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CDU 39(=1-82)(81)
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e-mail: editora@ufs.brBrasil em 2009.
SUMÁRIO
7 ANTECEDENTES DA COLETÂNEA
8
ANTECEDENTES DA COLETÂNEA
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ANTECEDENTES DA COLETÂNEA
CONTROLES COMPARATIVOS
Não obstante já tenham passado nove anos desde a primeira ex-
periência da proposta de diálogo entre as etnologias produzidas
sobre Amazônia e Nordeste (lembrando a inclusão aqui do Leste),
ainda é possível discutir-se a complexidade subjacente à própria
comparação enquanto modo analítico de extrair resultados, uma
vez que é necessário estar atento à comparatibilidade dos termos
comparados. Isso nos recorda a baixa univocidade do método com-
parativo na história da antropologia, que remonta aos primórdios
da disciplina. Franz Boas (2005) – que opôs seu método histórico
ao método comparativo do evolucionismo cultural – é o respon-
sável por duas injeções precípuas na antropologia: uma ideológica
(o relativismo) e outra metodológica (o indutivismo etnográfico).
Em relação a ambas e respondendo (sempre) aos a priori da teoria
evolucionista, Boas (2005, p. 32) postularia que “[...] antes de se
tecerem comparações mais amplas, é preciso comprovar a com-
parabilidade do material”. Aqui, o seu próprio a priori é “só se pode
comparar o que é comparável”.
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ANTECEDENTES DA COLETÂNEA
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ANTECEDENTES DA COLETÂNEA
OS CAPÍTULOS
Com o intuito de estimular o interesse do leitor e, na sequência,
de animá-lo a reunir-se a nós no esforço de constituição de uma
etnologia transversa, segue uma breve apresentação dos 15 capí-
tulos do livro, distribuídos por vários contextos etnográficos (vide
“Localização dos principais povos indígenas citados”), agrupados em
três partes: 1. Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíti-
cas; 2. Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas e 3. Definindo
e reordenando relações com intencionalidades não humanas. Vale
lembrar que a ideia da coletânea foi suscitada ao fim dos três dias de
intensos debates do GT da VI REA e, devido à participação dos seus
dois coordenadores também na Mesa-Redonda e, reciprocamente,
da coordenadora da MR como debatedora desse GT, foi automática
a associação das duas atividades. Todos foram convidados para o
esforço coletivo e apenas uma pequena parcela não aderiu.
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ANTECEDENTES DA COLETÂNEA
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ANTECEDENTES DA COLETÂNEA
REFERÊNCIAS
BOAS, F. As limitações do método comparativo da antropologia, 1896.
In: CASTRO, C. (Org.). Antropologia Cultural: Franz Boas. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2005. p. 25-39.
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ANTECEDENTES DA COLETÂNEA
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1 - Yanomami
2 - Galibi-Marworno
3 - Jamamadi madiha
4 - Povos indígenas do Baixo Tapajós
5 - Akroá Gamella
6 - Anacé
7 - Ramkokamekrá-Canela
8, 9 - Potiguara
10 - Tumbalalá
11 - Xukuru
12 - Kiriri
13 - Tupinambá (Olivença)
14 - Tupinambá (Serra do Padeiro)
ALTERIDADES,
PRÁTICAS RITUAIS
E COSMOPOLÍTICAS
INTRODUÇÃO
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AKROÁ GAMELLA E A TERRA ENCANTADA
Deanny Stacy Sousa Lemos
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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AKROÁ GAMELLA E A TERRA ENCANTADA
Deanny Stacy Sousa Lemos
Quando estão nas águas, os indígenas precisam pedir para que o en-
cantado permita uma pesca em abundância ou que deixe pegar água.
Os mais velhos narravam muito sobre como, no passado, antes de
ter o enorme esbulho da terra, precisavam pedir permissão aos en-
cantados para muitas coisas, pois, naquele tempo, afirmavam que os
encantados viviam mais no território, desse modo, a forma como se
manifestavam era mais intensa. Diversas vezes, alguns anciãos nar-
ravam sobre as histórias desses seres que exigiam que fosse pedida
a permissão para que pudessem andar em alguns lugares. Também
não podem se aproximar desses “pontos sagrados” sem autorização
dos encantados, pois podem ser atingidos por uma flecha, esse ato
de levar uma “flechada” refere-se ao ser atingido por alguma coisa
ruim, podemos traduzir isso como uma mandinga que é jogada em
quem desrespeita essa área. Seu Oscar, que mora na aldeia Nova Vila,
relata que, quando criança, foi flechado enquanto estava pescando
com Dona Lili, sua mãe, pois espetou um sapo e por isso João Piraí o
flechou. Quando passam em lugares sagrados, esses seres também
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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AKROÁ GAMELLA E A TERRA ENCANTADA
Deanny Stacy Sousa Lemos
Philippe Descola (2006) trata muito bem sobre esse assunto. Isso
pode ser entendido nas narrativas ouvidas, principalmente a de seu
Oscar, que afirma ter sido “flechado”, sendo uma forma de castigo
por ter espetado “as costas” do sapo que era Seu João Piraí. Esse
encantado também mantinha relações muito próximas com uma
indígena que curava, que conversava com os encantados, mas que,
com João Piraí, tinha uma relação de maior contato, inclusive foi
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
essa senhora que, conversando com o João Piraí, fez com que ele
tirasse a flecha que estava em Seu o Oscar. Assim, durante o seu
relato, seu Oscar deixa exposto que João Piraí, ao mesmo tempo
que ele é um sapo, ele também é homem. Neste momento, Descola
(2006) nos traz, como base para refletir sobre a relação entre hu-
manos e não humanos, o animismo, pois os humanos e não huma-
nos são concebidos e dotados dos mesmos tipos de interioridade.
Desse modo, possuem características sociais, por meio dos concei-
tos de interioridade, fisicalidade e até mesmo da metamorfose que
oferecerá meios de compreender essas, o que permite a interação,
num mesmo patamar, entre entidades com corpos totalmente dife-
rentes. Ocorre quando animais e plantas revelam sua interioridade
sob uma forma humana, buscando a comunicação com humanos.
Alguns encantados podem sofrer metamorfose, como João Piraí,
que, ao mesmo tempo que pode ser um sapo, se transforma em
humanos, assim, de acordo com Descola (2006), a metamorfose
permite que haja a interação, em um mesmo nível, entre entidades
de estrutura física totalmente diferentes.
As mães d’águas, que são mulheres que vivem nos rios e igarapés,
têm uma relação com os indígenas a se observar, pois cuidam dos
espaços que possuem água, oferecem o dom de curar a alguns in-
dígenas, mas também são conhecidas por pregarem peças no ter-
ritório, seja colocando medo para não invadirem o espaço delas ou
até mesmo tentando puxar alguém para a sua morada, desse modo,
encantado algum Akroá Gamella. Esses seres sagrados estão muito
atrelados também à cura, pois podem curar os indígenas, e oferecem
a eles o conhecimento sobre as ervas, sobre como curar por meio dos
benzimentos e principalmente como protegê-los de todos os males.
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AKROÁ GAMELLA E A TERRA ENCANTADA
Deanny Stacy Sousa Lemos
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
Dona Zidora, que possui 70 anos e mora na aldeia Vila Nova, narra
diversas histórias sobre a presença dos encantados no território.
Quando mais jovem e ainda morava com seus pais, sonhou que se ajo-
elhava próximo a umas axixazeiras e um pau d’arco, cavava bastante
até achar várias moedas de ouro e um crucifixo, e, no sonho, falavam
que ela deveria buscar, pois era dela. Ao acordar do sonho, pegou uma
cuia e foi até o local que sonhou, no meio do caminho, viu as mães
d’águas andando. Quando chegou, tirou as palhas e um pouco de água
que tinha, em seguida, achou um crucifixo e as moedas de ouro, co-
locou tudo dentro da cuia e continuou a cavar, até que chegaram uns
outros parentes para tirar a mandioca, com o intuito de amolecê-la, e
acabaram xingando porque a porca tinha comido a mandioca. Dona
Zidora disse que a cuia com as moedas caiu no chão e não achou as
moedas encantadas. Muito tempo depois, ela descobriu que seria uma
curadora se tivesse conseguido ficar com o crucifixo.
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AKROÁ GAMELLA E A TERRA ENCANTADA
Deanny Stacy Sousa Lemos
sagrados dos rios, dos igarapés e das matas que esses encantados
podem desenvolver suas atividades, podem curar ou dar esse dom,
proteger o território, ensinar a viver no território e dar significado e
coerência para a vida coletiva dos indígenas.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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CANTANDO E MARCANDO
REDES COSMOPOLÍTICAS
Ugo Maia Andrade*
PARA INICIAR
Cantos xamânicos – paralelamente a nomes, canções,
imagens e grafismos – formam uma categoria especial de
artefatos (coisas) produzidos por pessoas humanas e não
humanas (SANTOS-GRANERO, 2009, p. 3) e que tendem à
comunicação e à relação interespecíficas, sendo dádivas
comuns de espíritos, mestres de espécies, demiurgos etc.
feitas a humanos. Os cantos estão também fortemente
presentes no plano das relações inter-humanas, sendo
transmitidos em contextos de iniciação ritual ou de per-
formances em mobilizações políticas multi-indígenas.
Podem constituir tanto repertórios de alta circulação
quanto acervos restritos de domínio particular de pajés,
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CANTANDO E MARCANDO REDES COSMOPOLÍTICAS
Ugo Maia Andrade
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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Ugo Maia Andrade
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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Figura 1 - Canto e serviço do caxiri no turé. Junho de 2005.
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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CANTANDO E MARCANDO REDES COSMOPOLÍTICAS
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Figura 2 - Kulev e serviço do caxiri. Junho de 2005
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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Figura 3 - Índios tuxá no toré tumbalalá no São Miguel. Março de 1999.
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Figura 4 - Presença tumbalalá no toré tuxí no Caxoí (PE). Fevereiro de 2014.
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
Ôh Tuxá
Ôh Pai do ar
Quero que me dê notícia
Da aldeia de lá
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CANTANDO E MARCANDO REDES COSMOPOLÍTICAS
Ugo Maia Andrade
A jurema enfulora
A jurema enfulorou
Mas o caboclo vai pro mato [...]
Heina hê
Porque meu gentio voltou
Heina hê
Heina hê há hê oh
A jurema tem dois gaios
Que é pros índios trabalhar
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Figura 5 - Mestre truká comanda toré tumbalalá na Missão Velha. Fevereiro de 1999.
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
PARA FINALIZAR
Que semelhanças e particularidades podemos extrair da presença
e do papel dos cantos xamânicos nas redes interindígenas no baixo
Oiapoque e rio Uaçá e no submédio São Francisco a partir dos re-
cortes etnográficos exibidos? Em uma breve consideração desses
cenários, poderíamos enumerar alguns tópicos relevantes. Antes,
entretanto, sublinhe-se a necessidade de pesquisas no Nordeste
indígena que produzam efetivamente comparações10 entre redes
e circuitos interindígenas de trocas rituais mais amplas, incluindo
modalidades indianizadas de ritos outros (penitentes, São Gonçalo,
candomblé, mesa branca etc.), por vezes regionalmente edificados
com grandes contribuições ameríndias para, depois, retornarem às
práticas indígenas, como é o próprio toré e suas variações repre-
sentadas pelo praiá, ouricuri, porancim, torém. Tal retorno é tão so-
mente uma imagem, posto se tratar da transformação contínua do
fundo xamânico que passa a ser encontrado em formas regionais
que emergem de diversas situações de contato.
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CANTANDO E MARCANDO REDES COSMOPOLÍTICAS
Ugo Maia Andrade
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
Contra-mestre
Contra-guia
Vamos trabalhar, gentio (2x)
Me lembrou das minhas matas
Eu também já fui brabio (2x)
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CANTANDO E MARCANDO REDES COSMOPOLÍTICAS
Ugo Maia Andrade
cio, assim como sua recorrência entre povos distintos, pode carac-
terizar as linhas de toré enquanto textos situados na intersecção
entre o mito e a história (LÉVI-STRAUSS, 1986, p. 152), criando nar-
rativas diversas do tipo histórias míticas que emergem, inclusive,
para “validar reivindicações econômicas, políticas ou territoriais”
(LÉVI-STRAUSS, 1986, p. 150), conforme se observou no Noroeste
americano entre os séculos XIX e XX e é contumaz nas linhas con-
temporâneas de toré;
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
Notas
1 Tais invólucros são o mesmo que a “roupa” ou o “envelope” presentes
nas cosmologias amazônicas (vide RIVIÈRE, 1995; VIVEIROS DE CASTRO,
2002, p. 351-356; DESCOLA, 2013, p. 25).
7 Aqui a semelhança com turé pode indicar uma suposta origem remota
comum, possivelmente mapeável a partir das migrações tupi, mas é ain-
da especulativo.
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CANTANDO E MARCANDO REDES COSMOPOLÍTICAS
Ugo Maia Andrade
REFERÊNCIAS
ANDRADE, U. M. O real que não é visto. Xamanismo e relação no bai-
xo Oiapoque. 2007. 327 f. Tese (Doutorado em Antropologia Social) –
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2007.
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Ugo Maia Andrade
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
WRIGHT, R. “The wicked and the wise men: witches and prophets in
the history of the Northwest Amazon”. In: WHITEHEAD, N. L.; WRIGHT,
R. (Ed.) In darkness and secrecy. The anthropology of assault sor-
cery and witchcraft in Amazonia. Durham: Duke University Press,
2004. p. 82-108.
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AWKHÊÊ PRESENTE:
COSMOPOLÍTICA E MESSIANISMO
CANELA ANTE O DESENVOLVIMENTO
Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira*
INTRODUÇÃO1
Este artigo resulta de uma pesquisa iniciada na década
de 1980, período de implantação de programas e pro-
jetos de desenvolvimento na Amazônia oriental, com
desdobramentos no centro-sul maranhense2. Os impac-
tos econômicos e socioambientais decorrentes desses
empreendimentos junto a grupos indígenas e regionais
chegam aos dias atuais, através do agronegócio e de
outros projetos desenvolvimentistas.
DA TERRITORIALIZAÇÃO AO DESENVOLVIMENTO
Os Ramkokamekrá-Canela e outros grupos Timbira no centro-sul ma-
ranhense foram inseridos em uma situação histórica específica – a
situação pastoril, gerada e consolidada por suas relações junto à ad-
ministração colonial e aos agentes estabelecidos pelas frentes de ex-
pansão tradicionais, especialmente criadores do sertão maranhense.4
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho abordou a dinâmica do campo indigenista que envolve os
Ramkokamekrá-Canela à sociedade brasileira regional e às agências
tutelares de desenvolvimento no centro-sul do Maranhão. A análise
percorreu uma trajetória histórica situada entre o fim do século XVIII
e meados da década de 1980, analisando diferentes momentos desse
processo, da formação à consolidação das relações intersocietárias.
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Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira
Notas
1 Este trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa
e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).
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AWKHÊÊ PRESENTE: COSMOPOLÍTICA E MESSIANISMO CANELA ANTE O DESENVOLVIMENTO
Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira
REFERÊNCIAS
ALBERT, B. Na Amazônia brasileira: entre a nova Constituição e o mer-
cado de projetos, 2000. Disponível em: https://pib.socioambiental.
org/pt/Organiza%C3%A7%C3%B5es_na_Amaz%C3%B4nia#Entre_a_
nova_Constitui.C3.A7.C3.A3o_e_o_.E2.80.9Cmercado_de_projetos.
E2.80.9D. Acesso em: 6 out. 2003.
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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AWKHÊÊ PRESENTE: COSMOPOLÍTICA E MESSIANISMO CANELA ANTE O DESENVOLVIMENTO
Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira
ANEXO A
O mito de Awkhêê16
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AWKHÊÊ PRESENTE: COSMOPOLÍTICA E MESSIANISMO CANELA ANTE O DESENVOLVIMENTO
Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira
ANEXO B
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AWKHÊÊ PRESENTE: COSMOPOLÍTICA E MESSIANISMO CANELA ANTE O DESENVOLVIMENTO
Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira
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TORÉ ANACÉ: CANTOS,
NARRATIVAS E POLÍTICAS DE
UM RITUAL INDÍGENA
Antonio Plácido Matos Portela*
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TORÉ ANACÉ: CANTOS, NARRATIVAS E POLÍTICAS DE UM RITUAL INDÍGENA
Antonio Plácido Matos Portela
100
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
Cacique fala que seu avô, João Batista da Silva, contava a história do
renascimento anacé todas as noites enquanto fumava cachimbo. A
história dizia que, após diversos embates com os portugueses, os
Anacé perderam suas forças. Os índios, então, fizeram um pacto
com pai Tupã e a força perdida nas batalhas foi guardada por ele
na Lagoa do Parnamirim e na Pedra Branca, ela seria devolvida aos
índios quando chegasse a hora de o escolhido por Tupã guiar o povo
na reconquista do território.
Um dia, cacique sonhou com pai Tupã dizendo que ele era o esco-
lhido da profecia e deveria guiar o povo Anacé à reconquista de seu
território. Quando procurava, junto aos seus primos Jonas Gomes de
Azevedo e Moisés Gomes de Azevedo, documentos históricos para a
composição de um cordel, cacique encontrou uma carta de sesma-
rias que dizia que o território que se demanda hoje à demarcação
pertencia a uma comunidade de índios nomeada Anacé. Esses dois
acontecimentos (o sonho e a carta) dispararam as mobilizações pelo
grito de reconhecimento. Cacique Antonio obteve ajuda do cacique
Daniel, Venâncio, Jeová, todos da etnia pitaguary, e mais 180 indíge-
nas que estavam presentes no momento do reconhecimento. Após
esses fatos, a primeira retomada foi instaurada em 2004 e a luta
pela demarcação do território segue até os dias de hoje.
101
TORÉ ANACÉ: CANTOS, NARRATIVAS E POLÍTICAS DE UM RITUAL INDÍGENA
Antonio Plácido Matos Portela
Viso aqui focar nas camadas semânticas presentes nos cantos anacé
e, para isso, faço uma ponte com os momentos de suas atualizações
performáticas. Sobre isso, Jakobson (2008, p. 16) afirma que
102
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
(I)
Os Anacé renasceram (1.1)
foi como o estrondo do mar (1.2)
Quem mandou foi pai Tupã (1.3)
eles se manifestar (1.4)
(II)
Só ele é o verdadeiro (2.1)
é o que os índios tem fé (2.2)
já estão todos reunidos (2.3)
na aldeia com o cacique Anacé (2.4)
(III)
Derrama graça pai Tupã (3.1)
para os índios se fortificarem (3.2)
pois a corrente está feita (3.3)
Tupã não deixa quebrar (3.4)
(IV)
Afastar todos os maus (4.1)
e defender do perigo (4.2)
com a força de deus Tupã (4.3)
vamos vencer os inimigos (4.4)
103
TORÉ ANACÉ: CANTOS, NARRATIVAS E POLÍTICAS DE UM RITUAL INDÍGENA
Antonio Plácido Matos Portela
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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TORÉ ANACÉ: CANTOS, NARRATIVAS E POLÍTICAS DE UM RITUAL INDÍGENA
Antonio Plácido Matos Portela
(I)
Eu tava na Pedra Branca (1.1)
Tava pelando um bom é (1.2)
(II)
Eu tava na Pedra Branca (2.1)
Tava pelando um bom é (2.2)
(III)
Chegou um índio Tapuia (3.1)
Para dançar o Toré (3.2)
(IV)
Pisa no chão com força e com fé (4.1)
Índios guerreiro é os índio Anacé (4.2)
(V)
Pisa no chão com força e com fé (5.1)
Índios guerreiro é os índio Anacé (5.2)6
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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TORÉ ANACÉ: CANTOS, NARRATIVAS E POLÍTICAS DE UM RITUAL INDÍGENA
Antonio Plácido Matos Portela
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
(I)
Os Anacé renasceram (1.1)
foi com força pra lutar (1.2)
quer de volta nossas águas (1.3)
para se poder pescar (1.4)
(II)
Os Anacé renasceram (2.1)
foi com força pra lutar (2.2)
quer de volta nossas matas (2.3)
para de poder caçar (2.4)
(III)
Os Anacé renasceram (3.1)
foi com força pra lutar (3.2)
quer de volta nossas terras (3.3)
para se poder plantar (3.4)
109
TORÉ ANACÉ: CANTOS, NARRATIVAS E POLÍTICAS DE UM RITUAL INDÍGENA
Antonio Plácido Matos Portela
110
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
(I)
Quem mandou foi pai Tupã (1.3)
(IV)
Com a força de deus Tupã (4.3)
(I)
Foi na mata, foi na mata (1.1)
onde nasceu o toré (1.2)
Foi na mata, foi na mata (1.3)
onde começou o toré (1.4)
(II)
Ai foi na mata sim (2.1)
que começou o toré (2.2)
Ai foi na mata sim (2.3)
que começou o toré (2.4)
(III)
Foi na praia, foi na praia (3.1)
onde dançou-se o toré (3.2)
Foi na praia, foi na praia (3.3)
onde dançou-se o toré (3.4)
(IV)
Ai foi na praia sim (4.1)
onde dançou-se o toré (4.2)
Ai foi na praia sim (4.3)
onde dançou-se o toré (4.4)
111
TORÉ ANACÉ: CANTOS, NARRATIVAS E POLÍTICAS DE UM RITUAL INDÍGENA
Antonio Plácido Matos Portela
(I)
Pedra Branca canta galo (1.1)
berra boi, passa boiada (1.2)
Pedra branca canta galo (1.3)
berra boi, passa boiada (1.4)
(II)
Era ali que os Anacé (2.1)
tavam com a aldeia encantada (2.2)
Era ali que os Anacé (2.3)
tavam com a aldeia encantada (2.4)
112
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
Notas
1 Sobre o Diretório, Ricardo Pinto de Medeiros (2011, p. 116) diz que “o perío-
do pombalino se caracterizou por uma série de mudanças implementadas
pela Coroa portuguesa para promover a agricultura e o comércio, e aumen-
tar os laços da exploração colonial. [...] Desse modo, uma série de medi-
das foram implantadas em relação aos povos indígenas nos seus domínios
na América. A ideia então era civilizar os índios, integrando-os à sociedade
portuguesa, ao contrário da política anterior de segregação, que havia ca-
racterizado a administração missionária, principalmente a jesuítica”.
2 Todos os cantos aqui transcritos foram passados de forma oral pelo ca-
cique Antonio em uma conversa que tive com ele durante o trabalho de
campo. Contudo, os cantos aqui presentes também podem ser encon-
trados em seu livro (ANACÉ, 2008).
113
TORÉ ANACÉ: CANTOS, NARRATIVAS E POLÍTICAS DE UM RITUAL INDÍGENA
Antonio Plácido Matos Portela
4 Ressalta-se que o trabalho de campo que gerou esta pesquisa foi efe-
tuado em um período de 12 dias, sendo assim, afirmativas como essa,
que assumem uma dimensão macro, não abarcam a particularidade das
relações das pessoas e seus parentes.
7 Tomo como base para essa afirmação o trabalho de Studart Filho (1931),
entendendo as limitações que cercam tais assertivas. Os Anacé, por
exemplo, têm seus registros históricos ligados aos Tapuia, porém, a pa-
lavra Anacé é de origem tupi, significando “aquele que é parente”. Os Tupi
ocupavam parte do litoral do Nordeste e os Tapuia, o interior. Pompa
(2001, p. 228) afirma que “A noção de tapuia se constrói assim colada à
noção de sertão, espaço do imaginário em que se desloca, cada vez mais
longe, a alteridade bárbara que a conquista e colonização vão incorporan-
do aos poucos, em posição subalterna, ao mundo colonial. Ao passo que
as aldeias de índios conquistados iam ‘descendo’ para mais perto da pala-
vra cristã dos missionários, os currais ou os engenhos, os ‘Tapuia’ iam se
afastando, ‘nas brenhas dos centros dos sertões’, para usar as palavras
de Japoatão, nas serras inacessíveis”. As dinâmicas de deslocamentos das
populações indígenas no Nordeste eram intensas: grupos do interior mi-
gravam para o litoral e vice-versa. Temos que levar em consideração tam-
bém a ação colonial dos aldeamentos, que deslocavam os grupos de seu
território de origem para outros onde pudessem ser catequizados com
mais facilidade. Na literatura de Pompeu Sobrinho (1937), consta o fato de
haver, entre esses grupos, diversas manifestações bélicas, que ocasiona-
va o extermínio ou a fusão de grupos indígenas em confronto. Intento com
os fatos narrados anteriormente destacar que precisar o pertencimento
de um grupo a um determinado tronco linguístico é entender as dinâmicas
existentes entre o contato desses grupos com outros indígenas, ou com
os colonizadores, sendo assim, tais assertivas são limitadas.
9 ANACÉ, 2008.
114
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
REFERÊNCIAS
ANACÉ, C. A. F. da S. Idade e vida construída e vivida. [S.l.]: [s.n.], 2008.
115
TORÉ ANACÉ: CANTOS, NARRATIVAS E POLÍTICAS DE UM RITUAL INDÍGENA
Antonio Plácido Matos Portela
nai.gov.br/media/pdf/Folheto44/FO-CX-44-2806-2000.pdf. Acesso
em: 10 jan. 2020.
116
“TUDO O QUE É RUIM ESSA
FOLHA RETIRA”: RITUAIS DE CURA
PARA AFLIÇÕES ESPIRITUAIS NA ALDEIA
TUPINAMBÁ SERRA DO PADEIRO
Larissa Santiago Hohenfeld*
INTRODUÇÃO
Os índios Tupinambá da Serra do Padeiro (FIGURA 1) tor-
naram-se conhecidos na recente literatura antropoló-
gica pelo seu enérgico combate político em defesa dos
seus direitos enquanto povo originário, especialmente
pela manutenção do seu território tradicionalmente
ocupado não só por indígenas, mas também por en-
cantados, considerados os verdadeiros donos da terra.
A relação entre esses indígenas e os encantados foi
amplamente examinada em diversas teses e disser-
tações que ressaltam a significação da espiritualidade
tupinambá para a luta política (MACEDO, 2007; COUTO,
2008; MAGALHÃES, 2010; FERREIRA, 2011; UBINGER,
2012; ALARCON, 2013; PAVELIC, 2019).
118
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
119
Figura 2 – Encerramento da Festa de São Sebastião.
120
“TUDO O QUE É RUIM ESSA FOLHA RETIRA”: RITUAIS DE CURA PARA AFLIÇÕES
ESPIRITUAIS NA ALDEIA TUPINAMBÁ SERRA DO PADEIRO | Larissa Santiago Hohenfeld
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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Figura 3 – Toré de limpeza em retomada.
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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“TUDO O QUE É RUIM ESSA FOLHA RETIRA”: RITUAIS DE CURA PARA AFLIÇÕES
ESPIRITUAIS NA ALDEIA TUPINAMBÁ SERRA DO PADEIRO | Larissa Santiago Hohenfeld
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Figura 4 – Dormitório dos trabalhadores na Unacau.
126
“TUDO O QUE É RUIM ESSA FOLHA RETIRA”: RITUAIS DE CURA PARA AFLIÇÕES
ESPIRITUAIS NA ALDEIA TUPINAMBÁ SERRA DO PADEIRO | Larissa Santiago Hohenfeld
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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“TUDO O QUE É RUIM ESSA FOLHA RETIRA”: RITUAIS DE CURA PARA AFLIÇÕES
ESPIRITUAIS NA ALDEIA TUPINAMBÁ SERRA DO PADEIRO | Larissa Santiago Hohenfeld
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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“TUDO O QUE É RUIM ESSA FOLHA RETIRA”: RITUAIS DE CURA PARA AFLIÇÕES
ESPIRITUAIS NA ALDEIA TUPINAMBÁ SERRA DO PADEIRO | Larissa Santiago Hohenfeld
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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“TUDO O QUE É RUIM ESSA FOLHA RETIRA”: RITUAIS DE CURA PARA AFLIÇÕES
ESPIRITUAIS NA ALDEIA TUPINAMBÁ SERRA DO PADEIRO | Larissa Santiago Hohenfeld
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
134
Figura 5 – Mulheres rezam em frente ao altar durante o fechamento
de trabalho.
135
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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“TUDO O QUE É RUIM ESSA FOLHA RETIRA”: RITUAIS DE CURA PARA AFLIÇÕES
ESPIRITUAIS NA ALDEIA TUPINAMBÁ SERRA DO PADEIRO | Larissa Santiago Hohenfeld
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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“TUDO O QUE É RUIM ESSA FOLHA RETIRA”: RITUAIS DE CURA PARA AFLIÇÕES
ESPIRITUAIS NA ALDEIA TUPINAMBÁ SERRA DO PADEIRO | Larissa Santiago Hohenfeld
Notas
1 Tal situação foi alterada pouco tempo depois, já que, no dia 30 de janeiro
de 2019, chegou ao conhecimento do cacique Babau Tupinambá, princi-
pal liderança política do povo Tupinambá da Serra do Padeiro e, também,
liderança de grande destaque no cenário da luta indígena nacional, um
plano de extermínio organizado por indivíduos contrários à demarcação
da Terra Indígena Tupinambá de Olivença. De acordo com informantes
anônimos, o plano seria efetuado com a colaboração de agentes do po-
der público, que há algum tempo participavam de reuniões com o ob-
jetivo de arquitetar o ataque. Tendo em vista o fracasso dos inúmeros
ataques empreendidos dentro do território indígena, o grupo planeja-
va emboscadas nas estradas fora do território, visando ao assassinato
dos familiares mais próximos do cacique, seguidos de implantação de
drogas ilícitas em seus veículos para, com a colaboração da mídia local,
criminalizar os indígenas e desgastar a imagem do cacique Babau, que
seria preso logo em seguida, conforme relata a carta assinada por pes-
quisadores que realizaram trabalhos junto ao povo Tupinambá.
139
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
REFERÊNCIAS
ALARCON, D. F. A forma retomada: contribuições para o estudo das
retomadas de terras, a partir do caso tupinambá da Serra do Padeiro.
RURIS - Revista do Centro de Estudos Rurais, Campinas, v. 7, n. 1, p.
99-126, 2013.
140
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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BREVES NOTAS SOBRE
O RITUAL DE MORTE
ENTRE OS KIRIRI
Jardel Jesus Santos Rodrigues*
INTRODUÇÃO
Às 10 h 15 min de um sábado (06/07/2019) ensolarado
e com fortes ventos, deixei1 a capital baiana em direção
à Terra Indígena Kiriri (TI), mais especificamente à al-
deia de Araçás, cortada lateralmente pela BA-388. Esse
trabalho de campo foi o primeiro que realizei individual-
mente. As outras oportunidades de campo decorreram
de atividades do componente curricular Educação dife-
renciada e revitalização de línguas indígenas (FCHL47)2,
do qual fui aluno, tendo passado, posteriormente, a
integrar a equipe de assessoria linguística coordenada
pelo professor Marco Tromboni.
143
Figura 1 – Mapa da Terra Indígena Kiriri.
Elaborado pelo autor, por Neves Santos e por Fernanda Lima Almeida, 2020
144
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
145
BREVES NOTAS SOBRE O RITUAL DE MORTE ENTRE OS KIRIRI
Jardel Jesus Santos Rodrigues
O CAMPO
O meu contato com os Kiriri teve início no dia 11/11/2017, quando fiz
minha primeira viagem de campo como parte do componente cur-
ricular Educação diferenciada e revitalização de línguas indígenas
(FCHL4), como informado anteriormente.
146
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
Ao longo dos mais de dois anos de contato com os Kiriri, lancei mão
da observação participante, orientada por uma perspectiva etno-
gráfica, entendida como “um modo de acercamento e apreensão
do que um conjunto de procedimentos” (MAGNANI, 2002, p. 17). Os
dados recolhidos foram registrados no caderno de campo, entre
os quais se encontram aqueles concernentes ao velório e sepul-
tamento do seu Nino, na aldeia Marcação, e que serviram de apoio
para a breve análise que será realizada, tomando uma série de
ações como práticas ritualizadas.
147
BREVES NOTAS SOBRE O RITUAL DE MORTE ENTRE OS KIRIRI
Jardel Jesus Santos Rodrigues
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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BREVES NOTAS SOBRE O RITUAL DE MORTE ENTRE OS KIRIRI
Jardel Jesus Santos Rodrigues
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
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BREVES NOTAS SOBRE O RITUAL DE MORTE ENTRE OS KIRIRI
Jardel Jesus Santos Rodrigues
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Um tipo de corte, nas sociedades, em que são representadas todas
as categorias de idade e de status, traduz-se em comportamen-
to diferenciado no decorrer das cerimônias ou honras fúnebres
(CANEIRO DA CUNHA, 1978, p. 2). Meyer Fortes diz algo similar
quando afirma que o status de uma pessoa é proclamado do modo
mais conspícuo à sua morte, quando sua personalidade social tem
153
BREVES NOTAS SOBRE O RITUAL DE MORTE ENTRE OS KIRIRI
Jardel Jesus Santos Rodrigues
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
Notas
1 Estava acompanhado por Fernanda Lima Almeida.
4 O termo encantado morto não se aplica a pessoas mortas, mas aos es-
píritos dos antepassados, “os do outro tempo, caboclos gentios, os pri-
meiros, os do tronco de que são rama ou ponta de rama”. Distintamente,
os espíritos dos mortos estão vagando, comumente encostados em ár-
vores e animais (BANDEIRA, 1972, p. 82).
8 A partir de 1988, ocorreu uma cisão faccional dos Kiriri em dois grupos.
O conceito de faccionalismo foi por eles interpretado pejorativamen-
te, como sinônimo de facção criminosa ligada ao crime organizado. Em
substituição a esse conceito, adotamos o de seccionalismo, conforme
sugestão de Cardoso (2018).
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BREVES NOTAS SOBRE O RITUAL DE MORTE ENTRE OS KIRIRI
Jardel Jesus Santos Rodrigues
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, M. L. Os Kariris de Mirandela: um grupo indígena inte-
grado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1972. 171 p. (Série
Estudos Baianos)
156
PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
157
BREVES NOTAS SOBRE O RITUAL DE MORTE ENTRE OS KIRIRI
Jardel Jesus Santos Rodrigues
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PARTE 1 - Xamanismo, alteridades, práticas rituais e cosmopolíticas
159
RETOMADAS,
PARTE 2
CONFLITOS
E DISPUTAS
COSMOPOLÍTICAS
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, buscaremos elaborar uma reflexão so-
bre o que poderíamos chamar de uma cosmopolítica
(STENGERS, 2018) Kiriri em suas dinâmicas de distinção
inter e intraétnicas. Para tal, buscaremos entender o pa-
pel da cultura enquanto cervo irredutível (CARNEIRO DA
CUNHA, 2009) na construção da distinção étnica Kiriri,
bem como suas categorias nativas nesses processos.
Operacionalizando as categorias de cultura – e “cultura”
– para pensar as dimensões de relações e distinções inter
e intraétnicas e sua complementaridade dialética, onde
162
XAMANISMO E COSMOPOLÍTICA: ‘CULTURAS’ E ETNICIDADE NO POVO KIRIRI
Gabriel Cardoso e Vanessa Morais
O povo Kiriri é ligado à família linguística Kariri, termo pelo qual são
denominados em alguns documentos mais antigos, e que se supõe
pertencer, por certas afinidades, ao tronco Macro-Jê (BANDEIRA,
1972). Os Kariri foram uma grande nação, como ficou conhecida em
alguns registros históricos mais antigos, que se espalhava desde o
Ceará e a Paraíba até as regiões mais ao sul do sertão baiano; seus
contornos não são bem delimitados, pois muito pouco se documen-
tou sobre toda essa nação ou família linguística, tendo nos resta-
do conhecimento apenas de quatro línguas que a compunham: o
Kipeá, o Dzubukuá, o Sapuya e o Pedra Branca ou Kamuru (DANTAS
et al., 1992), dos quais apenas o primeiro foi razoavelmente descri-
to pelo padre jesuíta Vicencio Mamiani em uma arte da gramática
publicada em 1698, além de um catecismo na língua, são eles: a
Arte de Grammatica da Lingua Brasílica da naçam Kiriri (MAMIANI,
[1699] 1877) e o Catecismo da Doutrina Christãa na Lingua Brasílica
da Nação Kiriri (MAMIANI, [1698] 1942).
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
164
XAMANISMO E COSMOPOLÍTICA: ‘CULTURAS’ E ETNICIDADE NO POVO KIRIRI
Gabriel Cardoso e Vanessa Morais
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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XAMANISMO E COSMOPOLÍTICA: ‘CULTURAS’ E ETNICIDADE NO POVO KIRIRI
Gabriel Cardoso e Vanessa Morais
Nesse processo de luta pela terra e por direitos, por um lado, vol-
tam-se para o reconhecimento da identidade étnica por parte do
Estado nacional, visando à luta pelo território. Por outro lado, a
presença da relação entre encantados e esses “caboclos” é men-
cionada precedente e fundamental em todos os casos etnográficos
apontados por Carvalho (1994). Se a construção de um regime indí-
gena se dá a partir do domínio da tradição e da seleção de diacríti-
cos desta visando à distinção interétnica e à configuração de dado
povo enquanto “indígena” – dialogando diretamente com as ima-
gens sobre “ser índio” do Estado nacional –, antes disso existe uma
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
168
XAMANISMO E COSMOPOLÍTICA: ‘CULTURAS’ E ETNICIDADE NO POVO KIRIRI
Gabriel Cardoso e Vanessa Morais
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
Um exemplo disso foi relato por Miro, marido de Suelí. Este havia se
tornado “tocador do sino” na primeira noite, há cerca de dois anos
e contava como se deu sua iniciação nessa função, marcada por
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XAMANISMO E COSMOPOLÍTICA: ‘CULTURAS’ E ETNICIDADE NO POVO KIRIRI
Gabriel Cardoso e Vanessa Morais
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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Gabriel Cardoso e Vanessa Morais
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Gabriel Cardoso e Vanessa Morais
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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XAMANISMO E COSMOPOLÍTICA: ‘CULTURAS’ E ETNICIDADE NO POVO KIRIRI
Gabriel Cardoso e Vanessa Morais
Notas
1 (SECTIONALISM, 2018).
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
13 Ao afirmar que, no local onde foi escolhido para sediar o terreiro geral,
ele havia enterrado uma “doença”, correndo sério risco de recontrai-la
se lá retornasse.
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XAMANISMO E COSMOPOLÍTICA: ‘CULTURAS’ E ETNICIDADE NO POVO KIRIRI
Gabriel Cardoso e Vanessa Morais
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, M. L. Os Kariris de Mirandela: Um grupo indígena inte-
grado. Salvador: UFBA/Secretaria de Educação e Cultura do Estado da
Bahia, 1972. (Estudos Baianos nº 6)
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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CONTRA-ANTROPOLOGIAS INDÍGE-
NAS NO NORDESTE BRASILEIRO,
UM ESPELHO INFINITO
Amiel Ernenek Mejía Lara*
CATEGORIAS COMUNS
Este capítulo é parte de uma reflexão maior que faço há
algum tempo sobre perguntas que podem ser apresen-
tadas para este ensaio da seguinte maneira: o que os in-
dígenas e seus movimentos – entendendo movimentos
no sentido amplo e não apenas político – estão questio-
nando às sociedades envolventes? E o que esses indíge-
nas estão nos propondo quando incluem nas suas locu-
ções categorias comuns às usadas pela antropologia?
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CONTRA-ANTROPOLOGIAS INDÍGENAS NO NORDESTE BRASILEIRO, UM ESPELHO INFINITO
Ernenek Mejía Lara
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
Explicou que a luta dos Tupinambá, como parte dos povos indíge-
nas no Nordeste, que conhecem “melhor que outros o que chega
com o branco, por ser os primeiros no contato”, não é apenas por
seus direitos, mas também pelos dos povos indígenas em geral, in-
clusive daqueles que nem imaginam o que pode vir para eles, como
os índios isolados.
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CONTRA-ANTROPOLOGIAS INDÍGENAS NO NORDESTE BRASILEIRO, UM ESPELHO INFINITO
Ernenek Mejía Lara
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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CONTRA-ANTROPOLOGIAS INDÍGENAS NO NORDESTE BRASILEIRO, UM ESPELHO INFINITO
Ernenek Mejía Lara
ANTROPOLOGIAS EM CONTRAMÃO
Esforços como os de Célia Tupinambá na abertura do congresso, os
quais nem sempre são prestigiados por uma plateia atenta como
essa, levaram também já a antropologia a nutridos debates que
questionam as posições de uma disciplina imaginada autossufi-
ciente em suas teorias e suas práticas de saber.
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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CONTRA-ANTROPOLOGIAS INDÍGENAS NO NORDESTE BRASILEIRO, UM ESPELHO INFINITO
Ernenek Mejía Lara
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
CONTRA-ANTROPOLOGIAS INDÍGENAS NO
NORDESTE BRASILEIRO
Como sínteses das epistemologias que defendem as antropologias
engajadas, reversíveis e simétricas, pode-se explorar a alegação
de que há uma antropologia indígena. Um dos motivos inegáveis
da afirmação é porque os pensamentos indígenas, mesmo sem as
pretensões da disciplina, se sobrepõem às questões da antropo-
logia ao elucidar, por exemplo, sobre as relações entre humanos e
não humanos, entre nós e outros, entre alteridades e diferenças.
É um assunto trabalhado com o mesmo cuidado e dedicação nos
debates teóricos da etnologia e nas reflexões e práticas xamânicas
(CESARINO, 2014; VIVEIROS DE CASTRO, 2014).
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CONTRA-ANTROPOLOGIAS INDÍGENAS NO NORDESTE BRASILEIRO, UM ESPELHO INFINITO
Ernenek Mejía Lara
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
Notas
1 De forma geral, os “encantados” são entidades não humanas ou ex-huma-
nas que estão ao mesmo tempo em diversos lugares e temporalidades. Por
sua potência e agência, têm a possibilidade de intervir no mundo dos vivos,
comunicando suas intenções em elucidações, sonhos ou incorporações. A
pluralidade dos sentidos dados aos “encantados” pode referir a índios an-
tigos, donos de lugares ou animais, criadores de elementos naturais, mas
também pessoas que viveram e se “encantaram” transcendendo a morte.
3 A cultura tem uma relação direta como a produção do espaço e pode ser
entendida nesse sentido como as práticas que produzem certas formas
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CONTRA-ANTROPOLOGIAS INDÍGENAS NO NORDESTE BRASILEIRO, UM ESPELHO INFINITO
Ernenek Mejía Lara
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
REFERÊNCIAS
ALBERT, B. “Situação etnográfica” e movimentos étnicos: notas so-
bre o trabalho de campo pós-malinowskiano. Tradução de Ciméa B.
Bevilaqua. CAMPOS - Revista de Antropologia Social, v. 15, n. 1, p. 129-
144, jun. 2014.
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TRANSFORMAÇÕES, HISTÓRIA
E CULTURA NA ETNOLOGIA DOS
POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE
José Glebson Vieira*
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José Glebson Vieira
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José Glebson Vieira
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José Glebson Vieira
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José Glebson Vieira
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
A cultura, que até bem pouco tempo foi substituída pela ideia de sis-
tema de relações sociais, como propõe Cardoso de Oliveira (1967)
quanto à fricção interétnica em substituição à ideia de assimilação,
numa clara contraposição à noção-chave de aculturação6, é “reto-
mada” pelos coletivos indígenas como uma “arma” especialmente
eficaz de agenciamento de grupos e comunidades em um mundo
globalizado (SAHLINS, 1997).
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TRANSFORMAÇÕES, HISTÓRIA E CULTURA NA ETNOLOGIA DOS POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE |
José Glebson Vieira
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José Glebson Vieira
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José Glebson Vieira
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TRANSFORMAÇÕES, HISTÓRIA E CULTURA NA ETNOLOGIA DOS POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE |
José Glebson Vieira
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
Notas
1 A virada conceitual promovida no Nordeste ocorreu quase que simul-
taneamente ao que estava acontecendo no campo intelectual das Ter-
ras Baixas da América do Sul, dedicado especificamente às populações
indígenas amazônicas. Se, nesse campo, as noções de corpo e pessoa
evidenciavam formas singulares de produção de socialidade, através
das sofisticadas elaborações sociocosmologicas da alteridade, as pes-
quisas realizadas com as populações do Nordeste também problema-
tizaram conceitos como cultura, território, identidade etc., tendo, como
pano de fundo, noções como distintividade e mudança cultural.
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TRANSFORMAÇÕES, HISTÓRIA E CULTURA NA ETNOLOGIA DOS POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE |
José Glebson Vieira
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
REFERÊNCIAS
AMORIM, P. M. Índios camponeses: os Potiguara da Baía da Traição.
1970. 97 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu
Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1970.
232
TRANSFORMAÇÕES, HISTÓRIA E CULTURA NA ETNOLOGIA DOS POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE |
José Glebson Vieira
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
GALLOIS, D.; KLEIN, T.; DAL’ BO, T. Povos indígenas, políticas multicultu-
rais e políticas da diferença. Revista de Cultura e Extensão USP, v. 15,
p. 31-48, jun. 2016.
234
TRANSFORMAÇÕES, HISTÓRIA E CULTURA NA ETNOLOGIA DOS POVOS INDÍGENAS DO NORDESTE |
José Glebson Vieira
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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DESCOBRINDO UM XAMÃ
Hugo Ciavatta*
INTRODUÇÃO
Debruçando-me sobre um dos períodos de campo,
no qual mantive diálogos praticamente diários com
Tatiarabu, entre alguns meses de 2017, ele que faleceu
em 2018, meu objetivo aqui é elaborar a relação desse
que se dizia um ex-Pajé Jamamadi: a relação com seu ir-
mão, o cacique Mamuré, as nuances do xamanismo dos
Jamamadi madiha, sua cosmopolítica, seja em relação
aos brancos, seja em relação aos próprios Jamamadi
de Massekury. Considero aqui o que Philippe Descola
(2018) aponta como característico de um estilo de co-
nhecimento da antropologia, ou seja, uma continuidade
entre descrição, compreensão e explicação.
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DESCOBRINDO UM XAMÃ
Hugo Ciavatta
duas vezes Tatiarabu falou que seu roçado estava tomado, de que
ele precisava limpar, ou pedir que alguém limpasse o capim, a ca-
poeira que avançava. Desde que soubera do mal de Chagas, dois
anos antes, Tatiarabu deixara seu roçado. Ao redor, os cultivos de
seus irmãos e sobrinhos, pelo contrário, seguiam a rotina dos cui-
dados, a dedicação à limpeza, não deixavam que a mata encobrisse
o roçado, o cercado e o plantio de macaxeira e de cará.
do que não, já em tom sério, que ele não tinha medo de Mangagá.
Durante o percurso, também, Tatiarabu destacava nossa passagem
por algumas das árvores, por algumas plantas, como as castanhei-
ras que havia naquela área. Eram como uma referência para ele,
se estávamos mais próximos da casa de farinha de Tauaturá, se do
igarapé Boágua. Mas estas eram ainda referidas pelo tempo, ou pe-
la idade, como aquela logo depois do pasto, uma castanheira ainda
jovem, dizia-me, questionando se eu sabia reconhecer ser uma cas-
tanheira. Não, eu lhe falei, apenas aquelas muito altas, com a copa
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Tatiarabu, até então em silêncio, por fim, “Pois é, seu Hugo, isso eu não
te contei, mas eu também já fui Pajé...”. Diferentemente de Mamuré,
contudo, seu katuhe não lhe apareceu de repente, Tatiarabu foi “en-
sinado”, como ele dizia, ele passou por uma iniciação com outro Pajé
do Inauini, Terra Indígena Jamamadi no Médio Purus, mais próxima de
Pauini (AM) que de Boca do Acre. Apenas Tatiarabu, em Massekury,
conhecera aquelas áreas, aqueles outros Jamamadi, fosse por via-
gens pela FUNASA/Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), da
qual era funcionário, fosse pelo movimento indígena local e regional.
Tatiarabu falou rapidamente sobre o processo para se tornar Pajé:
foram dias sem banho, deitado, acordava, havia pedras sobre o pei-
to, katuhe era quem as trazia, guardava-as em seu jarro.
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
gesticulando, “não quero saber da FUNAI aqui, não, seu Hugo... era
pra eu ser a FUNAI aqui em Boca do Acre, mas os parentes não me
quiseram, não me elegeram”. Tatiarabu referia-se à criação da base
local da FUNAI na cidade de Boca do Acre, quando a então União das
Nações Indígenas (UNI), em sua vertente regional, em assembleia,
elegeu um Apurinã como técnico responsável pelo espaço.
Tatiarabu deixou claro, por fim, que à relação que me trazia ali, uma
relação eminentemente com Mamuré, Tatiarabu se opunha, eu era
uma extensão de sua rivalidade com seu irmão. O ex-Pajé e irmão
do cacique passou a dizer para seus sobrinhos, no fim de minha es-
tadia na aldeia, em 2017, que eu estava ali e não ia ajudar ninguém,
que eu não era “boa pessoa”. Foi o que veio me contar a merendeira
da escola, branca, esposa de um dos filhos de Risi e, portanto, “so-
brinho-neto” de Tatiarabu.
250
DESCOBRINDO UM XAMÃ
Hugo Ciavatta
nos últimos dias. Aquele diálogo não acontecera, eu não disse nada
do que Tatiarabu falava, tampouco havia feito o que ele simulava.
De nada adiantou dizer isso, ou mesmo de nada resolveram as mi-
nhas negativas de não ter dito nada do que ele dissera e encenava.
Tatiarabu encerrou a conversa com um “se eu estou falando, então
é isso, acabou”, e continuava mirando apenas seu irmão, sentado no
outro canto da varanda. Mamuré nada falou, retirou-se, e Tatiarabu
seguiu atrás. Eu estava devidamente “enfeitiçado”, ocupando um
lugar numa rede de comunicação (FAVRET-SAADA, 2005).
Nos dias que se seguiram a isso, mais do que se opor à relação que
comunicava a minha presença em Massekury, Tatiarabu chamava
as crianças que via próximas de mim, conversando ou somente
brincando perto da “igrejinha” onde estava a minha rede. Ele nunca
fizera aquilo naqueles quatro meses de minha presença na aldeia.
Onde eu estava, Tatiarabu passou a não estar, se eu entrasse em
sua casa, ele saía. Durante cerca de vinte dias, eu era como que
“contagioso”: ninguém poderia ficar perto de mim, Tatiarabu tam-
bém não ficava. Meus diálogos, naqueles dias, resumiram-se a
conversas rápidas com suas irmãs, Tauaturá e Zaqui, que pareciam
rir da situação, eu não sabia se de mim, se de Tatiarabu, ou, claro, se
de ambos. Minhas conversas também eram frutos dos encontros
na minha circulação em Pra-Cima-da-Terra.
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
Não houve rapé, mas aquele que se dizia um ex-Pajé estava como que
“com os olhos se abrindo”. Oras, não para o mundo invisível (KROEMER,
1994, p. 143), tampouco ocorria uma passagem regressiva, já que au-
sente o tabaco, como que da posição de outro para a de presa, ou do
delicioso ao veneno (APARÍCIO, 2017, p. 21-22). A “explosão do olhar”
revelava um outro conjunto de relações (STRATHERN, 2006).
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DESCOBRINDO UM XAMÃ
Hugo Ciavatta
CONCLUSÃO
Seja na metafísica vegetal dos Jamamadi orientais, contados por
Karen Shiratori (2018), “na guerra mundial nos céus”, seja do mundo
perigoso, o qual descreve Fabiana Maizza, para os Jarawara:
255
PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
Notas
1 Conversa com Tatiarabu, em Massekury, 2017.
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DESCOBRINDO UM XAMÃ
Hugo Ciavatta
REFERÊNCIAS
ALBERT, B. O ouro canibal e a queda do céu: uma crítica xamâ-
nica da economia política da natureza. Brasília: UnB, 1995. (Série
Antropologia, 174)
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
258
RELAÇÕES DE ALIANÇA PODEM
SUBVERTER SECCIONALISMOS
HISTÓRICOS? UMA ANÁLISE
DO CONTEXTO KIRIRI
Fernanda Lima Almeida*
INTRODUÇÃO
Os estudos de parentesco foram considerados, durante
bom lapso de tempo, como a principal área de preocupa-
ção da antropologia (MORGAN, [1871] 1997; RADCLIFFE-
BROWN, 1973, 1978; FORTES; PRITCHARD, 1981; MURDOCK,
1949), seja através dos chamados sistemas terminológi-
cos, seja através dos sistemas de descendência.
260
Figura 1 – Mapa da Terra Indígena Kiriri
Elaborado pela autora, por Neves Santos e por Jardel Rodrigues, 2020
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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RELAÇÕES DE ALIANÇA PODEM SUBVERTER SECCIONALISMOS HISTÓRICOS? UMA ANÁLISE DO CONTEXTO KIRIRI
Fernanda Lima Almeida
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
Para Sheila Brasileiro (1996), essa divisão pode ser entendida como
parte de um processo de excessiva centralização política e de poder
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RELAÇÕES DE ALIANÇA PODEM SUBVERTER SECCIONALISMOS HISTÓRICOS? UMA ANÁLISE DO CONTEXTO KIRIRI
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
1ª divisão
1988
Adonias (pajé) ≠ Lázaro (cacique)
Adonias = Manuel (cacique)
2ª divisão
2014
Adonias ≠ Manuel
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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Fernanda Lima Almeida
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pude captar sutilezas e distinções que os meus dois interlocutores
jovens estavam me apontando, ou seja, que eles não tomaram as
divisões políticas como obstáculos ao estabelecimento de relações
de afinidade através do casamento. Pelo contrário, as divisões e os
conflitos ocorridos no passado não refletem o atual momento des-
sa nova geração, que vê o passado dos pais e avós como distinto –
e distante – da sua realidade. De certo modo, os dados etnográficos
revelam que o conflito outrora desencadeado pelos mais velhos
não diz respeito aos mais jovens, como espero ter demonstrado,
ainda que provisoriamente, nos dois casos descritos.
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RELAÇÕES DE ALIANÇA PODEM SUBVERTER SECCIONALISMOS HISTÓRICOS? UMA ANÁLISE DO CONTEXTO KIRIRI
Fernanda Lima Almeida
Notas
1 O Fundo de Documentação Histórica Manuscrita sobre Índios da Bahia é
um projeto do Programa de Pesquisas sobre Povos Indígenas do Nordeste
Brasileiro (PINEB), cujo objetivo é reunir documentação manuscrita sobre
índios depositada em arquivos públicos.
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, M. de L. Os Kariris de Mirandela: um grupo indígena in-
tegrado. Salvador: Universidade Federal da Bahia, 1972. 171 f. Série
Estudos Baianos.
272
RELAÇÕES DE ALIANÇA PODEM SUBVERTER SECCIONALISMOS HISTÓRICOS? UMA ANÁLISE DO CONTEXTO KIRIRI
Fernanda Lima Almeida
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PARTE 2 - Retomadas, conflitos e disputas cosmopolíticas
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DEFININDO
PARTE 3
E REORDENANDO
RELAÇÕES COM
INTENCIONALIDADES
NÃO HUMANAS
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
Para ampliar mais essa noção de pessoa que tratamos aqui, obser-
ve o trecho do Nativo relativo, de Viveiros de Castro (2002), onde
o autor faz um debate interessante sobre a afirmação indígena de
que os pecaris (porcos) são humanos.
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Por fim, o wãno yanonami nos remete a uma ideia mais ampla da
inversão, a qual inclui os papéis sociais, identidades e substâncias,
onde é possível deslumbrar não um horizonte, mas vários. Tendo co-
mo proposta a dimensão ethossomática para se pensar essa inver-
são da evolução pelos yanonami, podemos pensar com eles, atra-
vés de mecanismos linguísticos e discursivos, que o novo habitus
miö wërëa resguarda a intersubjetividade entre os corpos (no caso
aqui o corpo de hewë) transfigurando-se, tomando de empréstimo
as palavras de Viveiros de Castro (2002), em hewë a qual se torna
humano naquilo que o humano não é um hewë. Quando um yanona-
mi afirma que o hewë foi um humano e que resguarda, portanto, a
sua humanidade como um outro, não é para identificá-lo como nós
humanos, mas diferenciá-lo de si mesmo e a nós de nós mesmos.
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
Notas
1 Nota-se aqui a grafia YANONAMi, que é diferente do termo YANOMAMI.
A grafia com “na” e com a vogal média “ɨ” diz respeito a um grupo espe-
cífico com o qual eu trabalho. O termo Yanomami é uma categoria gené-
rica e de vulgata para falar sobre o povo yanomami ou da sua língua.
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A PERSPECTIVA INVERSA YANONAMI DA EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
ção do Deus cristão, porque ele começou a existir junto com tudo o que já
existia, ele não é anterior ou posterior à natureza, ele é concomitante.
11 Informação verbal.
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A PERSPECTIVA INVERSA YANONAMI DA EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES
Mbo’esara Esãîã Tremembé
REFERÊNCIAS
ALBERT, B. Temps du sang, temps des cendres: representation de
la maladie, système rituel et espace politique chez les Yanomami
du sudest (Amazonie brésilienne). 1985. 836 f. Thèse (Doctorat en
Ethnologie) – Université de Paris X, Nanterre, 1985.
BÍBLIA Sagrada. Publicada por A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos
Últimos Dias. Salt Lake City, Utah, EUA, 2015.
DERRIDA, J. O animal que logo sou. São Paulo: Editora UNESP, 2002.
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Dona Helena fala dos ancestrais e afirma que a Cabocla Jurema foi
criada por Oxóssi, que é São Sebastião, e o caboclo Tupinambá, que
é tudo a mesma coisa. Essa diferença nos nomes não me parece for-
tuita: ela revela o encontro da Jurema com entidades que são e não
são as mesmas, uma vez que fazem parte de ecologias específicas,
apartadas pelos Xukuru justamente em função dos territórios diversos
que simultaneamente habitam e efetuam. Com isso, se já não estamos
no que é no mundo todo, tampouco estamos diante do que reúne
os ancestrais, os quilombolas, os assentados e o povo de terreiro. É
uma outra fissura, seguida de uma nova sedimentação, cuja extensão
coincide com a terra na qual estão os troncos dos quais ramificaram
as gerações atuais, sem por isso anular os estratos precedentes.
Parafraseando De la Cadena (2018, p. 107), uma terra com a qual os
povos, suas plantas, seus animais e, finalmente, suas naturezas são.
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NA SOMBRA DA JUREMA
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Assim como ocorre com o velho U-ká, para muitos grupos na região, o
“reino da Jurema” ou “a cidade da Jurema” é também pelo menos uma
das moradas dos encantados ou encantos de luz. Entes “extra-huma-
nos” (ANDRADE, 2002) e ancestrais míticos ou históricos, os encan-
tados são indissociáveis da terra na qual se manifestam e da gente
que nela reside. São os troncos que restam plantados, como dizem os
Xukuru, dando origem às ramas dos dias atuais. Ou, ainda, uma gente
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
que era “descendente daqui da terra”, que “formou a tribo”, nas pala-
vras do juremeiro Truká. Em ambos os casos, uma gente responsável
por singularizar as terras que habitam, os que nela germinam e o que
a jurema é capaz de sedimentar: “o mistério”, o “segredo”, a “ciência”
particular de cada um dos grupos indígenas na região.
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Entre os Truká, Batista (2005, p. 93) destaca que uma das caracte-
rísticas de um bom Mestre do Particular é ser capaz de, “pelo balan-
ço do maracá, pela linha que se escolhe puxar e pelo uso do apito,
chamar ou impedir a aproximação [de] um encanto ou mesmo [...]
espírito”. Nas palavras de um Mestre, o que deve ser aproximado e o
que deve ser repelido fica evidente, ao mesmo tempo em que marca
a diferença entre as suas práticas e as que chamam de Xangô:
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Mas, como vimos, não são apenas os encantos de luz que têm, nas
matas, a sua superfície privilegiada: existem entidades que brotam
da Jurema, das matas, das águas, e que também estão presentes
nos torés Xukuru. No mais, e à medida que o ritual caracteriza um
momento em que uma fenda se abre no mundo, colocando em con-
tato o canto habitado pelos vivos e o que é habitado pelos outros-
-que-os-vivos, existe sempre a possibilidade de outras entidades
se manifestarem: daí a importância dos cantos ou pontos que são
entoados no toré e que visam atrair determinadas entidades, como
já foi relatado para outros grupos na região. Ou, ainda, da adver-
tência, observada entre os Xukuru, a respeito do uso de roupas
vermelhas ou da presença de mulheres menstruadas no toré, uma
vez que são elementos capazes de atrair a esquerda.
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Notas
1 Reservo o uso de itálico para termos e expressões Xukuru do Ororubá,
ou para as que são partilhadas por todos os grupos indígenas no Nor-
deste. O nome de Dona Helena foi alterado para preservá-la. No entanto,
gostaria de deixar registrada a minha profunda gratidão a essa senhora,
cujos prazer e a paciência que sempre dedicou para refletir e problema-
tizar os meus infindáveis questionamentos foram fundamentais para
que eu pudesse compreender – parcialmente, é claro – o universo Xuku-
ru do Ororubá. Este texto é dedicado aos seus ensinamentos.
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
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NA SOMBRA DA JUREMA
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REFERÊNCIAS
ALARCON, D. A forma retomada: contribuições para o estudo das re-
tomadas de terras, a partir do caso Tupinambá da Serra do Padeiro.
Ruris: Revista do Centro de Estudos Rurais, UNICAMP, Campinas, v. 7,
n. 1, p. 99-126, mar. 2013.
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INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO
HUMANOS EM CONTEXTO DE
TENSÃO COSMOLÓGICA
Maria Rosário de Carvalho*
INTRODUÇÃO
Preliminarmente, informo ao leitor que lanço mão da
noção de cosmologia para buscar entender as relações
dos índios Kiriri com seres em geral designados invisíveis
ou encantados, que preenchem parte significativa do seu
pensamento e de sua ação prática1. Vale notar que a no-
ção de cosmologia mais recentemente tem sido pensada,
em larga medida, como uma cosmopolítica, i.e., o campo
das relações entre agentes humanos e não humanos.
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INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO HUMANOS EM CONTEXTO
DE TENSÃO COSMOLÓGICA | Maria Rosário de Carvalho
Não deixa de ser curioso constatar que o etnógrafo seja tão pou-
co motivado ao reexame dos seus próprios dados, embora pareça
consensual que a reflexividade de nossas pesquisas não começa, e
não se encerra, com a produção da etnografia (MARQUES; VILLELA,
2005, p. 39). Nesse sentido, eu estou confirmando a regra, ao me
propor a retomar dados e análises desenvolvidos por outrem em
duas excelentes dissertações de mestrado (NASCIMENTO, 1994;
BRASILEIRO, 1996). O fato de tê-las orientado pode estar funcio-
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
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INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO HUMANOS EM CONTEXTO
DE TENSÃO COSMOLÓGICA | Maria Rosário de Carvalho
Nos grupos locais Kiriri – Lagoa Grande, Sacão, Cacimba Seca, Baixa
da Cangalha, Baixa do Juá e Cantagalo, aos quais se incorporaram
outros mais próximos e demograficamente menos expressivos –, lo-
calizavam-se parentelas que usufruíam de certa relevância econô-
mica e política, em torno das quais se agregavam outras, de menor
expressão demográfica e social3. Os chefes dessas parentelas eram
comparados a “sitiantes fortes” (WOORTMANN, 1989, p. 196 apud
BRASILEIRO, 1996, p. 171), que emulavam, em suas relações com a
população indígena em geral, os brancos regionais que compunham
o sistema clientelístico regional. Base fundamental de apoio político
ao cacique, esses chefes de parentelas se tornariam conselheiros
e representantes dos núcleos com a sua ascensão, rompendo, as-
sim, a sua independência em relação à esfera comunitária indígena.
Ocorreu, pois, a partir da década de 1970 uma reconfiguração socio-
espacial, que se por um lado promoveu certa articulação entre os
grupos locais ou aldeias, assegurando mais eficiente comunicação
entre as partes, por outro desencadearia um processo de crescente
perda de autonomia doméstica que se mostraria, em determina-
dos momentos, incompatível com a organização social e política
333
PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
Mas era preciso não limitar o ritual à Lagoa Grande, mas expandi-lo
pela Terra Indígena (TI). O toré passou, então, a ser realizado sob
a forma de um rodízio semanal em cada um dos núcleos, em ter-
reiros localizados sempre nas proximidades da casa do respectivo
conselheiro, para onde também se deslocavam pessoas de outros
núcleos, compelidas a percorrer longas distâncias, a pé, todos os
sábados. Por razões não sabidas, mas que eu presumo decorren-
tes, notadamente, da maior ou menor distância a ser vencida até o
terreiro, acabaram por firmar-se os terreiros de três dos núcleos,
i.e., os da Lagoa Grande, Sacão e Cantagalo, aos quais se limitou o
rodízio semanal (NASCIMENTO, 1994, p. 262).
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INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO HUMANOS EM CONTEXTO
DE TENSÃO COSMOLÓGICA | Maria Rosário de Carvalho
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
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INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO HUMANOS EM CONTEXTO
DE TENSÃO COSMOLÓGICA | Maria Rosário de Carvalho
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
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INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO HUMANOS EM CONTEXTO
DE TENSÃO COSMOLÓGICA | Maria Rosário de Carvalho
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
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INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO HUMANOS EM CONTEXTO
DE TENSÃO COSMOLÓGICA | Maria Rosário de Carvalho
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
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INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO HUMANOS EM CONTEXTO
DE TENSÃO COSMOLÓGICA | Maria Rosário de Carvalho
eles [os Kiriri] não sabiam de nada nessa época. Não sa-
biam dançar Toré, não sabiam de nada [...] Aí nesse dia
mesmo fizemos o trabalho. Demos todas as instruções a
eles. Aí eles passaram uma semana lá dançando o toré6.
Aí quando chegaram na aldeia deles, eles continuaram
fazendo aquilo que nós mandemo e daí pra cá, pronto, eles
ficaram feito. Na sequência, cerca de 04 tuxás se desloca-
ram para Mirandela, para treinar com eles. Teve gente que
casou na família deles.
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
344
INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO HUMANOS EM CONTEXTO
DE TENSÃO COSMOLÓGICA | Maria Rosário de Carvalho
Higino, pai do pajé indicado, estaria, por sua vez, aplicado em fazer do
seu filho um especialista cosmológico, para o que contava com o apoio
do irmão Florentino, influente líder do grupo local Cantagalo, cujos pa-
rentes, ainda hoje, detêm certa relevante posição econômico-social.
Vale notar que Higino era casado com Petronília, irmã do sogro do
cacique. Na Baixa da Cangalha, onde o toré jamais foi acolhido plena-
345
PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É possível que o projeto de unificação do cacique persistisse por mais
certo tempo, não fosse pela intransigência por ele demonstrada.
Afinal, a ele se creditavam significativas vitórias, entre as quais a
reconquista da TI e um maior controle sobre a síndrome de depen-
dência do álcool. Os índios suportaram os rigores do seu excessivo
disciplinamento – vigilância exercida entre os grupos locais para
reprimir ingestão de bebida alcóolica e o que se considerasse va-
diagem; para assegurar que se praticasse o toré em três grupos
locais, ao longo da semana; e para que todos, homens, mulheres
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INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO HUMANOS EM CONTEXTO
DE TENSÃO COSMOLÓGICA | Maria Rosário de Carvalho
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PARTE 3 - Definindo e reordenando relações com intencionalidades não humanas
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INTERAÇÃO HUMANOS E NÃO HUMANOS EM CONTEXTO
DE TENSÃO COSMOLÓGICA | Maria Rosário de Carvalho
Notas
1 Os encantados recobririam três gêneros, i.e., os encantados propria-
mente ditos, “vivos”, de acordo com a designação local; os espíritos dos
mortos (parece haver pressuposição de que esses mortos teriam parti-
cipado da luta enquanto vivos (WEBER, 1991, p. 23-24); e as macumbas
ou encantados feitos (“coisas feitas”). Os primeiros são seres invisíveis
mas podem materializar-se, geralmente disfarçados em animais e aves
e, mais raramente, em seres inanimados que passam a ter mobilidade.
Agem como humanos – comem, bebem e fumam – e podem mobilizar os
poderes tanto para proteger quanto para castigar. Requerem a ação de
intermediários, que trabalham sob a sua orientação (BANDEIRA, 1972, p.
79-80). Haveria um subgênero – o dos bichos – que, muito significati-
vamente, Bandeira não incluiu na classificação devido “ao desencontro
dos informes” (1972, nota 6, p. 79). O pajé Maurício, que abandonou a TI
há cerca de 20 anos, por motivação pessoal, era considerado o mais “sa-
bido” no trato com esses bichos (inf. pessoal da bolsista Fernanda Lima
Almeida), que eu suponho sejam equivalentes aos bichos sobrenaturais
ou antropófagos – atacam as pessoas à noite e comem-nas –, de origem
não identificada e portadores de deformações físicas, entre outras carac-
terísticas (BANDEIRA, 1972, p. 88).
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7 Esse senhor mais velho deve ter sido o antigo capitão Josias, através de
quem o pajé indicado ouviu uma versão do mito Kariri (tronco Macro-Jê,
que também abarca a família Kipeá ou Kiriri) do gavião e da arara (REE-
SINK, 1999), duas entidades sobrenaturais por eles classificadas como
“encantados fortes”, i.e., entidades sobrenaturais consideradas benéfi-
cas, algumas das quais tiveram existência humana, após o que se teriam
encantado. A pretexto de justificar “a sua missão de se tornar um pajé”,
o pajé indicado transmitiu a versão a Marco T. Nascimento, que, diligen-
temente, a registrou (1994, p. 262-267), demonstrando assim o extraor-
dinário ouvinte e narrador que é o pajé, bem como o excelente trânsito
que ele lograva estabelecer com os Kiriri mantenedores da tradição. A
narrativa é uma prova inquestionável de que ele estava, genuinamente,
em missão para se tornar pajé.
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REFERÊNCIAS
BANDEIRA, M. L. Os Kariri de Mirandela, um grupo indígena integra-
do. Salvador: UFBA, 1972.
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OS CURUPIRAS NÃO FORAM
EMBORA? OS ENCANTADOS
NA RESISTÊNCIA INDÍGENA
NO BAIXO RIO TAPAJÓS
Florêncio Almeida Vaz Filho*
INTRODUÇÃO
Desde os anos 70, chegaram ao Oeste do Pará milhares
de colonos vindos de outras regiões do país, que ocupa-
ram as margens das rodovias Transamazônica (BR-230)
e Cuiabá-Santarém (BR-163). A agricultura e a pecuária
foram tomando o lugar da floresta. E mesmo na região
do Eixo Forte, entre a cidade de Santarém e a vila de Alter
do Chão, a agricultura passou por uma intensificação,
para atender à crescente demanda do mercado regional,
principalmente pela farinha de mandioca, cuja produção
também exigia o avanço das roças sobre a floresta.
Ainda entre 1976 e 1978, Tatiana Lins e Silva (1980) fez pesquisa
na zona rural de Santarém, nas áreas cultivadas pelos caboclos e
cearenses2, aproveitando categorias autodescritivas que os dois
grupos de camponeses mais representativos na região usavam
para se distinguir uns dos outros. Os caboclos ocupavam as áreas
próximas aos rios, por oposição aos cearenses, que se instalavam
nas áreas mais elevadas do Planalto Santareno: “Para os migran-
tes cearenses, o critério fundamental na escolha dos terrenos é
a qualidade do solo, enquanto o caboclo exige a mata e os rios”
(SILVA, 1980, p. 1). Os moradores que resistiram na Flona Tapajós
estão entre os classificados pela autora como caboclos.
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RIO TAPAJÓS | Florêncio Almeida Vaz Filho
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nas mentes e nas práticas daqueles que até então haviam sido chama-
dos de caboclos. Chamo de pajelança a este “sistema cultural” distinto
já identificado por Silva (1980), dentro do qual tem destaque um encan-
tado chamado de Curupira. É o mesmo “sistema cosmológico” próprio,
onde seres humanos e não humanos possuem iguais faculdades, que
Wawzyniak (2008) constatou trinta aos depois de Silva (1980) entre os
moradores da Flona Tapajós, inclusive aqueles de Takuara, ao estudar
os ataques de encantados. O Curupira é, seguramente, o mais conhe-
cido deles. Defensor dos animais silvestres, ele é um dos seres míticos
que passaram a estar mais presentes nos discursos dos indígenas, em
seus rituais, e até em um programa de rádio8. Então, os Curupiras não
haviam ido embora?
A TEIMOSIA DO CURUPIRA
Depois da emergência política dos Munduruku de Takuara, vieram
muitas outras aldeias e povos, formando o que chamam de mo-
vimento indígena, articulados hoje no Conselho Indígena dos rios
Tapajós e Arapiuns (CITA). São aproximadamente 70 aldeias per-
tencentes a 12 povos indígenas na região do baixo rio Tapajós9, que
compreende os municípios de Aveiro, Belterra e Santarém. O CITA,
junto com o Grupo Consciência Indígena (GCI), realiza regularmen-
te grandes encontros, reunindo até mais de 400 participantes. No
início desses eventos, e de outras atividades públicas, inclusive na
cidade de Santarém, os pajés e líderes indígenas costumam reali-
zar rituais, quando pedem licença aos espíritos de pajés falecidos
e aos encantados das águas e das matas (LIMA, 2019). E o Curupira
é citado com enorme familiaridade. Antes de 1998, eles tinham ver-
gonha de admitir publicamente a crença nesses espíritos. Porém,
atualmente, ostentam sua crença em Curupira, Cobra Grande, Boto
ou Mãe de igarapé, pois isso parece reforçar o seu projeto de afir-
mação política e cultural como indígenas.
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ela não mais escutava aquele grito. Ela disse que, com a devasta-
ção da mata, ele foi embora (VAZ FILHO; CARVALHO, 2013).
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Os seus ataques são temidos, mas ela tem também um jeito diverti-
do, pois gosta de fazer as pessoas se perderem na floresta, quando
andam em várias direções sem encontrar o rumo certo, mesmo que
estejam ao lado do caminho. A recomendação, conforme os indíge-
nas, é fazer um cesto ou qualquer tecido de palha ou tala, deixan-
do escondida a ponta da palha, e deixar ali. A Curupira vai tentar
desmanchar o cesto e, enquanto isso, as pessoas aproveitam para
escapar do seu encantamento. Ter tabaco e cachaça também ajuda,
pois é o presente que os caçadores dão a ela em troca da caça.
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A OUSADIA DA CURUPIRA
A Curupira também se fez notar mais ostensivamente em uma sur-
preendente manifestação, que teria ocorrido quando uma estudante
de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Oeste do Pará
(UFOPA) se perdeu e ficou desaparecida por mais de 16 horas dentro
da Flona Tapajós durante uma aula prática. O caso ocorreu nos dias 1º
e 2 de abril de 2016, quando a Curupira parece ter desafiado a raciona-
lidade dos acadêmicos, que não conseguiram encontrar a jovem estu-
dante. O fato foi surpreendente porque a jovem já havia atuado como
monitora, liderando o trabalho de outras equipes na mesma área de
floresta. Também porque o fato ocorreu a apenas 72 quilômetros da
cidade de Santarém (LIMA, 2016) e a uns 8 quilômetros da BR-163,
além de envolver professores pós-graduados que normalmente não
se pautam pela crença em espíritos, como a Curupira.
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Notas
1 Comunidade é uma categoria nativa que, a partir dos trabalhos da Igreja
Católica nos anos 60, passou a ser usada amplamente pelos moradores
na Amazônia para se referir aos seus povoados no interior. O termo se
refere não só ao lugar geográfico, mas também às relações sociais ali
estabelecidas e à sua organização: igreja, barracão de reuniões e festas,
campo de futebol, cemitério, diretoria da comunidade etc.
3 Silva (1980) não fez pesquisa de campo em Takuara, porém como o lu-
gar dista poucos quilômetros ao sul do Eixo Forte (área estudada pela
autora), e seus moradores estão entre o grupo social que ela chamou de
caboclos, nos parece adequado estender para eles o que foi dito sobre
os moradores do Eixo Forte. Os moradores de Alter do Chão, região do
Eixo Forte, também se assumiram como indígenas em 2003.
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10 As pessoas falam “o” Curupira, “a” Curupira, “a” Mãe do mato e “o” Pre-
tinho para se referir a este espírito. Quando insistimos numa definição
de gênero do/da Curupira, as pessoas não apresentam uma resposta
definitiva. E nem isso constitui um problema para elas. Simplesmente se
fala do e da Curupira. Uma vez que é mais comum o uso da forma femi-
nina, é esta que neste texto vamos usar daqui para a frente.
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14 Essa síntese dos fatos foi elaborada a partir de áudios gravados pela
própria aluna perdida e divulgados pelas redes sociais naquela ocasião,
de matérias publicadas na imprensa local e dos relatos de alguns es-
tudantes indígenas que estiveram na aula prática. Aproveitei principal-
mente o relato escrito a meu pedido pela aluna indígena Ádria Fernan-
des, poucos dias após o ocorrido.
REFERÊNCIAS
ANCHIETA, P. J. Cartas inéditas. São Paulo: Typ. da Casa Eclectica, 1900.
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