Você está na página 1de 407

Livro 01

DEVILS DRAGONS
Inalcançável
Harin Andreo
Copyright © Harin Andreo, 2021
Capa: Thatyanne Tennório - @designerttenorio
Revisão: Ana Karolina Araújo – @anakarolina6530
Diagramação: 318 Serviços Editoriais & Design -
@tresumoito
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.

DEVILS DRAGOSNS - INALCANSÁVEL / Harin Andreo 1ª


Edição – 2021
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento, e/ou reprodução de qualquer
parte dessa obra – física ou eletrônica – através de
quaisquer meios (tangível ou intangível) sem o
consentimento escrito da autora. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal.2018.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da
Língua Portuguesa. Todos os direitos reservados.
Agradecimentos
Gratidão primeiramente a Deus, sempre. Pela luz, saúde e
criatividade concedida até o momento. A cada leitor que
tira um tempo do seu dia ou noite, precioso, para ler o que
essa autora escreve. Hoje vejo a escrita como profissão.
Vocês fizeram isso.
OBRIGADA!
Harin Andreo
Sinopse
Sequestrada.
Colocada em exposição como um animal.
Leiloada.
Pagando o preço de uma dívida que nunca foi sua, Tara
Madison, filha de um senador influente, corrupto, com
laços no submundo, teve sua vida transformada ao ser
levada pelo Cartel de Guadalajara. Com uma vida inteira
de repressão e proteção, sente o sopro de esperança ao
ter seu caminho cruzado com um criminoso perigoso.
A Aliança salvou vidas e trouxe consequências.
Shield, vice-presidente dos Devils Dragons, irá até o
inferno para recuperar sua irmã e matar cada integrante do
Cartel que a levou. O que ele não esperava era encontrar
Tara Madison...
E bastou um olhar para que ele soubesse.
Ele a salvaria.
Prólogo
Novamente comecei a andar pela cabine, sendo protegida
dos homens apenas pelo vidro e tentei tampar o meu
corpo, sentindo as ondas do ataque de pânico: a falta de
ar, o aperto no coração, a sensação de ser engolida por
algo desconhecido. Tentei levantar os olhos e focar em
minha respiração, e, quando levantei os olhos... Me deparei
com duas esferas azuis.
Eu não saberia dizer ali, mas algo no olhar do homem que
me avaliava na cabine me fez parar de girar e olhar apenas
para ele, esquecendo um pouco a sensação de pânico.
Diferente dos outros, nos olhos dele não vi admiração ou
lascívia.
Eu vi pena.
E eu só poderia estar louca, porque aquele homem estava
ali para, supostamente, me comprar. Ele era tão criminoso
quanto qualquer outro, mas mesmo pensando tudo isso…
Não consegui desviar os olhos dele. Eu sabia que falavam
sobre mim, sabia que toda a minha vida seria decidida ali,
mas por alguns segundos, o tempo pareceu passar
devagar, porque ele também tinha os olhos fixos nos meus.
Não em meu corpo quase nu.
Os olhos dele estavam diretamente nos meus.
Ele me viu.
Capítulo 01
Tara Madison
Washington D.C
— Tara.
Desviei os olhos da janela, onde a noite acontecia
em Washington, um vento gelado me banhava enquanto eu
fechava os olhos para senti-lo mais intensamente. Eu
amava a sensação do vento me abraçando, sentia a
sensação de liberdade. Uma liberdade que eu não tinha.
Ainda.
Hoje tinha sido minha apresentação no John F.
Kennedy Center[1], e meus pais estiveram presentes,
chamando toda a atenção para a família perfeita que o
grande senador Thomas Madison queria desenhar para a
mídia. Foram muitas fotos, sorrisos forçados e palavras ao
vento. Mentiras. Eu só queria descer e sentir a noite.
Mesmo fria.
— Não fique tanto tempo na janela. Está frio, você
pode pegar um resfriado. Amanhã teremos o almoço oficial
com o Primeiro Ministro do Canadá, não é de bom tom se
mostrar doente. — Disse minha mãe com seu tom
entediado.
Ela poderia dizer que era uma preocupação
materna, mas eu conhecia Rosely Madison. Ela projetava a
família perfeita, imagine o que seria para a sua reputação
se a única filha aparecesse em um evento doente. A vida
inteira, a única palavra que fez sentido no vocabulário de
minha mãe, foi perfeição... Pelo menos para ela. Pouco
importava que meu pai tivesse inúmeras amantes ou fosse
abusivo em algumas situações, ela estava feliz em fingir
que nada acontecia desde que a mídia nos desenhasse
como uma família perfeita e feliz.
Me afastei da janela e já ia pedir licença para ir em direção
ao meu quarto quando sua voz soou novamente, no tom
condescendente de sempre.
— Você errou dois acordes hoje, Tara. Eu não te
comprei um Kuhn-Bösendorfer[2] e nem pago os melhores
conservatórios de piano para que você erre o seu solo e
nos envergonhe.
Respirei fundo. Foi um escorregão do polegar que
bem poderia parecer uma apogiatura[3] na melodia, mas
claro, não iria escapar dos ouvidos dela. Não de Rosaly,
que me colocou nas melhores escolas e dirigia cada passo
meu, vivendo sua vida através de mim. Era incrível como
ela ainda tinha esse poder de me fazer sentir pequena e
inútil. A sensação de nunca ser suficiente. Eu controlei as
minhas emoções como sempre. Gritar e chorar nunca
foram uma opção, não com ela e, com certeza, não com
meu pai.
— Me desculpe, mãe. Eu fiquei um pouco nervosa
com a quantidade de pessoas presentes. — Respondi com
suavidade, mais uma vez enterrando tudo o que sentia.
Precisava fazer essa linha por mais dois meses e então,
finalmente seria livre. Ela me deu mais um olhar superior e
então disse, com um suspiro decepcionado:
— Faça melhor, principalmente quando seu pai
estiver presente.
Minha mãe vivia para agradar meu pai, mesmo que
ele não merecesse. Ignorava toda a sujeira dele e eu
nunca entendi o porquê de ela agir assim. Estar com um
homem que não a respeitava e nem a amava... Ela
sacrificava a si mesma em um relacionamento de fachada
e me sacrificava por consequência.
Mas eu já poderia ver uma luz no fim do túnel. Já
conseguia sentir o gostinho da liberdade como o vento que
me abraçava na janela. Eu iria para a faculdade no próximo
semestre e viveria finalmente do meu próprio jeito. Meus
pais me seguraram por seis meses após o final do Ensino
Médio, por conta da campanha eleitoral e todos os
compromissos sociais que eu deveria comparecer... Não
me importava que eu tivesse que estudar Direito em
Harvard ao invés de Música na Julliard.
Eu seria livre.
Com um aceno, ela ainda me olhou com
condenação e indicou as escadas. Agora ela beberia e
fingiria que meu pai não estava com outras mulheres.
Alguns dias eu sentia pena dela, outros eu sentia raiva.
Subi para o meu quarto, me troquei e finalmente me deitei.
Fechei os olhos com força imaginando o dia que poderia
sair e voltar a hora que eu bem entendesse. Quando eu
poderia fazer amigos de verdade, comer uma pizza tarde
da noite, não me preocupar se minha roupa estava
amassada ou se minha postura estava correta. Poder usar
uma calça de moletom e curtir um domingo preguiçoso.
Me apaixonar. Ter alguém que se importe de
verdade comigo e não com a ideia do que eu sou. Sentindo
que a minha liberdade estava próxima, eu dormi.

— Tara, você está atrasada. Se dormir demais seus


olhos ficarão inchados e vermelhos e nada disso é
elegante.
Minha mãe abriu a janela do meu quarto e foi para o
closet. Ela escolheu um vestido caro que exalava “eu sou
uma boa menina”. Pegou um par de sapatos e parou à
minha frente.
— Está escolhendo minhas roupas?
— Que parte do “está atrasada” você não escutou?
Vamos, vá para o banheiro e coloque a touca, não vai dar
tempo de secar seu cabelo, ele é longo demais.
Me levantei, sentindo-me com quinze anos e não
dezenove. Mas eu sabia melhor do que discutir. Era um
desgaste desnecessário. Tomei um banho rápido, coloquei
a roupa que ela escolheu para mim e logo ela apontou para
a cadeira em frente à penteadeira. Estranhei seu
comportamento, o que ela queria fazer? Pentear meu
cabelo? Era demais, até para ela. Me virei em sua direção
com uma carranca.
— Mãe, por favor, isso já é demais.
— Sente-se! — ela respondeu autoritária, embora
houvesse um brilho estranho em seus olhos.
— O que está acontecendo?
— Sente-se, Tara. Você sabe que eu sei o que é
melhor para você.
Rosaly tinha o cabelo platinado, em um corte
Chanel, seus olhos castanhos destacados pelos cílios
escuros. Ela já estava impecável, o que me dizia que tinha
se levantado cedo. A contragosto, me sentei e ela prendeu
o meu cabelo em um rabo de cavalo elegante. Eu tinha a
pele pálida e o cabelo castanho claro. Quando foi passar
minha maquiagem eu não deixei. Nunca gostei de nada
extravagante como ela gostava, então eu mesma fiz uma
make simples.
Quando saímos, meu pai já nos esperava. Seria
mais um domingo chato, onde eu deveria manter um
sorriso contido no rosto o dia todo. Pensei que talvez
Amber estivesse presente, o que tornaria o dia menos
tedioso. Amber era assessora do Primeiro Ministro do
Canadá — um amigo de longa data do meu pai — e era
muito divertida. Ela adorava fazer piada sobre as esposas
dos políticos influentes e eu ria muito com ela.
— Amber vai estar presente?
— Não é bom você ficar conversando muito com
Amber, ela é funcionária.
— E daí?
— Não é bom misturar as coisas.
Contive o meu comentário. Sabia que levaria a uma
briga e ela poderia acabar se excedendo e eu não gostaria
de chegar com o rosto vermelho no evento. Mantive o
silêncio até chegarmos ao clube. Ainda eram 09h da
manhã, então eu me afastei um pouco. Um grupo de
garotas, que deveriam ter em torno da minha idade, se
divertia jogando vôlei em uma das quadras do clube e eu
gostaria de ver mais de perto. Mal dei dois passos para
onde algumas pessoas se divertiam em uma piscina, minha
mãe me puxou pelo braço.
— O que você pensa que está fazendo? — Disse
em um tom baixo e irritado.
— Ainda falta um pouco para o almoço.
Ela cerrou um pouco os olhos, o que eu poderia ver
claramente apesar do chapéu horroroso que ela usava,
pois eu era tão alta quanto ela. Ela logo colocou uma
expressão agradável no rosto quando algumas pessoas
passaram por nós e nos cumprimentaram, mas assim que
se eles afastaram, ela continuou com um sorriso estranho:
— Não importa. Preste bem atenção: hoje você
ficará perto de Marcus D’Angelo.
— Por quê? — Estranhei seu pedido.
— Porque eu estou mandando, Tara.
Um mau pressentimento passou por mim, de tal
forma que não consegui manter o silêncio. O que ela
pretendia? Todo o tempo em minha vida, minha mãe me
fazia ficar longe das pessoas. Ela me pedir para ficar perto
de alguém era atordoante.
— O que você está tramando?
Finalmente Rosaly olhou para mim, realmente olhou
em meus olhos. Seus olhos brilharam em uma astúcia que
eu não entendia muito bem, só sabia que não gostava.
— Seu pai e o pai dele têm interesses em comum, é
natural que vocês se aproximem. O pai dele é CEO da
Lions, a maior empresa de comunicação dos Estados
Unidos. Seu pai comprou algumas ações e espera que
vocês construam um relacionamento.
— Que tipo de relacionamento? — Perguntei entre
dentes temendo a resposta.
— Não se faça de tola, querida, sabe o que quero
dizer. Você irá para Harvard e então se casará com aquele
garoto. — Decretou. Eu puxei uma respiração profunda.
— Eu não vou fazer isso! — Minha voz saiu mais
estridente do que eu gostaria. Algumas pessoas olharam,
mas minha mãe forçou um sorriso, quando voltou para
mim, senti uma ardência em meu braço. Ela apertou suas
unhas em meu antebraço e disse sorrindo.
— Você vai colocar um sorriso em seu rosto e ser
muito educada com Marcus. E vai encantá-lo, porque é
isso que o seu pai quer.
O pânico foi maior que a autopreservação. Não era
a primeira vez que minha mãe me machucava fisicamente
e provavelmente não seria a última...
— Eu não vou fazer isso! Eu não vou terminar como
você!
Seus olhos se arregalaram com o meu rompante. Eu
nunca gritei com ela. Meus olhos estavam queimando pelo
meu desespero, mas segurei o choro. Não importava o
preço, eu não faria isso, não seria dada como uma moeda
de troca.
— Não ligo para o que você quer ou o que você
acha que sabe. Aceite a sua vida, Tara e espero que você
escolha o caminho fácil. Fizemos tudo por você até hoje,
chegou a hora de nos retribuir.
Eu iria responder, mas vi Marcus D’Angelo, o herdeiro da
Lions, vindo em nossa direção. Ele era loiro, olhos
castanhos e tinha um sorriso bonito, mas já tinha duas
acusações de abuso de suas antigas namoradas,
acusações das quais ele saiu ileso. Era nojento que meus
pais quiseram me vender para ele e era assim que me
sentia: vendida.
Deus, eu queria correr, eu queria chorar, queria que
alguém me salvasse desse momento. Todavia, quando
Marcus se aproximou, fiz o que fazia de melhor. Engoli o
desespero e coloquei um sorriso social no rosto. Ele pegou
minha mão que estava solta e a levou aos lábios, de uma
forma que ele achava ser sedutor. Eu até poderia
concordar, se já não soubesse de suas histórias e
estivesse totalmente apavorada com a minha perspectiva
de futuro.
— Marcus, sempre um cavalheiro. — Minha mãe
disse enquanto ele beijava a mão dela também.
— Somente para as damas que merecem o meu
cavalheirismo. — Ele se virou para mim. — Você está
fantástica, Tara.
— Obrigada.
— Vamos dar uma volta?
Olhei para minha mãe. Eu poderia dar a impressão
que estava pedindo sua permissão, mas o que eu estava
pedindo mesmo era socorro. Ela estreitou os olhos, mas
então sorriu quando Marcus a olhou.
— Vá, filha. Divirta-se um pouco.
Eu dei um sorriso, agora tenso, mas aceitei o braço de
Marcus e o acompanhei. Quando nos afastamos, Marcus
começou dizendo:
— Seu pai comentou com o meu esses dias que
você vai para Harvard.
— Sim, eu vou. No início do próximo semestre.
— Direito?
— Sim.
Ficamos em um silêncio incômodo. Eu queria
inventar qualquer desculpa para fugir e, enquanto pensava,
percebi que nos afastamos muito de onde estavam os
outros. Meus pés travaram no chão, ele parou e me deu
um olhar questionador. Eu tentei pensar rápido.
— Acho que… Preciso ir ao toalete.
— Achei que poderíamos conversar com um pouco
de privacidade.
— É…
Ele me deu um puxão e me encostou em seu peito
largo. Meu coração disparou, mas foi de puro desespero e
eu engoli ao dar um sorriso tenso, tentando naturalizar a
situação.
— O que está fazendo?
— Você tem um sorriso lindo, sabia?
Então ele segurou meu pescoço e me beijou com
força e brutalidade. Eu fiquei assustada e não reagi por
alguns segundos, não contava que ele seria tão direto.
Nunca tinha sido alvo de suas atenções antes. Tentei
afastá-lo pelos ombros e já ia começar a fazer uma cena,
pela qual eu seria punida por meus pais com certeza,
quando escutei meu nome:
— Tara, está tudo bem?
Amber.
Graças a Deus.
Marcus me soltou com um suspiro frustrado e eu me
afastei mais que depressa. Dei um sorriso fraco para
Amber e ela tinha o rosto feroz em direção a Marcus.
— Está tudo bem, Tara? — Ela voltou a perguntar,
sem desviar os olhos de Marcus. Amber não gostava nem
confiava em Marcus.
— Está, não se preocupe. Eu preciso ir ao toalete,
você vem comigo?
Não esperei resposta. Sem olhar em direção a Marcus eu
me afastei, puxando Amber comigo. Quando chegamos,
fechei a porta e respirei fundo.
— O que aconteceu ali? Eu não gosto desse
Marcus.
— Ele me beijou, foi apenas isso.
Ela me olhava como uma mãe galinha, mãos nos
quadris e tudo. Eu seria mais próxima dela se pudesse. Era
o que tinha de mais próxima a definição de amizade.
— Você queria o beijo?
— Ele não me perguntou. Amber, esqueça isso. É
meu problema, eu vou resolver.
Ela pareceu querer dizer mais alguma coisa, mas se
calou. Depois de retomar o controle de mim mesma,
tomando várias respirações profundas, voltamos juntas
para onde o almoço seria servido. Por desgraça, meu lugar
era ao lado de Marcus, ele me deu um olhar predador que
eu ignorei. Me sentei ao seu lado dissimulando uma alegria
que ninguém sentia. Talvez, no fim das contas, eu era igual
a todos eles.
— Tara, você está cada dia mais linda. — Margaret
D’Angelo disse e eu sorri.
— Obrigada, Margaret. Você também está ótima.
— Oh querida, bondade sua. — Após alguns
segundos de silêncio, voltou a dizer: — Eu vou ficar em
Washington por mais essa semana. Acho que poderíamos
sair juntas, ir ao salão e às compras, o que acha?
Eu não respondi por um tempo, e pareceu que todos
à mesa estavam prestando atenção em nós. Até eu sentir
um pisão em meu pé. Minha mãe.
— Claro, Margaret. Seria um prazer. — Respondi
por fim.
Isso não poderia estar acontecendo. Não, não
poderia. Eu precisava sair daquele lugar, de perto daquelas
pessoas tóxicas. Em um rompante eu me levantei. Minha
mãe e meu pai me olharam com uma carranca, mas eu
precisava de ar.
— Com licença.
Disse em um sussurro, sentindo que estava tendo
um ataque de pânico. Fui em direção ao toalete e molhei
meus pulsos, nuca e fronte. Comecei a contar minhas
respirações até, aos poucos, a sensação de que algo me
engolia, foi passando. Fechei os olhos com força. Se eu
fosse chorar, seria na solidão do meu quarto, onde
ninguém poderia presenciar. Eu aprendi cedo a controlar
minhas emoções e não ser histérica. Depois de alguns
minutos, eu lavei meu rosto, mirei meu reflexo. Arrumei o
que deu para arrumar da maquiagem, o cabelo e fui em
frente, encarar o resto do dia.
Quando chegamos em casa, já no início da noite, eu
estava exausta e quis ir direto para o meu quarto, mas meu
pai me chamou. Ele ignorava minha existência a maior
parte do tempo, então, quando ele me chamou, já imaginei
que algo não deveria estar certo. Ele estava sentado no
sofá ao lado da minha mãe e fez um sinal para que eu me
sentasse à sua frente, o que eu fiz.
— Tara, você sabe que sempre te demos tudo.
Agora… Agora eu preciso do seu apoio. Tudo exige
sacrifício.
— Não entendo.
— Sim, você entende. Durante toda a sua vida foi a
primeira aluna de sua turma por um motivo. Você é
inteligente, brilhante, até. Não estou em um bom momento
dos negócios. Preciso que facilite a situação com os
D’Angelo.
Tinha tanta coisa que eu queria falar. Tanta coisa.
Como, por que eu deveria aceitar as investidas de um
homem da índole de Marcus? Por que eu deveria me
sacrificar em nome deles, que nunca se sacrificaram por
mim? Mas eu engoli a decepção. Demorou para que eu
percebesse o quanto minha vida era insignificante, mas
agora eu sabia. Eu acenei afirmativamente, concordando,
porque de nada adiantaria discutir. Meus pais não
discutiam, davam ordens. Nunca existiu diálogo, não seria
agora que existiria. Eu teria que dar um jeito, por mim
mesma.
— Entendi. — Falei da forma mais serena que
consegui. — Posso ir para o quarto?
Ele me olhou, sentado no sofá, minha mãe ao seu
lado como a boa esposa. Depois de alguns segundos ele
acenou para a escada e eu a subi. Cada degrau era uma
lágrima que eu derramava. Eu teria que dar um jeito de
fugir da gaiola de ouro em que vivi a vida inteira. Deitei em
minha cama traçando quais seriam meus próximos passos.
Eu precisava fugir. Meu pai tinha um cofre no escritório, eu
precisava achar uma forma de abri-lo e correr. Sem olhar
para trás.
Dominada por esses pensamentos ansiosos, eu
adormeci.
Não foi até tarde da noite quando escutei grunhidos,
um sotaque espanhol, choro e então a porta do meu quarto
foi derrubada. Literalmente derrubada. Sentei-me
desnorteada, muito assustada quando um homem grande
veio em minha direção. Tentei fugir para um lado da cama,
mas ele segurou meu braço rudemente. Bati em seu rosto
com arranhões e tapas, mas ele me acertou o rosto com
tanta força que eu vi estrelas.
— Gatita[4], colabore.
Sem forças, fui arrastada para onde pude ver, em meio à
névoa, meus pais encolhidos em um canto do quarto deles,
enquanto um homem falava.
— Eu quero o nosso canal.
— Eu já disse que estou trabalhando nisso. — Meu
pai respondeu. O homem então acertou meu pai no rosto e
vi sangue saindo da lateral de sua boca.
— Pois eu vou te dar um incentivo para que você
tente mais.
— O que vai fazer? — Minha mãe perguntou,
chorando.
Ele deu sinal e o homem me levou para frente. Eu ainda
estava um pouco inerte pelo golpe, mas quando ele me
jogou no chão e começou a levantar minha camisola... Eu
me debati e gritei, minha mãe gritando junto.
— O que acha se eu e meus homens fodermos sua
filha, hein? Aqui na sua frente?
— Não, pelo amor de Deus, não! — Eu disse
chorando, escapando para onde meus pais estavam.
Minha mãe me abraçou e eu comecei a chorar.
— Eu preciso de mais tempo. A Aliança entre as
principais organizações criminosas do país está
bloqueando todos os canais. Desde que Cosa Nostra e
Bratva se juntaram, unindo a Darkness de Chicago, os
Irlandeses e os Devils, as coisas ficaram complicadas.
— Não me interessa, pendejo[5]. Eu vou te dar trinta
dias e vou levar a garota comigo. Se você não conseguir,
pelo menos ela vale um bom dinheiro no mercado.
— Não, não faça isso, pelo amor de Deus! — Minha
mãe gritou enquanto outros dois homens me tiravam de
seus braços.
Eu bem que tentei lutar, mas logo senti algo bater forte na
minha cabeça e tudo escureceu.
Capítulo 02
Shield
Richmond, Virgínia

— A pista que eu tenho é Guadalajara. — Disse me


sentando em uma das cadeiras junto de meus irmãos.
Os últimos seis meses tinham sido os piores de toda a
minha vida. Sendo Vice Presidente dos Devils Dragons,
tenho negligenciado qualquer tarefa por estar inteiramente
focado em encontrar minha irmã. A culpa me corroendo em
cada hora que se passava sem saber seu paradeiro.
Hanna estava no último ano de Enfermagem em Frankfort,
Kentucky, ela e minha mãe eram minha única família de
sangue. Minha responsabilidade. Embora eu as mantivesse
longe dos negócios do clube e não misturasse uma vida
com a outra, elas estavam protegidas. Porém, há alguns
meses, derrubamos o principal meio de tráfico humano nos
Estados Unidos, matando Dimitri Nikolai e apoiando o novo
Pakhan da Bratva, Yuri Ivanov, o verdadeiro herdeiro.
Yuri acabou com as antigas alianças que alimentavam o
tráfico de mulheres e crianças nos Estados Unidos e então,
formou-se a Aliança entre as principais facções criminosas
dos EUA. Contudo, o cartel de Guadalajara resolveu
retaliar, levando minha irmã do apartamento que ela dividia
com minha mãe. Por sorte, minha mãe estava em viagem
visitando uma amiga quando Hanna foi levada e não
tivemos nenhuma notícia em seis meses.
Embora a Aliança, formada pela Chicago Darkness, Cosa
Nostra, Bratva e os Irlandeses, estivessem me apoiando na
busca de informações, ainda não tínhamos nada sólido.
Até agora.
Eu evitava pensar na integridade de Hanna para não
enlouquecer. Não poderia, tinha que manter minha merda
junta, Hanna precisava de mim e eu iria até o inferno para
salvá-la.
Um integrante dos Senõres de La Muerte foi encontrado
em território russo, e depois de questionado pela executora
da Bratva, que por sinal é a esposa do Pakhan, ele
confessou que havia duas americanas sendo mantidas no
complexo em Guadalajara. Uma delas servindo a Juan
Suarez, o líder do cartel. O homem que eu mataria com
minhas próprias mãos.
Pela quantidade de informações que conseguimos reunir,
sabíamos que Guadalajara era apenas o canal para a
distribuição dos traficados para a Europa e Ásia. Espanha
e Ucrânia eram os principais destinos, e de lá, para
qualquer lugar da Ásia ou mesmo América do Sul. Se ela
realmente estivesse em Guadalajara era muito melhor do
que procurar pistas pelo mundo. Também conseguimos
que um Prospecto entrasse como soldado comum de Juan
Suarez. Embora ele ficasse somente em trabalhos de rua,
seria de grande apoio quando fossemos para lá, se fosse
necessário.
— Yuri Ivanov tem a informação. — Storm, nosso Prez,
afirmou aos outros. Storm me fez Vice Presidente do Clube
há quatro anos, assim que assumiu a presidência, com a
morte de seu pai. Mais do que meu Prez, Storm era meu
amigo, meu irmão.
— É arriscado invadir o lugar somente com a informação
de que há duas americanas lá. — Cold disse de seu lugar.
Ele era nosso Capitão de Estrada, aquele que fazia nossas
rotas e cuidava da segurança na estrada.
— Cold está certo, Shield. Precisamos ter cautela ou
colocaremos todos em risco. Precisamos ter certeza. —
Storm ponderou.
— Eu vou. — Afirmei. Era minha irmã e eu me agarraria a
qualquer possibilidade, mesmo que morresse no processo.
Mas eu também entendia que não era justo pedir o mesmo
aos meus irmãos.
— Shield… — Leon, nosso Sargento de Armas, novo e
pródigo, no auge de seus 24 anos, tentou intervir, mas eu o
interrompi.
— Vou me infiltrar. Vou olhar de dentro, e quando tiver
certeza, vocês entram. Eu entendo que prezem pela
segurança do Clube como um todo, mas é a minha irmã.
Minha responsabilidade.
— Você não está sozinho! Somos seus irmãos e estaremos
juntos, porra! —Storm levantou-se subitamente. Ele era de
temperamento ácido e explosivo. A reunião estava
perdendo o foco, mas eu não conseguiria fazer nada.
Enquanto não soubesse de minha irmã, enquanto não a
tivesse bem, não conseguiria fazer o meu papel frente ao
clube.
— Acho melhor…
— Não termine a merda dessa frase! — Storm voltou e me
levantou pelos ombros, como sempre antecipando minhas
palavras. — Eu tenho uma irmã e incendiaria o mundo para
encontrá-la. Você vai, vamos arrumar uma forma de você
se aproximar, mas alguém vai com você.
— Eu vou. — Leon disse, se levantando.
— Ótimo. Leon vai com você. E quando houver
informações concretas, nós derrubaremos aquele lugar. —
Levantei os olhos para Storm e apertei seu antebraço. Ele
estava, do seu jeito, dizendo que faríamos tudo juntos. —
Eu preciso ficar, ou você sabe que iria com você.
— Sem explicações.
Ele me deu um aceno firme de reconhecimento e então me
soltou. Virou-se para o restante dos irmãos.
— Tomaremos os próximos dias para a preparação de
Shield e Leon. Terminamos por hoje.
Quando Storm abriu a porta, antes que saísse, Vivian
entrou como um furacão. Deu um olá a todos, com um
uniforme escolar no auge de seus dezessete anos, e uma
mochila nas costas. Vinha da escola.
— Vivian, já falei que você não pode vir aqui.
— Eu só vim avisar que estou indo para a casa da Kelly. —
Ela falava, mas seus olhos estavam em Leon, que olhava o
celular distraído, totalmente alheio ao fascínio que
despertava na pequena ruiva.
— Você poderia ter ligado, este lugar não é para você. Já
deixei avisado, como você entrou?
— Não vou te contar o meu segredo, só aviso que não foi
pela porta da frente. — Ela disse e se aproximou de Leon
enquanto Storm tentava controlar seu temperamento.
Vivian era… Irreverente e ele sabia que teria problemas. —
Oi.
Ele olhou para ela, dando uma piscada.
— Oi, gatinha.
Vivian enrubesceu e disse mais alguma coisa, quando a
voz de Storm vibrou.
— Vivian! Aqui!
Ela revirou os olhos e saiu acompanhando o irmão,
dizendo que não era um cachorro comandado por ele. As
vozes desapareceram e eu teria rido se não fosse toda a
minha situação.
— Vivian tem algo por você. — Eu afirmei quando nos
levantamos.
— É coisa de criança.
— Ela não é mais uma criança. — Leon deu de ombros
como quem queria encerrar o assunto, mas ainda me ouvi
dizendo: — Tome cuidado.
— Desculpe VP, mas eu realmente não preciso desse
aviso.

Uma semana depois, Leon e eu nos preparamos


para ir a Guadalajara. Segundo informações coletadas na
darknet por Viper, nosso hacker, iria acontecer um leilão no
próprio complexo, o que era algo era inédito. Sempre
ocorriam na Europa, porém pelo que diziam, a americana
era valiosa. Nenhuma foto foi divulgada, todavia muitas
informações davam a certeza de que era minha irmã. Só
esperava que tal certeza não viesse da minha ânsia de
encontrá-la.
Mas até então, todas as informações que Viper
conseguiu nos faziam crer que fosse Hanna. Storm me
pediu para que me preparasse para a possibilidade de não
ser ela e voltarmos à estaca zero. Contudo, sentia a
vontade de me mexer, fazer algo, sair do lugar, pois a cada
dia que se passava, mais o desespero me tomava.
Fui para o meu apartamento, que ficava no centro
de Richmond, e comecei a fazer as malas. Com a Aliança,
eu me passaria por Henry Campbell, representante de um
magnata de Mônaco e que preferia se manter no
anonimato.
Quando terminei de arrumar a mala, olhei para o
porta-retratos próximo à minha cama. Hanna tinha um
sorriso espontâneo enquanto eu a abraçava e à nossa
mãe. Ela estava linda, feliz, rindo de olhos fechados porque
eu lhe fazia cócegas no momento que dispararam o flash.
Meu coração pesou.
Senti que falhei com Hanna, ela era minha irmã mais
nova, minha responsabilidade e tinha sido arrancada de
sua vida por causa das minhas ações. O tanto quanto eu a
protegi do meu mundo, dando suporte financeiro para que
tivesse uma vida feliz, para agora ela ser levada pelo pior
tipo de ser humano.
Leon me mandou um texto avisando que estava
pronto. Mandei outro avisando que estava saindo, e, antes
de sair definitivamente, liguei para minha mãe, que estava
destruída desde que soube sobre Hanna. Em nenhum
momento minha mãe me culpou, mas só olhar seu
semblante triste, a culpa me abalava em um nível
inimaginável. Dois toques e sua voz suave atendeu.
— Benjamin.
— Mãe. — Somente minha mãe ainda me chamava
assim. Minha mãe e Hanna. Para todos os outros eu era
Shield, o VP dos Devils Dragons, mas dona Eva ainda
conseguia me fazer sentir um garoto encrencado quando
me chamava assim. — Eu estou indo buscá-la.
— Oh meu Deus, meu filho, tome cuidado. Você
sabe que não concordo, nunca concordei com seu estilo de
vida. Mas se vai fazer isso, traga nossa Hanna de volta.
Engoli o caroço que se formava em minha garganta.
Meu estilo de vida, o que escolhi para dar o melhor para
ambas e principalmente, para protegê-las, agora era
exatamente o que nos colocou na situação em que
estávamos.
— Eu vou. Eu te amo, mãe.
— E eu a você meu amor. Se cuida, por favor.
Respirei fundo, sentindo o nó em minha garganta
cada vez maior. Sua voz chorosa ficou muda e eu desliguei
antes que me entregasse à emoção, indo em busca de
Leon.
Eu encontraria minha irmã e a traria de volta.
Não importava o tempo ou o preço.
Capítulo 03
Tara Madison
Guadalajara, México .

Eu já não tinha noção de quanto tempo havia


passado desde que me tiraram de casa.
Uma semana? Mais?
Também não tinha ideia de onde estava. Era um
quarto escuro, duas vezes por dia alguém vinha me trazer
algo para me alimentar e era uma comida muito ruim. Não
voltaram a me agredir ou mesmo a conversar comigo. A
maioria falava em espanhol e, por mais que eu tenha feito
algumas aulas, entendia muito pouco.
Eu ainda usava a camisola que estava quando me
tiraram da cama. Certamente estavam esperando algum
posicionamento do meu pai. No fundo, bem em meu íntimo,
eu tinha sérias dúvidas de que meu pai se colocasse em
risco por minha causa. Era bem mais fácil abrir mão de
mim.
Eu não dormi nos dias que se sucederam. A cada vez que
a porta se abria, eu saltava no colchão velho que tinha no
chão. Pensava que eles me machucariam de alguma
forma, mas embora estivesse no cômodo escuro e sem
janelas, sem noção de dia ou noite, eu era grata por eles
não voltarem suas atenções para mim. Eles entravam e
saiam sem uma palavra.
Enquanto estava perdida em pensamentos, a porta
se abriu e dois homens entraram. Pânico passou por mim
quando reconheci um dos homens, o que me agrediu e
tentou abusar de mim no dia em que fui trazida. Outro
homem de aparência menos brusca o acompanhou. Eu
fiquei paralisada, amedrontada, esperando o que viria a
seguir. Queria me agarrar à esperança de que meu pai
teria conseguido o que quer que fosse e eles iriam me
libertar.
— Segurem-na. — O meu agressor disse com um
sorriso mau. Hoje eles não me ignorariam.
— O que você quer de mim? — Perguntei me
afastando o máximo possível deles, mas foi em vão. Sem
se preocupar se me machucariam ou não, me arrancaram
do canto onde eu estava enquanto eu gritava e
esperneava. Me forçaram a deitar no colchão e começaram
a levantar minha roupa.
Pânico visceral me atingiu. Eu seria violentada. Mesmo
tentando a todo custo me soltar enquanto gritava, tiraram a
minha calcinha imunda. Quando meus braços e pernas
ficaram presos, eu ainda gritei. Senti as mãos tocando
minhas partes íntimas e uma onda de náusea me atingiu,
senti que iria perder os sentidos.
Um ataque de pânico.
Minhas vistas começaram a escurecer e fiquei com
falta de ar. Quando as mãos deixaram minhas partes e
senti meus braços livres, eu ainda sentia a sensação de
que algo me engoliria.
— A vadia é virgem, como desconfiamos. Uma
pena.
Os homens riram, alheio a mim.
— Suarez vai gostar de saber, virgens rendem um
bom dinheiro.
— O pai dela não está aceitando contato… Suarez
falou que ela será leiloada.
As vozes se afastaram e eu caí no canto do cubículo
escuro, percebendo que a porta estava somente
encostada. Mas a falta de ar continuou, senti todo o meu
corpo tomado por um suor gelado. Tentei contar minhas
respirações, mas a histeria me tomou.
Oh Deus, eu seria leiloada, meu pai não me salvaria,
e pensamentos frenéticos de um futuro obscuro turvava
minha racionalidade.
Senti uma mão suave em meu cabelo e gritei, me
afastando o máximo possível. Não conseguia enxergar
nada sob a névoa do meu desespero.
— Calma, calma. Conte as respirações comigo. — A
voz feminina e suave soou distante e duas mãos segurou
as minhas com firmeza. — Vamos, conte as respirações
comigo. Um… Dois… Três…
Comecei a tentar acompanhá-la até ter algum
controle sobre o que acontecia com meu corpo. Não
consegui ter noção de quantos minutos se passaram até
que o tremor e a instabilidade do meu corpo começassem
a se normalizar, mas quando levantei o rosto, uma garota
estava abaixada junto a mim. Tinha os cabelos negros,
assim como seus olhos. Seu rosto estava marcado com um
hematoma de um lado, embora já estivesse sumindo. Ela
estava descalça e usava uma espécie de camisola larga.
— Quem é você? — Perguntei quando consegui
normalizar efetivamente a minha respiração. Ataques de
pânico me tiravam da realidade e me faziam fraca. Eu
odiava quando acontecia.
— Meu nome é Hanna. — Ela respondeu.
— O que… Como…
— Deixaram a porta aberta porque não tem como
sair daqui. Acredite, eu já tentei. — Disse apontando para o
seu rosto. — Mais de uma vez nos últimos seis meses.
— Você também é prisioneira? — Perguntei o óbvio.
Claramente ela não estava ali por vontade própria.
Ela desviou os olhos e eu vi uma sombra passar por
seu rosto. Logo ela me olhou e deu um meio sorriso, como
se para me tranquilizar. Embora, mesmo que ela não
dissesse, estávamos na mesma situação.
— Eu ouvi o que disseram… Eu queria dizer que
tudo vai ficar bem, ou talvez fique, nas próximas semanas.
Você é virgem, não é?
Eu me lembrei da conversa dos homens e fechei os
olhos. Estava perdida, tão perdida. Ninguém viria por mim
e meu futuro era incerto. Por um momento, desejei a morte.
— Eu sinto muito. — Ela segurou a minha mão. —
Qual é o seu nome?
— Tara. — Respondi, trêmula.
— Como você veio parar aqui, Tara? Foi iludida por
algum aliciador?
Neguei enquanto limpava meu rosto das lágrimas que
teimavam em rolar dos meus olhos.
— Meu pai deve algo a esses homens. Entraram em
minha casa e me levaram como garantia e ao que tudo
indica, meu pai não vai negociar.
— Sinto muito.
— E você? Como veio parar aqui?
— Na verdade eu não sei direito. Entraram em minha casa
e me trouxeram para cá.
Eu senti que ela estava escondendo algo, mas não
forcei. Ela ficou ali ao meu lado, segurando a minha mão, e
talvez fosse pela situação, eu senti pela primeira vez em
tantos dias, um mínimo de conforto.
— Você está a salvo, ao menos por enquanto, Tara.
Suarez não vai permitir que ninguém a toque, até…
— … Até eu ser vendida.
— Provavelmente, logo vão te levar daqui. As
garotas não ficam muito tempo, são enviadas para outro
lugar. Estranhei quando ouvi sobre uma garota aqui há
uma semana.
— Por que você ainda está aqui? Você está aqui
porque também é virgem? Vão te vender também?
Ela olhou para mim e novamente, uma sombra
passou por seu rosto. Olhando agora com mais atenção,
ela tinha hematomas nos braços e pernas, ao menos onde
estava descoberto. Algo me dizia que ela tinha passado por
coisas piores do que eu. Escutamos passos e ela arregalou
os olhos se levantando mais que depressa. Mal tivemos
tempo para qualquer coisa e um homem corpulento entrou,
dando a ela um olhar irritado.
— Você não sabe que Suarez a quer no quarto? —
Disse em inglês.
Ele não deu tempo para que ela respondesse. Levou uma
mão no cabelo dela e saiu arrastando-a, enquanto ela
gemia e ele xingava em sua língua materna. Eu fui atrás,
em uma onda de coragem que, até então, não me
pertencia e segurei um braço antes que ele saísse pela
porta.
— Solte-a! Solte-a, seu imundo!
— Tara, não! — Hanna tentou me parar, mas eu
continuei a tentar soltá-la do homem.
Ele me olhou como se eu fosse um inseto e com a
mão livre, acertou o meu rosto com um tapa. Eu caí no
chão, escutando a porta sendo trancada pelo lado de fora.
O golpe foi no rosto, mas eu senti doer em meu peito. Pulei
na grade da porta e olhei para a garota que foi gentil
comigo e que, mesmo estando em uma situação pior, me
estendeu a mão com uma palavra de conforto.
Lamentei por Hanna.
Imaginei que ela seria machucada e por alguma
razão, me senti culpada. Seus olhos se encontraram com
os meus.
Suas lágrimas, minhas lágrimas.
Naquela noite ninguém apareceu.
Não voltei a ver Hanna. Não por pelo menos mais
uma semana. Me deixaram tomar um banho de água
gelada e deram uma espécie de camisola para mim.
Começaram a me dar comida três vezes por dia, mas ainda
me sentia um animal enjaulado. Não, eu não me sentia, eu
era. Eu era um animal enjaulado e a cada dia, sentia um
pouco de sanidade me abandonar.
Pensei em minha vida, que também tinha sido uma prisão.
Uma prisão diferente, sofisticada, mas ainda assim, uma
prisão. Lamentei por todos os dias em que fui covarde, que
não enfrentei o controle da minha mãe ou mesmo a
indiferença do meu pai. Lamentei ter deixado que me
fizessem de marionete, um simples adorno de uma família
perfeita.
Nada poderia ser mais desesperador do que saber
que na verdade, nunca tive ninguém. Sempre fui sozinha e
morreria aqui, sozinha. Pensei, lamentei e por último
supliquei: Se eu tivesse a oportunidade de viver a minha
vida, eu a viveria plenamente. Lutaria todos os dias contra
meus medos e inseguranças e buscaria por experiências
que apenas sonhei. Porque aqui, no fundo do poço, me dei
conta de algo.
Eu não vivi.
— Levante-se, garota.
A voz do homem que me agrediu soou me tirando
do devaneio do sono. Depois entendi o porquê ele e o
outro, menos babaca, sempre estavam juntos, falando
comigo. Eles falavam inglês, logo eram os únicos que
poderiam se comunicar comigo.
— Onde está Hanna? — Tomada por uma onda de
coragem, me vi perguntando.
Ele e o outro começaram a rir e a falar em espanhol
palavras que eu não conseguia entender, pela velocidade
que falavam. /
— Hanna é a puta de Suarez. Pelo menos, por
enquanto, até ele encontrar carne fresca.
Uma onda de náusea me tomou quando ele disse
isso. Era por isso que ela estava aqui, que tinha ficado
aqui. Ela estava constantemente sendo abusada por esse
tal Suarez.
Fui puxada bruscamente do cubículo, de onde eu
não tinha noção de dia ou noite, e levada pelos corredores
de uma um lugar estranho. A claridade me cegou por
alguns segundos, mas logo consegui ver claramente. Era
uma espécie de batalhão, com homens armados em cada
canto do local, vários dos quais me enviaram olhares
lascivos. Uma onda de desânimo me tomou, seria quase
impossível sair daqui.
Fui jogada em um quarto luxuoso, onde já estavam
três mulheres. Eu queria gritar quando dois homens se
aproximaram e me aplicaram uma injeção que aos poucos,
foi me deixando lenta.
Acompanhei o que se seguiu de forma desconexa.
Eu estava drogada. Meu corpo não respondia, meus
membros estavam pesados. As mulheres me deram banho,
lavaram e pentearam meu cabelo, colocaram uma lingerie
vermelha e muito reveladora em meu corpo. Era
angustiante querer gritar e não poder. Lutar interiormente
enquanto exteriormente, nada mudava.
As mulheres saíram e eu fiquei deitada na cama,
todo o meu corpo inerte. Algum tempo depois, pude sentir
minhas pernas e braços respondendo, embora uma
sensação de instabilidade ainda me tomasse. Consegui me
sentar na cama com muito custo. O ambiente pareceu
rodar, mas aos poucos, foi se normalizando. De modo que,
quando escutei o trinco da porta, voltei a deitar e fingir
estar muito dopada.
Dois homens entraram pela porta, um deles me
olhou com lascívia e passou a mão em um dos meus seios.
Senti-me suja e enojada, ainda mais suja do que quando
estava no cubículo sem banho, mas mantive o rosto
sereno. Quando ele tentou baixar a minha roupa, o outro
falou algo e eles começaram a discutir. Depois de algum
tempo, ambos pararam a discussão e me levantaram sem
muito cuidado, Colocaram um saco escuro na minha
cabeça, de forma que tampava meus olhos.
Não saberia dizer por quanto tempo andamos, mas
senti entrar em um ambiente controlado e gelado. Assim
que meus pés descalços se firmaram no chão, o saco
deixou minha cabeça. Um homem que tinha um dente de
ouro apareceu na minha linha de visão e logo
desapareceu, levando o saco.
Estava escuro, até uma luz acima de minha cabeça
iluminar o ambiente. Eu estava confusa, com frio e
aterrorizada. Demorou um pouco para que minha mente
compreendesse o ambiente. Eu estava em uma espécie de
cabine, bem no centro. Girei ao redor, me dando conta de
que pelo menos sete homens estavam do lado de fora da
cabine, sentados em poltronas confortáveis, formando um
círculo ao meu redor. Meu olhar demorou para focar nos
rostos, mas as expressões iam de admiração à lascívia.
Eu não conseguia focar o meu olhar em rosto algum.
Tudo parecia um grande borrão à minha volta e eu rodava
entre os homens em completa loucura. Eu ouvia risos,
então algumas palavras perdidas no emaranhado que
estava na minha mente. Alguém pediu para que tirassem a
minha roupa e eu senti a primeira lágrima rolar dos meus
olhos.
Estava acontecendo.
Um desespero tomou conta do meu coração,
quando uma voz acima começou a falar de mim como uma
mercadoria:
— Dezenove anos, caucasiana, olhos verdes,
cabelo castanho natural e... Virgem. Podemos ir aos
lances, senhores?
Novamente comecei a andar pela cabine, sendo
protegida dos homens apenas pelo vidro e tentei tampar o
meu corpo, sentindo as ondas do ataque de pânico: a falta
de ar, o aperto no coração, a sensação de ser engolida por
algo desconhecido. Tentei levantar os olhos e focar em
minha respiração, e, quando levantei os olhos... Me deparei
com duas esferas azuis.
Eu não saberia dizer ali, mas algo no olhar do
homem que me avaliava na cabine me fez parar de girar e
olhar apenas para ele, esquecendo um pouco a sensação
de pânico. Diferente dos outros, nos olhos dele não vi
admiração ou lascívia.
Eu vi pena.
E eu só poderia estar louca, porque aquele homem
estava ali para, supostamente, me comprar. Ele era tão
criminoso quanto qualquer outro, mas mesmo pensando
tudo isso… Não consegui desviar os olhos dele. Eu sabia
que falavam sobre mim, sabia que toda a minha vida seria
decidida ali, mas por alguns segundos, o tempo pareceu
passar devagar, porque ele também tinha os olhos fixos
nos meus.
Não em meu corpo quase nu.
Os olhos dele estavam diretamente nos meus.
Ele me viu.
Era uma loucura, eu sabia.
Estava tão inerte, e não saberia dizer se era pelos
resquícios da droga em meu sistema, pela situação, pelo
olhar intrigante do homem ou se por tudo isso, mas
demorei a me dar conta de que os homens se levantavam
assustados e, mesmo dentro da cabine vi fumaça,
escombros… E mais nada.
Capítulo 04
Shield
Guadalajara, México

Todos estavam em posição, aguardando o meu


sinal. Consegui entrar no negócio de Suarez com o nome
de Henry Campbell. Peter, o prospecto que conseguiu se
infiltrar desde que minha irmã foi levada, facilitou as
entradas e nos deu um mapa com todas as saídas. Ele
também conseguiu uma foto de Hanna. Sabíamos que ela
estava sendo mantida com Suarez, e só o pensamento me
fez querer matá-lo mil vezes, de mil formas diferentes.
Nas semanas que passamos em Guadalajara, eu e Leon
estudamos todos os passos dos homens de Suarez, e o
homem era um filho da puta poderoso, principalmente fora
dos Estados Unidos. Ele tinha pontos de parada em vários
lugares do mundo, e até mesmo uma ilha. Na maior parte
do tempo, o homem era um fantasma. Sem fotos. Como
precaução, tirei a barba e as argolas, escondi o máximo
das tatuagens e usamos um disfarce para entrar no
negócio. Não foi fácil, eles tinham regras rígidas de
segurança, mas também tínhamos as nossas próprias
armas.
Também soubemos que a forma mais fácil de
conseguirmos entrar seria no leilão de uma garota. Russos,
italianos, prospectos dos Devils e alguns irlandeses
estavam a postos no resgate da minha irmã. Vieram para
Guadalajara e entrariam em ação, caso a situação saísse
do controle. Seria um massacre.
Confesso que não pensei em ninguém além da
minha irmã. Estar no leilão da garota virgem seria um meio
para um fim. Eu tinha a localização de Hanna porque Peter
conseguiu fazer um cronograma da rotina que ela seguia.
Eu estava dentro, e seguiria o plano. Pegar Hanna, e, se
houvesse oportunidade, mataria Suarez. Porém, a
prioridade era Hanna.
Eu não tinha sentido na pele o quanto esse negócio era
sujo até que o vi com meus próprios olhos. Até que
presenciei o nível da maldade humana. Fomos recebidos,
revistados, e entramos no complexo dos Señores de La
Muerte[6]. Era seguro. Porém, com a Aliança, não seria tão
difícil entrar. Em uma sala escura e luxuosa, homens de
várias idades e nacionalidades se sentavam em poltronas
que formavam um círculo ao redor de uma cabine de vidro.
Me acomodei na cadeira, me sentindo imundo, mesmo que
estivesse ali em uma missão. Eu não era um homem bom.
Eu mataria se fosse necessário. Eu traficava armas e
drogas. Mas isso… Estava além da compreensão de
maldade.
Era covardia.
Eu vi quando colocaram uma garota no centro da
cabine, e uma luz acima da cabine iluminava um rosto
jovem e apavorado. Eu tive que reunir todas as forças
necessárias para não me levantar e atirar em cada homem
que olhava para a garota assustada, alguns rindo de seu
desespero. Foi necessário me lembrar que eu estava ali
por Hanna ou colocaria todo o plano a perder. Seu olhar
era expressivo, de modo que era fácil ler cada uma de suas
emoções. E não eram boas, eram desesperadas.
Em um dado momento nossos olhares se encontraram e foi
como se o tempo parasse. Eu fiquei cativo na quantidade
de emoção que aquele olhar continha. Por alguns
segundos, esqueci como era respirar e uma onda de
proteção tomou conta de mim. Ela pareceu encontrar
segurança em meu olhar e eu me vi tentando encontrar
alguma maneira de evitar o seu futuro trágico. Era só uma
garota, não merecia o que a aguardava. Nenhuma mulher
merecia. Eu poderia não ser um santo, mas mulheres e
crianças sempre estiveram fora dos limites.
Leon bateu em minhas costas. Tinha chegado hora.
Uma distração foi criada e eu tinha exatos cinco minutos
para achar Hanna e sair pelo atalho sete. Por via das
dúvidas, também havia outra saída coberta, para o caso de
precisarmos de um plano B.
Levantei, me livrando do terno e gravata em menos
de cinco segundos e corremos para a ala lateral. A
explosão tinha chamado a atenção e houve trocas de tiros,
homens correndo de um lado para o outro, pois outra
explosão tinha ocorrido do outro lado do complexo. A ideia
da distração era justamente a confusão.
O caos.
Por todo o caminho, mentalizei para que Hanna
estivesse no local esperado. Os dias de angústia tinham
acabado. A cada dia que estávamos parados planejando o
resgate de Hanna, minha vontade era explodir todo esse
complexo e abraçar minha irmã.
Andamos por um corredor, o mesmo que Peter havia
indicado no mapa e contamos sete entradas. Na oitava,
abri a porta em um rompante, o coração, acelerado como o
motor de um Bugatti.
Era um quarto, modesto, mas estava adornado com
correntes e todos os tipos de instrumentos usados no
sadismo. Minha mente deu um nó. O pensamento
persistente do que poderia ter ocorrido a Hanna sendo
empurrado para o fundo da minha mente ou perderia a
razão. Eu não poderia pirar agora, mas de repente,
olhando com repugnância para o local, torci para que esse
não fosse o quarto dela. Que ela não tivesse que passar
por todas as situações que se desenhavam em minha
mente. Precisava encontrá-la, mas não queria encontrá-la
ali, não naquele quarto, não daquela forma.
Uma figura sentada no chão ao lado da cama fez
meu peito se encher de emoção, porque eu reconheceria
aquela figura um milhão de vezes. De um milhão de formas
diferentes. E mesmo com o emaranhado em minha mente,
o nojo de tudo que estava vendo ali, eu disse:
— Hanna…
Ela levantou os olhos para mim e um milhão de
emoções me tomou. Vestia uma camisola larga que um dia
deveria ter sido branca, seu cabelo negro em desalinho,
mas seus olhos estavam alerta. Ostentando um hematoma
recente em seu rosto, levemente inchado. Quando me viu,
ela ainda ficou no lugar, mas sua feição se fechou em
descrença e depois… Choro.
— Ben… — Ela respondeu em um sussurro quase
inaudível.
Eu fui correndo de encontro a ela, não conseguindo
segurar as lágrimas. A irmã que eu protegi, cuidei, ensinei,
que era uma extensão do meu coração, estava machucada
e quebrada, eu me desfiz como uma criança, pois tinha em
mim uma veia emotiva do caralho. Ela se agarrou a mim
em desespero, enquanto chorava. Nos desfizemos em um
choro desesperador. Culpa e gratidão duelavam dentro de
mim, o sentimento de que eu tinha falhado miseravelmente
com ela ganhando força ao notar seus hematomas. Mas eu
a vingaria. Eu mataria Suarez.
— Eu sabia… E-eu s-sabia que v-você v-viria, eu s-
sempre soube.
— Sempre, sempre. — Eu disse com a voz falha.
Poucas pessoas poderiam me tirar do eixo, me fazer
chorar, morrer ou matar por eles e Hanna era o centro de
todas essas pessoas.
Seis meses sem uma única notícia. Eu, o irmão que
ligava todos os dias, que investigava todos os seus
namorados e sempre tinha alguém de olho nela. Eu não
precisava perguntar para saber que ela foi machucada.
Escutamos tiros, então vi Leon na porta, armado até
os dentes em uma expressão ansiosa.
— Dois minutos, Shield!
Olhei para Hanna e reconhecimento passou por
seu rosto, fazendo-a limpar as lágrimas, seu semblante
agora mais focado.
— Vamos!
Me recompus. Teríamos tempo para resolver toda a
nossa merda, no momento deveríamos tentar sair dali com
vida. Ela teria tempo para se curar, então nos levantamos e
fomos em direção ao corredor, enquanto um verdadeiro
caos se instaura no complexo, pois mais uma explosão foi
ouvida. Hanna pareceu confusa e amedrontada, mas me
seguiu sem perguntas. N~~ao demorou para que
chegássemos em uma das saídas, visto que os homens de
Suarez estavam ainda tentando entender o que estava
acontecendo. Antes que pudéssemos bater em retirada,
Hanna parou.
— Tara.
— O que? — Perguntei em confusão, tentando
arrastá-la para a saída de uma vez por todas. Eu só a
queria em segurança o mais rápido possível. Ela me olhou
ansiosa.
— Tara, hoje, hoje ela seria leiloada, como você
entrou?
— A garota do leilão — Eu me lembrei.
— Ela ainda está aqui? — Minha irmã perguntou em
desespero, segurando meus braços, procurando algo em
meu rosto. — Eu sei para onde a levaram, por favor, tem
alguma possibilidade de salvá-la? — Seus olhos eram
suplicantes. — Por favor, Ben. Ninguém merece passar
pelo inferno que eu passei. Por favor!
— Não temos tempo, Shield, vamos! — Leon estava
impaciente.
— Por favor! — Hanna voltou a implorar com
lágrimas inundando seus olhos.
Minha irmã sempre foi durona. Nunca foi dada a
choros ou drama, e eu tinha a sensação de que muito tinha
sido tirado dela. Tara, fosse quem fosse, tinha algum
significado para Hanna, salvá-la poderia ajudar Hanna a
superar o que tinha acontecido.
Tentei pensar rápido, traçar um plano, uma
estratégia. Não era o ideal, não seguir o combinado
poderia ser a minha sentença de morte. A chance de eu
conseguir era bem menor do que a de conseguir. Eu
poderia morrer no processo... Tudo parecia contrário a
essa decisão. Não era inteligente. Porém, eu poderia salvar
a vida daquela garota que já estava condenada. Me
lembrei dos seus olhos apavorados grudados em mim, me
pedindo um socorro silencioso. Foi o suficiente para que eu
decidisse.
— Explique como eu chego, mas você vai com o
Leon.
— Aquele corredor, do outro lado, terceira porta à
esquerda.
— Shield… — Leon tentou intervir.
— Leve-a em segurança, Leon. Vá com Peter e
peça para que me esperem na saída cinco. Se eu não
estiver lá em dez minutos, vão sem mim.
Leon tentou argumentar, ele sabia que era uma
péssima ideia. Mas algo que eu não soube explicar, algo
mais forte que a razão, me levou a decidir sem deixar
margem para dúvidas.
— Shield!
— Vá, Leon. É uma ordem! — Vi a desaprovação
em seu rosto, mas ele não discutiu.
Abracei minha irmã.
— Você vai conseguir, Ben. Você é o meu herói.
As palavras emocionadas de Hanna aqueceram
meu coração. Eu era o culpado dela estar nessa situação
em primeiro lugar. Com um beijo em sua testa, peguei mais
uma das armas de Leon e fui na direção oposta fazendo
uma prece silenciosa. Se existisse um ser superior que
ordenasse todas as coisas, esperava que ele olhasse por
mim nesse momento. Não por mim, pois eu era um filho da
puta pecador em todos os sentidos da palavra, mas pela
garota.
O local parecia uma arena, onde as pessoas corriam
e tentavam controlar a bagunça que os russos e irlandeses
estavam fazendo. Alguns dos homens de Suarez tentaram
me impedir, mas eu os parei com uma única bala em cada.
Três minutos e eu tinha chegado ao corredor que minha
irmã indicou. Escutei o barulho do helicóptero ao longe e
suspirei aliviado.
Hanna estava em segurança.
Com cuidado, olhei o corredor e carreguei as armas.
Entrei e contei três portas. Dois homens faziam a guarda
de uma porta, onde eu acreditava que a garota estaria. Me
aproximei com cuidado, postergando o máximo de tempo
possível para que não me vissem. Atirei nos dois antes que
se dessem conta da minha presença e entrei no quarto
antes que eles caíssem no chão… Para me deparar com a
garota deitada na cama, inerte, enquanto um homem se
posicionava em cima dela. Ela teve a parte de baixo da
lingerie tirada e a parte de cima estava levantada.
Era um soldado do cartel, reconheci pela roupa e o
lenço vermelho que usava no pescoço. O filho da puta iria
abusar dela. Dei um tiro em sua cabeça, sem pensar, antes
mesmo que ele subisse as calças. O que eu gostaria
mesmo era de tirar meu tempo com ele, mas não poderia
naquele momento. Sangue se espalhou pela cama e no
rosto da garota.
Poucas coisas me abalaram na vida, mas eu estava
abalado pelo quase destino dela. De uma forma irracional,
eu me sentia responsável por ela, o que era loucura, pois
nem a conhecia. Fui construído e firmado no tráfico de
armas e drogas, vi muitas coisas ruins, matei quando
necessário. Eu não era um cara legal, mas ao olhar a
garota na cama, vulnerável e entregue ao seu destino, algo
dentro de mim torceu. Determinação me tomou quando
decidi: eu tentaria salvá-la.
Ela merecia mais.
Tirei minha camisa para enrolar em seu corpo
magro, abaixei a parte de cima de sua lingerie, e com
cuidado, a sentei.
— Por favor… — Ela tentou dizer, mas tinha o olhar
desfocado. Estava drogada.
— Vamos tirar você daqui. — Eu disse suavemente
enquanto a levantava. Seria um desafio sair com ela inerte
do jeito que estava. Passei os braços ao redor de seus
ombros. — Querida, vou precisar que você me ajude a te
tirar daqui. Você consegue segurar um pouco do seu peso?
Ela ainda tinha o olhar meio perdido, mas pareceu
ouvir, porque me confirmou com um aceno quase
imperceptível. Tentei arrastá-la, dando alguma autonomia a
ela, mas não estava dando certo. Um minuto se passou,
mal chegamos à porta e não tínhamos tempo. Pensando
mais na agilidade do que em seu bem estar momentâneo,
qualquer coisa para que pudéssemos sair com vida dali,
coloquei-a em meus ombros e passei a andar mais rápido.
Andamos pelo corredor sem maiores problemas,
mas assim que virei para a saída onde os outros nos
aguardavam, uma onda de balas veio em nossa direção.
Fazendo da parede um refúgio, me agachei trazendo a
garota para o meu colo, seu rosto agora na curva do meu
braço e os olhos permaneceram fechados.
Não dava para contar com ela. No fundo, eu sabia
que dificilmente conseguiríamos sair dali com vida. No
fundo, eu sabia que era suicídio, mas uma vez mais
olhando o rosto da garota eu tive certeza de que não tinha
nenhuma forma no mundo de ter ido embora sem tentar
salvá-la. E agora estávamos condenados.
Arrisquei uma olhada e dei dois tiros. Eu estava
ficando sem munição, eram muitos, eu estava sozinho e
tinha uma garota drogada para carregar. Fechei os olhos
com força. Talvez fosse a minha redenção para que eu não
fosse para o inferno, a tentativa de salvar a vida dessa
jovem. Dei mais dois tiros, com ela em meu colo, e quando
voltei à posição sentado, seus olhos estavam vivos em
meu rosto.
Eles eram em um tom entre dourado e esverdeado e
estavam lívidos pela primeira vez. Atentos. Ela não
pareceu assustada ao estudar meu rosto, nem mesmo
confusa, ela pareceu em paz. Morreríamos ali, eu estava
convencido. Ela levantou uma das mãos, meio abobalhada,
que logo caiu em seu colo. Abriu a boca e fechou algumas
vezes, até enfim dizer.
— Seus olhos… São… Lindos. — Mesmo drogada,
a voz que saiu de sua boca era doce, delicada e melódica.
Um nó se formou em minha garganta. Eu poderia
devolver o elogio, porque os olhos dela sim eram de uma
beleza ímpar.
Senti que os homens se aproximariam, agora que eu
tinha parado de revidar os tiros. Gostaria mesmo que essa
garota tivesse uma chance… Sem entender, apertei meus
braços ao redor dela, como se para protegê-la com meu
corpo quando chegasse a hora. Era irracional, mas quem
disse que a morte iminente deveria fazer sentido? Eu
apenas fiquei ali, com ela em meus braços, esperando o
momento da minha redenção.
Foi quando outra onda de tiros veio do lado oposto e
então, nada. Após um tempo, arrisquei uma olhada e vi
Storm, junto de Cold e Viper. Meu alívio foi tão grande que,
se eu fosse uma boceta, teria chorado.
— Parece que nós vamos viver, Princesa.
A garota agora tinha os olhos fechados. Eu me
levantei com ela nos braços, tendo meus irmãos cobrindo
minhas costas e fui em direção à saída cinco. Eles vieram
atrás, limpando o caminho, até que conseguimos chegar ao
helicóptero.
Ao longe, era possível ver uma intervenção policial
chegando e os russos e irlandeses também passaram a
bater em retirada. A garota continuou inconsciente, até
meus irmãos entrarem e nosso piloto dar a partida,
deixando um rastro de sangue, escombros e fumaça para
trás.
A primeira parte de nossa vingança estava
concluída.
Capítulo 05
Tara Madison
Richmond, Virgínia

Abri os olhos e logo me sentei, sobressaltada. Minha


boca estava seca, meus olhos ardiam e também me sentia
nauseada. Olhei uma porta e corri, meio cambaleando para
onde, como supus, era um banheiro. Joguei no sanitário o
que eu não tinha no estômago de forma dolorosa. Levantei
meu corpo no chão, fui até a pia e lavei minha boca, só
então me olhei no espelho. Eu vestia uma camisa que não
era minha, preta e lisa, e parecia que tinha sido atropelada
por um caminhão. Pensei em minha mãe me vendo nesse
estado…
Uma pontada de dor veio com as lembranças. Eu
estava sendo vendida, leiloada e então… Algo aconteceu.
Me levaram para uma sala e fui drogada, novamente. E
então… Nada. Abri a porta do banheiro e olhei para os
arredores não reconhecendo aquele lugar. Era um quarto.
Corri para a maçaneta da porta com o coração aos saltos e
ela estava destrancada. Pânico e esperança se misturaram
dentro de mim.
Onde eu estava? De quem era aquele quarto?
Com as pernas bambas, trêmula, saí do quarto e
andei pelo corredor longo, cheio de portas que eu
imaginava serem quartos, no final dando a uma escada,
incerta sobre o que eu poderia encontrar ou mesmo quem.
Descendo com cautela, percebi que ela dava para um
amplo espaço, muito parecido com um bar. Mesas e
cadeiras estavam espalhadas pelo salão, porém com as
cadeiras suspensas nas mesas. Uma música dançante
ecoava e algumas risadas femininas me chamaram
atenção. Vi duas garotas limpando o bar, ao longe e fui
ficando cada vez mais confusa. Que lugar era esse?
Ninguém se deu conta, então eu continuei descendo as
escadas lentamente, sentindo a madeira gelada em meus
pés descalços.
Então, um bando de homens entrou pela porta. Eles
eram grandes, usavam jeans, coletes, muitas tatuagens e
piercings e tinham um aspecto selvagem. As vozes eram
grossas e intimidantes, fazendo meu coração disparar em
meu peito. Naturalmente, eu estaquei no primeiro degrau
da escada, o único que faltava para terminar de descer, e
prendi a respiração.
Terror líquido correu em mim quando vi o homem
dos olhos azuis. Ele não tinha a barba tão grande como os
outros e seu cabelo estava maior. Suas roupas também
eram diferentes… Ele não usava terno. Usava couro. E
assim que voltei meus olhos para o rosto dele, ele me
notou na escada. Uma ideia foi se formando em minha
mente, desespero, desesperança, angústia e medo, muito
medo. Não poderia ser, não, não, não… Ele havia me
comprado? Em pânico comecei a balbuciar a palavra não,
dando um passo para trás, caindo sentada dois degraus
acima, de bunda.
— Hey… — Ele disse e veio em minha direção,
chamando a atenção dos outros para mim. Ser o centro da
atenção de todos aqueles homens me trouxe lembranças
dos dias terríveis que tive em cativeiro.
Palavras não foram articuladas, mas eu me levantei
depressa e voltei correndo escada acima. Não pensei para
onde eu iria, só corri enquanto ele continuava me
chamando. Ouvi passos apressados atrás de mim e
desesperei enquanto vários cenários se desenrolaram em
minha mente. Eu sendo violentada, sodomizada, morta.
Abri a porta do quarto em que eu estava e quando fui
fechar, sua grande mão impediu. Eu dei passos
atrapalhados para trás, caindo sentada na cama, me
sentindo ainda mais vulnerável.
— Por favor, não, não, não. — Disse levando
minhas mãos ao rosto, como forma de proteção. Seu rosto
se contorceu em cólera ao ver o meu medo, e se eu não
estivesse tão tomada pelo terror, teria ao menos ficado
curiosa com sua expressão. Eu tinha visto a face da
maldade, e ele não parecia tê-la em seu rosto nesse
momento.
— Calma, calma, eu não vou te fazer mal. — Disse
com a voz baixa e tranquila, parando. Oh meu Deus, ele
iria me tocar. Um choro angustiado e suplicante saiu de
mim.
— Por favor, não! Não me machuque…
— Hey, calma. — Ele levantou os braços e voltou
para a porta, não se aproximando mais. — Vou ficar aqui,
tudo bem? Não vou chegar perto de você. Tudo bem
assim?
Não vi em mim forças para concordar ou discordar,
mas parei de gritar, esperando seu próximo movimento. Ele
parecia estar tentando acalmar um animal assustado e
ferido e eu considerei que a realidade não era tão diferente.
Ele não se mexeu e nem eu. Ficamos nos olhando por
alguns segundos, até ele voltar a falar, do lugar onde
estava. Sua voz era suave, dissonante de toda aquela
estrutura grande e intimidante.
— Eu te tirei daquele lugar, você está livre agora. —
Mesmo com a voz suave, toda a sua presença sufocava o
ambiente.
— Eu te vi lá! Eu vi, eu me lembro de você,
participou do leilão, você é um criminoso! — Minha voz
saiu acusadora. Como tive coragem de falar no tom que
disse, eu não fazia ideia. Ele deu um sorriso de lado e foi
uma péssima hora para notar o quanto ele era bonito. De
uma forma grosseira, não no estilo tradicional, mas era
bonito.
— Sua afirmação não está de todo errada. Sim, eu
sou um criminoso, mas não compro ou trafico mulheres. Eu
estava lá em missão.
Estreitei os olhos até uma fagulha se incendiar
dentro de mim. Ele era um criminoso, meu pai poderia tê-lo
contratado para me salvar.
— Meu pai te mandou? — Eu queria chutar toda a
esperança que brotava em meu coração. Porque ele nem
precisou responder para eu saber a resposta.
— Não. — Respondeu com cautela, como se lesse
meus pensamentos esperançosos — Eu estava
procurando outra pessoa. — De uma forma que eu não
soube explicar, fiquei desanimada. Por um minuto e por
motivos que eu desconhecia, quis que ele estivesse lá por
mim.
— E por que você me trouxe para cá? — Perguntei
mais desanimada.
— Minha irmã. — Franzi o cenho em confusão. —
Hanna.
Meus olhos se iluminaram com a menção do nome
de Hanna. Ele era seu irmão. Ele foi buscá-la, procurou por
ela, se colocou em risco por ela. Ele amava a irmã. A
história, de certa forma, me deixou emocionada. Fiquei feliz
por Hanna ter alguém que lutasse por ela.
— Ela… Ela está bem? Onde ela está, ela está
aqui? — Perguntei quando me lembrei da bela garota de
cabelos e olhos negros que tinha me ajudado e como ela
estava na última vez em que a vi: machucada e ainda mais
quebrada do que eu. Foi impossível meus olhos não
ficarem marejados com a lembrança.
— Hanna está em minha casa.
Claro que sim. Ela estaria com pessoas que se
importavam, que se arriscavam por ela. Pessoas que a
amavam.
— E que lugar é esse?
— Um Moto Clube. — Meus olhos devem ter se
alargado, porque ele acrescentou: — Você está segura,
aqui.
Por algum motivo eu acreditei naquelas palavras,
fosse pela relação dele com a única pessoa que me
ofereceu uma palavra gentil nas últimas semanas, fosse
por eu não ter opção. Eu acreditei nele.
— Tome um banho, tem algumas roupas de Hanna
ali em cima daquela mesa. Desça e coma algo e depois
vamos conversar sobre como levar você de volta para sua
família. Certo?
Ele não esperou resposta e saiu do quarto, fechando
a porta atrás de si. Que bom. Eu não saberia que resposta
dar a ele nesse momento sobre a minha família. Eu estava
a salvo. Estava livre. Dos meus pais, do cartel, de Harvard.
Eu finalmente era livre. Deus, de alguma forma, escutou a
minha súplica e agora eu iria viver. Foi quase impossível
conter a onda de esperança que me tomou, e depois de
muitos dias, um sorriso tomou meu rosto. Um sorriso
verdadeiro.
Sem perder tempo, peguei as roupas e levei para o
banheiro. Levei meu tempo tomando banho e usei bastante
shampoo para lavar o meu cabelo. Depois do banho quase
libertador e coloquei a calça de moletom, que ficou um
pouco larga em mim. Hanna tinha curvas, eu era magra
demais. A camisa, estilo pijama de manga longa, preta e
lisa, serviu bem.
Munida com um pouco de coragem, três respirações
profundas e eu saí do quarto. Eu estava com fome, embora
incerta de tudo ao meu redor. Tentando manter serenidade
no rosto, desci as escadas e fui para uma área social, onde
os homens bebiam e alguns tinham mulheres em seus
colos e lhes servindo bebidas. Todos eles conversavam e
riam alto, mesmo as mulheres e um deles soltou um
palavrão tão alto que me fez sobressaltar em meu
caminho, outro deu um tapa no traseiro de uma das jovens.
Eu tentei disfarçar minha perplexidade, enquanto ia em
direção à pessoa menos assustadora, em busca de
informações. Embora eu reconhecesse que eles pareciam
se divertir e me senti invadida por uma emoção ao vê-los
tão livres.
Sentei-me em um banquinho do bar e uma mulher
simpática, que aparentava uns quarenta anos, se
aproximou.
— Olá, querida. O que vai querer?
— Oi, na verdade eu gostaria de saber onde é a
cozinha. — Perguntei. Na verdade, eu gostaria de saber o
nome do irmão da Hanna, mas não vi em mim coragem
para perguntar.
— Naquele corredor.
Dei-lhe um aceno agradecido e fui em direção à
cozinha. Chegando lá me deparei com um grupo grande de
mulheres e a mais velha veio ao meu encontro.
— Oh, minha querida, Shield me falou que viria, seja
muito bem-vinda.
— Obrigada…
— Cici. Pode me chamar de Cici, eu dirijo está
cozinha. — A mulher teria por volta de cinquenta anos, era
latina, falava alto, cheia de expressões gestuais e faciais.
Mais uma vez, me emocionei interiormente com o quanto
aquelas pessoas eram livres. Felizes.
— Tara Mad… Tara. Muito obrigada, senhora. —
Falei lhe estendendo a mão, que foi ignorada e ela me deu
um abraço apertado. Fiquei surpresa, mas retribuí o gesto,
mesmo que um pouco enrijecida. Não tive muitos abraços
na vida.
— Apenas Cici. Venha, eu te preparei uma omelete
com bacon.
Só de escutá-la dizer, meu estômago roncou alto e
eu enrubesci. Sentei na cadeira, peguei os talheres e
comecei a comer. Eu tentava não encarar muito as
pessoas ao meu redor, para não haver mal entendidos,
mas também não as evitava completamente para não
parecer esnobe. No cômodo havia por volta de seis
mulheres, uma mais linda que a outra, usando roupas que
fariam minha mãe ter uma apoplexia de tão reveladoras.
Fiquei com curiosidade de perguntar quem eram elas, mas
não tive coragem. Desviei o olhar e voltei a devorar os ovos
que estavam deliciosos.
Percebi que todas me olhavam com interesse. Parei
o que estava fazendo e olhei em volta e elas voltaram a
conversar automaticamente. Por um momento me
preocupei sobre o que poderia estar errado. Elas sabiam
por que eu estava aqui? Uma onda de constrangimento me
tomou. Olhei para Cici, ela balançou a cabeça
negativamente com uma risadinha.
Após terminar, eu lavei o meu prato e
silenciosamente, agradeci Cici pela gentileza. Virei-me para
a porta quando me deparei com meu salvador e parei
abruptamente em meu caminho.
Shield.
Ele conversava com outro cara, mas seus olhos
estavam em mim. Me aproximei, incerta, para agradecer a
ele por… Tudo, mas ao mesmo tempo, fiquei
estranhamente nervosa, algo nele me deixava sem jeito.
Assim que me aproximei o suficiente, sustentei o seu olhar
e disse da forma mais firme possível:
— Eu… Eu gostaria de agradecer. Por tudo.
— Olá, Gatinha. Eu sou Leon.
O cara ao lado era alto, forte, negro e tinha um
sorriso de covinhas no rosto. Eu não gostei do apelido que
me deu, mas algo nele me deixou confortável.
— Tara.
— Oi?
— Meu nome. É Tara. Não Gatinha.
Shield riu e após o espanto, Leon virou a cabeça
para trás em uma sonora gargalhada. Ele era engraçado.
— Uma gatinha com garras.
Shield olhou um pouco carrancudo para Leon, que
levantou as mãos e se despediu.
— Okay, então até a próxima, Tara. — Disse se
afastando. Eu tive que prender os lábios para não sorrir.
Um engraçadinho simpático.
— Está tudo bem com você? Precisa de algo? —
Shield me perguntou quando ficamos a sós. Apesar do tom
quase grosseiro, sua preocupação pareceu sincera. Esse
cara nem me conhecia, arriscou sua vida para me salvar e
demonstrava preocupação genuína, mesmo quando não
precisava. Segurei a minha emoção e respondi.
— Não. Eu estou bem, obrigada por perguntar.
Ele me olhou com uma intensidade que quase me
fez ficar sem ar. A forma como ele fazia isso me deixava
sem jeito. Logo, ele soltou um riso, como se eu fosse uma
piada que só ele entendesse. O que me deixou levemente
irritada, e poucas coisas me irritavam.
— Algum problema? — Perguntei, abismada com
minha impetuosidade.
— Nada. Venha comigo — Respondeu, embora
ainda sorriu, um sorriso de lado.
Sem alternativa, ainda confusa, o segui.
Capítulo 06
Shield

Escutei os passos de Tara me seguindo. Passos


quase inaudíveis, que eu só conseguia escutar porque era
muito atento ao ambiente. A sede dos Devils ficava em
Richmond, mas longe do centro e sempre estava passível
de atentados. Por esse e outros motivos, Tara não poderia
ficar. Não era seguro e não a conhecíamos.
Eu tinha levado uma reprimenda do Prez por não
seguir o plano original do resgate de Hanna. Voltar e salvar
Tara foi um risco que quase nos levou à morte, porém, eu
não poderia dizer que estava arrependido. Os olhos de
Tara me assombrariam por toda a minha vida.
Abri a porta do escritório onde Storm e Cold nos
aguardavam e lhe dei espaço para que entrasse. Quando
ela viu meus irmãos, parou na porta abruptamente. Seus
olhos estavam muito abertos e ela torceu uma mão na
outra. Seus olhos procuraram os meus e eu dei-lhe um
sinal para ela avançar. Muito tensa, ela entrou e se sentou
na cadeira mais distante, muito ereta e comedida.
Algo sobre a forma como ela andava, falava e se
alimentava me dizia que tinha uma educação cara. Exalava
sofisticação, mesmo quando estava drogada e machucada.
Falava calmamente, em um tom neutro, simpático, porém
distante. Totalmente deslocada no ambiente em que estava
agora. Era uma dama em todos os sentidos da palavra.
Sabia que ela estava assustada por estar em uma
sala com três homens. Eu era bom em ler pessoas e,
apesar dela tentar aparentar tranquilidade, sua respiração
estava superficial e quando ela cruzou ambas as mãos no
joelho, em uma postura quase nobre, eu ainda vi pela
palidez de seu rosto: Estava apavorada.
— Boa noite, querida. — Começou Cold, com um
sorriso tranquilo. — Você está bem?
— Estou, obrigada por perguntar. — Ela respondeu,
embora um breve tremor em sua voz estivesse ali.
— Nós sentimos muito por tudo o que aconteceu
com você. — Cold disse genuinamente. — Todos nós
sentimos.
— Precisamos que nos diga seu nome completo,
vamos localizar a sua família para que volte para a sua
vida. — Storm disse sem rodeios.
O rosto de Tara empalideceu ainda mais. A postura
certinha caiu e eu vi em todo o seu rosto o mesmo pavor
de quando ela me confrontou no quarto. O fato me chamou
a atenção. Ela não queria ir para casa?
— Vamos, nos diga seu nome. O Clube não é lugar
para você. — Storm voltou a dizer.
— Eu… Eu… — Tara parecia não saber o que falar.
— Fale de uma vez, garota! — Storm rugiu e eu me
vi sentindo uma onda de fúria. Ele era meu Prez, mas não
gostei do jeito que falou com Tara. Ela deu um pulo em seu
lugar, e por um momento, achei que ela iria chorar. Mas,
dignamente, ela levantou o queixo e falou.
— Eu prefiro não dizer. — Sua voz ainda foi baixa e
serena, embora todos soubéssemos que estava muito
assustada.
— Como assim, prefere não dizer? — Storm
perguntou impaciente, passando a mão pela barba.
— Querida, precisamos que nos dê informações
para que você possa ir para sua casa. — Cold disse, e
como Tara continuou calada eu perguntei.
— Existe algum motivo para que você não queira ir
para sua família?
Tara abaixou os olhos e continuou na posição
perfeita por tanto tempo, que se olhasse rápido, era quase
difícil dizer se era humana. Embora ela não dissesse, sua
falta de resposta nos respondeu muito mais que qualquer
palavra. Ela me olhou com firmeza, e naquele momento, eu
tive que admirar a sua força. Ela não diria.
— Eu não quero ser… Um incômodo. Peço apenas
que me deixe passar essa noite e amanhã me deixem em
uma rodoviária.
Eu ia abrir a boca para dizer o quanto aquela ideia
era absurda, mas Storm trovejou de seu lugar.
— Você está aqui, sem roupas, sem documentos e
sem dinheiro. Me diga, qual o seu plano? Só de olhar para
você é fácil dizer que provavelmente nunca lavou um garfo.
O que pensa em fazer? Qual o seu plano perfeito?
Vi um fogo passar por seu rosto, mas ela o
mascarou e logo disse educadamente:
— Me desculpe, senhor. Mas o que eu vou fazer não
é sua responsabilidade. Eu sou… Muito grata, por tudo o
que fizeram por mim. — Seus olhos vieram para mim. —
Se era somente isso, eu peço licença.
Com gestos calculados, ela se levantou e saiu.
Quando suas mãos pousaram na maçaneta percebi que
tremia. Storm era leal, mas tinha um temperamento terrível
e a sutileza de um meteoro.
— Essa carinha de anjo é pura enganação. Atrevida!
— Cold soltou uma gargalhada.
— O que faremos? — Storm disse. — Precisamos
resolver isso, aqui ela não pode ficar e andar por aí sem
destino também não é uma opção.
— Deixe-a mais essa noite, amanhã eu darei um
jeito. — Suspirei, frustrado. — Tiveram a mesma sensação
que eu? Acham que a família pode ter envolvimento com o
sequestro dela?
— Infelizmente só poderemos ajudar se ela confiar
em nós. Devemos dar tempo para isso. — Cold disse.
— Aqui ela não pode ficar até decidir confiar em nós.
— Storm voltou a afirmar. Eu estava cansado, confuso e
sem paciência para lidar com o assunto. Precisava ir para
casa, minha mãe e irmã precisavam de mim.
— Eu preciso ir, Hanna está em casa e minha mãe
também chegou hoje.
— Vá, amanhã resolvemos esse assunto. — Cold
afirmou.
Me levantei e quando cheguei perto da escada,
parei. Por um momento, cogitei ir falar com Tara, ver se ela
precisava de algo, talvez ela até me desse alguma
informação. Enquanto pensava, senti o perfume de Scarlett
atrás de mim. Scarlett era uma das garotas do Clube e
fodemos algumas vezes.
— A princesinha subiu. — Olhei firmemente para
ela, que passou os braços em meus ombros. — Foi uma
brincadeira, Shield. Mas convenhamos, ela é toda modos e
etiquetas. Logo se vê que não pertence a esse ambiente…
As palavras de Scar caiu como chumbo em meu
peito. Ela tinha toda a razão, Tara não pertencia a esse
mundo, mas a constatação me incomodou, mesmo que eu
não soubesse dizer porquê.
— Eu preciso ir, até mais Scar. — Disse desistindo
de ir ver Tara, já em meu caminho para a moto.
Antes de me virar, vi uma sombra de decepção
passar em seu rosto, mas logo me deu um sorriso e
acenou um tchau. Eu sabia que ela esperava que, com o
tempo, eu pudesse torná-la minha Old Lady. A verdade é
que eu não via algo assim acontecendo comigo tão cedo,
não com tudo o que aconteceu nos últimos meses. Ter
alguém era mais uma responsabilidade, uma que eu não
me via querendo tão cedo.
Montei em minha moto e fui em direção ao meu
apartamento. Ficava no centro de Richmond, em um
condomínio grande e caro. Eu o tinha para receber minha
mãe e irmã, mas além dele, eu tinha minha casa em frente
ao lago. Era meu santuário, um lugar somente meu.
Cheguei e subi para meu apartamento sendo recebido por
minha mãe. Ela me abraçou e quando entrei, minha irmã
estava sentada no sofá, com seu cobertor e tomando
sorvete enquanto via TV.
Desde ontem, quando voltamos, temos passado a
maior parte do tempo juntos. Hanna foi consultada, fez
exames e foi orientada a repouso. Ela ainda não falou
sobre tudo o que passou, mas foi orientada a fazer terapia.
Embora ela sorrisse e estivesse aberta... Tudo o que
aconteceu deixou a sua marca. Seu sorriso não era o mais
brilhante, minha estrelinha, como um dia foi. Ela estava se
esforçando, mas eu a conhecia, sabia quando estava
tentando parecer bem. Hanna era luz.
Eu dizia a mim mesmo que era por ser recente. Que
a minha Estrelinha estaria de volta, que passaríamos por
tudo juntos. Me aproximei e me sentei com ela no sofá,
comendo um pouco do seu sorvete.
— Estrelinha.
— Ben. — Ela disse, aceitando meu beijo em sua
testa. Passei o braço em seus ombros e minha mãe sentou
do outro lado de Hanna, a abraçando também.
— Não acredito que tenho vocês dois aqui. — Minha
mãe disse e logo caiu em um choro, quase desesperado.
— Mãe…
— É de felicidade, Benjamin. Felicidade, porque fui
abençoada, tenho as minhas duas maiores riquezas aqui
comigo.
Seu choro continuou até, eventualmente, se
acalmar. Hanna permaneceu em silêncio, apenas
recebendo nosso abraço. Vi algo sombrio em seu
semblante, que logo passou quando ela me olhou e sorriu.
Eu não queria minha irmã guardando suas angústias para
ela. Queria que ela confiasse em mim, como sempre foi.
Pelo menos ela aceitou a terapia.
— Tá mãe, chega, chega de choradeira. Vejo estar
aqui com vocês como uma nova oportunidade de vida.
Quero que fiquemos juntos.
— O que quer dizer?
— Que eu vou ficar um tempo aqui em Richmond.
— Mas filha, a faculdade…
— Vou dar um tempo mãe. Também… — Hanna me
olhou. — Acho que com Ben eu estarei mais segura, até…
— Mas ainda há perigo? — Minha mãe se
sobressaltou.
— Não! Não… É só que eu quero ficar aqui, por um
tempo.
— Mas filha, tenho a loja em Frankfort. Não tenho
como morar aqui, não assim sem planejamento.
— Tenho um combinado com a Bratva. Eles farão a
sua segurança enquanto estiver por lá… Mas o ideal é que
fiquemos juntos.
— Eu não gosto dessas coisas, Benjamin. Não
gosto desses homens, das suas relações.
— Mas foram esses homens que salvaram Hanna.
Aceite a proteção, mãe.
— Eu não vou deixar minha vida em Frankfort. Mas
também não tenho como te obrigar a voltar, minha querida.
Então, vou concordar para que você fique onde se sinta
melhor.
— Obrigada. — Hanna disse com um sorriso.
Acredito que Frankfort lhe trazia lembranças ruins. Talvez
ela quisesse um novo começo. Eu daria qualquer coisa que
ela quisesse.
O momento me fez pensar em Tara. Não seria muito
melhor ela estar rodeada dos seus, depois de tudo o que
ela passou? Agora ela estava sozinha no quarto, com seus
fantasmas.
— Hanna… quando falou com Tara, ela chegou a
dizer seu sobrenome?
— Não. Eu só a ajudei com um ataque de pânico,
estava apavorada. — Hanna respondeu com pesar.
— Quem é Tara?
— A garota que seria leiloada. — Respondi
pensativo. De repente nem o nome dela seria Tara.
— É muita crueldade, meu Deus. Difícil acreditar, até
que acontece com a gente. — Minha mãe disse já com os
olhos marejados.
— Onde ela está? — Hanna perguntou. — A única
informação que me deu foi de que estava lá porque seu pai
devia algo para o cartel. Então ela era uma garantia, mas
acho que não deu certo e eles… Bem, eles foram verificar
se ela era virgem. — A voz da minha irmã caiu. — Foi
horrível, Ben.
— Isso explica muito. — Pensei nos horrores que
passaram lá e a vontade era de marchar para onde quer
que o filho da puta de Suarez estivesse, para fazê-lo pagar
por tudo o que fez. Uma vida de sofrimento seria pouco.
Minha irmã estava aqui, aconchegada aos seus e
minha mente continuava voltando para Tara, passando por
todo esse processo de superação sem ninguém. Eu
também não sabia por que me importava tanto. Talvez
existisse um elo entre nós por eu ter salvo a sua vida.
— Por que está dizendo isso? — Hanna voltou a
perguntar.
— Ela não quer contatar a família. Quando
pressionada, disse que amanhã vai embora.
— Como assim? Você não pode deixar, Benjamin!
— Também acho um absurdo, mas não terei como
mantê-la aqui contra sua vontade.
— Mas ela não tem nem roupas, você levou as
minhas para ela. E documentos? E dinheiro? — Hanna
disse exasperada, se levantando. — A minha sorte é que
tenho vocês, mas ela… Ela está sozinha. — Hanna
começou a fungar. — Se não quer contato com os pais, é
porque não são bons.
— Tudo isso foi dito a ela, Estrelinha.
— Me deixe falar com ela.
— O clube não é lugar para você.
— Então traga-a aqui.
— Estrelinha…
— Por favor, Ben.
Fiquei em silêncio pensando se seria bom para
Hanna ter contato com alguém que lembrava tudo o que
ela passou. Por outro lado, poderia ser bom para as duas.
— Ela precisa dizer quem é, Hanna. De qualquer
forma, ela precisa sair do Clube. Não é lugar para ela.
Minha mãe, que até então acompanhava a troca
silenciosamente, resolveu falar.
— Então o ideal é que ela fique com você.
Olhei para minha mãe, sobressaltado.
— Claro que não, mãe. Nós não a conhecemos,
nem o seu nome ela quer dizer, por mais que lamente tudo
o que aconteceu, não dá para trazer uma desconhecida
para dentro de casa. Vamos arrumar outra forma de ajudá-
la.
— Prometa, Ben. Prometa que vai ajudá-la.
Falar sobre Tara fez a minha irmã ter o mesmo
fervor que ela tinha sempre, antes de ser levada. Estudei
seus olhos brilhando, suplicantes, e me vi concordando
com algo que traria alívio e até mesmo alegria para ela.
Neste momento, não havia nada que eu não faria por ela.
Ela me abraçou e minha mãe se juntou ao abraço. E mais
uma vez, o pensamento em minha mente fez o meu
coração torcer mais um pouco.
Porque eu pensei em Tara sozinha.
Capítulo 07
Tara Madison

Depois de sair da reunião com o gigante mal


educado, o cara do sorriso bonito e o meu salvador, eu
fiquei no quarto até muito tarde da noite. Eu precisava de
um plano. Mas toda vez que eu lembrava que não tinha
dinheiro, nem documentos, nem nada, o desânimo me
tomava.
Ficar na sala com aqueles homens quase me deu
um ataque de pânico e não sei de onde tirei forças para
manter o controle. Uma coisa eu sabia é eles não me
machucariam. Não saberia explicar de onde vinha essa
certeza, mas sabia que era verdadeira, embora isso não os
fizesse menos assustadores.
Eu não voltaria para a casa dos meus pais. Primeiro,
que eu poderia ser levada novamente se fosse de
conhecimento do cartel. Depois, porque eles não se
importariam. Ou tentariam novamente me colocar em uma
coleira. E eu não sairia de uma prisão para outra.
Olhei o relógio na cabeceira da cama e marcava
01h30, eu não tinha nem passado perto de dormir. A
música tocava embaixo e eu me vi curiosa para descer e
ver o que estava acontecendo. Abri a porta devagar, os
corredores estavam escuros. Quando desci as escadas,
paralisei na metade.
Homens e mulheres bebiam, se divertiam e mais no canto,
eu poderia jurar que alguns faziam sexo. Eu reconheci
Sorriso Bonito, ele tinha uma mulher em cada perna e
alternava beijando uma de cada vez, até que os três
começaram a se beijar ao mesmo tempo. Ambas tinham os
seios em seu rosto. Reconheci Covinhas também, se
atracando com uma morena. Não vi o Mal-Educado em
nenhum lugar, mas a iluminação não colaborava.
Eu deveria voltar para o quarto. Eu deveria fingir que
nunca tinha visto nada, mas havia algo tão… Excitante em
ver pessoas tão livres. Eu não conseguia me ver com
alguém em público. Contudo, olhar escondido me deixava
extasiada. Ansiosamente, passei os olhos procurando meu
salvador, e o estranho era que eu não queria vê-lo ali. Eu
não entendia muito bem o porquê, mas me senti aliviada
por ele não estar ali com os outros homens, se atracando
com alguma mulher.
Ou duas.
Ou mais.
Após alguns minutos me comportando como uma
voyeur[7] eu voltei para o quarto e tranquei a porta. Meu
coração estava acelerado. Era selvagem e louco a forma
como eles se comportavam, depravado, insano. Eles eram
criminosos. Então, eles salvaram minha vida, quando
poderiam não ter salvo. Eu não viria com a minha régua
julgadora, mas tinha que tomar cuidado. Pediria mais
alguns dias ao mal-educado e então iria embora.

No dia seguinte eu passei o dia inteiro no quarto.


Embora eu tenha tido o meu momento voyeur na
madrugada, de manhã, veio todo o desânimo de uma vida
sem sentido. Não me vi tendo forças para levantar. Por
volta de 12h00, uma das meninas me trouxe uma bandeja
com alguns alimentos e me perguntou se eu precisava de
algo. Eu agradeci e ela saiu.
Por volta das 17h00, eu parei de ter pena de mim,
levantei, tomei um banho, coloquei a mesma roupa e desci.
Precisava enfrentar a minha realidade. Olhei para a mulher
que estava no bar no dia anterior e foi um conforto ter um
rosto familiar. Passei pelas mesas com cautela, mantendo
o olhar para frente, enquanto algumas mulheres com
roupas muito reveladoras me olhavam como se eu fosse
algo de outro mundo.
— Olá, querida. Você está se sentindo bem?
— Boa tarde. Eu estou bem, obrigada. — Respondi
com um sorriso e ela sorriu de volta. Parecia estar na
correria, atendendo um e outro, então fiquei calada para
não atrapalhar.
— Você quer beber algo? A propósito, eu me chamo
Lisa.
— Não, e muito prazer Lisa. Eu sou Tara. — Eu não
tinha dinheiro para isso. Parecendo ler meus pensamentos,
ela disse.
— Shield falou que você poderia pegar o que
quisesse.
Shield. Fiquei surpresa. Era muito gentil da parte
dele tudo o que estava fazendo por mim. Queria perguntar
se ele também morava aqui, se ela sabia onde ele estava,
mas não tive coragem. Com isso, fui por outro caminho.
— Os motoqueiros… Eles moram aqui?
— Eles têm quartos aqui, às vezes dormem,
principalmente quando tem festa. Mas cada um tem a sua
casa. O quarto que você está pertence ao Shield.
Eu estava no quarto dele. Será que ele estava
ontem na festa? Dormiu em algum outro quarto? Queria me
bater porque claramente esse não era um assunto que
fosse do meu interesse.
— Já falei para Storm, depois das 17h00 isso fica
uma loucura. Preciso de ajuda.
Quando ela soltou essas palavras eu me vi
formando uma ideia. E se eu trabalhasse aqui? Eu poderia
trabalhar, até juntar um dinheiro e ir embora, ou mesmo
ficar. Estava muito longe de Washington. Poderia construir
uma vida por conta própria.
— Poderiam me contratar! — Falei com entusiasmo.
A atendente riu e eu perdi um pouco do entusiasmo.
— Desculpe, Princesa. Mas é só olhar para você
para saber que não duraria um dia.
Dizendo isso ela saiu para atender os outros. Eu
fiquei ali, indignada internamente com a convicção dela de
que eu não daria conta. Eu poderia aprender, eu iria
aprender. Todo mundo não soube algo, em algum momento
da vida. Perdida em um processo de reanimação interna,
não percebi quando um vulto parou ao meu lado, muito
rápido.
— Gatinha.
Me assustei com a ação. Covinhas se aproximou, o
que me fez afastar um pouco, mas seu olhar era de um
garoto brincalhão e logo relaxei.
— Covinhas.
— Como é? — Ele perguntou e riu.
— Você, é Covinhas.
— Sou Leon. — Disse com a mesma expressão
quando o corrigi por me chamar de gatinha.
— Leon, como Leão? — Eu me vi dizendo de volta,
sorrindo.
— Sim, gata, como um verdadeiro rei.
Foi impossível não rir. Algo nele me deixava
confortável. Eu me lembrava vagamente dele quando me
tiraram do complexo no cartel. Ele também me salvou.
— Obrigada, Leon. — Eu disse com um sorriso
sincero.
— Obrigada? — Ele encostou a lateral do corpo no
balcão e sorriu.
— Você também salvou a minha vida. — Seu rosto
suavizou e ele ficou ainda mais bonito.
— Quem te salvou mesmo foi Shield. Eu só ajudei.
A humildade dele só me fez admirá-lo. Eu sabia que
Shield foi fundamental, até mesmo na decisão de me tirar
daquele inferno, mas eles eram uma equipe. O mérito era
de todos, inclusive de Leon. Eu ia dizer isso a ele quando
senti um olhar de fogo em mim, de forma que virei o rosto
em direção à porta.
Uma garota ruiva me olhou com raiva enquanto eu
falava com Leon. Meu sorriso morreu um pouco. Ela
aparentava ter por volta de dezesseis, dezessete anos e
tinha uma mochila nas costas. Ela veio em nossa direção e
meu coração disparou, pois tudo o que eu não queria era
problemas.
— Olá. — Ela me disse com um sorriso forçado.
— Gatinha. — Disse Leon, dando um beijo leve em
sua testa. A garota tinha corações nos olhos. Será que
Leon não percebia? — Já conhece Tara?
— Não. — Ela me olhou, seus olhos escuros
destacados pelo cabelo ruivo. — Vivian.
— Muito prazer, Vivian. — Disse com um sorriso
educado.
Alguém chamou Leon e ele saiu, me deixando com
sua fã. Não sabia o que uma garota como ela estava
fazendo aqui, não era ambiente para uma colegial. Ela me
olhou dos pés à cabeça, se encostou no bar e disse.
— Então… Você está saindo com Leon? É
namorada dele?
— Eu? — Tentei conter um sorriso, mas foi quase
impossível. — Não, eu não sou namorada dele.
— Seria estranho mesmo se fosse, porque... Você
sabe, né? — Eu estava me divertindo, porque ela queria
que eu dissesse que não sabia. Resolvi entrar no jogo dela.
— Não, Vivian, eu não sei.
— Oh, me desculpe. — Ela disse falsamente
envergonhada.
— Não, por favor me conte. — Insisti, segurando os
lábios para não estampar um sorriso largo.
— É que o Leon tem um namorado.
— Oi? — Disse com espanto.
— Sim, um namorado na cidade em que a mãe dele
mora. — Me disse em um tom baixo e cúmplice: — Eu não
gostaria que ele te enganasse, você parece uma boa
garota.
Olhei para a menina por, pelo menos, cinco
segundos inteiros, e então soltei uma gargalhada sonora, a
primeira em muito, muito, muito tempo. Eu nem me
lembrava se algum dia eu tinha gargalhado. Minha mãe
teria tido um colapso. Mas eu ri. Porque claramente, aquela
pirralha estava estragando os lances do Leon. Eu parei
quando lágrimas estavam saindo dos meus olhos, sentindo
até mesmo meu corpo mais leve.
— Você faz isso sempre? — Eu perguntei enquanto
minha risada morria.
— Não sei o que está falando.
— Garota, eu nem sei que adjetivo te dar. Não
precisa inventar esse tipo de história do Leon, pelo menos
não para mim. Eu não tenho nada com ele, na verdade mal
o conheço.
Ela ficou vermelha, muito vermelha, quase da cor do
seu cabelo. Ela tinha uma queda do Niágara por Leon.
— Você vai me entregar? — Ela perguntou.
Me lembrei de Leon agarrando a morena na noite
anterior e a forma fraternal com que tratou Vivian. Ele a
tinha como irmã e eu poderia apostar que não fazia ideia
de que Vivian o via romanticamente. Mesmo não sendo a
pessoa mais experiente, eu diria que esse era um caminho
perigoso para um possível coração partido.
E o coração partido seria o de Vivian.
— Claro que não. Mas se me permite um conselho,
tome cuidado.
Ela relaxou e se sentou ao meu lado. Claramente só
estava com medo de ser entregue e não ouviria o meu
conselho. Soltou a mochila e me olhou com interesse
renovado.
— Você não é uma puta do clube. — Assustei com
suas palavras. — E você está com um moletom amassado
e descalça. Mesmo que esteja aí com uma pose de
princesa. Quem é você? — Ela disse tudo isso de forma
genuína e não maldosa, com um sorriso curioso. — Por
que está aqui?
Eu perdi a confiança que tinha até o momento. Foi
quando o Mal-Educado gritou da porta, e internamente,
agradeci por ele ter chegado. Porque eu realmente não
fazia ideia do que dizer para Vivian, não sem me
constranger.
— VIVIAN!
A garota arregalou os olhos, se levantou
rapidamente e pegou a mochila. Eu fiquei apreensiva com
seus gestos. Por que ele estava gritando assim com ela?
Será que… Não, não poderia. Ela era muito nova para…
— Não, não se preocupe, eu sei o que está
pensando e não. Ele é meu irmão mais velho. Tchau,
espero te ver mais vezes.
Ela me deu um abraço e eu fiquei surpresa com o
ato. Retribui mesmo assim, pensando sobre o que ela
disse sobre me ver mais vezes. Meu futuro ainda era muito
incerto, mas eu gostaria de vê-la mais.
Fui para a cozinha e ofereci ajuda para Cici, mas ela
recusou. Sem mais o que fazer, voltei para o quarto. Ali, no
quarto, todo o baque da minha realidade voltou. Mal-
Educado não me chamou para conversar. Shield não veio.
Eu também não os procurei. Antes que o sono me tomasse
fiquei pensando sobre que caminho eu iria seguir a partir
daqui.
Eu só tinha a mim mesma.
Capítulo 08
Shield

Quando entrei na sede dos Devils bem cedo, trazia


comigo um par de roupas para Tara e planejava levá-la
para comprar o básico. Ela precisava de roupas e produtos
de higiene. Quando entrei, me deparei com sua figura
descendo as escadas. O cabelo estava para trás em um
coque e ela estacou quando me viu. Será que ela sentia
medo de mim? O pensamento me incomodou.
Vestia um short e uma camiseta. Provavelmente de
uma das garotas, Cici devia ter providenciado.
Me aproximei da escada, e ela terminou de descer
cautelosamente. Parou dois degraus acima, ficando no
nível dos meus olhos. Seus olhos estavam arregalados,
mas a sua postura corporal era impecável. Mesmo com
aquelas roupas simples e mundanas, ainda tinha algo.
Como se ela nunca relaxasse.
— Bom dia.
— Bom dia, Tara. Eu queria mesmo falar com você.
Ela torceu uma mão na outra, um ato nervoso, mas
sorriu.
— Claro. Eu também quero falar com você e com…
Com o Storm.
Ela ficou enrubescida e eu franzi o cenho, com um
meio sorriso. Saí do caminho para que ela terminasse de
descer e fomos juntos para o escritório onde Storm já
estava. Talvez ela tivesse resolvido nos falar sobre a sua
família. Não queria colocar Viper para investigá-la, queria
que ela confiasse em nós. Mas tinha decidido que não a
deixaria sozinha sem nada, por algum motivo, me sentia
responsável por ela.
Quando ela passou por mim, senti o meu shampoo
em seu cabelo e fechei os olhos brevemente, com a visão
dela no meu quarto, meus lençóis, minha cama e usando
minhas coisas. Normalmente eu sentiria irritação, mas…
Senti uma estranha satisfação.
Entramos no escritório e Storm soltou um grunhido
quando Tara deu bom dia. Ela se sentou, um pouco menos
nervosa que da primeira vez que esteve ali. Storm terminou
o que quer que estivesse fazendo e nos deu toda a sua
atenção. Eu fiquei em pé ao lado da mesa.
— Resolveu falar sobre sua família? — Ela ignorou
a picada e respondeu calmamente para Storm.
— Eu estive conversando com Lisa ontem.
— E o que isso tem a ver com você falar sobre a sua
família? — Storm voltou a dizer já perdendo o pouco de
paciência.
— Ela não está dando conta do trabalho. Então, eu
pensei que poderia ajudá-la no bar.
Storm levantou as sobrancelhas e meu corpo inteiro
estremeceu. De jeito nenhum ela daria conta do trabalho
no bar, sem contar que, com tudo o que rolava ali, ela
poderia facilmente cair na conversa de alguém ou coisa
pior.
— De jeito nenhum.
Ela me deu um olhar assustado, mas continuou
dizendo como se não me ouvisse.
Ela. Porra. Me. Ignorou.
— Eu posso ajudá-la no bar e conseguir um lugar
para morar. Só preciso de uma oportunidade.
Em um rompante, eu estava ao lado dela. Storm me
deu uma olhada confusa, o papel de ogro era dele, mas se
recostou na cadeira, divertido. Logo eu, que não tinha
voltado a tocar em Tara desde que tudo aconteceu, a
levantei da cadeira pelo braço.
— Você não vai trabalhar em um bar de Moto Clube,
em vez disso, vai vir comigo agora.
Mal dei dois passos, ela soltou seu braço com um
safanão, que eu não insisti segurar com medo de
machucá-la. Quando a olhei, ela tinha os olhos faiscando
de fúria, segurando o pulso. Fúria era melhor que medo,
pensei.
— Você pode ter salvo a minha vida, mas não tem o
direito de me tratar assim. — Sua voz saiu baixa, mas
firme.
— Então você não confia em nós o suficiente para
nos dar seu nome completo, mas quer um emprego. —
Storm soltou com uma careta.
— Ela não vai trabalhar no bar.
— Ela não vai trabalhar em lugar algum. Não
enquanto não for totalmente sincera conosco.
Tara pareceu desanimada com a informação, tão
aflita que eu pensei que ela imploraria. Enquanto eu estava
irracionalmente preocupado com o bem estar dela
trabalhando em um bar de Moto Clube, talvez fosse uma
forma de ela nos dizer um pouco sobre ela. Segurei meu
temperamento e esperei suas próximas palavras.
— Bom… Se não podem me dar emprego, eu vou
dar um jeito de sair ainda essa semana…
— Pare de falar merda, você vai vir comigo agora.
— Eu explodi. Teimosa.
Puxei-a novamente e dessa vez ela não lutou,
dominada pela onda de desânimo que a tomou a ponto de
seus ombros caírem, e só quando chegamos ao meu
quarto é que percebi que tinha segurado sua mão por todo
o caminho. Sua mão era macia e delicada, com toda
certeza não foi feita para o trabalho duro de um bar. E eu
estava pensando e falando merda pois pouco me importa
as mãos de uma mulher, ainda mais uma que não conheço.
Mas aqui estava eu pensando sobre a delicadeza de sua
mão.
— Por quê?
Ela perguntou, magoada, assim que fechei a porta e
soltei sua mão. Ela foi para o outro lado do cômodo,
colocando a maior distância entre nós e foi quando percebi.
Droga, eu a tinha assustado.
— Preste bem atenção: Você vai comigo agora
comprar todas as merdas que você precisa, de higiene
pessoal, roupas, todas as firulas de mulheres. Depois, nós
vamos para minha casa, porque você não pode mais ficar
aqui. E antes que você pense em dizer não, você vai. Não
tem opção a não ser aceitar minha ajuda.
— E-eu… Eu não po…
Eu a interrompi.
— Guarde suas palavras, negar é perda de tempo.
Não quer falar sobre sua família? Certo, vou respeitar. Por
enquanto. Até você perceber que não temos a intenção de
te prejudicar. Mas você vai para minha casa e, se quiser
trabalhar, tudo bem, posso te ajudar com isso, mas não
será de forma alguma no bar.
Seus olhos estavam enormes e seus braços em
volta do seu corpo, mas ela não disse nada. Ela estava
assustada e eu sabia que poderia ser um filho da puta
assustador quando queria. Talvez fosse um motivo banal,
mas ela trabalhando no bar do MC me deixou puto. Sem
contar que claramente ela não era acostumada com nada
disso.
Com o semblante fechado, pegou a roupa que era
de Hanna em cima da penteadeira e juntos, descemos as
escadas. Eu percebi que ela tentava manter certa distância
entre nossos corpos, mesmo indo para o mesmo lugar.
Quando nos aproximamos da moto, ela olhou incerta.
Então olhou para mim.
— Vamos nisso?
Ela apontou para a moto como se fosse um crime
até mesmo proferir o nome. Algo me dizia que ela andava
de motorista e carro de magnata. Não que ela fosse
arrogante, muito pelo contrário. Era tudo nela. Era a pose
de princesa e o fato dela não forçar, ser natural e
inconsciente.
E então me ocorreu que eu nunca tinha levado
qualquer mulher na garupa de minha moto. Para um
motociclista, a garupa de sua moto era sagrada, era para
quem a merecia, para quem era importante. Eu não
conhecia Tara, droga, eu nem sabia seu sobrenome.
Mentalizei que era uma situação atípica e de necessidade,
mesmo que toda a minha ação homem das cavernas de
hoje sinalizasse algo. Eu não daria importância.
Empurrei o pensamento para o fundo da minha
mente e lhe entreguei o capacete. Ela ficou olhando em
silêncio, sem saber o que fazer e envergonhada demais
para perguntar. Revirei os olhos, pegando de sua mão e
colocando em sua cabeça com cuidado. Enquanto prendia
embaixo de seu pescoço, minha mão roçou em sua pele
suave, deixando um rastro de formigamento em minha
mão, indo em direção ao meu braço, arrepiando meus
poros e eu só queria entender que merda era aquela. Seus
olhos pegaram os meus e algo passou entre nós enquanto
eu deixava minha mão parada ali por mais tempo que o
necessário. Foi como um soco me fazendo perder o ar por
alguns segundos e pareceu ter o mesmo efeito nela.
Desviei os olhos dela e me afastei, a sensação indo
embora da mesma forma que veio e Tara fez o mesmo,
recuando meio passo. Subi na moto e apontei para que ela
fizesse o mesmo. Ainda incerta, ela passou uma perna,
sentando na moto e segurou o suporte atrás, tomando todo
o cuidado para não encostar em mim.
— Agarre minha cintura, é mais seguro.
— O-o que?
Passei minhas mãos atrás e, segurando seus
braços, os passei em minha cintura. Sem dar tempo para
que se soltasse, dei partida, de forma que ela se agarrou a
mim com um gritinho que me fez sorrir. Eu ignorei
fortemente o fato de tê-la me abraçando e o que provocou
em mim. Ela estava totalmente fora dos limites por
inúmeros motivos e eu deveria controlar meu pau se
animando em minhas calças, por ter seu corpo esguio todo
colado ao meu.

Depois de andar por inúmeras lojas de um lado para


o outro, comprando tudo que Tara poderia precisar,
finalmente fomos para casa. Tara estava envergonhada
cada vez que eu pagava sua conta, e sempre me dizia que
iria dar um jeito de me devolver. Uma coisinha orgulhosa,
era o que ela era. Pelo menos ela não tinha mais medo de
mim. Não, pois me olhava feio cada vez que eu pegava
três itens a mais quando ela escolhia apenas um. E quase
me matou com os olhos, quando entrei com ela na loja de
roupas íntimas, parecendo um pinscher raivoso e quando
me deu uma resposta, arregalou os olhos como se não
acreditasse no que estava fazendo. Outra pessoa me
irritaria. Ela me fazia querer rir.
Ela olhou curiosamente para o meu condomínio, que
era muito bem localizado em um bairro nobre de
Richmond. Subimos em um silêncio confortável, até eu
abrir a porta e encontrar Hanna cozinhando com minha
mãe.
Hanna parou o que estava fazendo e deu um grito
exagerado e iluminado. Correndo, veio em direção a nós
na porta e olhou para Tara, parando em sua frente. Ambas
se olharam com os olhos marejados. Eu não tinha ideia do
nível de relação que elas construíram em cativeiro, mas
elas estavam emocionadas em se ver. Era nítido. Hanna
então abraçou Tara em um impulso desesperado, impulso
esse que Tara retribuiu com sua própria dose de emoção.
Minha mãe se aproximou, também chorando e eu
senti, por um minuto, que meus olhos queimavam. Entendi
o porquê ser tão importante para Hanna salvar Tara.
Ambas passaram pelas piores provações nas mãos de
homens que só se importavam com dinheiro, que as
trataram como mercadoria, e mesmo em pouco tempo,
senti que o elo que as unia era forte.
— Oh meu Deus, eu achei que nunca mais fosse te
ver! — Tara disse sufocada no pescoço de Hanna. Ela era
mais alta e esguia, enquanto Hanna era menor e tinha
curvas.
— Eu achei o mesmo. Foi um milagre. — Hanna
disse ainda segurando Tara em um abraço.
Quando se soltaram, minha mãe se aproximou de
Tara e a abraçou. Uma picada que eu não entendi fez meu
coração acelerar com a cena. Tara aceitou o abraço de
minha mãe, mas vi em seus olhos o quanto estava
surpresa, como se não estivesse acostumada com
interações físicas básicas.
— Querida, entre, deixe essas sacolas aqui. Venha,
estou terminando o jantar…
Tara ainda me deu uma última olhada antes de
seguir minha mãe e irmã, e eu fui em direção ao meu
quarto. Tinha sido um ato impulsivo trazer Tara para minha
casa, mas eu não via outra forma de mantê-la em
segurança. A melhor saída ainda era deixá-la fazer o que
quisesse, até porque eu não tinha nenhuma
responsabilidade com ela. Mesmo que eu repetisse isso mil
vezes, eu me sentia responsável.
Eu não era um bom homem, nunca fui, mas eu só
não conseguia pensar na possibilidade de deixar Tara
nesse mundo, sem nada, sem expectativa alguma. Talvez
pela ligação com minha irmã, ou por minha própria com
ela, eu a ajudaria. Tomei um banho rápido e coloquei uma
calça de moletom. Com o cabelo ainda molhado, me
lembrei que precisava arrumar o quarto de hóspede para
Tara.
Sempre pedia para Lany deixar o quarto limpo e
arrumado. Entrei e abri a janela deixando uma corrente de
ar entrar e arejar o quarto. Troquei as roupas de cama e
coloquei toalhas no armário. O quarto nunca tinha sido
ocupado, pois minha irmã e minha mãe já tinham o quarto
delas em minha casa e eu não recebia visitas. Nunca. Saí
do quarto e fui para a cozinha, parando na porta vendo
minha mãe interagindo com Tara, animadamente. Minha
mãe contava algo sobre Hanna e parecia que a choradeira
tinha acabado.
Ainda olhando a interação, meus olhos pousaram
em Tara, que escutava atentamente a minha mãe. Ela tinha
um sorriso contido, mas seus olhos estavam iluminados,
uma postura impecável. Ela com toda certeza pertencia a
uma família de posses. Claramente, sua família estava
envolvida com o cartel e por isso ela não falaria sobre, mas
agora que ela estava em minha casa, eu teria que saber,
por segurança, quais os tipos de problemas eu poderia me
meter com ela ali, convivendo com minha família.
Entretanto, eu ainda daria um tempo para que ela mesma
falasse.
Quando meus olhos voltaram para os seus, eles
estavam em mim. Seus olhos percorreram meu corpo,
lentamente. Quando percebeu o que estava fazendo,
desviou os olhos de volta para minha mãe, enrubescendo.
Eu quase ri, mas voltei para o meu quarto e peguei uma
camisa, pois esse era um caminho perigoso.
— Filho, eu estava aqui falando com Tara sobre ela
e Hanna irem passar alguns dias em Frankfort. Acho que
faria bem para ambas, e ela me falou que poderia me
ajudar na loja, você sabe que eu…
— Tara vai ficar aqui.
Tara franziu o cenho para mim, mas ficou quieta. Eu
queria dar-me um soco, porque simplesmente seria muito
bom se ela ficasse com minha mãe, mas tinha o fato dela
estar escondendo informações de nós. Tinha o fato de não
sabermos se havia mais alguém atrás dela e com isso, a
possibilidade de machucar minha mãe. Aqui eu poderia
protegê-la.
— E posso saber por quê? — Hanna me perguntou
com olhos ferozes. Mais um resquício da velha Hanna. Eu
quase sorri.
— Porque Tara não confia em nós. E se ela não
confia em nós… Também não posso confiar nela. Então ela
fica aqui. Hanna, instale Tara no quarto de hóspedes. Eu já
vou dormir.
Sem uma palavra, saí da cozinha com uma piscada
para Tara. Ela estava vermelha, e diferente de antes, não
era vergonha.
Era raiva.
Capítulo 09
Tara Madison

Acordei com o coração aos saltos. Mãos tocavam


minha intimidade, mesmo que eu gritasse para que não o
fizessem. Então um homem sem rosto me sufocava e era
tão real, que sentia as mãos em volta da minha garganta,
mesmo depois de acordada. Sentei segurando minha
garganta, como se fosse possível retirar a mão invisível do
meu pescoço. Coloquei minha cabeça entre os joelhos,
porque via um início de ataque de pânico me acometer.
Controlei minha respiração e passei a contá-las, até enfim
conseguir respirar sem dificuldade. Quando me acalmei,
após alguns segundos, uma onda de choro me assolou, eu
me sentia sozinha e perdida. Chorei o mais
silenciosamente possível, tentando aliviar o peso que tinha
no peito.
Senhora Eva era um amor, não precisei de muito
para perceber o quanto ela era uma boa pessoa. Uma boa
mãe. Uma mãe como todas as mães deveriam ser. Como a
minha deveria ter sido. E então tinha Hanna, que me
ajudou em um momento em que ela também precisava de
amparo. Mesmo depois de tudo, ela tinha uma vibração
alegre e contagiante. Eu nunca tive uma amiga de verdade,
o mais próximo a esse título foi Amber, mas eu poderia
considerar Hanna uma amiga, facilmente.
Eu estava ansiosa porque precisava falar sobre a
minha família com Shield. Ele poderia ser um pouco
bipolar, hora suave, hora agia como um homem das
cavernas, mas principalmente, ele ignorou tudo e me
trouxe para sua casa, para junto de sua família. Eu
precisava retribuir toda a sua gentileza, por mais irritante
que ele fosse. Não poderia ser ingrata, e talvez, se ele
soubesse de tudo, poderia me ajudar a reajustar minha
vida.
Tinha colocado um dos pijamas que comprei no
shopping, um short e uma camiseta simples, branca. Saí
do quarto quando percebi que não voltaria a dormir tão
cedo e fui em busca de um copo de água. Quando passei
pela sala, percebi um abajur ligado e Shield estava sentado
meio deitado no sofá, olhando em direção à janela.
Tropecei um pouco, incerta, sem saber se
continuava o meu caminho ou voltava para o quarto.
Enquanto eu pensava, ele virou seus olhos azuis em
direção a mim. Sua barba estava crescendo imperfeita, e
novamente, ele estava sem camisa, mostrando todas as
suas tatuagens e seu corpo forte. Desviei os olhos,
envergonhada, embora não estivesse totalmente claro, eu
sabia que ele sabia que estava olhando o corpo dele.
De novo.
— Hum… Eu, eu estava só indo pegar um copo de
água.
Ele assentiu positivamente, mas não pareceu dar
muita importância. Fui à cozinha, peguei um pouco de água
e tomei. Era ridículo que eu ficasse tão nervosa na frente
dele. Era só um homem. Sem camisa, tatuado, bonito, que
tinha salvo minha vida, mas ainda assim, era só um
homem. Bati em meu rosto pelo menos três vezes e me
muni de coragem. Na volta, ele estava do mesmo jeito, e
eu ia passando direto, quando parei e pensei que poderia
ser uma oportunidade de conversar com ele. Após alguns
segundos parada como uma lerda, resolvi que seria o
momento.
Me aproximei, apreensiva, até que ele voltou seus
olhos azuis para os meus, que me seguraram quase
fisicamente ali. Esse homem era intensidade pura.
— Eu preciso… Falar com você. — Comecei
baixinho.
— Fale. — Ele disse concordando, em sua mão
havia uma bebida, provavelmente uísque.
— Madison.
— O que? — Ele me olhou, confuso.
— Tara Madison, 19 anos, filha de Thomas Madison.
— Alguns minutos depois o reconhecimento passou por
seu rosto. — Sim, o senador.
Em seu semblante, vi todas as emoções. Ele não só
conhecia meu pai, como o odiava. Shield levantou em um
salto e eu me afastei alguns passos.
Eu não tinha medo dele, o que era estranho, pois depois de
tudo, eu deveria ter medo, mas ele me passava…
Segurança. Mesmo quando estava nervoso.
— Você sabia que seu pai é um filho da puta que
trabalhava com o antigo Pakhan da máfia russa, facilitando
o tráfico de mulheres e crianças dentro do nosso país?
Meu coração encolheu no peito com sua explosão,
porque não, eu não sabia. Eu tinha ciência de que meu pai
tinha negócios obscuros, e sabia também que se o cartel
tinha me levado não era por nada. Era uma tentativa de
vingança contra meu pai, eles só não contavam que meu
pai não se importaria. Mas ele estar ligado a um negócio
tão nojento? Ativamente? Não, eu não sabia. Embora não
duvidasse. Ele pareceu se acalmar um pouco quando
disse.
— Me desculpe, você não tem culpa de nada disso.
— Ele passou as mãos pelo cabelo que era grande em
cima e liso e ficou de costas. — Você tem noção do quanto
isso complica as coisas?
O pavor tomou conta de mim quando me vi dizendo
apressadamente:
— Por favor, não me entregue ao meu pai. Eu… Eu
estou confiando em você. Tenho medo de que o cartel me
leve novamente, só quero viver a minha vida em paz. Por
favor, Benjamin.
Ele virou-se para mim, a boca levemente aberta em
uma expressão surpresa. Achei que brigaria comigo por
chamá-lo pelo nome, uma vez que só vi Hanna e a senhora
Eva chamá-lo assim, mas ele não me corrigiu, não disse
nada. Só ficou ali, me olhando como se não soubesse o
que fazer comigo. Era um grande negócio? Dizer o nome
dele?
Após alguns segundos ele se aproximou, embora
não muito. Olhou em meus olhos e deu um meio sorriso,
um meio sorriso que eu estava gostando demais para o
meu próprio bem.
— Certo, Tara. Eu não vou entregá-la ou fazer
qualquer coisa que atrapalhe seus planos. Mas quero algo
em troca.
Sua voz era rouca e suave, e um monte de ideias
sujas inundaram minha mente. Imaginei que classe de
troca ele iria querer, enquanto meu coração acelerava.
Fiquei ciente do ambiente, o calor do seu corpo abraçou o
meu, mesmo que não me tocasse, e minha respiração ficou
levemente alterada.
— Q-Que tipo de… De troca?
Ele não respondeu de imediato. Seus olhos estavam
intensos e diretamente nos meus, ele abriu a boca e por
um mísero segundo achei que ele me beijaria. O que era
uma loucura. Ele se aproximou mais e disse.
— Quero que faça algo por mim.
Minha voz tinha sumido. Eu esqueci como articulava
a palavra “o que” então não me arrisquei a dizer nada. Ele
chegou bem perto do meu ouvido, meu coração batendo na
garganta, a sensação de não entender merda nenhuma
tomando conta de mim, e pior, a sensação de não estar
achando ruim. O cheiro de couro e homem tomando conta
do meu espaço.
— Terapia.
Ele disse e se afastou, voltando a se sentar no sofá.
À medida que ele se afastava, eu me lembrava como era
respirar e só então eu dei a devida atenção para a resposta
dele. Terapia?
— Terapia? — Eu perguntei em confusão.
— Sim. — Ele tinha um sorriso arrogante no rosto.
— Por quê? — Eu ainda estava confusa.
— Eu ouvi. — Meu coração acelerou.
— Ouviu o que? — Perguntei um pouco mais firme.
— Seu pesadelo. Você precisa de ajuda profissional,
se quiser ter uma vida saudável.
— Mas eu n…
— Eu vou cuidar da parte financeira.
Ele era um controlador. Ocorre que eu estava
cansada de ser controlada. Eu já tinha sido controlada a
vida inteira e não começaria uma nova vida com alguém
me dizendo o que eu deveria fazer. Precisava da ajuda
dele e era grata, mas eu colocaria limites porque, no fim
das contas, não tínhamos nenhuma relação. Eu nem sabia
se éramos amigos.
— Então eu também tenho uma condição. — Disse
arqueando uma sobrancelha.
— Você não está com esse poder, Princesa. —
Respondeu rindo.
— Eu quero trabalhar no bar. — Eu continuei como
se ele não tivesse jogado uma verdade na conversa. Eu
realmente não tinha poder algum.
— De jeito nenhum. — Sua expressão foi de
divertida a furiosa em um segundo.
— Eu moro aqui, faço terapia, mas eu pago a minha
terapia com um trabalho. No bar.
— Que parte do “não é lugar para você” que não
entendeu?
— Preste atenção, Benjamin. — Seu nome
novamente o fez erguer as sobrancelhas. — Eu saí de uma
vida de controle e não vou cair em outra, por mais bem
intencionado que você seja. Eu quero trabalhar e eu vou.
Se não for lá, será em outro lugar. Se isso for um problema
para você eu vou embora agora mesmo.
Eu esperava de coração que ele comprasse o meu
blefe. Porque, óbvio, eu não tinha ideia do que fazer se ele
me pedisse para ir embora. Estava em uma cidade
estranha, sem dinheiro e sem documentos. Mas eu me
agarrei à esperança de que, se ele não queria que eu
trabalhasse no bar por segurança, ele também não iria me
querer nas ruas. Era fraco o argumento, mas era o que
tinha. Todavia ele, que antes ostentava uma aparência
furiosa, agora tinha aquele meio sorriso no rosto.
— O que é engraçado? — Me irritei ainda mais.
— Você, Princesa. Você e essa atitude insolente.
— Eu pediria desculpas, mas você é muito irritante.
Agora ele me deu um sorriso largo. E meu coração
derreteu um pouco.
— Você quer trabalhar, tudo bem. Vamos arrumar
algo para você. Mas esqueça, não será no bar.
Olhei para a janela, frustrada, percebendo que tinha
começado a chover. Gotas cada vez mais grossas batiam
no vidro e eu me aproximei para ver melhor, uma
lembrança tomando conta dos meus pensamentos. Meu
pai agredindo minha mãe, bêbado, em uma noite chuvosa.
Então eu tentei interferir para que ele parasse, no auge dos
meus treze anos. Ele me jogou na janela e eu fiquei
olhando a chuva enquanto minha mãe suplicava para que
ele parasse. Eu não queria ver, então olhava para a janela
e me concentrava nas gotas de chuva para não escutar
nada. Com o passar do tempo, eu entrava no meu quarto e
escutava música para não ouvi-los. Minha mãe nunca
lutou. Doentiamente, ela aceitava as migalhas do meu pai e
descontava todas as suas frustrações em mim.
Eu faria o que fosse preciso para não voltar a viver
com eles. Sei que, se soubessem onde estou, usariam de
todas as armas para me enrolar na teia deles novamente.
Para manterem o controle sobre mim.
Eu não precisei me virar para sentir que Benjamin se
aproximava.
— Amanhã, quando você acordar, conversaremos
sobre suas habilidades e o que poderia fazer. E vamos
atrás de tirar seus documentos, pois se quer trabalhar,
precisará deles. Então vamos à procura de uma terapeuta.
De preferência, a de Hanna. Tudo bem assim?
Eu me virei, chocando-me com o seu olhar e com o
quão próximo estávamos. Ele era um homem das cavernas
mandão. Ele era controlador, um criminoso. No entanto, ele
tinha salvo a minha vida e todos os seus desmandos até o
momento, foi pensando no meu bem. Foi priorizando o meu
bem estar. As horas que passei em sua casa foram as mais
pacíficas de toda a minha vida, o vilão na verdade era o
meu herói. E talvez por isso, e somente por isso, me vi
concordando com ele, me afastando e indo para o quarto
que, por um tempo, seria meu.
Capítulo 10
Shield

— Boba, coloque a calça de volta, você estava linda.


— Hanna disse, animadamente. Era nesses momentos que
eu me firmava na decisão de ter trazido Tara para casa.
Hanna não entrou em contato com suas amigas e nas duas
vezes em que minha mãe perguntou, ela só balançou a
cabeça negativamente. Nosso medo era ela se isolar, mas
hoje acordei com sua risada alegre. Risada essa que
aqueceu meu peito.
— Não está estranho? — Tara perguntou
timidamente.
— Você fala como se nunca tivesse colocado um
jeans.
O silêncio que transcorreu me fez parar no corredor.
Estava voltando da cozinha depois do meu café, e
passando em frente ao quarto de Tara, que se arrumava
para que fossemos ajustar algumas coisas, e escutei minha
irmã e ela. Mas o assunto me chamou a atenção.
— Ah, você não pode estar falando sério! Nunca
vestiu um jeans? Que tipo de pessoa nunca vestiu um
jeans?
O silêncio continuou e eu poderia sentir o
constrangimento de Tara, mesmo que não estivesse vendo.
Minha vontade era ficar parado e escutar o restante da
conversa, mas continuei o meu caminho até meu quarto,
escutando Hanna dizer que sentia muito. A pergunta de
Hanna continuou martelando em minha mente, porque, de
verdade, quem nunca vestiu um jeans? Jeans era básico.
No entanto, Tara era tudo menos básica.
Porra! 19 anos!
Eu não mentiria para mim mesmo, estava atraído
por Tara. Ela tinha uma boca linda, sardas salpicadas no
nariz, um cheiro delicioso e toda uma delicadeza que me
tirava do eixo. Eu era um homem experiente, conhecia o
desejo quando o via, e Tara me desejava, assim como eu a
ela. Mas ela era uma menina, escutar de seus lábios seu
sobrenome e sua idade, foi o suficiente para manter e
fortalecer a minha determinação de mantê-la perto o
bastante para a proteger e longe o suficiente para não me
envolver.
Tara tinha toda uma ânsia de viver e eu não seria o
cara a atá-la a mim. Porque eu não tinha meio termo e Tara
jamais seria uma foda. Ele merecia mais, merecia o que eu
não poderia dar a ela nem a ninguém, não tão cedo. Ela
me chamou pelo nome. Outra pessoa eu corrigiria, até
porque, quem é Tara para mim? Minha irmã e minha mãe
me chamavam assim, mas elas são a minha família. Tara?
Eu não fazia ideia. Mas não consegui corrigi-la. A verdade
é que eu queria ouvi-la falar meu nome mais vezes.
Tomei um banho, me vesti e saí do quarto. Meus
olhos se chocaram com Tara, de calça jeans e uma blusa
de manga longa, embora deixasse um ombro à mostra.
Desviei os olhos antes que parecesse um idiota por conta
de um ombro. Seu cabelo era castanho em uma primeira
olhada, mas tinha reflexos quase avermelhados quando o
sol batia. Quase não parecia real. Ela tinha algumas
pintinhas espalhadas pelo pescoço e colo, dando um
charme especial e angelical, destacando a pele de
porcelana.
— Bom dia.
— Bom dia. — As três responderam.
Minha mãe retirava a mesa, Hanna ainda estava de
pijama e Tara sorria de algo que minha mãe contava.
— Se você já terminou, vamos.
— Claro. Estou pronta.
Tara se levantou e juntos, sob os olhares atentos de
Hanna e Eva, fomos para o estacionamento. Quando
chegamos, fui para o meu carro, e ela, distraidamente
perguntou.
— Não sabia que tinha um carro.
— Tenho, só não o uso com frequência.
E também era uma forma de não tê-la tão perto.
Então, seguimos o caminho para retirar seus documentos.
Ela preferiu não mudar de nome, mesmo correndo o risco
de ser localizada pelos pais. Com a questão dos
documentos resolvida, passamos em uma cafeteria, na
esquina do meu condomínio, onde Liana, uma amiga de
longa data, era proprietária.
Entramos, Tara ao meu lado, olhando curiosamente
tudo ao seu redor. A cafeteria era frequentada
principalmente por universitários e quando vi a olhada que
um grupo de garotos engomadinhos deu para Tara, quase
dei meia volta e a levei dali. Era um sentimento irracional,
pois aqueles garotos eram exatamente o tipo que ela
precisava, para sair e curtir, mas apenas o pensamento
torcia meu estômago.
— Bom dia, querida. Liana está? — Perguntei a
atendente.
— No escritório.
— Tara, me aguarde aqui, eu já volto.
— Okay. — Ela respondeu e se sentou perto do
balcão.
Dei uma olhada para a mesa dos garotos e quando
perceberam que eu os via, desviaram os olhos. Melhor. Na
porta de Liana, dei duas batidas e entrei. Liana levantou os
olhos e, quando me reconheceu, sorriu.
— Ora, ora. Shield, o que faz aqui?
— Como vai, Liana. — Me aproximei e dei-lhe um
abraço caloroso. Liana era uma amiga do colegial e foi
namorada de um dos meus melhores amigos. Ambos
namoraram por anos até que ele faleceu em um acidente
de carro. Ela nunca o superou completamente, e embora
eu sempre diga que ela precisa sair e se divertir, ela focou
todas as energias no trabalho. — Eu preciso de um favor.
— Espero que seja algo legal, Shield. — Eu me
contive revirando os olhos.
— Quero que empregue uma garota.
Liana me olhou com interesse, um lápis na boca e
deu uma semi rodada em sua cadeira. Ela estava curiosa.
— Isso é interessante. Quem é a garota?
— É uma longa história que não é minha para
contar. — Liana voltou toda pose de negócios.
— Mas se vou contratá-la preciso saber quem é. —
Suspirei frustrado porque ela estava certa, mas eu não
contaria uma história que não me pertencia.
— Você confia em mim?
— Você sabe que sim. — Disse com olhos sérios.
— Então a contrate.
Liana pareceu pensar por alguns segundos. Olhou
para a janela do escritório e eu vi quando ela se
convenceu. Ela faria isso por mim e eu estava aliviado, pois
era um local seguro para Tara, embora Liana fosse linha
dura.
— Traga-a aqui.
Com um olhar agradecido, fui me encontrar com
Tara e dei sinal para que viesse ao meu encontro.
Franzindo o cenho em confusão, ela entrou no escritório e
olhou para Liana.
— Bom dia. — Tara disse, docemente.
— Seu nome? — Liana disse direta, enquanto
olhava Tara dos pés à cabeça.
Tara me olhou e eu a encorajei. Ela enfim,
respondeu.
— Tara Madison.
— Você é maior de idade?
— Tenho 19.
— Vou precisar de você no turno da tarde, até o
fechamento. A vaga é para o caixa. Você tem alguma
experiência?
Tara abriu e fechou a boca pelo menos duas vezes,
olhando entre mim e Liana, quando se deu conta de que
era para trabalhar. Seus olhos se iluminaram de felicidade
e excitação.
— Eu sou boa com números.
— Certo, Tara. Pode começar amanhã o seu
treinamento?
— Claro! Muito, muito obrigada!
Tara parecia uma criança, com toda a animação por
conseguir um trabalho. Acertou os últimos detalhes e
quando saímos da cafeteria, ela me deu um abraço
impulsivo. Seu corpo se encostou ao meu e um choque de
reconhecimento foi direto para o meu pau. Eu estava
parecendo um adolescente perto de Tara, mas sua
suavidade, seu perfume, sua delicadeza, eram como um
afrodisíaco para mim. Afastei-a antes que passássemos
por algum constrangimento, mas pelo rubor em sua pele,
ela havia sentido o que sua proximidade fazia comigo.
Foda-se se ela não era linda.
— Me desculpe… Eu, eu só queria agradecer. Por
tudo. Você fez mais por mim do que qualquer pessoa que
eu já conheci.
Seu discurso era tão genuíno que eu me vi
perguntando novamente que tipo de vida essa garota teve.
Porque, por mais que tudo nela exalasse classe e
sofisticação, ela parecia carente de afeto e abraço. Uma
presa fácil para qualquer marmanjo mal intencionado.
— Eu entendi. Não precisa agradecer.
Falei sem jeito, queria entrar logo no carro e chegar
em casa. Eu era um homem adulto, pelo amor de Deus,
não deveria de forma alguma ficar excitado pelo abraço de
uma virgem. Precisava transar, era isso que eu precisava.
De uma mulher. De boceta, para tirar esses pensamentos
persistentes da minha mente.
Quando chegamos à minha casa, animadamente,
Tara foi falar com Hanna e minha mãe sobre o emprego e
eu fui para o refúgio do meu quarto. Estar atraído por Tara
e morando no mesmo teto seria um desafio. Precisava me
manter o mais distante possível, ela era uma garota
traumatizada e que precisava de ajuda. Eu não me
aproveitaria dela, de forma alguma.
Determinado, me despedi das mulheres que agora
ocupavam minha casa e fui para o Clube. Dormiria lá por
essa noite e por mais algumas, até que voltasse a ter
controle sobre mim mesmo.
Passei o dia colocando minhas obrigações em dia,
agora que Hanna estava segura e eu poderia respirar. No
final do dia, Cold bateu em minha porta avisando que
teríamos Igreja. Quando nos reunimos, Storm tomou a
palavra.
— Suarez mandou um recado. — Nos encarou
seriamente. — Retaliação.
— Que recado? — Leon perguntou sem traços de
seu habitual humor ácido.
— Matou um dos nossos prospectos. O recado foi
escrito no abdome e tórax... Com uma lâmina.
Os homens xingaram em voz alta e uma
animosidade tomou conta do ambiente. Claro que Suarez
iria retaliar. Atacamos sua fortaleza, seu lugar, embaixo de
seu nariz. Acontece que a nossa parte não estava
finalizada. Nós só tínhamos começado.
— Vamos reforçar nossa segurança e, Shield,
vamos colocar um prospecto com Hanna. E também temos
que interrogá-la, ela ficou diretamente com Suarez e pode
saber alguma informação que nos coloque um passo à
frente.
— Minha irmã não falou nada até agora e ela era
prisioneira, Storm! Você não vai chamá-la aqui para gritar
com ela! Hanna passou o suficiente! Disse me exaltando,
levantando da cadeira.
— Eu vou relevar seu ataque, mas desde já coloque
a cabeça no lugar. Você também tem responsabilidades
aqui e, se quiser continuar tendo condições de protegê-la,
precisa colaborar!
Me sentei tentando controlar a minha fúria. Estava
nervoso por inúmeros motivos, precisava colocar a minha
cabeça no lugar.
— Ela ficará assustada. — Disse, por fim.
— É necessário. Farei o mesmo com Vivian. — Ele
disse se sentando também.
— Vamos precisar colocar alguém com Tara
também. — Falei, me lembrando que ela começaria a
trabalhar e precisaria de proteção.
— Ela não é nossa responsabilidade. — Storm
disse.
— Agora é. Ela está em minha casa, andando com
minha mãe e irmã.
Storm cerrou os olhos, e eu sabia que ele queria me
dar uma reprimenda, mas foda-se ele. Não abriria mão da
segurança de Tara, não me importa que isso me fizesse
comprar uma briga com ele.
— Você está pegando problemas com as próprias
mãos, Shield. Ela pelo menos disse quem é? — Ele disse
após alguns segundos me encarando.
— Sim. — Eu falei, por fim.
— E? — Cold interferiu.
— Ela é filha do senador Thomas Madison. —
Esperei o mundo cair na reunião.
— Puta que pariu! Você tem noção do que isso
implica, porra? — Storm gritou, dando um soco na mesa.
— O pai dela é poderoso, pode protegê-la. — Cold
disse com mais calma.
— O pai dela foi o único a colocá-la na situação em
que estava. Ela me pediu proteção, eu prometi que daria.
— Disse no mesmo tom.
— Tem certeza que é só isso? — Cold era um filho
da puta esperto demais para seu próprio bem. Ele tinha um
jeito frio e desinteressado, calmo na superfície. Até
simpático. Mas já o tinha visto em ação. Era letal.
— Sim, eu tenho. — Disse com firmeza.
— Mantenha a cabeça no lugar, Shield. — Disse,
por fim.
Após o encerramento da reunião, passei pelo bar do
clube e vi Scarlett. Ela era uma mulher bonita em todos os
sentidos que importava. Eu sabia que só precisava me
aproximar e ela me satisfaria, mas por algum motivo, não
me animei. As coisas estavam confusas, tomar partido em
uma guerra me fez o mais atingido. Não me arrependia.
Dimitri era um veneno para a humanidade, minha irmã foi
apenas mais uma vítima do sistema que ele alimentava.
Sem ânimo para mais, e sem coragem de ir para a
minha própria casa, fui em direção ao meu quarto no clube.
Tomei um banho e me deitei na cama, nu, fechando os
olhos e quando minha cabeça bateu no travesseiro em
pura agonia.
Porque foda-se, mil vezes foda-se.
O travesseiro tinha o cheiro de Tara.
Capítulo 11
Tara Madison
02 meses depois

— Nelly, a mesa cinco ainda não foi atendida.


— Indo, obrigada, Tara.
Pink Coffee ficava super lotado esse horário, era
uma loucura. Olhei para o relógio e já eram 20h00.
— Nelly, a placa. — Nelly correu e virou a plaquinha
na porta para fechar.
Nelly era uma funcionária que tinha entrado depois
de mim, há um mês. Era meio maluquinha, tinha o cabelo
rosa, meio barulhenta e escandalosa, mas tinha um bom
coração. Hoje eu completava exatamente dois meses no
Pink Coffee, e agora poderia dizer que estava gostando
muito. Liana, minha patroa, não era uma pessoa muito fácil
de lidar. Temperamental e exigente, uma combinação que
me fez quase desistir em vários momentos. Eu chorei,
quando errei o troco e ela me chamou a atenção
duramente, mas aprendi. Posso dizer até mesmo que
estava ficando durona como ela. Mais ou menos.
Eu continuei atendendo aos que restavam até me
deparar com Hanna. Ela me deu um sorriso largo, do seu
jeito espontâneo e sincero, que me vi sorrindo de volta.
Amber era para mim como uma irmã mais velha, mas
Hanna… Hanna era uma amiga. Eu já a considerava
assim. Viramos uma espécie de âncora uma para a outra.
— Hoje nós vamos sair. — Ela disse animadamente.
— Sair?
— Sim. Então termine isso logo.
Eu sempre me preocupava quando Hanna dizia algo
assim. Ela era uma alma livre enquanto eu era uma alma
presa. Mesmo com todos os nossos fantasmas, ela se
arriscava e eu recuava, era a dinâmica da nossa amizade.
— Não sei se…
— Escute, Tara! Precisamos superar… Precisamos
ser mais fortes. Estamos seguras aqui em Richmond, por
mais que eu não concorde com a vida que meu irmão leva,
eles nos salvaram. — Ela perdeu a seriedade e me deu um
sorriso. — Já foi em uma boate?
— Não. — Eu disse quase me rendendo.
Hanna era mais corajosa que eu. Eu sabia que seu
tormento era maior, escutava seus pesadelos, sabia os
dias em que a terapia não tinha sido a melhor, mas ela
lutava todos os dias contra seus demônios. Ela não se
rendia e eu me via cada dia mais admirada por sua força.
Era uma inspiração.
— Por favor, Tara. Vamos comigo, eu preciso… — Ela
fechou os olhos. — Eu preciso me sentir como eu
mesma, novamente.
Sua vulnerabilidade quebrou meu coração. Mesmo
sentindo medo e ao mesmo tempo, excitação, me vi
concordando. Nada aconteceria, Jace, um dos homens que
trabalhavam com Benjamin, estava comigo o tempo todo.
Benjamin… Tem estado distante. Embora, em momento
algum tenha me feito desconfortável, visto que estou em
sua casa. Mas ele passa grande parte do tempo em seu
clube ou mesmo na estrada. Se eu fosse neurótica, poderia
achar que ele estava me evitando. O que é uma loucura,
pois não há motivo algum para que ele me evite.
— Okay, Hanna. Vamos.
Ela soltou um gritinho animado e me deu um beijo
estalado no rosto por cima do balcão que nos separava, o
que me tirou um sorriso. Eu não era adepta a abraços e
beijos, mas com Hanna era difícil manter a distância. Eu a
adorava assim. A terapeuta tinha dito que era um novo
começo para mim, que eu deveria ampliar meus horizontes
e fortalecer os vínculos que tenho construído.
Eva também tem sido fundamental nesse novo
começo. Ela tem por mim o mesmo carinho e preocupação
que tem com os filhos. Nunca me deixa sentir uma
estranha e eu sou muito grata por estar conhecendo afeto
verdadeiro. Mesmo quando está em Frankfort ela me
manda mensagens engraçadas, fotos de sua cidade, suas
flores e faz planos para quando eu for visitá-la.
Terminei meu turno e, junto com Hanna, tendo Jace
e Peter no nosso encalço, voltamos para o apartamento.
Na maior parte do tempo éramos eu e Hanna.
Já no apartamento, Hanna vestiu uma saia de couro
hiper reveladora que a deixou gostosa e um cropped
vermelho, combinando com seus lábios. Ela estava, uau.
Eu coloquei um vestido justo marfim, com alças e acima do
joelho. Era sensual, na medida. Não queria chamar muito a
atenção para mim.
Com botas no tom do vestido e uma carteira de mão, olhei
para Hanna que reprovou meu rabo de cavalo.
— Solte esse cabelo maravilhoso que você tem,
Tara.
— Acho melhor…
Mas ela veio atrás de mim e puxou o prendedor
antes que eu concluísse minha fala. Meu cabelo caiu em
minhas costas e realmente, quando ela me virou para o
espelho, eu quase não me reconheci. O conjunto de cabelo
solto com vestido e as botas me deixaram bem. Mais que
bem. Um pouco mais animada, Hanna pegou a chave do
carro. O carro de Benjamin.
— Seu irmão sabe que você está usando o carro
dele?
Ela só me deu um sorriso, mas não respondeu. O
que para mim, era o mesmo que não. Ignorei o sentimento
ruim que me deu e acompanhei Hanna. Quando eu olhava
muito para o seu rosto, eu poderia ver a sombra, aquela
sombra, que vi no dia que a conheci. Me ocorreu então que
Hanna estava tentando provar algo a ela mesma e
novamente, me preocupei. Quando nos aproximamos do
que supus ser a boate e que tinha um letreiro enorme
escrito “QUEEN”, segurei sua mão.
— Estou preocupada com você.
— Tara, por favor. Eu preciso fazer isso. Nós só
vamos dançar um pouco e então vamos embora.
Minha consciência lutou bravamente com meu
coração, porque eu não vi em seu rosto uma mulher de
vinte e dois anos. Eu vi uma menina machucada e perdida.
E mesmo assim, me vi saindo com ela do carro e
acompanhando seus passos. Chegamos, entramos e eu
me vi olhando para cada canto da boate, um pouco
assustada e muito, muito animada, agora que a música
ressoava e corpos dançavam livremente. Hanna vibrava ao
meu lado e isso tranquilizou meu coração. Talvez não fosse
assim, tão má ideia ter vindo e eu tivesse me preocupado
por nada.
Chegamos ao bar e eu pedi um refrigerante,
enquanto Tara pediu algo com álcool e frutado. Mesmo que
pudesse beber, eu não beberia, não vendo que Hanna
estava bebendo. Tinha muito medo do que poderia
acontecer se ambas estivéssemos bêbadas.
Ela me puxou para a pista e começamos a dançar.
No início eu estava um pouco travada, mas logo me deixei
contagiar por tudo em minha volta. Em poucos segundos
estávamos ambas pulando e cantando a música a plenos
pulmões. Dois caras se aproximaram de nós e eu fiquei
desconfortável. Diferente de mim, Hanna continuou
dançando, se mexendo. O cara era atlético, bonito até
onde eu poderia dizer sob as luzes e a música. Fiquei por
perto para saber se ela iria dispensá-lo, mas ela não o fez.
Foi a minha deixa para voltar ao bar e terminar minha
bebida, dispensando educadamente o outro que, apesar de
bonito, eu não queria proximidade.
Em um dado momento Hanna começou a beijar o
cara na pista. Até então eu estava tranquila, pois ela
pareceu estar curtindo. Logo, o beijo ficou estranho. Ela
afastou o homem e começou a falar energicamente com
ele. Não dava para ter certeza, pois havia muitas pessoas
que impediam minha visão clara e a iluminação não
colaborava.
Em um impulso, me levantei e fui direto para onde
ela estava. Hanna tinha as duas mãos em seus ouvidos e
gritava para que o homem não a tocasse, uma expressão
aterrorizada. Algumas pessoas se afastaram dela e o cara
estava segurando seu braço, a questionando. Achei que
ele a estava machucando então dei-lhe um empurrão,
todavia ao olhar em seu rosto, percebi que estava confuso
e preocupado.
— Solte-a! — Eu gritei.
Foi um caos.
Um caos total.
Um homem grandalhão que dançava com outra
menina, próximo a nós, entendeu que o rapaz tinha
machucado Hanna e o empurrou, querendo bater nele,
xingando. O cara apreensivo, tentava se explicar.
— Eu não sei o que aconteceu… Achei que ela
estava curtindo. — Ele disse com os olhos arregalados de
medo, enquanto segurava Hanna.
— Você não sabe que não é não, cara? — O outro
gritou e já fechou o punho, enquanto a outra mão segurava
pelo colarinho.
— Pare, pare. — Eu gritei.
— Como, pare? Ela está chorando, esse otário a
machucou. — Ele disse, virando-se para mim.
— Não, por favor, deixe-o. Eu vou cuidar dela, pode
deixar. — Eu não sabia mais o que falar para explicar.
O que dançava com Hanna aproveitou a interrupção
e sumiu de vista e eu procurei desesperadamente por Jace
ou Peter. Eles sempre nos seguiam.
— Tem certeza de que ela está bem? — O cara voltou a
perguntar. Hanna tremia enquanto eu tinha meus braços
em volta dos ombros dela, embora já não gritasse. Eu
sabia que era uma péssima ideia. Dei-lhe uma negativa,
mas eu queria mesmo era chorar ao vê-la naquele estado.
Jace e Peter se aproximaram, olhando
ameaçadoramente para o cara que nos ajudou, Peter
tentou segurar Hanna, mas ela se negou e quase
recomeçou a gritar. Ela estava em choque e eu precisava
tirá-la dali. Era interessante como cada um reagia ao seu
trauma. Eu e Hanna passamos por situações quase
semelhantes, mas enquanto ela reagia com ação, eu
reagia com a falta.
— Deixe que eu a ajudo. Só nos tire daqui, por favor.
Chegamos ao carro e o trajeto até o apartamento foi
feito em silêncio. Eu não sabia exatamente o que tinha
acontecido, mas tinha quase certeza que Hanna tinha ido
além de seus limites. Ela estava com a expressão fechada
e calada. Quando entramos no apartamento, eu a ajudei a
se trocar e se deitar. Dei um dos remédios que o terapeuta
receitou quando tive dificuldade para dormir e ela logo
apagou. Tudo silenciosamente.
Saí do quarto de Hanna, suspirando cansada, para
dar de cara com um motoqueiro gigante e bufando como
um touro. Era a primeira vez que via Benjamin bravo. E
comigo. Pelo jeito era comigo.
— Oi…
— O que você estava pensando ao querer levar a
minha irmã para uma boate? — Ele latiu, segurando meu
braço e me levando para a sala. Eu fiquei tão sem reação
que mal consegui articular uma palavra. — Eu espero que
seja a última vez que você faça algo assim! Se você se
apresentar novamente como uma ameaça à minha irmã, eu
lavo as minhas mãos com você.
Ele falou essas palavras muito próximo ao meu
rosto, e sua proximidade era tão intoxicante que quase me
fez perder o significado de sua fala. E foi como um chumbo
em meu estômago. Acredito que ele deve ter visto a mágoa
em meus olhos, porque diminuiu a pressão em meu braço
e vi uma ponta de remorso em seu olhar. A última conversa
que tivemos, particular, foi há quase dois meses, na minha
primeira noite na casa. Depois disso, foram cumprimentos
desajeitados e conversas gerais, então eu ainda estava
desconcertada com a sua abrupta proximidade. Eu não era
nada dele nem para ele, então não deveria doer tanto a
forma como ele estava falando comigo agora.
— Você terminou? — Eu perguntei calmamente,
embora eu pudesse sentir meus olhos marejados. Eu não
iria chorar, não iria, repeti mil vezes o pensamento. Shield
não desmanchou a carranca, mas quando tentou dizer, o
tom já não era tão duro.
— Tara…
— Não se preocupe, amanhã eu vou dar um jeito de
arrumar um lugar para mim. — Estava surpresa com o
quanto minha voz estava firme, quando por dentro eu me
sentia quebrando.
— Tara… — Ele suavizou e eu dei um passo para
trás, para mais longe.
— Era só isso?
— Eu não quis dizer isso dessa maneira. — Ele
respondeu, passando as mãos pelo rosto. Parecia
atormentado.
— Era só isso, Shield? — Ele parou e olhou para os
meus olhos, chocado.
— Oh, foda-se. — Ele disse mais para ele do que
para mim, com as mãos na cabeça e virando-se de costas.
Eu dei a conversa por encerrada.
— Com licença.
Calmamente, me afastei e fui para o quarto, mas
antes que eu fechasse a porta sua mão me parou.
Novamente, me trazendo um flashback do dia que ele me
salvou e tivemos nossa primeira conversa.
— Não me dê as costas, Tara.
Eu fiquei irada. Ele ainda tinha o disparate de me
cobrar algo? Depois de me tratar como merda? De jeito
nenhum.
— Ou o que? Vai me dizer que esse quarto é seu e
por isso não me dará privacidade?
— Eu nunca…
— Então saia, Shield. Amanhã você pode até dormir
aqui se quiser porque eu, com certeza, estarei longe.
A tempestade se formou em seu rosto e eu vi
quando ele perdeu a paciência. Depois de toda a violência
que eu sofri, deveria ter medo dele. Da forma assustadora
como ele me olhava agora.
— Droga! Me desculpe, porra! Eu me assustei pra
caralho quando soube…
— Tchau, Shield. Você perdeu a oportunidade de
conversar sobre o que aconteceu quando simplesmente
me julgou e gritou comigo. Boa noite. — Minha voz soou
mais enérgica.
Sem cerimônia eu bati porta em seu rosto. Fiquei
olhando para a porta por uns bons quinze segundos,
esperando que ele abrisse ou voltasse a bater, porém ele
não fez. Escutei seus passos se afastando e finalmente
respirei fundo.
Quem ele pensava que era? Ele poderia ter sim,
salvo a minha vida, mas eu não ficaria aqui deixando que
ele fosse injusto comigo. Eu já tinha sido humilhada o
suficiente em minha vida. Também não colocaria a culpa
em Hanna, ela já tinha muito com o que lidar. Me sentei
frustrada, tão frustrada e brava, que não consegui chorar.
Coloquei uma camisola de algodão, uma calcinha
confortável, retirei a maquiagem e me deitei. Só então me
lembrei do meu telefone. Ele estava na minha carteira de
mão. Na sala. Eu precisava procurar algum lugar para ficar
e ainda não tinha um computador, só o meu celular.
Também não tinha muito para um lugar, mas falaria com
Liana, talvez ela me ajudasse. Era minha única opção.
Encorajada, me levantei e pé a pé, fui até a sala,
onde não tinha ninguém. Com um suspiro aliviado, andei
mais tranquilamente até a minha bolsa. Quando girei para
voltar ao quarto, novamente me deparei com músculos. E
logo mãos me firmaram no lugar, mãos grandes em minha
cintura. Benjamin agora estava sem camisa. Eu queria me
chutar por achá-lo atraente, ele tinha sido um ogro comigo,
eu não seria aquela mulher que gosta de ser maltratada,
como minha mãe.
— Eu… Eu só vim pegar meu celular. — Falei com
as mãos suspensas no ar para não tocá-lo. Antes que ele
me soltasse, fez um pouco de pressão em minha cintura e
suspirou, mas não se afastou. Nem eu.
— Me desculpe, eu fui um idiota. — Sua voz era tão
suave, que nem parecia o mesmo de minutos atrás.
— Sim, você foi. — Eu não iria adoçar. Levantei os
olhos para seu rosto e ele sorriu levemente. Logo ficou
sério e atormentado. Levantou uma das mãos e passou por
uma mecha do meu cabelo. Tão carinhosamente que tive
vontade de fechar os olhos.
— Não vá embora. Eu sei que você vai passar por
apuros financeiros se sair daqui. Quero você em
segurança, Tara. É importante para mim que você fique em
segurança.
Uma parte de mim queria perguntar o porquê, mas
eu não tive essa coragem. Aqueceu meu coração escutar
dele que ele se importava. Mesmo que eu já soubesse e
que todos os seus atos provassem exatamente isso. Ele
me colocou em sua casa com sua família mesmo quando
eu me neguei a dar-lhe informações básicas, me arrumou
um emprego, um terapeuta… E muito mais importante, ele
me salvou de uma vida miserável, mesmo que não tivesse
a obrigação. E talvez, só por isso, eu tenha respondido.
— Tudo bem, Shield. Mas
Ele me olhou como se quisesse me dizer algo, mas
ainda não disse. Se afastou e foi como se eu pudesse
respirar novamente. Porque ele me asfixiava com toda a
sua intensidade alfa.
— Obrigado, Tara.
Ele saiu e eu caí no sofá quando escutei a porta de
seu quarto abrir e fechar. Meus pensamentos giravam e
giravam, porque se eu fechasse os olhos, ainda sentiria a
pressão das mãos de Shield em minha cintura. Sem que eu
controlasse, minha mente começou a fantasiar as formas
que ele poderia me tocar. Imaginei suas mãos ásperas em
minha pele nua, como seria se ele me beijasse… Eu senti
a umidade entre minhas pernas e meu rosto quente.
Jesus Cristo.
Me levantei em um pulo afobado abortando todas as
imagens sujas que tomavam conta de mim. Fechei os
olhos com força e desviei meus pensamentos, agora
agitada. Caminho perigoso. Fui em direção ao meu quarto
e escutei gemidos. Gemidos vindo do quarto de Hanna.
Sem pensar, bati uma vez na porta e entrei.
— Hanna... — Me aproximei. Hanna chorava. Ela
tinha tomado um remédio e mesmo assim, estava
acordada.
— Ah, Tara, me desculpe. Foi uma péssima ideia ter
saído. — Ela parecia miserável.
— Não se desculpe — Eu me aproximei e sentei ao
seu lado.
— Eu só queria… Voltar a me sentir como a velha
Hanna.
— Eu sei.
Eu respondi tristemente, sentindo minha garganta
trancar. Diferente de mim, que não queria nada da minha
velha vida, Hanna era uma garota normal. Que saia, se
divertia, tinha amigos, namorados.
— Eu entrei em pânico. Lembranças… — Eu a
abracei. Talvez, pela primeira vez, tenha sido eu a primeira
a tomar a iniciativa.
— Calma.
Após um momento, me deitei junto com Hanna.
Seus soluços logo se aquietaram e fomos envolvidas em
um sono tranquilo.
Capítulo 12
Shield

Nos últimos meses, coloquei em ordem todas as


pendências que tinha com o clube. Fui a uma reunião da
Aliança em Nova Iorque, fui pessoalmente assessorar
alguns carregamentos, viajei pelas subsedes dos Devils e
respirei trabalho, agora que Hanna estava em segurança.
E Tara.
— Você está com a cabeça longe. — Scarlett disse,
se sentando em meu colo, enquanto eu bebia meu Jack
Daniels no bar do clube. Hoje era dia de festa. Nas duas
últimas noites eu tinha tentado me divertir, mas essa merda
toda com a minha irmã deixava a sua marca.
— Estou bem aqui. — Disse segurando sua cintura.
Scarlett era divina. Olhos escuros, cabelo castanho, pele
morena e um sorriso fatal. Também dava conta de cada
capricho meu na cama, mas meu pau não deu um sinal de
vida.
— Não está, Shield. — Ela disse beijando meu
rosto.
Shield.
Shield, não Benjamin.
Foda-se! E assim, como uma maldição, eu estava
pensando na garota novamente. Era uma maldição de pau
do caramba. Passei dois meses dizendo que minha falta de
libido era por causa de todas as merdas, mas era uma
mentira, porque bastava eu sentir o cheiro do shampoo de
Tara ou sua loção pós-banho que impregnava em todo
lugar, ou ter um vislumbre da pele sedosa que eu ficava
duro como pedra. As duas vezes em que tentei me animar
com Scarlett foram frustradas e ela também já estava
sentindo isso. Porque sim, Tara estava sob minha pele e
não estava nem tentando.
Ela não tinha a menor noção.
— Eu sei que você se preocupou todos esses dias
com a sua irmã. Mas agora ela está bem, você deveria…
— Ela se levantou e pôs-se atrás de mim, massageando
meus ombros. — Relaxar. Vamos subir. — Beijou minha
orelha. — Eu prometo que vou fazer ser bom.
Olhei para Scarlett, uma das mulheres mais lindas
que já conheci e fodi, mas meu pau continuou morto em
minhas calças. Estava sim, me escondendo atrás do que
tinha acontecido com minha irmã, mas a verdade é que eu
estava sob algum feitiço por uma boceta virgem. Eu me
levantei em um susto e ela se animou.
— Hoje não, Scar. Estou indo.
Ela pareceu magoada, mas escondeu bem. Com um
aceno, saiu e eu fui para o meu quarto. Sozinho, mais uma
vez. Pensar em quem eu queria foder, mas jamais poderia,
o que não me impedia de fantasiar, mesmo que depois eu
me sentisse um merda.

No dia seguinte, resolvi voltar para casa no meio


tarde. Todas as vezes que fui para casa em dia de semana,
era muito tarde da noite e acabava dormindo com minha
irmã para passar tempo com ela. A situação de evitar Tara
estava me afastando de Hanna também porque ambas
estavam inseparáveis. Mas eu era um homem crescido e
teria controle sobre o meu próprio corpo. E mente.
Assim que abri as portas do apartamento, o primeiro
som que escutei foi a batida de uma música. E então, uma
voz suave e doce… A voz de Tara. Eu não era muito ligado
em músicas, mas ela cantava uma balada melancólica, My
Immortal de Evanescence, talvez a música fosse mais
velha que ela.
Parei na entrada da cozinha onde ela cantava, e sua
voz somada com a força da letra e melodia fez meu interior
vibrar. Eu me arrepiei. Porra, Tara cantava e cantava muito
bem. Foi quase impossível dizer algo em voz alta, porque o
momento era sublime e eu só queria estendê-lo o máximo
possível. Ela usava um short de pijama e uma camiseta
branca. Só a visão de suas pernas nuas já deixava minha
boca salivando. Quando ela se virou, vi seus olhos
marejados e meu coração se apertou um pouco. Quando
me viu, seus olhos ficaram assombrados e ela desligou o
celular. Foi quase impossível não rir de seu embaraço.
— Boa tarde, Tara. — Eu disse terminando de
entrar, indo em direção à geladeira e lhe dando as costas.
Seu rosto estava vermelho.
— Boa tarde, Shield.
Sua voz saiu em um sussurro e eu apertei mais o
suporte da jarra. Certo, agora eu era Shield. Eu não tinha
ideia de por que me incomodava tanto que ela me
chamasse de Shield, já que esse era meu nome de
escolha, mas me incomodava.
— Eu estou indo para o quarto. Hoje é minha folga,
mas tenho um compromisso mais tarde, então… Vou
descansar um pouco. Até.
Ela saiu da cozinha com um sorriso nervoso e
desapareceu no corredor. Eu queria me chutar, porque a
culpa desse clima estranho era toda minha. Eu assegurei
que ela estivesse longe e fui injusto com ela. Eu deveria
me redimir. A garota não tinha culpa de me deixar com um
tesão da porra. Decidi então fazer o que eu faria com
Hanna se estivéssemos brigados. Eu deveria,
definitivamente colocá-la na zona de amigos e não me
torturar em momento algum sobre qual seria seu
compromisso de sexta à noite.
Não era meu problema.
Foda-se.
Menos animado do que quando cheguei em casa, fiz
uma pipoca de micro-ondas e escolhi um filme de
mulherzinha do estilo que Hanna gostava. Certamente Tara
gostaria também. Pensei por alguns segundos se não seria
melhor deixá-la escolher, mas logo desisti. Não precisava
ser tão boceta também.
Deixei a bacia de pipoca que aromatizava toda a
sala, no sofá, e fui em direção ao quarto de Tara. Bati duas
vezes, e ela fez um som abafado pela porta que pareceu
como “um momento”. Quando abriu a porta suas
sobrancelhas quase encostaram no topo de sua cabeça e
eu tive certeza de que precisava acabar logo com esse
clima ruim que eu criei entre nós.
— Precisa de alguma coisa? — Ela perguntou.
Você. Nua, em minha cama.
— Se não estiver muito ocupada, gostaria de ver um
filme comigo?
Ela não pode disfarçar sua surpresa. Era tão
transparente. Sua boca abriu e fechou pelo menos três
vezes e ela ficou muito vermelha. Eu mantive um sorriso
amigável em meu rosto e disse a mim mesmo que não me
importava com sua hesitação. Ela enfim respondeu.
— Claro, eu… Eu só... — Ela olhou para trás, para
frente, para sua roupa e enfim respondeu: — Vamos.
Eu saí do caminho e ela passou, deixando seu
aroma de frutas vermelhas para trás. A segui e me sentei
ao seu lado no sofá, embora tivesse um espaço
considerável entre nós. Dei play no filme e coloquei a
pipoca no meio de nós dois. Eu tinha uma caralhada de
coisas para fazer, mas precisava consertar a situação com
Tara. Por algum motivo eu queria Tara segura e bem, e
mais importante, que ela se sentisse confortável ao meu
lado. Escutei uma risadinha e quando olhei para ela,
percebi que estava tremendo. Por um momento achei que
estava chorando.
Porra, era tão ruim assim passar um tempo comigo?
Quando olhei para ela mais diretamente para
questionar se estava bem, ela tampou todo o rosto e
continuou tremendo.
Mas não era choro.
Era uma risada.
Tirando a mão do rosto ela soltou uma gargalhada
sonora e senti um alivio no peito, rindo junto, embora não
fizesse o menor sentido. Ela riu mais, olhando em meu
rosto entre pedidos de desculpas, vermelha e com os olhos
úmidos pela força do riso. Nunca tinha visto Tara tão
descontraída, e mesmo que eu não soubesse o motivo de
seu riso desenfreado e desconfiava seriamente que eu era
o motivo, me vi rindo junto com ela, satisfeito.
Quando finalmente parou, ela encostou a cabeça no
encosto do sofá e me olhou com seus olhos de bruxa. E
nunca me pareceu tão linda quanto naquele momento. Foi
necessário conjurar toda a força existente em mim para
não aproximar meu rosto e beijar sua boca.
— Você acha que eu sou uma adolescente? Farei
20 em alguns meses. — Disse com a voz de riso.
— Por quê?
— Esse filme. Meninas Malvadas, sério? — Quando
ela terminou de dizer quase me senti envergonhado.
— Achei que você gostava. — Respondi dando de
ombros e pegando um pouco da pipoca para disfarçar o
mal estar
— Sim, quando eu tinha 12 anos. — Ela respondeu
como se fosse óbvio e com outra onda de risadas. Me senti
um idiota.
— Hanna gosta, achei…
— Ela certamente gostava, quando estava no
colegial. — Disse rindo ainda mais às minhas custas. —
Deixa que eu procuro um filme e pare de me rotular.
— Certo. — Disse indiferente enquanto algumas
risadinhas ainda escapavam dela. A verdade é que eu
estava deliciado por ouvi-la solta e risonha daquela forma.
Relaxada e feliz.
Ela se levantou e escolheu um filme, para minha
surpresa, de terror. Invocação do Mal. Olhei para ela, uma
verdadeira caixinha de surpresas. Ela sentou ao meu lado
com as pernas cruzadas, prendeu o cabelo em um coque
bagunçado que já começava a se desfazer, e colocou a
pipoca no colo. O filme era interessante, mas ela era mais.
Eu aproveitava cada oportunidade para olhar para ela, mas
ela estava super envolvida com o filme.
Caralho, não estava dando certo. Forcei minha
mente a prestar atenção ao filme, que acabou prendendo a
minha atenção a certa altura. Quando acabou, Tara
colocou o segundo volume, e se sentou mais à vontade no
sofá, quase deitada. Eu me encostei na outra extremidade
e fiquei um pouco deitado também.
O tempo passou, ambos envolvidos com o filme e
fazendo comentários esporádicos de uma cena ou outra.
Em certo momento ela se levantou para ir à cozinha e
acabou se desequilibrando ao pisar em minhas botas no
chão.
E caiu.
Em meu colo.
Prontamente, eu a segurei em meus braços,
enquanto ela se desculpava, mas a queda a colocou
diretamente em cima de mim, seu rosto alinhado ao meu,
seus cabelos fazendo uma cortina ao redor do nosso rosto,
como se ali, naquele momento nos isolasse do resto do
mundo.
Sentir seu corpo, seu aroma e ter aquela boca
deliciosa tão perto da minha quase me fez perder o
controle que eu tinha recuperado. Seu olhar foi dos meus
olhos para minha boca. Queria me inclinar e beijá-la sem
sentido, principalmente depois de seu olhar escurecer ao
fitar meus lábios. Minha mão acariciou suas costas e eu vi
a onda de arrepios em seus braços. A sala estava
iluminada, e eu estava quase a puxando para minha boca,
quando alguém no filme gritou, nos tirando de nossa névoa
de luxúria. Ela se levantou rapidamente, muito vermelha.
— Eu, é, me desculpe. Eu sou desastrada, não vi o
seu sapato aqui, me desculpe.
— Tudo bem. — Eu respondi roucamente, embora já
tivesse uma máscara estoica em meu rosto.
— Eu nem me atentei ao horário, preciso sair.
— Aonde você vai? Pergunto pela segurança. Já é
noite…
Deixe a frase no ar e ela me olhou nos olhos, quase
pensando se respondia ou não. Seria um encontro? E se
fosse? Ela era livre, eu não deveria me importar.
— Eu consegui um segundo emprego.
Eu me levantei em um salto, todo o bom humor das
últimas horas se evaporando e ela deu um passo para trás.
Um emprego? À noite?
— Emprego?
— Sim. Eu… Vou tocar e cantar. Em um bar.
Sua resposta me deixou desconcertado. Eu a vi
cantando e realmente ela cantava bem. Mesmo assim,
ainda era um bar, não era ambiente para alguém como ela.
A verdade é que Tara, à primeira vista, era uma boneca de
porcelana, cheia de modos e maneiras, que deveria ser
apenas vista e cultuada. Mas ela tem demonstrado ser
muito mais, trabalhando no Café e agora arrumando um
segundo emprego. Eu gostaria que ela não se preocupasse
tanto, proveria tudo o que fosse necessário para que
ficasse bem.
— Que bar? — Perguntei agora mais suavemente.
— Na verdade é um pub e restaurante. Eu… Fiz
aulas de piano. Só preciso ir uma noite no fim de semana,
uma forma de ganhar um dinheiro extra.
— Por que você precisa de dinheiro extra? Está te
faltando algo aqui? Porque você sabe que pode me falar.
Ela se aproximou e segurou minhas mãos com suas,
tão cálidas e quentes, um sorriso afetuoso desenhando seu
rosto. Eu fiquei surpreso com seu gesto, tão surpreso que
perdi o sentido do que falávamos por um momento. Eu era
acostumado a ser tocado por mulheres, de todas as
formas, mas a forma como ela me tocou era inédita.
Inocente e grata.
— Eu sou muito grata por tudo o que você tem feito
por mim. De coração, eu nunca conseguirei te pagar o que
te devo, porque te devo a minha vida, mas não quero ser
um estorvo.
Suas palavras foram como um tapa em meu rosto.
Ela ainda estava chateada por conta do ocorrido na boate.
— Você não é um estorvo e você fica, até estar cem
por cento bem e estável. — Eu afirmei sem dar abertura
para discussão. Ela cerrou os olhos, mas sorriu.
— Você é muito mandão, sabia?
— Sabia. — Eu respondi com uma piscada, voltei a
me sentar. Ela revirou os olhos, algo que ela jamais faria
quando chegou aqui, e foi para a cozinha sorrindo. Antes
que desaparecesse, eu disse: — E me avise quando for
sair, eu vou com você.
Ela deu uma tropeçada em seu caminho e eu mordi
um sorriso de volta.
Capítulo 13
Tara Madison

Shield me acompanhou até o Operrá. Era um


restaurante e pub que ficava do outro lado da cidade, mas
pagava muito bem por noite. E eu estava com saudade de
tocar, se fosse bem sincera. Ser paga por algo que eu
amava fazer seria maravilhoso. Shield me levou de carro, e
assim que entramos, todos os olhares foram para o homem
que parecia um armário, vestido de couro e selvageria. Eu
descobri que gostava de seu jeito intimidante.
O gerente, Robert Gillies, como se apresentou mais
cedo, olhou estranho para Shield. Seu sorriso então para
mim já não foi tão amigável como mais cedo e eu fiquei
tensa.
— Boa noite, Tara.
Ele falou comigo, mas seus olhos estavam em
Shield, que agora o encarava da mesma forma
desconfiada. Eu poderia afirmar que ambos estavam tendo
uma conversa silenciosa. Robert era um pouco mais baixo
que Shield, mas era igualmente atlético, embora, se eu
fosse chutar, diria que era mais velho.
— Boa noite, Robert. Mais uma vez, obrigada pela
oportunidade.
— Imagine, depois do show que você deu mais cedo
aqui, eu seria um idiota se te dispensasse.
A maneira como ele escolheu as palavras fez com
que Shield trincasse a mandíbula, o que para mim foi novo.
Não conhecia Robert, mas em nossa única interação ele foi
muito gentil. Nem parecia a mesma pessoa.
— E você é…
— Vou te esperar naquele canto, querida. — Shield
disse e me beijou na testa. Meus olhos pareciam que iriam
pular do meu rosto. Querida? Shield não me deu tempo
para responder, pois estava novamente intoxicada com a
sua presença máscula e agora, com seu gesto. Ele já
estava a caminho do bar.
— Cuide para que seu namorado não arranje
problemas. — Robert disse secamente e se afastou, não
me dando a chance de responder que ele não era meu
namorado. E que, não porque ele era um motoqueiro fodão
que ele era problemático.
Eu me sentei ao piano e um dos motivos que me
levou a gostar de trabalhar ali foi que a escolha das
músicas poderia ser minha. Então eu comecei com The
Scientist do Coldplay. Enquanto que meus dedos
dançavam pelas teclas, eu fechei os olhos, deixando toda a
minha timidez de lado e me entreguei à música.
Logo, uma música chamou a outra e eu me vi
emocionada em vários momentos. Porque a música, por
muito tempo, foi minha única companhia quando eu
passava os dias na solidão do meu quarto ou sendo a filha
perfeita para a sociedade. Quando minha vida era uma
mentira, a música foi minha única verdade. Eu me esquecia
de tudo e me concentrava apenas nela.
Quando terminei, tremia um pouco, olhando aos
arredores, percebendo que muitos pararam o que estavam
fazendo, até mesmo funcionários, para me ver cantar. A
timidez me assolou e sem graça, agradeci e me levantei. O
olhar que Shield tinha em mim me fez parar no meio do
caminho. Era admiração e… Algo mais. Algo que eu não
soube definir. Ele se levantou e veio em minha direção. Por
um momento eu não soube o que fazer ou mesmo o que
ele faria. Ele parou em minha frente com os olhos
brilhando.
— Você estava… Perfeita.
Ruborizei furiosamente, eu poderia sentir meu rosto
queimar. Seu escrutínio dava para ser sentido quase
fisicamente. Mais uma vez, ele passou o braço em meus
ombros e beijou minha testa, e eu senti borboletas em meu
estômago. Eu não sabia o que tinha acontecido, mas
desde que eu tinha ameaçado sair da casa de Benjamin,
ele tem agido… Diferente.
— Tara, aqui está o seu pagamento. Te mando
mensagem para dizer que dia do próximo fim de semana
você vem.
— Obrigada, Robert.
Eu agradeci, embora ele já não sorrisse como mais
cedo. Assim que saímos do restaurante, o braço de Shield
caiu das minhas costas. No caminho para casa, ele estava
mais quieto, e ousaria dizer até mesmo… Distante. Assim
que entramos, ele se despediu cordialmente e foi para seu
quarto.
Fiquei ali, na sala, com a sensação de que algo
aconteceu e eu não entendi.

Os dias transcorreram normalmente, embora Shield


já não estivesse tão ausente e distante como antes, ele
também não era tão receptivo como na noite em que foi me
ver cantar. O trabalho no Café continuou, e era maravilhosa
a sensação de me sentir útil. Trabalhar estava me
transformando e dando sentido à minha vida, um sentido
que antes eu não fazia ideia que não tinha.
Sábado chegou e com ele, o dia de voltar ao Operrá.
Jace estava me esperando, como sempre. Mas como meu
destino era do outro lado da cidade, ele me levou de carro.
Cheguei ao bar e Robert se aproximou.
— Hoje seu namorado não veio?
Disse com um sorriso desdenhoso. Eu respirei fundo
e respondi da forma mais cordial possível.
— Ele não é meu namorado. É um amigo.
Robert me deu um olhar de quem não acreditava no
que eu dizia e eu contive a vontade de revirar os olhos. Ele
deu uma olhada no vestido sem mangas e na jaqueta jeans
que eu usava, mas algo me despertou a consciência de
que não era para a roupa que ele olhava. Era para mim.
— Você pode fazer melhor, Tara. — Robert disse e
se aproximou mais, de forma que me deixou um pouco
desconfortável, mas não demonstrei.
— Eu já posso começar a tocar? — Disse com a
mesma calma, embora interiormente eu quisesse fugir dali.
Ele me olhou mais um tempo, para enfim se afastar e dizer.
— Claro. Por favor.
Eu me sentei ao piano e me concentrei na música.
Literalmente, tocar e cantar não era um trabalho, era a
minha terapia alternativa. Eu conseguia me desligar de
todo o tormento que vivi, o que era uma sensação lívida e
maravilhosa. No final, agora menos tímida que a última
vez, eu me levantei, agradeci aos cumprimentos e fui
receber pelo dia. Não era um concerto em um
conservatório, mas era muito mais libertador.
Robert me pagou pelo dia e segurou a minha mão
por mais tempo que o necessário. Quando eu a soltei, ele
deu um sorriso estranho e me deixou ir. Eu estava um
pouco incomodada, mas quando me virei para a saída dei
de cara com Shield. Como acontecia sempre que era
surpreendida por sua presença, eu tropecei em meu
caminho. Ele veio em minha direção, andando daquele jeito
de “não me importo” e me jogando um sorriso aberto.
Novamente, ele me beijou na testa e passou os braços em
meus ombros. Dessa vez eu não fiquei derretida.
Eu fiquei alerta.
Principalmente quando, por cima da minha cabeça,
ele lançou um olhar ameaçador para Robert.
Filho da mãe!
Eu era uma idiota. Sem querer fazer uma cena,
assim que saímos, não esperei que ele tirasse o braço de
meus ombros, eu mesmo os tirei. Ele franziu o cenho, mas
ficou calado. Melhor assim. Entramos no carro e vi que
pegou um caminho diferente.
— Onde estamos indo?
— Para o Clube. Hoje teremos uma festa, Hanna
está lá.
Fiquei animada com a informação. Eu não via Leon
há um tempo agora. Assim que chegamos ao clube
encontrei Hanna conversando animadamente com Leon e
Vivian. Era aniversário do mal educado. Ótimo. Diferente
das outras festas, essa era mais comportada, não tinha
mulheres seminuas, nem pessoas se pegando em cada
canto. Era mais… Familiar.
— Eu sabia que te veria de novo! — Vivian veio em
minha direção e me deu um abraço. — Encontrei essa
outra aqui, perdida também.
— Tara, achei que não fosse vir.
— Uma festa depois de uma semana de matar é
quase impossível de resistir, né?
— Gatinha — Leon disse com seu sorriso de merda.
— Covinhas.
Leon se aproximou e me deu um abraço rápido. Me
sentei com eles e pedi um refrigerante. A conversa correu
sobre o que eu andava fazendo. Hanna informou que tinha
transferido a faculdade para Richmond e que terminaria o
último ano aqui, que precisava ocupar a cabeça. Leon saiu
da mesa quando foi chamado e Vivian o acompanhou por
todo o caminho com o olhar, até onde ele foi conversar com
uma loira.
— Ele sabe? — Hanna perguntou. Ela olhou para
Hanna sem graça.
— O que?
— Que você baba por ele.
A ruivinha revirou os olhos, enquanto eu e Hanna
ríamos.
— Ainda não. Mas acho que ele sente algo por mim.
Eu só conseguia me lembrar dele com a morena na
minha primeira noite aqui.
— Você tem certeza? — Eu perguntei com cautela.
— Não. — Ela respondeu e bateu a testa na mesa
em um gesto dramático — Ele me vê como uma irmãzinha
e tem o fato de eu ser proibida. Assim como você, Hanna.
Tara, bem… Acho que Tara é um jogo justo.
— O que isso significa? — Eu perguntei.
— E o que significa eu ser proibida? — Hanna
também perguntei.
— Você é irmã do VP. Nenhum membro do clube
pode tocar em você. Assim como eu, o que é uma merda.
Mas se Leon se apaixonar por mim, poderemos passar por
cima disso.
— Então não posso pegar nenhum motoqueiro
gostoso e fodão daqui?
— Não. — Vivian afirmou.
— E o que é um jogo justo? — Eu perguntei.
— Quer dizer que você pode ser reivindicada, se
tornar propriedade de qualquer membro.
— Como assim? Isso é meio… Antiquado. — Hanna
disse e tomou mais um gole de sua cerveja.
— Não, também não é assim. Claro que é com seu
consentimento. Eu amaria receber o Patch de Leon.
Receber o Patch de um motoqueiro é uma honra. Quer
dizer que você será uma Old Lady, respeitada e protegida
por todos os membros do clube. Até a morte.
— Uau... Radical. — Eu disse. Não sei se
conseguiria me ver como propriedade de alguém.
— Eu nunca me sujeitaria a isso. Imagina ser
propriedade de alguém. — Hanna deu voz aos meus
pensamentos.
— Você está vendo de um prisma preconceituoso.
Não quer dizer que você será inferior. É uma forma de
cuidado. O clube é uma forma particular de ser.
— Mesmo assim. Eu sou a favor da igualdade. —
Hanna concluiu.
— Porque você acha que há tantas mulheres no
clube? Elas esperam, em algum momento, se tornar Old
Lady de algum membro. — Vivian disse parecendo um
oráculo da sabedoria: — Às vezes elas conseguem, às
vezes não. Veja Scarlett. — Ela apontou para uma morena
linda que conversava com Storm e Shield, que eu não tinha
notado. — Ela é louca pelo Shield, eles já ficam há muito
tempo. Ela tem certeza de que será a sua Old Lady.
Eu engasguei com o refrigerante. Era uma
namorada? Eu entendi o termo “meninas do clube”, mas
ela seria alguma fixa? E porque eu me importava? Ah,
lembrei. Porque ele tem agido todo territorial quando é
conveniente, embora eu não fizesse ideia do motivo.
— Você está bem? — Hanna cerrou os olhos.
— Claro! — Disse mais estridente do que gostaria.
Olhei mais uma vez enquanto Hanna perguntava a
Vivian sobre o clube, e vi que a Scarlett tinha a mão no
peito de Shield. Ele não retribuiu, mas também não tirou a
mão dela.
Oh, Deus.
Eu estava com ciúmes.
E estava revoltada.
O que ele acharia se eu fosse lá e o chamasse de
querido, beijando seu rosto? Porque era isso que ele vinha
fazendo comigo. Com uma onda de raiva, me levantei,
pedindo licença, e fui para o bar. Me lembrei então de que
eu não era proibida. Era um jogo justo. Munida por
coragem, eu retirei a minha jaqueta, desnudando meus
ombros e soltei o meu cabelo. Não demorou para que um
cara se aproximasse. Eu não fazia ideia de quem era, mas
ele se sentou ao meu lado e passou e puxar assunto. Por
um mísero segundo me perguntei que merda estava
fazendo, mas logo a conversa casual e fácil me deixou
mais calma. Também não demorou para que sentisse uma
presença e aroma familiar atrás de mim.
Shield.
Eu quase ri.
— Hunter. — Sua voz grave soou atrás de mim.
— VP. — Hunter tinha uma expressão de extremo
respeito.
— Eu gostaria de ter uma conversa com Tara.
— Claro.
Hunter me deu um sorriso de desculpas e se
afastou. Quando ficamos a sós, Shield se sentou onde
Hunter estava. Com um sorriso alegre, pediu uma bebida e
perguntou como se ele não tivesse acabado de afastar de
mim um possível pretendente:
— Está gostando da festa?
Eu estava custando acreditar. Ele achava que eu era
uma idiota? Certamente que sim. Ele estava
deliberadamente afastando qualquer cara de mim. E ainda
queria fazer de conta que não estava.
Foi o fim.
Nunca gostei de uma cena, nunca gostei de chamar
a atenção, mas eu me levantei tão revoltada, que senti meu
rosto inteiro queimar, de pura raiva. Fui em direção à porta
e escutei seus passos pesados atrás de mim. Na frente do
clube eu me virei para confrontá-lo.
— Qual é o seu problema? — Perguntei
exasperada.
— Nenhum. — Ele respondeu mordendo um sorriso.
Estava se divertindo com a minha ira, o idiota.
— Você me abraça e me beija na frente dos outros
caras no restaurante! Ai se afasta. Então aqui, você afasta
Hunter de mim para jogar conversa fora! Você está
estragando qualquer possibilidade de eu achar uma
pessoa. Por quê?
— Eu não estou fazendo isso. — Eu reprimi a
vontade de gritar.
— Não teste a minha paciência, Shield. Quantos
anos você tem? Fale com sinceridade!
Ele pareceu deixar a besteira de lado. Colocou
ambas as mãos no bolso e disse com seriedade.
— Ele não é bom o suficiente para você.
— Eu sou perfeitamente capaz de julgar isso.
Ele se aproximou de mim e disse em meu rosto,
fazendo com que eu sentisse seu hálito de uísque em
meus lábios.
— Então você queria ficar com ele?
— Você não me deu a oportunidade de descobrir! —
Nunca me senti corajosa e petulante como agora. Vi
quando ele foi perdendo a linha. Pior ainda foi saber que eu
estava adorando.
— Ele não é bom o suficiente para você! Ninguém
nesse clube é! — Ele estava perdendo a linha.
— Eu decido isso! — Dei um sorriso de boca
fechada. — Afinal, eu sou um jogo justo, não sou?
A tempestade se formou em Shield. Ele passou de
indiferente para um maremoto em segundos. Vindo em
passos grandes, forçando-me a dar passos para trás, me
pressionou contra a parede do clube, o lugar pouco
iluminado, seus olhos ferozes, mãos firmes em meus
braços, mas não me assustou. Me deixou quente. Uma
ansiedade foi em direção ao sul do meu corpo, e eu só
queria que ele se aproximasse mais, para relembrar suas
mãos em mim.
Definitivamente, eu era louca. Porque eu gostei.
Muito.
— Nunca mais fale uma porra dessas, você não é
um jogo justo!
— Até onde eu sei, eu sou. Não pertenço a
ninguém, posso me divertir com quem eu quiser. Ou você
acha que é só você quem pode?
As palavras foram um choque para mim e para ele.
Ele me soltou, mas não se afastou. Seus olhos me fitaram
intensamente, agora sem a ira de antes, como se tivesse
acabado de descobrir algo. Quando disse, suas palavras
foram calmas e nunca me soaram tão verdadeiras.
— Eu posso me arrepender amargamente do que
vou dizer, Tara, mas desde que vi você naquele leilão, eu
não tenho olhos para mais ninguém. E tenho lutado
diariamente contra essa atração, lutado para me negar algo
quando eu sempre peguei o que quis, sem nenhuma luta.
Pode parecer injusto, mas só o pensamento de você com
outro, desperta meus instintos assassinos. Ainda mais se
for um dos meus irmãos, eu não poderia suportar.
Congelei com suas palavras, emocionada e confusa
com sua revelação.
— Eu não entendo. Você estava lá com outra
mulher, uma mulher que é muito linda e, até onde eu sei,
vocês têm alguma coisa. Porque se importa com quem eu
fico ou deixo de ficar?
Não queria soar tão vulnerável como soei, mas eu
tinha que perguntar. O que ele queria de mim? O que
esperava de mim? Eu também o queria?
— Você não me escutou? Desde que te vi, não há
ninguém e sabe por quê? — Eu fiquei sem palavras, ele
pegou minha mão e levou em sua virilha, onde seu
membro estava grande e endurecido. Minhas pernas
ficaram trêmulas, e eu puxei uma respiração aguda. Seus
olhos estavam selvagens. Eu queria dizer que fiquei
assustada, em pânico, que senti repulsa. Mas não. Eu
fiquei molhada. Sua boca, novamente, estava a meio
centímetro da minha e eu desejei que ele me beijasse. Era
embriagador e aterrorizante, de uma forma maravilhosa. —
Porque esse pau só responde quando você está por perto
ou mesmo em meu pensamento. Quando chego em casa e
sinto seu cheiro no ambiente, ou quando vejo qualquer
pedaço de sua pele cremosa… — Ele pareceu então voltar
a si. Com mais uma encarada em meus lábios, se afastou
e ficou de costas, soltando uma maldição. — Entre, Tara.
— Mas…
— Entre!
Eu fiquei parada alguns segundos encarando suas
costas, sem palavras. Me afastei, insegura, com passos
incertos. O que tinha sido tudo isso? O que isso poderia
significar?
Confusa, excitada e muito perdida, entrei novamente
no bar do clube e não o vi mais na festa.
Capítulo 14
Tara Madison

— Porque está com essa cara?


Hanna estava distraída, olhando o nada fora da
janela. Ela estava organizando a papelada de sua
transferência para Richmond e passou a semana focada e
animada. Ter algo com o que se preocupar trouxe uma
nova luz sobre Hanna. Não é que ela não estivesse mais
tendo dias sombrios, mas ela era uma lutadora, todos os
dias colocava um sorriso radiante e sobrevivia. Porém, hoje
ela estava um pouco desanimada.
— Benjamin. Tem três dias que não o vejo.
Eu não via Shield há pelo menos uma semana. Ele
vinha para casa ver Hanna principalmente nos horários em
que eu não estava presente. Também não fui atrás para
saber o motivo de seu distanciamento, porque agora
estava muito claro. Shield me queria. Não queria querer,
mas queria.
Eu entendia sua necessidade de se afastar, porque
não seria simples. Eu tive alguns beijos no colegial,
amassos, mas nunca um relacionamento sério. Nunca algo
que me fizesse sentir segura para me relacionar
sexualmente. Por um lado, minha mãe sempre dominou
todos os meus passos, escola nunca foi um lugar propício
para algo além do que eu fiz, e nunca tive permissão para
ir a festas ou mesmo sair desacompanhada. Eu também
não era uma garota má, nunca fui. Seguia as regras.
— Ele deve estar ocupado… — Disse e fui para o
quarto buscar minha bolsa.
— Vai sair? Você não entra só à tarde no Café? —
Ela virou em minha direção. Seu cabelo escuro em um
coque bagunçado, contrastando com a pele clara, os cílios
e olhos escuros, dando a ela uma beleza arrasadora,
mesmo descalça e em pijamas de algodão.
— Bem, troquei meu turno. Vou sair à noite. — Disse
prendendo meu cabelo em um coque típico para o trabalho.
— Um encontro quente? — Me deu um sorriso
maroto e eu ri.
— Não, né? À noite vou para o Operrá.
— Não é só sábado?
— Robert precisa de mim hoje. Preciso correr, beijo.
Com um beijo no ar fui para o Café. Como era na
esquina do condomínio eu sempre fazia essa rota a pé.
Cheguei e encontrei uma movimentação bem acima do
esperado, corri pegar o meu avental e comecei a trabalhar.
Uma das coisas que mais gostava no trabalho era por ele
ocupar a minha mente e eu não via o tempo passar. Horas
depois, eram quase sete da noite e eu estava me
despedindo, agitada, pois ainda tinha que me arrumar para
ir ao Operrá. Contudo, pegando minha bolsa, me
despedindo da equipe e indo para a porta, dei de frente
com o motoqueiro fodão que me fez pegar em seu pau.
Como sempre acontecia, tropecei em meu caminho
e parei. Meu rosto ficou em chamas, e embora eu não
soubesse o motivo dele estar ali, eu estava feliz em vê-lo.
Alto, ombros largos, cabelo preto brilhante caído em sua
testa meio bagunçado, os olhos azuis como céu no verão e
ostentando uma carranca. Menos afobada me aproximei
dele.
— Boa noite. — Saudei incerta.
— Hoje não é dia de você ir ao restaurante cantar.
— Disse rispidamente.
Estreitei meus olhos com raiva. Ele sumia por uma
semana, me evitava como se eu fosse a peste e agora
vinha querer ditar meus horários e compromissos? De jeito
nenhum. Dei a volta em seu grande corpo e fui andando
até o condomínio. Idiota, idiota. Escutei seus passos me
acompanhando, mas ele ficou em silêncio. A cada passo a
chama da minha raiva aumentava.
Grosso, estúpido, prepotente, mandão.
Assim foi até chegarmos em casa e eu entrar no
quarto, trancando a porta. Respirei profundamente e fui me
arrumar. Eu não sabia o que Shield queria de mim, e ele
teria que me dizer abertamente. Não iria gastar energia
tentando adivinhar e de forma alguma iria perguntar. Eu era
orgulhosa, um traço de família, infelizmente ou não.
Coloquei meu vestido vermelho, de alças largas e
renda, um sapato de altura média. Passei uma maquiagem
leve, peguei meu casaco e bolsa. Quando entrei na sala
ignorei o olhar que me deu e seu maxilar trincado.
— Eu vou trabalhar, Shield. E não quero que vá me
buscar. Tchau.
Entrei no elevador e ainda acenei um tchau. Estava
muito surpresa com minhas atitudes com Shield.
Geralmente eu não era assim, era pacifista, mas essa
inconstância dele estava me irritando, me tirando do sério.
Pelo menos ele não disse nada e nem tentou me
acompanhar.
Cheguei ao trabalho e descontei toda minha
frustração nas teclas do piano. Me entreguei e como
sempre acontecia, terminei leve. Não tive paciência para os
olhares e frases de duplo sentido de Robert para mim e me
dando o alívio de ser mal educada, soltei uma despedida
ríspida e fui embora. Quando saí do Operrá, era Jace quem
me aguardava.
E era nessas ocasiões que minha raiva quase se
dissipava. Mesmo com seu jeito bronco, Shield cuidava de
mim. Era um homem de palavra, e mesmo que fosse um
fora da lei (agora que eu sabia o que significava aquele 1%
em seu patch), ele era uma das pessoas mais honradas
que eu conhecia. Era uma contradição do caramba. Meu
pai era um “homem de bem”, engravatado, no entanto
estava por trás de esquemas desumanos, um homem que
foi colocado para defender e representar o povo. E Shield
era um bandido, traficante, motoqueiro fora da lei, e salvou
minha vida. Cuidava de mim. O mundo não era preto e
branco, estava recheado de zonas cinzentas e às vezes,
entre certo e errado, deveríamos escolher o que nos desse
paz.
Cheguei em casa quase meia-noite. A sala estava
escura e pensei que Hanna dormia, mas me surpreendi
quando encontrei Shield no sofá, assistindo televisão. Ele
passava tanto tempo ausente que às vezes eu me
esquecia que a casa era dele. Ele vestia apenas uma calça
de moletom e estava tão despojado e diferente que parei
um pouco na porta e absorvi a sua imagem. Seus olhos se
levantaram para os meus e me preparei para um possível
confronto. Eu odiava os confrontos, eles nos desgastavam
emocionalmente e nos faziam parecer estúpidos. Mas ele
sorriu amigavelmente.
Sorri de volta, um sorriso estranho mesmo que eu
não visse o meu sorriso. Era o tipo de sorriso, “não vou te
deixar no vácuo, mas você é bipolar?” e ele se levantou.
Era meio difícil me concentrar quando ele aparecia em
minha frente sem camisa, porque Shield... Era gostoso.
— Está com fome? Deixei comida chinesa para você
no micro-ondas.
— Oh… Obrigada.
Seu olhar estava intenso, embora esbanjasse um
sorriso tranquilo e quando fugi para a cozinha, escutei seus
passos atrás de mim. Enquanto os meus eram apressados,
quase atrapalhados, os dele eram firmes, predadores. Sem
me virar peguei minha comida, sentindo quando Benjamin
roçou seu corpo atrás de mim, novamente, me deixando
quente. Seu braço subiu para pegar algo acima da minha
cabeça, no armário, de forma que senti sua respiração
acima de mim e uma espécie de carícia em minha lateral.
Eu quase ofeguei, mas me controlei, ficando parada como
uma estátua. Um desejo intenso tomou conta do meu corpo
e eu fechei os olhos. Uma de suas mãos se apoiou em
minha cintura, e parecia proposital essa doce tortura.
Com uma respiração profunda, Ben se afastou e foi
para a sala e eu respirei aliviada, então percebendo que
minha mão estava levemente trêmula. Sua reação, mesmo
mínima, me fez acreditar que ele também ficou afetado
com nossa proximidade. Com um riso nervoso e frustrado
me dei conta de que ele não tinha feito nada demais, eu
que estava em sérios problemas. Talvez precisasse de um
namorado para conter os pensamentos libidinosos que
andava tendo com o meu salvador. Porque, sinceramente,
quais as chances? Quando imaginava alguém comigo,
nessa posição de possível relacionamento, era algum
universitário, algum cara fofo, mas hoje, nenhum desses
pensamentos tinha apelo. De repente, eu queria mesmo
era um homem grande, tatuado, com olhos azuis… Um
homem como Benjamin.
Frustrada e confusa, voltei para a sala, encontrando
toda aquela maravilha deitado no sofá, esparramado, ainda
mais lindo, como se isso fosse possível. Um formigamento
tomou meu baixo ventre, uma umidade se acumulando no
meio das minhas pernas. Tão constrangedor. Eu estaquei,
parada, olhando para ele. Quando seus olhos se voltaram
para mim, eu fugi de volta para a cozinha, como uma
covarde.
Porque eu o queria. Queria que ele me quisesse.
Queria que ele ficasse comigo e a consciência disso me
deu um verdadeiro pânico. Ele era uma má notícia, e
mesmo que tivesse dito que me desejava, ele gostava de
ficar com aquelas mulheres do clube, quem era eu perto
delas? Uma garota ferrada e inexperiente. Oh Deus.
Guardei a comida de volta e passei pela sala
murmurando uma desculpa e indo direto para o quarto. Ele
não respondeu, fez uma expressão confusa, mas eu não
esperei uma resposta. Chegando em meu quarto, tirei a
minha roupa e tomei banho, me permitindo demorar no
chuveiro.
Talvez eu estivesse apenas cansada. Talvez fosse
confusão devido a tudo o que vivi nos últimos meses. Eu
não seria hipócrita, durante todos os meus dezenove anos,
só agora eu poderia afirmar que tinha uma vida, o que eu
não tinha antes e eu não poderia estragar a minha nova
vida tendo esses pensamentos pervertidos com Benjamin.
Shield, ele era Shield. Benjamin apenas para sua mãe e
irmã.
Coloquei meu roupão, sequei meu cabelo só um
pouco e resolvi sair do banheiro, determinada a sufocar
qualquer atração por Shield. Quando sai, me deparei com
meu tormento sentado em minha cama, como se fosse
sua. Era sua. A mistura de pavor e excitação me tomou e
fiquei parada na porta absorvendo a sua visão, enquanto
ele me olhava de volta, seus olhos escurecendo.
— O-o, o que está acontecendo? — Perguntei por
fim, minha voz, um fio de nada.
— Eu que pergunto: o que está acontecendo? —
Seu timbre rouco devolveu a pergunta. Era difícil me
concentrar na pergunta quando pensamentos loucos como
abrir o meu roupão e pular em cima dele tomavam minha
mente. Que loucura. O pensamento me deixou mais
vermelha.
— Comigo nada. E com você?
Ele riu. Endireitou-se e bateu com a palma ao seu
lado na cama. Eu não queria ficar muito perto dele, ainda
mais de roupão, mas em momento algum ele me deixou
desconfortável. Então eu me sentei, embora não tão perto.
— Há algo que você queira me dizer?
— Não. — Eu respondi rápido demais. Ele riu
novamente, quase como se adivinhasse o espiral de
pensamentos loucos que minha mente ficava quando ele
estava perto de mim. Ele suspirou pesadamente, e então
me olhou sério.
— Acho que, desde o dia no bar, eu te devo um
pedido de desculpas. Fui grosseiro com você.
Enrubesci violentamente com a menção do episódio
no bar, cuja mera lembrança me deixava insanamente
excitada. Eu tinha gostado, embora jamais fosse dizer isso
em voz alta.
— Já está esquecido.
— Embora, o que eu disse permanece.
Ele disse que me desejava. Que me queria. Eu
fiquei confusa, perdida, sem saber como agir, mas e então?
Eu o queria. Só não estava convencida de que era uma
boa ideia. E não via em mim coragem para dizer que o
desejo era recíproco, porque ceder ao desejo poderia
complicar muito a minha vida. Eu precisava dele. E se ele
se cansasse de mim, depois de tudo? Eu era virgem, mas
não era boba. Sabia como a mente dos homens
funcionava. Me desejar não é o mesmo que gostar de mim.
Desejo é sexo, muito pouco para arriscar minha única
alternativa de estabilidade no momento. Ele deve ter visto a
negativa em meus olhos, porque se aproximou demais.
— Eu…
— Vamos só deixar claras as minhas intenções e
viver um dia de cada vez. Pode ser? E se não for um
problema, eu quero passar um tempo com você.
Ele estava me seduzindo. Seu rosto estava tão perto
do meu, sua mão foi para uma mecha de cabelo que caiu
na frente do meu rosto. Eu podia sentir seu hálito
mentolado.
Ele falou tão calmamente, como se não fosse
grande coisa, enquanto eu me perdia em seus olhos e só
me vi concordando. Ele se aproximou e beijou a minha
testa, bem devagar. Foi tão devagar que eu senti minha
pulsação na garganta, com a mistura de seu perfume, seu
peito nu quase ao nível dos meus olhos. Fechei os olhos
com o carinho recebido e os mantive fechados até escutar
a porta se fechando. Eu não tinha ideia do que viver um dia
de cada vez significava, mas sentia, em meu íntimo, que
estava prestes a descobrir.
Capítulo 15
Shield

Eu finalmente fiz as pazes com o meu desejo por


Tara, embora sentisse a cautela dela comigo. A situação
não era a melhor para nenhum de nós. Eu era onze anos
mais velho que ela, um motoqueiro fora da lei, ela era filha
de um de nossos piores inimigos, um verdadeiro Romeu e
Julieta sombrio e fodido, era o que era. Meu pau se
importava? Nem um pouco.
Talvez Tara não precisasse de toda a minha merda
em sua vida. Eu era um homem com bagagem e uma vida
perigosa, mas algo me ligava à ela. Eu tentei não sucumbir
ao meu desejo, mas estava escravo dele desde o momento
em que a vi pela primeira vez, naquele leilão. Não
conseguia tocar outra mulher, embora tivesse tentado. Eu
me afastei por meses, pensando que poderia driblar e
esquecer esse desejo. A repressão só aumentou a minha
ânsia por ela, o mero pensamento de outro homem tomá-la
me deixava insano. Não dava para continuar fugindo.
Eu era um homem que pegava o que queria, nunca
precisei me esforçar para ter uma boceta quente em volta
do meu pau, ao contrário. E eu queria Tara. Eu a teria,
simples. Nem que para isso, eu tivesse que trabalhar um
pouco.
— Desembuche, porque está com essa cara de
quem comeu e não gostou? — Cold veio e se sentou na
cadeira à minha frente no bar. Os homens estavam se
preparando, pois estávamos saindo para receber um
carregamento.
— Tenho certeza de que, se tivesse comido, teria
adorado. — Respondi sem humor, enquanto tomava um
pouco da minha bebida. Era pouco, somente para aquecer.
Não era um costume meu beber antes de sair, mas hoje eu
precisava.
— Que boceta te deixou assim, Shield?
— Porque tem que ser uma boceta? — Tentei
desviar.
— Vai fazer finalmente de Scar sua Old Lady? —
Cold estava pescando.
A minha olhada foi sua única resposta, o que o levou
a rir. Scarlett era a garota com quem sempre fiquei no
clube, até o inferno me alcançar com o sequestro da minha
irmã. Eu não parei por meses a fio, procurando qualquer
pista para encontrar Hanna. Junto com Hanna, veio minha
obsessão por Tara. Se eu pensasse que tudo o que ela
sentia por mim fosse gratidão, eu deixaria quieto, mas ela
me quer, só não sabe lidar com o fato. Então, Scar não
estará aquecendo a minha cama, não pelo longo tempo
que eu posso prever. Muito menos se tornar algo como
minha Old Lady.
— Você está preocupado demais com quem eu
fodo, Cold. — Falei exasperado.
— E você anda distraído demais com o trabalho.
Estou desconfiado de que é por causa de alguma cadela.
Como você sempre está ou estava com Scar, achei que
fosse…
— Achou errado. — Cortei.
Fiquei sob o escrutínio de seu olhar por alguns
segundos, até ele me reprovar com um aceno negativo
com a cabeça.
— Então é mais preocupante do que eu pensava.
— Cuspa, Cold.
— Você está interessado na pequena Madison. —
Ele disse e eu tive vontade de lhe acertar um murro.
— O nome dela é Tara. — Eu falei, contendo minha
raiva.
— Tara Madison. Você não deveria esquecer o
sobrenome dela, e sabe por quê? Significa problemas.
— Tara não tem nada a ver com o pai dela.
— Pode até ser, Shield, mas os fatos não mudam
por isso. Uma hora o pai dela vai vir atrás da filha, porque a
essa altura, ele já sabe que ela escapou e não é como se
ela estivesse se escondendo.
— Ele não vai chegar perto dela! — Esbravejei.
Porque não iria. Ela só iria voltar para sua vida se essa
fosse a vontade dela e não parecia ser.
— Reivindique-a então.
Olhei para Cold, por pelo menos um minuto inteiro
sem entender o que diabos ele estava dizendo, perplexo.
Primeiro, ele estava me dizendo sobre todos os riscos de
ficar com Tara. Agora, ele me pedia para reivindicá-la como
minha. Em meu silêncio, ele continuou.
— Coloque seu patch sobre ela, faça-a sua e
queimaremos esse mundo, caso o filho da puta do Thomas
Madison olhe em sua direção. Ela será uma de nós e nós
protegemos os nossos, mas, se ela for a sua foda da vez o
clube não terá nenhuma responsabilidade com nada que
vier a acontecer.
Eu queria socar algo em frustração embora
devolvesse o olhar de Cold com segurança, mesmo que
por dentro, meu castelo de desejo estivesse
desmoronando. Tomei o resto da minha bebida e bati o
copo na mesa, mais forte que o necessário. Cold era
esperto, não era à toa que era Capitão de Estrada. Ele via
os problemas antes que acontecessem e era um gênio. Eu
queria transar com Tara? Enlouquecidamente, sim. Eu a
queria com meu Patch, desfilando por aí como minha? Não
sabia responder. E embora eu estivesse confuso, Cold
estava certo, Tara não era só uma foda, se fosse eu não
teria fugido tanto.
Sem mais uma palavra eu me levantei. Porque,
merda, eu precisava resolver minha vida. Com Tara era
tudo ou nada e não só por toda a merda que nos rodeava,
sua família fodida e meu clube, o cartel. Era por ela
também. Tara merecia tudo, eu só não sabia se teria
condições de dar a ela todas essas merdas românticas.
— Eu sou capaz de ler cada pensamento que passa
em sua cabeça, e sei que te coloquei para pensar. Então
pense no que você realmente quer e não foda com a vida
daquela garota, Shield.
Sem mais uma palavra, Cold se levantou, me
deixando com os pensamentos que invadiam minha mente
e com a certeza de que eu precisava tomar uma decisão.

Eu senti que algo estava errado assim que desci da


moto. Cold e Leon ao meu lado, Storm mais a frente. Não
tinha um prospecto no local, e estava silencioso demais
para o recebimento de uma carga de nossa sede em
Durham, Carolina do Norte. O Cartel de Guadalajara
estava atacando pontos isolados em nosso território e a
Aliança estava tomando todo o cuidado possível.
O silêncio passou a ser sufocante, e antes que um
dos prospectos pudesse abrir o caminhão com a carga…
Tudo virou cinzas.
O que prosseguiu foi um verdadeiro caos. Eu me
escondi atrás de outro caminhão, até escutar um bip-bip.
Tinha outra bomba, talvez várias.
— Se afastem das cargas! — Eu gritei, e assim que
começamos a correr em direção contrária, o caminhão
explodiu também.
Me joguei no chão, mal conseguindo visualizar quem
estava bem ou não, até sentir algo arder em meu braço.
Um destroço do caminhão bateu violentamente em meu
ombro me jogando para frente. Coloquei o outro braço na
frente de meu rosto para amortecer a queda, mas já não
conseguia ver nada. A última coisa que eu vi foram os
carros vindo em nossa direção, Leon tentando me levantar
e mexendo os lábios, mas eu não ouvia. Escutava apenas
um zumbido irritante. Pontos escuros nublaram minha
visão.
Mais uma explosão.
Algo voltou a bater em nós e fomos engolidos por
fogo e fumaça.

— Melhore essa cara, poderia ter sido pior. — A voz


irritante de Leon soou ao meu lado.
— Fale por você. — Disse olhando meu reflexo pelo
vidro.
Depois do ataque que sofremos, há dois dias,
ficamos em nossa sede em Durham. Eu tive uma
concussão e desloquei o braço, que já estava ajustado, e
um corte na cabeça. Storm ficou mais machucado e
precisou de intervenção cirúrgica, por uma perfuração no
abdome. Tivemos quatro baixas e perdemos a carga. Um
sinal do Cartel. Malditos.
— Você precisa contar a ela.
Junto com a explosão, houve o corpo profanado de
um dos prospectos, o segundo em um mês, com o nome
de Hanna escrito em sua carne. Suarez estava ameaçando
minha irmã abertamente e só deixaria de ser uma ameaça
quando estivesse morto. E eu o mataria com minhas
próprias mãos.
— Minha irmã está se recuperando agora de tudo o
que passou. Eu não vou jogar essa merda em cima dela,
de jeito nenhum. Você não escutou os pesadelos, Leon…
Ela fica apavorada, com o olhar perdido… E não fala nada
sobre o que aconteceu.
— Ela precisa saber para se proteger. Vamos
reforçar a segurança de Vivian, também. Storm, apesar de
acamado, já solicitou. Ela precisa estar alerta, ainda mais
agora que está de volta à universidade.
— Eu vou cuidar disso, Leon.
Ele pareceu ainda querer discutir, mas se calou. Eu
não falaria nada a Hanna por enquanto. Suarez jamais se
aproximaria de Hanna novamente, ela não sairia da minha
vista.
O resto do caminho até Richmond foi tranquilo.
Ninguém estava em clima para Igreja, então fomos
dispensados. No salão dos Devils, Scarlett olhou
esperando apenas um sinal para cuidar de mim e minhas
necessidades, mas eu precisava ir para casa. Hanna não
sabia o ocorrido e tinha ido para minha mãe, e além de
Peter, os russos estavam fazendo a segurança de ambas.
Yuri Ivanov era um homem de honra e no momento, na
atual situação, não era um risco para elas.
Cheguei em casa e mal fechei a porta, escutei um
ofego angustiado. Me virei para ver Tara, que tinha um livro
em mãos, se levantar e soltá-lo no chão. Seu cabelo estava
em um coque bagunçado. Ela vestia um short de pijama e
uma camiseta branca lisa. Ela amava ficar de pijama, eu já
tinha percebido. Era delicada e linda, e mesmo sem
maquiagem e bagunçada, a pose de princesa prevalecia. E
eu só queria profanar todo o seu corpo. Ela se aproximou
muito depressa, pegando minha mochila, colocando-a no
chão.
— Benjamin, o que aconteceu?
A preocupação em sua voz, o seu olhar marejado de
lágrimas, a forma como ela estava tocando a atadura de
meu braço, e ela dizer meu nome depois de tanto tempo,
fez uma sensação quente tomar conta do meu corpo, e
tudo contribuiu para que eu tivesse certeza. Eu a
reivindicaria, jamais deixaria que outro a tivesse e eu faria
de tudo para que ela quisesse ficar. Me quisesse como eu,
agora sabia, a queria.
Sem palavras, com meu braço bom, enlacei a sua
cintura e aproximei meu rosto. Ela parou um pouco de
verificar meus ferimentos e seus olhos prenderam os meus,
e tudo o que eu vi ali fez meu interior estremecer. Bondade,
inocência, doçura, misturada com força e fogo. Enganava-
se quem pensava que ela era uma garotinha tola. Ela era
uma sobrevivente e acho que ali, naquele momento, eu
entreguei um pouco de mim a ela. Uma lágrima solitária
escorreu em seu rosto, uma lágrima derramada por mim.
Meu peito apertou com o gesto de uma forma que eu não
entendi, e então, bem devagar, encostei meus lábios nos
dela, somente um roçar, quase como um teste.
O formigamento foi do toque de nossos lábios para o
corpo inteiro. Me ascendeu, catalisou o meu desejo, mas
eu me contive. Com toda a força do mundo, me afastei só
um pouco, para ver qual seria sua reação. Ela estava com
a boca deliciosa um pouco aberta, mas seus olhos não
mentiam, ela queria tanto quanto eu. Sua mão segurou
meu rosto, ela se aproximou, ficando na ponta dos pés e
me beijou novamente.
Com a certeza de que era o que ela queria, eu a
segurei firmemente contra mim, colando os nossos corpos
e aprofundei o beijo. Minha língua pediu passagem em sua
boca e ela me deu. Tara me deu e eu tomei, sem remorso,
degustando a delícia que era tê-la em meus braços.
Beijar sempre foi um meio para um fim, parte de um
processo. Beijar Tara foi uma experiência inédita. Não era
sexual, não era carnal. Era a afirmação de uma conexão
única, uma fusão de consciência e pertencimento. Seus
braços, quase hesitantes, me abraçaram pelo pescoço,
minha língua brincou com a sua e não pude ver quanto
tempo se passou. Era calmo, sereno, tranquilo como nunca
foi. Me dava a paz que eu tanto precisava.
Devagar, após um tempo, eu me afastei de Tara e
ela me olhou muito vermelha. Eu queria rir de sua timidez.
Com um beijo em sua testa, levei-a para o sofá. Porque se
ela ficava tímida com um beijo, teria que trabalhar isso,
pois não tinha ideia do que eu planejava fazer com ela.
Capítulo 16
Tara Madison

Eu ainda não sabia muito bem como processar o


que acabava de acontecer. Benjamin me beijou e eu não
sabia o que significava ou mesmo se significava algo.
Totalmente perdida o ajudei a se sentar, enquanto ele
ostentava um sorriso de lado, muito charmoso, fazendo
meu ventre formigar.
Ele me beijou. Na boca. Estava tentando não dar tanta
importância, mas era difícil quando ele ainda me olhava tão
intensamente e eu sentia seu gosto em minha boca.
— Shield, o que aconteceu? — Me concentrei em
seu estado.
— Benjamin. — Ele respondeu assim que se sentou
no sofá, roucamente.
Fiquei surpresa. Eu percebia que ele se incomodava
quando o chamava de Shield, todavia nunca havia dito em
voz alta. E eu confesso, já o chamei de Shield só para vê-lo
cerrar a mandíbula.
— Não entendi.
— Me chame de Benjamin. Não me pergunte o
motivo... Eu ainda não tenho uma resposta.
Nossos olhares ficaram trancados por alguns
segundos, até a intensidade ser tamanha que eu suspirei
muito alto e desviei os olhos.
— Bem, então. Você quer que eu pegue algo, te
ajude com algo? — Perguntei nervosamente.
E lá estava o sorriso que atormentava meus
pensamentos dia e noite. Benjamin estava estranho, como
se tivesse tomado uma decisão que só ele tinha
conhecimento. E algo me dizia que tinha relação comigo.
Eu estava em pé na sua frente, ele se desencostou do
sofá, pegou minha mão e me puxou para o seu colo, seus
olhos em nenhum momento deixando os meus. Meu
coração disparou e eu puxei uma respiração profunda
enquanto sentava em suas coxas musculosas. A mão solta
estava em minha cintura e então subiu para o meu
pescoço, seus olhos segurando os meus.
— Eu nunca fiz isso, Tara. — Seus dedos passaram
pelas minhas madeixas e eu quase fechei os olhos com a
sensação. — Nunca precisei, nunca foi prioridade ter
alguém. — Quando disse as próximas palavras, seus olhos
brilharam. — Você é uma princesa inalcançável, e eu, bem,
eu sou um filho da puta egoísta que quer o que não pode
ter. E eu quero você. — Ele aproximou o rosto do meu e eu
já estava totalmente rendida sob seu feitiço. — Você quer
ser minha?
Meu corpo estava mole, minhas mãos estavam em
seus ombros e eu deveria estar com uma cara de bêbada.
Bêbada pelas sensações que sua mão me causou. Em um
fio de voz e razão eu consegui dizer:
— O que significa ser sua? Seremos… Namorados?
— Sua boca foi para um ponto em meu pescoço que me
fez tremer levemente. Mas antes, eu precisava saber o que
esperar. Ele riu, soprando um pouco de ar ali que me
deixou ainda mais alta, como uma droga.
— Dê o nome que quiser, Princesa… Desde que
você seja minha.
Não era a resposta que eu esperava. Sua boca fez
uma trilha de beijos cálidos em meu pescoço, e eu queria
me entregar àquelas carícias, mas aquela dúvida
persistente ainda batia com força em minha mente. Eu
precisava saber.
— Mas… Mas então você também será meu?
Ele parou as carícias instantaneamente e se afastou
um pouco para me olhar nos olhos. Sua mão colocou uma
parte do meu cabelo atrás da orelha carinhosamente. Eu
estava amando esse Benjamin, esse Shield cuidadoso.
— Você será minha mulher e eu serei o seu homem.
O resto, vamos descobrir juntos, Tara. Mas você pode me
apresentar e se referir a mim como quiser. Eu vou me
esforçar para ser tudo o que você merece.
Foi ali o meu fim. Foi impossível não estampar um
sorriso enorme em meu rosto, eu não conseguiria me
controlar nem se realmente quisesse. Segurei seu rosto
com as minhas mãos e o beijei. Ele me deixou liderar,
acompanhando o meu ritmo. O beijo, diferente do primeiro,
tinha uma intensidade mais carnal. Seu braço se apertou
ao meu redor, mas não foi além. Meus mamilos ficaram
duros e sensíveis, meu ventre se apertou e fiquei úmida
entre minhas pernas. Era tesão, como eu nunca tinha
sentido antes. Era o que eu tinha procurado nos meninos
que fiquei, mas nunca fui além por não sentir nem 10% do
que eu sentia agora, com Benjamin.
Então, ele moveu sua mão para minha cabeça, me
segurando firmemente, os dedos entre o meu cabelo,
firmando para que eu tomasse o que ele desse. Passou a
liderar o beijo e eu me senti engolida pela sensação dele,
seu poder, seu magnetismo. Sua boca devastou a minha,
me reduziu a nada mais que uma massa em suas mãos.
Eu puxei seu pescoço mais firmemente e brinquei com sua
língua da mesma forma que ele fez comigo. Ele rosnou em
minha boca e eu quase ri, porque era maravilhoso saber
que minha necessidade por ele era recíproca.
Quando me soltou, ele beijou o meu pescoço como
se estivesse tentando se acalmar. Eu acariciei seu cabelo
negro brilhante e ficamos assim por um tempo. Pela
primeira vez em minha vida, me senti importante para
alguém. Importante pelo que eu era e não pelo que eu
representava. Eu me movi em seu colo e ele gemeu, me
fazendo lembrar de seus machucados. Me afastei e sentei
ao seu lado.
— O que aconteceu? — Perguntei agora mais
calma.
— Trabalho.
Mal a palavra saiu de seus lábios eu gelei. Porque
me lembrei do trabalho, do tipo de trabalho que Benjamin
fazia. Ele era um motoqueiro, bandido e fodão. Em
contrapartida, era o meu herói, meu salvador e eu tinha
sentimentos por ele que iam além da gratidão. Era
conflituoso, no mínimo. Mas se eu aceitasse estar com ele,
deveria ir inteira, porque ele não havia mentido para mim.
Eu sabia dos riscos, não era inocente e me assustou a
facilidade com que eu estava disposta a aceitar o que ele
queria me dar. Me assustou, mas não o suficiente para me
parar. Porque mais uma vez a vida me provava que nada é
preto no branco, estamos rodeados de zonas cinzentas e
por mais que Benjamin não fosse um mocinho bom na
forma como a nossa sociedade era instituída, ele era um
mocinho para mim. Ele me salvou de formas que eu ainda
não era capaz de compreender.
— Eu vou preparar algo para você comer.
— Eu jantei no clube. Só quero ficar perto de você.
A forma como disse me fez derreter por dentro. Eu
me aninhei ao seu lado enquanto sua mão boa acariciava
meu cabelo, o livro esquecido, apenas curtindo o quanto
era boa a sensação de alguém se importar comigo.

— Eu preciso ir…
— Eu vou te buscar mais tarde.
— Você não está bem para sair. E esse braço? Eu
venho de Uber, sem problemas.
— Não gosto do seu chefe babaca. Você não iria
tocar só um dia por fim de semana?
— Sim, mas Robert sempre me chama quando fica
na mão.
— Claro que ele chama. — Disse mais para si
mesmo e eu mordi um sorriso. Ciumento. — Eu vou te
buscar, Tara. E Jace agora fica dentro do bar. Não é só por
mim… As coisas estão complicadas.
Eu não queria perguntar. Preferia fingir que nunca fui
sequestrada e quase vendida. Preferia continuar vivendo
nessa bolha pensando que tudo estava certo e que não
havia um perigo à espreita. Eu só queria viver o agora.
Sorri como se ele não estivesse falando sobre algo sério.
— Então nos vemos mais tarde.
Dei-lhe um beijo rápido e me virei para sair, quando
senti minha mão ser puxada e eu me virar contra seu corpo
duro. Mesmo com uma mão, Benjamin era… poderoso.
Sua mão foi para minha cabeça e ele me beijou com
dureza. Após um segundo me recuperando do susto eu
passei a corresponder seu beijo, sentindo uma ansiedade
tomar conta de mim. Seu beijo era bruto e eu deveria me
sentir mal, mas era Benjamin, ele representava segurança
para mim. Então ao invés de medo, senti novamente
vontade de ficar nua e que suas mãos me acariciassem por
todo o corpo.
Quando me soltou, sua boca estava vermelha, e eu
imaginava que pelo formigamento que sentia, a minha
também estivesse. Talvez mais. Ele me soltou e eu quase
me senti desnorteada. Ainda me segurando perto, agora
com a mão em minha cintura, ele disse quase rosnando:
— É assim que você beija o seu homem antes de
sair, Tara.
Ele era um idiota usando esse tom mandão comigo,
mas eu gostava. Meu corpo reagia, e mesmo me odiando
por gostar, eu gostava. Definitivamente, estava me saindo
uma depravada. Só imaginava minha mãe vendo algo
assim, com todo aquele puritanismo hipócrita.
— Você é muito mandão, Shield. — Eu disse rindo e
vi o fogo se acender em seus olhos.
— Você está se saindo uma provocadora, perfeita
Tara. Essa carinha boazinha nunca me enganou… —
Terminou beijando meu pescoço.
Eu senti meu rosto queimar e Benjamin começou a
rir. Agora eu era uma piada, ótimo. Tentei sair, mas ele
continuou me segurando e rindo, pressionando o rosto em
meu cabelo. Eu acabei por abraçá-lo também, porque ele
era quente e gostoso demais para resistir.
— Vai lá, Princesa. Eu te busco mais tarde.
Enquanto Jace me levava para o Operrá, que aliás,
estava me fazendo faturar muito mais do que o mês inteiro
no café, eu tinha uma leveza que nunca em minha vida
tinha sentido.
Robert me recebeu na porta, olhando atentamente
atrás de mim. Às vezes ele era desagradável, mas eu
sempre soube como me sair de situações assim. As
pessoas com quem eu convivia eram amargas em um
bonito embrulho e eu tive que aprender cedo a me
defender, sem levantar a voz ou dar algum vexame. A
imagem sempre foi tudo.
— Chegou cedo, querida. — Olhou sobre o meu
ombro. — Sempre com um cão de guarda.
— Meu namorado é protetor. — Tudo bem, eu
estava um pouco metida sobre isso, mas era a verdade.
Ele tinha dito que estávamos em um relacionamento. Eu vi
o desgosto passear pelo rosto de Robert, mas ainda entrei
educadamente. Saudei os funcionários que já conhecia e
fui para o piano.
Tocar valia a pena suportar Robert. Ele fazia
comentários sempre ácidos sobre eu sempre ter alguém
comigo, e depois ficava estranhamente encantador. Antes
de começar de fato a tocar, comecei a pegar alguns
acordes, distraidamente. Não senti a presença de ninguém,
até ouvir atrás de mim.
— Que você tocava bem eu já sabia… Mas
compositora?
O susto foi tão grande que esbarrei em algumas teclas fora
do acorde, fazendo um barulho estridente.
— Me desculpe, eu não queria assustá-la. — Um
homem de uns trinta e poucos anos estava em pé ao meu
lado. Ele era moreno, olhos castanhos, forte e tinha um
sorriso que deveria ser encantador. Me estendeu a mão. —
Sou Rick Avelar, prazer.
— Tara Mad… Tara, prazer.
— Você é muito talentosa, Tara. É a terceira vez que
venho a esse restaurante e volto, porque minha esposa ali
está encantada com você. — Olhei para a mesa que
apontou e lá estava uma mulher muito grávida, seu cabelo
escuro e olhos de mesmo tom. Ela me acenou de longe
com um sorriso tímido.
— É muito gentil de sua parte, obrigada.
— Esse é o meu número. — Eu arregalei os olhos,
porque sim, eu pensei que ele estava me cantando com
sua mulher gestante não muito longe de nós. — Não, não.
Não é nada assim. Nós trabalhamos em um estúdio de
música e precisamos de alguém para nos ajudar na
harmonização. Seria muito bom se você fosse lá em algum
momento, para conversarmos.
Eu fiquei de queixo caído. Meu Deus. Eu amava
música. Não era nem um trabalho, era parte de mim.
— Nossa, muito, muito obrigada. E-eu, eu vou te
ligar, pode esperar.
— Não vou mais te atrapalhar, vamos ali aproveitar
o show.
Com um último sorriso, ele foi para onde sua esposa
estava. A emoção formou um nó em minha garganta. Eu
estava feliz, construindo uma vida, finalmente. Longe do
vazio que era a mansão em que eu vivi a vida inteira, longe
do luxo ostentoso, longe da angústia que me consumia a
cada dia que eu precisava sorrir, mesmo que quisesse
chorar.
Depois do melhor show da minha vida inteirinha,
saltitando de felicidade, fui para o escritório de Robert
receber pela noite de trabalho. Assim que entrei, ele me
deu um sorriso e se levantou. Eu fiquei próxima à porta,
embora retribuísse o sorriso.
— Querida, Tara. Foi maravilhosa essa noite. —
Parou em minha frente e pegou uma mecha do meu cabelo
longo. — Quantos anos você disse que tinha mesmo?
— Dezenove. — Respondi me afastando do seu
toque.
— Sua família é daqui mesmo? Não me lembro qual
é o seu sobrenome…
— Você poderia me pagar? — Disse enrubescendo.
— Eu tenho um lugar para ir.
— Tara, vou ser sincero. Você é uma garota linda é,
bem, eu tenho uma proposta para você. Uma proposta que
pode render um bom dinheiro para nós dois.
— Não estou entendendo.
— Eu preciso que você tenha a mente aberta, afinal,
você me disse em sua entrevista que está por conta
própria. Depois disse que não tinha namorado… Hoje já
disse que tinha.
— Eu não vejo como isso pode ser relevante,
Robert.
Ele sorriu, mesmo que eu tivesse acabado de
responder rispidamente. Ele tinha uma expressão de quem
não me levava a sério. Eu não gostaria de reclamar sobre
Robert para Benjamin, gostava de trabalhar e tocar aqui,
mas estava exaustivo essas tentativas de me encurralar
em seu escritório. Eu deveria colocar minha calcinha de
menina grande e me posicionar.
— Aqui está o dinheiro…
Eu peguei o dinheiro de sua mão e saí sem dar uma
resposta. Todo meu interior tremia porque eu poderia fazer
uma ideia da espécie de proposta que ele gostaria de me
fazer. Me sentindo enojada, saí do restaurante chocando-
me com Benjamin. Olhei para ele e instantaneamente o
abracei. Ele me amparou em seu braço e eu dei vazão a
um choro que nem sabia que segurava. Eu chorava por
tudo. Por todas as vezes que me levantei sozinha. Chorei
porque não era mais solitária. Eu tinha Hanna. Eu tinha
Benjamin.
— Princesa, o que aconteceu? — Ele me afastou e
passou a apalpar meu corpo à procura de algum
machucado. Mal sabia ele que a minha dor sempre foi
interna, algo que aprendi a administrar.
— Eu estou bem. — Respondi, enterrando meu
rosto em seu peito. — Só me abraça.
Quebrei em outra onda de lágrimas. De repente eu
já não me sentia sozinha, já não era apenas algo e sim
alguém. Benjamin me abraçou com força enquanto eu me
desmanchava em seus braços, na calçada ao lado do
carro. Os ensinamentos da minha mãe estavam cada vez
mais distantes. Nunca faça uma cena, sorria e deixe para
chorar quando sua cabeça estiver em seu travesseiro. Com
Benjamin senti-me livre. Eu só queria me derramar.
O tempo passou enquanto ele me acalentava como
se eu fosse uma criança. Pouco me importei com o local ou
o que as pessoas que passavam pensavam. Tão fora do
que eu sempre fui e ao mesmo tempo… Tão eu.
— O que aconteceu, Princesa? Alguém fez algo? —
Mesmo preocupado, a voz de Benjamin tinha uma nota
letal e perigosa.
— Não, eu só preciso… Que você não se afaste de
mim. — Falei em um fio de voz.
Senti seus dedos em meu rosto, levantando-o em
sua direção. Seus olhos tinham todas as emoções juntas.
Seus olhos me dizia que ele jamais me deixaria. Ele limpou
meus olhos com uma ternura quase impossível para um
homem do seu tamanho e estrutura. Beijou meus lábios
calidamente e eu fui tomada pela sensação de segurança
novamente. Segurança que eu descobri com ele.
Chegando em casa, eu estava totalmente inerte,
cansada, mas ao mesmo tempo aliviada. Coloquei meu
pijama enquanto Benjamin me trouxe um chá. Deitei, ele
me deu um beijo e se levantou, antes que ele saísse, eu
segurei sua mão, me afastei para o outro lado da cama e
fiz sinal para que se sentasse ao meu lado. Ele pareceu
surpreso, mas não perdeu tempo. Tirou a camisa e a calça,
com certa dificuldade, pois um braço estava machucado,
ficando somente de boxer. Tomei meu tempo apreciando a
vista, sentindo meu rosto arder, mas eu não os afastaria
nem se quisesse, ele era lindo demais. Lindo de doer os
olhos. Seu corpo era atlético, forte, seu cabelo escuro caía
na testa e os olhos quase oceânicos de tão azuis. E
depois, tinha aquelas tatuagens…
Quando meus olhos subiram para os dele, ele sorria
e eu quase morri. Deitei e tampei o rosto com a coberta,
dividida entre o riso e a mortificação. Escutei sua risada
leve enquanto apagava as luzes, sentindo quando ele se
deitou ao meu lado e, sem reservas, trouxe meu corpo de
encontro ao seu, quente e duro. O encaixe foi perfeito, que
nem mesmo o constrangimento de estar com um homem
seminu ao meu lado me impediu de relaxar. Eu precisava
de conforto, o conforto que agora eu sabia, encontrava em
Benjamin.
— Eu ainda quero saber o que aconteceu.
— Outro dia.
— E você sabe. — Ele disse após um tempo.
— Eu sei? — Perguntei, entrelaçando nossos dedos
em meu abdome.
— Que eu nunca vou te deixar. Não sem lutar.
Não eram palavras ao vento.
Era uma promessa.
Capítulo 17
Shield

Eu sempre fui um homem prático. Minha vida estava


muito bem dividida entre o que é importante e o que não é.
Com trinta anos, nunca pensei em ter um relacionamento.
Tendo um pai alcoólatra e abusivo, uma mãe vítima de
violência doméstica e uma irmã oito anos mais nova, a
responsabilidade familiar veio cedo. Aos dezessete anos,
eu me tornei um prospecto dos Devils, no mesmo ano em
que meu pai morreu em um acidente de carro, alcoolizado.
Seria uma mentira eu dizer que senti a sua perda.
Minha vida então era me provar competente todos
os dias para cuidar da minha irmã e mãe, e honrar os
Devils. Martin, pai de Storm, foi meu mentor. Me ensinou
valores como irmandade, lealdade e honra, mesmo que
não de forma convencional. O que começou como uma
forma de dar uma vida digna à minha família passou a ser
uma das prioridades da minha vida. Eu cresci com os
Devils. Eu me tornei VP aos vinte e sete, e nunca me vi
priorizando um relacionamento. Mesmo que idealizasse em
um futuro, nunca foi algo que eu procurei.
Neste exato momento, olhando Tara em seu sono,
um sentimento ainda maior de proteção e cuidado tomou
conta de mim. Ela estava com ambas as mãos embaixo do
rosto delicado, deitada de frente para mim, o cabelo um
emaranhado espalhado e o corpo coberto pelo pijama de
algodão azul claro. Uma princesa perfeita e inalcançável.
Delicada, meiga, mas ainda assim, forte. Uma menina, mas
foda-se, era a minha menina. A pessoa que acabava de
ocupar aquele lugar vago, que eu nunca me preocupei em
ocupar. Talvez sempre tenha sido dela.
Tracei seu rosto, tirando um pouco do cabelo caído
na frente, e ela relaxou ainda mais com o carinho. Tara era
carente. Mesmo com toda aquela aura, ela parecia carente
de afeto, carinho, de se sentir importante. Provavelmente
teve uma vida fodida sendo filha de quem é. O que
provava, mais uma vez, que riqueza e “berço” não eram
tudo.
Me levantei, embora quisesse ficar mais tempo
absorvendo a perfeição que era Tara dormindo, mas tinha
coisas a fazer. O meu braço já estava melhor, e eu odiava
a tipoia, então a tirei. Fui para o meu quarto e tomei banho.
Fiz um café, olhei para o relógio e ainda eram 05h30 da
manhã. Eu só conseguia pensar em como seria de hoje em
diante, em como eu adequaria a minha vida tendo mais
uma mulher, além de minha mãe e irmã, para cuidar e
proteger. Eu já estava fodido. Fugi mil vezes, mas agora
não fugiria mais. Eu colocaria meu patch sobre ela, faria
dela minha em todos os aspectos. Eu tinha falado sério, eu
nunca a deixaria ir. Não tinha volta.
Embora não tivesse esse tipo de experiência, sabia
que teria que ser devagar. Ela deveria se acostumar,
deveria entender o meu mundo, deveria me querer
inteiramente. E eu teria paciência. Não seria como foder e
ir embora na manhã seguinte, era construir algo sólido. Nós
descobriríamos juntos.
— Você não deveria tirar a tipoia.
A voz doce e calorosa de Tara me tirou da minha
névoa de pensamentos. Virei para o seu lado e ela estava
ainda de pijama, com o cabelo bagunçado e pés descalços
na porta da cozinha. Ela se aproximou e me deu a tipoia.
Seu perfume invadiu o meu olfato, algo de frutas
vermelhas, e eu ignorei o objeto, pegando seu rosto em
minhas mãos, olhando seus olhos verdes de bruxa.
Pequenas sardas salpicavam o topo do seu nariz pequeno
e se espalhavam discretamente pelo rosto, dando um ar
inocente, embora a boca vermelha fosse pecaminosamente
sedutora. Suas mãos subiram pelo meu peito timidamente
e ela ficou nas pontas dos pés. Uma pontada de dor
acometeu meu braço quando o abaixei e enlacei sua
cintura, mas com certeza, nesses treze anos de estrada eu
já tive ferimentos piores. Apertei o corpo dela junto ao meu
com força e ela abriu mais os olhos. Eu queria ir com
calma, mas meu corpo clamava pelo dela.
Colei minha boca na dela, sentindo cada polegada
de seu corpo ao meu. O tecido do pijama não ajudava
muito, e mesmo sem jeito, Tara me enlaçou pelo pescoço.
Do jeito dela, ela se mostrava disposta e era um bom sinal.
Uma dança sensual entre nossas línguas começou e eu
me perdi como na primeira vez. Eu adorava beijar Tara e
isso era novo. Minha mão a apertou na cintura com força, e
mesmo que eu estivesse louco para explorar e me perder
naquele corpo, eu me segurei. Vá com calma, fiz dessa
frase um mantra.
Separei nossos corpos, mantive minha testa na sua
e fechei os olhos com força, buscando meu controle. Após
alguns segundos, abri e me choquei com ela, me olhando
curiosamente com a face ruborizada e a boca úmida e
inchada pelo meu beijo.
— Se eu não parasse, iria te jogar nessa bancada e
comer essa boceta doce até você gritar meu nome.
Seus olhos se arregalaram, sua face ficou ainda mais
vermelha, mas seus olhos estavam ansiosos. Ela mordeu o
lábio inferior e eu me afastei com uma maldição, rindo da
minha própria desgraça. Eu era bruto e ela uma flor
delicada.
— Você… Poderia se quisesse. — Me virei para ela,
que desviou os olhos rapidamente e voltou para mim,
agora insegura. — Quero dizer, eu não me importaria.
Quero dizer que, bem… Merda. — Ela disse e se afastou,
muito vermelha, de um jeito quase fofo e, resmungando,
virou as costas. Ela mal deu um passou e eu a segurei,
suas costas se chocando com a minha frente, meu pau
duro e latejante atrás do seu corpo.
— Ah, Princesa, é bom saber que estamos na
mesma sintonia. Acredite, nós vamos fazer isso e muito
mais. — Virei seu corpo bruscamente para minha frente,
sentindo seu olhar ansioso no meu, sentindo que ela
gostava desse jeito bruto. Ela confiava em mim. O
pensamento me aqueceu por dentro e eu disse com
suavidade. — Mas eu vou fazer isso direito.
Ela praticamente derreteu em meu corpo. Afundou o
rosto em meu peito e eu a abracei com ternura. Tara tirava
de mim um lado que mulher alguma conseguiu tirar, um
lado protetor e carinhoso. Sempre fui um bom amante, mas
minhas relações começavam a terminavam na cama. Tara
era… Diferente. Ela teria tudo de mim. Todas as partes
fodidas.
Passei o dia na sede resolvendo alguns problemas
com as entregas. Storm estava se recuperando da cirurgia
e embora Cold não me quisesse ali, eu estava. Mesmo que
eu quisesse me enfiar em uma bolha com Tara, a realidade
estava em nossa frente e não era animadora ou bonita. Eu
queria o sangue de Suarez. E eles estavam sedentos pelo
nosso.
Hanna estava voltando para Richmond e eu
precisava de toda a segurança possível para ela, sem
assustá-la. Ela teria uma vida segura e feliz, nem que para
isso eu trabalhasse dia e noite. O mesmo valia por Tara. Eu
sabia que era mais uma responsabilidade, mais uma
obrigação, mas já não era uma escolha minha. Mesmo se
eu não estivesse com ela, eu ainda a protegeria. Deveria
saber, desde o momento em que nossos olhos se
encontraram, a decisão fora tomada, eu a protegeria.
Quando terminamos as reuniões, eu fui um homem
em uma missão. Fui direto para o Operrá, porque embora
Tara não tivesse falado nada, eu sabia que o motivo de
suas lágrimas era seu chefe idiota. Eu não gostava dele.
Todas as vezes que fui levar ou buscar Tara, fui sem
o Patch porque sabia que ele instigava respeito e medo e
eu queria saber qual o tipo de ser humano era o
empregador de Tara, sem parecer que estava me
intrometendo demais. E a forma como ele olhava para Tara
me revelava que era do pior tipo. Algumas pesquisas e
Viper conseguiu material suficiente para que eu odiasse o
homem: Prostituição era o seu segundo negócio.
Assim que entrei no Pub, o homem, que falava com
dois funcionários, arregalou os olhos. Era o colete. Ele
sabia e eu também. Sem palavras eu me aproximei e
acertei o seu rosto com um golpe. Gritos e histeria se
espalharam pelo ambiente, mas o meu colete era
respeitado e conhecido em Richmond. Ninguém tentou
ajudar o idiota ou mesmo se intrometer enquanto ele
cuspia seu próprio sangue. Eu o peguei pelo colarinho e
disse em seu rosto, suavemente letal.
— Fique longe de Tara.
Foi meu único aviso. Dei-lhe uma cabeçada e ele
caiu no chão. Virei as costas e saí do Pub com a alma
lavada.
Fui direto para o Café. Havia uma necessidade cada
vez mais crescente de ver Tara, de mantê-la em minha
vista. Havia um desespero monstruoso cada vez que eu
pensava na possibilidade de alguém lhe fazendo mal.
Montei em minha moto e parei em frente, olhando pela
vidraça enquanto ela trabalhava. Usava um avental e
limpava algumas mesas enquanto ria de algo que sua
companheira dizia. A placa já sinalizava estar fechado e
ambas pareciam se divertir. Tão diferente da garota
assustada que chegou comigo há alguns meses. Ela agora
exalava vida.
Embora, se eu fosse sincero, Tara se destacaria em
qualquer lugar, mesmo vestida de forma simples. Ela tinha
algo de impecável nela, fosse o que fosse. Estava na forma
de andar, de comer, de escutar atentamente, o tom de voz.
Era impecável, como se dificilmente se soltasse. A única
vez que consegui vê-la mais à vontade foi com Hanna e
minha mãe e às vezes comigo. Era condicionado, bonito de
olhar, mas no fundo de seus olhos era possível ver
angústia por trás de tanta perfeição. Era quase medo.
Quando veio até a porta se despedindo de sua
amiga, ela parou e quase tropeçou ao me ver. Um lindo
sorriso estampou seu rosto. Ela se aproximou incerta e eu
não dei tempo para o que quer fosse dizer. Tinha poucas
horas, mas eu já estava com saudade de sua boca na
minha. Enlacei sua cintura e a beijei com paixão, sentindo
seu corpo relaxar em meus braços à medida que minha
boca devorava a sua. Ela correspondeu e, timidamente,
colocou o rosto na curva do meu pescoço, de forma jovial e
fofa.
— O que você quer fazer?
— Não sei…
— Escolha algo.
— Eu quero ir ao cinema.
Quase ri da maneira juvenil com que ela disse isso.
Era quase cômico que eu estivesse me colocando na
posição de ir ao cinema com Tara, eu, VP de um dos Moto
Clubes mais perigosos dos Estados Unidos, mas ela
parecia tão genuinamente feliz que me vi incapaz de dizer
não. Incapaz de dizer o quanto era perigoso algo assim.
Sem pensar muito sobre o assunto, subi na moto e a
ajudei com o capacete. Por segurança, dois prospectos
estavam no nosso encalço, discretamente, pois não queria
assustar Tara. Se ela queria um cinema comigo, ela teria.
Assistimos a um filme de comédia romântica bem
mulherzinha, mas novamente, não encontrei minhas bolas
para lhe dizer não. Se eu prestei atenção ao filme? De jeito
nenhum. Eu estava maravilhado com o prazer que passava
no rosto da minha garota cada vez que ela ria ou suspirava
sobre alguma merda no filme. E roubei todos os beijos
possíveis entre uma cena e outra. Mesmo com a nossa
diferença de idade, toda a experiência era nova para mim
também.
Saímos e passamos em uma lanchonete para comer
algo. Tara pediu um hambúrguer com fritas e eu
acompanhei, embora minha porção viesse dobrada.
Enquanto comia, observava Tara com toda a cautela para
não se lambuzar ou mesmo sujar as mãos.
— Quanto tempo para aprender essa técnica? —
Ela parou de mastigar e me olhou confusa. — Para que eu
não pareça um selvagem perto de você.
Ela enrubesceu e baixou os olhos e eu queria me chutar.
Não tinha sido minha intenção deixá-la com vergonha, era
para ser uma piada.
— Me desculpe, é força do hábito.
— Princesa, não é para se desculpar. É só que
mesmo que seja louvável seus bons costumes, parece que
você nunca relaxa. — Ela continuou com os olhos baixos,
tristes, concordando. — Como era antes do sequestro?
Tentei a abordagem de mudar de assunto, e ela me
olhou surpresa. Ela olhou pela janela ao longe, como na
primeira noite em que dormiu no meu apartamento, e vi o
mesmo flash de tristeza que tinha visto naquela noite.
Fosse o que fosse, Tara levava sua parcela de dores e
cicatrizes.
— Era… Vazio.
— Sente falta dos seus pais? — Ela me olhou.
— É estranho se eu disser que não?
— Tão ruim assim?
— Minha mãe me amava de forma distorcida. As
traições do meu pai, o abuso contínuo dele fez com que ela
gastasse toda a sua energia e frustração em mim. — Seus
olhos seguraram os meus. — Eu tinha que ser perfeita, em
tudo. E meu pai só me enxergava quando precisava de
mim para uma manchete no jornal.
— Ele te tocou?
— Não fisicamente. Esse trabalho foi da minha mãe.
Senti o meu corpo tremer de raiva. Meu pai foi
alcoólatra e abusivo, mas minha mãe e irmã foram meus
pilares de amor e carinho. Nós sempre estivemos lá um
pelo outro, Tara parecia ter uma vida tomada por solidão.
— Primos, amigos, avós?
— Nunca conheci os pais da minha mãe. Segundo
ela, eles moram em uma sarjeta em algum lugar do país,
ela cortou relações quando se casou com meu pai. Os pais
do meu pai são falecidos. Sem irmãos, sem amigos.
— Nem na escola você fez amigos?
— Eu nunca poderia sair ou ir a festas ou mesmo ir
à casa de uma amiga. Era difícil manter relações assim.
Estava me sentindo um idiota por fazer tantas
perguntas. Cada resposta fazia Tara ficar mais e mais
desanimada. A vida dela foi uma merda. Agora eu entendia
grande parte do que era Tara. Ela foi reclusa por toda a
vida, vivendo para suprir expectativas dos pais. Entendia
como era visível ver a vida tomando conta do seu lindo
rosto. Ela segurou minha mão na sua e apertou de leve.
— Eu estou vivendo o que eu sempre sonhei. Como
é possível uma tragédia se transformar em um sonho,
antes impossível?
Meu peito se apertou com a ingenuidade de suas
palavras. Porque, quais as chances? Como era possível
que aquela garota que eu vi sendo leiloada se tornasse
importante para mim, a ponto de suas dores doerem em
mim também?
— Eu prometo que não deixarei nenhum deles
chegar até você. Você não está mais sozinha.
Tara levantou os olhos para mim, toda sua
vulnerabilidade exposta sem qualquer proteção. Tanta
verdade em um único olhar. Ela aproximou seu rosto do
meu, sua boca da minha e me beijou, castamente. Uma
onda de emoção me tomou com aquele simples gesto que
ia além do sexual.
Era uma entrega, um pacto, uma promessa:
Eu a protegeria com a minha vida.
Capítulo 18
Tara Madison

Duas semanas se passaram e minha vida tem sido


quase… Perfeita. Sim, perfeita, como nunca foi. Recheada
de carinho, consideração, cuidado, tudo o que eu fui
privada. Eu trabalhava, tanto no Café quanto no bar e
restaurante, e embora Jace fosse um lembrete ambulante
de que perigo estava à espreita, eu tentava focar em
situações positivas.
Estava terminando meu expediente quando Roger
me ligou avisando que teve algum problema na encanação
do Bar e eu estava dispensada, o que foi a duas semanas.
Ele me dispensou então permanentemente, sem qualquer
explicação. Chegando ao apartamento já estava discando
o número de Benjamin, mas parei ao me deparar com
Hanna. Ela estava olhando para a janela e seu rosto estava
molhado. De lágrimas.
— Hanna, está tudo bem?
— Está, está… Eu só estou… Um pouco pensativa.
— Hanna…
— É sério, Tara.
Olhei para a situação de Hanna, que todos os dias
queria parecer forte, mas ela, mais do que eu, tinha dias
mais sombrios. Eu não sabia em detalhes o que ela tinha
se passado, mas sabia que não era bonito. Ela tinha
retomado os estudos em Richmond e os primeiros dias
foram alegres, mas estava tendo uma recaída. Me
aproximei e fiquei ali ao seu lado, pensando no que eu
poderia fazer para melhorar o seu dia. Foi quando tive uma
ideia.
— Se arrume.
— Oi?
— Se arrume, vai. Vamos para a sede do Clube.
— Mas você não tem que trabalhar?
— Hoje não.
— Santa Tara. — Ela disse sorrindo e eu fui para o
quarto chamando seu nome. Hanna sabia que eu estava
envolvida com seu irmão, pois ele não fez questão de
esconder e ela tinha ficado feliz. Enquanto separava
roupas para escolhermos, fui tentando conversar com ela.
— Preciso de conselhos.
— Meus conselhos?
— Você está parecendo um papagaio repetindo tudo
o que eu falo. Preciso de ajuda, seu irmão é lindo e eu
gostaria que ele ultrapassasse os limites comigo. Mas ele
sempre fica… Não sei como dizer…
— Você quer transar com ele e ele não mostra
interesse?
Coloquei um vestido branco que ia até o meio da
coxa e ela já estava terminando de colocar o top preto e a
calça da mesma cor. Ela tinha o corpo sexy cheio de
curvas. Eu era uma magra e um pouco mais alta, sumia
perto da exuberância dela. Coloquei um casaco jeans e
tênis, ela colocou sapatilhas e também pegou o casaco.
Suas palavras me deram um puxão que eu não esperava e
me vi dizendo em voz alta:
— Você acha que ele… Não tem interesse sexual
em mim?
— Acho que ele não quer que você se sinta
pressionada. Meu irmão nunca fez cortejo a mulher
alguma, nunca namorou, ele transava e pronto. Talvez você
tenha que dar sinais de quer mais.
— Eu falei uma vez… Mas ele… Ele disse que quer fazer
as coisas do jeito certo.
— Então o seduza. — Comecei a rir.
— Não saberia nem por onde começar com isso.
— Qual é, Santa Tara. Meu irmão está muito a fim
de você e nem faz questão de esconder. Ele deve estar
inseguro por conta de… Bem, de tudo. Mostre que você o
quer. Quando estiverem se beijando, seja mais atrevida.
Uma onda de risos nos tomou, enquanto
terminamos de nos arrumar, mas quando a graça passou,
eu comecei a ficar verdadeiramente preocupada.
— E se ele me repelir?
— Oh não, ele não vai fazer isso.
— Sempre que as coisas ficam quentes entre nós,
ele para. É frustrante. — Disse, verdadeiramente frustrada.
Porque sim, Shield sempre freava nossos avanços.
— Então fale com ele. Melhor, mostre a ele.
Revirei os olhos e, assim que saímos em direção ao
estacionamento, Hanna sentou no banco do motorista e
Jace também entrou no carro. O rosto de Hanna caiu no
mesmo momento. Pelo jeito, ter alguém sempre por perto
não era só um lembrete para mim, era pra ela também.
Tentei novamente falar de amenidades, uma vez que não
falaria da minha vida na frente de Jace, mas fez pouca
diferença.
No caminho meu telefone tocou, um número
desconhecido. Fiquei um pouco apreensiva, mas atendi,
tentando parecer segura na frente de Hanna.
— Olá.
— Tara? — Uma voz masculina respondeu do outro
lado.
— Quem é?
— Tara, é o Rick. Rick Avelar, tudo bem? Espero
que não se importe, consegui seu telefone com uma
atendente do restaurante que você toca. Ou melhor,
tocava. Fiquei sabendo que você não está mais tocando lá.
— Eu… Não, sem problemas.
— Como você não me ligou, eu tomei a liberdade de
te ligar. Eu tenho uma proposta para você, nós poderíamos
conversar amanhã? É um pouco urgente.
— Então… — Estava surpresa, mas Rick não me
deixou responder.
— Por favor, escute a minha proposta. Eu acredito
que será bom para ambos.
— Tudo bem.
— Vou te mandar um endereço por mensagem.
Obrigado, Tara. Tenha uma boa noite.
— Boa noite.
Fiquei pensativa. Ao mesmo tempo em que ficava
feliz por ter a oportunidade de trabalhar com algo que
amava, eu ficava insegura.
— Quem era? — Hanna perguntou enquanto
alternava sua atenção em mim e no trafego.
— No dia que eu estava tocando no bar, um homem
me abordou, parece que ele é dono de um estúdio de
música. Ele me chamou para conversar.
— Você tem que aceitar, Tara.
— Eu não sei se sou boa…
— Oh, pare com isso! Ele te ouviu?
— Sim.
— Ele já te julgou boa. Pare de se boicotar, você vai,
com certeza.
Chegamos em frente a sede dos Devils e um frio
tomou meu ventre e a insegurança me tomou. Será que ele
gostaria de me ver aqui? Eu era namorada dele, não era?
Não deveria ser nada demais, se não fosse o caso dele
explicitamente me dizer que não era seguro ficar por ali.
Mas eu já estava na entrada, não recuaria agora. Hanna
passou o braço no meu e entramos, o prospecto que
estava na entrada não nos barrou nem perguntou nada.
Entramos no bar e… Meu Deus. Mulheres seminuas
praticamente transavam em público. Meu rosto ardeu,
porém Hanna parecia inabalável. De repente meu coração
começou a disparar. Uma série de situações começou a
passar em minha mente. E se ele estivesse com outra? E
se ele não estivesse querendo nada comigo porque tinha
outra? O mero pensamento fez meu coração cair. De
repente eu queria me dar um tapa por ter tido a ideia de ir
ali.
De longe, vi Cold com uma mulher no colo. Mesmo daquele
jeito, com uma mulher em cima dele, Cold era frio. Ele
parecia não se importar com nada, muito menos com a
mulher em seus braços. Ele era legal, mas tinha algo
definitivamente intocável nele. Seus olhos pousaram em
mim e ele deu sinal para Benjamin. Na mesma mesa, outra
mulher estava sentada, graças a Deus em sua própria
cadeira. Mesmo assim o ambiente era… Muito sexual. Me
senti incomodada.
— Ben está ali.
— Eu vi.
Estávamos paradas no meio do bar e Benjamin se
virou para nós, uma carranca tomando conta de seu rosto.
Ele se aproximou não parecendo muito feliz. Nos arrastou
para uma ante sala e fechou a porta.
— Porque vocês estão aqui?
— Hey, não grita comigo. — Hanna respondeu. —
Eu queria vir até aqui e chamei Tara.
— Você não deveria estar trabalhando?
— Deveria, mas queria te fazer uma surpresa. Pelo
jeito, eu fui surpreendida.
— Esse não é um ambiente para vocês.
— Nem para alguém que tem namorada. — Hanna
soltou. Eu não conseguia falar nada.
— Eu já estava indo embora, me sentei um minuto
para terminar de alinhar a próxima viagem. — Enquanto
falava, os olhos de Benjamin estavam em mim — Olha, vão
para o bar e tomem alguma coisa que não tenha álcool, eu
preciso terminar de decidir algumas coisas com Storm e
Cold.
— Aquele que tinha a língua na garganta de duas
mulheres?
— Hanna! — Ele disse olhando feio para a irmã. Ele
parecia sem saber o que fazer, estava detestando o fato de
estarmos ali e sem saber o que fazer exatamente.
— Venha, Tara.
Antes que eu passasse por Benjamin, ele segurou
meu braço. Eu sinceramente não queria falar com ele. Não
que ele estivesse fazendo algo de errado, embora seu
amigo estivesse praticamente transando na sua frente, ele
não estava fazendo nada de errado. Era mais as minhas
questões mesmo, minhas inseguranças e a aparente falta
de interesse dele em mim.
— Está tudo bem? — Perguntou parecendo
preocupado. Só um pouco.
— Está. — Eu respondi, soltando meu braço do seu
agarre calmamente e seguindo Hanna.
— Se meu irmão estiver…
— Ele não estava, Hanna.
— Você confia demais. — Ela se levantou. — Vou
buscar algo para nós e tente não encarar demais. São só
amassos. — Disse olhando em volta, até parar em um
casal onde o homem estava com a mão na calcinha de
uma das mulheres. — Mais ou menos.
Eu teria rido se não estivesse perdida em uma
miríade de pensamentos. Me assustei quando alguém se
sentou no lugar vago e me assustei mais ainda por saber
quem se sentava ali. Era a morena linda que eu sabia já ter
ficado com Benjamin. Fiquei tensa porque não gostava de
confronto. Ela iria gritar comigo? Me agredir? Quando
levantei meus olhos para os seus ela sorria. Era um sorriso
quase triste.
— Olá.
Ela me cumprimentou estendendo a mão, as unhas
pintadas de vermelho. Após alguns segundos de
estranhamento eu encontrei a minha voz e segurei sua
mão.
— Oi.
— Sou Scarlet.
— Tara. Prazer em conhecê-la.
Ela riu e eu estava parecendo uma idiota sem saber
o que fazer em relação ao riso. Ela parou um pouco e seu
rosto suavizou.
— Me desculpe, não queria te constranger. Eu só
estava... Curiosa.
— Sobre mim?
— Também. — Seus olhos foram para onde
Benjamin começava a se levantar, ainda falando com Cold
e Storm. — Ele é uma ótima pessoa, Tara. Acima de
qualquer coisa, eu quero que ele seja feliz e se ele a
reivindicou… Eu espero que sejam felizes.
— Não é assim, ele não é meu dono… Nós estamos
namorando.
— Desculpe… Motoqueiros não namoram, Tara.
Não amam como os outros homens, eles tomam para si.
Espero que você consiga entender.
Dito isso, ela se levantou e saiu com uma piscada
amigável. Era estranho, ela já tinha ficado com Benjamin,
eu tinha sim uma insegurança louca por ela ser sedutora e
linda, mas ela não tinha me dado motivo algum para odiá-
la. Ela tinha sido amigável, apesar de todo amor por
Benjamin estar estampado em seus olhos.
— Vamos.
Escutei Benjamin atrás de mim. Eu me levantei
calmamente sem encontrar seus olhos. Ele deu sinal para
Hanna, muito mal-humorado e eu o segui, pois também
não estava no melhor dos humores. Assim que entramos
no carro, ele nos deu um monólogo, enumerando os
motivos pelos quais não deveríamos ter nos aventurado no
Clube, principalmente à noite. Hanna rebatia alguns de
seus argumentos, mas eu me mantive calada. Várias vezes
eu percebi um olhar quase preocupado em seus olhos na
minha direção, mas continuei olhando as ruas pela janela.
Chegamos ao condomínio, mas antes que eu
descesse, Benjamin disse:
— Hanna, entre. Peter ficará de olho. Tara e eu
vamos sair.
Eu fiquei surpresa, mas não desci. Queria
argumentar pela forma autoritária com que ele disse as
palavras, mas não era o momento. Hanna saiu do carro e
me deu um olhar de “vai ficar tudo bem”, indo em direção
aos elevadores. Assim que ela desapareceu de nossa
vista, Benjamin suspirou e desceu. Eu saí, sem saber
exatamente o que fazer, até entender que ele estava indo
em direção à Harley.
Não sentia medo. Eu jamais poderia sentir medo de
Benjamin, ele tinha me dado uma oportunidade de viver e a
cada dia que passava já não conseguia ver a minha vida
sem ele. O medo era se ele me via da mesma forma. Me
sentei na traseira de sua moto e antes que saísse, ele pôs
as mãos em cima da minha, me fazendo abraçá-lo.
Mesmo em meio às minhas inseguranças, aproveitei a
calmaria do seu corpo próximo ao meu, somado ao vento
em meu rosto, sentindo-me aliviada. Se eu não fosse
suficiente para Benjamin, seria como perder algo de mim
que eu não estava pronta para reconhecer e nem sabia
que me pertencia. Estava sob a minha pele.
Os grandes edifícios da cidade foram ficando cada
vez mais distantes, uma calma tomando conta da
interestadual, até ele diminuir a velocidade. Shield entrou
em uma estrada de terra e quase imperceptível pela
escuridão e que dava em uma colina, e lá do alto… Parecia
um mirante, com vista privilegiada para a cidade. Sem
esperar, desci da moto, já retirando o capacete e olhando
como a cidade era linda iluminada. Uma emoção pura
passou por mim, pois de repente a minha atual realidade
me bateu: eu tinha um emprego, pessoas que se
importavam comigo ali, em Richmond.
Minha cidade.
Meu lar.
Senti quando a mão de Benjamin pousou em minha
nuca, e um arrepio me tomou da cabeça aos pés. Poderia
ser pelo toque, ou ainda pela brisa gelada… A sensação
era deliciosa. Virei lentamente chocando nossos olhares,
pedindo para os seres celestiais que esse homem tivesse
em seu coração pelo menos metade de todo o sentimento
que eu nutria por ele. Seus olhos seguraram os meus e
tudo o que sentia se aprofundou de uma forma violenta.
— O que você está pensando? — Ele perguntou em
um sussurro. Ele parecia preocupado com meu silêncio.
Mesmo que um nó de emoção estivesse apertando minha
garganta, consegui responder:
— O tanto que eu quero que o que temos funcione.
Seus olhos se apertaram e ele puxou meu corpo ao dele, a
ação combinada com o que eu sentia resultou em um
turbilhão. Sua mão direita firmou meu rosto e seus olhos
seguraram os meus.
— E por que você tem dúvidas? — Tentei desviar os
olhos, mas ele me manteve ali em um aperto firme. —
Responda, Tara.
Fechei os meus olhos com força. Eu sempre preferi
o silêncio ao confronto. O silêncio era solitário, mas me
preservava. O confronto sempre me desgastava e ainda
me machucava, mas quando abri os meus olhos, eles
estavam determinados. Porque eu me fiz uma promessa, a
promessa de viver intensamente, se sobrevivesse ao
inferno ao qual fui jogada. Eu sobrevivi e devia honestidade
acima de tudo a mim mesma
— Eu não gostei de ver você naquela… Festa. —
Soltei em um fôlego.
Benjamin me estudou por alguns momentos, seu
aperto ainda era firme e eu segurei a respiração. Porque eu
realmente não tinha gostado.
— O que exatamente você não gostou?
Uma onda de coragem me tomou e eu respondi em
um único fôlego:
— Você me trata como se eu fosse... Quebrável. E
você não deixa a nossa relação evoluir, mas quando eu
chego ao seu trabalho, tem um monte de mulheres
seminuas e dispostas a ficar com você. — Fechei os olhos
para dizer as próximas palavras. — Não vou pedir desculpa
por me sentir insegura. Você está arrependido de nós?
Quando abri os olhos, Benjamin estava com uma
expressão confusa. Ele me avaliou por alguns segundos e
então suspirou como se tivesse acabado de se dar conta
de algo. Me apavorava a mera ideia dele estar cansado de
mim, mas se fosse esse o caso, eu aceitaria. Eu merecia
mais.
Em um único movimento, Benjamin me pressionou
contra a motocicleta, no susto ele me elevou e me sentou,
ficando entre minhas pernas. Bruto e selvagem. Eu segurei
seu pescoço por instinto, emocionada e levemente
assustada. Sua mão foi para o meio das minhas pernas,
fazendo o vestido subir ainda mais. O contato de sua mão
em meu sexo me fez suspirar e fechar os olhos, suspiro
que Benjamim roubou em meus lábios.
Eu esperei o pânico me tomar, esperei o mal estar,
mas estava consumida por Benjamin. Consumida porque
ele me salvou, era meu porto seguro, e estava se tornando
cada dia mais e mais essencial. Nosso beijo se
aprofundou, enquanto a outra mão foi em direção ao meu
seio e ele apertou. Seu hálito fresco, seu perfume, que me
lembrava a calmaria do mar em um dia ensolarado, e seus
grunhidos mandavam qualquer resquício de medo para
bem longe.
Ele nunca tinha me tocado dessa forma. Não tão
intimamente, e agora ele me dominava com a quantidade
de sensações que foram me tomando. Eu o abracei mais
forte e o beijei com mais paixão. Sua mão puxou a minha
calcinha, sentindo a minha umidade. Benjamin parou e me
olhou nos olhos.
Enquanto ele brincava com meu sexo eu passei a respirar
pela boca sentindo meu prazer se construindo. Fechei os
olhos, mas Benjamin levou a outra mão em meu cabelo,
me fazendo olhar para seus olhos.
— Olhos em mim.
Foi impossível desviar o olhar. Seus movimentos
foram ficando mais frenéticos, um dedo foi introduzido
enquanto com o polegar ele brincava com meu clitóris.
Minhas coxas tremeram quando eu me perdi em um clímax
jamais sentido, potente, capaz de me pôr de joelhos.
Benjamin abriu mais as minhas pernas e nivelou meu
centro com seu pau, por cima do jeans. A sensibilidade pós
orgasmo pressionada em seu pau me fez gemer como um
gatinho, enquanto sua voz rouca soou em meu ouvido:
— Sinta meu pau, Tara. Ele está assim por você,
unicamente por você. Tenho me segurado todos esses dias
porque não quero que se sinta obrigada a ficar comigo. Vai
ser do seu jeito, no seu tempo. — Ele me apertou mais,
agora todo o meu tronco esmagado em seu peito. — Mas
você não pode ficar tentando um homem com o que ele
mais quer, não sem consequências.
— Se essa for a consequência, vou continuar
tentando mais e mais, Shield.
Ele olhou em meus olhos e me deu um tapa
estalado em minha bunda. O tapa me fez pular e soltar
uma risada divertida. Ele também sorriu e logo ficou sério,
a mão que segurava meu pescoço colocando uma mecha
de cabelo atrás da orelha com ternura.
— Às vezes eu vou precisar ficar no clube até mais
tarde, às vezes eu vou precisar viajar. Eu preciso que você
confie em minha palavra de que não ficarei com mais
ninguém, não quando quem eu mais quero é você. Você
pode lidar com isso? Você pode lidar com toda a merda
que vem junto comigo?
Eu o observei por alguns segundos. Eu poderia? Vi
tantas vezes minha mãe chorando por meu pai, tantas
agressões físicas e emocionais, tanto sofrimento. Benjamin
era Shield, e Shield não era um homem bom. Ele era um
bandido, um valentão, mas ainda assim…
Ainda assim.
— E você será capaz de lidar com minha
insegurança? Minha imaturidade, inexperiência?
Ele pareceu pensar por alguns segundos, então
sorriu e me abraçou. Escutei as batidas do seu coração, a
brisa já não era tão gelada quanto antes. Eu beijei o peito
dele, meus braços dobrados entre nós dois, enquanto ele
me envolvia como um manto.
— Nós vamos descobrir isso.
Capítulo 19
Shield

Tara Madison tinha apenas 19 anos e eu não


deveria jamais me esquecer desse detalhe. Era fácil passar
despercebido quando ela era calma, não dada a
demonstrações exacerbadas de emoções, contida, e
sempre muito educada. Não era do feitio de Tara fazer uma
cena, ela sempre parecia pensar muito antes de tomar
qualquer atitude.
Mas ainda assim, Tara só tinha 19 anos, e eu era o
seu primeiro relacionamento. Primeiro e único, porque em
breve eu lhe daria o meu patch.
Minha propriedade.
Minha.
Contudo, eu deveria ir com calma. Eu precisava que
ela entendesse o meu mundo, o mundo que ela já fazia
parte e não sabia. Manter minhas mãos e pau longe de
Tara esses últimos dias foi uma dura prova de resistência,
porque eu estava cada dia mais louco por ela. Necessidade
me envolvia cada dia somente com o pensamento dela.
Mas claro, do seu jeito, ela tinha demonstrado sua
insatisfação e teve a capacidade de dizer que eu não
estava lhe dando a assistência necessária. A primeira vez
que tento ser um cavalheiro, tenho o fato jogado de volta
em meu rosto.
Assim que chegamos ao apartamento, estava
escuro. Ela foi em direção ao quarto dela, mas eu a puxei
para o meu. Não tínhamos mais dormido na mesma cama,
porque, por mais bem intencionado que eu estivesse, eu
ainda era um homem e Tara era a minha tentação. Mas
isso acabou, definitivamente. Tara dormiria comigo.
Eu fui ao closet e tirei uma camiseta dos Devils para
ela. Minha menina tímida olhou para a roupa e olhou para o
banheiro. E, mesmo que eu estivesse vendo toda a
insegurança ali em seu olhar, ela tirou o vestido em minha
frente, junto com a parte de cima da roupa íntima, e a mim
só coube assistir ao show de beleza que era Tara Madison.
Sua pele perfeita, os cabelos longos e lisos, caindo
pelas costas, o sorriso inocente, o olhar ansioso… Só me
provava o quanto ela era uma princesa e eu era indigno
dela.
Mas eu também era egoísta e vê-la em minha
camiseta me deixou duro e possessivo, certo de que ela
era minha. Minha para manter.
Me aproximei do seu corpo e a abracei, ela se
desmanchou em meus braços, como se me afirmando que
sim, ela me pertencia. Era louco esse sentimento, essa
possessão. Algo que nunca havia experimentado, mas que
agora estava tão enraizado como se sempre estivesse ali.
Estilo noiva, eu a levei para a cama, tirei minhas roupas
ficando apenas de boxer e a abracei. Ela passou a
acariciar minha barba com uma delicadeza própria dela.
— Eu recebi uma proposta. — Tensionei o corpo
levemente, mas aguardei as próximas palavras. — Esses
dias eu estava tocando e um homem se aproximou de mim,
no bar. Ele tem um estúdio de música, estava
acompanhado da esposa e gostaram de me ouvir tocar. Ele
faz harmonização musical… Me convidou para ir conhecer
o estúdio.
— Nome.
— Ben.
— Nome, Tara.
— Rick Avelar. Ele me deu um cartão profissional,
Benjamin.
Ela disse com uma ponta de irritação que quase me
fez rir. Eu beijei sua testa, maravilhado e preocupado com
sua ingenuidade. Qualquer um poderia fazer um cartão e
se passar por alguém importante.
— Isso não significa muito, Princesa. Amanhã você
me passa o cartão dele e vamos pedir para Viper dar uma
olhada no cara.
— Dar uma olhada no cara, significa…?
— Significa dar uma olhada no cara.
— Me prometa que não vai machucá-lo, Ben. Ele
está com uma esposa gestante e só me ofereceu um
emprego. — Eu a olhei por um tempo. — Por favor.
Seu pedido quase inaudível me fez desmontar por
dentro. Que ela nunca soubesse o poder que detinha sobre
mim. Que ela nunca descobrisse ou eu estaria ainda mais
fodido.
— Então me prometa que se eu achar qualquer
coisa que te coloque em perigo você vai se afastar.
Ela concordou e beijou meu peito, deitando nele em
seguida. Ficamos nesse silêncio por um momento, até ela
dizer.
— Tenho medo de que isso entre nós… Acabe. —
Sua voz era tão baixa e contida que eu quase pedi para
que repetisse. Meu interior gelou.
— O que te faz pensar que essa é uma opção? —
Respondi um pouco duro demais.
— Não entendi. — Ela respondeu, levantando os
olhos sonolentos para mim de um jeito adorável. Eu
segurei os dois lados de seu rosto e respondi com toda
seriedade.
— Eu jamais deixaria você sair da minha vida. —
Aproximei nossos lábios e disse as próximas palavras ali:
— Você me pertence agora.
Ela se afastou minimamente e eu esperei por algum sinal
de desconforto pela minha declaração possessiva, mas ela
apenas disse:
— Eu só iria embora em duas situações: se você me
traísse ou se levantasse a mão para mim.
Por mais absurdo que fosse todo o pensamento de
que eu seria capaz de prejudicar Tara intencionalmente, a
paixão que exalava de suas palavras me fez entender o
quanto era importante para ela que eu garantisse isso.
Provavelmente pelos pais. Eu firmei seu rosto para que ela
olhasse em meus olhos e nunca duvidasse das minhas
próximas palavras:
— Eu nunca te prejudicaria, Tara. E mataria
qualquer um que tentasse.
Ela relaxou visivelmente em meus braços e colocou
o rosto em meu peito, me respirando. Eu a abracei mais
forte, sentindo seu corpo grudado ao meu. Fazendo o uso
de todo o meu autocontrole para esperar o tempo dela para
que fosse inteiramente minha, admirei enquanto Tara
adormecia, acariciando seu cabelo, já não me
reconhecendo em cada ação ou palavra. Tara estava me
transformando, me vulnerabilizando, se tornando mais do
que jamais imaginei possível e tudo o que ela fez foi ser
uma princesa inalcançável, impossível para homens como
eu, para que eu desejasse tê-la mais que a própria vida.
Para o seu mal, eu não tinha consciência e não me
importava que ela fosse demais para mim.
Ela não pertencia ao meu mundo.
Ela era perfeita demais, como um diamante que
você só pode olhar pela vitrine e admirar. Uma obra-prima
feita para ser vista, jamais tocada.
Bondosa, compassiva, evoluída.
Fora dos limites.
Inalcançável.
Contudo, minha.

— Ficou marcada para sábado. — Cold disse.


— Mas já é depois de amanhã. — Eu disse,
preocupado.
— O cerco está se fechando e precisamos resolver.
O senador Madison está dificultando para Eduardo
Santorelli conseguiu abrir uma investigação contra ele. E
Shield, sabemos que tudo é principalmente pelo massacre
que fizemos ao invadir o leilão em Guadalajara. — Cold
respondeu
— Onde será a reunião? — Leon perguntou
— Aqui. Em Richmond. — Storm respondeu entre
seus goles de uísque.
— Perigoso. Todos os líderes em um local apenas.
— Viper, sempre silencioso, disse.
— Teremos que redobrar os cuidados com a
segurança. Leon, eu deixo por sua conta. — Storm se vira
para mim. — Claro que tudo poderia se resolver se você
falasse com sua irmã.
— Não. Mesmo.
— Me deixa falar c…
— Fique longe dela, Prez! Hanna ainda tem
pesadelos à noite e mesmo que tente ser forte, ela não
está pronta.
— Enquanto ela não está pronta nossos homens
estão morrendo! Seja racional, Shield! Não existe uma
única foto de Suarez, mas sua irmã conviveu com ele. Um
retrato falado…
— Você não vai falar com minha irmã. — Falei
ameaçadoramente.
— Você também tem responsabilidade com esse
clube. Peter disse que Suarez tinha Hanna o tempo tod…
— AAAAHHHH!
Com um movimento, me levantei e soquei a parede.
Raiva me dominava toda vez que eu me lembrava do que
Hanna havia passado. E eu não estava lá para protegê-la.
Eu falhei com ela. Era minha responsabilidade, logo, minha
culpa. O silêncio tomou conta do ambiente enquanto eu
juntava minha merda. Precisava me controlar. Olhei para
meus irmãos, quando Cold finalmente se manifestou.
— Eles não ficarão para pernoitar. A reunião está
marcada para às 14h00 horas e precisamos pensar em
todas as estratégias de segurança. Igreja encerrada.
Todos saíram, mas Storm continuou ali. Ele era meu
Prez, eu tinha respeito por ele. Mas era da minha irmã que
estávamos falando e se eu precisasse brigar com ele, eu
brigaria. Antes que ele dissesse qualquer coisa, a porta se
abriu e Vivian entrou, com seu cabelo preso em um rabo de
cavalo, uniforme escolar e mochila. O olhar de Storm em
Vivian poderia colocar qualquer prospecto de joelhos, mas
a menina era teimosa e sagaz. Sabia que apesar de toda a
ignorância esbanjada por Storm, era adorada pelo irmão.
— Vivian! Eu já fal…
— Segura aí, irmão. Eu vim aqui falar com Shield.
Ela se aproximou de mim e me deu um beijo no rosto. —
Quero ver Hanna e Tara, de preferência em um dia que
você não esteja lá.
— Quem te deu permissão para sair?
— Não surte, Will! Eu vou à casa do Shield, ter uma
noite das meninas. Só isso. — Ela revirou os olhos de um
jeito bem adolescente. Vivian e Storm só tinham um ao
outro e eu a conhecia desde sempre.
— Hoje vamos fazer uma viagem curta, ambas
estarão sozinhas, caso queira passar a noite.
— Combinado, então.
— Vivian, você não manda em si mesma. Eu não
autorizei você passar a noite fora, merda!
— Irmão, você me deixa ser uma adolescente
normal e ter uma noite com duas garotas na segurança do
apartamento do seu VP? Sendo uma dessas garotas Old
Lady do seu VP e a outra, irmã dele?
Eu estava segurando o riso pela forma entediada
como ela estava dizendo as palavras, mas a palavra Old
Lady ficou batendo dentro de mim. Era a primeira vez que
alguém se referia a Tara dessa forma, em voz alta, mas ao
fim, era isso, não era? Tara usaria meu patch, seria minha
Old Lady. Era só uma questão de tempo.
Após alguns minutos de discussão onde, claro,
Vivian acabou vencendo, ela saiu, nos deixando um beijo
estalado no rosto, me deixando com Storm. Antes que ele
dissesse qualquer coisa eu me vi falando primeiro:
— O que você seria capaz de fazer para proteger
Vivian?
— Shield…
— Responda, Prez!
— Qualquer coisa.
— Eu também. Fique longe de Hanna!
E sem mais palavras, saí do cômodo.
Capítulo 20
Tara Madison

Hoje eu teria uma noite de meninas.


Não que eu fosse experiente no assunto, eu nunca
pude dormir na casa das minhas colegas, mas eu estava
muito animada. Hanna estava tendo oscilações e mesmo
que ela não falasse abertamente sobre tudo o que
aconteceu, eu gostaria que ela tivesse uma noite de
diversão. Vivian era… Bem, Vivian. Era demais. Meio
inconsequente, meio maluca, mas um coração gigante.
Estávamos no quarto de Hanna, Vivian com uma
camisola de alças, Hanna de baby doll azul claro e eu de
moletom e regata. Hanna estava espalhada na cama
comendo M&M enquanto escutávamos o monólogo de
Vivian sobre como ela se casaria com Leon e eles seriam
felizes. Ao mesmo tempo em que era engraçado, eu tinha
um pouco de medo por ela.
— Desculpe estourar a sua bolha, mas você já
pensou na possibilidade dele não se apaixonar por você?
— Hanna interrompeu.
— Não. — Vivian respondeu tão confiante, que nós
três começamos a rir. Muito.
— Pois aqui vai um conselho de irmã mais velha:
Comece a pensar nessa possibilidade. Eu já me apaixonei
mil vezes dos dezessete aos vinte e dois e digo, tudo
parece intenso, mas passa. E você é muito jovem para
querer se prender para sempre a alguém. Ainda tem a
faculdade, vários gatinhos, muita pegação… Tente pensar
um pouco fora dessa bolha.
Tanto eu quanto Vivian olhamos para Hanna por um
momento, o discurso dela foi um banho de água fria na
pobre Vivian. Por mais que eu concordasse com Hanna,
ela poderia ter sido mais cuidadosa. Quando me preparei
para amenizar a situação, Vivian nos surpreendeu.
— Então você nunca se apaixonou de verdade,
Hanna.
Mais uma vez o silêncio nos tomou e foi Hanna
quem ficou sem palavras. Vivian disse as palavras com
tanta convicção, que não pareceu a mais nova entre nós.
— Quando você se apaixonar de verdade, não vai
pensar em ficar com outra pessoa. E eu espero que você
fique ainda mais tola do que eu.
Apesar do tom de brincadeira, percebi que Vivian ficou um
pouco magoada. Novamente, eu ia intervir, mas Hanna
voltou a dizer.
— Eu não estou te julgando Vivian, quem sou eu
para fazer algo parecido. Eu gosto de você e só tenho
medo de você sair machucada. Não te acho tola.
— Não se preocupe, estou acostumada a não ser
levada a sério. Por isso que quando fizer dezoito anos,
sinto que as coisas vão mudar. Leon vai finalmente me ver
como mulher e eu vou trabalhar para que nossa história
aconteça.
Olhei para Hanna implorando para dar o assunto
como encerrado. Vivian estava decidida e parecia estar há
algum tempo. Não seriamos nós, duas garotas que ela
conheceu recentemente, que a faríamos mudar de ideia.
Hanna parecia desconcertada com as palavras de Vivian e
elas mexeram comigo também.
Porque eu não me via querendo ficar com qualquer
outro que não fosse Benjamin. Eu estava sim, apaixonada,
embora não tivesse nenhum parâmetro. E ele parecia não
querer ninguém além de mim. Sim, a realização caiu como
uma luz acesa em minha cabeça.
Eu estava irremediavelmente apaixonada.
— Tudo bem então, oráculo do amor, vamos colocar
um filme porque se eu não me apaixonei até hoje, espero
que não aconteça tão cedo. — Hanna concluiu, sorrindo.
— Quando acontecer eu espero estar presente para
rir muito. — Vivian respondeu jogando uma almofada em
Hanna.
— De jeito nenhum!
Hanna respondeu, mas ao invés de jogar a almofada
em Vivian, jogou em mim. Eu me assustei, rindo divertida,
mas apenas mantive a almofada em meu colo. Ambas se
olharam e começaram a gargalhar. O riso era contagiante,
mas eu não entendia o motivo.
— Ai, Perfeita Tara, eu quero bagunçar um pouco
você. — Vivian disse vindo para cima de mim.
— Eu também quero e já faz um tempo agora. —
Hanna se levantou, abandonando o M&M, vindo em minha
direção também.
— O que vo... Oh meu Deus, parem. — Disse
enquanto ambas montaram meu corpo, bagunçando meu
cabelo e fazendo cócegas.
Em um momento não pude mais me conter, eu gritei
com selvageria e passei a contra-atacar, com cócegas e
almofadadas. Era tão primário, tão… Verdadeiro. Tão
diferente da minha antiga vida.
Depois de gritarmos como selvagens, finalmente
assistimos a um filme de terror e conversamos até muito
tarde. Foi uma noite adolescente, aquela que eu deveria ter
tido aos quinze anos e não tive. Eu tinha a impressão que
tanto Hanna quanto Vivian fizeram tudo isso muito mais por
mim do que por elas.
E eu era grata.
Não saberia dizer o horário que dormimos, e quando
acordamos, ainda passamos o dia juntas. Eu não queria
gastar muito dinheiro, pois o futuro ainda era incerto, mas
tirei um pouco de minhas economias para me divertir um
com elas. Nos arrumamos e fomos ao shopping, pelo
menos cinco prospectos nos acompanharam. Vivian estava
com uma calça jeans e um top branco, destacando seu
cabelo vermelho, solto, liso na altura dos ombros. Hanna
estava fantástica com um vestido preto justo e uma
sapatilha preta. Eu optei por uma calça jeans, que aliás,
estava se tornando constante em meu novo guarda-roupa
(meu, escolhido por mim) e uma camiseta com a cara de
uma gatinha. Eu adorava. E tênis.
Fomos ao cinema ver uma comédia e depois
paramos na praça de alimentação para comer algo. Eu
nunca tinha me divertido tanto.
Era muito bom ter amigas.
Era muito bom ser importante.
Era muito bom ser abraçada.
Eu nem queria pensar muito a respeito ou poderia
cair em lágrimas de tanta gratidão.
— Vocês notaram? — Vivian perguntou enquanto
devorava uma batata recheada e gordurosa.
— O que? — Hanna respondeu enquanto comia seu
hambúrguer.
— Os prospectos aumentaram. Pelo menos para
mim. E como volta e meia eu vou ao clube para ver Leon,
eu tenho escutado coisas.
— Que tipo de coisas? — Hanna perguntou.
— Parece que o Cartel está contra-atacando os
Devils, houve vários atentados nas subsedes.
Hanna ficou pálida. Ela parou de mastigar na hora e
pareceu que iria passar mal. Eu segurei sua mão, que
estava gelada, mas ela respirou fundo e me deu um olhar
tranquilizador.
— Desculpe, achei que vocês tivessem sido
avisadas. Hoje, lá no clube vai ter a reunião com a Aliança.
— O que é a Aliança, exatamente? — Foi a minha
vez de perguntar.
— Gente, Shield mantém vocês no escuro mesmo,
hein?
Eu senti a picada. Não era como se eu ou Hanna
procurássemos saber das coisas do Clube.
— Mas eu entendo, por Storm eu não saberia de
nada. Eu sei porque sou intrometida.
A forma como ela dizia sem culpa me faria rir se não
fosse tão sério o assunto. Pessoas estavam morrendo e se
arriscando para que tanto eu quanto Hanna e Vivian
tivéssemos uma vida. Me senti mal por viver
intencionalmente alheia a tudo. Por viver em uma bolha,
por escolha.
— O que é a Aliança?
— Eu não sei com detalhes. Mas o que sei é que se
trata da união da Máfia Italiana, Irlandesa, Russa e a de
Chicago com os Devils. Eu fui a um casamento um tempo
atrás, mais de um ano, do Pakhan da Máfia Russa com
uma italiana, filha de um chefe. E sei também que é por
conta dessa Aliança que o Cartel tem atacado todo mundo.
É uma história muito louca, na verdade. A família do atual
Pakhan foi assassinada quando ele era criança e ele foi
criado escondido na Cosa Nostra. Imaginem, ele cresceu,
descobriu que era o verdadeiro herdeiro da Bratva, juntou
todos os líderes e formou a Aliança. Porque os assassinos
da família dele também tinham contas a acertar com todas
as organizações e com o novo Pakhan assumindo, o Cartel
perdeu força aqui nos Estados Unidos.
Me lembrei da noite em que fui levada. Os homens
pediam um novo canal para o meu pai. Certamente meu
pai tinha negócios com os assassinos da família do atual
Pakhan. Bile subiu em meu estômago, pois eu sabia agora
para que era esse canal que ele tinha pedido.
Tráfico Humano.
— Vamos ao Clube. — Hanna determinou, já se
levantando.
— Hanna, não sei se é uma boa ideia. — Tentei
argumentar.
— Eu acho excelente. Se eu chegar com vocês,
Storm vai surtar menos.
— Mas vocês se esqueceram de que está tendo a
tal reunião?
— Por isso mesmo que vamos.
Me lembrei da mensagem de Benjamin combinando
de me encontrar em casa, que ele tinha uma surpresa. Não
queria estragar a surpresa arrumando uma briga com ele,
mas havia algo na determinação de Hanna que eu não
poderia deixá-la fazer sozinha. Pareceu importante que ela
fosse.
Assim que chegamos na rua da sede dos Devils, não me
passou despercebido a quantidade absurda de seguranças
no local. Parecia até mesmo que o presidente da América
estava presente. Mas quando viram Vivian, nos deixaram
entrar, ela era irmã do Presidente e cresceu em torno do
Clube. A surpresa mesmo foi quando chegamos no bar.
Não tinha mulheres seminuas.
Havia alguns homens bebendo e conversando, e
entre eles estava Shield. Ali não era Benjamin, era Shield.
O motoqueiro perigoso tratando de negócios. Ao lado dele
estava um homem forte de cabelo castanho claro e olhos
azuis, quase iguais aos de Shield. Ele não tirava o olho do
bar, seu olhar era tão… Apelativo, que eu olhei na mesma
direção. No bar estavam duas mulheres.
Uma delas era morena, um cabelo tão comprido
quanto o meu, um vestido vermelho e uma postura
intimidante. Ela olhava por cima e em um primeiro
momento eu teria medo dela. Ao lado estava uma loira,
pequena. A maior parte do tempo ela estava calada,
enquanto a outra falava, mas tinha algo no olhar dela.
Era fria.
Corrijo meu pensamento.
Eu teria medo da loira. Muito mais.
— As irmãs Castelle. A morena é Milena, casada
com o Consigliere da Cosa Nostra, aquele ao lado de
Shield que não tira os olhos dela. A loira é Isabella. Ela é
casada com o Pakhan da Bratva, fui ao casamento dela.
Ela é executora.
Eu ia perguntar o que era uma executora, quando
Hanna guinchou.
— Ela é uma assassina? — Ainda não tínhamos
sido notadas, exceto pela loira que pareceu sentir que
estávamos falando dela. Eu desviei os olhos.
— Tem uma terceira. Ela é Capitã-mor da Cosa
Nostra, a Giulia. Mas ela não veio, pelo jeito. Ela é casada
com Eduardo Santorelli, aquele ali.
Ela apontou para um moreno alto e muito bonito.
Aliás, não tinha um homem aqui que eu poderia dizer que
era feio. Eu ia perguntar o que era uma Capitã-Mor,
pareceu importante, mas Hanna disse.
— Eu achava que as mulheres da Máfia Italiana
eram mais submissas.
Vivian riu.
— A maioria é, mas já ouvi histórias hilárias das
irmãs Castelle, todas elas são muito fodas. Depois que as
conheci pedi para Storm me colocar nas aulas de defesa
pessoal. Ele só não permitiu aula de tiro ainda, mas Leon
andou me dando umas aulas clandestinas. Milena é uma
das melhores estilistas de Nova Iorque. Eu tenho uns cinco
vestidos exclusivos dela.
Eu e Hanna ficamos em silêncio absorvendo as
informações que Vivian nos dava. Era tanta testosterona
em um só lugar que mal vi quando Shield vinha em nossa
direção. Olhei ansiosa, pensando que ele poderia estar
chateado por estarmos ali, mas ele apenas sorriu e beijou
minha testa.
— Difícil acatar uma ordem, né senhoritas?
— Somos mulheres livres e independentes. —
Hanna respondeu entrando com Vivian, me deixando com
Shield, seguindo-as logo atrás. Ele chegou à roda de
homens e nos apresentou.
Vivian logo sumiu para algum lugar, enquanto Hanna
estava de um lado e eu do outro de Shield.
— Sentimos muito pelo que te aconteceu, Hanna.
Saiba que gostaríamos de ter chegado o quanto antes a
você para que não ficasse tanto tempo nas mãos de
Suarez. — O homem de terno, moreno e alto, que se
apresentou como Don da Cosa Nostra.
— Obrigada, senhor.
Ele não corrigiu ou pediu para que ela o chamasse
pelo nome. Ele era sério, diferente do outro ao lado dele,
que nos deu um sorriso fácil quando se apresentou.
Giovanni Maceratta. A mão possessiva de Shield se
apertou em minha cintura, mas pela forma como ele olhava
a esposa, Milena, eu poderia dizer que Shield jamais
precisaria se preocupar.
— E você deve ser Tara Madison. — Disse um cara
grande, de cabelos negros e olhos verdes. Ele foi
apresentado como líder da Máfia Irlandesa. — Eu tive o
desprazer de conhecer o seu pai. — Meu sangue gelou e
um silêncio caiu sobre a sala. Me ocorreu que aqueles
homens sabiam quem era meu pai e o odiavam. E
poderiam me odiar por consequência. Mas a expressão
sarcástica dele se suavizou e ele concluiu. — Sinto muito
pelo seu quase destino. Agora que você é a mulher de
Shield, enquanto essa aliança durar, você estará segura.
Olhei para todos eles, inclusive as mulheres, que
agora tinham toda a atenção em mim e em Hanna. Sorri e
agradeci, então me dando conta de que estava na
presença dos criminosos mais poderosos dos EUA.
E eles estavam me prometendo proteção.
Logo, a conversa voltou e a atenção foi dispersa.
Olhei para Hanna me lembrando de sua urgência em vir
para a sede dos Devils, mas seu rosto estava em branco.
Fosse o que fosse que ela gostaria de dizer, ela nã diria.
Shield ao meu lado, começou a falar com o Don da Cosa
Nostra.
— Eu acabei não te dando os parabéns pelo bebê.
Espero que Giulia esteja bem.
— Sim, Leonardo é um bebe saudável e Giulia está
se recuperando bem. Embora, minha sogra esteja lhe
fazendo companhia, assim como minha irmã Anita, pois
Pietro ainda está se adaptando ao irmão.
A conversa continuou, mas eu fiquei a maior parte
calada. Até meu Benjamin dar o ar da graça. Sim, meu
Benjamin. Ele colocou uma mão em minha perna e
começou a subir, apertando-a. O formigamento começou
no exato lugar onde ele me tocava até o meu núcleo.
Embora não desse para fazer muito por eu estar de calça,
a sensação de estar em público me deixou ainda mais
quente.
Encorajada pela sua audácia, coloquei minha mão
deliberadamente em seu membro. Ele ficou visivelmente
surpreso, talvez não imaginasse que eu tivesse coragem, e
eu mordi um sorriso sacana. Eu aprendia rápido. Porém,
Benjamin parecia estar em seu limite, pois se levantou em
um rompante.
— Bom, eu tenho que passar em um lugar então,
vou me despedindo.
Meu rosto ficou vermelho, e acho que entreguei nossa
gracinha, porque vi alguns sorrisos em nossa direção. O
grande Pakhan da Bratva escondeu o sorriso com o copo e
então disse algo no ouvido da loirinha e pela primeira vez,
eu a vi sorrindo, com olhos suaves para ele. E pareceu
sincero.
— Não se preocupe, Shield. Todos já passamos por
essa fase. — O Consigliere da Cosa Nostra disse, tirando
sorrisos e gargalhadas dos homens, e sua esposa deu-lhe
um golpe no estômago em repreensão. Que não pareceu
adiantar muito, pois ele a olhou como se tivesse gostado e
essa fosse a dinâmica deles.
— Vocês não saíram dela e eu já perdi a esperança
de um dia saírem. — Yuri, Pakhan da Bratva, disse tirando
dos homens outra onda de gargalhadas.
Percebi que Shield segurou o riso e ali pareceu ter
alguma história. Sem mais palavras, saímos do Clube,
enquanto ele dava ordens de levarem Hanna para casa e
dizia que me levaria a um lugar antes de voltarmos
também.
Quando ficamos a sós, antes de subir na moto, Shield me
segurou em sua frente. Ele parecia um pouco inseguro e
estranhamente nervoso.
— Como foi o dia com as meninas?
— Foi maravilhoso! — Foi impossível conter o
sorriso que tomou meu rosto. — Mas eu senti a sua falta.
Os olhos de Benjamin brilharam. Ele segurou meu
rosto e o aproximou do seu, sua boca colada na minha,
embora não me beijasse, não de verdade.
— Eu quero te mostrar algo.
Eu concordei enquanto ele se afastava e me
ajudava com o capacete. Fosse o que fosse, era
importante para Ben e o que importava para ele, importava
para mim também. Ele voltou pelo caminho que ia em
direção à cidade, mas antes de chegar, ele entrou em uma
estrada, a mesma que entramos quando fomos ao mirante,
há alguns dias. Então ele entrou ainda mais no caminho e
ao longe, eu vi uma casa… E um lago.
Estava à noite, não dava para ver muito, mas o
pouco que eu via, era incrível. A casa era linda, estilo
colonial e ao mesmo tempo, tinha acabamentos modernos,
marrom e branca. Ela tinha uma varanda espaçosa,
adornada com um jardim, que mesmo sem a claridade do
dia, aparentava ser muito bem cuidado.
Eu desci, olhando em direção ao lago, que refletia a
lua em sua superfície. Era apaixonante, pois o céu estava
limpo e estrelado.
— Que lugar é esse, Ben?
Ele não me respondeu. Prendeu o capacete no
suporte da Harley e me levou em direção a varanda,
segurando minha mão. Ele pegou a chave e abriu a porta e
assim que entramos as luzes de uma ampla sala se
ascenderam. Tinha instrumentos de construção
espalhados, algumas mobílias, uma grande lareira, cheiro
de tinta fresca e bem no meio da sala… Havia um lindo
piano de calda, perolado. Era deslumbrante.
Eu olhei para Benjamin e ele me encorajou a ir em
direção ao piano, todo o resto esquecido. Me sentei no
banco e passei meus dedos pelas teclas.
Era perfeito.
Eu toquei a melodia de Saved My Life, da Sia. Era
uma música significativa para mim e quando o sentido das
palavras tomou minha mente, eu comecei a cantarolar.
Porque sim, Benjamin foi enviado para me salvar, mesmo
que eu ou ele não soubéssemos no dia. Ele salvou a minha
vida e me deu muito mais do que eu imaginava. Quando
parei de tocar, Benjamin se encostou ao piano, com
adoração nos olhos. Eu sabia que era, porque nunca em
minha vida alguém já tinha me olhado dessa forma.
— Eu espero que esse lar seja nosso. Meu e seu. —
Meus olhos devem ter se alargado, pois ele se apressou a
dizer: — Não precisa ser hoje, ou mesmo amanhã. Eu
venho arrumando este lugar há alguns anos, mas desde
que te conheci, tenho vindo mais e mais aqui. Não vou
esconder o que eu quero de você, Tara. Eu quero tudo.
Meu patch sobre você, minha tatuagem em você e saiba
que vou te dar tudo de mim: todo o respeito, dedicação e
proteção que merece.
Ele queria que eu fosse dele. As palavras de Vivian
caíram sobre mim, o significado martelando em minhas
costelas junto com as batidas do meu coração.
Propriedade dele. Mas não era assim que parecia, não era
assim que a proposta dele me fazia sentir. Ele queria tudo,
mas ele estava me dando tudo desde o momento em que
nos encontramos. Não foi assim?
Primeiro ele me deu o básico: abrigo, roupas,
alimento.
Depois um emprego.
Apoio.
Segurança.
Afeto.
E agora ele me dava a oportunidade de ser parte
permanente de sua vida, ser sua Old Lady. Sua. E ele seria
meu. A palavra propriedade agora vinha com outro
significado: pertencimento mútuo pautado no respeito.
Eu me levantei e fiquei em frente ao seu grande corpo,
ambas as mãos em seu peito, respirando com dificuldade
para lidar com todas as emoções que me tomavam e
também imaginando o quanto me dizer aquelas palavras
era importante para ele. Porque eu me lembrei da minha
promessa. Viver intensamente cada momento, me jogar em
cada um deles de peito aberto.
— Eu aceito tudo de você, Shield.
Capítulo 21
Shield

A aceitação de Tara fez com que tudo o que eu


vinha guardando em meu interior submergisse. Foi uma
explosão. Eu a abracei em um movimento firme, trazendo
seu rosto ao nível do meu, tirando seus pés do chão e a
beijei com fervor.
Essa menina, minha menina, tinha acabado de
aceitar tudo o que eu tinha oferecido e eu faria a missão da
minha vida que ela nunca quisesse ir. Sentei seu corpo na
cauda do piano e fiquei entre as pernas dela. Olhei seus
olhos verdes, segurei seu rosto entre minhas mãos
querendo fazer desse momento inesquecível para ela.
A casa não estava terminada, porém em frente à
lareira estava um tapete estendido. A lareira ainda acesa. E
nada me pareceu mais perfeito. Levei Tara nos braços até
em frente à lareira e deitei seu corpo. Antes dela, todo o
processo que antecedia o sexo era apressado e com um
único objetivo: nada além do final. Com Tara o começo era
apenas o início de algo que eu não via terminando tão
cedo.
Olhei para seu rosto, as chamas iluminando o corpo
que eu agora despia sem pressa. Eu estava faminto por
ela, alucinado por cada pedacinho que eu descobria, mas
eu devia a ela cada grama de afeto que tinha em mim.
Depois de despi-la da calça e da camiseta fofa, tirar seus
tênis e meias, eu me levantei e passei a tirar minha própria
roupa.
Seus olhos estavam ansiosos e admiradores, fixos
em minhas tatuagens e compleição. Se houvesse um
pouquinho de dúvida eu pararia, mas eles estavam tão
famintos quanto os meus, um era o espelho do outro. Ela
gostava do que via. Quando tirei minha cueca, meu pau
projetou-se para cima e escutei um suspiro.
Definitivamente, ela gostava do que via. Abaixei até que
meus olhos estivessem no nível dos dela, meu corpo
cobrindo-a completamente. Uma luz estava acesa perto da
porta de entrada, na sala, apenas a penumbra do fogo da
lareira.
Fiz uma trilha de beijos em seu pescoço até descer
em seus seios. Eram pequenos, pálidos e perfeitos. Suguei
um, tentando controlar toda a ânsia de meses por essa
garota, pensando que esse momento em especial, dizia
respeito principalmente a ela, controlando a vontade de cair
de boca entre as pernas dela e enterrar meu pau em sua
boceta. Depois de degustar de seus seios, freando meus
pensamentos egoístas, fui em direção ao sul, admirando
sua boceta lisa e úmida. Aproximei o rosto e respirei o
cheiro de sua excitação. Muito devagar eu dei-lhe uma
lambida, sendo compensado com um gemido sôfrego.
Tão sensível.
Sem conseguir me conter, segurei seu clitóris entre
os dentes, para sugá-lo com força. As mãos de Tara foram
para meus cabelos, apertando-me ali, como se ela temesse
uma fuga da minha parte. Eu não estava indo a lugar
algum. Segurei suas pernas abertas e me deliciei em sua
boceta virgem, do jeito que eu sonhei por meses a fio, do
jeito que imaginei mil vezes em minha mente. Ela gritou
quando o orgasmo a assolou, dizendo palavras
desconexas. Eu não perdi tempo quando coloquei o
preservativo e cutuquei sua entrada com meu pau. Ela
parecia ter saído da órbita e voltado ao sentir meu pau
pedindo entrada. A cada vez que meu pau roçava seu
clitóris sensível, ela abria a boca em um perfeito O.
Olhei em seus olhos, meu corpo agora tremendo, e
uma emoção me tocou fundo ao vê-la entregue. Devagar,
mas sem interrupção, enquanto olhava seu rosto, seus
olhos, sua boca, meu pau entrou em sua boceta lisa,
encontrando a barreira de sua virgindade e avançando
mesmo assim. Seus olhos se apertaram e uma lágrima
desceu, sinalizando que doía, mas ela não me pediu que
parasse, não até que meu pau estivesse completamente
dentro dela.
— Está tudo bem? — Perguntei rouco, embora
estivesse fazendo o uso de todo o meu autocontrole para
que conseguisse ir devagar.
— Dê-me tudo, Benjamin. — Ela respondeu em um
tom conhecedor. Como se entendesse até o que eu não
dizia.
Devagar, comecei a ritmar meus movimentos. Os
olhos de Tara não deixaram os meus em momento algum,
sua linguagem corporal me dizia que ela não teria outro
orgasmo, mas ela me abraçou com pernas e braços, como
se quisesse que ficássemos ali para sempre.
E foi quando eu me perdi.
Era uma mistura louca de tesão e emoção, quase
como se fosse a primeira vez para mim também. E talvez
fosse, porque nunca, em todos os meus anos vividos e
bocetas fodidas, nunca foi assim. Eu passei a ficar cada
vez mais perdido na emoção nova e descoberta ali, com
Tara. Em um momento eu só escutava o som dos nossos
quadris colidindo, minha mente perdida em um lugar que
eu nunca tinha encontrado, desconhecido, até me perder
em um espiral… Até gozar, urrando como um animal, como
um ser que, até naquele momento, eu não sabia que havia
em mim. Um prazer jamais sentido.
Tara me olhou emocionada, enquanto eu voltava a
mim e beijou meu queixo de forma terna e cálida, como se
ela sentisse todas as minhas emoções também. Tão
carinhosa, gentil e minha. Tão linda, perfeita e minha. Eu
mataria antes de perdê-la. Eu morreria antes que ela me
deixasse. Estava perdido por ela e não tinha mais volta.
— O que é a Aliança? — Tara me surpreendeu com
a pergunta. A cabeça em meu peito enquanto eu brincava
com uma mecha do seu cabelo, após alguns minutos em
silêncio.
— Bem, você acredita na Máfia? — Perguntei em
tom de brincadeira.
— Depois de tudo o que passei? Acredito até nos
Illuminatis. — Ri de sua resposta. Era fácil rir com ela. Era
fácil falar com ela. Respirei fundo, disposto a ser sincero,
principalmente agora que ela fazia parte da minha vida.
— Há uns dois anos a Bratva, junto com alguns
políticos e o Cartel de Guadalajara, comandava um império
de tráfico de mulheres e crianças nos EUA, implacável e
poderoso. Dimitri Nikolai, o antigo Pakhan da Bratva era
louco e doente. Todos aqueles homens que você viu hoje à
noite tinham um motivo para eliminar Dimitri. Quando a
Bratva entrou em confronto com a Cosa Nostra nós não
nos metemos. Embora Dimitri fosse louco, eles também
eram poderosos e não íamos comprar uma briga que não
era nossa, mas então ele perdeu um porto onde recebia as
mulheres e crianças traficadas de todo o mundo e foi
quando passou a nos atacar ao Sul, por território.
— Vocês o mataram. — Ela concluiu, pensativa.
— Sim, mas não foi tão fácil. Yuri Ivanov era o
verdadeiro herdeiro da Bratva. Ele, junto com Eduardo
Santorelli, propôs a Aliança.
— O Pakhan é o grandão de cabelo longo? — Eu
puxei seu cabelo de brincadeira.
— Ai! — Ela respondeu e me socou no peito e
ambos rimos. — A esposa dele é adoravelmente
assustadora.
Eu ri, me lembrando porque Giovanni Maceratta
chamava Isabella Ivanov de Annabelle. Não era por nada.
— Sim, todas as Castelle são, mas Isabella tem um
toque especial.
— Elas são tão poderosas. Eu imaginava meninas
na Máfia mais doces e submissas.
— A maioria é. Mas ali tem uma história que eu vou
te contar outro dia. O que você precisa saber é que
decidimos nos juntar contra a Bratva, assim cada um teria
também a sua vingança. Conseguimos e tivemos paz por
algum tempo... Mas então…
— Vocês venceram a Bratva, o negócio do tráfico
ficou comprometido e o Cartel resolveu retaliar. — Ela
respondeu com convicção. — Eu me lembro da noite em
que fui levada. O homem que me levou pedia ao meu pai
um canal e segundo ele, Suarez queria um canal. E meu
pai iria me vender em um casamento com o herdeiro da
Lions Comunication para conseguir esse canal.
— Te vender? — Todo o meu corpo retesou.
— Sim. Na noite em que fui levada, meu pai me
informou que eu me casaria com Marcus D’Angelo. Eu
tinha decidido fugir naquela noite, pois me recusava a ter
uma vida inteira de aparência e subordinação.
Eu conhecia Marcus D’Angelo, a família dele tinha
uma das maiores propriedades privadas ao norte do país.
Talvez fosse o canal que Thomas Madison gostaria de
conseguir. Um local privado. Filhos da puta. E Tara seria a
moeda de troca. Tara e todo o poder que vinha com ela
sendo filha de quem é. Uma forma de conseguir a lealdade.
Eu a abracei mais forte.
— Passou, Princesa. Ninguém mais vai te tocar. —
Pensei sobre a minha conversa com Storm sobre Suarez,
mas eu tinha que perguntar. Ela não parecia tão
atormentada quanto Hanna e se ela soubesse, eu poderia
poupar minha irmã. Escolhi bem as palavras e as proferi
calmamente: — Você chegou a ver Suarez alguma vez?
Ela demorou alguns segundos antes de responder.
Continuou relaxada e eu agradeci, pois me sentiria o pior
dos homens se essa noite acabasse em lágrimas de
tristeza e más lembranças.
— Não. Eu nunca o vi. Mas eu sabia que ele estava
no complexo enquanto eu estava lá e… Hanna o viu. — Ela
me olhou antes de dizer as próximas palavras: — Hanna
convivia com ele.
Apertei os punhos ainda mais. Talvez Hanna
aceitasse contar o que sabia sobre Suarez, talvez quem
não suportaria saber seria eu. Talvez quem não
conseguisse ver a dor do que ela viveu refletida em seu
rosto… Fosse eu.

Era madrugada quando me dei conta de que


dormimos ambos nus, em frente à lareira. Olhei o perfil de
Tara, adormecida e linda ao meu lado. Tinha esfriado, o
que fez com que Tara se aconchegasse ainda mais a mim,
buscando um abrigo inconsciente. Mal sabia ela que nunca
mais estaria sozinha. Não enquanto eu vivesse. Meu
celular tocou e eu afastei de Tara para que pudesse
atender. Era Leon.
— Shield, houve um atentado em Durham.
— Quão ruim?
— Oh cara, muito. Muito ruim. Perdemos pelo
menos seis homens e o lugar ficou destruído. Foi a notícia
falsa, Shield.
Sim.
Merda.
Espalhamos que a reunião da Aliança aconteceria
em Durham e não em Richmond. Era uma emboscada. Era
um ataque para matar os líderes. Suarez maldito, eu o
buscaria no inferno, ele e qualquer filho da puta que o
estivesse ajudando. Apertei o telefone, pensando na
tragédia que poderia ter acontecido. Hanna, Tara…
— Merda! — Meus olhos foram para a figura de
Tara, adormecida no tapete. Medo visceral passou por
mim. A certeza mais uma vez, de que eu fazia tudo o que
fazia para manter a salvo as pessoas importantes da minha
vida. Inclusive ela. — Qual o próximo passo?
— Amanhã iremos para lá.
— Certo.
Desliguei, pegando Tara nos braços e a levando
para o quarto, o quarto que um dia seria de nós dois. O
colete, o pequeno patch que encomendei para ela, estava
estendido na cama. A cama que comprei há pelo menos
um ano, quando nem imaginava encontrar Tara, pouco
antes de minha irmã ser levada.
Deitei-a na cama e fiquei fitando seu rosto, pensativo.
Talvez eu estivesse esperando-a, mesmo que não
soubesse. O cerco estava se fechando, Tara reivindicada
devidamente fazia dela uma Devils. Ela seria prioridade do
Clube. Tentando não me deixar levar pelo caos que se
seguia pelo caminho do Clube agora, eu me permiti um
momento de paz ao lado da minha menina.
Acordei e já era dia. Escutei os passos silenciosos
de Tara pelo quarto e abri os olhos discretamente. Ela
estava enrolada no lençol e tinha seu patch nas mãos. Eu
gostaria de saber qual o olhar em seu rosto, mas não
conseguia ver de onde estava, uma vez que ela estava de
costas. O cabelo caía em ondas pelas costas, iluminado
pelos reflexos do sol que vinham das janelas sem cortina.
Eu já tinha pensado o mesmo em várias situações: Não
parecia real. Não era um corte sofisticado, era reto e
parecia seda. Ela os mantinha a maior parte do tempo
preso, mas quando soltava… Eu quase perdia o fôlego.
Me levantei silenciosamente, fazendo a minha
presença ser sentido e notada quando beijei seu ombro
exposto. Vi seus poros se eriçarem e ela se virou para mim
com um sorriso brilhante. O colete ainda nas mãos.
— É fofo! — De todas as palavras, não era o que eu
imaginaria que ela dissesse. A risada foi quase impossível
de conter. — É sério.
— Você não precisa usar o tempo todo. É mais
simbólico para quando sairmos de moto ou quando tiver
algum evento no clube.
— É uma forma diferente de relacionamento,
diferente de tudo que já imaginei. Mas é o meu
relacionamento mais sincero. Estou feliz.
— Você não tem ideia do quanto eu estou feliz. —
Disse já a abraçando e pegando seu sorriso com um beijo.
Ela me abraçou e o lençol caiu, desnudando seu corpo. —
Agora o que eu queria mesmo é que você me cavalgasse
usando nada mais que o meu patch em você.
Apesar do rubor em seu rosto, ela não perdeu
tempo. Colocou o Patch sobre a pele pálida e foda-se se
não foi a imagem mais sexy que eu já vi. Toda minha. Me
surpreendi ainda mais, quando ela me empurrou para a
cama. Eu me deixei cair deitado com uma risada, com a
imagem dela montando meu colo, os cabelos soltos em
volta do seu corpo. Ela me deu um sorriso sacana e
segurou meu pau em suas mãos, com curiosidade. Seus
olhos brilharam e eu só gostaria de saber o que ela estava
pensando, e teria perguntado se não fosse a minha luta em
conter meu instinto de fodê-la sem sentido.
Então, para minha quase morte, ela subiu seu corpo
e direcionou sua boceta, lisa de excitação, descendo sem
que eu esperasse. Ainda era apertada como um punho em
volta do meu pau. O arrepio em minha espinha foi tamanho
que eu me sentei com um grunhido profundo e gutural, e
percebi que ela sentiu uma picada de dor também. Eu teria
dito para ela ir com calma pela sensibilidade, mas seu rosto
estava contorcido não apenas em dor, mas em prazer.
— Santa Tara da boceta gulosa.
Inesperadamente, Tara riu e me empurrou de volta
ao colchão em um movimento bruto, que me surpreendeu e
me deixou ainda mais febril e louco por ela. Devagar
inicialmente ela levantou o corpo e o desceu, tirando
gemidos de nós dois. Ela repetiu um movimento pelo
menos mais três vezes, torturando a ambos. Ela estava
radiante por estar no topo, mas a minha fome por ela
venceu. Dei-lhe um golpe em sua bunda e apertei, em
seguida, em um movimento rápido eu a deixei embaixo de
mim.
— Minha vez, Princesa.
Levantei suas pernas em meus ombros e passei a
fodê-la à minha vontade. Se seu rosto fosse algum sinal,
ela estava tão entregue quanto eu. Os próximos minutos
foram um emaranhado de suor, pele com pele, gemidos e
grunhidos, de uma forma bem mais selvagem que a noite
anterior. Minha princesa estava devassa e quando
gozamos, suas unhas se agarraram em minhas costas e
ela gritou em uma súplica que eu não estava sóbrio o
suficiente para entender. Foi então que me ocorreu que
não usamos proteção. Ela pareceu ler a minha
preocupação, pois se apressou a dizer.
— Desde que, bem… Desde que ficamos juntos, eu
fui ao médico. Estou tomando pílulas.
— Eu não me importaria de forma alguma em ter
alguns garotos com você… Mas saiba que eu estou limpo,
eu nunca fiquei com ninguém sem proteção.
Ela sorriu e cobriu meu rosto de beijos desajeitados.
Sim, eu queria tudo com ela, mas seria no tempo dela, da
forma que ela quisesse.
Quando nos levantamos, tomamos café quente, a manhã
estava amena. Antes de sairmos, avisei que sairia primeiro,
pois a esperaria ao lado de fora da casa. Tara e
Estranhou o pedido, mas concordou. Enquanto a
aguardava, coloquei algumas garrafas a uma distância e
peguei a minha arma.
Um pouco mal-humorada, ela saiu de casa
reclamando que estava frio e que preferia ficar no quarto.
Eu mordi um sorriso, porque até para reclamar, ela era fofa
e encantadora, mas eu precisava que Tara estivesse
minimamente segura. Dei-lhe um olhar firme, enquanto ela
olhava para mim e para as garrafas e eu percebi quando o
reconhecimento caiu em seu rosto.
— Porque? — Ela me perguntou.
— Você é minha Old Lady, Tara. Sempre será um
alvo, seja dos meus inimigos ou mesmo dos seus. Eu
espero que você nunca precise usar uma dessas, mas é
importante que saiba como usá-la.
Eu percebi que ela estava odiando a situação. Sua
pequena mão delicada segurou a arma com receio, mas
ainda assim ela segurou. Era uma PT 938, leve e pequena,
mesmo assim, parecia monstruosa na mão de Tara. Ela me
olhou novamente, determinada, e então apontou a arma
para os alvos.
Capítulo 22
Tara Madison

Corri pela entrada do Estúdio Avelar, mais atrasada


do que gostaria. Depois que Shield — sim Shield, porque
quando ele agia dessa forma ela não era Benjamin. Era
Shield, o mandão — fez uma averiguação completa sobre
a vida de Rick Avelar, ele concluiu que era seguro que eu
trabalhasse com ele.
E deu tão certo que eu tive que abrir mão do meu emprego
no Café. Um mês tentando equilibrar os dois empregos, eu
tive que chamar Liana, agradecer a oportunidade e me
dedicar apenas à música. Rick também era professor na
Universidade local e eu já tinha enviado a minha
documentação para estudar música no próximo semestre.
Estudar e ter dois empregos seria praticamente impossível,
e segundo meu namorado, desnecessário.
Cheguei ao Estúdio, o nosso artista contratante já
estava na cabine. A música era minha primeira composição
harmônica. O artista estava apaixonado por ela e eu ainda
custava acreditar em tudo o que estava acontecendo.
— Tara, o cliente amou seus arranjos. — Rick
afirmou me indicando para sentar ao lado dele.
— Sério? Fiquei com medo de ficar exagerada.
— Eles amaram. Você é sempre muito sutil na
harmonização, na medida certa.
— E Elena?
— Finalmente dormimos por uma noite inteira. Laura
está esperando sua visita e a de Shield.
Rick e Benjamin se deram bem, o que me deixou
muito feliz e o deixou mais tranquilo em relação ao trabalho
no estúdio, embora ele insistisse que, quando eu
começasse os estudos, me dedicasse exclusivamente a
eles. Mas era algo que ainda iríamos conversar.
Trabalhamos por algumas horas, até eu me dar conta de
que jantaria com Hanna e Vivian e estava dando o meu
horário. Ver a minha música criando vida era tão
gratificante que eu passava horas nos estúdios, gravando,
harmonizando e não via o tempo passar.
Os homens estavam em viagem, alguma reunião da
Aliança em algum lugar que ele não me disse por
segurança. Toda vez que Benjamin saía meu coração doía.
Eu sabia que ele andava tenso, nervoso. Mesmo que eu
quisesse bloquear esses pensamentos, era difícil quando
eu via meu homem cada dia mais preocupado.
Saí do estúdio e meu celular tocou enquanto eu ia
em direção a Jace, que me aguardava para me levar para
a casa de Vivian.
— Oi, Princesa.
— Oi, Ben.
— Pelo horário, acredito que você tenha saído do
estúdio.
— Sim. Estou indo jantar com Hanna e Vivian,
agora. — Após uma respiração, acrescentei. — Eu queria
mesmo estar com você em nosso lugar.
— Eu tomando um vinho, enquanto você toca para
mim uma melodia, nua.
Fechei os olhos, relembrando a cena. Os últimos
três meses têm sido um sonho com Ben. Nós ficamos
juntos todo o tempo possível e eu tenho feito loucuras que
jamais imaginei. Dentro do carro, fiquei um pouco
envergonhada, embora tivesse certeza de que Jace não
escutava.
— Quando você volta? — Perguntei, consumida de
saudade e excitação. Ele agora tinha ido por uma semana
inteira.
— Amanhã, Princesa. Me mande uma mensagem
antes de dormir.
— Mando.
Me despedi de Benjamin, pois já estava no
restaurante. Na entrada encontrei três prospectos. Eles
estavam se misturando, mas os reconheci do complexo
nas vezes em que estive lá. Entrei e me sentei,
cumprimentando-as.
— Tara, ainda bem que você chegou. Eu estava
tentando convencer Hanna a conseguir uma identidade
falsa para mim e para você. Assim, não precisaríamos vir
em um restaurante careta e sim ir a alguma boate
badalada.
— Seu irmão e meu irmão me matam.
— Eu fui uma vez.
— Como assim você leva a Tara e não me leva?
Isso é um absurdo! É porque eu não fui sequestrada
também?
Eu enrijeci, mais por Hanna. Ela não gostava de
falar sobre o acontecido, mas com a graça de todo o poder
divino, ela riu da provocação de Vivian. Sim, Vivian não
tinha muita noção do que falava, mas era agradável e se
tornava cada vez mais especial. Uma amiga para mim e
quase uma pupila para Hanna.
Tara tem quase vinte anos. E agora ela sabe atirar.
— E segundo meu namorado eu sou muito boa de
mira.
Vivian revirou os olhos.
— Quase vinte não é vinte. Aliás, falando em quase
vinte, perfeita Tara, quando mesmo é seu aniversário? Eu
me lembro que é em novembro.
— É amanhã.
— Meu Deus, precisamos pensar em algo. Vamos
sair para dançar, já estou contando com a minha ID falsa.
— Hanna escondeu o sorriso com a taça de vinho que só
ela estava bebendo. — Claro, a não ser que você já tenha
planos com Shield, né?
— Não falamos sobre isso.
— Meu irmão pelo menos sabe, Tara? Que amanhã
é o seu aniversário?
— Eu posso não ter comentado diretamente.
— Não espere que os homens se lembrem de
aniversários, perfeita Tara. — Revirei os olhos para o
oráculo do amor que era Vivian. — E olha, não revire os
olhos, uma dama não faz isso.
— Aham, você faz isso o tempo todo.
— Mas eu nunca disse que era uma dama.
Era impossível não rir das tiradas de Vivian. Ela
perdeu os pais cedo em um acidente de carro, e foi criada
pelo Storm, que não era muito afetuoso. De alguma forma,
conseguimos forjar uma amizade com base em nossa
realidade, já que com tudo o que vinha acontecendo,
estávamos bem restritas quanto a amizades. Era difícil
explicar a presença de um prospecto em todo lugar.
Depois do jantar, fomos para casa, Vivian para a mansão
que morava com Storm, e eu mandei uma mensagem para
Benjamin avisando que estava em casa, segura e bem.
Acordei sentindo um afago muito familiar em meu
cabelo. Não abri os olhos, apenas segui meu instinto
caindo nos braços de Benjamin. O cheiro familiar de couro
e almíscar, meu impulso fazendo ambos aterrissarmos no
chão do quarto, eu por cima do seu corpo duro e todo meu.
— Como você está? — Ele disse sorrindo.
— Eu? Agora, maravilhosamente bem. — Respondi
beijando seu rosto, boca, olhos. Era incrível como eu me
sentia solta com Benjamin. Eu conseguia ser natural com
ele, relaxar sem ter medo de ser julgada nos mínimos
detalhes. Eu amava essa sensação que só sentia com ele,
Hanna, dona Eva, Vivian, Leon… A vida que eu estava
construindo aqui.
Benjamin tinha um brilho nos olhos, principalmente
quando disse que passaríamos o dia juntos.
— Achou mesmo que eu não seria o primeiro a te
desejar feliz aniversário?
Senti que fiquei radiante com suas palavras, meu sorriso
ainda maior.
— Hanna te disse?
— Eu sei de tudo, Princesa. Principalmente no que
diz respeito a você.
Emocionada, eu o beijei nos lábios com o ardor de
toda a minha saudade. Me levantei, recebendo o
telefonema de Dona Eva me felicitando pelo meu
aniversário. Hanna também me deu um abraço, Benjamin
me levou para a nossa casa, que agora faltava apenas
alguns detalhes para estar pronta, completamente. Cada
cantinho tinha algo nosso. Algo que contava um pouco da
história que estávamos construindo.
Almoçamos em um piquenique de frente ao lago, eu
nem conseguia disfarçar o quanto estava feliz e
emocionada com todo o seu ato. Eu contei sobre a minha
música, sobre as loucuras de Vivian e contei de uma forma
livre, gesticulando e gargalhando, feliz como todo mundo
deveria ser, entre uma fatia de sanduíche e suco. Benjamin
parecia deliciado com tudo o que eu falava. Em um dado
momento, ele resolveu falar.
— Quero te dar algo.
— Mais?
— Não é nem perto de tudo o que você merece. —
Ele respirou e então se aproximou com uma caixinha. —
Eu sei que tenho sido ausente…
— Você está nos protegendo. Eu entendo.
— Eu sei que deveria estar mais com você. E sei
também que você já deve ter ganhado presentes muito
mais sofisticados e caros. — Ele abriu a caixa e dentro dela
havia uma linda pulseira. Ela era adornada com um
coração, um piano, uma Harley, algumas notas musicais e
tinha espaços para outros adornos. Eu olhei, emocionada e
senti que uma lágrima descia em meu olho direito. Me
lembrei dos presentes frios que recebi a vida toda. Eram
frívolos e sem significado. Minhas festas eram um grande
evento, uma forma de mostrar a sociedade o quanto eu
tinha pais presentes e adoráveis, o quanto éramos
perfeitos. Presentes caros que acabavam em alguma
coluna de fofoca.
— É o presente mais lindo e significativo que já
recebi em toda minha vida, Ben. Eu amo isso.
Benjamin beijou meu rosto, beijo esse que se
estendeu para minha boca. E ali, à sombra das árvores em
frente à nossa futura casa e na beira do lago, eu dei mais
uma parte minha a ele. Senti quando suas mãos ansiosas
desabotoaram meu vestido de verão, o abrindo e expondo
meu corpo coberto somente por uma tanga minúscula.
Eu passei a levantar sua camiseta e tirar seus jeans
com meus pés, de um jeito febril, enquanto ele entrava em
mim com seu pau, sem aviso, apenas dominado pela
saudade. Eu o virei, ficando por cima, moendo seu pau em
minha boceta desesperada. Sem pudor, sem insegurança,
sem medo.
Ele me empurrou, me virou de costas, levantou minha
bunda no ar, me penetrou, levantando meu tronco pelo
meu cabelo em suas mãos, enquanto a outra acariciava
meu sexo.
— Safada Tara, sinta o que você faz comigo…
Eu estava desesperada por ele e enquanto me
enlouquecia com seus movimentos e suas palavras sujas,
minha mão foi para seu pescoço ansiosa por mais e mais
dele. Seus movimentos ficaram mais firmes e quando
gozamos, eu gritei seu nome. Eu estava suada,
emocionada, saciada e bem fodida.
Nada poderia me deixar mais feliz.

Percebi quando, ao invés de seguir para o


condomínio, Benjamin foi em direção ao Clube. Certamente
teria algo que ele gostaria de fazer lá. Passamos a tarde
juntos e dormimos nos braços um do outro, de longe o
melhor aniversário da minha vida.
O bar do clube estava silencioso e eu estava tão
envolvida com o dia lindo que tive, que levei um susto
quando as luzes se acenderam, um bolo estava em uma
mesa no centro do bar, e ali estava Hanna, Vivian, Leon,
Coldy, Viper, Jace, Lisa, Cici… E cantavam parabéns.
Era uma festa surpresa.
Para mim.
Segurei valentemente as lágrimas de emoção, mas
quando Hanna e Vivian, com alguns balões se
aproximaram e me abraçaram, eu não consegui segurar.
Foi emocionante em todos os níveis. Viper me dignou
apenas um balançar de queixo, e eu fiquei satisfeita. Ele
não falava muito.
Cold me deu um abraço, me chamou de querida como
sempre e o próximo foi Leon, com seu jeito de menino. Me
deu um abraço de urso que me fez tirar os pés do chão.
Em seguida me deu um beijo estalado no rosto, não
fazendo questão de reconhecer o olhar mortal de Benjamin
em sua direção. Storm, inicialmente pareceu desajeitado,
mas me deu abraço ainda assim e pela primeira vez, seus
olhos eram suaves.
— Feliz aniversário, Tara. E bem-vinda à família.
— Obrigada, Storm.
Benjamin me deu sinal para que fosse com Hanna e
Vivian e ele foi para o bar ficar com Cold e Storm.
— De quem foi a ideia? — Perguntei.
— Perfeita Tara, você achou mesmo por algum
momento que não iríamos comemorar seu aniversário?
Você faz parte da família. Você e Hanna.
Eu iria virar uma massa emocional no meio dessas
pessoas. Já estava. Abracei Vivian e Hanna nos abraçou
também. Elas não faziam ideia de tudo o que significava
para mim tê-las em minha vida.
Era como se finalmente eu tivesse sido aceita no
seio dos Devils. Foi a minha melhor festa de aniversário.
Eu dancei e cantei em um velho karaokê com Hanna e
Vivian, Hanna sorriu a festa inteira, e mesmo quando
Benjamin não estava ao meu lado, seu olhar estava em
mim. Eu me importava com essas pessoas e elas se
importavam comigo.
Era sobre isso.

Olhei Benjamin na cama e meu coração se apertou.


Eu o amava. Amava tanto, embora ainda não tivesse lhe
dito. Talvez eu estivesse esperando que ele me dissesse…
Estávamos há quatro meses juntos agora, tínhamos planos
de ter a nossa casa, nossa vida, ele me deu o seu patch,
eu era sua Old Lady, ele me amava. Eu não deveria ter
medo de falar como me sentia sobre ele, mas por mais que
repetisse isso continuamente em minha mente, de forma
que me fizesse perder o sono depois de um dia mágico e
lindo, eu não conseguia me convencer completamente.
Inquieta, me levantei e fui em direção à cozinha.
Enquanto pegava uma água, meu celular tocou. Estranhei,
pois o número não era identificado. Um pouco incerta,
resolvi atender, pois poderia ser Vivian.
— Alô.
— Feliz aniversário, Tara.
Todo o meu sangue gelou. Foi por muito pouco que
não derrubei o copo de água e acordei a casa inteira.
Tentei manter a minha voz firme, mas ela saiu
miseravelmente trêmula.
— Mãe.
Capitulo 23
Tara Madison

Coloquei um casaco de Hanna, e silenciosamente,


desci até o térreo.
Minha mãe estava em Richmond. Sua única ordem foi que
eu descesse, e por mais que eu quisesse de qualquer
forma apenas mandá-la a merda, algo em seu tom de voz
me fez descer para escutar o que ela teria para me dizer.
Certamente iria querer me envolver em sua teia de
mentiras. Eu já tinha um discurso pronto. Ela não poderia
me obrigar a ir com ela, eu tinha vinte anos, não era uma
criança.
Não precisei procurar muito para encontrar seu
carro. Estava muito nervosa, mas era necessário que eu
fechasse esse ciclo de uma vez por todas. Eu não estava
me escondendo. Me aproximei e bati duas vezes no vidro.
O rosto de minha mãe apareceu quando o vidro
escuro abaixou. Seus olhos castanhos cravaram em mim e
eu vi uma emoção passar por ali. Ela continuava a mesma.
Fria e sofisticada. Talvez fosse saudade. Fosse o que
fosse, ela virou seus olhos para a frente e eu escutei a
porta do carro destravar. Dei a volta, puxando uma longa
respiração. Entrei no carro e me sentei no banco do
passageiro.
— Tara. Já faz um tempo.
Eu olhei para a mulher que me deu a vida. E que por
um tempo pareceu fazer de sua missão destruir qualquer
perspectiva de felicidade em mim. Eu queria dizer que senti
saudade, abraçá-la como outra filha em meu lugar faria.
Mas eu não consegui dizer nada, apenas encarar o seu
olhar. O silêncio se estendeu até ficar insuportável, e foi
quando eu resolvi dizer.
— Como me achou?
Ela sorriu antes de responder:
— Você não estava exatamente se escondendo.
— Isso não responde minha pergunta.
Ela me ignorou.
— Eu não acreditei quando soube. Brincando de
casinha com um motoqueiro fora da lei? Tocando em bares
e estúdios sem renome ou o mínimo de classe? Faculdade
local, Tara, sério?
— O que você quer? — Eu fui direto ao ponto, não
me deixando levar pelas suas palavras venenosas.
— Não está claro? Eu vim te levar para casa. Eu te
criei para fazer melhor.
— Eu não vou com você. — Respondi com a firmeza
que consegui reunir.
Ela me olhou com quase pena.
— O que faz pensar que tem alguma escolha?
— O que te faz pensar que vou voltar a seguir
cegamente seus comandos? Acha que alguém passa pelo
que eu passei e continua a mesma?
Uma ponta de remorso passou por seus olhos e logo
desapareceu. Ela sorriu e pegou alguns papéis em sua
bolsa.
— Veja, Tara. Há sempre uma maneira fácil e uma
difícil de fazer as coisas. Você já foi mais inteligente. — Ela
me entregou o envelope. — Abra. Veja.
Minhas mãos tremiam, mesmo que fizesse o
possível para parecer calma como ela. Quando abri, eram
documentos. Precisei de algum tempo para ler e entender
que eram documentos que delatavam o envolvimento de
William Stoltz e Benjamin Walker no tráfico internacional de
armas e drogas… E tráfico humano. Mas eram mentiras.
Eu perdi a calma.
— Isso é falso! Falso! Quem está envolvido com isso
é o papai! Eu sei de tudo, de tudo!
— Eu só preciso convencer um juiz disso e
dependendo de qual juiz pegue o caso, a condenação vem
antes de um julgamento. Tem certeza de que estão
absolvidos de todos esses crimes, Tara?
Dei uma rápida olhada e sim, eram provas, porque
esse era o negócio deles. Eu sabia desde o início que eles
não eram cidadãos de bem. Em um ataque de histeria eu
rasguei os papéis, mesmo sabendo que eram apenas
cópias. Fotos, notas fraudulentas, testemunhas… Minha
mãe se limitou a me enviar um olhar entediado enquanto
eu rasgava os papéis e fotos em pedacinhos, em uma crise
de choro até então contida. Quando terminei, ela continuou
me olhando como se eu fosse apenas um incômodo, até
enfim dizer.
— Seu pai só te quer de volta em casa. De certa
forma, ele é grato por terem salvo você.
Pensei em Hanna, Vivian, Eva. Benjamin também
era poderoso e tinha suas conexões, mas sim, meu pai
poderia lhe causar uma bela dor de cabeça. Ele poderia ser
preso, sofreria para provar em um tribunal sua inocência.
Uma inocência que não existia, claro. Não em tudo. Com a
visão embaçada pelas lágrimas não percebi quando ela
jogou em meu colo um papel com um endereço.
— Amanhã à noite eu estou indo embora dessa
cidade e espero que você escolha o caminho fácil. Seu pai
a espera em Washington.
O carro destravou e eu saí. Atravessei a rua e entrei
no saguão, aos prantos. Eu deveria falar com Benjamin,
deveria contar tudo a ele, mas se bem o conhecia, ele não
aceitaria a situação e tudo poderia acabar em tragédia. Eu
precisava tirar essas provas das mãos do meu pai ou
Benjamin e Storm sempre estaria nas mãos dele.
Mas eu não poderia simplesmente ir embora.
Benjamin jamais me perdoaria. Sentei em um dos sofás do
saguão e não soube dizer por quanto tempo fiquei ali,
decidindo qual seria o meu próximo passo. Eu só tinha uma
certeza: Não desistiria da minha vida.

Passei a noite em claro.


Logo pela manhã, Hanna levantou e eu já tinha o
café pronto, café que aprendi a fazer com Eva. Era incrível
como cada novidade em minha vida vinha com uma
memória da vida que eu estava conquistando aqui. Hanna
saiu logo após o café e disse que me veria à noite, pois
tinha algo para fazer no campus. Uma pontada em meu
peito quase me fez curvar, pois meu futuro novamente
parecia incerto.
Eu não queria deixá-los.
Fui para a janela e a abri, sendo abraçada pela brisa
gelada da manhã. Fechei os olhos e mais uma vez, perdi a
noção do tempo mergulhada em pensamentos conflituosos
e confusos.
Senti quando o corpo quente de Benjamin me
abraçou por trás. Tão familiar. Mais uma vez foi necessária
toda a força do mundo para não me curvar de dor. Que eu
não perdesse isso. Que eu não perdesse Benjamin. Virei-
me em seu abraço e o beijei com ardor, sem explicações.
Ele me correspondeu com a mesma paixão, firmando meu
tronco, a ponto de me deixar quase sem ar. Eu amava
quando ele me submetia assim, e nos perdíamos nas
sensações que despertávamos um no outro.
E eu faria qualquer coisa por Benjamin.
Até mesmo abrir mão dele.

Eu passei o dia perdida em meus pensamentos.


Olhava para a garrafa de água em cima do balcão e para o
copo em minha mão. Cada hora mais e mais a minha
decisão se solidificava. Era o que precisava ser feito,
porque eu não viveria refém da vontade dos outros. Eu
prometi a mim mesma que seria diferente, a vida estava
me testando e eu deveria ser forte. Sair da minha bolha e
enfrentar a realidade.
— O que essa jarra fez a você?
A voz de Benjamin me tirou dos pensamentos. Olhei
para sua figura, o meio sorriso enfeitando seu belo rosto.
Ele veio para o meu lado e retirou o copo da minha mão.
— Você está estranha. Aconteceu alguma coisa?
Eu não consegui negar e nem confirmar. Apenas o abracei
e ele passou a acariciar meu cabelo.
— Você sabe que pode falar sobre qualquer coisa,
não sabe?
Benjamin não era bobo. Ele sabia que algo não
estava certo, mas como sempre, ele respeitava o meu
espaço. E seu eu contasse sobre a abordagem da minha
mãe? Provavelmente ele iria me prender na casa do lago e
tentar resolver do jeito dele. E poderia ser preso.
Ou morto.
Eu não suportaria.
Forcei um sorriso e dei-lhe um beijo rápido.
— Estou apenas cansada.
Ele franziu o cenho antes de dizer.
— Você sabe que não tem a necessidade de ficar se
matando naquele estúdio. Ainda acho que deveria pensar
na possibilidade de se dedicar apenas aos seus estudos.
Você terá tempo para fazer tudo o que deseja.
— Vamos ver quando chegar o momento. — Eu
disse, sorrindo para o seu lado superprotetor, querendo
aproveitar cada segundo do seu abraço.
Por volta das 18h00, Benjamin teve que sair. Foi no exato
momento em que minha decisão foi tomada.
Porque eu precisava ser forte.
Porque ele já tinha feito tudo por mim.
Porque era a minha vez de retribuir.
Me levantei e coloquei meus documentos em uma
bolsa, e não mexi em mais nada. Olhei em volta no quarto,
que agora era meu e de Benjamin, guardando dentro de
mim cada detalhe do que vivemos ali... Desci pelo elevador
privativo segurando todas as minhas emoções no peito.
Cada segundo, uma lembrança passava em minha mente,
dos amigos que conquistei, das pessoas que passaram a
ser importante e do amor que eu vivi.
Jace não estava na porta porque eu tinha dito a Benjamin
que eu não tinha planos de sair. Um Uber já me aguardava
e eu dei-lhe o endereço que minha mãe tinha me passado.
Não demorou muito para que o motorista parasse em
frente a um hotel de luxo em Richmond. Ela já me
aguardava na frente.
Sem uma palavra, eu saí do carro e entrei no carro
dela. Minha mãe se conteve em soltar um suspiro
decepcionado e entrou também. Todo o caminho até o
aeroporto foi feito de maneira silenciosa. Já no aeroporto,
ela embarcou no jatinho do meu pai e eu pedi um
momento. Ela fez menção de reclamar, mas então
concordou e entrou.
Eu precisava fazer uma ligação.
Dois toques e uma voz de barítono e sensual
encheu os meus ouvidos.
— Princesa?
Fechei os olhos ao som do apelido carinhoso.
Precisei de algumas respirações para que eu conseguisse
dizer tudo o que tinha planejado.
— Você sabe que me salvou de todas as formas
possíveis, não sabe?
— Você está chorando? — Perguntou preocupado.
— Eu te devo tudo, Benjamin. Você me ensinou o
que é viver e o que é amar. Me mostrou um lado da vida
que eu só sonhava. Eu te amo, mais do que qualquer coisa
nesse mundo inteiro. — Um soluço que fui incapaz de
conter saiu. — É a minha vez de te salvar.
— O que está acontecendo? Me salvar do que? —
Percebi que ele se movimentava. Eu precisava ser breve.
— Meu pai tem provas concretas contra você e
Storm. Ele ameaçou colocar vocês na prisão, caso eu não
voltasse para casa. Eu poderia simplesmente te contar, me
negar a ir e arrumar mais um problema para você, mas eu
não vou fazer a nossa história ser refém dele, nem você,
nem o que é importante para você.
— Tara, onde você está? — Ele agora parecia
correr.
— Meu pai tem teto de vidro. Eu vou recuperar todas
essas provas contra você, meu amor. Eu vou conseguir
tudo o que for necessário para arruinar a carreira dele, de
forma que nada do que ele diga seja considerado ou
relevante. — Respirei fundo enquanto minhas lágrimas
derramavam em meu rosto. — Preciso que confie em mim,
que me deixe te salvar. Você pode fazer isso?
— Onde você está? Tara, porra, me diga onde você
está, agora! Você não vai fazer nada sozinha!
— Eu vou voltar, meu amor, você vai me esperar? —
Perguntei em um fio de voz. Ele deu um ofego e pareceu
perdido. Escutei o barulho de algo se quebrando e um
soluço. Ele estava chorando. Eu chorei mais. — Eu
prometo que vou voltar. Por favor, não desista de mim.
Confie em mim.
— Não faça isso. — Ele implorou em um sussurro.
Eu estava quebrando o coração dele e o meu.
— Eu te amo, Benjamin.
Disse e finalizei a ligação.
Capítulo 24
Shield

Todo o meu corpo tremia. Tudo em mim doía. Era


uma dor emocional, que eu sentia fisicamente em cada
membro. Isso era amar? Isso era ter o coração arrancado
do peito? Porque era assim que eu me sentia.
Tara tinha ido. Ela se foi.
— O jato saiu do aeroporto há alguns minutos,
Shield. Sinto muito, não conseguimos chegar a tempo.
A voz de Leon era apenas um eco no meu
emaranhado confuso de pensamentos frenéticos. Eu tinha
destruído parte do escritório de Storm em um acesso de
raiva, porque eu não conseguia entender, porque ela não
ficou para que resolvêssemos juntos? Eu não queria que
ela me salvasse, porra! Eu queria que ela ficasse comigo,
vivesse comigo!
— Será que agora podemos conversar? Porque ela
se foi? — Storm se aproximou, sentando-se em minha
frente. Eu olhava para um ponto fixo no chão, cotovelos
sobre os joelhos.
— Ela disse que me amava. Que iria me salvar. —
Eu disse após alguns segundos de silêncio, tentando
acalmar a tormenta dentro de mim.
— Salvar do que? — Cold perguntou da porta.
— Da porra do pai dela! Ele disse a ela que se ela
não voltasse colocaria a mim e a Storm na cadeia!
— Foda-se. — Storm resmungou, levantando-se
com as mãos em seu cabelo comprido.
— Ela quer pegar todas as provas que ele tem sobre
nós. Algo sobre não nos deixar reféns de seu pai.
— Essa merda é perigosa. — Leon resmungou.
— Tara não precisava se submeter a isso. Ela
deveria ter me contado e nós teríamos resolvido juntos.
Era quase impossível não me sentir traído, mesmo
que suas ações tivessem sido justificadas. Mesmo que a
intenção fosse boa. Eu deveria salvá-la sempre, não ela a
mim. Muito irritado e ainda mais perdido, me levantei e fui
até a janela, a sensação de um punho apertando meu
peito. Meus irmãos continuavam murmurando, mas minhas
palavras estavam presas na garganta. Eu não conseguia
entender o sentido de suas palavras.
Eu tinha perdido o sentido de tudo.
Tinha que arrumar uma maneira de ter Tara de
volta.

— Ela nos deixou.


Hanna tinha os olhos inundados de lágrimas, mas
segurou todas elas, enquanto estava no sofá, o olhar fixo
na mesa de centro. Minha mãe estava em Richmond
depois que soube sobre Tara. Hanna ficou instável e eu
não estava sendo de muita ajuda.
— Não julgue a menina sem antes ouvi-la, Hanna.
Ela é do bem, deve estar tentando compensar tudo o que
Ben fez para ela.
Minha mãe se aproximou e beijou o rosto de Hanna.
Eu não poderia falar nada para amenizar, pois
compartilhava do pensamento de Hanna, me sentia…
Deixado. Posto em espera. Não era o meu estilo sentar e
esperar que as situações se resolvessem, eu as resolvia.
Eu protegia.
— É perigoso, Ben? Tem alguma possibilidade dela
ser levada para aquele inferno novamente?
Eu fechei os olhos com força, minhas veias saltando
em minha testa. Porque eu não queria pensar sobre o
perigo que ela não cogitou ao sair sem me contar o seu
plano, sobre um possível novo ataque do Cartel. Sobre o
casamento que queriam impor a ela, para que o pai dela
conseguisse um canal de tráfico humano para Suarez. Sim,
Thomas Madison precisava de sua filha para vendê-la em
troca da própria vida e manter o poder.
— É sempre perigoso.
— Deus irá proteger a nossa menina. — Minha mãe
afirmou, tentando parecer forte. Mas eu sabia, eu a
conhecia, ela estava sofrendo. Mais do que demonstrava.
Olhei em volta, o apartamento que nos últimos
meses foi mais de Tara do que meu, onde em todo lugar
tinha algo que me lembrava dela. Eu não conseguia olhar
para meu lugar, nem escutar minha irmã ou minha mãe, ou
mesmo aquietar as ansiedades de Hanna quando nem
mesmo eu estava com a cabeça no lugar.
Saí sem uma palavra, escutando a voz da minha
mãe me chamando com preocupação. Eu não gostava de
assustá-la ou deixá-la angustiada, mas hoje era mais forte
que eu. Precisava de… Espaço. Antes que eu subisse em
minha Harley para sair sem destino, meu telefone tocou.
Quando vi um número não identificado meu coração
acelerou como um trem desgovernado. Apenas atendi.
— Alô.
— Shield. Vice Presidente dos Devils Dragons.
Gostaria de dizer que é um prazer falar com você, mas não
sei se você acreditaria. — A voz do outro lado da linha era
sarcástica e firme.
— Quem? — Demandei.
Escutei uma risada e o homem tomou o seu tempo
para me responder. Algo dentro de mim bradava com as
batidas do meu coração de que eu não gostaria de ouvir o
que ele tinha para dizer.
— Thomas Madison. — Todo o meu corpo gelou e
eu paralisei com suas palavras. — Acho que eu lhe devo
um agradecimento. Você sabe, por ter salvo a vida de Tara,
que eu já tinha dado como perdida.
O ódio que irrompeu em meu peito foi tão intenso,
que as palavras ficaram presas. Eu queria falar tanta coisa,
as palavras ficaram frenéticas em minha mente, porém
fiquei emudecido. — Soube que você e minha filha
ficaram… Íntimos, na temporada dela em Richmond.
— Onde está a Tara? — Minha voz saiu baixa e
letal.
— Ela está bem. Temo que ela não tenha sido de
todo sincera quando se relacionou com você. Ela disse que
estava noiva? Espero que a informação não parta o teu
coração.
Senti o sangue bombeando em meu ouvido e
esbravejei.
— Porque está me ligando? O que você quer, porra?
— Calma, homem! — Ele disse com uma risada. —
Acho que enfim chegamos a um ponto comum.
Considerando seu tom afetado, acredito que você nutria
expectativas em sua relação com Tara. Eu tenho uma
proposta.
Nenhuma proposta vinda de Thomas Madison
poderia ser boa. O homem era o que tinha de mais sujo na
sociedade, e esse pensamento vindo de um homem sujo
era significativo.
— Eu quero um canal, Shield. Eu preciso de um
canal, um porto. Um território. Acredito que poderíamos
chegar a um acordo, visto que tenho algo que você quer e
você tem algo que eu quero.
Filho da puta!
Era um jogo onde ele conseguia o que queria e
ainda atingia a Aliança. Ele estava jogando com a
importância de Tara em minha vida e Deus me perdoe,
minha primeira vontade era entregar tudo, qualquer coisa
para que Tara estivesse comigo.
Foi quando me lembrei das palavras de Tara, sobre
não ser refém, sobre o que tínhamos não ser refém de seu
pai. Era sobre isso. E foi quando eu entendi. Thomas
queria vender Tara pelo melhor lance. Ele queria poder e
nos ter em suas mãos. Mas eu não me renderia, mesmo
que fosse tentador.
Eu era um Devil.
— Vá para o inferno!
Não dei tempo para uma resposta, desliguei o
aparelho, subi na Harley e fui para a casa do lago. A
primeira imagem que me tomou quando entrei na casa foi a
visão do piano. Visões de Tara tocando, cantando, o som
de sua risada alta, que demorei para ter o prazer de
escutar e transformar em rotina, pois era o meu som
preferido. Seu carinho e cuidado. Sua calma e gentileza.
Todos os planos que fizemos em cada pedacinho do lugar
que agora era tão nosso.
Os quadros que ela comprou. Os móveis que
escolhemos juntos. As revistas de decoração que ela me
obrigou a olhar e escolher com ela cada detalhe da nossa
casa. Seu casaco no sofá e uma meia vermelha no tapete.
Se eu fechasse os olhos era capaz de sentir o cheiro de
frutas vermelhas que parecia nunca abandonar um cômodo
que ela entrava. Eternizava.
A taça de vinho no balcão da cozinha que ela deixou
na última vez em que esteve aqui. Uma selfie que ela fez
de nós dois no lago, tendo ao fundo um pôr do sol, seu
sorriso brilhante e olhos de bruxa enrugados nas pontas,
relaxada e solta.
A soma de tudo fez a realidade bater no meu rosto
em reconhecimento ao tamanho do amor que eu sentia por
ela. Um amor que mal cabia em mim, um amor que nunca
imaginei sentir. E amar era confiar. Mesmo desconfortável,
eu confiaria em Tara, confiaria em sua sagacidade e
inteligência.
Porque eu não via outro final possível que não fosse
Tara comigo.
E se ela não voltasse, eu iria buscá-la.
Capítulo 25
Tara Madison

Mais uma vez eu estava na casa dos meus pais em


Washington. No meu antigo quarto. Desde o momento em
que descemos do avião e mesmo durante todo o percurso,
eu mantive o silêncio. Porque meu coração estava em
cacos pelo caminho que minha vida tinha tomado, mas eu
precisava enfrentar meus medos e fantasmas, para que
pudesse construir uma vida com Benjamin.
Meu quarto continuava o mesmo, tão intocável como
seu eu não tivesse ficado fora por tanto tempo. Os tons
creme e lilás continuavam os mesmos, os móveis em estilo
provençal davam um ar antigo, porém sofisticado. Talvez,
fosse como se ninguém tivesse habitado no quarto, o que
não estava muito longe da verdade. O que me prendia a
Washington? Nada.
Como esperado, meu celular foi o primeiro de que
minha mãe se livrou. Então me isolou no quarto, onde eu
pude escutar a trava na porta pelo lado de fora. Eu estava
trancada.
O lado bom é que eu conhecia essa rotina. Ela iria
precisar de mim em breve para uma aparição em público,
então nós seguiríamos em frente como se nada tivesse
mudado. Acontece que eu mudei.
Um desespero que eu não estava conseguindo
controlar começou a me tomar, desespero de voltar a viver
todo o inferno que eu vivia depois de ter conhecido o
paraíso. Sabia que precisava ser forte e resiliente, quando
pensei sobre o plano, no calor do momento pareceu mais
fácil. Questionamentos sobre como eu consegui viver a
vida inteira de forma tão opressora fez com que eu me
sentisse fraca e impotente. Eu não seria a mesma, tinha
desespero líquido correndo em minhas veias toda vez que
imaginava aguentando um dia sequer da minha vida
anterior. Eu não suportaria a opressão depois de ter
conhecido a liberdade.
Na hora do jantar, escutei o barulho da porta se
abrindo e vi quando minha mãe entrou. Em meu
pensamento, a lembrança das inúmeras vezes em que ela
fez o mesmo. Seu olhar entediado passou por mim e ela foi
para o meu closet, mantendo a porta aberta e a visão clara
dela mexendo em minhas roupas, como se estivesse
impaciente.
— Tome um banho e se vista de forma decente,
Tara. Essas roupas parecem que foram compradas em
uma liquidação.
— Elas foram compradas com meu próprio dinheiro.
Que eu consegui com um trabalho de verdade, será que
você sabe o que é isso? — Um tom venenoso emanava em
minha voz. Ela se limitou a me olhar como se eu fosse um
inseto que a incomodava. A outra Tara teria perfeita
capacidade de ignorar seu gesto, mas meu último desejo
no momento era ignorar.
— Guarde sua atitude para quem tem paciência.
Não quero que se atrase.
— Eu não vou participar de jantar nenhum! — Disse
com raiva.
— Claro que você vai! — Ela respondeu, ainda
olhando minhas roupas sem se dignar a olhar em minha
direção. Como se estivesse afirmando o óbvio.
— Eu não vou! Você pode ter me chantageado para
me trazer aqui, mas aquela Tara fantoche em suas mãos
ficou lá em Guadalajara!
Ela parou de passar as roupas no cabide, e escutei uma
respiração profunda sendo puxada. Remorso? Não saberia
dizer. Nunca saberia com ela.
— Você precisa superar isso. Já marquei consulta
com o melhor ter…
Eu explodi:
— Eu não preciso de terapia, eu preciso ficar longe
de gente como você. Pessoas tóxicas que me fazem mal.
Ela ignorou e voltou para o closet.
E sua atitude inflamou ainda mais o meu ódio, não
consegui me reconhecer.
Fui até onde ela estava e tomei as roupas de suas
mãos, um grito saiu de mim e eu passei a rasgar as roupas
em um ataque de fúria. Rosaly Madison demonstrou uma
emoção genuína pela primeira vez em anos.
Horror.
Ela tentou me parar, mas eu a empurrei, fazendo
com que ela caísse no chão. Eu queria atacá-la. Meus
olhos deveriam ter entregado minha vontade, pois ela se
apressou em levantar e recuperar a sua pose. Colocou sua
expressão intimidadora que já me assustou e calou em
tantos outros momentos, levantou a mão e me acertou no
rosto. Eu sentia que minhas lágrimas caíam, mas era como
se uma raiva louca tivesse se apossado de qualquer razão.
Eu avancei em Rosaly com unhas e passei a enforcá-la
com minhas mãos, caindo por cima dela.
— Eu te odeio! Quero que você não entre mais
nesse quarto, fique longe de mim, não vou mais ser um
adorno do seu quadro podre de família!
Minha correta mãe passou a gritar por socorro, pois a
minha fúria foi maior que a força dela e alguns empregados
apareceram no quarto tentando me parar. Senti que
algumas mãos me seguravam, que todos falavam ao
mesmo tempo para que me acalmasse, mas pela primeira
vez eu fui a única a não ouvir.
Eu só gritei e gritei.
— Vá embora, vá embora! Fique longe de mim! Vá
embora, eu te odeio!
O mordomo de minha mãe a tirou do quarto, mas
antes que ela saísse, fui capaz de ver o seu pescoço
começando a formar hematomas e seu rosto arranhado. Eu
não parei de gritar obscenidades até que todos saíssem,
esbravejando que queria ficar sozinha, que odiava aquela
casa, aquela vida, e todos eles. Com todos fora do quarto
eu tranquei a porta por dentro e fui ao banheiro.
Minhas mãos tremiam e eu caí em choro convulsivo.
Era a adrenalina baixando, raiva em um nível jamais
imaginado. Meu coração estava batendo loucamente em
meu peito.
Olhei para minha imagem no espelho. As faces
ruborizadas, os dedos da minha mãe marcando um lado do
rosto, o cabelo bagunçado.
Eu realmente parecia uma selvagem.
E não havia um pingo de arrependimento em mim.
Eu não vi quanto tempo se passou. Eu estava
deitada na cama e dormindo por horas. Acordei com o
trinco da porta, até me dar conta de que dois homens
entraram. Picos de ansiedade me tomaram quando uma
espécie de déjà vu[8] me tomou, quando em minha última
noite nesse mesmo quarto, homens entraram e minha vida
mudou completamente. Diferente da última vez, eu fiquei
paralisada, até que me tocaram. Com esforço tentei dar um
golpe no homem e com sucesso, mas quando fiz menção
para me virar, senti uma agulha em minha pele e meu
corpo passou a ficar lento.
Conhecia essa sensação.
Conhecia essa incapacidade.
A surpresa foi ouvir a voz da minha mãe
perguntando se eu ficaria bem, e logo tudo ficou claro e
escuro. Claro porque eu entendi que ela estava me
sedando de propósito. Escuro porque eu caí novamente
em um sono profundo.
Novamente, com a sensação de meus lábios secos
e a garganta levemente dolorida, senti que voltava a ficar
alerta. Por um tempo, esperei de olhos fechados, para me
dar conta do ambiente.
— Ela está demorando a acordar.
— É normal. Ela pode acordar a qualquer momento.
— Obrigada pela sua discrição, doutor. Minha filha
está fora de si, o que é totalmente compreensível, depois
de tudo o que passou.
— Tem certeza de que não quer colocá-la na clínica,
ao menos por alguns dias?
— Oh, não. Primeiro vou ver como ela vai estar ao
acordar. Eu espero que não seja necessário. Tara sempre
foi uma menina doce.
Eu não poderia acreditar que isso estava
acontecendo. Eu precisava conjurar toda a calma
necessária, ou sim, Rosaly iria me trancafiar em uma
clínica para loucos, caso não conseguisse me controlar.
Com cautela, abri os olhos, ela colocou um sorriso
falsamente caloroso nos lábios. Dois enfermeiros grandes
estavam ao lado. Era uma prisão. Velada, mas ainda assim
uma prisão. Controlei meu desespero, focando em como
eu conseguiria o que precisava para ir embora desse lugar
para sempre.
— Tenho sede.
— Claro, filha.
Os hematomas ainda eram visíveis, e seu rosto
também estava marcado. Ela pegou um copo de água e se
aproximou para me dar. Eu levantei, me sentando, e tomei
um pouco. Olhei e percebi que era noite.
— Por quanto tempo eu dormi? — Perguntei com a
voz rouca e falhada.
— Quase 24h00, querida. — Ela olhou para o
médico e os enfermeiros. — Por favor, eu gostaria de falar
com a minha filha. Caso eu precise de vocês, eu chamo.
— Claro. Com licença. — O médico que eu não
conhecia me deu um último olhar e saiu.
— Querida, você…
— Corte a falsidade, Rosaly. — Eu respondi em um
tom cortante. Ela suspirou fundo e me olhou alarmada,
como se não me conhecesse. Talvez ela nunca tenha me
conhecido.
— Tara, pelo amor de Deus, eu sou sua mãe!
— Hora conveniente para se lembrar disso. — Eu
respondi tomando o copo das mãos dela, dando um gole
de água,
— Eu conversei com seu pai, ele concordou em te
dar um tempo para que volte a se acostumar com a sua
vida.
— Vamos parar com o teatro, mãe. Você me quer
para aparições especiais, eventos e voltar a pintar o quadro
da família perfeita do senador? Certo. Você conseguiu.
Faça a sua parte e deixe os Devils em paz. Eu faço a
minha. Mas eu não vou suportar mais a sua intromissão na
minha vida, muito menos no que eu visto ou com quem eu
fico. Eu tenho garras, Rosaly. Também sei lutar, ou se
esqueceu de que tenho o seu sangue?
— Não é assim que as coisas funcionam. — Sua
resposta foi fria.
— Agora é! Ou eu simplesmente vou à mídia e conto
a merda de pai que o senador é e mostro todas as traições
que você hipocritamente suporta! É isso que você quer?
Um escândalo? Quero ver como será a corrida para
Thomas...
Rosaly levantou a mão para me bater, uma lágrima solitária
desceu de um olho, mas ela logo limpou.
Inacreditavelmente, ela não me bateu. Ela respirou fundo e
foi em direção à janela, me dando a visão de suas costas.
Ambas ficamos em silêncio.
— O que aconteceu com você, Tara? — Ela
perguntou, ainda de costas.
— Agora é muito tarde para se preocupar.
Capitulo 26
Shield

— Ela saiu em mais um jornal local em Washington.


Te mandei o link.
Olhei para Hanna de relance, me segurando para não
avançar no celular e ver a notícia. Era a terceira vez que
ela saía publicamente em duas semanas.
— Eu fico me perguntando o que os pais dela
poderiam ter de tão importante para fazê-la ir com eles.
— Eu não sou um anjo, Hanna. Estou bem longe
disso.
— Sim, eu sei. E isso me dói, porque eu não posso
culpá-la. Nem mesmo odiá-la por te proteger. Mas olha
esse sorriso? Eu conheço Tara, esse é o sorriso que ela dá
quando está desconfortável, mas é educada demais para
dizer em voz alta.
Eu me levantei do meu lugar na poltrona e caí ao
lado de Hanna no sofá. Olhei para a tela e lá estava Tara,
sorrindo para câmera, no meio de seus pais. Odioso
Thomas Madison, que não ousou entrar em contato
novamente, no meio, sendo pintado como um herói.
— Ela não está feliz.
Ela não estava. Seu rosto parecia cansado e seus
olhos tristes. Eu só sabia dizer tudo isso porque já tinha
visto Tara feliz, com um sorriso brilhante e sincero no rosto.
Era doloroso em mil níveis somente olhar para ela. Hanna
passou a chorar, olhando a imagem. Não era doloroso
apenas para mim.
— Não fique olhando essas coisas, Estrelinha. —
Disse a abraçando. O que só a fez chorar mais.
— Não me conformo. O lugar dela é aqui, conosco.
— Ela vai voltar! Eu só vou aguentar isso por mais
um tempo, caso ela não consiga nada eu vou buscá-la e
trazê-la. — Segurei seu rosto e o virei em minha direção.
— Você confia em mim?
Ela encostou a testa na minha.
— Confio, claro que confio! Mesmo quando eu
estava no inferno, eu ainda confiava que você iria por mim.
— Então acredite quando eu digo que a teremos de
volta.
— Eu sei que você não acha que é bom o suficiente
para ela. — Ela segurou meus olhos nos seus, se
afastando um pouco. — Acha que ela é… Inalcançável. Ela
tem algo que intimida, de uma forma diferente. Mas você é
maravilhoso, Ben. Você é um irmão e filho maravilhoso,
protetor e leal. E apaixonado? O melhor namorado.
Eu ia começar a negar e me afastar, mas ela me
segurou ali e me abraçou. Me segurou forte e um nó dentro
de mim desatou. Sim, eu achava que não era bom o
suficiente para ela, que ela merecia alguém com uma vida
correta. Eu tinha medo que ela percebesse e não voltasse,
que notasse o próprio valor. Como se ouvisse todas as
minhas angústias, Hanna começou a falar.
— Eu já vi muita porcaria de homem, Ben. Muitos
que se dizem bons, mas não são. Traem, humilham, são
veladamente ou abertamente abusivos. Mas têm um
emprego das nove as cinco e pagam todos os impostos.
Quero um dia ter alguém que me ame e venere da mesma
forma que você ama a Tara. Quero ter a sorte de ter um
amor como o de vocês. Ela te ama e tenho certeza de que,
mesmo que você não a busque, ela vai voltar.
Eu queria chorar, mas segurei.
Porque mais que qualquer coisa eu queria acreditar
nas palavras de Hanna.

Acordei e fiquei olhando para o teto.


Depois da minha conversa com Hanna, algo dentro
de mim ficou mais leve. Eu e Hanna sempre tivemos uma
relação aberta e cúmplice, mesmo com os anos de
distância. Ela era minha confidente, amiga, irmã.
Olhei a cadeira perto da janela, o pequeno patch
tinha ficado no mesmo lugar que Tara tinha deixado.
Quando Tara voltasse, depois de todo esse inferno tivesse
um fim, eu espancaria sua bunda teimosa por não confiar
em mim. E então diria a ela o tamanho do meu sentimento,
que nunca seria o que ela merece, mas que seria tudo o
que eu era capaz de dar. E então eu lhe darei o mundo. E
ela nunca mais daria dois passos sem que eu estivesse
junto, mesmo que isso parecesse doentio e louco.
Eu não me importava.
Desci e olhei novamente a casa que já era nossa e
que aos poucos se tornou nosso mundo particular. De
alguma forma, ficar na casa do lago me deixava mais
próximo a Tara. Diferente da primeira vez que estive aqui
há duas semanas, agora ela me dava um pouco de paz,
porque tinha algo dela em cada canto.
Me troquei e fui para o clube, que propositalmente,
não era tão longe da minha futura residência. Tentei focar
nas questões do clube. Após comentar sobre o contato de
Thomas Madison a respeito do canal para o tráfico a troco
de Tara, todos os meus irmãos ficaram furiosos com a
atitude do homem, porque a família era valorizada e
essencial, um dos princípios do clube. Se eu tivesse
certeza de que eles eram bons pais para Tara, que eram
saudáveis e quisessem o seu bem, eu a deixaria em paz.
Mas eles não se importavam com ela, apenas com o
que poderiam ganhar com ela. Eu poderia ser um fodido,
mas a amava e morreria por ela. A amava de uma forma
jamais imaginada, embora não tivesse dito em voz alta. A
amava a ponto de enlouquecer.
Chegando ao Clube, fui em direção à mesa onde
meus irmãos estavam reunidos. Não muito tempo depois,
quando Viper chegou, fomos para a nossa reunião, embora
eu percebesse um clima tenso. Algo estava acontecendo.
Assim que nos sentamos, eu me virei para eles e todos me
olhavam.
— Certo. Soltem logo a merda. — Eu disse de uma
vez.
— Eu não acompanho muito essa merda, mas
Vivian acompanha.
— De qual merda você está falando?
O silêncio que tomou o local só me disse que todos
sabiam o que estava acontecendo.
Menos eu.
— Cuspa, Storm.
— Olhe você mesmo. Saiu essa nota em uma
coluna de fofoca de Washington há alguns minutos.
Eu peguei o celular e foi necessário todo o meu
autocontrole para não jogá-lo na parede. Principalmente
com a nota.
— Ele é um estuprador, só não foi condenado pelo
poder de seu sobrenome. — Viper apenas cuspiu.
Marcus D’Angelo.
Tara tinha me falado dele.
Ambos posaram juntos em algum evento de merda
da alta sociedade e sorriam juntos. A nota especulava
sobre um possível relacionamento entre eles e sobre o
quanto era benéfico para ambas as famílias. E sobre o
quanto era esperada essa relação.
Minha vontade era arrancar o braço do homem, que
estava na cintura de Tara. Da minha mulher, minha Old
Lady. Eu me levantei sentindo que era uma bomba pronta
para explodir.
— Não se esqueça que pode ser apenas
especulação da mídia. Há muito dessas coisas nesse meio.
Eu queria acreditar nas palavras de Leon, mas
outras teorias cresciam em minha mente. Talvez ela tenha
percebido que não pertencia ao meu mundo, afinal, essa
foi toda a vida dela. Talvez ela tenha se conformado e o
pensamento arrancava cada pedaço do coração que eu
tinha no peito. Coração que era dela.
Como se por um sinal, meu telefone tocou, e quando
vi número não identificado, meu primeiro pensamento foi
Thomas Madison. Certamente ele estaria me ligando para
tripudiar de seu novo acordo, e não me importava que ele
fosse pai de Tara, eu o mataria para que ele não usufruísse
de suas merdas.
— Alô. — Atendi rudemente, indo para a janela.
Escutei uma respiração entrecortada e antes que
houvesse resposta, eu soube quem era. Eu queria chorar
como uma boceta emocionada.
— Benjamin. — A voz doce e cálida de Tara ressoou
em meu ouvido e um milhão de emoções me tomou, de
modo que não consegui responder. — Benjamin, sou eu,
Tara.
Como se houvesse alguma forma de não saber que
era ela, a única capaz de me deixar sem saber o que fazer
ou falar, que mesmo com um rosto de anjo, conseguia virar
minha vida do avesso.
— Eu precisava te ligar… Precisava que soubesse
que eu não desisti de nós.
Fechei os olhos com força, até escutar um soluço.
Depois outro. Seguido de outro. Ela estava chorando e eu
tinha um nó na garganta que me impedia de respirar
normalmente.
— Não me odeie, por favor. — Ela disse chorando.
— Eu queria te odiar, eu queria deixar que você
vivesse sua vida perfeita e seguir em frente. Eu até tentei,
Tara. Mas como eu poderia, se eu te amo mais que
qualquer coisa nesse mundo?
Seu suspiro de alívio foi audível e eu pude mesmo
vê-la. Talvez, a mesma necessidade que havia em mim de
saber o que estava acontecendo, habitava nela. Talvez ela
precisasse saber que eu não estaria indo a lugar algum. Eu
simplesmente não poderia.
— Eu não tenho muito tempo. Eu só precisava que
soubesse que continuo com o meu plano e que eu não
desisti de nós. Estou sem telefone, mas encontrarei uma
forma de fazer contato.
— Essa ligação é sobre a nota? — Não resisti e
falei, porque ainda havia resquícios de raiva em meu
sistema.
Ela riu.
Uma risadinha que eu era capaz de ver, se fechasse
os olhos.
— Eu sou sua, Shield. Confie em mim. Mas pode ser
que eu tenha imaginado como você ficaria com essa
nota… É mentira, Ben. Especulação. Eu fiz isso a vida
toda, fingir, desconversar, sorrir sem vontade. Só confie em
mim.
Não era tão fácil, ia contra todos os meus instintos, mas
não havia outra forma de lidar com a situação agora.
Agora.
— Eu não vou esperar por muito tempo, Tara. Se
você não conseguir nada, eu vou te buscar e deixar um
rastro de sangue de Washington e Richmond.
Tara suspirou e eu desliguei.
Porque eu não suportaria lidar com as imagens que
minha mente evocava com a mera possibilidade de outro
homem tocar em Tara ou mesmo achar que poderia haver
alguma possibilidade dela ser de outra pessoa e não
minha.
Merecedor ou não, suficiente ou não, ela era minha.
Capitulo 27
Tara Madison

A festa era na casa dos D’Angelo.


Era uma mansão digna do poder e sobrenome que a
família carregava. Uma das famílias mais ricas e poderosas
dos Estados Unidos, família que meus pais gostariam de
fazer uma fusão por meio de um casamento. O meu. Que
eu categoricamente já tinha negado.
Mas minha mãe era uma mulher astuta que não se
dava por vencida, não tão facilmente. Ela apenas mudou
de tática. Passou a nos colocar no mesmo ambiente em
qualquer ocasião possível. Vender uma ideia, ela era muito
boa nisso. Era a sua especialidade. Inacreditavelmente, eu
não sentia mais medo. Nem da minha mãe, ou meu pai que
agora, mesmo quase um mês depois que deixei Richmond,
continuava me dando o tratamento de silêncio.
Como se eu me importasse.
Internamente, eu era grata.
Pode ser remorso ou até mesmo vergonha por ter
me deixado à minha própria sorte nas mãos do Cartel,
sendo salva pelo Shield. Pelos homens da Máfia que ele
tanto odiava e tentava prejudicar.
— Você vai se casar com Marcus? — Amber chegou
ao meu lado, seu cabelo em um coque sofisticado e um
vestido creme.
— Claro que não.
Minha mãe fingiu que não me ouviu, e como sempre
fez, fingiu que Amber não existia. Eu precisava falar com
Amber sozinha, mas raramente conseguia. A última vez
que estive sozinha com Amber ela me emprestou seu
telefone e liguei para Benjamin, pelo menos duas semanas
atrás. Porque pânico tinha me tomado quando vi a nota no
jornal em que eu estava com Marcus e uma legenda
tendenciosa. Eu sabia em meu íntimo que ele não
receberia a notícia bem, e eu precisava ouvi-lo, por mais
arriscado que fosse. Escutar sua voz foi combustível para
que eu prosseguisse com um mínimo de paz.
A oportunidade fez com que eu pedisse mais alguns
itens para Amber e contasse por alto o que tinha
acontecido. Deixei de fora o Cartel ou qualquer informação
que a colocasse em risco. Ela sabia que eu estava
apaixonada por alguém que meus pais não aprovavam e
estava fazendo com que me ajudar soasse como uma
missão. Que ela estava amando. Entre os itens que pedi
estava incluso um telefone descartável.
Uma arma de pequeno porte.
Um teste de gravidez.
Embora eu não tivesse certeza, poderia acreditar
que estava tendo sintomas que me levavam a acreditar que
eu estava grávida. E quanto mais cedo eu tivesse certeza,
mais cedo eu poderia conseguir o que queria e dar o fora
de Washington.
Eu estava tomando os devidos cuidados para evitar
uma gravidez, porque, por mais que um dia eu quisesse
filhos, não os queria no momento.
Por mais inesperado que fosse eu estava
estranhamente em paz com a possibilidade, em paz ou
inerte, eu não saberia dizer. Eu estava calma, e
internamente estava grata, porque o que menos precisava
no momento, era perder a tranquilidade. Queria apenas
conluir o meu plano para então pensar em dar o próximo
passo, fosse o que fosse. Eu não poderia perder energia
ficando histérica.
Quando minha mãe se afastou para conversar com
uma jornalista, eu aproveitei para falar com Amber.
— Conseguiu?
— Sim, vamos ao toalete.
— Vamos.
Seguimos para o toalete, encontrando as filhas
gêmeas do Chefe de Gabinete do Presidente. Elas sorriram
e saíram e nós entramos em um dos banheiros vazios. Ela
me passou a arma, eu a destravei, carreguei, travei
novamente e a coloquei presa na cinta liga. Quando
levantei os olhos, Amber tinha os dela chocados e a boca
aberta.
— Onde aprendeu esse movimento?
Eu dei um meio sorriso.
— Longa história.
— Tara, você está fazendo parte de alguma
gangue? — Ela disse em uma risada e logo ficou séria
quando não respondi. — Oh meu Deus, você está.
— Vamos, dê-me o resto. — Falei, com medo de
que a qualquer momento minha mãe entrasse. Mas Amber
me dava um olhar sério.
— Primeiro, me prometa que é seguro seja lá o que
você estiver fazendo.
Suspirei.
— Eu prometo que é. Você me conhece, Amber, dê-
me algum crédito.
— A Tara que eu conhecia não saberia como usar
uma arma. — Ela disse com os olhos semicerrados.
— Amber, por favor. Confie em mim, quanto menos
você souber, melhor.
Ela ainda pareceu pensar por algum momento, mas
então se convenceu.
— Tudo bem. Aqui, o teste. E o celular. Eu salvei
meu número, por favor me mande notícias, as que você
puder pelo menos. Não me deixe de todo no escuro, eu me
preocupo com você.
Eu sabia que era verdade. Ela se preocupava
comigo e eu sorri.
— Eu não vou. — Dei mais uma olhada o redor e
então voltei para ela. — Obrigada, Amber. — Disse a
abraçando. Ela me abraçou de volta. — Obrigada por tudo.
— Não precisa me agradecer, perfeita Tara. — Meus
olhos ficaram marejados com suas palavras, porque me
lembrei que Vivian e Hanna chamavam assim — Certo,
nem tão perfeita.
Sorrimos em meio às lágrimas.
Essa Tara imperfeita era muito mais feliz.

Assim que descemos do carro, alguns carros


estavam estacionados na frente à mansão, carros que eu
não reconhecia e jamais saberia dizer de quem eram. Meu
pai ficou tenso e eu, curiosa. Assim que descemos, meu
pai nos olhou.
— Fiquem no quarto de vocês.
— Thomas, quem…
— Sem perguntas. Rosaly.
Minha mãe enfrentou o olhar do meu pai, mas como
sempre, não disse nada. Ela puxou meu braço, mas antes
que eu entrasse e subisse as escadas, estaquei
encontrando um olhar que eu conhecia. Que eu poderia
tentar esquecer, mas jamais poderia.
Lenço vermelho no pescoço.
Olhos castanhos e pele bronzeada.
Sotaque mexicano.
Então seus olhos encontraram o meu,
reconhecimento e ódio brilharam. O homem que bateu em
Hanna, o homem que me segurou para que verificassem
minha virgindade. O homem que me bateu. O homem que
me levou para Guadalajara. Senti que minha mãe me
puxava pelo braço, alheia aos homens. Eu estava perdida
no terror que se formava em mim.
Minha mãe falava sobre algum evento que eu
deveria ir, mas eu não deixei que terminasse, entrando em
meu quarto e fechando a porta. Em seguida me sentei na
cama e comecei a buscar minha frieza, embora minhas
mãos estivessem tremendo. Senti a caixinha de teste em
minha perna, e rapidamente retirei os três objetos,
colocando-os na última gaveta da minha cômoda. Desde o
nosso último confronto, minha mãe tem mantido distância
das minhas roupas e tem me dado algum espaço.
Mas esses homens aqui me deixaram em alerta. Eu
precisava saber se precisava lutar apenas por mim.
Poderia não ser somente eu. Com esse pensamento, eu fui
para o banheiro com o teste. Após algumas respirações
encorajadoras, abri a caixa, me dando conta de que eram
cinco testes. Agradeci Amber internamente. Segui o passo
a passo e esperei.
Tinham sido duas semanas de enjoos, falta de
apetite, sono.
E a ausência do meu ciclo mensal.
E agora duas listras em todos os testes.
Duas listras.
Sim, eu estava grávida.
Eu era uma garota de apenas vinte anos e tinha
uma vida toda bagunçada, uma verdadeira confusão.
Homens que me sequestraram e queriam me vender
estavam no andar de baixo, conversando com meu pai, e
eu estava apaixonada e grávida de um homem que poderia
ser preso, se eu não fosse inteligente ou se sucumbisse a
histeria. Mas o pior era não ter alguém para que eu
pudesse surtar, chorar e então sorrir como qualquer outra
mulher em minha situação.
Se eu contasse a Benjamin, ele cumpriria o que
tinha dito. Deixaria um rastro de sangue de Washington a
Richmond e eu teria que criar sozinha o meu filho. Eu não
poderia falhar, não era uma opção. Pousei minha mão em
meu abdômen e fechei os olhos. Não estava sozinha.
Nunca mais estaria.
Determinada e tomada por uma onda de coragem,
guardei os testes na última gaveta e desci as escadas,
sendo o mais silenciosa possível. As vozes um pouco
alteradas vinham do escritório do meu pai, mas havia
alguns seguranças na porta. Corri até a cozinha e fiz uma
mesa de café e bolo. Os funcionários já estavam dormindo
e eu fiz tudo o mais rápido possível. Cheguei aos
seguranças com o rosto mais despretensioso possível.
— Tem bolo de chocolate lá na cozinha.
Ambos me olharam com confusão, pois eu nunca
falava com eles. Mantive o rosto neutro, tranquilo, porque
precisava ser forte. Precisava salvar o meu homem e o que
era importante e não morrer no processo. Precisava lutar
pelo bebê que estava crescendo em meu ventre.
— Minha mãe pediu para avisar. Antes que meu pai
termine.
Eles se olharam, então conversaram entre si. E
foram. Eu fiz que ia subir as escadas, mas então voltei para
o escritório e fiquei na porta torcendo para que falassem
sobre algo que pudesse ser usado contra meu pai.
— … em uma hora vamos ouvir falar sobre isso. —
Meu pai disse.
— Tem certeza que os explosivos foram colocados
com sucesso? — Eu também conhecia essa voz e esse
sotaque.
— Claro. Como não pensamos nisso antes? A
garota mora no dormitório da faculdade, muito mais fácil de
entrar do que se fosse em algum lugar vigiado pela Cosa
Nostra. Um dos nossos homens conseguiu entrar
afirmando que era um universitário e estava lá para ver a
namorada, subornou o porteiro e entrou. Fácil, fácil. — Meu
pai falou com uma risada.
— O erro é principalmente deles. A garota é filha do
subchefe da Nova Inglaterra, prima do Consigliere e noiva
do líder da Máfia Irlandesa. Deveriam ser mais cuidadosos.
— Talia Maceratta amanhã será notícia no jornal de
Nova Iorque. Tão jovem…
Eu não escutei o restante das palavras do meu pai e
me afastei, enojada.
Talia Maceratta.
Maceratta.
Macer… Giovanni.
Giovanni Maceratta.
Eu o conheci na noite em que fui ao Clube, me
lembro dele, sorrindo com sua esposa em seu colo. Meu
pai tinha feito uma emboscada para alguém importante na
Cosa Nostra, os homens que também me salvaram. Que
fizeram mais por mim sem nunca ter me visto do que meu
pai, meu sangue.
Subi as escadas correndo, meu coração aos saltos,
entrei e fechei a porta, tranquei e peguei o celular. Uma
hora. Agora menos. Eu precisava avisar Benjamin,
precisava tentar salvar essa garota que não era nada mais
que uma inocente em uma guerra que não era dela. Como
eu.
Trêmula, disquei o número de Benjamin que eu já
tinha decorado.
— Alô.
— Talia Maceratta. Benjamin, meu pai colocou
explosivos no quarto dela e vai explodir o dormitório dela
em menos de uma hora. Ele e o Cartel, eles estão aqui, eu
os ouvi conversando, eu escutei, Maceratta é o sobrenome
daquele seu amigo que estava aí…
— Tara, calma. Respira. Eu acho que consegui
entender, eu estou em Nova Iorque agora, em uma reunião
com o primo dela. — Ele parecia estar correndo. —
Princesa, vou precisar desligar agora, mas obrigado.
— Eu vou tentar te ligar novamente. Cuidado, por
favor.
— Você está segura?
— Estou bem.
Ele se despediu e, mesmo hesitante, desligou.
Eu queria dizer para ele tomar cuidado e mais
coisas.
Não era o momento.
Capitulo 28
Shield

Aleksander Dardan, chefe da Máfia Irlandesa,


estava na mansão Maceratta, junto com Storm, Eduardo,
Don da Cosa Nostra, e Vicenzo, Chefe da Chicago
Darkness. Estávamos em meio à nossa reunião da Aliança
quando Tara me ligou, desesperada, falando sobre o
possível atentado à Universidade de Columbia.
O alvo era Talia Maceratta.
Por sorte, a garota, noiva de Aleksander e prima de
Giovanni, estava com a esposa do primo, Milena e sua
irmã mais velha, Giulia, esposa de Eduardo. Assim que
conseguimos contato com Talia, que recusou as ligações
de Aleksander e atendeu somente a de Giovanni, e tivemos
a certeza de que estavam seguras, falamos para que
viessem direto para a mansão e avisamos a polícia local e
o FBI sobre a possível bomba na Universidade.
Talia estava a caminho de seu dormitório. No horário
aproximado que Tara informou, ela estaria em seu
dormitório quando o atentado ocorresse, certamente, sem
a informação de Tara, ela estaria morta.
Uma movimentação na porta de entrada teve
Antonella Maceratta, mãe de Giovanni, indo em direção à
sobrinha, aos prantos. Giulia e Milena entraram em
seguida, acompanhadas de duas crianças. O pequeno
Pietro passou correndo esbarrando em nossas pernas e a
irmã adolescente de Eduardo, Anita, entrou atrás do
menino, que parecia um verdadeiro furacão em seus dois
anos, Anita se desculpando com quem ele atropelava pelo
caminho. A menina agora deveria ter em torno de catorze
ou quinze anos e me assustei com o tanto que estava
diferente da última vez que a vi, talvez uns dois anos antes,
ainda menina. Agora estava uma linda moça, longo cabelo
negro e olhos castanhos.
Giulia tinha o filho menor em seus braços, eu diria
que ele tinha uns cinco meses pela agitação em suas
pernas, com cabelo castanho e olhos do mesmo tom,
herança do pai. O pequeno Leonardo foi tomado de seus
braços por Eduardo, logo que ele se aproximou. Ele beijou-
a na testa, olhou para o filho nos braços e sorriu para a
criança, que sorriu de volta, um sorriso banguela e babado.
Uma emoção desconhecida se apossou de mim. Eduardo
tinha uma linda família. O homem que nunca sorria, na
verdade, sorria somente para a mulher e os filhos.
Anita continuou perseguindo Pietro, até ele agarrar
uma das pernas do pai e Giulia o levantar no colo também.
O casal então passou a conversar de forma cúmplice. Era
uma cena bonita e rara, principalmente no mundo em que
vivíamos, cheio de tanta guerra e violência.
Milena apareceu com um copo de água e o entregou
para a sogra, que ainda chorava e abraçava Talia. Eu já
havia visto Talia em outras oportunidades, mas não
trocamos mais que alguns cumprimentos. Eu sabia que a
Cosa Nostra ainda fazia o uso da cultura de casamentos de
conveniência, como Eduardo e Giulia, porém, havia algo
entre Aleksander e Talia. Algo além da nítida falta de
intimidade que os noivos deveriam ter, havia também
certa… Birra. Quase infantil e de ambos os lados.
Todos abraçaram a garota de cabelo escuro
comprido e belos olhos verdes e após toda a comoção,
Aleksander, que acompanhava a movimentação a certa
distância, se aproximou, embora não muito. A garota
sustentou o olhar do noivo.
— Eu gostaria de falar com a minha noiva. A sós. —
Ele declarou em um tom firme. Eu agora o conhecia o
suficiente para saber que ele estava irado por ela não
atendê-lo.
— De jeito nenhum! — Giovanni esbravejou. Ele
passou protetoramente o braço ao redor da prima.
— Não há nada que eu esconda de minha família,
então você pode falar aqui mesmo. — Talia se afastou do
primo e deu um passo à frente, em claro desafio.
Aleksander tinha um temperamento sarcástico,
muito característico e próprio. Ele matava sorrindo.
Enganava-se quem se deixava levar pelo seu bom humor,
o irlandês era um filho da puta cruel.
E ele parecia querer matar algo ou alguém, mas
suspirou e sorriu, um sorriso perigoso.
— Certo. Então, fiquem todos avisados: o
casamento, que seria em um ano, agora será daqui três
meses. E Talia não fica mais nos dormitórios, ela fica aqui.
Ou a levarei para o cartório mais próximo e nos casamos
na próxima semana.
O suspiro foi coletivo.
— Você não pode decidir isso sozinho, eu sou uma
estudante, caso não tenha percebido.
— Não está aberto à discussão. — Ele se
aproximou, ficando frente a ela, os olhos dele passaram
por seu rosto, então para todo o seu corpo, e eu conhecia
esse olhar. Ele estava averiguando se ela tinha algum
machucado.
— Giovanni, tia, ele não pode fazer isso, por favor!
— Giovanni baixou os olhos com as mãos no bolso. A
garota então olhou para a esposa do primo, Milena. Quem
conhecia Milena e Giovanni e tinha um mínimo de
convivência, sabia da influência que ela tinha no esposo,
mas ela também desviou os olhos. — Pelo amor de Deus,
vocês vão deixar isso acontecer? Eu não posso organizar
um casamento em três meses! Eu estou finalizando o Pré-
Med em dois meses, me sobra um mês.
Antonella, sua tia, logo limpou as lágrimas e sorriu.
Italianos e seus casamentos…
— Sim, querida, podemos sim! Eu já…
— Giovanni, por favor!
Ele olhou para a prima com um olhar de quase
desculpas.
— Dada as circunstâncias, é o melhor. Eu sempre te
falei que os dormitórios da faculdade eram uma péssima
ideia. Só estamos pensando em sua proteção, de qualquer
forma, seria em menos de um ano.
Ela soltou um urro enraivecido e foi em direção às
escadas. No meio dos degraus, ela parou, virou, olhou para
Aleksander e então passou os olhos no restante.
— Isso não pode estar acontecendo! — Ela gritou e
terminou de subir as escadas. Ainda em silêncio na sala,
foi possível escutar uma porta sendo batida.
Com força.
Mesmo em meio ao susto, algumas pessoas
começaram a rir, principalmente as mulheres. Eu olhei para
Aleksander, pensando se ele estava ciente do tamanho do
problema que ele estava se metendo. Ela não era uma
italiana dócil como rezava a lenda sobre a submissão das
mulheres na Máfia Italiana. Olhando bem para as mulheres
na sala, parecia uma realidade bem distante qualquer
proximidade com submissão.
Me aproximei de Vicenzo, que tinha um olhar sério
sobre todos. Vicenzo era um homem fechado e só falava o
necessário. A organização dele em Chicago, embora fosse
uma vertente da Cosa Nostra, era menos enrijecida em
regras, mais livre, compartilhando apenas a lealdade e
honra acima de tudo.
— Está voltando para Chicago?
Vicenzo pousou em mim seus “olhos mortos”, como
era conhecido, sempre desconfiado. Então fez menção que
sim. Após algum tempo, ele resolveu falar.
— Fique de olho nas pessoas que são importantes
para você, Shield. Isso só está começando.
Ele disse e se levantou, saindo sem se despedir.
Suas palavras levaram meus pensamentos para
Tara e algo dentro de mim se apertou, porque eu estava
longe e não poderia protegê-la. Eu precisava resolver essa
situação. Eu estava disposto a comprar essa briga e correr
o risco de ir para a prisão. O que eu não poderia, de forma
alguma, era passar mais tempo sem saber o que estaria
acontecendo.
Em uma onda de determinação, eu saí da casa de
Giovanni em direção a minha Harley, deixando o
burburinho na sala para trás. Quando subi na moto, escutei
passos pesados atrás de mim. Olhei e era Giovanni.
— Acabei de receber uma ligação do meu contato
no FBI, acharam os explosivos a tempo. Estão associando
a um ataque terrorista.
— Que bom que nenhum inocente se machucou,
então.
Ele se aproximou mais e disse:
— Você não tem ideia do tamanho da dívida que
tenho com você, Shield.
— Com Tara. — Corrigi e ele sorriu.
— Eu não sei porque você está aqui e ela está lá.
Só quero que saiba que pode contar com a Cosa Nostra
para qualquer coisa, Shield. Pessoal ou não, tenho uma
dívida com vocês.
Ele apertou a minha mão, se aproximando pelo
antebraço, dando um tapa amigável em minhas costas e
então se foi. Eu fiquei pensativo por algum momento, até
meu celular tocar novamente.
Tara.
— Vocês conseguiram? — Sua voz soou ansiosa.
— Você conseguiu, Princesa. Obrigado. — Ela não
tinha ideia do quanto eu estava orgulhoso dela. Da força
dela. Além de evitar a morte de centenas de pessoas, ela
evitou uma guerra entre a Aliança. Era compreensível, na
situação atual, que apressassem o casamento entre Talia e
Aleksander. Além de ser pela segurança dela, era para a
segurança da Aliança também, pois ela era um alvo em
potencial.
— Graças a Deus! — Ela disse suspirando em
alívio.
Eu fiquei inundado de saudade. Saudade dos seus
suspiros e gemidos. Saudades de tudo sobre ela, cada
detalhe, por mais insignificante que pudesse parecer.
Saudade de apenas ficar com ela, de vê-la dormir, de
brincar com suas madeixas, de sua teimosia. Saudade
dela.
— Eu estou indo te buscar! — Falei em uma
respiração.
Ela se assustou com minhas palavras.
— Benjamin, por favor, não faça isso! — Ela falava
baixo como se estivesse com medo de que alguém
ouvisse, mas ao mesmo tempo, estava desesperada.
— Estou saindo de Nova Iorque para Washington.
Seu pai que vá para o inferno.
Ela respirou. E respirou novamente. E então disse
calmamente, no modo Tara:
— Por favor. Me dê três dias, por favor, Benjamin.
Três dias, é só o que te peço. Se eu não conseguir, vou dar
um jeito de ir até você.
Eu olhei para o jardim da casa Maceratta. Mesmo
que eu não quisesse de forma alguma, hoje ela tinha salvo
o dia, ela merecia esse crédito. Derrotado, suspirei e então
respondi:
— Três dias, Tara. E nenhum dia a mais.
Capítulo 29
Tara Madison

Quando acordei, minha primeira parada foi no


banheiro. Meu estômago se revoltou de forma tão dolorosa
que me fez sentar no chão, fraca. Eu queria voltar para a
cama e dormir, mas era domingo, dia de almoçar no clube
com pessoas chatas e superficiais. Eu fiquei pensando em
como seria se eu estivesse em Richmond. Provavelmente
eu e Hanna faríamos panquecas, Eva nos mimaria, se
estivesse lá e eu estaria aninhada e quente nos braços de
Benjamin.
Fui para o closet e escolhi um vestido, mesmo que
estivesse sem ânimo para nada. Vesti um conjunto dos que
minha mãe amaria, pois estava sem tempo para colocar
algo que ela não aprovava, como vinha fazendo
exaustivamente nos últimos dias.
Encontrei meus pais na sala. Meu pai tinha o semblante
mais fechado do que o de costume, e minha mãe estava
mais silenciosa usando um óculos enorme. Eu já conhecia
esse ritual, ele havia ficado estressado pelo fracasso de
seu plano e descontado nela. Uma ponta de culpa quis
entrar em meu peito, mas eu a afastei. Fomos para o clube,
sem um bom dia ou qualquer outra palavra. Uma família
fria e sem sentido, que eu não faria questão que
convivessem com meu filho. Meu filho seria mimado pela
avó e pela tia, amado por mim e por Benjamin, eu sabia em
meus ossos. E protegido pelo Clube.
— Está com dor no estômago?
Gelei.
Enquanto pensava, minha mão foi para o meu
abdômen, e claro, minha mãe percebeu. Eu respirei e
afirmei.
— Um pouco indisposta hoje.
— Espero que não esteja ficando doente.
Ela se afastou de forma discreta e eu fingi que não a
vi. O dia foi como todos os outros, sem nenhuma novidade,
a não ser que não consegui comer quase nada e Amber
não precisou que eu lhe contasse para que ela soubesse
exatamente o motivo da minha indisposição. A novidade
era que os D’Angelo estariam presentes no jantar, e minha
mãe estava deliciada com a visita, me fazendo afirmar a
cada meia hora o quanto era maravilhoso tê-los em casa à
noite.
Eu teria que suportar mais algumas investidas de
Marcus. Por outro lado, poderia ser a minha oportunidade
de olhar o escritório do meu pai, já que ele nunca saia de lá
e hoje, certamente, ele teria de dar atenção às visitas.
Antes que eu subisse, um Déjà vu de uma noite horrível se
repetiu. Eu estava subindo para o meu quarto, pois
precisava deitar, mas então meu pai me chamou. Na sala,
ao lado da minha mãe, como na última vez que tivemos
uma conversa de verdade.
— Acho que chegou a hora de conversar, Tara. Eu
lhe dei tempo, a pedido de sua mãe, um mês é mais que
suficiente para que você supere as coisas que infelizmente
deram errado.
Eu continuei em silêncio, como da última vez. Ele tomou o
meu silêncio como encorajamento.
— Devemos seguir em frente com tudo o que
aconteceu. Tirando esse contratempo, você sempre teve
tudo. Eu preciso que você volte para o conservatório de
música, que volte para a sua vida. E que siga com o que
combinamos, sobre os D’Angelo. Eu preciso que você me
ajude, sou seu sangue, família. — Então ele fez uma
pausa, e voltou a dizer perigosamente: — Você sabe,
aqueles homens sempre podem voltar, caso não consigam
o que querem.
Ele estava me ameaçando.
Ele estava tendo coragem de me ameaçar, mesmo
depois de tudo o que me aconteceu por sua causa. Mesmo
quando eu imaginava que nada mais me surpreenderia
vindo deles, ainda acontecia. Era incrível, de uma forma
terrível.
Eu cheguei bem próxima de onde os dois estavam
sentados, mas permaneci em pé. Por alguma razão, me
senti poderosa. Eu olhei bem no rosto de ambos e fiz o que
eu não sabia que precisava até então.
— Eu quero que vocês apodreçam no inferno!
E então eu virei as costas e fui em direção a escada.
No meio dela, senti a grande mão do meu pai em cabelo,
onde ele bateu minha cabeça contra a parede, fazendo
pequenos pontos negros nublarem minha vista.
— Seu comportamento é muito parecido com aquele
selvagem com quem você estava envolvida, sua vadia.
Era a primeira vez que ele me levantava a mão. Eu
me virei de frente, seu rosto bem próximo ao meu, o meu
se igualando ao dele em nojo e repulsa.
— Isso, me bata, papai. Mostre aos seus queridos
D’Angelos hoje o tipo de pessoa podre que você é. Imagine
a cara da senhora D’Angelo quando me perguntar sobre o
que aconteceu comigo e eu responder que foi você?
Porque eu não vou ser como a minha mãe, eu vou falar a
verdade, em todos os jornais e revistas, e delegacias, nem
que isso me leve à morte.
Seu rosto foi tomado por cólera. Ele me largou em
um movimento brusco, e eu senti o lado esquerdo da
minha cabeça inchando. Minha mãe ficou assustada perto
da escada com a mão na boca, enquanto meu pai me
olhava uma última vez e ia para o escritório. Eu subi para o
meu quarto, decidida que precisava conseguir as provas e
ir embora, logo. Já não era seguro para mim e para o
bebê.

— O jantar está delicioso, Rosaly.


— Imagina, Margaret. Nada comparado ao que
merecem.
Meu estômago reclamou novamente. Eu não estava
conseguindo me alimentar direito e estava começando a
sentir os efeitos: Fraqueza e desânimo.
— Querida, você ainda não se recuperou de seu
mal-estar do estômago?
Minha mãe me olhou e vi desconfiança em seu
olhar. Pela primeira vez, desde que voltei, senti medo de
verdade. Não queria imaginar o que ela faria caso
soubesse sobre a gravidez. Me obrigaria e fazer um aborto
ou daria a criança para a adoção. Só o pensamento quase
me fez desmaiar.
— Eu apenas comi algumas bobagens antes do
jantar.
— Oh, querida, você vai acabar doente se continuar
não se alimentando bem. Eu sempre falo com Marcus
sobre a importância de uma boa alimentação. — Ela olhou
para o filho. — Sabe querida, não vou mentir, acho que
você deveria sair mais. Talvez você devesse sair com
Marcus mais vezes. Ele tem muitos amigos, é próximo de
sua idade. Bem, posso estar sendo ridícula em estar
tomando a frente de Marcus, mas meu filho está se saindo
tímido quando se trata de você.
Eu olhei para Marcus, que tinha um brilho nada
tímido nos olhos. Era perigoso. E eu queria distância de
qualquer coisa relacionada a ele.
— Mãe, assim você me embaraça. — Ele disse e
Margaret pegou a mão do filho por cima da mesa. Todos
me olharam esperando uma resposta e eu só queria
mandar toda aquela hipocrisia a merda.
— Claro. Bem, me deem licença um minuto, preciso
ir ao toalete.
Eu me levantei e fiz o caminho que levava ao
escritório de meu pai. Muitas e muitas vezes durante a
noite eu tentei entrar no escritório dele, mas nunca tive
sucesso. Sempre tinha algum segurança ou ele mesmo. E
nos últimos dias passei a não conseguir ficar acordada. Era
bater a cabeça no travesseiro e dormir. Apalpei minha arma
na perna e o telefone.
Entrei em seu escritório observando se alguém me
seguia e fui em direção ao seu computador e consegui,
primeiro de tudo, seu endereço IP.
E então mandei para Benjamin, por mensagem. Por
segurança, também mandei para Amber. Ela me mandou
na hora um ponto de interrogação e eu respondi em um
áudio que era apenas para salvar.
Abri suas pastas desesperadamente, procurando
exaustivamente por qualquer coisa que incriminasse os
Devils, ou mesmo Shield.
Não encontrei nada.
Eu não tinha tempo e estava desesperada. Amber
me ligou nesse exato momento e eu atendi chorando.
Porque eu achei por um momento que seria fácil? Que eu
iria entrar aqui e encontrar tudo sobre o Shield? Não me
ocorreu que poderiam ter inúmeras cópias, ou seja, eu
nunca teria certeza se ele estaria mesmo a salvo.
Me senti uma piada.
Coloquei meu relacionamento em risco, e agora a
mim e meu filho. Deveria tê-lo deixado cuidar de tudo.
Atendi desesperada.
— Okay, o que está acontecendo? — Sua voz fez a
torneira do choro e desespero se abrir.
— Eu sou uma piada, Amber. Uma piada. —
Respondi chorando.
— Calma, o que está acontecendo?
— Eu achei que poderia salvar Shield, os Devils,
mas não vou conseguir. Minha mãe tem provas contra eles,
contra as pessoas que me acolheram e salvaram e eu só
queria retribuir. Agora meu pai quer me casar com Marcus
e eu não posso salvar nem a mim mesma.
— Calma, não estou conseguindo te acompanhar. O
que você está procurando?
— Estou no escritório do meu pai, procurando
provas contra Shield, mas não consigo achar nada. Pode
estar em mil outros lugares e eu não tenho tempo. A
gravidez deve ter me deixado burra.
— Tara, você está procurando errado. Você quer
salvar os Devils e ir viver sua grande história de amor com
o pai do seu filho, certo?
— Sim.
— O que seu pai mais valoriza, Tara?
Uma luz.
Ela estava certa. Meu pai valoriza unicamente seu
status na política.
Passei desesperadamente a procurar por qualquer
coisa que o incriminasse. Uma onda de esperança me
dominando, me dando um novo propósito.
— Você está certa, certíssima!
— Qualquer coisa Tara. Senador Madison tem o
rabo preso em cada esquina.
Olhei para um arquivo que tinha apenas um ponto.
Era uma pasta. Dentro dela tinha outra nomeada
“BRATVA”. Abri a pasta e quase desmaiei com o horror.
Mulheres e crianças amarradas e amordaçadas em
containers. Um verdadeiro show de horror que me revoltou
o estômago. Era o que havia de mais horroroso em todo o
mundo, e me trouxe várias lembranças de como eu fui
mantida em cativeiro, como uma mercadoria. E mais uma
vez, sob toda a aura de motoqueiro fora da lei, Shield lutou
contra todo esse esquema. Eu o amei mais. A voz de
Amber me trouxe de volta a realidade.
— E ai?
Recibos e recibos que eu não tinha tempo para ler.
Documentos e mais documentos.
— Achei, vou mandar para você por mensagem!
Amber, muito cuidado com esses documentos, por favor.
Pode te colocar em perigo.
— Me manda.
Eu passei a tirar fotos do meu pai com alguns
homens. Em uma delas, ele estava com um moreno todo
tatuado alto e outro vestido de preto e cabelo liso e escuro,
olhos da mesma cor. Fotografei os documentos e mais
encorajada, passei tudo do computador para a minha conta
do Gmail. Meus pensamentos e ações estavam frenéticos,
faltava pouco, muito pouco para que todo esse inferno
acabasse. Pensei na vida que eu teria, com Shield e com o
bebê que carregava, senti o fio da esperança e um sopro
de alegria. Quando terminei o processo, desliguei o
notebook do meu pai, e estava indo em direção a porta
quando escutei passos se aproximando.
Os documentos estavam salvos em minha conta na
Nuvem. Era só passar para Shield, apenas compartilhar.
Eu só precisava sair do escritório e terminar o processo na
segurança do meu quarto. Então a porta se abriu e eu
tentei a todo o custo parecer tranquila, quando minhas
mãos tremiam levemente. Marcus abriu a porta e entrou
como se fosse dono do lugar.
— Tara.
— Oh, Marcus. Eu vim usar o banheiro do meu pai,
que estava mais próximo.
Ele levantou uma sobrancelha, sabendo que eu
estava mentindo.
— Tenho sentido você um pouco distante. — Ele
passava as mãos pelos livros na estante, se aproximando
cada vez mais. — Principalmente de mim.
— Impressão sua. — Eu disse e sorri. — Bem, acho melhor
voltarmos. Já tem um tempo que estou aqui. — Caminhei
passando ao seu lado em direção à porta, mas ele me
segurou pelo braço, me girando e ficamos frente a frente, o
movimento bruto demais.
— Porque a pressa? Sabe que essa balela de jantar
é principalmente para que possamos ficar mais próximos.
— Tire suas mãos de mim! — Eu disse em um tom
furioso.
Ele sorriu e apertou mais o meu braço.
— Ela luta! Uma carinha de anjo com a alma de uma
gata selvagem. — Sua boca caiu em meu pescoço,
forçando caminho para o meu colo. — Eu gosto muito
disso.
Ele era muito forte, mas consegui acertar meu joelho
em suas bolas e empurrá-lo para o chão.
— Disse para tirar suas mãos de mim, idiota!
Antes que eu chegasse à porta, ele veio e me
segurou pelo cabelo, jogando-me no chão. Quando me dei
conta, ele estava em cima de mim, tentando tirar minha
roupa. E o desespero me tomou. Eu passei a me debater
freneticamente, mas ele segurou minhas mãos com apenas
uma e montou meu quadril.
— Seu pai me pediu para que entrasse aqui e
fizesse o que quisesse. Se vamos nos casar, há uma lição
ou duas que você precisa aprender, Tara, e uma delas é:
ninguém me diz não.
Ele acertou o meu rosto e a mim não coube opção.
Deixei que a luta me abandonasse e ele sentisse
que eu estava em concordância com suas ações. Então,
quando ele rasgou o meu vestido, deixando meus seios
expostos, eu desci minha mão agora solta para a arma em
minha perna e sem aviso, subi em direção ao seu peito
antes que ele se desse conta ou eu perdesse a coragem.
Apenas um segundo de confusão até que ele entendesse,
mas não lhe dei tempo.
Eu atirei.
Uma.
Duas.
Três vezes.
Vi quando a vida deixou os seus olhos. Primeiro
arregalados, como se não acreditasse, então opacos.
Sangue escorreu de sua boca para a lateral do meu rosto e
eu quase vomitei.
E a realidade me bateu.
Saí debaixo do corpo sem vida de Marcus, trêmula e
em choque, sabendo que a qualquer momento alguém
entraria pela porta do escritório, mas controlando a histeria
que ameaçava me tomar. Peguei o celular que estava
também em minha perna e mandei apenas uma mensagem
para Amber.
Meu login e senha.
Então escutei passos apressados no corredor e só
me restou desligar o celular e jogá-lo embaixo da estante,
para que ninguém o encontrasse.
Eu tinha matado um homem.
Era um filho da puta estuprador, que estava prestes
a violentar o meu corpo sem misericórdia, mas ainda
assim, era um homem e eu o tinha matado. Olhei para o
seu corpo estendido e tentei buscar dentro de mim uma
ponta de remorso, mas meu interior estava vazio de
qualquer sentimento. Eu não sentia nada, nem mesmo a
histeria que a pouco ameaçava me tomar.
Meus pais e os pais de Marcus entraram, e vi
quando o choque tomou cada semblante, reconhecendo
cada emoção com a cena que tinham diante dos olhos:
sangue no tapete, no chão, Marcus sem vida e eu com o
vestido rasgado, o canto da boca sangrando e a arma na
mão.
— Ele me atacou.
Capítulo 30
Shield

Era o quarto dia.


— Shield, não vá fazer merda. — Leon disse,
tentando apaziguar meu temperamento.
— Ela não entrou em contato, não disse se já estaria
voltando. Eu não suporto mais essa merda, vou buscar
minha mulher.
Eu estava olhando pela janela no escritório do Clube
e meus irmãos ao meu redor. Tínhamos acabado de ter
uma reunião e eu havia compartilhado meus planos.
Leon me olhou e então assentiu.
— Então eu vou com você.
— Todos nós vamos. — Disse Storm
— Vocês não precisam…
— Ela é sua mulher, uma de nós. Se há algo errado,
vamos todos. — Cold disse ao meu lado, apertando meu
ombro. Olhei em volta e todos os meus irmãos estavam
prontos para pegar a estrada.
— Ela tem as suas bolas, não aguento mais ver
esse chororô. — Disse Storm. — Vamos trazer a sua
princesa de volta.
Apesar da vontade de lhe acertar a cara, eu era
grato. Era a sua forma de dizer que se importava com o
que era importante para mim. Tara era importante, não
havia dúvidas para ninguém.
Meu celular tocou e todos pararam. Talvez ela já
estivesse aqui, já estivesse vindo, já tivesse tudo resolvido.
Depois que ela me enviou o endereço IP, Viper vinha
trabalhando para conseguir informações que poderiam nos
ajudar, mas o senador tinha um bom firewall ou alguma
merda de nerd que só Viper saberia dizer.
Eu não tinha tempo.
Atendi quase ofegante.
— Tara.
— Na verdade, não. Olá, você deve ser o Shield. —
Uma voz feminina respondeu e eu quase desliguei para
não perder tempo, cada segundo sem notícias me
consumindo em agonia.
— Quem é? — Perguntei impaciente.
— Certo, vamos lá. Meu nome é Amber. Eu sou
amiga da Tara e… Bem, eu não sei o que fazer.
— Tara não tem amigas.
A mulher na linha suspirou pesadamente.
— Olha, eu estou preocupada, tá legal? Eu estava
com ela ao telefone duas noites atrás, ela estava atrás de
documentos que pudessem salvar você e o seu clube, seja
lá o que isso signifique. Enfim, ela conseguiu, eu tenho
todos eles comigo, porque estava ao telefone com ela no
momento. Mas eu não sei o que fazer com eles agora
porquê... Ela sumiu. Não me atende, quando ligo para a
casa dela a empregada fala que ela não está disponível.
Eu não confio nos pais dela. — Ela parou de falar a
respirou, sua voz então saiu falhada. — Acho que algo deu
errado.
— Como você tem meu telefone? Como sei que está
falando a verdade?
— Qual é?! Eu estou preocupada de verdade! A
primeira vez que ela ligou foi do meu telefone. Nas outras
vezes? Fui eu que a ajudei! — Ela então respirou. Um
soluço. — Em um momento ela estava surtando no
telefone porque tinha conseguido tudo, mandando para a
conta dela, no outro ela desligou e só me mandou uma
mensagem com seu login e senha.
Eu fiquei em silêncio, até perceber que a garota
estava me mandando mensagem. Abri e eram prints. Fotos
da tela dela, a troca de mensagens com Tara. Quase no
mesmo horário em que ela me mandou o IP do seu pai. A
garota parecia estar sendo sincera.
— Olha, eu tenho um motivo maior para me
preocupar. Não seria meu direito contar, mas eu vou contar
porque estou com medo. As coisas estão estranhas por
aqui.
— Diga de uma vez.
Ela ficou em silêncio pelo que pareceu ser uma
eternidade e eu já estava pronto para gritar com ela,
quando enfim, ela disse:
— Ela está grávida.
O mundo parou com as palavras dela.
Tara estava grávida.
— Se você estiver mentindo, eu vou te achar e te
matar, garota.
— Eu não tenho porque mentir! Eu te mandei o link
com todos os documentos que ela conseguiu, espero que
te ajude. São documentos que comprometem a moral
imunda do senador. Espero que você se importe com ela
pelo menos um terço do que ela se importa com você,
porque ela se colocou em risco principalmente por você.
Espero que não a abandone agora. Eu vou continuar
tentando encontrar uma forma de entrar em contato com
ela.
E com essas últimas palavras, Amber desligou.
Eu olhei para meus irmãos.
— Quem era?
— Amber. — Eu me sentei ainda em choque. — Ela
disse que é… Amiga da Tara. Me passou esse login e
senha. — Viper pegou o celular e passou a teclar
furiosamente. — Ela disse que Tara conseguiu tudo o que
procurava e sumiu. Ela parecia preocupada.
— Alguma vez Tara falou dessa Amber? — Leon
perguntou.
— Eu acho que ela falou de uma amiga, mas não
me lembrava do nome.
— Porque você está com essa cara de cachorro
perdido? — Cold perguntou.
— Porque se essa Amber estiver falando a verdade,
Tara está grávida.
— Caralho! — Storm esbravejou
O silêncio caiu na sala. Então Viper o quebrou.
— Ela está falando a verdade! — Viper estava
enérgico, poucas coisas o deixavam assim. — Aqui tem
provas para você acabar com a vida do senador. Ligações
com a Bratva e o Cartel. Fotos deles e até possíveis fotos
de Suarez.
Storm foi até o celular e eu também. Viper sorria
amplamente e continuou.
— É um verdadeiro dossiê! Comprovações que o
ligam diretamente ao tráfico humano, Shield. Tara pode não
ter conseguido as provas contra nós, mas ela tem aqui o
que pode fazê-lo sair de seu rabo e te deixar em paz. E a
ela também.
A realização caiu como um tsunami.
Sim, tínhamos um material para acabar de vez com
a vida de Thomas Madison.
— Viper me coloque em contato com o senador.
Viper saiu da sala indo em direção aos seus
computadores e eu virei para meus irmãos. Sim, tínhamos
o filho da puta nas mãos, mas minha prioridade era Tara e
meu filho em segurança. Shield se aproximou e disse para
que todos ouvissem:
— Vamos buscar a sua mulher e seu filho, Shield.
Vamos para Washington.
Senti a firmeza em seu tom, no mesmo momento em
que Viper vinha com um telefone. Eu o peguei deliciado,
porque era a minha vez de afrontar Thomas Madison.
— Olá, senador. Gostaria de dizer que é um prazer
voltar a falar contigo, mas eu seria um mentiroso, não é
assim?
Eu comecei falando em meu melhor tom sarcástico.
— Quem está falando?
O senador pareceu irritado, o que só me deixou
ainda mais animado.
— Ora, ora. Não foi você que me ligou esses dias,
me fazendo um proposta? Já se esqueceu?
— Devil — Cuspiu o nome do clube com nojo e
repulsa. O sentimento era recíproco.
— Eu estou em posse de informações
importantíssimas, caro senador. Embora minha vontade
seja estourar os seus miolos pelo lixo de ser humano que
você é, você tem algo que eu quero.
Foi quase possível ver a sua expressão pela forma
como ele puxou uma respiração profunda. Ele sabia que
era sujo, e sabia que vivia em pura hipocrisia. Seu teto era
de vidro e eu estava prestes a jogar um meteoro em cima
dele.
— Você está blefando.
Eu gargalhei.
— Quer arriscar? Imagina só estampado em jornais
e revistas todas as provas que ligam você ao negócio mais
sujo do mundo. Relacionado com pessoas procuradas por
todo o mundo, como Juan Suarez. Imagina o mundo vendo
você como você é, senador.
Suas respirações passaram a ser rápidas e
descompassadas.
— Você é um homem morto.
— E você pode dizer adeus a sua carreira política,
pois se a partir de agora tentar me afundar eu te levo junto.
Eu não vou dizer novamente. Estou a caminho de
Washington e quero Tara sem um arranhão. Ilesa. Ou eu te
procuro no inferno e dane-se as consequências. Às 17h,
senador. Eu estou chegando.
Sem dar espaço para que falasse mais, eu desliguei.
E fui em busca da minha mulher.
Capítulo 31
Tara Madison

Terceiro dia trancada como um animal em meu


quarto. Minhas refeições eram trazidas quatro vezes por
dia e tirando o confronto do primeiro dia, tudo ainda parecia
confuso. Depois da tragédia no escritório, eu fiz menção de
chamar a polícia, mas Margaret e Paul, os pais de Marcus,
imploraram por um acordo.
Eles conheciam o filho, sabiam que eu não estava
mentindo, e apesar do ódio que Margaret me olhou, Paul e
meu pai resolveram inventar alguma história para a mídia,
eles tinham pessoal para isso. Não queriam um escândalo,
que o único herdeiro da Lions fosse parar nos jornais
relacionado à tentativa de estupro.
Eu ainda estava procurando uma forma de escapar
da casa dos meus pais, mas era difícil quando eu não era
permitida sair do quarto. E quando não tinha ninguém.
Pensei em Shield e sua promessa de destruir todo o
caminho de Richmond a Washington, e toda vez que me
lembrava, todo o meu sangue gelava e meu interior se
contorcia. Porque ele era capaz de fazer isso.
Eu estava a ponto de enlouquecer sem minha arma
ou telefone. Minha mente voltava para o escritório, quando
me encontraram com a arma na mão e o corpo de Marcus
ao meu lado. Meus pais me olharam como se não me
conhecessem. Todos eles. A Tara meiga e perfeita seria
incapaz de ferir uma formiga, mas essa Tara é alguém
perfeitamente capaz de matar se fosse necessário. Minha
mãe agora me olhava com cautela e meu pai, embora eu
não tenha voltado a vê-lo, me olhou como se não houvesse
percebido que eu poderia ser perigosa.
Escutei a porta se abrindo e minha mãe entrou, dois
homens de branco com ela. Eu estava apavorada quando
vi o homem vindo em minha direção com uma agulha. Não
poderia de forma alguma deixar que injetassem algo
desconhecido em mim, eu não entendia nada de gravidez,
mas poderia ser perigoso. Fiquei desesperada ao perceber
que esse seria o método de Rosaly, agora que ela havia
percebido que já não tinha controle sobre mim.
— Mãe, por favor. Por favor, não.
Ela apenas me olhou nos olhos e disse calmamente.
— Agora eu sou sua mãe.
Cenários de todas as espécies passou a tomar
minha mente. Eu precisava que Shield viesse nos salvar,
que Amber entendesse o recado, ou meu filho estaria em
risco. Em desespero passei a gritar, em meio às lágrimas
que agora inundavam meu rosto.
— Você que nunca se comportou como uma mãe! —
O homem me segurou pelo braço, mas ela levantou a mão.
— Eu te odeio, Rosaly! Eu vou te adiar até o dia da minha
morte! Você nunca foi uma mãe de verdade, nunca sequer
perguntou sobre o que aconteceu comigo, sobre o que eu
passei naquele inferno! Eu tenho horror a você!
Minhas palavras pareceu feri-la.
— Chega, Tara!
Mas eu continuei.
— Você nunca mais vai me controlar! Eu prefiro mil
vezes viver em uma clínica, ou trancada nesse quarto
desde que não olhe mais em sua cara!
Eu tentava sair das mãos do enfermeiro, tentava me
soltar desesperadamente, mas seu aperto era firme. A
raiva foi substituída por puro desespero e eu passei a
implorar.
— Por favor, não os deixe injetar nada em mim. —
Pedi.
— Por quê?
Eu olhei para ela e então para o meu ventre.
Reconhecimento passou em seus olhos e ela respirou
fundo. Uma lágrima desceu e ela deu sinal para que o
enfermeiro me soltasse. E então eles saíram do quarto. Eu
me sentei na beira da cama e comecei a chorar
convulsivamente. Estava sensível pela gravidez. Minha
situação era deplorável, de camisola larga, o cabelo uma
confusão, e chorando.
Minha mãe se aproximou, sua pose altiva e ficou ali.
Eu levantei meus olhos para ela, que então os desviou. Ela
parecia que iria desmontar a qualquer momento. Pareceu
que ia chorar.
— Eu falhei com você, Tara. Sim, eu não perguntei
sobre o que aconteceu e nem quero saber, não porque eu
não me importo, mas porque eu me importo demais. Você
pode me odiar, mas eu sempre quis o melhor para você.
A onda de adrenalina deixou um pouco o meu corpo,
e eu só encarei a penteadeira a minha frente, respondendo
sem emoção.
— Eu dispenso o seu melhor.
Ela suspirou, e então disse com mais firmeza.
— Seu pai não vai aceitar essa criança.
— Então me ajude a sair daqui! — Respondi
enérgica.
Ela me encarou por algum momento, seus olhos
estavam úmidos. Talvez do seu jeito torto, ela sentisse algo
por mim.
— Hoje será o funeral do Marcus. Eu preciso que
você vá e faça esse último papel por mim. Por favor.
Rosaly nunca pedia por favor. Mas mesmo em seu
tom humilde, eu me vi respondendo.
— Eu já fiz o suficiente por eles. Eu não vou.
— Eu preciso que você colabore e me ajude a te
ajudar, Tara. Você quer que esse filho sobreviva? É melhor
ser minha aliada. Teremos que ir para o exterior, inventar
alguma história, ou seu pai vai dar essa criança para a
adoção. Ou coisa pior.
Cada palavra me fez voltar a chorar em desespero.
— Essa criança tem um pai.
— Um criminoso.
— E o que meu pai é? Um criminoso, que está
ligado ao tráfico humano nos Estados Unidos, um homem
vil que veste terno, mas é um lixo.
Minha mãe pareceu chocada, mas logo se
recuperou. Então eu continuei.
— Porque você acha que me levaram, hein? Porque
esse é o negócio dele! Eu fui drogada, me colocaram em
exposição…
— Calada, Tara. — Sua respiração ficou alterada.
— Em uma cabine! — Gritei, vendo quando a dor
atravessou seus olhos. Ela não queria, mas ela iria ouvir
cada palavra — Homens me olharam como uma
mercadoria e eu seria leiloada.
— Chega, Tara! — Ela ameaçou tapar os ouvidos
com as mãos. Seu descontrole foi como combustível para o
meu rompante.
— Eu seria uma escrava sexual. Sabe como é isso?
E ser estuprada um milhão de vezes, sem poder dar uma
palavra sobre o assunto. E abrir mão da sua humanidade.
Gordas lágrimas desceram de seus olhos e ela
suplicou:
— Pare, por favor...
— Shield me salvou. Ele estava lá para salvar a
irmã, que foi outra vítima e ele me salvou. Ele não
precisava, mas ainda assim, o fez. E então ele me deu
tudo.
Rosaly chorava. Foi a primeira vez que a vi perder a
compostura e sucumbir às lágrimas, mas eu não a consolei
nem senti pena. Porque ela nunca me consolou em meus
vinte anos de vida.
— E olha para o que você pretende. Fazer com que
eu continue vivendo essa vida miserável com um homem
que nunca se importou comigo, e que crie meu filho como
eu fui criada. Sem amor, sem carinho ou esperança. — Me
levantei e fiquei de frente a ela, limpando minhas lágrimas,
dizendo em um tom firme, que a fez me olhar como se eu
fosse uma estranha — Eu prefiro a morte.
A porta se abriu e meu entrou com uma arma
apontada para minha cabeça.
— Vadia, desgraçada! O que você fez?
— O que está acontecendo, Thomas? — Minha mãe
entrou em minha frente, afastando um pouco o seu corpo
do meu.
Ele tinha descoberto.
Amber deve ter entendido o meu silêncio como um
sinal de que as coisas saíram do controle e entrou em
contato com Ben.
Benjamin já deveria ter feito um movimento.
— Você teve coragem de me trair, sua ingrata, seu
próprio sangue! Tem coragem de estar sorrindo, ainda! —
Seus olhos eram assassinos — Você é uma cobra. FOI
VOCÊ, NÃO FOI? VOCÊ AVISOU NOVA IORQUE SOBRE
O ATENTADO NA UNIVERSIDADE, NÃO FOI? Seu próprio
sangue, traiu seu próprio sangue!
Eu nem tinha percebido que sorria até ele dizer e
seu rompante não me assustou. Me enxeu de uma
coragem suicida.
— Você me deixou para ser vendida pelo cartel. Seu
próprio sangue. — Eu respondi.
— Por favor, Thomas, abaixe essa arma. Por favor,
não faça nada. — Minha mãe se virou para mim, ficando de
costas para meu pai. — O que você fez, Tara?
Minha mãe continuava em minha frente, protegendo
meu corpo com o seu, mas seu rosto estava terrivelmente
branco e abalado. Ela nãosabia dos detalhes dos negócios
do meu pai e eu poderia jurar que estava horrorizada. Meu
pai se aproximou ameaçadoramente mais e mais, tirando
minha mãe do caminho e apontando a arma diretamente
para minha cabeça fazendo meu coração bater
desesperadamente. Contive a vontade de segurar meu
ventre e fechei os olhos.
— Minha vontade é de estourar seus miolos! Você
sempre foi insignificante e depois, uma decepção! Você
merece morrer por tudo o que se tornou. — Ele fez uma
pausa e eu abri os olhos. — Mas aquele filho da puta quer
você de volta sem um arranhão. E é isso que você merece,
uma vida com selvagens, sem qualquer perspectiva!
Ele então abaixou a arma e dois dos seus homens
me seguraram. Minha mãe tentou me segurar, mas
novamente foi jogada ao lado.
— Você vai entregá-la? — Minha mãe perguntou.
— Eu não tenho opção. — meu pai respondeu sem
tirar os olhos de mim. — Ela não leva nada dessa vida e
preste atenção: se um dia esse vagabundo te abandonar
ou te deixar na rua, esqueça qualquer coisa sobre essa
família.
— Eu prefiro viver na rua a voltar para essa casa!
Ele levantou a mão pra me acertar, mas então
desistiu. Eu deveria controlar a minha língua pois ele
estava irado e armado, mas era uma chave que eu não
conseguia trancar. Minha mãe fez menção de dizer mais
alguma coisa, mas eu implorei com meus olhos para que
não. Se ela mencionasse minha gravidez meu pai poderia
tentar algo contra o bebê. Um aceno imperceptível da
minha mãe me fez respirar tranquila.
Meu pai deu sinal para o homem atrás de mim, que
me levou desajeitadamente escada abaixo. Minha mãe
ficou perto da escada, seus olhos em mim até o carro e
pude ver quando a intocável e perfeita Rosaly Madison caiu
em um choro convulsivo, novamente.
Todo o caminho foi feito em silêncio, outro carro
seguia com meu pai. Eu ainda não estava convencido de
que meu pai me entregaria sem tentar nada, mas me sentia
exausta demais até para pensar. O caminho nos levava
para fora da cidade. Andamos por alguns minutos, uma
exaustão cada vez maior tomando conta de mim, mas eu
tentava manter um mínimo de compostura.
Estava acabando.
Então, foi possível ver, cada vez mais próximo, um
paredão de homens tatuados. Meus olhos procuraram
freneticamente por Benjamin, até o encontrar no meio de
todos eles. Armado e perigoso. Meu Shield.
Quando paramos, meu pai desceu, seus homens
com as armas apontadas para o meu homem, que devolvia
o olhar imperturbável. Um dos homens do meu pai me
puxou do carro e eu tropecei em meus pés. Meus olhos
encontraram Shield, que não demonstrava nada, olhando
fixamente para meu pai.
— Como combinado, aqui está.
Meu pai era um homem que não estava acostumado
a perder. Era um duro golpe em seu ego que estivesse do
outro lado e ainda traído pela sua filha. Ele me deu um
último olhar de ódio e desgosto e deu sinal para que eu seu
homem me soltasse. O homem me lançou três passos à
frente, me fazendo quase perder o equilíbrio.
Era dezembro e estava muito frio.
Eu só vestia uma camisola branca, de tecido fino e
tinha os meus pés descalços.
Em cada passo que eu dava em direção aos Devils,
o pouco da minha força se esvaia. Eu olhei para Shield,
que finalmente, tinha os olhos em mim. Armas apontadas
em minhas costas e frente, mas meus olhos trancaram
apenas nos olhos de Shield. Porque naquele momento, era
Shield. Seu rosto estava em branco.
Eu caminhei até estar a poucos passos dele, já não
sentindo meus pés tocando a rodovia. Meu queixo tremia e
antes que o alcançasse, perdi todas as forças em mim. Eu
senti que ia cair no chão, mas senti os braços familiares em
volta do meu corpo, e logo algo quente me abraçar
suavemente, passando algum calor para o meu corpo.
— Te peguei, Princesa.
Capítulo 32
Shield

— Eu não me conformo em não ter dado um tiro na


cara do homem. — Falei, quando estava de volta ao Clube.
Tara estava em meu quarto, já tinha sido examinada e
medicada. Segundo a médica que a atendeu, ela poderia
ter perdido o bebê. Tara estava desidratada e anêmica por
não se alimentar corretamente, e a médica receitou
algumas vitaminas e um remédio para enjoo matinal, caso
precisasse.
Tara dormiu por todo o caminho até Richmond. Nova
Iorque nos enviou um jato particular e voltamos em
segurança o mais rápido possível. Segundo a médica, o
corpo dela precisava recuperar as energias e era bom que
estivesse dormindo, mesmo que eu estivesse ansioso para
ouvi-la. Ela precisava descansar pelos próximos dias.
Estávamos em frente ao Clube, eu e meus irmãos, e
ainda estava inconformado por Thomas Madison continuar
respirando. Encontrei hematomas em um lado do rosto de
Tara e também nos braços. Eu sentia que precisava matar
alguém, mas ali, naquele momento, não era a hora certa.
Ele a deixou quase morrer de frio e eu nunca me senti tão
impotente como quando a vi vindo em minha direção,
quase caindo em exaustão.
— Vamos ter outra oportunidade. A Aliança não se
esqueceu da tentativa de assassinato no território de Nova
Iorque. Vamos vingar cada machucado da sua garota. —
Storm disse.
Em concordância, decidimos entrar. Assim que
chegamos à entrada, meus olhos se depararam com Tara,
no meio da escada, como a primeira vez em que esteve
aqui. Usava uma camiseta dos Devils que chegava ao meio
de sua coxa. Diferente da primeira vez, ela não correu de
mim.
Ela correu para mim.
Eu a peguei no ar enquanto ela me abraçava com
braços e pernas, sentindo a umidade do seu choro em meu
pescoço.
Os meus irmãos então se espalharam, nos deixando
sozinhos. Eu caminhei com ela aninhada em meu colo,
indo em direção ao nosso quarto, abrigando-a em mim,
como se tivesse todo o tempo do mundo. Ela deveria estar
deitada, descansando, mas se algo eu entendi bem nos
últimos dias, foi sobre a saudade. Deitei Tara na cama e
deitei por cima de seu corpo, embora com cuidado para
que não soltasse meu peso sobre ela. Que agora eu sabia,
carregava meu filho em seu ventre.
Seus olhos, diferentes de tudo o que eu já vi em
minha vida e que me enfeitiçavam desde quando não sabia
nada sobre ela, me deixaram cativo ali por um tempo.
— Seus olhos… São lindos. — Ela disse por fim.
Eu continuei preso em seus olhos e agora perdido
na voz cálida. Como a primeira vez que falou comigo, ela
falou dos meus olhos e como na primeira vez, eu era quem
estava cativo em seus olhos de feiticeira.
— Você me deixou. — Disse com a voz quase dura.
Suas mãos enlaçaram meu pescoço até que sua
boca estivesse encostada na minha e respiramos o mesmo
ar.
— Nunca. Eu queria te salvar.
— Quem te machucou? — Minha voz estava
carregada de ódio.
— Eu consegui.
— Quem. Te. Machucou.
— Marcus — Eu fiz menção de me levantar, mas ela
me segurou — Eu o matei.
Meu rosto deve ter entregue todo o meu espanto.
Ela matou o herdeiro da Lions? Não que eu me importasse,
mas olhando Tara, jamais imaginaria que ela fosse capaz
de tal coisa.
— Ele tentou me encurralar quando estava pegando
as informações no escritório do meu pai. Eu pedi para que
parasse os avanços, mas ele não me escutou. Então eu o
matei.
Eu queria perguntar os detalhes do acontecido, mas
tudo o que eu pensei foi em como ela foi se colocou em
risco, e nosso filho, e tudo que poderia ter acontecido, dado
errado.
Eu segurei seu rosto com um pouco de força, nunca
desviando meus olhos do dela.
— Nunca mais faça isso.
Minha voz saiu dura, mas ela sorriu.
— Eu não vou prometer tal coisa. Eu daria minha
vida por você, Benjamin.
Eu queria gritar com ela, dizer que ela nunca deveria
fazer nada que a colocasse em risco, nem por mim nem
por ninguém. Queria que ela entendesse o quanto era
preciosa e que se algo acontecesse a ela, eu não me
recuperaria. Eu havia percebido quando ela se foi.
— Não, você vai me prometer que nunca mais se
colocará em risco.
Ela passou as pernas em volta da minha cintura e
meu pau começou a dar sinais de vida. Ela lambeu meu
lábio inferior.
— Eu não vou prometer. Lide com a ideia de que eu
farei qualquer coisa por vocês.
Eu a olhei com as sobrancelhas arqueadas. Eu
queria que ela me dissesse. Queria ouvir dela. Porque eu
entendia o motivo de “vocês”, no plural, mas ainda não
tínhamos tido essa conversa. No meu silêncio, ela engoliu
em seco, mas quando me olhou, foi firme.
— Enquanto estava em Washington eu descobri
algo. — Ela segurou os dois lados do meu rosto. Meu
coração acelerou e eu vi a pulsação dela na garganta. —
Estou grávida.
Eu continuei olhando, propositalmente fazendo-a se
contorcer um pouco. Ela desviou os olhos e os fechou com
força, antes de voltar a falar.
— Sei que é inesperado. Pode ser que não seja da
sua vontade ser pai, mas eu não estou abrindo mão dele,
Ben. Estarei fazendo isso, sozinha ou…
— Cale a boca, mulher.
Disse e me apossei de sua boca em um beijo cheio
de saudade. Como eu senti falta de sua boca, seu cheiro,
seu carinho. Tara não estaria fazendo mais nada sozinha a
partir de agora. Era a Old Lady de um Devil, a mulher que
eu amava, a mãe do meu filho e não estaria sozinha nunca
mais. Me afastei só um pouco, para que ela me ouvisse
claramente.
— Nós faremos tudo juntos. Se você quiser casar,
nós vamos. Agora ou daqui a dez anos, é você quem
escolhe. Mas viveremos juntos e criaremos essa criança e
as outras que vierem depois. Enquanto eu viver, você
nunca mais estará sozinha. E mesmo se eu morrer, você
sempre será uma Devil.
Uma lágrima escorreu, mas ela passou a levantar
minha camisa com movimentos frenéticos.
— Preciso de você. Dentro de mim.
Tentei pará-la com as mãos, mas as palavras
“dentro de você” me tirou um pouco de órbita.
— Eu… Eu não sei se é uma boa ideia. Você… —
Falei sem fôlego.
— Gravidez não é doença, Shield.
Ela disse beijando minha boca, pescoço, passando
a boca por qualquer pele exposta do meu corpo. Sua boca
quente e deliciosa.
— Mas você desmaiou… — Tentei novamente.
— Ontem. Eu preciso sentir você.
Ela me empurrou e tirou sua camiseta, desnudando
seus seios, agora mais cheios, me fazendo grunhir como
um animal. Eu a queria, mas ainda tinha receio. Porém ela
começou a passar sua boceta em meu jeans, em
movimentos muito específicos. Eu estava me agarrando ao
último grão de controle, quando ela segurou meu pau por
cima da calça.
Eu me perdi.
Me levantei e rapidamente tirei minha calça e cueca,
com desespero, enquanto ela se livrava da calcinha.
Quando ficamos nus, eu me deitei e ela veio por cima de
mim, montando meus quadris. Antes que eu pudesse
pensar, Tara sentou em meu pau, tirando suspiros de nós
dois. Ela estava maravilhosa e com um brilho que não
estava ali antes, enquanto cavalgava meu pau. Ou talvez
fosse meu coração fodido e apaixonado que estivesse
pintando um quadro particular. Fosse o que fosse, o
sentimento que emanava de nós dois era o que fazia a
experiência de transar com uma mulher ser resignificada.
Tara foi a primeira que fiz amor.
Com todas as merdas românticas que acompanham
o ato.
Eu me sentei, apertando sua bunda, segurando seu
quadril para que parasse seus movimentos, trazendo seus
olhos para os meus. Ficamos nos olhando por tanto tempo
que eu não soube dizer, até a agonia ser tanta, que os
movimentos voltaram lentamente, seus olhos nunca
deixando os meus. E foi assim que chegamos ao clímax,
alimentando essa conexão que eu nunca imaginei que
poderia existir. Nunca imaginei sentir. Calmo e avassalador
ao mesmo tempo, de forma reverente.
— Eu te amo, Benjamin.
Ela sussurrou em meu ouvido e eu a apertei ainda
mais em meus braços.
— Eu te amo, Princesa.

À noite fomos para meu apartamento, pois tanto


Hanna como minha mãe estavam em cólicas para ver Tara.
Assim que abri a porta, uma onda de choro e abraços se
transformou em uma verdadeira confusão. Minha mãe se
sentou de um lado de Tara e minha irmã do outro,
alternando entre lágrimas e bronca, e então
agradecimento, sobre tudo o que fez por nós. Minha família
amava Tara e nada poderia me deixar mais feliz que a cena
que se desenrolava em minha frente.
Depois de algum tempo sentado na poltrona que
restou, e assistindo a interação das três, Tara olhou para
mim e eu acenei. Sim, era a hora de falar sobre como em
breve teremos mais um integrante em nossa família. Tara
olhou para ambas, então se levantou de uma forma
elegante, que eu vira apenas ela fazer em toda a minha
vida.
— Benjamin e eu temos algo para compartilhar.
— Vocês estão indo morar juntos? Porque se for
isso, não é nenhuma novidade.
— Essa é uma parte da novidade, Hanna. Tem mais.
— Vocês vão se casar? — Minha mãe disse.
— Estou grávida.
Duas coisas ocorreram: primeiro um silêncio
perturbador, que fez tanto eu quanto Tara nos
contorcermos. E então, mais uma onda de choro e abraços
no qual eu também fui incluso. Hanna praticamente gritava
que seria tia e minha mãe apenas soluçava sobre o quanto
a notícia a deixava feliz.
— Vocês vão morar naquela casa, no meio do
nada? — Minha mãe perguntou, fungando.
— Claro que sim, aquela é a nossa casa.
— Humpf. Precisamos marcar suas consultas, Tara.
E sempre achei que você come mal, vou fazer um jantar
reforçado. — Ela então pegou ambas nossas mãos e disse:
— Eu imagino que esteja assustada, querida. Mas não está
sozinha.
Tara abraçou minha mãe, não contendo as lágrimas.
Ela era nova e foi inesperado para nós dois, porém, juntos
nós daríamos um jeito de fazer dar certo. Porque sim, ela
não estava sozinha.
Tara passou a ser mimada por toda a família de
forma quase reverenciada. Minha mãe fez seu prato
preferido enquanto Hanna já começava a procurar por itens
para o bebê. Apesar de surpresa inicialmente, pois não
sabíamos como seria para minha mãe e irmã digerirem a
notícia, logo Tara se sentiu à vontade e passou a vibrar
com pequenas coisas, como sexo e nome do bebê, roupas
e outras coisas que Hanna pesquisava em seu aparelho
celular e mostrava, em êxtase.
Os dias seguiram, fazendo-nos entrar novamente na
rotina. Minha mãe passou a ficar mais tempo em Richmond
e algumas semanas depois, ela se mudou de vez para
minha cidade. Tara teve um início difícil, com muitos enjoos
e minha mãe logo se propôs a cuidar dela, visto que Hanna
estava ocupada finalizando seu curso e eu precisava me
ausentar pelas minhas obrigações com o Clube.
Apesar disso, eu fazia de tudo para que estivesse
com ela em todos os momentos possíveis, até quando
estava desanimada e queria apenas um abraço. Mesmo
que fosse para segurar o seu cabelo enquanto ela
vomitava, mesmo que apenas para estar ali por ela e para
ela. Às vezes eu me sentia impotente por vê-la mal e não
poder fazer nada, mas minha mãe sempre vinha com o
mesmo mantra: Era normal. O que me irritava ainda mais
porque ver a minha menina doente e desanimada não
poderia ser normal.
No último dia do ano, Tara e eu fomos para a nossa
casa no lago. Eu queria passar um tempo com ela, que
ficou o último mês praticamente em casa, já que foi
dispensada temporariamente do seu trabalho no estúdio
Avelar. Ela conversou sobre o que aconteceu nos últimos
meses, escondendo as partes sangrentas e Rick — que eu
acabei me convencendo ser um cara decente —entendeu e
deu alguns dias para que ela melhorasse e então voltasse.
Ele sabia o potencial da minha garota, valorizava o talento
dela, não abriria mão dela de forma alguma.
Tara estava um pouco pálida, mas ainda assim…
Ela estava feliz e nunca esteve tão linda. Era nítido. Ela
usava um vestido azul celeste na altura dos joelhos, sem
mangas, combinando uma sapatilha delicada, com pedras
e outras coisas que as mulheres gostam. Seu cabelo solto
como eu gostava, uma maquiagem mínima e um sorriso
aberto.
Nada contido.
E meu patch sobre ela.
A visão me excitou e tudo que pensei por um
momento foi em bagunçá-la e chegar atrasado à festa do
Clube. Ela se aproximou e eu beijei o sorriso de seu rosto,
abraçando seu corpo só porque eu podia. E porque nunca
poderia resistir a ela. Essa garota aparentemente frágil se
tornou uma mulher forte e segura. Imparável. Emeu amor e
admiração só aumentava com o passar dos dias, assim
como o meu desejo. Ela era o centro do meu mundo.
De mãos dadas, caminhamos até o carro, porque
sim, eu estava como um filho da puta protetor e obcecado
com qualquer risco que poderia oferecer ao meu filho e ela
na garupa da minha moto não seria possível por um bom
par de meses. Embora olhando, eu não conseguia ver
nada que pudesse dizer que ela levava meu filho, eu sabia
que ele estava ali. Na última consulta eu fui com Tara,
Hanna e minha mãe e, embora eu não conseguisse ver
nada do que aparecia no monitor além de um esquisito
embaraço de imagens, pude escutar um coração batendo
forte.
E foi ali que eu perdi a outra parte do meu coração.
Assim que chegamos ao Clube, Tara foi levada por
Vivian e Hanna, e eu fui até onde meus irmãos estavam. O
sorriso satisfeito desenhava meu rosto e eu acreditei ali
que enquanto eu tivesse aquelas pessoas e elas
estivessem seguras e felizes, nada poderia me abalar.
E eu lutaria, mataria e morreria todos os dias por
isso, se fosse possível.
Capítulo 33
Tara Madison

— Tomara que quando eu ficar grávida, fique tão


linda quanto você. — Vivian disse, me abraçando e
passando a mão no meu ventre plano. Já tinha ido em
busca de um copo de suco para mim e eu poderia me
acostumar com todo esse mimo.
— Hey, você não acha que é muito nova para ficar
falando em gravidez?
Leon disse de seu lugar, sentado em nossa frente,
parecendo incomodado.
— Ah, mas esse é um ciclo natural na vida de uma
pessoa. Ter filhos. E eu terei pelo menos três. E sobre a
idade, Tara é apenas três anos mais velha.
— Mas ela tem um relacionamento estável. — Ele
voltou a dizer.
— E quem disse que eu não tenho?
O olhar de Leon foi de chocado a incomodado e tão
homicida que Vivian o sustentou até cair em uma sonora
gargalhada. Ele então relaxou os ombros e revirou os olhos
enquanto eu e Hanna observamos a troca de forma
divertida.
— Mas não há nada que impeça Vivian de ter um
namorado. É linda e inteligente.
Leon respondeu de forma ríspida.
— É uma criança.
A risada de Vivian caiu. Os olhos ficaram marejados
e ela abriu a boca para responder, mas logo desistiu e saiu.
Hanna e eu trocamos um olhar e Leon continuou
com sua bebida como se não percebesse que suas
palavras tinham ferido Vivian. Hanna tomou o copo de
bebida de Leon, chamando a atenção dele para ela.
— Você pode até considerá-la uma criança, mas
com certeza muitos caras lá fora não a veem assim. Só
tome cuidado para não acordar tarde demais porque
aquela garota ali é linda e livre. E ela não vai ser uma
adolescente boba e apaixonada para sempre.
Ela virou toda a bebida dele, deixou o copo no
balcão ao seu lado com um baque alto e foi atrás de Vivian.
Leon não respondeu a Hanna e não encontrou meus olhos
por um tempo. Quando os levantou, fez um gesto, me
pedindo para que falasse o que quer que fosse que eu
estivesse pensando. Geralmente, eu preferia não me meter
em assuntos que não eram meus, mas então resolvi dizer.
Por Vivian.
— Vivian não é mais uma criança, Leon. Um pouco
imatura, talvez. Criança não. — Me levantei. — E eu não
preciso dizer que ela gosta muito de você.
Ele levou o copo na boca e se lembrou de que não
tinha bebida, praguejando. Então olhou para mim com um
suspiro.
— Isso é algo da cabeça dela. — Pela primeira vez
entendi o que Vivian disse sobre não ter seus sentimentos
validados. Aqueles homens a viram crescer e agora tinham
dificuldade de vê-la como uma mulher. Inclusive o homem
por quem ela estava apaixonada.
— Cuidado para não partir o coração dela.
Eu não esperei que ele respondesse, mas antes que
me afastasse completamente o escutei reclamar sobre
como tudo isso virou culpa dele. Eu sentia que Leon se
importava com Vivian, pois, até onde eu sabia, ela cresceu
em volta do Clube, mas eu também estava ciente das
regras e sobre o quanto ser irmã do Presidente a tornava
intocável.
Olhei para Benjamin, que tinha os olhos em mim, o
cenho franzido, como se soubesse que algo me
perturbava. Ele estava conversando com alguns membros
do Clube, mas os olhos estavam atentos aos meus
movimentos. Eu dei-lhe um sorriso tranquilizador e fui para
o mesmo caminho que Hanna tinha ido. No corredor que
levava ao escritório de Storm, mas se seguisse adiante,
daria em um lindo jardim de inverno. O lugar preferido de
Vivian, agora eu sei.
No caminho, algumas vozes alteradas me
chamaram a atenção. Eu não era uma bisbilhoteira, mas
era a voz de Hanna e o rugido de um homem, o que me
deixou preocupada. Me aproximei então, percebendo que
era do escritório de Storm e os rugidos eram dele. Cheguei
à porta e me deparei com Hanna, que era menor que eu
alguns centímetros, diante do gigante do Storm e ele dava
pelo menos dois dela.
Eu não precisei ficar muito tempo para saber que
uma merda muito grande sairia daquela confusão. Hanna
tinha os olhos furiosos que duelavam muito com a fúria que
emanava de Storm. Eram dois furacões prontos para
acontecer. Um arrepio passou por todo o meu corpo de
puro medo.
— Você não tem coração! Como você pode ter
coragem de falar assim com ela? — Hanna gritou.
— E você não tem nada com isso, não lhe devo
explicações.
— Machista, arrogante! Se eu fosse sua irmã…
— Mas você não é nada minha, garota! E meça
suas palavras antes de falar comigo!
— Ah, você pode ter certeza de que eu não vou
mais dirigir a palavra a você de jeito nenhum, mas antes
você vai me ouvir. Sua irmã estava precisando de você.
— Como sair à noite para uma balada no meio da
festa de ano novo pode ser o que ela precisa?
— Ela precisava de você! Do irmão! Estava
sofrendo!
Storm pareceu confuso, mas então voltou a falar
duramente. Eu teria medo. Odiava que gritassem comigo,
mas Hanna gritava de volta.
— Ela não me disse nada disso, Vivian sempre teve
tudo o que precisava!
Hanna se afastou com uma risada irônica.
— Você é um ogro mesmo!
Storm deu um passo à frente, mas quando falou,
sua voz foi baixa e letal.
— E você tem que aprender a me respeitar, moleca.
Hanna não parecia ter um pingo de autopreservação
e eu já estava entrando para tirá-la dali. Fosse o que fosse,
Storm era o presidente dos Devils, nunca vi alguém
respondê-lo daquela forma e deveria haver alguma
consequência para quem fizesse. Eu não queria problemas
para Hanna, muito menos para Benjamin.
— Moleca? Você me chamou de moleca?
— O que está acontecendo aqui?
Eu, Storm e Hanna viramos para Benjamin, que
estava atrás de mim. Os olhos dele estavam em Storm e foi
a primeira vez que o vi olhar para um de seus irmãos com
essa emoção: raiva. Ele andou para frente de Storm,
ficando entre ele e Hanna e quanto a mim, coube apenas
esperar e torcer para que as coisas não saíssem do
controle.
— Você mostrou a ela? Nós não combinamos que
seria no meu tempo, quando eu decidisse? — A voz de
Benjamin foi letal. Mas os olhos de Storm não pareciam
amedrontados.
— Você me insulta, Shield.
Os homens se encaravam furiosos, mas Hanna se
colocou entre os dois, olhando para o irmão.
— O que ele deveria me mostrar?
Benjamin, baixou os olhos, de repente percebendo
que interpretou a situação, fosse qual fosse, de forma
errônea. Olhou para a irmã com olhos mais suaves.
— Estrelinha…
— Corte a merda, Ben. — Uma sombra de medo
passou pelos olhos de Hanna, mas ela continuou: — Seja o
que for, me diga, me mostre. Eu não sou feita de açúcar.
— Não é mesmo… — Storm resmungou e Hanna
fez uma carranca para ele.
Benjamin respirou fundo ao menos três vezes, e
então pegou o seu celular. Achou o que procurava, mas
olhou para a irmã antes de falar.
— Eu sei que… — A mandíbula dele cerrou. — O
tempo em que ficou nas mãos do Cartel, viveu muitas
coisas dolorosas, eu não queria que tivesse que reviver
essas lembranças.
— Não precisa pisar em ovos comigo. — Hanna
estava tentando ser firme, mas hoje eu a conhecia. Ela
nunca falava sobre o Cartel.
— Queremos que reconheça Suarez.
A menção do nome de Suarez deixou o rosto de
Hanna em branco e eu me apressei para o seu lado. Ela
olhou para o aparelho e Benjamin nas mãos dele e deu um
olhar assustado para Storm. Que apenas continuou
falando.
— Suarez nunca foi visto. Não temos sequer um
retrato falado dele, poucas pessoas têm contato direto. As
mulheres que têm, morrem antes que possam sair de suas
mãos. Muitos homens estão morrendo e tem um tempo que
queremos que você o reconheça ou nos ajude com um
retrato fala…
— Cale a boca, Storm, não está vendo o estado
dela? — Benjamin explodiu com Storm, falando de uma
maneira que eu nunca o tinha visto falar, muito menos com
Storm, que era seu presidente e seu irmão.
O grande homem pareceu levemente envergonhado,
embora logo tenha recuperado a carranca de sempre,
pronto para uma resposta à altura, mas Hanna pegou o
celular das mãos de Benjamin. Ela passou um tempo
olhando as fotos e seu rosto não entregou nada, então
subiu os olhos para Ben e depois para Storm.
A demora de sua resposta só fez aumentar o clima
de tensão.
— Nenhum deles é… Suarez. — Storm se virou e
praguejou baixinho e Benjamin soltou uma respiração
nervosa. — Eu vou fazer o retrato falado que vocês
precisam. Em outro momento. Era somente isso?
Benjamin olhou para a irmã, agora mais reservada e
levemente perturbada. Storm se voltou para Hanna e deu
um aceno sincero, seus olhos pela primeira vez, suaves.
— Muito obrigado, Hanna. Eu aprecio sua
colaboração. E me desculpe… Eu não queria te perturbar,
mas…
— Mas tem um monte de gente inocente morrendo.
Sim, eu entendo, não precisam me explicar nada.
Duas coisas me chamaram a atenção na situação:
Storm estava falando calmamente e tinha se desculpado e
o olhar surpreso de Benjamin contava que se desculpar
não era algo comum vindo de Storm. Saímos do escritório
e andamos até o jardim de inverno, que estava vazio.
Hanna passou a respirar com dificuldade. Ela fechou os
olhos e eu apertei suas mãos.
— Me deixe sozinha, Tara.
— De jeito nenhum. Você não precisa me contar
nada do que passou naquele maldito lugar, mas eu não vou
te deixar sozinha.
Eu a abracei, acredito que pela primeira vez
tomando a iniciativa de um carinho. A abracei com força,
porque ela era mais que uma amiga, era uma irmã de
verdade e importante em todos os níveis. Ela desmontou
em meu abraço por alguns minutos e então olhou para
mim.
— Eu queria ser forte.
— Você é!
— Uma parte de mim se quebrou para sempre, Tara.
Dentro de mim só há escuridão.
— Você está errada, Hanna. Você pode ter mudado,
mas com certeza não é definida só pelo que fizeram a
você.
— Sei que Benjamin se culpa. E sei que ele mudou
também. Meu irmão tem sede de vingança e tenho medo
de que ele se mate no caminho.
— Seu irmão sabe o que faz. Suarez merece morrer
por todo o mal que causa nessa Terra. Eu não culpo Shield
por querer o sangue dele… Secretamente, eu o prefiro
morto. É um favor ao mundo.
Hanna me olhou assustada, talvez não imaginando
que eu pudesse ser capaz de falar essas palavras. Se ela
soubesse que eu fui capaz de matar um homem por muito
menos do que Suarez fez com ela. Eu a abracei
novamente até ela sentir que estava mais tranquila e então
voltamos para a festa.
Hanna era uma mulher forte. Eu desejava que um dia ela
encontrasse o amor como eu encontrei com Benjamin. Um
homem sensível e acolhedor, que a apreciasse em todos
os sentidos, mesmo que ela fosse cínica sobre se
apaixonar.
Após alguns minutos para que se recuperasse,
voltamos para a festa, que estava linda. Vivian parecia bem
também, brincando com Cold sobre suas mulheres de
plástico, segundo ela. Leon estava na roda, mas
claramente ignorado pela ruiva e se eu já o conhecia um
pouco, ele não estava gostando muito.
Comigo e Hanna entrando na pilha, foi possível ver
alguma emoção no rosto esculpido de pedra de Cold: um
pouco de vergonha. E foi aí que não perdoamos, pois se
algo era verdade, era a preferência de Cold por
relacionamentos nada convencionais, contratuais, sexo
sem emoção, coração de gelo, como Vivian o chamava. Eu
ainda tinha várias dúvidas sobre o funcionamento de seus
relacionamentos, mas não tinha coragem para bisbilhotar.
Perto da meia-noite, depois de mais um tempo com
Vivian e Hanna se divertindo às custas de Cold, eu procurei
Benjamin e o encontrei olhando para mim de seu lugar. Era
magnetismo puro, conexão surreal, a forma como eu
sempre era atraída para a sua intensidade. Não senti que
meus passos estavam me levando diretamente para ele até
que estava perto.
Ele estava sentado em uma banqueta e eu parei
somente quando estava entre suas pernas, não me
importando com as pessoas que estavam ao nosso redor.
Me lembro a primeira vez em que estive no Clube e vi a
troca de carícias entre os casais espalhados pelas festas
dos Devils, eu disse que nunca me veria em uma situação
parecida. Agora, aqui estava eu, não me importando um
mínimo sobre a forma como a mão de Benjamin descansou
em minha bunda, ou em como ele segurou meu cabelo,
beijando minha boca com ardor, um verdadeiro duelo de
línguas e vontades, enquanto minhas mãos descansavam
em seus ombros e apertava a sua camisa em minhas
mãos.
Apenas ele e eu importávamos.
Me afastei e fiquei perdida nos seus olhos azuis por
alguns segundos. Então ele suavizou e me aninhou em
seus braços, segurando meus olhos nos dele.
— Você vai se casar comigo?
Eu ri da maneira como ele disse, mas ele continuou
sério.
— É um pedido oficial?
— Você quer que seja? — Ele respondeu e me
beijou no rosto, sua barba fazendo uma carícia em meu
rosto.
— Você quer que eu queira?
Ele parou a carícia e olhou para mim. Nós bem que
tentamos segurar, mas começamos a rir. Então, para toda
a minha surpresa ele se afastou um pouco, só um pouco e
tirou uma caixinha do bolso.
Meu coração disparou.
Quando abriu, um lindo anel, clássico, de diamante,
em um corte princesa e solitário surgiu. Deveria ter sido
caro.
E era lindo.
Simples e delicado sem muitos adornos.
— Você ainda tem vinte anos e eu não quero te
pressionar. Ao mesmo tempo, não quero que pense que
não me importo, porque já te disse, você merece tudo. Este
anel é seu, é um símbolo do meu amor por você e pela
família que estamos construindo juntos. Então, quando
você achar que está pronta, nós iremos nos casar. Quando
você decidir.
Eu queria chorar. A gravidez me deixou uma
bagunça emocional então as lágrimas apenas desceram.
Por que ele era tão perfeito, mesmo em suas imperfeições?
Ele disse que eu era dele, mas eu nunca tinha me sentido
tão livre. Benjamin, lentamente, deslizou o anel pelo meu
dedo anelar direito e eu não me lembrava de alguma joia
ter caído tão perfeitamente em mim.
Completamente apaixonada, beijei Benjamin nos lábios e
escutamos uma enxurrada de palmas e assobios.
Eu estava em casa.
Epílogo
Exatamente seis meses após eu ficar noiva de
Benjamin na festa de fim de ano, Alicia Madison Walker
veio ao mundo. Não foi uma surpresa quando descobri que
teríamos uma menina, algo sobre Benjamin e suas
mulheres aquecia meu coração de uma forma que era
impossível imaginar diferente. Também descobri, durante a
gravidez de Alicia, que eu tinha uma má formação no útero,
o chamado útero infantil, e só foi identificado durante a
gestação. Segundo o obstetra, era muito arriscado que eu
tivesse outra gestação futuramente devido a esse
problema, que me colocaria em risco e também a qualquer
bebe que eu gerasse. Alicia era nosso pequeno milagre.
Todo o processo de gestação foi tenso. Benjamin
não me deixava dar um passo sem supervisão, contratou
uma enfermeira para que ficasse à minha disposição em
nossa casa, no lago. Que passamos a morar nos últimos
dois meses de gravidez.
Alicia foi um verdadeiro presente, provavelmente
seria nossa única filha e só o fato por si só já a fez uma
princesa mimada por todos à sua volta. A tensão e
incerteza durante toda a gestação virou alegria pura
quando a tivemos em nossos braços. Ela tinha o cabelo e
os olhos de Benjamin e era temperamental como Hanna,
mesmo com seus cinco meses, hoje.
Benjamin tem se saído um pai maravilhoso,
totalmente apaixonado e rendido por Alicia. Eu sentia certo
receio por como ela cresceria, tendo todos em volta de seu
dedo mindinho. Provavelmente eu terei que ser a mãe
dando limites, pois tenho ciência de que serei a única a
colocá-los.
Meu tempo era dividido entre a escola de música e minha
família. Eu passava todo o tempo possível com Alicia,
principalmente por saber que ela seria minha única
experiência com a maternidade. Eu queria passar por cada
processo, por mais difícil que fosse. Tínhamos uma babá
somente para quando Benjamin não pudesse ficar com
Alicia e Benjamin, tanto quanto eu queria participar de tudo.
Mesmo morando juntos, não marcamos nenhuma data de
casamento, não tínhamos pressa. Mesmo que há alguns
meses, no casamento do chefe da Máfia Irlandesa e Talia
Maceratta, em Nova Iorque, eu tenha pego o buquê
quando a noiva o jogou.
À primeira vista, achei Talia um pouco esnobe e
arrogante, mas quando fomos apresentadas, ela me
surpreendeu com um abraço sincero e me agradeceu por
ter salvo a vida dela no atentado em seu dormitório.
Era sábado à noite, eu não tinha aulas, então estava
com Alicia no colo, que andava inquieta por conta dos
dentinhos nascendo. Foi o dia inteiro daquela forma e eu
estava muito cansada. Eu tentava consolá-la quando
Benjamin entrou. Ele se aproximou com os olhos brilhando
quando nos viu, me deu um beijo rápido e a tirou do meu
colo, que já estava dormente do tempo que estive com ela.
E foi só ir para o colo do pai, que ela parou de choramingar
e deitou em seu ombro. Era uma sapeca, mas eu a
entendia. Benjamin era gostoso.
— Isso não é justo.
Benjamin me deu um sorriso arrogante, mas se
sentou com uma Alicia quase completamente adormecida e
bateu a mão ao seu lado. Não me fiz de rogada, sentando
e apoiando a cabeça em seu ombro também.
— Como estão as minhas garotas?
— Cansadas e estressadas.
Benjamin riu, beijando minha testa.
— Já falei que se você quiser contratar alguém…
— Não preciso.
Eu fui criada com uma multidão de empregados,
instrutores disso e daquilo, babás e governantas. Nunca
meus pais. Eu não faria o mesmo com Alicia. Enquanto eu
tivesse saúde, cuidaria dela. Como se soubesse a natureza
dos meus pensamentos, Ben apenas concordou.
— Você decide, meu amor.
Não fazia ideia de que estava tão cansada, até
perceber que tinha cochilado. Aliás, tínhamos, os três.
Benjamin deitou o corpo no sofá, tendo eu e Alicia em cima
dele. O telefone dele tocou e eu peguei nossa filha para
levá-la ao quarto.
Coloquei minha garotinha em seu berço, olhando em
volta, seu quarto de princesa montado por mim e por
Benjamin. Cada detalhe fomos nós que fizemos. A gravidez
de risco me deu muito tempo ocioso, tempo que ocupei
curtindo cada etapa da experiência. Após deitá-la em seu
berço e sair fazendo o mínimo de barulho, desci a escada
escutando Benjamin alterado.
Fiquei preocupada e desci mais rápido.
— E como ela está? — Ele ainda estava ao telefone
e enquanto escutava a resposta, com um das mãos em seu
cabelo, parecendo torturado e angustiado, eu me aproximei
parando à sua frente. Ele me abraçou. — Acompanhe-a do
hospital até o apartamento. Quero mais seis prospectos no
perímetro. Qualquer movimentação suspeita atire para
matar. E mais três aqui em casa. Não se esqueça de falar
com Storm. Eu estou indo para o Clube e Viper já está na
pista deles.
Ele desligou, mas continuou comigo ali. Quando
enfim me soltou, ele me beijou, um beijo sôfrego e eu
comecei a me preocupar de verdade. Só tinha um nome
que poderia deixar Benjamin descontrolado.
Juan Suarez.
Eu sabia que os Devils estavam seguindo a pista do
homem pelo mundo. Eu gostaria de ser mais útil, mas não
tive a oportunidade de vê-lo. Sabia as atrocidades que ele
fazia com seus inimigos, sabia que o homem era mais
animal que ser humano ou talvez ele fosse mais humano,
pois era difícil um animal ter tanta maldade.
Mas eu não sabia como ajudar.
Mesmo o retrato falado feito por Hanna não foi de
muita ajuda.
— A partir de agora você fica com a sua arma em
um local fácil, Tara.
Esse em minha frente era Shield. Ele confiava em mim
para proteger nossa filha acima de tudo, ele sabia que eu
era capaz de qualquer coisa e agora ele estava confiando
em mim, eu sabia. Ele tinha que sair, ele não queria, mas
teria. E ele estava confiando em mim.
Eu fui grata.
— O que está acontecendo? — Perguntei.
— Pelo menos quatro prospectos estarão com você
em qualquer lugar que você vá. E nunca saia sem antes
me falar, você está me entendendo, Tara? Você não sai
desta casa sem que eu saiba para onde e com quem você
vai.
— Você está me assustando, Ben.
Ele encostou a testa na minha e fechou os olhos.
Seu corpo tremia e eu percebi que era raiva. Quando falou,
sua voz saiu trêmula.
— Tentaram sequestrar Hanna. Entraram no
hospital, mas ela conseguiu fugir e chegar ao prospecto.
Ela está no apartamento agora, segura.
Fiquei paralisada.
Havia um tempo que as coisas pareciam ter se
acalmado, mas agora… Oh meu Deus, Hanna. Eu não
queria nem imaginar o que isso poderia significar para ela e
todo seu processo de superação.
— Segundo Peter, Suarez foi atrás dela. Ela gritou o
nome dele. — Os olhos de Shield ficaram frios e letais.
— O que você vai fazer?
Ele me soltou e foi em direção à porta. Antes de sair
de vez, ele se virou e disse:
— Vou matar Suarez.

FIM
[1]
Centro John F. Kennedy de Artes Cênicas é o Centro Cultural Nacional dos Estados Unidos.
[2]
Os pianos Bösendorfer Kuhn vêm com 10 cristais de vidro com chumbo Swarovski inseridos
ao longo da estrutura de aço. O Kuhn de um milhão de dólares tem 72 cristais instalados sob
as cordas.
[3]
Termo musical que se refere a uma nota utilizada para ornamentar a melodia principal da
música, esta nota secundária pode estar abaixo ou acima da nota principal mas deve ser uma
nota vizinha,

[4]
Gatinha.
[5]
Idiota
[6]
Senhores da Morte
[7]
Pessoa que obtém prazer ao observar atos sexuais ou práticas íntimas de outras pessoas.
[8]
Sensação de que um já viveu a situação presente antes

Você também pode gostar