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BEINEKE, Viviane; LEAL, Cláudia.

Criatividade e educação musical: por uma atitude perante as


práticas musicais na escola. Expressão, v. 5, Santa Maria, 2001, p. 157-163.

CRIATIVIDADE E EDUCAÇÃO MUSICAL: POR UMA A TITUDE P ERANTE AS


P RÁTICAS MUSICAIS NA ESCOLA*

Viviane Beineke** e Cláudia Leal***

ABSTRACT: The Brazilian Educational Community considers creativity development as


one of the pillars of the educational process, but the expression is used in an abstract and
indiscriminate way. For this reason there is an uncertainty regarding what is to be
creative, what are creative products and how they can be developed in the educational
process. Taking this issue into consideration, the present work objective is to present and
discuss some of the conceptual possibilities of the word creativity and its relation to
musical education so that, afterwards, some of the ways of music teaching in scholastic
context can be pointed. Consequently it’s been defended the idea that creative development
must permeate all musical educational process, and not only be applied to specific
activities, such as composition and improvisation. This way it’s possible to build up a
creative educational practice, in which teachers and students incorporate in their scholar
routine creative attitudes that are current in the executing, listener and composer’s
practice.

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento da criatividade é, sem dúvida alguma, considerado pela


comunidade educacional brasileira como um dos pilares do processo educativo. Nas áreas
artísticas, e na educação musical em particular, é evidente este consenso. Apesar disto, nos
chamam atenção as relações estabelecidas entre a criatividade e o ensino de música, pois
os entendimentos do assunto são diversos. Quando procuramos localizar este tema na
prática da educação musical, nos deparamos com a indefinição sobre o que é ser criativo, o
que são produtos criativos e como eles são atingidos no processo de ensino e
aprendizagem. São inúmeras as formas de compreender o termo criatividade, e divergentes
os posicionamentos pedagógicos quanto às diferentes concepções de criatividade que
fundamentam a prática educacional.
2

O termo é conceituado de forma ampla, abstrata e indiscriminada. As diferenças


nos posicionamentos pedagógicos surgem quando identificamos, inicialmente, duas formas
de tratamento da questão dentro do contexto da educação musical. Em algumas
oportunidades, percebemos que a criatividade é apresentada como um conteúdo a ser
desenvolvido através de atividades específicas e, em outras, como um princípio que subjaz
ao processo educativo. Em relação à educação, Sherman (1991b, p. 9) enfatiza que a
função e a natureza da criatividade são persistentemente mal entendidas. Isso porque, no
processo de ensino, a “criatividade é sempre entendida como uma ferramenta pedagógica
para reduzir o erro, o fracasso e como uma forma bem intencionada de servidão mental”.

Considerando a problemática apresentada, o presente artigo tem o objetivo


apresentar e discutir algumas das possibilidades conceituais do termo criatividade e as suas
relações com a educação musical, para posteriormente apontar alguns caminhos para o
ensino da música no contexto escolar.

1. ONDE ESTÁ A C RIATIVIDADE?

Apesar da inequívoca aceitação por parte da comunidade educacional da


necessidade da presença da criatividade na rotina escolar, ainda persistem auras de mistério
sobre a criatividade. Freqüentemente, ela é abordada como algo intangível, acessível a
somente algumas pessoas. Muitas vezes, as ações criativas são erroneamente relacionadas
a comportamentos bizarros e extravagantes (Balkin, 1991), ou associadas a desajustes
sociais e de loucura (Alencar, 1993).

Discutindo a criatividade no âmbito das práticas musicais, Elliott (1995) afirmou


que a palavra criativo costuma ser associada com o novo, o único, o inovador, o
divergente, o imaginativo e o original. No interior destas tentativas de explicação
consagradas pelo senso comum e traduzidas pelos educadores acima, identificamos a
impossibilidade de considerá-la como uma capacidade a ser desenvolvida dentro de um
processo educacional. Contrariando essa idéia, acompanhamos o posicionamento de
Rapazote (2001, p. 219) quando explica que “a criatividade não é estigma dos gênios,

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muito pelo contrário: ela é inerente a qualquer ser humano, só dependendo dele e da
educação que usufrui, a possibilidade de desenvolver essa capacidade”. Neste sentido,
uma das dificuldades que cercam a compreensão do sentido da palavra criatividade é a
falta de diferenciação entre os conceitos de criatividade, inteligência, originalidade,
imaginação e espontaneidade.

Sobre as relações entre criatividade e inteligência, vários trabalhos demonstram que


não há uma correlação direta entre elas. Balkin (1991) cita as pesquisas de George Kneller
sobre o tema, negando a relação entre Q.I. alto e nível de criatividade. A discussão entre os
conceitos de criatividade e originalidade também é tratada de forma ambígua. Apesar de
não terem o mesmo significado, deve-se reconhecer que freqüentemente o comportamento
criativo tem elementos de originalidade (Balkin, 1991, p. 36).

A criatividade e a originalidade espontânea, de acordo com Elliott (1995, p. 221),


não devem ser confundidas, pois as respostas de crianças pequenas, por exemplo, apesar de
originais para os adultos, não configuram manifestações criativas. Segundo o autor “esta
diferenciação nos alerta ao fato de que a pessoa engajada em esforços criativos não está
apenas reagindo espontaneamente ao seu ambiente ou respondendo às suas emoções”.
Desta forma, a criatividade é entendida como algo que envolve também o conhecimento da
área na qual ela está sendo manifestada, isto é, o grau criativo-musical de um sujeito está
relacionado com o seu próprio desenvolvimento musical.

Outra idéia errônea em relação ao conceito de criatividade refere-se à sua


associação com a imaginação. Na visão de Elliott (1995), imaginação e criatividade não
são a mesma coisa, apesar de a imaginação desempenhar um papel importante na criação
musical. Segundo o autor, a imaginação deve ser desenvolvida, mas para que se tenha
resultados criativos essas imagens musicais deverão ser transformadas em sons concretos,
o que envolve habilidades específicas.

Quando Gardner (1996) discute em suas pesquisas o conceito de criatividade,


apresenta a definição de um indivíduo criativo como

... uma pessoa que regularmente soluciona problemas, cria produtos ou


define novas questões num domínio de uma maneira que inicialmente é

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considerada nova, mas que acaba sendo aceita num determinado ambiente
cultural (Gardner, 1996, p. 30-31).

O autor destaca que esta definição aponta algumas características que menos
comumente são expostas nas pesquisas sobre a criatividade. A primeira dessas
características é que uma pessoa pode ser criativa em um domínio e em outros não, isto é, a
pessoa não é simplesmente criativa, e sim, criativa em uma certa atividade ou disciplina. A
segunda é que existe uma regularidade nas manifestações criativas, as quais não costumam
ser eventuais. Por fim, outra característica refere-se à afirmação de Gardner de que “nada é
ou deixa de ser criativo em si mesmo ou por si mesmo”1. Visto desta forma, o que é
criativo em um certo contexto pode não o ser em outro, de maneira que as atividades
criativas somente são reconhecidas como tal quando forem aceitas numa determinada
cultura. Assim, a criatividade é um julgamento inerentemente comunal ou cultural, onde
ser ou não ser criativo depende do contexto (Gardner, 1996, p. 31).

Os elementos essenciais em qualquer discussão sobre a criatividade, apontados por


Csikszentmihalyi (apud Gardner, 1996, p. 33), uma pesquisadora de referência neste
assunto, são: “(1) o talento individual ou pessoal: (2) o domínio ou disciplina em que o
indivíduo está trabalhando; (3) o campo circundante que faz julgamentos acerca da
qualidade dos indivíduos e produtos”. A partir dessa perspectiva, a autora desloca a
pergunta “O que é criatividade?” para “Onde está a criatividade?”.

Utilizando-se dos estudos de Csiksentmihalyi para construir o seu conceito de


criatividade, Elliott (1995) considera essencial a ênfase na função do contexto prático na
realização criativa. Dessa forma, “para contar como criativo, um produto ou realização
não necessita somente exemplificar originalidade, ele deve fazer contribuições notáveis no
seu domínio”. Segundo o autor (1995, p. 216), a criatividade é “uma forma particular de
ação que resulta em produtos tangíveis ou realização que as pessoas consideram de valor,
úteis ou excepcionais em algum aspecto”. Com esta definição, Elliott (1995) diferencia os
atos de compor, desenhar ou dançar do ato criador, isto é, as atividades de compor,
desenhar ou dançar são meios para a criação, mas que nem sempre resultam em produtos
criativos. “No domínio da música, a palavra criativo aplica-se aos produtos musicais da

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composição, improvisação, arranjo, regência e performance, mas nem todas estas


manifestações são, necessariamente, criativas”2 (Elliott, 1995, p. 219).

Dentro desta perspectiva, nos cabe perguntar: O que é e onde está a criatividade nas
salas de aula de música?

A C OMPOSIÇÃO MUSICAL E A C RIATIVIDADE

As décadas de 60 e 70 foram, sem dúvida, o período da criatividade na educação.


Na área de música, na Europa e na América do Norte, os trabalhos de John Paynter (1970),
Peter Aston (1970), Murray Schafer (1991) e o Programa Curricular de Música
Manhattanville (MMCP, 1970) são representativos do movimento da criatividade.
Procurando alternativas à educação tradicional, o movimento combatia o ensino centrado
na aquisição de conceitos através da repetição e da memorização das informações.

No Brasil, o movimento da criatividade na educação eclodiu por volta dos anos 603,
sendo especialmente representativa desta tendência a proposta de ensino musical
denominada por “Oficina de Música” (Campos, 1988; Paz, 2000; Penna, 1990). Esta
proposta, influenciada por educadores do exterior, tais como Carl Orff, Murray Schafer e,
no Brasil, pelo Grupo Música Viva4 e por Koellreutter, enfatizava a criatividade e a
expressão pessoal através da música5. Segundo Campos (1988), a denominação “Oficina
de Música” abrangia uma série de práticas diversificadas, mas que tinham, como
característica comum da metodologia, aspectos como:

[...] o incentivo à criatividade através da experimentação e de uma postura


não-autoritária do educador; a realização de experiências e avaliações em

1
Grifo do autor.
2
Grifo do autor.
3
As origens desse movimento e outros pontos de irradiação do mesmo no Brasil podem ser vistos em
Fonterrada (1993) e Fuks (1991).
4
Para detalhamento do movimento Música Viva, ver Kater (1992).
5
Como principais representantes e precursores dessa proposta, Campos (1988) situa Emílio Terraza e
Nicolou Kokron que, em 1968, começaram a sistematizar os princípios que defendiam para o ensino de
música, no Departamento de Música da Universidade de Brasília.

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grupo, na maior parte das vezes; o interesse pelo desenvolvimento do aluno


enquanto pessoa, com todas as suas potencialidades (Campos, 1988, p.
109).

A proposta da “Oficina de Música”, segundo Penna (1990), baseava-se na ação


exploratória e criativa dos materiais sonoros pelos alunos, pensando-se no som como
matéria bruta a ser descoberta e manipulada, incluindo o ruído. Buscava-se, em essência,
“uma pedagogia compatível com a estética da música contemporânea” (Penna, 1990, p.
70). A criação tornou-se a atividade central nas propostas de educação musical deste
período, sendo enfatizado que todos têm capacidade para criar (Paynter e Aston, 1970, p.
4). Para Schafer (1991, p. 284), um dos desafios centrais do ensino de música era
“descobrir o potencial criativo das crianças, para que possam fazer música por si
mesmas”. Com uma abordagem semelhante, o Programa Curricular Manhattanville (1970)
enfatizou a atividade criativa em sala de aula porque considera a música como uma arte
expressiva, bem como uma forma de aventura criativa.

Nestas concepções de Educação Musical, as atividades de composição e


improvisação são vistas como a melhor forma de se ensinar música, sendo a prática da
criatividade vinculada principalmente a trabalhos desta natureza. Como defendem Paynter
e Aston (1970, p. 8), “os verdadeiros ‘rudimentos’ da música são encontrados na
exploração dos seus materiais – sons e silêncios”, atividade que é desenvolvida
essencialmente em projetos de composição musical.

O Programa Curricular Manhattanville propõe que a “descoberta é o meio mais


produtivo e excitante de aprender”, sendo consideradas atividades criativas aquelas em
que o estudante está envolvido em alguma forma de composição ou tem a responsabilidade
de escolher a combinação ou estruturação de sons musicais. Através da experimentação
ativa com sons e estruturas, o estudante pode descobrir por si mesmo os conceitos de
organização e interação que são fundamentais à compreensão musical. (MMCP, 1970, p.
16).

A música do século XX também foi muito valorizada neste período. Sobre isso, Paz
(2000, p. 236) chama a atenção para o fato de que a maioria destes movimentos, em todos
os lugares, partiram primeiramente de jovens compositores. Segundo a autora, “temos a

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impressão de que o alvo era a busca total de uma nova sonoridade, a música que
caracterizaria o nosso século e, em resposta, obtiveram também toda uma reformulação
das práticas até então existentes no ensino elementar de música”.

Discutindo os conceitos de criatividade predominantes nos anos 70, Swanwick


(1979, p. 91) constata que os mesmos estão muito centrados em características como “as
crianças fazerem a sua própria música”, na “premiação” das atividades imaginativas, na
integração com as outras disciplinas do currículo escolar e por uma simpatia pelas técnicas
da música de vanguarda. Na visão de Elliott (1995, p. 221) havia uma tendência de
equacionar a criatividade musical com todo o esforço do fazer música aleatória, eletrônica,
obras geradas por computador, formas livres de improvisação ou soundscapes. Segundo o
autor, o que está subentendido nessa tendência é que se as crianças fazem música
relacionada aos princípios e padrões da prática musical contemporânea, elas tornam-se
automaticamente criativas, mas ele mesmo adverte que “nenhuma prática musical é
inerentemente mais criativa que outra. O que torna a música criativa depende da
originalidade e significância dos resultados musicais”.

Em relação ao papel do professor, os autores da época afirmam que, na medida do


possível, o trabalho não deve ser controlado por ele. Schafer (1991) questiona a visão do
professor como uma figura central no ensino, propondo que ele trabalhe para a sua
extinção. Já Paynter e Aston (1970, p. 7) defendem que a função do professor é “mostrar
conjuntos de conexões e pensamentos, auxiliando o aluno a desenvolver sua própria
crítica e percepção”, ajudando-os a avaliar o que estão fazendo.

Quando o assunto é criatividade, acreditamos que a perspectiva do professor


também deva ser analisada, pois o seu papel em sala de aula e as habilidades de que ele
precisa dispor adquirem novos contornos, exigindo um processo de formação que lhe
permita interagir com os alunos durante o processo criativo, apontando alternativas e
questionando-os em sua produção.

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O PROFESSOR DE MÚSICA NO ENSINO C RIATIVO

Muitas definições de música a conceituam como uma “arte criativa”. Tomando-se


esta definição como verdadeira, poderíamos pensar que, se quisermos ser fiéis à natureza
da música, a criatividade seria inerente a toda realização musical em sala de aula.
Plummeridge (1991, p. 122) sustenta que, apesar dos educadores musicais terem
demonstrado um interesse crescente pela criatividade nos últimos anos, muito deste
interesse ainda permaneceu centrado no processo de composição e de como desenvolver
habilidades criativas nos alunos. Para o autor, a idéia de que o ensino de música em si
mesmo é uma atividade criativa ainda é pouco considerada nos sistemas de ensino musical.

Ainda menos discutida é a criatividade do professor, apesar de, no senso comum,


estar implícita a idéia de que o professor precisa ser criativo para ser capaz de despertar a
criatividade dos seus alunos. Refletindo sobre essa questão, Plummeridge afirma que o
professor criativo é uma pessoa

que pode fazer conexões entre os mundos da música e da educação musical.


De fato, as resoluções de muitos dos problemas da educação musical são
encontradas na própria música. E a habilidade dos professores de ver essas
conexões e trabalhar de uma maneira criativa depende, obviamente, em
grande parte, da sua educação e treinamento (Plummeridge, 1991, p. 124).

O desenvolvimento criativo do professor, segundo Plummeridge, é absolutamente


necessário, porque

[...] há muitas circunstâncias em que o professor, como o compositor, é


confrontado com problemas musicais que requerem soluções musicais:
organização de atividades para crianças com vários níveis de habilidade e
técnica; arranjar música para combinações não usuais de instrumentos;
preparação de materiais para diferentes tipos de projetos (Plummeridge,
1991, p. 123).

Também justificando a necessidade do desenvolvimento criativo-musical do


professor, Elliott (1995) afirma que

[...] os professores que possuem um alto nível de musicalidade auxiliam o


desenvolvimento criativo e o sucesso do aluno porque eles sabem como e

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quando ajudar nos esforços criativos dos estudantes para produzir


interpretações, improvisações e composições criativas (Elliott, 1995, p.
227).

As questões expostas nos levam a refletir sobre a formação do educador musical.


Será que ele está preparado para compreender a criatividade como uma característica da
própria música? Será que ele já vivenciou a música dessa forma? O professor foi formado
para incentivar a busca de soluções criativas em sala de aula, em todas as formas do fazer
musical, incluindo atividades de execução, apreciação, leitura de partitura, análise e
composição?

Citando o relatório de um evento que discutia o ensino de música na escola


secundária da Inglaterra, Plummeridge (1991) destaca que, em relação às instituições de
formação de professores, foi questionada a ênfase dada à aquisição de habilidades
tradicionais, tais como o alto nível de performance instrumental e o conhecimento
acadêmico. Apesar de essas capacidades serem consideradas importantes, foi ressaltado
que os professores têm poucas oportunidades para compor ou arranjar música. Na opinião
do autor, o professor de música na escola precisa de uma forma particular de treinamento
musical que inclua esse tipo de atividades (Plummeridge, 1991, p. 127).

Sherman (1991a, p. 12) também salienta que, embora as mudanças possam ser
feitas em qualquer ponto do currículo, o ponto mais efetivo para provocar alguma
transformação nas práticas vigentes é através dos programas de formação universitária.
Sem se apoiar somente nas questões teóricas, de performance, de literatura ou de métodos,
os programas deveriam se concentrar em como são ensinados e ao que estão servindo todos
esses conteúdos nas aulas de música. Nesta perspectiva, as atividades criativas nas aulas de
música deveriam aplicar-se, de maneira equilibrada, a todos os parâmetros da experiência
musical e não, como ocorre comumente, priorizando as atividades de composição. Assim,
é possível construir uma prática educacional criativa, na qual os professores e os alunos
incorporem na rotina escolar atitudes criativas presentes na prática do executante, do
ouvinte e do compositor.

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P OR UMA ATITUDE C RIATIVA EM RELAÇÃO ÀS P RÁTICAS MUSICAIS NA


ESCOLA

A orientação que vem sendo dada à criatividade atualmente está muito mais
relacionada com a própria concepção de música e de educação que fundamenta o ensino,
do que em uma idéia de atividades criativas específicas. Desta maneira, o foco se desloca
das atividades criativas para uma atitude criativa perante as práticas musicais, permeando
toda a prática pedagógica. Nestas bases, as atividades desenvolvidas no ensino de música
seriam desenhadas a partir de um quadro teórico mais amplo que orienta todo o projeto
educacional.

Estando o ensino musical centrado na própria prática musical e considerando que


toda a prática musical deveria ser pensada não como um ritual de “perpetuação da cultura e
dos grandes mestres”, e sim, como um engajamento autêntico com o que a música significa
para a sociedade, poderíamos concordar com Elliott (1995, p. 234), quando este afirma que
o desenvolvimento da criatividade está diretamente relacionado ao desenvolvimento da
musicalidade.

Quais as atividades que deveriam ser conduzidas em sala de aula e de que forma
elas poderiam ser desenvolvidas para que esta orientação criativa fosse contemplada? Para
Elliott (1995, p. 234), isso envolve alguns princípios, sendo o principal deles o
engajamento dos estudantes em problemas e projetos musicais autênticos, isto é,
musicalmente significativos. De acordo com o autor,

Dessa forma veremos estudantes que participam ativamente do fazer e ouvir


musical; que gostam de desenvolver a sua musicalidade; buscam a
excelência musical; avaliam criticamente suas performances e
composições; demonstram uma disposição positiva para o “aprender-a-ser-
criativo”; correm ricos musicais confortavelmente e testam seus
julgamentos das promessas criativo-musicais (Elliott, 1995, p. 234).

Nesta perspectiva, é a própria prática musical, manifestada em atividades de


composição, execução e apreciação, que irá promover, de forma orgânica, o
desenvolvimento criativo, em um processo contínuo em que a avaliação de si mesmo e dos
outros desempenha um papel fundamental na aprendizagem. Para Swanwick (1996, p. 22),

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isto significa que “a música na escola não pode ser vista como um museu musical ou uma
janela cultural, mas um lugar e um espaço onde nós facilitamos conversações musicais e
conversações sobre música”.

A idéia da atitude criativa que orienta todo o processo de ensino pode dar a falsa
impressão de que tudo é criativo. Sobre isto, Elliott (1995, p. 222) adverte que “quando um
professor decide que tudo é criativo, o conceito de musicalidade, desafio e resultado
criativo evaporam” ou seja, se o professor aceita tudo o que os alunos fazem como
criativo, então não há mais o que ensinar.

Segundo Burnard (2000, p. 243), os professores também precisam compreender que


os alunos só podem criar dentro do contexto daquilo que eles conhecem. A autora destaca
que “as crianças só podem falar eloqüentemente sobre sua própria experiência musical
quando sua criatividade é alimentada e suas concepções musicais são aceitas e
respeitadas”. Isso implica em relativizar os próprios conceitos, procurando compreender o
que as crianças realmente estão fazendo em sala de aula. Como defende Burnard:

Se nós [professores] valorizarmos verdadeiramente as práticas musicais


das crianças, isto resultará em professores que se tornam pesquisadores, e
eles mesmo aprendizes, quando observam e se engajam nos mundos
musicais dos alunos. Uma conseqüência desta abordagem para a
pedagogia musical escolar é que ela será transformadora por natureza,
porque estará em ressonância com a visão que os alunos têm de si mesmos
(Burnard, 2000, p. 243).

O que ocorre é uma ênfase no desenvolvimento da autonomia do aluno, que é


incentivado a tomar suas próprias decisões musicais, mas isto não significa que não haverá
críticas sobre os produtos resultantes do esforço criativo. Para desenvolver a criatividade
musical, os educadores musicais precisam ser honestos com os alunos sobre o que conta
como musical e o que conta como musicalmente criativo em relação às aquisições passadas
e presentes na prática musical (Elliott, 1995, p. 222-223).

Vale ressaltar também que, em acordo com as concepções aqui discutidas, a idéia
de um processo criativo que subjaz ao ensino de música é mais relevante do que a busca
por produtos criativos. Seguindo o mesmo raciocínio, parece ser um equívoco chamar as
atividades de composição de atividades de criação musical, visto que se pode ser criativo

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em todo tipo de experiência musical, e não exclusivamente na composição. Além disso, os


objetivos da aula de música não concentram-se essencialmente na obtenção de resultados
inovadores, originais ou únicos, e sim, em um processo de desenvolvimento musical
promovido através de práticas musicais significativas.

C ONCLUSÃO

A concepção de uma aprendizagem musical em que o desenvolvimento criativo é


entendido como uma atitude perante o processo educacional vem também ao encontro de
estudos atuais sobre as relações entre aprendizagem, criatividade e escola. Segundo
Patrício (2001), uma educação realmente comprometida com a aprendizagem do aluno é,
por natureza, criativa. O autor explica que aprender é criar, pois cria-se conhecimento,
cria-se saber.

Ao contrário de um sistema educativo centrado apenas no ensino, na transmissão de


conhecimentos, um sistema educativo voltado à aprendizagem está comprometido com
aquele que aprende, com sua liberdade e dignidade únicas. Nesta abordagem, “é
profundamente verdade afirmar que aprender não é receber o saber feito, pois aprender é
criar – e também recriar – o saber que depois se possui. Não há, pois, em rigor,
aprendizagem sem criatividade” (Patrício, 2001, p. 239). Compreendido desta maneira, o
desenvolvimento criativo irá permear todo o ensino musical, não sendo necessário destacá-
lo em atividades isoladas. Também vale lembrar que, de acordo com o conceito de
criatividade aqui discutido, uma educação musical orientada para o desenvolvimento
criativo do sujeito está diretamente relacionada ao desenvolvimento musical, isto é,
promove-se um desenvolvimento criativo no domínio específico da música.

Uma escola voltada ao desenvolvimento criativo, à construção e re-construção de


saberes, uma educação musical centrada nos processos de aprendizagem e em práticas
musicais autênticas, significativas para os alunos que dela participam, em um processo
contínuo de análise e de crítica que permeia o fazer musical – compondo, tocando,

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cantando, apreciando música – é este o caminho que ousamos apontar para a educação
musical.

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SHERMAN, Robert W. Creativity and the condition of knowing in music. In: HAMANN,
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SWANWICK, Keith. A basis for music education. London, Routledge, 1979.
SWANWICK, Keith. Music education liberated from new praxis. International Journal of
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*
Este artigo foi iniciado como um trabalho para a disciplina de Psicologia da Música, ministrada no
Programa de Pós-Graduação em Música - Mestrado e Doutorado da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), no primeiro semestre de 1998, pela Profª Drª Liane Hentschke, a quem agradecemos pela
leitura e crítica às primeiras versões do texto.
**
Professora do Departamento de Música da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Mestre em
Educação Musical pelo Programa de Pós-Graduação em Música - Mestrado e Doutorado da UFRGS.
***
Professora do Curso de Extensão do Departamento de Música - Instituto de Artes da UFRGS. Professora
de música no Colégio Farroupilha - Porto Alegre/RS. Mestre em Educação Musical pelo Programa de Pós-
Graduação em Música - Mestrado e Doutorado da UFRGS.

BEINEKE, Viviane; LEAL, Cláudia. Criatividade e educação musical: por uma atitude perante as práticas musicais na
escola. Expressão, v. 5, Santa Maria, 2001, p. 157-163.

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