A racionalidade neoliberal e o modo como ela é operada na sociedade global é o grande tema a ser esmiuçado na obra de 2009 do filósofo Pierre Dardot em conjunto com o sociólogo Christian Laval. Ainda que se tenha passado mais de uma década desde a primeira edição, a obra dos autores franceses tem se mostrada cada vez mais atual e necessária. Para melhor compreendermos a predominância das políticas neoliberais nos Estados modernos é preciso identificar o momento de ascendência deste ideal, ou melhor, o momento da grande virada. O momento de transição de um “compromisso socialdemocrata” para um “compromisso neoliberal” é efetivado à medida em que o último é apontado como uma “sucessão natural” dos fatos, algo do qual seria impossível fugir ou tergiversar. Mas essa “sucessão natural” se impôs por meio de estratégias. E é sobre essa estratégia neoliberal o qual os autores atentam. Uma estratégia sem sujeito, e de certa forma, resultado não de uma racionalidade criadora, mas fruto de embates e confrontos. Com o fenômeno da estagflação e o aumento do poder dos sindicatos e organizações de assalariados nos anos 1970, as entidades financeiras se viram impelidas a institucionalização de novas ferramentas que pudessem resolver esses dois problemas que se encontravam em uma crescente. Como solução, as palavras de ordem neoliberal eram privatizar, desregulamentar e abrir à concorrência diversos – se não todos – setores da economia. Era preciso criar um sistema disciplinar mundial que desse conta desse serviço. Impulsionado por essas entidades financeiras o Estado tomou a frente dessas medidas. Com isso houve um significativo desenvolvimento do capitalismo financeiro. Não obstante, uma “estratégia” neoliberal consonante a esse referido desenvolvimento, houve o processo de “financeirização” de diversos aspectos da vida cotidiana, uma “capitalização da vida individual”. Ao tornar o indivíduo empresa, a lógica da concorrência invade o cotidiano, desmantelando a sociedade de sua unidade, assim como desejava Margareth Tatcher. Mas ao mesmo tempo que o Estado era o proponente dessas medidas, a própria ideologia neoliberal se voltava contra a ideia de Estado interventor. Segundo essa racionalidade o governo era fonte de todos os desperdícios e um freio à prosperidade. Esse desperdício era mais dispendioso quando se tratava de bem-estar social, causava mais problema do que resolvia. E aqui se encontra a grande ojeriza neoliberal, o Estado não deve dar o peixe e sim ensinar a pescar. O passa a ser indivíduo responsável por si mesmo, por sua saúde, sua segurança, sua integridade, seu desenvolvimento, sua educação e terá que procurar meios de provê-los, afim de se diferenciar dos demais indivíduos circundantes. Aqui a lógica da concorrência também é vigente e a meritocracia é a regra. Aliás, a culpa do desemprego, da pobreza e de outras mazelas sociais passam a recair sobre o indivíduo, principalmente quanto esse está desempregado. A chamada “empresa neoliberal” também é fruto dessa racionalidade. Sua organização foi tocada por essa lógica. Seus funcionários também. Com isso, os antes colegas de trabalho agora são concorrentes rumo a terminada meta – quanto mais inatingível melhor para a empresa. A avaliação qualitativa e quantitativa do trabalho do funcionário passou a ser a essência dessa organização disciplinadora. Contudo, essa estratégia neoliberal cumpre na prática um papel diferente do que na teoria. Ao invés de haver esvaimento das funções públicas do Estado, há uma reorganização, de acordo com a racionalidade neoliberal, na burocracia estatal. E a adesão dessa racionalidade, ou seja, de operar o Estado aos ditames do mercado e seus mestres, não é exclusividade somente da direita. Dardot e Laval indicam que a institucionalização do neoliberalismo fez com que parte da esquerda reivindicasse argumentos tipicamente neoliberais. Isso é resultado de uma interpretação equivocada dessa racionalidade. Assim, o consenso necessário para a adesão ao neoliberalismo atinge a esquerda como forma de razão, o que por sua vez, desideoligiza a ideologia neoliberal. Uma vez institucionalizado e internacionalizado o neoliberalismo, essa racionalidade passa a operar na constituição e na formação do indivíduo, na fabricação do sujeito neoliberal e na gestão de suas mentes. A eficácia, a produtividade, a competividade e o espírito empreendedor estão nos genes desse novo indivíduo. Este último aspecto merece atenção. O indivíduo e empresa formam um amálgama. É preciso se vender como uma empresa e se gerir como tal. Como uma empresa, o indivíduo precisa gerenciar uma série de capitais, nesse caso específico são os capitais cultural, intelectual, social e econômico. Para a otimização do desemprenho desse individuo-empresa adveio ferramentas pseudocientíficas que prometem elevar a produtividade do trabalhador e, consequentemente, o lucro pra empresa. Mas o custo dessa busca incessante pela alta produtividade é igualmente alto, como o adoecimento prematuro de uma sociedade que busca cada vez mais ganhos de naturezas diversas. Já esses ganhos podem ser caracterizados como gozo, que por sua vez está diretamente ligado ao baixo ou alto desempenho do indivíduo-empresa.