra”, ou “idade dos metais”. Para o continente americano, usam-se os
termos “paleoíndio”, “arcaico” e “formativo”. Observa também, que não há
unanimidade na utilização desses conceitos entre os arqueólogos ou antropólogos e que
“fique bem claro, porém, que esses estágios não são mutuamente exclusivos, e
tampouco representam etapas evolutivas lineares”.
Não obstante, Anna Roosevelt estabeleceu uma seqüência cultural para a “pré-
história” da Amazônia, que vai desde uma ocupação paleoindígena ocorrido acerca de
11.200 anos A.P., até a extinção dos cacicados complexos, a partir da primeira metade
do 2.o milênio da Era Cristã. Essa longa seqüência cultural de ocupação da Amazônia
foi aqui adaptada, de modo resumido e esquemático.

AP = Antes do Presente: é uma expressão usada para datação de períodos arqueológicos, o ano
1950 é a data inicial do Presente. Doravante utilizaremos a expressão mais popular a.C. = antes
de Cristo.

Fase Paleoindígena
Em geral, a população da cultura paleoindígena era pouco numerosa, dispersas,
nômades e organizadas socialmente em bandos frouxos. Os bandos paleoindígenas da
América do Sul, apesar da sua contemporaneidade com os da América do Norte,
apresentavam características diferenciadas no padrão de subsistência.
As populações paleoindígenas norte-americanas davam ênfase à caça de
megafauna (mastodonte, bisontes, cervídeos e camelídeos; cavalos e elefantes antigos;
preguiças e tatus gigantes; antas, tigre-dente-de-sabre etc.), enquanto que às sul-
americanas, davam maior importância à coleta de moluscos, de plantas e a caça de
animais de pequeno porte. A caça de uma fauna de grandes animais entre os
paleoindígenas da América do Sul constituía-se em uma rara freqüência.
Desse modo, acredita-se que a ocupação paleoindígena da Amazônia, que teria
acontecido por volta de 9200 a.C., era baseada na coleta de frutas, na caça e na pesca;
que se desenvolveu para uma cultura de pescadores e coletores de moluscos. Isso pode
ser comprovado através dos restos alimentares que foram encontrados na caverna da
Pedra Pintada, em Monte Alegre, no Estado do Pará.
Apesar das pontas de lanças encontradas nesse sítio arqueológico, que sugerem
os seus usos em caça de grandes animais, especialmente de grandes peixes, não indicam
uma especialização na caça desse tipo, mas sim, na caça e coleta generalizada.

Imagem 2.

Cerâmicas de Urucurituba. (Acervo Municipal de Urucurituba / AM). Foto de F.J. Santos,


durante a Expedição Humboldt Amazônia / 2000.

Fase Arcaica

De acordo com o arqueólogo Pedro Ignácio Schmitz, a cultura dessa fase, em


geral, seria mais diversificada que a da Fase Paleoindígena. O homem do período
Arcaico já buscava novos recursos alimentares nas savanas, nas estepes, no litoral e nos
lagos. A caça já não seria especializada em megafauna, mas em geral e diversificada; a
coleta animal e vegetal aumentaria e a experimentação e o conhecimento acumulado
levariam à domesticação das plantas e de animais.
Por volta de 6000 a.C., as populações estabelecidas em áreas produtivas ao longo
do rio Amazonas começaram a fabricar cerâmica. Entre 2000 e 1000 a.C., desenvolveu-
se uma ocupação estável de horticultores de raízes (mandioca, etc.), produtores de
cerâmica com decoração incisa e com apêndices zoomorfos modelados, às vezes com
pintura geométrica vermelha e branca.

OS ÍNDIOS ARCAICOS – “Em algum momento após cerca de 3000 a.C., surgiu, ao longo das
várzeas dos rios em diversas partes da Grande Amazônia, um modo de vida que parece ter sido
bastante similar àqueles dos atuais índios amazônicos”

ROOSEVELT, Anna C.. “Arqueologia Amazônica”. In: CUNHA, Manuela C. da (Org.). 1992,
p.65.

Foram descobertos e identificados diversos sambaquis do delta e região do baixo


Amazonas, costa da Guiana e foz do Orinoco, através dos quais foi possível inferir-se
uma transição da subsistência baseada na caça e coleta para uma agricultura incipiente,
e do estágio pré-cerâmico inicial ao cerâmico.
O sambaqui de Taperinha (região de Santarém, no Pará), por exemplo, é um sítio
arqueológico da Fase Arcaica. Nele, foram encontrados instrumentos de pedras lascados
(machados, pedras de quebrar nozes, moedores, alisadores; e utensílios de osso e chifre)
e rara cerâmica avermelhada, cujas peças tinham formatos de cuias abertas; algumas
dessas apresentaram incisões curvilíneas e retilíneas nas bordas.

SAMBAQUI – “Depósito artificial de conchas, acumulados durante séculos por grupos


indígenas que dependiam essencialmente da coleta de mariscos e que se ocupavam
paralelamente da pesca, da caça, e do cultivo de raízes. Os sambaquis localizam-se em praias de
mar e de rio, em lagoas, baias e mangues e encontram-se não apenas na Amazônia, mas
também, em outros locais do Brasil, do Novo e do Velho Mundo”.

OLIVEIRA, Adélia Engrácia de. “Ocupação Humana” In: SALATI, Enéas et alii, 1983, p. 157.

Fase da Pré-história Tardia

A Fase Pré-história Tardia (1000 a.C. a 1000 d.C.) pode ser caracterizada pelo
surgimento, ao longo dos principais braços e deltas dos rios, de sociedades indígenas
com grau de complexidade bastante significativo na sua economia, na demografia e nas
suas organizações políticas e sociais. Tinham domínios culturais tão grandes ou até
mesmo maiores que os de muitos Estados pré-industriais do Velho Mundo, tais como as
civilizações minóica e micênica e os Estados africanos como Ashanti e Benim, ou as do
vale do Indo, na Índia. Essas sociedades indígenas são denominadas pelos antropólogos
de cacicados complexos.
Dados arqueológicos e etno-históricos revelam indícios da presença dessas
sociedades indígenas complexas ao longo das várzeas dos rios Amazonas e Orinoco;
nos contrafortes orientais dos Andes; e na região costeira do Caribe.
Especificamente na Amazônia, por volta de 1000 a.C., desenvolvem-se as culturas
dos construtores de tesos (mounds), as quais foram sucedidas por sociedades complexas
e hierarquizadas, associadas a uma indústria cerâmica muito refinada. Tais tipos de
sociedades seriam exemplificados pela Marajoara, na ilha do Marajó, e pela Tapajônica,
na região de Santarém.
Entretanto, existe discordância entre os pesquisadores acerca da existência de
cacicados complexos na Amazônia. Por exemplo, a arqueóloga Denise Maria C. Gomes,
afirma que: “devido ao estágio da investigação científica, não existem evidências
conclusivas quanto à ocorrência dos cacicados na Amazônia”.

TESOS / MOUNDS / ATERROS ARTIFICIAIS – “Os povos da fase Marajoara, com


características culturais mais complexas que aquelas dos demais grupos encontrados na
Amazônia, construíram suas aldeias em áreas inundáveis, sobre aterros por eles feitos de um a
três metros acima do nível máximo da água. Tais casas eram edificadas diretamente sobre o
chão que, provavelmente, era de tabatinga ou lodo endurecido”.

OLIVEIRA, Adélia Engrácia de. “Ocupação Humana” In: SALATI, Enéas et alii, 1983, p. 159.

Extinção dos Cacicados

O meio ambiente amazônico foi capaz de fornecer a sustentação dessas sociedades


complexas por cerca de dois mil anos; no entanto, com a chegada dos europeus à região
tudo retrocedeu. Começaram as fases da conquista e da colonização; em nome de uma
“civilização cristã” e de uma incessante busca de poder e riqueza material, os europeus
destruíram os cacicados – diretamente, com as guerras e a escravidão; indiretamente,
através do contágio por doenças até então desconhecidas – fazendo suas populações
desaparecerem completamente da maior parte das várzeas.
Os índios sobreviventes da conquista européia, internaram-se na floresta, onde
teriam formando sociedades tribais independentes. Do ponto de vista cultural, parece ter
havido um retornado aos padrões que antecederam ao surgimento dos cacicados:
subsistência baseada em plantas amidoadas e proteína animal e os estilos artísticos
principalmente zoomórficos.
Nada, mesmo remotamente parecido, pode ser encontrado nas atuais sociedades
indígenas da Amazônia, que lembre as sociedades complexas do período da Pré-história
Tardia. A não ser alguns de seus vestígios materiais, e o pouco que foi registrado na
memória das crônicas dos conquistadores dos séculos XVI e XVII.
Não obstante, segundo Eduardo G. Neves, esse processo não foi uniforme, pois, no
alto rio Negro, por exemplo, há evidências de continuidade entre as populações
indígenas pré-históricas e as contemporâneas.

PRECAUÇÕES – “Não há porque negar a existência de cacicados sul-americanos (...),


tampouco o papel da Conquista em sua desarticulação. Porém, sugerimos que não se proceda
com tanta pressa na interpretação das evidências arqueológicas e das fontes históricas, para não
se cometer certas imprudências e simplificações, nem se disseminem idéias gerais pouco
precisas sobre essas sociedades”.

FAUSTO, Carlos. “Fragmentos de História e Cultura Tupinambá”. In: CUNHA, Manuela C.


(Org.). 1992, p. 388.

Uma Nova Interpretação da Pré-História da Amazônia


De acordo com Anna Roosevelt, até bem pouco tempo a Amazônia, vinha sendo
vista como portadora de um meio-ambiente pobre e incapaz de sustentar uma densa
população humana; por isso, não teria desenvolvido, nos chamados tempos pré-
históricos, uma cultura complexa e diversificada, em comparação com as áreas de terras
altas áridas e temperadas dos Andes e da Mesoamérica. E mais, todos os vestígios de
“civilização” encontrados na região teriam sido trazidos de ambientes mais favoráveis,
isto é, as culturas pré-históricas estariam associadas a influências, migrações e invasões
provenientes de outras regiões. Porém, essas idéias aos poucos estão sendo modificadas,
graças aos trabalhos de campo recentes e à reavaliação dos anteriores.

Dos Andes para Amazônia ou da Amazônia para os Andes?

Sabe-se que as mais antigas culturas complexas conhecidas do continente sul-


americano se desenvolveram nas áreas andinas por volta de 2.500 a 1000 a. C., e que,
esses tipos de culturas só surgiram, pela primeira vez na Amazônia, em torno do
primeiro milênio a. C. Entretanto, esse surgimento tardio das culturas complexas
amazônicas não significa que o fator cultural fosse proveniente dos Andes, muito pelo
contrário, atualmente afirma-se que os chamados cacicados complexos amazônicos
tiveram as suas origens nas antigas sociedades ceramistas da Amazônia oriental, e que
a mais antiga delas foi encontrada na região do baixo Amazonas, de onde a sua
influência difundiu-se na direção das várzeas pré-andinas.

Dos Andes...

A antropóloga norte-americana Betty J. Meggers, desde meados do século XX, é


a grande representante da idéia de que todos os vestígios de “civilização” encontrados
na região teriam sido trazidos de ambientes mais favoráveis. Suas afirmações são
fundamentadas na teoria do determinismo ecológico, que dá suporte para as seguintes
conclusões:

Betty J. Meggers, Clifford Evans e outros afirmam que a “pobreza de recursos


ambientais na Amazônia limitou o desenvolvimento das sociedades indígenas,
impedindo assim a concentração e o crescimento populacional e a intensificação
econômica, fatores esses considerados pré-requisitos para o desenvolvimento da
complexidade cultural. (...) Especificamente, a possibilidade de subsistência auto-
sustentável na Amazônia está limitada à horticultura de coivara e à captura de fauna em
baixa intensidade. Assim (...), o meio ambiente amazônico não pode suportar a
produção de recursos alimentares em larga escala, necessários para o suprimento de
populações humanas densas organizadas em assentamentos de longo prazo”
(ROOSEVELT, Anna C. In: NEVES, Walter A. (Org.), 1991, p. 103).

Por exemplo, ao se deparar com as evidencias arqueológicas da Civilização


Marajoara, Betty J. Meggers interpretou a sua complexidade social e econômica como
vinda de fora, dos Andes ou da região circum-caribenha, e que a sua decadência,
iniciada um pouco antes da Conquista européia, deveu-se a incapacidade do meio
ambiente amazônico em mantê-la viva.

Imagem 3.

Urna Funerária Marajoara. Reproduzida de Betty J. Meggers, América Pré-histórica. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 154.

Da Amazônia...

A partir da década 1970, outros pesquisadores se opuseram a esse modelo sobre


o desenvolvimento da Amazônia pré-colonial, entre eles citamos o arqueólogo Donald
W. Lathrap, que apesar de compartilhar do mesmo arcabouço teórico de Meggers,
interpretou a Amazônia por outro prisma, em vez de percebê-la com um mero recipiente
de culturas alienígenas, afirmou que a Amazônia foi o centro de origem das principais
inovações tecnológicas, tanto no que se refere à produção de cerâmica, quanto ao do
desenvolvimento da agricultura.

“Lathrap, sugeriu que alguns ecossistemas amazônicos, principalmente as planícies


aluviais do Amazonas e seus afluentes principais, ofereciam condições que
estimulariam o crescimento populacional e, conseqüentemente, o desenvolvimento de
sociedades complexas. (...) Essa população teria então paulatinamente ocupado outras
áreas de planícies aluviais na Amazônia e na América do Sul. Desse modo, a Amazônia
não foi para Lathrap uma área marginal, mais um importante centro de inovação cultural
na Pré-História do continente americano”. (NEVES, Eduardo G. In: TENÓRIO, Maria
Cristina (Org.). 1999, p. 363).

Em outras palavras, Donald Lathrap, sugere que os complexos cerâmicos mais


antigos da América do Sul seriam encontrados na Amazônia Central e, que o inicio da
agricultura teria se originado entre as populações sedentárias das planícies aluviais da
Amazônia, ou do norte da América do Sul e, posteriormente, difundida para outras áreas
do continente americano.

CULTIVO DA MANDIOCA – “A modificação sofrida pela mandioca desde o seu


antepassado espontâneo até à mandioca ácida é total. Se alguma vez tivéssemos a felicidade de
encontrar indícios diretos do inicio do cultivo da mandioca, deveríamos datar de um período
entre cerca 5000 e 7000 a.C.”
LATHRAP, Donald W. O Alto Amazonas. Lisboa: Editorial Verbo, 1975, p. 60 e 61.

Cerâmica Mais Antiga das Américas

As cerâmicas encontradas nos sítios de pescadores e coletores litorâneos de tipo


sambaqui, em Valdívia (Equador), datadas de 3200 a. C., por muito tempo foram
consideradas como as mais antigas do Novo Mundo.
A antropóloga Betty J. Meggers, identificou a existência de semelhança muito
significativa entre o complexo cerâmico de Valdívia e a cerâmica do período Jomom
Médio, produzida por volta de 3000 a. C. no Japão, particularmente na ilha de Kyushu.
Também afirmou que os sambaquis japoneses forneciam registros contínuos de
evolução cerâmica, desde 7000 a. C., enquanto que os de Valdívia caracterizavam-se
pela ausência completa desses dados.
Considerando o contraste entre esse longo registro arqueológico e a ausência de
antecedentes nas Américas para a cerâmica de Valdívia; a espantosa similaridade entre
os complexos cerâmicos de Jomom Médio e Valdívia Inicial, e a contemporaneidade de
suas datas, levaram Meggers à conclusão de que a cerâmica Valdívia é resultado de uma
introdução transpacífica do Japão ocidental.
Atualmente, porém, o mérito dessa antigüidade pertence às cerâmicas
produzidas pelas antigas sociedades da Amazônia, portadoras de uma economia baseada
na coleta aquática intensiva. Nos sambaquis do litoral norte do Brasil e do baixo
Amazonas, pesquisadores encontraram cerâmica com datação de até 8.000 anos. Na
avaliação de Anna Roosevelt, as cerâmicas do sambaqui de Taperinha, em Santarém
(Pará) e as do sitio arqueológico de Monte Alegre (Pará) são as cerâmicas mais antigas
das Américas.
Sendo, portanto, as cerâmicas de Taperinha e de Pedra Pintada, pelo menos 1500
e 2500 anos, respectivamente, mais antigas que as cerâmicas de Valdívia, no Equador, e
de São Jacinto, na Colômbia, e 3500 anos mais antiga do que as cerâmicas dos Andes
centrais e da Mesoamérica.
Uma nova visão da Amazônia, do período anterior à chegada dos europeus, nas
palavras da arqueóloga norte-americana Anna C. Roosevelt, começar a emergir das
pesquisas e das reavaliações, ao mesmo tempo, em que também começa a ser desfeita a
idéia de que a Amazônia seria um ambiente pobre para o homem, um falso paraíso que
inibiu o crescimento populacional e o desenvolvimento cultural.

ORIGEM DO TERMO – “Quando Cristóvão Colombo aportou na América, mais


precisamente nas Antilhas, encontrou-a densamente ocupada por uma população de língua
arawak conhecida como Taino. Esse povo, que seria dizimado em poucas décadas por
epidemias e maus tratos, denominava seus chefes kasik – termo a partir do qual os espanhóis
criaram o neologismo cacicazgo para designar uma província subordinada a um “cacique”.
Portanto, cacicado é a rigor o sistema político taino. A palavra inglesa para cacicado é chiefdom
e foi utilizada pela primeira vez como categoria tipológica em 1955, por Kalervo Oberg, em um
artigo sobre tipos de estrutura social na América do Sul e Central”.

FAUSTO, Carlos. Os Índios Antes do Brasil. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2000, p. 36.

Imagem 4.

Salvamento de Urna Funerária. (Sítio do Arqueológico da Assembléia Legislativa do


Amazonas / Manaus). Foto de F.J. Santos, 2000.

Quadro 1 – DATAÇÕES DE ALGUNS SÍTIOS DE PESCADORES-COLETORES


CAÇADORES DO LITORAL DO PARÁ E BAIXO AMAZONAS.
Sítio Área Datação (AP)
Ponta de Pedras Litoral do Pará / região do Salgado 4.500 ± 90 anos
Porto da Mina Litoral do Pará / região do Salgado 5.115 ± 195 anos
Uruá Litoral do Pará / região do Salgado 5.570 ± 125 anos
Taperinha Santarém / baixo Amazonas 7.500 anos
Pedra Pintada Monte Alegre / baixo Amazonas 8.000 anos
Fonte: Maria Dulce Gaspar e Maura Imazio. In: Tenório, 1999; Denise Maria C. Gomes, 2002.

Imagem 5.

Vasilha para Água - Índios Baniwa. Foto de Juan Pratiginestós (Coleção Johann Natterer /
SCA-MMA).

Leitura Complementar N.o 1

ALDEIA GIGANTE
Pesquisas encontram, na Amazônia, sinais de cidades indígenas com até 10.000
moradores.
“(...) pesquisadores da Universidade de São Paulo, USP, descobriram indícios de enormes
aldeias e excelente cerâmica nos arredores do rio Negro, acerca de 30 quilômetros de Manaus.
Até agora só foram escavados quatro dos 21 pontos localizados na região de Iranduba – e o que
se encontrou está virando do avesso o que se pensava dos índios da Amazônia. O maior sítio,
chamado Açutuba e que foi explorado em 1997, mostra sinais de uma aldeia de 3 quilômetros
de extensão, espremida entre as margens do rio Negro e a floresta. O arqueólogo Eduardo
Neves, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, responsável pela escavação, estima que
tenham vivido ali de 5.000 a 10.000 índios. Quando os europeus chegaram, o lugar já era
habitado havia mais de 1.000 anos. O cenário desenhado pelos arqueólogos impressiona. A
aldeia era cercada por valetas com 300 metros de extensão e 3 de profundidade, onde eram
colocadas estacas afiadas. Seria uma cidade de porte similar ao das do império inca, só que
inteiramente feita de terra. Na extremidade do que era a povoação, junto da floresta, localizou-
se uma praça retangular de 300 metros de comprimento cercada por aterros de 2 metros de
altura. Acredita-se que ali ficasse o cemitério da aldeia, provavelmente reservado à nobreza,
local de reuniões e até de sacrifícios.
Encontrou-se ainda cerâmica ornamentada, semelhante à vista na Ilha de Marajó. “É
impossível juntar tanta gente num único lugar, realizando obras como essas, sem que haja uma
estrutura social hierarquizada”, diz Neves. Há apenas dois meses, ele concluiu a escavação de
outro sítio numa fazenda chamada Hata Hara. Descobriu ossadas sepultadas em urnas funerárias
com cerca de 700 anos, um achado raríssimo, pequenas estátuas de cerâmicas e os restos de uma
roda de fiar.
Essas descobertas estão mudando a forma como os especialistas descrevem a civilização
que vivia na Amazônia antes do contato com os europeus. Até a primeira metade dos anos 90,
acreditava-se que se tratasse de uma região culturalmente primitiva e marginal do continente
americano. Que abrigasse um número pequeno de indígenas que viviam em condições
semelhantes às dos que estão lá hoje. Isso começou a mudar em 1996, quando a arqueóloga
americana Anna Roosevelt encontrou objetos de cerâmica datados de 8.000 anos no interior do
Pará. A hipótese mais impressionante é a de que os povos amazônicos foram os primeiros a
dominar essa tecnologia, 7.000 anos antes que os incas formassem seu império. Os achados da
arqueóloga americana empurraram os pesquisadores de volta para os livros dos primeiros
exploradores da região. A grande questão em aberto é como toda essa gente sumiu de uma hora
para outra. É possível que tenham abandonado as cidades para fugir dos europeus ou morrido
em epidemia. Mas isso são só palpites”.

Trecho da entrevista com o arqueólogo Eduardo G. Neves, da Universidade de São Paulo,


publicado pela revista VEJA, em 10 de novembro de 1999.

Indicações para Leitura

CARDOSO, Ciro Flamarion S. (1981). América pré-colombiana. (Coleção Tudo é História).


São Paulo: Brasiliense.
CUNHA, Manuela Carneiro da. (Org.). História dos Índios No Brasil. São Paulo: Fapesp / SMC
/ Cia. da Letras.

FAUSTO, Carlos (2000). Os Índios Antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor.

_______ (1992). “Fragmentos de História e Cultura Tupinambá”. In: CUNHA, Manuela C.


(Org.). História dos Índios No Brasil. São Paulo: Fapesp / SMC / Cia. da Letras.

GASPAR, Maria Dulce & IMAZIO, Maura. (1999). “Os pescadores-coletores-caçadores do


litoral Norte brasileiro”. In: TENÓRIO, Maria Cristina (Org.). Pré-história da Terra Brasilis.
Rio de Janeiro: Editora UFRJ.

GOMES, Denise Maria C. (2002) Cerâmica Arqueológica da Amazônia – Vasilhas da Coleção


Tapajônica MAE-USP. São Paulo: Edusp / Fapesp / Imprensa Oficial.

MEGGERS, Betty J.(1979). América Pré-Histórica. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

LATHRAP, Donald W. (1975). O Alto Amazonas. Lisboa: Editorial Verbo.

NEVES, Eduardo G. (1995). “Os Índios Antes de Cabral: arqueologia e história indígena no
Brasil”. In: SILVA, Aracy L. & GRUPIONI, Luís Donizete (Orgs.). A Temática Indígena na
Escola. Brasília: MEC / MARI / UNESCO.

________ (1999). “Duas interpretações para explicar a ocupação pré-histórica da Amazônia”.


In: TENÓRIO, Maria Cristina (Org.). Pré-história da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ.

PROUS, André (1992). Arqueologia Brasileira. Brasília: Editora UnB.

ROOSEVELT, Anna C. (1992). “Arqueologia amazônica”. In: CUNHA, Manuela C. da (Org.).


História dos Índios no Brasil. São Paulo: Fapesp / SMC / Cia. das Letras.

________ (1991). “Determinismo ecológico e desenvolvimento social indígena na Amazônia”.


In: NEVES, Walter A. (Org.). Origem e Desenvolvimento do Homem Nativo da Amazônia.
Belém: MPEG.

________ (1999). “Povoamento das Américas: panorama brasileiro”. In: TENÓRIO, Maria
Cristina (Org.). Pré-história da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.

SCHMITZ, Pedro Ignácio (1999). “A questão do paleoíndio” In: TENÓRIO, Maria Cristina
(Org.). Pré-história da Terra Brasilis. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.
UNIDADE I

DO PALEOINDÍGENA À CONQUISTA DA AMAZÔNIA

Capítulo 2

Amazônia Indígena nos Séculos XVI e XVII

Capítulo 2

AMAZÔNIA INDÍGENA NOS SÉCULOS XVI E XVII

As informações sobre os povos indígenas da Amazônia, na época dos primeiros


contatos, são ainda muito precárias, e vêm dos relatos dos cronistas dos séculos XVI e
XVII, principalmente os de frei Gaspar de Carvajal (Expedição de Francisco de
Orellana), de 1542; Francisco Vásquez, Altamirano, Gonzalo de Zuñiga e Pedro de
Monguia (Expedição Pedro de Ursúa / Lope de Aguirre), 1561; do padre Cristóbal de
Acuña (Expedição de Pedro Teixeira), de 1639; de Maurício de Heriarte (Ouvidor-geral
do Maranhão), de 1662; e do padre Samuel Fritz, que viveu na Amazônia por quase
quarenta anos, a partir de 1686.

Geografia dos Povos Indígenas


A localização do assentamento de cada povo será demonstrada no sentido do curso
das águas, através de províncias, categoria utilizada nos documentos da época para
situar um determinado domínio territorial indígena. Nesta parte do livro optamos,
grosso modo, pela seqüência elaborada por Antonio Porro no item “Os Povos da Várzea
nos Séculos XVI e XVII”, publicado na obra O Povo das Águas: ensaios de etno-
história amazônica, de 1995.

Província de Aparia

Localização – Os registros etno-histórico informam que no século XVI, território


da Província de Aparia (ou Carari) se estendia do baixo rio Napo (afluente do rio
Amazonas peruano), até a região que medeia os rios Javari e Iça, ambos afluentes do
Solimões pelas margens direita e esquerda, respectivamente (região que envolve a atual
cidade de São Paulo de Olivença), cuja extensão territorial era de cerca de 600
quilômetros, ao longo da calha do Napo/Amazonas/Solimões.
Povoação – Era formada por cerca de vinte povoados compostos de até cinqüenta
grandes casas cada um, nas duas margens dos rios. Essas moradias eram separadas por
extensas plantações de milho e mandioca.
Capital – A sede dessa província seria o povoado de Aparia Grande ou Aparia o
Grande, situada na região da boca do rio Javari, que possuía alguns milhares de
habitantes.
Poder Político – A chefia desse povo parecia estar centralizada na figura do grande
senhor de Aparia, chefe do povoado principal, cuja autoridade se estendia desde a foz
do rio Jandiatuba, até a aldeia de Aparia Menor ou Aparia o Menor, situada no baixo
Napo.
Costume – Os habitantes dessa província vestiam “camiseta pintadas com desenhos
e cores ao modo do Peru e todo traziam enfeites de ouro muito fino”. Esse ouro vinha de
outra região com a qual o povo Aparia mantinha atividades comerciais regulares (Cf.
Altamirano, apud Porro, 1996, p.48). Possivelmente esse povo falava uma língua do
tronco Tupi.

OS APARIAS ERAM OS OMÁGUAS – “Esse senhorio Aparia quinhentista não era outro
senão a tribos dos Omágua ou Cambeba, que ‘se governavam por principais nas aldeias e no
meio dessa província, que é dilatada, há um principal, ou rei deles’”.

Porro, Antonio. O povo das Águas. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 29.

Nessa região também foi identificada a tribo dos Aricanas, índios que vestiam
roupas de algodão pintadas a pincel, e que as suas mulheres costumam andar calçadas
com botinhas e usavam roupa de meias mangas habilmente confeccionadas com
algodão e empastada com piche negro.
Os índios Arimocoas, se encontravam no Solimões, num território entre as fozes
dos rios Iça e Tonantins. Eram índios que, “embora com muito asseio”, andavam nus.
* * *
Depois de meados do século XVI, parece ter havido mudanças na geografia
indígena do eixo Amazonas-Solimões, tanto pela presença dos conquistadores brancos
no litoral leste e norte da América portuguesa, quanto pela própria dinâmica das
populações indígenas, por exemplo: o território que até então era habitado pelas tribos
de Aparia e Aricana, no século XVII passou a ser ocupado pelos Omáguas.

Província dos Omáguas ou Cambebas

Localização – No século XVII, a região da Província de Aparia, estava ocupada


pelos índios Omáguas, com um certo deslocamento rio abaixo. A Província dos
Omáguas começava mais abaixo da boca do rio Napo, a cerca de 120 quilômetros acima
da foz do Javari, e se estendia até a boca do Mamoriá, entre os rios Jutaí e Juruá,
medindo mais de 700 quilômetros, ao longo da calha do Amazonas/Solimões. Além
desse território, os Omáguas mantinham, mediante incursões contínuas, uma buffer zone
despovoada a cima e a baixo do seu território, que servia como zonas de proteção.

A Província dos Omáguas foi considerada pelo frei Cristóbal de Acuña como “a
maior e mais dilatada província” de todas que foram encontradas no grande rio.
Povoação – Em ambas margens e nas ilhas, Pedro Teixeira, em 1639, teria contado
cerca de quatrocentas aldeias. São povoações muito grandes, e as casas são fortificadas
com estacas. No entanto, no final desse século o padre Samuel Fritz nomeou, apenas
trinta e oito aldeias e mapeou vinte duas delas somente nas ilhas; outras dezenas ainda
deviriam existir nas margens do rio. Acredita-se que essa drástica diminuição no
número de aldeias tenha sido uma conseqüência de mais ou menos quarenta anos de
epidemias que assolou o território Omágua.
Poder Político – As aldeias eram chefiadas por chefes locais, enquanto que a
chefia da Província estava nas mãos de uma espécie de rei, um chefe divino, como
afirma Maurício de Heriarte: “a que todos obedecem com sujeição, e lhe chamam de
Tururucari, que quer dizer o seu Deus; e ele por tal se têm”.
Costume – Os Omáguas chamaram a atenção dos primeiros exploradores e
missionários por duas particularidades suas: a deformação artificial do crânio, detalhe
que levou os colonizadores a chamá-los de Cambeba, que na língua geral quer dizer
“cabeça chata” (canga-peba); e o modo como se vestiam, pois usavam roupas de pano
de algodão em diversas cores.

“Acham-se os nativos tão acostumados ao uso de terem a cabeça achatada, que as


crianças, apenas nascem, são submetidas numa prensa, onde sua testa é comprimida
com uma tábua pequena; e, parte do crânio, por outra tão grande, que, servindo de
berço, recebe todo o corpo recém-nascido, o qual, colocado de costa sobre ela e
fortemente apertado pela outra, fica com a testa e crânio tão achatados como a palma da
mão”. (Frei Cristóbal de Acuña, em 1641. In: ACUÑA, Cristóbal de. 1994, p.118).

Imagem 6.

Índio Omágua ou Cambeba. Reproduzida de Alexandre Rodrigues Ferreira, Viagem Filosófica


pelas Capitanias do Grão-Pará Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá – 1783-1793, Rio de Janeiro,
Conselho Federal de Cultura, 1971 (Antropologia, prancha 117).

Conforme Heriarte, os Omáguas eram valentes e muito inclinados à guerra, por isso
temidos pelos demais. Intitulavam-se senhores daquele rio, e senhoreavam outras
províncias. Tinham muitos escravos que eram utilizados como mão-de-obra nas
lavouras nas margens do rio, nas várzeas: “mandam-nos com grande império, e eles
conhecem o seu cativeiro, obedecem com grande humildade”.

* * *
O indígena Omágua nos tempos coloniais passou definitivamente ser conhecido
pelo etnônimo Cambeba. Benedito do E. S. Pena Maciel, diz que os Cambebas foram
“descritos pelos viajantes e cientistas dos séculos XVI, XVII e XVIII – com certa
“admiração” e “espanto” – não só pela cultura, mas, também, por sua densidade
populacional e organização sócio-espacial, os Cambebas integram a literatura regional
com gente de mais razão e melhor governo que há em todo o rio (...) ou como: os mais
civilizados e razoáveis, (porque) mesmo sua cor é mais alva e figura elegante (...)”.
Nesse ponto, Maciel faz uso da “admiração” e do “espanto” de Cristóbal de Acuña e do
naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, que os registraram nos séculos XVII e XVIII,
respectivamente.

Imagem 7.

Índio Cambeba com suas Armas e Vestido. Reproduzido de Alexandre Rodrigues Ferreira,
obra citada, 1971 (Antropologia, prancha 118).

Ainda de acordo com Benedito Maciel os Cambebas a partir de meados do século


XVIII, já reduzidos a pequenos grupos, foram considerados extintos, então passaram a
negar a sua identidade étnica e se identificar como caboclo, isto é, como não-indígena,
sobretudo como tática de sobrevivência, em virtude de uma situação demasiadamente
adversa, por eles experimentados, tanto no período colonial, quando, no nacional
brasileiro.
“Essa lei do silêncio perpassa várias gerações de Cambeba (...), até o início da década
de 80 do século XX, quando eles se (re)afirmaram como Cambeba, no médio Solimões”
(Cf. MACIEL. In: SAMPAIO e ERTHAL (Orgs.), 2006, p. 206).

Província de Machifaro

Localização – No século XVI, a Província de Machifaro (ou Machiparo) estava


situada na margem direita do Solimões, num território que começava acima da boca do
rio Tefé e se estendia até próximo ao rio Coari, numa extensão territorial de cerca de
200 quilômetros.
Povoação – Pelo relato do frei Gaspar de Carvajal, em 1542, esta província
“constava mais de oitenta léguas, todas povoadas, e de aldeia em aldeia, havia enorme
proximidade. Algumas aldeias se estendiam por mais de cinco léguas, sem separação
entre uma casa e outra e isso era uma coisa maravilhosa de se ver. (...) pelo que
pudemos perceber, esta foi a aldeia mais populosa que já tínhamos visto”.

FARTURA EM MACHIFARO – “Quando o alferes viu o tamanho da aldeia e sua grande


população, resolveu não ir frente, mas voltar e relatar ao Capitão [Francisco de Orellana] o que
vira (...). Contou-lhe tudo o que havia visto e como havia grande quantidade de alimentos, como
tartarugas, que estavam pelos pátios e nos tanques, como muita carne, peixes e biscoitos, tudo
em abundância, tanto que daria para sustentar um batalhão de mil homens durante um ano”.

CARVAJAL, Frei Gaspar de. Relatório do Novo Descobrimento... . São Paulo / Brasília:
Scritta / Embaixada da Espanha, 1992, p. 57.

* * *
No século seguinte, os habitantes da Província Machifaro passaram a ser conhecido
por Curuzirari, depois por Carapuna ou ainda por Aisuari. A mudança de etnônimo
deve-se aos registros dos cronistas do século XVII: Cristóbal de Acuña, em 1639;
Maurício de Heriarte, em 1662; Laureano de la Cruz, em 1651 e Samuel Fritz, entre
1686 e 1723, respectivamente. O etnônimo Aisuari foi que se fixou historicamente.

DATA DA ESCRITA – “Maurício de Heriarte foi um dos companheiros de Pedro Teixeira e


assinou o auto de tomada posse das terras a que aquele capitão deu o nome de Província
Franciscana, em 16 de agosto de 1639. (...) A Descrição do Estado do Maranhão, Pará e
Corupá e Rio da Amazonas deve ter sido escrita por mandado do governador e capitão-general
Rui Vaz de Siqueira, que governou o Estado de 26 de março 1662 a 22 de junho de 1667.”

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil. São Paulo: Edusp / Belo
Horizonte: Itatiaia, 1981, p.170.

Província de Aisuari

Localização – De um “território que começava acima da boca do rio Tefé e se


estendia até próximo ao rio Coari” (Província de Machifaro), a Província de Aisuari, até
ao final do século XVII, expandiu-se territorialmente, cerca de 120 quilômetros, rumo
ao Oeste, ultrapassando a foz do rio Juruá. Nessa expansão territorial ocuparam a buffer
zone que protegia os Omáguas.
Povoação – Pelo relato do frei Cristóbal de Acuña, em 1639, “vinte e oito léguas
mais abaixo do rio Juruá, na mesma banda sul (...), começa a populosa nação dos
Curuziraris, que, seguindo sempre a mesma margem, se estende por um espaço de
oitenta léguas, São tão próximas uma das outras as suas povoações, que mal levamos
quatro horas sem encontrar outras, às vezes, durante a metade de um dia inteiro, não
cessamos de ver aldeamentos”.
A primeira povoação dos Curuzuraris ou Aisuaris foi chamada pelos
expedicionários de Pedro Teixeira de Aldeia do Ouro, pelo fato de seus habitantes
ostentarem no nariz e nas orelhas pequenos pingentes do metal precioso.
Comércio – O ouro encontrado entre os Aisuaris era procedente do alto Uaupés,
trazido pelos índios Manaus do rio Negro para o Japurá, daí chegava aos Aisuaris. Os
Manaus traziam, principalmente, além das pequenas lâminas de ouro, urucum, raladores
de mandioca, redes de miriti, cestarias e tacapes; enquanto os Aisuari forneciam
cerâmica de excelente qualidade produzida especialmente para fazer comércio com as
demais nações que vinham fazer grandes carregamentos delas (Cf. PORRO, 1995,
p.52).

* * *
No final do século XVII, os Aisuaris contavam, entre outras, com cinco aldeias
principais; uma delas seria a chamada Aldeia do Ouro. Porém, no começo do século
seguinte, parte dos Aisuaris foi atraída pelos jesuítas espanhóis, junto com os Omáguas
e os Yorimans para as missões castelhanas. Os remanescentes Aisuaris integraram as
aldeias que os carmelitas portugueses herdaram dos jesuítas espanhóis.

Província de Oníguayal ou Omágua

Localização – No século XVI abaixo de Machifaro, começava a Província de


Oníguayal, que também foi chamada pelos cronistas quinhentistas de Omaga e
Omágua. Essa província se estendia, de um pouco acima da barra do rio Coari, até as
proximidades da foz do rio Purus, numa extensão territorial de 250 quilômetros; sempre
pela margem direita do grande rio, exceto na região de Codajás, que ocupava também,
uma parte da margem esquerda.
Manufatura – A maior aldeia da província situava-se nas proximidades da ilha de
Codajás e foi batizada Aldeia da Louça pelos companheiros de Orellana devido à
abundância de belíssimas cerâmicas policrômicas e vitrificadas, “a melhor que se viu no
mundo”, as quais segundo Carvajal:

“Havia nesse povoado, uma casa de diversões, dentro da qual encontramos louças das
mais variadas: havia vasos e cântaros enormes, de mais de vinte e cinco arrobas, e
outras vasilhas pequenas como pratos, tigelas e castiçais, de uma louça da melhor que já
se viu no mundo, mesmo a de Málaga não se iguala a ela, porque é toda vitrificada e
esmaltada com todas as cores, tão vivas que espantavam, apresentando, além disso,
desenhos e figuras tão compassadas que naturalmente eles trabalhavam e desenhavam
como os romanos” (CARVAJAL, 1992, p. 65).

Outros artefatos que chamaram a atenção dos viajantes foram os grandes ídolos
feitos de fibras vegetais trançadas: ostentavam braceletes, orelhas furadas de grande
tamanho e eram guardados numa cabana de fins rituais ou festivos, que Carvajal
chamou de Casa dos Prazeres.
Comércio – Segundo Carvajal, esses índios embora ribeirinhos e bons navegantes,
mantinham intensas relações com tribos da terra firme; das “ruas” principais das aldeias
saíam caminhos bons e largos que entravam pela terra adentro, e quanto mais se
afastavam do rio eram melhores e maiores.

OMÁGUA QUE NÃO ERAM CAMBEBAS – “Evidências geográficas, lingüísticas e


culturais revelam, porém, sem sombra de dúvidas, que estes “Omáguas” não eram os mesmos
que a partir do século seguinte seriam conhecidos por este nome. Sua língua era diferente da de
Aparia, e ao contrário dessa última era incompreensíveis para os espanhóis”.

Porro, Antonio. O povo das Águas. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 53.

* * *
Antonio Porro afirma que, embora falte, nas crônicas quinhentistas, elementos que
permitam relacionar a Província de Oníguayal (ou Omágua) com as populações
historicamente conhecidas, a localização geográfica permite admitir que se tratava dos
Yoriman, Juriman, Solimões ou Yurimágua.
No século seguinte, os habitantes da Província de Oníguayal (ou Omágua)
passaram a ser conhecido por Yoriman, Juriman, Solimões ou Yurimágua. A mudança
de etnônimo deve-se aos registros dos cronistas do século XVII: Cristóbal de Acuña, em
1639; Laureano de la Cruz, em 1651; Maurício de Heriarte, em 1662; Samuel Fritz,
entre 1686 e 1723, respectivamente. O etnônimo Solimões foi que se fixou
historicamente.

Província de Yoriman, Solimões ou Yurimágua

Localização – No século XVII, a Província de Yoriman (ou Solimões ou Yurimágua),


estava localizada na margem direita do rio Amazonas (rio Solimões), incluindo uma
parte das ilhas, com uma extensão territorial semelhante a da Província de Oníguayal
(ou Omágua), ou seja, “um pouco acima da barra do rio Coari, até as proximidades da
foz do rio Purus, numa extensão territorial de 250 quilômetros”.
Povoação – Pelo relato do frei Cristóbal de Acuña, em 1639, “embora de
longitude se estreite em um pouco mais de sessenta léguas, como se aproveita das ilhas
e da terra firme, está tão povoada, que em parte alguma vimos tantos bárbaros juntos
como ali”. Numa aldeia, considerada como a maior já encontrada nesse rio, moravam-se
em casas comunais: cada casa abrigava quatro, cinco ou mais famílias.
Comércio – Os Solimões desenvolviam uma intensa atividade comercial tanto
intertribal, quanto interétnica: com os seus vizinhos indígenas, negociavam
manufaturas, e indiretamente com os brancos, escravos, armas e ferramentas.

“Ainda no final do século XVII, com suas cerâmicas, cuias pintadas e contas de
caracóis, participavam do circuito comercial que lhes fazia chegar, através dos rios
Japurá, Negro e Branco, armar e ferramentas que os holandeses da Guiana forneciam
em troca de escravos” (PORRO, 1995, p. 54).

* * *
Os Solimões, segundo o padre Acuña, eram tidos como a mais conhecida e belicosa
nação do rio Amazonas que atemorizava a esquadra portuguesa em sua primeira
entrada. Porém, na segunda metade do século XVII tiveram contato com os sertanistas
portugueses e, conseqüentemente, com a primeira tropa de resgate; durante esse
episódio os Solimões se retiraram para o centro da mata, malogrando dessa forma, a
intenção lusitana.
Antonio Porro afirma que no final do século XVII, esses índios estavam 300
quilômetros rio acima, convivendo com os Aisuaris na periferia do território Omágua e
também espalhados pela terra firme da margem direita do rio Solimões.

SOLIMÕES, O “RIO DOS VENENOS” – “Solimões, significando para alguns autores rio
dos venenos, nada mais é que uma curiosidade lingüística: solimão, do latim sublimatum, era
nome popular do sublimato corrosivo (bicloreto de mercúrio), ou ‘qualquer poção venenosa ou
letífera’ que os eruditos do século XVIII associaram às flechas envenenadas de algumas tribos
do rio Amazonas”.

Porro, Antonio. O povo das Águas. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 113.

Províncias de Paguana

Localização – No século XVI, a Província de Paguana estava localizada num


território que começava acima da boca do rio Purus e estendia até uns cem quilômetros
acima do encontro das águas do rio Negro com as do Solimões.
Povoação – Pelo relato do frei Gaspar de Carvajal, em 1542, no início das terras do
senhor de Paguana, havia uma aldeia (Aldeia dos Bobos) com duas léguas de extensa, e
dessa aldeia partiam muitos caminhos para o interior. Uma outra aldeia (Aldeia dos
Viciosos), também chamou a atenção de Carvajal, tanto pela sua dimensão e
organização, quanto pelo contingente populacional. Relatou o padre:

“Pela manhã, avistamos uma aldeia grande e populosa, com muitos bairros, em cada um
deles, havia um porto no rio. Em cada porto havia uma multidão de índios. Esta aldeia
se estendia por mais de duas léguas e meia” (CARVAJAL, 1992, p. 67 e 69).

Da “aldeia dos Bobos”, até “aldeia dos Viciosos”, a Expedição de Orellana navegou
apenas pela margem direita do rio, e sempre por um grande povoamento, e houve um
dia em passou por mais de vinte aldeias.

RIQUEZA NA ALDEIA DOS BOBOS – “O chefe desta terra tem muitas ovelhas [lhamas],
como as do Peru, e é muito rico em prata, como os índios diziam. A terra é muito alegre, bonita
e farta de comidas e frutas, tais como pinhas e pêras, e que na língua da Nova Espanha, se
chamam abacates, ameixas, guanas e muitas outra frutas deliciosas”.

CARVAJAL, Frei Gaspar de. Relatório do Novo Descobrimento... . São Paulo / Brasília: Scritta
/ Embaixada da Espanha, 1992, p. 67).

Antonio Porro, avalia que Carvajal quando chamou o povoado de “dos bobos”, foi
uma cínica apreciação da docilidade dos indígenas; enquanto que o segundo, ao
contrário, foi chamado de “dos viciosos”, pela aparência insidiosa e aguerrida daquela
população nativa.
***

No século XVII, Cristóbal de Acuña, em 1639, indicou que na embocadura do rio


Purus (rio Cuchiguara para os índios), havia uma nação indígena chamada de
Cuchiguará (ou Cuchiguara, Cuxiuara), e que subindo rio acima existiriam mais sete
tribos.
Nesse século não há mais referência a Província de Paguana nas adjacências do rio
Purus, a menção que existe é sobre os Cuchiguaras. Os especialistas acreditam na
possibilidade de esses indígenas serem descendentes do povo Paguana, que teriam
migrado Solimões acima, devido à violenta pressão portuguesa na região.
Curiosamente, nesse mesmo século identificou-se uma tribo Paguana entre os rios
Tefé e Catuá. Localização distante cerca de 400 quilômetros da Província Paguana
quinhentista, contudo, esse fato ajuda na hipótese de ser um contingente indígena que
migrou do homeland original.
No último trecho antes do encontro das águas do rio Negro com as do Solimões,
ainda no século XVII, habitava uma grande diversidade de tribos, entre outras, as dos
Caripunas e Zurinas, pela margem direita, enquanto que, pela esquerda, estendendo-se
pelos lagos de Manacapuru e terra em direção ao baixo rio Negro, viviam os
Carabuyunas, distribuídos em dezesseis tribos.

Províncias do “encontro das águas” à ilha de Tupinambarana

Para esse trecho do rio Amazonas, as informações do século XVI são muito vagas.
Porém, sabe-se que entre os rios Negro e Urubu “havia uma série de aldeias fortificadas
com paliçadas de toras grossas e uma única entrada”. Mais adiante, sempre na margem
esquerda foi visto na praça de um povoado um altar de três metros de diâmetro feito de
uma só prancha de madeira esculpida.
Havia indícios de ofertas de bebidas fermentadas a uma divindade solar e, de
acordo com frei Carvajal, “muitos trajes feitos de plumas de diversas cores aplicadas e
tecidas sobre algodão, muitos gentis, os quais vestem os índios para celebrar suas
festas”.
Após a boca do rio Madeira, uma província foi denominada de Picotas (“dos
Pelourinhos”), pelo fato de em seus povoados haver muitas estacas ostentando cabeça
de mortos, as cabeças-troféu.
Em meados do século XVII, a margem esquerda do Amazonas, desde a barra do rio
Negro até o Urubu, era habitada pelos índios Tarumãs e outros grupos de língua
Aruaque. Quanto à ilha de Tupinambarana, estava toda habitada pelos Tupinambás
oriundos da costa leste do Brasil devido à presença dos portugueses.

A ilha de Tupinambarana estava “toda povoada pelos valentes Tupinambás, gentio que,
após a conquista do Brasil, em terra de Pernambuco, há anos, saíram derrotados,
fugindo do rigor com que os portugueses os sujeitavam. Saíram em tão grande número,
que despovoaram ao mesmo tempo oitenta e quatro aldeias onde viviam” (Cristóbal de
Acuña, em 1639. In: ACUÑA, Cristóbal. 1994, p. 148).

LIMITES DA ILHA DE TUPINAMBARANA - Ao Norte, rio Amazonas; ao Sul e Leste,


furo do Arariá e o paraná do Ramos; Ao Oeste, rio Madeira.

Cf. ARAÚJO E AMAZONAS, Lourenço da Silva. Dicionário Topográfico, Histórico,


Descritivo da Comarca do Alto Amazonas. Manaus: Grafima, 1984.

Província dos Tapajós

O trecho do rio Amazonas, que vai da boca do rio Nhamundá até o baixo curso
do rio Tapajós, foi concebida pelo frei Gaspar de Carvajal, no século XVI, como uma
única grande província, e a denominou de São João, pelo fato de tê-la atingida no dia 24
de junho. De acordo com o relato desse cronista, ambas as margens do rio Amazonas,
nessa província, estavam pontilhadas de aldeias, mas as maiores – que as definiu como
“grandes cidades” – estavam situadas na sua margem direita, recuadas umas duas léguas
para interior. Carvajal, não fornece nenhum nome tribal para essa província, no entanto,
tudo indica que região era habitada pelos índios Tapajós.
Na primeira metade do século XVII, a chamada Província de São João ou
Província dos Tapajós, foi percorrida pelo padre Cristóbal de Acuña, que visitou uma de
suas aldeias, e in loco, constatou a existência de mais de quinhentas famílias (cerca de
2.500 pessoas). Para Acuña, os Tapajós, eram “gente briosa, e temida pelas mais nações
vizinhas, porque usam em suas flechas um veneno que as faz, tirando o sangue, tirar
sem remédio também a vida”.
Maurício de Heriarte, em 1662, registrou que os Tapajós estavam organizados
em povoados de vinte ou trinta casas cada um, Cada povoado era governado por um
Principal, “e a todos governa um Principal grande sobre todos”. Em tempo de guerra
seriam capazes de colocar 60 mil homens em armas.
Ainda, no século XVII, na Província dos Tapajós, mais precisamente na bacia do
Nhamundá-Trombetas, foi registrada a presença dos índios Conduris. Curiosamente, a
chefe das “amazonas” descritas por Carvajal, chamava-se Coñori, nome muito próximo
ao etnônimo Conduri.

Imagem 8.

“Seleção de Cerâmica com decoração aplicada”. Estilo Santarém (a-b); estilo


Konduri (c). Reproduzida de Donald Lathrap, O Alto Amazonas. Lisboa: Verbo, 1975, p. 183.

“As Mulheres Guerreiras”

No início da Província dos Tapajós, num lugar incerto, aconteceu o famoso


combate entre os soldados de Orellana e os índios, que pareceu ser comandado por
mulheres. Esse combate foi muito acirrado, Gaspar de Carvajal explicou as razões do
acirramento, por parte dos índios, com as seguintes palavras:

“Quero que saibam a razão porque os índios lutavam dessa maneira. Acontece que eles
são súditos e tributários das amazonas e sabendo na nossa vinda, pediram socorro a elas
que mandaram de dez a doze, pois nós as vimos. Elas estavam lutando como líderes na
frente dos índios e lutavam tão decididamente que os índios não ousavam nos dar as
costas, pois aqueles que fugissem de nós elas matavam a pauladas. Sendo essa razão por
que os índios se defendiam tanto. Estas mulheres são muito brancas e altas e têm
cabelos trançados e enrolados na cabeça, são musculosas e andam nuas em pelo,
cobrindo sua vergonha com os arcos e as flechas nas mãos lutando como dez índios. Na
verdade uma dessas mulheres meteu um palmo de flecha num dos nossos barcos e a
outra um pouco menos, ficando nosso barco parecendo porco-espinho” (CARVAJAL,
1992, p. 79-81).

As mulheres guerreiras que Carvajal se referiu como as Amazonas, viveriam –


conforme o relato de um índio aprisionado pela Expedição de Orellana – em várias
cidades (“... a sete jornadas da costa”), e a sua chefa chamava-se Coñori que residiria
numa cidade principal, onde havia cinco casas que funcionavam como grandes templos
dedicados ao deus-sol. O índio também afirmaria, entre outras coisas, que elas não
permitiam que homens ficassem em suas cidades depois do pôr-do-sol.
Frei Gaspar de Carvajal transformou essas mulheres nas lendárias amazonas,
porém, o cronista não as inventou, apenas divulgou lenda que “quis” ouvir do índio
aprisionado. Entretanto, é possível que fossem mesmo mulheres em combate, pois
existem informações de que os espanhóis já tinham visto entre os índios com quem
tiveram que combater ao longo do rio, algumas mulheres que iam à frente dos seus
esquadrões. Mas esses dados não autorizam ninguém sustentar a existência das
Amazonas na região descrita por Carvajal.

Província dos Negros

No século XVI, a Província dos Negros ia da região de Monte Alegre até o rio
Xingu. Carvajal descreveu os índios dessa província como homens enormes, mais altos
que os maiores de seus companheiros de expedição, eram tosquiados e estavam pintados
de negros e por isso a chamaram de Província dos Negros. Tinham um grande chefe,
chamado de Arripuna (ou Caripuna ?), que era senhor de muitas terras.
Dos limites dessa província até a foz do Amazonas foi registrado pelos cronistas
espanhóis, mais uma grande quantidade de povoações indígenas.

* * *

Aqui neste ponto se pode fazer uma crucial indagação. Em que pese alguns dados
exagerados nos documentos etno-históricas; estes, mais os resultados das recentes
pesquisas arqueológicas dão conta de que as margens da calha do eixo Amazonas-
Solimões-Amazonas, estavam densamente povoadas nos século XVI e XVII, inclusive
sugerem a existência dos controvertidos Cacicados complexos. Portanto, onde estão ou
para onde foram estes povoadores primordiais?
Ainda não se tem uma resposta conclusiva para o fenômeno, no entanto, conforme
já foi dito no primeiro Capitulo deste livro, essas populosas sociedades foram
completamente desarticuladas pela ação da conquista européia, na medida em que se
praticou genocídios e etnocídios ao longo do período em questão. Enquanto que, os
sobreviventes dessa conquista, internaram-se na floresta, onde teriam formando
sociedades de aldeias independentes.
Hoje, não há nada mesmo remotamente parecido, que possa ser encontrado nas
atuais sociedades indígenas da Amazônia, que lembre as sociedades complexas do
período da Amazônia pré-colonial. A não ser alguns de seus vestígios materiais, e o
pouco que foi registrado na memória das crônicas dos séculos XVI e XVII que, aliás,
serviram de base para a confecção deste módico capítulo.

Imagem 9.

Mapa 1 – LOCALIZAÇÃO APROXIMADA DAS PROVÍNCIAS INDÍGENAS AO LONGO DO


EIXO FLUVIAL AMAZONAS-SOLIMÕES-AMAZONAS.

Demografia Indígena
O antropólogo Antonio Porro ensina que “saber quantos e quem eram os índios
que estavam no Brasil à chegada dos europeus é importante para uma justa avaliação do
seu passado e do presente”. Esse raciocínio particularmente serve para a Amazônia,
considerando que a sua história colonial não esteve, necessariamente, ligada à do Brasil.
Conforme J. R. Bessa Freire, o lingüista Cestmir Loukotka, em 1968, registrou e
classificou, para a América do Sul, cerca de 1.492 línguas indígenas, das quais 718 eram
faladas pelos habitantes do território que constitui, hoje, a Amazônia brasileira, e
estavam agrupadas em seis troncos lingüísticos: Tupi, Caribe, Aruaque, Pano, Gê e
Tucano, e outras línguas isoladas ou não classificadas (Quadro 2).
Até a década de 1960, a demografia indígena da Amazônia era interpretada por
uma antropologia norte-americana conservadora que desprezava as fontes etno-
históricas, e as evidências arqueológicas existentes, concorrendo para que a população
fosse subestimada e concluindo que o território amazônico seria um grande vazio
demográfico.
Esse quadro começou a mudar, segundo Antonio Porro, a partir da década seguinte,
sob a influência dos estudos de demografia histórica da chamada “escola de Berkeley”
(Califórnia, EUA), quando seus pesquisadores desenvolveram métodos sofisticados de
cálculos para determinar com maior precisão, quantitativos populacionais históricos da
América indígena.
Um desses métodos é “baseado no controle cruzado (cross checking) de notícias de
duas ou mais fontes sobre o mesmo assunto, fossem elas relatos de antigos cronistas ou
informantes indígenas (...); outro, é o da taxa de despovoamento de um determinado
grupo indígena entre dois momentos históricos”, por exemplo: “os Munduruku eram
cerca de 20.000, em 1915, e haviam caído para 1.200 em 1950. Portanto, uma taxa de
despovoamento de 16,6:1”.

Imagem 10.

Munduruku com Coifa emplumada. Reproduzido de Carlos Fausto. In: Manuela Carneiro da
Cunha (Org.), História dos Índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras / Fapesp, 1992, p. 398-E.

Os estudos demográficos, mais os dados arqueológicos, autorizam afirmar que no


século XVI a Amazônia era densamente povoada; a várzea detinha uma maior
concentração demográfica, enquanto que na terra firme a população era mais rarefeita.
Willian M. Denevan, em 1976, estimou para os 98% de terra firme da Amazônia
(atualmente brasileira), uma densidade demográfica de 0,2 hab./km2, o que corresponde
a 1 milhão de habitantes; sugeriu para os 65.000 km2 de várzea do rio Amazonas uma
densidade demográfica de 14,6 hab./km2, correspondendo a uma população de quase 1
milhão, que somada à da terra firme totaliza, em números redondos, 2 milhões de
índios.
Ainda de acordo com Bessa Freire, antropólogo inglês John Hemming, na década
de 1980, ao reavaliar as estimativas de Denevan, chegou à outra conclusão: a Amazônia
brasileira teria 3.625.000 habitantes, antes do contato com os europeus.
Esses números são provisórios, mas servem, segundo Antonio Porro, para indicar
uma ordem de grandeza provável. E que somente após a leitura crítica das fontes
primárias, em grande parte ainda inéditas, e a multiplicação das pesquisas
arqueológicas, poderemos esperar avaliações mais precisas.

Quadro 2 – GRUPOS LINGÜÍSTICOS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA E SEUS


RESPECTIVOS DOMÍNIOS NA ÉPOCA DO CONTATO
Troncos N.o de
Lingüísticos Grupos Domínio Territorial
Litoral do Pará e Maranhão; bacia do baixo Amazonas e em sua
Tupi 130 margem direita, incluindo a ilha de Tupinambarana; bacia do alto
Solimões.
Caribe 108 Ao norte do Amazonas, na região das Guianas.
Aruaque 83 Bacia do alto Amazonas; região do baixo rio Negro; rios Uatumã,
Jatapu e Urubu; bacia do Orinoco; litoral das Guianas até a ilha do
Marajó
Pano 34 Cabeceiras dos rios Purus, Juruá, Javari e Ucayali.
Ge 66 Bacia do médio Xingu e do Araguaia-Tocantins; ao sul dos formadores
dos rios Tapajós e Madeira.
Tucano 26 Noroeste da Amazônia, rio Uaupés.
Outras línguas Espalhadas em diversas áreas. Esses grupos de origens desconhecidas
isoladas ou não 271 foram exterminados antes de serem identificados.
classificadas
Total 718
Fonte: Freire, 1983 e 1994; Porro, 1995
Imagem 11.

Mawé com Coifa. Reproduzido de Carlos Fausto. In: Manuela Carneiro da Cunha (Org.), obra
citada, 1992, p. 398-E.

Leitura Complementar N.o 2

DE MULHERES GUERREIRAS DO MAROÑÓN ÀS LENDÁRIAS AMAZONAS

“(...) o Capitão interrogou o índio que capturou (...) /. / O Capitão perguntou que mulheres eram
aquelas que tinham lhes ajudado a nos atacar. O índio disse que eram mulheres que residiam a
sete jornadas da costa. O Capitão perguntou se essas mulheres eram casadas; o índio disse que
não. O Capitão perguntou de que modo vivem; o índio respondeu que como disse, viviam no
interior e que ele fora muitas vezes lá e viu seus costumes e moradias, o qual na condição de
vassalo ia levar tributos quando seu chefe mandava. O Capitão perguntou se havia muitas
mulheres; o índio disse que sim e que ele conhecia o nome de setenta aldeias e enumerou-as
diante dos que ali estavam e que em algumas havia estado. O Capitão lhe disse se estas aldeias
eram de palhas, o índio respondeu que não, mas eram de pedra e com portas, e que de uma
aldeia à outra havia estradas cercadas em certos pontos com guardas, porque ninguém podia
passar sem pagar impostos. O Capitão perguntou se as mulheres pariam; o índio respondeu que
sim. O Capitão perguntou, como não sendo casadas nem morando homem com elas podiam
engravidar; o índio disse que essas índias se encontravam ás vezes com índios. Quando tinham
vontade se reuniam para guerra contra um grande chefe que reside e tem sua Terra próxima à
dessas mulheres e os trazem à força para suas Terras ficando com eles o tempo que desejam.
Depois de ficarem grávidas os enviam de volta sem lhes fazer mal. Mais tarde quando chega o
tempo de parir se forem meninos, matam e enviam ao pai e se forem meninas as criam com
muito orgulho e ensinam a arte da guerra. Disse ainda que entre essas mulheres há uma da qual
as outras são súbitas ficando sob sua jurisdição e que ela se chama Conhori. Disse que possuem
grande riqueza em ouro e prata dos quais são constituídos os pertences das chefes principais,
enquanto as mulheres plebéias possuem vasilhas de madeira, a não ser as que vão ao fogo, que
são de barro. Contou que na capital e principal cidade na qual reside a chefe, há cinco casas
muito grandes que são templos dedicados ao sol, chamadas por elas de Coronais. No interior
desses templos existem assoalhos que vão até o meio enquanto os tetos expressos são repletos
de pinturas coloridas havendo também muitos ídolos de ouro e prata com figuras de mulheres
além de objetos de ouro e prata para servir o sol. Elas se vestem de roupa de lã fina, provindas
de ovelhas oriundas do Peru. Essa roupa é formada por mantas apertadas dos peitos para baixo,
com o busto descoberto, tendo ainda um pano na frente preso aos cordões. O cabelo é solto até o
chão e tem coroas de ouro na cabeça da largura de dois dedos. Disse ainda que nessa Terra,
segundo entendemos há camelos que as carregam, disse que há outros animais, mas não
conseguimos entender, eles são do tamanho de cavalos com pelos enormes e patas fendida,
ficam presos e são poucos. Contou que na Terra há duas lagoas de água salgada, da qual retiram
sal. Elas têm uma ordem que não permite índio macho ficar nas suas cidades e nas suas Terras
depois do por do sol. Elas dominam muitas províncias próximas obrigando-as a pagar tributos e
prestar serviços se estão em guerra com outras, em particular a que já descrevemos, da qual
trazem os índios para ter relações. Disse que esses índios são grandes e brancos e suas aldeias
populosas. Tudo o que contou ele viu muitas vezes em suas idas e vindas. O que esse índio nos
contou já tínhamos ouvido falar há seis léguas de Quito, pois todos sabiam da existência dessas
mulheres o os índios desciam 1.400 léguas rio abaixo só para vê-las. Eles falaram também que
os que resolvessem procurar a Terra dessas mulheres saiam moços e voltavam velhos. Contou
que a Terra era fria e que havia pouca lenha, mas muita comida, além de coisas as quais vão se
descobrindo a cada dia, porque é um índio sábio e inteligente, como são os outros daquela
Terra”.

CARVAJAL, Frei Gaspar de. Relatório do Novo Descobrimento do Famoso Rio Grande
Descoberto pelo capitão Francisco de Orellana. São Paulo / Brasília: Scritta / Embaixada da
Espanha, 1992, p. 85-89 (Introdução e Notas de Guilhermo Giucci).

Indicações para Leitura

ACUÑA, Cristóbal de (1994). Novo Descobrimento do Grande Rio das Amazonas. Rio de
Janeiro: Agir.

FREIRE, José Ribamar Bessa et alii (1994). A Amazônia Colonial (1616-1798). 5.ª Edição.
Manaus: Metro Cúbico.

_______ (1983). “Da Fala Boa ao Português na Amazônia Brasileira”. Ameríndia. N.º 8. Paris:
CNRS, p. 39-83.

CARVAJAL, Frei Gaspar de (1992) Relatório do Novo Descobrimento do Famoso Rio Grande
Descoberto pelo Capitão Francisco de Orellana. Edição bilíngüe. São Paulo / Brasília: Scritta /
Embaixada da Espanha (Introdução e Notas de Guilhermo Guicci).

HERIARTE, Maurício de (1975). “Descrição do Estado do Maranhão, Pará , Coropá e Rio das
Amazonas”. In: Varnhagen, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil. 8.ª edição. São
Paulo: Melhoramentos, Tomo 3, p.170-190.

MACIEL, Benedito do Espírito Santo Pena (2006). “Entre os rios da memória: história e
resistências dos Cambebas do Amazônia brasileira”. In: SAMPAIO, Patrícia Melo e ERTHAL,
Regina (Orgs.). Rastros da Memória – história e trajetórias das populações indígenas na
Amazônia. Manaus: Edua.

PORRO, Antonio (1996). O Povo das Águas: ensaios de etno-história amazônica. São Paulo:
Vozes / Edusp.

_______ (1993). As Crônicas do Rio Amazonas: notas etno-históricas sobre as antigas


populações indígenas da Amazônia. Petrópolis: Vozes.
UNIDADE I

DO PALEOINDÍGENA À CONQUISTA DA AMAZÔNIA

Capítulo 3

Descobrimento e Conquista da Amazônia


Capítulo 3

DESCOBRIMENTO E CONQUISTA DA AMAZÔNIA

A partir do final do século XIII o feudalismo europeu começou a apresentar fortes


sintomas de perda de vitalidade, ou seja, era a sua dinâmica atingindo os limites
possíveis de seu funcionamento estrutural. No século seguinte, todas as estruturas
feudais foram atingidas: era a crise geral do feudalismo do século XIV. A fome, as
epidemias e a superexploração dos servos levaram ao desaparecimento de boa parte da
força de trabalho, o que concorreu para o retraimento das atividades comerciais.
Para superar a inércia da economia feudal, era necessário aumentar os mercados
produtores de matérias-primas e de consumidores de produtos manufaturados europeus.
A saída encontrada pelas monarquias em aliança com a burguesia mercantil, para essa
crise, foi a expansão marítima.

Impérios Coloniais Ibéricos

Portanto, um conjunto de fatores econômicos, políticos, sociais e culturais vividos


pelos europeus determinaram a expansão marítima européia a partir do século XV, e
conseqüentemente na formação dos impérios ultramarinos, envolvendo a África, a Ásia
e a América.

Império Português

Quase no final do século XIV, Portugal, além da situação econômica precária,


entrou numa crise política profunda, quando o último rei da dinastia de Borgonha, D.
Fernando I (1367-1383), morreu sem deixar herdeiro masculino legítimo e sua filha D.
Beatriz, casada com D. João I, rei de Castela, ameaça levar Portugal a uma união
ibérica.
A grande nobreza feudal portuguesa, que atravessava uma ampla crise em
decorrência da crise geral do feudalismo do século XIV, via nessa “união” uma forma
de ter acesso a mais terras. Contra essa situação colocaram-se a pequena nobreza, os
comerciantes e os artesãos, principalmente de Lisboa, temerosos do poder que teria essa
nobreza com a união castelhana.
A guerra entre Portugal e Castela foi inevitável. D. João, mestre da Ordem de Avis,
meio-irmão de D. Beatriz, armou em torno de si uma espécie de “partido nacional” para
anular a nobreza latifundiária pró-castelhana, levando à chamada Revolução de Avis
(1383-1385). A vitória de D. João inaugurou a dinastia de Avis (1383-1580), a
formação do Estado nacional português unificado e uma monarquia absolutista, que
possibilitou o pioneirismo na expansão ultramarina.
Portugal iniciou a sua expansão marítima em 1415, com a tomada de Ceuta, no
norte da África. Com esse acontecimento começou a formação do histórico Império
Colonial Português, com futuros domínios na África, na Ásia, na América e nas ilhas
do Pacífico e do Atlântico.
Ilhas atlânticas: Madeira, Açores e Cabo Verde;
África: Ceuta; Tanger; Mazagão, no Marrocos; de Arguim (atual Mauritânia) até Serra Leoa, na
costa da Guiné; Mina, Ilha do Príncipe, Ano Bom e São Tomé, no golfo da Guiné; além do
Congo e da Angola; Lourenço Marques, Inhambane, Sofola, Queliname, Sena, Tete,
Moçambique e Etiópia, na costa Oriental.
Ásia: Ormuz, no golfo pérsico; Diu, Damão, Chaul, Goa, Calicute, Cochim, Baçaim, na Índia;
Colombo, no Ceilão; Malaca, na Malásia; Timor, na Indonésia; Macau, na China.
América: os portugueses conquistaram e colonizaram o Brasil e, a partir de 1616, sob o
patrocínio da União Ibérica (1580-1640), a Amazônia.

Império Espanhol

A história da Espanha foi profundamente marcada pela luta contra os muçulmanos,


iniciada em 718, a qual perdurou por oito séculos, finalizando em janeiro de 1492, com
a tomada de Granada. Durante esse período houve a formação dos reinos de Castela,
Leão, Navarra e Aragão, os quais foram unificados, formandos a Espanha.
Com o casamento de Fernando de Aragão com Isabel de Castela (1479), realizou-
se o primeiro esboço da unidade espanhola. Nesse reinado (1479-1504) foram
realizados, portanto, o fim da Reconquista da península ibérica, a criação do Estado
absolutista espanhol e a viagem de Cristóvão Colombo ao Novo Mundo.
A crise geral do século XIV e a estagnação do século seguinte, naturalmente,
também afetaram os segmentos sociais da Espanha e fizeram com que o processo da
reconquista fosse interrompido em 1340 com a vitória do rio Salado para recomeçar
vitoriosamente, bem no final do século XV.
Os combates contra os muçulmanos e em outros campos de batalha da Europa
deram à Espanha experiência militar renovada, que entre outros fatores levaram os mais
decididos de seus filhos a procurar glória e fortuna em outros lugares.
No início do século XVI, a Espanha passou a ser governada pela dinastia de
Habsburgo, de origem austríaca, pois o imperador da Áustria, Maximiliano I, casou o
seu filho Filipe com D. Joana, filha de Fernando e Isabel, os Reis Católicos. Dessa
união nasceu Carlos I, que se tornou rei da Espanha, em 1517; em seguida, acumulou os
títulos de imperador da Áustria e do Sacro Império Romano-Germânico, tornando-se o
todo-poderoso imperador Carlos V (1517-1556).
O império de Carlos V englobava terras que correspondem, hoje, aos seguintes
países e algumas unidades políticas-administrativas da Europa, da América, da África e
da Ásia:

Europa: Espanha, Áustria, Holanda, Bélgica, Alemanha, Itália (parte sul), Milão, Sardenha e
Sicília.
África: Tunis; Peñón de Vélez e Melilha, no Marrocos; Orã e Mostaganem, na Argélia.
Mediterrâneo: Ilhas Baleares.
Atlântico: Ilhas Canárias.
Ásia: Filipinas.
América: Califórnia, Arizona, Texas, Colorado, Utha, Geórgia, Flórida e Novo México nos
Estados Unidos América (EUA); México, Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Costa
Rica, Panamá, Cuba, Haiti, Porto Rico, São Domingos, Colômbia, Venezuela, Equador, Peru,;
Amazonas, Roraima, parte do Pará no Brasil; Bolívia, Chile, Paraguai, Argentina e Uruguai.

Portanto, a Espanha dos Habsburgos, no século XVI, possuía o maior e o mais


poderoso império do mundo moderno.

Expedições Espanholas na Amazônia Quinhentista


Pelo Tratado de Tordesilhas (1494), a maior parte do território que representa hoje
a Amazônia pertencia à Espanha. Apenas uma pequena parte, mais a Leste, pertencia a
Portugal. Desde a expedição de Vicente Yañes Pinzón, que descobriu a foz do rio
Amazonas, até por volta de 1570, cerca de duas dezenas de expedições com patrocínio
espanhol tentaram penetrar na Amazônia. Dessas apenas duas percorreram, totalmente,
a calha do Solimões-Amazonas: a expedição de Francisco de Orellana, em 1542, e a de
Pedro de Ursúa / Lopo de Aguirre, em 1560-1561.
Entretanto, antes dessas, uma expedição percorreu o Solimões até mais ou menos a
região entre os rios Tefé e Coari (província de Machifaro). Trata-se de um
desdobramento da malograda expedição de Alonso Mercadilho ao rio Marañón, que
saiu do Peru, em 1537, rumo à região dos índios Chupacho e Iscaicinga, nas vertentes
orientais dos Andes. Nessa expedição, havia um certo Diogo Nunes, mameluco que se
criou no Brasil e que nos legou as primeiras notícias sobre essa parte da Amazônia: a
“Carta de Diogo Nunes a D. João III”, rei de Portugal.

MUITOS INDIOS E MUITO OURO – (...). Achamos boa terra e bem povoada e rica de ouro
segundo o que vi e no que os índios o traziam, que parecia terra abundosa de ouro, porque os
índios traziam armas de ouro e braceletes nos braços. /. E estes índios seriam até cinco ou seis
mil./. Esta província onde eu cheguei se chama Machifalo (...)”.
Trechos da “Carta de Diogo Nunes a D. João III”, rei de Portugal. In: PORRO, 1993, p. 33.

Expedição de Orellana

Segundo Antonio Porro, depois da conquista do Peru (1532), pelas tropas de


Francisco Pizarro, os espanhóis inteiravam-se de notícias a respeito de duas regiões que,
na sua imaginação, tornar-se-iam fabulosas: o El Dorado e o Pais da Canela. Símbolo
da utopia americana e nunca precisamente situados, esses paraísos do ouro e das
especiarias iriam levar à exploração do noroeste da América do Sul e da bacia
amazônica.
A expedição de Orellana foi, na verdade, uma subexpedição, pois se tratava de um
desdobramento da expedição de Gonçalo Pizarro, governador da província de Quito e
irmão do conquistador do Império Inca (Peru). Este tinha como objetivo, de acordo com
Leandro Tocantins, encontrar uma outra fonte de produção de especiarias para fazer
frente aos portugueses que monopolizavam o mercado europeu de produtos exóticos
oriundos das Índias orientais. Os espanhóis, mal-sucedidos no esforço de descobrir o
caminho oriental para as Índias, ambicionavam suprir-se das especiarias da América do
Sul.
A expedição iniciou em Cuzco, passando por Quito, de onde partiu em fevereiro de
1541 – com cerca de 220 espanhóis a cavalo e quase 4.000 índios –, rumo ao
desconhecido, apenas com base em algumas informações da existência dessa riqueza no
chamado Pais da Canela e do El Dorado. Lá chegando, comprovou que a esperança da
riqueza não passava de uma escassa quantidade de pequenas árvores de canela e de
algumas montanhas ásperas e inabitáveis. Depois da frustração, Pizarro decidiu
prosseguir o caminho, com destino à lagoa do El Dorado, mas veio a falta de
alimentação para os expedicionários.
Para resolver esse problema de sobrevivência, encarregou o seu lugar-tenente
Francisco de Orellana para prosseguir pelo rio Coca, com cerca de 60 homens, um
bergantim e algumas canoas, à procura de mantimentos, enquanto que o grosso da tropa
esperava na região de Zumaco.
Orellana à procura de povoações indígenas para suprir-se de mantimento, ia
descendo o rio Napo, até perceber que seus comandados não teriam mais condições para
retornar ao acampamento de Pizarro. Começou, então, a “viagem da perdição”, uma
aventura de oito meses em 6.000 km de navegação, por todo o Solimões-Amazonas,
atingindo o Atlântico, em 24 de agosto de 1542. Essa aventura foi registrada na famosa
crônica do dominicano frei Gaspar de Carvajal.

Imagem 12.

Fragmento dos Manuscritos do frei Gaspar de Carvajal. Divulgada por Antonio Perez
(Org.) “Culturas Indígenas de la Amazonía”. Madrid, Bibl. Quinto Centenário,1986. Reproduzido
de Berta G. Ribeiro, Amazônia Urgente. 2.a edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1992, p.104.

Gonçalo Pizarro continuou a procurar o El Dorado, em vão. Abandonado pelos


índios que não tinham morrido e sem suprimento e com apenas 80 homens, conseguiu
regressar a Quito, em junho de 1542. Em setembro desse ano enviou uma carta ao
imperador Carlos V, relatando o seu insucesso e a “traição do zarolho Orellana”.
Orellana, um ano e cinco meses após ter deixado Pizarro esperando por
abastecimento, retornou à Espanha, onde relatou ao imperador, em maio de 1543, toda a
sua aventura pelo imenso território amazônico que havia percorrido. Nessa ocasião
defendeu-se da acusação de ter abandonado os membros da expedição de Pizarro.
O imperador Carlos V, como prêmio pela nova conquista, concedeu a Orellana, em
13 de fevereiro de 1544 o título de Adelantado, gobernador y capitán-general de Nova
Andaluzia, isto é, o direito de colonizar a Amazônia, mas, às suas próprias custas.
Orellana voltou à sua possessão, em fins de 1545, partindo da Espanha com
quatro navios, mas perdeu dois durante a viagem. Já na Amazônia, parece que Orellana
confundiu-se com as bocas dos rios Pará e Amazonas, o que concorreu para a sua
penetração num “labirinto de ilhas, canais e furos do Pará ou do Amazonas”. O
adelantado Francisco de Orellana teria morrido em novembro de 1546, na Amazônia,
sem ter exercido de fato os poderes a ele concedidos pela Coroa espanhola.

Expedição de Ursúa / Aguirre

Conforme Antonio Porro, as notícias que chegaram a Lima, através dos


sobreviventes da expedição de Orellana, reavivaram no Peru a crença já existente de
países fabulosamente ricos perdidos nas florestas equatoriais: o El Dorado, o Lago de
Paititi, a Gran Omagua, o País das Esmeraldas. Nos anos seguintes diversas
expedições percorreram a vertente oriental dos Andes na procura inútil dessa miragem;
a mais famosa, não pelo resultado, mas pelos dramas humanos que envolveu, foi de
Ursúa e Aguirre, em 1560-61, que desceu o Marañón e todo o Amazonas até o
Atlântico.
O vice-rei do Peru, Andrés Hurtado de Mendonza, preocupado com o grande
número de gente desocupada, que sugeria perigo para a ordem pública, somado com as
referidas notícias, resolveu organizar a Jornada ao Dorado e aos Omáguas, sob o
comando do general Pedro de Ursúa, que saiu de Lima em fevereiro de 1559, mas só
alcançando o Marañón em setembro do ano seguinte.
De acordo com Arthur Reis, no decorrer da viagem, Pedro Ursúa foi assassinado;
depois dessa tragédia os marañones, como eram chamados os expedicionários, liderados
por um tal Lope de Aguirre, desligaram a Amazônia do domínio espanhol e aclamaram
D. Fernando de Guzman – comandante da expedição desde a morte de Ursúa – Príncipe
do Peru, com o título de D. Fernando I, que não era mais do que uma marionete nas
mãos de Aguirre.
Vários outros assassinatos ocorreram até a expedição chegar à Venezuela, onde o
próprio Aguirre foi morto e esquartejado, depois exposto na via pública.
Antonio Porro afirma que o fracasso dessa aventura e a descoberta de prata no
Potosí fizeram abandonar a busca e, durante mais setenta anos, os espanhóis se
desinteressaram pela Amazônia e, nesse meio tempo, com a União Ibérica, os
portugueses iniciaram um processo de penetração incessante no vale amazônico.

Conquista Lusitana da Amazônia


De acordo com o Tratado de Tordesilhas (1494), a maior parte do que é hoje a
Amazônia brasileira pertencia à Espanha, mas, com a União Ibérica (1580-1640) os
portugueses, convenientemente, foram penetrando aos poucos no grande vale
amazônico, cuja manifestação política mais ousada foi a realizada pela expedição de
Pedro Teixeira (1637-1639), quando chegou a Quito, viajando pela calha central da
Amazônia, inclusive, tomando posse da região em nome da Coroa portuguesa e
demarcando fronteiras.

União Ibérica (1580-1640)

Com a morte de D. Sebastião, rei de Portugal, em 1578, e a de seu sucessor, o


cardeal D. Henrique, em 1580, instaurou-se uma crise de sucessão dinástica, pois
nenhum dos referidos monarcas deixou sucessores diretos. Entretanto, de acordo com o
parentesco entre as casas reais, dois pretendentes reclamaram o trono do reino de
Portugal: Filipe II, rei da Espanha (1556-1598), e D.Catarina, duquesa de Bragança,
respectivamente filhos de D. Isabel e de D. Duarte, que eram filhos de D. Manuel.
Portanto, Filipe e Catarina eram netos de um falecido rei de Portugal, ambos por linha
direta e legítima.
Filipe II assegurou pelas armas o seu direito dinástico, tornando-se Filipe I, rei
de Portugal, constituindo desse modo a chamada União Ibérica, pois detinha as coroas,
tanto a da Espanha quanto a de Portugal. Entretanto, a autonomia lusitana foi respeitada,
um vice-rei representaria o novo rei, em Lisboa.
Apesar da unificação das coroas, Filipe II, através do Juramento de Tomar
(1581), assumiu uma série de compromissos com Portugal, objetivando mantê-lo
autônomo: a administração pública e todos os cargos superiores e inferiores do reino
seriam providos por portugueses; a língua portuguesa seria respeitada; as leis, usos e os
costumes portugueses seriam mantidos. Quanto aos domínios ultramarinos, o controle
do comércio de suas colônias e as suas respectivas guarnições militares, continuariam
sob o senhorio português. Portanto, Portugal não perderia as suas características
próprias.
Portanto, foi nesse contexto histórico que Amazônia foi conquista pelos
portugueses.

MONARCAS DA UNIÃO IBÉRICA


Filipe II de Espanha e I de Portugal, de 1580 a 1598
Filipe III de Espanha e II de Portugal, de 1598 a 1621
Filipe IV de Espanha e III de Portugal, de 1621 a 1640

Ocupação Militar: o Forte do Presépio

A conquista da Amazônia inicia-se em 1616; isso significa que foi nesse tempo que
a região entrou na história de Portugal – mais de um século depois que os portugueses
chegaram ao Brasil. Entretanto, esse fato foi motivado por objetivos claramente
diferenciados dos que levaram à colonização da costa leste brasileira. Nesse tempo, a
Amazônia significava para os portugueses apenas um problema militar, pois o delta
amazônico vinha sendo ocupado por ingleses e holandeses, que iniciaram a montagem
de feitorias e de fortins para garantir a exploração econômica da região. Por seu turno,
os franceses já instalados em Caiena alcançaram o Maranhão, onde fundaram São Luís,
em 1612. Além de tudo isso, a região constituía-se num domínio ambíguo, uma vez que
Portugal fazia parte da União Ibérica (1580-1640).
Portanto, a ocupação lusitana da Amazônia só começou efetivamente no início do
século XVII, quando os portugueses foram autorizados a construir uma base militar para
que procedessem a expulsão dos “estrangeiros”, que infestavam a região do delta do
Amazonas até o Xingu.
O capitão Alexandre de Moura, comandante das tropas portuguesas sediadas em
São Luís, no Maranhão depois de vencer e expulsar os franceses ali estabelecidos, desde
1612, determinou o prosseguimento da conquista até o Amazonas. Para tal jornada,
entregou ao capitão-mor Francisco Caldeira Castelo Branco o comando de uma frota
composta por três navios tripulados por 150 soldados que, partindo no dia 25 de
dezembro de 1615, chegou ao local da futura cidade de Belém no dia 12 de janeiro do
ano seguinte.
O contingente militar português desembarcou em terras amazônicas em 1616 sem
encontrar a menor oposição dos nativos que ali viviam há milhares de anos. Porém,
Castelo Branco tratou logo de “construir uma pequena praça d’armas”. Essa edificação
em madeira recebeu o nome de Forte do Presépio, que tinha como principal objetivo
manter a possessão setentrional para Portugal; conclusão discutível à luz da
documentação da época.
Porém, o clima de tranqüilidade logo foi alterado devido a fatores de natureza
diversa: como os conflitos com os índios Tupinambás; incidentes internos no seio do
próprio núcleo colonial nascente; e, principalmente, pelas batalhas contra os outros
estrangeiros.
Nesse primeiro momento da sua história ocidental, a Amazônia foi transformada
em uma área predominantemente militar e geopolítica e, considerada pouco
aproveitável economicamente. Apesar disso, a Amazônia motivava, além da simples
ocupação militar, uma oportunidade de colonização por parte dos portugueses. Segundo
John Monteiro, a “sua imensa população nativa e seus recursos naturais ofereciam uma
boa perspectiva de desenvolvimento, bem como novas oportunidades para colonos que
achavam poucas chances nas capitanias açucareiras”.
Administração Colonial da Amazônia

Devido às dificuldades de comunicação da nova conquista com a Bahia, sede da


administração do Estado do Brasil, o rei Filipe III da Espanha (II de Portugal) criou, em
1621, o Estado do Maranhão, com capital em São Luís, ligado a Lisboa. Essa unidade
político-administrativa compreendia as regiões das capitanias reais do Ceará, do
Maranhão, do Grão-Pará, de Gurupá e das capitanias hereditárias de Caeté, de Cametá,
do Marajó, de Tapuitapera, do Cabo Norte e do Xingu.
A estrutura administrativa era semelhante à do Brasil. O Estado do Maranhão tinha
o seu governador e capitão-general (equivalente ao governador-geral) e seus capitães-
mores que administravam as capitanias.
Em 1652, o Estado do Maranhão foi extinto, concorrendo para que por um
curtíssimo período as capitanias da Amazônia ficassem subordinadas ao governo-geral
do Brasil. Porém, em 1654, o Estado do Maranhão foi reconstituído com uma nova
denominação: Estado do Maranhão e Grão-Pará, com a mesma estrutura
administrativa, a capital continuava sendo São Luís, que funcionava às vezes em Belém.
A partir de 1737 essa cidade se tornou definitivamente a capital do Estado.
A partir de 1751 recebeu a denominação de Estado do Grão-Pará e Maranhão, que
em 1772 foi desmembrado em dois: Maranhão e Piauí e Grão-Pará e Rio Negro. O
Estado do Grão-Pará e Rio Negro existiu até 1823, quando as tropas imperiais de D.
Pedro I o incorporaram ao Estado Nacional Brasileiro, sob a denominação de Província
do Pará.

Quadro 3 – CAPITANIAS DA AMAZÔNIA


Capitania Propriedade / Donataria Criação / Doação
Maranhão Coroa portuguesa 1615
Pará Coroa Portuguesa 1616
Gurupá Coroa portuguesa 1633
Caeté Feliciano Coelho de Carvalho, depois para 1627
Álvaro de Souza 1634
Cametá Feliciano Coelho de Carvalho 1636
Marajó Antônio de Souza Macedo 1665
Cumá/ Tapuitapera Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho 1633/1648
Cabo Norte Bento Maciel Parente 1634/1637
Xingu Gaspar de Souza de Freitas 1681/1685
Fonte: Azevedo, 1999; Silva (Coord.), 1995; Reis, 1993; Bettendorff, 1990.

Expedição de Pedro Teixeira


Devido à União Ibérica, desde o início, os portugueses que estavam na porção
propriamente dita de Portugal, tinham ordens régias para efetuarem a conquista
territorial mais a oeste da Amazônia, na porção espanhola. Porém, por uma série de
problemas, ainda não tinham cumprido as determinações reais até que algo inusitado
acontecesse: a chegada inesperada da chamada Expedição dos Irmãos Leigos composta
pelos frades franciscanos espanhóis, Domingos de Brieba e André de Toledo, ao forte
de Gurupá, em 5 de fevereiro de 1637.
Essa “expedição” seria um resto da fracassada expedição de Juan de Palácios, que
partiu de Quito para o território dos índios Encabelados, no rio Napo, além do Aguarico.
De Gurupá, seguiu para Belém e em seguida para São Luís, onde os religiosos relataram
as minúcias da odisséia ao governador e capitão-general do Estado do Maranhão,
Jácome Raimundo de Noronha, o qual teria visto nesse episódio uma possibilidade de se
legitimar no cargo, uma vez que o ocupava sem nomeação real.

Partida da Expedição

De posse de informações sobre o grande rio, a disposição de Brieba e Toledo como


guias, mais as intenções régias existentes, Jácome de Noronha (1636-1638), enfrentando
toda a adversidade política local, empreendeu a famosa Expedição de Pedro Teixeira,
composta por 47 canoas, 70 portugueses e cerca de 2 mil índios remeiros e flecheiros.
De São Luís, o capitão-mor e general Pedro Teixeira e seu “estado maior” seguiram
em julho para Belém, para organização da viagem daí; partiram para Cametá, local onde
ficou definitivamente organizada e, de onde, em 26 de outubro de 1637, partiu
efetivamente a expedição, que teve ainda que passar em Gurupá.
Passaram-se 12 meses para a expedição chegar à Real Audiência de Quito, no
Vice-Reino do Peru, onde foi recebida com “festas, corridas de cavalos e touradas”,
promovidas pela população e autoridades de Quito. Entretanto, a chegada dos
portugueses alarmou as autoridades hispano-americanas; elas viam nesse ato um
perigoso precedente, pois aguçaria o desejo de outras potências européias a vir se
utilizar desse rio como ponto de entrada para uma possível conquista do Peru.
Em 10 de novembro, o presidente da Audiência informou ao vice-rei, Luiz
Jerônimo Fernandez de Cabrera, em Lima, da chegada dos portugueses. Este, depois de
ouvir “as pessoas de responsabilidade da capital”, ordenou que os expedicionários
voltassem imediatamente a Belém; no entanto, a partida só aconteceu em 10 de
fevereiro de 1639. O vice-rei do Peru ordenou, ainda, que duas pessoas de confiança
acompanhassem a expedição na sua volta a Belém. Para tal, a Audiência escolheu os
padres jesuítas Cristóbal de Acuña e Andrés de Artieda. Juntaram-se também à
expedição frei Afonso de Armejo, frei Diogo da Conceição, João da Mercê e Pedro de
la Rue. Os dois primeiros mercedários morreram durante a viagem.

* * *

Quando a expedição ainda subia o Napo, Pedro Teixeira ordenou que Pedro da
Costa Favela ficasse com a maior parte da tropa no local, onde provavelmente o capitão
Juan de Palácio teria sido morto pelos Encabelados. Depois de um período amistoso,
índios e portugueses entraram em choque; a tropa de Favela assassinou todos os índios
que pôde pegar e incendiou os seus aldeamentos. O massacre dos Encabelados se
completou com a chegada de Pedro Teixeira ao local, quando voltava de Quito;
portanto, aprovando o procedimento violento do seu oficial subordinado.
“Mapa do rio Amazonas produzido durante a Viagem de Pedro Teixeira, 1639”.
Divulgada por Antonio Perez (Org.) “Culturas Indígenas de la Amazonía” . Madrid, Bibl. Quinto
Centenário, 1986. Reproduzido de Berta G. Ribeiro, obra citada, p. 106.

Tomada de Posse
No retorno da expedição, Pedro Teixeira na confluência dos rios Napo com o
Aguarico tomou posse solenemente, em 16 de agosto de 1639, daquelas terras em nome
do rei Filipe IV, da Espanha, pela Coroa portuguesa. Ali, fundou Franciscana, povoação
que serviria de marco dos limites dos domínios de Portugal e Espanha na América.
Desse modo, Pedro Teixeira dava cumprimento às ordens que trazia do governador do
Estado do Maranhão.
A expedição chegou a Belém, no dia 12 de dezembro de 1639. Foram dez meses de
descida. Os mercedários ficaram em Belém, enquanto que Pedro Teixeira e os jesuítas
seguiram para São Luís. Estava no governo do Estado o capitão-general Bento Maciel
Parente (1638-1641) e o seu antecessor, Jácome Raimundo de Noronha, tinha sido
mandado preso para Portugal.
De São Luís o padre Cristóbal de Acuña partiu para Madri, onde relatou ao
Conselho da Índia o que viu durante a viagem e enumerou as vantagens, como também,
a necessidade de se colonizar a Amazônia, “providências de que Filipe IV não devia
descurar-se para a glória de seus dilatados domínios”.

Crônica do Padre Acuña

Durante a longa viagem de volta, o padre Acuña recolheu todas as informações


possíveis sobre os costumes dos índios, a fauna, a flora e a geografia da Amazônia, o
que lhe possibilitou a feitura do famoso livro Novo descobrimento do grande rio das
Amazonas, um verdadeiro tratado, contendo detalhes da terra e do homem da Amazônia,
e que foi publicado em 1641.
O sucesso da publicação do livro deixou o governo espanhol muito preocupado;
por isso, ordenou que esse fosse suprimido, tornando-se um livro extremamente raro,
pois sobrou menos de uma dúzia. A supressão dos exemplares da obra de Acuña
baseou-se numa “política de sigilo” praticada tanto pela Espanha, quanto por Portugal,
de assuntos relacionados aos conhecimentos que tinham sobre os seus domínios na
América, pois receavam a concorrência por parte de outras potências européias. No caso
da obra de Cristóbal de Acuña, “noticiando pormenorizadamente o valor da Amazônia,
seria perigoso, podendo aguçar as pretensões dos estrangeiros”.
A expedição de Pedro Teixeira abriu as comunicações com Quito, tornou melhor
conhecido o trecho entre os Andes e o Atlântico. No seu rastro veio a chamada
irradiação lusitana rumo ao oeste, efetivada pelos sertanistas, colonos leigos e
missionários, autoridades civis e militares, que aumentaram consideravelmente o
domínio português e, que gradativamente proporcionou o extermínio de muitos grupos
indígenas do rio Amazonas e de seus tributários. Um bom saldo para a Coroa
portuguesa. Um infeliz resultado para as populações indígenas.

* * *

Durante parte do período filipino, os portugueses conquistaram o vale amazônico


valendo-se do fato de o Tratado de Tordesilhas ter perdido o sentido. Quanto à
colonização portuguesa, propriamente dita, da Amazônia, considero que só tenha
iniciado a partir da Restauração de Portugal, em 1640, quando o duque de Bragança
tornou-se D. João IV, rei de Portugal. A dinastia de Bragança ficou no trono português
até a proclamação da República no início do século XX.

Imagem .
Leitura Complementar N.o 3

PARA NÃO VOLTAR DE MÃOS VAZIAS

“Tentam os portugueses entrar pelo rio Negro”

“A doze de outubro de mil seiscentos e trinta e nove, a armada portuguesa, de volta da, viagem,
encontrava-se na embocadura do rio Negro, quando, considerando-se já às portas de suas casas,
os soldados tinham os olhos voltados não para os acrescentamentos que traziam, que estes não
eram nada, mais sim para as perdas sofridas no espaço de mais de dois anos que levavam neste
descobrimento, e que não foram poucas. Por outro lado, cientes de que os serviços prestados a
Sua Majestade nestas conquistas não lhes haveriam de trazer nenhum benefício em terras, onde
aqueles que mais sangue derramaram em semelhantes ocasiões estão hoje aniquilados e
morrendo de fome, por ter-lhes sido impossível chegar até os que os pudessem recompensar,
decidiram chamar a atenção do capitão-mor para seus anseios, persuadindo-o de que a pobreza
os obrigava a buscar algum remédio para sua situação. E as notícia acerca dos muitos escravos
que possuíam os nativos no interior deste rio Negro lhes ofereciam ocasião mais propícia às
suas argumentações, a qual não deveriam deixar passar sem aproveitá-la. Assim, queriam que
lhes fosse dada a ordem para seguir esse caminho, pois com os muitos escravos que deste rio
levassem, já que outra coisa não levavam, seriam bem recebidos na volta pelos habitantes do
Pará; e sem tais escravos, certamente seriam considerados homens de pouca valia, pois, tendo
passado por tantas diferentes nações, e encontrado tantos escravos, voltavam de mãos vazias; e
mais, havendo homens nestas conquistas que, às portas de suas sacas, abem fazer escravos dos
quais se servem. O capitão-mor dava mostras de querer satisfazê-los, talvez por serem eles
muitos e ele um só, e destarte deu autorização para que pusessem velas nas embarcações, tendo
em vista que o vento em popa favorável àquela entrada assim o exigia. todos estavam
alvoroçados com essa determinações e nenhum deles se prometia menos do que um bom
número de escravos, e houve até quem não se contentasse com a idéia de lhe tocarem menos de
trezentos. Preocupação, e não pouca, poderia dar-me esta resolução, não conhecesse eu o nobre
espíritos de nosso caudilho, que, indiferente a semelhantes planos, confiava eu, cumpriria em
primeiro lugar o que fosse de maior serviços para ambas Majestades. Com esta confiança depois
de celebrar missa, recolhi-me à parte com meu companheiro e, ambos desejosos de impedir, por
todos os meios, tão descabidos propósitos, redigimos o seguinte papel. [ver “Requerimento
dirigido ao exército”. In: Acuña, 1994, p. 142-146]. (...) Redigido esse papel e entregue ao
capitão-mor, este alegrou-se muito de ter alguém que se pusesse a seu lado e, reconhecendo a
força dos nossos argumentos, mandou imediatamente recolher as velas, cessar os preparativos, e
dispor para que no dia seguinte, tornando a sair pela foz do rio Negro, prosseguíamos todos
nossa viagem pelo das Amazonas abaixo.

Trecho da Crônica do padre Cristóbal de Acuña sobre a Expedição de Pedro Teixeira. In:
ACUÑA, 1994, p.140, 141 e 146.
Indicações para Leitura
ACUÑA, Cristóbal (1994). Novo Descobrimento do Grande Rio das Amazonas. Rio de Janeiro:
Agir.

AZEVEDO, João Lúcio de (1999). Os Jesuítas no Grão-Pará – suas missões e a colonização.


Edição Fac-similada. Belém: Secult.

BETTENDORF, Padre João Felipe (1990). Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no
Estado do Maranhão. 2ª. Edição. Belém: Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves /
Secretaria de Estado da Cultura.

BOXER, Charles R. (1977). O Império Colonial Português. Lisboa: Edições 70.

FREIRE, José Ribamar Bessa et alii (1994). A Amazônia Colonial (1616-1798). 5.ª Edição.
Manaus: Metro Cúbico.

CARVAJAL, Frei Gaspar de (1992) Relatório do Novo Descobrimento do Famoso Rio Grande
Descoberto pelo Capitão Francisco de Orellana. Edição bilíngüe. São Paulo / Brasília: Scritta /
Embaixada da Espanha (Introdução e Notas de Guilhermo Guicci).

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São Paulo e Maranhão”. In: DIAS, Jill (Org.). Brasil, nas Vésperas do Mundo Moderno.
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OLIVEIRA, Adélia Engrácia de (1983). “Ocupação Humana”. In: SALATI, Enéas et alii.
Amazônia: desenvolvimento, integração e ecologia. São Paulo: Brasiliense / CNPq.

PORRO, Antonio (1993). As Crônicas do Rio Amazonas: notas etno-históricas sobre as antigas
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SANTOS, Francisco Jorge dos (2002). Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na
Amazônia pombalina. 2.a edição. Manaus: Edua

SARAGOÇA, Lucinda (2000). Da “Feliz Luzitânia” aos Confins da Amazônia (1615-62).


Lisboa / Santarém: Edições Cosmos / Câmara Municipal de Santarém.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da (1994) (Coordenação). Dicionário da Colonização Portuguesa


no Brasil. Lisboa / São Paulo: Verbo.

UNIDADE I

DO PALEOINDÍGENA À CONQUISTA DA AMAZÔNIA

Capítulo 4

Resistência Indígena e a Conquista Lusitana


Capítulo 4

RESISTÊNCIA INDÍGENA E A CONQUISTA LUSITANA

Em 1691, os conquistadores lusos já tinham chegado às vertentes do rio Tapajós,


ao alto Solimões e no alto rio Negro; e em 1736, os sertanistas portugueses já tinham
percorrido todo o rio Madeira, assim como o rio Branco. Portanto, já tinham invadido e
conquistado todo o imenso território amazônico.

Invasores Versus Invasores


Depois da expulsão dos franceses do Maranhão, em 1615, Portugal sentiu a
necessidade cria um aparelho administrativo para terras que estavam sendo conquistadas
ao norte do Brasil. Para tanto, foram criados as capitanias reais do Maranhão, do Pará e
o distrito de Cumá, e para governá-las foram nomeados, pelo Governo-Geral do Brasil,
os capitães-mores, Jerônimo de Albuquerque, Francisco Cadeira Castelo Branco e o
capitão de infantaria Martins Soares Moreno, respectivamente.
Em 1616, foi construído o Forte do Presépio, num ponto-chave da Capitania do
Pará, e então, começou o esforço lusitano para a conquista da região amazônica nos
domínios ibéricos.
Estabelecido no Pará, Castelo Branco enviou a São Luís o então alferes Pedro
Teixeira, para dar as notícias da nova conquista ao seu colega Jerônimo de
Albuquerque. Essa viagem por terra também tinha objetivos estratégicos, pois visava
assegurar a ligação terrestre entre a Capitania do Pará e a do Maranhão, a fim de evitar o
isolamento da nascente capitania paraense em caso de bloqueio marítimo pelos seus
concorrentes europeus. Essa viagem também marca o início dos conflitos entre os índios
e os portugueses na Amazônia.
Pedro Teixeira retornou ao Pará, por via marítima, trazendo, além de
mantimentos, soldados, armas e munições para combater e expulsar os “hereges”
holandeses, ingleses e irlandeses que já estavam estabelecidos em vários pontos da
região boca e do baixo Amazonas.
A partir do mês agosto de 1616 começaram os conflitos na região entre os
portugueses e os seus concorrentes europeus. Os conflitos beligerantes só cessaram por
volta de 1647, quando os portugueses destruíram o último reduto holandês na
Amazônia. Esses combates militares foram comandados principalmente por Pedro da
Costa Favela, Bento Maciel Parente, Pedro Teixeira, Jácome Raimundo de Noronha,
Luiz de Aranha de Vasconcelos, Manoel Araújo de Sá e Feliciano Coelho de Carvalho.
Esses militares também foram responsáveis pelo extermínio de várias nações indígenas
da Amazônia por nesse tempo.
Adélia Engrácia de Oliveira organizou a seguinte cronologia das lutas entre os
portugueses e luso-brasileiros, de um lado, e ingleses, irlandeses e holandeses, de outro:

1616 – Pedro Teixeira assalta uma embarcação holandesa que se avizinhava do Forte de
Presépio, a 40 léguas da costa do mar;
1623 – Luiz Aranha de Vasconcelos, Bento Maciel Parente, Pedro da Costa Favela e
outros destroem entrepostos holandeses, atacando os fortins de Orange (Maturu)
e Nassau, montados na foz do Xingu; o de Mariocai, em Gurupá, e as feitorias
na região dos Tucujus, entre a Jari e o Amapá;
1625 – Pedro Teixeira, Jerônimo de Albuquerque, Pedro da Costa Favela e Pedro Baião
de Abreu tomam o fortim de Mandiutuba, entre Gurupá e Carrazedo, no rio
Amazonas, vencendo holandeses e irlandeses;
1629 – Pedro da Costa Favela e Pedro Teixeira tomam o fortim de Tauregue (Torrêgo)
dos ingleses, na ilha de Tocuju, Hoje Santana, na foz de Mazagão;
1631 – Jácome Raimundo de Noronha vence os ingleses, tomando-lhes o Forte de
Philippe (Fort North), na costa de Macapá;
1632 – Feliciano Coelho de Carvalho, Aires de Souza Chichorro e Pedro Baião de
Abreu ocupam o forte inglês de Cumaú, nas proximidades da atual Macapá;
1639 – João Pereira de Cáceres vence holandeses na região de Gurupá, quando estes se
acercaram do Forte de Santo Antônio (antigo Mariocai);
1647 ou 1648 – Sebastião Lucena de Azevedo vence os holandeses na altura do
Cassiporé, no litoral do Amapá.

* * *

Os holandeses começaram a se fixarem na Amazônia por volta 1600, com as


feitorias de Orange e Nassau no rio Xingu, e a partir de 1616, passaram a se
organizarem em empresa, com apoio oficial, para a exploração econômica da região.
Por seu turno, os ingleses, que parece terem chegado em 1611, logo no ano seguinte
criaram também uma empresa, com projeto de conquista e colonização da Amazônia.
Depois dessa experiência, tanto holandesa, quanto inglesa, outras iniciativas similares
foram implementadas.

Expansão da Conquista
Conforme David G. Sweet, uma das principais motivações para a irradiação
lusitana rumo ao oeste da Amazônia ocorreu pelo esgotamento gradativo do estoque de
índios da costa do Maranhão, boca do Amazonas, ilha do Marajó e região do baixo
Amazonas, obrigando os portugueses a penetrar mais e mais no grande vale. João Lúcio
de Azevedo afirma que “no tempo do governador Rui Vaz de Siqueira (1662-67), pela
costa do Maranhão até Gurupá, no Amazonas, não havia mais índios; era necessário ir
buscá-los muitas léguas pelo rio acima, e nos afluentes”.
Assim, as expedições de guerra e as caçadas humanas, sob as formas de resgates ou
descimentos, até meados do século XVIII, fizeram com que os portugueses
empurrassem o marco de Tordesilhas até as fronteiras atuais. Concorrendo desse modo,
para o estabelecimento dos primeiros núcleos coloniais permanentes, tais como os
aldeamentos missionários e as fortalezas, embriões das vilas ou lugares do período
pombalino.
Partindo de São Luís, de Belém, de Cametá ou de Gurupá, a Amazônia foi
penetrada incessantemente, por sertanistas, colonos, religiosos, autoridades civis e
militares. O saldo territorial dessa aventura entrou em processo de legalização a partir
de 1750 com o Tratado de Madri e outros subseqüentes.
O início dos conflitos entre índios e portugueses na Amazônia pode ter como
marco o combate entre os “tapuias” do rio Caeté e os “poucos soldados” sob o comando
do então alferes Pedro Teixeira, em 1616, quando seguiam por terra, do local da
conquista para São Luís, levando notícias do sucesso da expedição de Castelo Branco,
“Onde reduziu todos à obediência da Coroa de Portugal”. Assim começou a história lusa
na região.
A obra de irradiação sertanista desencadeou entre os indígenas um verdadeiro
estado de guerra contra o domínio de suas terras e a escravização de sua força de
trabalho. Tal obra se completaria por volta do início do século XVIII quando o território
amazônico já se encontrava pontilhado de núcleos coloniais. Aproveitando a
superioridade de suas armas e a colaboração de outros índios, os portugueses travaram
combates com os nativos da região, inicialmente nas aldeias de Cumá, Caju, Mortigura
(Conde), Iguape, Guamá (1617), e massacraram populações nos rios Tocantins e Pacajá
(1627, 1673 e 1674). Mais tarde, combateram nos rios Tapajós, Madeira, Xingu, Urubu
e Negro (de 1626 a 1693), atingindo os confins do rio Branco no início do século XVIII.
Isso também ocorreu na calha do Amazonas-Solimões (de 1623 a 1673) e em quase
todos os rios da Amazônia.

Imagem 14.

MAPA 2 – EXPANSÃO TERRITORIAL DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DA AMAZÔNIA


NOS SÉCULOS XVII E XVIII: ALCANCES PROVÁVEIS. Reproduzido de Francisco Jorge dos
Santos, Além da Conquista, Manaus: Edua, 1999, p. 21.

Guerra, Resistência e Escravidão Indígena

Desde os primeiros momentos da colonização houve a resistência indígena ao


domínio português. David G. Sweet, no apêndice final de sua tese, elaborou uma lista
contendo cerca de uma centena de nomes de chefes indígenas dos vales dos rios Negro,
Solimões, Amazonas e Urubu que, no período de 1640-1760, mantiveram contatos
violentos ou amistosos com missionários e sertanistas.
A construção de uma rede de fortificações cobrindo toda a região da Amazônia é
outro dado importante que sugere a ocorrência desses conflitos. Esses estabelecimentos,
além dos objetivos militares, propriamente ditos, também, serviriam para proteger os
missionários dos ataques indígenas e de apoio logístico às expedições destinadas à
coleta das drogas do sertão, e das tropas apresadoras de índios (vide Anexo 1).

Os Tupinambás

Antes da conquista, o litoral que vai da foz do Amazonas até a ilha de São Luís
achava-se povoado por um grande número de grupos indígenas, entre esses se
destacavam os Tupinambás, os quais povoavam 27 aldeias só na ilha. De acordo com os
cálculos que os frades capuchinhos fizeram durante a ocupação francesa de São Luís
(1612-1615), cada uma dessas aldeias contava com algo em torno de 200 e 600
habitantes, estimando-se uma população global de entre 10.000 e 12.000 índios. Além
da ilha de São Luís, os Tupinambás também ocupavam o trecho litorâneo que vai do
Guarajá ao Gurupi, assim como as margens dos rios que afluem nessa área.
Em 1612, a ilha de São Luís e as terras circunvizinhas foram ocupadas pelos
franceses sob o comando de Daniel de la Touche, senhor de la Ravardière, com o
objetivo de fundar ali a chamada França Equinocial. Ao desembarcarem em solo firme
depararam com os Tupinambás, esses, “encantados com as ferramentas, panos e outros
presentes dados pelos invasores, ajudaram ativamente a construir o forte de St. Louis, na
ilha que tomaria o mesmo nome da capital do Maranhão” Desse modo, os Tupinambás,
tornaram-se aliados dos franceses.

Imagem 15.

“Índios Tupinambás do Maranhão vestidos à moda européia que fizeram grande


sucesso na Corte francesa”. (Produzida entre 1613-1614, divulgada por Yves d’Evreux).
Bibliothèque Mazarine, foto de Jean Loup Charmet. Reproduzido de Manuela Carneiro da Cunha
(Org.), História dos Índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras / Fapesp, 1992, p.13.

Os franceses, porém, vencidos pelos portugueses tiveram que abandonar o


Maranhão em 1615. A situação dos Tupinambás ficou bastante crítica, como ex-aliados
dos franceses, tentaram aproximar-se dos novos invasores, mas foram violentamente
reprimidos pelas armar dos lusos. A população que restou desses índios em São Luís foi
exterminada, em 1621, por uma epidemia de varíola.
Depois da derrota dos seus aliados franceses, alguns grupos de Tupinambás
firmaram aliança com os portugueses. Porém, essa política não durou muito tempo, pois
logo perceberam que o negócio dos portugueses era o de escravizá-los. Esses índios não
se submeteram a nova condição, e reagiram também violentamente, o primeiro conflito
ocorreu em 1617, em Cumá.
De acordo com Bernardo Pereira de Berredo, a rebelião de Cumá foi liderada por
um índio chamado Amaro, que teria sido educado pelos jesuítas do Nordeste do Brasil.
Amaro, apoderando-se de algumas cartas que alguns índios levavam de Belém para São
Luís – de Francisco Caldeira Castelo Branco endereçada ao seu colega Jerônimo de
Albuquerque – dissimulou uma leitura das mesmas na frente de vários Principais,
asseverando que o assunto contido nas cartas seria a de que os portugueses fariam dos
Tupinambás, seu escravos. Berredo concluiu que “foi tão diabólica esta sugestão, que
penetrando logo a brutalidade de tantos bárbaros, assentaram uniformemente, em que
matassem todos os brancos“ que guarneciam a fortificação de Cumá. Estimulados, os
Tupinambás investiram contra o seu alvo e mataram toda a guarnição formada por 30
soldados portugueses, enquanto dormiam, e planejaram destruir, os aldeamentos de
Tapuitapera, São Luís e Belém.
A reprimenda lusitana foi imediata e formidável. Em fevereiro de 1617, as tropas
do capitão Matias de Albuquerque massacrou os Tupinambás em Tapuitapera/Cumá.
Em seguida, as tropas do sargento-mor Diogo Botelho arrasaram as aldeias de Caju e
Mortiguara, “que dentro de poucas horas se não viam mais nada que ruínas, e
cadáveres”, enquanto os que se refugiaram no sertão, foram perseguidos pelo capitão
Gaspar de Freitas Macedo, responsável também, pelo destroçamento da aldeia de
Iguape. Caju era uma espécie de quartel-general dos Tupinambás, que reunidos
planejavam um novo levante.
No ano seguinte, índio Amaro, caiu nas mãos de Matias de Albuquerque, que sem
piedade ordenou que o líder Tupinambá fosse despedaçado na boca de um canhão. Nas
irônicas palavras de Berredo: “o célebre Amaro, intérprete das cartas do capitão-mor
Francisco Caldeira, principal incentivo da sublevação dos Tupinambás (...) achou o
castigo da sua aleivosia na horrorosa boca de uma bombarda”.

Bombarda – Antiga peça de artilharia, de cano curto e grosso calibre que atirava grandes balas
de ferro ou pedra.
Arcabuz – Antiga arma de fogo portátil, espécie de Bacamarte.

Cf. Novo Dicionário Aurélio – Língua Portuguesa.


Há outro registro dessa prática terrível contra os Tupinambás. Conta o padre João
Felipe Bettendorff que em 1618, o capitão Bento Maciel Parente, “soube por uma
pessoa de sua confiança que todo o gentio havia passado palavra entre si de se levantar
em Semana Santa Na noite de Quinta-feira das Endoenças, para Sexta, contra os
portugueses para matá-los e não deixarem vestígios deles. Antecipou seus atraiçoados
vizinhos fazendo chamar todos os Principais, e recolhido em uma casa forte, em um dia
justiçou a vinte e quatro, pondo uns em boca das peças e fazendo-os voar pelos ares e
castigando todos os mais com suplicio de morte, com que se desanimaram seus parentes
todos, e ficou tudo com bela paz”.
Em 1619, foi morto atingido por um tiro de arcabuz, mais uma liderança dos
Tupinambás, o índio Guaimiaba, (Cabelo de Velha), quando lideravam um ataque dos
Tupinambás à nascente cidade de Belém.
Autorizado pelo Governo-geral do Brasil, o capitão Bento Maciel Parente, fez
guerra aos Tupinambás e os exterminou desde Tapuitapera, no Maranhão, até a foz do
Amazonas, no Pará. Outros chefes militares portugueses também participaram dessa
macabra missão: Pedro Teixeira, Jerônimo Fragoso de Albuquerque e Antônio de
Albuquerque. Estima-se que ao todo teriam massacrado e levado ao cativeiro mais de
500 mil índios. Alguns duvidam desse número, lhes parece exagerado. No entanto, dá
uma idéia do que foi a guerra de extermínio que os portugueses fizeram contra os
Tupinambás. Em 1635, não havia mais nenhum índio Tupinambá na região.

O RESSURGIMENTO DOS TUPINAMBÁS – Nos últimos 30 anos cerca de trinta e cinco


etnias reapareceram no mapa etnográfico brasileiro, isto é, muitos povos indígenas
“considerados extintos, voltam a aparecer e reivindicam seus direitos. São os chamados povos
ressurgidos /./ Os povos ressurgidos têm conseguido recuperar suas identidades, historicamente
negadas, a partir da reconstrução ou elaboração de novas utopias, gestadas pela fertilidade da
memória da resistência: valores culturais, religiosos, morais e político, dando à etnicidade uma
dimensão ritual e religiosa tão importante quanto a territorial”. Nessa listagem se encontram,
além dos demais, os índios Tupinambás da comunidade de Olivença, em Ilhéus, na Bahia; os
índios Tupinambás, Arapium e Maytapu, do Pará; e os Cambebas, no Amazonas.
Os índios de Olivença reivindicam, também, a volta do Manto Tupinambá –
confeccionado em penas vermelhas – que foi levado do Brasil por volta de 1644, pelos
holandeses, e que atualmente integra o acervo do Museu Nacional de Copenhague, na
Dinamarca.

PORANTIM, N.º 233, Brasília, 2001.

Os Nheengaíbas

Quando os europeus chegaram à ilha do Marajó e à região do atual Amapá,


encontraram já habitadas por vários grupos indígenas, em geral, pertencentes ao tronco
lingüístico Aruaque. Os jesuítas registraram na segunda metade do século XVII cerca de
30 grupos diferentes, dos quais os mais conhecidos eram os Aruans, os Anajás, os
Sacacas, os Joanes, os Mocoões, os Mapuázes, os Mamaianázes, os Pauxis, e os Bócas.
Os Tupinambás chamavam esses índios de Nheengaíbas, que em língua geral,
significa povo de língua travada ou que fala mal. Os portugueses que invadiram a
região no início do século XVII, também passaram a referir-se a eles por esse
preconceituoso apelido.
Esses grupos indígenas, a exemplo dos Tupinambás, também resistiram
belicosamente a presença lusitana na região. Por essa atitude, sofreram pesados revides
por todo o século XVII, entrando inclusive no século seguinte. Por exemplo:

1632 – Feliciano Coelho de Carvalho fez guerra aos Nheengaíbas, na foz do


Amazonas. Os motivos da guerra seriam aos ataques ao aldeamento de
índios aliados e a aliança que esses índios estariam fazendo com os
ingleses;
1635 e 1654 – João de Bittencourt Muniz fez guerra aos Aruans, no Amazonas;
1656 – Governador André Vidal de Negreiros autorizou Pedro da Costa Favela
Agostinho Corrêa a fazerem guerra aos Aruans. Tais índios teriam
matado o padre Luís Filgueira e mais 11 padres na ilha do Marajó, em
1643;
1658 – Paulo Martins Garro e o padre Manuel Nunes combateram e
aprisionaram índios Nheengaíbas, no Tocantins;
1666 – Os franciscanos aldearam os índios Aruans da ilha do Marajó, em três
aldeias perto de Belém,
1693-1696 – Os Aruans combateram às expedições punitivas dos portugueses na
ilha de Marajó;
1702 – Manuel Cordeiro Jordão, com uma tropa de guerra combateu os Aruans e
outras nações na ilha do Marajó. Esses índios teriam matado dois padres
franciscanos da Província de Santo Antônio;
1721-1722 – Devassa contra os índios Aruans, na ilha do Marajó;
1722 – Os Aruans, comandados pelo chefe Guamá, atacaram os portugueses e
ocuparam durante um ano a aldeia de Moribira. Os combates foram
permanentes até 1727;
1723 – João Paes do Amaral fez guerra aos Aruans, na boca do Amazonas.

Os Tapajós

Os índios Tapajós tiveram seu primeiro contato com os portugueses em 1626,


quando uma tropa de resgate sob o comando de Pedro Teixeira, atingiu o rio que leva o
nome tribal. Esse encontro foi aparentemente amistoso; entretanto 1626 marca, o iniciou
do martírio desse povo.
Os Tapajós por volta de 1631 impediram pela força de suas armas que os
ingleses se estabelecessem no baixo rio que leva o seu nome. Tinham os invasores a
intenção realizar nessa região uma grande plantação de tabaco. Porém, no confronto
com os portugueses não levaram vantagens, foram violentamente subjugados até o seu
completo extermínio
Há tempo que os portugueses tentavam arrancá-los de suas terras e conduzi-los
ao cativeiro, no entanto, nunca obtiveram completo êxito devido a resistência armada
implementada por esses índios, destaque para as suas flechas envenenadas.
A atitude dos Tapajós para com os portugueses, de acordo com Cristóbal de
Acuña, era de franca amizade: eles forneceram víveres à expedição de Pedro Teixeira
(1639), quando esta voltava de Quito, inclusive, convidaram os portugueses para se
estabelecerem em suas aldeias. Porém, os lusitanos, movidos pela cobiça, levantavam a
suspeita de que essa nação teria muitos escravos a seu serviço, e passaram a tratá-los
como rebeldes, um subterfúgio para a declaração de uma enfurecida guerra para
extorquir-lhes os escravos.
Bento Maciel Parente, filho do governador do Pará, reuniu no forte do Desterro,
reuniu uma verdadeira tropa de guerra e invadiu a aldeia dos Tapajós, em 1639. Diante
da alternativa do extermínio e a submissão incondicional, os Tapajós optaram ela
última, entregando ao inimigo as suas armas. Desarmados, muitos índios foram
capturados e encerrados em currais, como carneiros, enquanto, que os índios aliados de
Maciel Parente, saqueavam toda a aldeia e violentavam as mulheres e filhas dos presos
às vistas deles. Acuña indagou em sua crônica: “Que poderiam fazer esses pobres,
presos, desarmados, com suas casas saqueadas, suas mulheres e filhas oprimidas, senão
se submeter a tudo o que deles quisessem fazer?”.
Os Tapajós, com objetivo de reaver a sua liberdade, prometeram entregar aos
portugueses 1.000 escravos que eles exigiam. Muitos dos seus escravos já tinham
fugidos, e só poderam juntar algo em torno de duzentos. Prometeram que os
portugueses receberiam a quantidade que faltava.
Ficaram em liberdade àqueles que entregaram os próprios filhos como cativos. A
massa de força de trabalho indígena escravizada foi despachada como mercadoria para o
Maranhão e Pará.
A partir daí a freqüência de tropas de resgates portuguesas entre os Tapajós
tornaram-se constante. Para evitar que os parentes fossem tomados como escravos, os
Tapajós, indicavam qualquer tribo “inimiga” da vizinhança como sendo “seus escravos
fugidos”, ajudando os portugueses a assaltá-la e a capturá-la. Enfim, os Tapajós,
querendo evitar a sua própria escravidão, tornaram-se escravizadores.
A conversão dos Tapajós se deu por volta de 1661, pelo padre João Felipe de
Bettendorff. Este com o auxilio dos índios ergueu uma igreja, a qual é considerada
como a origem da atual cidade de Santarém.
No final do século XVII, Bettendorff constatou que aquela aldeia tão populosa
na foz do rio Tapajós, bem como as numerosas aldeias de terra a dentro, estavam
complemente destruídas pela ganância dos moradores brancos.
O cientista alemão Carl Fh. Ph. von Martius, achou que em 1820, os índios
Tapajós já estavam complemente extintos.

“(...). Merece citar-se que o nome dessa nação não mais aparece entre as que atualmente
vivem às margens do Tapajós e às dos seus afluentes, e que também o uso de flechas
envenenadas não mais subsiste ali” (SPIX e MARTIUS. Vol. III, 1981, p. 108).

* * *

O saldo desses confrontos belicosos sempre era de muitos índios mortos, e os


sobreviventes eram transformados em escravos. O padre Antônio Vieira em uma de
suas cartas ao rei de Portugal, em 20 de abril de 1657, faz o seguinte desabafo: “As
injustiças e tiranias, que se têm executado aos naturais destas terras, excedem muito às
que se fizeram na África. Em espaço de quarenta anos se mataram e se destruíram por
esta costa e sertão mais de dois milhões de índios, e mais de quinhentas povoações
como grandes cidades, e disto nunca se viu castigo”. Só no ano de 1655, segundo
Vieira, cativaram no rio Amazonas, dois mil índios.
Testemunho semelhante ao de Vieira foi feito pelo padre Manuel Teixeira, em
1654 (vide leitura complementar n.o 4).

Rumo ao Oeste: a Fortaleza da Barra do Rio Negro

“Prosseguindo a nossa viagem, vimos uma boca de outro grande rio, à mão
esquerda, que entrava no que navegávamos, e de água negra como tinta, e que por isso
lhe pusemos o nome de rio Negro”. Este batismo foi feito pelo frei Gaspar de Carvajal,
em 1542. Foi a primeira impressão desse rio registrada por um europeu ibérico.
Os cronistas da expedição de Pedro Teixeira também descreveram em 1639, a
sua foz quando desciam o Amazonas rumo a Belém, vindo de Quito, mas já então como
um verdadeiro celeiro de mão-de-obra indígena a ser preado.

Penetração Sertanista no Rio Negro

O início da penetração e da ocupação sertanista lusa na calha rio Negro ainda


não é bem conhecido. Entretanto há registros de que, em 1649 o governador e capitão-
general do Estado do Maranhão, Luís Magalhães (1649-1652), autorizou uma expedição
sob o comando do capitão-mor Bartolomeu Barreiro de Ataíde com objetivo de
descobrir o rio do Ouro, ou lago Dourado.
Na realidade, o verdadeiro objetivo da expedição era a caça ao índio, pois o
governador acreditava mais na riqueza do descimento de índios que na do lago
Dourado, tanto é que, ordenou Barreiros de Ataíde que efetuasse o maior número de
resgates possível, de fato, ocupou-se mais dos resgates que de ir à procura do ouro. Para
o diplomata Joaquim Nabuco, essa foi talvez a primeira expedição portuguesa ao rio
Negro.
Em 1657, procedente de São Luís, penetrou rio Negro uma tropa de resgates sob
o comando do cabo Bento Maciel Parente (filho de um antigo governador e capitão-
general do Maranhão [1638-1641], seu homônimo), composta por 25 soldados e 300
índios, e mais os padres jesuítas Francisco Veloso e Manuel Pires. Esses padres tinham
instruções para missionarem no Amazonas, mas, como afirma o historiador Arthur Reis,
“ao arrepio da correnteza pelo Amazonas, os dois missionários foram desembocar no
Negro. Entraram em boas relações com os Tarumãs, que habitavam o rio Negro,
logrando reuni-los em missão perto da boca do rio Tarumã”. Portanto, a missão dos
Tarumãs marcaria o início da ocupação lusitana no rio Negro.
Depois de navegar pelos rios Amazonas e Negro, depois de fundar a missão dos
Tarumãs, a tropa de resgates de Bento Maciel Parente e dos padres jesuítas Francisco
Veloso e Manuel Pires retornou ao seu porto de partida, com nada menos que 600 índios
cativos e descidos, para ser negociados no mercado de escravo e distribuídos entre os
moradores, serviço real e pelas próprias missões do Pará ou do Maranhão. No ano
seguinte a operação resgate se repetiu, os padres jesuítas Francisco Gonçalves e,
novamente, Manuel Pires lograram um carregamento mais rendoso de cerca de 700
índios cativos e descidos.
Ainda, de acordo com Arthur Reis, a missão dos Tarumãs servia de base e de
apoio logístico para as realizações dos negócios dos resgates e dos descimentos. Mas
com a expulsão dos jesuítas do Estado do Maranhão e Grão-Pará, em 1661, essa missão
foi abandonada.

Massacre no Rio Urubu

Depois desses primeiros lucrativos contatos para os portugueses, outros mais


foram realizados na região do médio Amazonas, sempre em busca da mão-de-obra
indígena.
Em 1663, uma tropa de resgates comandada pelo sargento-mor Antônio Arnau
Vilela atingiu rio Urubu, povoados pelos índios Caboquenas, Bararurus e Guanavenas.
Os índios desse rio reagiram belicosamente aos caçadores de índios, mataram o
comandante da expedição e quase todos os soldados. Os que sobreviveram, se
refugiaram na missão de Saracá, no lago do mesmo nome, onde deságua o Urubu. Essa
missão tinha sido fundada há pouco tempo pelo frei Raimundo da Ordem das Mercês,
em 1663.
A represália lusitana foi cruenta, o governador e capitão-general do Estado do
Maranhão e Grão-Pará, Rui Vaz de Siqueira (1662-1667), em 1665 organizou uma
expedição formada por 34 canoas, que transportavam 400 soldados e 500 índios, sob o
comando do tenente-coronel Pedro da Costa Favela, para invadir o rio Urubu e castigar
os povos indígenas que massacraram a tropa do sargento-mor Antônio Arnau Vilela. A
maioria dos índios foi massacrada e os sobreviventes foram levados como escravos para
Belém.
No ano de 1668, Pedro da Costa Favela, voltou ao rio Urubu, comandando outra
tropa de resgates. Daí seguiu para o rio Negro, onde o frei Teodósio da Veiga, da
Ordem das Mercês, que o acompanhava fundou nas imediações do rio Aruim, o
primeiro povoado da região. O “primeiro”, pelo fato de que a missão fundada pelos
jesuítas em 1657, ter desaparecido, enquanto que essa estabelecida pelo frei mercedário,
permaneceu, mesmo que tenha mudado de localização. Em 1695, transferiu-se para foz
do rio Jaú, afluente do Negro pela margem direita, onde recebeu o nome de Santo Elias
do Jaú.

Fortaleza da Barra do Rio Negro

Portanto, foi nessa conjuntura de caça ao índio da segunda metade do século


XVII que se erigiu a Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro. Ainda não se
encontrou uma documentação que determine com precisão esse fato, no entanto,
estamos de acordo com os antigos cronistas e autores modernos que convencionaram o
ano de 1669 para a sua fundação.
Pedro da Costa Favela, de volta a capital do Estado, relatou tudo que pôde perceber
na região recém-conquista ao então governador e capitão-general do Estado do
Maranhão e Grão-Pará, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho (1667-1671).
Inclusive que os missionários e os sertanistas encontraram entre os índios armamentos
europeus, notadamente armas holandesas. Diante dessas informações, o governador,
julgou conveniente mandar guarnecer a embocadura do rio Negro, garantindo desse
modo:

“O domínio português na região e criava registro para os índios escravizados pelos


sertanistas que daí em diante teriam onde se socorrer nos momentos críticos” (REIS,
1989, p. 69).

Quanto ao fato de circulação mercadoria ocidental entre os índios não constituía,


necessariamente, uma novidade, pois o padre Acuña já havia registrado em sua crônica,
em 1639, que havia “entre eles alguns que possuem ferramentas como machados,
facões, podões e facas”, que teriam adquirido indiretamente dos holandeses
estabelecidos nas Guianas. Sobre a circulação de tais instrumentos de trabalho, afirma
Acuña:

“Que as compravam dos nativos residentes na região mais próxima ao mar, os quais, por
sua vez, as recebem de homens brancos, como nós, que usam as mesmas armas nossas,
como espadas e arcabuzes, vivem no litoral e só se distinguem de nós pelo cabelo, que
todos têm amarelo, sinal suficiente para concluir-se que se trata de holandeses”
(ACUÑA, 1994, p.135-136).

Então, para “guarnecer a embocadura do rio Negro”, o governador nomeou o


capitão Francisco da Mota Falcão, o qual, segundo Arthur Reis:

“Escolheu o outeiro, entre dois igarapés, situados três léguas acima da confluência do
rio Negro com o Solimões e levantou, auxiliado na tarefa por seu filho Manoel da Mota
Siqueira, especialista em fortificações, um reduto de pedra e barro, de forma
quadrangular. Obra ligeira. O fortim, em que repousava a segurança da soberania
portuguesa naquelas paragens, bastante para manter em respeito a indiada, recebeu o
nome de São José do Rio Negro, sendo artilhado com quatro peças, duas de bronze, de
calibre um, e duas de ferro, de calibre três” (REIS, 1989, p. 69).

Edificada a fortaleza, ao seu redor desenvolveu-se um povoamento composto


principalmente pelos índios Baníuas, Barés, e Passés descidos dos rios Içana, Japurá e
Solimões, isto é, como disse, José Ribamar Bessa Freire, desenvolveu-se ali, um
verdadeiro “curral de índios”, onde se estocava os indígenas que eram trazidos de outras
áreas da região:

“O crescimento do lugar dependia, portanto do despovoamento de outras áreas, mas


parte considerável de sua população era transitória, na medida em que (...) não passava
de um “curral de índios”, que eram aí amontoados à espera de serem levados para
Belém como escravos, ou alugados quando “livres”, para a coleta das “drogas do
sertão” (FREIRE, 1993/94, p. 170).

Esse povoamento primordial (curral de índios), na segunda metade do século


XVIII passou à categoria de Lugar (Lugar da Barra do Rio Negro), o qual no final desse
século tornou-se sede da Capitania do Rio Negro, no governo de Lobo d’Almada.

Imagem 16.

Prospecto da Fortaleza da Barra do Rio Negro. Gravura de J. André Schwebel, c.1755.


Reproduzida de Marcos Carneiro de Mendonça. Amazônia na Era Pombalina (1751-1759). Tomo
II. IHGB, 1963, p. 626-A.

Fortaleza ou Entreposto?

Não obstante, a referida fortaleza ter sido obra de “um especialista em


fortificações”, levanta-se a hipótese de que ela não passava de um órgão burocrático do
Estado, que funcionava ao mesmo tempo, como entreposto comercial e cidadela para
reprimir os povos indígenas. Do ponto de vista da estratégia militar de defesa do
território pretendido pelos portugueses contra os outros “estrangeiros”, a sua atuação foi
inócua. Basta observar-se o que foi dito acima e o que afirmaram alguns agentes
colonialistas do século XVIII.
O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, em 1787, fez o seguinte comentário
acerca desse fato: “estando fundada ela (...) acima do lugar que verdadeiramente
confluem os dois rios, Negro e Solimões, bem se deixa ver, que pela foz do segundo
pode seguramente descer quem muito quiser, sem ser registrado pela fortaleza;
semelhantemente estando acima dela situado a boca do furo do Guariúba, o qual, como
disse, comunica de inverno os dois rios, também se deixa ver, que, para se sair rio
Negro, não há rigorosamente necessidade de se passar pela dita fortaleza, nem de
demandar a foz do rio”.
O naturalista foi mais além sobre a situação da Fortaleza do Rio Negro quando
afirmou: “assim é este um daqueles estabelecimentos, que ao dia de hoje, nem pela sua
agricultura, comércio e população, nem pela segurança da boca do rio, se acha o mais
bem situado, estando a fortaleza aonde está”.
Na verdade, as autoridades militares da segunda metade do século XVIII já
haviam percebido a ineficácia da Fortaleza naquela localização, tanto que, em 1783,
quando o general João Pereira Caldas, propôs a mudança da sede da Capitania do Rio
Negro, de Barcelos para a boca do rio, também autorizou que um de seus subalternos
elegesse uma outra localização entre a dita Fortaleza e o lugar das Lages – região do
“encontro das águas” – para proceder à mudança daquele estabelecimento militar e da
povoação que surgiu em sua sombra.

Imagem 17.

Prospecto da Fortaleza de Pauxis. Gravura de J. André Schwebel, c.1755. Reproduzida de


Marcos Carneiro de Mendonça. Amazônia na Era Pombalina (1751-1759). Tomo II. IHGB, 1963,
p. 622-B.

Leitura Complementar N.o 4

CONFISSÃO DA CATÁSTROFE DEMOGRÁFICA INDÍGENA

“Manoel Teixeira, cônego da Sé de Elvas e vigário desta cidade de Belém do Grão-Pará e todas
as Capitanias, etc. Declaro, que me acho com os sacramentos recebidos, próximo à morte, para ir
dar contas a Deus, pelo estado em que estou e por descargo de minha consciência certifico, que
há muitos anos vivo neste Estado, e assim em razão do exercício do meu oficio, como pela
comunicação dos homens mais antigos e experimentados dele, e principalmente de meu irmão o
Capitão-Mor Pedro Teixeira que foi um dos primeiros conquistadores (...) sei que nas ditas
entradas, ou fossem em paz ou de guerra, se exercitaram sempre grandes injustiças, e crueldades
extraordinárias contra os índios; queimando-lhes suas povoações, matando-se muitos milhares
deles, sem piedade, nem causa, e trazendo muitos cativos, sem mais razão, nem justiça (...)
tratando-os com tanto rigor e excesso de trabalho que no espaço de trinta e dois anos, que há, que
se começou a conquistar este Estado, são extintos a trabalho e a ferro, segundo a conta dos que
ouviram mais de dois milhões de índios de mais de quatrocentas aldeias, ou para melhor dizer
cidades populosas (...)/./ Assim mais sei e certifico que os moradores deste Estado se tem servido
desde o princípio de grandíssimo número de índios com título de escravos, aos quais por sua
forte foram sucedendo outros de que ao presente se servem, tomando-os e vendendo-os pela
maior parte com a mesma injustiça acima dita; os quais índios, além e serem tratados
rigorosamente, trazendo-os despidos, assim homens como mulheres, com grande indecência e
dando-lhes muito mal de comer, chamando-lhes nomes muitos feio se afrontosos, de que eles
muito se sentem, são castigados com muito ásperos castigos (...). E os índios que vivem nas
aldeias com o nome de livre (...) padecem ainda muito mais (...) porque os governadores e
capitães-mores os tratam não só como escravo, mas como escravos que não lhes custaram
dinheiro (...)/./ Assim que em suma, Senhor fala com Vossa Majestade Manuel Teixeira, com
perto de 70 anos de idade, esperando cada hora a morte, e descarregando como pastor desta tão
mal governadas ovelhas, sua consciência sobre a Vossa Majestade e da dos seus ministros (...)/./
... e assim, peço ao padre meu confessor, que mandando fazer dois traslados autênticos deste
papel, o faça remeter logo ao reino, por via que possa chegar às reais mãos de Sua Majestade
(...). E para que tudo se tenha dito faça fé, o juro pelo juramento de minhas ordens. Belém do
Grão-Pará, 5 de janeiro de 1654. – Manuel Teixeira”

Trecho da Certidão Jurada do Padre Manuel Teixeira (1654). In: MORAES, Padre José. História
da Companhia de Jesus na Extinta Província do Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Alhambra
Editorial, 1987, p. 215 a 219.

Indicações para Leitura


ABBEVILLE, Claude d’ (1975). História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do
Maranhão e terras circunvizinhas. Belo Horizonte / São Paulo: Itatiaia / Edusp.

ACUÑA, Cristóbal (1994). Novo Descobrimento do Grande Rio das Amazonas. Rio de Janeiro:
Agir.

AZEVEDO, João Lúcio de (1999). Os Jesuítas no Grão-Pará – suas missões e a colonização.


Edição Fac-similada. Belém: Secult.

BETTENDORFF. Padre João Felipe (1990). Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no
Estado do Maranhão. 2.ª edição. Belém: FCPTV / Secult.

BERREDO, Bernardo Pereira de (1988). Anais Histórico do Estado do Maranhão. 4.ª edição.
São Luís: Alumar / Tipo.

FREIRE, José Ribamar Bessa et alii. (1994). A Amazônia Colonial (1616). 5.a edição. Manaus:
Metro Cúbico.
FREIRE, José Ribamar Bessa (1993/4). “Manáos, Barés e Tarumãs”. Amazônia Em Cadernos.
N.o 2 / 3. Manaus: Universidade do Amazonas, p. 159-178.

REIS, Arthur Cezar Ferreira (1982). A Amazônia e a Cobiça Internacional. 5.ª edição. Rio de
Janeiro / Manaus: Civilização Brasileira / Suframa.

_______ (1989). História do Amazonas. 2.ª edição. Belo Horizonte / Manaus: Itatiaia / Governo
do Estado do Amazonas.

OLIVEIRA, Adélia Engrácia de (1983). “Ocupação Humana” In: SALATI Enéas et alii.
Amazônia: desenvolvimento, integração e ecologia. São Paulo: Brasiliense / CNPq.

MATTOS, Carlos de Meira (1980). Uma Geopolítica Pan-Amazônica. Rio de Janeiro:


Biblioteca do Exército Editora.

MORAES, Padre José (1987). História da Companhia de Jesus na Extinta Província do


Maranhão e Pará. Rio de Janeiro: Alhambra Editorial.

NIMUENDAJÚ, Curt (1953). “Os Tapajó”. Revista de Antropologia. Vol. 1, N.º 1: 52-61.

SPIX, Johann Baptist von e MARTIUS, Carl F. Philipp von (1881) Vol. III. Viagem Pelo
Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Itatiaia.

SWEET, David G. (1974). A rich realm of nature destroyed: the Middle Amazon valley, 1640-
1750. Ph.D. tesis, Madison: University of Wisconsin.

Anexo 1.

Fortificação Portuguesa na Amazônia (1612-1793)


Denominação Localização Fundação
Forte de São Felipe São Luís (MA) 1612 (1)
Forte de Itaparé ou São João São Luís (MA) 1613 (1)
Forte de Guaxenduba ou Santa Maria Rio Munim (MA) 1614
Fortim de Cumã Próximo à baia de Cumã (MA) 1615
Fortim de Caeté Ilha fronteiriça ao litoral de Bragança (PA) 1615
Forte do Presépio Baia do Guajará, Belém (PA) 1616
Forte da Ponta de João Dias (Forte de Santo Baia de São Marcos, São Luís (MA) 1619 (2)
Antônio da Barra ou Ponta de Areia)
Forte do Calvário ou Vera Cruz Rio Itapecuru (MA) 1620 (3)
Fortaleza de Santo Antônio de Garupá Rio Amazonas (PA) 1623 (4)
Forte do Desterro Próximo a Monte Alegre (PA) 1638
Fortim de Toheré (Tueré) Rio Tueré, afluente do Amazonas (PA) 1638 ou 1654/1658
Forte de Araguari Rio Araguari, Cabo do Norte (AP) 1660
Forte de São Pedro de Nolasco (Forte das Belém (PA) 1665
Mercês).
Fortaleza de São José do Rio Negro Rio Negro, acima da boca (AM) 1669 (5)
Fortaleza de N. S. das Mercês da Barra Abaixo de Val-de-Cans, Belém (PA) 1685
Fortaleza de Santo Antônio de Macapá Macapá (AP) 1686 ou 1688 (6)
Forte de Batabouto Rio Batabouto (AP) 1688
Forte de São Marcos Baía de São Marcos (MA) 1694
Fortaleza dos Tapajós / Santarém Boca do rio Tapajós (PA) 1697
Forte dos Pauxis / Óbidos Rio Amazonas (PA) margem esquerda
1698
Forte de Parú Rio Parú (PA) 1710
Forte de São Francisco ou dos Santos Cosme Rio Anil (MA) 1720
Damião
Casa forte do rio Guamá Rio Guamá (PA) 1725
Forte do Santo Cristo / Castelo de São Jorge / Belém (PA) 1728 (7)
Forte do Castelo
Fortim da Barra “numa ilha junto ao canal de acesso a 1738
Belém” (PA)
Reduto de Macapá Macapá (AP) 1738
Fortaleza de São José de Macapá Macapá (AP) 1761/1764/
1782
Vigia de Curiaú Rio Curiaú 1761
Casa Forte de São Gabriel / Forte de São Rio Negro (AM) 1761/1763
Gabriel
Forte Alcântara ou São Sebastião Alcântara (MA) 1763
Forte de São José de Marabitanas Rio Negro (AM) 1763
Forte de N. S. da Conceição ou Bragança Rio Guaporé (RO) 1767
Forte de São Francisco de Xavier de Tabatinga Alto rio Solimões 1770
Reduto ou Bateria de São José Belém (PA) 1771
Fortaleza de São Joaquim Rio Branco, boca do Tacutu (RR) 1775
Real Forte do Príncipe da Beira Rio Guaporé (RO) 1776
Bateria de Vila Bela Vila Bela (MT) 1778
Forte de N. S. de Nazaré de Alcobaça Rio Tocantins (PA) 1780
Bateria de São Antônio Belém (PA) 1791
Forte da Ilha dos Periquitos “Ilha localizada abaixo da fortaleza da 1793
Barra” (PA)
Fonte: Oliveira, 1983; Mattos, 1980.

(1) Construído pelos franceses, depois ocupados pelos portugueses;


(2) Reconstrução de um forte francês, construído em 1614;
(3) Ampliado pelos holandeses, em 1641, e reocupado pelos portugueses em 1644;
(4) Construído no local do Forte de Mariocai, dos holandeses;
(5) Data convencional;
(6) Construída sobre o Forte Camaú dos ingleses;
(7) Erguido sobre a ruína da fortaleza de taipa que substituiu o Forte do Presépio.
Unidade II – AMAZÔNIA PORTUGUESA

Capítulo 5
Colonização Portuguesa da Amazônia nos Séculos XVII e
XVIII

Capítulo 5

COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DA AMAZÔNIA NOS SÉCULOS


XVII E XVIII

Nos capítulos anteriores defini, o período de 1542 a 1640, como o tempo do


Descobrimento e da Conquista. Do presente capitulo até o oitavo, enfoco o período da
Colonização portuguesa propriamente dito, o qual começou por volta de 1640, época
da Restauração de Portugal, quando os lusos – livres político-administrativamente dos
espanhóis – passaram a explorar sistematicamente as possibilidades econômicas do
imenso território habitado pelos povos indígenas, do qual Pedro Teixeira tomou posse
pela Coroa portuguesa no ano de 1639.
O final do período em tela foi marcado pela incorporação da Amazônia ao
Império nacional brasileiro, em 1823.

Economia e Sociedade Colonial

“Sabem todos os europeus moradores do Amazonas, e o dizem


publicamente que os nervos daqueles estados são as missões dos
índios”. (Padre João Daniel).

Os primeiros momentos da história ocidental da Amazônia, foram caracterizados


pelo seu uso como uma zona predominantemente militar e geopolítica. No entanto a
região, pela sua imensa população indígena – a ser transformada em força de trabalho
compulsório – e por seus recursos naturais, motivou a colonização por parte dos
portugueses, pois oferecia uma boa perspectiva de desenvolvimento, bem como novas
oportunidades para colonos que achavam poucas chances nas capitanias açucareiras
como afirma John Monteiro.

Drogas do Sertão

De acordo com Grande Dicionário da Língua Portuguesa de Morais e Silva


(1789), “droga” significa “todo o gênero de especiaria aromática; tintas, óleos, raízes
oficinas de tinturaria, e botica”. De modo semelhante à historiografia tornou conhecida
a expressão “drogas do sertão” para designar um conjunto diversificado de produtos
nativos ou aclimatados existentes na Amazônia do período colonial, que eram extraídos
da floresta pela mão-de-obra indígena, e comercializados nos mercados europeus. Tais
especiarias eram empregadas na alimentação, na medicina, na tinturaria, na construção
naval, cordoaria etc.

Imagem 18.

Urucu (Bixa orellana). Reproduzida de Carl O. Sauer. In: Darcy Ribeiro (Editor), Suma
Etnológica Brasileira, 1 etnobiologia. Petrópolis: Vozes/ Finep, 1986, p. 88.

As condições instáveis e precárias marcaram a vida econômica da Amazônia até


fins do século XVII. A partir daí, acentuou-se o comércio das drogas do sertão (o cacau
selvagem, a canela-do-mato, o cravo, a salsaparrilha, a castanha-do-pará, a piaçaba, as
sementes oleaginosas, o puxuri, a baunilha, a tinta de urucum, a madeira e os produtos
do reino animal). Oriundas, principalmente do vale amazônico, o valor econômico
desses produtos constituiu a riqueza das missões religiosas da Capitania do Pará na
primeira parte do século XVIII, sobrepujando, inclusive, a Capitania do Maranhão, cujo
maior volume de suas exportações constituía-se de produtos agrícolas: cana-de-açúcar,
tabaco e algodão; dinamizada, principalmente pela mão-de-obra africana, então
prejudicada pela sua carência.
A definição dessa atividade econômica (extrativista florestal) não foi obra do
acaso. Estava em perfeita sintonia com as aspirações metropolitanas, pois conforme
José Oscar Beozzo, naquela conjuntura Portugal estava perdendo as “ricas possessões
do Oriente e o lucrativo comércio das especiarias da Índia e das demais ilhas e terras
que se estendiam até o Japão, podendo substituí-lo, em parte, pela exportação das
«drogas do sertão», nome que se dava às especiarias da floresta amazônica”. E mais:
sem essa fonte de riqueza, teria sido impossível aos portugueses ocuparem o grande
vale: os colonos não o teriam procurado e os missionários não encontrariam base
material de subsistência para o seu trabalho de catequese dos indígenas.

SALSAPARRILHA, SALSA – (Smilax salsaparrilha), própria para uso medicinal, era


reputada como eficiente para a cura das sífilis. Não confundir com a salsa cultivada em hortas,
muito utilizada na culinária. “Planta sarmentosa, de rhizoma lenhoso, caule cheio de nós, raízes
superficiais e extensas” (BITTENCOURT, 1925. p. 130).

“Não é tão estimada a salsa hortense para o tempero das viandas, quanto a salsaparrilha para os
destemperos da vida, e falta de saúde” (DANIEL, 1976, p. 417.)

A salsaparrilha, colonial quase desapareceu, devido o modo violento como era arrancada e
desperdiçada as parte que poderia servir para a reprodução. “Os índios pela sua parte até
praticam a malícia de deixarem dependuradas as árvores, ou queimam as parte das plantas”
(FERREIRA, 1983, p. 126).

Extrativismo e Agricultura

A partir da segunda metade do século XVII, mais precisamente durante o


reinado de D. Pedro II (1667-1706) Portugal empreendeu uma política de reerguimento
do seu Império. No âmbito econômico dessa política a cidade de Belém, na Amazônia,
deveria ser a base para a reconstituição do comércio de especiarias, que os portugueses
perderam na Ásia, no começo do século XVII.
As especiarias amazônicas (drogas do sertão) seriam uma realização do sonho
português, pelo fato de as considerarem como um “sucedâneo da Índia”. No entanto,
desde cedo a sua extração foi motivo de preocupações pelas autoridades metropolitanas
e coloniais, pois se fazia de modo predatório, prática que fatalmente levaria a rápida
extinção de muitas espécies.
Para se conter esse processo de extração predadora das drogas do sertão, a Coroa
portuguesa recomendava insistentemente, conforme afirma J. R. Bessa Freire, que os
colonos deixassem as árvores de cravo descansarem por um período de 10 anos, pois do
contrário este produto se extinguiria como o pau-brasil do litoral brasileiro.
Recomendava também, que o cacau só deveria se colhido “naquele tempo em que
costuma estar maduro”, para evitar a “excessiva perda”.

Imagem 19.

Cacau (Theobroma cacao). Iconografia de Castro Silva. Divulgada por Frederico C. Hoehne A
flora do Brasil: recenseamento de 1920. 1922. Reproduzido de Berta G. Ribeiro, obra citada,
1992, p. 58.

Medidas semelhantes foram tomadas em relação a outros produtos, por exemplo,


conforme Arthur C. Ferreira Reis, era terminantemente proibida a colheita do cacau e da
baunilha em “certos pontos como a costa do Cabo Norte, Macapá e Gurupá, estando o
fruto ainda verde, e a destruição das árvores”.
Além da preocupação com a extinção das espécies nativas, havia também, uma
outra, em relação sistema de trabalho, pois as canoas que compunham as expedições
coletoras das drogas, eram tripuladas, principalmente, por grande quantidade
trabalhadores indígenas aldeados, que permaneciam nos cursos fluviais do sertão
amazônico por cerca de meio ano ou mais, “esvaziando” desse modo às povoações. As
ausências desse contingente de força de trabalho nessas localidades estariam
prejudicando o fomento das atividades agrícolas, muito recomendado pela legislação
portuguesa.
Sobre esse tipo preocupação no final do século XVII, o padre João de Souza
Ferreira, proclamou: “São as drogas do Estado as que lhe dão estimação; porém são a
ruína dele....”. O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, cerca de um século depois,
referindo-se as atividades produtivas dos colonos, argumentou que:

“nenhum diz que se mais gente tivera, mais aumentada estaria a agricultura deste ou
daquele gênero, todos clamam a uma só voz que quanto mais houvesse toda era pouco
para a empregarem no serviço do sertão (...). Digo mais, pois, que as drogas do sertão
são para o Estado do Pará, o mesmo que as minas têm sido para Portugal” (FERREIRA,
1983, p. 117).

Incentivo a Agricultura

De acordo com Arthur C. Ferreira Reis, durante os séculos XVII e XVIII


sucederam-se ordens e instruções reais para que se incorporasse à riqueza da Colônia as
drogas do sertão, isto é, que essas riquezas naturais fossem cultivadas pelos colonos.
Por exemplo, em 1667, a Coroa portuguesa permitiu que os governadores e provedores
fizessem a agricultura do cacau e da baunilha para que servisse de exemplo aos colonos.
Note-se que esses dois produtos são originalmente considerados como “drogas do
sertão”.

Imagem 20.

Tabaco (Nicotiana tabacum) Iconografia de Castro Silva. Divulgada por Frederico C.


Hoehne A flora do Brasil: recenseamento de 1920. 1922. Reproduzida de Berta G. Ribeiro, obra
citada, 1992, p. 66.

Além das espécies nativas, outras foram transplantadas para região. Tanto umas
quanto as outras receberam igual tratamento no sentido de seus cultivos, para isso a
Coroa portuguesa foi elaborando no tempo, uma profusa legislação de cunho econômico
com a finalidade de fomentar e, muitas vezes, disciplinar a prática agrícola desses
produtos que já haviam conquistado o mercado consumidor europeu.

LEGISLAÇÃO SOBRE EXRATIVISMO E AGRICULTURA: ALGUMAS SINÓPSES.

“14 de Abril de 1655 – Regimento expedido ao governador André Vital de Negreiros,


instruindo sobre as relações como os nativos, aumento do Grão-Pará pela exploração da terra,
concessão regular de sesmarias aos colonos, aproveitamento das riquezas naturais”.

“1.o de Dezembro de 1667 – Permite que os governadores e provedor façam a agricultura do


cacau e da baunilha para que servisse de exemplo aos colonos”.

“1671 – Recomenda a Câmara de Belém que promova meios para os colonos fazerem a cultura
do cacau e da baunilha”.

“1.o de Dezembro de 1677 – Manda aumentar a cultura do cacau e da baunilha”.

“30 de Março de 1680 – Isenta de todos impostos, por seis anos, o cacau e o anil e que só
paguem meio direito nos quatro seguintes”.

“2 de Setembro de 1684 – Manda incentivar a cultura do cacau e da baunilha. Impõem pena: de


confisco do cravo falsificado e cacau corrompido; e degredo em Angola para os criminosos”.

“2 de Setembro 1684 – Manda colher a canela que se encontra no Tocantins”.

“24 de Novembro de 1686 – Recomenda o descobrimento da pimenta. Regula o corte e o


carregamento do cravo. A colheita só era permitida nas árvores que fizessem anos de descanso
ou vinte de plantadas”.
“17 de Outubro de 1690 – Declara que as canoas dos jesuítas não estão isentas de registro em
Gurupá”.

“7 de Março de 1693 – Renova a isenção de direitos por dez anos as especiarias que forem
descobrindo, exceto o cravo e o cacau”.

“20 de Novembro de 1699 – Determina que o capitão do Gurupá puna os religiosos que se
recusam a registrar suas canoas de drogas”.

“15 de Fevereiro de 1712 – Declara que o açúcar, o cacau cravo, o tabaco e o pano de algodão
deviam correr como moedas”

“30 de Julho de 1731 – Isenta de direitos, por doze anos, a canela, e o café cultivados no
Estado”.

“24 de Março de 1753 – Manda que paguem dízimos os gêneros como óleo de copaíba, azeite
de andiroba e de tartarugas, manteigas de peixes e castanha”.

REIS, Arthur C. Ferreira. A Política de Portugal no Valle Amazônico. Belém: Secult, 1993, p.
123-134.

No final do século XVIII, persistia a política portuguesa no sentido de construir


uma estrutura econômica agrícola com base nas espécies nativas e nas aclimatadas,
dado que se pode aferir pelo exposto por uma lei de 31 de julho de 1799, que aprovou a
“fundação do Jardim Botânico de Belém, onde devem ser cultivados pimenteiras, cravos
da Índia, café, caneleiras, árvores de fruta-pão e próprias para construção”.
Essa legislação ainda ordena que se conceda prêmio “aos que promoverem
cultura útil; aprova a fundação da colônia de Jamary; e determina a remessa de amostras
que supõem com qualidade da quina, para convenientes exames.”
No entanto, de acordo com Francisco Carlos Teixeira da Silva, apesar do
empenho da Coroa portuguesa em dinamizar a agricultura na Amazônia os métodos e
técnicas aplicados não surtiu o efeito esperado:

“após uma certa euforia com os resultados obtidos, a experiência agrícola no Grão-
Pará redundou em um amplo fracasso, particularmente as tentativas de aclimatação de
espécies vegetais do Oriente. Sem dúvida, as condições ecológicas adversas para o
arsenal tecnológico do europeu, as grandes distâncias e as epidemias são os elementos
importantes para explicar o fracasso do empreendimento amazônico no final do século
XVIII” (SILVA, Francisco Carlos T. da In: LINHARES, Maria Yedda (Org), 1995, p.
67).

Não se deve esquecer, entretanto, que ao mesmo tempo em se assiste o fracasso


agrícola na Amazônia, o Nordeste vivia uma importante retomada econômica, com a
produção do fumo, do açúcar e com o tráfico de escravos. Obviamente uma conjuntura
econômica mais atrativa para os investidores.

Riqueza ou Pobreza?

Apesar da riqueza, constituída pelas drogas do sertão, o extremo norte da


América portuguesa era tido como “economicamente paupérrimo” na primeira metade
do século XVIII, se comparado com o Nordeste açucareiro e o Sudeste minerador do
Estado do Brasil da mesma época. A explicação mais freqüente para essa debilidade
econômica seriam as suas condições ecológicas, desfavoráveis para o desenvolvimento
de uma economia de plantation na região, a qual foi tentada, mas logo descartada, nos
primeiros tempos da colonização.
Esse tipo de argumento, normalmente, monitorado pela teoria do determinismo
ecológico, resultou em interpretações erradas sobre a natureza, a cultura e o
desenvolvimento econômico da região. Atualmente, com base em pesquisas recentes,
ele está sendo contestado.
Na realidade, foram outros fatores que concorreram para essa leitura da situação
econômica: um deles foi a falta de investimentos de capitais. Como afirma Ciro
Flamarion Cardoso: ninguém, por livre e espontânea vontade, escolheria investir seu
capital, nos séculos XVII e XVIII, na distante e hostil Amazônia, podendo fazê-lo em
Pernambuco ou na Bahia, regiões bem mais promissoras.
Outro fator seria a política metropolitana de não consentir que na Amazônia se
produzisse mercadoria que fosse capaz de competir com produtos do Nordeste
brasileiro, tais como o açúcar e o tabaco. Esse tipo de produção deveria limitar-se
apenas ao abastecimento do mercado interno da região. A própria extração das drogas
do sertão também teria contribuído para esse quadro, na medida em que essa atividade
não precisava de vultosos investimentos.

Algodão e o Cacau como Moeda

Paralelamente a essa situação, também se contava com a ausência de circulação


de uma boa moeda. O comércio externo, limitado e descontínuo, se relacionava com
duas ou três praças do reino através do escambo direto, isto é, trocavam-se os gêneros
da terra pelas mercadorias manufaturadas na metrópole. Isso também se constituiu num
permanente e insuperável estorvo ao desenvolvimento econômico regional.

Imagem 21.

Algodão (Gossipium herbaceum). Iconografia de Castro Silva. Divulgada por Frederico C.


Hoehne A flora do Brasil: recenseamento de 1920. 1922. Reproduzido de Berta G. Ribeiro
Amazônia Urgente. 2.a edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1992, p. 65.

No âmbito interno da colônia, a moeda utilizada nas negociações era o algodão,


em novelos e rolos de pano; para quantias maiores, usavam-se como moeda o cacau e o
cravo. João Lúcio de Azevedo afirma que por vezes se tentou pôr em circulação as
espécies de cobre, mas o costume entranhado, e o próprio bom senso dos habitantes,
levavam-nos a preferirem os produtos com valor real, que representavam a imediata
utilidade nos usos da vida. Somente a partir de 1750 começou a circular moedas
metálicas com freqüência regular na Amazônia.

MOEDAS METÁLICAS – “As novas moedas eram: de cobre o vintém, de prata a pataca, de
ouro as de cinco ou de dez cruzados. Proibia-se levar para o reino esses dinheiro, chamado de
província, e os passageiros, que tinham algum, entregavam-no ao caixa do navio, para
receberem em Lisboa o equivalente em moeda da Europa”.

ECKART, Padre Anselmo. Apud AZEVEDO, João Lúcio de, 1999, p. 194.
Experiência Mal Sucedida

Em 1682, a Coroa portuguesa criou a Companhia de Comércio do Maranhão e


Grão-Pará, com o objetivo de estimular a produção de mercadorias nas capitanias do
Maranhão e do Pará destinadas à exportação, com o intuito de promover o
desenvolvimento econômico da região. Essa política circunscrever-se-ia, basicamente,
ao monopólio do comércio de toda a produção elaborada na Amazônia e de todos os
gêneros manufaturados metropolitanos por 20 anos e, em contrapartida a Companhia
introduziria 10.000 escravos africanos. Esta seria uma forma de resolver o problema da
escassez de mão-de-obra, pelo fato de a escravidão indígena ter sido proibida pela da
Lei de 1.º de abril de 1680.
Na prática, porém, os agentes da Companhia, em troca dos escravos que traziam,
não aceitavam todos os produtos da lavra dos colonos. Além disso, os escravos
africanos prometidos não chegavam; as fazendas eram de má qualidade; os gêneros dos
regionais eram mal pagos pelos agentes do monopólio; e, complicando tantos males, os
jesuítas, em obstinação cada vez maior, se recusavam a fornecer índios das aldeias para
o serviço particular.
Por conta dessa situação crítica, em fevereiro de 1684, os moradores de São
Luís, sob a liderança dos irmãos Beckman – proprietários de engenhos no rio Mearim –,
explodiram em revolta. Os sublevados tinham alvos certos: queriam a expulsão dos
monopolistas, dos jesuítas e a deposição do governador da Capitania. Alcançaram seus
objetivos, mas os cabeças da rebelião, Manuel Beckman e Jorge Sampaio, foram
enforcados. Os outros lideres menos importantes foram condenados à prisão e ao
degredo, e o restante da população recebeu o Perdão Real.
No ano seguinte, depois das devidas sindicâncias, o Governo do Estado concluiu
que as queixas dos colonos contra a Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará
tinham procedência, cuidou para que fosse extinta no mesmo ano, em 1685.
Em suma, consoante Ciro Flamarion Cardoso, até meados do século XVIII a
Amazônia portuguesa era descrita como uma região muito pobre e subpovoada de gente
branca. Possuía uma economia com base numa dupla atividade predatória: a extração
dos recursos naturais (as drogas do sertão) para a exportação; e a escravidão dos índios,
arrancados de suas aldeias de origens do rio Negro e levados, em sua maioria, para a
região do que hoje corresponde ao Estado do Pará. Esses índios cativos proporcionavam
a mão-de-obra básica, numa região pobre demais para importar escravos africanos.

Contrastes Internos

Em 1743 o cientista francês Charles-Marie La Condamine, viajou o rio Marañón


e todo o Solimões/Amazonas – de Jaén (no Peru) a Belém – e registrou o contraste
existente entre a prosperidade das missões portuguesas que visitou, com a pobreza das
que se instalavam nos domínios espanhóis e, com ar de surpresa, descreveu,
brevemente, no seu Voyage sur l’Amazone, a situação sócio-econômica da cidade de
Belém. Disse o viajante:

“Ao chegar ao Pará, saindo das florestas do Amazonas, pensamos nos ver transportados
para a Europa. Encontramos uma grande cidade, ruas bem-alinhadas, casas alegres, a
maior parte construídas há 30 anos, em pedra e em alvenaria, além de igrejas magníficas
/./ O comércio direto do Pará com Lisboa, de onde chega todo ano uma frota mercante,
dá às pessoas abastadas a facilidade de prover a todas as suas comodidades. Recebem
mercadorias da Europa em troca de gêneros da região, que são, além de algum ouro em
pó trazido do interior das terras do Brasil, todas as diferentes produções úteis, tanto dos
rios que vêm desaguar no Amazonas quanto das próprias margens desse rio, tais como a
casca da madeira de cravo, a salsaparrilha, a baunilha, o açúcar, o café, sobretudo o
cacau, que é a moeda corrente na região e faz a riqueza dos habitantes”. (LA
CONDAMINIE, 1992, p. 107-108).

O viajante pintou Belém com as cores da prosperidade, sugerindo um contraste


entre as capitanias do Pará e do Maranhão. De fato, o Pará era o maior produtor de
cacau e das drogas do sertão – entre 1730 e 1744 o cacau representou 90% das
exportações – e sua capital servia de entreposto das exportações, enquanto que São Luís
ainda se mantinha numa “pobreza vegetativa”, pois o Maranhão era mais pobre. Essa
situação, porém, seria invertida no final do século XVIII, quando decaiu o comércio dos
produtos amazônicos e surgiu a grande exportação de algodão e arroz da região
litorânea, registrando-se um período áureo da Capitania do Maranhão.

Missões Religiosas e as Povoações Leigas

Particularizando, além desses contrastes, há outro de âmbito mais interno na


Amazônia em meados do século XVIII. Grosso modo, trata-se da diferença no
desenvolvimento econômico entre os núcleos coloniais: as povoações leigas
apresentavam sinais de extremo abandono e decadência, enquanto que as missões
exibiam marcas de prosperidade.
No primeiro caso, a colonização leiga, por uma errônea compreensão do seu
objeto, e à mercê de práticas viciadas, reproduzidas continuamente de geração em
geração, mal podia sustentar-se. Por exemplo: a Vila de Cametá, no rio Tocantins, no
século XVIII, caíra num lastimável desamparo e abandono: sem edifícios públicos; com
uma igreja vazia e ameaçando ruína; os moradores vivendo longe do povoado, em suas
roças; e o seu capitão-mor usando os índios destinados aos serviços da Vila, em suas
própria lavoura, em vez de empregá-los em proveito da comunidade.

Imagem 22.

Vila de Cametá, em 1784, no rio Amazonas. Reproduzido de Alexandre Rodrigues Ferreira,


Viagem Filosófica pelas Capitanias do Grão-Pará Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá – 1783-1793,
Rio de Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1971 (Geografia, prancha 57).

No passado essa Vila fora palco de uma vida efervescente: no seu porto eram
preparadas as expedições que partiam em viagens de exploração e dele saíam tropas de
resgates em busca da força de trabalho indígena e partiam canoadas para a coleta das
famosas drogas do sertão. Enquanto às missões, demonstravam nítidos sinais de
prosperidade, principalmente as administradas pelos padres da Companhia de Jesus,
que, usando dos mesmos expedientes dos colonos leigos — o cativeiro e o domínio dos
índios —, lograram acrescentar aos seus estabelecimentos um bom grau de
produtividade, ao passo que os dos simples colonos minguavam até a extrema
decadência .

Riqueza das Missões

As missões “enriqueciam”, e as dos jesuítas sobrepujavam a todas, em número e


em valor das propriedades. Nessa época, eles possuíam na Capitania do Pará nove
fazendas rurais. No Maranhão, nove de criação de gado e sete outros estabelecimentos
agrícolas, de onde retiravam generosas quantidades de farinha, de algodão, de açúcar, de
aguardente e de cacau. Faziam salgas de peixes, com que alimentavam o seu pessoal.
Cortavam madeira e fabricavam, inclusive, embarcações.
Vendiam o excedente dessa produção e, com isso, estariam realizando “uma
primitiva acumulação de capital”. Por exemplo, em cada ano apresentavam os seguintes
números na produtividade: no engenho de Mocajuba, mais de 1.000 arrobas de açúcar;
num engenho no Maranhão, 2.000 canadas de aguardente; nas salinas extraíam cerca de
5.000 alqueires de sal; nas pastagens havia cerca de 4.000 cabeças de gado; na extração
da drogas do sertão, cerca de 4.000 arrobas. A produção exportada pelos religiosos não
pagava os dízimos ao Estado quando saía da colônia, nem os direitos nas alfândegas
quando adentrava na metrópole. Essa isenção tributária era justificada por serem esses
valores aplicados no sustento e na manutenção das missões.
Nessa transação comercial, os religiosos também utilizavam expediente pouco
convencional. Em 1734 por exemplo: os jesuítas embarcaram para Lisboa o total de
2.538 arrobas de drogas do sertão, nos volumes estava grafado a marca da Companhia
de Jesus, que era uma cruz. Nessa quantidade de volumes não havia nenhum exagero,
mas existia a suspeita de que outra quantidade de produtos estava sendo embarcada com
marcas diferentes e em nome de outras pessoas.
O privilégio da isenção de impostos colocava os religiosos em vantagem, em
relação aos colonos leigos, levando à ruína os seus minguados comércios, incapazes de
competir em igualdade com os colonos missionários.

ANTIGAS UNIDADES DE PESO E MEDIDA – Alqueire = 36,3 kg; Arroba = 14,7 kg;
Canada = 2,64 litros; Vara = 1,10 metros.

.
Núcleos Coloniais e População

Os dados quantitativos disponíveis sobre as povoações coloniais portuguesas da


Amazônia são ainda bastante precários para que se possa compor um quadro mais
completo da sociedade amazônica colonial de meados do século XVIII. No entanto,
podemos estimar, que nesse tempo, a região possuía apenas nove povoações de brancos,
propriamente ditas, e mais de sessenta e três aldeamentos indígenas administrados por
missionários das diferentes ordens.
Supõe-se que em cada aldeamento missionário havia uma quantidade de índios
que às vezes ultrapassava a casa das 800 almas, e que em nenhum teria menos de
cinqüenta. Estimava-se uma média de 475 por aldeamento, perfazendo um total de cerca
de 30.000 índios aldeados.
Colin MacLachlan, a partir dessas cifras, analisando o contexto, chegou a outros
números para a Amazônia nesse período: desses 30.000, menos de ¼ tinham sido
assentados em áreas remotas e deveriam, ser excluído do centro de trabalho. Dos
restantes, aproximadamente 60% estariam na faixa etária de 13 a 50 anos. Assim, a
força de trabalho, incluindo homens e mulheres, totalizava 13.500. Desse subtotal,
somente a metade, ou 6.750, estariam disponíveis por vez, isto é, para serem alugados
para os moradores. A outra metade estaria retida nas povoações ocupadas com o serviço
real e cultivando as roças de subsistência.
Cotidiano da Colônia

A vida nos núcleos colônias da Amazônia da primeira metade do século XVIII,


em geral, sofria de uma pobreza endêmica como no século anterior, não havia nem
mercado, nem loja, nem serviçais de condição livre que mediante salário se pudesse
contratar. Por exemplo, numa descrição de 1735 sobre o cotidiano de São Luís, capital
do Estado do Maranhão e Grão-Pará, o governador José Serra (1732-1737), afirmou que
ali estava longe de se constituir uma República, porque as pessoas não viviam em
comum, mas em particular, tendendo para auto-suficiência. Cada casa, seja ela, de um
simples morador ou de um alto funcionário público, se bastava em serviços: tinha
pedreiro, carpinteiro, barbeiro, sangrador e pescador.
A falta de moeda concorria para essa situação, pois não estimulava o comércio
varejista, o que redundava em privações da oferta de serviços e mercadorias. Não havia
ali, pessoas interessadas em vender sua força de trabalho e, nem besta para se alugar.
Cavalos existiam, mas não se transportava nada neles, por falta de albarda; bois
também, mas não se serve por falta de adegão e de um carreiro de lhes fizessem carros
para serem por eles puxados. Tudo tinha que ser carregado na cabeça dos índios; os
cavalos andavam sem ferraduras, porque não havia ferradores e, se forem utilizados
como animal de carga certamente ficariam aleijados, mancos, adoeceriam e morriam em
seguida. Todos andam à solta, sem haver um só, que se recolha à estrebaria.
Esse quadro poderia ser reproduzido em todos os demais núcleos coloniais.
Apenas Belém parecia destoar dessa situação, pois se apresentava com melhores
condições, se comparada dentro dos parâmetros sócio-econômico da Amazônia.

ALBARDA – “Sela grosseira, enchumaçada de palha, para besta de carga”.

Cf. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.

Povoamento e Despovoamento

A disciplina européia e o aumento intensivo da jornada de trabalho imposta aos


índios da Amazônia – que pode aqui ser ilustrada pela escravidão – concorreram para a
gestação de uma série de modalidades de resistência indígena ao domínio do branco
colonizador, tais como as fugas, as deserções e as rebeliões. Essas atitudes políticas dos
índios, na maioria das vezes, provocavam o esvaziamento dos núcleos coloniais.
Na primeira metade do século XVIII, podia ser percebida essa situação, pois as
povoações apresentavam um quadro de progressiva diminuição demográfica, como
resultado das mazelas da colonização.
Para completar esse processo de despovoamento e abandono, uma epidemia de
varíola assolou por sete anos (1743-1750) a região. O flagelo começou em Belém e se
propagou pelo interior. Em 1750 apurou-se que as maiores vítimas foram os índios que
viviam nas aldeias dos missionários, cerca de 20.000, sem contar com os óbitos das
inumeráveis fazendas da Capitania do Pará, nem das vilas de Vigia, Caeté e Cametá e as
mais pessoas dispersas pelo sertão, chegando a um total de 40.000 mortos em todo o
Estado.
João Lúcio de Azevedo comentou a situação da Amazônia de meados do século
XVIII com as seguintes palavras: esta medonha provação, caindo sobre as populações
indígenas, dizimadas por mais de um século de guerras, cativeiro de hecatombe de toda
a sorte, vinha a ser cabal ruína dos colonos. Por ausência de obreiros, as colheitas
perdiam-se na terra, o solo arroteado transformava-se em baldio, e as cobiçadas drogas
do sertão corrompiam-se ao abandono na mata. A farinha de mandioca, sustento
ordinário de todos, triplicou de preço. Diminuíram as rendas públicas e faltavam índios
para o Serviço Real, por isso foi necessário recorrer ao escravo africano.
Em suma, no período de 1743 a 1750 morreram vitimados por uma epidemia de
varíola cerca de 40.000 índios aldeados, dos 50.000 estimados em todo o Estado do
Maranhão e Grão-Pará, antes do início do flagelo.

Ordens Religiosas

As atividades das ordens religiosas na Amazônia do período colonial foram


realizadas por determinação da Coroa portuguesa. Os missionários, que eram uma
espécie de funcionários do Estado português, atuaram na catequese espiritual dos índios,
o que facilitou, em muito, a penetração e a expansão territorial lusitana na região. De
certa forma, livres dos ataques indígenas, os portugueses consolidaram a colonização da
Amazônia.
Atuaram, no período colonial, membros de quatro ordens religiosas: os
franciscanos, os carmelitas, os jesuítas e os mercedários. Os franciscanos se
desdobravam em três ramos: franciscanos da Província de Santo Antônio; franciscanos
da Província da Piedade; e franciscanos da Província da Conceição da Beira e Minho.

Os Franciscanos

Os franciscanos da Província de Santo Antônio chegaram a Belém em 1618, mas


já estavam há mais tempo no Maranhão. Os da Província da Piedade e da Província da
Conceição da Beira e Minho chegaram a Belém nos anos de 1693 e 1706,
respectivamente.
Esses missionários, até o século XVIII, administraram cerca de 26 aldeamentos
indígenas distribuídos por diversas áreas do baixo Amazonas: ilha do Marajó, região
entre a margem esquerda do rio Amazonas e a fronteira da Guiana Francesa, adjacências
de Gurupá, distritos do Amazonas até Nhamundá, inclusive Xingu e Trombetas.

Os Jesuítas

Antes mesmo de ter iniciado a colonização da Amazônia, os jesuítas já tinham se


apresentado na parte norte da América portuguesa. Em 1607, estiveram na serra de
Ibiapaba, no Ceará, sob a liderança do padre Luís Figueira. Outros chegaram a São Luís
nos anos de 1615, 1622 e em 1636 e 1643 chegaram até Belém. Mas a obra missionária
dos jesuítas, propriamente dita, iniciou-se com a chegada do padre Antônio Vieira na
Amazônia, em 1653. Essa obra, que passou por várias fases, perdurou até 1759, quando
foram expulsos definitivamente da Amazônia e de todos os domínios de Portugal.
No tempo do padre Vieira, os jesuítas defenderam veementemente a liberdade
dos índios, o que lhes custou duas expulsões da região (1661 e 1684). Esses atos foram
liderados por colonos leigos descontentes com a política indigenista que praticavam.
A partir de fins do século XVII, atuaram como administradores espirituais e
temporais em cerca de 19 aldeamentos indígenas ao longo do rio Amazonas, pela
margem direita e seu sertão sul, no trecho compreendido do delta do rio até a região do
Madeira.
Os Carmelitas

Os primeiros carmelitas chegaram a Belém em 1627. Esses missionários


administraram todos os aldeamentos indígenas do Solimões a partir do início do século
XVIII, quando os portugueses expulsaram os espanhóis da região. Administraram
também os aldeamentos dos rios Negro e Branco. A muitos desses núcleos coloniais
foram transformados em vilas ou lugares, que atualmente são cidades-sede de
municípios do Estado do Amazonas.
Alguns dos aldeamentos missionários do Solimões administrados pelos
carmelitas, foram fundados em fins do século XVII e início do XVIII, pelo padre
Samuel Fritz, jesuíta a serviço do governo espanhol, destaca-se: São Paulo de
Cambebas, Castro de Avelães, Tefé etc.

Os Mercedários

Os missionários espanhóis da ordem de Nossa Senhora das Mercês chegaram a


Belém, com a expedição de Pedro Teixeira, em 1639, oriundos do Vice-reino do Peru.
Administraram uns poucos aldeamentos no delta do Amazonas, mas atuaram,
principalmente, na porção territorial que compreende o rio Urubu até o baixo rio Negro.

Imagem 23.

Igreja e Praça de N. S. das Mercês, em Belém. Reproduzida de Alexandre Rodrigues


Ferreira, obra citada, 1971 (Geografia, prancha 4).

Legislação e Trabalho Indígena

Até meados do século XVIII, a economia amazônica era fortemente


caracterizada pela atividade extrativista, com utilização exclusiva da força de trabalho
indígena. Dos índios dependiam não só a extração das drogas do sertão como também
outras atividades voltadas para a vida cotidiana dos colonos e da Coroa portuguesa.
Eram os índios: remeiros, guias, agricultores, pescadores, caçadores, carregadores,
amas-de-leite, farinheiras, defensores dos núcleos coloniais, construtores de engenhos,
de casas, de fortalezas e demais serviços. Em suma, eram os índios os pés e as mãos da
colônia como foram considerados, no século XVII, pelo padre Antônio Vieira.

“Ciranda Legislativa”

A força de trabalho que dinamizava a vida econômica da Amazônia colonial


vinha de três fontes principais: dos descimentos, dos resgates e das guerras justas.
Essas modalidades de recrutamento de mão-de-obra indígena foram disciplinadas por
uma série de instrumentos legais ao longo do período colonial. Aqui resumiremos
algumas das principais que vigoraram até 1755:
A Lei de 10 de setembro de 1611 instituiu o “sistema de capitães de aldeia”, isto é,
as aldeias de repartição passaram a ser administradas por colonos leigos; legalizou a
escravidão indígena; disciplinou as operações de descimentos, de resgates e das guerras
justas; e determinou, ainda, que o tempo total de escravidão de cada índio seria de 10
anos.
A Decisão de 29 de setembro de 1626, decretada pelos colonos reunidos em junta
de dignitários e eclesiásticos no Maranhão – com franca violação às ordens régias –,
decidiu que os escravos indígenas, cujo custo excedesse o valor de cinco machados,
deveriam ser escravizados por toda vida e não por 10 anos como determinava a lei
anterior. Além desses, para quem se esgotasse o tempo legal da escravidão, passavam à
categoria de forros, mas submetidos aos serviços dos colonos.
O Alvará de 10 de novembro de 1647 extinguiu as administrações dos índios do
Maranhão, à vista dos abusos cometidos; e dispôs que os índios pudessem servir e
trabalhar com quem lhes parecesse e melhor lhes pagasse pelo seu trabalho,
estabelecendo, dessa forma, um mercado livre de trabalho.
A Provisão de 29 de maio de 1649 decretou que nenhum índio seria obrigado a
servir sem salário; e os que trabalhassem nos canaviais, beneficiamento de tabaco e
lavoura penosa poderiam ausentar-se livremente; e os brancos que violassem, ficavam
sujeitos à pena de degredo por quatro anos e multa de 500 cruzados.
A Provisão de 17 de outubro de 1653 estabeleceu as regras a serem observadas
para a verificação do “cativeiro justo” dos índios, precedido de “justa guerra”. Para tal,
determinou que os oficiais das câmaras do Pará e do Maranhão, junto com um
desembargador sindicante, examinassem quais dos índios cativos até aquela época,
legitimamente o eram. Com essa legislação ampliaram-se excessivamente os critérios
legais para a realização de resgates e guerras justas.
A Provisão de 9 de abril de 1655 entregou aos religiosos da Companhia de Jesus
a administração dos aldeamentos indígenas.
A Provisão de 12 de setembro de 1663 decretou que nenhuma ordem religiosa
tivesse jurisdição temporal no governo dos índios, o qual caberia aos Principais.
Devolveu aos colonos, através do Senado, o controle sobre os índios.
A Lei de 1.º de abril de 1680 mandou processar os que cativassem índios e pôr em
liberdade os índios cativos. Em caso de guerra ofensiva ou defensiva, os índios seriam
tidos como prisioneiros de guerra e só governador os poderia repartir pelas aldeias dos
índios livres. Por quatro anos a escravidão indígena esteve abolida na Amazônia, e a
administração dos índios voltou a ser dos padres da Companhia de Jesus. Porém, em
1684 os colonos leigos se revoltaram contra essas determinações legais, culminando
com a conhecida “Revolta dos Irmãos Beckman” e na segunda expulsão dos jesuítas.
O Regimento das Missões de 21 de dezembro de 1686 formou a carta básica para
o trabalho missionário e para o fornecimento da mão-de-obra indígena do Estado do
Maranhão e Grão-Pará até a secularização das missões, pela Coroa portuguesa, em
1755-1757. Fixou o tempo de serviço dos índios fora das aldeias em quatro meses no
Maranhão e seis no Pará. O salário dos índios retirados das aldeias era pago a metade no
início e a outra metade no final dos trabalhos. Dois representantes dos colonos, eleitos
pela Câmara, tomaram assento ao lado do governador e do prelado dos índios na
repartição dos índios. As aldeias deviam fornecer as índias farinheiras e as amas-de-leite
para os brancos. Os jesuítas tinham a obrigação de cuidar da população das aldeias e de
recorrer aos descimentos para remediar a escassez de mão-de-obra.

Imagem 24.

Frontispício do Regimento das Missões do Estado do Maranhão e Pará, 1686.


Reproduzido do Boletim de Pesquisa da Cedeam, N.º 3, Manaus, Universidade do Amazonas,
1983.

O Regimento manteve-se a liberdade dos índios, mas foi emendado pelo Alvará
de 28 de abril de 1688, que novamente instituiu a escravidão indígena. Finalmente, a
Carta Régia de 1689 permitiu os aldeamentos de índios por particulares.

Recrutamento da Mão-de-Obra Indígena

Como já foi dito, a força de trabalho que dinamizava a vida econômica da


Amazônia colonial vinha de três fontes principais: dos descimentos, dos resgates e das
guerras justas.
Os Descimentos, teoricamente, eram operações de descidas dos índios de suas
aldeias de origem para se estabelecerem nos núcleos coloniais portugueses, geralmente
dirigida por um missionário, que com uma tropa, ia aos sertões persuadi-los da
conveniência de viverem com gente civilizada. Porém, diante de uma negativa por parte
dos índios, a atitude persuasiva dos brancos tornava-se coercitiva, obrigando-os pela
força bruta e pelo terror a aceitarem essa conveniência compulsória, as quais muitas
vezes acabavam em carnificina. Portanto deixa de ser um descimento, propriamente
dito, para se tornar numa verdadeira operação de guerra.
Os índios descidos para os aldeamentos missionários ou civis, em geral, seriam
repartidos para os próprios missionários, para os moradores leigos e para os serviços de
Sua Majestade, pelas suas jornadas de trabalho recebiam um salário passando dessa
forma à categoria de índios livres ou índios aldeados.
Normalmente se diz que as operações descimento eram realizadas pelo
convencimento, pela persuasão, isto é, foram levados a crer e aceitar o que os
portugueses lhes propunham pura e simplesmente. Na realidade os índios não foram
convencidos de forma unilateral, pois eles entendiam que tirariam algum partido dessa
situação, isto é, os índios de uma forma ou de outra, também usaram os portugueses em
seus interesses políticos.
Os Resgates eram realizados por tropas militares, introduzidas na colônia, para
esse fim, pela Lei de 1611. Por essa legislação, os índios a serem resgatados seriam os
chamados “índio de corda”, isto é, aqueles índios feitos cativos durante as guerras
intertribais, que estivessem presos e amarrados, e que estivessem prontos para serem
comidos pelos seus inimigos vencedores da guerra. O resgate se daria através da troca
do prisioneiro por mercadorias ocidentais: era a permuta amigável em vez do rapto, mas
nem por isso menos violenta. Em retribuição ao seu “salvador”, o índio resgatado
poderia ser escravizado inicialmente por um período de 10 anos; depois, com a mudança
da legislação, por toda a vida.
A tropa de resgate, em princípio, era uma empresa pública custeada pela Fazenda
Real e organizada pelo governador, e depois pela Câmara que designava o chefe da
expedição e o repartidor de índios. Depois, passou a se constituir também como
iniciativa privada. Nos dois casos, além do efetivo armado, seguia também com a
expedição um missionário, que zelaria pela legitimidade dos resgates.
A doutrina da Guerra Justa remonta ao século XIV, quando o franciscano Álvaro
Pais – seu precursor em Portugal – a definiu em função de vários fatores: a) se
preexistisse uma injustiça por parte do adversário; b) se fosse conduzida com boas
intenções (não seria justa a guerra que fosse movida pela ambição, pelo ódio ou pela
vingança); c) se fosse declarada por uma autoridade competente (um príncipe ou a
Igreja católica).
Esse conceito já bastante antigo e controverso foi motivo de acirradas discussões
a partir do século XVI, as quais não cabem aqui reproduzi-las, devido à natureza deste
livro.
Na América portuguesa, as causas legítimas das guerras justas seriam a recusa dos
índios gentios à conversão ao Cristianismo; o impedimento da propagação da Fé; a
prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses (especialmente a
violência contra pregadores do Santo Evangelho). Porém, na esteira dessas justificativas
“legítimas”, que na realidade eram apenas subterfúgios, faziam-se prisioneiros para
serem vendidos como escravos nos centros urbanos, como Belém e outras povoações
coloniais.
Portanto, a guerra justa funcionava como uma das fontes da escravidão indígena.
Por exemplo: o tenente-coronel Pedro da Costa Favela e o sargento-mor Antônio Costa,
em 1665, com uma tropa de guerra invadiram o rio Urubu em represália a um conflito
anterior, no qual os portugueses haviam sido infelizes. A tropa de Favela incendiou 300
aldeias, assassinou 700 índios e cativou 400 que foram arrastados às cadeias de Belém.
Os resgates e as guerras justas que transformavam índios tribais em escravos
foram proibidos a partir do governo de Pombal. Os descimentos continuaram, mas os
índios aldeados passaram a ser considerados “vassalos d’El Rey”, isto é, passaram ser
cidadão de Portugal, com os mesmos direitos e deveres dos brancos. Isso nas leis.

ALDEADOS E TRIBAIS – Índios Aldeados ou Reduzidos – consideramos os indígenas que já


estavam fora de suas aldeias de origem – por descimentos ou outras formas de recrutamento – e
que se encontravam misturados com outras etnias, nos aldeamentos próximos ou nos próprios
núcleos coloniais administrados por agentes leigos ou religiosos do Estado português. Portanto já
iniciados na fé cristã e portadores de alguns elementos da cultura ocidental.

Índios Gentios ou Índios Tribais – eram os indígenas que na época não tinham qualquer
relação com os colonizadores, ou que ainda estavam travando os seus primeiros contatos com os
portugueses. Portanto, índios que estavam na periferia da chamada civilização ocidental. Para os
colonizadores e os dicionários antigos e modernos, “gentio” é aquele que professa a religião
pagã, idólatra, bárbaro, selvagem, gente baixa, e outros adjetivos similares.

SANTOS, Francisco Jorge dos. Além da Conquista. 2002, p. 24 e 26.

Colonos Versus Colonos

A obra de irradiação sertanista, que desencadeou os conflitos entre índios e


colonizadores na Amazônia, foi executada por vários agentes europeus, os quais, ao
contrário do que parece, não se confrontaram somente com os nativos, mas também
entre si. De modo geral, poderíamos considerar o seguinte esquema para todo o período
colonial, principalmente para o período anterior à administração pombalina:

1). Os portugueses enfrentaram os ingleses, irlandeses, franceses, holandeses e


espanhóis, tanto pela posse de domínios territoriais quanto pelo controle dos índios;
2). Os portugueses entraram em choque com os povos indígenas, estes resistindo à
penetração sertanista, e aqueles impondo tal ação, desmontando os modos da vida
cultural milenar dessas populações;
3). Outra luta que pôde ser percebida no interior do segmento lusitano na Amazônia,
foram as contendas entre colonos missionários e colonos leigos, que podem ainda ser
desdobradas na disputa entre os seguintes agentes coloniais: “moradores” versus
missionários; missionários versus autoridades reais; e autoridades reais versus
“moradores”. No interior das ordens religiosas também aconteceram convulsões:
jesuítas versus carmelitas, versus mercedários etc.

Imagem 25.
Padre Antônio Vieira. Litografia idealizada (Arquivo Ultramarino Histórico, Lisboa).
Reproduzida de Joaquim Veríssimo Serrão. História de Portugal (1640-1750). Vol. V. 2.a edição.
Lisboa: Verbo, 1980, p.177-A.

“Os Índios, o Único Remédio...”

É importante afirmar que todos esses níveis de conflito tinham um objetivo


comum, que era o controle absoluto da força de trabalho indígena. Em meados do
século XVII o padre Antônio Vieira fez diversas afirmativas nesse sentido, por
exemplo: “serem os índios o único remédio e sustento dos moradores, que sem eles
pereceriam”. Avaliando o descimento dos índios Pacajás e Pirapés, em carta destinada
ao rei de Portugal, D. Afonso VI, foi categórico:

“Estas, Senhor, são as minas certas deste Estado, que a fama das de ouro e prata sempre
foi pretexto com que de aqui se iam buscar as outras minas, que se acham nas veias dos
índios, e nunca as houve nas da terra”. O mesmo jesuíta, em outra ocasião, referindo-se
às misérias do Maranhão teria dito que “cativar índios e tirar de suas veias o ouro
vermelho foi sempre a mina daquele Estado” (VIEIRA, Antônio, 2003, p. 465).

Essa constatação também foi feita novamente cerca de um século depois, pelo
padre João Daniel. Disse o jesuíta: “Sabem todos os europeus moradores do Amazonas,
e o dizem publicamente que os nervos daqueles estados são as missões dos índios”.
Esses depoimentos evidenciam categoricamente que toda a produção da
Amazônia era realizada pelo trabalho indígena.

Loteamento Missionário

Os embates entre os colonizadores pelo controle da força de trabalho indígena,


também podem ser observados a partir das inúmeras leis elaboradas pela Coroa
portuguesa, que promulgava, revogava, transigia ao sabor das paixões em voga. Foi
necessário ser elaborada uma outra série de leis (1687, 1693, 1694, 1707, 1714 e 1715)
para pôr termo os ânimos das diferentes ordens religiosas, isto é, foi preciso promover
um loteamento da Amazônia para definir o espaço de ação de cada uma das instituições
religiosas. Apesar desse loteamento do espaço amazônico colonial, não foi conseguida a
paz almejada. Os conflitos continuaram, pois algumas dessas ordens religiosas sentiram-
se prejudicadas com a divisão e fixação.

Quadro 4 – ALDEAMENTOS MISSIONÁRIOS DA AMAZÔNIA NO SÉCULO XVIII


Ordem religiosa N.o Área de atuação, aproximada
Companhia de Jesus 19 Margem direita e o sertão sul do rio Amazonas
Carmelitas 15 Rios Negro e Solimões
Mercedários 03 Porção que compreende o rio Urubu até o baixo rio
Negro
Franciscanos da Província de 09 Núcleos da Ilha do Marajó
Santo Antônio
Franciscanos da Província da 07 Entre a margem esquerda do rio Amazonas e a fronteira
Conceição da Beira e Minho da Guiana francesa
Franciscanos da Província da 10 Redondezas de Gurupá, distritos do Amazonas até
Piedade Nhamundá, inclusive Xingu e Trombetas.
Fonte: Azevedo, 1999 e Reis, 1942.

Imagem 26.

Prospecto da Aldeia de Pedreira, no rio Negro. Gravura de J. André Schwebel, c.1755.


Reproduzida de Marcos Carneiro de Mendonça. Amazônia na Era Pombalina (1751-1759). Tomo
II. IHGB, 1963, p. 628-A.
Leitura Complementar N.o 5
LIBERDADE E ESCRAVIDÃO INDÍGENA

“(...) declaro os gentios das ditas partes do Brasil por livres, conforme a direito, e seu
nascimento natural, assim os que forem já batizados e reduzidos à nossa Santa Fé Católica,
como os que ainda viverem como gentios, conforme os seus ritos e cerimônias, e que todos
sejam tratados e havidos por pessoas livres, como são, sem poderem ser constrangidos a serviço,
nem a coisa alguma, contra sua livre vontade; e as pessoas, que deles se servirem, lhes pagarão
seu trabalho, assim e da maneira que são obrigados a pagar a todas as mais pessoas livres”.
“Porém, sucedendo caso, que os ditos gentios movam guerra, rebelião e levantamento,
fará o Governador do dito Estado, Junta, com o Bispo, sendo presente, e com o Chanceler e
Desembargadores da Relação, e todos os Prelados das Ordens, que forem presentes no lugar,
aonde se fizer a tal Junta, e nela se averiguará, se convém, e é necessário ao bem do Estado,
fazer-se guerra ao dito gentio, e se ela é justa; e do assento, que se tomar, e me dará conta, com
relação das causas, que para isso há, para eu as mandar ver; e aprovando que se deve fazer a
guerra, se fará; e serão cativos todos os Gentios, que nela se cativarem”.
“E porque poderá suceder, que na dilação de se esperar minha resposta e aprovação,
sobre se fazer a guerra, haja perigo: hei por bem, e mando, que, havendo-o na tardança, e sendo
tomado assento pela dita maneira, que se deve fazer guerra, se faça, e execute o que se assentar
(dando-se-me contudo conta do assento, como fica referido); e os gentios, que se cativarem, se
assentarão em livro, que para isso se fará, por seus próprios nomes, e lugares donde são, com
declaração de suas idades, sinais e circunstâncias que houver em seu cativeiro; e as pessoas que
os cativarem, e a que pertencerem, os terão como cativos, sendo feitas as ditas diligências;
porque não as fazendo, o não serão; e com elas os não poderão vender, até eu ter confirmado o
assento que se tomar, sobre se fazer a tal guerra; e confirmando-o eu, poderão fazer deles o que
lhes bem estiver, como seus cativos, que ficarão sendo livremente; e não o confirmando, se
cumprirá o que sobre isso mandar.
“E porque tenho entendido que os ditos gentios têm guerras uns com os outros, e
costumam matar e comer todos os que nelas se cativam, o que não fazem achando quem lhe os
compre; desejando prover com remédio ao bem deles, e salvação de suas almas, que se deve
antepor a tudo; e considerando, como é certo, que nenhuma pessoa quererá dar por eles coisa
alguma, não lhe havendo de ficar sujeitos: hei por bem, que sejam cativos todos os gentios, que,
estando presos e cativos de outros para os comerem, forem comprados, justificando os
compradores deles, pelas pessoas que, conforme a esta Lei, podem ir a sertão com ordem do
Governador, que os compraram, estando, como fica dito, presos de outros gentios para os
comerem; com declaração, que, não passando o preço, por que os tais gentios forem
comprados, da quantia que o Governador com os adjuntos declarar, serão cativos somente por
tempo de dez anos, que se contarão do dia da tal compra; passados eles, ficarão livres, e em sua
liberdade; e os que forem comprados por mais, ficarão cativos, como dito é”.
“E pelo muito que convém à conservação dos ditos gentios, e poderem com liberdade e
segurança morar, e comerciar com os moradores das capitanias, e para o mais, que convier a
meu serviço, e benefício das fazendas de todo aquele Estado do Brasil, e cessarem os enganos e
violências, com que muitos eram trazidos do sertão: hei por bem, e mando, que o Governador
do dito Estado, com parecer do chanceler da Relação dele, e provedor-mor dos defuntos, nela
façam eleição das pessoas seculares, casados, de boa vida e costumes, que lhes parecerem mais
convenientes para serem capitães das aldeias dos ditos gentios, e que, podendo ser, sejam de boa
geração e abastados de bens, e que de nenhum modo sejam de nação; os quais capitães serão
eleitos na quantidade de aldeia, que se houverem de fazer, e por tempo de três anos, e o mais
que eu houver por bem, enquanto não mandar o contrário – e sendo eleitos, lhes darão ordem
para irem ao sertão persuadir aos ditos gentios desçam abaixo, assim com boas palavras e
brandura, como com promessas, sem lhes fazer força nem moléstia alguma, em caso, que não
queiram vir; para o que levarão outro de qualquer outra religião ou clérigo, que saiba a língua,
para assim os poderem melhor persuadir (...)”.
Trecho da Lei de 10 de setembro de 1611. BEOZZO, José Oscar. Leis e Regimentos das
Missões, política indigenista no Brasil. São Paulo, Loyola, 1983. Ortografia atualizada.

Indicações para Leitura


AZEVEDO, João Lúcio de (1999). Os Jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização.
Edição fac símile. Belém: Secult.

BEOZZO, José Oscar (1983). Leis e Regimento das Missões: política indigenista no Brasil. São
Paulo: Loyola.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. (1984). Economia e Sociedade em Áreas Coloniais Periféricas:


Guiana Francesa e Pará, 1750-1817. Rio de Janeiro: Graal.

DANIEL, Padre João (1976). Tesouro Descoberto do Rio Amazonas. Vols. I e II. Rio de
Janeiro: Biblioteca Nacional.

FREIRE, José Ribamar Bessa et alii (1994). A Amazônia Colonial (1616-1798). 5.ª Edição.
Manaus: Metro Cúbico.

LA CONDAMINIE, Charles-Marie de (1992). Viagem pelo Amazonas (1735-1745). Rio de


Janeiro / São Paulo: Nova Fronteira / Edusp.

MACLACHLAN, Colin (1973). “The indian labour structure in the Portuguese Amazon, 1700-
1800”. In: ALDEN, Daril (Org.). Colonial Roots of Modern Brazil. Berkley, University of
California Press, p. 199-230.

PERRONE-MOISÉS, Beatriz (1992). “Índios livres e índios escravos”. In: CUNHA, Manuela
C. (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Cia. da Letras / Fapesp.

REIS, Arthur C. Ferreira (1993). A Política de Portugal no Valle Amazônico. 2.ª edição. Belém:
Secult.

______ (1942). A Conquista Espiritual da Amazônia. São Paulo: Escolas Profissionais


Salesianas.

SANTOS, Francisco Jorge dos (2002). Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na
Amazônia pombalina. 2.a edição. Manaus: Edua.

SIMONSEN, Roberto C. (1978). História Econômica do Brasil (1500-1820). 8.ª Edição. São
Paulo: Cia. Editora Nacional.

VIEIRA, Padre Antônio (2003). Cartas do Brasil. São Paulo: Hedra. (Organização e Introdução
de João Adolfo Hansen).
UNIDADE II – AMAZÔNIA PORTUGUESA

Capítulo 6

Amazônia na Segunda Metade do Século XVIII

Capítulo 6

AMAZÔNIA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII


O Império colonial português, durante a primeira metade do século XVIII, sofreu
ameaças e perdas consideráveis na África e no Oriente. Na Índia as possessões
portuguesas estiveram sob grande ameaça, perdendo inclusive nos anos de 1737 e 1740
para os maratas, Baçaim e a fértil “Província do Norte”; Goa manteve-se portuguesa à
custa de onerosos socorros financeiros e militares anuais.
No Brasil havia os conflitos militares com os espanhóis, na parte sul de seus
domínios, e surtos de rebeliões como a guerra dos Emboabas, em Minas, e a dos
Mascates, em Pernambuco. Na Amazônia, problemas de fronteiras com os domínios
americanos da França e da Espanha e por vezes com a Holanda.

Portugal da Primeira Metade do Século XVIII


Durante o reinado de D. João V (1706-1750), Portugal desenvolveu uma imagem
melancólica em relação ao resto da Europa. Se se precisasse de um estereótipo de
superstição e atrasos quase sempre se recorria a ele. Em 1750, esse país contava com
um clero de cerca de 200.000 membros, para uma população de menos de três milhões
de habitantes. Pelo menos até o ano de 1761 ainda se queimava pessoa na fogueira. Por
volta de 1780, tinha 538 conventos e mosteiros. Era um país totalmente dominado por
sacerdotes, perdendo apenas para o Tibete.

Imagem 27.

“Maneira de Queimar Aqueles que Foram Condenados pela Inquisição”. Gravura da


obra Délices de L´Espagne et du Portugal, de Dom Juan Alvares de Colmenar, 1707.
Reproduzida de Joaquim Veríssimo Serrão. História de Portugal (1640-1750). Vol. V. 2.a edição.
Lisboa: Verbo, 1980, p.368-A.

Dependência Econômica

Economicamente, Portugal por todo o século XVIII, a foi marcada pela


dependência das matérias-primas e dos produtos tropicais, oriundos de suas colônias na
América, para o comércio de reexportação. Essa dependência ganhou maior impulso
com a descoberta do ouro no Brasil, cujas remessas aumentaram constantemente
durante a primeira metade desse século, vindo alcançar o seu apogeu no início da
década de 1750. Porém, essa riqueza foi consumida pelas suntuosas edificações
religiosas, e pelo pagamento do déficit da sua balança comercial, indo parar nos bancos
ingleses. Aliás, o ouro brasileiro proporcionou os meios para que a Inglaterra criasse
uma formidável marinha, estimulasse o desenvolvimento de importantes indústrias e
fomentasse a sua agricultura. O mesmo destino teve os diamantes descobertos em Minas
Gerais a partir de 1729: essa riqueza fluía para Lisboa e dali para Amsterdã.
Por outro lado, o mercado lusitano era um escoadouro garantido e lucrativo dos
produtos fabris ingleses, o que de certa forma preocupava Portugal, pois, de fato,
permitia que seus tesouros fossem usados contra si mesmo. A Inglaterra, por seu turno,
não tinha nenhum interesses numa melhoria da situação econômica portuguesa.

PORTUGAL PARA OS INGLESES – “Portugal existia somente para a Inglaterra. Estava, por
assim dizer absorvido por ela. Foi para ela que o vinho floresceu no Porto, que a árvore das
hespérides carregou-se com seus frutos dourados, que a oliva difundiu suas ondas doces e ricas;
foi para ela que o sol do Brasil endureceu o diamante no seio da terra e foi para ela que Portugal
tornou suas margens e seu solo inóspito para indústria”.

ABBÉ DE PRADT, 1822. Apud MAXWELL, Kenneth, 1996, p. 37.

Essa situação, porém, deve ser vista como um desdobramento da política de


recuperação econômica-financeira desenvolvida por Portugal para debelar a grave crise
que já se arrastava desde 1640. Portugal, na tentativa de contornar a difícil situação
procurou incentivar as manufaturas e exportação do vinho, único produto que
apresentava perspectivas de reduzir o déficit de sua balança comercial, para tanto, teve
ainda, que competir com a Espanha e a França, também produtores dessa mercadoria.
Portanto, foi nessa conjuntura que Portugal e Inglaterra assinaram o famoso
Tratado de Methuen (1703). Por esse acordo Portugal garantiu mercado para o seu
vinho na Inglaterra, e abriu-se para os produtos da nascente indústria têxtil inglesa. Vale
salientar que no momento da assinatura, o referido Tratado refletia uma consolidação de
interesses de ambas as nações.

Imagem 28.

D. João V, rei de Portugal. (Academia das Ciências de Lisboa). Reproduzida de Joaquim


Veríssimo Serrão. História de Portugal (1640-1750). Vol. V. 2.a edição. Lisboa: Verbo, 1980, p.
272-A.

Esse remédio, posteriormente, fez muito mal a economia portuguesa,


principalmente, porque enfraqueceu a indústria nacional e promoveu o escoamento do
ouro do Brasil para a Inglaterra.

Política de Recuperação do Reino

A escolha de determinado ano como início ou final de um processo histórico,


sugere uma atitude, no mínimo arbitrária. Entretanto o ano de 1750 tem um significado
especial para Portugal, e particularmente para a América portuguesa, por vários
aspectos: esse ano iniciou com a assinatura do Tratado de Madri, pelo qual se
reconheceu internacionalmente a expansão lusa a oeste de seus domínios originais na
América do Sul, que foram traçados em 1494, pelo Tratado de Tordesilhas; em meados
do ano ocorreu a morte do rei D. João V, e a ascensão de D. José I ao trono português.
O novo rei de Portugal elevou ao poder como seu ministro Sebastião José de Carvalho e
Melo, conde de Oeiras e depois marquês de Pombal, com ficou conhecido.
Durante o reinado de D. José I (1750-1777) ocorreu um conjunto de
transformações políticas e econômicas em Portugal que alterou significativamente o
quadro das relações coloniais. Influenciado pelo pensamento ilustrado que envolveu a
Europa no século XVIII, o todo-poderoso Pombal tratou de pôr em prática uma política
de recuperação nacional, com o objetivo de liberar Portugal da dependência inglesa e
promover uma ampla modernização nas instituições sociais, políticas e culturais até
então dominadas ideologicamente pela Igreja Católica. Paradoxalmente, a economia
permaneceu nos velhos moldes mercantilista.
No plano econômico geral, Pombal voltou-se para a revitalização da agricultura,
para a criação de companhias de comércio e para o fomento às atividades industriais. Na
América, implementou essas linhas gerais de ação acompanhadas de uma rigorosa
política fiscal; combateu a histórica rede de contrabando; preocupou-se com a definição
e consolidação das fronteiras territoriais; e deu atenção aos novos produtos agrícolas,
“na melhor linha da fisiocracia”.

Imagem 29.

Marquês de Pombal. Óleo de Louis Michael Van Loo, 1766 (Câmara Municipal de Oeiras).
Reproduzido de Kenneth Maxwell, Marquês de Pombal: o paradoxo de Iluminismo . Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1996.

Reformas Pombalinas

A política mercantilista, colocada em prática por Pombal, ao longo das décadas


em que exerceu o poder (1750-1777), deixou marcas profundas e duradouras nas áreas
coloniais do Império português. A Amazônia, que até então vinha se constituindo
em área nitidamente marginal nos quadros do sistema colonial, a partir dessas reformas
passou a ingressar mais efetivamente no espaço político-econômico português e a
receber a intervenção direta do governo. Conforme Ciro Flamarion Cardoso, Pombal
editou para a Amazônia diversas e significativas medidas, entre as quais cita-se:

1). Mudança na política relativa aos indígenas: proibiu o recrutamento da força de


trabalho nativa pelas tropas de resgate; os índios passaram a serem considerados livres,
assalariados e com os mesmo direitos dos brancos; as antigas missões passaram a serem
dirigidas por funcionários leigos do Estado, os diretor de índios;

2). Criação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão com as


finalidades de introduzir escravos africanos a crédito, dinamizar a agricultura e de
incrementar o comércio na região, além de promover o povoamento, através da
imigração de casais açorianos.

3). Expulsão dos jesuítas e a redistribuição de suas propriedades entre militares e


particulares, através de doação ou leilão;

4). Reformulação e ampliação da incipiente máquina administrativa: criou o Estado do


Grão-Pará e Maranhão (1751), depois o transformou no Estado do Grão-Pará e Rio
Negro (1772), com sede em Belém; criou a Capitania de São José do Rio Negro (1755),
com sede em Barcelos; e transformou as antigas missões em vilas e lugares, com novas
denominações lusitanizadas.

A responsabilidade de colocar em prática essas novas orientações político-


administrativas ficou ao encargo, num primeiro momento, do governador e capitão-
general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado,
irmão materno de Pombal.

* * *

A Companhia funcionou durante mais de vinte e dois anos (1755-1778),


introduziu mais de 14 mil escravos africanos, incentivou a cultura do café, do cacau, do
arroz e outras. Porém, o monopólio e os privilégios puseram na ruína comissários e
armadores de navios que mantinham o tráfico da metrópole com o Pará e com o
Maranhão, como também pequenos negociantes estabelecidos na colônia.
Instrumentos Legais

Os instrumentos legais para a viabilização dessas medidas foram, entre outros,


os seguintes:

a). Alvará de Lei, de 4 de abril de 1755, que autorizou os brancos a se casarem com as
índias. Como prêmio seriam portadores de alguns privilégios;

b). Lei de 6 de junho de 1755, que restituiu aos índios a liberdade de suas pessoas, bens
e comércio;

c). Alvará com força de Lei de 7 de junho de 1755, que cassou o poder temporal dos
missionários sobre os índios da Amazônia e ordenou que os administradores das aldeias
fossem os seus próprios Principais, isto é, pelos próprios chefes indígenas. Dispôs,
também, para que fossem designados para juizes ordinários, vereadores e oficiais de
justiça das vilas, os índios naturais delas;

d). Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão,
enquanto Sua Majestade não mandar o contrário, de 3 de maio de 1757, que propunha
alterações na política indigenista, até então vigente na Amazônia;

e). Alvará de 17 de agosto de 1758, que confirmou o Diretório que se deve observar nas
povoações dos índios do Pará e Maranhão, enquanto Sua Majestade não mandar o
contrário, de 3 de maio de 1757. O referido Alvará determinava que o Diretório fosse
também aplicado nas povoações indígenas do Estado do Brasil.

f). Lei de 3 de setembro de 1759, que ordenou a expulsão dos religiosos da Companhia
de Jesus de todos os domínios do reino de Portugal, assim como o confisco de todos os
seus bens.

A Lei de 7.6.1755, ao extinguir a administração temporal dos aldeamentos


indígenas, exercida pelos missionários, mandava que os mesmos fossem governados
pelos seus respectivos Principais. Entretanto, Mendonça Furtado, considerando esses
índios ainda incapazes para se governarem no estilo ocidental, instituiu a figura do
diretor de índios. Esse funcionário deveria ser dotado de bons costumes, zelo,
prudência, verdade e ser conhecedor da língua portuguesa.

Governo Mendonça Furtado

Francisco Xavier de Mendonça Furtado (1700-1769) foi nomeado governador e


capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, em 5 de julho de 1751. Chegou a
São Luís no mesmo ano, de onde seguiu para Belém, capital do Estado. No ano seguinte
foi nomeado principal comissário e ministro plenipotenciário das demarcações de
limites das fronteiras da parte norte da América portuguesa com os domínios coloniais
da Espanha, de acordo com o Tratado de Madri, de 13 janeiro de 1750. Ficou no
governo colonial até 1759, quando voltou a Lisboa para assumir as funções de secretário
de Estado adjunto do conde de Oeiras, e a partir de 1762, de secretário de Estado da
Marinha e Negócios Ultramarinos.
Imagem 30.

Francisco Xavier de Mendonça Furtado. Detalhe da Pintura do teto da Sala da Concórdia


no Palácio Pombal. Oeiras, Instituto Nacional de Administração. Reproduzida da foto de Laura
Castro Caldas e Paulo Cintra. Apud Isabel Vieira Rodrigues. In: Oceanos. N.º 40, Lisboa, 1999.

Política e Administração

Nesse governo se iniciou um processo de reformas com base na filosofia


ilustrada em voga na época, as quais refletiram no modo de administrar na colônia, na
sociedade, na economia e na cultura, com repercussões na reavaliação da importância
dos índios como força de trabalho e como guardiões dos domínios lusitanos, na
centralização e no aumento de poder dos órgãos governativos. Esse governo
implementou na Amazônia colonial uma série de medidas legislativas. Entre elas estão
as que trataram do reconhecimento e liberdade dos índios aldeados, passando a serem
súditos de Sua Majestade, com pleno direito e em pé de igualdade com os naturais do
Reino; do incremento da política de casamento misto entre os brancos e as índias; da
abolição da administração temporal das ordens religiosas; da administração dos
povoados indígenas, que passou a ser feita por entidades leigas, que deveriam nortear as
suas ações pelo Diretório que se deve observar nas povoações de índios do Pará e
Maranhão de 1757.
No plano econômico, o governo de Mendonça Furtado visava promover a
substituição de uma economia extrativista incipiente, que beirava a subsistência, por
uma economia baseada na produção agrícola e pecuária que permitisse a subsistência da
população interna e também garantisse o abastecimento de contingentes em trânsito —
principalmente os ligados às demarcações — bem como a exportação de produtos
tropicais, muito queridos nos mercados da Europa.
Nesse empreendimento, a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão, criada em 1755, exerceu um papel fundamental no tráfico de escravos
africanos, devido ao esgotamento do contingente da força do trabalho indígena,
minguada pelos séculos escravidão e pelas epidemias européias. A Companhia
incentivou a realização de experiências agrícolas, introduziu o arroz branco,
incrementou o cultivo do café, da cana-de-açúcar, do tabaco, do cacau e do anil,
impulsionou a tiragem de madeiras e de drogas do sertão, o que concorreu para a
inserção da Amazônia no comércio atlântico.

Odisséia no Rio Negro

Além do governo do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Mendonça Furtado


assumiu também a responsabilidade da execução da parte prática do Tratado de Madri.
Esse tratado foi assinado em 13 de janeiro de 1750, por Portugal e Espanha, com o
objetivo de definir as fronteiras dos domínios territoriais lusitanos e espanhóis na
América. Coube ao governador a chefia das equipes técnicas das demarcações de
limites na Amazônia, para isso tendo que preparar as condições materiais para alimentar
e acomodar as comissões portuguesas e espanholas.
Os mantimentos para os membros da comissão lusa, uma parte, vieram de
Lisboa. O restante deveria ser produzido na colônia, o que foi feito com muitas
dificuldades, em vista de uma epidemia de varíola ter diminuído drasticamente a
população indígena aldeada, o que concorreu para uma consoante queda na
produtividade agrícola da região.
Quanto às acomodações, Mendonça Furtado mandou construir casas de
moradias e estabelecimentos militares em Mariuá. Para cumprir essa missão destacou,
adiantadamente, o sargento-mor Gabriel de Sousa Filgueira com seus oficiais e
soldados, que chegaram ao rio Negro antes da expedição propriamente dita.

Imagem 31.

Prospecto Aldeia de Mariuá, no rio Negro. Gravura de J. André Schwebel, c.1755.


Reproduzida de Marcos Carneiro de Mendonça, Amazônia na Era Pombalina (1751-1759). Tomo
II. IHGB, 1963, p. 628-B.

Outras dificuldades começaram a se definir por ocasião dos preparativos para o


deslocamento da expedição de demarcadores de Belém para o rio Negro: não havia
meio de transporte suficiente para conduzir a expedição, teve que ser ordenado a
construção de mais barcos; não havia mão-de-obra para os serviços das demarcações, os
missionários alegavam não existir nos aldeamentos índios suficientes para atender todas
as solicitações e ainda provocavam as deserções dos índios que estavam nesse serviço.
Por exemplo: os jesuítas levavam para Belém os índios e entregavam às autoridades,
passado uma média de 15 dias, alegando maus tratos fugiam, e os trabalhos ficavam
paralisados.
O governo, a princípio, ainda mandou perseguir os fugitivos, mas foi tarefa em
vã. Ao sentirem a presença dos soldados, estes se internavam pelos matos, frustrando,
dessa forma, o empenho do governo. Além do mais, as despesas com essas escoltas
estavam saindo por valor muito alto para Erário Real.
A viagem ao rio Negro foi adiada por várias vezes, por falta de abastecimento e
de índios remeiros; só conseguiu partir de Belém em outubro de 1754, com um estoque
mínimo de alimentos e esgotado financeiramente. Durante a viagem, muitos índios
remeiros abandonavam as canoas e sua reposição era difícil, pois por onde a expedição
passava foi encontrando diversas aldeias despovoadas, possivelmente a propósito; a
farinha que se ordenou que fosse produzida nas aldeias do seu trajeto era ridícula, às
vezes nada.

A Longa Espera

A expedição chegou a Mariuá no início de 1755, lá ficando por quase dois anos
à espera da comissão espanhola, que não apareceu. Nesse tempo guarneceu
militarmente o Solimões; instalou os Pesqueiros Reais, no Solimões, na boca do rio
Branco e em outros locais. Seguiu para o rio Madeira, visitou a aldeia de Trocano, a
qual, em 1.° de janeiro de 1756, elevou à categoria de Vila com a denominação de
Borba, a Nova. Essa foi, portanto, a primeira vila da recém-criada Capitania do Rio
Negro. O administrador da aldeia, o jesuíta Anselmo Eckart, foi afastado do cargo e
substituído por um oficial militar.
Mendonça Furtado aplicou, em Borba pela primeira vez, a Lei de 7 de junho de
1755, que extinguia a administração temporal dos aldeamentos indígenas exercida pelos
missionários. Foi elaborado para essa Vila um Regulamento, em 6 de janeiro de 1756, o
qual foi extensivo às demais. Esse documento serviu de base para a elaboração do
Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão,
enquanto Sua Majestade não mandar o contrário, de 3 de maio de 1757.
Em fevereiro voltou a Mariuá, onde ainda aguardou a comissão espanhola que
acabou não chegando. Com a saúde abalada em novembro de 1756 Mendonça Furtado
retornou a Belém, deixando as instruções das demarcações com o sargento-mor Gabriel
de Sousa Filgueira, para o caso do plenipotenciário espanhol, D. José de Iturriaga,
aparecer. Outro motivo que reclamava a presença do governador na capital, seria o de
início ao processo de execução das leis que afastariam os missionários da direção dos
aldeamentos indígenas e a liberdade dos índios.
O governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado experimentou duas
importantes rebeliões indígenas no rio Negro: a Revolta do rio Marié, um conflito entre
índios e portugueses por ocasião de uma operação de descimento, em 1755; e a
Rebelião dos índios Manaus levante em três povoações da região, em 1757, que foi
sufocado por tropas militares. Esses acontecimentos foram documentados tanto pela
administração colonial quanto pelos viajantes da época.

Diretório dos Índios

O Diretório dos índios, idealizado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado,


em seus 95 parágrafos, propõe alterações profundas na política indigenista até então
vigente na Amazônia. Aplica, regulamenta e, em alguns pontos, reforma a Lei de 6 de
junho de 1755, dispondo sobre a liberdade dos índios e abolindo as administrações
anteriores. Disciplinou os mais variados assuntos como o governo geral e civilização
dos índios; economia: políticas agrícola, fiscal, comercial e mão-de-obra; e
administração das povoações indígenas.

Imagem 32.

Frontispício do Diretório dos Índios, 1757. Reproduzido do Boletim de Pesquisa da


Cedeam, N.º 4, Manaus: Universidade do Amazonas, 1984.

Governo Geral dos Índios

Nas vilas, o governo temporal era exercido pelos juizes ordinários, vereadores e
oficiais de justiça e nos aldeamentos indígenas pelos Principais. Havendo, entretanto,
em cada povoação um diretor de índios “para dirigir com acerto os referidos índios
debaixo de ordens”, ao missionário seria confiado, apenas direção espiritual.

Civilização dos Índios

O uso da língua materna de cada nação indígena aldeada era proibido, bem como
da língua geral, o que obrigou ao uso da língua portuguesa; os índios passaram,
obrigatoriamente, a usar sobrenomes semelhantes aos das famílias de Portugal, a
construir moradias no estilo dos brancos; tornou obrigatório aos índios se vestirem
como os brancos, principalmente as mulheres; e instituiu escolas separadas para
meninos e meninas.

LÍNGUA GERAL / NHEENGATU “Nheengatu (“fala boa”), cuja normatização foi elaborada
pelos jesuítas a ponto de ser chamada também de “tupi jesuítico”, apesar de “sensivelmente
distanciado das línguas tupis naturais” (...) exerceu a função inicial de língua de comunicação
entre portugueses os diferentes povos Tupi que ocupavam a costa do Salgado e o baixo
Amazonas. Mas a esta função se foram acrescentando outras no processo histórico de sua
expansão. (...) como idioma oficial das missões da Amazônia, passou a ser ensinado com uma
certa sistematização aos índios de diferentes famílias lingüísticas estocadas nas aldeias de
repartição”.

FREIRE. José Ribamar Bessa, “Da Fala Boa ao Português na Amazônia Brasileira” Ameríndia,
Paris, 1983. p. 49 e 51.

Economia: agricultura, tributo, comércio, força de trabalho e salário

Deu destaque à agricultura de exportação (algodão e o tabaco); incentivou as


roças de mandioca para o sustento dos índios e para abastecimento dos lugares, vilas e
cidades. Os índios deviam, ainda, plantar feijão, milho, arroz, para animar os moradores
a continuar no importante comércio das drogas do sertão.
Tributou toda a produção dos índios, cultivada ou coletada, em dez por cento,
isto é, eram obrigados a pagar o dízimo do que produziam para a Fazenda Real, onde o
diretor era o responsável pela cobrança. Instituiu os salários dos diretores, pagos pelos
próprios índios, cujo valor correspondia à sexta parte de toda produção destinada ao
comércio. Não entrava nesse cômputo o que produziam para a subsistência de suas
famílias.
Promoveu a liberdade de comércio em todas as povoações e padronizou os pesos
e medidas, devendo esses ser aferido nas respectivas câmaras de cada povoado.
Definiu critérios para a obtenção dos lucros: as localizações próximas ao mar ou
às margens dos rios passaram a dedicar-se às feitorias de salgas de peixes destinados ao
comércio; nos povoados, em áreas próximas, onde abundavam as drogas do sertão, os
diretores conduziam os índios para este ramo de negócio; a coleta das especiarias do
sertão era feita com os índios que já tivessem terminado de cultivar suas roças. O cabo-
das-canoas, pessoa encarregada de dirigir as expedições, devia ser portador de virtudes
como a fidelidade, a honradez e verdade, a fim de que não atuasse como no passado,
explorando o trabalho indígena em benefício particular.
Regulamentou a distribuição da mão-de-obra indígena nas povoações: o total de
índios aldeados era dividido em duas partes iguais: uma ficava retida na povoação, para
ser utilizada no Serviço Real e nas roças do comum (e muitas vezes na coleta das drogas
do sertão) enquanto que a outra parte era repartida entre moradores, para trabalharem na
extração das drogas do sertão e na agricultura comercial.
Estabeleceu critérios para o uso da força do trabalho indígena: os índios só eram
entregues aos moradores mediante portaria assinada pelo governador. A idade dos
índios para o trabalho ia dos 13 aos 60 anos. Quanto ao salário desses trabalhadores, era
de responsabilidade dos diretores, que deveriam receber de todos dividindo em três
partes, sendo que apenas uma delas devia ser entregue aos índios, deixando outras duas
em forma de depósito, pois, em caso de fuga ou deserção dos índios, seriam devolvidas
ao morador contratante.

DÍZIMOS – “(...) Os dízimos consistiam no pagamento da décima parte de todos os frutos


colhidos na colônia. Eram cobrados em virtude de antiga concessão da Santa Sé em favor da
Ordem de Cristo, pelos serviços por ela prestados na propagação da fé. Na realidade, tratava-se
de um imposto cobrado a favor da Coroa, visto o rei ser o grão-mestre da Ordem de Cristo. Em
troca, a Fazenda Real deveria pagar as despesas com o culto e a côngrua dos sacerdotes.”

WESTEPHALEN, Cecília Maria. In: SILVA, Maria B. Nizza da (Coord.), 1994, p. 264-265.
Administração das Povoações

O número de habitantes em cada povoação deveria ser de pelo menos 150


pessoas. Os diretores eram os responsáveis pelas edificações das casas para o
funcionamento das repartições públicas e pelo incentivo aos índios a construírem suas
moradias no estilo europeu. Eram também responsáveis pelo crescimento populacional
das povoações indígenas, via descimentos, e pelo estímulo ao casamento entre brancos e
índias.

* * *
Em suma, no parágrafo 95 do Diretório estão listados os seus verdadeiros
objetivos: a dilatação da fé; a extinção do gentilismo; a propagação do Evangelho; a
civilidade dos índios; o bem comum dos vassalos; o aumento da agricultura; a
introdução do comércio; e finalmente, o estabelecimento, a opulência e a total felicidade
do Estado.

A Queda de Pombal e a Viradeira


“Espantoso: é o único. Ninguém defende o poderoso da véspera. Mas ninguém
fala de D. José I, o monarca (...) absoluto que mandou e desmandou. Ninguém
fala dele porque é o pai da Rainha...” (Álvaro Teixeira Soares, 1961).

A força e a fraqueza de Pombal residiam no apoio que tinha do rei D. José I,


com a morte deste, em 24 de fevereiro de 1777, a queda do ministro Todo-Poderoso foi
imediata, há muito esperada pelos seus inimigos, isto é, por todos aqueles que não
tinham-se beneficiado com os privilégios e proteção do seu governo, inclusive os
britânicos.
Em 4 de março a nova rainha de Portugal, D. Maria I, aceitou o pedido de
demissão de Pombal. A partir daí começou um grande de movimento que ficou
conhecido como a Viradeira, em cujo bojo veio uma explosão de denúncias e graves
acusações: abuso de poder, corrupção e diversos tipos de fraudes, as quais levaram
Pombal a responder um famoso e longo processo judicial que repercutiu em toda a
Europa. Numa carta a seu filho, o conde de Oeiras, Pombal se comparou com “uma
vaca morta de pobre lavrador, da qual cada um dos outros lavradores vizinhos vão
buscar seu taçalho”.
De outubro de 1779 a janeiro de 1780, Pombal foi interrogado ininterruptamente
por juizes, em seu exílio residencial, em Oeiras. Abandonado por quase todos os seus
colaboradores, já com quase oitenta anos de idade e com a saúde seriamente
comprometida — cada vez mais com o corpo coberto de chagas e pústulas —, Pombal
se defendia das acusações. A causa do processo foi depois examinada por um comitê de
cinco juizes, esses se dividiram em seus veredictos, o que levou a rainha D. Maria I a
encerrar o processo, em 1781, proclamando que o ex-ministro do Reino “merecia
punição exemplar, mas sem proceder contra a pessoa dele, por causa de sua idade e
condição frágil”. Sebastião José de Carvalho e Melo. o marquês de Pombal, morreu no
ano seguinte, em 1782.
Enquanto isso na América portuguesa, mais precisamente no sul do Brasil a
situação era de guerra com os espanhóis, com prejuízos para Portugal. O governo de D.
Maria I imediatamente fez contato com o rei da Espanha, Carlos I (tio da rainha), no
sentido de chegarem a um acordo para por fim esse conflito belicoso de fronteiras, o que
resultou na assinatura do Tratado de Santo Ildefonso em 1777, e ratificado no ano
seguinte. Para cumpri-lo foi destacado as Partidas demarcadoras, em 1780, para
executarem as delimitações das fronteiras dos domínios portugueses com os domínios
espanhóis.
O governo mariano extinguiu uma das mais notável criação do governo
pombalino: a Companhia Geral de Comércio do Maranhão e Grão-Pará, em 1778; e a
Companhia Geral de Comércio de Pernambuco, em 1780. Enviou uma expedição de
exploração científica comandada pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira (1783-
1792) para a Amazônia, para proceder ao levantamento da potencialidade econômica e
científica da natureza da grande região, e no final do século extingui o sistema de
diretório dos índios, remanescente da política pombalina para ser substituído por outro:
o Corpo de Milícias de Trabalhadores Indígenas.

Extinção do Diretório dos Índios e a Criação das Milícias de


Trabalhadores Indígenas

O governador D. Francisco de Souza Coutinho chegou à Amazônia em 1790, e


se deparou com uma situação de governabilidade nada favoráveis, pois os cofres da
Fazenda Real estavam complemente vazios, além disso, o governador se viu às voltas
com dois outros graves problemas:

“a carência de mão-de-obra (indígena e africana) e as tensões nas fronteiras (França e


Espanha). É em função deles que se articulará suas intervenções na colônia no sentido
de incentivar o tráfico africano, estimular a disseminação dos contratos de serviços entre
particulares e índios residentes nas povoações, liberar as ações privadas para promover
os descimentos dos índios não-aldeados e, por fim, reforçar o recrutamento militar para
a defesa do Estado” (SAMPAIO, Patrícia In: DEL PRIORE, Mary e GOMES, Flávio
(Orgs.). 2003, p. 126 e 127).”

Portanto, entre outra coisas o governador vislumbrava a necessidade da


elaboração de uma nova modalidade de recrutamento da mão-de-obra indígena, uma vez
que a política pombalina não deu respostas satisfatórias. Então, Souza Coutinho pôs-se a
analisar história oficial dos quarenta anos de vigência da legislação pombalina na
Amazônia, ao final verificou um quadro tenebroso da realidade em geral da colônia.
Sobre a interação índio-diretor-colônia, Coutinho concluiu que os diretores dos
índios se comportavam como verdadeiros tiranos e senhores absolutos das povoações e
dos índios. Não incentivavam as atividades agrícolas, não expediam canoas ao sertão,
não repartiam adequadamente os índios para o serviço real, como também
negligenciavam na distribuição dessa mão-de-obra para os moradores. Só consentiam
que os índios trabalhassem satisfatoriamente para proveito deles.

O Fim do Diretório dos Índios

A partir da análise efetuada à política pombalina para Amazônia, Francisco de


Souza Coutinho, formatou o conteúdo do Plano para Civilização dos Índios do Pará de
2 de agosto de 1797, que foi enviado para Portugal com o objetivo de instruir as Cortes
em Lisboa no sentido de extinguir o sistema regulamentado pelo Diretório dos índios de
1757, o que aconteceu através da Carta Régia de 12 de maio de 1798, assinada pelo
regente da rainha D. Maria I, o príncipe D. João, futuro D. João VI, rei de Portugal
(1816-1826).

* * *

Uma grande parte da historiografia e dos colonizadores contemporâneos


atribuem o fracasso do sistema de diretório dos índios ao simples fato de ter sido apenas
uma vaga teoria, inaplicável na prática, e que os seus executores diretos, os diretores
de índios, foram os grandes responsáveis pela sua ineficácia.
Porém, isso constitui apenas uma parte da história. A outra foi realizada pela
capacidade de articulação política das lideranças indígenas tradicionais, que envolveu o
próprio poder colonial. Somem-se a isso as obediências simuladas, as fugas, as
deserções, as guerras e as rebeliões indígenas. Todas essas atitudes políticas
engendradas no seio de uma sociedade predominantemente indígena, na qual os
colonizadores queriam impor um padrão europeu, não teriam outro destino senão o
fracasso, como resultado de um confronto de políticas diferenciadas: uma indígena e a
outra indigenista.

Milícias de Trabalhadores Indígenas

Através Carta Régia de 12 de maio de 1798, foi extinto o Diretório pombalino e


se instituiu um novo sistema de organização e controle das populações indígenas
aldeadas e, estabeleceu diretrizes de procedimentos em relação ao trato com os índios
tribais. Por este novo modelo, legalmente reafirmava-se a liberdade dos índios e o
desejo de Sua Majestade de que essas populações fossem consideradas iguais aos seus
vassalos brancos e livres.

Serviço Real e os Índios Aldeados

No caso dos índios aldeados, coube aos juizes e às câmaras a responsabilidade


pelo governo das povoações e o controle da população indígena que não possuísse
estabelecimento próprio ou ocupação fixa. Portanto, aos juizes caberia a feitura da
listagem de toda mão-de-obra indígena das suas povoações, a ser distribuída de acordo
com a demanda. Esta, entretanto, obedeceria a uma escala de prioridades: primeiro para
o serviço real, arrematante dos contratos reais e das câmaras; em segundo lugar, para os
particulares e para os outros serviços requeridos pelas povoações.
Estariam isentos dessa distribuição àqueles índios que possuíssem
estabelecimentos próprios, e pudessem pagar um dízimo pelas suas atividades
produtivas, que excedesse a importância do que ganhariam como trabalhadores
alugados.
A Carta Régia de 1798 criou ainda os Corpos de Milícias e o Corpo Efetivo de
Índios, ambos com estrutura militarizada. Nos Corpos de Milícias, seria alistada,
obrigatoriamente, toda população indígena aldeada, e mais a que não possuísse
estabelecimento próprio ou ocupação fixa, de onde sairiam todos os trabalhadores
necessários para o serviço real e particulares.
No Corpo Efetivo de Índios, seriam alistados os índios aldeados e
preferencialmente, “os pretos forros e mestiços enquanto os houver, como mais robustos
e capazes de suportar o trabalho”. Esses trabalhadores estavam destinados ao serviço
real obrigatório, devendo servir por um determinado número de anos, durante os quais,
em cada ano, trabalhariam só uma parte dele; a outra parte seria destinada para os
cuidados dos “negócios de suas famílias”. Mesmo quando fossem empregados em
viagens ou serviços demorados, ultrapassando o total de tempo que deveriam trabalhar,
teriam esse tempo compensado. Depois de cumprirem os anos de incorporação
obrigatória não seriam obrigados a outro tipo de serviço que não fosse o das fileiras dos
Corpos de Milícias a que, aliás, todos estavam sujeitos.
Cada indivíduo incorporado no Corpo Efetivo de Índios receberia por ano dois
uniformes: uma calça, uma camisa e uma véstia de algodão tingida de preto; receberia
um salário, acrescentado de ração diária e uma porção de sal, mais aguardente, quando
andar em viagem ou estivesse no mato. Nessa forma de organização haveria um cabo
para cada pelotão de 20 praças; um sargento para cada 100 praças; e um capitão-de-
campo e mato para todo um corpo de trabalhadores.
Os índios designados para o serviço dos contratadores e dizimeiros da Fazenda
Real, também seriam isentos de outros serviços públicos, e não poderiam ser
requisitados pelos oficiais dos Corpos de Milícias para quaisquer outras ocupações
enquanto estivessem ligados aos contratadores. Procedimento semelhante se aplica aos
índios alistados no serviço pescaria (Companhia de Pescadores), sendo previstos para
esses casos a organização de aldeamentos específicos, onde os índios seriam reunidos
para atender este ramo do serviço real.
Esse sistema de organização da força de trabalho indígena colonial constituiu o
princípio básico de organização dos Corpos de Trabalhadores proposto pelo presidente
da Província do Pará, brigadeiro Francisco José Soares d’Andréa, em 1838.

Particulares e os Índios Tribais

Quanto aos índios não-aldeados, a Coroa portuguesa recomendou expressamente


a não-realização da guerra ofensiva e proibiu a continuidade de descimentos, seja à
custa da Fazenda Real, do Comum ou de particulares. Em contrapartida, instituiu um
instrumento conhecido como Ajuste Particular, pelo qual todos os moradores teriam
autorização para recrutar, livre e diretamente nas povoações para seu serviço particular,
os índios que não estivessem aldeados, portanto, fora das povoações. Também estariam
autorizados para proceder ao recrutamento dos índios que ainda estivessem morando em
suas aldeias de origem.
Na prática, a proibição dos descimentos foi letra morta, na medida em que foi
liberada a ação dos particulares. Para tanto, os índios assim “descidos “deveriam ser
apresentados à Câmara, onde seria elaborado um Termo de Instrução e Educação, pelo
qual o morador responsável se comprometia em batizar e educar esses índios por um
tempo determinado. Durante o tempo estabelecido pela Câmara, os índios não poderiam
ser “seduzidos” por outros moradores. Caso isso viesse a acontecer, os “sedutores”
incorreriam em infração, sujeitando-se às penalidades legais. Não obstante as
determinações da Lei, houve casos em que se garantiam a responsabilidade perpétua
dos moradores sobre os índios que apresentavam à Câmara.
Em outros casos foi garantido o uso do serviço dos índios, gratuita e
pacificamente, por um tempo determinado, ao fim do qual o morador pagaria os
respectivos salários e, caso quisessem continuar a servi-lo, ele teria a preferência da
nova concessão sobre qualquer outro solicitante.

Enfim, Nada Mudou Para os Índios

A Carta Régia de 1798, estabeleceu o livre comércio dos brancos com os índios,
exceto o que introduzisse arma branca e de fogo e tudo mais que pudesse ser empregado
contra a vida dos seus “benfeitores”. Também tornou livre a exploração dos recursos
naturais em terras indígenas e sua ocupação por moradores brancos, e promoveu a
liquidação dos bens do comum das povoações indígenas o que, na avaliação de Carlos
de Araújo Moreira Neto, significou a condenação dos aldeamentos indígenas ao
desaparecimento. Todos os bens coletivos foram vendidos e o produto recolhido aos
cofres reais.
Essa Lei é ambígua na questão do trato com as populações indígenas não-
aldeadas, pois proibia expressamente a guerra ofensiva e os descimentos, mas garantia a
todo vassalo que colaborasse na “redução dos índios às luzes do Evangelho” ou que os
tivesse “aliciado” para viverem próximo às paróquias, teria uma série de benefícios
reais, tais como: declaração de habilidade e nobreza para quaisquer empregos; a
concessão das terras devolutas “que precisar” e recebimento dos dízimos e redízimos
por seis anos.
Conforme José Ribamar Bessa Freire, durante os últimos 20 anos de vigência do
colonialismo português, sobretudo a partir de 1808, com a instalação da sede da
monarquia portuguesa no Brasil, as sutilezas desapareceram do discurso oficial,
cedendo o lugar a uma linguagem dura, que correspondia às declarações abertas de
guerra aos índios do Brasil e da Amazônia.
João Lúcio de Azevedo de forma categórica afirma que “não se requer extrema
agudeza para compreender que semelhante organização não poderia favorecer a
liberdade. O diploma da rainha mudava o estatuto legal, mas não alterava a situação dos
índios”.

Leitura Complementar N.o 6

SALÁRIO DOS ÍNDIOS DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII NA


AMAZÔNIA.

“Todos foram declarados e confirmados livres pela lei de 6 de junho de 1755 (...) havendo Sua
Majestade por bem de na dita lei de 6 de junho restituir aos índios do Grão-Pará e Maranhão a
liberdade das suas pessoas, bens, e comércio, pela forma que nela se declarou, que, nem os
moradores brancos, e outros deixassem de achar, quem lhes fizesse as suas obras, e lhes
cultivassem as suas terras; nem os mesmos índios deixassem de perceber as conveniências, que
de se aplicarem às referidas obras e serviços lhes poderiam resultar, em interesse recíproco de
uns e outros (...).
Outras muitas leis além destas, que são as fundamentais da nova forma do Estado, se
expandiram pelo tempo adiante; não menos que outros muitos alvarás, decretos, avisos,
provisões e ordens de Sua majestade, às quais se foram juntando as que em todos os tempos
expediram os governadores e capitães-generais do Estado e se acham compreendidas nos
bandos, editais, portarias, cartas circulares e particulares, que cada um deles fez publicar e
observar durante, o tempo de seu governo.
O bando de 30 de maio de 1773 [do governador e capitão-general João Pereira Caldas]
acabava de dar inteira execução aos dispostos na lei de 6 de julho, a respeito dos salários dos
índios; porque sendo presente a V. Ex.ª a desordem, com que em ambas as capitanias deste
Estado se estavam praticando a satisfação dos referidos salários; e vendo-se obrigado a
estabelecer a preços certos diferentes jornais que vencessem, segundo os mais, ou menos
pesados serviços em que empregassem; proporcionando os interesses dos moradores brancos,
com os dos índios, ordenou, que, enquanto Sua Majestade não ordenasse o contrário, se
regulasse os jornais, desde o 1.º de julho do dito ano de 1773 em diante, na maneira seguinte:

1.º Que os índios empregados em serviços pesados, como o de roças, engenhos, cortes de
madeira, transportes das mesmas, e de pedras, ou em navegações igualmente pesadas,
vencessem 1$200 por mês.
2.º Que pelo mesmo preço se regulassem os pagamentos dos índios empregados nos negócios
do sertão, sem embargo do diverso costume que até então se praticava.
3.º Que os outros índios empregados em serviços domésticos, e pescadores, caçadores em
outros quaisquer exercícios leves, vencessem a 800 réis por mês.
4.º Que as índias, que empregasse nos mesmos serviços pesados de roças, fazer farinhas, e em
amas-de-leite, vencessem também 800 réis por mês.
5.º Que as outras índias empregadas em serviços domésticos e leves, vencessem a 600 réis por
mês.
6.º Que os índios rapazes até a idade de 13 anos, vencessem na mesma forma a 600 réis por
mês.
7.º Que as índias raparigas até a idade de 12 anos, vencessem a 400 réis por mês. E que os
índios e índias, que estivessem dados a soldada pelo juízo dos órfãos, observassem a mesma
regulação; bem visto que todos os referidos ordenados se deveriam satisfazer além do ordinário
e preciso sustento. Que porém os índios artífices se reputassem nos pagamentos de seus jornais,
pelo que se praticasse com outros quaisquer artífices brancos, em conformidade de seus
merecimentos”.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica ao Rio Negro. 1983, p. 637-639.


Ortografia atualizada.

Indicação para Leitura


ALMEIDA, Rita Heloísa (1997). O Diretório dos Índios. Brasília: Editora UnB.

AZEVEDO, João Lúcio de (1999). Os Jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização.


Edição fac símile. Belém: Secult.

_______ (1990). O Marquês de Pombal e a sua Época. 2.a edição. Lisboa: Clássica Editora.

BEOZZO, José Oscar (1983). Leis e Regimento das Missões: política indigenista no Brasil. São
Paulo: Loyola.

BOXER, Charles R. (1988). O Império Colonial Português. Lisboa: Edições 70.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. (1984). Economia e sociedade em áreas coloniais periféricas:


Guiana Francesa e Pará (1750-1817). Rio de Janeiro: Graal.

DEL PRIORE, Mary e GOMES, Flávio (Orgs.) (2003). Senhores dos Rios – Amazônia margem
e história. Rios de Janeiro: Campus.

FREIRE, José Ribamar Bessa, et alii (1994). A Amazônia Colonial (1616-1798). 5.ª edição.
Manaus: Metro Cúbico.

_______ (1983). “Da fala boa ao português na Amazônia brasileira”. Ameríndia. N.º 8, p. 39-
83. CNRS, Paris.

MAXWELL, Kenneth (1996). Marquês de Pombal: o paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro:


Paz e Terra.

_______ (1978). A Devassa da Devassa, a Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal – 1750-


1808. 2.ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

REIS, Arthur C. Ferreira (1989). História do Amazonas. 2.ª edição. Manaus / Belo Horizonte,
SCA / Itatiaia.

SAMPAIO, Patrícia Melo (1998). “Desigualdades étnicas e legislação colonial – Grão-Pará”.


Comunicação apresentada na XXI Reunião Internacional da Latin American Studies Association
– LASA. Chicago, setembro.

SANTOS, Francisco Jorge dos (2002). Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na
Amazônia pombalina. 2.a edição. Manaus: Edua.

SOARES, Álvaro Teixeira (1961). O Marquês de Pombal. Brasília: Editora UnB.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da (1994) (Coordenação). Dicionário da Colonização Portuguesa


no Brasil. Lisboa / São Paulo: Verbo.
UNIDADE II – AMAZÔNIA PORTUGUESA
Capítulo 7

Capitania de São José do Rio Negro

Capítulo 7

CAPITANIA DE SÃO JOSÉ DO RIO NEGRO

De acordo com Arthur C. Ferreira Reis, Francisco Xavier de Mendonça Furtado,


governador e capitão-general do Grão-Pará e Maranhão, em correspondência com
Lisboa, insistia na conveniência da criação de um novo governo, no sertão amazônico
fronteiriço com os domínios da Coroa espanhola. Vários fatores justificavam o projeto:
a distância em que se encontrava em relação aos poderes de decisões, instalados em
Belém, pois as providências ali tomadas chegavam aos confins da colônia sempre tarde,
com graves prejuízos para as partes interessadas; facilitar a vida política e econômica da
população aqui estabelecida e, ao mesmo tempo, favorecer a obra de civilização dos
índios; garantir a soberania de Portugal, completamente abandonada nesta parte da
América portuguesa, cobiçada por holandeses, espanhóis e à mercê de foras-da-lei que
podiam criar futuros embaraços.
Por trás desses motivos, estaria também a vontade do governador em
acompanhar de perto a ação dos missionários, principalmente dos jesuítas, que a esse
tempo estavam cuidando da administração dos índios e sob a suspeição de manobras
perigosas contra os interesses da Coroa portuguesa na América. Durante os trabalhos
das comissões de limites, ficou bem evidenciada a necessidade de uma medida que
resolvesse esses problemas.

Criação e Implantação da Capitania do Rio Negro

A Capitania de São José do Rio Negro foi criada pela Carta Régia de 03 de
março de 1755, com capital na aldeia de São José do Javari, no alto Solimões, por isso
passou a ser mencionada oficialmente como Capitania de São José do Javari. Porém,
quando a sua sede foi implantada de fato, na aldeia de Mariuá, no médio rio Negro,
voltou a ser chamada pela denominação original: Capitania de São José do Rio Negro.
Não obstante, a criação, a instalação do novo governo só ocorreu três anos mais tarde,
por ocasião da segunda viagem de Francisco Xavier de Mendonça Furtado ao rio Negro
(1758), quando nomeou o coronel-de-infantaria Joaquim de Melo e Póvoas, para
cumprir um mandato de três anos como governador da nova unidade administrativa
colonial do Estado do Grão-Pará e Maranhão.
Depois do governo de Melo e Póvoas (1758-1560), assumiu a administração da
Capitania do Rio Negro o tenente-coronel Gabriel de Souza Filgueiras (1760-1761),
que, por morte, foi substituído interinamente pelo coronel Nuno de Ataíde Verona
(1761), que entregou os destinos da Capitania ao coronel Valério Corrêa Botelho de
Andrade (1761-1763), sucedido pelo coronel Joaquim Tinoco Valente, que permaneceu
no cargo por 16 anos, até sua morte, em 1779. Tinoco Valente foi sucedido,
sucessivamente, por oito juntas governativas até o início do governo do coronel-
engenheiro Manuel da Gama Lobo d’Almada (1788-1799), que também deixou o
governo por morte.
Foi durante a administração de Melo e Póvoas que os antigos aldeamentos
missionários tornaram-se vilas ou lugares, com suas denominações portugalizadas. Por
exemplo: a missão de Nossa Senhora da Conceição de Mariuá, passou a ser Vila de
Barcelos; a missão de Santo Elias do Jaú, passou a ser denominado de Lugar de Airão.
Apenas a missão de Trocano foi elevada à categoria de Vila ainda em 1756,
quando passou a ser denominada de Vila de Borba, a Nova.

De Mariuá a Barcelos

A aldeia de Mariuá, fundada em 1728 pelo carmelita frei Matias de São


Boaventura, inicialmente povoada pelos índios Manaus, Barés e Baníuas, foi indicada
em 1754 para sediar as negociações das demarcações de limites. A partir de 1755
começou a mudar de aspecto, com a chegada do pessoal das demarcações: de aldeia
passou a ser o Arraial do Rio Negro, o qual a partir de um planejamento urbano, sob a
responsabilidade do engenheiro alemão Felipe Sturn, foram executadas diversas obras
de infra-estrutura, tais como: os aterramentos das áreas alagadiças; as construções de
pontes ligando dois bairros; arruamento e uma grande praça, onde foi construído o
prédio para residência do demarcador espanhol; o Palácio das Demarcações, local de
reunião dos plenipotenciários, e a Casa da Espera, local das cortesias entre os dois
demarcadores chefes.
O seminário dos carmelitas sofreu uma remodelação para hospedar o governador
Mendonça Furtado. A igreja de N. S. da Conceição também passou por reformas,
construiu-se um grande armazém para os víveres, e fez-se casa para moradia das
famílias dos membros da comissão. Edificaram-se três quartéis: um para os oficiais, um
para os soldados portugueses e outro para os soldados espanhóis; para facilitar os
embarques e desembarques foi também construído no porto um cais de madeira. Estava
prevista, também, a construção de um palácio para o representante de Portugal, mas
Mendonça Furtado desistiu da idéia porque seria muito dispendioso.

Imagem 33.

Quartel de Barcelos. Reproduzido de Alexandre Rodrigues Ferreira, Viagem Filosófica pelas


Capitanias do Grão-Pará Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá – 1783-1793, Rio de Janeiro,
Conselho Federal de Cultura, 1971 (Geografia, prancha 75).

Mariuá, por volta de 1757, já contava com uma população de cerca de 2.000
habitantes e apresentava um ar de prosperidade. Foi elevada à categoria de Vila pelo
próprio Mendonça Furtado, por ocasião da sua segunda viagem ao rio Negro, em 1758,
quando passou a ser chamada de Barcelos.
A Vila de Barcelos ficou como sede da Capitania do Rio Negro até 1791,
quando o então governador Manuel da Gama Lobo D’Almada a transferiu para a Barra
do Rio Negro, a 18 km da boca do rio Negro. Voltou a ser novamente sede em 1798,
mas em 1808 a sede da capitania mudou-se definitivamente para a Barra do Rio Negro.
Aliás, conforme foi dito anteriormente, em 1783 o general João Pereira Caldas
propôs ao ministro dos Negócios Ultramarinos, em Lisboa, a mudança da sede da
Capitania, de Barcelos para a boca do rio Negro. Nessa proposta estava incluída
também a mudança da Fortaleza da Barra do Rio Negro – fundada segundo a tradição,
em 1669 – para o local sugerido, pois já se tinha percebido a ineficácia, como
instrumento de defesa, desse estabelecimento militar no local onde estava edificado.
A localização sugerida por João Pereira Caldas corresponde atualmente às
adjacências da Refinaria de Manaus e o porto da Ceasa.

Economia e Sociedade

Na segunda metade do século XVIII, na Amazônia, competiam entre si duas


modalidades de economia: a extrativista, baseada na coleta das “drogas do sertão”, e a
agrícola, em moderado desenvolvimento.
A Capitania do Rio Negro, em particular, seguia o mesmo esquema: tinha um
regular desenvolvimento no setor agrícola, cultivando o anil, o café, o tabaco, o cacau, o
algodão, o arroz, o milho, o feijão, a cana-de-açúcar e a mandioca. Tudo era para o
consumo interno, podendo, às vezes, exportar algum excedente para Belém ou para
Lisboa, com era o caso do café e do anil. A produção das drogas do sertão era exclusiva
para exportação, em que se destacavam o breu, a piaçaba, o cravo, a salsaparrilha, o
cacau selvagem, outras espécies de sementes, óleos e ervas próprias para o uso culinário
e medicinal.
Por volta da década de 1780, a agricultura da Amazônia ainda era mínima. O
naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, apresentou algumas razões para a não
prosperidade: a hostilidade dos índios tribais, principalmente dos Muras e a dos
Mundurucus, que viviam em constantes conflitos com os núcleos coloniais portugueses;
a carência de mão-de-obra indígena aldeada, pois a pouca que existia estaria tomada
pela indolência; e a obstinação dos diretores de índios em utilizar o débil contingente
indígena existente na coleta das drogas do sertão, em vez de aplicá-lo na lavoura. No
entender desse naturalista, o abuso nos negócios das drogas parecia mais uma ruína que
um índice de prosperidade.
No entanto, durante o governo de Manuel da Gama Lobo D’Almada (1788-
1799), teria havido um desenvolvimento da economia da região, principalmente no setor
agrícola, com incentivos às lavouras das espécies nativas e das aclimatadas. Para isso,
foram introduzidos no setor instrumentos agrários e as técnicas de replantios através de
mudas. Aconteceram também os primeiros ensaios de criação de gado bovino nos
campos do rio Branco.
Na Capitania também se desenvolveram as manufaturas, sendo as mais
promissoras as de manteiga de banha e ovos de tartarugas do Solimões; uma indústria
têxtil, em Barcelos, produzindo panos necessários para o fardamento da guarnição,
como também para vestir os colonos e os índios aldeados, chegando a empregar, em
1798, 157 índias fiandeiras; uma “indústria de beneficiamento do anil”; a salga do
pirarucu; as olarias para confecção de objetos de louças na Barra do Rio Negro, em
Moura, em Poiares e em Barcelos; a preparação do guaraná em bastão, pelos índios
Maués; as feituras de cuias, chapéus de palhinha, redes de algodão ou muriti e ralos; a
produção de aguardente e, principalmente, de farinha de mandioca, entre outras
atividades.

Imagem 34.

Manufatura de Manteiga de Ovos de Tartarugas. Reproduzida de Alexandre Rodrigues,


obra citada, 1971.

DESPERDÍCIO – O governador da Capitania do Rio Negro proibiu a viração de tartarugas no


rio Branco em 1769. “Sendo as tartarugas daquele rio precisas para o sustento dos moradores
deste, eles tão somente arrastados de uma cega avareza com a feitura das manteigas das banhas,
desperdiçavam, mais do que aproveitavam, por que todas as tartarugas morriam; porém nem
todas davam banhas suficientes, nem das que as davam, se aproveitava mais do que as banhas.
De onde tinha a resultar, que infinitas delas, cujas carnes se podiam aproveitar para o sustento,
pelo contrário lançavam ao rio depois de tiradas as banhas, visto que não se podia salgá-las, no
rio serviam de pasto aos jacarés, aos urubus, às piranhas e as piraráras”.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues. Viagem Filosófica ao Rio Negro. 1983, Belém, MPEG, p.
665 e 666.

Não obstante, essas atividades produtivas não tornavam a Capitania auto-


suficiente, pois desenvolvia-se, também, um comércio que operava em larga escala,
importando de Belém pano de algodão, sabão, aguardentes e comestíveis, e de Portugal
fazendas e utensílios domésticos; e exportando para Belém, como para o Reino, as suas
famosas drogas do sertão. Esses produtos eram levados até Belém em barcos de meia
coberta que gastavam entre 30 e 40 dias de viagem. Havia também uma mínima
atividade comercial com a Capitania do Mato Grosso.

Imagem 35.

Canoa de Meia Coberta. Reproduzida de Alexandre Rodrigues, obra citada, 1971(Geografia,


prancha 37).

Os Brancos, os Índios e os Negros

Em geral, a Capitania do Rio Negro era formada por brancos, índios e negros.
Os brancos europeus, em sua maioria, eram ex-soldados que vieram com as comissões
de demarcações de limites (1754 e 1780), que com o tempo deram suas baixas para se
casarem com as índias – aproveitando, dessa forma, os benefícios que o governo
português concedia aos homens brancos que assim procedessem – que, por conseguinte,
se estabeleceram em suas casas. Eram procedentes das seis províncias de Portugal, em
particular do Entre Douro, do Minho, de Trás os Montes, Alentejo, Algarves e alguns
ilhéus. Outros brancos eram comerciantes e sertanistas que vinham de capitanias do
Brasil, do Maranhão e do Pará.
Os índios eram a grande maioria da população. Eram índios aldeados, oriundos
de diversas etnias, que foram descidos de suas aldeias de origem para os aldeamentos
portugueses, os quais eram considerados livres pelas leis pombalinas. Esses índios, na
realidade, já constituíam uma grande massa de tapuios, diferentes dos índios tribais que
ainda viviam fora do alcance dos brancos.
Os negros eram os escravos africanos ou seus descendentes – os crioulos –,
trazidos da costa da África, de Angola e, em particular, da ilha do Cabo Verde, do Pará,
ou mesmo da Bahia. Soma-se a esses, segundo Alexandre Rodrigues Ferreira, as
diversas modalidades de miscigenados: mamelucos, mulatos, cafuzos e curibocas.
No início da década de 1760, a Capitania do Rio Negro contava com uma
população de um pouco mais de 5 mil habitantes. Brancos e índios aldeados, estes já
destribalizados e, segundo relatos da época, entregues ao vício da embriaguez, não
trabalhavam mais, abandonando, desta forma, o cultivo da terra. Os diretores de índios,
por sua vez, abusavam de sua autoridade em relação aos índios, e os núcleos coloniais
quase sem moradores brancos se arrastavam a uma vida miserável.
Pelo recenseamento feito pelo ouvidor e intendente, Francisco Xavier Ribeiro de
Sampaio, a Capitania do Rio Negro, em 1775, possuía uma população estimada em
11.749 habitantes, sendo 936 brancos, 193 negros e 10.620 índios aldeados. Nesse
somatório não entraram 1.019 índios distribuídos em cinco aldeamentos do rio Branco.
Em outro censo, datado de 1781, o número de brancos subiu para 1.475. Essa
alteração na cifra de brancos pode ser creditada à chegada (1780) na região do
contingente da segunda leva de pessoas que compunham as comissões de demarcações
de limites, sob as ordens do general João Pereira Caldas.
Com a regularidade dos censos, o crescimento da população da capitania do Rio
Negro pôde ser acompanhado com mais precisão, pelos menos até o final do século
XVIII (Quadro 5).

Quadro 5 – POPULAÇÃO DA CAPITANIA DO RIO NEGRO


Ano do Censo Brancos e Índios Negros Total da Fogos
descendentes aldeados escravos população
1790 1.176 11.320 468 12.964 1.325
1793 1.365 11.789 574 13.728 1.635
1796 1.485 12.154 492 14.232 1.644
Fonte: Reis, 1940.

Imagem 36.

Vila de Tomar. Reproduzido de Alexandre Rodrigues Ferreira, obra citada, 1971 (Geografia,
prancha 82).

Núcleos Coloniais da Capitania do Rio Negro


Na segunda metade do século XVIII a Capitania do Rio Negro contava com um
pouco mais de 50 núcleos coloniais: 9 vilas, 11 lugares, 20 povoações e/ou aldeamentos,
5 fortalezas e 4 pesqueiros reais entre outros. Nas cercanias das fortalezas de São
Gabriel e da Barra do Rio Negro se desenvolveram povoações que constituem
atualmente as cidades de São Gabriel da Cachoeira e Manaus, respctivamente.

Quadro 6 – PRINCIPAIS NÚCLEOS COLONIAIS DA CAPITANIA DO RIO NEGRO


NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII.

Vila e Lugar Povoação / Aldeamento Fortaleza e Pesqueiro


(principais)
Vila de Borba, a Nova (Antiga Santo Antônio do Fortaleza da Barra do Rio
Trocano), rio Madeira. Castanheiro, rio Negro. Negro / Lugar da Barra do
Rio Negro, rio Negro.
Vila de Barcelos (Antiga N. S. Santo Antônio e Almas, rio Fortaleza de São Francisco
da Conceição de Mariuá), rio Uraricoera. Xavier da Tabatinga, rio
Negro. Solimões.
Vila de Ega (Antiga Santa Fortaleza de São Gabriel /
Tereza de Tefé), rio Solimões. Santa Bárbara, rio Branco. Povoação de São Gabriel,
rio Negro.
Vila de Moura (Antiga Santa São Bernardo de Camanau, Fortaleza de São José de
Rita de Itarendaua ou rio Negro. Marabitanas, rio Negro.
Pedreira), rio Negro.
Vila de Olivença (Antiga São N. S. do Carmo, rio Fortaleza de São Joaquim,
Paulo de Cambebas), rio Amazonas. rio Branco, rio Branco /
Solimões. Tacutu.
Vila de São José do Javari N. S. do Carmo, rio Branco. Pesqueiro Real de
(Antiga São José do Javari), rio Puraquequara, rio
Javari. Amazonas.
Vila de Serpa (Antiga Abacaxis N. S. da Conceição, rio Branco Pesqueiro Real de
(2)
/ Itacoatiara), rio Amazonas. . Manacapuru, rio Solimões.
Vila de Silves (Antiga Sant’Ana N. S. da Conceição de Luséia, Pesqueiro Real da
de Saracá), lago de Saracá, rio rio Maués. Demarcação, rio Branco.
Amazonas.
Vilar de Tomar (Antiga Santa São Felipe, rio Branco (1). Pesqueiro da Capitania, rio
Rosa de Bararoá), rio Negro. Branco.
Lugar de Airão (Antiga Santo N. S. da Guia, rio Negro.
Elias do Jaú), rio Negro.
Lugar Alvarães (Antiga Santa Isabel, rio Branco.
Caiçara), rio Solimões.
Lugar de Alvélos (Antiga Santa Isabel do Rio Negro, rio
Sant’Ana de Coari), rio Negro.
Solimões.
Lugar Santo Antônio de São João Batista do Mabé, rio
Maripi, rio Japurá. Negro.
Lugar de Carvoeiro (Antiga São Joaquim do Caoné, rio
Santo Alberto de Aracari), rio Negro.
Negro.
Lugar de Castro de Avelães São João de Nepomuceno do
(Antiga Eviratéua), rio Camundé, rio Negro.
Solimões.
Lugar Fonte Boa (Antiga N. S. N. S. de Loreto de Maçarabi,
de Guadalupe de Taracutéua), rio Negro.
rio Solimões.
Lugar de Lamalonga (Antiga Santa Maria, rio Branco.
N. S. do Carmo de Dari), rio
Solimões.
Lugar de Moreira (Antiga N. S. São Marcelino, rio Negro
do Carmo de Caboquena), rio
Negro
Lugar de Nogueira São Martinho, rio Branco.
(Antiga Parauari), rio
Solimões.
Lugar de Poiares (Antiga N. S. das Caldas, rio
Santo Ângelo de Cumaru), rio Cauaburis
Negro.
Fonte: Araújo e Amazonas, 1984; Reis, 1989; Ferreira, 1983; Santos, 2002.

(1) Primeira localização, rio Tacutu.


(2) Primeira localização, rio Uraricoera.

Imagem 37.

Povoação de Caldas, rio Cauaburis. Reproduzida de Alexandre Rodrigues, obra citada, 1971
(Geografia, prancha 86).

Demarcações dos Limites da Amazônia Portuguesa

Como já foi dito anteriormente, de acordo com o Tratado de Tordesilhas (1494),


a maior parte do que é hoje a Amazônia brasileira pertencia à Espanha. Com a União
Ibérica (1580-1640) os portugueses, convenientemente, foram penetrando aos poucos
no grande vale amazônico, cuja manifestação política mais ousada foi a realizada pela
expedição de Pedro Teixeira (1637-1639), quando chegou a Quito viajando pela calha
central da Amazônia, inclusive, tomando posse da região pela Coroa portuguesa e
demarcando fronteiras. Em 1691, já tinham chegado às vertentes do Tapajós, ao alto
Solimões e ao alto rio Negro; e em 1736, os sertanistas portugueses já tinham percorrido
todo o rio Madeira, assim como o rio Branco. Portanto, já tinham invadido e
conquistado quase todo o imenso território amazônico.

Tratado de Madri

O Tratado de Madri foi concluído após três anos de complexas negociações


dirigidas por D. José de Carvajal y Lancaster, pela Espanha, e por Alexandre de
Gusmão por Portugal. No que se refere à América, o tratado estabeleceu o
reconhecimento da soberania do governo espanhol sobre a colônia de Sacramento e
sobre o território da margem setentrional do rio Prata, enquanto que para Portugal foi
estabelecido o domínio sobre o território penetrado a oeste do meridiano de Tordesilhas,
como o da Amazônia e do Mato Grosso.
O referido tratado foi assinado em Madri, em 13 de janeiro de 1750, por D.
Tomás da Silva Teles, visconde de Vila Nova de Cerveira, em nome do rei de Portugal,
D. João V, e por D. José de Carvajal y Lancaster, em nome do rei da Espanha, D.
Fernando VI.
Durante as negociações para legitimar o processo de expansão e de ocupação
lusitana, para além dos marcos de Tordesilhas, evocou-se o princípio do uti possidetis
do antigo direito romano, pelo qual se justifica a posse de território pela sua ocupação
efetiva constituindo, dessa forma, uma inovação jurídica no domínio das negociações
diplomáticas. Outro aspecto inovador no âmbito das negociações e das demarcações
consistiu no rigor científico que caracterizou a elaboração do tratado e que, na prática,
nortearia subseqüentemente a consolidação dos limites.
A assinatura do tratado em si não era, porém, suficiente. Havia que se organizar
a complementação constante das instruções dos demarcadores de campo, e as
interpretações necessárias para evitar as dúvidas e mesmo conflitos, isto é, era preciso
demarcar in loco os respectivos domínios. Para isso foi preciso constituir as chamadas
partidas de limites: três para o sul do Brasil e três para a Amazônia.
Na parte sul do Brasil, as demarcações de limites ficaram sob a chefia do
governador e capitão-general do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, por
Portugal, e do marquês de Val de Lírios, pela Espanha. Nas demarcações da Amazônia
coube a chefia ao governador e capitão-general do Grão-Pará e Maranhão, D. Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, por Portugal, e D. José de Iturriaga, pela Espanha.

Expedição das Demarcações

Para essa tarefa Portugal contratou engenheiros, cartógrafos, desenhadores,


astrônomos, matemáticos e outros profissionais na Itália e na Alemanha. A esses se
juntaram alguns técnicos portugueses, formando uma comissão de alto nível, e bem
paga.
A comissão chegou a Belém em 1753, e no ano seguinte, sob o comando de
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, partiram para a região em litígio da Amazônia
ocidental. Depois de uma série de dificuldades logísticas e operacionais, a expedição de
demarcadores chegou a Mariuá, em janeiro de 1755. A expedição era formada por 796
pessoas que viajaram em vinte e cinco embarcações: eram ajudantes de ordem,
secretários, capelães, físico-mor, cirurgiões, engenheiros, matemáticos, desenhadores,
oficiais militares, 205 soldados, 24 pilotos, 411 remeiros, 16 mulheres, 62 criados e
escravos.
Em Mariuá, que logo passou a ser chamado de Arraial do Rio Negro, Mendonça
Furtado experimentou um longo período de espera, que durou quase dois anos,
aguardando a chegada da comissão de demarcadores espanhóis, a qual estaria
enfrentado dificuldades, as quais obstaculizavam o seu deslocamento até rio Negro. Por
exemplo: as instigações dos jesuítas, que se posicionavam contrários às demarcações, e
uma luta armada entre grupos indígenas na região do rio Orinoco. Conseqüentemente,
as demarcações na Amazônia não poderiam ser iniciadas.
Enquanto os espanhóis não chegavam, Mendonça Furtado e o seu corpo técnico
fizeram um levantamento geográfico de vasta área. Os cartógrafos, astrônomos e demais
militares que compunham a comissão entregaram-se a essa demorada tarefa. Ouvindo os
sertanistas experimentados na hidrografia regional, produziram o primeiro grande
inquérito cartográfico e geográfico de largo trecho do interior amazônico.
Mendonça Furtado, com base nesses elementos colhidos, organizou uma
preciosa informação acerca dos problemas da demarcação: definiu os melhores limites
que ajudou a defendê-los por ocasião das negociações práticas com os espanhóis;
permitiu uma tomada de consciência mais sólida acerca da soberania de Portugal;
possibilitou, a partir dessa verificação direta, a proposição de uma série de medidas que
deviam ser adotadas, tais como a criação Capitania de São José do Rio Negro e a
fortificação do alto rio Negro e do rio Branco. Medidas essas, que foram acatadas pela
Coroa portuguesa e, posteriormente, executadas.

Os Espanhóis

Somente em 1759, as partidas espanholas aproximaram-se das fronteiras, porém


Francisco Xavier de Mendonça Furtado já havia regressado a Lisboa. Seu sucessor no
governo do Estado era o capitão-general Manuel Bernardo de Melo e Castro, e na chefia
das demarcações o capitão-general do Mato Grosso, D. Antônio Rolim de Moura, que
não pôde chegar imediatamente à região para juntos darem início às demarcações.
Portanto, as demarcações não iniciaram.
Devido ao malogro, instaurou-se uma onda de reações, tanto por parte dos
espanhóis, quanto pelos portugueses, aquecida por um clima de má vontade entre os
demarcadores, o que concorreu para que a execução do Tratado fosse suspensa e depois
anulada pelo Tratado de El Pardo, de 12 de fevereiro de 1761.

Tratado de Santo Ildefonso

Anulado o Tratado de Madri, as disputas militares nas fronteiras dos domínios


coloniais ibéricos aumentaram de proporção. Na década seguinte, porém, se esboçou um
clima propício para se resolver essas diferenças militares e fixar, em definitivo, as
fronteiras entre as possessões dessas potências colonizadoras na América do Sul.
Pela Espanha, o marquês de Grimaldi, ministro do rei Carlos III, em julho de
1775, entregou uma proposta para definir de vez as suas fronteiras ao embaixador de
Portugal, D. Francisco Inocêncio de Souza Coutinho, a qual foi enviada ao marquês de
Pombal, que autorizou o embaixador a negociar em nome do governo português
Em seguida realizou-se a primeira conferência, porém, novamente a
intransigência de ambos os governos ali representados concorreu para o entravamento
das negociações. Grimaldi voltou a sustentar a validade do Tratado de Tordesilhas de
1494, enquanto que Souza Coutinho defendia como ponto os princípios utilizados nos
tratados de Utrecht, de 1713 e o de Paris, de 1737. Pelos quais já se havia
desconsiderado “o meridiano de tordesilhas”, e que as fronteiras deveria ser demarcada
considerando a ocupação real do espaço, e em consenso com as soberanias interessadas.
No ano de 1777 a situação política sofreu alterações profundas: em Portugal,
morreu o rei D. José I, e a Viradeira derrubou o marquês de Pombal; na Espanha o
ministro Grimaldi foi substituído pelo conde de Floridablanca, D. José Menino y
Redondo. Apesar dessas alterações e do governo português ter se tornado mais fraco, as
negociações prosseguiram, culminando, conseqüentemente, com a assinatura, em 1.° de
outubro de 1777, pelos governos de D. Maria I e D. Carlos III, do Tratado de Santo
Ildefonso, o qual, em linhas gerais, reeditava os limites das fronteiras decididos em
1750.

Partidas das Demarcações

Para as demarcações dos limites constituíram-se quatro partidas para cada lado,
as quais operariam em conjunto nos seguintes trechos: do rio Chuí ao rio Iguaçu, a
primeira; do rio Iguarei ao rio Jauru, a segunda; do rio Jauru até o rio Japurá, a terceira;
e a quarta partida ficou responsável pelo trecho compreendido entre o rio Japurá e o rio
Branco. Para chefiar a quarta partida foi nomeado plenipotenciário o governador e
capitão-general do Estado do Grão-Pará e Rio Negro, João Pereira Caldas. Pela Espanha
a chefia recaiu sobre D. Francisco de Requeña y Errera.
Em 1780 chegou a Barcelos a expedição comandada por João Pereira Caldas,
composta por vinte e cinco embarcações com 516 pessoas: oficiais militares, praças, 05
engenheiros, 04 astrônomos, 02 capelães, 02 cirurgiões, 316 índios remeiros, 21 índios
pilotos, 05 mulheres, 06 criados e 35 escravos.
Diferente do que ocorreu na década de 1750, Portugal utilizou os próprios
portugueses em seu quadro técnico, prescindindo, portanto, dos estrangeiros. Entretanto,
na Amazônia, os trabalhos não avançaram, portugueses e espanhóis novamente se
estranharam. Entre os lusos parece que os desentendimentos ganharam uma conotação
mais pessoal e patriótica do que técnicas ou política. Por exemplo: pelo Tratado,
Tabatinga, no alto Solimões, ficaria sob o domínio espanhol, mas o tenente-coronel
Teodósio Constantino Chermont se recusou a entregá-la aos demarcadores espanhóis.
Além dos caprichos dos membros das comissões, uma epidemia de varíola
concorreu para o interrompimento dos serviços. Em 1788, o coronel Manuel da Gama
Lobo D’Almada – que substituíra João Pereira Caldas na chefia das demarcações –
intimou os espanhóis a deixarem o alto Solimões, onde estavam instalados como
senhores, de fato, da região. Como no processo anterior, os resultados foram mínimos
pois, nesse caso se resumiram à demarcação dos trechos entre o Chuí e Iguaçu; e entre
Javari e Japurá.
Não obstante, na Amazônia, Francisco José Lacerda e Almeida, Ricardo Franco
de Almeida Serra, Antônio Pires da Silva Pontes, José Pereira, Manuel da Gama Lobo
D’Almada, Eusébio Antônio de Ribeiro e José Simões de Carvalho exploraram os vales
do rio Negro e do rio Branco. Exploram também o rio Madeira e as ligações entre o rio
Negro e o Japurá.
Conforme afirma o historiador Arthur Cezar Ferreira Reis, essas explorações,
realizadas pelos membros das comissões de demarcações de limites na Amazônia,
foram intensas, e revelaram detalhes dos cursos daqueles rios e seus formadores. No
Mato Grosso, Lacerda e Almeida, Silva Pontes e Ricardo Franco procederam a
rigorosos inquéritos de ordem geográfica. Para a execução do Tratado, esses inquéritos
eram fundamentais para que fosse possível conhecer a verdade e fixar a fronteira
definitiva.

Final das Demarcações

Em 1796, D. Francisco Requeña y Errera apresentou ao governo espanhol um


memorial intitulado Historia de las demarcaciones de limites en las America entre los
domínios de España y Portugal, em que faz um balanço minucioso dos trabalhos
executados e dos problemas surgidos em campo. O conteúdo desse documento sugeriu
ao rei Carlos III três soluções: 1) renegociar com os portugueses, 2) usar as forças
militares para recuperar os territórios que consideravam seus e que foram usurpados
pelos portugueses, e 3) executar uma política de penetração sutil e cautelosa nesses
mesmos territórios para que voltassem à soberania espanhola.
O governo espanhol optou pela última solução, voltando assim a reaquecer os
ânimos da hostilidade nas fronteiras de domínios dos países ibéricos na América do Sul.
E assim findou o século XVIII, sem uma solução definitiva; os territórios em questão
continuariam à mercê dos mais ousados.
Uma outra questão de limites que não ficou consumada nesse século, foi com a
Guiana Francesa.

Viagem Filosófica ao Rio Negro

A Coroa portuguesa, desde o início do seu império colonial, conviveu com


precários conhecimentos efetivos sobre os seus domínios territoriais, como também de
suas potencialidades econômicas. Essa situação começou a mudar a partir de meados do
século XVIII, quando a Coroa portuguesa se desdobrava para debelar a crise econômica
que assolava Portugal, originada pela diminuição da produtividade aurífera no Brasil e
debilidade do comércio asiático. Com o objetivo de resolver esse problema tiveram que
buscar novas riquezas e estreitar e fortalecer as relações com as suas colônias.
O processo de busca para resolução da crise estava calcado nas teses do
Iluminismo que havia penetrado em Portugal por volta dos anos 20 do século XVIII.
Entretanto, foi somente a partir da reforma da Universidade de Coimbra (1772) e,
sobretudo, com a inauguração da nova Real Academia de Ciências de Lisboa (1779),
que o pensamento ilustrado português começou a se materializar em uma de suas faces:
a da busca do conhecimento e do domínio da natureza de suas possessões ultramarinas
da América, da África e da Ásia. Portanto, será nesse contexto que se situará a Viagem
Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira à Amazônia.

Alexandre Rodrigues Ferreira

O naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, luso-brasileiro, nascido na Bahia em


27 de abril de 1756, iniciou seus estudos no Seminário N. S. das Mercês, em Salvador.
Foi para Portugal em 1770, entrou para o Curso Jurídico de Coimbra — com a Reforma
pombalina (1772), passou a ser Curso de Leis —, depois estudou Filosofia Natural e
Matemática. Foi nomeado Demonstrador, de História Natural da Faculdade de Filosofia
da Universidade de Coimbra, 1777, onde também se bacharelou em Filosofia Natural no
ano seguinte.
Martinho de Melo e Castro, secretário e ministro de Estado dos Negócios e
Domínios Ultramarinos, incumbiu Domingos Vandeli, primeiro catedrático da
Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra, da tarefa de constituir um grupo de
cientistas para realizar as famosas viagens científicas por todos os domínios coloniais
lusitanos. Nesse seleto grupo foi incluído o jovem Alexandre Rodrigues Ferreira, que
ingressou no Real Museu da Ajuda, onde pôde aperfeiçoar sua formação teórica e
prática, o que resultou no seu doutoramento em 1779.

Expedição Científica ao Rio Negro

A expedição científica de Alexandre Rodrigues Ferreira era composta, além do


próprio naturalista, pelos desenhadores José Joaquim Freire e Joaquim José Codina e
pelo jardineiro-botânico Agostinho Joaquim do Cabo, e é claro pelos homens de
serviços, remadores, carregadores etc. A Viagem Filosófica partiu de Portugal em 1.o de
setembro de 1783, rumo a Belém, onde chegou em 31 de outubro do mesmo ano.
A expedição permaneceu em Belém por um ano, nesse tempo executou diversas
pequenas viagens pelos arredores da cidade, ilha do Marajó e pelo rio Tocantins. Em
setembro de 1784 Alexandre Rodrigues Ferreira e sua equipe partiram para a Capitania
de São José do Rio Negro, onde ficaram por cerca de dois anos. Com base de apoio em
Barcelos, no rio Negro, procederam à exploração dos rios Negro, Uaupés, Içana, Araca,
Demini, Ixié, Cauaburis e Branco.
Depois, subiram o rio Madeira, atingiram o rio Guaporé em direção à Vila Bela,
no Mato Grosso, de lá regressaram a Belém, em fins 1792; daí para Lisboa, onde
Alexandre Rodrigues Ferreira, tornou-se vice-diretor do Real Gabinete de História
Natural, em 1794.
No rio Negro, Alexandre Rodrigues Ferreira descreveu e avaliou a situação
urbana, demográfica, econômica e administrativa das diversas povoações por que
passou (Barcelos, Moreira, Tomar, Lamalonga, Marabitanas, São Gabriel da Cachoeira,
Poiares, Carvoeiro, Moura, Airão e Barra do Rio Negro). Elaborou Memórias sobre a
fauna, a flora e a mineralogia da região, ao mesmo tempo em que coletava amostras das
espécies da região, que seriam enviadas para o Real Gabinete de História Natural, em
Lisboa. Além disso, fez descrições das etnias existentes na Amazônia, como também
coletou grande quantidade de peças de valor etnográfico.

Acervo de Alexandre Rodrigues Ferreira

A obra de Alexandre Rodrigues Ferreira é composta por descrição sobre


geografia, história, botânica, zoologia, etnografia e geologia. Suas coleções zoológicas
somam a 1.583 exemplares; mineralogia e geologia a 59 minerais e 10 fósseis; seu
herbário e botânica a 1.360 plantas. Seus manuscritos somam ao todo 119: 56
compõem a Viagem Filosófica; e 63 obras diversas.
Parte desse fabuloso acervo amazônico foi disperso quando as tropas militares
de Napoleão Bonaparte, sob o comando do general Junot invadiram Portugal,
determinou-se que tudo que existisse no Museu seria levado para França. O
inventariador do saque foi Geofrey Saint Hilaire. Teriam saído de Portugal, conforme
Napoleão Figueiredo: 595 vertebrados, 508 insetos, 468 conchas, o herbário da coleção
Veloso, o herbário de Alexandre Rodrigues Ferreira com 1.114 exsicatas e mais os
manuscritos da Flora Fluminensis, Projectura Fluminensis, Specimen Florae Americana
Meridionalis e Lepdopteri Profectuare Fluminense de Veloso, Plantas do Pará e
Zoologia Paraense de Alexandre Rodrigues Ferreira.
Grande parte do material etnográfico recolhido por Alexandre Rodrigues
Ferreira encontra-se atualmente no Museu Laboratório Antropológico da Universidade
de Coimbra. Enquanto que os originais dos manuscritos e os desenhos produzidos
durante a sua viagem pela Amazônia estão depositadas na Biblioteca Nacional, no Rio
de Janeiro.

Acervo Etnográfico em Manaus

Em 1997, pela primeira vez, uma parte do acervo etnográfico coletado por
Alexandre Rodrigues Ferreira, durante a Viagem Filosófica, foi mostrada aos brasileiros
através da exposição Memórias da Amazônia: expressões de identidade e afirmação
étnica, realizada em Manaus, a partir de um convênio assinado entre a Universidade do
Amazonas, Universidade do Porto e Universidade de Coimbra.
Essa exposição foi visitada por cerca de 46.000 pessoas, além da presença de
representantes de vinte e três grupos étnicos: Apurinã, Arapaço, Baniwa, Baré, Cinta-
larga, Desana, Hiskaryana, Manchinery, Marubo, Matis, Makuxi, Sateré-Mawé, Suruí,
Tariana, Tikuna, Tukano, Tuyucam Katukina, Waimiri-Atroarí, Wai-Wai, Wapixana,
Wanana e Yanomami. Esses representantes desenvolveram diversas atividades da
cultura indígena, tais como: oficina de pinturas e desenhos; oficina de trançados; danças
e rituais; e cânticos e narrativas.

Imagem 38.

Índios Jurupixunas com máscaras de entrecascas. Reproduzido de Alexandre Rodrigues


Ferreira, obra citada, 1971 ( Antropologia, prancha 128).

Foram realizados também três grandes seminários: Seminário Construindo


Nossa História; Amazônia, Tempo e Realidade”: e Cultura Material, Imagens e
Representações, em torno dos quais reuniram-se, lideranças indígenas, entidades civis e
pesquisadores nacionais e estrangeiros, que juntos discutiram a situação dos povos
indígenas da Amazônia.
Durante a exposição ocorreu manifestações dos índios, liderados pela COIAB
(Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), reivindicando que
as peças etnográficas, em exposição, não voltassem mais para Portugal, sob a alegação
de que se tratava de uma produção dos povos indígenas, portanto, a eles pertenciam, isto
é, que os portugueses devolvessem o que teriam saqueado de seus antepassados étnicos.
No entanto, o acervo voltou para Portugal.

Imagem 39.

Maloca dos índios Curutus, rio Apoparis. Reproduzida de Alexandre Rodrigues, obra citada,
1971.

Leitura Complementar N.o 7


CARTA RÉGIA DE 03 DE MARÇO DE 1755, QUE CRIOU A CAPITANIA DE SÃO
JOSÉ DO RIO NEGRO

“Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador, e capitão-general do Grão Pará, e


Maranhão, Amigo, Eu El Rei vos envio muito saudar. Tendo consideração ao muito que convém
ao serviço de Deus, e meu, e ao bem comum dos meus vassalos moradores nesse Estado, que
nele se aumente o numero dos fiéis alumiados das Leis do Evangelho, pelo próprio meio da
multiplicação das Povoações civis e decorosas; para que atraindo a si os racionais, que vivem nos
vastos sertões do mesmo Estado separados da Nossa Santa Fé Católica, e até dos ditames da
mesma natureza: E achando alguns deles na observância das Leis Divinas, e humanas, socorro e
descanso temporal e eterno sirvam de estimulo aos mais que ficarem nos matos, para que
imitando tão saudáveis exemplos, busquem os mesmos benefícios: e atendendo a que aquela
necessária observância das Leis, senão conseguirá para produzir tão úteis efeitos se a vastidão do
mesmo Estado que tanto dificulta os recursos às duas capitais do Grão Pará e de São Luiz do
Maranhão senão se subdividissem em mais alguns Governos a que as partes possam requerer
para conseguirem que se lhes administre justiça com maior brevidade, sem a vexação de serem
obrigadas a fazer tão longas, e penosas viagens, como agora fazem. Tenho resoluto estabelecer
um terceiro Governo nos confins ocidentais desse Estado, cujo Chefe será denominado
Governador da Capitania de São José do Rio Negro.
O território do sobredito Governo se estenderá pelas duas partes do Norte, e do Ocidente
até as duas raias Setentrional, e Ocidental dos Domínios de Espanha, e pelas outras duas partes
do Oriente, e do Meio dia lhe determinareis os limites que vos parecerem justos, e competentes
para os fins acima declarados.
Para a residência do mesmo Governador Sou servido mandar erigir logo em Vila a
Aldeia que mandei novamente estabelecer entre a boca Oriental do rio Javari, e a Aldeia de São
Pedro, que administram os religiosos de Nossa Senhora do Monte do Carmo.
E por favorecer aos meus vassalos que habitarem na referida Vila, Hei por bem
conceder-lhe todos os privilégios, prerrogativas, isenções, e liberdades seguintes.
Os Oficiais da Câmara que forem eleitos na forma Ordenação deste Reino, e servirem na
referida Vila: Hei por bem que tenham, e gozem de todos os privilégios, prerrogativas que tem, e
de que gozam os Oficiais da Câmara da cidade do Grão Pará capital deste Estado, para o que se
lhe passará Carta em forma.
Os Oficiais de Justiça da mesma Vila, não serão dados de propriedade, nem de serventia
a quem não for morador nela. Entre os seus Habitantes os que forem casados preferirão aos
solteiros para as propriedades, e serventias dos Ofícios: porém os mesmos moradores solteiros
serão preferidos a quais quer outras pessoas de qualquer prerrogativa, e condição que sejam, ou
destes Reinos, ou do Brasil, ou de qualquer outra parte; de sorte que só aos moradores da dita
Vila se dêem estes ofícios.
E por mais favorecer aos outros moradores: Hei por bem que não paguem maiores
emolumentos aos oficiais da Justiças, ou Fazenda, do que aqueles que pagam, e pagarem os
moradores da cidade do Pará, assim pelo que toca a escrita dos Escrivães, como pelo que
pertence as mais diligências que os ditos oficiais fizerem.
Por favorecer ainda mais aos sobreditos moradores da referida vila e seu distrito: Hei de
por bem de os isentar a todos de pagarem fintas, talhas, pedidos, e quais quer outros tributos; e
isto por tempo de dose anos, que terão princípio do dia da fundação da dita vila em que se fizer a
primeira eleição das Justiça que hão de servir nela; Excetuando somente os dízimos devido a
Deus dos frutos da terra, os quais deverão pagar sempre como os mais moradores do Estado.
E pelo que desejo beneficiar esse novo estabelecimento: Sou servido que as pessoas que
morarem na sobredita vila não possam ser executada por dívidas que tiverem contraído fora dela
e do seu distrito. O que porém se estenderá somente nos primeiros três anos contados do dia em
que os tais moradores forem estabelecer-se na mesma vila, ou seja na sua fundação, ou tempo
futuro. Nem visto que deste privilégio não gozem os que se levantarem, ou fugirem com fazenda
alheia, a qual seus legítimos donos poderão haver pelos meios de direito, por serem indignos
dessa graças os que tiverem tão escandaloso, e prejudicial procedimento.
E para que a referida Vila se estabeleça com maior facilidade e essas mercês possam
surtir efeito: Sou servido ordenar-vos, que aproveitando a ocasião de vos achardes nessas partes,
passando à referida aldeia, depois de haveres publicado por editais o conteúdo nesta, e de
haveres feito relação dos moradores que se oferecerem para a povoar, convoqueis todos para
determinado dia, no qual sendo presente o povo determineis o lugar mais próprio para servir de
praça, fazendo levantar no meio dela o Pelourinho: assinando área para se edificar uma igreja
capaz de receber um competente número de fregueses, quando a povoação se aumentar, com
também as outras áreas competentes para as casas das vereações, e audiências, cadeias, e mais
oficinas públicas, fazendo delinear as casas dos moradores por linha reta, de sorte que fiquem
largas, e direitas as ruas.
Aos oficiais da Câmara que saírem eleitos, e aos que lhes sucederem, ficará pertencendo
darem gratuitamente os terrenos, que se lhe pedirem para casas, e quintais, nos lugares que para
isso se houverem delineado, só com a obrigação de que as ditas casas sejam sempre fabricadas
na mesma figura uniforme pela parte exterior. ainda que na outra parte interior as faça cada um
conforme lhe parecer, para que dessa sorte se conserve sempre a mesma formosura da vila, e nas
ruas dela a mesma largura, que se lhes assinar na fundação.
Junto da mesma Vila ficará sempre um distrito que seja competente, não só para nele se
poderem edificar novas casas na sobredita forma, mas também para logradouros público. Esse
distrito se não poderá em tempo algum dar de sesmaria, nem de aforamento em todo, ou em
parte, sem especial Ordem minha, que derrogue esta: por que sou servido que sempre fique
livre para os referidos efeitos.
Para termos da referida Vila assinareis na sua fundação aquele território que lhe parecer
competente, nele poderão os governadores dar de sesmaria toda a mais terra que ficar fora do
sobredito distrito; dando-a porém com as cláusulas, e condições que tenha ordenado: exceto no
que pertence a extensão da terra que tenho permitido dar a cada morador; por que nos contornos
da dita vila, e na distancia de seis léguas ao redor dela, não poderão dar de sesmaria a cada
morador mais do que meia légua em quadro, para que aumentando-se a mesma vila, possam ter
as suas datas de terras todos os moradores futuros.
Permito em tudo que dentro da sobredita distancia de seis léguas se conceda uma data de
quatro léguas de terra em quadro para a administrarem os oficiais da Câmara, e para do seu
rendimento fazerem as despesas, e obras do conselho, aforando aquelas partes da mesma terra
que lhes parecer conveniente, com tanto que observem o que a Ordenação do Reino dispõe a
respeito destes aforamentos.
Fora das ditas seis léguas darão os Governadores as sesmarias na forma das Ordens que
tenho estabelecido para o Estado do Brasil.
Depois de haveres determinado os limites do novo Governo que mando estabelecer,
encarregareis dele inteiramente, até Eu nomear Governador, a pessoa que vos parecer que com
mais autoridade, desinteresse, e zelo do serviço de Deus, e meu, e do bem comum daqueles
Povos, pode exercitar um lugar de tantas conseqüências, e promover um novo Estabelecimento
que é tão importante.
Semelhantemente, depois de haveres determinado a fundação da Vila referida forma,
impondo-lhe o nome de Vilanova de São José, elegereis as pessoas que hão de servir os Cargos
dela como se acha determinado pela Ordenação.
E Hei por bem que na mesma Vila haja (por ora) dois Juizes Ordinários, dois Vereadores,
um Procurador do Conselho, que sirva de tesoureiro, um Escrivão da Câmara, que sirva também
da Almotaceria; e um Escrivão do publico judicial e notas, que servirá também das execuções.
O que se entende em quanto a Povoação não crescer, de sorte que sejam necessários nela
mais oficiais de justiça, por que sendo-me presente a necessidade que deles houver, proverei os
que forem precisos:
E chegando os moradores ao número declarado na lei da criação dos Juizes dos Órfãos se
procederá na dele conforme dispõem a mesma lei. Os Oficiais da Câmara farão eleições dos
Almotaceis, e se constituirá Alcaide na forma da Ordenação, tendo seu Escrivão da Vara.
As serventias dos Ofícios do provimento dos Governadores provereis nas pessoas mais
capazes, sem donativo pelo tempo que podeis em quanto eu não dispuser o contrário.
E para conhecer dos agravos e apelações tenho nomeado Ouvidor da nova Capitania,
com correição e alçada em todo o seu território.
O que tudo me pareceu participar-vos para que assim o executeis não obstante quais quer ordens,
ou disposições contrárias promovendo a fundação do dito Governo, e Vila Capital dele com o
cuidado, e acerto que espero do zelo com que vos empregados no meu real serviço. Escrita em
Lisboa a 3 de março de 1755. = Rei = Para Francisco Xavier de Mendonça Furtado Governador
e capitão-general do Estado do Grão Pará, e Maranhão, ou a quem seu cargo servir (...)”.

UNIVERSIDADE DO AMAZONAS / CEDEAM. Carta do Primeiro Governador da Capitania


de São José do Rio Negro, Joaquim de Mello e Póvoas (1758-1761). Manaus, Setor Gráfico
Universitário, 1983, p. 69-73. Ortografia atualizada.
Indicações para Leitura
ARAÚJO E AMAZONAS, Lourenço da Silva (1984). Dicionário topográfico, histórico
descritivo da Comarca do Alto Amazonas. Edição fac-similada. Manaus: Grafima.

CARDOSO, Ciro Flamarion S. (1984). Economia e Sociedade em Áreas Coloniais Periféricas:


Guiana Francesa e Pará, 1750-1817. Rio de Janeiro: Graal.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues (1983). Viagem Filosófica ao Rio Negro. Belém: MPEG /
CNPq / Fundação Roberto Marinho.

FIGUEIREDO, Napoleão (1985). “Naturalista e as Gentes da Amazônia”. Boletim de Pesquisa


da Cedeam. N.° 7. Manaus: Universidade do Amazonas.

MONTEIRO, Mário Ypiranga (2000). Capitania de São José do Rio Negro. 3.ª Edição.
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PEREGALLI, Enrique (1982). Como o Brasil Ficou Assim. 5.ª Edição. São Paulo: (Col.
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______ (1993). Limites e Demarcações na Amazônia Brasileira. 2.ª edição. Vols. I II. Belém:
Secult.

______ (1940). Lobo D'Almada: um estadista colonial. 2.ª edição. Manaus: Governo do Estado
do Amazonas.

SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de (1985). As Viagens do Ouvidor Sampaio (1774-1775).


Manaus: ACA-Fundo Editorial.
SANTOS, Francisco Jorge dos (2002). Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na
Amazônia pombalina. 2.a edição. Manaus: Edua.

UNIVERSIDADE DO AMAZONAS / CEDEAM (1983). Carta do Primeiro Governador da


Capitania de São José do Rio Negro, Joaquim de Mello e Póvoas (1758-1761). Manaus: Setor
Gráfico Universitário.

UNIDADE II – AMAZÔNIA PORTUGUESA

Capítulo 8

Guerras e Rebeliões Indígenas do Século XVIII


Capítulo 8

GUERRAS E REBELIÕES INDÍGENAS DO SÉCULO XVIII

Na Capitania do Rio Negro, na segunda metade do século XVIII, além das


guerras e das rebeliões dos Manaus dos anos 20 e dos 50, aconteceram outros
importantes conflitos entre indígenas e portugueses e que redundaram nas chamadas
“pacificações”. Foram os casos dos Muras, dos Mundurucus e dos índios do rio Branco.

Os Muras
Os índios Muras apareceram para os colonizadores portugueses da Amazônia no
inicio do século XVIII. Os primeiro registros são de 1714 numa carta escrita pelo padre
Bartolomeu Rodrigues, situando-os entre os rios Maeci e Manicoré, tributários do
Madeira pela margem direita. A sua expansão territorial teve início entre os anos de
1723 e 1725, e não foi causada pela ação dos homens brancos, mas sim por uma
situação decorrente das próprias características das populações indígenas. Nesse
movimento centrífugo, do Madeira para o Amazonas, Solimões e rio Negro, chocaram-
se com os colonizadores.
Nos anos de 1738 e 1739, foram vítimas de devassa, inquérito que tinha por fim
justificar a declaração de uma guerra justa, o que acabou não acontecendo, pois não
recebeu a aprovação da Coroa portuguesa. No entanto, ao longo do tempo, esses índios
foram sendo massacrados pelas Tropas Auxiliares da Capitania, assim como, foram
também sendo contaminados por epidemias de sarampo e varíola.
Na segunda metade do século XVIII, autoridades portuguesas chegaram pedir ao
governo colonial que declarasse guerra aos Muras, pois eles seriam os responsáveis pelo
não desenvolvimento da Capitania do Rio Negro.

Imagem 40.

Índio Mura. Reproduzida de Paul Marcoy, Viagem pelo rio Amazonas. Manaus: Edua, 2001, p.
130.

Os “abomináveis índios Muras”

Ficaram conhecidos pela violenta belicosidade com que reagiram à colonização


durante todo o século XVIII, continuando, inclusive, até às proximidades de meados do
século XIX. Constituíram o paradigma dos índios bárbaros ou de corso, contra os quais
se deveria mover a mais enfurecida guerra, como queriam as autoridades da época. Sua
expansão territorial, a partir do rio Madeira, estendeu-se da fronteira do Peru até o rio
Trombetas, no atual Estado do Pará.

GENTIO DE CORSO – “Imagem náutica utilizada no período colonial para definir os povos
nômades que permaneciam afastados dos povoamentos, constituindo uma ameaça aos
empreendimentos coloniais, saqueando e roubando as vilas e aldeias dos índios domésticos. No
extremo-oeste da colônia a expressão “gentio de corço” foi aplicada aos Paiaguá e Guaicuru da
região do Chaco”.

AMOROSO, Marta Rosa. Guerra Mura no Século XVIII: versos e versões, representações dos
Mura no imaginário colonial. Campinas, Unicamp, 1991, p .5.

O padre João Daniel, em fins da década de 1750, teceu as seguintes


considerações acerca dos Muras:

“A nação Mura também tem muita especialidade entre as mais. É gente sem
assento, nem persistência, e sempre anda a corso, ora aqui, ora ali; e tem muita
parte do rio Madeira até o rio Purus por habitação. Nem tem povoações algumas
com formalidades, mas como gente de campanha, sempre anda em levante, e
ordinariamente em guerras, já com as mais nações, e já com os brancos, aos quais
querem a matar, ou tem ódio mortal. E não só assaltam as mais nações, mas ainda
nas mesmas missões tem dado vários assaltos, e morto a muitos índios mansos, de
que não puderam livrar, por serem repentinas, e inesperadas as investidas: e para
as evitarem lhes é necessário fazerem cercas de pau-a-pique, e estar sempre alerta;
e tem essa contínua guerra, não porque coma gente, ou carne humana, mas por
ódio entranhável aos brancos, a que estes mesmos deram muita causa” (DANIEL,
1976, p. 264 e 265).

O padre conta que o “ódio entranhável aos brancos” viria de um logro por parte
dos brancos. Pois um missionário tinha entrado em acordo com os Muras do Madeira,
no sentido de eles descerem para a sua missão, quando aquele núcleo colonial
oferecesse condições adequadas para recebê-los, “prontos, e prevenidos os víveres,
panos, e ferramentas, para os vestir, e sustentar, enquanto eles não fizessem roças
próprias”. Estava tudo acertado. Entretanto, um português, sabendo do trato, adiantou-
se, dizendo estar a serviço do tal missionário, levou os índios para a coleta das drogas
do sertão e depois os vendeu como escravos.
Há outra memória sobre o início dos confrontos belicosos dos Muras com os
portugueses. Diz-se que um tal sargento-mor João de Souza, conduzindo um comboio
canoas pelo rio Madeira, do Pará ao Mato Grosso, teve um encontro sangrento os
Muras. Os índios não teriam se manifestaram belicosamente, no entanto, foram
massacrados, pelos bacamartes e arcabuzes dos viajantes. Depois desta época adotaram
novo sistema de combater, e atacar-nos por guerrilha: tática que pesou muitos anos
sobre os núcleos coloniais, matando-lhes os melhores índios pescadores, e brancos
lavradores, com tal destreza, e velocidade de raio, que obrigou aos governadores da
Capitania do Rio Negro, para lhes refrear a audácia, mandá-los atacar anualmente as
suas aldeias pelas Tropas Auxiliares.

Imagem 41.

Índio Mura com Arco e Flecha. Reproduzido de Alexandre Rodrigues Ferreira, Viagem
Filosófica pelas Capitanias do Grão-Pará Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá – 1783-1793, Rio de
Janeiro: Conselho Federal de Cultura, 1971 (Antropologia, prancha 120).

Ofensiva dos Muras

No rio Madeira, por volta de 1724, o missionário jesuíta João de Sampaio


fundou o aldeamento indígena de Santo Antônio de Araretama, localizado na região das
cachoeiras. Depois essa missão foi obrigada mudar algumas vez de lugar para se fixar
em 1742, com a denominação de Trocano. Em 1756 foi elevada à categoria de vila com
a denominação portuguesa de Borba, a Nova. Essas mudanças de localização não
aconteceram por simples motivos climáticos ou em busca de meios para prover a missão
indígena, mas, segundo todas as fontes da época, a principal razão se deve tributar aos
ataques dos índios Muras
Há também o caso dos muitos deslocamentos do aldeamento de Abacaxis,
situado originalmente no rio do mesmo nome, que, devido às freqüentes visitas belicosas
dos Muras, tiveram que mudá-lo para a margem esquerda do Amazonas, o qual com a
política de Pombal em lusitanizar todos os núcleos coloniais, passou a ser chamado de
Vila de Serpa.
O ouvidor e intendente Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, em viagem de
correição pela capitania do Rio Negro nos anos de 1774 e 1775, visitou todos os núcleos
coloniais dos rios Amazonas, Madeira, Solimões e Negro. Em tal passagem, registrou as
suas impressões sobre os índios Muras.
Outro agente do governo colonial lusitano a deixar suas impressões acerca dos
índios Muras foi o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Para o ouvidor Ribeiro de
Sampaio, como para esse naturalista, “as hostilidades e crueldades do gentio Mura,
principalmente na Capitania do Rio Negro, têm também sido, pelo espaço de tempo de
todos os sobreditos governos, outro reconhecido e inseparável obstáculo contra o maior
progresso da lavoura e do comércio daqueles oprimidos moradores”. Por isso, também
se põe a favor da declaração de guerra contra esses índios, para justificar tal ação,
descreveu uma série de conflitos entre os colonos e os índios Muras, na Capitania do
Rio Negro.

Muras e o Projeto Colonial

O projeto colonial português para a Amazônia a essa altura, ainda era o de


Pombal, elaborado na década de 1750, que até então ainda não tinha sido implantado
satisfatoriamente. As autoridades coloniais, tanto as do tempo do governo de Pombal
(1750-1777) como as posteriores, já haviam feito sérias observações sobre a sua
inviabilidade, como já foi mencionado oportunamente.
Acredita-se na possibilidade de que as “inarráveis crueldades” dos Muras terem
sido usadas como um subterfúgio político, tecido pelas autoridades coloniais com o fim
de desviar a atenção das verdadeiras razões dos seus fracassos como administradores de
uma política de desenvolvimento regional mercantilista.
Já se estimou uma população acima de 60.000 índios na época da pacificação,
espalhados pelos rios Amazonas, Madeira, Abacaxis, Autazes, Solimões, Manacapuru,
Purus, Codajás, Mamiá, Catuá, Caiamé, Negro, Jaú, Coari, Tefé, Capucá e Japurá, e em
quase todos os núcleos coloniais situados nas margens desses rios, também em Óbidos
(de 30.000 a 40.000, em 1820; cerca 3.000, em 1864; de 1.390 a 1.600, em 1948).
Parece razoável admitir que o tamanho do território justifica a quantidade de índio,
contudo, Marta Rosa Amoroso levanta uma hipótese de que essa população mura foi
superestimada, assim como o território a ela atribuída sofreu também do expediente de
exageros, pois, segundo essa autora:

“uma releitura dos dados históricos possibilita detectar os deslizamentos semânticos


que ocorreram com o etnônimo Mura no século XVIII, quando etnias diversas – que se
mantiveram afastadas do sistema colonial, ou dele desertaram – foram tomadas como
índios Mura” (AMOROSO, 1994, p. 12).

Imagem 42.

Índio Mura com Paricá. Reproduzido de Alexandre Rodrigues Ferreira, obra citada, 1971 (
Antropologia, prancha 121).

Do mesmo modo, há dúvidas sobre o instrumento político em que se tornaram as


“inarráveis crueldades” dos Muras. Pode-se considerar que os exageros que tenham sido
cometidos nas estimativas demográficas e territoriais pelas autoridades portuguesas
tiveram os mesmos objetivos políticos já mencionados. Entretanto, ainda que tenha
havido tais exageros, tanto no que diz respeito comportamento belicoso, quanto na
expansão territorial e no quantitativo demográfico, não parece que isso altere
significativamente o papel desses índios no contexto da história da política de
resistência à colonização portuguesa da Amazônia.

A “pacificação” dos Muras

A pacificação dos Muras surpreenderam as autoridades portuguesas, quando


pediram a “paz e amizade” aos dirigentes dos núcleos coloniais da Capitania do Rio
Negro. Atribui-se a essa surpreendente atitude dos Muras as seguintes razões:

1). Os ataques anuais das Tropas Auxiliares da Capitania e as diversas expedições


punitivas;
2) O gradual enfraquecimento da tribo causado pelas epidemias;
3). A necessidade de consumo de medicamentos e ferramentas dos brancos;
4. E, particularmente, a implacável guerra que os Mundurucus faziam contra eles.

O ouvidor Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio (1774-1775) e o naturalista


Alexandre Rodrigues Ferreira (1783-1784) pediram ao Governo Colonial que declarasse
guerra aos Muras, pois eles seriam os “responsáveis” pelo não desenvolvimento da
colônia. A conseqüência desse argumento, mais as razões listadas acima,
transformaram-se em fator determinante para que, em maio de 1784, a nação Mura
iniciasse o processo de autopacificação junto ao diretor Matias Fernandes, do Lugar de
Santo Antônio de Maripi, no rio Japurá. Processo que durou até 1786, nos rios Japurá,
Madeira, Amazonas e Solimões; e finalizou com o mesmo ato, em 1787, no Lugar de
Airão, no rio Negro.
Esse processo foi largamente documentado, existe uma grande quantidade de
cartas que foram trocadas entre as autoridades coloniais durante os anos de 1784 e 1786,
todas já publicadas. De todos os pontos da Capitania do Rio Negro, os agentes
envolvidos se comunicavam acerca dos acontecimentos e traçavam estratégias
demonstrando, assim, a ideologia indigenista da época.
O antropólogo Carlos de Araújo Moreira Neto afirma que depois, da pacificação
desses índios, nada se fez para aldeá-los, ao contrário do que ocorreu com os Maués e
Mundurucus. Muito pior, os portugueses, através de uma política dúplice e dilatória,
tentavam enfraquecer e dividir esses índios e, para tal, mobilizavam contra eles os
Mundurucus. Abandonados e hostilizados, os Muras voltaram a atacar e a matar os
colonos. A resistência Mura crescia: em 1819, voltaram a dificultar as comunicações
fluviais entre o Pará e o Mato Grosso. Os conflitos dos Muras com a sociedade regional
culminaram com sua expressiva participação na Cabanagem, ao lado dos rebeldes
cabanos.

* * *

A Língua dos Muras

Os Muras, “de acordo com maioria dos lingüistas (...), falavam uma língua
isolada. Depois da pacificação, na década de 1780, os Muras começaram a adotar a
língua geral, embora no tempo da viagem de Martius (1817-1820) essa língua ainda
fosse pouco usada entre eles. Trinta anos depois, mesmo falando a língua geral, ainda
usavam entre si a língua materna. No final do século XIX, a maioria dos grupos
substituiu o língua geral pelo português. Alguns grupos ainda falam a língua geral entre
si; quanto à língua Mura, na década de 1940, apenas individual e ocasionalmente era
verbalizada. Em muitos grupos ela desapareceu completamente” (Cf. SANTOS, 2002,
p. 66 e 67).
Porém, as comunidades indígenas Muras, reunidas em Autazes, em 2006,
assumiram o Português como “língua materna”. Disseram os indígenas:

“Temos consciência que falar ou estudar uma língua indígena não nos faz “mais” ou
“menos” Mura e que a língua portuguesa é a nossa língua materna. Entretanto,
entendemos que o Nheengatu poderá servir como forma de defesa e valoriza’`ao da
nossa identidade junto a outros povos” (Documento Final do I Fórum de Política
Lingüística, realizado em Autazes, em 04 e 05 de maio de 2006).

Imagem 43.

Índios Muras, durante a revisão do livro “Aldeias Mura”, em Autazes. Foto de F. J.


Santos, 2006.
Os Manaus
A melhor representação da resistência e de demonstração de serem os indígenas
agentes de sua própria história foram as situações criadas pelos índios da nação Manau
na região do baixo e médio rio Negro, resultando na famosa guerra entre esses índios e
os portugueses na década de 1720. Esse conhecimento histórico ainda carece de
pesquisas com maior profundidade.

Guerra dos Manaus

A cidade de Belém, na segunda década do século XVIII, sofria de aguda falta de


mão-de-obra indígena motivada pelos maus tratos e pela epidemia de varíola que
devastou os “currais” de índios de suas adjacências. A resposta prática para o problema
seria a expedição de tropas de resgate de índios para o lado oeste da Amazônia.
Em 1723, o governador do Pará, João da Maia da Gama, autorizou as tropas de
resgate. A do rio Negro logo teve de enfrentar a resistência dos Manaus, que formavam
uma espécie de barreira humana à penetração portuguesa na região, que, nessa
investida, logrou algumas baixas nas suas fileiras. Devido a isso, a autoridade paraense
instaurou um processo de devassa a fim de apurar os fatos e punir os culpados.
O resultado, da devassa não deve ter sido surpreendente: os Manaus foram
considerados culpados e acusados de infidelidade para com a Coroa portuguesa, pois
estariam praticando atividades comerciais de manufaturados e traficando escravos
indígenas com os holandeses da fronteira norte da colônia. Segundo o ouvidor Ribeiro
de Sampaio, os Manaus:

“tinham feito uma aliança com os holandeses da Guiana, com os quais comerciava[m]
pelo rio Branco. A principal droga deste comércio eram escravos, a cuja condição
reduzia os índios das nossas aldeias, fazendo nelas poderosas invasões” (SAMPAIO,
1985, p. 114).

O governador, de posse desses dados, imediatamente solicitou de Lisboa


autorização para fazer uma “guerra justa” contra os Manaus. Contudo, enquanto se
aguardava a ordem régia para a declaração oficial da guerra, no rio Negro, os Manaus
sob a liderança de Ajuricaba combatiam as tropas de resgate incessantemente.
O governo, através dos jesuítas, tentou uma negociação de paz, o que durou
muito pouco, e logo as investidas dos índios do rio Negro contra os nascentes núcleos
coloniais reiniciaram. A situação estava, quase fora de controle, e a Ordem Real para a
realização da guerra não chegava. Então, as autoridades coloniais reuniram-se e, mesmo
sem o “sim” da metrópole, declararam a “guerra justa” aos Manaus e seus aliados.
Por volta do início de 1727, foi organizada uma expedição militar, composta de
tropas de guerra e de tropas de resgate, sob o comando do capitão João Paes de Amaral,
que se uniu ao capitão Belchior Mendes de Morais, que já se encontrava na região
fazendo guerra aos índios desde 1723. Os confrontos foram sangrentos, muitos índios
morreram, milhares foram presos, entre eles Ajuricaba, e foram enviados para Belém.
Ajuricaba, durante essa viagem, teve sua vida ceifada em circunstâncias
duvidosas. A versão oficial atesta que o chefe Manau teria comandado uma rebelião dos
índios cativos, a qual foi reprimida pelas forças militares portuguesas, o que teria levado
o orgulhoso Ajuricaba ao suicídio. O ouvidor Ribeiro de Sampaio narrou esse epílogo
do seguinte modo:
“concluíram estes dois cabos a mais afortunada guerra, aprisionaram o Ajuricaba
com mais de dois mil índios, e sendo remetido o mesmo Ajuricaba para o Pará,
teve a intrepidez de causar na canoa uma sublevação unido e conjurado com os
mais prisioneiros que nela iam, de sorte que, ainda assim preso mostrou ânimo, e
esforço, que foi necessário grande fortuna, para se apaziguar o motim: porém o
Ajuricaba vendo impossibilitados os meios de ser livre da prisão, e obrigado a
ceder à infelicidade, com incrível resolução, e ânimo se lança com os mesmos
ferros, que levava ao rio aonde achou na sua opinião morte mais heróica, do que a
que alcançaria no patíbulo, que o esperava”. (SAMPAIO, 1985, p.115).

Os combates não terminaram com a morte do líder dos Manaus, em 1727,


prosseguiram ainda até o final da década, quando as tropas militares lusitanas
“castigaram” a nação dos índios Maiapenas na zona das cachoeiras, os mais importantes
aliados dos Manaus. Ficando, então, todo o vale do médio e alto rio Negro livre ao
acesso das investidas sertanistas lusitanas.

Ajuricaba, “o flagelo dos índios e dos brancos”

O nome da nação dos índios Manaus está na memória coletiva ligado ao de


Ajuricaba, seu chefe principal na época dos confrontos belicosos com as tropas militares
portuguesas, quem a historiografia tradicional transformou, no “símbolo do heroísmo
amazonense”, que na opinião de uma autoridade colonial, ele era um dos mais
poderosos principais dos Manaus:

“A natureza o tinha dotado com ânimo valente, intrépido, e guerreiro. (...) Corria o rio
Negro com a maior liberdade, usando nas suas canoas da mesma bandeira holandesa de
sorte, que se fazia universalmente, e era o flagelo dos índios, e dos brancos”.
(SAMPAIO, 1985, p.114).

O heroísmo de Ajuricaba, ao que parece foi uma criação dos próprios


colonizadores, na medida em que, valorizaram em demasia, a figura do chefe Manau,
talvez como um meio de sensibilizar a Coroa portuguesa, numa conjuntura em se
elaborava um auto de devassa para se obter a permissão régia para uma Guerra Justa
contra os Manaus. Parece que daí viria a construção do adjetivo “flagelo dos brancos”.
Quanto ser o “flagelo dos índios”, se deveria ao fato de Ajuricaba ter sido
acusado de comandar invasões de aldeias no rio Negro para alimentar o tráfico de
escravos indígenas com os holandeses. Portanto, visto como um concorrente dos
portugueses, no ramo da aquisição da mão-de-obra indígena em uma fronteira ainda em
expansão.
A própria descrição da sua morte pelos colonizadores sugere martírio: “aonde
achou na sua opinião morte mais heróica, do que a que alcançaria no patíbulo, que o
esperava”. Portanto, uma narrativa dramática, de quem preferiu por fim a sua própria
vida, que ser executado pelos inimigos.
J. R.Bessa Freire, que analisou a historiografia tradicional acerca do “heroísmo”
de Ajuricaba levanta as seguintes questões:

“Afirmar que um Ajuricaba foi um “grande general” é desconhecer o sistema de chefia


e de hierarquia da sociedade dos Manaó. E ainda por cima acrescentar que ele “soube
conduzir os seus irmãos de raça” é uma estranha e curiosa afirmação que não explica a
derrota rápida e fulminante do povo Manaó. Soube conduzir para onde? Que sábia
condução foi esta que levou ao extermínio ?” (FREIRE, 1994, p. 50).

* * *

Os Manaus derrotados passaram a conviver aldeados nos núcleos coloniais


portugueses. Porém, em 1757, promoveram uma série de levantes no rio Negro, que
estremeceu novamente o domínio lusitano na região.

Revolta do Rio Marié

O governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado experimentou duas


importantes rebeliões indígenas: a revolta do rio Marié, um conflito entre índios e
portugueses por ocasião de uma operação de descimento, em 1755; e a Última
insurreição dos Manaus, levante em três povoações da região, em 1757, que foi
sufocado por tropas militares. Esses acontecimentos foram documentados tanto pela
administração colonial, quanto pelos viajantes da época.
A revolta do rio Marié, teve como início a organização de uma expedição
formada por várias canoas, um oficial militar, um capelão, diversos praças, vários
índios, além de Antônio José Landi – arquiteto italiano membro da segunda comissão de
demarcação de limites – partiu de Mariuá, em de setembro de 1755 com objetivo
realizar uma operação de descimento dos índios das aldeias dos principais Manacassari
e Aduana situadas no rio Marié, afluente do rio Negro.
Após alguns incidentes, e antes de chegar ao destino anteriormente traçado,
Manacassari se separou do comboio sob a alegação de que deveria ir na frente para
reunir seu pessoal para fazerem um alegre encontro. Mas e partiu pouco contente com
os presentes que recebera (duas dúzias de facas e de tesouras, doze navalhas e vinte e
quatro berimbaus, com alguns fios de contas de vidros). O cabo-de-esquadra Muniz, ao
perceber a atitude pouco convencional daquele principal, comentou com Landi que
aquela operação de descimento indígena tinha começado mal, e temia por seu insucesso.
Quando a tropa chegou ao lugar combinado para o início da operação, o
vaticínio do cabo Muniz começava a se confirmar. Ali não havia nenhum índio.
Passaram então procurá-los, em vão. Depois de muito esforço, a tropa conseguiu
encontrá-los reunido fazendo farinha. Mas, o cabo Muniz voltou a ficar preocupado,
pois percebeu que o número de índios aumentava cada vez mais e com eles também o
número de arcos, flechas e de arcabuzes. Para remediar a situação, fizeram ainda os
portugueses várias embaixadas junto aos principais, mas sem os resultados esperados.
Numa dessas estourou a guerra e quase toda a comitiva do cabo Muniz foi
morta, o restante da expedição, que estava acuada numa ilha nas proximidades dos
acontecimentos, não teve alternativa senão a de bater em retirada, deixando para traz,
inclusive, a Real bandeira da canoa.
A expedição chegou de volta a Mariuá, em novembro, com a vergonha da
derrota. O segmento militar humilhado foi recebido friamente pelas autoridades. Landi
teve outra recepção: foi convidado para cear com o governador um bom peixe fresco,
onde beberam em saudação ao seu regresso. Na oportunidade, o arquiteto italiano
agradeceu a Deus por ter-lhe livrado das mãos dos índios.
Três anos depois, a reação portuguesa foi cruel, a povoação de Manacassari foi
arrasada pelas tropas do capitão Miguel de Siqueira, que em 1758. A morte desse chefe
indígena, serviu de troféu aos lusitanos.

Última Insurreição dos Manaus

A última insurreição dos Manaus iniciou no aldeamento de Dari quando o frei


carmelita Raimundo Barbosa de Santo Eliseu, obrigou o Principal Domingos a se
separar de uma sua “concubina”. Essa atitude do missionário foi a faísca responsável
pela provocação incêndio que abalou o rio Negro, em 1757. No qual ficaram ao lado de
Domingos ficaram outros principais como João Damasco, Ambrósio e Manoel.

Imagem 44.

Prospecto da Aldeia de Dari, no rio Negro. Gravura de J. André Schwebel, c.1755.


Reproduzida de Marcos Carneiro de Mendonça, obras citada, 1963, p. 630-A.

Em primeiro de junho invadiram a casa do missionário, não o encontrando,


saquearam e destruíram os móveis. Em seguida, os amotinados, passaram
imediatamente à igreja, onde derramaram os santos óleos, levaram os ornamento e os
vasos sagrados, danificaram a capela-mor e depois botaram fogo na povoação.
Os dias se passavam e o movimento crescia em volume, ganhando novos
rebeldes indígenas. Crescia também em qualidade com a adesão dos principais
Manacassari do região do rio Marié e de Mabé da povoação de Poiares. Juntos em
armas marcharam sobre a aldeia de Caboquena em 24 de setembro onde encontraram e
mataram o missionário carmelita frei Raimundo Barbosa de Santo Eliseu. No confronto
foi morto também o Principal Caboquena, aliado dos brancos e, muitas outras pessoas.
Os índios rebelados saquearam a povoação e também incendiaram a igreja.
Dois dias depois do confronto em Caboquena, a massa de índios já vitoriosa
invadiu a aldeia de Bararoá. Nesse local havia um destacamento militar de vinte
homens, sob o comando do capitão-granadeiro João Teles de Menezes e Melo, que sem
motivos aparentemente explicáveis abandonou a aldeia deixando-a desguarnecida e ao
controle dos rebeldes indígenas, que foram, também, à igreja onde promoveram saques,
como também cortaram a cabeça da imagem de Santa Rosa – passaram a usar na proa
de uma de suas canoas –, queimaram o corpo da mesma imagem sobre o altar, e atearam
fogo na maior parte da aldeia. Ao saírem do campo de ação, mataram ainda dois
soldados e colocaram outros em fuga e seguiram para a ilha de Timoni (atual ilha
Grande), onde acamparam para traçar nova estratégia e esperar por mais aliados
indígenas. Essa confederação de guerreiros indígenas do rio Negro teria como alvo de
ataque Mariuá (Arraial do Rio Negro)
Mariuá, há pouquíssimo tempo (março de 1757), tinha sido teatro de uma
sublevação de soldados motivada pela falta do pagamento dos seus soldos. Depois de
dominarem seu superior hierárquico, saquearam o arraial, os pesqueiros reais e fugiram
em 10 canoas reais buscando em sua viagem pelo Solimões acima a buscar as
povoações espanholas. Portanto, com a deserção da tropa, aquela sede estaria
desguarnecida militarmente, o que seria uma dádiva aos confederados indígenas.
O sargento-mor, Gabriel de Souza Filgueira, comandante da guarnição de
Mariuá, imediatamente entrou em contato com o governador do Estado em Belém, o
qual com a mesma prontidão expediu uma tropa de infantaria com 180 homens sob o
comando do capitão Miguel de Siqueira, militar portador de uma larga experiência em
fazer guerra contra os índios,
A repressão colonial aos indígenas rebelados foi severa, mas não parou por aí.
Logo em seguida, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, viajando pela segunda e
última vez pelo rio Negro, no inicio de 1758, ordenou o ouvidor-geral Pascoal de
Abranches Madeira que instaurasse uma devassa para identificar e punir os culpados.
Os corpos de delitos foram formalizados nos mesmos locais dos acontecimentos.
Três índios foram sentenciados e executados em Moreira, cujas cabeças ficaram
expostas na forca para que seus parentes não esquecessem depressa aquele
“preciosíssimo e indispensável castigo”, segundo, os autos do processo.
As execuções seriam castigos exemplares, comuns na época. Os executados, ao
que tudo indica, eram apenas índios comuns, possivelmente elementos que formavam o
grosso do contingente rebelado. Alexandre Rodrigues Ferreira, que esteve nessa região
por volta de 1786, disse que “aonde foram justiçados os três índios, Luiz, Miguel e
João: ainda está em pé um dos postes, que se levantaram”.
Muitos outros confrontos dessa natureza entre índios e portugueses aconteceram
na Amazônia na época colonial.

Imagem 45.

Índio Mundurucu com Troféu. Reproduzida de Spix e Martius, Viagem pelo Brasil - 1817-
1820. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. Vol. III p.273.

Os Mundurucus
Os Mundurucus, povo indígena de língua tupi, viviam originalmente, segundo a
tradição, na aldeia de Nicodemus, no alto curso do rio Cururu, um dos formadores do
Tapajós. Esse local proporcionava maior segurança contra os ataques inimigos. “Eram
gente alta (vários mediam seis pés e meio), peito largo, fortíssima musculatura,
freqüentemente de cor muito clara, de feições largas, bem pronunciadas e, embora
afáveis, rudes, cabelos pretos luzidios, cortados na testa, e todo o corpo tatuado com
linhas finas:

“Os Mundurucus tatuam todo o rosto ou pintam no meio da face malha meio elíptica, da
qual partem numerosas linhas paralelas sobre o queixo, mandíbula e pescoço, até o
peito. Do meio de uma espádua até a outra, correm sobre o peito duas ou três linhas,
separadas meia polegada uma da outra, e, abaixo destas, até ao fim do peito, se acham
desenhos romboidais verticais, ora cheios, ora vazios. O resto do tronco é riscado com
linhas paralelas ou formando redes. As costas são igualmente tatuadas, porém menos
completamente, e nas extremidades repete-se a série de linhas, com ou sem rombos.
Cada qual faz a seu gosto algumas variantes. Nas mulheres, é raro ver-se o rosto todo
enegrecido; a malha que elas trazem tem forma de lua crescente, de pontas voltadas para
cima" (SPIX & MARTIUS, 1981, p. 275-276)

As aldeias Mundurucus eram unidades políticas autônomas sob a liderança dos


chefes e dos mais velhos. Internamente cada uma era constituída pelas casas-dos-
homens e por três ou cinco casas de moradia, dispostas num círculo, em volta de uma
praça central limpa. As casas-dos-homens formavam um núcleo dentro da aldeia, eram
uma instituição que tinha grande importância para a sociedade mundurucu; ali os
homens comiam, dormiam, trabalhavam, repousavam e se reuniam em conselho. Era ali,
também, que tocavam as trombetas sagradas, longe do olhar feminino. Nas casas de
moradia habitavam as mulheres e as crianças.

Guerras e os Troféus

A fonte da fama dos Mundurucus e o foco dos seus interesses próprios era a
guerra. Os grupos guerreiros recrutavam voluntários de inúmeras aldeias, sempre
deixando, em cada uma delas, homens em número suficiente para fins de defesa e para
prover à subsistência dos que eram deixados para atrás. Dois chefes, de renome e
bravura, dirigiam o grupo guerreiro mas eram orientados ou aconselhados pelos outros
chefes da aldeia e pelos velhos. Dois guerreiros experimentados, pertencentes a uma
sociedade conhecida como a muchachá anyen, acompanhavam cada expedição e eram
os guardiões de uma trombeta de guerra conhecida como pem. O sinal de ataque era
dado nesse instrumento, pelos dois muchachás sob a direção dos líderes”.
Nas expedições de guerra, os Mundurucus levavam suas mulheres para, entre
outras atividades, preparar alimentos e carregar utensílios de uso diário. Normalmente
essas expedições tinham início no começo do verão e freqüentemente eram concluídas
antes do cair das primeiras chuvas. Entretanto, muitos grupos guerreiros não retornavam
aos domicílios de origem, senão após um ano ou um ano e meio.
Entre os Mundurucus era comum o uso da seguinte estratégia de guerra frente
aos seus inimigos indígenas: cercavam a aldeia inimiga e lançavam-se em ataques pela
madrugada, incendiavam as aldeias sitiadas, matavam todos os adultos inimigos e suas
cabeças eram seccionadas e, depois de mumificadas, eram conduzidas como troféus. As
crianças eram levadas para serem adotadas pelos captores e criadas como Mundurucus.
Eles faziam freqüentemente guerras a outros índios seus inimigos, com o fim
precisamente de aprisionar mulheres moças e crianças, e não de matá-las. Matam sim os
homens, cujas cabeças conservam como troféus.

“O efeito mágico das cabeças secas trazia abundância de animais silvestres aos
caçadores Mundurucus e, a par disso, simbolizava o orgulho dos mesmos no que dizia
respeito às suas façanhas guerreiras. O guerreiro que conduzia o troféu adquiria
prestígio e glória e tornava-se responsável pela organização das cerimônias relacionadas
com a cabeça-troféu, cerimônias que se realizavam num ciclo durante três estações
chuvosas consecutivas, depois da guerra” (MURPHY & MURPHY, 1954, p. 7 e 8).

Imagem 46.

Troféu dos Índios Mundurucus. Foto de Juan Pratiginestós (Coleção Johann Natterer /
SCA-MMA).

Primeiros Contatos e a Expansão

A presença dos índios Mundurucus, só começaram a aparecer a partir de meados


do século XVIII, de tal modo que os estudiosos do assunto estão de acordo que a
primeira referência acerca desses indígenas foi feita pelo padre José Monteiro de
Noronha, vigário-geral região dos rios Abacaxis-Canumã-Maués da Capitania do Rio
Negro, em 1768.
Depois dessa primeira referência, os Mundurucus passaram a fazer parte de
todos os relatos que se referiam à região dos rios Madeira, Tapajós e adjacências.
Passaram a fazer parte do cenário colonial da região teriam chegado em sucessivas levas
migratórias oriundas do alto Tapajós. Os Mundurucus registrados por Noronha teriam
partido do habitat original, atravessando o Tapajós rumo ao interior da área, alcançando
aquela região e, posteriormente, curso baixo e a foz do Tapajós.
As incursões dos Mundurucus não se restringiram apenas a esses pontos
mencionados, tais expedições bélicas foram muito além. Por exemplo, em 1793, já
tinham atingido no rio Xingu Portel, Melgaço, e até Oeiras, no Tocantins, chegando até
o rio Moju. Das cabeceiras do Moju se passa facilmente às do Capim, que conflui com o
Guamá, o rio da cidade Belém.
Desde o início da década de 1770, tem-se notícias das atividades guerreiras dos
índios Mundurucus. Dessa época até meados da década de 1790, essa nação indígena
inquietou não só os colonizadores, mas também seus vizinhos indígenas Parintintins,
Maués, Araras, Muras e outros, durante os seus movimentos expansionistas. Um
espectro geral dos índios Mundurucus, documentado pelos portugueses no que se refere
à sua expansão territorial e as suas características marciais, foi sintetizado na carta
remetida pelo governador do Pará, Martinho de Sousa e Albuquerque, ao ministro dos
Negócios Ultramarino, Martinho de Melo e Castro, em 17 agosto de 1788:

Entre as nações gentias, que aqui temos próximas a nós, são os Mundurucus aqueles que
se fazem presentemente mais terríveis, tanto em razão do seu grande número, como da
sua ilimitada barbaridade: estes homens habitantes no sertão do rio Tapajós, não só
descem repetidas vezes às suas margens a encontrar nossas canoas, mas adiantando-se
cada dia no seu curso, têm chegado por último a inquietar, e atacar os moradores
daqueles distritos dentro mesmo dos seus sítios, e roças, roubando e matando tudo
quanto encontram, sem reserva, nem piedade. (...) nas suas bárbaras expedições, fui
informado de haverem ultimamente causado bastante estrago no território da vila de
Alter do Chão (...), eles não atendem nem à idade, nem ao sexo, só sim ao maior número
de vítimas, para aumentarem com elas o seu triunfo, e executarem aquelas
desumanidade, que eu já fiz ver a V. Ex.ª nas cabeças, que lhe remeti de alguns
infelizes, por eles mortos, e que vinham preparadas e conservadas para ornato horroroso
das suas casas. (Apud SANTOS. 2002, p. 189-192).

Portanto, os Mundurucus, partindo do alto do rio Tapajós, penetraram e


dominaram uma vasta região do Estado do Grão-Pará e Rio Negro, entrando em choque
com a população de brancos, de índios aldeados e outras nações indígenas ao longo do
seu trajeto, provocando, com isso, verdadeiro clima de terror entre autoridades e tais
populações.
Tais circunstâncias implicaram problemas econômicos e políticos, uma vez que
os choques geraram um verdadeiro pandemônio na região, privando, muitas vezes, os
índios aldeados de lavrar a terra para produção de alimentos básicos para o auto-
sustento, para suprir os centros urbanos e as tropas militares.
Isso fez as autoridades coloniais considerarem também os Mundurucus um sério
obstáculo ao desenvolvimento da região, por causa disso propuseram não só a guerra,
mas também o cativeiro. Porém, sem recursos materiais, militares e espirituais
satisfatórios, isto é, não dispunham de religiosos para “domá-los”, nem tropas
suficientes para exterminá-los, o governo colonial se declarou impotente frente à
audácia do gentio Mundurucu. Além disso, os portugueses ainda estavam em guerra
com os Muras, às voltas com as questões de limites e com a ameaça latente de uma
invasão francesa.
A “pacificação” dos Mundurucus

Depois de cerca de 25 anos de confronto com os portugueses aconteceu chamada


Pacificação dos Mundurucus, que em linhas gerais, recebeu duas orientações básicas.
Uma e outra convergiram para o mesmo fim, chegando aos resultados esperados pelas
autoridades coloniais no ano de 1795.
Na Capitania do Rio Negro, foi posto em prática o projeto de Lobo D’Almada, o
qual funcionou da seguinte maneira: as tropas militares capturavam alguns índios, estes
eram levados aos núcleos coloniais, onde eram tratados (se estavam feridos, eram
curados e depois recebiam os presentes); em seguida, eram deixados ir embora para as
suas aldeias de origem. Além dos presentes, levavam como bagagem também o
compromisso de trazer os seus chefes para se entenderem com as autoridades coloniais,
ocasião em que seriam negociadas as bases para os descimentos, isto é, as bases para
um tratado de paz.
Através desse método, em meados de 1794, a paz entre os índios Mundurucus e
os colonizadores portugueses da Capitania do Rio Negro estava sendo alcançada.
Enquanto que na Capitania do Pará, em fins de 1794, os descimentos ainda não
tinham iniciado, e havia expectativa de ataques das tropas coloniais aos índios
Mundurucus. O comandante de Santarém informou ao governador do Pará que estaria
pronto para mandar, no dia 15 de janeiro próximo futuro, uma tropa militar para atacar
os Mundurucus dessa capitania, e que não o fez antes por falta de mantimentos e outros
problemas. Entretanto, sugere não ser mais necessário enviá-las para tal empreitada,
porque aqueles índios não representariam mais perigo, pois possuía informações de que,
naquele momento, estavam em processo de descimento, na Capitania do Rio Negro.
No calor desses acontecimentos ocorreram-se contendas internas entre os
governantes coloniais Francisco de Souza Coutinho versus Manuel da Gama Lobo
D’Almada, que operavam com políticas indigenistas diferenciadas. Mas, a despeito das
diferenças, em meados da década de 1790, foi formalizado um tratado de paz dos
Mundurucus com as ditas autoridades coloniais.
Depois de pacificados, os Mundurucus tornaram-se “aliados” dos portugueses,
que os usaram na redução, isto é, no descimento de outros grupos tribais que ainda
resistiam ao domínio colonial.

Índios do Rio Branco


O governador do Grão-Pará e Rio Negro, João Pereira Caldas (1772-1780),
cumprindo as determinações reais, ordenou que se fortificasse e povoasse o rio Branco.
Em 1775, foi erguida na confluência dos rios Branco e Tacutu a Fortaleza de São
Joaquim e em suas adjacências foram semeados os aldeamentos indígenas.
Simultaneamente a construção da fortaleza, se principiaram os descimentos de índios
daquela região que iam formando as povoações nos lugares que pareceram mais
estratégicos, pelas margens dos rios: no Uraricoera, foram estabelecidos os aldeamentos
de N. S. da Conceição e Santo Antônio e Almas; no Tacutu, o de São Felipe; Santa
Bárbara, Santa Isabel e N.S. do Carmo, no rio Branco, acompanhando a descida das
águas, respectivamente.

Imagem 47.

Fortaleza der São Joaquim, rio Branco. Reproduzido de Alexandre Rodrigues Ferreira, obra
citada, 1971 (Geografia, prancha 67).
Rebeliões do Rio Banco

As rebeliões dos índios do rio Branco, do período em questão, foram bem


documentadas pelos contemporâneos Francisco Xavier de Ribeiro de Sampaio,
Alexandre Rodrigues Ferreira, Manuel da Gama Lobo d’Almada e outros. Em termos
historiográficos foram analisadas nas obras de Nádia Farage, Marta Rosa Amoroso e
Joaquim Nabuco. Das quais nos servimos para a elaboração deste item.
As rebeliões nos aldeamentos do rio Branco tiveram origem no próprio cotidiano
dos aldeamentos, o que se repetia em todos os outros recantos da Amazônia colonial: os
maus tratos; a superexploração da força de trabalho; a mistura de diversas etnias com
culturas muito diferenciadas convivendo no aperto do mesmo núcleo colonial; a
violação de seus códigos culturais, que iam tomando formas de verdadeiros etnocídios.
Por exemplo: os índios eram obrigados realizarem trabalhos forçados, tanto nos
aldeamentos, quanto fora desses; eram proibidos de queimarem dentro das próprias
casas os corpos dos seus que ali morrem; os homens eram proibidos de possuírem mais
de uma mulher; havia também a proibição de se untarem com urucum, entre outras
proibições. As autoridades tinham consciência dessa realidade.
O primeiro surto de rebeldia indígena registrado nessa região foi sentido em
1780, no aldeamento de São Felipe, quando um índio foi severamente instado por uma
autoridade religiosa a separar-se da mulher com quem vivia nesse núcleo colonial, sob o
argumento de que esse índio seria casado com outra mulher em Carvoeiro, (povoação
do rio Negro). Episódios como esse parecem ter sido comuns na época. Ver, por
exemplo, o caso da povoação de Dari, em 1757, que funcionou com estopim para o
incêndio de rebeldia no médio rio Negro. No rio Branco, como no rio Negro, o que
parecia um ato corriqueiro, tomou feição de turbulência, atiçando os ânimos e dando
vazão às insatisfações há muito represadas na memória coletiva dos índios.
A atitude do sacerdote foi repudiada pelo índio “bígamo”, e que passou a induzir
o principal Cupitá e os demais índios para fugirem. Inicia-se, então, uma série de fugas.
Na seqüência, o comandante militar do rio Branco intimou o principal Cupitá para
prestar conta de seus atos insubordinados. Ele não atendeu à intimação portuguesa,
alegando que não ganharia nada com isso. O chefe militar indignado mandou prendê-lo.
Essa operação de captura foi altamente desastrada, pois não conseguiu cumprir a missão
satisfatoriamente, no entanto, o pai de Cupitá foi preso, o que revoltou ainda mais os
índios, de modo, que desertaram todos para o mato, vindo a despovoar um
estabelecimento de 254 almas. Isto é, o levante indígena deixou o aldeamento de São
Felipe literalmente vazio.
O governo colonial (a época, exercido, de fato, pelo general João Pereira Caldas)
se mostrou preocupado com a situação dos aldeamentos e com as atitudes dos seus
agentes militares em relação ao tratamento dispensado aos índios aldeados em estado de
sublevação, e ordenou ao comandante do Forte São Joaquim que com toda a moderação
recolhesse a São Felipe os seus principais e demais índios, com toda diligência, com a
finalidade de desfazer o que lhes tinham feito e examinar bem com toda a clareza se
houve motivo, para a dita deserção. O intuito do Governo era realdeamento dos índios,
o que não se deu satisfatoriamente.
Na seqüência, no aldeamento de N. S. da Conceição, os índios principais foram
presos porque estariam planejando fugas em massa. As detenções, no entanto,
funcionaram como um tiro saindo pela culatra, pois acabaram por promover tais
intentos, não só em N. S. da Conceição, mas também em Santo Antônio e Almas. Os
maus tratos sofridos por um índio nas mãos de um soldado, concorreram para que a
situação nesse aldeamento se agravasse. Depois desses episódios, que pareciam
isolados, a revolta se alastrou pelos aldeamentos de Santa Bárbara e Santa Isabel.

Imagem 48.

Povoação de Santa Maria, rio Branco. Reproduzido de Alexandre Rodrigues Ferreira, obra
citada, 1971( Geografia, prancha 63.

A sublevação indígena fez o governo colonial pedir permissão a Lisboa para


declarar guerra aos índios rebelados e, em seguida dispersá-los pelos mais diferentes
núcleos coloniais da capitania do Pará. A Corte negou os pleitos do governador, e mais:
atribui aos seus funcionários a responsabilidade pela situação de animosidade em que se
encontravam os aldeamentos.
Em seguida, a Corte concedeu anistia aos índios insurretos, para que eles
voltassem aos aldeamentos e em 1784, inicia-se uma segunda etapa de aldeamentos, ou
de realdeamentos, no rio Branco. Agora em novas localizações, todos ao sul do forte de
São Joaquim. Essas mudanças dos locais dos aldeamentos foram estratégicas, pois as
autoridades coloniais chegaram à conclusão de que os estabelecimentos ao norte da
fortaleza, e as suas proximidades com as regiões de origem dos aldeados, seriam os
fatores responsáveis pelos levantes nativos, uma vez que os portugueses não teriam
controle efetivo sobre eles.
A situação do cotidiano dos índios em nada mudou, até piorou. A pressão
efetuada pelos portugueses sobre os principais para mantê-los nos aldeamentos
continuava. Porém, além da ração de farinha distribuída pelos militares, nada mais
tinham a oferecer para acalmar os ânimos dos índios em estado de latência belicosa.
Assim sendo, em 1790 explodiu outro surto de rebeldia no aldeamento defronte da
Fortaleza de São Joaquim, que arrastou o de São Martinho e os demais aldeamentos,
envolvendo inclusive, os índios do Pesqueiro Real, apenas o aldeamento de N.S. do
Carmo permanecia sob controle dos portugueses.
A resposta repressiva do governo colonial (coronel Manuel da Gama Lobo
d’Almada) foi imediata e mais radial. Os aldeamentos no rio Branco foram totalmente
evacuados, e sua população metodicamente dispersa por distantes povoações dos rios
Madeira, Amazonas, Solimões e Negro e substituídos por índios recém-descidos e de
outras regiões da Amazônia.
De acordo com Nádia Farage, ao final do século XVIII, a expansão colonial
portuguesa na região do rio Branco estava, vacilante: a tentativa de povoamento
visivelmente fracassara, toda a ocupação resumia-se a uma guarnição militar.

Imagem 49.

Povoação de São Felipe, rio Branco. Reproduzido de Alexandre Rodrigues Ferreira, obra
citada, 1971 (Geografia, prancha 64).

Todo Dia era Dia de Guerra


Se se cruzar todas as informações de guerras e levantes indígenas contra os
portugueses no período colonial na Amazônia, é possível concluir que em nenhum
momento de sua história a região esteve vivendo em plena situação de paz. Portanto, a
história da colonização européia na Amazônia confunde-se com a história das guerras e
seus desdobramentos: rebeliões, fugas e deserções indígenas.
Essas guerras evidenciaram a qualidade da resistência indígenas aos mecanismos
da conquista, da ocupação e da dominação colonial no território amazônico. Esses
espaços estariam sob a influência de determinadas nações indígenas. Entretanto, depois
dos tempos dos combates, índios e portugueses chegaram aos famosos “tratados de paz”
pelos quais os índios aceitavam deixar as suas aldeias de origem para conviver nos
núcleos coloniais com os conquistadores, em troca de proteção e de manufaturados
ocidentais.
Tais considerações que podem, a princípio, parecer muito lineares, caminham
também por rotas tortuosas, principalmente no primeiro século e meio de colonização,
quando as tropas de guerra invadiam as aldeias praticando extermínios e recolhendo os
sobreviventes, arrastados a ferro até aos embriões coloniais na condição jurídica de
escravos. Quanto às tropas de “resgates”, a pretexto de salvar prisioneiros, vítimas das
guerras intertribais, arrasavam populações inteiras. Muitas vezes, quanto os
“descimentos”, não ocorreriam de modo satisfatório, também acabavam em carnificina.
Só a partir das reformas pombalinas e com a proibição dos resgates é que as guerras,
geralmente, acabavam em descimentos. Contudo, sem ser necessariamente tomada por
uma situação retilínea e plácida, a resistência continuou, nesse estado de latência, agora
com outra feição, entrando em um processo que chamaríamos de “obediência
simulada”, ou seja, acatavam as propostas portuguesas por mera conveniência, pois,
pelo que tudo indicava, estavam também tirando partido dessa situação. Pelo que foi
possível inferir, quando os “acordos” não eram cumpridos por parte dos portugueses,
assistia-se a novas rebeliões e suas conhecidas conseqüências.
Quero dizer com isso que as populações indígenas escreveram, e escrevem, a sua
história com base no jogo das possibilidades. Como disse certa vez, Florestan
Fernandes: os índios “nos limites de suas possibilidades, foram inimigos duros e
terríveis”.

Imagem 50.

Missão jesuítica espanhola de San Joaquim de Omáguas (Província de Maynas), alto


Amazonas peruano, entre os rios Tigre e Nanay. Aquarela de Francisco de Requeña y
Herrera. Reproduzida de Manuela Carneiro da Cunha (Org.), obra citada,1992, p. 117.
Leitura Complementar N.o 8
A PROPÓSITO DO NOME DA CIDADE DE MANAUS: “ÍNDIO BOM É ÍNDIO
MORTO”

“A cidade de Manaus poderia ter várias datas de aniversários. Poderíamos contar a partir de
1669, ano da construção de um fortim que ficou conhecido pelo pomposo nome de Fortaleza de
São José da Barra do Rio Negro, ou de todas as vezes que se trocou de predicado ou de função o
referido sitio demográfico (...).
Em 1848, pela lei n.o 145 de 24 de outubro, da Assembléia Provincial Paraense a Vila de
Manaus foi elevada à categoria de Cidade com o nome Nossa Senhora da Conceição da Barra
do Rio Negro. Somente pela Lei n.o 68, de 4 de setembro de 1856, de autoria do deputado João
Ignácio Rodrigues do Carmo, é que a cidade passou a ser definitivamente denominada de
Manáos.
Não é idade da cidade que nos interessa neste momento, mas sim, as razões que
envolveram o seu apelido: Manáos (Manáus ou Manaus, uma questão de grafia), pois sabe-se
que tal denominação veio da nação dos índios Manaus que constituíam um dos grupos étnicos
mais importante da Amazônia no período colonial. Curiosamente, na época em que a cidade foi
registrada oficialmente com esse nome, estava sendo inaugurada a historiografia brasileira, esta
portadora de uma carga anti-índigena muito pesada, da qual fazia parte Francisco Adolfo
Varnhagen, que defendia a idéia de se empregar a força bélica contra os índios para “civilizá-
los”. Não menos curioso foi o fato da própria Assembléia Legislativa Provincial do Amazonas
decretar, em 1852, a escravidão indígena por dez anos a partir do seu recrutamento. Rezam os
primeiros artigos da eufêmica peça legislativa: “Art. 1.o Fica livre a todo morador poder ir
contratar a trocar de indígenas bravios com os principais nas nações selvagens; Art. 2. o Feita a
troca, o indivíduo apresentar-se-á com os índios perante o Juiz de Paz mais vizinho para assinar
um termo de educação por espaço de dez anos”.
Ora, quais razões levaram um deputado elaborar um projeto para homenagear uma nação
indígena em uma época em que intelectuais e autoridades ainda cultivavam as máximas
coloniais, por exemplo: “que a bestialidade dos índios ultrapassa a de qualquer animal”, ou que
os índios eram “declaradamente seres inferiores, naturalmente preguiçosos e dados aos vícios”
(Leonardi, 1996. p. 20 e 21). Mais tarde o nome da cidade foi condenado pelo deputado A. C.
Tavares Bastos. Dizia ele: “descobriram para a capital do Alto Amazonas o nome bárbaro de
uma tribo já esquecida”. No mesmo ritmo Euclides da Cunha emite a sua opinião: “há uma
onomatopéia complicada e sinistra nesta palavra, feita de sons melancólicos dos borés e da
tristeza invencível do bárbaro” (Jobim, 1957. p. 185-186).
Mais patético ainda, é constatar-se que: “não consta nos Anais da Assembléia Provincial,
uma só palavra para justificar a mudança de nome da capital da Província, para Manaus, e os
Relatórios dos Presidentes silenciam sobre o caso (...). o projeto desta mudança de
denominação, ao que parece, não despertou o menor interesse no seio da Assembléia, onde
passou sem destaque no curto espaço de sete dias e, ainda, sem a honra de um registro nos
respectivos Anais.” (Mello, 1967).
O autor do projeto para mudança de nome da jovem cidade, para Manáos, talvez tivesse
conhecimento de que nação dos Manaus habitou as duas margens do rio Negro, desde a foz do
rio Branco até a ilha de Timoni e constituíram uma verdadeira barreira humana, impedindo que
os portugueses penetrassem a região de seus domínios na primeira metade do século XVIII. Mas
foram derrotados pelas tropas militares lusas, ficando então livre o acesso às investidas
sertanistas portuguesas todo médio e alto rio Negro. O autor também deveria saber que os
Manaus, já reduzidos e convivendo em aldeamentos lusitanos, em 1757 promoveram uma série
de levantes no rio Negro, envolvendo os aldeamentos de Dari (Lamalonga), Bararoá (Thomar),
Caboquema (Moreira) e teriam como próximo alvo, agora em confederação, Mariuá (Barcelos).
Tal movimento de rebeldia estremeceu novamente o domínio lusitano na região. Porém, mais
uma vez, foram sufocados pelas tropas de guerra coloniais portuguesas.
“Os Manaó resistiram a invasão de seu território com armas na mão, até serem
completamente varridos do mapa (...). No início do século XIX, Martius (1819) ainda encontra
um pequeno núcleo dos Ore-Manaó ou Ere-Manaó na margem esquerda do rio Padauiri. Hoje,
não sobrou nenhum para contar a história, desconhecida pela população da cidade que herdou o
seu nome.” (Freire, 1993/4, p. 169).
Tudo indica que João Ignácio R. do Carmo também conhecia essa história, uma história
maldita para as autoridades constituídas, que a esconderam da população manauense por ocasião
do “batismo legal” da cidade, em 1856. Mas que devem tê-la aceito em nome da proposição
etnocentrista e etnocida, de que “índio bom é índio morto”.

SANTOS, Francisco Jorge dos. Artigo publicado no Jornal do Norte, em Manaus, 24 de


outubro de 1996.

Indicações para Leitura

AMOROSO, Marta Rosa & FARAGE, Nádia (Organização e Introdução) (1994). Relatos da
Fronteira Amazônica no Século XVIII – Documentos de Henrique João Wilckens e Alexandre
Rodrigues Ferreira. São Paulo: NIII-USP / Fapesp.

AMOROSO, Marta Rosa (1991). Guerra Mura no Século XVIII: versos e versões,
representações dos Mura no imaginário colonial. Campinas: Unicamp.

DANIEL, Padre João (1976). Tesouro Descoberto do Rio Amazonas. Vols. I e II. Rio de
Janeiro: Biblioteca Nacional.

FARAGE, Nádia (1991). As Muralhas dos Sertões: os povos indígenas do rio Branco e a
colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra / Anpocs.

FERREIRA, Alexandre Rodrigues (1983). Viagem Filosófica ao Rio Negro. Belém: MPEG /
CNPq / Fundação Roberto Marinho.

FREIRE, José Ribamar Bessa et alii (1994). A Amazônia Colonial (1616-1798). 5.ª Edição.
Manaus: Metro Cúbico.

_______ (1993/4). “Manáos, Barés e Tarumãs”. Amazônia Em Cadernos. N.o 2/3. Manaus:
Universidade do Amazonas, p. 159-178.

MURPHY, Robert F. e MURPHY, Yolanda (1954). As Condições Atuais dos Munduruku. N.o
8. Belém: Instituto de Antropologia e Etnologia do Pará.

SAMPAIO, Francisco Xavier Ribeiro de (1985). As Viagens do Ouvidor Sampaio (1774-1775).


Manaus: ACA-Fundo Editorial.

SANTOS, Francisco Jorge dos (2006). “Descimento dos Muras no Solimões”. In: SAMPAIO,
Patrícia. M. e ERTHAL, Regina. C. (Orgs.). Rastros da Memória – história e trajetória das
populações indígenas na Amazônia. Manaus: Edua / CNPq, p. 73-95.

_______ (2002). Além da Conquista: guerras e rebeliões indígenas na Amazônia pombalina.


Manaus: Edua.

_______ (1995). “Os Munduruku” Boletim Informativo do Museu Amazônico, N.o 8. Manaus:
Universidade do Amazonas, p. 5-25.

______ (1995) (Org). “Dossiê Munduruku : uma contribuição para a história da indígena da
Amazônia colonial”. Boletim Informativo do Museu Amazônico, N.o 8. Manaus: Universidade
do Amazonas, p. 27-108.

SPIX, Johann Baptist von e MARTIUS, Carl F. Philipp von (1881). Vol. III. Viagem Pelo
Brasil: 1817-1820. Belo Horizonte: Itatiaia.

REIS, Arthur C. Ferreira (1940). Lobo D'Almada: um Estadista Colonial. 2.a edição. Manaus:
Governo do Amazonas.

Parte II

UNIDADE III – AMAZONAS IMPERIAL BRASILEIRO

Capítulo 9

De Capitania do Rio Negro à Comarca do Alto Amazonas


Capítulo 9

DE CAPITANIA DO RIO NEGRO À COMARCA DO ALTO


AMAZONAS

Na época da Independência do Brasil, em 1822, a atual Amazônia brasileira ainda


constituía uma unidade político-administrativa da Coroa portuguesa, e pouco tinha a ver
com o Brasil. Era uma outra colônia, com o nome de Estado do Grão-Pará e Rio Negro.
Essa colônia do norte da América portuguesa era composta por duas capitanias: a do
Pará e a do Rio Negro, principal e subalterna, respectivamente. Conforme vimos
anteriormente, a Capitania do Rio Negro fora criada em 1755, durante o reinado de D.
José I, constituindo a célula administrativa e territorial mais remota do atual Estado do
Amazonas.

Estado do Grão-Pará e Rio Negro e a Independência do Brasil

Durante o delicado processo político, que culminaria com a separação do Brasil


(1808-1822), estabeleceram-se vínculos mais fortes entre os Estados do Brasil e do
Grão-Pará e Rio Negro, dado que a Corte lusitana estava sediada no Rio de Janeiro. Isto
não significava uma subordinação do segundo ao primeiro; significava unicamente que
as autoridades do Grão-Pará e Rio Negro deveriam comunicar seus atos à Corte e
receber instruções da mesma, a qual, naquele período, encontrava-se no Rio de Janeiro.
A elevação do Estado do Brasil à categoria de Reino Unido a Portugal e Algarves, em
1815, não alterou o status do Grão-Pará e Rio Negro. Este continuava distinto do Brasil.
No período final do Reino Unido (1821-1822), quando D. João VI e sua Corte
retornam para Lisboa, as autoridades do Grão-Pará voltavam a receber ordens
diretamente de Portugal, ignorando a regência de D. Pedro, que ficara no Rio de Janeiro.
Assim sendo, em 1822, foi o Brasil que conquistou a sua independência, enquanto
que o Estado do Grão-Pará e Rio Negro continuava dependente da Coroa portuguesa.
Esta situação perdurou até agosto de 1823, quando as tropas militares de D. Pedro I,
comandadas pelo capitão inglês John Greenfell, procederam à incorporação da
Amazônia pela força das armas ao nascente Império do Brasil. Este acontecimento
separou completamente o Estado do Grão-Pará e Rio Negro do domínio jurídico-
político da metrópole lusitana.

“O BLEFE” – “Eis que, no dia 10 de agosto de 1823 chega a Belém o brigue de guerra
Maranhão, capitaneado pelo aventureiro John Pascoe Greenfell. À Junta, ele diz que o
Maranhão é a nau capitânea de uma esquadra comandada por Lord Cochrane alugado por D.
Pedro I para organizar o Império/./ (...) Greenfell, naturalmente blefava. Ele vinha só. Não tinha
esquadra nenhuma a apoiá-lo. Jogou com a sorte e com a estupidez dos portugueses que se
agarravam à província”.

CHIAVENATO, Júlio José. Cabanagem – povo no poder. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 24 e
26.

A incorporação do Grão-Pará ao Brasil ocorreu, assim, em dois momentos: o


primeiro momento foi no campo legislativo, que reivindicava uma unidade política e
territorial que não existira nos tempos coloniais; o segundo deu-se pela força das armas,
quando, finalmente, o Estado do Grão-Pará e Rio Negro deixava de existir, passando a
fazer parte do território nacional do Império do Brasil.
No anteprojeto da primeira Carta constitucional – que não chegou a ser votado,
pois a Assembléia Constituinte foi dissolvida por D. Pedro I em fins de 1823 – as
capitanias do Pará e do Rio Negro já haviam mudado de status, sendo transformadas em
Províncias do Império do Brasil.
Entretanto, a situação prevista pela Constituinte de 1823, não permaneceu com a
nova Constituição de 1824, pois, das duas capitanias, somente a do Pará é que foi
reconhecida como Província, tendo-se lhe nomeado um Presidente.

Comarca do Rio Negro (1824-1833)

A região do Rio Negro (antiga Capitania do Rio Negro), por sua vez, recebeu um
status inferior, isto é, de Comarca da Província do Pará. Segundo o historiador Arthur
Cezar Ferreira Reis, embora tenha sido considerada uma injustiça, a nova condição
jurídica do Rio Negro foi reconhecida quando a Constituição Imperial foi jurada na
matriz de Nossa Senhora da Conceição, na Barra do Rio Negro, em 6 de fevereiro de
1825, pela Junta Governativa e pela Câmara de Serpa. Neste caso, a incorporação da
Amazônia portuguesa ao Brasil não alterou o caráter subalterno do Rio Negro em
relação ao Pará. Esse quadro veio modificar-se, pelo menos em nível político-
administrativo, somente em 1850, quando o Rio Negro, então Comarca do Alto
Amazonas, passou à categoria de Província do Amazonas.

COMARCA – No contexto jurídico-administrativo do Império do Brasil, as Províncias eram


divididas em Comarcas, as quais se subdividiam em Termos. A autoridade judiciária máxima da
Comarca era o Juiz de Direito e a autoridade executiva, o Comandante das Armas, ambos
nomeados pelo Presidente de Província.

Conflito dos Poderes Internos

A Comarca do Rio Negro compreendia o território da antiga Capitania, e teve como


primeiro ouvidor o bacharel Domingos Nunes Ramos Ferreira, o qual, em virtude de seu
cargo, era a principal autoridade do território. Todavia, a Junta Governativa – que jurara
a Constituição de 1824, e que deveria ter-se dissolvido após o ato – permaneceu e não
reconheceu a autoridade do Ouvidor, contrariando os dispositivos constitucionais e
ocasionando conflitos de poderes. É que os membros da Junta entendiam que o caso do
Rio Negro não estava suficientemente esclarecido, quanto ao status da região no cenário
político do Império.
Para pôr fim às contendas que questionavam sua ascendência sobre o Rio Negro, o
governo provincial paraense adotou as seguintes providências: aboliu a Junta
Governativa do Rio Negro; reforçou a autoridade judiciária no Ouvidor e a municipal na
Câmara de Barcelos, a ser transferida para a Barra do Rio Negro; nomeou um
comandante militar, o capitão Hilário Pedro Gurjão, para cuidar do policiamento e
defesa das fronteiras, além de representar o poder executivo provincial na Comarca.
Esses atos do presidente do Pará, José Félix Pereira de Burgos, foram sancionados pelo
governo imperial em outubro de 1825, não deixando margem de dúvida quanto à real
condição jurídica do Rio Negro, ou seja, de Comarca subordinada ao Pará. Embora a
desejada autonomia não tivesse condições de ser concretizada, sua idéia persistia no
espírito e na prática dos mais instruídos habitantes do Rio Negro, principalmente os da
Barra do Rio Negro.
A elite do Rio Negro, mesmo contrariada, teve que aceitar a condição de Comarca
para sua região, já amplamente reconhecida nas leis imperiais. Neste cenário, um novo
conflito surgiu, quando a Câmara Municipal de Barcelos transferiu-se para a Barra do
Rio Negro, em dezembro de 1825, e assumiu o papel de Câmara Governativa,
controlando todos os serviços administrativos.
Nestas condições a Câmara entrou em choque por dois anos (1826-1828) com a
autoridade do comandante militar nomeado, o capitão Hilário Gurjão. Tal conflito entre
as autoridades legislativa municipal e executiva ganhou outra dimensão, quando se
soube que D. Romualdo de Seixas, deputado paraense no parlamento imperial,
posicionou-se a favor da autonomia do Rio Negro. Mesmo não sendo atendido pelo
governo central, D. Romualdo tornou-se porta-voz dos anseios autonomistas da
Comarca.

SEDE DOS PODERES – “Barcelos, em agosto de 1808, deixou de ser definitivamente a


residência do Governo da Capitania de São José do Rio Negro, que passou a instalar-se
novamente no Lugar da Barra /./ (...). Ficou na velha e nobre Mariuá dos Manáo a câmara
municipal: o senado da Câmara, com o aparelhamento de lei.”

REIS, Arthur C. Ferreira. Manáos e Outras Villas. 2.a edição. Manaus: Governo do Amazonas /
Edua, 199, p. 102.

Movimento Autonomista do Rio Negro de 1832


Para contornar a crise, o novo Presidente do Pará, Paulo da Silva Gama, barão de
Bagé, em meados de 1828, fez retornar a Câmara para Barcelos e Hilário Gurjão para
Belém. Segundo a historiadora Regina Márcia Lima, o barão de Bagé também era
simpático à autonomia do Rio Negro, principalmente pelas dificuldades encontradas
pela administração provincial em resolver, de forma adequada, os conflitos entre as
autoridades nomeadas, que praticavam abusos de jurisdição.
No período de 1828 a 1833, a região do Rio Negro continuou a viver sérios
problemas. Inicialmente, observa-se o relacionamento tenso, embora pacífico, entre o
bacharel Manoel Bernardino de Souza e Figueiredo e o coronel Joaquim Felipe dos
Reis. O primeiro havia assumido a Ouvidoria no início de 1828, substituindo Ramos
Ferreira, e mostrava-se simpático às idéias autonomistas, ao contrário do segundo,
nomeado comandante militar, cujo comportamento hostil às causas autonomistas era
conhecido.
Em meio à tensão entre as duas autoridades ocorreu o levante militar na Barra do
Rio Negro, em 12 de abril de 1832. Este episódio, em princípio, nada tinha a ver com
aspirações dos autonomistas, mas aos poucos foi sendo explorado por eles. Conforme
Regina Márcia Lima e Arthur Reis, a tropa que guarnecia a Comarca do Rio Negro
rebelou-se contra o governo provincial por causa da falta de pagamento dos salários; o
coronel Felipe dos Reis, comandante da guarnição, ao tentar restabelecer a disciplina,
foi morto pela soldadesca. O soldado Joaquim Pedro da Silva assumiu o comando da
tropa, e negociou com o Juiz de Paz João da Silva Cunha, o pagamento do soldo em
troca do restabelecimento da ordem.
Com a morte do coronel Felipe dos Reis, o poder executivo provincial paraense
deixava de ser representado na Comarca do Rio Negro.
Esse fato abriu caminho para certos membros dos poderes legislativo municipal e
judiciário, notoriamente comprometidos com as aspirações autonomistas. Neste caso, ao
assumirem a administração da Comarca em junho de 1832, através de um Conselho
Extraordinário, transformaram-na em Província e trataram de legitimar-se diretamente
com a Regência, submetendo-se à avaliação e às decisões do Parlamento Imperial, para
onde enviariam um Procurador, incumbido de defender os atos praticados. Assim,
deixavam de lado a autoridade da Província do Pará.
Todavia, enquanto esperavam uma resposta do governo central, algumas medidas
foram adotadas: o ouvidor Manoel Bernardino de Souza e Figueiredo foi aclamado
presidente em caráter provisório; o frei José dos Santos Inocentes foi escolhido para ser
o Procurador da nova Província junto ao governo regencial; convocaram-se efetivos
militares para reagir a uma segura repressão do governo paraense.

Repressão do Governo Paraense

O governo paraense, na pessoa do presidente José Joaquim Machado de Oliveira,


ao saber dos acontecimentos, condenou os procedimentos das autoridades e da
população do Rio Negro, enfatizando a ilegalidade da separação. Além disso, enviou
forças militares, que tinham a incumbência de restaurar a legalidade constitucional e
punir os revoltosos.
A repressão militar paraense aos separatistas do Rio Negro foi violenta, uma vez
que a defesa preparada pelos autonomistas não foi eficiente, ocasionando a tomada da
Barra do Rio Negro pelas tropas legalistas em 10 de agosto de 1832. As autoridades
separatistas fugiram e o comandante das forças paraenses, tenente-coronel Domingos
Simões da Cunha Baiana, além de revogar todas as decisões dos autonomistas, nomeou
o capitão Hilário Gurjão novo comandante militar, para suceder o coronel Felipe dos
Reis.
Restava, ainda, a figura de frei José dos Inocentes, que viajara com a missão de
representar o Rio Negro junto ao governo central. Conforme Arthur Reis, frei José dos
Inocentes viajou pelo rio Madeira, chegando a Cuiabá em novembro de 1832. Nesta
época, a Província do Mato Grosso também vivia momentos de convulsão política, com
características semelhantes aos vivenciados pela Província do Pará, isto é, com
movimentos autonomistas, cujo nome de maior expressão era o de Antônio Luiz
Patrício da Silva Manço.
O presidente do Mato Grosso, ao tomar conhecimento das atividades separatistas
de frei José dos Inocentes – que começou a se envolver na vida política daquela
província – mandou retê-lo em nome do Governo Regencial, proibindo-lhe viajar até o
Rio de Janeiro. Não podendo cumprir sua missão, frei José entregou a documentação
que lhe fora confiada a Patrício Manço, para que este a entregasse ao Governo
Regencial. Em abril de 1833, frei José retornou ao Rio Negro. O historiador Arthur Reis
informa que os documentos chegaram ao Ministro do Império, Aureliano de Souza
Oliveira Coutinho, o qual, em Aviso de 15 de junho de 1833, além de chamar de
criminoso o gesto do povo da Comarca do Rio Negro, declarou que somente à
Assembléia Geral do Império cabia decidir sobre a elevação ou não da Comarca do Rio
Negro à categoria de Província.
Mais uma vez, os sonhos de autonomia da elite do Rio Negro não encontravam
meios de se realizar. Contudo, permaneciam no espírito de seus defensores, que embora
derrotados, não deixavam de nutri-los com o néctar da esperança.

Quadro Geral da Comarca do Rio Negro

A situação sócio-econômica da Comarca do Rio Negro em fins da década de


1830, foi descrita pelo coronel Francisco Ricardo Zany, em um Memorial enviado a D.
Pedro I. Zany, de origem italiana, radicado na região há mais de 20 anos, era
negociante. proprietário agrícola e genro de um antigo governador da Capitania do Rio
Negro.
O Memorial de Zany apresentava uma população para a Comarca do Rio Negro
de 15 a 16 mil habitantes, sendo 600 brancos, 400 pretos e 3.000 mamelucos. Havia
ainda os índios aldeados e “para mais de 200.000 almas de índios selvagens”. Era uma
população que pouco tinha crescido, se comparada com a do censo demográfico de
1796 que totalizou uma população para a Capitania do Rio Negro de 14.232 habitantes.
A historiadora Regina Márcia Jesus Lima que compulsou o referido documento
fez as seguintes considerações:

“Devido à situação das lavouras, aos problemas do comércio em relação ao escoamento


da produção e à decadência das pequenas indústrias, algumas povoações a decadência
das pequenas indústrias, algumas povoações já haviam desaparecido e muitas outras
caminhavam para isto. Não havia em toda a região mestres de ofícios e nem ao menos
um mestre de primeiras letras, existindo apenas alguns índios que malmente sabem
fazer canoas” (LIMA, Regina de Jesus. 1975, p. 18)

Segundo Zany, o rendimento da Comarca reduzia-se aos Dízimos de Consumo,


pois os de embarque eram pagos no Pará. As conseqüências disto foram também
descritas por Zany: “o Rio Negro já não abona a tropa nem as Vigárias, o ordenado de
2:000$000 de Governador já não existe e assim mesmo o seu rendimento não chega
para pagar os poucos empregados público que há lá”.

Conhecedor da região, Francisco Ricardo Zany, propôs soluções em seu


Memorial para resolver a situação social e econômica da Comarca, uma delas foi à
criação de um governo separado do Pará e nomeado diretamente pelo Imperador.

Comarca do Alto Amazonas (1833-1850)

Em 29 de novembro de 1832, a Regência promulgou o Código do Processo


Criminal do Império, unificando a legislação que se encontrava dispersa. Pelo artigo 3º
deste código, as Províncias teriam que fazer uma divisão interna administrativo-
judiciária, devendo os seus resultados ser submetidos ao parlamento imperial para
última aprovação.
Conforme o historiador Arthur Reis, o Conselho Provincial do Pará se reuniu de 10
a 17 de maio de 1833, para estudar a organização da província. Suas decisões foram
efetivadas pelo Ato de 25 de junho de 1833, que organizou a “Divisão das Comarcas e
Termos da Província do Pará”. Por este instrumento legal a Província paraense ficava
dividida em três comarcas: Grão-Pará, Baixo Amazonas e Alto Amazonas.
No que tange à Comarca do Alto Amazonas, houve prejuízos territoriais, uma vez
que seus limites orientais foram recuados para a serra de Parintins. Sua área ficou menor
que a da extinta Comarca do Rio Negro, que, por sua vez, tinha um território
correspondente ao da antiga Capitania de São José do Rio Negro, criada no período
colonial (1755), cujos limites ao leste iam até o outeiro de Maracá-Açu, além de
Parintins. Contudo, como o governo da Província do Pará não cumpriu o dispositivo do
Código do Processo Criminal, que dava à Assembléia Geral do Império a palavra final
sobre as divisões, seus atos eram totalmente ilegais. Malgrado essa falha jurídica, a
decisão foi efetivada.
Nessa ocasião foi restaurada a denominação indígena das localidades, por exemplo:
Barcelos passa então se denominar Mariuá; Barra do Rio Negro, Manaus; Luséia,
Maués e assim por diante.

Manaus, Sede da Comarca

Por conta dessa reforma, o Lugar da Barra do Rio Negro foi elevado à categoria de
Vila, com o nome de Manaus, pois se tornou sede da Comarca onde funcionaria um
juizado de direito, um de órfãos e uma promotoria pública, além da Câmara Municipal.
Consoante Arthur Reis, quando foi instalada a Comarca do Alto Amazonas, a
mesma contava com cinqüenta e uma povoações. A população não passava dos dezoito
mil, oitocentos e quarenta e três indivíduos.
Os gêneros de comércio continuavam, praticamente, os mesmos dos tempos da
Capitania, certamente muito diminuídos no volume da produção e no vulto dos
negócios. O grande centro de exportação e importação era a Barra Rio Negro, agora
Manaus, com seus três mil e oitocentos e nove moradores livres e trezentos e setenta e
nove escravos.

Novos Rumos, a Liderança de Manaus

Como se pode perceber, enquanto no Rio Negro ocorria a rebelião de caráter


autonomista, em Belém, sede da Província do Pará, as autoridades constituídas decidiam
a aplicação do Código de Processo Criminal. Esse acontecimento no campo da
legislação acabaria impondo novos rumos à vida política e econômica do Rio Negro,
sem que as ações dos autonomistas alterassem a marcha do novo quadro legal. Por outro
lado, isto não quer dizer que as aspirações de autonomia tenham sido olvidadas, pois,
como se verá, quando havia oportunidade, o poder local manifestava-se contrário às
determinações oriundas de Belém.
O historiador Arthur Reis informa que no ano de 1834, a Comarca do Alto
Amazonas voltou a viver momentos agitados. Já em fevereiro daquele ano houve uma
onda de protestos em Manaus, cuja população livre fora atingida e prejudicada pela
medida do governo provincial em retirar as moedas de cobre, que eram o meio
circulante mais comum na região. Sua Câmara Municipal manifestou-se favorável aos
reclamantes, suspendendo a execução da medida no Alto Amazonas. Embora fossem
expedidas novas ordens de Belém, ratificando a medida e determinando punições à
desobediência da Comarca, seu resultado foi nulo, dado que o governo provincial
ocupou-se com problemas mais graves, externos à Comarca do Alto Amazonas.
Logo depois, em abril, surgiu nova querela entre as autoridades da Comarca e o
governo provincial. Neste caso, tratou-se da rejeição, por parte da Câmara Municipal de
Manaus, da presença dos comandantes militares que, conforme já se observou, eram os
representantes do executivo provincial na Comarca, e desde há muito antipatizados.
Como não foi atendida em sua reivindicação de que o governo provincial parasse de
enviar mais militares para a guarnição e para o governo, a Câmara manifestou-se contra
a medida, reaparecendo o problema da autonomia da Comarca. Mesmo assim, um novo
comandante militar foi nomeado e enviado, o major Manuel Machado da Silva
Santiago, que chegou a Manaus em setembro de 1834.
Mal superado o problema dos comandantes militares, a Comarca voltou a
alvoroçar-se em julho e agosto de 1834, com a aplicação do decreto de 7 de outubro de
1833, que criava os corpos de guarda policial nos distritos municipais, cujo sustento
seria à custa dos moradores. Esta medida foi contestada, primeiramente, pela Câmara de
Silves, a qual argumentava que esses corpos policiais eram dispensáveis porque bastava
a guarda nacional para dar execução às leis e os oficiais de justiça existentes para
executar as ordens judiciais; a Câmara de Manaus acompanhou sua congênere. Embora
ocorressem esses protestos, os corpos policiais foram criados. Mais uma vez, o governo
paraense administrava em seu favor a situação conflituosa com as autoridades da
Comarca do Alto Amazonas.
Neste contexto problemático da situação política do Alto Amazonas, Manaus,
como sede, assumia a cada momento uma importância maior em relação às outras vilas
da Comarca. Como conseqüência, à medida que crescia de prestígio, legitimava mais
ainda essa representação na Província do Pará. Dessa forma, Manaus dirigia a Comarca
do Alto Amazonas, e os problemas mais relevantes da região eram discutidos em sua
Câmara. Seus vereadores tratavam de problemas relacionados à agricultura, à indústria e
ao comércio, inclusive as dificuldades de comunicação e transporte.
Cabanagem no Alto Amazonas (1836-1840)

De 1836 a 1840, o Alto Amazonas foi atingido pelas ondas de rebeliões da


Cabanagem, que se iniciara na Comarca do Grão-Pará em 1835. Originado no seio da
elite paraense, esse movimento social congregou não apenas membros abastados, mas
também, e principalmente, setores expressivos da massa popular amazônica,
representada pelos índios destribalizados – os tapuios –, brancos pobres, mestiços
marginalizados e negros escravos e livres; contou, ainda, com interessante participação
de grupos indígenas autônomos, como os Mundurucus, os Maués e os Muras.

Que foi a Cabanagem?

A diversidade de setores sociais envolvidos demonstra que a Cabanagem não foi


um movimento homogêneo, uma vez que seus integrantes, em diferentes grupos,
apresentavam, inclusive, interesses divergentes. Nas palavras do historiador Luís Balkar
Sá Peixoto Pinheiro, a Cabanagem deve, portanto, ser encarada como uma “revolta
aberta”, já que seus setores populares, ao assimilarem o discurso dos dirigentes
abastados, não apenas o reelaboraram, mas, principalmente, procuraram agir de forma
autônoma para assegurarem seus interesses.
Apesar desse fracionamento interno, para o antropólogo e historiador Carlos de
Araújo Moreira Neto, a Cabanagem representou o momento histórico para que esses
setores da massa popular, degradada social e etnicamente, escapassem aos duros moldes
estruturais da sociedade colonial ainda em vigor na Amazônia, mesmo depois de sua
incorporação ao Império brasileiro. Em outros termos, a Cabanagem representou uma
oportunidade de mudança social extremamente revolucionária para as condições
regionais.
Para Caio Prado Júnior a Cabanagem na Comarca do Pará, teria iniciado em 1833 e
se estendido até 1836, início do governo Bernardo Lobo de Souza, e o ponto alto da
repressão aos cabanos sob o comando do brigadeiro Francisco José de Souza Soares
D’Andréa, respectivamente.

Processo Insurrecional Cabano no Alto Amazonas

Os parágrafos subseqüentes são baseados nas narrativas de Bertino de Miranda e


Arthur Cezar Ferreira Reis..
Na Comarca do Alto Amazonas as ações dos cabanos deram-se já nos primeiros
meses de 1836. Entretanto, como ainda não estavam bem organizados, tiveram seu líder,
Bernardo Sena, preso e mandado a ferros para Belém, por ordem do Juiz de Direito
interino, Henrique João Cordeiro.
As forças rebeldes, que já dominavam o Baixo Amazonas, libertaram Bernardo
Sena, quem, liderando cerca de 1.200 homens marcharam para o Alto Amazonas,
dominando Luséia e depois Serpa. No entanto, não tiveram o mesmo sucesso em
Tupinambarana, Silves e Borba.

Tomada de Manaus

Em 6 de março de 1836, os rebeldes dominaram Manaus. No dia seguinte à


tomada, a Câmara reuniu-se e, logo após o pronunciamento de Bernardo Sena, aderiu ao
movimento cabano. O líder cabano atacou duramente as autoridades provinciais
nomeadas pela Regência e seus colaboradores, declarando-os culpados pela infelicidade
que o Pará vivia.
No caso do Alto Amazonas, o discurso de Bernardo Sena tinha endereço certo: o
juiz Henrique João Cordeiro e o proprietário rural, Ambrósio Aires, vulgo Bararoá. O
primeiro, por tê-lo prendido; o segundo por matar qualquer cabano que lhe caísse nas
mãos, uma viva lembrança dos combates em Icuipiranga, perto do rio Tapajós, onde
Bararoá mostrou seus requintes de crueldade.
Com a tomada de Manaus, novas autoridades foram constituídas pelos cabanos:
Juiz de Direito, o padre João Pedro Pacheco; Juiz de Paz, João Ignácio Rodrigues do
Carmo; Provedor da Fazenda Pública, Martinho Joaquim do Carmo; Escrivão da
Fazenda, Bernardo Francisco de Paula e Azevedo; Procurador Fiscal da Fazenda,
Joaquim Rodrigues Calhado; Almoxarife, João de Souza Coelho.

Cabanos, Senhores do Alto Amazonas

De Manaus os cabanos avançaram pelos rios Negro e Solimões/Amazonas, ora


desfechando violentos ataques, ora ganhando adesões sem precisar de investidas bélicas.
Senhores da Comarca do Alto Amazonas, de março a agosto de 1836, os cabanos
impuseram a autoridade de Eduardo Nogueira Angelim, como presidente interino da
Província do Pará, rechaçando, por sua vez, a do marechal Manuel Jorge Rodrigues,
nomeado presidente pelo governo central. O historiador Bertino de Miranda afirmar que
Bernardo Sena, à frente do governo da Comarca, administrou com lisura a Fazenda
Pública:

“Seis meses esteve Manaus sob o jugo dos Cabanos. Sena mete-se em todos assuntos e
afeta um escrúpulo excessivo pelos dinheiros públicos. Parece que não é crime fazer-
lhe esta justiça. Naturalmente, sua vontade não encontra obstáculo. Todos deviam
querer adivinhar os seus pensamentos e aplaudir com entusiasmo os seu discursos”
(MIRANDA, Bertino de 1994, p. 77). Ortografia atualizada.

Imagem 51.

Retrato de Eduardo Angelim, último presidente cabano da Província do Pará.


Reproduzido de Júlio José Chiavenato, Cabanagem: o povo no poder, São Paulo: Brasiliense,
1984, p. 104.

Conflitos Internos: Cabanos Versus Cabanos

Entre os líderes cabanos que passaram a administrar a Comarca surgiu, contudo,


séria disputa pelo poder. O período de maio e junho foi tenso, dada a rivalidade latente
entre Bernardo Sena e o capitão Antônio Freire Taqueirinha, tendo este último o apoio
do comandante cabano Apolinário Maparajuba, que controlava o Baixo Amazonas. Os
ânimos ficaram exaltados entre ambos, resultando na morte de Bernardo Sena, em 2 de
junho, quando ocorria um tumulto no quartel de Manaus. Com a morte de Bernardo
Sena, o capitão Taqueirinha assumiu o comando militar. Iniciava-se a desestruturação
da ordem cabana na Comarca do Alto Amazonas.
Interessante observar que, durante a ocupação cabana do Alto Amazonas, a Câmara
de Manaus voltou a discutir a possibilidade de autonomia da Comarca. O plano não foi
adiante porque, em agosto de 1836, a ordem cabana foi rompida pela reorganização das
forças leais à Regência.

Restabelecimento da Legalidade

A movimentação armada para desestruturar o poder cabano no Alto Amazonas


ocorreu, primeiramente, por todo o mês de agosto. Teve início em Tefé, no dia 3,
quando José Patrício, comandante dos guardas nacionais, restabeleceu a legalidade
regencial. No dia 29 foi a vez de Mariuá (atual Barcelos), cuja Câmara destituiu seu
presidente, que havia aderido à Cabanagem. No dia 31, Manaus foi reconduzida à
legalidade regencial pelo juiz Gregório Naziazeno da Costa, que comandou um
destacamento de guardas nacionais.
No período de setembro a dezembro de 1836, gradativamente os cabanos foram
perdendo, para as forças legalistas, o controle das outras vilas e lugares que haviam
conquistado no Alto Amazonas, como Tauapessassu, Moura e Serpa. Alguns de seus
comandantes e adesistas, como o capitão Freire Taqueirinha e o padre João Pacheco,
não tardaram a se voltar para o lado oposto, assim que perceberam a mudança de
contexto.
Já em março de 1837, os cabanos foram batidos em Borba e em Icuipiranga pelas
forças legalistas de Bararoá e do padre Sanches de Brito. Mesmo assim, os cabanos
prosseguiram a luta, conseguindo, em maio daquele ano, matar o comandante Bararoá,
numa emboscada em Autazes.
Nos três anos seguintes, até 1840, os cabanos resistiram às investidas das forças
militares provinciais. Assegurando-se do conhecimento que tinham das regiões onde
atuavam, bem como da colaboração de simpatizantes, índios ou “cabocos”, os cabanos
não deram sossego ao governo provincial e às autoridades da Comarca. Somente
quando seus chefes perceberam a falta de condições para levar a luta mais adiante, e
recebendo promessas de anistia, é que depuseram as armas. A anistia geral foi decretada
em 4 de novembro de 1839, porém os últimos insurretos renderam-se somente em 25 de
março de 1840, em Luséia.

* * *

Caio Prado Júnior ao analisar o fim da Cabanagem no Pará, disse que “É ela um
dos mais, senão o mais notável movimento popular do Brasil”.

“É o único em que as camadas inferiores da população conseguem ocupar o poder de


toda uma província com certa estabilidade. Apesar de sua desorientação, apesar da falta
de continuidade que o caracteriza, fica-lhe contudo a gloria de ter sido a primeira
insurreição popular que passou da simples agitação para uma tomada efetiva do
poder”(PRADO JÚNIOR, Caio. 1953, p. 72 e 73).

Imagem 52.

Vila de Tefé (Ega) Reproduzida de Paul Marcoy, Viagem pelo Rio Amazonas. Manaus: Edua /
Governo do Amazonas, 2001, p. 108.
Alto Amazonas pós-Cabanagem

O historiador Arthur Reis avalia que ao término da Cabanagem, o Alto


Amazonas vivia um caos econômico e uma desorganização administrativa. Nos doze
anos que se seguiram até a instalação da Província do Amazonas, a Comarca só muito
lentamente recuperava suas atividades produtivas, agrícolas e extrativistas, bem como
retomava a normalidade no comércio.
Na década de 1840 a situação da Comarca torna-se crítica, sobretudo ao nível de
geopolítica. Era portadora de uma ampla zona de fronteira, verdadeira porta aberta para
penetrações. Por exemplo, na região do rio Branco havia infiltração britânica desde
1835, quando a expedição do cientista alemão Robert Schomburg, a serviço da Royal
Geographical Society, de Londres, fazia estudos geografia física e astronômica no
interior da Guiana Inglesa. Tais pesquisas foram iniciadas no vale do rio Essequíbo,
continuando por território e águas de soberania brasileira. Esse processo culminou com
a invasão daquele território pelos ingleses da Guiana em fevereiro de 1841, expulsando
as autoridades brasileiras, inclusive o missionário frei José dos Santos Inocentes.
Portanto, a Comarca do Alto Amazonas exigia cuidados especiais para se mantê-la
como parte do Estado nacional brasileiro.
O Governo Provincial, ainda preocupado com a situação dessa parte da fronteira
do Brasil, enviou o coronel João Henrique de Matos ao rio Branco para verificação. Um
dos resultados dessa viagem foi famoso Relatório do estado atual de decadência em que
se acha o Alto Amazonas, sobre o qual Arthur Reis asseverou:

“pintou realisticamente a decadência em que mergulhava a Comarca, sustentando a tese,


de muitos outros também, de que se fazia necessário elevá-la a Província, assegurando-
lhes os meios que a tirassem da inferiorização a que descias vertiginosamente /./ Não se
limitou ao que verificou no vale do rio Branco, alongou-se no inventário das vidas
decadente da Comarca, denunciando vandalismo, desonestidades que se cometiam e o
abandono que ocorria em todos os trechos do território sobre que colheu as informações
constantes do Relatório” (REIS, 1979, p. 142).

A Decadência

O Relatório de João Henrique de Matos, data de 1845, fornece os seguintes


indicativos sociais e econômicos da Comarca do Alto Amazonas, sobretudo das
povoações dos vales dos rios Negro e Branco:

“Estando a maior parte das suas povoações privadas da instrução literária, e


despovoadas de seus habitantes sem que hoje se saiba qual o seu domicílio, ocultando-
se nas brenhas para se isentarem do pesado serviço dos alistamentos, dos devoradores
do País, e dos sedentos da ambição. Os Templos reduzidos a casas imundas sem
paramentos, e tudo em ruínas. Achando-se os Párocos, isto é, onde há, devendo-se anos
de suas côngruas, e o mais” (MATOS, 1979, p.146).

Durante a viagem o coronel Matos, pelo rio Negro (1842-1843), visitou os


dezoito povoamentos que existiam em suas margens: dois sob a categoria de Vila, oito
sob a de Freguesia e igual número respondendo pela categoria de Povoação. Todos
apresentavam a mesma imagem da decadência já mencionada anteriormente; e
contavam com uma população total estimada em 7.650 habitantes, sendo 7.200 livres e
450 escravos.
Na ordem da subida do rio encontravam-se os seguintes sítios urbanos: a Vila da
Barra do Rio Negro; as freguesias de Airão, de Moura, de Carvoeiro e a Vila de
Barcelos; as freguesias de Moreira, de Tomar, e de Santa Isabel; e as povoações de
Castanheiro Novo, de São Pedro, São Bernardo, de São Gabriel da Cachoeira, de Santa
Bárbara, de Santa Ana, de São Joaquim de Caoné, de São Felipe, de Nossa Senhora da
Guia, e a freguesia de São José de Marabitanas, nesta última estava erigido o a fortaleza
que balizava a fronteira do Brasil com a República da Colômbia.
João Henrique de Matos afirmou em seu Relatório que no período de 1758 a
1823, neste mesmo trajeto do rio Negro, havia trinta e dois núcleos coloniais lusitanos,
indicando que durante as últimas duas décadas, doze deixaram de existir, pois ele
contou apenas dezoito áreas habitadas, já descritas acima. Os núcleos extintos eram os
seguintes: Poiares, Lamalonga, Boa Vista, Nossa Senhora do Loreto, São José,
Castanheiro Velho, Nossa Senhora de Nazaré de Curianá, São Miguel, São Joaquim,
São João Batista de Mabé e São Marcelino.
No rio Branco o que encontrou não foi diferente do que presenciou no rio Negro,
dos cinco núcleos coloniais lusitanos que existiam em 1787 (Nossa Senhora Carmo,
Santa Maria, São Felipe, Nossa Senhora da Conceição e São Martinho), em 1842-43, só
dois povoamentos estava resistindo em pé: Santa Maria e Nossa Senhora do Carmo.
Nas antigas povoações habitavam novecentas e trinta e uma pessoas das nações
Macuxi e Uapixana distribuídas em setenta e dois fogos. Na época da viagem, Santa
Maria, contava apenas com vinte e cinco almas e uma casa de madeira coberta de palha
que servia de Igreja; e mais duas casas do mesmo modo construídas, miseravelmente.
Nossa Senhora do Carmo, possuía noventa e cinco habitantes, “também com uma Igreja
semelhante aquela meia dúzia de casas mal construída. Não é possível por ali se
encontrar um índio, porque tudo anda disperso e fugitivo”.

Imagem 53.

Posto Militar e Aldeia de Tabatinga. Reproduzido de Paul Marcoy, obra citada, 2001, p. 49.

* * *

Para melhor esclarecimento da situação da Comarca do Alto Amazonas, às


vésperas da sua elevação à categoria de Província, duas impressões sobre a Barra do Rio
Negro, capital da Comarca, se fazem necessárias: a primeira é a do coronel João
Henrique de Matos, registrada em um trecho do Relatório acerca das edificações da
Vila; e a outra, é a do naturalista inglês Alfred Russel Wallace quando das suas viagens
pelos rios Amazonas e Negro (1848-1859), permaneceu na mesma por algum tempo –
fins de 1849 e parte de 1850 –, onde fez uma série de anotações sobre as atividades
comerciais e os costumes dos habitantes da cidade. Nestas registrou as suas impressões
a respeito do cotidiano de seus moradores:

Trecho 1:

“A antiga Vila da Barra do Rio Negro colocada na margem oriental, que também
ocupou o predicamento da extinta Capitania do Rio Negro com a assistência do
Governo, e com todas as repartições necessárias para a Administração Governativa;
desde o ano de 1808, até 1821, continha em si os Edifícios seguintes: Uma casa com a
denominação de palácio para a Residência dos Governadores; uma dita Fortaleza; uma
dita Armazém; uma dita Quartel da Tropa; duas ditas denominadas Ribeira: uma dita de
inspeção; uma dita de ferraria; uma dita Armazém de Pólvora; uma dita de Trem de
Guerra; uma dita de cordoaria de piaçabas; uma dita depósito de amarraras; uma dita
depósito de algodão; um dita da Fábrica de pano do mesmo em rolo; uma dita de
Hospital; uma dita construída para olaria de fazer louça, telhas, e tijolos com dois
fornos; e uma dita Fabrica de fazer anil. Hoje apenas existem os Edifícios seguintes – À
casa que servia de fabrico de pano de algodão serve hoje de aquartelamento da Tropa, e
da Guarda Policial; a que servia de Trem de Guerra, hoje de Hospital; a que servia de
Hospital, hoje de prisão; a que servia de Provedoria, hoje da Administração da
Recebedoria Nacional daquela Comarca; uma pequena parte que existe da Olaria com
os dois fornos tudo em total ruína, em breve todos estes Edifícios desaparecerão; e já
este pequeno resto de Olaria não trabalha, por não ter o Administrador da Recebedoria
com quem trabalhar tanto por falta de atividade no mesmo Administrador, como dos
pagamentos dos trabalhadores” (MATOS, 1979, p. 148).

Trecho 2:

“Os mais civilizados moradores de Barra dedicam-se ao comércio, podendo-se dizer que
não conhecem outras diversões a não ser beber e jogar, se bem que o façam em pequena
escala. A maior parte deles jamais abriu um livro e desconhece todo e qualquer tipo de
ocupação intelectual. Como era de se esperar nessas circunstâncias, a moda é uma de
suas maiores preocupações. Aos domingos, na missa, trajam-se todos em grande estilo.
As mulheres comparecem elegantíssimas, num multicolorido desfile de musselinas e
gazes francesas. Suas belas cabeleiras cuidadosamente arrumadas e adornadas de flores,
jamais se escondem sob toucas ou chapéus. A seu lado, os cavalheiros, que durante a
semana ficaram nos seus imundos armazéns em mangas de camisa e chinelos, agora
trajam finíssimos ternos pretos de feltro, gravatas de cetim e botinas de verniz de cano
bem curto. Depois da missa, é hora das visitas de cerimônia, quando todo o mundo vai à
casa de todo mundo, e lá ficam comentando os escândalos que se acumularam durante a
semana. Barra deve ser a comunidade civilizada que tem os costumes mais decadentes
possíveis. O que se escuta ali diariamente a respeito das mais respeitáveis famílias
locais, é sempre dito como se se tratasse de coisa normal e corriqueira (...)”
(WALLACE, 1979, p.110).

Manaus, em 1848

Em termos demográficos a população da Comarca do Alto Amazonas era estimada,


em 1848, em 22.692 habitantes, sendo 21.982 livres e 710 escravos.
Para o ano de 1848, os dados demográficos do Município de Manaus foram
estimados em 8.500 habitantes, sendo 8.120 livres e 380 escravos. Segundo Arthur Reis,
esses dados indicam um crescimento populacional importante, dada a redução que
sofreu no período da Cabanagem.
Foi neste ano que a Assembléia Provincial Paraense, através da Lei N.o 145 de
24 de outubro, elevou a Vila de Manaus à categoria de Cidade com a denominação de
Nossa Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro. No entanto, pela lei N.o 68, de 4
de setembro de 1856, da Assembléia Provincial Amazonense a cidade passou a ser
definitivamente denominada de Manaus.

Leitura Complementar N.o 9

IMBRÓGLIO DO ANIVERSÁRIO DE MANAUS

“Salve 24 de Outubro de 2005, data que Manaus completa 336 anos de fundação!”. É feriado no
município de Manaus; quase ninguém formalmente trabalha. No entanto, o cidadão comum mal
sabe que essa exclamação é oriunda de uma verdadeira mixórdia, pois se trata de uma mistura
de tempos, eventos e significados que rigorosamente nada têm a ver uns com os outros.
Começo pela “fundação” da cidade. Ainda não se conhece nenhuma evidência
documental ou qualquer outra, que autorize afirmar que o governador e capitão-general do
Maranhão e Grão-Pará, Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho (1667-1671), tenha
ordenado ao capitão Francisco da Mota Falcão a fundar a cidade de Manaus. No máximo, esse
militar teria ordens para edificar, em 1669, um estabelecimento militar que ganhou o ostentoso
nome de Fortaleza de São José da Barra do Rio Negro. Do mesmo modo, até agora nada
corrobora que essa edificação ocorreu mesmo nesse ano. Porém, se for verdadeiro, qual o mês,
qual o dia em que o ato da fundação teria ocorrido?
Normalmente atos dessa natureza são solenemente registrados por autoridades do poder
público. Por exemplo: a fundação do Forte do Presépio – núcleo remoto da cidade de Belém –
teve origem na ordem expressa no Regimento de Francisco Caldeira Castelo Branco, no qual se
ordenou que fosse erigida uma fortificação, cuja fundação data de 12 de janeiro de 1616; outro
exemplo, é o da Fortaleza de São Joaquim, edificado na confluência dos rios Tacutu e Branco,
cuja construção foi ordenada através da Provisão Régia de 4 de novembro de 1752, mas só
iniciada as obras em 1775, já no governo do capitão-general João Pereira Caldas.
A confusão continua. Em 1969 as autoridades constituídas do Município de Manaus e
do Estado do Amazonas festejaram o aniversário de 300 anos da cidade de Manaus. Porém, em
24 de outubro 1998 as mesmas autoridades comemoraram o “Sesquicentenário de Manaus”, isto
é, os 150 anos da cidade de Manaus. Pelo festejo anterior dever-se-ia estar celebrando pelo
menos os 329 anos da cidade.
Hoje, comemoram-se os 336 anos da cidade. Tentarei explicar essa confusa trajetória.
Os antigos cronistas e os autores mais recentes estão de acordo de que a Fortaleza da Barra do
Rio Negro foi fundada em 1669, mesmo sem uma documentação comprobatória. Em volta dessa
edificação militar se desenvolveu um verdadeiro “curral de índios”, local onde era amontoado o
produto das caçadas humanas, transformado em plantel de escravos à espera do momento
adequado para serem transportados para Belém.
Além do “curral de índios” que se compunha de uma população transitória, no entorno
da Fortaleza também se desenvolveu um aldeamento composto principalmente pelos índios
Baníuas, Barés e Passés oriundos dos rios Içana, Negro e Japurá, que passaram a viver na
condição de índios aldeados. O conjunto Fortaleza da Barra e o seu entorno em 1790 abrigou a
sede da Capitania do Rio Negro no governo de Lobo d’Almada (1788-1799) com a
denominação de Barra do Rio Negro. No entanto, oito anos mais tarde perdeu essa condição,
sendo dessa forma rebaixada à categoria de um simples Lugar, pois a sede do governo voltou a
ser a vila de Barcelos. Voltando, entretanto, à condição de sede do governo por volta de 1808, e
assim se manteve até o fim do período colonial.
Com a incorporação do Estado do Grão-Pará e Rio Negro ao Império brasileiro, em
1823, a Capitania do Rio Negro foi transformada numa simples Comarca da Província do Pará;
não obstante isso, a Barra do Rio Negro continuou sendo a sede dessa jurisdição. No inicio da
década de 1830, houve uma mudança no Império em termos político-administrativo; por conta
disso, a Comarca do Rio Negro mudou de denominação, passando a ser chamada de Comarca
do Alto Amazonas, cuja sede foi novamente, em 25 de julho de 1833, elevada a condição de
ViIa com a denominação de Manaus.
Em 1848, a Assembléia Provincial Paraense, através da lei N.o 145 de 24 de outubro
desse ano, elevou Manaus à categoria de Cidade com a denominação de Nossa Senhora da
Conceição da Barra do Rio Negro. Somente pela Lei N.o 68, de 4 de setembro de 1856, de
autoria do deputado João Ignácio Rodrigues do Carmo, foi que a cidade passou a ser
definitivamente denominada de Manaus.
Portanto, temos agora as chaves para as duas idades da cidade de Manaus. A da
fundação da Fortaleza da Barra do Rio Negro, 1669; e a elevação de Manaus à categoria de
cidade, em 24 de outubro de 1848. Na primeira, mesmo com a incerteza, tem-se o ano; na
segunda, tem-se o dia o mês e um ano; entretanto, ambas não correspondem à verdade histórica
que se procura acerca do nascimento da cidade.
Se se contar da fundação da Fortaleza, Manaus completaria, hoje, 336 anos de idade; se
se contar da elevação à categoria de cidade, Manaus teria, hoje, 157 anos. Para pôr fim a essa
situação desconfortável, alguns poucos preocupados com as festas solenes do evento
patrocinadas pelas verbas públicas resolveram “franksteinear” a data do aniversário natalício da
cidade, passando a ser contado, a partir de 24 de outubro de 1669. O dia e mês de um evento e
o ano de outro. Éis o imbróglio.
Na realidade inventaram um dia de feriado ao arrepio da História, quase característico
daquilo de o historiador inglês Eric Hobsbawm definiu como “tradição inventada”, que seriam
as práticas, muitas vezes tácitas, que visam a inculcar certos valores e normas de
comportamento através da repetição. Neste caso o subentendimento cedeu ao escancaramento.
Virou lei.
Não sei se esse tipo de questionamento leva a algum lugar. Em todo caso, já que as
elites que dominam o poder público manauense e amazonense necessitam tanto desses tipos de
eventos cívicos para exercitarem seus discursos carregados de nativismo piegas, deveriam criar
outros feriados, a exemplo da elite política nacional que festeja o Descobrimento do Brasil, em
22 de abril e a Independência, em 07 de setembro. No caso de Manaus, uma festa para a
Origem de Manaus (não para fundação), e outra para a Elevação de Manaus à categoria de
Cidade. Assim tudo fica “bonitinho dentro do vidrinho” (bordão de um comunicador local), e se
põe fim essa embrulhada. Contudo, o evento da Origem necessita de pesquisas, que o poder
público deveria incentivar.
Finalmente, ainda nessa linha de raciocínio “cívico”, não caberia ainda, a criação do
feriado comemorativo ao Descobrimento do Amazonas: o dia em que o bergantim do espanhol
Francisco de Orellana penetrou no rio Amazonas?”

SANTOS, Francisco Jorge dos. Artigo publicado em CD-ROM no Jornal do Commercio nos
dias 22, 23 e 24.10.2005, em Manaus.

Indicações para Leitura


CHIAVENATO, Júlio José (1984). Cabanagem – o povo no poder. São Paulo: Brasiliense.

LIMA, Regina Márcia de Jesus (1978). A Província do Amazonas no Sistema Político do


Segundo Reinado (1852-1899). Niterói: Universidade Federal Fluminense (Dissertação de
Mestrado).

MATOS, João Henrique de (1979). “Relatório do Estado de Decadência em que se acha o Alto
Amazonas”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. N.o 325, p. 140-180.
Documento publicado com Apresentação de Arthur Cezar Ferreira Reis, sob o título de O
Amazonas em 1845.

MIRANDA, Bertino de (1984). A Cidade de Manáos – sua história e seus motins políticos
(1700 – 1852). Edição Fac-similada. Manaus: Editora Calderaro.
MOREIRA NETO, Carlos de Araújo (1992). “Igreja e Cabanagem (1832-1849)”. In:
HOONAERT, Eduardo (Coord.). História da Igreja na Amazônia. Petrópolis: Vozes.

OLIVEIRA, Adélia Engrácia de (1983). “Ocupação Humana”. In: SALATTI, Enéas et alii.
Amazônia: desenvolvimento, integração e ecologia. São Paulo: Brasiliense; Brasília: CNPq, p.
145-325.

PINHEIRO, Luís Balkar Sá Peixoto (1993/94). “A Cabanagem: Imagens e Representações


Historiográficas”. Amazônia em Cadernos. N.º 2 / 3. Manaus: Museu Amazônico / Universidade
do Amazonas, p. 179-193.

PRADO JÚNIOR, Caio (1953). Evolução Política do Brasil e Outros Estudos. São Paulo:
Brasiliense.

REIS, Arthur Cezar Ferreira (1999). Manáos e Outras Villas. 2.ª edição. Manaus, Governo do
Amazonas / Edua.

_______ (1989) 2.ª edição. História do Amazonas. Belo Horizonte / Manaus: Itatiaia /
Superintendência Cultural do Amazonas.

_______ (1965) A Autonomia do Amazonas. 2ª. Edição. Manaus: Governo do Amazonas.

______. (1979) “O Amazonas em 1845”. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.


N.o 325, p. 140-180.

WALLACE, Alfred Russel (1979). Viagens pelos rios Negro e Amazonas. São Paulo / Belo
Horizonte: Edusp / Itatiaia.

UNIDADE III – O AMAZONAS IMPERIAL BRASILEIRO


Capítulo 10

Província do Amazonas: Política e Administração

Capítulo 10

PROVÍNCIA DOAMAZONAS: POLÍTICA E ADMINISTRAÇÃO


No capítulo anterior observou-se que, após 1824, a subalternidade do ex-Capitania
do Rio Negro em relação ao Pará foi efetivada, dubiamente, pela Constituição de 1824,
e agravada pela execução do Código do Processo Criminal de 1832. Neste sentido, cabe
aqui uma indagação: por que as autoridades de Belém não ajudaram a sociedade do Rio
Negro a conseguir sua autonomia?

Dominação Política do Rio Negro

A resposta ao questionamento anterior parece residir no comportamento das


autoridades de Belém, que não queriam abrir mão da subalternidade política do Rio
Negro, insistindo na tradição de dependência que vinha desde a criação da Capitania de
São José do Rio Negro, em 1755.
Não se observam razões de ordem econômica que pudessem justificar a
permanência do Rio Negro sob a administração de Belém. Em outras palavras, o
governo paraense pouco arrecadava nessa região, tendo mais despesas do que receita
fiscal. Indubitavelmente, os gastos com a manutenção de quadros administrativos e
tropas militares eram bem maiores do que os tributos fornecidos pela região. Talvez o
binômio dominação-subordinação entre as regiões do Pará e Rio Negro estivesse
bastante enraizado no imaginário político das autoridades belenenses, não permitindo,
pelo menos ao curto prazo, qualquer possibilidade de mudança, o que explicaria a
insistência em manter o Rio Negro subalterno.
Por seu turno, embora tivesse reconhecido os dispositivos legais que subordinavam
a região à autoridade de Belém, a elite do Rio Negro encarava-os como não tendo
legitimidade. Daí as diversas manifestações autonomistas que ocorreram na Barra do
Rio Negro (Manaus), nos anos de 1825, 1826-1828, 1832-1833, 1834 e 1836.

Concepção da Província do Amazonas

É importante assinalar o caráter dessas manifestações. Conforme a historiadora


Regina Márcia Jesus de Lima, todas as que ocorreram na região do Alto Amazonas
partiram sempre de uma iniciativa municipal. O movimento de 1832, entretanto, teve
maior significado e repercussão, pois não foi feito apenas em forma de uma
representação dirigida à autoridade governamental. No entanto, nenhuma dessas
manifestações apresentou tendência centrífuga, ou seja, a autonomia que elas buscavam
visava somente uma ruptura dos laços políticos e administrativos com o Pará, sem
comprometer a unidade política e territorial do Império. Não se deve esquecer, todavia,
que no próprio meio político paraense, houve quem defendesse a idéia de autonomia da
região.

Projeto Romualdo de Seixas

Ainda na década de 1820, como já se observou, o bispo Romualdo Antônio de


Seixas, o marquês de Santa Cruz, deputado paraense na Assembléia Geral do Império,
foi o primeiro a chamar a atenção para a necessidade de um aparelho provincial no Rio
Negro. Para o bispo, a decadência do Rio Negro era resultado, não apenas da má ação
de certas autoridades nomeadas por Belém, mas, principalmente, da estrutura
administrativa que ligava a Comarca do Rio Negro à Província do Pará; ou seja, as
autoridades da Comarca não tinham autonomia para desenvolvê-la, e nem o Presidente
da Província dava-lhe a atenção necessária. Era uma crítica sutil à absorção do Rio
Negro pelo Pará.
A crítica de D. Romualdo Seixas não ficou apenas no campo da denúncia.
Sensibilizado com a causa do Rio Negro, o bispo apresentou, em 1826, à Câmara dos
Deputados, um projeto para a criação da Província do Rio Negro. Este ato inaugurou um
longo processo de discussões sobre a necessidade ou não de promover o Rio Negro à
categoria de Província, que durou de 1826 a 1850.
Pelo Projeto de D. Romualdo de Seixas a Comarca do Rio Negro receberia a
denominação de Província do Rio Negro, com capital na povoação da Barra do Rio
Negro, com o nome de cidade de São José da Barra. Seriam criados “nesta província o
presidente, comandante militar, junta da Fazenda, Conselho Geral e Conselho
Administrativo da mesma categoria e vencimentos dos das províncias de segunda ordem
do Império”. A nova Província, segundo Arthur Reis, contaria com um auxilio
pecuniário de 12:000$000, fornecido pelo Maranhão até que as suas rendas lhe
bastassem.
O projeto de D. Romualdo tramitou de 1826 a 1832, sofrendo fortes objeções dos
opositores no Parlamento Imperial, os quais alegavam falta de informações precisas que
justificasse a instalação de um aparato provincial no Rio Negro. Em 1832, as discussões
do problema foram adiadas até que novas informações sobre a Comarca chegassem à
Assembléia Geral.
Ao que tudo indica, as autoridades provinciais de Belém não deram muito crédito
ao projeto de D. Romualdo Seixas. Como já foi visto, ao darem execução ao Código de
Processo Criminal, em 1833, aquelas autoridades não apenas desconsideraram a busca
de autonomia do Rio Negro, que teve no bispo o seu porta-voz, como também
desrespeitaram os limites entre as comarcas da Província do Pará, subtraindo territórios
da nova Comarca do Alto Amazonas.

Projeto João Cândido de Deus e Silva

Conforme Regina Márcia Lima e Arthur Reis, somente em 1839 o assunto voltou a
ser debatido na Câmara dos Deputados, quando um novo projeto foi apresentado por
outro deputado paraense, João Cândido de Deus e Silva. Por esse projeto a Comarca do
Alto Amazonas seria transformada em Província do Rio Negro, porém de segunda
ordem, isto é, associada à Província do Pará, com território e limites iguais ao da
Comarca do Alto Amazonas. Como se pode perceber, este projeto continha alguns
dispositivos que mantinham, dissimuladamente, certa subalternidade da futura província
em relação à do Pará.
É necessário lembrar que a Comarca do Alto Amazonas, neste período, ainda vivia
o desassossego da Cabanagem. O movimento cabano tornou visível a fragilidade do
governo paraense em administrar um território tão extenso quanto era o da Província do
Pará (formada pelos territórios dos atuais estados do Pará, Amapá, Amazonas e
Roraima).
No caso do Alto Amazonas, o governo provincial, mesmo contando com intensa
ajuda de membros da elite dessa região, necessitava enviar e manter tropas e autoridades
judiciais, o que representava um pesado ônus ao tesouro da Província. Desse modo, a
dominação política, tal qual as autoridades de Belém vinham praticando em relação à
Comarca do Alto Amazonas, não compensava mais as despesas com a sua manutenção.
Era necessário outro mecanismo para manter a dominação política, sem, entretanto,
arcar com os gastos para tê-la. O projeto de João Cândido de Deus viria, assim, ao
encontro das necessidades e dos interesses que o governo paraense apresentava naquele
contexto.

As Polêmicas

Quanto às discussões que surgiram em torno do projeto de João Cândido, notam-se


dois posicionamentos: o primeiro posicionamento era representado pelos deputados
paraenses e maranhenses, os quais defendiam que a solução para acabar com o estado
de atraso e decadência da Comarca do Alto Amazonas, passava, necessariamente, pela
elevação da mesma à categoria de Província. Enquanto que o segundo era representado,
principalmente, pelos deputados mineiros e paulistas que eram contrários à criação da
nova Província, argumentando que a Comarca do Alto Amazonas não apresentava renda
suficiente para sustentar um aparelho provincial. Questionou-se até se na nova Província
teria pessoal capaz para o preenchimento dos cargos público.
Entretanto, o posicionamento dos parlamentares contrários à criação de uma nova
província no Império, sugere uma outra razão – sobretudo entre os paulista – seria o
receio de se criar um perigoso precedente, pois a rica Comarca de Curitiba, da Província
de São Paulo, já acalentava havia algum tempo, o desejo de autonomia.

AUTONOMIA DE CURITIBA – A Lei Imperial, N.o 704, de 29 de agosto de 1853, elevou à


categoria de Província a Comarca de Curitiba, a qual passou a ser denominada de Província do
Paraná, atual Estado do mesmo nome.

Embora o projeto tivesse ocasionado tamanha polêmica, seus defensores


conseguiram que fosse aprovado em primeira sessão, em agosto de 1840. Mesmo assim,
sua tramitação ficou sustada por três anos. Somente voltou à baila em 1843, quando o
ministro dos Negócios Estrangeiros, Honório Hermeto Carneiro Leão, em um discurso
na Câmara dos Deputados, no dia 12 de maio, sugeriu a divisão da Província do Pará.
Naquela ocasião, o deputado Ângelo Custódio solicitou que o projeto de João
Cândido de Deus fosse reavaliado. Esse pedido provocou ásperos debates, os quais,
apesar de ressuscitarem antigos argumentos de defesa e ataque ao projeto, culminaram
com aprovação deste na sessão de 19 de junho daquele ano.
Conforme Arthur Reis, o Projeto de João de Deus foi quase que totalmente refeito,
pois recebeu diversas emendas de autoria do parlamentar Souza Franco (ex-presidente
do Pará), e foi apresentado com uma nova redação elaborada pela Comissão de Direito,
na qual em homenagem ao rio que cortava de oeste a leste a região, teria o nome
Amazonas.

Nascimento da Província Amazonas


Da Câmara dos Deputados o projeto passou ao Senado, onde permaneceu,
inexplicavelmente, sete anos relegado ao esquecimento. Somente em julho de 1850, por
iniciativa do deputado paraense João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha, é que foi
novamente submetido a debates, e em 28 de agosto do mesmo ano, foi aprovado.
Levado ao conhecimento do Imperador Pedro II, o projeto transformou-se na Lei
N.º 582, de 5 de setembro de 1850, que criava a Província do Amazonas.
A nova província teria por capital a Cidade da Barra do Rio Negro, e os mesmos
limites e extensão da antiga Comarca do Rio Negro – que os herdara da Capitania de
São José do Rio Negro, criada por Francisco Xavier de Mendonça Furtado em 1755 – e
não aqueles do Alto Amazonas, fixados, em 1833, quando da aplicação do Código de
Processo Criminal.
A representação parlamentar da Província do Amazonas na Assembléia Geral do
Império foi fixada em um deputado e um senador. Sua Assembléia Provincial seria
composta por vinte membros.
O Imperador nomeou, em 7 de julho de 1851, para a Presidência da Província do
Amazonas, o deputado João Batista de Tenreiro Aranha, e para as vice-presidências:
João Ignácio Rodrigues do Carmo, coronel João Henrique de Matos, Manuel Tomaz
Pinto, Manuel Gomes Correia de Miranda e o cônego Joaquim Gonçalves de Azevedo.

* * *
Arthur Reis, advoga que presidente Tenreiro Aranha, embora não tivesse
experiência em altos cargos administrativos, possuía um vasto trabalho no legislativo,
tanto no Parlamento Provincial, quanto no Imperial, destacando-se no último, onde
defendera veementemente a autonomia do Amazonas. Atributos que foram
reconhecidos pelo governo central que o nomeou par exercer o mais alto cargo da nova
Província.
Em verdade, a escolha de Tenreiro Aranha encaixava-se aos tradicionais ditames da
política imperial. Desse modo, a nova Província começava a servir aos interesses do
governo central, da elite paraense, bem como dos partidos Conservador e Liberal. Essas
diferentes estruturas de poder tinham, agora, um novo espaço político a utilizar.

Imagem 54.

Palácio Presidencial da Província, em Manaus (1858). Iconografia de François A. Biard,


Deux années ao Brésil, 1862. Reproduzido de Berta G. Ribeiro, Amazônia Urgente. 2.a edição.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1992, p. 133.

Interesses Alienígenas e a Província

Conforme se pôde verificar pelos fatos precedentes, algo de estranho ocorreu na


tramitação do projeto que elevou o Alto Amazonas à categoria de Província. Neste
sentido, cabem aqui alguns questionamentos: a) que razões poderiam justificar sete anos
de paralisação dos debates em torno do projeto, depois que ele passou da Câmara dos
Deputados ao Senado? b) quais motivos levariam o Senado, já em 1850, a aprová-lo em
menos de um mês?
Para a primeira indagação, a historiadora Regina Márcia Lima propõe que o
intervalo de sete anos entre a aprovação na Câmara e a apresentação no Senado pode
significar nada além da morosidade dos trâmites burocráticos entre as duas casas do
poder legislativo. Nesse caso, o ressurgimento da questão nos meios políticos em 1850,
seria mera rotina da mais enfadonha burocracia.
Para o segundo questionamento, Regina Márcia Lima declara que a pressa em
instalar a nova Província do Amazonas poderia estar relacionada com as pressões
exercidas por potências internacionais sobre o governo brasileiro, objetivando abrir o rio
Amazonas à navegação mundial. Esta idéia ganha reforço na medida em que o Senado,
pela natureza de sua constituição no Império, era a casa legislativa onde melhor se
evidenciariam os interesses do governo, daí o projeto de criação da nova província ser
aprovado sem oposição semelhante à que encontrara na Câmara dos Deputados. Nesse
sentido, a argumentação da necessidade de tais medidas levou em conta razões de
natureza geopolítica.
Pelo visto, os projetos de elevação da Comarca do Rio Negro/Alto Amazonas à
categoria de Província, no período de 1826 a 1850, foram sendo redimensionados por
necessidades e interesses que surgiam dependendo do contexto em que se apresentavam.
Nesse sentido, as opiniões que manifestavam tais necessidades e interesses podem ser
vistas em dois grandes conjuntos.
O primeiro conjunto evidenciou-se na Câmara dos Deputados, aonde a questão
regionalista veio à tona, quando o projeto de João Cândido de Deus da Silva foi
apresentado. Da parte dos deputados paraenses e maranhenses defensores do projeto,
havia o interesse de aumentar a força de uma representação regional. Para Regina
Márcia Lima o sistema eleitoral paraense não se abalaria com a perda de um número
insignificante de eleitores do Rio Negro. Além disso, a nova Província criaria uma outra
área política a ser explorada como caminho para a Câmara ou ao Senado. Naquele
momento, o Alto Amazonas significava um lugar promissor, também nesse sentido.
Já os opositores, principalmente deputados mineiros e paulistas, ao se
manifestarem contra a aprovação do projeto, estariam evitando o que consideravam
perigosos precedentes, uma vez que aspirações autonomistas poderiam surgir no interior
de suas províncias, que eram muito populosas, onde um possível desmembramento do
território abalaria o sistema eleitoral. Por exemplo: a Comarca de Curitiba, parte da
Província de São Paulo, encontrava-se também pleno em processo de gestação de sua
autonomia política e administrativa, a qual tornar-se-ia na Província do Paraná, em
1853.
O segundo conjunto revelou-se no Senado, em 1850, ante as pressões estrangeiras
que ameaçavam a soberania do Império nos confins do território brasileiro. Assim, a
criação e a instalação da Província do Amazonas eram uma necessidade urgente da
geopolítica imperial.

Amazonas, um Laboratório Político

Segundo Regina Márcia Lima, a criação da Província atendeu satisfatoriamente


os anseios de autonomia da antiga Comarca do Alto Amazonas na esfera da
administração. No entanto, o mesmo não foi observado no âmbito do desenvolvimento
econômico e da política, pois a região permaneceu dependente e sujeita a constantes
interferências externas. Afirma a autora:

“A inexpressividade da propriedade rural no contexto político econômico da região do


Amazonas é outro ponto que não se pode deixar de ser considerado. Enquanto na maior
parte do território Brasileiro o poder residia nas mãos dos donos das terras, no
Amazonas, esse poder permaneceu sob o controle das camadas mais representativas na
vida urbana. Essa vida urbana entretanto, era bastante incipiente, pois as funções que
lhe são próprias, tiveram o desenvolvimento dificultado pelo extrativismo que interferiu
na fixação das populações. Os núcleos municipais que surgiram eram poucos, pequenos
e muito isolados. Por outro lado, a classe comercial que formou nesses núcleos
enfrentava uma situação de total dependência da praça comercial do Pará /./ O poder
político local, portanto, teve bases econômicas muito frágeis. Sua área de influência foi
muito restrita, sem irradiação para o centro. A força ou a importância desse poder não
foi suficiente para que ele enfrentasse os ímpetos centralizadores da política imperial, o
que resultaria naquele processo de mediação que caracterizou o relacionamento do
governo central com outros subsistemas políticos imperiais” (LIMA, 1978, p. 75-76).

E que “o sistema eleitoral foi um dos meios mais eficazes dos quais o governo
imperial pode se servir para exercer o controle político nas Províncias”. No caso do
Amazonas não foi diferente, “os ímpetos centralizadores da política imperial” foram
materializados, sobretudo, através do sistema eleitoral. Assim, antes de se completarem
três meses de sua instalação, a Província do Amazonas já se encontrava dividida em
paróquias, freguesias e colégios eleitorais, completando sua integração oficial ao
Império, instrumentos pelos quais a Monarquia pôde exercer o controle político da
Província.
Durante o Segundo Reinado a grande maioria dos representantes do Amazonas,
tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado, eram agentes do poder central e de
interesses partidários, isto é, homens oriundos de outras regiões do Brasil, que passavam
pelo Amazonas apenas cumprindo um estágio que lhes permitiria avançar na carreira
política.

Imagem 55.

Vista parcial da frente de Manaus (c.1873). Gravura de James Orton. Reproduzida de


Antônio Loureiro. O Amazonas na Época Imperial. Manaus: T. Loureiro, 1989, p. 245.

Alguns nomes desses “representantes do Amazonas” na Assembléia Geral do


Império: Francisco Carlos de Araújo Brusque, do Rio Grande do Sul; Adolfo Barros
Cavalcante de Albuquerque e Lacerda, de Pernambuco; Ângelo Thomas do Amaral, do
Rio de Janeiro; Leonel Martiniano de Alencar, do Rio de Janeiro; Joaquim Saldanha
Marinho, do Rio de Janeiro; José da Costa Azevedo, do Rio de Janeiro; João Wilkens
de Matos, do Pará; Antônio José Moreira, da Bahia. Este foi o único do grupo dos
alienígenas que se radicou no Amazonas, por ligações a região por interesses
particulares.
Essa situação não era privilégio da representação parlamentar amazonense, se
estendia também no Poder Executivo provincial, das trinta pessoas nomeadas para o
exercício da Presidência da Província do Amazonas, todos eram estranho a ela.
Assumiram o governo da Província também dezesseis vice-presidentes, desses, apenas
cinco eram amazonenses: Gustavo Adolfo Ramos Ferreira, João Ignácio Rodrigues do
Carmo, Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, José Paes da Silva Sarmento e Raimundo
Amâncio de Miranda.
Portanto, segundo Regina Márcia de Lima: “as bases frágeis do poder local na
Província do Amazonas fizeram dela mais uma área de exploração política do que um
núcleo de poder local fortemente constituído”

Província do Amazonas no Contexto Político do Brasil Imperial

Ainda, conforme a historiadora Regina Márcia de Jesus Lima, o Império brasileiro


foi criado numa conjugação de interesses do estamento burocrático – herdado do
período de D. João VI – com as necessidades de aglutinação política da classe senhorial
escravocrata, principalmente do Centro-Sul. Mas não resultou num Estado onipresente.
Daí o poder privado ter comandado extensas áreas, preenchendo o vazio da autoridade
pública.
Esta situação aglutinadora ocorreu porque tradicionalmente, na maior parte do
território brasileiro, o poder residia nas mãos dos donos da terra e esta se constituía na
maior fonte de poder. A força dos proprietários rurais, ao longo do processo histórico
brasileiro, deslocou-se no tempo e no espaço, de acordo com a ascensão dos diferentes
produtos nas diversas zonas geográficas. Essa periferia conseguia impor-se na medida
em que a promoção de “interesses gerais” necessitava de apoio dos grupos regionais.
Estes, por sua vez, procuravam arrancar concessões do governo central em troca do
apoio que poderiam conceder.
Neste aspecto, a região do Amazonas esteve longe de se enquadrar nos moldes
tradicionais do poder oriundo dos grandes proprietários, apresentando-se como um caso
à parte, uma vez que o poder local concentrava-se mais nos comerciantes. Estes tinham
pouca expressão no cenário econômico nacional, se comparados aos latifundiários do
Centro-Sul. Assim, como área política periférica, a região do Amazonas não poderia
oferecer apoio aos interesses do Centro, por não ter bases econômicas sólidas para isso.
O Centro, por sua vez, não precisava fazer concessões à região, não se caracterizando,
portanto, o processo de mediação que marcou o relacionamento do centro político com
as áreas políticas da periferia, durante o Império.
Desse modo, o surgimento da província do Amazonas no cenário político-
administrativo do Império brasileiro, durante o Segundo Reinado, respondeu menos aos
interesses da sua elite de pequenos proprietários rurais e comerciantes, e mais aos de
grupos políticos alienígenas. Em outros termos, por causa da debilidade econômica do
Amazonas, o governo central não necessitaria fazer concessões à elite regional, para
conseguir em troca apoio para a manutenção de seus interesses. Esse contexto de
fraqueza da região ante o poder central oportunizaria que o Amazonas fosse explorado
politicamente por grupos alheios à região.

Leitura Complementar N.o 10

ENFIM, MAIS UMA PROVÍNCIA NO IMPÉRIO DO BRASIL

“Dom Pedro, por graça de Deus e Unanime aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e
Defensor Perpétuo do Brasil, fazemos saber a todos os Nossos Súditos, que a Assembléia Geral
Decretou, e Nós Queremos a Lei seguinte”:

Artigo 1.º – A Comarca do Alto Amazonas, na Província do Grão-Pará, fica elevada à


Categoria de Província com a denominação de Província do Amazonas. A sua extensão e limites
serão os mesmos da antiga Comarca do Rio Negro.

Artigo 2.º – A nova Província terá por Capital a Vila da Barra do Rio Negro, em quanto a
Assembléia respectiva não decretar a sua mudança.

Artigo 3.º– A Província do Amazonas dará um Senador e um Deputado à Assembléia Geral;


sua Assembléia Provincial constará de vinte Membros.

Artigo 4.º – O Governo fica autorizado para criar na mesma Província as Estações Fiscais
indispensáveis para a arrecadação, e administração das rendas gerais, submetendo-as depois ao
conhecimento da Assembléia Geral para sua definitiva aprovação.

Artigo 5.º – Ficam revogadas todas as Leis em contrário”.

Lei N.º 582, de 5 de setembro de 1850, que elevou a Comarca do Alto Amazonas à categoria
de Província. (Ortografia parcialmente atualizada).

Indicações para Leitura


LIMA, Regina Márcia de Jesus (1978). A Província do Amazonas no Sistema Político do
Segundo Reinado (1852-1899). Niterói: Universidade Federal Fluminense (Dissertação de
Mestrado).

OLIVEIRA, Adélia Engrácia de (1983). “Ocupação Humana”. In: SALATTI, Enéas et alii.
Amazônia: desenvolvimento, integração e ecologia. São Paulo / Brasília: Brasiliense / CNPq, p.
145-325.

REIS, Arthur Cezar Ferreira (1999). Manáos e Outras Villas. 2.ª edição. Manaus: Governo do
Amazonas / Edua.

_______ (1989). História do Amazonas. 2.ª edição. Belo Horizonte / Manaus: Itatiaia /
Superintendência Cultural do Amazonas.

_______ (1965) A Autonomia do Amazonas. 2ª. Edição. Manaus: Governo do Amazonas.

ANEXO 2

GOVERNANTES DA PROVÍNCIA DO AMAZONAS (1852-1889)

1.º) João Batista de Figueiredo Tenreiro Aranha (1852). Manuel Gomes Corrêa de Miranda, 1.º
vice (1852-1853);
2.º) Herculano Ferreira Pena (1853-1855). João Pedro Dias Vieira, 1.º vice (1855-1856);
3.º) João Pedro Dias Vieira (1856-1857). Manuel Gomes Corrêa de Miranda, 1.º vice (1857);
4.º) Ângelo Tomás do Amaral (1857). Afastado em maio de 1857, reassumiu em setembro do
mesmo ano. Joaquim Gonçalves de Azevedo, 2.º vice (1857);
5.º) Francisco José Furtado (1857-1858). Afastado em outubro de 1858, reassumiu em
novembro do mesmo ano. Joaquim Gonçalves de Azevedo, 2.º vice (1858). Manuel Gomes
Corrêa de Miranda, 1.º vice (1859-1860);
6.º) Manuel Clementino Corrêa da Cunha (1859-1859). Manuel Gomes Corrêa de Miranda, 1.º
vice (1863);
7.º) Sinval Odorico de Moura (1863-1864);
8.º) Adolpho Barros Cavalcanti de Albuquerque e Lacerda (1864-1865). Innocêncio Eustáquio
Ferreira de vice 4.º (1865). Manuel Gomes Corrêa de Miranda, 1.º vice (1865).
9.º) Antônio Epaminondas de Melo (1865-1867). Afastado em junho de 1866, reassumiu em
novembro do mesmo ano. Gustavo Adolpho Ramos Ferreira, vice do 9.º (1866). Sebastião José
Basílio Pyrro, vice (1867). João Ignácio Rodrigues do Carmo, 4.º vice (1867). José Bernardo
Michilles, 2.º vice (1867);
10.º) José Coelho da Gama e Abreu (1867-1868);
11.º) Jacinto Pereira do Rego (1868). Leonardo Ferreira Marques, 1.º vice (1868);
12.º) João Wilkens de Mattos (1868-1870). Clementino José Pereira Guimarães, 3.º vice (1870);
13.º) José de Miranda da Silva Reis (1870-1872);
14.º) Domingos Monteiro Peixoto (1872-1875). Nuno A. Pereira de Mello Cardoso, 1.º vice
(1875);
15.º) Antônio dos Passos Miranda (1876-1876). Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, 2.º vice
(1876). Nuno A. Pereira de Mello Cardoso, 1.º vice (1876);
16.º) Domingos Jacy Monteiro (1876-1877);
17.º) Agesiláo Pereira da Silva (1877-1878). Gabriel Antônio Ribeiro Guimarães, vice (1878).
Guilherme José Moreira, vice (1878);
18.º) Rufino Eneías Gustavo Galvão (Barão de Maracaju) (1878-1879). Romualdo de Souza
Paes de Andrade, 1.º vice (1879);
19.º) José Clarindo de Queiroz (1879-1880);
20.º) Satyro de Oliveira Dias (1880-1881);
21.º) Alarico José Furtado (1881-1882. Romualdo de Souza Paes de Andrade, 2.º vice (1882);
22.º) José Lustosa da Cunha Paranaguá (1882-1884). Guilherme José Moreira, 1.º vice (1884);
23.º) Theodoreto Carlos de Faria Souto (1884). Joaquim Paes da Silva Sarmento, 2.º vice (1884;
24.º) José Jansen Ferreira Júnior (1884-1885). Clementino José Pereira Guimarães, 1.º vice
(1885);
25.º) Ernesto Adolpho de Vasconcellos Chaves (1885-1887). Clementino José Pereira
Guimarães, 1.º vice (1887);
26.º) Conrado Jacob de Niemeyer (1887-1888);
27.º) Francisco Antônio Pimenta Bueno (1888). Antônio Lopes Braga, 2.º vice (1888).
Raimundo Amâncio de Miranda, 3.º vice (1888);
28.º) Joaquim Cardoso de Andrade (1888). Raimundo Amâncio de Miranda, 2.º vice (1888-
1889);
29.º) Joaquim de Oliveira Machado (1889);
30.º) Manuel Francisco Machado (1889).

Fonte: Arthur Cezar Ferreira Reis. História do Amazonas. 2.a edição. Belo Horizonte / Manaus:
Itatiaia / Governo do Amazonas, 1989, p. 256 - 262.
UNIDADE III – O AMAZONAS IMPERIAL BRASILEIRO

Capítulo 11

Província do Amazonas: Economia e Sociedade

Capítulo 11

PROVÍNCIA DO AMAZONAS: ECONOMIA E SOCIEDADE


Durante as duas primeiras décadas de autonomia político-administrativa do
Amazonas as atividades agrícolas e extrativas, com exceção das atividades fabris e
artesanais, mantiveram-se combinadas numa estreita complementaridade, uma
característica que vinha desde os tempos coloniais.
Economia da Província
Talvez por conta dessa “complementaridade” da agricultura com o extrativismo, os
administradores da nova Província diziam que o volume da produtividade do setor
agrícola não ia nada bem. Para o presidente João Batista Tenreiro Aranha (1852), o
quadro econômico da Província do Amazonas se apresentava em pior situação que o da
Capitania do Rio Negro, chegando a afirmar que:

“O algodão, o anil, o café, a mandioca e o tabaco teve (sic) cultura tal que dava para
ouso e consumo,e sobrava para a exportação em grande quantidade (...) Agora o café, a
mandioca e o algodão mal chega (sic) para o consumo, e todos os outros gêneros e
artefatos, à falta de cultura têm desaparecido (...)” (In: Relatórios da Presidência. Vol.
I, p. 42 e 43. Apud LIMA, 1978).

Conforme Regina Márcia Lima, durante a primeira metade do século XIX, no


Amazonas, as plantações de cacau e café implementadas no século anterior já estavam
praticamente extintas. Nem mesmo as atividades agrícolas de subsistências recebiam a
atenção e os cuidados necessários. Essa situação adentrou por boa parte da segunda
metade desse século, pois, no decorrer da década de 1850, as informações sobre o
abandono das lavouras continuaram aparecendo, a produção do milho, do feijão e da
mandioca apenas eram suficientes para o abastecimento do mercado interno, sendo por
esse motivo, necessário importar do Pará, o arroz, o açúcar, o café e o algodão.
Em 1864, o presidente da província Adolfo de Barros Cavalcanti de
Albuquerque e Lacerda, procurou explicar o decrescimento constante da produção
agrícola no Amazonas, e afirmou que:

“Procede a esse fenômeno de que todas as forças vivas da população dirigem-se quase
exclusivamente a extração dos produtos silvestres – a seringa, o cacau, os deferentes
óleos, o guaraná, a castanha, o cravo a salsa e outras muitas drogas cuja exportação
avulta à proporção que decresce a dos produtos da lavoura” (In: Relatórios da
Presidência. Vol. III, p. 143. Apud LIMA, 1978).

Não obstante, os governantes da Província do Amazonas demonstrarem


preocupação com o desenvolvimento do setor agrícola, não se verificaram maiores
mudanças até o final da década de 1870. As mudanças só se tornaram significativas,
com a expansão das atividades de extração da borracha, e as conseqüentes alterações em
relação aos demais setores produtivos, quer de outros produtos extrativos, quer da
produção agrícola.

Atividades Agrícolas

Na agricultura, observa-se, principalmente, a modalidade de subsistência, praticada


em pequenas e médias propriedades de brancos, índios e mestiços, bem como nas
comunidades indígenas sob a tutela do Estado provincial, conforme afirmações da
historiadora Patrícia Melo Sampaio.
Alguns dos cientistas viajantes, que estiveram no Amazonas nas décadas de 1850 e
1860, como Alfred Russel Wallace, Henry Walter Bates, Robert Avé-Lallemant e o
casal Louis e Elizabeth Agassiz, deixaram interessantes relatos acerca de alguns
estabelecimentos agrícolas que chegaram a conhecer.
Bates, por exemplo, descreve a propriedade do mameluco João Trindade, na foz do
rio Madeira, a qual produzia fumo, café, mandioca, milho, arroz. Nela havia uma
plantação com cerca de 8.000 pés de cacau e muitas árvores frutíferas, além de uma
horta de legumes. Por seu lado, o casal Agassiz, visitando um sítio nos arredores de
Manaus, menciona pequenas plantações de cacau e mandioca nas clareiras abertas na
floresta.
Esse tipo de agricultura, ao produzir certos excedentes, conseguia abastecer as
freguesias, lugares e vilas do Amazonas e, em alguns casos, seus produtos alcançavam
regiões externas às fronteiras amazonenses, conseguindo entrar num âmbito menos
acanhado de circulação mercantil.
Apesar disso, foram constantes as reclamações das autoridades provinciais a
respeito do fraco desempenho agrícola do Amazonas, cuja produção de café, cacau,
tabaco, algodão, anil, arroz e mandioca, não conseguia trazer as receitas fiscais
desejadas à Fazenda Provincial. Essas reclamações não ficaram apenas no âmbito fiscal;
estenderam-se, também, a certos produtos típicos da região.
Os presidentes Tenreiro Aranha (1852), Dias Vieira (1857) e Jacy Monteiro (1877),
por exemplo, em suas críticas ao estado da agricultura no Amazonas, endereçaram-nas à
escassez de gêneros agrícolas alimentares. Tais críticas, em verdade, estavam
relacionadas aos hábitos dietéticos da maioria da população amazonense, formada por
índios e “cabocos”, cuja alimentação era à base dos derivados da mandioca –
principalmente a farinha –, complementada com peixe, carne e ovos de diversos
quelônios e carne de peixe-boi. As críticas eram ecos de uma elite branca – social e
etnicamente diferenciada do grosso da população –, a qual tentava aproximar, ao
máximo, os seus hábitos de um modelo europeu, pretensamente superior ao dos demais
habitantes.

Atividades Extrativistas

Quanto ao extrativismo, na economia provincial amazonense destacavam-se dois


tipos básicos, que vinham desde os tempos coloniais: o animal e o vegetal. Ambos
mantiveram-se em relativo equilíbrio, até o momento em que a borracha começou a
liderar todos os setores da economia amazonense.
Segundo Antônio Loureiro, a produção extrativa animal compreendia as seguintes
atividades:
a) A pesca e salga do pirarucu, o principal produto de exportação da Província até
1856, quando foi suplantado pela borracha, permanecendo em segundo lugar durante os
anos seguintes;

b) O fabrico da manteiga de tartaruga, altamente predatório, feito mediante o


esmagamento dos ovos, com os pés, em uma canoa com água;

c) A pesca do peixe-boi para a obtenção de mexira (carne frita e conservada na


própria banha) e da gordura, envasada em potes;

d) A caça de animais silvestres, para o complemento da alimentação das


populações extratoras, secundariamente comercializando os seus couros, sendo o de
veado, o mais requisitado pelo mercado.

Antônio Loureiro informa, ainda, que a partir de 1869, a manteiga de tartaruga e a


banha de peixe-boi passaram a ser exportadas pelo Amazonas.
De acordo com Aureliano Cândido Tavares Bastos, o setor extrativista vegetal
compreendia, os seguintes produtos: breu, cumaru, castanha, estopa, madeiras, óleo de
copaíba, piaçaba, puxuri, salsaparrilha e seringa.
De todos os produtos vegetais anteriormente mencionados, destacou-se a goma
elástica, também conhecida pelos nomes de seringa, borracha, e até pela pomposa
denominação de “ouro negro”.
Historicamente utilizada na Amazônia desde o tempo dos antigos Omáguas ou
Cambebas do rio Solimões, a goma elástica tornou-se melhor conhecida pelos europeus
a partir de 1745, quando o cientista francês Charles-Marie de La Condamine, depois de
sua viagem pela Amazônia, em 1743, comunicou sua existência à Academia de
Ciências de Paris. Os avanços técnicos, que ocorreram no processamento da borracha
por toda a segunda metade do século XVIII e na primeira do século XIX, foram
acompanhados de uma crescente demanda industrial, principalmente na Europa
Ocidental e nos Estados Unidos.
Para fins comerciais, a seringa foi inicialmente explorada nos territórios do Grão-
Pará e do Baixo Amazonas desde os fins do século XVIII, sendo explorada no Alto
Amazonas a partir do início da década de 1850. Na primeira estatística de exportações
(1853) da recém instalada Província do Amazonas, a goma elástica já aparece, como o
principal produto de exportação do Amazonas,embora com o modesto valor de
9:496$000 se comparado ao valor do pirarucu, que era de 70:139$000. Esse status
perdurou até 1860.
Na avaliação do presidente Herculano Ferreira Penna (1853-1855), a borracha já
era mencionada como produto silvestre que poderia “tornar-se objeto de valioso
comércio”. Por toda a década de 1850, a seringa aparecia modestamente nas estatísticas
de exportação da Província do Amazonas. Todavia, já no início da década de 1860, a
borracha alcançava o primeiro lugar nas exportações, o que continuou por todo o
período provincial, somente decaindo por volta de 1915, quando o Amazonas fazia 26
anos de estado-membro da República brasileira.

Imagem 56.

Pesca do Pirarucu (Arapaima gigas). Iconografia de Percy Lau. Reproduzida de Djalma


Batista, O Complexo Amazônico, Rio de Janeiro: Conquista, 1976, p. 206.

Atividades Fabris e Artesanais

Na avaliação de Antônio Loureiro, a atividade fabril no Amazonas provincial era


muito tímida e instável. Entre as décadas de 1850 e 1880, essa atividade resumia-se,
praticamente às poucas serrarias e olarias, e a alguns engenhos, além de uma fábrica de
sabão e uma de chapéus, assim localizados: em Manaus (uma serraria e uma fábrica de
chapéus), Itacoatiara (uma serraria e uma olaria), Paraná da Eva (uma serraria e um
engenho de aguardente), Manaquiri (um engenho de aguardente), Tefé (duas olarias),
Cacau Pirêra (uma olaria), Manacapuru (uma olaria), Paraná Mirim da Trindade (uma
olaria), rio Madeira (uma fábrica de sabão, uma serraria e um engenho de aguardente),
Paratarí (um engenho e uma serraria).
Quanto ao artesanato, Antônio Loureiro informa que a população amazonense, de
um modo geral, produzia bens artesanais que tinham boa aceitação em outras regiões,
tais como redes de dormir, bacias de pau, pilões, remos, cuias, adornos de guaraná,
abanos, vassouras. Muitos desses produtos artesanais eram excluídos das exportações,
por não serem enquadrados como objetos comerciais.

Atividades Comerciais

Quanto ao comércio do Amazonas provincial, Antônio Loureiro afirma que houve


grandes mudanças na distribuição e recepção, na importação e exportação de
mercadorias, decorrentes do estabelecimento das navegações a vapor, fluvial e de longo
curso, e do sistema de aviamentos na produção extrativa. Isto não quer dizer que o
comércio realizado pelos regatões, em suas canoas, tenha sido paralisado ou mesmo
diminuído.
Manaus consolidou sua hegemonia comercial perante as outras cidades do
Amazonas por causa dos seguintes fatores: Abertura do rio Amazonas Navegação
Internacional, em 1866; criação e estabelecimento da Alfândega de Manaus, em
1868/1869; estabelecimento de uma linha de navegação direta com a Europa, em 1874;
criação de linhas de navegação interna que partiam de Manaus.
O comércio amazonense não se restringia aos contatos com o Pará, mas atingia,
inclusive, os países amazônicos, principalmente a Bolívia e o Peru, e, secundariamente,
a Venezuela.
Para efeito de demonstração, reproduz-se o quadro de exportações do Amazonas,
do período de 1853 a 1863, fornecido por Tavares Bastos, em sua obra O Vale do
Amazonas, 2000 (Quadro 7) .

Quadro 7– EXPORTAÇÕES DA PROVÍNCIA DO AMAZONAS, 1853-1863


Alto 1853 1855 1857 1859 1861 1863
Amazonas
Total da
exportação... 246:949$000 369:604$000 431:779$000 453:119$000 639:859$000 1.178:340$000
Artigos
principais
Pirarucu 70:139$000 140:799$000 114:857$000 152:493$000 209:027$000 221:220$000
Salsaparrilha 39:453$000 19:480$000 21:104$000 37:934$000 26:902$000 25:791$000
Tabaco 27:713$000 22:298$000 ................... 31:547$000 18:232$000 10:314$000
Óleo de 25:815$000 12:824$000 15:107$000 31:785$000 50:773$000 44:622$000
copaíba
Castanha 20:273$000 56:838$000 89:809$000 38:012$000 34:216$000 36:859$000
Manteiga de 16:328$000 34:446$000 31:552$000 10:224$000 30:480$000 10:686$000
tartaruga
Goma elástica 9:496$000 59:608$000 133:989$000 107:738$000 222:622$000 511:980$000
Cacau ................. ................. ................. ................. ................. 67:691$000
Cf. A. C. Tavares Bastos, 2000, p. 133.

Economia Extrativista ou Agrícola


Nos tópicos anteriores, foram observados diferentes aspectos da vida econômica da
Província do Amazonas. Embora o setor extrativista tenha alcançado a preponderância
econômica, principalmente depois que a borracha ocupou o primeiro lugar nas pautas de
exportação, esse fato não deve significar que houve exclusão do setor agrícola na fase
provincial.
Segundo Patrícia Sampaio, não há dúvida que ocorreu um declínio da produção
agrícola, quando a borracha tornou-se o principal produto de exportação. Todavia, o
desaparecimento do setor agrícola esteve bem longe de acontecer. A historiadora
fornece interessantes dados que reforçam a idéia acima.
De acordo com os mapas de importação do exercício de 1864-1865, foram
importados diversos gêneros para a Província, como café, farinha, tabaco, feijão, milho,
carne seca.
No caso do café, foram importadas 336 arrobas, o que representa,
aproximadamente, 5 toneladas. Todavia, durante o mesmo exercício, foram exportadas
cerca de 3,3 toneladas do mesmo produto.
Com o caso do tabaco aconteceu algo semelhante. Foram importadas 140 arrobas
do Pará, mas 770 arrobas foram exportadas pelo Amazonas, uma quantidade bastante
superior à que fôra importada.
Os dois produtos servem como indicadores da pequena, mas permanente,
agricultura do Amazonas. Se outros não aparecem nas pautas de exportação, não
significa que estivessem ausentes da economia provincial, só porque não entravam nos
cômputos oficiais. Além disso, como bem lembra Sampaio, ao se observar o quadro
mais amplo da economia regional, é possível identificar como uma constante a
combinação de atividades extrativas e de subsistência, inseridas no mesmo contexto
produtivo.
Para essa historiadora, embora haja “picos” na produção extrativa na economia de
uma região, a atividade extrativa não deve ser encarada como elemento definidor da
estrutura econômica, uma vez que é apenas uma parte dela. Em outros termos, mesmo
que a produção extrativa venha responder por uma vinculação mais forte, e por causa
disso, mais rentável com o mercado – o nível da circulação –, não é possível definir essa
estrutura econômica como básica e exclusivamente extrativista.

A Questão da Terra: posses e propriedades

A Lei N.o 601, de 18 de setembro de 1850, conhecida como Lei de Terras, de 1850,
transformou a terra em mercadoria, estabelecendo que a terra devoluta só poderia ser
ocupada através de título de compra, portanto, instituiu-se oficialmente a propriedade da
terra no Brasil. Na Província do Amazonas essa questão assumiu configuração
diferenciada do restante do País, pois, deu-se pouca importância à propriedade de terras.
Esta realidade foi também objeto de preocupação dos presidentes da Província.
Patrícia Sampaio, cita o exemplo de 1857, quando o presidente Ângelo Thomas do
Amaral informou a Assembléia Legislativa Provincial que o segundo prazo para a
revalidação das posses de terras já tinha terminado sem que nenhum posseiro da capital
tivesse comparecido para requerer a medição de suas terras. No ano seguinte outro
presidente preocupado com as determinações do Ministério da Agricultura relativas à
regularização da posse de terras devolutas disse em seu Relatório:

“O pouco ou nenhum valor que aqui tem as terras, e as grandes despesas que demanda
sua medição fez com que na parochia da capital onde seiscentas posses se derão
registro, ninguém requeresse uma só medição” (In: Relatórios da Presidência, vol. II, p.
35 e 36. Apud LIMA, 1978).

Nos anos subseqüentes os presidentes da Província do Amazonas continuaram


amargando a mesma preocupação semelhantes, a ponto de um deles afirmar que o
pouco valor dado às terras, faria que seus possuidores as desse por conta das multas e
despesas da medição.
Essa realidade começou a mudar a partir de 1880, quando se registraram crescentes
interesses tanto na aquisição de terras devolutas, quanto na regularização e na
legalização de propriedades com problemas de registros. Essa mudança de atitude
ocorreu em face da expansão da produção da borracha.
Não obstante, as queixas e as interpretações dos governantes da Província, esse
fenômeno sócio-econômico da questão da terra não se esgota através de argumentos
com conotações mecânicas, ao contrário, faz-se necessário buscar-se uma explicação
mais complexa, na qual seja contemplada análise de elementos culturais já consolidados
na região. Vejamos, por exemplo, a afirmação acerca do referido assunto:

“Os sistemas de usos da terra existentes na região requeriam para sua reprodução a
incorporação permanente de novas áreas de cultivo. Esse caráter é ainda mais
acentuado, quando tratamos das atividades de extração que também não passam pela
definição de propriedade proposta pela lei de 1850. Talvez seja essa uma boa
possibilidade para explicar o desinteresse dos proprietários das 2.661 posses registradas
na Província em regularizar sua situação, como também para ajudar a compreender o
baixo valor das propriedades” (SAMPAIO. 1997, p. 96).

A Questão da Mão-de-Obra Indígena

A legislação que regulamentava a política indigenista do Império do Brasil surgiu


apenas com Decreto Imperial n.º 426, de 24 de julho de 1845, o qual continha um
“regulamento acerca das missões e catequese e civilização dos índios”, também
conhecido por Regimento das Missões de 1845. Até esse momento, o governo imperial
não tinha elaborado uma política geral que tratasse das populações indígenas existentes
no território brasileiro.
Tal Regimento, em seus 11 artigos e 70 parágrafos, estabelecia as competências de
cada um dos agentes envolvidos no mister civilizatório dos índios. Os principais nesse
empreendimento são: um Diretor geral dos índios para cada Província, nomeado pelo
Imperador; uma Diretoria parcial de índios em cada aldeia, nomeado pelo presidente da
Província, com o “de acordo” do Diretor geral dos índios; outros funcionários leigos e
pelo menos um missionário para cada aldeia. Aos diretores no exercício do cargo eram
conferidas graduações, honrarias de oficiais do Estado-Maior do Exército, podendo
inclusive usar os respectivos uniformes. Portanto, esses foram os agentes que estiveram
em contato permanente com as populações indígenas, foram os que cuidaram da sua
aculturação e, em nome da civilização, fizeram estragos irreversíveis nos meios tribais.
Com a criação da Província do Amazonas, evidentemente, se imprimirá uma
ação indigenista efetiva através da execução do Regimento das Missões de 1845.
Com relação a utilização da mão-de-obra indígena, essa legislação permitia o
“aluguel” de turmas de índios para os trabalhos de construção na capital e também para
atender às necessidades dos particulares que deveriam pagar salários aos índios e, ao
término dos trabalhos, deveriam dispensá-los para que retornassem aos seus
aldeamentos e sítios.
Apesar disso, a documentação da época registra a ocorrência de inúmeros
desmandos e desvios nesse relacionamento já que o mais comum era o descumprimento
dos contratos e o não-pagamento dos salários dos índios. Uma outra denúncia comum
era que os diretores parciais usavam o trabalho dos índios aldeados sob sua jurisdição,
em seu próprio benefício, de sua família e amigos. Também era comum que não
atendessem aos pedidos de trabalhadores feitos pelos presidentes da Província, fazendo
paralisar várias obras públicas devido à falta de trabalhadores.
Em 1866, as Diretorias parciais foram extintas, no entanto, ainda permaneceram
funcionando na Província – mesmo com todas as denúncias e as polêmicas que
suscitaram – pelo menos até o ano de 1875. A partir desse momento, certos estudiosos
destacam que o crescimento do número de trabalhadores vindos do Nordeste do Brasil,
atraídos pela expansão da borracha, abriu alternativas para suprimento de mão-de-obra e
isso fez com que os índios fossem excluídos de qualquer outro projeto importante para a
região.
Paralelo as Diretorias parciais de índios funcionaram no Amazonas, até 1862, os
Corpos de Trabalhadores, criados por Lei de 1838 da Assembléia Legislativa do Pará.
Essa instituição era muito semelhante àquela que tinha sido criada pela Carta Régia
de 1798 e possuía um forte caráter militar. Previa a Lei de 1838 que todos os indivíduos
que não tivessem ocupação fixa deveriam ser obrigatoriamente engajados nesses Corpos
e deixava explícito que indivíduos eram esses: negros, mestiços e índios.
Essa legislação era um resultado direto da Cabanagem e revelava o temor que as
elites tinham de um novo levante popular.

DIRETORIA PARCIAL DE ÍNDIOS – Aldeia indígena tutelada pelo Estado, sob a


administração de um Diretor de Aldeia, subordinado ao Diretor Geral de Índios.
Nomeados, respectivamente, pelo Presidente da Província e pelo Imperador.

Cf. Decreto Imperial N.o 426, de julho de 1945 – Regulamento a cerca das Missões de
catequese, e civilização dos Índios.

Abertura do Amazonas à Navegação Estrangeira e a Navegação a


Vapor
O economista Roberto Santos considera que a introdução, em 1853, do navio a
vapor na Amazônia, foi uma resposta relativamente rápida que o governo imperial
brasileiro deu à crescente demanda mundial pela borracha. Muito mais importante
econômica e politicamente do que a própria Abertura do Amazonas à navegação
internacional, em 1867.
Essa decisão, tomada pelo Império brasileiro, ocorreu em função das ameaças e
das pretensões imperialistas que os Estados Unidos, a França e a Inglaterra alimentavam
em relação à Amazônia, tanto para obter a livre navegação, quanto pela necessidade
imediata e crescente da borracha, assim como a suspeita da existência de “riquezas
fabulosas”.
O governo brasileiro bem sabia o que essas potências imperialistas já tinham feito
com a China, e agiu para que elas não aplicassem no Brasil o mesmo método. Entregou,
por 30 anos, o monopólio da navegação do Amazonas a um grupo empresarial privado.
O grupo empresarial liderado pelo industrial Irineu Evangelista, o barão de
Mauá, que foi convidado para assumir esse interessante empreendimento. E pela Lei
1.037, de 10 de agosto de 1852, foi concedido monopólio à Companhia de Navegação e
Comércio do Amazonas, sob a direção de Mauá. A Companhia começou a atuar com
apenas três navios pequenos, dos quais um, denominado Marajó, consumia 22 dias de
viagem no trecho Belém-Manaus-Belém, o que significava que esse navio possuía uma
velocidade sete vezes maior que a das embarcações tradicionais (à vela ou a remo). Em
quatro anos, a flotilha de Mauá foi ampliada para 10 navios.
Tempos depois, por pressão dos liberais, o monopólio concedido à Companhia
de Navegação e Comércio do Amazonas deixou de existir, pois passaram a atuar nesse
negócio duas outras empresas: a Companhia Fluvial Paraense e a Companhia Fluvial
do Alto-Amazonas.
Favorecida com a Abertura do Amazonas à navegação estrangeira a empresa norte-
americana Amazon Steam Navigation, também entrou nos negócios de transporte fluvial
no Amazonas, em 1872. Desbancou os concorrentes e os incorporou dois anos depois,
tornando-se a única do ramo nessa águas. Sugerindo desse modo, a formação de um
“monopólio estrangeiro”. Um consolo era que a tripulação dessas embarcações era
brasileira. Três anos depois da sua chegada na Amazônia, a empresa contava com 20
vapores, com uma capacidade total de 9.000 toneladas.
Porém, de acordo com Roberto Santos, a Amazon Steam Navigation não reinou
sozinha por muito tempo, pois firmas nacionais e estrangeiras, e as casas aviadoras,
passaram a encomendar seus próprios navios a vapor. Em Óbidos e em Santarém
começaram a surgir os estaleiros de construções de lancha. “E, enquanto se substituía
grande parte das antigas embarcações à vela ou remo, liberou-se uma parcela da mão-
de-obra ocupada no setor de transporte, num período em que a reduzida força de
trabalho iria trazer complicações”.
Com a Abertura do Amazonas à navegação estrangeira, além da Amazon Steam
Navigation, somente em 1874 um navio de vela dinamarquesa, vindo de Hamburgo,
singrou Amazonas até Manaus para receber um carregamento. Na realidade esse ato
político do governo brasileiro só apresentaria resultados palpáveis no século XX,
quando a economia da borracha já agonizava, época em que Amazon Steam Navigation
era liquidada cedendo lugar a Amazon River, em 1911, e se preparava para entrar no
mercado a Companhia de Navegação do Amazonas da Port of Pará. Não obstante, havia
a atuação da Booth Line e da Red Cross Line, mas essas empresas cobriam apenas, e
com regularidade, a linha Liverpool-Belém.
A navegação a vapor foi uma condicionante técnica, segundo Roberto Santos, da
mais alta significação. Até mesmo no comportamento social da população exerceu
influencia indireta. Um viajante contemporâneo fez a seguinte afirmação:

“Mas os costumes mudaram rapidamente nesse particular, quando os vapores


começaram a navegar no Amazonas (1853), trazendo uma onda de novas idéias e modas
para a região” (Henri W. Bates, Apud SANTOS, 1980, p.57).

* * *

Como contrapartida ao monopólio da navegação no Amazonas, o Governo


brasileiro impôs a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas que
implementasse colônias agrícolas na região. A partir de 1854 a empresa de Mauá
introduziu 1.061 colonos portugueses e 30 chineses. Para seus assentamentos fundou as
colônias Mauá e Itacoatiara, uma nas Lages, próximo de Manaus e outra no município
de Serpa.
Imagem 57.

Detalhe do Monumento à Abertura do rio Amazonas à Navegação Internacional, ao


fundo Igreja de São Sebastião. Reproduzido do Catálogo da exposição O Olhar Viajante
Silvino Santos (Organização de Edinea M. Dias). Manaus: Museu Amazônico, 1993.

Sociedade Provincial Amazonense

Nas quase quatro décadas de vida provincial, a sociedade amazonense passou por
sensíveis mudanças. Se no período de 1852 a 1870 ainda mantinha os resquícios do
período anterior à instalação do aparato provincial e se debatia, não somente com a
dependência política, mas também econômica em relação ao Pará, a partir de meados da
década de 1870 começou a experimentar um novo momento, com a ascensão da
borracha. Sua composição étnica e demográfica modificou-se com a imigração
nordestina, que se espraiou pelos mais diferentes rincões da Província. Testemunhou,
ainda, o início de uma clara diferenciação entre as demais localidades do Amazonas e
Manaus, tornando-se esta o símbolo de prosperidade do novo momento.

Aspectos Demográficos da Província

Quando da instalação da Província do Amazonas, sua população aproximava-se da


casa dos 30.000 habitantes e, ao findar o período monárquico, chegava à casa dos
148.000 habitantes, um salto de 118.000 habitantes num período de apenas 39 anos.
Observa-se então, um acentuado aumento demográfico com sérias conseqüências para o
período provincial amazonense.
A antropóloga e historiadora Adélia Engrácia de Oliveira informa que as primeiras
levas migratórias rumo ao Amazonas, motivadas pela procura da borracha, originaram-
se principalmente das vilas paraenses de Cametá, Gurupá, Santarém, Monte Alegre e
Óbidos. Já no início da década de 1850, esses imigrantes “cabocos” dirigiram-se para os
lagos de Autazes e rio Madeira.
Por toda a década de 1850, entrando pelas de 1860 e 1870, novas levas migratórias
chegaram ao Amazonas, oriundas do Pará, Maranhão e de todo o Nordeste brasileiro e
foram se estabelecendo nos vales dos rios Juruá, Purus e Madeira. Pelos dados
fornecidos por Patrícia Sampaio, registra-se para essas décadas o seguinte quadro
populacional:

Quadro 8 – POPULAÇÃO DA PROVÍNCIA DO AMAZONAS: 1851-1872


Ano Habitantes
1851 29.904
1856 42.185
1858 46.187
1872 57.610
Fonte: Sampaio. 1977.

Portanto, entre 1850 e 1870, o salto demográfico foi de 27.636 habitantes. Porém, a
maior onda migratória de nordestinos que ocorreu para a Amazônia e,
conseqüentemente, para o Amazonas, deu-se nos anos de 1877-1879 e 1888-1889,
períodos de terrível seca que assolou o Nordeste. Nos dados fornecidos por Patrícia
Sampaio para a população do Amazonas, observa-se que em 1890, a população chegou
à cifra de 147.915 habitantes.
É necessário lembrar que, além da imigração nordestina, houve, ainda, as
imigrações estrangeiras, cujos maiores contingentes eram formados pelos portugueses.
Registra-se, ainda, a entrada de espanhóis, alemães, italianos, judeus sefarditas, sírio-
libaneses, mas todos esses estrangeiros imigraram em escala reduzida, se comparados
aos portugueses.
Comparando os dados populacionais de 1850 e 1890, para o período provincial
amazonense, o aumento demográfico foi significativo e, conforme os autores e citados,
tal crescimento demográfico no Amazonas deveu-se à expansão gomífera.
Segundo Antônio Loureiro, quando foi instalada a Província, a Barra do Rio Negro
contava com 5.081 habitantes. Ao findar o período provincial, a população de Manaus
era estimada em 38.720 habitantes. Seu crescimento demográfico foi de 33.319
habitantes, beneficiando-se, também, das ondas migratórias causadas pela demanda do
“ouro negro”.
A chegada desse imenso contingente de imigrantes nordestinos não alterou apenas
o quadro populacional. Em termos culturais, os nordestinos abrasileiraram o
Amazonas. Eles tornaram a língua portuguesa o instrumento de comunicação mais
largamente utilizado. Pela primeira vez, a língua portuguesa ganhava destaque oral ante
o Nheengatu (língua geral) e outras línguas indígenas. Uma parte desses contingentes
imigrantes, ao se miscigenar com a maior parcela da população nativa do Amazonas –
formada por mestiços e índios destribalizados –, fundiu-se hábitos alimentares, técnicas
de trabalho, modos de falar, valores religiosos, artesanato etc. Enfim, ao introduzirem
seus hábitos, não deixaram de assimilar os de origem nativa, adaptando-se às novas
condições em que foram inseridos.

Euforia e Transformação

A vertiginosa ampliação dos negócios que a borracha proporcionou ao Amazonas,


acarretava, conseqüentemente, o que a historiadora Regina Márcia Lima chamou de
“delírios do látex”. A imagem serve como evidente alusão à euforia causada pelas
possíveis mudanças qualitativas que a província iria ter no cenário regional, em relação
ao Pará, e no âmbito nacional, em relação ao Império.
O comportamento eufórico dos administradores do Amazonas já era bastante
visível no final da década de 1870 e início da de 1880, quando os respectivos
presidentes, barão de Maracajú e José Clarindo de Queiroz consideravam o estado das
finanças provinciais lisonjeiro e as reservas do tesouro em franca ascensão.

Imagem 58.

Mercado Público Adolfo Lisboa (Inaugurado em 1884). Reproduzido do álbum A Cidade


de Manaus e o País das Seringueiras (Recordação da Exposição Columbiana, Chicago, 1893).
Manaus, Associação Comercial do Amazonas / Fundo Editorial, 1998.

Outro indicador da euforia dos governantes pode ser notado no período de 1880 a
1881, quando as concessões de terras, juntamente com a expedição de títulos de
propriedades, foram maiores do que as registradas nas primeiras décadas da Província.
O que demonstra a ansiedade de uma elite em defender interesses próprios frente à
política que envolvia a ascensão gomífera.
Um segundo e importante desdobramento da expansão do setor gomífero, refletiu-
se no imaginário da elite que criara fortes vínculos com o Amazonas. Tornava-se
imperioso criar um símbolo que manifestasse o novo momento que o Amazonas passava
a viver. Nesse contexto, Manaus, por ser a capital da província, apresentava condições
de transformar-se no almejado símbolo da euforia amazonense.
Segundo a historiadora Regina Márcia Lima, a necessidade de reformar Manaus
foi um dos temas mais debatidos na Assembléia Legislativa Provincial, pois somente
assim sua cidade poderia “parecer com as demais capitais do Império”, uma vez que,
para os parlamentares, tudo deveria estar “condigno com sua civilização e
desenvolvimento”. Essas observações eram extensivas a algumas vilas do interior, que,
por sua vez, irradiariam a “civilização da borracha” por todo o Amazonas.
Porém, antes mesmo que a borracha alcançasse a projeção que veio a ter em fins
da década de 1870, a elite que se arraigara no Amazonas, principalmente sua parcela
domiciliada em Manaus, começava a nutrir o desejo de expurgar do espaço urbano
todos os elementos que consideravam indesejáveis.

Os Brancos, os Índios e a Urbanização

Começava a incomodar a elite branca o fato de Manaus parecer mais uma aldeia do
que uma cidade, uma vez que a esmagadora maioria de seus habitantes era formada de
índios e mestiços, que davam os tons culturais da capital da Província do Amazonas.
Assim, tornava-se imperioso para a minoria branca eliminar a fisionomia índia que
Manaus possuía. Nesse período reiniciou-se o processo gradativo de ocidentalização da
elite que, embora lento, entrava em choque com formas culturais nativas, de fortes
raízes indígenas.
Na ótica daquela minoria econômica e politicamente dominante, a situação se
agravava pela ausência de uma estrutura urbana que permitisse a separação física entre
os dois modos de vida. O espaço de Manaus – dividido em cinco bairros (Campinas,
São Vicente, Remédios, Espírito Santo e República) – era ocupado por índios,
mamelucos, portugueses, negros em número reduzido, imigrantes nacionais e
estrangeiros, sem distinção de classe, cor ou profissão.

Imagem 59.

Ponte dos Remédios (Ponte da Glória). (Inaugurada em 1884). Reproduzida do álbum


A Cidade de Manaus e o País das Seringueiras (Recordação da Exposição Columbiana, Chicago,
1893).. Manaus, Associação Comercial do Amazonas / Fundo Editorial, 1998.

Para essa elite, o aspecto físico da capital da Província deveria passar por
transformações radicais, que atendessem as suas aspirações ocidentalizantes. A partir
dos dados fornecidos pela historiadora Edinéa Mascarenhas Dias, sobre as condições
físicas que Manaus tinha no período de 1850-1880, é possível observar os motivos de
tanta preocupação: porto precário, trapiches de madeira, pontes de madeira no centro da
cidade, prédios públicos em ruínas ou construídos fora do estilo que a “modernidade”
exigia, ruas estreitas e desniveladas, iluminação a gás, calçamentos irregulares e de
madeira, sem rede de esgoto, sem saneamento, com um serviço de navegação
deficiente, etc. Enfim, tudo estava para ser feito, dentro da nova função que a cidade
assumia.
O aparelho de Estado, que se inseria e se identificava ao processo de
ocidentalização, foi o suporte institucional para implementar, racionalmente, as
transformações almejadas pelo setor economicamente dominante. As rendas oriundas do
negócio gomífero, que começaram a afluir mais abundantemente aos cofres do governo
provincial, possibilitaram os primeiros momentos da urbanização de Manaus.
Graças ao investimento governamental é que foi possível a realização do
calçamento de ruas, construção de pontes, aterros de áreas alagadiças, início dos
serviços de esgoto e de abastecimento de água encanada, melhoramento do serviço de
iluminação pública; construção do Hospital da Caridade (1880), do novo mercado
(1883), do novo quartel (1884), do Paço da Câmara (1885), do Liceu (1886), da Igreja
de São Sebastião (1889); e reforma do Palacete Provincial (1880 e 1884). Desse modo,
a capital da Província iniciava uma reorganização do espaço urbano e começava a
ganhar timidamente ares europeus. No fatal confronto de modus vivendi tão
diferenciados, a face indígena de Manaus recebia os primeiros golpes de um modelo
social que lhe negava o direito de expressão cultural.

Imagem 60.

“Palacete Provincial” (Concluído em 1874). Abrigou diversos órgãos da administração


pública: Liceu, Biblioteca, Assembléia Provincial, Repartição de Obras, Tesouro Provincial e, até
recentemente o Comando da Polícia Militar. Reproduzido do catálogo da exposição O Olhar
Viajante Silvino Santos (Organização de Edinea M. Dias). Manaus: Museu Amazônico, 1993.

“Manaus Sai da Sombra de Belém”

No campo simbólico ficava, ainda, uma questão pendente: tornar Manaus


autônoma economicamente em relação a Belém. Metaforicamente falando, chegava,
enfim, o momento do filho emancipado competir com o pai.
Para a historiadora Barbara Weinstein, a elite do Amazonas começou sua investida
para tirar Manaus da sombra de Belém em fins da década de 1870 e inícios da década de
1880. Todavia, a concorrência necessitava de mecanismos capazes de torná-la favorável
ao Amazonas, dado que Belém ainda se mantinha à frente das exportações. Além de sua
favorável localização geográfica, concentrava as grandes firmas comerciais envolvidas
no setor extrativo, casas bancárias, companhias de seguros, estabelecimentos varejistas,
escritórios de advocacia e consulados, que atendiam às necessidades da comunidade
mercantil.

Imagem 61.

Banco de Manáos. Reproduzido do álbum A Cidade de Manaus e o País das Seringueiras


(Recordação da Exposição Columbiana, Chicago, 1893). Manaus: Associação Comercial do
Amazonas / Fundo Editorial, 1988.

A primeira ação nesse sentido foi em 1878, quando o governo amazonense, a fim
de atrair para Manaus investimentos de firmas que atuavam em Belém, estabeleceu um
imposto diferencial sobre as exportações de borracha. O que essa medida significava?
Significava que a borracha amazonense, embarcada para o exterior diretamente de
Manaus, pagaria uma taxa ligeiramente abaixo à daquela que fosse exportada de Belém.
Apesar da medida não alcançar o objetivo desejado, a administração amazonense
não desistiu de seus intentos. Desse modo, em 1885, criou uma nova tarifa que
proporcionava uma diferença considerável de 5% a todo aquele que exportasse borracha
diretamente de Manaus, além de conceder subsídios às companhias de navegação que
pusessem em operação barcos a vapor entre Manaus, Nova Iorque e Liverpool. Nesse
caso, as companhias de navegação Booth e Red Cross foram beneficiadas com tal
medida.
As novas medidas surtiram o efeito esperado, uma vez que, já em 1886, a
participação de Manaus no total das exportações da borracha subiu de 7% para 11%, e
tendia a se elevar ainda mais.

Reação da Elite Paraense

A reação da elite paraense à nova regulamentação foi rápida e contundente, e se


fez através de sua Associação Comercial. Esta reclamou junto a D. Pedro II e à Câmara
dos Deputados, alegando inconstitucionalidade por parte dos amazonenses.
Todavia, os argumentos que a Associação Comercial apresentou eram frágeis,
dado que o Amazonas atuava rigorosamente dentro dos limites de seus direitos, quando
impôs uma taxação maior à borracha amazonense embarcada em Belém, pois as tarifas
adicionais ao imposto imperial eram de arbítrio de cada província.
O resultado foi que, em menos de três anos da implantação das novas medidas,
grandes firmas ligadas ao negócio gomífero começavam a instalar-se em Manaus. Era
uma importante vitória política do Amazonas que, embora se desse trinta e cinco anos
depois de elevado à categoria de Província, não deixava de ter um gosto de desforra por
parte de seus governantes.

Os Índios e as Autoridades Provinciais

Como exemplo do difícil relacionamento entre os índios e as autoridades


constituídas e outros brancos, descrevo a situação em que a região do Alto Rio Negro,
mais precisamente os índios das povoações das missões de Uaupés e Içana, se
encontrava na segunda metade do século XIX.
A grande maioria dessas povoações se encontrava num verdadeiro estado de
abandono. Essa situação seria motivada pelos constantes excessos e abusos cometidos
pelas autoridades que comandavam as diligências autorizadas pelos comandantes dos
estabelecimentos militares de Cucuí, de São Gabriel, de Marabitanas, do Içana, do
Ipanoré, do Ixié e do Xibaru.
Essas diligências eram ainda mais violentas, quando executadas pelo
comandante da Companhia de Corpo de Trabalhadores de São Gabriel, com finalidade
de recrutar índios para o Serviço Público, nas obras da capital e fortificações da
Província; pelos subdelegados do distrito, ou pelo inspetor de qualquer um dos
quarteirões para equipagem de canoas do correio ou Expresso Militar.
As caçadas humanas – “pega-pegas de curumis e cunhantãs” – eram realizadas
por autoridades policiais com objetivo de recrutar menores para aprendizes de
marinheiros dentro dos próprios domicílios e, nas povoações, para dá-los de presente
como “xirimbabos” aos potentados das capitais do Amazonas, Pará e do Império.
Outro tipo de relacionamento com feição violenta era o que implicava as figuras
dos regatões. Estes em suas práticas mercantis, envolviam os índios com as suas
mercadorias, proporcionando o vício da embriaguez, a prostituição e outras mazelas.
Além de reduzir os índios livres à escravidão, comprando do pai, a troco de mercadoria,
filhos e filhas; do marido a mulher para ser vendida aos seringueiros e pescadores, em
moeda corrente.
A prática da prevaricação dos diretores de aldeias e dos missionários – salvo
honrosas exceções – era imensa. Estes se locupletavam com os brindes remetidos pelo
Governo provincial, para serem distribuídos entres as populações indígenas aldeadas.
Tais brindes acabavam como moeda de troca por produtos naturais, em seus próprios
interesses.
Bento Figueiredo Tenreiro Aranha, Auxiliar de Diretor em Comissão na
Província do Amazonas, sintetizou o quadro crítico em que se encontrava a região, da
seguinte maneira:

“A sorte do alto rio Negro e dos importantes afluentes Uaupés e Içana é da desolação se
não tomar-se de pronto, as mais enérgicas providências que protejam e favoreçam os
índios: esta riquíssima região da Amazônia será reduzida a um estéril e triste deserto”
(ARANHA. Apud SANTOS, 2000, p. 136).

Presença Africana no Amazonas


De acordo com Patrícia Melo Sampaio, a presença de escravos africanos na área
que hoje identificamos como Estado do Amazonas data ainda do período colonial. Isso
se deve ao fato de que a região, sendo ocupada por colonos de origem portuguesa,
também eram proprietários de escravos que, assim, foram trazidos para a região quando
seus donos aqui se estabeleceram, especialmente, no decorrer do século XVIII com a
chegada das comissões responsáveis pelas demarcações de limites.
Ainda que seja antiga, a presença de escravos de origem africana na Capitania do
Rio Negro sempre foi muito reduzida em termos numéricos. A maior parte dos
trabalhadores era oriunda das diferentes etnias indígenas que habitavam a região e que
se constituíam na força de trabalho preferencialmente utilizada para movimentar a
economia local. Os dados populacionais da Capitania do Rio Negro, disponíveis para o
final do século XVIII, registram a presença de 326 escravos, 1.150 pessoas livres e
10.247 índios aldeados.
Vários autores argumentam que a reduzida presença de africanos na região, se
comparada com outras áreas do Brasil colonial, pode ser justificada pela carência de
recursos locais para comprar africanos, muito mais caros que os escravos índios
recrutados localmente. Além disso, as especificidades da economia local, centrada na
extração de “drogas do sertão” requeria um tipo especial de trabalhador que conhecesse
bem a região e pudesse identificar esses produtos na floresta; para essa tarefa, os índios
tinham maior habilidade que os africanos recém-chegados.
Outro fator importante a ser considerado está relacionado ao fato de que as redes de
recrutamento interno de trabalhadores índios – legais ou ilegais – mobilizavam recursos
e envolviam um grande número de pessoas que se beneficiavam lucrativamente com
essa modalidade de recrutamento interno. É muito provável que, dentro dessas
condições, não se consolidasse em nível local, uma grande demanda de africanos.
Apesar disso, a Coroa portuguesa tentou estimular a entrada e a aquisição de
escravos, em dois momentos diferentes, através da criação de companhias de comércio.
A primeira, a Companhia de Comércio do Maranhão (1682-1684) que tinha acordado
importar 10.000 africanos para o Estado, no prazo de 20 anos. Seus resultados ficaram
muito abaixo do esperado e o descontentamento na colônia acabou desembocando na
Revolta de Beckman. Uma segunda experiência, a da Companhia Geral do Comércio do
Grão-Pará e Maranhão (1755-1778), criada durante a administração pombalina,
apresentou resultados mais animadores, do ponto de vista da política metropolitana, que
esperava ver a região integrada às redes internacionais de comercialização de africanos.
No período de atuação dessa Companhia, estima-se que foram desembarcados no
Estado do Grão-Pará e Maranhão cerca de 25.000 africanos.
No decorrer do século XIX, a presença de escravos na Província do Amazonas
ainda é reduzida, se levarmos em consideração apenas as relações percentuais entre os
números. Os dados disponíveis estão apresentados na tabela abaixo.

Quadro 9 – População da Província do Amazonas 1840 a 1872


Anos Totais Livres Escravos
1840 40.584 39.644 940
1848 22.772 22.062 710
1851 29.904 29.048 750
1856 42.185 40.907 912
1872 57.610 56.631 979
Fonte: Relatórios de Presidente de Província do Amazonas. Vol. I, II e III e Recenseamento
Geral de 1872.

Porém, é preciso lembrar que não basta comparar números para avaliar o
significado da presença de escravos na economia e na sociedade amazonense. Os
escravos foram utilizados nos trabalhos agrícolas, nos trabalhos domésticos (lavadeiras,
cozinheiras, engomadeiras, costureiras, amas de leite), como “negros de ganho”,
desempenhando seus ofícios para manutenção de seus senhores; foram alfaiates,
ourives, ferreiros, sapateiros, carpinteiros, pedreiros, calafates, vendedores de frutas e
guloseimas, trabalharam como carregadores, foram incorporados aos trabalhos de
construção de obras públicas em Manaus.
A essa altura do século XIX, a presença de escravos vindos diretamente da África
era pequena. A maior parte dos registros indica que eram procedentes de localidades da
Amazônia como Santarém, Óbidos, Belém e mesmo nascidos no Amazonas. Até o
momento, não existem estudos que analisem, as diferentes formas de vivências escravas
no Amazonas e, é por essa razão, que pouco sabemos de seu cotidiano e também de suas
estratégias de resistência à escravidão.

O Fim da Escravidão Africana no Amazonas

Arthur Reis informa que a primeira medida oficial no Amazonas, visando à


abolição, foi o projeto do deputado Agostinho de Souza, apresentado à Assembléia
Provincial, em 13 de maio de 1866. Ao ser aprovado, aditava ao orçamento da Província
a quantia de 10:000$000 (dez contos de réis) anuais para emancipação de escravos, com
preferência para as crianças. No entanto, essa verba não teve imediata aplicação.
Devido a esse último fato, surgiu um movimento abolicionista que, em 6 de
março de 1870, instituiu a Sociedade Emancipadora Amazonense, composta por
representante da sociedade local, com a finalidade de agilizar processo de libertação dos
escravos da Província. Em abril de 1871, a Assembléia Legislativa Provincial do
Amazonas aprova a sua versão da “Lei do Ventre Livre”.
De 1870 a 1882, várias outras medidas oficiais foram adotadas para diminuir o
número de cativos negros no Amazonas, como, por exemplo, a taxa de 500$000
(quinhentos mil réis) que os senhores pagariam por cada escravo que entrasse no
Amazonas, a partir de maio de 1881. Os senhores que burlassem a lei seriam multados
em 100$000 (cem mil réis).
De 1881 a 1884 surgiram vários outros núcleos empenhados com causa
abolicionistas, tais como: a Libertadora Cearense; a Comissão Central Abolicionista
Amazonense; o Primeiro de Janeiro; a Libertadora Vinte e Cinco de Março; a Cruzada
Libertadora; o Clube Escolar Abolicionista; o Clube Juvenil Emancipador; o Cinco de
Setembro; o Clube Abolicionista Manacapuruense; a Libertadora Codajaense; a
Amazonenses Libertadoras.
As atividades abolicionistas intensificaram-se em tamanha proporção, que levaram
o presidente Teodoreto Souto, em março de 1884, a dirigir mensagem à Assembléia
Provincial, convocando-a para deliberar a liberdade total dos cativos no Amazonas. O
primeiro passo nesse sentido foi a Lei de 24 de abril, criando a verba de 300:000$000
(trezentos contos de réis) para a abolição.
Um exato mês depois, em 24 de maio, o presidente Teodoreto Souto declarava
extinta a escravidão na capital amazonense, e em 10 de julho de 1884, em toda a
Província Amazonas.
Ao que tudo indica, a emancipação dos escravos foi sendo construída, de forma
progressiva, com a colaboração dos proprietários que, naquele momento, já haviam
modificado a natureza de seus investimentos e não estavam mais interessados em
continuar investindo seus recursos em cativos. Para isso, a elite local formou sociedades
e Clubs emancipadores, envolveu-se em debates na imprensa escrevendo artigos contra
a escravidão, incentivou as ações emancipacionistas da maçonaria, fundou jornais
dedicados à causa e, em alguns casos, abriu mão das indenizações garantidas pela lei.
A Província do Amazonas foi a segunda província do Império a abolir a escravidão
que só ocorreria, oficialmente para todo o Brasil, em 13 de maio de 1888, com a
assinatura da Lei Áurea.

* * *

Desde os tempos coloniais até o período provincial, o número de escravos negros


no Amazonas foi sempre menor, em relação a outras unidades políticas-administrativas
do Brasil-colônia ou do Império, mas esse dado não autoriza ninguém a negar, ou
mesmo diminuir a contribuição dos africanos ou afros-descendentes na formação
cultural do homem amazonense.

“Geralmente, os trabalhos de cunho histórico produzidos seja no âmbito regional seja no


nacional, contentam-se facilmente em reproduzir idéias já convencionais que salientam
a insignificância tanto quantitativa como qualitativa das populações negras no interior
do processo formativo da sociedade amazônica” (PINHEIRO, 1999, p. 148).

Não obstante, pesquisas mais recentes realizadas por historiadores ou antropólogos


estão ajudando mudar o modo de se perceber a presença africana na região. Já vieram à
tona diversas comunidades negras, até então relegadas ao silêncio, por exemplo:
pesquisadores identificaram, no Estado do Pará, diversas comunidades de descendentes
de quilombolas, sobretudo, no rio Trombetas.
No Amazonas, as pesquisas ainda engatinham, mas já se identificou a ocorrência
histórica dessas populações, por exemplo: nos municípios de Parintins e Novo Airão, as
comunidades do Mocambo do Ararí e Mocambo do Mamuru, nos rios dos mesmos
nomes; e a comunidade do Tambor, no rio Jaú, respectivamente.
Mesmo que tais populações não configurassem ou não figurem nos livros ou no
cotidiano da maioria das pessoas como algo significativo, elas de fato, influenciaram no
processo de formação da identidade do sujeito amazônico.
Imagem 62.

Mulata. Reproduzida de Luiz Agassiz e Elizabeth C. Agassiz, Viagem ao Brasil (1865-


1866). Belo Horizonte / São Paulo, Itatiaia / Edusp, 1975, p. 182.

Leitura Complementar N.o 11


UMA VISÃO DO AMAZONAS

“O Amazonas é uma esperança; deixando as vizinhanças do Pará penetra-se no deserto /./ A


sensação de profunda melancolia, que se apodera do espírito, nos adverte de que estamos dentro
das mais densas solidões do mundo /./ No Alto Amazonas principalmente domina esse amargo
sentimento, que obriga a alma a dobrar-se sobre si mesma. Assim como no cárcere do poeta o
braço que se estendia tocava a muralha glacial, assim o olhar lançado ali para qualquer ponto do
horizonte só encontra o infinito, a enormidade, o silêncio, a ausência do homem e a presença da
natureza, grande mas triste /./ Um deserto não tem história; mas como ele contém a semente do
futuro, vale a pena, sequer para satisfazer a curiosidade dos vindouros, senão para precisar os
pontos da nossa argumentação, definir as condições atuais da parte menos conhecida do grande
rio /./ A província do Alto Amazonas é a menos povoada do Império, todos o sabem, mas é
talvez a única de cuja população haja registros dignos de fé. Um dos últimos chefes de polícia
conseguiu que os agentes policiais lhe remetessem listas nominais dos habitantes dos
respectivos distritos, com as indicações mais necessárias, fazendo-se na repartição central o
cálculo do censo sobre essa base positiva (...) Devo à obsequiosidade do Sr. Secretário da
polícia uma cópia do mapa estatístico da população em 1865, com as especificações essenciais,
a saber: a condição, a naturalidade, o sexo, a idade, o estado, a residência, as casas e os fogos/ ./
Segundo o mapa, a população rústica e urbana da referida província não passa de 40.443
habitantes. Não se compreende, porém, neste algarismo o dos índios não catequizados: dos que
são assim reputados cumpre confessar que não se pode ter uma notícia exata, visto como se
acham muito afastado do litoral ou em paragens mal conhecidas (...) /./ Conquanto se deva
considerar aquele total de 40.443 almas como o da população conhecida, aldeada ou
catequizada, com exceção das tribos com que não há prática habitual de comércio, é ele,
contudo, manifestamente insignificante. É uma gota naquele oceano (...) /./ Toda importância do
Alto Amazonas, porém, se resume em Manaus. A cidade de Manaus (antiga vila da Barra do rio
Negro) cresce todos o dias. Era em 1852 uma aldeia insignificante; o censo de 1865 lhe dá
2.080 habitantes. Neste total há 157 escravos. Distingue-se aí 844 brancos, 700 índios, 280
mestiços e 256 pretos.”

BASTOS, A. C. Tavares, O Vale do Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia, 2000, p. 106 e 110.
Indicações para Leitura
BASTOS, Aureliano Cândido Tavares (2000). O Vale do Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia.

DIAS, Edinea Mascarenhas (1999). A Ilusão do Fausto - Manaus (1890-1920), Manaus: Valer.

LIMA, Regina Márcia de Jesus (1978). A Província do Amazonas no Sistema Político do


Segundo Reinado (1852-1899). Niterói: Universidade Federal Fluminense (Dissertação de
Mestrado).

LOUREIRO, Antônio José Souto (1978). Síntese da História do Amazonas. Manaus: Imprensa
Oficial.

________ (1990). O Amazonas na Época Imperial. Manaus: T. Loureiro.

PINHEIRO, Luís Balkar S. P. (1999). “De Mocambeiro a Cabano: notas sobre a presença negra
na Amazônia na primeira metade do século XIX”. Terra da Águas. N.o 1. Brasília: UnB, p. 148-
172.

REIS, Arthur Cezar Ferreira (1999). Manáos e Outras Villas. 2.ª edição. Manaus, Governo do
Amazonas / Edua

_______ (1989). História do Amazonas. 2.a edição. Belo Horizonte / Manaus: Itatiaia / Governo
do Amazonas.

SAMPAIO, Patrícia Melo e SANTOS, Maycon Carmo dos (Organizadores) (2006). “Catálogo
de Legislação Indígena das Províncias do Pará e Amazonas: uma compilação (1838-1889)”. In:
SAMPAIO, P. M. e ERTHAL, R.C. (Orgs.). Rastros da Memória – história e trajetória das
populações indígenas na Amazônia. Manaus: Edua / CNPq.

SAMPAIO, Patrícia Melo (1997). Os Fios de Ariadne – tipologia de fortunas e hierarquias


sociais em Manaus: 1840-1880. Manaus: Edua.

SANTOS, Francisco Jorge dos (2000). “Profetas, Militares e Sacerdotes: resistência e Repressão
no Alto Rio Negro”. Amazonas Em Cadernos, N.o 6. Manaus: Museu Amazônico / UFAM, 127-
158.

SANTOS, Francisco Jorge dos e SAMPAIO, Patrícia Melo. (Orgs.) (2002). Estado do
Amazonas em Verbetes (Ensino Fundamental). Manaus: Editora Novo Tempo.
SANTOS, Roberto (1980). História Econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T.A.
Queiroz.

UNIDADE IV – AMAZÔNIA, “CIVILIZAÇÃO DA


BORRACHA”

Capítulo 12

A “Civilização da Borracha”: o Seringal e o Seringueiro


Capítulo 12

A “CIVILIZAÇÃO DA BORRACHA”: O SERINGAL E O


SERINGUEIRO

“O seringueiro é o homem que trabalha para escravizar-se” (Euclides da


Cunha).

“O seringal, núcleo de onde partia toda a seiva que o vivificava, passou,


assim, a construir a expressão mais perfeita para a caracterização da
Amazônia” (Arthur C. Ferreira Reis).

“A Amazônia é terra do crédito. Não há capital. O seringueiro deve ao


patrão, o patrão deve a casa aviadora, a casa aviadora deve ao
estrangeiro, e assim por diante”. (Mário Guedes. Apud B. Weinstein).

A propósito da expressão “civilização da borracha”, Leandro Tocantins no seu livro


Amazônia, natureza, homem e tempo fez algumas considerações, e indagou: “é possível
o emprego da palavra civilização para caracterizar uma época em que houve
predominância econômica de determinado produto, originando novas relações de
cultura e uma visível manifestação de progresso material? O açúcar, o ouro, o café, o
gado, a borracha, todos estes e outros produtos-reis que, nas constantes ondulações e
mudanças caracterizantes da economia brasileira, imprimiram um novo ritmo de
evolução ao País, impeliram massas humanas a ocupar territórios, fizeram deslocar a
moving frontier, criaram, enfim, riqueza material e espiritual. É possível unir a borracha
a essa palavra rica de conteúdo sociológico e de ressonâncias emotivas, como é o
vocábulo civilização?”.
O referido autor nos lembra que outros autores já utilizaram o termo civilização
para emprestar inteligência simbólica à fase que retratam em suas obras. João
Capistrano de Abreu, estudando a sociedade envolvida com uma economia baseada na
criação de gado bovino do Nordeste pastoril, a chamou de “civilização do couro”;
Gilberto Freyre realçou uma “civilização patriarcal do açúcar”, também no Nordeste; e
Afonso Taunay escreveu sobre uma “civilização do café”, que se expandia vale do
Paraíba acima.
Portanto, aceitando a sugestão de Tocantins e utilizaremos a expressão Civilização
da Borracha que nos parece mais adequada para a Amazônia do período em que o látex
fora o produto-rei da sua economia. É mais adequada, do que a velha e desgastada
“ciclo da borracha”, o qual revitaliza uma noção de ciclo econômico, que já vem sendo
criticado deste a década de 1940 pela grande historiografia brasileira, pelo fato de trazer
no seu bojo um conjunto de problemas e limitações, cujo aprofundamento dessas
questões não cabe neste tipo de publicação. Paradoxalmente, historiografia regional
ainda persiste neste comportamento démodé.

O Seringal

Conforme Arthur C. Ferreira Reis, o seringal foi a unidade sócio-econômica


mais expressiva da Amazônia brasileira, durante o período em que a borracha
constituía-se como o produto mais importante no cenário das exportações extrativistas
da região. Portanto, foi a unidade de produção mais importante da Civilização da
Borracha.
Como unidade produtiva, destacavam-se no seu interior as seguintes e principais
sub-unidades: as estradas, com suas 100 a 200 seringueiras, cada; os tapiris ou
barracas; e os barracões, moradias dos patrões ou simplesmente armazéns.
As estradas – na verdade verdadeiros caminhos no meio da floresta – tinham
normalmente a forma de uma alça (tipo gota). O seu ponto de partida e de chegada, era
o tapirí, onde se realizava a coagulação do látex extraído das árvores de seringas no
percurso das estradas.

Imagem 63.

“Esquema de um seringal amazônico, por volta de 1900”. Reproduzido de Barbara


Weinstein, A Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: Hucitec /
Edusp, 1993, p. 32.

Leitura do Esquema
- As alças em formato de gotas, representam as “estradas” de um seringal;
- Os números no interior das gotas, indicam a quantidade de seringueiras em cada “estrada”;
- Das cabanas sai um seringueiro para cada duas ou três “estradas”.

Havia dois tipos de barracão: o barracão central e os barracões menores. Nos


primeiros tempos, o barracão central servia de residência do seringalista, de depósito de
mercadorias e de escritório. Com o desafogo econômico e a conseqüente elevação do
padrão de vida, da necessidade de conforto, da exigência da família do seringalista, o
barracão tornou-se apenas residência.
Para depósito de mercadorias e escritórios construíram-se outros barracões,
geralmente nas margens dos rios. Os barracões menores eram construídos geralmente à
base de paxiúba e palha. Serviam também como moradia dos empregados do seringal.
Na terminologia do seringal, o barracão central e os que lhes são subsidiários ou
complementares, localizados face ao rio, constituem a margem, em contraposição às
localizações do interior, onde se instalam e operam os seringueiros, denominados
centro.
O barracão clássico geralmente tinha dois andares: o térreo servia de armazém e o
andar de cima de residência do dono do seringal. Na sua construção não entravam nem a
pedra nem o tijolo, mas material da floresta, o seu acabamento normalmente
apresentava rusticidade.
Guardadas as proporções de tempo, local e gênero de vida,o barracão, para Arthur
Reis, equivalia, à casa-grande do senhor de engenho do Nordeste açucareiro. A senzala,
para Leandro Tocantins, seria a selva.

Imagem 64.

Barracão Axioma, rio Purus. Reproduzido do álbum A Cidade de Manaus e o País das
Seringueiras (Recordação da Exposição Columbiana, Chicago, 1893). Manaus: Associação
Comercial do Amazonas / Fundo Editorial, 1988.

Áreas dos Seringais

As principais áreas em que cresciam as seringueiras (Hevea brasiliensis) estavam


situadas entre o delta do rio Amazonas e o rio Beni boliviano: região das ilhas, bacias
do Tocantins e Guamá; sistemas fluviais do Xingu e Tapajós, no Pará; e nos rios
Madeira, Purus, Acre e Juruá, no Amazonas.
Leandro Tocantins afirma que os primeiros seringais foram organizados nas
cercanias de Belém e no baixo Tocantins, depois, na região de Breves, Anajás e na ilha
do Marajó. Saturada a capacidade de ocupação de terras, em virtude do alargamento
excessivo dos latifúndios, a geografia da seringueira deslocou-se para outros rios, como
Jari, Xingu, Tapajós, Madeira, Purus e Juruá, atendendo à transmigração de populações
do Nordeste, acossadas pelo fenômeno climático das secas. No entanto, por trás de tudo
isso estaria, ainda, a supervalorização do produto, em virtude dos apelos industriais da
Europa e dos Estados Unidos.

Personagens do Seringal

O seringal comportava vários tipos sociais: além do patrão ou seringalista, havia o


gerente, que fazia às vezes do patrão quando este se ausentava da unidade de produção,
seja para o recrutamento de mão-de-obra no Nordeste ou porque se tornava absenteísta,
isto é, passava a residir num centro urbano como Belém ou Manaus.
O guarda-livros era normalmente um individuo alfabetizado, quase sempre sem
cursos técnicos, mas com larga experiência contábil. Trata-se de uma pessoa que tinha
a responsabilidade de manter a escrita do seringal em dia, pois é com base nela que se
movimentavam os trabalhadores para as explorações e a dinâmica dos aviamentos.
Os caixeiros, tinham a seu cargo os armazéns ou barracões, lugar onde se cuidava
da pesagem da produção de borracha, e se dava providência ao abastecimento direto dos
produtores.
Além desses, existem ainda aqueles que se dedicam às tarefas auxiliares, como os
comboieiros, que cuidavam do transporte da produção do centro para a beira e
conduziam, também, cargas de víveres e utensílios para os seringueiros.
Havia também no seringal os mateiros, pessoas experientes, responsáveis pela
identificação das árvores próprias para a extração do látex; os toqueiros, que
secundavam os mateiros, preparando as estradas a serem exploradas pelos seringueiros.
Havia, ainda, os que exerciam atividades sazonais: canoeiros, pescadores e caçadores.
Outro personagem do cenário gomífero era o Regatão. Conforme Berta Ribeiro,
era “o comerciante dos igarapés”. Seu negócio se caracterizava pelo desvio da produção
dos seringais, e pelo fornecimento das mercadorias – às escondidas do patrão – de que o
seringueiro necessitava. Não usava moedas; entregava suas mercadorias a crédito e,
algum tempo depois, recebia pelo aviamento, a produção do seringueiro.
A figura do regatão – que existia desde os tempos coloniais – foi obscurecida com
a presença das Casas Aviadoras.

REGATÃO – “Regatões se chamam aqui no Pará a pequenos comerciantes que


possuem canoa abastecida das mercadorias próprias de nossas tabernas, entre as quais
predominam as bebidas alcoólicas; formam o comércio ambulante, representam nesta
Província o papel dos a que no sul do Império chamamos de mascates. São ordinários
portugueses, verdadeiros filhos da ventura, que não há imoralidade que não cometam
para aumentarem seus lucros” (Couto de Magalhães. Apud REIS, 1997, p. 245)

O Seringueiro

Conforme Arthur Reis, os tipos mais significativos na paisagem social do seringal


são: o brabo e o seringueiro. O primeiro é o nordestino novato nas operações de
extração do látex. Recém chegado ao seringal, desconhece as técnicas de trabalho e os
segredos da mata. É ainda um estranho ao meio físico e ao meio sócio-econômico.
Comete nos primeiros tempos, muitos erros, e se revela muitas vezes impudente, sempre
reclamando, pois, ressente-se daquele mundo de novidades com que se defronta. Aos
pouco, porém, vai se aclimatando, perdendo as hesitações, aperfeiçoando-se às
contingências locais, aprendendo o que deve aprender para poder continuar no seringal
e realizar o seu sonho de enriquecimento.

Vencida essa fase, atinge a condição ambicionada de seringueiro. Portanto, “assimilado


e incorporado de vez ao quadro permanente que movimenta e dá cor definitiva à
paisagem humana do seringal” (REIS, 1997, p. 227).

Entretanto, para atingir esse objetivo o nordestino fez, literalmente, uma longa
caminha, a qual define a priori a sua condição econômica e humana no seringal.
Euclides da Cunha em sua obra À Margem da História descreve uma trajetória, a qual
poderia muito bem, ser considerada como a regra geral dessa realidade:

“No próprio dia em que parte do Ceará, o seringueiro principia a dever: deve a
passagem de proa até ao Pará (35$000), e o dinheiro que recebeu para preparar-se
(150$000). Depois vem a importância do transporte, num gaiola qualquer de Belém ao
barracão longínquo a que se destina, e que é na média, de 150$000. Aditem-se cerca de
800$000 para os seguintes utensílios invariáveis: um boião de furo, uma bacia, mil
tijelinha, uma machadinha de ferro, um machado, um terçado, um rifle (carabina
Winchester) e duzentas balas, dois pratos, duas colheres, duas xícaras, duas panelas,
uma cafeteira, dois carretéis de linha e um agulheiro. Nada mais. Ai temos o nosso
homem no barracão senhorial, antes de seguir para a barraca, no centro, que o patrão
designará. Ainda é um brabo, isto é, ainda não aprendeu o corte da madeira e já deve
1:135$000. Segue para o posto solitário encalçado de um comboio levando-lhe a
bagagem e víveres, rigorosamente marcados, que lhe bastem para três meses: 3 paneiros
de farinha-d’água, 1 saco de feijão, outro, pequeno de sal, 20 quilos de arroz, 30 de
charque, 21 de café, 30 de açúcar, 6 latas de banha, 8 libras de fumo e 20 gramas de
quinino. Tudo isso lhe custa cerca de 750$000. Ainda não deu um talho de machadinha,
ainda é o brabo canhestro, de quem chasqueia o manso experimentado, e já tem o
compromisso sério de 2:090$000” (CUNHA, 1999, p. 13).

O seringueiro depois que recebia a estrada, escolhia o ponto mais conveniente para
erguer o seu tapirí, que podia ser de moradia ou apenas para a preparação da borracha.
Neste último caso:

“consiste numa cabana toda de palha, sobre a terra batida, sem janelas, apenas com a
porta de entrada. O teto é, porém, em forma cônica, terminando por uma abertura que
permita o escape da fumaça que levanta da operação a que é submetido o látex” (REIS,
1997, p. 186).

Imagem 65.

Seringueiro. Reproduzido de Arthur C. Ferreira Reis, O Seringal e o Seringueiro. Manaus:


Edua, 1997, p. 265.

Cotidiano do Seringueiro

Um seringueiro, em geral, trabalhava em dias alternados em duas estradas de


seringueiras. No início de cada dia de trabalho, circulava por uma das estradas, parando
em cada seringueira para fazer-lhe um novo corte e fixar uma pequena tigela de latão, a
fim de recolher o látex através do talhe feito na árvore. Esta primeira etapa, por si só, já
constituía uma longa e desgastante tarefa, devido à grande distância que separava uma
seringueira da outra.
Por volta do meio-dia o seringueiro retornava ao tapiri, quando normalmente fazia
a sua primeira refeição. Depois de uma breve sesta, refazia o mesmo percurso para
coletar o líquido acumulado nas tigelas. Após essa segunda etapa, voltava a ponto de
partida para executar a fase final do seu labor cotidiano: a coagulação do látex.

Do Látex a Borracha

De volta ao tapirí, começava, então, o trabalho de “defumação”, isto é, da


coagulação do leite da seringueira, feito pela exposição a vapores ácidos de madeira
resinosa, especialmente da maçaranduba, do acapu e do pau-d’arco; e algumas sementes
de palmeiras oleaginosas, tais como uricuri, babaçu e o tucumã.
O processo de defumação pode ser descrito da seguinte maneira: sentado em um
tamborete tendo ao lado uma bacia com látex, com uma cuia o seringueiro derrama um
pouco de látex na extremidade de um pau chato espatulado, ou na parte larga de um
remo. Devagar, na fumaça, o látex se coagula pela ação do ácido carbônico contido na
fumaça. Depois de feitas grandes bolas de borrachas, o pau, ou o remo, era suspenso a
um pequeno gancho na viga da cabana, ou girado em barras paralelas, colocadas de
modo a permitir a ação de rolar para diante e para trás, na fumaça.
O médico Djalma Batista classificou essa atividade como insalubre, por ser
exaustiva e demorada, prejudicando as vias respiratórias e os olhos do seringueiro, que
se expunha à ação de substâncias irritantes.
Imagem 66.

Seringueiro em plena atividade num tapirí. Reproduzida de Arthur C. Ferreira Reis, obra
citada, 1997, p. 171.

O produto final desse processo era uma grande bola pesada e de cor preta pelo lado
externo e amarelada no interior, classificada como borracha fina ou Pará fina –
borracha de primeira qualidade. A entrefina, era um tipo de borracha que apresentava
imperfeição no processo de coagulação e com grau elevado de impureza. O sernambi
virgem tratava-se de resíduos de látex que caiam no solo e se misturavam com a terra; e
o sernambi rama era formado pelo leite que escorria das incisões feitas na casca da
madeira. Ambos eram classificados como borracha de má qualidade.

“Cada seringueiro, na execução da sua tarefa, podia trabalhar entre 100 a 200 dias. Na
generalidade, 120 a 180 (...). Em regra, num bom seringal a produção por homem atinge
entre 1.200 a 1.500 quilos de borracha”. (REIS, 1997, p. 189).

O Seringalista

O dono do seringal, patrão do seringueiro, depois do rush da borracha passou a


ser chamado de seringalista. Para Leandro Tocantins, o seringalista foi o “personagem
mais frisante que surgiu na Amazônia, paralelo em riqueza psicossocial ao senhor de
engenho, de quem imitou muitos modismos, fato explicável pela origem das
populações, que vieram todas do Nordeste para a Amazônia”.
Arthur Reis definiu o seringalista, via de regra, como um nordestino que
emergiu do meio agreste do sertão. Trata-se de alguém que ocupava uma posição, não
por berço, mas porque, invariavelmente, soube impor sua vontade na disciplina dos seus
homens. Ambicioso por natureza, acabou por conquistar também a confiança dos
aviadores.
Disciplinador por excelência, muitas vezes mostrava-se violento, indo mesmo à
barbárie no trato com os seus homens. A autoridade que o seringalista exercia, precisava
ser mantida sem hesitações. Lançava mão de recursos bárbaros, muitas vezes, para
poder conter o desenfreio dos seringueiros motivado pela dureza ambiental: quando
ousavam fazer-lhe exigências; quando pretendiam abandonar os trabalhos nos seringais;
quando cometiam fraudes no processo da extração do látex entre outros.
Os meios de punição, ou correção, que aplicava aos “infratores”, eram por demais
violentos: eram torturados e colocados em troncos, prática comum na época da
escravidão africana. Se entendesse ter sofrido uma desfeita que lhe maculasse a
dignidade, pondo em jogo a própria honra, não hesitava na ordem para eliminar o
ofensor. Agia, assim, sem freio. Sua vontade era a lei.

Seringueiro e Seringalista

O seringueiro por definição era um homem livre, não-assalariado, que trabalhava


por conta própria, cuja renda advinha da comercialização do que produzia. Na realidade,
embora livre fisicamente, nas palavras de Leandro Tocantins, “o seringueiro constituíra-
se num escravo moral do patrão pela dependência econômica, rígida, e às vezes, até
mesmo num genuíno escravo, vítima de castigos corporais, tolhido nas liberdades que
fundamentam a existência livre”.
Euclides da Cunha certa vez afirmou que “o seringueiro realiza uma tremenda
anomalia: é o “homem que trabalha para escravizar-se”.

Endividamento Perpétuo

Depois de uma semana, uma quinzena ou mesmo um mês de labor nas


estradas do látex, o seringueiro entregava a sua produção no “barracão” mais
próximo e gerido pelo seu patrão, que podia ser o proprietário do seringal, que
“arrendava” as estradas ao seringueiro, mediante um percentual da borracha
extraída, ou podia ainda, ser um comerciante local – conhecido geralmente como
“aviador” – que controlava informalmente a produção e o comércio da borracha
na área, negociando a produção dos seringueiros e mantendo-os abastecidos de
ferramentas, víveres e quaisquer extravagâncias a que se pudessem dar ao luxo.
O contato com o barracão geralmente se dava aos sábados ou aos domingos,
tempo em que o trabalhador aproveitava as suas poucas folgas para uma diversão,
sempre regada à base de bebidas alcoólicas o que contribuía muito para a
dissipação do seu parco ganho.

Imagem 67.

O interior de um “Barracão”. Reproduzido de José Alípio Goulart, O Regatão: mascate fluvial


da Amazônia. Rio do de Janeiro: Conquista, 1968, p. 117.

Segundo a historiadora Barbara Weinstein, a borracha produzida pelo


seringueiro era entregue ao patrão que ficava responsável pela sua venda em
Manaus ou em Belém. Por esse serviço, geralmente, era debitado na conta do
trabalhador um percentual de até 50% do valor corrente da borracha no mercado,
sob a alegação de cobrir os gastos com transportes e com as comissões de venda.
Efetuada a transação comercial, o patrão repassava o saldo ao produtor em
dinheiro ou mercadoria. Entretanto, na maioria das vezes, o seringueiro ainda teria
que pagar ao patrão uma comissão de mais ou menos 20% sobre o dinheiro vivo
que recebesse, e 10% sobre as mercadorias que adquirisse. Essa prática era
generalizada entre os “patrões comerciantes” que não recebiam “arrendamentos
de estradas”.

Lógica do Endividamento

De acordo com o historiador Caio Prado Júnior, esse “endividamento perpétuo”


fazia parte do jogo do sistema da exploração do trabalhador da borracha: era preciso
impedir qualquer possibilidade de acumulação de reservas que o tornasse independente
em termos econômicos. Nessa região semi-deserta, de escassa mão-de-obra, a
estabilidade da produção tinha sua maior garantia no endividamento do extrator da
borracha. Suas dívidas começavam logo no seu recrutamento. Freqüentemente estava
ainda devendo as despesas de passagem, desde a sua terra nativa até o seringal. Essas
dividas iniciais nunca seriam saldadas, porque sempre havia meios de fazer as despesas
do trabalhador ultrapassarem seus magros ganhos. As mercadorias eram vendidas por
preços exorbitantes. E quando isso não bastava, um hábil jogo de contas que a
ignorância do seringueiro analfabeto não podia perceber, completava a manobra.
Enquanto devia, o trabalhador não poderia abandonar o seu patrão- credor. Existia entre
os proprietários um compromisso sagrado de não aceitarem a seu serviço empregados
com dívidas para com outro e não saldadas.
Euclides da Cunha e outros observadores que visitaram a Amazônia do período
gomífero, convergiram num ponto de vista, quando afirmaram que era esse o traço da
economia extrativista da Amazônia que permitia que o seringueiro fosse ludibriado,
prejudicado e reduzido a um virtual status de “escravidão por dívidas”.

Sistema de Aviamento

Desde os tempos coloniais que, na Amazônia, os negociantes sediados nos centros


urbanos supriam de mantimentos as expedições coletoras das “drogas do sertão” para,
no final receberam em pagamento os valores correspondentes em espécie. Esse tipo de
financiamento ficou conhecido com o nome de aviamento, uma espécie de crédito sem
dinheiro. Essa prática foi apropriada pelo capitalismo europeu, que se expandiu na
sociedade amazônica com a economia gomífera. O aviamento, segundo o economista e
historiador Roberto Santos, pôs a funcionar toda a economia amazônica da fase da
borracha e que persiste ainda em nossos dias, se bem que modificado e com importância
atenuada.
Portanto, o termo aviar, na Amazônia, significa fornecer mercadoria a crédito. As
condições geográficas da região, sobretudo o difícil acesso aos centros produtores,
levaram o sistema de aviamento a organizar-se em forma de cadeia vertical: no início o
extrator do látex, e no final as firmas exportadoras; e intermediariamente uma série de
“aviadores” – o comerciante das grandes cidades; o pequeno comerciante local; o patrão
do seringueiro; e o regatão.

Imagem 68.

CADEIA COMERCIAL DA BORRACHA

Itinerário da Borracha

O seringueiro entregava a sua produção no barracão, que daí era embarcada


diretamente para os centros urbanos mais importantes. Porém, segundo Barbara
Weinstein, se a propriedade não tinha acesso a águas navegáveis por barco a vapor, ou
se recebia seu dinheiro e mercadoria de uma casa comercial das vizinhanças, aqui surgia
um terceiro elo da corrente, sob a forma de aviador local. Este terceiro personagem
geralmente tocava uma loja de secos e molhados num dos vilarejos do interior e atuava
como agente de alguma grande casa comercial, que o supria dos artigos que vendia a
crédito, recebendo em pagamento a borracha que lhe era entregue, quer pelo patrão,
quer diretamente pelo seringueiro. A borracha era a seguir posta num navio rumo a
Belém ou Manaus, direto para os armazéns da casa aviadora que efetuou o transporte,
onde era inspecionada, verificado o grau de impureza, encaixotada e preparada para a
exportação.

Casas Aviadoras

A Casa Aviadora era o elo mais importante da cadeia comercial da Amazônia, em


termos tanto de sua posição central quanto de suas múltiplas funções. Para Barbara
Weinstein, a casa aviadora era conhecida também como “casa recebedora” da borracha
(para distingui-la das verdadeiras exportadoras). Era essa firma que decidia quando e a
quem vender a borracha. Eram os grandes aviadores que negociavam, com as “casas
importadoras” as mercadorias que seriam repassadas ao negociante do vilarejo, ao
“regatão”, ao seringalista e, finalmente, ao seringueiro. Era também a casa aviadora que
providenciava o transporte e a distribuição dos retirantes que fugiam da seca do
Nordeste para trabalhar nos seringais, e que atuava como representante legal e
financeiro de seus clientes mais ricos residentes no interior.
Havia, ainda, outras funções desempenhadas por essas firmas comerciais. Os
grandes aviadores encarregavam-se de providenciar créditos adicionais, ou
empréstimos a curto prazo, dos bancos locais, quer para suplementar os adiantamentos
feitos pelas companhias importadoras, quer para financiar compras mais vultosas, como
barcos a vapor, instalações para embarcadouros, ou armazéns.
De acordo com B. Weinstein, talvez o mais importante, é que eram essas firmas
que enviavam para o interior seus representantes com mercadorias, ferramentas e, se
necessário, com trabalhadores, para instalar novas áreas de exploração da seringueira,
ou restabelecer contatos com as áreas incipientes. Desse modo, facilitavam grandemente
a expansão da borracha de um extremo a outro da Amazônia, bem como a integração na
rede comercial das novas zonas produtoras de borracha.

Imagem 69.

Casa Aviadora / Recebedora. S. A. Armazéns Andresen. Reproduzida de Antônio Souto


Loureiro. A Grande Crise (1908-1916). Manaus: T. Loureiro, 1986, p. 265.

Casas Exportadoras

A autora informa ainda que, depois de passar pelas mãos do aviador, a borracha
se transferia para uma das casas exportadoras. A transação entre o aviador e o
exportador – a primeira a ocorrer invariavelmente em moeda sonante – podia ser feita
em consignação, caso em que a firma aviadora detinha a propriedade da borracha,
pagando ao exportador na base de comissão. Contudo, o mais habitual era que o
exportador adquirisse de vez a borracha. Geralmente, a firma exportadora atuava como
representante de companhias compradoras de borracha de Nova Iorque ou Liverpool,
embora algumas delas funcionassem independentemente. As firmas exportadoras
poderiam também funcionar secundariamente como agências bancárias informais e, de
forma mais limitada, como importadora.
Ao chegar ao porto de uma nação industrializada, a borracha, segundo Weinstein,
tornava-se propriedade da firma estrangeira que a comprara – último elo da corrente. O
importador de borracha – que não deve ser confundido com os importadores de Belém,
que atuavam essencialmente como armazenadores de secos e molhados estrangeiros –
era em geral responsável pelo pagamento do custo do transporte marítimo e de outras
despesas que ocorressem depois de a borracha ter deixado o Brasil. Essa companhia
realizava, então, a venda final da borracha ao fabricante, com quem possuía em geral
algum acordo preestabelecido.

Diversidade entre Seringueiros

Consoante Barbara Weinstein, o processo comercial descrito, que apresenta todos


os possíveis participantes na rede de produção e de troca, retrata um modelo de
comercialização bastante comum. Salienta-se, contudo, que o sistema é rico em
variações em todos os níveis, e nenhuma das composições possíveis pode ser
mencionada com “típica”. Na verdade, as modalidades de trocas variavam não apenas
de propriedade para propriedade, mas até mesmo de estrada para estrada, uma vez que
cada um dos aviados podia estabelecer acordos muito diversos com o respectivo patrão.
Por exemplo, muitos seringueiros eram realmente seringalistas em pequena escala, que
possuindo legalmente quatro ou cinco estradas, juntamente com terra suficiente para
sustentar a si próprio e a sua família com uma dieta de mandioca, peixe e caça. Ainda
assim, esse seringueiro-proprietário teria relações informais de dependência com um
comerciante local, ou com um vizinho mais rico. Essa relação seria mais flexível e
menos suscetível de coerção, do que a existente entre o seringueiro não-proprietário e o
seringalista. Havia entre os seringueiros proprietários outras diferenças consideráveis.

UMA TRAJETÓRIA – “Octávio Reis era um velho e sábio sertanejo, capixaba de Carataízes,
que durante mais de cinqüenta anos sofreu e enricou nos seringais dos rios Abunã, Guaporé e
Acre, vivendo todos os ciclos da borracha. Imigrante nas últimas décadas do século passado
[XIX], percorreu todo o caminho da vida, paixão e morte do sertanejo-seringueiro: flagelado,
retirante, brabo, barrigudo, manso, comboieiro, mateiro, seringalista, até chegar ao cume de sua
carreira: Coronel de Barranco”.

BENCHIMOL, Samuel. Romanceiro da Batalha da Borracha. Manaus: Imprensa Oficial, 1992,


p. 96.

Rumo ao Acre
O território do atual Estado do Acre achava-se até então habitada apenas por índios
tribais. Era uma região de fronteiras indecisas, isto é, de limites ainda não fixados entre
o Brasil e a Bolívia. O avanço dos seringueiros do Brasil na região chocou-se, nesse
território rico em seringueiras, com os vizinhos bolivianos que o ocupavam
nominalmente com alguns postos militares.
Em 1867 os governos brasileiro e boliviano assinaram o Tratado e Yacucho, para
viabilizar as demarcações de suas fronteiras internacionais, que começou em 1870.
Porém, devido à deflagração da “Guerra do Pacífico” em que a Bolívia foi a principal
protagonista os serviços de demarcações foram suspensos. Somente a partir 1894,
haveria disposição para o seu prosseguimento.
Nessa altura dos acontecimentos os seringueiros brasileiros já estavam em franca
expansão pelos rios Madeira, Purus, Acre e Juruá, extraindo o látex naquela região, que
se tornara uma nova e dinâmica fronteira econômica. Essa nova conjuntura fez com que
o Governo boliviano passasse a questionar o traçado das fronteiras que fora definido
pelo Tratado de 1867, impondo dessa forma, um novo traçado, o qual o Governo
brasileiro não aceitou, e novamente as demarcações foram suspensas. Entretanto, o
Governo brasileiro, em 1898, concordou que os bolivianos instalassem uma Alfândega
no rio Acre, em Puerto Alonso (atual Porto Acre).
Em Manaus o protesto foi geral, principiado por um editorial do Comércio do
Amazonas, que segundo Leandro Tocantins o propósito do jornal seria:

“a defesa dos interesses gerais do Amazonas, sem estar ligado a qualquer agremiação
política. Por isso vinha manifestar sua opinião sobre a projetada cedência de territórios
nacionais à vizinha República da Bolívia. E lança o enredo de uma bem maquinada
história (...). O assunto estava, agora, entregue a discussão pública” (TOCANTINS,
1979, p. 225).
Essa onda de reação ao estabelecimento de uma repartição pública boliviana no
Acre, foi, segundo Tocantins “ao encontro dos desejos secretos de governador Ramalho
Júnior, que não via com bons olhos as parcelas financeiras recolhidas no território
acreano sendo desviadas para o tesouro de La Paz”. Além disso, foi inflamado pelo
clamor popular que o levou a formalização de um protesto ao Governo Federal.
Segundo Arthur Reis, o Governo do Amazonas, “em longa e objetiva exposição,
reclamou, perante a Presidência da República, contra o que considerava um grave erro
e, mais que isso, uma autêntica traição aos interesses do País, ao mesmo tempo em que
importava violenta sangria nas suas rendas tributárias”. O País inteiro se voltou contra a
política externa do Governo Federal.
Não obstante, a aduana foi instalada. Ramalho Júnior tinha todos os interesses
possíveis envoltos no caso do Acre, inclusive o de desviar a atenção dos escândalos
políticos e financeiros praticados em sua administração, diligentemente, agiu no sentido
de não deixar prosperar a façanha boliviana, para tanto preparou uma ardilosa expedição
de caráter “para militar”, sob o comando de um certo espanhol, Luiz Galvez Rodrigues
de Arias, que no comando da população acreana, revoltada com a instalação do posto
aduaneiro da Bolívia no seu território, expulsou todos os funcionários bolivianos da
região e proclamou a República do Acre, em 14 de julho de 1899.
A respeito da montagem da “Expedição de Galvez”, Leandro Tocantins elaborou a
seguinte descrição:

“Ramalho Júnior e Pedro Freire chegaram à conclusão de que o melhor meio de


enfrentar os acontecimentos seria o envio de uma expedição, a cuja testa colocaria Luiz
Galvez, sob o aparente pretexto de explorar seringais, mas, na realidade com o fim de
‘não consentir que o estrangeiro tomasse conta do território amazonenses, que tanto
sacrifício custara para desbravar e sanear /. / Preparada à bandeira, com munição de
guerra e de boca, materiais para o serviços de exploração, partiu Luiz Galvez levando
instruções fornecidas pelo Governo do Estado /./ O pequeno grupo seguiu no vapor
Cidade do Pará rumo ao rio Acre, tendo Luiz Galvez a preocupação de dizer a todos
que, por falta de navio para o Juruá, acabara se decidindo a trabalhar naquela zona. (...)
como de fato o fez” (TOCANTINS, 1979, p. 269 e 270, Vol. I).

A Bolívia reagiu à audácia política dos brasileiros em 1901 através do Bolívian


Syndicate, uma companhia concessionária formada em Nova Iorque com capitais de
empresários norte-americanos e ingleses, que obteve o controle absoluto da região, por
30 anos, inclusive com poderes para aparelhar-se com força policial, militar e naval. Por
essa concessão a pretensão dos brasileiros perderia o sentido, pois o Bolívian Syndicate,
seria o soberano da região. Esse fato criava também uma situação delicadíssima para o
Governo brasileiro.
Diante da realidade que se avizinhava, o Governo do Brasil prontamente suspendeu
no Congresso Nacional a votação do acordo comercial firmado recentemente com a
Bolívia; em ato contínuo, suspendeu também, a concessão do livre trânsito de
bolivianos nos rios brasileiros, tanto para exportação, quanto para importação de
mercadorias.
No Acre, novamente os acreanos se levantaram em armas, desta vez sob o
comando do gaúcho Plácido de Castro cujos conflitos bélicos e o seu final ficou
conhecido como a Revolução Acreana. Simultaneamente diplomacia brasileira agia com
sucesso na Europa e nos Estados Unidos, no sentido de neutralizar a ação do Bolívian
Syndicate na captação de recursos financeiros para investir na posse das terras acreanas.
Como afirma Arthur Reis, o barão do Rio Branco, “em negociação com a direção do
mesmo nos Estados Unidos, conseguiu que desistissem da empresa, mediante uma
indenização em dinheiro”. Nessa conjuntura a Bolívia também foi convidada à mesa de
negociação, e cedeu também.

Imagem 70.

Plácido de Castro (1873-1908). Foto feita em Manaus, em 1904. Reproduzida de Berta G.


Ribeiro, Amazônia Urgente. 2.a edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1992, p. 155.

Esse conflito internacional foi resolvido, em 1903, através do Tratado de


Petrópolis com a cessão por parte da Bolívia de uma grande área de quase 200.000 km2,
pela qual recebeu uma indenização de 2.000.000 libras esterlinas e a promessa da
construção da ferrovia Madeira-Mamoré, com livre trânsito para as suas mercadorias até
o Atlântico. Formou-se nessa região uma circunscrição, sob a administração direta do
Governo Federal, e que foi denominado Território do Acre, atualmente Estado do Acre.

* * *

A propósito da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Desde 1861, os bolivianos já


cultivam a idéia de uma ferrovia que ligasse a navegação do Madeira ao Mamoré, no
sentido de ultrapassar os trechos encachoeirados. Concomitantemente, os estudos sobre
a colonização agrícola e navegação do rio Madeira, promovido pelo Governo do
Amazonas, chegava à mesma conclusão dos bolivianos. A ferrovia foi concluída em
1912, em plena crise da borracha brasileira, e já não tinha mas nenhum sentido
econômico. Sobre a sua construção vide leitura complementar n.o 12-B).

RECURSOS DO BOLIVIAN SYNDICATE –“(...) capitais de comerciantes norte-americanos


e ingleses, entre os participantes figurando um filho do presidente Teodoro Roosevelt, dos
Estados Unidos, e capital inicial de $. 500.000.000 [£ 500.000 ou U$ 5.000.000] arrendamento
fora assinado a 11 de junho de 1901 entre [Félix Avelino] Aramayo, como representante da
Bolívia, e o Sr. Frederick Willingford Whitridge, da poderosa firma New York Cay Whitridge.
Participava do grande negócio a United States Rubber Company, só ela representava 25% do
consumo de borracha nos Estados Unidos”.

REIS, Arthur C. Ferreira. A Amazônia e a cobiça internacional. 5.ª edição. Manaus / Rio de
Janeiro: Suframa / Civilização Brasileira, 1982, p. 127.

Imagem 71.

Trabalhadores da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Foto divulgada por R. Collier.


Reproduzida de Berta G. Ribeiro, obra citada, 1992, p.156.
Leitura Complementar N.o 12-A

BORRACHA E ECOLOGIA

“Cabe à borracha, ainda, a responsabilidade do primeiro grande e decisivo desequilíbrio


ecológico assinalado na Amazônia, quando ocorreu o avanço sobre os seringais, onde se
recolhia o leite que de branco se tornava negro ao contato de ambição humana (...) /./
O grande choque resultou da inexistência de fontes próprias de abastecimento alimentar,
nem a tradição de uma exploração agrícola que prendesse os novos habitantes ao solo.
Por outro lado, enquanto se extraía a goma dos seringais, não havia tempo (nem era
permitido por muitos seringalistas) que as atenções se desviassem para plantar e colher.
“Agricultura não rima bem com seringa” (...) /./ José Amando Mendes (...), que foi um
dos líderes da economia amazônica no primeiro quartel do século, escreveu: “Um dos
males que concorrem organicamente para a situação de apertura da Amazônia, é
consubstanciado nesta verdade: o seringueiro não produz o que consome” /./ Por
interesses mercantis, aliadas à necessidades imediata, durante o ciclo da borracha foi
preciso importar alimentos maciçamente. E quando os preços caíram e os seringueiros
puderam plantar e colher, não alcançaram grandes safras, primeiro porque não sabiam
como trabalhar a terra, e depois porque não tinham mercado para a venda da produção,
cingindo-se, assim, a uma agricultura puramente de subsistência. Adaptaram-se, porém,
facilmente a uma indicação tácita da ecologia regional, usando as várzeas como lugar
por excelência para os “roçados”: além de serem áreas fertilizadas pelo húmus das
enchentes, não demandavam grande trabalho para a sua preparação, apesar de não
permitirem a implantação de culturas perenes, passando praticamente seis meses
alagadas /./ Ao mesmo tempo, os seringueiros caçavam, pescavam, apanhavam
tartarugas e outros quelônios e respectivos ovos, para se alimentarem. Depois, a
agressão à natureza, visando à sobrevivência, continuou ferozmente, derrubando
madeiras e colhendo outras gomas e produtos naturais, com que melhorassem os
próprios orçamentos deficitários /./ Tudo de forma puramente aleatória, porque a caça, a
pesca, os quelônios, os frutos silvestres e os demais bens da natureza, não são
constantes: aparecem na época própria (...) /./ O que pretendo ressaltar, agora, é que o
meio sofreu a atividade predatória dos seringueiros /./ (...) /./ As próprias seringueiras
foram submetidas freqüentemente ao “processo do arrocho”, que consistia em apertar as
árvores com cipós ao rés do chão, golpeando-as por todos as lados, para que
exsudassem o máximo de leite: o rendimento era maior, mas as “madeiras” (nome dado,
no seringal, às héveas) não resistiam, muita vez esgotando-se num único dia. O
“arrocho” foi responsável pela inutilização das seringueiras da região das Ilhas, as
primeiras trabalhadas e onde se produzia borracha da melhor qualidade. Por isso, e pela
necessidade de explorar outros seringais onde se localizassem os trabalhadores recém-
chegados do Nordeste, novas seringueiras passaram a ser cortadas nos rios mais para
cima /./ Os “mutás”, pequenos giraus armados junto às árvores, para alcançar as partes
mais altas e sangrá-la, também, funcionaram, em toda parte, com a intenção de
aumentar a produção /./ (...). Apesar dos “regulamentos” que os seringalistas faziam
cumprir muitas vezes brutalmente, o que imperava era mesmo o “vale tudo” da
exploração, que não chegava a ser considerada explotação, como escreveu Araújo Lima
(...) /./ Estabeleceu-se, na Amazônia, assim, um sistema de escravidão econômica até
agora não superado /./ O homem, aprisionado nas “colocações”, dentro do regime
vigorante desde que a borracha começou a se explorada, só encontrou uma
compensação, revoltando-se contra a natureza (poucas vezes pode se revoltar contra o
sistema), e a vem destruindo inconscientemente, investindo contra bens preciosos, que
não sabe valorizar: a água, a floresta e a fauna /./ (...) /./ Mas as relações da borracha
com a ecologia não param aí”.

BATISTA, Djalma. O Complexo da Amazônia. Rio de Janeiro, Conquista, 1976, p. 133


e 134.

Leitura Complementar N.o 12-B


A LENDÁRIA "FERROVIA DOS TRILHOS DE OURO” E OS SEUS
TRABALHADORES.

“As circunstâncias que cercaram o lançamento da lendária “ferrovia dos trilhos de ouro”
constituem uma página mais pungentes da história da engenharia pesada no Mundo. Em 1872, a
Public Work Construction Company, contratada na Inglaterra pelo presidente da primitiva
Madeira-Mamoré Railway Co., Ltd. – o arrojado Coronel George Church – iniciara os trabalhos
em Santo Antônio. Menos de um ano após, entrava com uma ação na Justiça inglesa visando a
recisão de contrato, sob a alegação de que fora ludibriada quanto às condições da região e à
extensão da ferrovia; dizia que a zona “era um antro de podridão onde seus homens morriam
qual moscas” e que “mesmo dispondo-se de todo o dinheiro do mundo e de metade da
população, seria impossível construir a estrada”.11 Em 1879, a firma norte-americana que a
substituíra, P. & T. Collins, após um ano e pouco de terríveis sofrimentos, abandonou as
atividades completamente falida, deixando atrás de si um cemitério de centenas de indivíduos
das mais diversas nacionalidades – norte-americanos, italianos, irlandeses, brasileiros do
Nordeste; não teve condições seque de recolher as máquinas, equipamentos e materiais que
importara com enorme sacrifício dos Estados Unidos. A malária e outras enfermidades, os
ataques de índios e o isolamento na floresta corroeram por inteiro as energias dos dirigentes,
engenheiros e trabalhadores. Uns trezentos norte-americanos puderam ainda retornar à sua
pátria, mas empobrecidos, fracos e depois de mendigar socorro público nas ruas de Belém. Em
1881, o Governo brasileiro decretou a caducidade da concessão dada ao Coronel Church. Até
então, o resultado da trágica aventura eram 7 quilômetros de linha, apenas /./ Quando, pois, pelo
Tratado de Petrópolis de 1903 – através do qual se pôs fim à disputa sobre o Acre – o Governo
do Brasil se comprometeu com a Bolívia a construir a estrada de ferro, não o fez sem certa
temeridade. O vencedor brasileiro da concorrência para a construção, Eng. Joaquim Catramby,
transferiu o contrato para uma firma recém-fundada nos Estados Unidos, a Madeira-Mamoré
Railway Co., do grupo Percival Farquhar, o mesmo da Companhia Port of Pará e do consórcio
de ferrovias Brazil Railway Company. A Madeira-Mamoré Railway Co. convocou para a
execução do trabalho a empresa especializada, também norte-americana, May, Jekyll &
Randolph, a qual em 1907 desembarcou às margens do Rio Madeira seu primeiros homens e
materiais. Em 1912 foi finalmente colocado o último trilho, os trens viajando de Porto Velho e
Guajará-Mirim, num percurso de 364 quilômetros /./ Quantos homens terão atuado na
construção da ferrovia durante as várias tentativas? Do tempo da Public Works não há registro.
Do período da P. & T. Collins, Manoel Rodrigues Ferreira – no estudo talvez mais completo
que se fez sobre a Madeira-Mamoré – informa o seguinte:” Dos Estados Unidos, chegaram a
Santo Antônio 716 pessoas, inclusive seis mulheres. Durante os 18 meses que ali
permaneceram, faleceram 141. Neste número não estão computados os 80 que faleceram no
naufrágio do Metrópolis. Na construção trabalharam cerca de 200 índios bolivianos e 500
cearenses, num total de 700 trabalhadores. Não foi feito um registro dos que morreram entre
estes (...) Com base nessa informação [de Craig], podemos considerar que o número de
bolivianos e cearenses falecidos deve ter sido o dobro dos norte-americanos, ou seja,
provavelmente 300. O total de mortos entre o pessoal norte-americano e brasileiros, deve ter
chegado, pois, a cerca de 450 ou 500.”12 Na fase brasileira, empreitada com o grupo Faquhar,
foram contratados 21.883 indivíduos ao longo de seis anos, compreendendo brasileiros e
estrangeiros/:/ (...) A maioria de trabalhadores compunha-se de estrangeiros. Eram aliciados
pela companhia nos mais diversos países. Predominava os contingentes das Antilhas e
Barbados, seguindo-se os espanhóis. Portugueses, gregos, italianos, franceses, hindus, húngaros,
poloneses, dinamarqueses e homens de outras nacionalidades também estavam presentes/./ (...)
No início de 1908, 95% da população de Porto Velho estava atacada de malária. Os médicos e
engenheiros não esperavam dos trabalhadores mais que 90 dias de trabalho, pois a média do
trabalho de um homem “era de um semi-inválido”, diz o especialista. Osvaldo Cruz registrara
entre as moléstias a área o impaludismo, o beribéri, a febre hemoglobinúrica, a desinteira, a
ancilostomose e a pneumonia/./ Conta Manoel Rodrigues Ferreira: “seria necessário conseguir
novos trabalhadores todos os meses. Estas levas que chegassem mensalmente substituiriam os
mortos e inutilizados”. Era impossível contar com um número fixo de trabalhadores”.

11. Cf. Neville B. Craig, Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, história trágica de uma expedição, trad. Brasileira, Editora Nacional,
col. Brasiliana, São Paulo, 1947, p. 55.
12. Manoel Rodrigues Ferreira, A ferrovia do diabo, história de uma estrada de ferro na Amazônia, Edições Melhoramentos, São
Paulo, 1959 (?), p. 139.

SANTOS, Roberto. História Econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo, T.A. Queiroz,
1980, p. 93 a 96.

Indicações para Leitura


BATISTA, Djalma (1976). O Complexo da Amazônia (análise dom processo de
desenvolvimento). Rio de Janeiro: Conquista.

CUNHA. Euclides da (1999). À Margem da História. São Paulo: Martins Fontes.

REIS, Arthur Cezar Ferreira. (1989). História do Amazonas. 2.ª edição. Belo Horizonte: Itatiaia,
Manaus: Superintendência Cultural do Amazonas.

________ (1997). O seringal e o seringueiro. 2.ª edição. Manaus: Edua.

________ (1982). A Amazônia e a Cobiça internacional. 5.ª edição. Manaus / Rio de Janeiro:
Suframa / Civilização Brasileira.

SANTOS, Roberto (1980). História Econômica da Amazônia (1800-1920). São Paulo: T.A.
Queiroz.
TOCANTINS, Leandro (1982). Amazônia – natureza, homem e tempo: uma planificação
ecológica. 2.ª edição.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira / Biblioteca do Exército.

________ (1979) Formação Histórica do Acre. 3.a edição. Rio de Janeiro / Brasília / Rio
Branco: Civilização Brasileira / INL / Governo do Acre. Vols. I e II.

WEINSTEIN, Bárbara (1993). A Borracha na Amazônia: Expansão e Decadência (1850-1920).


São Paulo: HUCITEC / Edusp.

UNIDADE IV

AMAZÔNIA, “A CIVILIZAÇÃO DA BORRACHA”

Capítulo 13

“Civilização da Borracha”: a Expansão e o Declínio


Capítulo 13

“CIVILIZAÇÃO DA BORRACHA”: A EXPANSÃO E O DECLÍNIO


“O drama da borracha brasileira é mais assunto de novela romanesca
que de história econômica” (Caio Prado Júnior).

“Não é necessário ser muito perspicaz para compreender que o mercado


da borracha não se constitui na Amazônia, mas sim nos grandes centros
do exterior, Londres e Nova Iorque” (Apud Barbara Weinstein).

Café do Sudeste e a Borracha da Amazônia


De acordo com a historiadora norte-americana Bárbara Weinstein, as economias de
exportação da América Latina do final do século XIX, obtiveram resultados bastante
diferenciados em termos de acumulação de capital, de formação de classes sociais e de
inovação tecnológica. Ao contrário do que possa parecer, não seguiram a tão batida
trajetória do ciclo econômico: períodos de expansão, recessão, depressão, recuperação e
de fracasso.
No Brasil não foi diferente, pois as expansões econômicas regionais produziram
efeitos muito diferentes; foi o caso da expansão do café, do cacau e da borracha na
Amazônia.
Analisando os resultados da expansão do café e da borracha, que ocorreram
simultaneamente no Brasil, Weinstein com base em outras referências, concluiu que a
economia cafeeira de São Paulo representa o caso mais sensacional, em toda a América
Latina, de um desenvolvimento prolongado gerado por exportação. Alimentada pelos
lucros da produção cafeeira, a economia regional expandiu-se e diversificou-se a tal
ponto, que uma área de monocultura clássica veio a tornar-se num dos mais importante
centros industriais do Terceiro Mundo.
O caso da expansão da economia da borracha na Amazônia, ao contrário,
mostrou-se efêmero e superficial. Os teatros de óperas mundialmente famosos, as
mansões suntuosas e as extravagâncias de lendários nababos, criaram para a região uma
deslumbrante fachada, por detrás da qual, porém, havia um sistema de produção e uma
rede de trocas que pouco diferiam das estruturas sócio-econômicas características do
período colonial.
A referida autora considera que a produção da borracha da Amazônia decolou em
função do aumento da demanda estrangeira de borracha bruta, numa época em que a
Amazônia era o único fornecedor mundial. A economia de exportação, resultante dessa
confluência de forças econômicas e ambientais, gerou um crescimento comercial e
demográfico sem precedente na região, e fez de uma área esquecida e muito atrasada
um dos mais promissores centros de comércio do Brasil. Depois, exatamente no
momento em que os preços da borracha silvestre chegavam ao nível mais alto, a
borracha cultivada na Ásia começou a surgir em grande quantidade no mercado
mundial. Com custos de produção e de transporte mais baixos, a borracha cultivada
virtualmente expulsou o produto amazônico do mercado, e a economia regional entrou
praticamente em colapso num prazo de poucos anos.

Negócios Iniciais da Borracha da Amazônia


Os povos pré-colombianos já conheciam algumas das propriedades da borracha,
mas os colonizadores portugueses não deram a devida atenção aos predicados da árvore
do leite branco. Quem a revelou para o mundo científico, e daí para o processo de
industrialização, foi o francês Charles-Marie de La Condamine. Mas o grande passo
técnico-industrial foi a descoberta da vulcanização pelo norte-americano Charles
Goodyear, em 1839. A borracha vulcanizada não se deixa alterar pelo frio, calor,
solventes comuns ou óleos. Entrava nesse processo o calor e o enxofre. A vulcanização
é uma referência ao deus da mitologia latina, Vulcano, senhor do fogo.
Roberto Santos considera que foi a partir de 1820 que a Amazônia começou a
exportar borracha. Foi quando passou a vender para os Estados Unidos calçados de
borracha, um negócio que aumentou quando ao comerciante de Boston T. C. Wales
ocorreu remeter moldes de madeira aos fornecedores do Pará. Daí em diante, o volume
de sapatos exportados tornou-se crescente. Além de Boston, o Pará passou a exportar
esse produto para Antuérpia, Hamburgo, Londres, Marselha, Nova Iorque e Salém.
Entretanto, até que a vulcanização começasse a produzir efeitos comerciais, após 1845,
a tonelagem das exportações foi fraca (Quadro 9).
Um detalhe importante que Roberto Santos acentua, é o fato de que “os pares de
calçados se cotavam ao quilo de borracha que entrava em sua confecção, sendo por isso
impossível discernir das estatísticas brasileiras disponíveis, que só registram tonelagem,
que parte da borracha se exportava em bruto e qual em calçados”. Mas não há dúvida de
que a quantidade de borracha em bruto tinha expressão, podendo estimar-se entre 35 e
40 toneladas anuais, nos anos trinta do século XIX.

Quadro 10 – EXPORTAÇÃO DE BORRACHA BRASILEIRA: 1825-1860


Ano Toneladas
1825-26 93
1830 156
1834-35 175
1839-40 418
1844-45 367
1849-50 879
1854-55 2.868
1859-60 2.531
Fonte: Roberto Santos, 1980.
Obs.: Há um registro oficial onde a exportação de borracha brasileira
foi de 31 toneladas, em 1827 (SANTOS, 1980).

Desde o início, a Amazônia não reinou sozinha nos negócios da borracha. A


América Central apareceu no mercado por volta de 1850; alguns países africanos, dez
anos depois; e a Índia, por volta de 1870. Mas, a liderança na produção da borracha
silvestre continuava amazônica, sem ser ainda o seu produto-rei da economia.

Áreas Internas de Produção

A bacia do baixo rio Amazonas na Província do Pará foi, em princípio, o setor de


maior produção da goma elástica. Em 1887 foi superado pelo setor do médio
Amazonas, onde estava a Província do Amazonas, que atingiu o primeiro lugar na
produção.
No entanto, o Pará e o Amazonas dividiram mais ou menos igualmente a
produção até os primeiros anos do século XX, quando entrou em cena uma outra zona
produtora: a do alto curso dos rios Purus e Juruá que, em 1907, atingiu o primeiro lugar
entre as regiões produtoras do Brasil.
Conforme Caio Prado Júnior, o Acre começou a contribuir com algum vulto para a
produção brasileira de borracha em 1904, quando o volume exportado ultrapassou 2.000
toneladas. Já no ano seguinte alcançou 8.000; em 1907, com mais de 11.000, colocou-se
em primeiro lugar entre as regiões produtoras do Brasil. Tanto o Pará quanto o
Amazonas ficaram ligeiramente abaixo deste 11.000. Os demais Estados (Mato Grosso
e outros de produção insignificante) contribuíram com pouco mais de 3.000.

Crescimento das Exportações da Borracha

A produção e conseqüentemente a exportação da borracha veio em contínuo


aumento desde 1827, quando se registrou um primeiro e modesto embarque de 31
toneladas, e atingiu em 1880 cerca de 7.000. A partir de então o crescimento se
acelerou.
A aceleração do crescimento em larga escala da produção da borracha na
Amazônia deve-se, primeiramente, creditar a dois fatores principais: o primeiro está na
disponibilidade de mão-de-obra, em conseqüência da grande seca no interior nordestino,
que durou de 1877 a 1880, estabelecendo-se uma forte corrente migratória para a
Amazônia, empregada na extração da borracha, cuja exportação se elevou em 1887 para
mais de 17.000 toneladas. Até então a região amazônica, escassamente povoada,
convivia com a dificuldade para obtenção de força de trabalho para essa atividade. O
segundo fator reside na crescente demanda da borracha no mercado internacional.

Demanda Externa: Europeus e Norte-Americanos


Para o economista e historiador Roberto Santos, com a vulgarização do processo
de vulcanização, as aplicações da borracha se estenderam praticamente a todos os usos
da vida cotidiana do homem moderno: mangueiras correias, pisos e calçados, artigos
esportivos e vestimentas impermeáveis, equipamento para anestesia, cateteres, colchões
de ar e sacos de água quente, pára-choques ferroviários e anéis de pistão, isolamento
elétrico, dentaduras, arruelas, gaxetas, juntas, selos etc. Mas foi o advento do
automobilismo, com largo emprego de rodas pneumáticas, que definitivamente tornou a
indústria contemporânea dependente da borracha.
Ainda de acordo com o referido autor, R. W. Thomson patenteou na Inglaterra, em
1845, o “cinto elástico” para rodas de carruagens. Esse invento foi o precursor da roda
pneumática. O cinto elástico de Thomson, tratava-se de um tubo inflável, feito de
borracha e lona envolvido em couro.

As bicicletas

Entretanto, o grande inventor da pneumática foi John Boyd Dunlop, veterinário de


Belfast, que a aplicou à bicicleta do seu filho em 1888.
A bicicleta alcançava grande sucesso e com ela nascia a civilização do movimento.
Era o transporte para o trabalho e para as festas, flexível, prescindindo das estradas
especiais que o automóvel requeria, do combustível que ele consumia. Seu preço era,
ademais, equivalente a um salário mensal de operário especializado ou dois de um
camponês, o que a tornava acessível às grandes massas trabalhadoras. Circulavam na
França, em 1894, 250.000 bicicletas; em 1914, 4.500.000.

Os Automóveis

A invenção de Dunlop para a bicicleta, desde os anos noventa do século XIX


passou a ser aplicada aos automóveis. O mundo industrializado desenvolvia
experiências com o automóvel: Otto e Lenoir apresentam na Exposição de 1889 seus
modelos de motor a gasolina; Daimler propõe à Benz a construção de um motor a
explosão de sua autoria; o industrial Armando Peugeot decide fabricar coches equipados
com motores Daimler; em 1898, instalava-se em Paris o Primeiro Salão do Automóvel.
Desde aí a indústria automobilística não parou de crescer, arrastando consigo
fulminante sucesso da pneumática de borracha.

As Indústrias da Borracha

1. Nos Estados Unidos, as chamadas “quatro grandes” assentaram seu poderio no


mercado: B. F. Goodrich Co., fundada em 1870; United States Rubber Co.,
resultante da fusão, em 1892, de várias outras companhias; a Goodyear Tire and
Rubber Co., estabelecida em 1898, e a Firestone Tire and Rubber Co., fundada em
1900;

2. Na Inglaterra, destacava-se a Dunlop Rubber Co. Ltd., fundada em Dublin, por


John Boyd Dunlop, em 1885;

3. Na Itália, a Società Italiana Pirelli começou a operar em 1872 em Milão, sob a


direção do jovem engenheiro G. B. Pirelli;
4. Na França, Alemanha, Holanda e Rússia, companhias importantes foram
fundadas ou ampliaram as suas fábricas e atividades.

Algumas das principais companhias possuíam subsidiárias em outros países e,


desde cedo, foram adquirindo plantações de seringueiras em territórios asiáticos. Talvez
devido à progressiva alta dos preços, algumas indústrias redobraram esforços na
produção experimental de borracha sintética.
Antes de 1900 não há dados precisos sobre o consumo mundial da goma
elástica, mas “a importação dos dois maiores consumidores, os Estados Unidos e
Inglaterra, seria em conjunto de mais 12.000 toneladas em 1870; em 1880, de quase
17.00; em 1890, de cerca de 29.000; em 1895, de 36.000 aproximadamente” (quadros
10 e 11).

Quadro 11 – CONSUMO DE BORRACHA PELOS ESTADOS UNIDOS E


INGLATERRA: 1870 - 1895
Ano Toneladas Variações
1870 12.000 mais de
1880 17.000 Quase
1890 29.000 cerca
1895 36.000 Aproximadamente
Fonte: Cássio Fonseca, 1950. Apud SANTOS, 1980.

Quadro 12 – CONSUMO MUNDIAL DE BORRACHA, EM NÚMEROS REDONDOS:


1880 - 1910
Ano Toneladas
1880 15.000 a 18.000
1895 36.000
1900 52.000
1906 66.000
1910 76.000
Fonte: Roberto Santos, 1980.

O crescimento da produção continuou ininterrupto durante cerca de vinte anos,


sempre estimulado pelo crescente alargamento mundial e ascensão de preços, e
facilitado pelo fluxo constante de trabalhadores nordestinos impelidos pelas
contingências naturais desfavoráveis de sua região, ou pelas precárias condições de vida
numa terra empobrecida e decadente.
Na primeira década do século, a exportação da borracha se apresentou com uma
média anual de 34.500 toneladas, num valor de mais de 220.000 contos, ou seja
13.4000.000 libras esterlinas-ouro, o que veio representar 28% da exportação total do
Brasil.

Os Números da Borracha

Conforme Barbara Weinstein, as exportações totais de borracha em 1860, ano


especialmente favorável, foram calculadas em não mais de 3.419 contos e
correspondiam apenas a 3,5% do comércio de exportação do Brasil, que contava com
53% proporcionado pelo café. A economia da borracha estava ainda engatinhando em
relação a outros enclaves econômicos brasileiros. Seus lucros ainda se dirigiam a um
pequeno grupo de intermediários portugueses e brasileiros, e a um grupelho de
exportadores estrangeiros. Contudo, pelo estado desolador da economia amazônica
como um todo, em meados do século, tudo indicava que a borracha, vendida a preços
cada vez mais altos, poderia facilmente superar todos os outros produtos regionais nas
estatísticas comerciais.
Em fins da década de 1880, o valor anual das exportações de borracha havia subido
800% acima da cifra correspondente de 1860, e a borracha representava
aproximadamente 10% do comércio exterior do Brasil, apesar da acentuada expansão
cafeeira. Na virada do século, a borracha se tornara o segundo produto brasileiro,
constituindo 24% da exportação do país.

Quadro 13 – EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS: 1821 A 1910


Anos Café Borracha Açúcar Cacau Algodão Couros Fumo Mate
e Peles
1821-1830 18,4 0,1 30,1 0,5 20,6 13,6 2,5 –
1831-1841 43,8 0,3 24,0 0,6 10,8 7,9 1,9 0,5
1841-1840 41,4 0,4 26,7 1,0 7,5 8,5 1,8 0,9
1841-1850 48,8 2,3 21,2 1,0 6,2 7,2 2,6 1,6
1851-1860 45,5 3,1 12.3 0,9 18,3 6,0 3,0 1,2
1861-1870 56,6 5,5 11,8 1,2 9,5 5,6 3,4 1,5
1871-1880 61,5 8.0 9,9 1,6 4,2 3,2 2,7 1,2
1881-1890 64,5 15,0 6,0 1,5 2,7 2,3 2,2 1,3
1901-1910 51,3 28,2 1,2 2,8 2,1 4,3 2,4 2,9
Cf. Prado & Capelato, 1977. p. 299.

O historiador norte-americano E. Bradford Burns, utilizando os dados fornecidos


pelo economista Cosme Ferreira Lima, afirmou “que no período de 1905 a 1912, o café
trouxe uns 25 milhões de libras esterlinas, enquanto a borracha trazia perto de 22
milhões. A Associação Comercial relatou que, de 1905 a 1909, a hévea contribuiu com
28,2% de todas as exportações brasileiras. O café representava 51,7%. Em 1910 essa
participação subiu para 39,06%, até constituir, nos últimos anos da primeira década e
nos primeiros anos da segunda, cerca de um terço da exportação do Brasil”.

Quadro 14 – EXPORTAÇÃO DE BORRACHA BRASILEIRA: 1827- 1910


Ano Toneladas Observação
1827 31 (*)
1880 7.000 Cerca de
1887 17.000 Mais de
1901-10 34.500 Média anual
Fonte: Caio Prado Júnior, 1981.
(*) Há menção de que a exportação da safra de 1825-26 foi na ordem
de 93 toneladas. (Cf. Luiz Cordeiro, 1920. Apud SANTOS,1980).

BOOM DA BORRACHA – O termo Boom, deve ser traduzido do inglês como “uma súbita
explosão de prosperidade”. Apesar da sua imprecisão, já se tornou corrente na história
econômica brasileira, levando os economistas a definirem como um “período de rápida e
elevada expansão das atividades econômicas, geralmente acompanhada de grande especulação,
especialmente de ações e títulos. Como o nível geral dos negócios apresenta uma tendência à
flutuação, variando segundo fatores econômicos e também políticos e sociais, os períodos de
prosperidade ou boom são geralmente seguidos de momentos de recessão ou, às vezes, de crise
profunda ou depressão”. O termo boom foi utilizado indiscriminadamente na literatura
econômica da borracha amazônica: para uns, o período do boom da borracha se estendeu por
cerca de três décadas; para outros, foi apenas o primeiro semestre de 1910. Há ainda aqueles que
utilizam o termo Boom como sinônimo de “ciclo da borracha”. Barbara Weinstein considera os
últimos anos da década de 1870 como os que assinalam o início da expansão da borracha (Cf.
WEINSTEIN, 1993, p. 89 e 323; Cf. SANDRONI, 1989, p. 28).

Declínio da Economia do Látex


São cinco as famílias vegetais que produzem a borracha: a Euforbiáceas; a
Moráceas; a Apocináceas; a Sapotáceas; e a Compostas. Delas derivam-se uma grande
quantidade de gêneros de látices. Por exemplo: a Hevea brasiliensis, que é a seringueira
nativa da Amazônia, pertence à família das Euforbiáceas. Uma boa parte das espécies
dessas famílias já eram conhecidas em meados do século XIX, como objeto de cultivo
experimental. Essas experiências começaram em Java, em 1860, com o plantio da
espécie assam (Ficus elastica – família das Moráceas). Mas a história do cultivo,
propriamente dito, se deu com o plantio da Hevea brasiliensis.

“A Era da Borracha Silvestre Chegava ao Fim”

Na década de 1870, a India Office, o Jardim Botânico de Kew, na Inglaterra, e os


Royal Botanic Gardens, na Índia, coordenaram um bem articulado empreendimento de
coleta de sementes de seringa, de plantação experimental e de envio de mudas para a
Europa. Até 1876 chegaram em solo europeu mais de 1.000 mudas de diversas espécies
da árvore da borracha. No entanto, “era preciso, no entanto, uma coleta mais numerosa e
seletiva”. Essa missão foi confiada a Henry Wickham, um homem, segundo Roberto
Santos, dedicado às aventuras, mas parecia convicto das possibilidades de uma
heveicultura.
Wickham se embrenhou numa região situada entre os rios Tapajós e Madeira,
dentro da densa floresta nas proximidades de Monte Alto, escolheu dentre espécimes de
Hevea brasiliensis os mais desenvolvidos, e ali procedeu à coleta de 70.000 sementes.
Tais sementes foram remetidas ao Jardim Botânico de Kew, em Londres. Dessas, mais
de 7.000 brotaram nos viveiros e, poucas semanas depois as mudas foram transportadas
cuidadosamente para o Ceilão.

Imagem 72.

Henry Wickham. Reproduzido de Berta G. Ribeiro. Amazônia Urgente. 2.a edição. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1992, p. 166.

Essa é a versão do próprio Wickham. Por conta disso, popularizou-se a idéia


ingênua de que a crise de pré-guerra se devia a “traição” dos ingleses – acusados de
fraude ou contrabando ao se apropriarem das valiosas sementes e transportá-las sem o
consentimento do governo brasileiro. Sobre esse caso, Roberto Santos afirma que o
colapso se explica com uma constelação inteira de fatores, pois entre a remessa de
Wickham, em 1876, e a plena atividade dos seringais asiáticos, transcorreram-se mais
de um quartel de século. Nesse meio tempo, as autoridades brasileiras poderiam, por
exemplo, ter realizado experiências próprias com o plantio da seringueira, preparando o
país para o futuro.
Depois de várias experiências, por volta de 1895, a Hevea brasiliensis demonstrou
ser a espécie mais adaptável e rentável no regime de cultura. Pouco depois, começou a
produção comercial de borracha obtida de seringueiras plantadas. Em 1901 formaram-se
em Londres as primeiras empresas destinadas à plantação, ao mesmo tempo em que nas
Índias Orientais Holandesas empreendiam-se a agricultura do produto.
A heveicultura já se constituía numa realidade nos países asiáticos; os alemães
iniciavam o plantio experimental na África; no Vietnã e em outros pontos da Indochina,
os franceses se aplicavam ao plantio. Enquanto que, no Brasil, alguns ensaios de plantio
foram realizados na Amazônia e na Bahia. Depois de 1900, as áreas de cultivo de
seringueiras se expandiram na Malásia, Ceilão, Índia, Birmânia, Bornéo Britânico
Índias Orientais Holandesa e no Sião.
Por volta de 1915, as informações comparativas entre a borracha silvestre da
Amazônia e a cultivada do Oriente poderiam ser assim resumidas (Ver quadro 14):

Quadro 15 – DADOS COMPARATIVOS DA PRODUÇÃO DE BORRACHA, POR


VOLTA DE 1915: AMAZÔNIA E ÁSIA
Área, Custo de Produção e outros Amazônia Ásia
Área explorada ou cultivada (1.000 ha) 12.405 1.017
Densidade (pés / ha) 1,5 200
N.º de árvores em exploração ou plantadas (1.000) 18.608 203.400
Borracha exportada (t) 29.772 107.867
Rendimento por árvore adulta, em borracha seca (kg) 1a2 2,5
Rendimento por homem, em borracha seca (kg) 230 700 a 2.000
Custo de produção (franco por kg) 7,50 3,48
Preço de mercado (franco por Kg.) 6,60 6,38
Cf. Roberto Santos, 1980, p.235.

O economista Roberto Santos, a partir desse quadro faz as seguintes indagações:


“Poderia a Amazônia competir? Restava-lhe alguma vantagem comparativa no setor”. E
as responde desolado: “Para os ignorantes e ufanistas, sim. Para um observador isento,
evidentemente a era da borracha silvestre chegava ao fim”.

Ocaso da Civilização da Borracha

O capital estrangeiro ligado à comercialização e distribuição da borracha no


exterior abandonou a Amazônia, em busca dos lucros mais seguros nas plantações do
Oriente.
As historiadoras Maria Lígia Coelho Prado e Maria Helena Rolim Capelato
analisaram a agonia da economia da borracha da Amazônia nos seguintes termos: as
colônias inglesas e holandesas, com suas vastas plantações de seringueiras, dispondo de
mão-de-obra abundante e barata, fretes reduzidos e transportes fáceis, desarticularam a
frágil estrutura de produção da borracha no vale amazônico. O custo da produção na
Ásia era inferior ao da Amazônia, onde as técnicas de extração do látex, de coagulação
e de preparação da borracha eram primitivas e imutáveis, onde o transporte era oneroso
e o rendimento do trabalho solitário do seringueiro em busca das árvores dispersas em
longas distâncias, de difícil acesso e controle, era muito pequeno. Enquanto um
trabalhador da Malásia podia recolher num só dia três quilos de borracha, um
seringueiro da Amazônia recolhia um quilo, de oito a quinze dias.

Projetos Tardios para a “Valorização” da Borracha

A produção da borracha da Amazônia caía vertiginosamente em relação à


produção asiática, sem que ninguém tomasse medidas eficazes para evitar a derrocada
dessa atividade econômica. Entretanto, quando tudo já estava se consumando, os
produtores, através da Associação Comercial do Amazonas organizaram, em 1910, em
Manaus, o “Congresso comercial, industrial e agrícola”, onde proprietários de seringais,
técnicos e economistas concluíram que a solução fundamental para o problema da
borracha seria investimentos na heveicultura. Os resultados práticos, no entanto, foram
nulos.
Em janeiro de 1911, foi criado um sindicato de “valorização” do produto pelos
membros da Liga dos Aviadores, com o apoio do Banco do Brasil, à semelhança do que
havia sido feito com o café anos antes, que redundou no famoso Convênio de Taubaté,
em 1906. Mais uma vez os resultados obtidos foram nulos e a iniciativa se constituiu
num fracasso absoluto. Outros projetos foram elaborados pelos governos federal e
estadual, na expectativa de que o problema pudesse ser superado. Tudo em vão.
Em 1912, por sugestão dos governos do Pará e do Amazonas o governo federal
encampou um programa que chamou Plano de Defesa da Borracha. Compunha-se de
um extenso programa de estímulo à produção e industrialização da borracha, à
imigração, à saúde, ao setor de transportes, à produção agrícola alimentar e à pesca. O
plano destinava-se não somente à área da Amazônia, mas também aos Estados onde a
produção de goma elástica não era importante, como Minas Gerais, Bahia e Paraná.
Segundo Adélia Engrácia de Oliveira, a falta de gente e de capital, somada a metas
muito ambiciosas desse plano, fizeram com que ele, após um ano de funcionamento,
fosse abandonado. Das sete estações experimentais de seringueiras projetadas, a última
que sobrevivia na circunvizinhança de Manaus, foi definitivamente cancelada em 1916.

Quadro 16 – PRODUÇÃO, CONSUMO E PREÇOS MUNDIAIS DA BORRACHA:


1900-1919
Produção (t) Preço1
África e
Anos Brasil América Ásia Total Consumo Londres N. York
Central (t) £ US$
1900 26.750 27.180 3 53.933 51.581 275,5 1.276,9
1901 30.290 24.549 4 54.843 52.543 248,0 1.124,4
1902 28.700 23.640 7 52.347 50.298 248,0 1.090,6
1903 31.095 24.830 19 55.944 54.330 275,5 1.390,2
1904 30.650 32.080 41 62.771 59.199 303,1 1.559,8
1905 35.000 27.000 171 62.171 65.856 330,7 1.667,4
1906 36.000 29.700 615 66.315 71.671 647,6 1.733,3
1907 38.000 30.170 1.323 69.493 68.769 509,8 1.599,7
1908 38.000 24.600 2.014 65.474 68.028 484,6 1.291,7
1909 42.000 24.000 3.685 69.685 70.075 780,8 1.858,9
1910 40.800 21.900 8.753 74.453 76.020 964,5 2.267,2
1911 37.730 23.000 15.800 76.530 88.000 601,7 1.868,7
1912 43.370 28.000 28.194 99.564 103.740 523,6 1.771,9
1913 39.560 21.450 47.618 108.628 112.120 333,0 1.441,4
1914 36.700 12.000 71.380 120.080 120.380 252,6 1.080,9
1915 37.220 13.635 107.867 158.722 156.000 275,6 1.095,0
1916 37.000 12.450 152.650 202.100 189.762 314,6 1.297,4
1917 39.370 13.258 204.251 252.879 285.867 310,6 1.260,6
1918 30.700 9.929 200.950 241.579 239.904 245,2 988,6
1919 34.285 7.350 381.860 423.495 381.497 227,4 885,6

“Fonte: Superintendência da Borracha (SUDHEVEA), Anuário Estatístico – Mercado


Estrangeiro, Ano 4. n.o 8, 1970. Para as produções regionais, usaram-se os dados de Le
Cointe. L’Amazonie Brésilienne, 1.o Vol., recalculando o total” Apud SANTOS, 1980, p 236.
1. Preços médios de importação nos E.U.A. para toda a série, idem no Reino Unido até 1906.

Vão-se os Ricos e Ficam os Pobres

Finalmente, segundo o historiador Caio Prado Júnior, o colapso da produção da


borracha brasileira viria como um cataclismo arrasador. A grande riqueza veiculada pela
exportação da borracha nos seus tempos áureos transformara completamente a
Amazônia. Sua população subiu de 337.000 habitantes em 1872, para 476.000 em 1890,
e 1.100.000 em 1906.
Manaus, capital do Estado do Amazonas, no momento da crise contava com 70.000
habitantes. Belém, capital do Estado do Pará e porto internacional de exportação da
borracha atingiu então 170.000 habitantes. E o longínquo território do Acre, deserto até
os primeiros anos do século XX, reuniu em menos de dez anos para mais de 50.000
habitantes.
A riqueza canalizada pela borracha não serviu para nada ponderável. O símbolo
máximo que ficou dessa fortuna fácil e ainda mais facilmente dissipada foi o Teatro
Amazonas, em Manaus, onde os mais famosos artistas da Europa, embora
incompreendidos neste meio arrivista, atestavam a riqueza de um mundo perdido no
âmago da selva tropical americana.
O referido autor diz ainda que, desfeito o castelo de cartas em que se fundava a
prosperidade fictícia e superficial, nada sobrou, a riqueza amazônica se desfez em
fumaça. Foram-se os aventureiros e abusadores de fortunas fáceis procurar novas
oportunidades em qualquer outro lugar. Ficou a população miserável de trabalhadores
que aí se reuniu para servi-los, e que trazia estampado no físico o sofrimento de algumas
gerações aniquiladas pela agrura do meio natural; mais ainda, pelo desconforto da
civilização de fachada que roçou apenas de leve as mais altas camadas de uma
sociedade de aventureiros...
O drama da borracha brasileira é mais assunto de novela romanesca que de história
econômica, completa Caio Prado Júnior.
Leitura Complementar N.o 13
O LADO POSITIVO DA ERA DA BORRACHA

“Nem só fatos negativos podem ser assinalados, entretanto, encarando com realismo o ciclo da
borracha, que é uma era em agonia. Há outros, de grande significação, que não podem ser
esquecidos:
1). No plano internacional, a borracha amazônica abriu uma grande frente industrial no mundo
de que o automóvel e os artefatos de cirurgia (luvas, sondas, etc.) são testemunho.
2). No plano nacional, contribuiu efetivamente para aumento da receita nacional (só a borracha
acreana pagava 23% ad valorem para os cofres federais), aumento que deve ter concorrido, no
período da República, para consolidação das finanças públicas (governo Campos Sales, tendo
como Ministro da Fazenda Joaquim Murtinho), e logo depois para o programa de obras que
imortalizou o governo Rodrigues Alves.
3). Também no plano nacional, resultou do ciclo da borracha a incorporação do atual Estado do
Acre, após um período revolucionário sangrento, estimulado pelos governos do Estado do
Amazonas (governadores Ramalho Júnior e Silvério Néri), contrariando a política então adotado
pelo governo central. A incorporação foi promovida, entretanto, fundamentalmente, pelos
próprios povoadores, tendo como líder o gaúcho Plácido de Castro, cujo centenário se
comemorou, com festas merecidas, a 12 de dezembro de 1973. Depois, a diplomacia brasileira,
já sob o comando do Barão do Rio Branco, celebrou o Tratado de Petrópolis, em 17 de
novembro de 1903, de que resultou a indenização de 2 milhões de libras esterlinas à Bolívia,
uma compensação em terras na fronteira de Mato Grosso e a construção da Estrada de Ferro
Madeira-Mamoré, abrindo uma saída da Amazônia Boliviana para o Atlântico. Essa ferrovia foi
construída a duras penas, sendo inaugurada em 1913, tendo sido, infelizmente, um grande
empreendimento que se frustrou em conseqüência da perda do valor econômico da borracha.
Ficaram porém as sementes de duas cidades nas pontas da linha: Porto Velho, que está se
tornando, na verdade, uma capital, e Guajará-Mirim, à margem do rio Guaporé, no limite
ocidental do Brasil.
4). Outro fato de grande significação, que deve ser creditado à borracha, foi o desenvolvimento
da cidade de Manaus, que possuía, em 1889, quando da proclamação da República, apenas
15.000 habitantes, e de que o governador Eduardo Ribeiro podia se orgulhar de dizer, no fim do
século, que tinha encontrado uma aldeia, deixando uma cidade (...). O presidente Afonso Pena
tinha razão, mesmo, ao dizer que Manaus era uma revelação /./ Em realidade, Belém se
beneficiou muito com a era da borracha, mas já tinha, então, condições de metrópole, que
assumira desde o tempo da colônia, consolidando-se enquanto Antônio Lemos foi intendente
(hoje prefeito), de 1900 a 1912, em pleno fastígio da goma. A posição primacial de Belém ainda
hoje se conserva, figurando entre as nove mais importantes capitais brasileiras.
5). Do ponto de vista pan-amazônico, ainda devemos assinalar o crescimento da cidade peruana
de Iquitos (...) até onde chegam os navios de longo curso, oriundos da Europa e da América do
Norte. Nas Amazônias extra-brasileiras, foi Iquitos que ficou, em última análise, do rush da
borracha: lá se encontra um prédio com estrutura de aço, mandado construir por um cauchero,
pelo mesmo engenheiro que fez a Torre Eiffel, de Paris, prédio que contemplei em 1951,
enfrentando o tempo e simbolizando uma época. Naquele tempo, entre as capitais amazônicas,
Iquitos me pareceu que estava na mesma proporção decrescente entre Manaus e Belém: cada
cidade representava metade da outra. Olhando as três, em conjunto, poderíamos pensar ter
havido, à época, uma cadeia civilizatória decorrente da borracha.
6). Houve atração para Belém e Manaus, de uma elite de intelectuais, artistas, profissionais
liberais e homens de negócio, que em parte se radicou na região, estimulando a vida artística, as
atividades intelectuais, a medicina, a advocacia, a engenharia civil, as demarcações de terras,
incorporando-se à magistratura ou entrando para o comando da economia da região /./ A essa
elite se deve a fundação da Faculdade de Direito, de Belém, no ano de 1902. Em Belém,
aconteceram coisas importantes: Carlos Gomes, doente e já condenado, foi convidado por Lauro
Sodré para dirigir o Conservatório de Música, onde a morte o encontrou; e Antônio Lemos, na
antiga “Província do Pará”, conseguiu formar um corpo redatorial de primeira categoria,
constituído de moços de várias procedências, que se tornaram afirmações nacionais (Humberto
de Campos, Eliseu César, Carlos Dias Fernandes, Romeu Mariz e outros), fazendo parelha com
os redatores da “Folha do Norte”, então baluarte das lutas cívicas e políticas do Estado /./ Em
1909, surgiu a Escola Universitária Livre de Manaus , mais tarde Universidade de Manaus, que
foi a primeira no Brasil, tendo à sua frente o engenheiro militar Joaquim Eulálio Gomes da Silva
Chaves e de que foi diretor geral (reitor) o médico Astrolábio Passos. Chegaram a funcionar os
cursos de direito, medicina, engenharia, agronomia, agrimensura, ciências e letras. Quando a
Universidade se dissolveu, por questões financeiras ligadas ao colapso da mesma borracha,
sobreviveram, isoladas, as Faculdades de Direito, Agronomia e Farmácia-Odontologia, sendo as
duas últimas fechadas na década de 40. Restou a Escola de Direito, que já tinha sido
incorporada pelo Estado, desde 1936, sendo federalizada em 1949.
7). O Brasil, com o produto da borracha, viu também surgirem cérebros privilegiados, nascidos
na Amazônia ou a ela ligados, que enriqueceram o patrimônio nacional, aparecendo como
ministros dos altos Tribunais, representantes no Parlamento ou titulares de altos postos da
administração pública, além de professores nas universidades ou figuras de destaque nas
ciências, nas artes e principalmente nas letras.
8). Acima de tudo, deve-se ao ciclo da borracha, a presença humana efetiva do Brasil na área
amazônica, especialmente na extensa faixa das fronteiras, muitas vezes isolado e sempre
inconsciente de seu papel, um soldado desconhecido porém vigilante da pátria.”

BATISTA, Djalma. O Complexo da Amazônia. Rio de Janeiro, Conquista, 1976, p.141 a 143.

Indicações para Leitura


BATISTA, Djalma (1976). O Complexo da Amazônia (análise dom processo d
desenvolvimento). Rio de Janeiro: Conquista.

PRADO, Maria Lígia C. & CAPELATO, Maria Helena Rolim (1977) “A borracha na
economia brasileira da Primeira República”. In: FAUSTO, Boris (direção). História
Geral da Civilização Brasileira, III – o Brasil Republicano (1889-1930). 2.ª edição. São
Paulo: Difel.
PRADO JÚNIOR, Caio (1981). História Economia do Brasil. 26.ª edição. São Paulo:
Brasiliense.

SANTOS, Roberto (1980). História Econômica da Amazônia:1800-1920. São Paulo: T.


A. Queiroz.

TOCANTINS, Leandro (1982). 2.ª edição. Amazônia – natureza, homem e tempo: uma
planificação ecológica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira / Biblioteca do Exército.

WEINSTEIN, Bárbara (1993). A Borracha na Amazônia: Expansão e Decadência


(1850-1920). São Paulo: HUCITEC / Edusp.

UNIDADE IV

AMAZÔNIA, “A CIVILIZAÇÃO DA BORRACHA”

Capítulo 14

A Belle Époque AMAZONENSE


Capítulo 14

A BELLE ÉPOQUE AMAZONENSE

Convencionou-se chamar de Belle Époque o período compreendido entre as


últimas décadas do século XIX e a década inicial do século XX. De acordo com a
geógrafa Ana Maria Daou, foi o período que coroou os ideais de liberalismo que
marcou todo o século XIX. Tais idéias eram baseadas na crença na prosperidade, no
progresso material e na possibilidade de que todos os “males sociais” pudessem ser
equacionados tecnicamente.

“Este período foi marcado por uma efervescência intelectual e cultural e uma
busca acelerada da chamada modernidade, refletindo-se em todos os setores da
atividade humana. Tal movimento irradia-se a partir da França, refletindo-se em quase
todos os países do Ocidente. A obsessão pelo novo, pelo moderno, pelo belo é a marca
predominante desta época. Muitos inventos que marcam a vida do homem surgiram
neste período: o cinema, o rádio, o avião, o automóvel, a luz elétrica, o telefone são
exemplos” (DIAS, 2002. In: SANTOS e SAMPAIO, p. 33).

Daí a Belle Époque, ser a expressão de euforia e triunfo da sociedade burguesa:


na medida em que, se notabilizavam as conquistas materiais e tecnológicas; que se
ampliavam as redes de comercialização; e que era incorporada à dinâmica da economia
internacional vasta áreas do globo antes isoladas.
Na Amazônia, a Belle Époque coincidiu com o chamado “ciclo da borracha”, o
qual proporcionou as elites paraenses e amazonenses à aproximação e o contato
sistemático com o fluxo da economia internacional, desse modo puderam ter acesso,
como consumidores, ao conforto material e aos aspectos culturais, característicos dos
grandes centros, como Paris, Londres e Lisboa.
ELITES AMAZÔNICAS – “No Pará, a elite tradicional era composta por proprietários de
terras, os pecuaristas, e por grande comerciantes, sobretudo de origem portuguesa, de quem
também descendiam muitos dos funcionários públicos e cuja permanência no Grão-Pará
remontava ao século XVIII. No Amazonas, inexistiam famílias tradicionais ligadas a terra, pois
se tratava de uma elite de formação recente, predominando os segmentos urbanos, de
comerciantes e profissionais liberais” (DAOU, 2000, p. 9).

Manaus, a Capital da Borracha


“Manaus havia mudado completamente. Um morador da cidade do ano
de 1870 teria dificuldades em reconhecê-la, na primeira década do
século vinte” (E. Bradford Burns, 1966).

A cidade de Manaus nasceu no período colonial ao redor da Fortaleza de São José


da Barra do Rio Negro, localizada acerca de 18 km do “encontro das águas”, subindo o
rio Negro. Quando ainda eram uma simples povoação foi denominada popularmente de
Lugar da Barra, devido ao fato estar situada perto da barra do rio Negro, isto é, perto da
foz desse rio. Foi sede da Capitania do Rio Negro nos períodos de 1791 a 1798, e de
1808 a 1823.
No período Imperial, o Lugar da Barra continuou como sede da Comarca do Rio
Negro (antiga Capitania do Rio Negro). Por força do Código do Processo Criminal, de
1832, no ano seguinte foi elevada à categoria de Vila com a denominação de Manaus,
sede da Comarca do Alto Amazonas (antiga Comarca do Rio Negro).
Em 1848, a Assembléia Provincial Paraense, através da lei N.o 145 de 24 de
outubro desse ano, elevou Manaus à categoria de Cidade com a denominação de Nossa
Senhora da Conceição da Barra do Rio Negro.
Com a elevação do Alto Amazonas à categoria de Província, a Barra do Rio Negro
(Manaus, a partir de 1856) tornou-se definitivamente capital da mais nova unidade
política e administrativa do Brasil. Com o advento da República, capital do Estado do
Amazonas.

De “Tapera de Manaus” a “Paris dos Trópicos”

Por volta de meados do século XIX, Manaus (na época Barra do Rio Negro), foi
considerado pelo naturalista inglês, Alfred Russel Wallace, com sendo a “comunidade
civilizada que tem os costumes mais decadentes possíveis”. Os mais civilizados
moradores dedicavam-se ao comércio, e como diversão, ainda que de forma moderada,
a bebedeira e ao jogo. “A maior parte deles jamais abriu um livro e desconhece todo e
qualquer tipo de ocupação intelectual”.
Em 1847, Paul Marcoy observou Manaus assim: situa-se a Leste da Fortaleza, “ela
esta construída numa superfície tão irregular que chega a ter morrinhos mais altos que
os telhados das casas, o que seria pitoresco se não fosse absurdo”.

Imagem 73.

Ruínas da Fortaleza da Barra do rio Negro. Reproduzida de Paul Marcoy, Viagem pelo rio
Amazonas, Manaus: Edua, 2001, 161.
Outro estrangeiro, de passagem por Manaus, em fins década de 1860, a descreveu
como uma insignificante vila com poucos habitantes. Ruas sem pavimentação,
pessimamente alinhadas, casas baixas, cabanas da mais primitiva construção, sem
qualquer noção arquitetônica, e numerosas vendas portuguesas. Não dando a menor
impressão de conjunto.
Em pouco tempo, porém, de acordo com E. Bradford Burns. a febre da economia
da borracha a transformou em uma cidade populosa, moderna e cosmopolita. Vejamos,
por exemplo, alguns registros da historiografia regional acerca dessas transformações de
natureza material e cultural:

“O arruador, precursor dos urbanistas, encarregado de marcar os limites dos bairros e


alinhamento das casas, passa a desempenhar um papel ainda que tímido neste período,
conforme mostra com muita propriedade Mário Ypiranga /./ Algumas ruas novas e um
pouco mais compridas começaram a surgir em direção ao norte e, apesar da ausência de
luz pública, a iluminação particular à base de manteiga de tartaruga se faz presente em
algumas residências. As peneiras das janelas começam lentamente a ser substituídas por
grades. Mas, até quase o final do século, a cidade continua com o título de “Tapera de
Manaus”, que só mudaria para “Paris dos Trópicos” com o governador Eduardo Ribeiro
que a partir de 1892, tem um papel importante na transformação da cidade, elaborando
um plano para coordenar o seu crescimento e iniciando a sua execução” (FREIRE, In:
Amazônia em Cadernos. N.os 2/3, 1993-4, p.172).

Segundo Barbara Weisntein, em fins da década de 1890, Manaus possuía um dos


primeiros sistemas de bondes movidos à eletricidade da América Latina. Tinha gás e
água encanados, iluminação pública elétrica, e um excelente porto artificial. Manaus
tinha também seu famoso Teatro Amazonas, de dois milhões de dólares, construído
quase que exclusivamente com materiais importados.
Situada numa área em que, conforme Weisntein, a maioria dos europeus e muitos
brasileiros consideravam imprópria para a vida humana, Manaus tinha de tornar-se um
centro urbano “civilizado”, que oferecesse todas as comodidades da vida moderna aos
seus habitantes de classe média e alta, ou continuar para sempre numa posição
secundária em relação à capital paraense. Esse processo remonta os fins da década de
1870, quando “a elite amazonense iniciou sua luta para tirar Manaus da sombra de
Belém”.
Imagem 74.

Bonde Elétrico. Reproduzido de Mário Ypiranga Monteiro, Negritude & Modernidade: a


trajetória de Eduardo Gonçalves Ribeiro. Manaus: Governo do Estado do Amazonas, 1990, p.
111.

A cidade de Manaus, segundo a historiadora Edinea Mascarenhas Dias, sofreu a


partir de 1890 seu primeiro grande surto de urbanização, isso graças aos investimentos
propiciados pela acumulação de capital, via economia agrária extrativista-exportadora,
especialmente a economia da borracha.
Os aumentos sucessivos das exportações e os elevados preço dos produtos
exportados, principalmente a goma elástica, propiciaram ao Estado uma grande receita,
contribuindo com isso para uma grande euforia por parte dos administradores estaduais,
que consideraram as condições financeiras do Estado como as mais promissoras.
Essa promissão ditou a ordem do dia aos governantes amazonenses: viver a
modernidade. Modernizar, embelezar e adaptar Manaus às exigências econômicas e
sociais da época da borracha, passou a ser o objetivo maior dos administradores locais.
Era necessário que a cidade se apresentasse moderna, limpa e atraente, para aqueles que
a visitavam a negócios ou que pretendessem estabelecer-se definitivamente.
Para a historiadora Francisca Deusa Sena da Costa, durante esse processo de
transformação da cidade, suas pontes de madeira transformaram-se em aterros, e outras
foram sendo construídas em ferro e alvenaria; o calçamento das ruas centrais com
paralelepípedos de granito, pedra tosca e madeira; a iluminação pública mudou de
querosene ou óleo de tartaruga para gás ou energia elétrica; prédios públicos foram
construídos em estilo europeu; o abastecimento de água passou a ser encanado no
centro, e em bicas, na periferia; o transporte urbano era feito em modernos bondes
elétricos – também pelas carroças, caminhões e carros de aluguel movimentados por
tração animal – e, ainda, cento e trinta linhas telefônicas foram instaladas. Além dessas
melhorias de infra-estrutura básica na área centro da cidade, contava-se também com
um incipiente parque industrial, dedicado à produção de instrumentos de trabalho
utilizados nos seringais e de bens e consumo imediato, tais como: porongas, lamparinas,
baldes e tigelas para a coleta do leite da seringueira; malas, vassouras de piaçaba,
cigarros, confecções de roupas, sabão, vela, água mineral, cerveja e gelo.

Imagem 75.

Ponte Benjamim Constant ( “Ponte de Ferro”). Inaugurada em 1895. Reproduzida do


Cartão postal de A Favorita.

O professor José Ribamar Bessa Freire, atesta que durante esse processo de
metamorfose, uma verdadeira febre de construção tomou conta da cidade, varrendo tudo
aquilo que poderia evocar os povos indígenas. Ergueram-se prédios públicos
monumentais, como o Teatro Amazonas e o Palácio da Justiça – hoje marcos de
referência da cidade – a Biblioteca Pública, a Alfândega, a Penitenciária do Estado, e as
instalações do porto flutuante. Surgiram estabelecimentos bancários e lojas com os
nomes “exóticos” de Louvre, Au bon marché, A la ville de Paris, além de algumas
residências majestosas, vilas, palacetes, bares, restaurantes, hotéis e cabarés, contendo
em seu interior móveis e tapetes europeus, pianos alemães, jarras de Sèvre e louças de
Limoge. Tudo para que a cidade servisse com eficiência aos seus novos donos, que se
encarregaram diretamente de promover essas transformações de acordo com seus
interesses, que nem sempre coincidiam com os interesses do conjunto da população.

Imagem 76.

Anúncio da casa de modas e confecções Au Bon Marche, em Manaus. Reproduzida de


Edinea Mascarenhas Dias, A Ilusão do Fausto – Manaus (1890-1920), Manaus: Valer, 1999,
p.112.

Por outro lado, a historiadora Maria Luiza Ugarte Pinheiro nos informa que na
Manaus do início do século XX, praticamente todos os serviços urbanos estavam, por
concessão, nas mãos de firmas inglesas, que passaram a agenciar melhoramentos ou
mesmo criar serviços até então inexistentes na cidade. Empresas como a Manáos
Markets, Manáos Tramways and Light, Manáos Improvements, Amazon Engineering,
Amazon Telegrafh, Booth Line e Amazon River começaram a fazer parte do cotidiano da
população manauara.
O artista plástico Otoni Moreira de Mesquita, elaborou um interessante quadro para
a cidade nesse período. Para ele a nova Manaus pode ser interpretada como uma
imagem de vitrine instalada, resultado de uma série de transformações, as quais podem
ser simbolicamente compreendidas como um “rito de passagem” do processo de
branqueamento através do qual a cultura local despia-se das tradições de origem
indígenas e vestia-se com características ocidentais.

Manaus, em 1910: “Uma Caboca Metida a Gringa”

Uma boa descrição da cidade de Manaus, de 1910, foi feita pelo historiador norte-
americano E. Bradford Burns, a qual esquematizei aqui para o meu propósito, e
evidentemente, somado com as interpretações e dados de outros autores.

“Em 1910, Manaus reinava como a capital mundial da borracha. Mais de vinte anos de
produção crescente, exportação contínua e de preços em elevação, haviam criado a
prosperidade, da qual a cidade era a evidência mais ampla. Nesse ano, Manaus
progredia, com os preços atingindo novas alturas e toda a atmosfera da cidade altamente
próspera. (...) Manaus alardeava com orgulho todas as civilidades de qualquer cidade
européia de seu tamanho ou mesmo maior. Um excelente sistema portuário, um serviço
de coleta e disposição de lixo eficiente, eletricidade, serviços telefônicos, belos edifícios
públicos, residências confortáveis atestavam o estado de modernização da cidade”
(BURNS, 1966).

O Estado do Amazonas contava em 1910, com uma população de 378.476


habitantes, em sua maioria índios ou mamelucos, enquanto que Manaus somavam cerca
de 50.000 habitantes. Diferente do restante do Estado, Manaus possuía uma composição
étnica bastante cosmopolita, pois a colônia estrangeira era bastante numerosa e
diversificada, formada por ingleses, franceses, alemães, e portugueses que estavam
envolvidos com a direção dos negócios da borracha; e os espanhóis, italianos, sírios e
libaneses que se dedicavam a outros tipos de atividades na capital. Havia também,
árabes, chineses e russos entre outras nacionalidades.

Quadro 17 – POPULAÇÃO DO AMAZONAS E DE MANAUS: 1872-1920


Ano 1872 1890 1900 1920

Amazonas 57.610 147.915 249.756 363.166

Manaus 17.028 38.720 52.040 75.704

Fonte: Costa, 1997; Pinheiro, 1999.


Obs.: Pinheiro,considera que no ano 1872, Manaus tinha uma população estimada
em 29.334 habitantes.

A cidade vivia sob forte influência estrangeira consumindo numerosos produtos,


tais com: revólveres Smith and Wesson, terçados Collins, gramofones Victor, sapatos
Walk-over, perfume Lubin, relógios Omega, uísque Black and White, gim Booth,
manteiga da Escandinávia, leite condensado Fussel, motores Otto, licores Bardinet,
máquinas de escrever Sun, automóveis Deutz, Máquinas Urderwood, uísque White
Label. Além desses os produtos de primeira necessidade.
Na vida comercial a supremacia dos ingleses era notável. Eles comercializavam
a maior parte da borracha. No entanto foram o gosto e o estilo franceses que muito
fizeram para a formação dos hábitos diários dos barões da borracha, suas esposas,
amantes, e seguidores. “Esse grupo jactava-se que sua cidade possuía o “espírito alegre
da vida parisiense”
A língua francesa era ensinada na Escola Normal; os manauenses abastados liam
o jornal francês Le Matin; e as principais lojas que negociavam com artigos femininos
traziam nomes como: Au Bon Marché, La Ville de Paris, Parc Royal e outros, e
sempre nos seus anúncios comerciais faziam referências aos últimos lançamentos da
moda em Paris. Havia, em Manaus pelo menos, um restaurante francês que atendia às
preferências do paladar de parte da população que preferia o escargot e o paté de foie.

Imagem 77.

Casa importadora A La Ville de Paris, especialista em jóias, pedras preciosas,


relógios de marcas famosas e artigos para viagem, em Manaus. Reproduzida de Edinea
Mascarenhas Dias, obra citada, 1999, p. 122.

Além “espírito alegre da vida parisiense”, Manaus oferecia também grande


variedade de outros divertimentos: cinco “casas de diversão”; projeção de filmes; a
demorada presença do Circo Russo-japonês; vários clubes de futebol que disputavam
entre si o campeonato municipal; as associações de remo e barcos; a natação, que era
muito popular; tênis; luta romana; tiro ao alvo e o ciclismo. E para o prazer das tardes
de domingo, o Derby Club oferecia corridas de cavalos às duas horas da tarde, no
Prado Amazonense.

Teatro Amazonas

Manaus tinha também, o famoso Teatro Amazonas, que foi construído


inteiramente com dinheiro da borracha nos anos de 1891-1896, calcula-se que tenha
custado dois milhões de dólares, essa casa de espetáculo possui as seguintes
características:
“Apresenta um exterior uniforme e sóbrio, dando asas à imaginação barroca, no interior.
Construído de pedra, tem entradas e pilares em acabamento de mármore italiano. O
interior ricamente elaborado, brilha com folheados a ouro e embriaga com o luxuriante
veludo vermelho. Figuras clássicas das mitologias grega e romana rivalizam com
motivo locais e indígenas nas decorações, pinturas e esculturas. Cabeças indígenas
projetam-se da balaustrada das escadas e folhas de palmeiras entrelaçam as frisas.
Murais retratam deuses e deusas européias fazendo travessuras no Amazonas. De
Angelis, artista famoso da época, decorou os tetos. Enormes espelhos dourados refletem
o esplendor dos candelabros. O poço da orquestra comporta, com facilidade, sessenta
músicos, e a platéia em seus dias era considerada imensa” (BURNS, 1966).

Imagem 78.

Teatro Amazonas, em Manaus (Inaugurado em 1996). Reproduzido de Mário Ypiranga


Monteiro, obra citada, 1990, 130.
Conforme Otoni Mesquita a história do Teatro Amazonas se inicia com a
apresentação de um projeto para a construção de um “teatro de alvenaria” a Assembléia
Provincial do Amazonas, em 21 de maio de 1881. Sua pedra fundamental foi lançada
em 1884. Entretanto, devidos os vai-e-vem da política local, a obra só foi retomada em
1893, já no governo de Eduardo Ribeiro. “Apesar de toda a dedicação de Eduardo
Ribeiro, não foi possível concluir a obra durante a sua administração e, inconcluso, foi
inaugurado em 31 de dezembro de 1896, com a apresentação da “Companhia Lyrica
Italiana”, na gestão do seu sucessor, o governador Fileto Pires.

Imagem 79.

Eduardo Gonçalves Ribeiro, governador do Amazonas (1892-1896). Reproduzido de


Mário Ypiranga Monteiro, obra citada, 1990, 17.

O historiador inglês Eric Hobsbawn o caracterizou como sendo “uma catedral


característica da cultura burguesa”. Confirma Barbara Weinstein: “essa primorosa
estrutura de cúpula dourada em breve se tornou o símbolo principal dos tempos de
prosperidade e de extravagância da elite amazonense durante a expansão da borracha”.
Na mesma linha de raciocínio Ana Maria Daou reafirma: “na década de 1900, foi o
centro mundano e político da alta sociedade amazonense. Desempenhou papel
significativo como ‘uma instituição integradora das elites sociais’ (...) promovendo nos
espetáculo líricos e teatrais ou, banquetes e bailes, a interação entre grandes
exportadores, estrangeiros e nacionais, políticos e negociantes”.

* * *

A capital do Pará também teve a sua “catedral de ópera”, o Teatro da Paz, cuja
concepção e funcionamento foram anteriores a dos manauenses.

“Concebido na década de 1860, quando foi lançada a pedra fundamental, o Teatro da


Paz, em Belém, foi inaugurado somente em 1878. Na década seguinte, o edifício foi
reformado e reinaugurado, incorporando nesta ocasião detalhes arquitetônicos que
resgataram a sua monumentalidade, e ainda os trabalhos de pintores italianos na
decoração interna. Em 1881, este teatro iniciou sua primeira temporada lírica” (DAOU,
2000, p. 51).

Imagem 80.

Teatro da Paz, em Belém (Inaugurado em 1878). Reproduzido de Ana Maria Daou, A


Belle Époque Amazônica, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 48-D.

Enclave Cosmopolita

Manaus, possuía uma estrutura educacional, em 1910, de 45 escolas primárias


públicas e diversas particulares; uma única escola secundária e a Escola Normal. Além
dessas, funcionavam na capital algumas escolas especiais: o Instituto Afonso Pena,
escola vocacional para rapazes; o Instituto Benjamin Constant para moças órfãs; a
Escola Municipal de Comércio, havendo, ainda, quatro escolas noturnas espalhadas pela
cidade.
A atmosfera cosmopolita da cidade de Manaus em 1910 pode também ser
mensurada pela existência de duas escolas particulares de língua estrangeiras. “Um
certo casal Mrs. Winston Jones, de nacionalidade desconhecida mas aparentemente das
Ilhas Britânicas, dirigia o Instituto Anglo-Francês de Línguas Vivas. Sua maior
competidora era a Escola Berlitz, que ensinava inglês, francês e alemão”.
Em nível de ensino superior, em 17 de janeiro de 1909, foi criada a Escola
Universitária Livre de Manáos. A nova Universidade, historicamente a primeira do
Brasil, consistia de cinco faculdades e seus respectivos cursos: Ciências e Letras;
Ciências Jurídicas e Sociais; Engenharia Civil (Agrimensura e Agronomia); Medicina
(Medicina, Farmácia, Odontologia e de Parteiras) e Militar das Três Armas. Esses
cursos foram solenemente instalados em 15 de março de 1910. Escola Universitária
Livre de Manáos, a partir de 13 de junho de 1913, passou a denominar-se Universidade
de Manáos.
De acordo com a pedagoga Rosa Mendonça de Brito a Universidade de Manaós
aos poucos foi se desestruturando. Esse processo ganhou celeridade como desligamento
da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, a partir daí as demais faculdades foram
fechando as suas portas, “até extinguir-se em 1926, coincidentemente, no mesmo ano do
falecimento de Astrolábio Passos, seu primeiro e único reitor, ocorrido em 14 de agosto
desse mesmo ano”.
Portanto, em Manaus inaugura-se uma tradição universitária no Brasil. Apesar
da grave crise econômica que abateu a sociedade amazonense o espírito do ensino
superior permaneceu materializado no curso de Ciências Jurídicas (Curso de Direito,
federalizado em 1949), o qual dentro de uma conjuntura política e econômica mais
favorável, foi incorporada pela Universidade do Amazonas, criada pela Lei Federal n. o
4.069, de 12 de junho de 1962, durante o governo do presidente João Goulart.

EDUCAÇÃO NA ORDEM DO DIA – “Manaus, para o seu tamanho, possuía uma audiência
literária fora do comum. A cidade mantinha dois bons jornais diários, o Jornal do Comércio e o
Diário do Amazonas, bem como pelo menos mais uma dúzia de periódicos diferentes. As duas
maiores livrarias ofereciam as últimas publicações brasileiras e jornais, revistas e livros
estrangeiros. (...) O grande interesse por jornais e livros tanto estrangeiros como nacionais, pode
ser explicado parcialmente pela elevada percentagem de empresários estrangeiros na
comunidade, mas a melhor explicação reside no fato de que Manaus possuía um sistema
educacional excepcionalmente bem desenvolvido. Realmente, a maior soma sob uma única
rubrica do orçamento estadual de 1910 destinava-se à educação. E a maior parte dessa verba
permanecia em Manaus” (BURNS, 1966).

* * *

Talvez por esse modo cosmopolita de ser e preocupado com as fortes influências
inglesas e francesas, o Governo Federal brasileiro tratou de estreitar os contatos entre
o Rio de Janeiro e Manaus, através de comunicações telegráficas ligando as duas
capitais. Havia uma linha de vapores para passageiros e carga, com a freqüência de
cinco partidas mensais. O Rio de Janeiro acompanhava essa situação de perto, para
evitar o enfraquecimento dos laços políticos que o ligavam ao Norte. Entretanto, não
havia dúvidas de que politicamente Manaus estava ligada ao Rio, comercialmente
dependia de Londres, e culturalmente, em parte, de Paris.
Outro Lado da Cidade

A vida noturna de Manaus era animada pelo jogo e pela prostituição que atraíam
a clientela masculina para uma boa quantidade bordéis noturnos. As prostitutas atraídas
pela atmosfera da época afluíam de todas as partes do mundo, destruindo qualquer
monopólio que as beldades locais pudessem ter desejado. O mais famoso desses
lupanares o Hotel Cassina, ficava na Praça Pedro II, quase em frente do Palácio do
Governo Estadual. Não é muito difícil se adivinhar algumas das conseqüências das
visitas amorosas nesses locais, pois os jornais diários estampavam sempre anúncios para
a “cura rápida e definitiva da gonorréia”.

Imagem 81.

Hotel Cassina (c. 1899). Foto de Arturo Luciani. Reproduzido de Coleções de Trilhas
Perdidas, Manaus: Museu Amazônico.

As doenças sociais podem ter sido comuns, mas não constituíam a maior parte
dos males da cidade, pois grande pesadelo era gerado pela malária. Os registros do
Hospital Militar para 1910 acrescentam ainda o beribéri, distúrbios gástricos,
reumatismo articular, bronquite, e a astenia, nessa ordem, como as doenças de maior
incidências nessa área. Não obstante, Manaus era considerada uma cidade saudável.
Em 1910, os preços das mercadorias e dos serviços, no Amazonas, eram quatro
vezes superiores ao de Nova Iorque. Uma libra-peso de café custava o equivalente a
vinte US$ 0,20, o açúcar a US$ 0,15, o arroz e feijão a US$ 0,12. Esses artigos eram a
base da dieta alimentar de um trabalhador comum. A média dos seringueiros daquela
época ganhava aproximadamente US$ 0,97 por dia, três ou quatro vezes mais que o seu
colega asiático, mas ainda não o bastante para tirá-lo da pobreza.
Esses preços elevados dos gêneros alimentícios seria uma das conseqüências de
uma política econômica voltada para a extração da borracha, e negligente com a
atividade agrícola. A população do Amazonas importava quase tudo o que consumia.
Além do custo do transporte dos gêneros alimentícios para Manaus, o Governo Federal
impôs pesadas tarifas nas importações estrangeiras, e grande parte dela era de gêneros
de primeira necessidade. Essas despesas de importação, naturalmente, eram transferidas
para o consumidor.
Esses preços astronômicos pouco incomodavam os barões da borracha. Eles
continuavam indiferentemente a construir uma cidade agradável para si mesmo. É
verdade que a prosperidade era obscurecida pelo afloramento de cortiços na orla da
cidade. É verdade que a pobreza se espalhava pelos caminhos. É verdade que a
subnutrição campeava entre as classes mais pobres. Nisso Manaus diferia pouco das
outras cidades. Mas a evidência mostra que a capital do Amazonas, proporcionalmente,
possuía menos pobres e tinha mais belas casas que outras cidades.

Embelezamento e Exclusão

Conforme Edinea Mascarenhas Dias, “no processo de composição das cidades


modernas na representação do ideal burguês, a presença da pobreza é vista como
perturbadora da ordem, da beleza e da harmonia”. Desse modo, tornando-se imperativo
a sua exclusão; no caso da Manaus da Belle Époque não poderia ser diferente.
No entanto, de acordo com Francisca Deusa Costa, o processo de exclusão do
trabalhador e do pobre urbano do centro da cidade não foi linear e direto, pois, mesmo
não fazendo parte do “pacote de reformas”, passaram a conviver na cidade como mão-
de-obra voltada aos serviços de infra-estrutura da comercialização da borracha e dos
serviços urbanos (luz, água, esgoto, transportes etc.), suportes necessários para uma
cidade em expansão.
Uma parte dessa população morava em casebres; outra ocupava moradias
visualmente disfarçadas por belas fachadas aparentemente saudável, tais como, as vilas,
os cortiços de alvenarias, as hospedarias e os porões, isto é, “Manaus ideal e a Manaus
real existiram concomitantemente”, conforme a paráfrase de Deusa Costa.
A cidade se expandia formidavelmente neste sentido. Em 1903 havia nos
perímetros urbano e suburbano 5.500 casas, relacionadas pela Intendência Municipal
para pagar o imposto predial. Além dessas havia inúmeras barracas cobertas com
palhas e cercadas com tábuas de caixas de querosene, de batatas, ou folhas de latas
cortadas, habitadas por numerosa família pobres, que não foram relacionadas.
Entretanto, os problemas de moradia dos trabalhadores e pobres urbanos vão se
agravando na medida em que os projeto de reforma da cidade vão sendo executados, e o
poder público municipal através de legislação própria passou controlar e disciplinar o
espaço urbano, por exemplo, em 1906 proibiu a construção de barracas cobertas de
palhas ou zinco nos bairros do Mocó, Tocos e na Vila Municipal, assim como,
estabeleceu os tipos casas a ser edificada em algumas ruas da cidade.
Assim sendo, gradualmente foi ocorrendo a segregação:

“Os moradores que não podiam obedecer aos Códigos de Posturas iam sendo
empurrados para as periferias mais próximas, como o bairro dos Tocos e Cachoeirinha;
e mais tarde para mais distante com Mocó, Girau, estrada do telégrafo, São Raimundo,
Flores, Educandos ou Constantinópolis e Colônia Oliveira Machado” (COSTA, 1997).

* * *

Não só a moradia da população pobre era “perturbadora da ordem da beleza e da


harmonia” da cidade de Manaus, havia também uma massa de “segregados sociais”, tais
como, as prostitutas, os menores abandonados, os mendigos, os bêbados e outros. Para
dar conta desse contingente social, o poder público pensava muitas vezes em corretivos
antes de quaisquer outras providências. Por exemplo: a prostituição era objeto de
rigorosa vigilância por parte da polícia, para que as beldades não ofendessem a moral
pública, com seus escândalos públicos, imagens obscenas etc.; a mendicância era vista
como contravenção passível de punição; e a embriaguez, era olhada com repugnância e
merecedora de repressão e punição de acordo com o Código de Posturas.

Leitura Complementar N.o 14-A


OS ESTIVADORES, A IMPRENSA E A ELITE

Editorial – “Os Estivadores”

“Há doze dias que se acham em “greve” os estivadores aqui domiciliados. Criaturas pacíficas,
bondosas, que suam desde a madrugada até ao triste dilúculo, debaixo de um sol ardentíssimo,
sujeito à canícula e a chuva, e portanto às doença que decorrem desse labutar insano, esses
trabalhadores humildes, mas honrados, apenas pedem que os recompensem devidamente /./
Incansáveis no seu labor, probíssimos na sua conduta, respeitosos para com todos quantos lhes
proporcionam o cotidiano e minguados ganha-pão, os estivadores exigem somente do comércio
que os remunerem na proporção dos seus trabalhos inigualáveis, que grossas quantias
estipendiam, pelos riscos de saúde que se passam, quantos mais uns modestos quinze ou trinta
mil réis. A faina é grande e o salário, com a verba da botica, fica limitadíssima /./ Esses
setecentos obreiros hão-se mantido, apesar da rudeza de duas casa inglesas, que se imaginam
em terra conquistada, na mais perfeita paz, com a mais inteira calma – devido aos ofícios do seu
estudioso advogado, Sr. Dr. Alfredo Ferreira, por um lado, e aos seus sentimentos bons e
ordeiros, por outro. Nada os perturba na consciência do magno direito que lhes assiste, – nem as
perdas registradas, nem os insultos ouvidos /./ Casas tem havido, portuguesas e brasileiras, e
numerosas senão todas, que concordam com a justiça das reclamações e têm estipendiado os
grevistas pelo preço da razoável tabela que convencionaram. Para essas, embora apenas
cumpram o dever de sensatez, enorme é a gratidão dos estivadores, que vêem lesados no seu
físico e nos seus interesses e por isso acham justo levantar-se. A escravatura acabou-se em 13 de
maio de 1888 e nós estamos no ano das graças de 1899 /./ O rancor desses abnegados proletários
contende apenas com os citados estabelecimentos britânicos, que supõem Manaus, uma feitoria
de negros e querem acalcanhar as aspirações naturalíssimas de uma classe merecedora de todas
as atenções e concessões /./ Cremos, no entanto, que a reação dos comerciantes brasileiros e
portugueses surgirá, impondo a esses agiotas do suor alheio a satisfação dos pedidos feitos pela
“greve; que tem sido modelo no gênero /./ Que os ingleses se esbofem, na sua sanha de estolar o
pobre, chamando a polícia imprudentemente, sem razões plausíveis! O ativo chefe de segurança
se presta a executar os caprichos desses carrascos, porque os grevistas não têm alterado a ordem
e vivem no pleníssimo direito de trabalhar pelo preço que lhes convier, visto que os pulsos são
seus, absolutamente, e não das referidas companhias bretãs /./ Insistem, pois, os laboriosos
estivadores no seu protesto manso e altivo, sem desmando de qualquer natureza, repudiando as
provocações, porque têm a apoiá-los o comércio luso-brasileiro e a defendê-las os que ainda não
se deixaram vergar ao peso de um capitalismo ininteligente e malvado!”.

Diário de Notícias. Manaus, 25 de novembro de 1899 (Texto transcrito em 28.06.1989 do


Acervo da Biblioteca Pública do Amazonas). Ortografia atualizada pelo Autor.

Leitura Complementar N.o 14-B

A ELITE, OS ESTIVADORES O PODER PÚBLICO

Oficio da Associação Comercial do Amazonas paro Governador do Amazonas, Cel. José


Cardoso Ramalho Júnior, de 25.11.1899.

“Secretaria da Associação Comercial do Amazonas – Manaus, 25 de novembro de 1899 - n.o 68


– Exmo. Sr. coronel José Cardoso Ramalho Júnior – M.D. Governador de Estado – A
Associação Comercial do Amazonas tem a honra de levar ao conhecimento de V.Exa., fatos
que, a subsistirem, produzirão graves prejuízos à sociedade e especialmente ao comércio.
Tendo-se declarado em greve a classe operária dos estivadores desta cidade, manifestando
desejo de pedir pelos seus salários diários a quantia de 15$000 e pelo serviço noturno a de
30$000, houve após a manifestação desse desejo, acordo entre grande parte dos mesmos,
ficando estabelecido o seguinte: (a) perceber cada indivíduo estivador a diária de 12$000. (b)
perceber o mesmo indivíduo a quantia de 24$000 pelo serviço noturno. Acontece, porém, que
uma parte descontente, da mesma classe, se opõe a que os cidadãos que aceitaram o acordo
supra continuem a trabalhar nas condições do mesmo convênio, cometendo, destarte, evidente
infração ao Art. 72 §§ 1.o e 24.o da Constituição da República; dispositivos que foram
estabelecidos igualmente pelo pacto fundamental deste Estado. Nesta condição a Associação
Comercial, julgando bem interpretar a sua missão, perante os interesses coletivos da classe que
representa, recorre a autoridade de V.Exa., para, pelos meios legais, determinar que cessem,
em absoluto, o constrangimento e outros atos de violência moral posto em prática pelos
grevistas contra todos aqueles que desejam continuar a exercer o seu trabalho ou profissão /./ O
Art. 204 do Código Penal estabelece: penalidade contra qualquer que constrangir ou impedir
alguém de exercer a sua indústria, comércio ou oficio; de trabalho ou deixar de trabalhar em
certo e determinados dias. Do mesmo modo, o Art. 206 do dito Código considera crime causar
ou provocar cessão ou suspensão do trabalho, para impor aos operários ou patrão aumento ou
diminuição de serviço ou salário. Além disto, à esses fatos delituosos pode perfeitamente
corresponder a figura criminal do Art. 399 do mesmo Código, desde que a coação física ou
psicológica produza os seus resultados, convertendo, desta maneira, o homem do trabalho em
vadio ou vagabundo, especialmente se, pertencendo a uma classe de operários, não tiver aptidão
para ganhar a vida por outra qualquer profissão. A Associação, cônscia de que V.Exa tem mais
de uma vez dado provas de patriotismo, espera e aguarda as providências legais para que se
restabeleça a ordem no trabalho que é a principal condição da coexistência das sociedades /./
Saúde e Fraternidade. (Assinaturas): J. C. Mesquita, P. A. Moura Alves. S, M. H. Witt, Joaquim
José Alves Teixeira, e Antônio Joaquim Rocha – diretores.”

ACTAS – Associação Commercial – Diretoria. Em 20 de julho de 1871 a 9 de novembro de


1093. (Documento transcrito em 17.08.1989 do Acervo da Biblioteca da Associação Comercial
do Amazonas – ACA). Ortografia atualizada.

Indicações para Leitura


BRITO, Rosa Mendonça de (2004). Da Escola Universitária de Manaós à
Universidade Federa do Amazonas. Manaus: Edua.

BURNS, E. Bradford (1966). Manaus 1910: retrato de uma cidade em expansão.


Manaus: Governo do Amazonas.

COSTA, Francisca Deusa Sena da (1997). Quando viver ameaça a ordem Urbana,
trabalhadores urbanos em Manaus (1890-1915). São Paulo: PUC-SP (Dissertação de
Mestrado).

DAOU, Ana Maria (2000). 2.a Edição. A Belle Époque Amazônica. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor.

______ (2000). “Instrumentos e sinais da civilização: origem, formação e consagração


da elite amazonense”. In: História Ciência e Saúde: Manguinhos / Rio de Janeiro.
Volume VI – Suplemento, 2000.

DIAS, Edinea Mascarenhas (1999). A Ilusão do Fausto - Manaus, 1890-1920. Manaus:


Valer.

FREIRE, José Ribamar Bessa (1993/94). “Manáos, Barés e Tarumãs”. Amazônia em


Caderno. N.o 2 / 3. Manaus: Universidade do Amazonas, p. 159-178.

MARCOY, Paul (2001). Viagem pelo rio Amazonas. Manaus: Edua.

MESQUITA, Otoni Moreira de (2006). 3.a edição revista. Manaus, História e


Arquitetura (1852-1910). Manaus: Valer.
PINHEIRO, Maria Luiza Ugarte (1999). A cidade sobre os ombros: trabalho e conflito
no porto de Manaus, 1889-1925. Manaus: Edua.
UNIDADE V

SÉCULO XX: CRISE E DESENVOLVIMENTISMO

Capitulo 15

Tempos de Crise

Capítulo 15

TEMPOS DE CRISE

Pode-se afirmar que o primeiro plano de desenvolvimento econômico e social


para a Amazônia ocorreu ainda no período colonial, durante o governo do marquês de
Pombal (1750-1777), então preocupado com a recuperação econômica do Reino de
Portugal.
A Coroa portuguesa criou a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão, em 1755 e implantou o Diretório dos índios, em 1757. Essas ações
conjugadas tinham como finalidades estabelecer o monopólio da navegação, do fomento
da agricultura, do comércio exterior e do tráfico de escravos; e disciplinar as várias
atividades e atitudes das populações indígenas tais como: o governo geral e a civilização
dos índios; políticas agrícolas, fiscais, comerciais e de mão-de-obra. Além da
administração das povoações dos índios.
Outro plano de desenvolvimento econômico e social veio ocorrer no governo de
Hermes da Fonseca (1910 -1914), quando em 1912, se elaborou o Plano de Defesa da
Borracha, em virtude da vertiginosa queda da exportação da produção gomífera
silvestre, em face da concorrência da borracha cultivada no sudeste asiático. Em termos
teóricos, seria o primeiro plano de valorização da Amazônia brasileira.
Deve-se esclarecer que o desenvolvimento econômico e social, porventura,
ocorrido na Amazônia em fins do século XIX e inicio do século XX com o famoso
boom da borracha, não foi o produto de um planejamento governamental, mas de um
movimento econômico externo provocado pela demanda da borracha silvestre sob o
impacto das necessidades oriundas da Revolução Tecnológica.

Plano de Defesa da Borracha de 1912

Plano de Defesa da Borracha de 1912, para Arthur C. Ferreira Reis foi o


primeiro planejamento em grande estilo de iniciativa governamental para o domínio do
espaço amazônico. Foi mandado executar por dois diplomas legais publicados no
governo do marechal Hermes da Fonseca. O primeiro, tratá-se da Lei n.0 2.543-A, de 5
de janeiro de 1912, que continha um extenso programa de desenvolvimento,
denominado de Plano de Defesa da Borracha, para todo o Brasil, não apenas para a
Amazônia; o segundo, o Decreto n.0 9.521, de 17 do mesmo ano, este regulamentava as
diretrizes necessárias ao recuperação econômica da região. Conforme Antônio Souto
Loureiro, tanto a Lei, quanto o Decreto foram baseado nas proposições do Congresso de
Manaus, realizado dois anos antes, sob direção da Associação Comercial do Amazonas
(ACA). Portanto, nesse planejamento havia a contribuição das elites dirigente da
Amazônia.
Ainda de acordo com Arthur Reis, Plano de Defesa da Borracha, “na verdade,
não se reduzia a uma ação política do poder público sobre aquele produto, pois
consubstanciava todo um amplíssimo programa visando tirar a Amazônia da posição de
mera produtora de matéria-prima florestal, enquadrando-a em novo estilo de vida”. O
historiador Pedro Martinello, corrobora com essa idéia, quando afirma que “tal plano,
porém, levava muito mais em conta o desenvolvimento geral da região do que a
recuperação da borracha propriamente dita”.

Resumo das medidas do Plano de Defesa da Borracha

1. Isenção de impostos a todo material destinado à cultura das seringueiras;


2. Instituição de prêmios aos plantadores de seringueiras, caucho, maniçoba e
mangabeira;
3. Criação de sete estações experimentais de seringueiras (Acre, Mato Grosso,
Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí e Bahia) e nove estações de maniçoba e
mangabeira (Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia, Pernambuco, Minas
Gerais, São Paulo, Goiás, Paraná e Mato Grosso);
4. Subvenção de nove usinas de refinamento e cinco manufaturas de borracha;
5. Construção de hospedarias de imigrantes em Belém, Manaus, Rio Branco;
6. Criação de hospitais em pontos que fossem julgados apropriados, cercados de
pequenas colônias agrícolas e onde funcionassem igualmente os postos de saúde
para vacinação etc.;
7. Construção de estradas de ferro de bitola reduzida ao longo dos rios Xingu,
Tapajós, Negro e Branco;
8. Construção de estradas de ferro: a) ligando a estrada de ferro Madeira-Mamoré
às fronteiras do Peru, passando por Vila Rio Branco, Sena Madureira e Vila
Taumaturgo; b) ligando Belém a Pirapora, em Minas Gerais, e Coroatá, no
Maranhão, com ramais para ligação com os pontos iniciais ou terminais da
navegação nos rios Araguaia, Tocantins, Parnaíba e São Francisco;
9. Obras para assegurar navegáveis, em qualquer época do ano nos rios Negro
(trecho entre Santa Isabel e Cucuí), Branco (da foz até o forte São Joaquim),
Purus (de Hyutanahan até Sena Madureira) e Acre (da foz até Riozinho das
Pedras);
10. Isenção de todos os impostos às embarcações de qualquer gênero destinado à
navegação fluvial;
11. Isenção de impostos à empresas que montassem depósitos de carvão de pedra
em diversos pontos do vale do Amazonas para o abastecimento dos vapores e
lanchas;
12. Produção e auxilio a criação de centros produtores de gêneros alimentícios no
vale do Amazonas: criação de gado, cultura de cereais, estabelecimentos de
charqueadas, fábricas de lacticínios, engenho de beneficiar arroz, fábricas de
farinha de mandioca;
13. Criação de uma empresa de pesca, salga e conservação de peixe;
14. Revisão das leis relativas à concessão e vendas de terras;
15. Organização cada três anos de exposição da borracha no Rio de Janeiro;
16. Redução das taxas de exportação da borracha do Pará, Amazonas, Acre e Mato
Grosso;
17. Estabelecimento das mesmas vantagens em relação à borracha do Acre;
18. Abertura dos créditos necessários, a cada ano, para inteira execução da lei.

(Cf. Prado & Capelato, 1997; Reis,1983).

Não obstante ser “o primeiro planejamento em grande estilo”, Maria Lígia Prado
e Maria Helena Capelato (1997) afirmam que esse projeto nunca foi posto em prática;
um ano depois, as poucas atividades que tinham sido iniciadas foram abandonadas.
Carlos de Meira Mattos concluiu que a política foi formulada, mas faltou ao
governo capacidade de implementá-la. Faltou-lhe a criação dos meios e dos mecanismos
destinados a dar-lhe operacionalidade. Salvou-se, no entanto, em termos históricos, a
herança de uma primeira tentativa de racionalizar o problema, através de um programa
de metas quantificáveis, o que constituiu um verdadeiro avanço as modernas técnica de
programação econômica.

A Face Social e Política da Crise

A economia gomífera que durou cerca de vinte anos, não desapareceu sem
deixar a sua profunda marca na Amazônia. As atividades dos intrépidos seringueiros
tiraram o vale amazônico da letargia secular. Em três décadas, a população do
Amazonas triplicou. Um dos sinais mais visíveis da transformação da região, foi à
mudança de Manaus, de uma sonolenta vila em uma cidade cosmopolita, que, nos
áureos dias de 1910, “era pomposa, romântica, falaz, e sem destino”. Pode-se ainda
reconhecer nas suntuosas edificações que serviam de residências dos barões da
borracha a afluência de parte do capital. Exemplo típico é o prédio monumental, aonde
funciona, atualmente, o Centro Cultural Palácio Rio Negro, que foi a residência de um
dos mais prósperos comerciantes de borracha, Waldemar Scholz, e a edificação aonde
funcionaria a usina de tratamento de esgotos, o atual Centro de Arte Chaminé.

Imagem 82.

Mansão da família Scholtz, construída em 1903. Divulgada por Richard Collier, Jaque al
Baron: La historia Del caucho em la Amazônia, 1981. Reproduzida de Berta G. Ribeiro.
Amazônia Urgente. 2.a edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1992, p. 152.

Imagem 83.

“Prédio da usina do sistema de tratamento de esgotos” da empresa Manáos


Improvements. Nunca funcionou, atualmente chama-se Centro de Arte Chaminé. Foto de F.
J. Santos (2006)

Com o fim da pompa, regada a leite da seringa e pelo suor de seringueiro, muitas
casas comerciais pediram falência. A crise da economia da borracha, conforme
Francisca Deusa Sena Costa, se fez presente em todos os setores da vida urbana e da
rural: na cidade de Manaus, por exemplo, causou desemprego nos vários ramos de
serviços, gerando como uma de suas conseqüências, a inadimplência nos contratos de
aluguéis. Esse fato promoveu o deslocamento desse inquilinato, uma parte saiu do
centro da cidade para o subúrbio, enquanto que a outra retornou à sua terra de origem,
provocando um certo esvaziamento da cidade.
Na zona rural a crise provocou um movimento demográfico no sentido contrário
daquele que ocorreu nos momentos de rush da economia da borracha. Os anos de 1914
e 1915 assinalaram o ponto máximo desse êxodo, levando o Governo Federal a
conceder-lhes transporte gratuitos nos navios do Lloyd Brasileiro. A grande maioria
desse contingente humano era constituída por nordestino que procuravam regressar aos
seus Estados de origem, enquanto, os amazonenses e os imigrantes que ficaram no
interior foram esquecidos pelos governantes federais.
Outro contingente de trabalhadores dos seringais e de outros pontos do interior
do Estado, migrou para Manaus em busca de alternativas de melhores condições de
vida. Esses “retirantes”, a partir de 1920, aos poucos foram construíndo a chamada
Cidade Flutuante, a qual se consolidou na década de 1960. Esse aglomerado “urbano”,
formava uma verdadeira favela fluvial, no porto de Manaus.
Eloína Monteiro dos Santos, afirmou que no rastro da crise econômica vieram as
crises políticas, pois os membros da débil oligarquia amazonense começaram a se
desentender e a se repartirem em facções políticas no interior da mesma tendência
partidária. No período que vai de 1910 até 1924, digladiaram-se as facções políticas
lideradas por Silvério Nery, Antônio Bittencourt, Jonathas Pedrosa e Antônio Guerreiro
Antony. Era um embate entre a facção política que estava no poder contra a que estava
fora deste, na oposição. A manifestação de oposição, “resumia-se a um grupo a retrucar
as afirmações do outro e o que se denunciava era a inoperância do outro e a corrupção
de uma facção à outra. Tais reações eram mascaradas pela moralização política, sempre
se atacando a situação e como esta exercia o poder, era por tudo responsabilizada.“
Esses embates políticos redundaram na chamada Rebelião de 1924, em Manaus.

Imagem 84.

“Cidade Flutuante”, vista panorâmica. Reproduzida do Cartão postal de A Favorita.

Terras Como Moeda de Troca


No começo da década de 1920 a situação financeira e econômica do Estado do
Amazonas era bastante grave. O governo não tinha como saldar as suas contas e nem
mesmo como quitar a folha de pagamento do funcionalismo público. O então
governador, César do Rego Monteiro (da facção Silvério Nery), tentou um vultoso
empréstimo nos Estados Unidos, dando como garantia aos norte-americanos uma parte
das terras do Estado do Amazonas. Na sua Mensagem o governador alegou que esse
empréstimo tinha como objetivo introduzir no Estado os melhoramentos econômicos
que só por meio de capitais estrangeiros aqui se podia realizar, tais como: construção de
estradas de ferro, linhas de navegação, incentivo à agricultura e à manufatura da
borracha, entre outros. Esse episódio promoveu um verdadeiro escândalo político,
culminando com o veto do Governo Federal a essa iniciativa e o empréstimo não se
efetivou.
Entretanto, em 1927 o Governo Federal fez concessão de um milhão de hectares,
por cinqüenta anos, a uma companhia norte-americana, e nos anos subsequentes foram
feitas outras concessões.
Depois do malogro do governador Rego Monteiro, em 1922, o Estado do
Amazonas – durante os governos de Efigênio Sales (1926-1929) e de Dorval Porto
(1929-1930) – fez diversas concessões de terra a grupos estrangeiros:

a) No governo de Efigênio Sales concedeu-se para Jorge Dumont Vilares,


representante de capitais norte-americanos;

b) Em 11 de março de 1927, concedeu-se aos japoneses Gensabure Yamanishi e


Kinraku Awazu, cerca de um milhão de hectares de terras em três áreas de livre
escolha. No entanto, Yamanishi não conseguiu cumprir o Contrato de Opção
com o Governo do Amazonas. Sem êxito, pediu colaboração do deputado
Tsukasa Uyetsuka, que tomou para si o empreendimento, inclusive, obteve uma
prorrogação para o cumprimento do Contrato por mais dois anos. À frente dos
negócios, Uyetsuda foi quem escolheu o local para a colonização japonesa no
Amazonas;

OBRIGAÇÃO DAS PARTES – “O concessionário obrigava-se a, no prazo de 50 anos


introduzir e localizar 10.000 famílias japonesas que usariam as terras em trabalhos de
agricultura, criação de gado, podendo construir estradas de ferro e de rodagem, montar
estabelecimentos industriais, realizar serviços de navegação, organizar cooperativas de créditos
agrícolas, bancos de depósito e descontos. O Estado e os municípios, onde estivesse localizado
o concessionário, concederiam isenção de impostos, por dez anos, criados ou por criar, sobre as
terras da concessão, indústria e profissão dando-lhe preferência, em igualdades de condições,
para exploração de minas que fossem descobertas, e taxa mínima de 3% ad valorem sobre a
exportação do que produzisse”.

REIS, Arthur C. Ferreira, A Amazônia e Cobiça Internacional. 5.a Edição. Rio de Janeiro /
Manaus: Civilização Brasileira / Suframa. 1982, p. 142.

c) Em 20 de outubro de 1928, concedeu-se ao japonês Kossaku Oishi, cerca de 25


mil hectares de terras, no município de Maués à margem direita do rio Maués-
Açu. O concessionário deveria instalar cinqüenta famílias japonesa no local;

d) Em 2 de março de 1928, concedeu-se também ao polonês Konrad Rogoyoski,


representante da Towarzystwo Kolonizacyjni Warszawie (Sociedade de
Colonização), com sede em Varsóvia, um milhão de hectares de terras, também
a ser escolhidas entre três áreas. A companhia polonesa comprometia-se em
introduzir nas áreas que iriam ocupar, 10 mil poloneses em 50 anos, sendo 300
famílias no primeiro ano. As linhas gerais para os poloneses eram idênticas à dos
japoneses;

e) Em 29 de julho de 1930, concedeu-se terras a Amazon Corporation, empresa


incorporada em Delaware nos Estados Unidos; a Canadian Amazon Company
Limited, empresa canadense com sede em Montreal; à American Brazilian
Exploration Corporation, também com sede em Deleware (EUA). As
concessões de terras tinham como objetivos de realização de pesquisas sobre
carvão de pedra, petróleo e outros minerais.

De acordo com Arthur Cezar Ferreira Reis, as cláusulas eram idênticas para as
três empresas, “constava que ficavam obrigadas a iniciar os trabalhos de pesquisa dentro
de um prazo de dois anos, realizar a construção de estradas de rodagem e de ferro,
montar refinarias e demais estabelecimentos industriais ligados à produção e
beneficiamento dos minérios. (...). O prazo das concessões era de 50 anos, podendo ser
prorrogados por mais outros cinqüenta, com preferências sobre quaisquer pretendentes”.
No entanto, essas concessões, que praticamente dividiam o Estado do Amazonas entre
essas três companhias, foram anuladas durante o governo do interventor federal Nélson
Melo (1933 -1934).

Quadro 18 – DAS CONCESSÕES DE TERRAS NO AMAZONAS (1926-1930)

Concessionário Áreas de concessão


Jorge Dumont “Recebeu a opção por dois anos, de 1.500.000 hectares de terras, entre os
Villares quilômetros 30 e 130 da estrada para Rio Branco, com 50 quilômetros de fundo e
em Parintins” (Cf. Loureiro, 1978).
Gensabure 1. Zona limitada pelos rios Sucunduri, Canumã, Madeira e Amazonas, na margem
Yamanishi e direita e Paraná do Ramos, os rios Maués e Parauari, na margem esquerda,
Kinraku Awazu limitando pelo fundo ao sul pelo paralelo 6.0;
2. Zona limitada pelo rio Solimões, pela margem direita, entre os riosTefé e Coari;
3. Zona limitada pelo rio Negro, pela margem direita limitada pelos “rios Caburi,
margem direita, e Timbira, margem esquerda, dali seguindo o paralelo 3. 0 com
fundos correspondentes ao meridiano 63.0”
Towarzystwo 1.Zona do rio Madeira;
Kolonizacyjni 2. Zona do rio Solimões;
Warszawie 3. Zona do município de Manaus.
Kossaku Oishi 1. Zona no município de Maués à margem direita do rio Maués-açu.
Amazon 1. Zona entre os rios Solimões, Purus, Juruá até o limite com o Estado do Acre;
Corporation 2. Zona entre os rios Amazonas, Purus até os limites com os estados do Para e do
Mato Grosso.
Canadian Amazon 1. Zona entre os rios Jauaperi, Negro até o limite com o Pará e o rio Amazonas;
Company Limited 2. Zona entre os rios Negros, Japurá, Solimões até a fronteira com a Colômbia.

American Brazilian 1. Zonas entre os rios Japurá e Solimões até a fronteira com a Colômbia;
Exploration 2. Zona entre os rio Solimões e Juruá até a fronteira com o Peru.
Corporation,
Fonte: Arthur C. Ferreira Reis, 1982; Antônio Souto Loureiro, 1978.

AMAZÔNIA, SALVA PELO ACASO – “A pesquisa e a exploração conseqüente


compreendiam o carvão de pedras, os óleos e de outros minerais. Óleos minerais? Sim óleos
minerais eram as denominações que apareciam nos textos dos contratos. Nessa aparente
singeleza, na realidade tratava-se de petróleo, a que só de passagem se fazia referencia. A
inocência das expressões escondia alguma coisa mais /./ Será conveniente atentar para o fato de
que as atuais pesquisas da Petrobrás estão sendo realizadas justamente nos trecho daquelas
concessões. Nova Olinda fica situada na zona conferida tão facilmente à Amazon Corporation
/./ (...) as concessões, tendo caducado à falta de cumprimento das cláusulas contratuais por parte
dos interessados estrangeiros, que tentaram renová-las na administração do Capitão, hoje
General Nélson de Melo, foram consideradas sem nenhum efeito. A Amazônia, por mero acaso,
pois escapava mais uma vez às surtidas do capital alienígena nos seus propósitos ambiciosos e
possivelmente perigosos aos interesses brasileiros”.

REIS, Arthur C. Ferreira. A Amazônia e Cobiça Internacional. 5.a Edição. Rio de Janeiro /
Manaus: Civilização Brasileira / Suframa,1982, p. 145-146.

Colônias Japonesas no Pará e no Amazonas

De acordo com Adélia Engrácia de Oliveira, de todas as tentativas de


colonização estrangeira realizada na Amazônia, a única que deu resultado efetivo foi a
de imigrantes japoneses, iniciada em 1929. No ano seguinte, fundaram a Companhia
Nipônica de Plantações S.A., e se localizaram em mais de um milhão de hectares
espalhados em Acará, Monte Alegre, Marabá, Bragança e Conceição do Araguaia, no
Estado do Pará.
Os primeiros japoneses chegaram em três levas migratórias: a primeira,
composta de 189 pessoas, organizadas em 43 famílias, chegaram a Tomé-Açú, no
município de Acará, em setembro de 1929; o segundo grupo era composto de 242
pessoas, sendo que 192 ficaram em Acará, enquanto as outras 50 (ou 49) dirigiram-se
para Maués, no Estado do Amazonas. No ano seguinte chegou um terceiro grupo: uns
foram para Monte Alegre e outros distribuídos para outras colônias do Pará e do
Amazonas.
T. Kawada, afirma que o primeiro grupo de japoneses chegou em Maués, em 2
de janeiro de 1930; era formado por nove famílias, contanto 32 pessoas, e mais 17
solteiros, totalizando 49 imigrantes.
Em 1926 o embaixador do Japão, Hichita Tatsuke, demonstrou interesse em
promover a migração de famílias japonesas para o Amazonas. Nos anos seguintes o
Governo do Amazonas fez a concessão, ao capitalista Yamanishi, de um milhão de
hectares de terras para a colonização nipônica.
Entretanto, como Yamanishi não pôde cumprir o Contrato de Doação, Tsukasa
Uyetsuka, tomou para si a responsabilidade do empreendimento, e em 1930 organizou
um grupo de pesquisadores que veio com ele para Manaus para legalizar o contrato.
Resolvido essa questão, Uyetsuka, juntamente com os seus pesquisadores, instalaram,
em Vila Amazônia – localidade próximo à cidade de Parintins – o Instituto Amazônia,
com a finalidade de pesquisas e estudos que promovessem o conhecimento da
hidrologia do rio Amazonas e experiências diversas de cultura tropical.
O deputado Uyetsuka voltou ao Japão e, em um colégio sob sua direção,
dedicou-se a treinar jovens que deveriam vir para a Amazônia, o que ocorrera em 1931,
quando chegam à Vila Amazônia 47 estudantes que tinham sido preparados em seu
colégio, os koutaku-sei. Em 1932, outros 60 jovens dirigiram-se para lá.
Uyetsuka fundou a Companhia Industrial Amazonense S.A., sob a gerência de
Kotaro Tuji, com um capital de um milhão de ienes e, entre 1931 e 1937, tinha
conseguido enviar do Japão para o Estado do Amazonas, 273 graduados e 6 famílias de
colonos. Tais imigrantes dedicaram-se principalmente à aclimatação de juta indiana nas
várzeas amazonenses, o que foi conseguido em 1934.
Como a cultura da juta no Amazonas estava dando certo, Kotaro Tuji, em 1938, fez
um contrato com o Governo do Pará, no sentido de instalar um campo experimental
desse produto no município de Breves, com a finalidade de difundir seu cultivo no
estuário do Amazonas.
Com o estímulo do governador paraense, no dia 24 de novembro de 1938 foi feita
pelo Governo amazonense uma legislação sobre o plantio da juta, através do Decreto-
Lei 170, com o qual foi ampliada a concessão anteriormente dada à Companhia
Industrial Amazonense S. A.
Imagem 85.

Casa de Cerimônia Japonesa, na Vila Amazônia. Reproduzido do catálogo da exposição O


Olhar Viajante Silvino Santos (Organização de Edinea M. Dias). Manaus: Museu Amazônico,
1993.

Entretanto, com o advento da Segunda Guerra Mundial, a imigração japonesa foi


interrompida e a Vila Amazônia foi desapropriada, extinguindo-se, desse modo, uma
experiência agrícola de estrangeiros que fora bem sucedida. Mas os “cabôcos” já
haviam assimilado as técnicas de cultivo, de colheita e de preparo da juta. Assim, a
cultura dessa fibra espalhou-se pelas várzeas do Médio e Baixo-Amazonas.
Com a proibição da importação da juta em 1947, com a participação de capitalistas
de Belém e do Sul do Brasil e com a procura nacional de sacaria cada vez maior, a
produção da juta, que em 1941 era de 1.100 toneladas, passou a 39 mil toneladas em
1960 e a 51 mil toneladas em 1964.
A produção da juta se desenvolveu dentro do esquema tradicional do aviamento,
enquanto que a pimenta-do-reino, no sistema cooperativista, principalmente no Pará.
No Amazonas os japoneses estabeleceram-se, de início, não somente na Vila
Amazônia, mas também em Maués. Em 1928 Kossaku Oishi recebeu 25 mil hectares de
terra naquela localidade e quando chegou a segunda leva de imigrantes, em 1929, parte
deles dirigiram-se para Maués, para trabalhar no plantio do guaraná na Amazon Kogio
Kaisha, da qual Oishi era subgerente.

Concessão de Terras a Henry Ford

Em 1926, segundo o historiador norte-americano Waren Dean, o Governo do Pará


deu permissão ao paulista Jorge Dumond Villares para escolher 2,4 milhões de hectares
de terras públicas em sete locais de sua preferência. Essas terras foram oferecidas à
empresa norte-americana Firestone, ao preço irrisório de cinqüenta centavos de dólar
por acre, no entanto o negócio não foi fechado. Passo seguinte de Villares foi o contato
com W. L. Reeves Blakeley, um técnico da Ford Motor Company nomeado pela
empresa para escolher um local na Amazônia, adequado ao plantio sistemático de
seringueiras. No ano seguinte um milhão de hectares de terras do rio Tapajós foi
concedido a Ford Motor Company que passou a chamar-se, Companhia Ford Industrial
do Brasil. Por essa intermediação Villares recebeu de Henry Ford o pagamento de 125
mil dólares. Waren Dean afirma que Ford foi lesado ao pagar esse valor por uma terra
que o Estado do Pará poderia ter-lhe cedido gratuitamente, se tivesse tratado
diretamente com este.
A concessão de um milhão de hectares de terra, a isenção de impostos por
cinqüenta anos, a permissão para explorar quaisquer recursos florestais e minerais
causarão uma ebulição nacionalista que embaraçaram o Governo paraense.

Fordlândia, um Projeto Frustrado

As manobras dos ingleses e holandeses para restringir a produção da borracha


asiática, com o propósito de conseguir aumento do produto no mercado internacional,
concorreram para que a Companhia Ford Industrial do Brasil, dirigida pelo próprio
Henry Ford, procurasse alternativas para não depender mais do cartel da borracha
formado no sudeste asiático. Para tanto, obteve concessão de terras no rio Tapajós, no
Pará, tal concessão recebeu a denominação popular de Fordlândia.
Henry Ford prometeu fazer um investimento na ordem de um milhão de dólares no
plantio de seringueiras. No final de 1928 chegaram os componentes de infra-estrutura
para a implementação da heveicultura. Imediatamente se iniciou a construção de um
verdadeira cidade, com hospital, escola, cinema, água, luz porto, oficina mecânica e
depósitos.
Porém no inicio de 1934, Henry Ford começou a perdera o interesse pela
Amazônia, já teria investido cerca de sete milhões de dólares e ainda não produzira
nenhuma borracha, nem havia perspectiva de se produzir num futuro próximo, dada
lentidão com que cresciam as seringueiras. Nesse mesmo ano, devido a epidemia do
“mal-das-folhas”, Fordlândia foi permutada por Belterra, uma área mais próxima de
Santarém.
Diante do fracasso da experiência, segundo Arthur C. Ferreira Reis, a Companhia
Ford entregou em meados da década de 1940 ao Governo brasileiro as suas benfeitorias
e as suas instalações por um preço simbólico de cinco mil contos de réis, quando na
época a empresa detinha um capital de 8.000:000$000 (oito mil contos de reis).
Tradicionalmente, se afirma que a o projeto de Henry Ford foi derrotada pelos
fungos (Dothidella ulei) que atacavam as folhas e as sementes das seringueiras. Barbara
Weinstein, no entanto, considera que a derrocada desse empreendimento foi “devido a
problemas de mão-de-obra”. Ela sugere que para manter um contingente regular de
força de trabalho, Henry Ford teria “que pagar salários suficientemente altos para
concorrer com os atrativos da borracha silvestre, do cacau e da castanha-do-pará”.
Companhia Ford Industrial do Brasil empregou entre 2.200 e 2.500 trabalhadores
durante a primeira década nas duas plantações (Fordlândia e Belterra).

“Assim os seringais da Ford permaneceram como único intento significativo de cultivo


de seringueira no Brasil. Representaram uma experiência em vasta escala, custosa
eivada de erros e de resultado” (DEAN, Waren, 1989, p. 130).

VIVA A FORD! – “Henry Ford foi um gigante, um braço forte da Amazônia, de quando o Pará
e o Amazonas enfrentavam a maior crise da Borracha. Nessa crise, as famílias vinham a pé dos
confins da selva, em busca da vida na FORD; (...). Era um horror, a gente vinha quase despido,
os homens só amarravam um pedaço de sarrapilha com barbante na cintura, descalços,
enfrentando todos os perigos da floresta, com fome e com frio, porque o inverno era brabo, as
criança, coitadas, eram as que mais morriam, mas quando a gente chegava na cidade esta salvo”.

Miguel Guimarães Soares, ex-funcionário da Companhia Ford, Apud AMORIM, Antonia


Terezinha dos Santos. A Dominação Norte-Americana no Tapajós – A Companhia Ford do
Brasil. Santarém: Editora Tiagao, 1995.

Imagem 86.

Uma residência da Vila Americana, em Fordlândia. No primeiro plano membros da


Expedição Humboldt Amazônia / 2000, e moradores do lugar.

Leitura Complementar N.o 15

REBELIÃO DE 1924, MANAUS

“Iniciada a 23 de julho de 1924, a rebelião de Manaus, situa-se dentro de um quadro de


movimentos liderados por militares tenentes que formularam críticas e lideraram
revoltas por toda década de vinte contra o poder estabelecido. Acusavam os civis, ou
seja, os oligarcas, grupo de denominação que abusavam do poder. Essas revoltas são
conhecidas na História do Brasil como revoltas tenentistas /./Aos militares tenentes do
Amazonas, coube o papel de principal do movimento, pois assumiram a liderança da
rebelião e, na medida em que a iniciativa pertenceu aos tenentes, deve ser considerado
como mais um dos movimentos tenentistas de 1924, cujo foco inspirador foi a Rebelião
de 05 de julho, em São Paulo /./ A oligarquia, cujo domínio era contestado na rebelião
de Manaus, reunia-se em torno do Governador do Estado do Amazonas, Rego Monteiro.
Iniciada em Manaus, logo se estendeu à região de Óbidos no Pará, local das operações
militares, dada a posição estratégica da cidade e de seu Forte /./ O objetivo dessa
expansão militar era Belém do Pará, onde as guarnições buscavam unir-se, mas, face
aos imprevistos, os rebeldes ficaram circunscritos à região de Óbidos, controlando
governo de Manaus e a passagem pelo Rio Amazonas, até agosto de 1924. Foi o
momento em que se concretizou a repressão ao movimento através das Forças do
Destacamento do Norte, enviadas pelo Governo Federal, comandadas pelo general João
de Deus Mena Barreto /./ A compreensão da Rebelião de 1924 em Manaus relaciona-se
tanto à liderança dos militares, como ao apoio aos grupos civis que a ela aderiram.
Apreende-se no envolvimento de militares e civis a especificidade e a contradição do
movimento em Manaus. De um lado, estavam os militares contestando o poder civil
estabelecido que consideravam aviltado. Por outro, sua proposta de moralização política
encontrava acolhida nos setores do funcionalismo público e comércio local /./ Essa
situação garantiu ao tenente Ribeiro Júnior a popularidade que marcou seu governo em
Manaus, no período de 24 de julho a 28 de agosto de 1924. Tal popularidade se
compreende pelo apoio do setor administrativo e comercial representando índices
expressivos da população da capital amazonense e também pelas medidas adotadas pelo
tenente Ribeiro Júnior visando atender basicamente aos interesses de tais segmentos
sociais consideravam-se injustiçados pelos oligarcas /./ Os militares rebeldes, ao
acenarem com novas perspectivas, apresentando propostas anti-oligárquicas que
atendiam aos reclamos de tais setores, acabaram por envolver-se com outros oligarcas,
ligados às facções Nery e Bittencourt /./ Enfim, as críticas e atitude de denúncias da
engrenagem política administrativa assumida pelos militares, encontraram no
envolvimento deles com civis que disputavam o poder, o limite da sua atuação política
que se fragilizou, dando lugar à repressão ao movimento de Manaus que culminou com
o Decreto de Intervenção Federal do Amazonas”.

SANTOS, Eloína Monteiro dos. Verbete publicado originalmente no Estado do


Amazonas em Verbetes. Organizado por SANTOS, F. J. & SAMPAIO, P.M. 2002, p.
139 e 140.

Indicações para Leitura


AMORIM, Antonia Terezinha dos Santos (1995). A Dominação Norte-Americana no Tapajós –
A Companhia Ford do Brasil. Santarém: Editora Tiagao.

BURNS, E. Bradford (1966). Manaus 1910: retrato de uma cidade em expansão. Manaus:
Governo do Amazonas.

COSTA, Francisca Deusa Sena da (1997). Quando viver ameaça a ordem Urbana,
trabalhadores urbanos em Manaus (1890-1915). São Paulo: PUC-SP (Dissertação de
Mestrado).

DEAN, Waren (1989). A Luta pela Borracha no Brasil. São Paulo: Nobel.

LOUREIRO, Antônio Souto (1985). A Grande Crise (1908-1916). Manaus: T. Loureiro.

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São Paulo: HUCITEC / Edusp.
ANEXO 3

GOVERNANTES DO ESTADO DO AMAZONAS

Governantes das Antigas Oligarquias (1889-1930)

1.ª Junta Governativa do Amazonas republicano

Domingos Teófilo de Carvalho Leal, Manuel Lopes da Cruz, Antônio Florêncio Pereira do Lago
(de 21 de novembro 1889 a 4 de janeiro de 1890)

Governadores e Vice-governadores e Outros que assumiram o Governo

1.º Augusto Ximenes de Villeroy (1890).


Assumiu em 4 de janeiro de 1890 e entregou o cargo em 2 de novembro do mesmo ano.
Eduardo Gonçalves Ribeiro, 2.º vice (1890)
2.º Eduardo Gonçalves Ribeiro (1891). Gregório Taumaturgo de Azevedo foi nomeado
governador, no lugar de Eduardo Ribeiro, mas não chegou a assumir o cargo dessa vez.
Eduardo Ribeiro, porém, foi obrigado a entregar o governo, em 5 de maio de 1891 ao vice-
governador Guilherme José Moreira, o barão do Juruá, vice (1891)
3.º Gregório Taumaturgo de Azevedo (1891-1892).
Primeiro governador constitucional do Estado do Amazonas, tomou posse em 1.º de
setembro de 1891. Em 26 fevereiro de 1892 foi obrigado a entregar o cargo. Guilherme
José Moreira assumiu o governo enquanto se aguardava a chegado do titular José Ignácio
Borges Machado, interventor (1892)
4.º Eduardo Gonçalves Ribeiro (1892-1896)
5.º Fileto Pires Ferreira (1896-1898).
De Paris teria remetido uma carta ao Congresso Amazonense “renunciando” o seu
mandato em 27 de julho de 1898. José Cardoso Ramalho Júnior, vice (1898-1900).
6.º Silvério José Nery (1900-1903). Francisco Benedito da Fonseca Coutinho (Monsenhor
Coutinho), vice do 5.º (1903-1904).
7.º Antônio Constantino Nery (1904-1907). Raimundo Afonso de Carvalho, presidente do
Congresso Amazonense (1906-1908)
8.º Antônio Clemente Ribeiro Bittencourt (1908- 1912). Foi obrigado a renunciar em 1910,
depois foi reconduzido ao cargo. No entanto, foi deposto antes do fim do seu mandato. Nesse
governo aconteceu famoso “Bombardeio de Manaus”, de 8 de outubro de 1910.
Antônio Gonçalves de Sá Peixoto, vice do 8.º (1910, de 8 a 28.out.)
Benjamim Souza Rubim (1910, de 28 a 31.out.)
Antônio Gonçalves de Sá Peixoto, vice do 8.º (1912, de 23 a 31.dez.)
9.º Jonathas de Freitas Pedrosa (1913- 1917)
10.º Pedro de Alcântara Bacelar (1917-1920)
11.º César do Rego Monteiro (1921-1924).
Licenciou-se antes do término do mandato. Durante esse governo aconteceu a Rebelião
de 1924 em Manaus, a qual eclodiu em 23 de julho, sob o comando do tenente Alfredo
Augusto Ribeiro Júnior.
Turiano Meira, presidente da Assembléia Legislativa, em exercício (1924). Deposto em 23 de
julho pela Rebelião de 1924 em Manaus.
Alfredo Augusto Ribeiro Júnior, Governo rebelde (de 13 de julho a 28 agosto de 1924)
Raimundo Barbosa, interino (1924)
Alfredo Sá, Interventor Federal (1924-1925)
12.º Efigênio Ferreira de Sales (1925-1929)
Franklin Washington (1929-1930)
13.º Dorval Pires Porto (1930).
Deposto pela Revolução de 1930.

Governantes da Era Vargas (1930-1945)

Pedro Henrique Cordeiro Júnior, Francisco Pereira a Silva e José Alves de Souza Brasil, Junta
governativa (1930)
Floriano da Silva Machado, Interventor Federal (1930)
Álvaro Botelho Maia, Interventor Federal (1930-1931)
Emanuel Morais, Interventor Federal (1931)
Antônio Rogério de Coimbra, Interventor Federal (1931-1932)
Waldemar Pedrosa, Interventor Federal (1932)
Antônio Rogério Coimbra, Interventor Federal (1932-1933)
Nelson de Melo, Interventor Federal (1933-1934)
Paulo Cordeiro de Melo Interventor Federal (1934)
Nelson de Melo, Interventor Federal (1934-1935)
14.º Álvaro Botelho Maia (1935-1937)
Álvaro Botelho Maia, Interventor Federal (1937-1945)

GOVERNANTES DA “REDEMOCRATIZACÃO” (1945-1964)

Emiliano Stanislau Afonso, presidente do Tribunal de Justiça, provisório (1945)


José Júlio Silva Nery, provisório (1945)
Raimundo Nicolau da Silva, provisório (1946)
João Nogueira da Mata, provisório (1946)
Sizeno Sarmento, provisório (1964-1947)
João Nogueira da Mata, provisório (1947)
Leopoldo Amorim da Silva Neves, provisório (1947)
Júlio Carvalho Filho e Francisco de A. Souto, provisórios (1951)
15.º Álvaro Botelho Maia (1951-1954)
16.º Plínio Ramos Coelho (1955-1958)
17.º Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo (1959-1962)?
18.º Plínio Ramos Coelho (1963-1964)

Governantes do Regime Militar (1964-1982)

19.º Arthur Cezar Ferreira Reis (1964-1967).


20.º Danilo Matos Areosa (1967-1970).
21.º João Walter de Andrade (1971-1974).
22.º Henoch da Silva Reis (1975-1978).
23.º José Bernardino Lindoso (1979-1982)

Governantes Eleitos pelo Voto Popular

24.º Gilberto Mestrinho de Medeiro Raposo (1983-1986)


25.º Amazonino Armando Mendes (1987-1990)
26.º Gilberto Mestrinho de Medeiro Raposo (1991-1994)
27.º Amazonino Armando Mendes (1995-1998)
28.º Amazonino Armando Mendes (1999-2002)
29.º Carlos Eduardo de Souza Braga (2003-2006)
30.º Carlos Eduardo de Souza Braga (2007 ....)

(Cf. SANTOS, F. J. e SAMPAIO, P. M. 2002, p. 79 e 80).

UNIDADE V

SÉCULO XX: CRISE E DESENVOLVIMENTISMO

Capítulo 16

Políticas de Desenvolvimento para a Amazônia


Capítulo 16

POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PARA A AMAZÔNIA


Com o fracasso Plano de Defesa da Borracha de 1912, a região amazônica
entrou numa profunda estagnação econômica, por cerca de três décadas – apesar de
alguns esforços da elite regional no sentido de criar uma estrutura de subsistência
baseada nos seus próprios méritos – quando novamente recebeu a atenção do Poder
Central. De novo motivado por fatores externos: a Segunda Grande Guerra Mundial.
Devido a essa conflagração bélica a Amazônia conheceu um curto período de
recuperação econômica, mas logo depois voltou a mergulhar numa nova depressão que
durou, grosso modo, até a criação da Superintendência de Valorização Econômica da
Amazônia (SPVEA), em 1953. Mas somente através da política desenvolvimento
implementada pelo Governo Federal em meados da década de 1960 que a região deu os
primeiros passos para por fim a profunda crise econômica iniciada a partir de 1910.

Amazônia na Era Vargas


No final da década de 1930, o presidente Vargas acenou para a Amazônia com
uma proposta de política desenvolvimentista, pela qual o Governo Federal implantaria
na região diversos organismos operacionais. Entre outros, o Instituto Agronômico do
Norte (IAN), em Belém. Criado em 1939, com o objetivo de estudo das plantas que
produzissem a goma elástica, e outras espécies extrativa, peculiares à região. O IAN,
teria também a função de órgão orientador das principais atividades agrícolas e
econômicas da Amazônia. Entretanto, faltava-lhe recursos financeiro para executá-la. O
que ocorreria apenas com a assinatura dos Acordos de Washington em março de 1942.

Imagem 87.

Franklin D. Roosevelt (à esquerda) e Getúlio Vargas (ao centro), em visita a Natal


(RN), em 1943. Reproduzido de Olavo Leonel Ferreira, História do Brasil. 8.a edição. São
Paulo: Ática, 1984.
Os Acordos de Washington

A Segunda Guerra Mundial, levou os governos de Getulio Vargas e de Franklin


D. Roosevelt a celebração dos Acordos de Washington. Como parte da negociação
fixaram-se procedimentos a serem tomados para o aumento da produção da borracha
nativa e o montante a ser pago pela sua exportação. O governo brasileiro comprometia-
se em fornecer aos Aliados (Estados Unidos, Inglaterra e França) um mínimo de 5.000
toneladas de borracha anuais, tal volume deveria substituir a produção da Malásia,
região que estava sob o domínio dos japoneses.

Imagem 88.

“Cartaz de Chabloz para divulgar o acordo entre o Brasil e EUA que deu início à
Batalha”. Reproduzido de Marcos Vinicius Neves. In: História Viva, n.o 8, 2004, p. 76.

A Amazônia voltou protagonizar no cenário mundial, era mais uma


oportunidade para o desenvolvimento social e econômico da região. Para isso entrou na
chamada Batalha da Borracha (1942- 1945).

CONTRA-PARTIDA NORTE-AMERICANA – “Os Acordos criavam um sistema de


incentivo a produção, estabelecendo bonificações a serem aplicadas nos campos da saúde,
pesquisa e fomento quando a disponibilidades exportável excedesse a mais de 10.000 toneladas
anuais. Havia, também, previsto nos Acordos, uma contribuição 10 milhões de dólares do
governo americano para serem empregados em programas de saneamento, com a assistência da
Fundação Rockefeller e em programas de pesquisa científica pelo recém-criado Instituto
Agronômico do Norte, de Belém”.

MATTOS, Carlos de Meira. Uma geopolítica Pan-Amazônica. Rio de Janeiro, Biblioteca do


Exército, 1980, p. 96.

Para dar cumprimento das cláusulas dos Acordos de Washington e a sua


conseqüente Batalha da Borracha foi imperativa a instalação de uma infra-estrutura que
pudessem viabilizá-las. Portanto, em função dessa necessidade os altos escalões
ministeriais dos dois governos criaram, instalaram e ampliaram seguintes instrumentos
logístico-institucionais:

“a) Banco de Crédito da Borracha (BCB), criado em agosto de 1942 com a finalidade
de fomentar a produção gumífera, realizando as operações finais de compra e venda da
borracha tanto para o exterior quanto para o mercado nacional, financiando a produção,
saneando e colonizando as regiões produtoras. Ele assumiu o lugar que antes competia
às casas aviadoras e exportadoras. Ao ser instalado possuía 40% de capital estrangeiro,
norte-americano. Posteriormente, em 1947, os Estados Unidos não consideram
apropriada sua representação nos interesses do Banco de Crédito da Borracha e o acordo
foi desfeito. Em agosto de 1950 o Banco foi transformado em Banco de Crédito da
Amazônia S.A. (BCA) e, atualmente é o Banco da Amazônia S.A. (BASA).

b) Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), criado em 1942 e mantido pela Fundação
Rockefeller com o objetivo de dar assistência médica aos produtores de matérias-primas
estratégicas. Era encarregado do saneamento básico.
c) Rubber Reserve Company, posteriormente transformadas na Rubber Development
Corporation (RDC), agência norte-americana cuja finalidade era o transporte e
suprimento de bens para os seringais, além do transporte de passageiros no interior e da
borracha para os Estados Unidos.

d) Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA) e


Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia
(CAETA), os quais tinha por objetivos recrutar, hospedar e providenciar a colocação
dos nordestinos em seringais.

e) Superintendência do Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA), com finalidade de


promover o abastecimento de gêneros e fazer seu racionamento, em face ao bloqueio
marítimo.

f) Comissão Brasileiro-Americana de Produção de Gêneros Alimentícios, sob a


presidência da Divisão de Fomento de Produção Vegetal, com o objetivo de
incrementar a produção agro-pastoril no trecho compreendido da Bahia ao Acre, a fim
de atender às necessidades tanto de civis quanto militares, uma vez que a situação de
transporte havia-se agravado pela falta de combustível líquido.

g) Colônia Agrícola Nacional do Amazonas, instalada em 1941 à margem esquerda do


rio Solimões, em Boa Vista, e Colônia Agrícola Nacional do Pará, criada em 1942 no
município de Monte Alegre, no distrito de Inglês de Souza. Possuíam o objetivo de fixar
proprietários rurais, o que redundaria em colonização e povoamento de cada um das
regiões, e deveriam contribuir para a redução de tensões sociais através do
deslocamento da fronteira agrícola.

h) Instituto Agronômico do Norte, em Belém, que foi instalado em 1941 para fazer
pesquisas sobre produção vegetal, aclimatação de espécies e identificação do solo e da
floresta.

i) Aeroporto de Ponta Pelada, construído em Manaus (AM), com a finalidade de


fomentar o transporte. Nessa mesma época e com o mesmo objetivo, ampliou-se o
aeroporto de Val-de-Cans, em Belém (PA), e incorporou-se ao patrimônio nacional a
“Amazon River Steam Navigation” que, modernizada, passou a constituir a frota do
SNAPP (Serviço de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará), sob
controle federal”.

(Cf. OLIVEIRA 1983, p. 262-265).

Imagem 89.

Aeroporto de Ponta Pelada. Reproduzido do Cartão Postal A Favorita.

A Batalha da Borracha

Além desses aparatos, a Amazônia carecia também de mão-de-obra para a


produção da matéria-prima cobiçada pelos norte-americanos. Para suprir essa carência,
novamente, entrou em cena os trabalhadores do sertão nordestino, coincidentemente,
empurrados pela seca de 1941-1942, que os castigou sem clemência. O historiador
Pedro Martinello afirma que essa seca “veio reunir de 20 a 30 mil flagelados em
Fortaleza, ensejando uma mão-de-obra farta para os seringais da Amazônia”.
O DNI (Departamento Nacional de Imigração) e o RDC (Rubber Development
Corporation) conveniados executaram o primeiro movimento das grandes levas de
flagelados nordestinos para a Amazônia. De 1942 até fevereiro do ano seguinte,
enviaram quase 15 mil pessoas, metade das quais homens aptos ao trabalho nos
seringais, um número de mão-de-obra ainda, muito irrisório para produzir o volume de
borracha pretendido anualmente.
Martinello, afirma que essa primeira leva migratória “constituía-se, na sua
grande maioria, de cearenses, homens do sertão, do agreste e das caatingas que,
escorraçados pela estiagem e já no limite de suas forças e da própria sobrevivência,
deslocaram-se com a família para a capital Fortaleza, no intuído de emigrar. Tratava-se,
portanto de uma imigração familiar”.

Imagem 90.

Contrato de Encaminhamento do Soldado da Borracha. Reproduzida de Marcos Vinicius


Neves, obra citada, 2004, p. 78.

OS FLAGELADOS – “A seca me cutucou – ou corre ou morre. Vim mode a fome”. (Joaquim


Moreira de Souza, de Russas).

“Eu vim veranear na seringa. Quando chover, volto que nem ovelha à procura de pastos” (José
Lino de Araújo, de Campos Sales).

“Agüento firme até enricar” (José Matos de Lima, de Souza, Paraíba).

“Não sou fanático por dinheiro. Vim à procura de um cantinho para viver feliz com a minha
mulher e filhos” (José Florêncio, da Serra Meruoca).

“Trouxe milha família, mulher e meus treze filhos; não havia mais como sustentá-los. É a
primeira vez que tenho necessidade de deixar a minha terra. Mas não tenho medo do
sofrimento” (José Laurentino, de Cachoeira).

“Vou para a seringa mas o meu destino é criar gado. A seca matou as minhas reses. Fiquei na
miséria. Eu não queria pedir para quem já tinha dado” / “Eu não vou viver alugado. Gosto de
trabalhar para mim. Quem se freta é navio” (Antonio Ribeiro da Mota, Jaguaribe-Mirim).

BENCHIMOL, Samuel. Romanceiro da Batalha da Borracha. Manaus: Imprensa Oficial, 1992,


p. 178-179.

Imagem 91.

“Alistados” em Fortaleza (CE) para a Batalha da Borracha. Reproduzido de Marcos


Vinicius Neves, obra citada, 2004, p. 78.

A partir de 1943 foi executada pelo SEMTA (Serviço Especial de Mobilização


de Trabalhadores para a Amazônia) a segunda grande leva migratória. Diferente da
primeira, que teve como principal motivação o flagelo da seca nordestina, esta teve
como móvel as passagens de graça nos navios do Lolyd Brasileiro. Foi recrutada e
aliciada gente de diversas partes do país (cariocas, fluminenses, capixabas, baianos,
pernambucanos, mineiros etc.), de todas as classes sociais, de todas as cores, idades e
profissões (do engraxate ao operário de fábricas), tanto do interior quanto das capitais,
na sua maioria homens solteiros ou desgarrados de sua parentela. Todos seduzidos pela
oportunidade de conhecer Amazônia, à custa do governo.
A propaganda do Estado Novo aliciava os jovens nordestinos pregando a idéia
de enriquecimento fácil na Amazônia. Quando esse expediente não funcionava a
contento, utilizava outro mais eficaz, o alistamento compulsório: por este, o jovem
partiria para os seringais como soldados da borracha ou seguiria para o front na
Europa, para lutar contra os fascistas italianos e nazistas alemães. Obviamente, escolhia-
se a primeira alternativa.
Luiz de Miranda Corrêa afirma que o número total de sertanejos transferidos
para Amazônia pela SEMTA, foi de 9.000, e custou aproximadamente Cr$ 1.443.500.

Os Arigós

Esses homens de espíritos aventureiros, durante o trajeto já vinham cometendo


arruaças, ao desembarcarem em Belém ou Manaus continuaram provocando sérios
problemas de ordem social. Segundo Pedro Martinello, “ao invés de seguir para os
seringais, preferiram ficar nas cidades, fugindo dos pousos e debandando dos seus
companheiros de regimento. Soltos andavam ao léu pelas ruas das cidades com o
uniforme típico de soldado da borracha: calça frouxa de mescla, chapéu de palha
virado, a blusa larga de algodão, mochila às costas, alpercata de rabicho, barba grande e
a infalível peixeira na ilharga (...) Talvez por sua característica de vagabundos o povo
logo os apelidou de Arigó, apelativo que na versão folclórica se dava a uma ave de
arribação típica do Nordeste que vivia vagando de uma lagoa para outra”.
O termo Arigó foi estendido a todos os soldados da borracha que chegavam na
Amazônia. Visto como arruaceiros e farristas inconseqüentes, passaram a ser temidos e
evitados pela população local e a se constituir em manchetes das crônicas policiais dos
jornais de Belém e de Manaus. Martinello afirma: “a imprensa de Manaus, em 1944,
está repleta de ocorrências policiais relatando as proezas e desordens dos soldados da
borracha”.

“A LAMA DO ASFALTO” - “O que a Amazônia, naquela oportunidade viu, constituindo a


maioria das levas de soldado da borracha que aqui chegavam, não foi a fina flor dos sertões,
nada disso, e sim a lama do asfalto, o rebotalho das grandes cidades, egressos e presídios,
inclusive, e que, aqui chegados, roubando e matando, saqueando e ferindo, usando de todos os
processos de violência, iniciaram uma etapa de terror e crime gravando seriamente os hábitos
pacatos da população. O que a Amazônia viu, salvo pequenas e honrosas exceções, foi o
malandro dos morros cariocas, foi sangrador das caatingas, foi o assassino que cumprira pena
em Fernando de Noronha ou Ilhas das Flores, enfim, o lodo das ruas, a escória social brasileira”.

JORNAL DO COMÉRCIO. In: Boletim da Associação Comercial do Amazonas, 1949. Apud


MARTINELLO, 1988, p .226.

Para Samuel Benchimol, “poucos, no entanto, entenderam a função histórica que


estavam representando, anonimamente, no drama amazônico da Batalha da Borracha.
Foram eles, os arigós os insubmissos, rebeldes, os contestadores que se recusavam a
partir e morrer à míngua no front seringueiro, entregue a própria sorte, na solidão da
floresta (...). Foram eles que, como soldado e arigó esculhambaram a guerra da Batalha
da Borracha que não houve e, por isso, deram Adeus às Armas”.
Última Leva Migratória

Depois da malograda experiência do SEMTA (Serviço Especial de Mobilização


de Trabalhadores para a Amazônia) foi criado, em setembro de 1943, outro instrumento
de recrutamento da força de trabalho para os seringais, a CAETA (Comissão
Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia). A CAETA
estabeleceu convênios com DNI (Departamento Nacional de Imigração), para a direção
dos serviços de recrutamento, encaminhamento e colocação dos trabalhadores; e com o
SESP (Serviço Especial de Saúde Pública) e para cuidar da parte sanitária e assistência
médica dos imigrantes.
A CAETA, entre outubro de 1943 a setembro de 1945, conseguiu recrutar,
encaminhar e colocar 16.235 imigrantes, tendo sido encaminhados, também, 8.065
dependentes, perfazendo um total de 24.300 pessoas. Esse contingente trabalhador saiu
em sua grande maioria do Nordeste, das zonas atingidas pelas secas, diferentemente da
segunda leva migratória, era formado por trabalhadores com suas famílias.

Imagem 92.

Seringueiro. Reproduzido do Cartão Postal de A Favorita.

Os Números da Batalha da Borracha

O número de imigrantes nordestinos que foram deslocados para a Amazônia


nesse período é controverso, alguns contam 60.000 ou 100.000 trabalhadores, enquanto
que Samuel Benchimol no seu famoso livro Romanceiro da Batalha da Borracha,
estima que “pelo menos 150.000 ‘soldados da borracha’, recrutados no Nordeste
[foram] encaminhados para a Amazônia, nesse período”. Nessa obra esta registrada, a
partir de inúmeros depoimentos, o drama humano que foi a Batalha da Borracha.
Pedro Martinello constatou que os vários serviços encarregados do recrutamento
e encaminhamento, usados e criados pelo governo para o provimento de mão-de-obra
para a batalha da borracha DNI, SEMTA, CAETA e FBC (Fundação do Brasil
Central), enviaram, de 1941 a 1946, 55.339 pessoas à Amazônia e Mato Grosso, dentre
os quais 36.280 eram homens aptos para o corte da seringa e 19.059 eram dependentes
(crianças, mulheres e anciãos).
Segundo Adélia Engrácia de Oliveira, o novo fluxo migratório que aumentou o
número de habitantes da Amazônia, no entanto, os resultados da Batalha da Borracha
foram modestos, pois de 10.700 toneladas, em 1941, passou-se para 21 mil toneladas
em 1944, e 18.900 em 1945. Resultados modestos se comparados com o volume de
exportação registrado no ano de 1912, algo em torno de 43.000 toneladas.
Carlos de Meira Matos, ao avaliar o final da Batalha da Borracha chegou a
seguinte conclusão: “em que pese o drama humano que representou a Batalha da
Borracha, proporcionou, entretanto, a criação de infra-estrutura que iria servir ao
desdobramento de mecanismos futuros destinados a esforços de integração regional”.

RESULTADOS DIFERENTES – “Dos 20 mil combatentes na Itália, morreram apenas 454.


Entre os quase 60 mil soldados da borracha, porém, cerca da metade desapareceu na selva
amazônica /./ Pelo menos uma coisa todos os soldados da borracha, sem exceção, receberam. O
descaso do governo brasileiro, que os abandonou à própria sorte, apesar de todos os acordos e
das promessas repetidas antes e durante a Batalha da Borracha. Só a partir da Constituição de
1988, mais 40 anos depois da Segunda Guerra Mundial, os soldados da borracha ainda vivos
passaram a receber uma pensão como reconhecimento pelo serviço prestado ao país. Uma
pensão irrisória, dez vezes menor que a pensão recebida por aqueles que foram lutar na Itália”

NEVES, Marcos Vinicius. “A heróica e desprezada Batalha da Borracha”. In: História Viva. N.o
8, 2004, p.74 a 80.

SPVEA – Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia

Perdida a Batalha da Borracha ao final da Segunda Guerra Mundial os


Constituintes de 1946, preocupados com esse fracasso e com a cobiça internacional
sobre a Amazônia, acolheram uma emenda proposta pelo deputado amazonense
Leopoldo Carpinteiro Peres, que obrigava ao Governo Federal aplicar, durante pelo
menos vinte anos, quantia não inferior a 3% de sua renda tributária na execução de um
Plano de Valorização Econômica da Amazônia.
No entanto, o Artigo 199 da Constituição que se referia ao tema somente foi
disciplinado em 1953, pela Lei Federal N.0 1.886, pela qual:

a) Definiu-se a Amazônia Legal ;

b) Conceituou-se o Plano de Valorização como um esforço nacional de ocupação


territorial da região, em um sentido brasileiro, através da criação de uma
sociedade estável e progressista, com vista ao desenvolvimento de sua
economia e à melhoria da vida social e bem-estar econômico das populações;

c) Criou-se a Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia


(SPVEA), autarquia destinada a elaborar o Plano de Valorização e da promoção
do desenvolvimento.

Novamente, os resultados foram muito aquém do esperado, nos doze anos de


gestão da SPVEA pode-se enumerar de significativo, apenas a implantação dos sistemas
termoelétricos de Belém e de Manaus, e a abertura da rodovia Belém-Brasília. Esta
rodovia foi considerada como o projeto realizado mais importante da SPVEA, pois
possibilitou ligação da Amazônia a região Centro-Sul do país e, em especial, à capital
federal, na época sendo transferida para Brasília.
Conforme Adélia Engrácia de Oliveira, um novo fluxo migratório, em direção à
Amazônia se inicia, uma vez que a abertura dessa estrada propiciou a ocupação da
região. Passou-se, aos poucos, de populações concentradas na beira dos rios, a uma
localização nas áreas laterais da rodovia, no interior.

Governo Vargas e os Índios

Durante o Governo Vargas a política indigenista passou por diferentes


orientações e mudanças: Cândido Rondon foi reformado; o Serviço de Proteção aos
Índios (SPI) foi vinculado ao recém-criado Ministério dos Negócios do Trabalho,
Indústria e Comércio (1930); depois ao Ministério da Guerra (1934), tornando-se um
departamento da Inspetoria Especial de Fronteira. Um novo Regulamento de 1936
disciplinou as atividades do órgão. Reafirmou a função do SPI em assegurar a
assistência e proteção ao índio, porém, propôs medidas ”para nacionalização dos
silvícolas, com objetivo de sua incorporação à sociedade brasileira”. Para atender a essa
exigência, os postos indígenas foram classificados em: a) Postos de Atração, Vigilância
e Pacificação; b) Postos de Assistência, Nacionalização e Educação.
Nos postos, segundo José Mauro Glagliardi, os indígenas deveriam ser educados
para o cumprimento dos deveres cívico, através do conhecimento da higiene, da escola
primária, de exercícios físicos, da instrução militar, da educação moral e cívica, do culto
a Bandeira, do canto ao Hino Nacional, do conhecimento das datas nacionais. Para os
indígenas, os efeitos foram extremamente danosos, tanto no que se refere à destruição
da cultura indígena quanto à ocupação de suas terras.
Em 1939, O SPI foi transferido para o Ministério da Agricultura, sob o
argumento de que o problema da proteção aos índios estaria intimamente ligado à
questão da colonização, isto é, que os índios deveriam ser orientados para o cultivo do
solo. No mesmo ano foi criado o Conselho Nacional de Proteção aos Índios, sob a
presidência do general Cândido Rondon, cuja função era a de orientar o SPI em
questões relacionadas com a assistência e proteção aos índios, seus, costumes e
línguas.
Entretanto, foi só em 1942 que uma nova legislação foi editada para definir
outras finalidades do órgão tais como: o dever de prestar assistência e proteção ao índio,
garantir a posse efetiva da terra, fazer respeitar a organização interna da tribo, punir os
crimes contra ele praticados, demarcar as suas terras, estudar as suas origens, línguas,
ritos, tradições, hábitos e costumes. Acrescenta Gagliardi: de “incutir-lhe a idéia de que
faz parte da nação brasileira e, ao mesmo tempo, prestigiar as suas próprias tradições e
manter nele, bem vivo, o orgulho de sua raça e de sua tribo”.

Imagem 93.

General Cândido Rondon, ladeado pelos professores do Museu Nacional. Reproduzido


de Manuela Carneiro a Cunha, Histórias dos Índios do Brasil, São Paulo: Cia. das Letras /
Fapesp, 1992, p. 157.

Conforme Adélia Engrácia de Oliveira durante o Governo Vargas o Serviço de


Proteção aos Índios expandiu-se na Amazônia, chegando a possuir duas inspetoria
regionais, 18 Postos de Atração; 6 Postos de Assistência, Educação e Nacionalização; 5
Postos de Fronteira; e 1 Posto de Criação. Esses postos tinham as seguintes finalidades,
respectivamente, atrair grupos indígenas ao convívio pacífico com os “civilizados”;
assistir grupos indígenas para transformá-los em “cidadãos úteis à Pátria”; evitar que os
índios fossem atraídos para as regiões estrangeiras das fronteiras; e “estabelecer e
fomentar a pecuária, em moldes racionais, nos campos dos índios”.
Portanto, a política indigenista do Governo Vargas continuava a ser a de
integração do índio a sociedade nacional.

A DECADÊNCIA E O FIM – “Em 1958 Carlos de Araújo Moreira Neto, etnólogo do Museu
Paraense Emílio Goeldi, forneceu dados estarrecedores sobre o extermínio de grupos indígenas
Kayapó que habitavam o vale Xingu, e que haviam sido contatados pelo SPI. (...) /./ Em 1960,
José Maria da Gama Malcher mencionou as principais causas do fracasso do SPI, já
mencionado por Curt Nimuendaju em 1941 – as verbas insuficientes e irregulares, o exagero
burocrático, a falta de auxiliares apropriados, a falta de força para valer os seus princípios em
meio hostil – e acrescentou: se tudo isso não bastasse, a impunidade dos faltosos, a admissão de
incapazes e o empreguismo completam triste o quadro (...) /./ O Golpe de Estado ocorrido em
1964 aguçou ainda mais as contradições vividas pelo SPI. Do ponto de vista econômico, uma
das razões que motivou o golpe foi a criação de mecanismos institucionais ideais para acelerar a
acumulação do capital. Para a população indígena, este fato novo significou a intensificação da
expropriação de suas terras, mais doenças, mais massacres. (...). As informações sobre massacre
de grupos indígenas atraíram a atenção da imprensa internacional e motivaram uma situação
incômoda para o Governo Militar brasileiro. Para se livrar da situação delicada em que ficou,
em razão das denúncias, e visando atender a pressões de interesses econômicos, o Governo
simplesmente extinguiu o Serviço de Proteção aos Índios” em 1967.

GLAGLIARDI, José Mauro. O Indígena e a República. São Paulo: Hucitec / Edusp / SECSP,
1989, p. 283-284.

MARECHAL RONDON, “O CIVILIZADOR DO SERTÃO” – Cândido Mariano da Silva


Rondon nasceu em Mimoso, na Província do Mato Grosso, em 5 de maio de 1865. Em fins do
século X IX foi nomeado para servir na Comissão Construtora da Linha Telegráfica de Cuiabá
ao Araguaia. A partir de 1907, assumiu a responsabilidade de expandir a rede telegráfica no
sertão brasileiro e estendê-las de Cuiabá a Corumbá e para as fronteiras com a Bolívia e
Paraguai. Em 1910, o Governo Federal criou o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) e Rondon
foi convocado para dirigi-lo. No SPI, balizaria suas atitudes nos seguintes pontos: garantir a
posse das terras aos índios; incentivar a agricultura nas tribos; zelar para que os crimes contra as
nações indígenas fossem punidos. Rondon cunhou a frase que se tornou o símbolo de sua
relação com os índios: “Morrer se preciso for, matar nunca”. Faleceu em 19 de janeiro de 1958,
e em sua homenagem o Território de Guaporé passou a ser chamado de Rondônia.

Nova Organização Territorial da Amazônia

No Governo de Vargas foram criados três Territórios Federais: Guaporé (atual


Estado de Rondônia), Rio Branco (atual Estado de Roraima) e Amapá (atual Estado do
mesmo nome). Somando ao do Acre, quarto são os territórios sob administração federal
na Amazônia. No Mato Grosso e no Paraná também foram criados territórios federais:
Ponta Porá e Iguaçu, respectivamente.
A criação dessas unidades federais na faixa de fronteiras internacionais era uma
antiga reivindicação dos geopolíticos brasileiros liderados por Everardo Backeuser. Tal
empreendimento foi possível através da Constituição de 1937, pela qual o Governo
Federal poderia “criar, no interesse da defesa nacional, com partes desmembradas dos
Estados, territórios federais, cuja administração será regulada em lei especial” (Artigo
6.0). Chegava ao fim uma queda de braço antiga entre as elites dirigentes dos Estados e
o Governo Federal.

Amazônia Pós-1964
A partir do declínio da economia da borracha, na segunda década do século XX,
a Amazônia entrou num verdadeiro marasmo econômico, os períodos de prosperidades
subseqüentes foram poucos e curtos demais para poder gerar o dinamismo capaz de
proporcionar um crescimento econômico contínuo.
A população do interior do Estado do Amazonas, além das atividades de
subsistência, voltou a dedicava-se ao extrativismo vegetal, à agricultura e à pecuária de
pequeno porte, direcionada para o abastecimento da capital. A novidade ficaria por
conta da juticultura, introduzida nos municípios do Baixo e Médio Amazonas na década
de 1930 pelos imigrantes japoneses. O Amazonas vivia em função dessa débil economia
e de parcas transferências de recursos pelo Governo Federal.
Com o Golpe Militar de 1964, o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco
assumiu a Presidência da República e deflagrou uma estratégia para o desenvolvimento
da Amazônica, as quais mudaram radicalmente a política vigente até aquele momento.
Para viabilizá-la o Governo Federal criou a SUDAM (Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia); e o BASA (Banco da Amazônia), que absorveu,
ampliou e dinamizou as funções do antigo Banco de Crédito da Amazônia (BCA).

SUDAM - Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

Órgão vinculado ao Governo Federal, criado pela Lei n.o 5.173 de 27 de outubro de
1966, substituiu a SPVEA (Superintendência do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia). Inserida no conjunto das políticas desenvolvimentistas, a SUDAM foi
criada com a função de coordenar as ações federais na Amazônia, sendo a principal
encarregada da elaboração e execução do Plano de Valorização Econômica da
Amazônia, diretamente ou através de convênios com entidades públicas e privadas,
utilizando como agente financeiro o Banco da Amazônia S.A – BASA.
Além das funções de coordenação, avaliação e supervisão do Plano de Valorização,
caberia a SUDAM a tarefa de fiscalizar o uso das verbas, a decisão sobre a distribuição
de recursos provenientes de incentivos fiscais entre os diferentes projetos privados
propostos para a região, a apresentação de sugestões quanto à criação e extinção de
órgãos que trabalhassem na Amazônia e a promoção de estudos e pesquisas que
possibilitasse um maior conhecimento das potencialidades regionais.

Operação Amazônia

Em dezembro de 1966, Castelo Branco acompanhado de políticos, planejadores,


banqueiros e industriais, lançou em Manaus a Operação Amazônia, contendo medidas
que resultou na montagem efetiva de um aparato institucional, cujos objetivos eram a
ocupação, o desenvolvimento e a integração da parte norte do Brasil ao todo nacional,
que aparecia como uma vasta extensão territorial praticamente vazia em termos
populacionais.
Portanto, a partir de 1966 se iniciou uma nova fase de desenvolvimento
extensivo do capitalismo na Amazônia. Iniciava-se uma fase de expansão mais
acelerada nos setores produtivos da economia regional (extrativismo, agricultura,
pecuária e industrial).

Imagem 94.

Praça Oswaldo Cruz, ao fundo o prédio da Alfândega, em Manaus. Reproduzido de


Cartão Postal A Favorita.

Zona Franca de Manaus


Foi neste contexto de inclusão da Amazônia no modelo econômico
desenvolvimentista do Governo Militar que foi criada pelo Decreto-Lei n.º 288, de 28
de fevereiro de 1967, a Zona Franca em Manaus, supervisionada pela SUFRAMA
(Superintendência da Zona Franca de Manaus), com o objetivo de atrair interesses
econômicos e financeiros para o interior da Amazônia, através de incentivos fiscais
especiais e de uma área livre para o comércio de importação e exportação, o que
possibilitaria, segundo seus idealizadores, o desenvolvimento da Amazônia Ocidental,
resultando no aumento da oferta de empregos, incentivo ao turismo interno, e ao
desenvolvimento industrial e agropecuário.
Conforme o economista Rosalvo Machado Bentes, a estruturação da Zona
Franca de Manaus, em 1967, fez a cidade de Manaus entrar e um processo de rápido
crescimento econômico e demográfico, o qual encerou um longo período de lentas
mudanças sociais, conseqüentes de mais de meio século de declínio e estagnação
econômica regional. Pois, a ZFM trouxe um clima de confiança, entusiasmo e melhoria
dos negócios, que se fez sentir na rápida expansão do comércio e dos serviços; na
implantação de novas indústrias; e na melhoria e ampliação das facilidades de
transportes e de comunicação entre Manaus, o país e o mundo:

“Com a implantação da ZFM, Manaus sai do marasmo econômico e passa a crescer


aceleradamente. Este dinamismo inicialmente se verifica no comércio que redireciona
parte de suas atividades para a importação de produtos estrangeiros, para atender a
demanda dos consumidores locais e dos turistas. Grande parte do comércio tradicional
voltado para o aviamento fecha suas portas ou muda de ramo, enquanto novas firmas
comerciais se instalam. O setor bancário, restrito a poucas agências, começa a expandir-
se. O setor hoteleiro, inicialmente passa por uma fase de improvisação, com a adaptação
de prédios de usos diversos ao serviço hoteleiro,que posteriormente, com a ampliação
dos hotéis existentes e a construção de outros novos e modernos seriam em parte
desativados. O comércio imobiliário e a indústria da construção entram em fase de
prosperidade .No setor industrial, são improvisadas fábricas em velhos galpões e casas
antigas, que aos poucos, com a implantação do Distrito Industrial, pela
Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), vão se transferindo para
instalações próprias, definitivas e adequadas ao uso industrial. O número de projetos
industriais aumentam, e aos poucos ,Manaus foi se definindo como verdadeiro enclave
da indústria eletrônica e relojoeira de dimensão nacional. O aumento dessas atividades
expande a demanda por mão-de-obra especializada e não-especializada e eleva o nível
de renda da população de Manaus” (BENTES, 1986, p. 231-232).

Imagem 95.

Álvaro Botelho Maia e Arthur C. Ferreira Reis (Imagem reeditada). Governador e


Interventor Federal do Amazonas na Era Vargas, e Governador do Amazonas (1964 a 1967),
respectivamente. Reproduzido do Memorial Arthur Reis (CD-ROM), SEC - Biblioteca Pública do
Estado do Amazonas.

Outro Lado da Zona Franca de Manaus


Ainda de acordo Rosalvo Bentes, as novas atividades estimularam,
imediatamente, a população do interior do Estado a migrar para Manaus em busca da
solução para seus problemas de rendas e emprego, acelerando-se dessa forma, o êxodo
rural, o que fez com que a população da cidade Manaus se elevasse de 254 mil
habitantes em 1967, para 634.756 habitantes em 1980. No entanto, isso aconteceu sem
que houvesse uma estrutura capaz de absorve e integrar essa população ao processo
econômico e social, enquanto no interior do Estado desagregavam-se e esvaziavam-se
as atividades tradicionais.
O interior do Estado foi o maior fornecedor de migrantes para Manaus,
responsável 56,7% do total por critério de nascimento, e 56,3% pelo da última
residência. Enquanto que Estado do Pará ficou em segundo lugar enviando 11,5% e
13,0%, pelos respectivos critérios.

Quadro 19 – CHEFES DE FAMÍLIAS MIGRANTES, RESIDENTES EM


MANAUS, SEGUNDO OS ESTADOS DE NASCIMENTO E DE ÚLTIMA
RESIDÊNCIA
NASCIMENTO ÚLTIMA
RESIDÊNCIA
ESTADOS Freqüência Freqüência Freqüência Freqüênci
Absoluta Relativa Absoluta a
Relativa
Rondônia 15 1,0 29 1,9
Acre 106 6,9 79 5,2
Amazonas 869 56,7 863 56,3
Roraima 11 0,7 30 2,0
Pará 176 11,5 202 13,0
Amapá 2 0,1 1 0,1
Maranhão 20 1,3 21 1,4
Piauí 9 0,6 8 0,5
Ceará 151 9,9 106 6,9
Rio G. do Norte 15 1,0 10 0,7
Paraíba 20 1,3 10 0,7
Pernambuco 20 1,3 15 1,0
Alagoas 8 0,5 3 0,2
Sergipe 4 0,3 2 0,1
Bahia 12 0,8 9 0,6
Minas Gerais 17 1,1 16 1,0
Espírito Santo 1 0,1 0 0,0
Rio de Janeiro 16 1,0 45 2,9
São Paulo 17 1,1 34 2,2
Paraná 2 0,1 3 0,2
Santa Catarina 1 0,1 0 0,0
Rio G. do Sul 6 0,4 8 0,5
Mato Grosso 1 0,1 1 0,1
Mato G do Sul 1 0,1 6 0,4
Goiás 10 0,7 6 0,4
Distrito Federal 1 0,1 8 0,5
Países estrangeiros 21 1,4 17 1,1
1532 100,0 1532 100,0
Fonte: Pesquisa de Campo realizada por Rosalvo M. Bentes em 1979. In: BENTES,
1986, p.235.

O geógrafo Victor Ribeiro Filho afirma que, principalmente na década de 80, a


cidade de Manaus cresceu de forma acelerada e desordenada. Muitos “bairros” foram
criados às custas das ocupações, sem qualquer forma de planejamento. Multiplicaram-se
as ocupações dos igarapés e dos interflúvios, agravando o problema ambiental e as
condições de habitação da população. A cidade esparramou-se pelos extensos platôs,
avançando floresta adentro, cada vez mais se distanciando do rio Negro.
Não obstante, alguns bairros foram criados sob um planejamento, para atender
setores da classe média com atividades na indústria, no comércio ou no serviço público,
tais como: Adrianópolis, Vieiralves, Parque das Laranjeiras e Ponta Negra.
Por conta dos atrativos da ZFM, a população de Manaus cresceu assustadoramente,
atingindo 1.138.178 habitantes, em 1995.

OUTRAS ZONAS FRANCAS – O quadro em que se desenvolveu a Zona Franca de Manaus,


em muito se assemelha ao caso das Zonas Francas industriais asiáticas e o da Zona Franca do
México, consideradas em seu contexto mais genérico, sob a significativa expressão de
“indústrias maquiladoras” /./ Em Manaus, assim como na Ásia ou no México, a fonte básica de
mão-de-obra para o setor fabril provém das áreas rurais, sendo principalmente uma força jovem
com educação escolar mínima. Entretanto, nas cidades do mundo asiático o êxodo rural se dá a
partir do que se convencionou chamar de Revolução Verde. No caso de Manaus, essa migração
ocorreu em função do agravamento da crise agrária, do avanço da privatização da terra, e em
decorrência da perda gradual das condições de vida e trabalho das populações rurais, concluem
os autores citados.

MOURA, Edila Arnoud et alii. A Utilização do Trabalho Feminino nas Indústrias de Belém e
Manaus. Belém: UFPA / NAEA, 1986.

No início de 1990, a ZFM respondia pelo emprego de cerca de 130.000


trabalhadores. No ano seguinte, esse número foi reduzido em um 1/3 a quase 80.000 e
em 1992 caiu para 40.000, mantendo esse patamar no ano seguinte. Finalmente, em
1995 a Zona Franca de Manaus fechou o ano com 55.000 trabalhadores empregados.
Depois da queda vertiginosa de 130 mil para 55 mil empregos, parece que o
processo geração de emprego na ZFM ficou estagnado, sugerindo o descumprimento de
um dos principais objetivos que nortearam a sua criação.

Os Índios e o Desenvolvimento da Amazônia

Pelos cálculos efetuados pelo antropólogo inglês John Hemming, na década de


1980, na região que hoje é a Amazônia brasileira, na época do contato com os homens
brancos (séculos XVI e XVII) teria 3.625.000 índios. Atualmente, pelas estimativas da
Fundação Nacional do Índio (Funai), essa região detém apenas, algo em torno de
156.000 indígenas, que em termos percentuais representam 4,3% do total daquela
população original, significando então, que 95,7% dela desapareceu nos últimos quatro
séculos.
Muito já se disse sobre o extermínio físico e cultural dessa população durante os
períodos da conquista e da colonização, mais ainda é pouco pelo que representa a perda
do patrimônio cultural e natural que essa catástrofe demográfica ceifou, redundando
num imenso prejuízo para as sociedades do presente. Com a Independência do Brasil,
no início do século XIX, a realidade das populações indígenas não ficou diferente,
apesar dos governos imperiais e republicanos terem criados, ao longo do tempo,
organismos de proteção aos índios, o extermínio físico e cultural dos índios continuou.
Na Amazônia do século XX, a situação se exacerbou com as chamadas políticas
de desenvolvimento econômicos dos governos federais e estaduais e até municipais,
principalmente a partir da década de 1960, quando várias rodovias foram construídas
rasgando e sangrando as terras indígenas. Empresas de mineração, de extração de
madeiras, de atividades agropecuárias, de produção de energia elétrica etc. penetraram
nessas terras provocando desastres com prejuízos irreversíveis para as populações
indígenas e para o meio ambiente.

Imagem 96.

“Fazendeiro paulista oferece balas a crianças Txukahamãe”. Foto de Loren Mcityre.


Reproduzido de Berta G. Ribeiro. Amazônia Urgente. 2.a edição. Belo Horizonte: Itatiaia, 1992,
p. 182.

Por exemplo, a penetração de fazendas agropecuárias no vale o rio Arinos


arrasaram os Beiços-de-Pau (Txukahamã); a construção da rodovia Cuiabá-Santarém,
quase exterminou os Krenhekores ou “Gigantes” do rio Peixoto de Azevedo, que
perderam 80% de sua população, e os remanescestes foram transferidos para o Parque
Nacional do Xingu, enquanto que as suas terras ficaram em mãos da grande empresa
mineradoras e agropecuárias, como a Paranapanema, a Atala e a Silvio Santos. As terras
dos Araras, dos Tenharim do Amazonas; dos Cinta Largas, dos Nhambiquaras, do Mato
Grosso; dos Suruí, Urueu-Au-Au, Zorós e Kaxarari de Rondônia, foram atingidos em
cheio pela construção da Transamazônica, da rodovia Cuiabá-Porto Velho-Rio Branco e
suas respectivas suas vicinais. Caso emblemático foi o dos Parakanãs, que foram
removidos três vezes em conseqüência das construções da estrada e da Hidrelétrica de
Tucuruí, no Pará.
SALVÁ-LOS DO EXTERMÍNIO — “Em meus 32 anos de trabalho com o indigenismo, tive
oportunidade de conhecer muitas etnias e participar de várias experiências com comunidades
indígenas. Nos anos 1960 e inicio dos 1970, a maior preocupação da legião de indigenista que
então de formava e se dedicava à causa indígena era salvar os índios do extermínio a que
pareciam condenados e protegê-los da guerra estabelecida pelos grandes projetos e pela ação
criminosa de determinados segmentos da sociedade. Graças às nossas preocupações e ações,
alguns grupos conseguiram sobreviver”.

CARVALHO, José Porfírio, “Projeto Waimiri-Atroari – Eletronorte”. In: LIMA, Antonio


Carlos de S. & BARROSO-HOFFMANN, Maria (Orgs.), 2002, p. 127.

Os Waimiri-Atroaris
Os Waimiri-Atroaris, também chamados de Kinã, Kinja, Uaimiry ou Crichaná
pertencem ao tronco lingüístico Karib, e que até fins da década de 1960, dominavam a
região dos altos dos rios Urubu e Uatumã, até a atual cachoeira de Balbina. Inclui-se
também neste domínio rios Camanaú, Jauaperi, Alalaú e seus respectivos afluentes, nos
Estados do Amazonas e Roraima.
O primeiro contato desses índios com os brancos teria acontecido em 1663, na
região do rio Urubu, a partir daí muitos contatos aconteceram mas sempre belicosos.
Conta-se que o primeiro contato amistoso dos Waimiri-Atroaris com os brancos,
ocorreu em fins do século XIX, com os membros da expedição do etnólogo e botânico
João Barbosa Rodrigues. Os contatos com outros brancos continuaram, mas a história
da tragédia humana desses índios deve ser contada a partir de 1967, quando o governo
do Estado do Amazonas retomou a construção da rodovia Manaus-Boa Vista-Caracas
(BR-174).
No ano seguinte o Governo Federal assumiu o empreendimento, e encarregou o
6.0 BEC (6.0 Batalhão de Engenharia e Construção) da construção da rodovia, enquanto
à FUNAI (Fundação Nacional do Índio) se responsabilizaria pela atração dos indígenas,
que nas palavras do então governador do Amazonas, Danilo Matos Areosa, ocupavam
as “áreas das mais ricas do Estado, impedindo a sua exploração”.
Ao penetrarem nas terras dos Waimiri-Atroaris, os operários da construção
começaram a debandar do canteiro da obra. O DNER (Departamento Nacional de
Estradas de Rodagem) em face de esse acontecimento, que poderia interferir
negativamente na construção da estrada, solicitou a FUNAI um plano de aproximação
com os índios, pois as autoridades queriam evitar os erros e crimes cometidos contra as
populações indígenas durante a construção da Rodovia Belém-Brasília. Como
verbalizou o então presidente da FUNAI:

“(...) já mandei um telex ao Gilberto (Pinto), em Manaus, para que se uma a seus
esforços, no sentido de evitar que a abertura de uma estrada, concedida pelo DNER ao
DER, repita o desastre da Belém-Brasília, em cuja margem se vêem, hoje, a prostituição
das índias pelos motoristas de caminhão, a embriaguez do índio e a destruição das tribos
pelo contágio e pelo suicídio anônimo do índio” (CAMPOS, José de Queiros. Apud
SCHWADE, 1993, p. 377).

Expedição do Padre Calleri

Para evitar um novo desastre, foi designada uma expedição de atração chefiada
pelo padre João Calleri, a qual era composta por oito homens e duas mulheres (João
Calleri; Álvaro Paulo da Silva, o Paulo Mineiro; João Geraldo de Oliveira, o Cara-de-
Onça; Aragão Rodrigues de Oliveira; Bezerra Ribeiro Mendes; Francisco Eduardo de
Oliveira; Manuel Mariano da Silva; Manuel Nascimentos; Maria Mercedes Sales e
Marina Pinto da Silva) que partiram em outubro de 1968, de Manaus para o
acampamento do DER-Am, no rio Abonari e de lá para as terras dos Waimiri-Atroaris,
onde foram barbaramente assassinados por brancos e índios, por tiros e flechadas. Desse
massacre, apenas um sobrevivente: Álvaro Paulo da Silva, o Paulo Mineiro.
Sobre o destino trágico da Expedição do Padre Calleri existem várias versões,
desde a época dos acontecimentos até mais recente com a publicação do livro Massacre,
do padre Silvano Sabatini, contemporâneo ao evento. Nesta obra o padre Calleri e seus
companheiros foram vítimas de uma conspiração que envolveu missionários norte-
americanos da Unevagelized Field Mission (Cruzada de Evangelização Mundial ou
Missão Evangélica da Amazônia – MEVA), brasileiros, índios Wai-Wai e Waimiri-
Atroari.

Imagem 97.

Croqui das Terras Indígenas Waimiri-Atroari. Reproduzida do site: www. Waimiri-


atroari.org.br

Massacre Sem Mortos

Não obstante, o massacre da expedição Calleri, as obras da estrada avançavam,


enquanto que a Funai “protegia” os índios. Entretanto, de acordo com o etnólogo
Egydio Schwade “começou a reinar um bloqueio sistemático das informações a respeito
dos acontecimentos no território e aldeias daqueles índios. Nos jornais, rádio e televisão
apareceram apenas as informações do avanço da estrada, dos heróis da sociedade
nacional (servidores da FUNAI e operários do 6.0 BEC) que tombavam ante a crueldade
assassina dos Waimiri-Atroari”. Não havia notícia de nenhum índio morto nos registros
oficiais. No entanto, de 1968 a 1975 constatou-se o desaparecimento de pelo menos
dezenove aldeias das margens do rio Alalaú e do Igarapé Santo Antônio do Abonari:

“A população Waimiri-Atroari se reduziu de 3.000 para menos de 1.000 pessoas entre


1972 e 1975, sem que o governo, único com acesso à área nesse período, apresentasse
algum motivo ou causa dessa depopulação. E hoje [em 1992] restam menos de 400
pessoas. Baseamo-nos nos dados oficiais fornecidos pela própria FUNAI” (SCHWADE,
In: HOONAERT, 1992, p. 376).

* * *

Esse povo indígena atualmente apresenta um vigoroso sinal de recuperação, pois


em setembro de 2003 foi publicado na imprensa em geral o nascimento do milésimo
Waimiri-Atroari. Há também, uma expectativa de que essa população dobre até 2015.

Estranhos Visitantes

Conforme Egydio Schwade, em fins da Segunda Guerra Mundial o 4th Photo


Charting Squadron, do exército norte-americano auxiliado pelo SPI (Serviço de
Proteção aos Índios), fizeram um levantamento aerofotogramétrico de alguns rios da
Amazônia, dentre eles o Alalaú e o Uatumã e seus afluentes.
Uma equipe de observação do Squadron composta por dois militares
americanos, os seus guias e mais alguns auxiliares brasileiros foi surpreendida, pelos
índios na cachoeira de Urtanu (Criminosa) no rio Alalaú. Quase toda a equipe foi morta,
sobreviveu apenas uma pessoa. Os Waimiri-Atroari estariam na defesa do seu território,
ora invadida pelos brancos,
Em 1945, os missionários norte-americanos da MEVA (Missão Evangélica da
Amazônia) entraram em contato com os índios Wai-Wai, a partir daí dar-se-á a
penetração no território Waimiri-Atroari. Essa Missão foi acusada de “acobertadora de
contrabando de minério”, de catequese que levava à autodestruição cultural e física dos
índios, e de interferência na política indigenista brasileira, no entanto, parece que
recebia colaboração de autoridades ligadas a FUNAI. Por exemplo, em 1986, por
determinação desse órgão os seus missionários substituíram os professores brasileiros
que atuavam numa aldeia Waimiri-Atroari.
A partir do final da década de 1960, com a febre da edificação de estradas foram
criadas as grandes empresas ligadas à construção civil, tais como Mendes Júnior,
Andrade Gutierrez, Paranapanema etc. Essas firmas ampliaram seus raio de ação. Por
exemplo a Paranapanema, que foi fundada em 1961 “para a exploração da indústria da
construção civil, incluindo projetos e execução de obras de terraplanagem e
pavimentação”, depois do contato com as terras indígenas dos Wai-Wai e dos Waimiri-
Atroari alterou, em 1971, o seu estatuto, incluiu novos objetivos, tais como; “o estudo, a
pesquisa e a lavra minérios em geral”. Tornou-se a “Paranapanema S.A. – Mineração,
Indústria e Construção”. No mesmo ano efetuou outra alteração nos objetivos, passando
a ser de: “pesquisa e lavra de depósitos minerais em geral, a compra e a exportação de
minérios, a prática de operações de redução e beneficiamento de minério e todas as
demais ligadas à indústria de mineração...” Cogita-se que essas alterações estariam
vinculadas à redução de 4/5 das terras dos Waimiri-Atroari pelo Governo Federal.
A partir daí, segundo Schwade, a Paranapanema se tornou o protótipo do “novo
desenvolvimento” que o governo visava implantar na Amazônia. A Paranapanema,
penetrou pela parte leste da reserva indígena, pelas cabeceiras dos afluentes do alto rio
Uatumã. Nessa região, em 1968 o padre Calleri aerofotografou nove aldeias Waimiri-
Atroari, as quais vieram a desaparecer.
Na década de 1980, a Eletronorte construiu no rio Uatumã a Usina Hidrelétrica
de Balbina (UHB). Esse empreendimento atingiu, com a construção da barragem para
formar o lago, cerca de 30.000 ha da reserva indígena.

“OS CIVILIZADOS” – “Mediante os desenhos e as letras eles [os índios] revelaram também
as armas que kamnã (= os civilizados) usaram para dizimá-los: aviões, helicópteros, bombas,
metralhadoras, estranhas doenças que apareceram depois que os helicópteros com soldados e
funcionários da Funai pousaram em suas aldeias, doenças que mataram aldeias inteiras. O terror.
A humilhação e o desprezo pelos velhos, sobretudo os chefes, e a exaltação da superioridade do
mundo dos kamnã ou civilizados”.

SCHWADE, Egydio.”Waimiri-Atroari: a história contemporânea de um povo na Amazônia”.


In: HOONAERT, Eduardo (Coord.). 1992, p. 376.

Portanto, o caso dos índios Waimiri-Atroaris no Amazonas e em Roraima,


muito bem, ilustra a história da tragédia humana que os índios da Amazônia viveram
nos últimos cinqüenta anos do século XX; delineia também a ideologia de uma
sociedade branca que pregava o desenvolvimento a qualquer custo, sem se importar
com o Outro.

Leitura Complementar N.o 16

CLUBE DA MADRUGADA

“O Clube da Madrugada foi criado ao amanhecer do dia 22 de novembro de 1954, na praça


Heliodoro Balbi, mais conhecida como praça da Polícia.
Os fundadores – Naquele dia e naquela adiantada hora, achavam-se reunidos os
seguintes jovens: Celso Melo, Farias de Carvalho, Fernando Collyer, Francisco Ferreira Batista,
Humberto Paiva, João Bosco Araújo, José Pereira Trindade, Luiz Bacellar, Saul Benchimol e
Teodoro Botinelly. Talvez houvesse ainda outros, mas é impossível sabermos, depois de tanto
tempo.
A conversa, então, recaiu sobre a necessidade de fundar uma agremiação literária.
Depois de algum tempo, por sugestão de Luiz Bacellar ou de Saul Benchimol, concordaram
todos com o nome sugerido: Clube da Madrugada.
Significado – O nome Madrugada estava de acordo não só com a hora em que foi
fundado o novo grêmio literário, como também significava, de modo figurado, o surgimento de
um novo dia para a cultura do Amazonas. Um novo dia, em que o passado de atraso, conforme o
pensamento daqueles jovens, fosse enterrado.
Importância histórica – O Clube da Madrugada conseguiu cumprir o que pretendia:
tornou-se uma grande expressão cultural. Fundado também com a intenção de se opor à
Academia Amazonense de Letras, que não dava vez aos jovens, o Madrugada tornou-se o
momento mais importante das letras no Amazonas.
Alguns dos rapazes que estavam no momento da fundação do Clube não permaneceram
em suas fileiras. Outros, porém, motivados pelo sucesso, pediram sua filiação. É o caso d
Estranhos Visitantes e Jorge Tufic, Alencar e Silva, Carlos Gomes, L. Ruas, Erasmo Linhares,
Elson Farias, Astrid Cabral. E outros e outros, ao longo dos anos.
Ao serem admitidos como membros, os novos integrantes eram “batizados” de
“Cavaleiros iniciados em todas as Madrugadas do Universo”.
Atuação literária – Na poesia, a primeira fase do clube é neo-simbolista. Ela se filia à
chamada Geração de 45 da Literatura Brasileira. São representantes dessa tendência, dentre
outros, Jorge Tufic, Sebastião Norões, L. Ruas e Alencar e Silva.
Com o tempo, novas tendências surgiram. Uma delas foi a poesia política, que apontava
males da sociedade brasileira. O principal praticante dessa temática foi Farias de Carvalho, em
poemas do livro Cartilha do Bem Sofrer com Lições de Bem Amar, de 1965. Uma terceira foi a
poesia telúrica, ou seja, aquela que fala do homem e da natureza da Amazônia. Expressam essa
fase autores como Luiz Bacellar (no livro Sol de Feira) e Elson Farias (Estações da Várzea,
Barro Verde e outros).
Na prosa de ficção, encontramos, como seria de esperar, a narrativa telúrica ou
regionalista. Arthur Engrácio é seu mais conhecido representante, com livros de contos como
Estórias do Rio e Restinga, além do romance Áspero Chão de Santa Rita. Mas Antísthenes
Pinto, também um poeta inspirado, escreveu sobre a mesma temática. É de sua autoria, por
exemplo, o romance Várzea dos Afogados.
Outros contistas de tendências diversas são: Carlos Gomes (autor de Mundo Mundo
Vasto Mundo), Erasmo Linhares (O Tocador de Charamela e O Navio e outras Estórias), Astrid
Cabral (Alameda) e Benjamin Sanches (o outro e outros contos).
Para pesquisar – O livro Clube da Madrugada: 30 anos, de Jorge Tufic, apresenta, de
forma clara e detalhada, um painel dos primeiros tempos de atuação dessa entidade literária.
Relata a intensa atividade dos jovens artistas, com lançamento de livros, exposições de pintura e
produção de filmes.
KRÜGER, Marcos Aleixo Frederico. Verbete publicado originalmente no Estado do
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Francisco Jorge dos Santos

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