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FILOSOFIA E
LINGUAGEM
Objetivo do estudo
- Nesta Unidade, vamos esclarecer alguns pontos sobre
determinadas posições adotadas por filósofos sobre a
linguagem; discutir a Filosofia desde o seu surgimento, e
que não é simples entendimento, pois envolve de diferentes
modos muitas outras questões.
INTRODUÇÃO:
Você está iniciando uma nova etapa de seus estudos de
Filosofia. O trajeto que você já percorreu até aqui, na disciplina,
foi muito bem traçado! Isso te credencia a estudar esta
Unidade, que, com toda a certeza, te exigirá muita atenção.
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Saiba mAIS
No site da Revista Signum você poderá ler
muitos estudos sobre a temática em questão.
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/
signum
http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/
gramatica-ortografia/28/imagens/i257303.jpg
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Antes de preocupar-se com o que se pode fazer ou alcançar com a linguagem, seria
interessante saber o que ela é, embora a questão da utilidade não possa ser ignorada.
Signo é algo que pode estar no lugar de outra coisa e representá-la sob
algum aspecto (Chauí, 1997).
Por exemplo, apresentar-se com a cabeça baixa pode ser expressão de humildade ou
humilhação pela qual alguém esteja passando em determinado momento de sua vida.
Daí a linguagem apresentar uma função denotativa, pela qual é capaz de indicar coisas,
interpretações e definições.
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Ainda sobre o conhecimento do que é a linguagem, desde a Antiguidade grega, sua origem
é concebida a partir de dois pontos de vista.
• Segundo, originada pela ação do próprio homem, que mediante uma convenção
poderia ter inventado um ou outro termo para designar as coisas.
Possibilitar
Nesse segundo caso, a linguagem se torna arbitrária, pois os homens
que criam a linguagem e, talvez, nesse caso, esteja a explicação para
a diferenciação das várias línguas. Nesse contexto, a linguagem surgiu
com o meio a origem da linguagem, já que o ser humano teria criado um vocabulário
rudimentar a partir de sons expressos nas várias situações de busca da
onde vive e
sobrevivência e que depois teria se tornado mais complexo. Nesse sentido,
a origem da língua também poderia estar atrelada a sons colocados na
maneira de o homem reagir emocionalmente em relação às várias situações
situá-lo em
da vida – medo, prazer etc (Rousseau, 1997).
Pela função descritiva , ao fazer uso da Pela função comunicativa, ao fazer uso Pela função de valor existencial, quando
linguaguem o ser humano denota, descreve da linguaguem, o homem, além da sua o ser humano faz uso da linguaguem,
de modo real o que uma coisa é, no alcance de dimensão cognoscitiva, de conhecimento, além da função descritiva e comunicativa,
sua verdade. Essa função foi muito buscada desenvolve também sua capacidade de descrevendo objetos ou comunicando
pela corrente filosófica neopositivista e pela ser presença diante do outro e acolher o sentimentos, ela surge com a possibilidade
filosofia analítica, colocando a linguaguem outro como presença diante de si (Mondin, de comunicar aos outros sua existência.
da ciência como a linguaguem primordial 1980, p.42), tanto em sentido positivo como A palavra dá um significado mais exato
e verdadeira do homem, desvalorizando negativo. A linguaguem, portanto, permite ao às expressoes de existência e a seus
outras formas de linguaguem - como a ser humano que se abra diante da realidade, significados. O ser humano desenvolve
artística, por exemplo. Wittgenstein defende que saia do invólucro do próprio eu e chegue sons específicos e até palavras próprias,
essa posição em sua obra Tractatus Logico a possibilidade de existência do outro, como os ditos palavrões, com os quais comunica
Philosophicus; essa posição foi contestada confirmção ou negação do seu existir. Nesse de modo mais exato e real uma atitude de
por outros filósofos, que, na esteira de sentido, a linguaguem pode até desenvolver agrado ou desagrado em relaçao a um fato
Kant, mostraram que existem dimensões da uma realidade ambígua, pois a confirmação de existência, no sentido da afirmação ou da
realidade que estão além da possibilidade de de si pode não ser necessariamente a sua negação, de modo imediato, independente
compreenssão da razão científica, de base verdade, e a negação de si pode não ser de uma análise cognitiva desse mesmo fato.
lógico-matemática. a sua falsidade. Mas, independentemente
desses resultados, a linguaguem tem grande
valor de não permitir que o ser humano esteja
alheio as coisas e aos outros que o circunda.
A ambiguidade da linguaguem sempre esteve
presente nos grandes questionamentos sobre
a busca da verdade desde os sofistas, e com
Sócrates, Platão, Santo Agostinho, Descartes
até os dias de hoje.
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A Filosofia nasceu na antiga Grécia com o propósito de buscar um fundamento que pudesse
resolver a questão do caos da realidade, tido como aparente, e situar o homem em relação
ao mundo onde vive. Foi a busca pelo famoso princípio primeiro (arqué) da realidade; a
busca de um universal a partir do qual tudo pudesse ser explicado e resolver o problema do
absurdo gerado pelo caos: uma justificativa de existência.
Um pouco mais tarde, a partir de Sócrates, essa questão tornou-se, em sentido mais
estritamente filosófico, a busca da sabedoria pela busca da verdade, descrita como absoluta
na demonstração filosófica socrática e perseguida tenaz e metodologicamente pela maiêutica
(diálogo irônico entre o mestre e o discípulo – já estudamos sobre a maiêutica no tópico 3
– “As formas de conhecer o mundo”, constante na unidade II, Filosofia e conhecimento); a
busca da sabedoria através de um diálogo crítico sobre as aparentes e “falsas verdades”.
relembre
Anteriormente ao posicionamento de Sócrates, os sofistas estavam presentes na cultura
grega. Eram homens que desenvolveram habilmente a capacidade de uso da razão de modo
instrumental, isto é, com o objetivo de realizar determinados interesses. Eram capazes de
usar a razão independentemente do compromisso de busca da verdade no sentido socrático,
mas sim no desenvolvimento de uma atitude prático-utilitarista:
Os sofistas, embora criticados por essa atitude, não podem ser desprezados como pessoas
de cultura que foram, capazes de desenvolver o uso da razão no exercício da linguagem.
Interessante é que, na elaboração de sofismas (argumento com aparência lógica correta e
conteúdo falso), os sofistas já antecipavam o uso da estrutura da razão (lógica) na construção
de demonstrações sobre aquilo que se queria mostrar anteriormente no Organum (obra
em que Aristóteles mostrou o conhecimento sobre a estrutura da razão: a lógica). De certo
modo, está aí presente um grande valor humano de uso da linguagem como possibilidade
de produção e comunicação de conhecimento, embora independente das conclusões a que
se pudesse ter chegado.
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A finalidade sofística
Os sofistas operam uma importante revolução espiritual
no homem grego, deslocando o eixo da reflexão filosófica
da physys e do cosmos para o homem e para aquilo que
conceme a vida do homem como membro de uma sociedade.
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A atitude sofista no uso da linguagem, mais tarde reforçada por Aristóteles, influenciou
largamente a cultura ocidental. O ser humano passou, já a partir de Sócrates e na sequência de
toda a filosofia e, mais tarde, da ciência, a usar a capacidade humana de pensar com ordem,
com lógica, na desafiante missão do uso da linguagem para a construção do conhecimento
e consequente busca do que poderia ser “o verdadeiro”.
“A razão
A linguagem da ciência, por sua vez, junto com o sucesso
cultural, ao qual se agrega o sucesso econômico da produção
de bens e serviços na atividade socioeconômica pelo
guiando todo o
um grande anseio da humanidade que vem desde a Grécia
antiga, em que o ser humano quer ter um posicionamento de
segurança e certeza diante do aparente caos da realidade.
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Terminamos nosso primeiro tópico. A partir do próximo tópico, deve-se começar a aprofundar
mais a temática.
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Para entender melhor a corrente filosófica
pragmatista, pesquise no seguinte site:
http://www.pucsp.br/pragmatismo/
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Encontrar a
A partir daí, pragmaticamente, os chamados meios
da educação passam a ser valorizados a partir
de si mesmos. Como no pragmatismo os fins
justificam os meios, pois somente é verdadeiro
forma da ação
o que é útil e que dá resultado, a concepção da
educação concentra-se na ação, como a famosa
expressão “aprender fazendo”.
que levasse
Ora, nesse contexto o uso da linguagem, observada
a partir dessa perspectiva pragmático-pedagógica,
se apresenta de modo fortemente instrumental.
Segundo Dewey, “o conhecimento não é mais
do que atividade dirigida e parte funcional da
do melhor fim.
Dewey, na atividade inteligente nas ciências
naturais, a atividade moral do homem não é dirigida
por uma “prévia ideia do bem” (Dewey, 1983).
Vendo a atividade educativa dessa forma, a linguagem passa a ser entendida por
Dewey como ampliadora da experiência: sua função é descrever a experiência, ser
sua representante. Mas a criatividade continua centrada na ação. A linguagem como
representação se torna ampliadora da experiência. A palavra evoca o conjunto de
experiências já significativas que um indivíduo outrora já tenha vivido. A experiência
é ampliada por um processo de reconstrução imaginativa e, graças a essa função
ampliadora, a linguagem se torna o “instrumento” por excelência da educação
(Dewey, 1978, p. 23-24).
Vendo a questão da linguagem como outra atividade humana, a partir da cultura, talvez
perguntássemos por que a filosofia, no final do século XIX e início do século XX se preocupou
bastante com a questão da linguagem. Talvez pudéssemos responder também perguntando:
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relembre
Assim como determinações culturais provocaram a nova forma de o homem conhecer o
mundo em que existia, não muito tardiamente, a cultura levanta a questão de descobrir de
forma proposicional a linguagem adequada e competente para traduzir essa nova forma de
conhecer a realidade do mundo e do homem.
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Uma proposição não pode ser simplesmente inferida, tirada de outras. Não levaria a nada.
Na concepção de realidade de Wittgenstein, tudo é acidental. E então, na realidade, um fato
não pode ser simplesmente inferido de outro. Que o sol vai se levantar toda manhã é uma
“certeza” pelo que até agora ele tem se levantado. Como já dizia Hume, estudado na mesma
circunstância que Descartes, na crítica ao empirismo, um efeito pode ter a determinação de
várias causas; portanto, como assegurar o acontecimento do efeito se a posse da causa não
é determinada de modo exclusivo? (Sciacca, 1968, p. 137).
uma
É como se pudesse afirmar que o ser humano precisaria
ainda, quem sabe, no futuro, desenvolver novas formas
de linguagem para poder compreender e expressar a sua
realidade na realidade em que existe.
verdadeira
até hoje não conseguiram alcançar o modo de ser profundo
das coisas para questioná-las. Na verdade, o que existe,
inclusive pela dimensão instrumental da linguagem, são
as perplexidades que nos reconduzem sempre à proposta
somente se
fundamental do método provocativo que nos leva a filosofar.
No mais, a filosofia é a luta constante contra o enfeitiçamento
da linguagem que conduz os ingênuos homens na crença
de conhecer e dominar a realidade onde vivem.
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Pensadores afirmavam e mostravam que Pensadores afirmavam que a preferência Pensadores destacavam que “a
o critério de verificação experimental é pela linguagem científica não deve ser preferência pela função descritiva ou
um postulado privado de fundamento. A única, pois existem outras formas de cognitiva da linguagem é consequência
verdadeira condição de cientificidade de linguagem tão ou mais importantes do de uma tradição intelectualista e
uma teoria não é sua verificabilidade, e que a científica: a linguagem filosófica racionalista que foi extremamente
sim sua fasificabilidade, isto é, a ciência (com a metafísica), a linguagem do danosa porque criou uma imagem
cresce não pelas teorias de possíveis senso comum, a linguagem artística, a deformada e empobrecida do homem”
comprovações, mas sim pelas teorias linguagem religiosa etc. (Mondin,1980, p. 143).
de possíveis falsificações, o que provoca
a retomada constante da pesquisa e a
consequente criação do conhecimento
(Popper, 1970, p. 131).
Essa crítica se torna importante principalmente se nos situamos a partir do contexto da nossa
cultura e da sociedade atual, que faz o culto da objetividade em função do convencimento imediato
da imposição do consumismo tecnológico, apresentando como criativa uma determinada forma
de linguagem (tecnológica), quando em sua própria realidade é limitada pelos ditames das
definições das teorias científicas que a sustentam: nem sempre aquilo que imediatamente surge
como novo pode ser considerado criativo em sua essência. O bem consumido imediatamente
pode não estar sendo um avanço na proposta de realização do homem.
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Além dessa função descritiva e cognoscitiva, a linguagem apresenta também uma função
comunicativa, que, muitas vezes, está além da explicação de fenômenos, leis da natureza etc.,
mostrando o valor de afetos, sentimentos, e desejos (Mondin, 1980, p. 144). O ser humano
não é fechado em si, como um objeto qualquer. A sua presença no mundo é surpreendente
justamente porque não é objetiva. Não é uma presença meramente física e passiva.
Pelo uso da linguagem, o ser humano consegue ser significante diante dos outros e do
mundo, que também se tornam significantes em relação a ele.
Pela fala, o exercício da língua, na expressão de linguagem, e hoje ajudado por tantas
tecnologias e além delas, o homem pode se tornar criativo em relação à percepção do mundo
em que vive com os demais. E o uso da linguagem nessa função não parte de posicionamentos
de objetividade. Às vezes, se expressa dentro de condições de ambiguidades, como muitas
vezes se concebe a própria realidade ou existência. As
pessoas se exprimem dentro de contextos históricos,
contextos transitórios, como no entendimento e na aceitação
de determinados valores que, em certo contexto ou época,
têm grande consideração e, em outras condições, podem
se tornar desprezíveis (ou quase).
A linguagem apresenta também uma função ontológica que a remete à sua própria origem,
àquilo que ela é em si mesma. A linguagem, em sua origem, é anterior a qualquer expressão
simbólica em termos convencionais. Os signos não a fundam; é ela que os cria. Ela tem uma
força que funda o próprio ser das coisas, uma força criativa: busca a expressão essencial
das coisas além de qualquer possibilidade de definição.
Essa linguagem está presente no mito. Surge a partir da vontade profunda do homem
de dar sentido às coisas através de uma explicação que se estabelece além do domínio
lógico-conceitual. Devido a isso, é muito difícil estabelecer se a verdade que o mito procura
comunicar é uma verdade-fábula ou uma verdade-verdadeira.
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Por isso, “a origem da linguagem e, mais ainda, do mito está envolvida em um véu de mistério,
que nenhuma técnica filosófica ou psicanalítica conseguirá destrinchar” (Mondin, 1980, p. 149).
Como foi visto, no mundo em que vivemos, a visão da linguagem nas várias funções nos
libertará do determinismo denotativo em que a cultura foi envolvida. Embora não se possa
negar a importância da função descritiva, daí não se pode auferir que o ser humano deve
expressar-se e expressar o mundo unicamente a partir de um viés racionalista.
Sempre que se fala em linguagem, relacionando o termo à filosofia e à arte, a primeira ideia
que surge sobre o assunto é a criatividade. A linguagem escrita ou falada, de cunho científico,
de caráter objetivista, normalmente foi concebida carente de criatividade, no sentido de que
o discurso sempre é elaborado de modo fechado, dentro de determinados princípios causais
que são determinantes para que se possam tirar suas conclusões: por exemplo, a química se
desenvolve dentro do princípio de que a matéria tem uma estrutura atômica; fundamentado
nisso, o químico tira suas conclusões independentemente de se poder imaginar a existência
salvador dali de outra estrutura diversa, pois isso a que ele chegou e assumiu como ponto de partida foi
http://www.wisdom-square.com/ aquilo que se pôde “observar”, no nível e nas condições possíveis.
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Com o uso da linguagem simbólica, o ser humano, usando imagens, pode realizar sínteses
imediatas, como os gregos na mitologia garantiam a compreensão da explicação e do domínio
do mar pela crença do Deus do mar, Posseidon, ignorando a análise e síntese causal que
hoje a ciência faz para se alcançar o mesmo objetivo, mas situando-a a partir de linguagem
conceitual.
A linguagem simbólica não se propõe a ser técnica como a linguagem conceitual. As palavras
não têm o rigor na expressão das coisas; são livres para a interpretação a partir do que
sugerem. Sua característica linguística é a polissemia: podem apresentar vários sentidos – e
às vezes até contraditórios. A linguagem simbólica é envolvente, isto é, quem está em contato
com ela passa a ser tocado pelo seu conteúdo e reage de forma emocional.
Já a linguagem conceitual nos mantém distanciados dela. Ela nos convence a partir de
demonstrações lógicas, de ilações de pensamentos que podem estar muito distantes do
que sentimos vivendo. Por isso, ler um romance pode ser algo prazeroso, enquanto ler um
texto científico pode ser algo cansativo e até enfadonho.
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Pela linguagem simbólica se procura conhecer o mundo em que vivemos por meio de um
mundo que criamos, que pode ser projetado de maneira doce, terna ou trágica, mas que, de
certo modo, nos toca no sentido de um posicionamento crítico em relação ao mundo real de
onde partimos. George Orwell usou a metáfora dos animais de modo muito inteligente e original
para fazer um forte questionamento da sociedade de sua época em termos da exploração
do homem pelo homem, criticando de forma profunda o totalitarismo político (Orwell, 2000).
Na mais viva expressão da realidade pelo uso da faculdade da imaginação, o ser humano
– seja na produção da arte, seja na produção de uma filosofia não sufocada por um
contundente racionalismo – pode se estabelecer diante da realidade e buscar inspirações
de formas de libertação associadas à produção da fantasia, alimentando depois pela busca
da realização de sonhos aí nascidos o alcance de ideais que nascem do mais autêntico
exercício da arte e da filosofia.
Isto se torna possível não somente devido a exemplos que a história revelou, mas
principalmente pelo exercício da linguagem, que, assim como possibilita a denotação e a
conotação da realidade a partir do uso da razão, permite também, na sua particularidade
de ser simbólica, a possibilidade criativa do desejo constante do ser humano de, além de
todo determinismo cultural, social, político, religioso, econômico, poder conotar, isto é,
buscar um sentido mais inovador, projetando o futuro dessa mesma realidade na linha da
procura pela perfeição.
Esse tópico e o próximo, como logo ficará claro, tem em vista alguns dos momentos
fundamentais da reflexão de Heidegger, especialmente sua reflexão sobre a linguagem.
Trilhando os passos do autor, uma coisa existe quando a palavra acontece. As palavras não
são provenientes do intelecto subjetivo humano – como vimos nos tópicos acima desta unidade
–, porém, nascem a partir de um campo de mostração prévio no qual as próprias coisas se
mostram em seu ser para os indivíduos. O homem vem a ser homem na fala, melhor, por
meio da linguagem: o homem é um diálogo, ele é no diálogo. Não que a linguagem, para
ser a experiência que é, necessite do homem, como expressam muitos autores clássicos,
mas, o homem, para existir, não como um sujeito que se vale de um instrumento qualquer
(Aristóteles entendia a linguagem como um instrumento), passa a ganhar a sua medida (a sua
existência) no interior da linguagem. A medida do homem se efetiva na realização de suas
possibilidades, e a articulação das possibilidades de ser desse ente perfaz a sua existência.
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A linguagem, no entanto, foi sempre entendida como algo derivado do homem, que passa
a existir, de alguma maneira, na produção de expressões por meio da fala humana.
Segundo Heidegger:
Martin Heidegger
– 1889-1976
Ferdinand de Saussure
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Marlène Zarader em sua obra Heidegger e as palavras da origem pontua qual o intuito da recolocação
da questão da linguagem por parte de Heidegger bem como marca a forma mais comum de se
endereçar críticas a forma de tematização da questão pelo filósofo alemão. Segundo Zarader:
Deve-se notar que a mudança de perspectiva de Heidegger quanto a Humboldt é tão grande
que o primeiro, dialogando com a tradição que provém de Humboldt, escreve exatamente
o contrário do linguista alemão (Humboldt). No texto A palavra, conferência que consta na
coletânea A caminha da linguagem (HEIDEGGER, 2008a), Heidegger refere-se à palavra
não como algo proveniente do intelecto humano possível pela fala, somente, mas como
nome capaz de deixar que o mundo – realidade – se revele como tal, já que “nenhuma coisa
é (existe) onde falta a palavra” (HEIDEGGER, 2008a, p. 175).
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À abordagem parte das vezes, como algo proveniente da fala, e esta, como
linguagem, está totalmente vinculada ao pensamento. A dito
de elucidação, toma-se um estudo de Wilhelm von Humboldt
da linguagem,
título, esse escrito não visa percorrer as diferentes classes
gramaticais, mas, limita-se a considerar a ideia geral de
gramática a fim de responder a duas questões:
básicas
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O sentido nasce na relação entre o sujeito que, a partir de uma representação, pode
enunciar algo sobre um objeto. Conforme Humboldt, sem representação, não há modos
de se comunicar, nem falar, nem compreender, enfim, nada é possível quando não há
representação. É preciso que cada língua, ainda que seja a mais grosseira, possa realizar
representações, devendo entender representação, no contexto do linguista alemão, como a
faculdade intelectual capaz de criar imagens mentais nos sujeitos do conhecimento, isto é,
nos sujeitos que falam.
Hamburguer!!!!!
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Por fim, para Humboldt, a língua se forma no pensamento. A linguagem é a forma mais
elaborada de pensamento, ou seja, é um atributo derivado do pensamento. A linguagem,
assim, se encontra no homem perfeitamente. Se fosse retirada a possibilidade de
desenvolvimento do pensamento, a linguagem cairia em uma falta de delimitação, pois ela
perderia seu caráter de instrumento. Isso confirmou, a partir de Humboldt, que a linguagem
fosse entendida como uma propriedade humana.
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O que vem a ser o falar do logos, o falar do falar, que, na interpretação comum a Heidegger
tornou-se a frase trazer a linguagem como linguagem para a linguagem (HEIDEGGER,
2008a, p. 192.)? Se a questão for assim colocada, o que nos deixa sem saídas é afirmar que
linguagem, o dizer, no movimento de sua experiência como o mostrante, é logos, é palavra
originária, arcaica e fundamental.
Para Heidegger, o sentido atribuído à palavra apresentar é de essência dizente. Depor como
apresentar não pode ser outra coisa senão a possibilidade na qual pelo dizer originário da
língua deixa-se um mundo, uma totalidade conjuntural das coisas se encontrar manifesto.
Depor e propor, nessa perspectiva, ganham juntos outros sentidos, quais sejam, colher,
ajuntar, recolher e oferecer. Entretanto, não é um recolhimento no sentido de que o homem
colhe isso ou aquilo, toma ou pega algo, mas se refere a entrar na obediência e escuta da
coisa recolhida e oferecida, acolhendo-a como tal, uma vez que, pela escuta, o Homem já
está em sintonia com a coisa apresentada.
Recolher, nesse contexto, diz igualmente acolher. “Légein diz propriamente um depor e
propor que recolhe a si e ao outro”. Completando, “Legen significa estender e prostrar, mas,
ao mesmo tempo, significa também pôr uma coisa junto a outra, pôr em conjunto, ajuntar”
(HEIDEGGER, 2001, p. 184).
Pelo exposto, passa a ser caracterizado o depor e propor como o colher que abriga em sua
residência e cercania a coisa apresentada, abriga-a na medida em que “deixa-a disponível
em um conjunto” com às outras coisas. Deixar não configura um largar ou abandonar, mas,
deixar disponível, significa ajuntar em um mesmo âmbito aquilo que se mostra, mantendo-o
como mostrado por si mesmo em sua verdade. “É a proteção da verdade”, aquilo que certifica
que o todo, um mundo (o real), está disposto. Escreve Heidegger:
“O único empenho do depor e propor, como légein, é deixar que o que se dispõe por si mesmo
num conjunto, seja entregue, como real, à proteção que o preserva disposto. Que proteção
é essa? É a proteção da verdade”.
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Disposto em um conjunto diz, por fim, que a coisa revelada está posta a desencoberto, quer
dizer, descerrada, aberta. O abrigo do depor e propor é justamente esse desencobrimento,
esse desvelamento, o posto em manifesto. “Ao deixar o real dispor-se num conjunto, o légein
se empenha por abrigar o real no descoberto” (HEIDEGGER, 2001, p. 187.).
Sempre que falamos o verbo habitar, somos remetidos para o significado usual dessa palavra,
qual seja, o de moradia e de residência. Habitar é morar em, fincar residência em algum lugar.
Entretanto, também poderíamos ainda dizer: habitar é demorar, sabendo que a preposição
“de” significa “estar em direção à”, isto é, pôr-se a caminho de
saiba mais! algo. O sufixo “morar” indica-nos, por sua vez, à moradia, “moro
em”, pertenço à. Habitar é esse de-morar no sentido de pertencer.
Habitar é pertencer àquilo que nos é próprio. Não Por exemplo: um engenheiro, ao fazer uma ponte, habita a
tem, portanto, nenhuma conotação de residência, ponte, no sentido de que só pensa nela, tudo o que faz é para
de casa, de caixa postal, mas, evidencia um que a ponte seja edificada, seus cálculos, desenhos, etc. tem
pertencimento essencial àquilo que se mostra por objetivo a ponte. Ou o caminhoneiro, que dirige horas em
de forma particularmente próxima no campo
referencial que é o do homem. uma solidão atroz, muitas vezes, apenas ele, seu caminhão e
a imensidão da estrada. O caminhão vira casa sem muito luxo,
somente com uma cama modesta na qual pode descansar para,
novamente, voltar ao trabalho.
http://static2.bigstockphoto.com/
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Na obra Ser e Tempo, Heidegger expõe a estrutura do homem que ele chamou de ser-em,
isto é, o homem é sempre um ser-em determinado lugar: é sempre um ser em um mundo.
Ser-em (determinado lugar) é uma maneira especial de o homem ser no mundo.
Conforme Heidegger:
Bauen, buan, bhu, beo é, na verdade, a mesma palavra alemã bin, eu sou
nas conjugações ich bin, du bist, eu sou, tu és, nas formas imperativas bis,
sei, sê, sede. O que diz então: eu sou? A antiga palavra bauen (construir)
a que pertence bin, sou, responde: ich bin, du bist (eu sou, tu és) significa:
eu habito, tu habitas. A maneira como tu és e eu sou, o modo segundo o
qual somos homens sobre essa terra é o Baum, habitar (HEIDEGGER,
2001, p. 127).
Nessa perspectiva, Heidegger pensa o habitar como modo no qual os homens demoram-se
nisso que lhe é essencial e habitual sobre no mundo. Por isso, habitar significa estar entregue
àquilo que mais nos é íntimo. O nosso mundo se mostra na medida em que constitui a dimensão
mais própria de realização do mundo por realizar-se, em sua verdade, enquanto modo de
acontecimento e instauração originária do próprio mundo. E para dizer esse acontecimento
tão fundamental, a linguagem carece de seu dizer mais elevado, qual seja, o dizer poético.
Mas, a partir desse ponto, deveríamos investigar a linguagem poética, que não é nosso objetivo.
Com isso, terminamos mais uma unidade, talvez o mais complexo por sua temática.
Não deixe de estudar. Filosofia não é um saber de fácil apreensão. Mas, com toda a certeza,
o mais belo. Porém, para isso, devemos fazer o movimento de ir ao seu encontro, e isso nos
impele a estudar muito!
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 6. ed. São Paulo: Ática, 1997.
DEWEY, John. Vida e educação. Trad. Anísio Teixeira, São Paulo: Melhoramentos, 1978.
GARCIA, Walter E. Educação: visão teórica e prática pedagógica. São Paulo: McGraw-Hill, 1977.
________. Ser e Tempo. Trad. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 3ª. ed. Petrópolis: Vozes, 2008b.
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dévellopement des idées. Trad. Alfred Tonnellé. Paris: Frank, 1859.
radical MONDIN, Battista. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores e obras. Trad. J.
Renard. São Paulo: Paulinas, 1980.
ROSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: ensaio sobre a origem das línguas. São
SCIACCA, Michele Federico. História da filosofia – II: do humanismo a Kant. Trad. Luis
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