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Pg.52 Desencanto do mundo. Privação moderna de certas composições existenciais.

A
modernidade sustenta-se da racionalidade e intelecção. Os valores últimos sumiram
desta esfera.
Pg.53 Encantamento do mundo, uma tentativa. A partir do onírico, do fantástico, do
feérico, do mito, da fábula, da mágica. Tentativa de retorno ao pré-capitalismo,
encantamento do mundo desencantado. Tentativa de preencher o hiato, de recompor a
subjetividade e retomar o processo de subjetivação.
Pg.53/54 Aufklarung. Pg.54 Noite, imperativo mágico, feérico, emblema da cozinha da
bruxa (hexenküche) do Fausto. Associar com o clima (noite) da narrativa.
Pg.55 Contra a razão instrumental e utilitária da indústria e do meio, o romantismo
aspira reencantar a natureza.
Pg.58 Românticos e mamonismo, culto ao deus Dinheiro, esmorecimento de valores
qualitativos, dissolução dos mesmos laços, morte da imaginação, edificação da
racionalidade, platitude da vida. Quantificação... Espírito de cálculo Weberiano.
Pg.60 “O espaço e o tempo parecem ter perdido toda sua diversidade qualitativa e toda
variedade cultural, tornando-se uma estrutura única, contínua, moldada pela atividade
ininterrupta das máquinas”. Falando-se da Inglaterra.
Pg.61 A mecanização do mundo: Mecanização das fábricas, do sujeito e da
consciência.
Pg.64 Sistema capitalista racionalizante pautado num modo de comportamento
abstrato, orientado para valor de troca, quantitativo,
Pg.66 Dissolução de vínculos sociais. Alienação, torpor de consciência, incapacidade
de penetrar na subjetividade do outro e em reconhecer a própria subjetividade.
Pg.66 Relação inversamente proporcional entre o quantitativo e qualitativo; a perda do
ser.
Pg.70 Romantismo como movimento equidistante à civilização moderna, no século das
luzes.
Pg.73 Surgimento do romantismo dentro da ascensão moderna da revolução industrial
do século XVIII, onde o mercado assume a hegemonia e pautas antes discutidas e em
embrião tornam-se sistema (capitalista).
Pg.73 Os literatos, poetas, escritores, artistas e intelectuais se viram na contradição entre
o valor de uso e valor de troca de seus próprios produtos; eles mesmos tornaram-se
vítimas da própria produção, uma vez que, para o trabalho produzido chegar à urbe,
passava primeiro pelo mercado.
Pg.74 Inglaterra e avanço socioeconômico.
Pg.81 “Ligações inegáveis entre espírito das luzes e a burguesia”. O espírito das luzes
está estreitamente ligado à eclosão do espírito do capitalismo.
Pg.82 O romantismo é a continuidade da crítica social das luzes: contra a aristocracia,
os privilégios sociais, a arbitrariedade do poder e o abuso do dinheiro. Exemplo do caso
Werther (crítica à burguesia e à aristocracia)
Introdução:
Usar o Berman na citação de Marx: o mundo desaba a seus pés, mas vocês sentem?
Revolta e Melancolia:
Este ensaio pretende ser uma exposição do conceito de Aufklärung, acerca do qual se
pretende atingir campos semânticos de orientação distinta, como a crítica moderna e o
processo de subjetivação. Nesse prisma, pretende-se mostrar como a subjetividade, que
permite sua tomada como Aufklärung, se torna, simultaneamente, mercadoria e
demanda nos prólogos da pós-modernidade.

sua riqueza é extraída de certas fontes das quais não superamos, ou, se superamos, o
fizemos com custo, à expensa de nossa matéria-prima mais cara, célula nominal de
nossos desejos e aspirações, nossa subjetividade. Se não a abandonamos por completo,
desistimos do processo de reconquistá-la; deixamo-la para trás. Desde a Revolução
Francesa e a Revolução Industrial o mundo das tradições foi ultrapassado, Goethe lhe
deu o nome — “velocífero” —, veloz o suficiente para encobrir os rastros, feroz o
suficiente para dominá-lo. A modernidade aprendeu a acelerar os meios de produção
encilhando suas forças produtivas. A transformação do mundo foi levada a efeito pela
transformação do homem. Buscamos, a esse respeito, traçar uma historiografia
psicológica da subjetividade na qual se possa identificar esse passado recente e nossas
atuais raízes de insatisfação. A partir da revisão dos textos etnopsicológicos de Sigmund
Freud, da análise e crítica literária de Joseph Conrad e das exegeses sociológico-
filosóficas de Löwy e Sayre e Marshall Berman pretende-se reconstruir tal paraíso
perdido.

Kurtz como símbolo, determinador-comum do desejo irrefreável de conquista.


Progresso e a subjetividade a partir de Freud.
Aufklärung
Muito se tem discutido sobre as origens da modernidade e do sujeito moderno.
Em história da filosofia, Descartes aparece como expoente primeiro dessa reviravolta,
seguido de pensadores empiristas como Locke, Hume e Bacon, encontrando sua síntese
em Kant, Cf Mello e Donato (2011). Kant, como representante da Aufklärung alemã do
século XVIII, embora participe do projeto iluminista de progresso, sedia ao conceito de
esclarecimento (Aufklärung) uma significação à parte, fora do signo fechado ao qual se
lhe atribui a nominação de século das luzes ou Iluminismo e parece, com isso, constitui-
lo de uma ambiguidade carinhosa. De toda forma, esclarecimento ou Aufklärung tem
considerado uma parecença, ambas pertencem ao projeto da modernidade e seus efeitos.
Para muitos esta discussão constitui um anacronismo, visto que a discussão caminha
para a súplica pós-moderna, mas parece não ser bem assim.
O ponto nevrálgico da modernidade foram os acontecimentos da revolução
francesa e a ruptura da tradição conservadora, do direito divino ao surgimento da
moderna burguesia. Passados mais de duzentos anos, a pós-modernidade perde seu
direito ao trono por um motivo simples: certas reminiscências históricas ainda não
foram superadas. Não é possível superar um passado pelo simples vetor da consciência,
o retorno do recalcado está aí para prová-lo. Numa sociedade que projeta seus
resultados pelo cálculo dos seus danos, o método é inseparável da técnica e está só pode
ser a busca por resultado. O ser-no-mundo é forçado a atuar na totalidade dos seus
esforços, abstraindo todas as suas dimensões, alimentando o mundo e sendo por ele
alimentado. Quer dizer, os caminhos da angustiante e indeterminada pós-modernidade
não se abrem porquanto não pararmos de receber, pelo resultado de nossos esforços, a
falsa sensação de felicidade e dever cumprido.
A modernidade perdura, portanto, como passado, memória e símbolo a partir dos
quais fora construída e diante dos quais nos resguardamos. Como processo dialético
transformativo, opera por um ruído silencioso mas nem por isso inexistente; Marx assim
o propusera: “o mundo sob o qual estamos pesa uma tonelada — mas vocês o sentem?”.
A modernidade foi e é resultado de inúmeras operações levadas a cabo por seus sujeitos
numa fome de indeterminada precisão, em relação aos quais superam e suportam a
existência de si e do outro na esfera conjugada da vida pública e privada. Nas relações
afetivas, da amizade ao amor romântico às político-econômicas e comerciais, o adjetivo
“moderno” constitui uma plêiade de significantes. Um deles suplica pela ampliação do
debate sobre subjetivação e emancipação do sujeito moderno, uma vez que este sujeito
encontra-se diante de sérias ameaças. Uma primeira fonte a partir da qual se torna
possível ampliá-la é a respeito do conceito de Aufklärung, assim nominado no texto-
resposta de Kant (1985) à pergunta “O que é Esclarecimento?”.
A partir de então, esclarecimento (Aufklärung) se tornaria uma categoria
superior da razão, abaixo da qual coexistiria um status de dependência tutelar,
denominada menoridade racional, algo próximo ao desamparo freudiano da infância,
síntese do assujeitamento da razão a outrem, embora também símbolo de um tempo
ultrapassado1. A Aufklärung alemã, como emancipação da razão, também compartilha
sua semântica com a cronologia do tempo das luzes, da qual falaremos adiante. Les
Lumières atingiram sua máxima incidência no século XVIII, no entanto, evolaram-se a
partir do século XVII. O iluminismo francês foi o primeiro movimento a alumiar a
consciência dos cidadãos do mundo europeu partindo de um modelo racionalista,
técnico e programático pautado no conhecimento científico e exploratório do homem

Da forma com a qual se pretende trabalhar, Aufklärung pode-se referir, a depender do contexto, tanto ao
Iluminismo e ao progresso como sinonímia, ou categoria de uso superior da razão, fadada ao texto do
Kant tratado (O que é Esclarecimento?)
frente à natureza, construindo uma primeira divisão de saberes que marcava, entre
outras coisas, a primazia da racionalidade e a subordinação do conhecimento à matéria
cognoscível (MELLO; DONATO, 2011).
Os ideais iluministas no final do século XVIII, na mesma proporção de seu
disparo, encontraram seu fim na revolução francesa e no painel econômico do
capitalismo surgido de então. Apesar do desenvolvimento do capitalismo estar atrelado
à transição lenta da sociedade feudal até sua alçada e consolidação como sistema, o
ponto de inserção e crítica é a revolução burguesa, assinalando, pois, um segundo eixo
da modernidade, desdobrado a partir de 1879. No estado de permanente revolução à
qual se seguiu a modernidade, as reinvindicações populares da burguesia consolidaram
uma nova hegemonia política. É dessa forma que o fim do iluminismo marca o avanço
da modernidade industrial, sobre os quais se interpõem a ascensão do liberalismo
econômico e do mercado mundial, os projetos de dominação extraterritoriais e
nacionalistas e o surgimento do sujeito moderno e os mecanismos sociais de alienação,
valor de troca e mercadoria.
Assim, na ideia de modernidade racionalizante, a Aufklärung passará a atuar
como crítica e apelo à racionalidade, fomentando “ligações inegáveis entre o espírito
das luzes e a burguesia” (LÖWY e SAYRE, 2015, p.81). Tais ligações amalgamam-se
no conceito de romantismo anticapitalista de viés marxista e, mais notavelmente, no
“espírito capitalista” de Weber (2007, p.66), segundo o qual:
O motivo fundamental da
economia moderna como um todo
é o “racionalismo econômico”. E
com todo o direito, se
entendermos por essa expressão o
aumento da produtividade do
trabalho que, pela estruturação do
processo produtivo a partir de
pontos de vista científicos,
eliminou sua dependência dos
limites “fisiológicos” da pessoa
humana impostos pela natureza.
Ora, esse processo de
racionalização no plano da
técnica e da economia sem dúvida
condiciona também uma parcela
importante dos ‘ideais de vida’ da
moderna sociedade burguesa: o
trabalho com o objetivo de dar
forma racional ao provimento dos
bens materiais necessários à
humanidade é também, não há
dúvida, um dos sonhos dos
representantes do ‘espírito
capitalista’, uma das balizas
orientadoras de seu trabalho na
vida”.
No cenáculo desencorajado, desencantado e, segundo Marx (2010), afogado pelo
cálculo egoísta, a racionalização e o vínculo acima do qual são alicerçados as próprias
leis de instrução ampliam o universo estruturado pela modernidade, com sua própria
dialética de construção. Na medida em que amplia o campo de ação indireto do sujeito
reduz sua ação direta, isto é, surrupia a subjetividade ao ampliar o mundo para construí-
la; um paradoxo incabível, visto que o progresso tecnológico e científico concede
ao homem ferramentas, mas as sujeita às próprias leis

mas tira-lhe boa parte do direito de utilizá-las ao transformá-lo em mercadoria, parte


integrante da platitude mercantil. Assim, a modernidade cresce e o homem se retira. O
vínculo cada vez mais cerrado com as mercadorias a ponto de tornar-se ele mesmo uma
coloca o sujeito no “turbilhão da modernidade”, cuja única saída é acatar-se ou rebelar-
se (BERMAN, 2019).
O que a modernidade inaugura é a ideia de progresso científico irrestrito, com
poucas fronteiras delimitadas e muitos recursos à mão; fazendo de seu prisma de
alcance um campo infinito e nem sempre seguro de possibilidades. Nem sempre, no
entanto, o lugar do sujeito no mundo é benquisto. O recenseamento das ideias e a
compartimentalização de “pontos do saber” tornaram múltiplos o uso da razão; para
citar um exemplo, a ampliação do horizonte tecnológico aparece para Shinn (2008)
como forte fonte de insatisfação e angústia, pois para adeptos ou críticos da
modernidade, planificar as expectativas do futuro e antecipá-lo é tão impossível quanto
involuir e tornar patente um modelo já ultrapassado. Dessa forma, a impressionante
progressão à qual se adianta a modernidade fomenta faltas de perspectiva, fracassos e
desesperanças cumulativas que se patenteiam, mais à frente, no desencantamento do
indivíduo frente ao mundo.
A razão despreconcebida que sucedeu às luzes fica refém de imperativos
universais e racionalistas, tornando-se vítima da própria experiência. É assim que o uso
discricionário da razão amplia os horizontes científicos e tecnológicos: estreitando a
liberdade (SHINN, 2008). É aqui que temos um primeiro sinal de como a modernidade [Jv.1] Comentário: Mr Kurtz,
Imperialism.
transformou as relações humanas em relações de produção e do por onde atua a crítica
de Löwy e Sayre (2015) e da grande maioria dos românticos. No Fausto, por exemplo,
são apreciadas inúmeras possibilidades da experienciação da vida moderna, do pacto à
taberna de Auerbach, da cozinha da bruxa até as furnas montanhosas no fim da segunda
parte, todas rebatizando a barganha fáustica em termos próprios: da venda do quinhão
da subjetividade à exultação dos panegíricos criativos modernos, da destruição à
construção e, não menos importante, da força de um impulso externo para desencadear a
imanência da catástrofe. [Jv.2] Comentário: Estou me
referindo ao Mefistófeles, que na
Fausto se tornou um dos inúmeros exemplos dos quais nos é possível refletir análise de Berman, representa o
sobre as consequências de uma época senão esclarecida (aufgekälrten), em espírito capitalista, justíssimo por
esclarecimento (Aufklärung). Na emblemática cena Hexenküche que abre as sinal.

possibilidades do pequeno e grande mundo moderno, está inculcada a atmosfera de


promessas e incertezas oriundas da revolução francesa, bem como as críticas implícitas
do próprio Goethe (2004). A fragilidade do mundo diante do zeitgeist sibilar e
inconstante da França e a mágica aporética da qual surge a poção misteriosa e da qual
Fausto teme acreditar, esconjurada pela bruxa a roer-lhe “trinta anos da carcaça rota”
evidenciam um mundo frágil em erupção. A sobreposição do signo mágico delirante
sobre a razão e a promessa de rejuvenescimento como forma de adaptação aos novos
tempos não contestam o caráter histórico que segundo Jaeger (2007) medra a
consciência fáustico-mefistofélica de negação da realidade e estímulo ao progresso
revolucionário, tampouco nega suas consequências na vida de Gretchen e na destruição
de Filemon e Baucis.
Os desdobramentos da escrita do Fausto assumiram, naquela primeira parte,
alusões inequívocas à revolução francesa, e naquela outra, referências patentes à
modernização do maquinário industrial e a expansão do projeto civilizatório, ambos
correlatos à crônica do tempo de escrita do Fausto, compreendida entre 1772 e 1808 à
primeira parte, sendo finalizada a segunda em 1832. A crítica composional de Goethe
sugere, portanto, que a “superação do passado” emergiu de custos humanos nada
modestos, mas que tampouco tal caracterização seria possível de demovê-la, uma vez
que o mundo “velocífero” de transformações constantes exige a súplica: “ame-o ou
deixe-o”. Assim, a tragédia de Fausto, Gretchen, Filemon e Baucis é a própria tragédia
moderna: do espírito capitalista marmorizado na figura de Mefistófeles e sua ânsia
cínica e venal de desbravamento e progresso absoluto a todo custo. A asseveração da
personagem ao espírito da negação lhe esclarece a analogia.
Com vistas ao novo nega-se qualquer estado circunstanciado pelo real
(JAEGER, 2007), admitindo-se expectativas planificadas que, uma vez alcançadas,
realimentam e descartam novas planificações numa dialética singular de adição e
exclusão, construção e destruição, visto por Berman (2019) como a “dialética da
modernização”. Cada ideal atingido desaparece na sobreposição de um substituto.
Perifrasticamente, a busca pelo infinito na negação da realidade aparece como matéria-
prima da ideia de progresso; o sonho de dominação e consumo apropria-se do plano
imaginário porquanto não encontre à altura qualquer lógica que corresponda à sua
macromania produtivista. O céu é o limite e o infinito é apenas um conceito diante das
propriedades transformadoras do homem.
A problemática da modernidade reafirma-se, assim, no domínio da razão e sua
inesgotabilidade. A equação equivale à simplificação de seus sujeitos, o homem, a razão
e o conhecimento, no entanto escapa a uma certa intervenção maior que Freud (2011)
chama de Destino. Assim, incorremos no erro de acreditar que a razão pressupõe
liberdade esquecendo-se da tutela perante a qual estamos sujeitos ao mundo. Daí é
pensar em como confiar o palco do mundo aos atores universais sabendo que diante da
autonomia o sujeito se reduz cada vez mais à função de instrumento? (MAYOS, 2004).
Dessa forma, a autonomia não parece tão autônoma nem a liberdade tão livre, tampouco
a razão racional. Quando associamo-la à experiência moderna derivada das luzes,
angariamo-la à experiência de fronteira, contígua à modernidade pelo laço da ilimitada
intervenção do homem telúrico livre e emancipado, sendo a Aufklärung a máxima
subjetiva dessa emancipação.
Com efeito, pode-se pensar que obra fará o sujeito emancipado das amarras da
tutela e livre para exercer sua razão, como diz Kant (1985) enquanto sábio. O filósofo
resguarda para este a “completa liberdade, e até mesmo dever, de dar conhecimento ao
público de todas as suas ideias, cuidadosamente examinadas e bem intencionadas”
(KANT, 1985, p.106). Quando tal intenção foge à regra da Aufklärung, mostra-se a
Kant como um crime contra a natureza. A visão panglossiana do filósofo vê seu tempo
como “época do esclarecimento”, isto é, do iluminismo, com caminhos abertos às vias
do trabalho humano e aprimoração da Aufklärung, mas é incapaz de sustentar toda
potencial consequência negativa e pecaminosa de sua elevação integral. É exatamente
isso que por vezes acompanhamos na literatura romântica, de Rousseau a Schiller e
Goethe (cf Löwy e Sayre, 2015).
Parte desse “potencial negativo”, escreve Mayos (2004), transformou-se em
crítica romântica, em tentativa de demonstrar, por um “eu lírico” proposto a ele mesmo,
a retomada da imaginação e das categorias inconscientes de insubordinação ao mundo,
de apreço à emoção e a natureza, do retorno ao mito e ao fantástico em detrimento dos
matizes instrumentais, pragmáticos e burocráticos da razão. Diametralmente oposto ao
que vemos em Kant, onde o sujeito valida sua razão e é por ela validado, sendo o uso
que faz dela própria a forma com a qual obedecerá a ela. Trata-se da passagem da
heteronomia à autonomia, da crítica ao juízo. O fato de Kant postular um pressuposto
segundo o qual o processo de esclarecimento se dá pela superação da incumbência
externa (tutela) e a emancipação do próprio pensamento interno (razão pública) já
antecipa o processo de subjetivação nele envolvido. O paradoxo é que, segundo Mayos
(2004), a resposta da razão subjetiva coincide com o obedecimento a certas normas ou
preceitos universais, aos quais é indicado, ao sujeito, apontar as falhas no uso público de
sua razão, orientada para o melhoramento do conjunto da humanidade.
É nesse ponto que se decide a magnitude da emancipação da razão kantiana. Até
que ponto a Aufklärung faz das luzes segurança do Eu e Tu e até que ponto a Aufklärung
reduz “uma súplica que a razão reivindica aos homens para o autodesenvolvimento e o
respeito mútuo” (BRESOLIN, 2015). Para Kant, o conceito de esclarecimento atualiza-
se nas esferas pública e privada. A priori, sujeito esclarecido é o sujeito do saber,
emancipado dos grilhões tutelares que remanescem da sua história de vida (KANT,
1985). Aufklärung seria, então, um estatuto do saber adquirido pela superação da
menoridade racional e a assunção da maioridade racional. É proveitoso sublinhar que
em Kant tal condição de menoridade tutelar é culpa do sujeito e “não se encontra na
falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo na
direção de outrem” (KANT, 1985, p.100).
Ora, isso implica assumir-se diante da própria razão, admitir sua gramática e
recusar explicações: Sapere aude! O sujeito torna-se autônomo, capaz de recusar tutelas
e promessas que se dirijam a ele pela razão de outrem. É assim que dogmas e
superstições ficam constantemente submetidas à análise crítica e racional, a partir da
qual vira resultado na síntese lógica de valor e vigência universal. A dúplice da razão,
no entanto, ainda subsiste diante das esferas pública e privada diferentemente.
Diante da razão pública, é permitido ao sujeito esclarecido raciocinar tanto
quanto se queira (TEMPLE, 2009). Segundo Kant, seu uso é público, emancipado,
inclusive cânone, por meio do qual se torna obrigação, do sujeito, em relatá-lo e aplicá-
lo à esfera pública. Tal processo de superação das estruturas menores da razão obedece
à proposta de desenvolvimento da Aufklärung, assim como da comunidade na qual está
inserida, sendo o exórdio do discurso da modernidade e do avanço no caminho do
esclarecimento. O uso privado, em contrário, responde aos interesses da comunidade
dentro da qual está inserida. Neste último caso, é permitida apenas a obediência à lei e
ordem vigente, enquanto no primeiro é facultado, a fim de atingir a Aufklärung, a
obediência à razão universal, princípio que reconhece os limites do conhecimento e da
própria vontade imposta pela sua motivação.
Resta-nos pensar o resto da crítica de Kant. Foucault (1984) coloca a Aufklärung
kantiana como o conjunto de acontecimentos históricos que desaguaram no presente;
uma crítica da nossa própria ontologia e os limites perante os quais ela se coloca diante
da possibilidade de sua superação. Ela se acha, o que é aparentemente óbvio, em
contradição com as próprias relações de poder. Ora, se a Aufklärung nos projeta à
liberdade e racionalidade, como podem existir, na história das humanidades, relações de
homens com outros homens em que um subordina o outro à própria razão? Ou então
instituições, Estados e políticas? É nisso que pensamos como Foucault (1984): “o
acontecimento histórico da Aufklärung não nos tornou maiores”, tampouco nos deu
qualquer resposta pronta, mas nos fez refletir sobre nossa condição. Com essa
introdução, pretendemos agora separar-nos do continuum filosófico, nosso
direcionamento é psicológico e é com ele que seguiremos daqui.
Racionalidade ofuscada
Duas categorias da Aufklärung foram divisadas: uma delas relativa às
transformações históricas, políticas, sociais e tecnológicas do período das luzes e outra
posta à observação intrínseca da humanidade e do sujeito no uso da própria razão,
cabendo agora discuti-las à luz da modernidade como a conhecemos, um tempo ou
período de exploração do potencial humano e divisão de novos horizontes. Seguindo as
orientações de Foucault (1984) a respeito da Aufklärung como arqueologia da própria
atualidade, propomo-nos a desenterrar as ilusões da modernidade, sendo a primeira
delas o próprio ideal de plenitude. A felicidade como símbolo secundário do progresso, [Jv.3] Comentário: Freud Mal-
Estar na modernidade; Berman.
+ produção, mais facilidade, mais oportunidade.

pensar as relações de alteridade na modernidade

Marx escrevia: o mundo desaba a seus pés, mas vocês sentem?

Kurtz é um exemplo da figura de “racionalidade ofuscada”, o qual representa o obscuro


da seele humana não iluminada. Se a Aufklärung se dá no campo do pensamento, este
guarda suas reminiscências diante das quais não nos é facultado ter acesso e aí toda uma
gramática psicanalítica propulsiona a suspensão das trevas e o caminho da iluminação.
Kurtz, na sua referência implícita ao colonizador europeu, encarece as teorias sociais do
século XIX, em especial o evolucionismo social e inscreve o uso da força e da
brutalidade no mando da razão. Em pleno século das luzes, o processo colonizador
europeu emancipou o progresso em nome da violência e isso nos leva a discordar
seriamente da autonomia da razão e da proposta de “individualização” promulgada pela
modernidade, o que, por outro lado, nos colocada a cargo de discutir o lado anímico da
experiência humana.

A razão, sob os signos do progresso, pode ser dominada, inflada e submetida à razão de
um espírito primário. O outro (desconfiança de que não fossem desumanos) torna-se
mero instrumento para um fim.

(no final conclusão)


Se parece certo afirmar, a partir das ilusões religiosas, do dogmatismo, do fanatismo,
etc. Então ainda continuamos, como disse Kant há 300 anos atrás, na época do
esclarecimento, sem qualquer curta esperança de tornar-se esclarecida.

“Quem é esse sr. Kurtz?”


Pg.82 ...
Pg.86 “Senti como era grande, perturbadoramente grande, aquela coisa que não podia
falar e que talvez fosse surda também”. “Eu me perguntei se a calmaria diante da
imensidão que olhava para nós dois significava um apelo ou ameaça”. (a surdez/mudez
do clima, das sombras e do brilho projetivo da lua é sentido como forma de colocar o
sujeito na posição de confronto com os próprios pensamentos”. Como sentir-se bem na
atmosfera de irrealização, onde a única verdade era a ilusão trabalhada como tal (79/80).
Pg.95 invasão de vida sem som.
Pg.112 A imensidão inexplorada da África manifestava-se na lírica ambientalista de
Conrad, a qual percebemos como um itinerário de “errantes numa Terra pré-histórica,
numa Terra que exibia o aspecto de um planeta desconhecido”.
Pg.112 insurreição: “primeiros homens que tomam posse de uma herança maldita, a
serem subjugados à custa de profunda angústia e trabalho excessivo”.
Pg.112-14 O africano era o verdadeiro homem livre, que fazia da sua razão liberdade.
Pg.112-14 Ela vinha aos poucos... a desconfiança... Aqueles homens não eram
desumanos. O pior era a desconfiança de que não fossem desumanos, mas humanos,
como outro qualquer (desconfiar de que eles fossem humanos). A aproximação a tal
ideia pode ser fatal, principalmente quando se nega a raiz humana compartilhada com
toda a experiência humana, o ser alguém no mundo.
Pg.114 Haveria compreensão a partir do momento que se admitisse nossa reação àquele
barulho todo, que aceitássemos a desconfiança de que aquele barulho representa, para
nós, um sentido do qual negamos em nós mesmos. Quem sabia o que se passava lá?
Apenas a verdade, despida de seu manto do tempo seria capaz de intuir (verdade?
Freud, admissão da verdadeira natureza humana) que os tempos modernos
encobrem com ilusões, fomentando uma prestidigitação “encantada”. O homem precisa
ser homem, fugir dos argumentos, como dirá Freud (2011), da razão governada por seus
desejos de felicidade que são, no fundo, ilusões premeditadas e encarar a verdade com a
verdade, sem que esta o consuma.
Pg.133 Freud... “A tristeza pode manifestar-se como violência”. Na estranha e
incompreensível passagem da lata para atingir a estação de Kurtz, o suposto ataque dos
selvagens postular uma questão importante: quando Marlow diz na transição da tristeza
em violência, podemos lembrar-nos de Freud e, mais além, na própria modernidade e a
sobreposição do sujeito sobre a subjetividade como formação reativa pela perda da
subjetividade (nos nativos, localizada no seu próprio lugar de morada).
Pg.146 “O pulsante jorro de luz, ou o enganoso fluxo do coração de trevas
impenetráveis”.
Pg.148-50 Kurtz e “tudo lhe pertencia. O negócio era saber ao que ele pertencia,
quantos poderes das trevas o reinvidicavam”. “Meu marfim”. Ideal simbólico do poder e
as artimanhas colocadas para sua reinvindicação.
Pg.153 como podiam entender o que leva os pés desimpedidos de um homem, na
solidão e silêncio absolutos das primeiras eras?
Pg.200 (...)

BRESOLIN, Keberson. Kant e a ideia da Aufklärung. Stud. Kantiana, Pelotas, v.18,


p.19-36, jun 2015.

JAEGER, Michael. A aposta de Fausto e o processo da Modernidade: figurações da


sociedade e da metrópole contemporâneas na tragédia de Goethe. Estud. av., São Paulo
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MELLO, V, D, S; DONATO, M, R, A. O pensamento iluminista e o desencantamento
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Crítica Histórica, [s.l], v.2, n.4, p.248-264, Dez 2011.

QUERIDO, F. M. Romântico, moderno e revolucionário: O Surrealismo e osparadoxos


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TEMPLE, G. C. Aufklärung e a Crítica kantiana no pensamento de Foucault. Cadernos


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WEBER, MAX. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Companhia


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fragmentação e a matriz de entrelaçamento. Sci. stud., São Paulo , v. 6, n. 1, p. 43-81,
Mar. 2008 .

. A experiência de busca pela satisfação é o postulado básico da vida moderna,


em grande parte, porém, inacessível a ela pelo seu caráter cerceador, punitivo e
restritivo com o qual estabelece as normativas básicas da convivência em sociedade2.
Fator noticiado por Freud no século XX, a cultura — admitindo caráter recrudescente
quando se fala em cultura moderna — é infinitamente maior à vontade humana, mais
tirânica, mais incisiva e mais despreocupada. O que isso implica? Que o
desenvolvimento individual admite-se à parte dela. Nisso não podemos esquecer os
países colonialistas europeus, que, com seu projeto civilizatório, apagaram a
subjetividade do colonizado, arrecadando o excedente em força estrutural. Sem muita
reflexão, a cercania do outro manifestava a projeção temática das próprias vontades de
dominação.

2
Tal perspectiva será discutida com afinco mais à frente (Freud).

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