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É possível ser uma Testemunha de Jeová mesmo

discordando de alguns ensinos normativos da organização?

Neste artigo pretendo mostrar que embora isso possa ser um desafio, é
possível sim. Vamos entender como.
Primeiramente, quero deixar claro que o objetivo deste artigo não é
fomentar nenhuma espécie de atitude de poder paralelo, como se houvesse que
haver um grupo interno que fizesse as vezes de um poder moderador, criticando e
influenciando pessoas contra a liderança humana das Testemunhas de Jeová, isso
seria errado e prejudicial. No entanto, deixar claro que acredito que sempre é
necessário não sermos traidores de nossas convicções, mesmo reconhecendo
nossa finitude e necessidade de submissão relativa.
Quando uma pessoa é contatada pelas Testemunhas de, geralmente elas
têm conversas amistosas em torno de promessas bíblicas, e isso poderá ou não
resultar em um estudo bíblico. Muitas pessoas de fato estudam a Bíblia com as
Testemunhas de Jeová, mas nem todas levam adiante os estudos quando se
deparam com questões com as quais divergem. É verdade que pode sempre haver
pessoas que divirjam em muitos assuntos, e que parecem mais interessadas em
uma espécie de debate e discussões do que ser cooperativo na congregação. Mas
não podemos generalizar. Existem pessoas sinceras que realmente não
conseguem aceitar determinadas conclusões e embora possam aceitar muito do
que tem sido ensinado, em certos casos ou detalhes não conseguem dar sua
adesão.
Dentro da cristandade, sabemos que há pessoas que frequentam seus cultos
e que nem sempre concordam com tudo que se prega de seus púlpitos. Eu conheço
evangélicos que não creem na Trindade, mas que persistem em frequentar cultos
evangélicos com pessoas que defendem o trinitarismo. Conheço pessoas que não
acham correto o uso de imagens como ajuda visual dentro da igreja católica, mas
nem por isso abandona a Igreja católica. Conheço adventistas que não aceitam os
escritos de Ellen White da mesma forma que outros adventistas, ou que rejeita até
dogmas centrais da fé adventista, mas que mesmo assim se afirma como
adventista do sétimo dia. Agora, será que entre as Testemunhas de Jeová todos
concordam totalmente em tudo que a organização ensina normativamente?
Acreditar nisso é simplesmente ser inocente e querer mascarar a realidade com
objetivo de tentar passar uma imagem de perfeição.
Note que não estamos falando de apóstatas, pessoas amarguradas com a
congregação que militam contra a nossa fé que saíram de nosso meio para se
misturar no sistema de coisas ou em sistemas religiosos com um conjunto
completo de falsos ensinos. Não, estamos falando de pessoas ativas que exercem
até mesmo função de liderança e que não aceitam ou concordam com 100% de
tudo que tem sido ensinado normativamente pela organização.
Será que isso é algo inadmissível segundo as Escrituras? Não, veremos.
A congregação cristã nunca acreditou que todos concordariam com tudo
que era exposto diante delas, e sim que fossem submissos as decisões dos
apóstolos. Você entende a diferença? Porém, sabemos que os apóstolos tinham
algo que hoje nenhum grupo religioso de fato possui, os dons do espírito e
infalibilidade em seus escritos as congregações. Se naquele tempo, Paulo já havia
elogiado os Bereanos devido a eles sempre se certificarem das coisas que
chegavam a eles pelas mãos dos apóstolos, imagine então hoje quando Jeová não
está inspirando nenhum servo dele da mesma maneira. Sim, os irmãos do corpo
governante não são inspirados por Deus, não possuem os dons do espírito que
torna suas cartas as congregações e seus ensinos infalíveis. Se este fosse o caso,
não teriam de fato de vez por outra que ajustar os ensinos alegando que estavam
equivocados. Isso é algo que nos deve surpreender? Claro que não, pois sendo os
nossos ensinos, resultado de interpretações que vem da leitura destes e de outros
auxiliares na congregação, segue-se que naturalmente podemos esperar erros de
interpretação vez por outra, isso é perfeitamente normal.
Já aconteceu de certos ensinos das Testemunhas de Jeová serem ajustados
a compreensões que já estavam compreendidos daquela maneira por outras
denominações religiosas, isso não significa que Jeová iluminou aqueles primeiros
que a estes, pois se assim fosse, aqueles abandonariam falsos ensinos que ainda
perpetuam pela luz vinda de Deus. Ademais, a própria cristandade é uma
constelação de ensinos divergentes e conflitantes que muitas vezes são
desculpados sob a alegação de que Deus se importa mesmo é com o coração.
Enfim, neste caso, eles parecem não ter motivos para buscar uma melhor
compreensão do texto bíblico para os levar a uma adoração realmente correta
diante de Deus.
Já aconteceu de pessoas escreverem para a organização afirmando que
determinado ensino parecia estar equivocado por motivos específicos, e a
congregação escrever em resposta destacando argumentos que supostamente
eram embasados nas Escrituras para sustentar a ideia vigente, apenas para algum
tempo mais tarde, ajustarem aquele ensino segundo o que tal pessoa da carta e
talvez outras já tinham percebido estar equivocados. Isso significa que a luz de
Jeová brilhou primeiro a estas pessoas do que a organização? Não, simplesmente
foi o caso de que a interpretação dela estava certa, e normativamente a
organização como corpo não havia ainda atingido aquela compreensão ou achado
razões para aceitar tais explicações.
Aliás, a própria organização para ajustar ensinos precisa em um dado
momento questionar o ensino atual, e então, partir através da dúvida a possíveis
interpretações alternativas que ainda não haviam sido cogitadas ou até algumas já
conhecidas, até chegar numa posição oficial, que nem sempre se dá por
unanimidade, mas sim por adesão em face de uma maioria ter aprovado.
Quando questões como a circuncisão surgiram no meio da congregação no
primeiro século, os apóstolos não saíram desassociando pessoas, ao contrário, foi
dada atenção as duvidas daquelas pessoas e se levou a questão aos apóstolos, e
eles por sua vez tomaram decisões depois de oração e aconselhamento.
Certamente que a decisão não alterou os circuitos mentais das pessoas e ainda
poderia haver quem discordasse das conclusões dos apóstolos, mas eles foram
submissos as decisões. Então, como posso ser um cristão se pode haver coisas com
as quais não consigo concordar? Bem, primeiramente deixando claro que você
quer ser uma Testemunha de Jeová, mas que gostaria de eximir-se de endossar
publicamente determinadas coisas. É claro que existem limites que nos parecem
óbvios e que se negados, não podem ainda ser aceitos como caracterizando um
cristão, por exemplo, negar que Jesus seja o Cristo, aceitar a doutrina da trindade,
inferno de fogo e imortalidade da alma. Mas pode haver casos onde o seu silêncio
em relação a um ensino, não afete de forma determinante sua vida espiritual diante
de Deus.
Há pessoas por exemplo que não concordam com a forma de tratamento
dispensado aos desassociados arrependidos que frequentam as reuniões. Não se
trata de não aceitar a disciplina de desassociação, e sim de que a ideia de negar a
estes um “olá”, um “oi”, é algo para estes discordantes, que extrapola as orientações
bíblicas sobre isso. Questões menores como estas talvez não afetem a sua relação
com Deus se o espirito por detrás daquela pessoa for sincero. As pessoas tem
direito de terem duvidas e suspenderem a defesa de uma coisa até que se sintam
confortáveis e justificadas a voltarem a defender aquilo ou não.
Sabemos que o corpo governante jamais passará por um processo judicativo
para se avaliar se ele está se desviando da verdade, pois ele mesmo se compreende
como estando numa posição acima dos julgamentos humanos, e isso até certo
ponto é perigoso, pois como se poderá avaliar quaisquer de suas ações e decisões
quando elas devem ser vistas como inquestionáveis? Agora, se elas são passiveis
de serem questionadas, segue-se que eles são imparciais e desejam serem eles
mesmos alvos de questionamentos sinceros. No entanto, como eu disse e repito,
não tem como estes irmãos agradarem a todos nos resultados de suas
interpretações, pois isso é impossível. Devemos, porém, ter um ensino a ser
seguido, algo normativo a ser ensinado, mesmo que outros os considere
equivocado, pois sem um base sobre a qual se ensinar as pessoas, a pregação das
boas novas será impossível, pois não se poderá nem mesmo dar um arranque neste
sentido, pois aquele que só tem dúvida, nenhuma certeza tem. O que ele pregará?
Assim você entende a necessidade de termos um ensino, mesmo que haja
divergências quanto a validade de todos seus desdobramentos.
Se você estivesse no lugar dos irmãos do corpo governante, certamente
também teria de dar algum tipo de respostas as demandas espirituais que
chegariam até você, e com certeza não poderia fazer isso sozinho, sob o prejuízo
de enlouquecer em pouco tempo. Você teria pessoas que estivessem qualificadas
em sentido espiritual e intelectual. Junto delas, você teria de tomar todas as
medidas necessárias para empreender a grande obra, cuidando das questões de
logísticas além de muitas outras, e escrevendo para dar conta das necessidades
espirituais mais urgentes das ovelhas. Acha mesmo que todas as pessoas
concordariam com os resultados de suas interpretações? Você é um pobre
inocente se achasse que sim. No entanto, talvez você chegasse à conclusão de que
saberia ser impossível que todos os que usufruíssem dos artigos e textos que você
produziria, aceitassem tudo plenamente, e isso seria aceitável a você. Mas
certamente se sentiria feliz se mesmos os discordantes não usassem suas
discordâncias para tentar minar a fé das pessoas em sua administração, mas que
dentro daquilo que podiam, tentassem te ajudar a capacitar e ajudar as ovelhas
machucadas. Certamente você iria querer ajuda até mesmo para ver outras
perspectivas sobre determinados assuntos, e daria a estes um meio legal e legitimo
de manter uma janela de correspondência, tendo obviamente em conta as
limitações em vista da magnitude das ovelhas ao redor do mundo.
É desta forma que os irmãos do Corpo Governante agem. É sendo que é
possível que tenhamos duvidas e divergências, a melhor forma de cooperarmos
não é por tentar descredibilizar a eles, e sim por tentar ajuda-los dentro das nossas
possibilidades, interagindo com os mesmos. Mas e se eles não corresponderem
imediatamente a nossas expectativas? Ora, espere em Jeová e faça a sua parte, que
aliás, até certo ponto já terá feito, por ter contatado os irmãos e avisado acerca
daquilo que você acredita estar errado. Após isso, entregue nas mãos de Jeová e
confie, e passe a ensinar aquilo que você pode defender, e naquilo que você não
tem certeza ou tem discordâncias, evite comentar e ensinar, deixando claro a
pessoa que existe uma ideia normativa sobre aquilo, mas que você no momento
tem duvidas acerca da força argumentativa pode detrás do ensino. Mas por favor,
não caia na tolice de tentar desconstruir aquilo que a muito custo os do povo de
Jeová tem tentado construir e manter de pé.
Pense junto comigo: Se esta não é a organização que Jeová aprova, então de
fato você está perdendo seu tempo dentro dela, deve sair logo, e aquilo que você
vai fazer, faze-o mais depressa. Agora, se acredita que esta é a organização que
Jeová aprova, mesmo com suas imperfeições, aja de maneira condizente. Atue de
modo a construir e reforçar e não destruir e desmontar. A menos que você ache
que é o grande reformador que Jeová está suscitando para restaurar a adoração
pura, então ok, siga em frente, mas assuma completamente o risco, sob o prejuízo
de estar na verdade apenas espancando seus irmãos por achar que tal evento de
restauração ainda está mais a frente, como que dizendo: “Meu amo demora”.
Se você estuda com as Testemunhas de Jeová e acha que tudo que elas
ensinam está perfeitamente sintonizado com as Escrituras, perfeito, siga em frente
se de batize amanhã se puder. Mas se você tiver dificuldades em aceitar
determinado ensino, entenda, você não deve esperar a perfeição exegética para
então somente aderir a fé cristã, pois se assim for, lamento, você nunca irá se
batizar em lugar algum. Como eu disse, em todos os sistemas religiosos há quem
discorde de algum dos ensinos normativos, mas eles compreenderam no caso
deles, que é possível coexistir lá dentro, mesmo em face de discordância. Agora
nós, Testemunhas de Jeová que temos um conjunto de crenças que podemos
afirmar, é muito mais coerente e plausível e defensável do que as visões
concorrentes, temos ainda muito mais motivos para abrir mão de nossas
exigências de perfeição e ajudar a congregação a auxiliar as demais ovelhas que
estão entrando.
Este mesmo que vos escreve aqui, tem questões das quais discorda do corpo
governante. Não são coisas grandes, significativas, mas existem. No entanto, isso
não me impede de em tudo aquilo que concordo, eu dê a eles o meu apoio e
contribuição. Por exemplo, eu sou um dos que acredita que um simples “olá” ou
“oi”, boa tarde” ou mesmo “Boa noite”, estendendo a mão a um desassociado que
frequenta o salão não é algo errado, e não implica em comunhão. É apenas um
gesto de educação e não irá passar disso se formos obedientes a Bíblia. A própria
organização já chegou a esta conclusão quando escreveu isso em A Sentinela, 15
de novembro de 1974, página 685. Citado no KM 2/75, p.3 Veja aqui a citação.
Não acho, porém, que minha discordância do corpo governante ou da ação
de alguns nestes assuntos os desqualifique como meus irmãos, de modo algum, e
tampouco tento usar isso para desqualificar e tentar reunir emoções contrárias aos
meus queridos irmãos que se esforçam para fazer o melhor que podem. Não
podemos ser desarrazoados.
Não é errado a discordância e até mesmo dialogar expondo os pontos dos
quais divergimos. O problema está no espírito por detrás da atitude. Muitas vezes
observamos nas ações e no modo de agir que o objetivo não é construtivo, mas
destrutivo e desestabilizador. É verdade que muitas vezes, o apóstata é sutil, mas
não podemos já de saída classificar todas as duvidas como apostasia, isso seria
extremamente prejudicial a todos.
A verdade não teme a mentira, e é dever dos anciãos estarem preparados
para ajudar estes que tem dúvidas, não dizendo que eles devem aceitar e pronto
aquilo que o escravo diz, pois isso é imposição, autoritarismo. Eles precisam saber
guiar a pessoa a racionalidade que o conduzirá a compreensão da necessidade de
alguma espécie de unidade. Ele mesmo assim vai chegar à conclusão de precisa ter
equilíbrio em suas discordâncias e dúvidas. Se as dúvidas superarem todas as
demais certezas, talvez seja mesmo o caso de orientar esta pessoa a refletir se ela
acredita mesmo estar no lugar certo, por mais que isso possa ser dolorido. Mas
sempre fazer isso com amor, lógica e equilíbrio, para não parecer que você ancião
é um fanático bitolado seguidor de líderes humanos.
O segredo é: Não permita que suas opiniões, mesmo que pareçam razoáveis
e mais defensáveis que o normativo, neutralizem e estraguem a nossa unidade.
Pois a nossa unidade deve ser priorizada, já que o conhecimento perfeito de fato é
algo futuro. Não estrague o agora pela exigência impossível da perfeição na
atualidade, você pode ser vítima de seu próprio perfeccionismo.
A organização erra? Com certeza, e vai continuar errando, pois é imperfeita,
e daí? Vou voltar minhas costas aqueles que sei que querem meu bem, mesmo que
possam errar tentando fazer o certo? Eu não seria louco. A organização apostatou,
descambou de vez da graça de Deus? Ora, então comamos e bebamos, pois
amanha morreremos, pois Jesus então se tornou incompetente para supervisionar
sua congregação. Certamente que erros exegéticos não são comparáveis e
comparáveis a apostasia, e pensar assim já é em si mesmo um erro exegético.
Obviamente que Jeová sabia que nos últimos tempos sua congregação sofreria
este tipo de dificuldade, e podem bem ser que isso seja permitido por Deus visando
deixar evidente que alguns críticos são dos nossos, pois se forem dos nossos, vão
ficar, mas se saírem para não mais voltar, é porque de fato não eram dos nossos.
Se engana quem acha que na primitiva congregação cristã não havia discordâncias,
pois havia muito, pois Paulo mesmo fala de homens da congregação que
questionavam seu apostolado e diziam que ele era um fraco. Paulo diz que ele não
se sentia oprimido ou inferiorizado devido aos superaspóstolos que o criticavam. 2
Coríntios 11:4-6. Estas coisas ocorriam dentro da congregação, mas o espirito desta
gente era destrutivo. Significa isso que os apóstolos não suportavam as dúvidas?
De modo algum, pois Judas mesmo ordena que se tenha misericórdia com quem
possa ter dúvidas, não desassociando eles, mas buscando ajudar estes a sair destas
dúvidas. Judas 22-23.
O fato é que dúvidas sempre vão existir, pois a dúvida é parte do processo de
aquisição de conhecimento, pois antecede o esclarecimento. Nem mesmo o corpo
governante pode ajustar um ensino sem antes cogitar o equivoco e ter dúvidas, e
depois de duvidar, especular se existem visões alternativas que por fim, após
pesquisa, os possa levar a conclusões mais concretas.
Eu chego a afirmar que se toda a Testemunha de Jeová que tem uma visão
ligeiramente diferente do corpo governante em algum ponto, fosse rejeitada da
organização, ela talvez fosse reduzida significativamente em todo mundo, mas isso
não se dá porque muitos aprenderam a conviver em meio a discordâncias, e
entenderam que elas mesmo não são pessoas infalíveis em suas interpretações, e,
portanto, não podem exigir isso de outros. Aprenderam que erros serão cometidos,
equívocos terão de ser ainda corrigidos, mas que usarão suas forças energias para
somar.
Quanto a suas discordâncias, saiba quando dialogar sobre elas e com quem,
pois o próprio Jesus entendeu que existiam coisas que ele não poderia declarar a
seus apóstolos naquele momento, pois não suportariam, mas que o espírito mais
tarde os conduziria a toda verdade. Creia e entenda isso, para não derrubar a
edificação de outro e trazer prejuízo sobre você.

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