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Revelação

por

Vincent Cheung

EFÉSIOS 1:3-14

Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos
abençoou com todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em
Cristo.

Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos
santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para
sermos adotados como filhos por meio de Jesus Cristo, conforme o bom
propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual
nos deu gratuitamente no Amado.

Nele temos a redenção por meio de seu sangue, o perdão dos pecados, de
acordo com as riquezas da graça de Deus, a qual ele derramou sobre nós
com toda a sabedoria e entendimento. E nos revelou o mistério da sua
vontade, de acordo com o seu bom propósito que ele estabeleceu em
Cristo, ou seja, de fazer convergir em Cristo todas as coisas, celestiais ou
terrenas, na dispensação da plenitude dos tempos.

Nele fomos também escolhidos, tendo sido predestinados conforme o


plano daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua
vontade, a fim de que nós, os que primeiro esperamos em Cristo, sejamos
para o louvor da sua glória. Nele, quando vocês ouviram e creram na
palavra da verdade, o evangelho que os salvou, vocês foram selados com
o Espírito Santo da promessa. Ele é a garantia da nossa herança até a
redenção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da sua glória.

[...]

Agora, todos aqueles que foram salvos, tanto sob a antiga como sob a
nova administração da graça de Deus, foram salvos sobre a mesma
base, a saber, através de uma fé, dada por Deus, na obra redentora de
Cristo. Todavia, sob a nova administração, há uma revelação mais
plena do “mistério da sua vontade” (v. 9). A revelação desse “mistério”
corresponde ao dom de Deus de “sabedoria e prudência” [N.T.: em
algumas versões, inclusive na NIV, usada pelo autor]. Em outras
palavras, quando a Escritura diz que Deus dá ao seu povo “sabedoria e
prudência”, ela não está dizendo apenas que Deus nos deu potencial e
capacidades intelectuais (embora estejam inclusas), mas ela está
dizendo que Deus nos revela informação real para entendermos e
aplicarmos.

A palavra “mistério” é uma favorita dos anti-intelectuais, e eles


constantemente usam-na impropriamente e abusam dela. Quando
usam a palavra, eles estão se referindo a algo que nós não entendemos
ou nem mesmo podemos entender, e, portanto, algumas vezes eles
fazem o ponto adicional de que ele não é algo sobre o qual devemos
pensar muito, e, certamente, algo sobre o qual não devemos debater. Os
anti-intelectuais frequentemente usam a palavra como um escape para
algo que eles não podem refutar, mas ao mesmo tempo rejeitam aceitar.
Mas os cristãos não devem ser como os ateus, que são intelectualmente
desonestos e incompetentes.

Por exemplo, algumas vezes, após explicar a doutrina da predestinação


para alguém, e após responder todas as suas perguntas e objeções, ele
ainda suspira e diz, “Bem, suponho que isso seja simplesmente um
mistério”, no sentido de que a doutrina é algo que não podemos
entender de forma alguma. Mas eu acabei de explicá-la a ele, respondi
todas as suas perguntas e objeções, até que ele não pudesse encontrar
nada bíblico ou logicamente errado nela! Não é que a doutrina não
possa ser entendida, mas é ele que rejeita aceitá-la, e essa é uma forma
na qual ele pensa poder escapar. Se Deus revelou uma doutrina na
Escritura, então chamá-la de um “mistério” (no sentido de algo ainda
oculto), como se ele nunca a tivesse revelado, seria insultá-lo e desafiá-
lo. Portanto, nunca deveríamos falhar em desafiar um apelo falso e
ilegítimo ao “mistério”, especialmente quando ele é feito para disfarçar a
incredulidade e desafio de alguém.

Se algo está claramente revelado e explicado, então ele certamente não é


um “mistério” no sentido de que ainda está oculto ou que não possa ser
entendido. De fato, quando se chega a essa palavra, há uma confusão
entre o uso comum e o uso bíblico.

No uso comum, a palavra se refere a algo que não podemos entender,


mas no uso bíblico, e até mesmo no contexto de nossa passagem, é
óbvio que a palavra é usada de uma maneira diferente. Paulo tinha
acabo de dizer que Deus nos deu “sabedoria e prudência”, e escreve que
“ele nos fez conhecido o mistério de sua vontade” (v. 8). Em outras
palavras, um “mistério” não é algo que os humanos não possam
entender, mesmo que ele tenha sido algo oculto num determinado
tempo. Aqui Paulo está se referindo a algo que estava oculto, mas que
tinha agora sido “feito conhecido”. Ao invés de se referir a algo que não
sabemos ou não podemos entender, o uso bíblico de “mistério” refere-se
a quase o oposto – de fato, a algo que provavelmente estava oculto, mas
agora tem sido revelado e explicado. [75]

Portanto, O'Brien chama esse mistério de um segredo aberto. [76]


Markus Barth é mais elaborado, e escreve:
Mas o mysterion de Deus, até mesmo o “segredo” de Deus, está longe de
ser incognoscível para Paulo. Ele é conhecido por revelação e deve ser
feito conhecido para o mundo inteiro. Certamente ele tinha o mais alto
respeito pela revelação e pelo evangelho lhe confiado – mas era um
respeito causado pelo conhecimento, antes do que por ignorância e
incompetência.... O “segredo” do qual ele fala pode, portanto, não ser
identificado com um mistério total ou parcialmente, sempre ou
temporariamente, real ou intencionalmente, envolto em camadas de
nuvens. Ele não se engajava em lógica paradoxal ou glossolalia. O
discurso claro, franco e corajoso, embora colorido com características
da dicção de oração, é o modo no qual ele fala do segredo de Deus.
Resumindo, quando ele fala de um mysterion, então ele quer dizer por
mistério o que foi revelado; tudo o que ele diz é baseado na
manifestação do anteriormente oculto. [77]

O uso bíblico de “mistério” é realmente significativo e instrutivo, mas ele


não deixa nenhum lugar para o anti-intelectualismo, e não dá escusa
para evitar o assentimento ou a obediência. Apelar ao mistério (como
algo ainda oculto) pode soar como piedoso e reverente para alguns,
como se a pessoa estivesse impressionada com a profundidade e a
maravilha da sabedoria divina; contudo, quando tal apelo é feito diante
da clara revelação, ele simplesmente denuncia a preguiça e o desafio da
pessoa. Se Deus revelou algo, então devemos estudá-lo, e devemos crer
nesse algo. [78]

NOTAS:

[75] - Em outro contexto, Lutero escreve: “Paulo não a reconhece ser a


sabedoria oculta em mistério, predita de fato pelos profetas, mas
revelada somente pelo evangelho, de forma que ela foi desde a
eternidade secreta e desconhecida ao mundo (cf. 1 Cor. 2:7)?” (Luther,
p. 306). Assim, para Lutero, um “mistério” significa algo predito pelos
profetas, mas revelado pelo evangelho, com também afirmamos aqui.
Veja também Romanos 16:25-26; 1 Coríntios 2:7-10; Efésios 3:2-6,
6:19; Colossenses 1:25-27, 2:2-3, 4:3.

[76] - O'Brien, p. 109.

[77] - Markus Barth, Ephesians 1-3 (The Anchor Bible, Vol. 34);
Doubleday, 1974; p. 126.

[78] - O uso bíbico de “mistério” também implica a necessidade de


revelação especial – ele é algo que permaneceria oculto, a menos e até
que Deus o revelasse para nós, e agora ele já o revelou de fato.
 

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