Você está na página 1de 60

uerra civil


mencana
-eferLouis Eisenberg

Ao contrário do C/H' S ' /> '11\1t, 1i (111/111 /" 111' //1,,1 I" l 1(/1 ""
Civil Ameri ana 11(/() roi li Ildl/('I'II~"1I rllI 111 i ,'"11" "
decisão nortista d' (lI IIlh I ('li IIII'/tlllll h", I '" "'1,1/'""
repressão armada do NUr«' (11I11111 ti til I '/ltllI ti" 1'111 1111 '/"1
e a criação, n S1I/, elO,1 F'llIclm ( 11I1/I'rI"III"" \111"'"
De 1861 a 1 5, os eloil lucllll 1(' U/IlI1r1llltll/l 1111111" '11 ""
"li
saTigrema, d'SgClsWl](' '{1/1/J(( Ic/ti , '/111' 111 ''''1'' ,",, ,li
618000 norte-um 'riClIllCII, 1lll1ll01lltl/l ti" 1/1/' li / (1(1(1 I'" I

.morreram na rrim 'im /I(('tI I, (1\ I PIl(l,!" '1'111 "'I, "


55 na otci« (' 111 JOIIO /111 \ I' f /ltI

, 1M f 11 11 11 11

JIJ111111J IIII,llllmJIIII
' 40 editora brasiliense
Copvright © by Peter Louis Eisenberg.
Nenhuma parte desta publicação pode ser gravada,
armazenada em sistemas eletrônicos, fotocopiada,
reproduzida por meios mecânicos ou outros quaisquer
sem autorização prévia da editora.

I' edição, 1982


5' edição, 1989
2' reimpressão, 2006

Revisão: José E. Andrade.


Capa: 123 (antigo 27) Artistas Gráficos.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
ÍNDICE
Eisenberg, Peter L.
Guerra civil americana I Peter L. Eisenberg.
São Paulo: Brasiliense, 2006. - - (Coleção tudo é
história; 40)
Introdução . 7
2' reimpr. da 5. ed. de 1989. As regiões . 11
ISBN 85-11-02040-3 As causas da guerra . 39
I. Estados Unidos - História - Guerra civil, 1861-1865 A guerra civil . 6S
I. Título.n. Série. O impacto da guerra . 79
A reconstrução . 90
06-2910 CDD- 973.7 Conclusão . 109
Índices para catálogo sistemático
I.Estados Unidos: Guerra Civil, 1861-1865: Indicações para leitura . 114
História 973.7
2. Guerra Civil, 1861 - 1865: Estados Unidos:
História 973.7

editora brasiliense s.a.


Rua Airi, 22 - Tatuapé - CEP 03310-010 - São Paulo - SP
Fone/Fax: (Oxx 11) 6198-1488
www.editorabrasiliense.com.br

livraria brasilicnse s.a.


A\". Azevedo, .184 - Tatuapé - CEP 03308-000 - São Paulo - SP
FonelFax: (Oxx 11) 6197-0054
livrariasbrasiliense@editorabrasiliense.com.br
Queremos agradecer a Rudolph Bell, Eric Foner e Michael M. Hall pelas
suas sugestões bibliográficas, e a Eni Orlandi pelas correções e melhora-
mentos no Português.
Reconhecemos também a nossa dívida para com os alunos das matérias
de História da América II e Estados Unidos Contemporâneos que, atra-
vés de suas perguntas e críticas nas salas de aula da Universidade
Estadual de Campinas, muito nos ensinaram.

*
"Sentimos que a nossa causa é justa e sagrada; solenemente procla-
mamos, para todo o gênero humano, que desejamos a paz ao preço de INTRODUÇÃO
qualquer sacrifício, menos o da honra e da independência. Não procu-
ramos conquista alguma, nem enaltecimento, nem concessão alguma de
qualquer espécie dos Estados dos quais faz pouco tempo éramos confe-
derados. Tudo que pedimos é sermos deixados em paz; que aqueles
que nunca mandaram em nós agora não tentem subjugar-nos pela força A Guerra Civil Norte-americana (1861-65) me-
das armas."
rece a atenção do estudante brasileiro por diversos
Jefferson Davis, primeira fala ao Congresso dos Es- motivos. Primeiro, foi uma guerra que marcou pro-
tados Confederados da América, 1861.
fundamente a evolução histórica dos Estados Unidos
"Um oitavo de toda a população era formado de escravos de cor, não da América (EUA). Até esta guerra, todos os con-
distribuídos de um modo geral pela União, porém localizados na sua flitos políticos mais importantes entre as grandes
parte meridional. Tais escravos constituíam um interesse peculiar e regiões norte-americanas, do Norte e do Sul, tinham
poderoso. Todos sabiam que esse interesse, de certo modo, foi a causa
da guerra. Fortalecê-Ia, perpetuá-Ia e ampliá-Ia era o objetivo pelo qual sido .resolvidos, adiados ou escamoteados dentre as
os insurretos pretendiam dividir a União, nem que tivessem de recorrer linhas da Constituição de 1787, e através de proces-
à guerra, ao passo que o governo não reclamava outro direito que o de sos pacíficos de barganha, conchavo, negociação e
restringir sua difusão territorial."
voto. A guerra representou uma confissão de que o
Abraham Lincoln, segundo discurso de posse da sistema político falhou, esgotou os seus recursos sem
presidência dos Estados Unidos da América, 1865. encontrar uma solução. Foi uma prova de que,
mesmo numa das democracias mais antigas, houve

*
A meus filhos, José e Zena, para quem a História
uma época em que somente a guerra podia superar
os antagonismos políticos.
O total dos mortos ajuda a apreciar a magnitude
Comparativa já é familiar. deste evento traumático para os EUA, Calcula-se que
8 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 9

um total de 618000 americanos combatentes mor- fim da Guerra Civil, enquanto no Brasil a abolição
reram nos dois lados, um total que excede o de todos resultou de uma combinação de longas campanhas
os mortos americanos na Primeira Guerra Mundial de mobilização popular, das revoltas dos próprios es-
(1914-18, com 12S000 mortos americanos); na Se- cravos, e do oportunismo dos escravocratas, que,
gunda Guerra Mundial (1939-45, com 322000 mor- antes da abolição, já acharam substitutos para os
tos americanos), na Guerra da Coréia (1950-53, com seus escravos, ou entre os trabalhadores nacionais,
S5000 mortos americanos), e na Guerra do Vietnã ou entre os imigrantes estrangeiros.
(1961-75. com 57000 mortos americanos). Finalmente. muitos historiadores norte-ameri-
Em segundo lugar, esta guerra lembra vários canos entendem a Guerra Civil como um conflito
aspectos da história do Brasil, quando questões entre duas sociedades diferentes: a do Norte, ba-
semelhantes surgiram. Para começar, --ª--guerra foi seada nas manufaturas e caminhando rapidamente
uma reação a um movimento separatista. O Sul de- para a industrialização, e a do Sul, baseada na eco-
clarou a sua independência do Norte~estabeleceu nomia agrária de exportação e procurando expandir
uma nova nação, os Estados Confederados da Amé- a área destas lavouras. Embora em escala bem me-
rica (ECA). O Norte teve que invadir o Sul e lutar por nor, e em data bem posterior, o Brasil também expe-
quatro anos até destruir este separatismo. Da mesma rimentou momentos de atrito entre o setor nascente
forma, o Governo Imperial Brasileiro teve que repri- das manufaturas e o setor agrário, como por exemplo
mir com armas a Confederação do Equador no Nor- nos debates sobre o nível de tarifas aduaneiras na
deste, em 1824; e a República de Piratini e a Repú- Primeira República. É notável, entretanto, que a
blica Catarinense, criadas pela Revolução dos Far- historiografia brasileira moderna em geral reconheça
roupilhas no Rio Grande do Sul, em 1835-45. uma certa complementaridade dos interesses dos in-
A abolição da escravidão foi outra questão que dustriais e dos grandes agricultores, ao contrário da
convulsionou a vida política dos EUA e do Brasil, situação nos EUA no século passado.
no século XIX. No Sul dos EUA. a escravidão foi tão Os paralelos entre a história dos EUA e a do
importante quanto nas regiões brasileiras de grande Brasil, nestas questões de separatismo, abolição e
lavoura. Em ambos os países os setores escravistas competição entre a indústria e a agricultura, convi-
passaram a maior parte do século à procura de ma- dam a uma reflexão bem maior sobre a razão pela
neiras de preservar esta relação de trabalho contra qual, no Brasil, tais questões encontraram um enca-
as restrições gradativamente colocadas por grupos minhamento e uma solução às vezes bastante dife-
fora destes setores. Mas nos EUA a abolição final rente dos encontrados pelos EUA, e o que isso teria a
foi imposta a ferro e fogo pela vitória do Norte no ver com as diferenças atuais entre as políticas, as
10 Peter L. Eisenberg

economias e as sociedades dos dois países. Ao longo


desta história, que aliás não pretende fornecer mais
do que uma introdução ao estudo da guerra. procu-
raremos levantar diversos pontos de comparação
específica entre os EUA e o Brasil no século XIX..
Caberia ao leitor, entretanto, partir destas informa-
ções para desenvolver as suas próprias explicações
das diferenças.

AS REGIÕES

o Norte
Vamos agora examinar as raízes das contradi-
ções profundas entre o Norte e o Sul, através de um
estudo da evolução de cada região. Como foi que
cada região desenvolveu as suas atividades econô-
micas mais dinâmicas? Como se formaram as classes
sociais principais, de modo que cada região chegasse
a defender posições políticas tão diferentes, particu-
larmente com respeito a uma terceira região, o Oeste,
que somente uma guerra conseguiu resolvê-Ias?

A economia

O Norte dos EUA incluía a região da costa


atlântica, desde o atual Estado de Maine até Mary-
12 Guerra Civil Americana 13

land. * Os povoa dores ingleses, e os seus descen- açucareiras de Barbados, Jamaica e as Ilhas de Bar-
dentes na época colonial (1607-1776), tinham esten- ravento e Sotavento. Em troca, estas ilhas manda-
dido o Norte na direção ocidental até a cordilheira
ram melaço e açúcar para as refinarias continen-
das Montanhas Apalaches, e, no começo do século
tais do Norte. que por sua vez exportavam rum para
XIX, o movimento de povoamento atravessou as
a Ãfrica. Lá o rum era trocado por escravos, que
montanhas e chegou até a margem oriental do Rio
eram trazidos para as ilhas para continuar a produ-
Mississippi.
ção de produtos de cana-de-açúcar. Este comércio
A vida econômica do Norte tinha começado nas
triangular foi complementado por um comércio recí-
colônias de Nova Inglaterra e nas do Meio. com nú-
proco de peixe salgado e frutas do Norte para manu-
cleos de pequenos agricultores produzindo apenas o
faturas da Inglaterra.
necessário para a sua própria subsistência. A abun-
Antes de começar a sua revolução industrial,
dância de peixes, perto do litoral, e as grandes matas por volta de 1760, a metrópole inglesa não se inco-
induziram o crescimento da pesca e da construção de modava muito quando as colônias do Norte apli-
barcos a vela. Da mesma forma. as jazidas de miné- caram o capital acumulado no comércio triangular
rio de ferro e a facilidade de fabricar carvão vegetal para construir novas manufaturas de móveis, carro-
permitiram a criação de muitas pequenas fundições. ças, panos, sapatos, ferramentas e sabão, desde que
Como conseqüência, já no século XVIII as pequenas estas mercadorias fossem consumidas internamente
comunidades rurais do Norte viram surgir um vigo- nas colônias continentais. Tampouco a metrópole
roso comércio de carne seca e de bacalhau, de pro- reclamava se estas manufaturas eram exportadas
dutos derivados da baleia como sebo e velas, de pro- para as colônias inglesas no Caribe, já que a própria
visões para barcos e de farinha de trigo e cereais. metrópole não conseguia abastecê-Ias por preços
Comerciantes radicados nos portos de Boston, Nova
mais baratos, devido ao maior custo de transporte.
Iorque e Filadélfia mandaram estes produtos ao Ca-
Este abastecimento reduzia os custos de produção
ribe para suprir as necessidades das colônias mais
dos artigos coloniais como açúcar, cacau e café, os
preciosas da metrópole inglesa na época, as ilhas
quais eram muito cobiçados pela metrópole.
Quando a revolução industrial começou na In-
glaterra, o governo metropolitano tentou reduzir a
(*) Por motivos técnicos. não foi possível incluir mais do que um mapa
detalhado. O leitor está convidado a consultar Manoel M. de Albu-
concorrência colonial em manufaturas, para que os
querque, Arthur C. Ferreira Reis e Carlos Delgado de Carvalho. americanos comprassem mais dos ingleses, e fazer
Atlas His/6rico Escolar, 7~ ed., Rio de Janeiro, MEC/FENAME. com que os colonos pagassem uma porção maior das
1977, pp. 52-57 e 62-b.1.
despesas de administração. das colônias. Mas os ame-
14 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 15

ricanos não aceitaram este enrijecimento do sistema debulhadores de Jerome Case e as colhedeiras mecâ-
colonial, e declararam a sua independência. Na nicas de Cyrus McCormick permitiam ao trabalha-
Guerra de Independência (1776-81), como numa ou- dor agrícola fazer numa hora o que antes levava até
tra guerra contra a Inglaterra (1812-14) durante a um dia inteiro. No setor industrial, a produção de
época napoleônica, ficou claro para os americanos peças intercambiáveis, desenvolvida por Eli Whitney,
que eles não podiam contar com a importação de foi a grande novidade, porque significava que não
manufaturas inglesas, e que eles tinham que montar era mais necessário que cada peça fosse feita sob
a sua própria manufatura. Assim, expandiram-se no medida para cada produto. Agora podia-se organizar
Norte as pequenas fábricas de linhas e pano de lã e uma linha de montagem, com cada operário fazendo
de algodão, de sapatos e de relógios, e apareceram repetitivamente algumas simples operações e uma
mais oficinas produzindo ferramentas e armas. Os produção em massa. A linha de montagem foi adap-
comerciantes forneceram o capital para muitas des- tada especialmente na fabricação de armas brancas,
tas manufaturas cujo valor, em 1860, pela primeira parafusos. porcas, relógios. máquinas agrícolas, fe-
vez igualou o valor dos produtos agropecuários. chaduras, cadeados, teares, máquinas de escrever e
O crescimento das manufaturas no Norte tam- de costurar e ferramentas.
bém devia muito à introdução de invenções mecâni- A agricultura do Norte expandiu-se para o No-
caspara aumentar a produtividade, e aos novos mé- roeste durante a primeira parte do século XIX.
todos de organizar a produção. A relativa falta de Empurrados pela multiplicação das propriedades
mão-de-obra, em comparação com a Inglaterra, e os agrícolas e o crescimento das cidades no Nordeste,
salários conseqüentemente mais altos, levaram os os posseiros. pequenos proprietários e nativos e imi-
empresários a se interessarem mais pela adoção de grantes sem terra procuraram as áreas ao redor dos
máquinas que fariam o trabalho de pessoas. Mesmo Grandes Lagos. Lá, eles estabeleceram pequenas fa-
quando a população crescia rapidamente. este cresci- zendas. de um tamanho médio de SO hectares, nas
mento não se transformava em força de trabalho terras sem dono. ou nas terras de índios das tribos de
para os outros, porque muitas das pessoas, que incre- Algonquins, Iroquois e Sioux, cujos protestos foram
mentaram a população. preferiram trabalhar como ignorados ou reprimidos. Estes lavradores trabalha-
lavradores autônomos. ram com a SlW própria família. cultivaram trigo, mi-
Assim. na agricultura, o arâdo de ferro e depois lho, uvas, gado bovino, carneiros e suínos, e vende-
de aço, o rastelo e a sementeira foram desenvolvidos ram esta produção para o Nordeste em troca de
e divulgados entre 1820 e 1850. Na década antes da manubluras.
Guerra Civil. os arados de aço de John Deere, os . A economia do Norte expandiu-se ainda mais
16 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 17

porque o mercado foi muito ampliado pelos melhora- no Brasil- podiam subir facilmente contra as fortes
mentos nos transportes. Durante a primeira metade correntezas dos rios.
do século XIX, o Norte experimentou um surto de Ainda durante a fase áurea da construção dos
investimentos públicos e particulares nos transpor- canais (1830-50), a extensão das estradas de ferro
tes. Primeiro, o dinheiro fluía para as estradas e proporcionou benefícios mais importantes, não so-
pontes, sobre as quais viajavam os vagões puxados mente para os usuários, mas também para o parque
por animais, e onde os postos de pedágio produziam industrial do Norte. em geral. A estrada de ferro
rendas para os seus construtores. Depois, a presença gozava de grandes vantagens sobre os canais, como
dos diversos rios navegáveis no interior de Massa- as de não congelar no inverno, de não depender de
chusetts, Nova Iorque e Pensilvânia levou capitalistas níveis variáveis de água, de não oferecer perigo al-
e governadores a investir na construção de canais, gum para a navegação noturna, de poder subir ou
rios artificiais, para ligar o litoral com os Grandes penetrar através de túneis as montanhas mais altas,
Lagos e com os rios que desaguavam no Rio Missis- 'de ter uma velocidade alta constante e a força de
sippi, Embora a construção de um quilômetro de puxar cargas enormes e de possibilitar a construção
canal custasse cinco a oito vezes o que custava um qui- de ramais até as portas das fábricas e das fazendas.
lômetro de estrada. o transporte de fretes e passa- Num período de febril investimento privado e pú-
geiros em grandes chatas puxadas por animais ao blico, americanos e europeus correram para comprar
longo dos canais eliminou até 900/0 do custo para os ações em companhias ferroviárias, que pagavam
usuários. bons dividendos e ainda recebiam subsídios do go-
O aperfeiçoamento do .veleiro rápido clipper na verno na forma de parcelas de terras a cada lado dos
década de 1840 e a introdução de barcos movidos trilhos. As companhias vendiam as terras, lucrando a
com máquinas a vapor apresentaram outros avanços curto prazo na revenda e a médio prazo, quando as
na área de transporte sobre a água, que reduziriam terras começaram a produzir e os fazendeiros trans-
significativamente o tempo de viagem e os custos de portavam a sua produção pela estrada de ferro. Em
frete e passageiros. O barco a vapor em 1860 fazia a 1850, quando os canais tinham uma extensão de
viagem de Liverpool até Nova Iorque em duas sema- 5 120 quilômetros. as estradas de ferro já alcançavam
nas, quando o barco a vela, quarenta anos antes, 14400 quilômetros. e, na véspera da Guerra Civil, os
levava entre seis a sete semanas para o mesmo per- EUA tinham 48000 quilômetros de trilhos. dos quais
curso. Os barcos menores a vapor agilizavam o trans- 62% estavam localizados no Norte. O Brasil hoje tem
porte fluvial, porque eles - um exemplo são as 32000 quilômetros de trilhos.
"gaiolas" que ainda transitam no Rio São Francisco Além de baratear o transporte e possibilitar que
18 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 19

vilas e fazendas mais distantes do litoral atlântico As grandes massas de imigrantes europeus con-
pudessem mandar os seus produtos para os centros tribuíram de uma maneira essencial para este cresci-
de. população. as estradas de ferro exerceram uma mento demográfico. Elas começaram a chegar aos
forte demanda sobre as oficinas que fabricavam in- EUA a partir de 1828, quando pela primeira vez
sumos para a sua construção. como pregos, trilhos. o número de imigrantes anuais ultrapassou 30000.
locomotivas. vagões e máquinas a vapor. Assim. a uma cifra só atingida pelo Brasil na década de 1880.
extensão da rede ferroviária nos EUA. no século pas- Durante os anos de 1830-40, a imigração para os
sado, estimulou a implantação de uma grande varie- EUA chegou a uma média anual de 59000; de
dade de fábricas de peças, e estabeleceu numa base 1840-50, a 171000; e de 1850-60, a 260000. Estes
duradoura a indústria de bens de produção, num imigrantes vieram empurrados pelas más condições
papel muito semelhante àquele desempenhado pela econômicas e pela perseguição política e religiosa na
indústria automobilística no Brasil no século XX. Irlanda (50% dos imigrantes), Alemanha (26%) e
Inglaterra (16%). além de serem atraídos pelos salá-
rios relativamente melhores e pelas facilidades em
As classes sociais
adquirir terras próprias no Norte e no Oeste. Em
O crescimento rápido da população do Norte 18S0, os imigrantes constituíam 10% da população
contribuiu muito para o aumento da demanda de total.
.
v
,
mercadorias na sua economia. Entre 1800 e 1850,
a população dos EUA mais do que quadruplicou,
Qual era a composição desta sociedade no Nor-
te? Em primeiro lugar, não houve escravos. No fim
numa velocidade bem acima daquelaconseguida pela do século X'{.III e no come o do século XIX, a maior
população brasileira. na mesma época (Tabela 1). arte dos estados do Norte aboliu a escravidão OU a
Calcula-se que três quintos desta população ameri- estava abolindo, através de leis do ventre livre. A
cana moravam no Norte ou no Oeste do país. classe dos trabalhadores livres, que incluiu a maioria
dos imigrantes recém-chegados, empregou-se nas
TABELA 1 - POPULAÇÃO oficinas como aprendizes e oficiais. e como trabalha-
(milhões de habitantes)
dores braçais na construção civil e na construção dos
;-
Brasil
canais e das estradas de ferro. As mulheres serviram
Ano EUA
como empregadas, ou encontraram serviço como
1800 5,3 3,8 operárias nas tecelagens. No campo, o pobre empre-
1850 23,1 7,5
(1872) 10,1
gava-se como jornaleiro e aspirava a chegar a ser
1870 39,8
parceiro ou inquilino. nas fazendas dos outros.
Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 21

A grande classe média, a classe mais numerosa mularam as suas fortunas no comércio de importa-
do Norte, encontrava-se predominantemente no ção e exportação, nas finanças e nas atividades ban-
campo, onde a agricultura e a pecuária com trabalho cárias. Eles residiam nos grandes centros portuários
familiar foi a base da vida econômica. Tanto nos de Boston, Nova Iorque, Filadélfia e Baltimore. Ã
pequenos sítios de legumes e frutas criados nos solos frente desta elite, apenas 1% dos homens adultos
inférteis e pedregosos da Nova Inglaterra, quanto nas livres detinha 27% da riqueza da região. Os manu-
fazendas maiores de centeio, cevada, aveia e trigo, ou fatureiros também pertenciam à classe rica, mas de-
de laticínios e suínos, nas campinas de Nova Iorque, vido à prevalência ainda do sistema doméstico e da
Pensilvânia, Ohio, Indiana, Illinois, Michigan e Wis- pequena manufatura, apenas alguns poucos ganha-
consin, os próprios donos das fazendas e granjas e as vam o bastante para entrar naquela fração de 1 %.
suas famílias fizeram quase todas as tarefas. Apenas
durante a safra ou outra época de trabalho mais
intenso recorria-se à ajuda de algum assalariado,
inquilino, ou mesmo ao mutirão dos vizinhos. Foi o Sul
esta classe que, junto com os fazendeiros do Sul,
procurou os solos novos e terras sem donos para ela e A economia
os seus filhos, e assim empurrou mais as fronteiras
dos EU A para o Oeste. No começo da colonização inglesa, o Sul com-
A outra classe média nascia nas poucas grandes preendia quatro colônias fundadas no século XVII:
cidades como Nova. Iorque que, em 1860, foi a pri- Maryland, Virginia, Carolina e Georgia. Graças à
meira a ultrapassar um milhão de habitantes. Esta fertilidade das grandes várzeas recortadas por rios
classe média urbana inclui a pequena burguesia dos perenes desaguando no Atlântico, estas colônias
artesãos e mecânicos com oficinas próprias, as pro- prosperaram na base de uma agricultura de expor-
fissões liberais como advogados, médicos, professo- tação de fumo, indigo e arroz. As grandes fazendas
res, jornalistas e os funcionários públicos. Embora produzindo estas lavouras formaram-se com doações
menor, em número, do que a classe média rural, do governo inglês - muito semelhante à 'maneira
a classe média urbana teve uma expressão política pela qual Portugal tinha instalado os sesmeiros no
desproporcionalmente maior do que os seus nú- Brasil - e por prêmios concedidos aos colonizadores
meros. para estimular a imigração e o povoamento. Na úl-
No cume da pirâmide social do Norte - as tima década da colônia, a de 1760, o fumo dominava
classes mais ricas - apareceram as pessoas que acu- a exportação do Sul, e junto com o arroz conseguia
22 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 23

uma renda média anual igual à metade do valor fator de 50 a quantidade que um homem podia lim-
médio do açúcar exportado pelo Brasil durante a par em um dia.
época colonial. Assim, o algodão ficou "rei", dominando a eco-
As colônias do Sul vendiam a maior parte de sua nomia e a sociedade do Sul, contribuindo com sete
produção para a Inglaterra. e, nos fins do século oitavos da produção mundial desta matén-a':-prima, e
XVII. a renda da exportação do Sul era cinco vezes gerando quase dois terços da renda das exportações
maior do que a renda das exportações do Norte. Mas americanas nos anos 1836-40. A Inglaterra comprava
a diferença no valor das exportações das duas regiões dois terços deste algodão americano; as fábricas
foi diminuindo, de modo que, na última década da americanas de linha e pano também cresceram nesta
colônia, o Sul ganhava praticamente o mesmo di- época, de modo que três quartos do algodão não
nheiro que o Norte através de seu comércio exterior. exportado foram alimentar os teares do Norte, e um
Isso se dava em parte porque as outras colônias do quarto ficou para as fábricas do próprio Sul.
Caribe, tanto as inglesas quanto as espanholas. fa- Para realizar a produção de algodão, que foi
ziam uma forte concorrência com o fumo e o indigo dobrando em cada década até atingir o auge de
do Sul. quase 4,5 milhões de fardos (cada fardo tinha 227
O começo da revolução industrial inglesa no quilogramas) na véspera da Guerra Civil. era neces-
último quartel do século XVIII deu um novo estí- sário terra, dinheiro e mão-de-obra. Na medida que
mulo para a economia do Sul. Para o setor de ponta o mercado expandia-se e prevalecia o desinteresse em
da revolução industrial, isto é. os têxteis, a matéria- adubos, rotatividade de lavouras e outras técnicas
prima de algodão era essencial. Os fazendeiros do preserva tivas de fertilidade nas terras mais velhas. os
Sul substituíram suas lavouras em declínio pelas de fazendeiros procuravam as terras mais férteis e mais
(' .)
algodão, e engrenaram na rápida expansão da eco- fáceis de trabalhar com máquinas. Em terras boas,
nomia inglesa. Inicialmente. cultivavam a variedade o algodão rendia até três safras por ano. Essas terras ~
de algodão de fibra comprida, que florescia apenas encontravam-se no Sudoeste, nos estados limítrofes
em certas áreas litorâneas da Geôrgia e Carolina do com o Golfo do México, chegando os fazendeiros, na
Sul. Logo depois, os fazendeiros introduziram a va- véspera da guerra. às partes orientais do Texas, além
riedade de fibra curta, que se adaptava melhor às do Rio Mississippi. As grandes fazendas abrangiam
condições de solo e clima variadas. Para acelerar o mais do que 800 hectares, o que fez com que o
processo custoso de separar a semente desta fibra tamanho médio da propriedade rural no Sul fosse o
curta, o inventor EU Whitney já em 1794 aperfeiçoou dobro do tamanho médio da mesma no Norte. Em
uma máquina descaroçadora que multiplicou por um propriedades menores também se produzia algodão.
24 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 25

Casas comerciais e bancos localizados no Sul em de algodão tinham entre 16 e SO escravos, e um terço
cidades portuárias como Nova Ôrleans, Mobile, Sa- dos escravocratas nestas áreas tinha mais do que 50
vannah e Charleston, e no Norte, especialmente em escravos. No Sul em geral, nesta época, uma em cada
Nova Iorque, emprestaram o dinheiro para o custeio quatro famílias tinha pelo menos um escravo.
dos fazendeiros de algodão. Aquelas casas também . Outras lavouras desempenharam papéis impor-
se encarregavam da comercialização e exportação, tantes no Sul. O milho cobria uma área três vezes
e de comprar ou importar as necessidades da fa- maior do que o próprio algodão e era um alimento
zenda, numa maneira muito semelhante àquela pela básico das pessoas, dos suínos e das galinhas, em-
qual os comissários e casas de correspondentes finan- bora não produzisse rendas monetárias iguais às do
ciavam e comercializavam a produção de açúcar e algodão. Nos estados do Alto Sul, Virgínia, Carolina
café no Brasil. Os comerciantes de Nova Iorque tam- do Norte e Kentucky, o fumo mantinha a sua posi-
bém providenciavam os barcos para as viagens oceâ- ção, mas contribuiu apenas com 6% das exportações
nicas e asseguravam as cargas contra acidentes e nacionais do qüinqüênio 1845-49. Em alguns estados
perdas. havia plantações de cânhamo, arroz e trigo e em
Para a mão-de-obra das fazendas, os plantado- Louisiana e Texas concentravam-se os engenhos de
res importavam escravos africanos ou compravam açúcar.
escravos a outras regiões do Sul. O Governo Federal A indústria no Sul engatinhava em comparação
declarou o tráfico internacional de escravos ilegal em com ONorte~ e se concentrava principalmente no
1808. No Sul, a escravidão continuou sendo uma beneficiamento de produtos agrícolas. Engenhos de
relação de trabalho muito importante, e um contra- açúcar, moinhos de arroz, milho e trigo e serralhe-
bando de africanos escravizados florescia até a guerra rias para a confecção de tábuas, telhas, barris e.
(1808-61). O volume médio anual deste contrabando, aguarrás. ao lado de algumas poucas fábricas de
entretanto, era de 5000 escravos, cifra que não repre- linha e pano de algodão, praticamente esgotam a
\ sentou nem um quinto dos escravos contrabandeados lista. Empresários sulistas exploraram minas de car-
'V anualmente da África para o Brasil no período de vão, ferro, cobre e chumbo, mas a transformação
ilegalidade deste tráfico ( 1831-50). destes minerais em produtos finais foi realizada no
Como a lavoura de algodão, ao contrário do Norte. Em 1860, o Sul detinha apenas 15% da capa-
beneficiamento, não podia ser mecanizada na época, cidade industrial nacional e apenas 50/0 dos escravos
estes escravos eram essenciais para plantar, cultivar, foram empregados fora das lavouras. -
desbastar, colher e secar o produto. Em 1860, apro- --O sistema de transportes no Sul aproveitava os
ximadamente a metade dos escravocratas nas áreas grandes rios perenes, como o Mississippi e os seus
26 Guerra Civil Americana 27

muitos afluentes, para a condução de cargas entre as sobreviventes excedendo o número de escravos mor-
fazendas e os mercados. Companhias ferroviárias rendo. o que nunca foi o caso no Brasil em geral.
construíram apenas 10 500 quilômetros de trilhos no Também se pode constatar que houve menos revoltas
Sul antes da guerra, menos de uma terça parte da de escravos e menos quilombos no Sul dos EUA do
rede nacional. Embora o transporte fluvial escoasse que no Brasil. Em todo o século XIX. por exemplo,
bem a produção, ele pouco estimulava o surgimento realizaram-se apenas duas revoltas, uma em Nova
de indústrias fornecedoras, como vimos acontecer no Orleans em ]811 e outra em Virgínia em 1831, em-
Norte. bora várias outras tivessem sido planejadas mas des-
cobertas e reprimidas antes de começar.
As classes sociais Mas seria um erro sucumbir à tentação de afir-
mar que a escravidão era mais branda entre os ame-
A sociedade do Sul, assim como a sua economia, ricanos do que entre os brasileiros. Os escravos no
parecia-se muito com a sociedade e a economia bra- Sul sofriam os mesmos castigos como o tronco. mar-
sileiras da época. Na base da pirâmide social ficaram cação de ferro quente. e açoites no pelourinho. Os
os escravos, a classe mais numerosa. Em 1860 o Sul escravos no Sul defendiam-se através de sabotagem.
tinha 3950000 escravos, um pouco maiS do que o roubo. fingimento de doenças e ataques físicos contra
dobro do númerode escravos no Brasil nesta década. os feitores e os senhores. Quando o escravo tinha a
Mas estes escravos americanos-representaram um coragem e encontrava a oportunidade. ele fugia e
terço da população do Sul, o dobro da proporção de procurava chegar até os estados do Norte. ou mesmo
escravos na população brasileira. Quase a metade até o Canadá. Esta fuga foi ajudada por uma rede de
dos escravos no Sul trabalhava nas fazendas de algo- coiteiros e informantes chamada "a estrada de ferro
dão e a outra metade foi distribuída entre as outras subterrânea". Fugindo de noite. orientando-se pela
lavouras, as pequenas manufaturas e o artesanato. estrela do Norte. mais de 50000 escravos, inclusive os
e os serviços nas vilas e cidades. abolicionistas militantes Harriet Tubrnan, uma ex-
O fato de que a população escrava americana empregada. e Frederick Douglass. um ex-calafate de
dobrou entre 1820 e 1860, apesar da ilegalidade do navios. assim conseguiram a sua liberdade.
tráfico internacional e do papel relativamente pe- Os brancos mais pobres. que tinham pelo menos
queno do contrabando. sugere que as condições de a sua liberdade e o orgulho de sua cor. faziam parte
trabalho e da vida do escravo, embora ruins. pelo da classe dos pequenos lavradores. Trabalhando sem
menos permitiam um crescimento natural da popu- escravos nas piores terras das montanhas e dos pân-
lação. com o número de crianças escravas nascidas e tanos. estes agricultores tinham normalmente roças
28 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 29

próprias onde eles plantavam as culturas de subsis- solos, e os maiores plantéis de escravos. De todos os
tência. Eles eram auto-suficientes, sem ligações im- fazendeiros produzindo algodão com escravos, os dez
portantes com as grandes fazendas. Os negros livres por cento mais ricos detinham 61% dos escravos e
também pertenciam a esta classe, -mas eles eram 68 % da produção de algodão. Esta oligarquia consi-
muito poucos. Calcula-se que em 1860 no Sul havia derava-se uma aristocracia, com tudo menos os títu-
16 escravos para cada negro livre, enquanto no Brasil los. Como a elite urbana no Norte, a elite rural no Sul
em 1872 a razão era mais do que dois -negros livres patrocinava as artes. as boas maneiras e a vida sun-
para cada escravo. tuosa. Diferente do que a sua contrapartida no
Outros agricultores brancos, radicados nas re- Norte, a oligarquia sulista gostava da carreira mili-
giões periféricas como o Vale do Rio Shenandoah em tar, recorria ao duelo como uma maneira honrada de
Virgínia e a área de capim-do-campo (bluegrass) em resolver diferenças entre gente livre, e tinha poderes
Kentucky, criaram frutas. legumes, cereais, batatas- de vida e morte sobre os escravos, com os quais o
doces e diversos tipos de gado. Eles tinham alguns Estado quase nunca interferia.
poucos escravos, ou empregavam assalariados, e as Esta oligarquia de fazendeiros ricos dividia o
suas terras eram maiores do que as roças simples dos poder político do Sul com donos das grandes casas de
brancos pobres. exportação e importação. Através de suas ligações
Ao contrário do Norte, no Sul faltava uma classe comerciais com as firmas do Norte, que financiavam
média urbana importante, em parte porque faltavam e comp-ravam a sua produção, a oligarquia manteve
cidades grandes. A maior cidade sulista em 1860 era uma rede de interesses comuns com a classe domi-
Nova Orleans, com 168000 habitantes, bem inferior nante nortista até a Guerra Civil.
a Nova Iorque (1,2 milhões, incluindo o Brooklyn),
Filadélfia (565000), e BaJtimore (212000), e apenas
parecida com Boston e as cidades do velho Noroeste
como Cincinnati e Saint Louis. A expansão da rede o Oeste
ferroviária do Nordeste até o Rio Mississippi, na dé-
cada de 1850, permitiu que Nova Iorque tirasse de O Oeste significava uma área de fronteira dinâ-
Nova Õrleans o privilégio de receber a maior parte mica, não uma região específica. Nos meados do sé-
das exportações do Oeste e frustrou o crescimento do culo XVIII. o Oeste denotava a área entre as Mon-
porto sulista. tanhas Apalaches e a margem leste do Rio Missis-
No cume da pirâmide social do Sul. dominavam sippi, além do qual as terras eram reivindicadas pela
os grandes fazendeiros, que tinham os melhores França. a Espanha e a Inglaterra. Cem anos depois,
30 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 31

o Oeste veio a indicar a área além do Rio Mississippi


até o Oceano Pacífico. Aos poucos esta área foi incor-
parada aos EUA. através da compra e da conquista.
Quando no começo do século XIX, Napoleão
precisava de dinheiro para guerrear contra os ingle-
ses. o presidente americano Thornas Jefferson apro-
veitou e comprou por IS milhões de dólares em 1803
o território de Louisiana. Esta área estendia-se desde
o Golfo do México até o Canadá no Norte. e até as
Montanhas Rochosas no Oeste. e deu para os EUA
controle total sobre o Rio Mississippi, os seus afluen-
tes ocidentais dos Rios Missouri, Arkansas e Ver-
melho, c o porto de Nova Órleans.
A incorporacão das terras mais ao Oeste do Rio
Mississippi acelerou -se depois de 1821. Para proteger
o seu sistema colonial. a Espanha tinha proibido às
nações estrangeiras de fazer comércio com o México.
Mas quando o México conseguiu a sua independên-
cia da metrópole espanhola em 1821. a nova nação
imediatamente abriu-se para o comércio e a coloni-
zação estrangeira e os americanos não tardaram
em aproveitar. Sulistas levando os seus escravos
entraram no distrito do Texas. do estado mexi-
cano de Coahuila, e se radicaram perto do Gol-
fo do México. onde começaram a plantar algo-
dào e milho. A pequena colônia floresceu. e em 1835
a sua população americana já excedeu a mexicana no
Texas por uma taxa de mais de R para I.
Os americanos anglo-saxônicos c protestantes
desprezuram (1\ mexicanos latinos e católicos. e se
rcsxcntirur» da,> pressões mexicanas de abolir a cscr a-
32 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 33

vidão. ilegal no México desde 1829. Pressões exer- ficando-se com a doutrina popular de "destino mani-
cidas também para limitar o influxo de mais imi- festo", segundo a qual o próprio Deus queria que os
grantes americanos, para suspender a distribuição de EUA chegassem até o Pacífico. Depois de 21 meses
terra. e para negar autonomia política ao Texas. de vitórias seguidas contra os mexicanos. incluindo a,
Rebelando-se e derrotando os exércitos mexicanos, captura do porto principal de Vera Cruz e da capital.
os americanos estabeleceram a República do Texas, Cidade do México, os EUA compraram pelo preço de
também conhecida como a República da Estrela 15 milhões de dólares quase a metade do território
Solitária (a bandeira tinha uma só estrela), em 1836. nacional mexicano, uma área hoje em dia compreen-
Esta República durou 10 anos. Em 1845. quando a dendo os estados da Califórnia, Nevada. Utah e par-
Inglaterra e a FnúiÇ:'ã mostraram-se interessadas tes do Arizona, Novo México. Colorado e Wyoming.
numa aliança com o Texas - um produtor conside- Para maior desgosto dos mexicanos. logo depois de
rável de algodão. açúcar e gado a essa altura - concluir a venda forçada em 1848. descobriu-se ouro
o governo americano do Presidente James Knox na Califórnia. Em 1853. os EUA pagaram mais 10
Polk, com pleno apoio dos texanos, rapidamente milhões ao México para uma faixa de território no
anexou a pequena nação. sul do Arizona e Novo México. onde se pensava
Outros americanos entraram no México inde- construir uma estrada de ferro até a Califórnia. e
pendente. na área do estado de Alta Califórnia. Che- onde. de fato, descobriu-se logo depois minas de
gando por via de uma viagem de barco a vela ao ouro e de prata.
redor do Cabo de Hornos, estes americanos vende- Os EUA não precisaram fazer guerra para ane-
ram todo tipo de manufatura aos fazendeiros e mis- xar o território do Oregon no extremo Noroeste. na
sionários da Caliíórnia, e compraram couros e sebo, área hoje composta pelos estados de Oregon. Wa-
para a fabricação de sapatos e velas. Este comércio shington. Idaho e partes de Montana e Wyoming.
levou ao estabelecimento de feitorias e, na década de Por um acordo de 1818, os ingleses e os americanos
1840. às primeiras migrações por terra até a Cali- deram-se direitos mútuos de explorar esta área. Os
fôrnia, e à criação de pequenas colônias agropecuá- ingleses entraram primeiro em 1821, quando a Com-
rias no Vale do Rio Sacramento. panhia da Bahia de Hudson começou a caça ao cas-
Os EUA anexaram a Califórnia através de uma tor e outros animais apreciados por suas peles. Nos
guerra com o México. Quando este país recusou-se a meados da década de 1830. missionários metodistas
negociar a venda da área a oeste do Texas, o governo e presbiterianos dos EUA lideraram caravanas de
de Polk.receoso de que o México vendesse a área migrantes para o Oregon, mais à procura de terras no-
para a Inglaterra ou a França. declarou guerra. justi- vas do que de almas indígenas para converter. Uma
34 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 35

centena de pessoas em dez a vinte carroções cobertos isolados para depois se reunirem todos para vender
de lona, as famosas "escunas das pradarias", acom- aos representantes das companhias. Esta caça pros-
panhados de seus rebanhos de gado e cavalos, segui- seguiu por vinte anos, até que não havia mais ani-
ram cada ano, a partir de 1842, com destino ao Vale mais suficientes para pagar as despesas.
do Rio WilIamette. Estimulada por propaganda nos Nas mesmas décadas florescia o comércio como
EUA, a migração para o Oregon cresceu, e a popula- México através do entreposto de Santa Fé. Aberta ao
ção americana lá ultrapassou a inglesa por uma razão comércio estrangeiro pela independência mexicana,
de 6 americanos para cada inglês, em 1845. No ano se- Santa Fé tornou-se um pólo de atração para ameri-
guinte, o Presidente Polk pediu aos ingleses a abdi- canos aventureiros que levaram. pelo "Caminho de
cação de suas pretensões no Oregon, Com a caça Santa Fé" os têxteis, ferragens e bugigangas para
rareando, e a pouca esperança de igualar a coloni- trocar por ouro. prata, peles e mulas. Este comércio
zação americana, os ingleses concordaram em se reti- durou até a década de 1840, quando as tensões poli-
rar, em troca de uma linha divisória fixa na latitude ticas na fronteira provocaram restrições por parte
de 490, e uma tarifa aduaneira que favorecia as dos mexicanos.
exportações inglesas para os EUA. Em algumas áreas como os vales férteis da Cali-
fórnia e do Oregon, e na região a leste e ao sul do
Grande Lago Salgado, onde os dissidentes religiosos
A economia chamados Mórmons souberam irrigar e cultivar con-
forme um plano cooperativista a partir de l847, a
Nos anos de 1803 a 1853, os EUA tinham esten- agricultura e a pecuária em pequena escala fincaram
dido a sua fronteira do Rio Mississippi até o Pacífico, raízes. Mas as pequenas populações e as grandes
e triplicado o território nacional. Quais as atividades distâncias dos centros maiores impediram que mui-
econômicas que motivaram esta expansão? tas fazendas do Oeste chegassem a se integrar econo-
Nas décadas de 1820 a 1840, uma das atividades micamente com o resto da nação, até depois da
mais importantes foi a caça de animais como castor, Guerra Civil, quando os trilhos das estradas de ferro
veado e bisão, na Região das Montanhas Rochosas. ligaram o Oeste ao Norte e ao Sul.
Inicialmente as companhias comerciais conseguiram Sem dúvida, a atividade econômica mais ren-
as peles através de escambo com os índios das tribos tável no Oeste, antes da guerra, era a mineração. A
Blackfoot, Crow, Grosventre e Blood, mas a partir de descoberta de ouro na Califórnia em 1848, de ouro
1822 as companhias incentivaram os brancos, os no Colorado em 1858, e de ouro e de prata em
"homens das montanhas", a passar o ano caçando Nevada em 1859, provocaram corridas frenéticas de
36 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 37

dezenas de milhares de americanos e europeus so- se na sociedade dos brancos e muitos resistiam a
nhando em fazer suas fortunas. De fato, os primeiros estes com uma guerra de guerrilhas baseada nas
a chegar muitas vezes conseguiram enriquecer: no táticas de cavalaria.
primeiro ano de exploração, as minas da Califómia Os brancos trabalhavam nas suas próprias fa-
produziram 10 milhões de dólares, e no auge da zendas, ajudados pelas famílias. ou alguns vaqueiros
extração, em 1852, a produção subiu para 81 mi- assalariados, com a -exceção das áreas como Cali-'
lhões, aproximadamente seis a sete vezes o valor fórnia e Oregon, perto do Oceano Pacífico. onde a
anual do açúcar exportado por Louisiana e de um possibilidade de escoar a produção por mar incen-
terço a um quarto do valor do algodão produzido tivou a criação de maiores fazendas com turmas
pelo Sul nos melhores anos antes da guerra. Só o grandes de trabalhadores indígenas.
filão de Comstock em Nevada rendeu 300 milhões em As minas trouxeram inicialmente uma popu-
vinte anos de exploração. Desde que a produção lação de garimpeiros que viviam catando ouro e
mineira ocorreu em regiões isoladas cujas populações prata na superfície da terra e nos riachos. Quando
somadas mal ultrapassavam 400000 pessoas, possi- estes depósitos esgotaram-se, entraram as grandes
bilitando uma renda per capita altíssima,· é fácil companhias mineiras, que cavavam longos túneis
apreciar a atração exercida por ela sobre os mi- subterrâneos, e instalaram moinhos para quebrar a
grantes. pedra e o quartzo retirados. Como a procura de ouro
e prata exigia tempo integral dos mineiros, ao redor
das minas surgiram pequenas vilas vendendo ali-
As classes sociais mentos, roupas, ferramentas e outras mercadorias
essenciais, e oferecendo serviços para o lazer dos
Até a época da mineração, o maior grupo no mineiros como o jogo e a prostituição.
Oeste era o dos índios das tribos como Sioux, Nez Assim, o Oeste parecia a terra da oportunidade
Percé, Arapaho, Comanche, Osage, Pawnee, Chey- para todos, onde nem grandes capitais nem grandes
enne, Yuma, Blackfoot, Crow e Apache. Estes ín- extensões de terras eram os privilégios de poucos,
dios, nômades de uma cultura neolítica, tinham in- mas cada homem com os seus próprios esforços po-
corporado como meio de transporte o cavalo, intro- dia construir uma vida digna. Talvez por este motivo,
duzido pelos espanhóis no México colonial. Os índios o Oeste tornou-se muito cobiçado pelo Norte que
viviam principalmente da caça e da pesca. Fora da esperava que lá a pequena e média propriedade
Califómia e do Oregon, onde foram reduzidos a tra- desenvolveriam uma agricultura e uma pecuária vol-
balhadores nas fazendas, poucos índios integravam- tadas para o abastecimento das grandes populações
38 Peter L. Eisenberg

do Norte, e para a compra das suas manufaturas.


Era cobiçado também pelo Sul, que esperava poder
aproveitar as terras além do Texas, para a expansão
da lavoura de algodão e outras plantas, trabalhando
com a mão-de-obra escrava. Como veremos, era o
conflito entre estas duas visões do Oeste que aguçava
as tensões que levaram à Guerra Civil.

AS CAUSAS DA GUERRA

Quando a Guerra Civil começou, ninguém devia


ter ficado muito surpreso, porque os conflitos de
interesse entre Norte e Sul, e a incapacidade cres-
cente dos meios tradicionais de resolvê-los, tinham
uma longa história que remonta às próprias origens
da república americana. Os políticos tinham encon-
trado diversas maneiras de contornar, adiar ou igno-
rar estes conflitos antes de 1861. O início da guerra
significou que tais meios pacíficos não funcionavam
mais.
Quais eram os pontos principais de conflito en-
tre Norte e Sul? Um. deles foi a questão da tarifa
sobre importações. Desde 1816, o-Norte queria que
este imposto fosse elevado o bastante para oferecer
alguma proteção contra a concorrência de matérias-
primas e manufaturas importadas; o Sul, e por um
certo tempo o Oeste, queriam que o imposto fosse
sempre baixo, para assim permitir que estas regiões,
40 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 41

que não tinham manufaturas tão importantes quanto cas, como uma medida de arrecadar dinheiro para o
o Norte, pudessem importar as suas necessidades Governo Federal. Nas primeiras leis de terras (1785,
pelos preços mais baratos possíveis. 1796), o Congresso impôs preços elevados a serem
Os debates sobre a tarifa repercutiram durante pagos à vista, ou com 50% de entrada, e grandes
as décadas antes da Guerra Civil. Quando o Con- parcelas mínimas de 259 hectares. Os capitalistas do
gresso aprovou uma nova lei de tarifa alta em 1832, Norte apoiavam estas leis, porque receavam que, se as
os representantes da Carolina do Sul protestaram, terras do Oeste fossem de fácil aquisição, os operá-
convocando uma assembléia no seu estado. Nesta rios deixariam as fábricas ou forçariam um aumento
assembléia os participantes declararam que tal tarifa dos salários. Eles também se opuseram aos esquemas
era "nula, vazia e nenhuma lei, sem obrigação para de vender as terras pobres mais barato, e de permitir
este estado, os seus funcionários, ou os seus cida- que os posseiros tivessem a preferência para comprar
dãos". A assembléia proibiu aos funcionários da as terras onde residiam.
alfândega que cobrassem o novo imposto, e ameaçou Contra os defensores de terras caras, formou-se
que qualquer tentativa de forçar o estado a obedecer uma aliança forte. Os pequenos proprietários do
às leis seria "incompatível com a permanência da Norte queriam terras mais baratas, porque previram
Carolina do Sul na União". O Vice-presidente John que eles ou os seus filhos poderiam formar novas
C. Calhoun, da Carolina do Sul, defendia a legali- fazendas mais para o Oeste. Os operários, mesmo
dade de um estado invocar "a dou trinha de nulifi- quando não dispostos a trocar a fábrica pela fazenda,
cação" para tornar leis federais sem efeito, e ele se perceberam que, se os imigrantes tivessem acesso
demitiu no meio da crise, que só foi resolvida em fácil à terra, haveria menos concorrência no mercado
1833, quando o Presidente Andrew Jackson e os pro- de trabalho fabril. Na década de 1840, surgiu em
tecionistas do Norte concordaram em diminuir o ní- Nova Iorque o Partido de Solo Gratuito, liderando
vel da tarifa. O imposto sobre manufaturas impor- um movimento popular reivindicando a distribuição
tadas ficou gradativarnente reduzido até chegar aos gratuita das terras públicas. Estes nortistas argu-
20% do valor em 1842, para depois flutuar entre mentavam que o Oeste funcionaria como uma vál-
200/0 e 30% até.a Guerra Civil. vula de escape para as tensões sociais nas cidades do
Um segundo ponto de atrito entre Norte e Sul, leste. No seu auge, eles conseguiram 10% da vota- .
ue também envolvia o Oeste era a-questão do ção popular nas eleições presidenciais de 1848, e na
-ªcesso às terras novas conquistadas ou compradas década de 1850 continuavam a agitar.
aos índios, ao México e à França. Inicialmente a Os sulistas apoiavam as reivindicações de terra
política territorial visava a venda destas terras públi- barata, porque imaginavam que as terras do Oeste
42 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 43

prestavam para as suas lavouras, e porque eles recea- visava à natureza de bancos e dinheiro. Os centros de
vam que sem o dinheiro das vendas de terras o Go- finanças no nordeste emprestavam ao país inteiro o
verno Federal teria que aumentar o imposto sobre a capital acumulado por décadas nos negócios do co-
importação. Os fazendeiros do Oeste perto do rio mércio, e portanto eram centros de credores. Eles
Mississippi sentiam-se à vontade em aliança com o queriam um banco nacional com direitos exclusivos
Sul. porque eles escoavam a sua produção através de de emitir dinheiro, e queriam o fim das múltiplas
Nova Õrleans e vendiam muito para o consumo do variedades de dinheiro emitido por bancos particu-
Sul. Como conseqüência desta aliança entre ele- lares licenciados pelos governos estaduais. varieda-
mentos do Norte, do Sul e do Oeste, as novas leis de des que circulavam conforme a fama de cada banco e
terras do século XIX (1800, 1804 e 1820) tendiam a o seu estado. Eles queriam também um dinheiro
facilitar a aquisição a mais longo prazo, e por preços "forte", que, quando usado para pagar uma dívida,
inferiores, e em parcelas mínimas menores. tivesse o valor real correspondente ao valor impresso
Quando o avanço do algodão para o Oeste che- na cédula.
gou aos seus limites naturais no Texas, na década de Os fazendeiros do Sul e do Oeste. ao contrário,
1850, as regiões trocaram de posição a respeito da grupos devedores na sua maior parte, favoreciam
disposição das terras públicas. Agora, os políticos do maior flexibilidade das emissões de dinheiro, e um
Sul, acreditando que o território entre Texas e Ca- dinheiro mais inflacionado, que facilitaria o paga-
nadá constituía "o Grande Deserto Americano", mento de suas dívidas. Estes grupos apoiavam me-
tanto que o exército federal importou camelos para didas inflacionárias também porque. ganhando em
transportes em 1856 e 1857, desistiram de apoiar o libras e francos por causa de seu grande envolvi-
fácil acesso a essas terras. No Norte, por outro lado, mento no comércio exterior, na hora de cambiar esta
os empresários perceberam que o crescimento.. no moeda estrangeira eles receberiam mais dinheiro na-
Oeste, de propriedades agrícolas e pecuárias aumen- cional se este estivesse desvalorizando-se. Por estes
taria a oferta de gêneros alimentícios às cidades, motivos, as classes dominantes e populares do Sul e
baixaria o custo de vida, e assim contribuiria para do Oeste se juntaram contra os centros credores do
que os salários não aumentassem tanto. Os políticos Norte para derrotar projetos de manter um banco
nortistas também perceberam que, se eles apoiassem nacional depois de 1836.
o Oeste para abrir as terras ao povoamento, podiam O quarto ponto de atrito entre o Norte e o Sul
receber em troca o apoio do Oeste para tarifas adua- visava o que era chamado de "melhoramentos inter-
neiras mais elevadas. nos". Inicialmente esta frase queria dizer estradas.
Um terceiro ponto de atrito entre Norte e Sul canais e melhoramentos de portos, todos custeados
44 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 4S

pelo Governo Federal. Quando começou a época das


estr ••das de ferro, os melhoramentos internos signifi-
caram subsídios federais para ajudar na sua cons-
trução. O Norte e o Oeste, em geral, favoreciam os
programas federais de melhoramentos internos, por-
que eles iam ganhar novos mercados e lucrar com a
extensão das redes de transportes.
Mas os fazendeiros do Sul desconfiavam de que
eles teriam que pagar lima grande parte do custo
destes melhoramentos através de elevados impostos
na alfândega, sem receber os benefícios, uma vez que
o sistema fluvial tornou tais melhoramentos no trans-
porte terrestre menos importantes no Sul. Na década
de 1850. com a descoberta das minas no Oeste, muita
gente pensava em promover a construção de uma
estrada de ferro transcontinental, com ajuda do Go-
verno Federal, que traria vantagens para todas as re-
giões. Mas cada cidade maior, ao longo do Vale do
Rio Mississippi, queria ter o terminal oriental dos
trilhos, e. nesta concorrência regional sobre o tra-
çado, frustraram-se os projetos de subsidiar a cons-
trução.

A escravidão

As questões da tarifa das terras públicas, do


A Resistência à Escravidão. "Os Últimos Momentos de
banco nacional e dinheiro forte e dos melhoramentos John Brown ", Quadro de Thomas Hovenden, 1884. Com
internos. dividiam as regiões. Mas nem todo atrito seu levante derrotado, Brown foi o único americano enfor-
político explode em guerra civil. e através dos dois cado por traição na história dos EUA.
46 Peter L Eisenberg Guerra Civil Americana 47

partidos políticos principais, os Whigs e os Demo- resoluções parciais negociadas entre os represen-
cratas, estas diferenças foram negociadas. Os Whigs tantes do Norte. Sul e Oeste.
representaram os grandes comerciantes e manufatu- Nenhum destes pontos de atrito. portanto. deve
reiros do Norte, os fazendeiros mais ricos e das famí- ser considerado o grande responsável pela Guerra
lias com maiores pretensões aristocráticas no Sul. e Civil. A escravidão. porém. provocou conflitos muito
os fazendeiros mais interessados em melhoramentos mais profundos do que estes. Esta relação de traba-
internos no Oeste. Os Whigs defendiam um papel lho escravo. generalizada apenas no Sul. claramente
maior para o Governo Federal na promoção da eco- diferenciava esta sociedade da do Norte. Os sofri-
nomia e a regulação da sociedade. e ganharam as mentos dos escravos nas fazendas e as crueldades
eleições presidenciais em 1840 e 1848. Mas estas com as quais os capitães-do-mato perseguiram e
vitórias aconteceram menos como resultado da popu- trouxeram de volta os fugitivos. excitaram as paixões
iaridade dos ideais dos Whigs. do que da circuns- morais no Norte. Os debates sobre a escravidão even-}.
tância de que os candidatos dos Whigs também eram tualmente polarizaram os partidos políticos e desem-
heróis militares das guerras contra os ingleses. osín- bocaram na Guerra Civil.
dios e os mexicanos. Ao longo dos 85 anos entre a declaração da: inde-
Os Democratas tinham o apoio dos pequenos pendência e o começo da Guerra Civil, as brigas
comerciantes e fazendeiros do Norte e do Oeste. dos políticas mais sérias estouravam nos momentos de
trabalhadores urbanos e imigrantes no Norte e dos debater a escravidão. Na Ordenança do Noroeste de
fazendeiros menores no Sul. Eles defendiam uma 1787. os representantes dos novos estados da então
filosofia política do laissez-faire, acreditando que o chamada Confederação dos Estados Unidos da Amé-
Governo Federal devia-se abster de se intrometer na rica concordaram que o território ao noroeste do Rio
economia e na sociedade. Por sua base popular Ohio, bem ao norte dos então limites da agricultura
maior os Democratas ganharam as eleições presi- sulista. seria livre da escravidão. Mas pressões sulis-
denci;is d((t828, 1836 •.1844, 1852 e 1856. tas fizeram com que eles também garantissem que
Durante o período de 1828 a 1854. estes dois qualquer escravo fugido para tal território teria de
partidos políticos conseguiram apoio em todas as três ser devolvido ao seu dono.
regiões dos EUA. sem que qualquer um deles se No mesmo ano, as deficiências diversas da Con-
identificasse demais com qualquer uma das regiões. federação induziram a convocação de uma consti-
Isso foi feito de tal maneira que foi possível que o tuinte para reformular as bases do governo central.
Congresso Federal debatesse. repetidamente. todos Nesta constituinte, realizada em Filadélfia, os dele-
os pontos de atrito entre as regiões. e encontrasse gados do Norte e do Sul entraram em conflito sobre a
Peter L. Eisenberg Guerra Civi Americana 49
48

bindo o tráfico internacional de escravos. o Sul acei-


escravidão. e foi feita uma série de acordos. Uma
tou a deci.são sem problema. Como no Brasil, onde
questão foi a da representação da Câmara dos Repre-
uma medida semelhante foi aprovada em 1850 as
sentantes do Congresso Federal. Os comerciantes do
á.reas do A.lto Sul plantadas com arroz e fum~ já
Nordeste temiam que. se a representação fosse cal-
tinham muitos escravos e a lei serviu para valorizá-
culada como uma proporçâo da população total. os
los. As áreas de crescimento mais rápido no Baixo
fazendeiros do Sul ganhariam um poder político exa-
Sul sustentaram um contrabando pequeno. mas a
gerado. porque incluiriam o número de seus escra-
fonte principal de novos escravos para o algodão era
vos. embora os escravos não tivessem direito político
o ventre da mãe escrava e o tráfico interno. que dre-
algum. Os nortistas chegaram a perguntar: se os su-
nava escravos dos estados do Alto Sul para as fa-
listas podiam contar com os seus escravos para au-
zendas do Baixo Sul.
mentar a sua representação. por que os nortistas não
Na sociedade civil. uma das primeiras reações à
podiam contar com o seu gado'? Por outro lado. os
escravidão ocorreu. em 1816. quando um grupo de
sulistas não queriam que os impostos federais fossem
brancos ricos em Virgínia criou a Sociedade Ame-
cobrados na base da população, incluindo os escra-
ricana de Colonização. Esta Sociedade partia do
vos. Se incluíssem. a carga tributária seria muito mais
princípio de que a melhor .solução para a escravidão
pesada para os contribuintes do Sul. isto é. os livres.
era a emigração dos negros. Eles ganharam apoio no
do que para os contribuintes do Norte. Para sair do
Alto Sul. atraindo escravocratas querendo. se livrar
impasse. os constituintes concordaram em conside-
dos negros subversivos e atraindo abolicionistas cé-
rar um escravo como o equivalente a três quintos de
ticos da possibilidade da coexistência entre negros e
um livre. tanto para o cálculo da representação.
brancos. O governo do Presidente James Monroe em
quanto para o dos impostos.
IH19.1'omprou terras na África ocidental par~ os
Os constituintes também consideraram o tráfico
negros emigrados. Até a Guerra Civil. esta Sociedade
internacional de escravos e os escravos fugidos. e
convenceu apenas 12000 negros a emigrar. mas era o
encontraram soluções favoráveis ao Sul. Eles resol-
bastante para criar a República de Libéria, em 1846,
veram não debater o fechamento do tráfico interna-
com a capital de Monrôvia. O próprio presidente
cional antes de 1808. mas permitir que se cobrassem
Abraham Lincoln, posteriormente autor da abolição,
impostos sobre. este tráfico. Também os sulistas ga-
,~p()ia\'a esta colonização de negros americanos na
rantiram o direito de reaver os escravos fugidos. mes-
Aírica. América Central e no Caribe.
mo quando estes fugiam para estados sem escravi-
O atrito entre Norte e: Sul agravou-se muito nas
dão.
discussões sobre LI organização política do Oeste. e
Quando em 1808 o Congresso aprovou a lei proi-
50 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 51

sempre a questão da escravidão transparecia nestes livres. Estes" Acordos do Missouri". como a barga-
debates. A referida Ordenança de 1787 estabeleceu nha ficou conhecida. efetivamente diminuíram a área
algumas regras para o Oeste. Na medida que os do Oeste que tinha sido deixada aberta para a escra-
americanos fossem povoando estes territórios. eles vidão pela lei de 1787. e reafirmaram o poder do
passariam a ser governados por pessoas nomeadas Congresso Federal de interferir com um direito de
pelo Congresso. Quando tivesse pelo menos 5000 propriedade e legislar sobre a escravidão. no Oeste.
homens livres. o território podia eleger uma assem- Mas também garantiram que. no Congresso Federal.
bléia legislativa própria. Ao chegar aos 60000 habi- o equilíbrio entre os senadores e representantes das
tantes. o território podia escrever a sua própria cons- áreas livres e escravistas seria mantido.
tituição e pedir sua admissão como estado à União. Este equilíbrio não se alterou durante a década
Assim. até 1820. entraram na União mais nove de 1830. quando o Arkansas entrou na União como
estados. No Norte. e proibindo especificamente a estado escravista em 1836. e o Michigan entrou como
escravidão nas suas constituições. entraram Verrnont estado livre em ]837. Da mesma forma. na década de
(1790. Ohio (1803). Indiana (1816) e lIlinois (1818). 1840. a Flórida e o Texas entraram como estados
No Sul. permitindo a escravidão. entraram Kentucky escravistas em 1845. e Iowa e Wisconsin entraram
(1792), Tennessee (1796), Louisiana (1812), Missis- como estados livres em 1846 e 1848. respectivamente.
sippi (1817) e Alabama (1819). Incluindo os treze Na mesma época em que os políticos no Con-
estados originais. manteve-se um equilíbrio entre gresso realizaram os acordos mantendo o equilíbrio
onze estados livres e onze estados escravistas. entre os estados escravistas eos estados livres. a pri-
Tal equilíbrio foi ameaçado em 1819. quando o meira campanha de abolicionismo radical-surgia em
território de Missouri, na margem leste do Rio Mis- Boston, Massachusetts, em 1829. Iniciado por um
sissippi, pediu admissão como um estado escravista. negro livre, David Walker, que pregava aos escravos
e um representante de Nova lorque apresentou uma "matem. ou sejam mortos". o movimento tinha como
emenda estipulando a abolição gradual da escravi- seu líder principal o redator William L10yd Garrison.
dão no Missouri. Os sulistas reagiram fortemente e Garrison publicava o jornal O Libertador. de 1831
os nortistas tiveram que suprimir a emenda e deixar a 1865, no qual se reivindicava a abolição imediata e
o Missouri entrar como estado escravista. Em troca, sem indenização. Ele ajudou a fundar a Sociedade
o Norte ganhou a entrada do estado livre do Maine, e Americana contra a Escravidão em Filadélfia em
uma proibição da escravidão no Oeste ao norte da 1~33. e durante a década de 1830 estes abolicion'istas
latitude 36' 30", com a exceção do Missouri, que se Circularam propaganda pelo correio, promoveram
comprometeu a nunca barrar a entrada de negros conferências e inundaram o Congresso com abaixo-
52 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 53

assinados. O movimento enfatizava a imoralidade da trassem incapazes de resolver o conflito sobre a escra-
escravidão, e Garrison condenava tanto o governo vidão, e que as paixões morais se exacerbassem tanto
quanto as igrejas como cúmplices dos escravocratas. no ataque quanto na defesa da escravidão, para que
Garrison defendia um anarquismo cristão que repu- um movimento político emergisse com a força precisa
diava a força, as leis e os governos. para precipitar uma crise definitiva da questão. Este
Outros grupos fora do governo também lutavam movimento apareceria na década de 1850, e teria co-
contra a escravidão. Abolicionistas negros como Fre- mo o seu elemento principal o Partido Republicano.
derick Douglass, Harriet Tubman e SojournerTruth
pregaram a favor da causa! e 17 jornais negros circu-
lavam no Norte antes da Guerra Civil. O Partido da
Liberdade. fundado em 1840 por abolicionistas não
o fim dos acordos
anarquistas, apresentou o primeiro candidato. em Na década de 1850, a capacidade de realizar
eleições presidenciais de 1840 e 1844. que defendia a acordos políticos ao nível nacional esgotou-se. Isto
exclusão da escravidão dos territórios, o fim do trá- aconteceu por dois motivos principais. Primeiro, o
fico interestadual, e a abolição na capital federal de próprio crescimento demográfico mais rápido no
Washington, D.C. Entretanto, este partido ganhou Norte fez com que o número de representantes nor-
poucos votos, e praticamente se fundiu com o Partido tistas na Câmara superasse definitivamente o nú-
de Solo Gratuito em 1848. mero de representantes sulistas. Como a Tabela 2
Os movimentos abolicionistas no Norte antes de demonstra, em 1820. quando houve os Acordos de
1850 não atraíram mais apoio devido a duas cir- Missouri, a diferença entre as populações do Norte e
cunstâncias, Primeiro, as elites do Norte mantinham do Sul era pequena; mas em 1850 esta diferença
estreitas relações comerciais com os fazendeiros' do pesava bastante em favor do Norte. Indicativo desta
Sul, e não tinham interesse em provocâ-Ios. Segundo. mudança foi o fato de que a Câmara dos Repre-
os operários do Norte receavam que os negros livres sentantes. onde a representação era diretamente pro-
concorressem no mercado de trabalho, e rebaixassem porcional à população, aprovasse um projeto de Da-
o nível dos salários. Ambas as classes guardavam for- vid Wilmot. da Pensilvânia, em 1848, segundo o qual
tes preconceitos raciais contra os negros, Muitas ve- a escravidão ficaria proibida nos territórios conquis-
X zes os abolicionistas foram corridos de seus pódios, e tados através da guerra com o México. Mas no Se-
pelo menos um redator. Elijah Lovejoy, foi linchado nado, onde cada estado tinha a mesma representa-
em Illinois, em 1837. I
ção, os senadores do Sul conseguiram derrotar o
Seria necessário que os meios políticos se mos- projeto repetidamente.
54 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 55

TABELA 2 - POPULAÇÁO AMERICANA POR REGIÕES Texas recebeu 10 milhões de dólares para desistir de
(mllhÕN de pealo,,) suas reivindicações de partes do Novo México.
Certamente, a concessão mais importante para
Ano Norte
o Sul neste Acordo de 1850 foi uma nova e muito
1790 1.96 severa lei sobre escravos fugitivos. Esta lei estipulava
1820 5.22 ::Fl6
4.42 que qualquer pessoa acusada de ser um escravo fugi-
1850 14.21 8.98
tivo perdia os direitos ao processo por júri e de dar
1860 20.70 9.15 I
, •• _. __ .• u __ • ._ I
testemunho. Com apenas a declaração por escrito do
alegado senhor, ela tinha que ser devolvida àquele.
Em segundo lugar, nos novos territórios do Oes- Quem ajudasse a fuga teria que pagar multas e danos
te, as condições de solos, de climas mais áridos e de um total de até $2.000; o juiz que desse ganho ao
mais frios e a maior distância dos mercados não favo- senhor receberia $10, mas se desse ganho ao escravo
reciam a expansão da escravidão. Assim, em 1849 e receberia apenas $5. Além de todas estas cláusulas
1850 os territórios da Califórnia e do Novo México - contra o fugitivo, a lei foi promulgada retroativa-
que incluíam todas as terras entre o Texas e a Calí- mente, em violação aberta à Constituição.
fórnia - e de Deseret - que incluía toda a área ao O Acordo de 1850 encontrou aceitação no Norte
norte do Novo México e ao sul do Oregon - pediram e no Sul. embora quatro estados sulistas convocas-
entrada na União como estados livres. Os sulistas sem reuniões para discutir a secessão da União, por-
não encontraram uma contrapartida de territórios que, como nos acordos anteriores, este deu vantagens
escravistas. Então, eles abandonaram o velho jogo de para as duas regiões. O Acordo também funcionou
equilibrar as entradas de estados novos, e descobri- porque a conjuntura econômica da época permitia
ram novas maneiras de preservar o equilíbrio polí- uma certa prosperidade, que inibia o acirramento
tico. das paixões. No Norte, os homens de negócios esta-
Pelo Acordo de 1850, a Califórnia entrou sem vam enriquecendo com o movimento provocado pela
escravidão e o tráfico de escravos foi proibido na descoberta de ouro na Califórnia, e pela rápida ex-
capital federal, o Distrito de Colúmbia. Mas o preço tens~o das estradas de ferro. Depois que a Inglaterra
para o Norte foi caro. O Deseret ou Utah, como aboliu em 1846 as Leis do Trigo, que por décadas
vinha a ser chamado, e o Novo México não entraram tinham barrado importações de alimentos básicos
na União e ficaram como territórios, até 1896 e 1912 para defender os negócios dos grandes proprietários
respectivamente, e sem definição alguma sobre a rurais ingleses, os fazendeiros nortistas entraram de
legalidade da escravidão. O estado escravista do cheio no novo mercado inglês. Os comerciantes do
56 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 57

Norte também estavam lucrando com as vantagens lacrimoso de Harriet 8eecher Stowe, A Cabana do
da aceleração do comércio internacional, que resul- Pai Tomás, dramatizou os males da escravidão e es-
taram destes novos mercados e dos velozes barcos pecialmente os sofrimentos dos fugitivos. Este livro
clipper e barcos a vapor. apareceu em 1852, vendeu um milhão de exemplares
No Sul, os fazendeiros de algodão tiveram anos em dois anos, conseguiu ser proibido no Sul e inspi-
prósperos no começo da década de 1850, porque os rou várias peças de teatro popular.
preços do algodão, depois de uma queda na década Na época do Acordo de 1850, alguns senadores
anterior, estavam em ascensão novamente, devido tinham cogitado em tirar a questão da escravidão do
aos melhoramentos introduzidos na indústria têxtil Congresso Federal e deixar para apopulação de cada
no Norte, na Inglaterra e na Europa. E os fazendei- território resolver como bem entendesse. Esta suges-
ros de fumo, com variedades e técnicas novas, goza. tão, conhecida como "a doutrina de soberania po-
ram também de uma recuperação. pular", ganhou força quando os territórios do Kan-
Mas, se o Acordo de 1850 satisfez aos líderes sas e de Nebraska pediram admissão na União, em
políticos das duas regiões, ele elevou a questão da 1853. Os congressistas do Norte queriam admitir
escravidão a um novo patamar de consciência popu- estes estados como livres, e o Senador Stephan Dou-
lar. A nova lei sobre escravos fugitivos incentivou glas de Illinois, estado do velho Noroeste, interessou-
muitos escravocratas e capitães-do-mato a viajar para se especialmente pelo projeto. Douglas queria ganhar
o Norte, onde eles prenderam impunemente a ne- o apoio das populações destes territórios para a cons-
gros, acusando-os de ser fugitivos, e levando-os de trução de uma estrada de ferro transcontinental com
volta para o Sul. Os operadores da "estrada de ferro terminal em seu estado de IIIinois. Mas a resistência
subterrânea", que antes tinham o seu terminal nos dos Sulistas fez com que Douglas procurasse evitar a
estados do Norte, agora estenderam o seu sistema de questão da escravidão através de um apelo para a
coiteiros e informantes até o Canadá, especialmente doutrina da soberania popular. A Lei de Kansas-
a província central de Ontário, para onde se dirigiram Nebraska foi aprovada nestes termos, com cada terri-
vários milhares de pessoas de cor. Alguns estados do tório entrando na União como determinariam os seus
Norte aprovavam "leis de liberdade pessoal", que habitantes. Efetivamente, o Congresso derrubou os
garantiram aos fugitivos os mesmos direitos negados Acordos do Missouri, de 1820, que delimitaram
pela lei federal, e impuseram multas para quem áreas proibidas para a escravidão no Oeste.
cumprisse tal lei. Em Massachusetts, houve motins Ao contrário do que esperavam os seus propo-
populares tentando, em vão, impedir que supostos nentes, a Lei de Kansas-Nebraska não diminuiu as
fugitivos fossem retirados do estado. O romance tensões sobre a questão da escravidão, mas provocou
58 Peter L. Eisenberg 'iuerra Civil Americana 59

1~ diversas reações fortes. No Norte, muitos militantes


dos partidos Whig, Democrata e Solo Gratuito, todos
gua (1855) e Honduras (1860), lideradas pelo aven-
tureiro William Walker, do Tennessee. Essas expedi-
" hostis à extensão da escravidão aos territórios, cindi-

J
ções todas fracassaram e Walker finalmente foi fuzi-
ram com os seus correligionários e criaram o Partido lado por hondurenhos indignados. Outros sulistas,
Republicano, em 1854. Este partido cresceu tão rapi- com o apoio dos Presidentes Polk e Franklin Pierce,
damente que no mesmo ano, em aliança com o Par- também pensavam em ajudar a Cuba escravista a se
~.~ tido Americano: os "sabe-nadas", que se opuseram à libertar da Espanha, para depois anexá-Ia aos EUA,
-tS imigração maciça e especialmente à imigração cató- mas este plano tampouco deu certo. De qualquer
~ lica, ganharam a maioria na Câmara dos Represen- forma, entretanto, estes esforços no Kansas e no ex-
0 tantes, e os governos em vários estados do Norte. terior para decidir pelas armas a questão da escra-
A Lei de Kansas-Nebraska também fez explodir vidão constituíram ensaios para a Guerra Civil, que
a violência. Conforme a lei e a doutrina da soberania não tardaria muito para começar.
popular, os próprios habitantes do Kansas e de Ne- No segundo qüinqüênio da década de 1850, o
braska resolveriam a legalidade da escravidão nos Governo Federal tornou-se ainda mais favorável ao
seus respectivos estados. Imediatamente, sulistas do Sul. Nas eleições presidenciais de 1856, 14 dos esta-
Missouri e, depois, números equivalentes de nortis- dos escravistas votaram no candidato vencedor James
tas vindos de tão longe como da Nova Inglaterra Buchanan, cujo Partido Democrata capturou o con-
migraram para o Kansas, para influenciar na deci- trole tanto do Senado como da Câmara. Buchanan,
são. Cada lado andava armado. os tiroteios torna- embora um nortista da Pensilvânia, acreditava com
ram-se constantes, e mais de 200 pessoas morreram Stephen Douglas na soberania popular e também
nos conflitos. Num dado momento, o Kansas tinha apoiava a conquista do México e a compra de Cuba.
um governador, uma assembléia legislativa e uma Logo no começo do seu mandato, a Corte Suprema,
constituição pró-escravidão e outro governador, as- enquanto o tribunal de último recurso e o intérprete
sembléia e constituição antiescravidão. Depois de oficial da Constituição, decidiu que os Acordos. do
quatro meses da guerra de guerrilhas que "fez Kan- Missouri, de 1820, eram anticonstitucionais. A Corte
sas sangrar", o Governo Federal enviou tropas e chegou a esta conclusão quando considerou o pro-
acalmou os ânimos. cesso de um escravo, Dred Scott, cujo senhor o tinha
Alguns sulistas ambicionaram encontrar novos levado para as áreas livres de Illinois e Minnesota.
territórios para a escravidão além das fronteiras na- Scott argumentou que, por ter residido onde a escra-
cionais. Eles apoiaram expedições militares particu- vidão era ilegal, ele teria ganho a sua própria liber-
lares para anexar a Baixa Califórnia (1855), Nicará- dade, mas a Corte resolveu que não. Segundo ela,
60 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 61

não somente o Congresso não tinha o poder de privar traram na União como estados livres em 1858 e 1859
um cidadão de seus direitos de propriedade em es- respectivamente, sem contrapartida de novos estados
cravo. mas tinha a obrigação de incentivar e proteger escravistas. Nas eleições para o Congresso em 1858
a escravidão como qualquer outro tipo de proprie- os Republicanos recapturaram na Câmara a maioria'
dade particular. A Corte ainda acrescentou que ne que tinham perdido em 1856. Um dos veteranos da
nhum negro, escravo ou livre, podia ser cidadão e guerra de guerrilhas em Kansas, John Brown, com
gozar de direitos iguais aos dos brancos. apoio financeiro de abolicionistas do Norte, liderou
Um outro golpe contra o Norte foi o Pânico um movimento que tentou tomar um arsenal de
financeiro de 1857. Este Pânico, o começo de uma guerra em Virgínia. Brown planejava usar as armas
depressão, resultou de vários fatores. Primeiro, o para levantar uma rebelião de escravos. Quando
preço dos cereais americanos caiu de repente. quan- preso e enforcado. Btown tornou-se um mártir para
do, depois do fim da guerra européia na Criméia os abolicionistas. Segundo uma canção que se popu-
(1854-56), os europeus voltaram a produzir as suas larizou muito na época e que virou uma marcha para
safras normais. Segundo, os europeus liquidaram as tropas nortistas durante a guerra, "o corpo de
muitos investimentos e depósitos bancários nos EUA, John Brown está apodrecendo na terra, mas a sua
para poder custear esta guerra e outras na África. no alma vai marchando para frente".
Oriente Médio, na Índia e na China, e isso deprimiu
a Bolsa de Valores de Nova Iorque, drenou ouro das
reservas e levou vários bancos à falência. Finalmente,
a especulação desenfreada nas companhias ferroviá-
As eleições de 1860
rias, muitas das quais estenderam os trilhos além das
áreas onde a renda dos fretes e dos passageiros pa- . Nas eleições presidenciais de 1860. a tensão polí-
gava os juros sobre o capital emprestado, provocou a tica entre 'Norte e Sul chegou ao ponto máximo. Os
falência destas companhias, e dos bancos e compa- Democratas dividiram-se fatalmente e escolheram
nhias de seguro a elas ligadas. Este Pânico iniciou dois candidatos para presidente. Os do Norte e do
uma depressão de vários anos no Norte e no Oeste, Oeste nomearam Stephen Douglas, o campeão da
enquanto o Sul, em geral, gozava de preços altos e soberania popular. mas os do Sul nomearam John
exportações de algodão cada ano maiores. Breckinridge, o então Vice-presidente, um escravista
Mas, se o Governo Federal e o momento econô- do Kentucky que queria que o Governo Federal pro-
mico favoreciam o Sul, outras forças prometiam para tegesse a escravidão nos territórios. Os antigos Whigs
o Norte. Os territórios de Minnesota e Oregon en- e os mais conservadores do Norte e do Sul escolheram
Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 63
62

o Senador John Bell do Tennessee, para tentar con- ridge (onze estados), Bell (três estados) e Douglas
tinuar com a política de acordos e não enfrentar (um estado). Embora os Republicanos não tivessem
diretamente a questão da escravidão; estes formaram ficado com maiorias nem no Senado nem na Câmara,
o efêmero Partido da União Constitucional. eles conseguiram, pela primeira vez, a presidência.
Os Republicanos indicaram Abraham Lincoln e pela primeira vez um partido dec\aradamente opos-
de Illinois. Lincoln tinha pouca experiência política e to à extensão da escravidão assumiu a liderança da
tinha perdido uma eleição disputadíssima para se- União.
nador de Illinois em 1858. Mas durante esta cam- O Sul. mesmo retendo o controle da Corte Su-
panha para senador Lincoln tinha realizado uma prema e boas chances para alianças no Congresso,
série de debates muito comentados com o vencedor, interpretou a eleição de Lincoln como a sentença de
Stephen Douglas, e tinha defendido a legalidade da morte para a escravidão. Após a contagem de votos e
escravidão no Sul e a ilegalidade da mesma nos terri- antes mesmo da posse de Lincoln, a Assembléia Es-
tórios. Lincoln, entretanto, previa que "uma casa tadual da Carolina do Sul. seguida pelas assembléias
dividida contra si mesma não subsistirá. Acredito dos outros estados do Baixo Sul, votou para cortar
que esse governo, meio escravocrata e meio livre. ~ã~ todas as relações com o Governo Federal, num ato
poderá durar para sempre ... e ele se transformara so que levou a termo as ameaças das crises de nulifi-
numa coisa, ou só noutra". Lincoln. nestes debates. cação em 1832 e da secessão em 1850. Estes estados
tinha obrigado Douglas a reconhecer a contradição justificaram-se dizendo que, na Constituição, eles
entre a soberania popular. que sujeitava a escravidão tinham apenas delegado certos poderes par.a o Go-
ao voto do povo, e a decisão judicial no caso de Dred verno Federal. e que eles podiam reaver estes poderes
Scott, que colocou o escravo na categoria .sagrada da quando quisessem. Ao mesmo tempo, as assembléias
propriedade particular intocável pelas leis. Embora estaduais do Sul mandaram representantes para uma
Douglas ganhasse a eleição para senador em I~S8. constituinte em Montgomery, Alabama, onde cria-
desprestigiou a Corte Suprema e se desmorahzo~ ram a nova nação, os Estados Confederados da Amé-
seriamente com os Democratas do Sul. o que contri- rica (ECA). Esta constituinte elaborou uma consti-
buiu para a cisão neste Partido, em 18óO. tuição modelada na dos EUA, mas com plenas garan-
Com os Democratas divididos. Lincoln ganhou tias para a escravidão e proibições de subsídios para
as eleições presidenciais em 1860. Ele recebeu 400/0 melhoramentos internos e de impostos de importa-
do voto popular. o apoio de todos os dezesseis estados ção. A constituinte escolheu para presidente o Demo-
do Norte. e de dois dos três estados do Oeste. en- crata Jefferson Davis. um fazendeiro de algodão, mi-
quanto o Sul distribuía os seus votos entre Breckin- litar, ex-rninistro da Guerra e duas vezes senador
64 Peter L. Eisenberg

federal do Mississippi.
Nas suas últimas semanas no cargo,· o Presi-
dente Buchanan ainda procurou com os moderados
realizar acordos semelhantes aos de 1820 e 1850, res-
tabelecendo a latitude de 36' 30" como a divisão
entre áreas livres e escravas no Oeste. Para evitar
provocações, Buchanan desistiu de abastecer por
mar as fortalezas federais no litoral da Carolina do
Sul. Mas os Republicanos permaneceram intransi-
gentes contra a extensão da escravidão ao Oeste e A GUERRA CIVIL
Lincoln, ao assumira presidência em março de 1861,
teimou em mandar 2400 homens e 285 peças de
artilharia, além de mantimentos, para o Forte Surn-
ter. Antes que estes reforços chegassem, os Caroli- Qual era a correlação de forças nesta guerra?
nianos bombardearam e destruíram completamente Tudo indicava no começo que o Norte era mais forte.
este forte, em abril de 1861. Vinte e dois estados se mantiveram na União, in-
A guerra começou com este bombardeio. Para o cluindo os estados escravistas do Alto Sul do Mis-
Norte, a guerra inicialmente não visava a acabar com souri, Kentucky, Maryland e Oelaware e os territó-
a escravidão, senão manter a união da nação e evitar rios de Kansas, Virgínia Ocidental e Nevada, que
a secessão do Sul. Para o Sul, a guerra visava a de- entraram na União, durante a guerra, como estados.
fender a secessão, a sua independência do Norte, e A população do Norte era mais do que o dobro da do
foi o único meio que restou para preservar a escra- Sul (veja Tabela 2); ela era mais do que o quádruplo,
vidão das esperadas pressões dos Republicanos. se se excluíssem os escravos, em quem os sulistas não
Quando o Norte tentou impedir a secessão, estourou confiavam para carregar armas, embora o seu tra-
a guerra. balho liberasse homens livres para lutar. O Norte
tinha dois terços das estradas de ferro; 85% das
indústrias, incluindo 85% da produção de coberto-
res. roupas, sapatos e 97% do valor da produção das
armas, além da maior parte dos trabalhadores quali-
ficados, dos bancos e do dinheiro em circulação. O
Norte também tinha um vigoroso setor agropecuário,
66 Peter L. Eisenberg '11 erra Civil Americana
67

complementado pelo do Oeste, em que apenas o com a classe dominante do Sul. e porque estes países
Texas separou-se da União. compravam grandes quantidades de algodão ao Sul.
Mas as vantagens do Norte não queriam dizer Os sulistas também esperavam que o seu controle
que o Sul não tinha condição alguma de resistir. Em sobre a foz do Rio Mississippi neutralizasse os esta-
primeiro lugar, o Sul gozava da vantagem psicológica dos do Noroeste dos EUA, que dependiam deste rio
de estar defendendo a sua própria terra. Como dizia para escoar a sua produção.
o Presidente Jefferson Davis, "tudo que pedimos é A guerra não terminou logo nos primeiros me-
sermos deixados em paz"; isto forçou os nortistas a ses, como alguns políticos otimistas do Norte espera-
invadirem o Sul para sufocar a rebelião e caracteri- vam. A estratégia do Sul era simples: adotar uma
zou a guerra, para os sulistas, como a defesa de seus atitude defensiva, e deixar que o Norte tomasse as
próprios lares. O Sul também dispunha, no começo iniciativas. Mas a estratégia do Norte foi inicialmente
da guerra, de exércitos melhores. A sua população confusa e hesitante, e em parte por este motivo pas-
civil, por ser muito mais rural e mais treinada na saram-se quatro anos até que o Norte conseguisse a
caça e no cavalgar do que a do Norte, atirava melhor vitória.
e cavalgava melhor. Devido à tradição sulista de os
fazendeiros mandarem alguns filhos para a carreira
militar, os oficiais que deixaram o exército da União
para formar o corpo de oficiais do exército da Confe- A guerra no mar
deração tinham mais experiência e perícia de guerra
do que os oficiais do Norte. O General Robert E. Lee Um objetivo óbvio para o Norte era de manter o
foi tão estimado que o Presidente Lincoln queria controle dos mares. O Sul dependia das trocas cons-
nomeâ-lo Comandante-Chefe das tropas nortistas. tantes de produtos agrícolas por manufaturas impor-
Mas Lee permaneceu fiel ao seu estado natal, a Vir- tadas. Evidentemente, para não ajudar ao inimigo,
gínia secessionista, e serviu o Sul como conselheiro o Norte não ia vender nem comprar mais do Sul, de
militar do Presidente Davis. Foi responsável por mui- modo que o Sul tinha que manter aberto os fluxos
tas vitórias, e eventualmente foi nomeado Coman- comerciais com a Europa. Para interromper este trá-
dante-Chefe das tropas sulistas. fico, o Presidente Lincoln logo se apropriou de quase
Os sulistas acreditavam ter outras vantagens. t da a Marinha de Guerra e declarou um bloqueio
Eles acreditavam que a Inglaterra e a França iam dos portos sulistas, advertindo aos europeus que não
apoiar a sua rebelião, porque estes países eram domi- permitiria mais o comércio com o Sul. Mas a esqua-
nados por classes aristocráticas que simpatizavam dra do Norte era pouco para patrulhar os 5 600 quilô-
68 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 69

metros do litoral sulista; o Brasil tem 7400 quilô- gozava de um potencial maior para construir blin-
metros. Lincoln tinha que mobilizar toda uma frota dados. O Norte tinha muito minério de ferro e gran-
de balsas, baleeiros. escunas de pesca e rebocadores des fundições na Pensilvânia e Ohio, enquanto que o
para tomar posições em frente aos portos sulistas. Sul tinha pouco minério e apenas uma grande fun-
Os sulistas, por sua vez, empregaram uma frota dição. na capital da Confederação, em Richmond,
de "furadores de bloqueio", barcos a vapor muito Virgínia.
velozes.e de pouco calado, que transitavam entre o O bloqueio estrangulou a importação de chá,
Sul e os portos estrangeiros nas Bahamas e noutras café, sabão, velas, medicamentos, papel jornal, rou-
ilhas do Caribe, onde os barcos europeus esperavam- pas feitas e outras necessidades para que o Sul pu-
nos. Os sulistas também usaram. pela primeira vez desse guerrear. Se nações estrangeiras tivessem dado
na história da guerra naval, vários barcos blindados mais apoio, provavelmente teriam rompido o blo-
com chapas de ferro de cinco centímetros. impérvios queio. A Inglaterra logo declarou a sua neutralidade
a balas e bombas de artilharia. O Sul capturou do entre os beligerantes, o que lhe dava o direito de fazer
Norte o primeiro destes. o "Merrirnac", e construiu negócios com ambos. Assim, a Inglaterra conside-
mais uns quatro. O Norte também usou barcos blin- rava a guerra como mais do que uma simples rebe-
dados. Contra barcos de madeira estes blindados lião interna, e eventualmente os ingleses poderiam
eram terríveis. mas como eles eram lentos e difíceis reconhecer a independência do Sul. Os ingleses, além
de manobrar. a batalha entre blindados costumava das simpatias já referidas, ressentiam-se da elevação
terminar num empate. da tarifa aduaneira do Norte até 47% durante a
Os sulistas encomendaram mais de uma dúzia guerra. Os súditos da Rainha Victória também en-
de "destróiers de comércio" em estaleiros ingleses e tenderam que se os EUA ficassem divididos em dois
franceses. Estes barcos destruíram mais de 250 bar- países. tal enfraquecimento só podia ser um bene-
cos da marinha mercante do Norte e forçaram uma Iíciopara aqueles.
alta tão grande nas taxas de seguros que muitos nor- Mas três fatores derrotaram as esperanças su-
tistas venderam os seus barcos a estrangeiros. O Sul listas para uma aliança estrangeira. Primeiro, a pro-
também encomendou na Inglaterra uma série de dução do Sul não foi tão necessária às indústrias
"barcos de esporão", que serviriam para furar lite- têxteis inglesa e francesa como se esperava. Ante-
ralmente os bloqueadores. mas o Norte fez tanta cipando uma guerra. os manufatureiros estrangeiros
pressão diplomática que impediu a entrega destes. tinham estocado bastante algodão no fim da década
A mais longo prazo, entretanto, o Norte tinha de 1850. c aumentavam as suas importações do Egito
melhores condições de vencer a guerra naval. porque c da índia. Quando os comerciantes do Sul tentaram
70 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 71

criar uma escassez artificial de algodão, para agravar antecipando no desmembramento dos EUA uma
a suposta dependência estrangeira, eles abalaram a oportunidade de restaurar o império francês no con-
indústria inglesa, mas conseguiram também abalar o tinente americano. de onde os ingleses a tinham
crédito do Sul no exterior, o que tornava as impor- e~pulsa~o .um século antes. Napoleão chegou a inva-
tações ainda mais difíceis. dir ~ ~~XICO em 1862. onde instalou o Imperador
Por outro lado, o Norte também fazia comércio Maxlm.lhano I para um reino instável de cinco anos.
com a Europa, e no período de 1861-63, devido às M~s. Lincoln não se distraiu com os franceses no
quebras nas safras de trigo na Europa, na América México, e. ~ episódio não ajudou o Sul. Logo que a
do Sul e no Egito, a Inglaterra importou do Norte Guerra ~lVlI terminou, os mexicanos. com a ajuda
mais de 40% de seu trigo e farinha. Quando Napo- dos arnencanos, expulsaram os franceses e fuzilaram
leão 111 da França tentava se aliar com a Inglaterra Maximiliano.
para romper o bloqueio do Sul, o Norte ameaçou Se o Sul conseguiu pouca ajuda dos estrangei-
suspender a venda de trigo. o que ia criar problemas ros. o Norte. ao contrário. gozava de uma amizade
sociais tão sérios na França que Napoleão desistiu da f?rte com a Rússia Imperial. O Czar Alexandre 11
idéia. Assim. dependência por dependência, as na- liberou os servos russos em 1861. num ato admirado
ções estrangeiras não viam tanta vantagem em apoiar pelo Norte. e em 1863 Alexandre mandou uma es-
o Sul. e de fato nem a Inglaterra nem a França quadr~ de guerra para Nova Iorque, e outra para São
chegaram a reconhecer os Estados Confederados da Francisco, Estas esquadras estavam posicionando-se
América oficialmente. para lutar, co.ntra os ingleses, caso houvesse guerra
Em segundo lugar. as classes dominantes e a entre a Rússia e a Inglaterra. Mas os americanos
opinião pública inglesas. que tinham abolido a escra- preferiam acreditar que os barcos russos vinham aju-
vidão nas suas colônias no Caribe em 1838. não dar a manter o bloqueio. o que levantou o moral do
Norte e deprimiu o do Sul.
aceitavam uma aliança com quem ainda defendia a
escravidão. como ficou claro depois que Lincoln fez a
Proclamação da Emancipação dos Escravos nos fins
de 1862. e quando 500000 trabalhadores da indús- A guerra no continente
tria têxtil inglesa. desempregados pela falta de algo-
dão. continuaram a manifestar apoio para o Norte.
Em terceiro lugar. as ambições européis não . , .A luta no interior do continente foi muito mais
dlflcll, p~ra o Norte do que o bloqueio marítimo. A
necessariamente se afinaram com as dos sulistas. A
estratégia terrestre do Norte visava à manutenção de
França de Napoleão IIl pensava em apoiar o Sul.
72 Peler L. Eisenberg 73

duas frentes, porque as Montanhas Apalaches divi- A batalha de Antietam, em Maryland, em se-
diam o Sul desde a Virgínia até o norte da Gcórgia. e tembro de 1862, foi uma das mais sangrentas, com
impediam a passagem dos exércitos (veja mapa). Os mais de 12000 mortos para cada lado num só dia,
generais nortistas abriram primeiro a frente a leste mas lá o general nortista George B. McClellan final-
destas montanhas, centrando-a na Virgínia e nas mente conseguiu frustrar o contra-ataque dos Confe-
áreas orientais da Virgínia Ocidental, Kentucky e derados. Esta meia-vitória obrigou os sulistas a re-
Tenessee. Esta frente tornou-se crítica porque nela se cuar para a Virgínia e levou Lincoln a fazer a Procla-
localizavam a capital federal de Washington e a ca- mação da Emancipação. Nesta Proclamação, o presi-
pital confederada de Richmond. As duas capitais dente declarou livres os escravos nos estados rebel-
ficavam apenas 160 quilômetros uma da outra, a des,. o que de fato não liberou ninguém porque,
mesma distância que há entre São Paulo e Piraci- obviamente, os estados rebeldes a ignoraram. Mas a
caba, ou entre Rio de Janeiro e Cabo Frio. Nesta Proclamação oficializou a guerra como sendo uma
frente, cada lado concentrava grandes exércitos e campanha contra a escravidão, e não apenas uma
procurava defender a sua capital ao mesmo tempo repressão de um movimento separatista, e ajudou a
que ameaçava a do inimigo. convencer à Inglaterra a não intervir.
O Norte abriu uma segunda frente a oeste das A Proclamação da Emancipação também auto-
Montanhas Apalaches, nas partes ocidentais de Ken- rizou os ex-escravos a entrarem nas forças armadas
tuckye Tennessee. no sul do Missouri e ao longo do do Norte a partir de 1863. Até o fim da guerra,
Rio Mississippi, desde lllinois até o Golfo do México. calcula-se que 208486 negros entraram nos exércitos
Aqui os exércitos combatendo eram menores, porque e marinha do Norte, ou seja, aproximadamente 14%
tinham que se distribuir numa região muito maior. das tropas. Mas até 1864 os negros tinham que servir
Nos primeiros anos, as tropas do Norte, os Fede- mais tempo. quase nunca eram promovidos a oficiais
rais, perdiam muitas batalhas na frente oriental. A e recebiam armas. salários e tratamento médico infe-
inexperiência, a desorganização. a cautela excessiva riores aos dos brancos, de modo que a sua taxa de
e a simples incompetência atormentavam estes exér- mortalidade (37%) era três vezes superior à taxa
citos nesta frente. Lincoln nomeou seis comandantes geral dos combatentes nortistas.
diferentes entre julho de 1861 e julho de 1863, cinco Nestes anos de 1861 e 1862, os exércitos do
deles num prazo de apenas dez meses. As tropas do Norte avançaram muito mais na frente ocidental. Em
Sul, os Confederados, ao contrário, sob o comando 1861 ,eles engajaram tropas sulistas em pequenas
eficaz do General Joseph E. Johnston e do General batalhas no Missouri e nas montanhas da Virgínia
Robert E. Lee, conquistaram uma série de vitórias. Ocidental, e conseguiram manter estas duas áreas na
74 Peter L. Eisenberg uerra Civil Americana 7S

União. Em 1862, enquanto os Confederados em


Nova Orleans estavam esperando um ataque vindo
do Rio Mississippi acima, o nortista Almirante Oavid
Farragut fez a sua Marinha de Guerra subir do Golfo
do México para capturar este porto importante, e
assim fechar este rio ao comércio sulista. Na terra, os
exércitos federais ocuparam Kentucky e o oeste do
Tennessee, tomando o centro ferroviário de Corinth e
o porto fluvial de Memphis, e obrigando os sulistas a
se retirarem do trecho alto do Rio Mississippi.
O mês decisório para a guerra foi julho de 1863.
No Leste, os nortistas massacraram um exército de
Lee em Gettysburg, Pensilvânia. o ponto mais seten-
._--------_._._-- ._-----~
l. Alabama B. Gollu 110 México 45. Nova Jerscy
2. A mêrica do Norte 24. lllinois 46. Nova Órleans
Britânica (Canadá) 25. Indiana 47. Oceano Atlântico
3. Andersonville 26. lowa 48.0hio
4. Antietam 27. Kansas 49.0maha
5. Arkansa~ 28. Kentucky 50. Pensilvânia
6. Allanta 29. La~n Erie SI. Petersburg
7. Augusta .10. Lago Michi)Com ~2. Rhode lsland
'8. Baltimore .1I. Louisiana 53. Richrnond
9. Carolina do Norte .12. Maryland 54. Rio Mississippi
tO. Carolina do Sul 33. Massachusetts 55. Rio Missnuri
1I. Charlcston ]4. Mcmphis ~6. RioOhio
12. Chattanooga 3S. Méxiw 57. Ri •• Shenandoah
13. Cincinnati .16. Miehi!!_n 58. Saint Louis
14. Colúmbia .17. Mississippi 59. Savannah
15. Connecticut 38. Missouri 110. Tennessee
16. Corinth 39. Mnbile 61. Terruório dos Indios
17. Oelaware 40. Montllomery 62. Tuas
18. Filadélfia 41. Montanhas Apala· 63. Vickshurg
19. Flôrida ches 64. Virgínia
20. Forte Surnter 42. Nrbraska 65. Virgínia Ocidental
21. Geór~ia 43. Nova lorque 611. Washington. Distri-
22. GO:lIyshllr~ 44. /liova lorquc (cidu- to de Colúmbia
de) 67. Wisconsin
Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 77
76

trional alçando pelos Confederados. No Oeste, os Rio Shenandoah, uma área fértil que abastecia as
nortistas depois de um sítio de seis semanas tomaram tropas sulistas defendendo Richmond. Ao mesmo
Vicksburg, a cidade melhor fortifica da no Rio Mis- tempo, e da mesma forma, Grant ordenou a seu
sissippi, cuja queda deu ao Norte o controle de toda a General William Tecumseh Sherman que saísse de
extensão deste rio, eliminou os estados confederados Chattanooga contra o sulista General- Johnston
do Texas, Louisiana e Arkansas da guerra e abriu a numa série de ataques que culminaram na captura ~
parte ocidental do Baixo Sul para o avanço federal. incêndio de Atlanta, em setembro de 1864, ao mesmo
tempo que o Almirante Farragut capturou Mobile·
Em novembro de 1863, os Federais tomaram Chatta-
o porto principal do Alabama. Logo depois Sherrnan
nooga, Tennessee, outro importante entroncamento
desprendeu-se das suas linhas vulneráveis de abas-
de estradas de ferro e um dos pontos de ligação entre
t~cimento e marchou até o Atlântico. Ajudado por
os dois lados das Montanhas Apalaches. Com a que-
hbertos para abastecer o seu exército às custas da
da de Chattanooga, o Norte preparou-se para invadir
população civil, Sherman cumpriu a sua promessa de
a Geórgia, no leste do Baixo Sul.
"fazer a Geórgia uivar", deixando uma faixa quei-
O general federal que tomouKentucky, Corinth
mada de 100 quilômetros de largura sem lavouras
e Vicksburg, na frente ocidental, foi Ulysses S.
máquinas, gado, fábricas, celeiros, pontes ou estra-
Grant. Nele Lincoln finalmente descobriu o militar
que podia traduzir as vantagens do Norte numa vitó- das de ferro. Chegando no porto de Savannah, Sher-
ria final. Nomeado Comandante-Chefe de todos os man passou o inverno lá, e na primavera de 1865 ele
exércitos federais, em março de 1864, Grant irnple- rumou para o Norte, atravessando a Carolina do Sul
mentou uma estratégia mortal de dois objetivos. Pri- o berço da secessão, deixando ruína e devastação no
meiro, ele destruiria a base material do Sul e com seu rastro, e queimando o porto de Charleston, a se-
isso o moral da população civil. Segundo, ele ata- gunda cidade do Sul, e a capital estadual, Colúmbia:
caria continuamente os exércitos do Sul sem se preo- Grant pressionava Richmond, batalhando com
Lee quase que diariamente, por cinco meses, e so-
cupar com as perdas nortistas. que podiam ser subs-
frendo, mas também inflingindo dezenas de milhares
tituídas mais facilmente do que as perdas sulistas, o
de baixas. Sherman cruzava implacavelmente as
que logo lhe mereceu o apelido de "o açougueiro".
Carolinas. Os dois generais nortistas completavam
Grant também se preocupou muito menos em defen-
um movimento de aperto do qual Lee e Johnston não
der Washington ou outros locais importantes desde
encontraram saídas. Em abril de 1865, após meses
que os Confederados não tinham mais condições de
nas trincheiras, Grant finalmente tomou Petersburg,
ameaçar seriamente.
o centro ferroviário para a capital confederada, e
Assim. Grant mandou queimar todo o Vale do
78 Peter L. Eisenberg

logo depois queimou a própria Richmond, alvo das


campanhas federais no Leste desde o começo da
guerra. Lee teve que se render no dia 9 de abril de
1865. Cinco dias depois um ator sulista amargurado
assassinou o Presidente Lincoln. Quatro dias depois
do assassinato, Sherman recebeu a rendição de
Johnston. A guerra terminou.

o IMPACTO DA GUERRA

Para manter o Sul na União, os EUA pagaram


um preço muito caro. Entre os combates e os hos-
pitais e prisões, onde epidemias de difteria, febre
tifóide, febre amarela, disenteria e varíola ceifaram
vidas, morreram 360000 pessoas do Norte (12% dos
combatentes) e 258000 do Sul (20% dos comba-
tentes). Morreu o presidente na hora da vitória.
Por ou tro lado, morreu também a escravidão.
Através da 13~' emenda à Constituição, o Congresso
em janeiro de 1865 aboliu a escravidão de vez, libe-
rando 4 milhões de pessoas de cor. A rendição do Sul
prometeu que esta abolição, ao contrário da Eman-
cipação em 1862. seria respeitada.

No Norte
A União sobreviveu, mas os quatro anos e seis
dias de luta operaram muitas mudanças, tanto no
80 Peter L. Eisenberg
tluerra Civil Americana 81

Norte como no Sul, de modo que nenhuma das re- se principalmente na demanda da própria guerra. Os
giões em 1865 se assemelhou àquelas que tinham exércitos federais precisavam de quantidades enor-
sido na década de 1850. Como vimos; para o Norte a mes de mercadorias como alimentos, roupas, calça-
guerra tinha começado numa conjuntura econômica dos, chapéus, cobertores, barracas, carroças, vagões,
muito desfavorável. Até 1862, o Norte continuou a
armas e munições. Esta demanda era seinpre reno-
sofrer a depressão provocada pelo Pânico de 1857. vada pela rápida destruição causada pela guerra, e
O volume de transportes marítimos caiu 60% entre também se manteve alta pela qualidade defeituosa
1860 e 1864, em parte devido também ao bloqueio do material fornecido. Muita gente lucrou vendendo
que restringiu o movimento da nação inteira. A cons- ao Governo Federal barcos que vazavam água, fuzis
trução de estradas de ferro praticamente parou, e a que estouravam com poucos tiros, uniformes e cober-
indústria de têxteis entrou em depressão por falta de tores que desintegravam na chuva e cavalos e mulas
algodão. Até 1863, o Norte teve que importar fardas de costas quebradas.
e munições. O setor financeiro viu-se impossibilitado Para enfrentar a demanda, e para compensar a
de receber 300 milhões de dólares em dívidas dos falta de braços, tanto a agricultura quanto a manu-
fazendeiros e comerciantes do Sul. fatura tiveram que se mecanizar. Na agricultura, os
Como se a depressão não fosse o bastante, o fazendeiros aceleraram a adoção de máquinas inven-
Norte também teve que substituir as centenas de mi- tadas nas décadas anteriores à guerra. Na manufa-
lhares de braços que saíram da força de trabalho tura, as grandes inovações foram a generalização da
para entrar nas forças armadas. O Congresso tentou máquina de costura aperfeiçoada por Issac Singer,
estimular ainda mais a imigração com a Lei do Tra- a sua adaptação à fabricação de calçados e a sua
balho Contratado em 1864, que permitiu aos patrões entrada no lar como a primeira máquina de uso
fazerem contratos com imigrantes no exterior, e doméstico, habilmente promovida numa maneira
adiantarem a passagem transatlântica contra o com- inovadora através de campanhas de publicidade,
promisso do imigrante ressarcir a dívi~a ~om o salá- cursos, planos de compra a prazo e contratos de
rio do primeiro ano de trabalho. A Lei dispensou os manutenção.
imigrantes contratados do serviço militar. Assim A guerra promoveu a concentração de capital.
como se deu com os esforços de estimular a imigra- Certas máquinas eram tão caras que somente os
ção para o Brasil nos meados do século XIX, este sis- grandes fazendeiros e manufatureiros podiam com-
tema também tolheu a liberdade do imigrante por prá-Ias. Somente os grandes manufatureiros podiam
pelo menos um ano. integrar a sua produção, para realizar todas as tare-
Mas a recuperação econômica do Norte baseou- fas desde o primeiro beneficiamento da matéria-
82 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 83

prima até o acabamento do artigo final, o que evitava fábricas de pontes, eixos, trilhos e locomotivas na
os impostos cobrados sobre a venda de artigos serni- Pensilvânia durante a guerra; na década seguinte ele
acabados. Somente os grandes tiveram influência implantaria e dominaria a indústria do aço.
política em Washington, pela amizade ou pelo su- Homens espertos na área de finanças também
borno, para conseguir os lucrativos contratos de for- lucraram durante a guerra. Jay Cooke ganhou o
necimento aos exércitos. monopólio na venda de apólices do Governo Federal,
Nos transportes e também nas comunicações, apólices destinadas a levantar mais de 2 bilhões de
a guerra promoveu a concentração. Antes da guerra dólares para pagar as despesas da guerra, com co-
as companhias de ferrovias, de canais e de telégrafos missões de 0,5% para o ágil Cooke. Os banqueiros
concorreram furiosamente, e os usuários gozaram de George Peabody e Pierpont Morgan negociaram ouro
preços baixos. Durante o conflito, a pressa de man- e ajudaram os investidores americanos apreensivos a
dar mercadorias e informações às frentes distantes, colocarem o seu capital nas praças européias mais
onde uma demora podia custar vidas, induziu fusões. seguras. Jay Gould fez vários golpes especulando em
As companhias de estradas de ferro entre a costa ações de companhias ferroviárias; ele aproveitava in-
atlântica e o Lago Michigan fundiram-se, como fize- formações secretas compradas a funcionários do go-
ram também outras, trafegando entre Massachusetts verno. O "Comodoro" Cornelius Vanderbilt, que já
e Nova Iorque, Ohio e Illinois e Illinois e Michigan. na década de 1850 detinha a maior fortuna ameri-
A companhia de telégrafos Western Union comprou cana, baseada nos transportes marítimos, conseguiu
muitas firmas pequenas neste ramo no velho No- o controle de todas as linhas de trem que entravam
roeste. consolidou-se com as duas companhias maio- na cidade de Nova Iorque pelo norte em 1864.
res e emergiu como um monopólio em 1866. A secessão do Sul determinou a retirada de qua-
Vários grandes capitalistas do último quarto do se todos os seus representantes do Congresso. Os
século XIX iniciaram as suas carreiras duran te a representantes do Norte e do Oeste, agora sem oposi-
guerra. John D. Rockefeller, que vendia alimentos ção. fizeram aprovar durante a guerra uma série de
para os exércitos do Norte. investiu seus lucros na medidas que revigoraram as economias de suas re-
refinação de petróleo em 1862. Então. o petróleo foi giões. Primeiro, três companhias de estradas de ferro
usado para a iluminação; Rockefeller fundaria a transcontinentais ganharam subsídios generosos de
Standard Oil (ESSa) em 1870. Philip Armour e Gus- dinheiro e terras, e duas completaram a primeira
tavus Swift forneciam carne de boi e de porco às linha ligando Omaha, em Nebraska, com Sacra-
tropas federais. e depois da guerra ficariam como os mento, na Califórnia, em 1869.
"reis" dos frigoríficos. Andrew Carnegie investia em Em segundo lugar, para promover a ocupação
84 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 85

do Oeste, o Congresso em 1862 aprovou a lei de de dólares em papel-moeda, sem que pudesse trocá-
Homesteads, através da qual as terras públicas se- los por ouro. o Governo inflacionou o nível de preços
riam doadas gratuitamente em parcelas de 64,8 hec- e efetivamente conseguiu um empréstimo obrigatório
tares para qualquer adulto que residisse e fizesse das classes credoras. que tinham que receber as notas
certos melhoramentos na parcela durante cinco anos. desvalorizadas em pagamento de dívidas oficiais.
As únicas pessoas inelegíveis eram os menores de Mas, as emissões também constituíam um ernprés-
idade, os soldados e os simpatizantes da Confedera- timo forçado à classe operária, que viu o valor real de
ção e os estrangeiros sem intenções de se naturalizar. seus salários cair um terço entre 1860 e 1865.
~sta lei também contribuiu para a concentração da Uma outra medida importante foi a reorgani-
riqueza, porque permitiu a venda das parcelas, e zação do sistema bancário em 1863 e 1864. Primeiro,
especula dores e companhias imobiliárias ficaram o Congresso colocou um imposto de 10% sobre as
com as melhores terras. emissões de dinheiro por bancos particulares, o que
Em terceiro lugar, para melhorar o nível téc- acabou com a circulação deste dinheiro. Segundo,
nico, o Congresso. em 1862, aprovou uma outra lei o Congresso autorizou um sistema de bancos parti-
que deu terras públicas para os estados criarem ins- culares licenciados pelo Governo Federal, os chama-
titutos de ensino superior de agronomia e de mecâ- dos bancos nacionais. Os bancos estaduais foram
nica. Estas doações, de pelo menos 36422 hectares obrigados a depositar um terço do seu capital para o
por estado. incentivaram o desenvolvimento de ses- governo, para receber. em troca, 900/0 do valor em
senta e nove universidades. incluindo particulares dinheiro emitido pelo Governo Federal. Pela pri-
como Cornell e o Instituto de Tecnologia de Massa- meira vez, desde a década de 1830, conseguiu-se
chusetts (MIT), e estaduais como as de Pensilvânia padronizar o papel-moeda e sujeitar os bancos parti-
lllinois, Minnesota, Wisconsin e Califórnia. ' culares à fiscalização federal.
Em quarto lugar, para custear a guerra o Go-
verno Federal vendia apólices pagando juros, e co-
brou mais impostos. O Congresso reformou o im- No Sul
posto de renda no sentido de atingir mais às classes
ricas, aumentou os impostos de consumo, e elevou os o Sul também passou por mudanças notáveis
impostos sobre importações de artigos de lã e de ferro atrás das linhas de combate. mas a maioria destas
para níveis realmente protecionistas. mudanças foi para pior. Como o Governo Federal. o
O Congresso' também promoveu uma certa in- Governo Confederado tentou pagar as suas despesas
flação. Aprovando uma emissão total de 450 milhões com dinheiro emprestado, arrecadado através da
86 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 87

venda de apólices. Inicialmente, estas vendas trouxe-


ram 1S milhões de dólares, mas este dinheiro quase
que imediatamente saiu do Sul para pagar as impor-
tações. Pouco dinheiro novo entrou na região, por
causa do bloqueio e da política de restringir as expor-
tações, de modo que as vendas subseqüentes de
apólices foram pagas em produtos como algodão,
açúcar, arroz e fumo. Assim, o Sul conseguiu pouco
mais do que a metade de dinheiro por habitante que
o Norte emprestou (veja Tabela 3).

TABELA 3- MANEIRAS DE CUSTEAR o GOVERNO


<$ caplta)-

Maneira Norte Sul

Empréstimos S 137,68 77,80


Impostos 31,88 22,73
Emissões 30,48 163,93
Total S 200,04 S 264,46

(.) Dinheiro no período 1861-65 dividido pela população de cada região


em 1860.

o Governo sulista, muito a contragosto, recor-


reu aos impostos sobre a importação, o consumo, os
negócios, os lucros no comércio de atacado e a renda.
Mas os impostos produziram 290/0 a menos do valor
per cupita alcançado pelos impostos no Norte.
o comandantes-chefes. Do Norte, à esquerda, Gal. Ulys-
ses S. Grant, o "açougueiro". Do Sul, à direita, Gal.
A solução encontrada pelo Sul para custear a Robert E. Lee, um .'aristocrata "de Virgínia. (Fotos da
guerra foi a emissão de grandes quantidades de di- Biblioteca do Congresso e dos Arquivos Nacionais dos
nheiro em papel, mais de cinco vezes o valor per EUA.)
88 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 89

capita que o Norte emitiu. Tamanha era a inflação em fevereiro de 1864, o governo sulista nacionalizou
no Sul que se dizia que no começo da guerra o sulista o comércio exterior e um ano depois assumiu o con-
ia ao mercado com a carteira de dinheiro e a sacola trole direto dos canais. telégrafos e barcos a vapor.
de compras, e no fim da guerra ele ia com uma sacola Mas estas medidas estatizantes, como o projeto de
de dinheiro para trazer uma carteira de compras. recrutar e armar os escravos aprovado poucas sema-
Para suprir os seus exércitos com material de nas antes do fim, foram insuficientes para evitar a
guerra, o Sul tinha que criar quase do nada um par- bancarrota, a crise e a derrota final.
que industrial; no Norte, como vimos, o problema
era muito mais o de reorientar a produção das manu-
faturas. O Governo da Confederação subsidiou a
metade dos custos de montagem e um terço do valor
da produção, para que as empresas particulares
montassem fábricas de material bélico, e controlou
os níveis de preços e de lucros. Todos os fornos e
fundições foram obrigados a produzir armas, muni-
ções, trilhos, blindados e máquinas. Mas logo se
esgotaram os estoques de minério de ferro, de modo
que o governo tinha que arrancar trilhos de estradas
de ferro pouco estratégicas para fundi-Ias para ou-
tras necessidades.
O próprio governo sulista pôs-se a produzir ar-
mas e munições em arsenais públicos, e criar uma
grande fábrica de pólvora em Augusta, Geórgia, na
época a maior fábrica estatal do mundo. A marinha
do Sul construiu vinte estaleiros, cinco fábricas de
armas, duas de máquinas e uma de pólvora, o que
possibilitou a produção de vinte e dois barcos blin-
dados. A maior parte desta indústria estatal foi loca-
lizada na capital de Richmond, Virginia, e no Baixo
Sul, na Geórgia e Alabama.
Desesperado com o avanço das tropas federais,
Guerra Civil Americana 91

Os projetos
Naturalmente os grupos interessados nestas
questões tiveram respostas diferentes. O Presidente
Aridrew Johnson. que assumiu depois do assassinato
de Lincoln. liderou um grupo de Republicanos mais
conservadores. Johnson tinha sido um senador do
Tennessee, e tinha defendido os pequenos proprie-
tários con tra a aristocracia dos fazendeiros, que ele
A RECONSTRUÇÃO odiava. Ele ficou leal à União quando o seu estado
separou-se dela e, como recompensa, foí nomeado
Vice-presidente para o curtíssimo segundo mandato
de Lincoln (1865). Quando Presidente (1865-68), ele
A Guerra Civil resolveu muitos dos problemas tentou evitar o revanchismo e restringir o papel do
que a provocaram. As questões da tarifa. do acesso às Governo Federal no Sul. Ele deixou o ex-presidente
terras do Oeste. do banco nacional. do dinheiro forte da Confederação, Jefferson Davis, ficar apenas dois
e dos melhoramentos internos encontraram. durante anos na prisão e depois devolveu à família de Davis
a guerra, as soluções defendidas pelo Norte desde a as suas fazendas. que tinham sido entregues aos
década de 1850. A 13~ emenda à Constituição aboliu ex-escravos e estavam sendo muito bem administra-
a escravidão. A derrota militar frustrou o desejo dos das por estes libertos.
grupos dominantes no Sul de criar uma nação inde- Sob Johnson , apenas um militar do Sul, o dire-
pendente. tor de um notório campo de prisioneiros em Ander-
Mas permaneceram grandes questões políticas. sonville, Geórgia, foi enforcado como criminoso de
Como o Sul seria reintegrado na União? Qual seria a guerra. Johnson também tentou vetar as leis fortale-
distribuição de poder político entre as raças? Ouais cendo o Departamento de Libertos, uma agência
esforços seriam feitos para dar condições materiais federal que defendia os ex-escravos, e as leis de
aos libertos para participar ele uma economia concor- direitos civis para os negros. sempre com a alegação
rencial? de que estas medidas cabiam aos estados e não ao
Governo Federal.
Os Republicanos Radicais formaram um se-
gundo grupo. abertamente hostil ao Presidente John-
92 Peter L. Eisenberg (illl'rru Civ]! A mericunu 93

son e dominante no Congresso durante o segundo cesso de Dred Scott, declarou que o negro era um
qüinqüênio da década de 1860. Este grupo entendia cidadão da nação tanto quanto do seu estado de
que o Sul não podia voltar à situação política de residência, garantiu os seus direitos à vida, liber-
antes da guerra. Uma das conseqüências da abolição dade e propriedade e proibiu aos governos estaduais
foi a elevação dos ex-escravos à condição de plenos infringir estes direitos. A emenda baseou a repre-
cidadãos para os efeitos do cálculo da representação sentação, na Câmara Federal, na população total, e
do Sul no Congresso. Então, se os representantes advertiu que, se um estado negasse o sufrágio a um
sulistas voltassem para o Congresso imediatamente, adulto, aquele estado perderia uma proporção de sua
o seu número seria bem maior do que antes da representação igual à do grupo prejudicado na popu-
guerra. lação do estado. Nenhum funcionário público que
Para que os Republicanos Radicais pudessem depois se juntasse à rebelião poderia voltar ao cargo.
controlar a política do Sul, e evitar a restauração da O Governo Federal não reconheceria nem as dívidas
aliança entre Democratas, no Sul e no Norte, que dos estados rebeldes, nem os pedidos de indenização
dominava a política de 1830 a 1860, eles tinham que dos ex-senhores de escravos, cuja perda pela abolição
efetuar uma reforma burguesa. Esta reforma signi- atingia um valor estimado até 4 bilhões de dólares,
ficava aumentar o peso político dos negros no Sul. Os aproximadamente 46070 da riqueza total nos estados
negros veneravam Lincoln, como no Brasil os libertos do algodão.
veneravam a Princesa Isabel, e por isso seriam uma Mas o projeto dos Republicanos Radicais de
massa eleitoral certa para os Republicanos. Are· dominar o Sul através de uma aliança com os negros
forma burguesa garantiria o sufrágio e outros direi- encontrou oposição quando dez estados sulistas, se-
tos democráticos aos negros no Sul, e destituiria do guindo conselhos do Presidente Johnson, recusaram-
poder todas as pessoas ligadas à antiga Confede- se a ratificar a 14~ emenda. Os sulistas brancos,
ração. mormente Democratas, tinham o seu próprio pro-
Os Republicanos Radicais concretizaram o seu jeto para a sua região. Eles queriam restabelecer a
projeto em várias medidas práticas. Eles fortalece- subordinação dos negros aos brancos, se não mais
ram o Departamento dos Libertos, que a partir de como escravos, então como um estamento de gente
1865 ajudou ao ex-escravo na procura de emprego, inferiorizada, que continuaria fazendo os trabalhos
terra, casa, comida, roupa e serviços de educação, manuais. Eles queriam também excluir os negros da
saúde e advocacia. Para garantir os direitos políticos, política.
eles fizeram o Congresso aprovar em 1866 a ·14~ Inicialmente, os fazendeiros sulistas experi-
emenda à Constituição, que anulou a razão do pro- mentaram o assalariamento como uma forma de
94 Pet er L. Eisenberg tiuerra Civil Americana 95

mant~r os nt:!~ros trabalhando, e até o Departamento trabalhavam na terra alheia e recebiam no fim da
do~ ~Ibertos incentivava-os a serem contratados por safra em pagamento uma fração de sua produção, o
salários. Para obrigar os libertos a venderem a sua que depois de 1868 era quase sempre a metade. O
f?rça de trabalho, os fazendeiros, logo após a guerra, dono da terra fornecia, além da própria terra, uma
f~zeram aprovar uma série de regulamentos conhe- moradia, o combustível, os animais de trabalho e a
cidos como "os códigos negros". Estas leis estabele- sua ração, as carroças e ferramentas, as sementes e
ceram pesadas multas e penas por desemprego, vaga- também supervisionava de perto todo o trabalho. O
~undagem, pregações públicas e porte de arma sem dono da terra recebia a metade da safra, seja quanto
I~cen~a. Se. o negro não pudesse pagar a multa, ele fosse, sem pagar salários e sem correr os riscos de
ficaria o~ngado a trabalhar para quem a pagasse. seca. cheia. geada e praga.
Outras leis nestes códigos tornavam quase impossível Embora a fração 50% tenha-se tornado uma
~? ~egro comprar terra, e proibiram-no de servir em constante, a quantidade de terra alocada ao parceiro
juns ou de casar-se com pessoas brancas. ficava sujeita a negociação. O dono procurava dar
Mas o assalariamento, incluindo moradia nas apenas a terra que o negro e a sua família podiam
s~nzalas e uma ração semanal de comida, não fun- trabalhar intensivamente, assim maximizando o ren-
cionou, por dois motivos básicos: a insuficiência dos dimento por hectare. O negro procurava trabalhar a
salários e a dureza das condições. Os libertos rejei- maior parcela de terra possível, para trabalhá-Ia ex-
taram os salários baixos; e a queda dos preços do tensivamente. assim maximizando o reridimento por
al~odão, logo após a guerra, impediu que os íazen- trabalhador. A parceria generalizou-se rapidamente,
deiros oferecessem salários maiores. Os libertos tam- até que em 1880 estima-se que 72% das propriedades
bém se recusavam a voltar a trabalhar para os mes- das áreas de algodão empregaram parceiros em par-
mos ex-senhores, ou a .trabalhar nas mesmas con- celas de tamanho entre 12 e 20 hectares. As áreas de
arroz e açúcar usavam menos parceiros .
. dições de turmas sujeitas a feitores e castigos físicos.
O arrendamento caracterizava os outros 28% das
,C?s ne~ros rejeitavam tanto o trabalho árduo que
tinha SIdo comum durante a escravidão, que se cal- propriedades nas áreas de algodão, em 1880. No
cula que depois da abolição eles trabalhavam entre arrendamento, o negro pagava uma quantidade fixa
28% a 37% menos horas por pessoa do que antes. de dinheiro pelo direito de trabalhar a terra alheia.
Sendo inviável o assalariamento os fazendeiros Ele recebia do dono da terra apenas este direito, a
rapidamente encontraram sistemas de trabalho mais moradia e o combustível. Todo o resto, o negro mes-
permanentes na parceria e no arrendamento. A par- mo tinha que providenciar, mas também ele ficava
ceria significava que o negro parceiro e a sua família com toda a sua produção. O tamanho da parcela
Guerra CÍI'il America1/a 97
96 Peter L. Eisenberg

centros ferroviários, nem os bancos. tinham condi-


média do arrendatário, em 1880, era um pouco
ções de avaliar as lavouras de dezenas de milhares de
maior do que o do parceiro. mas mesmo assim 69%
pequenos parceiros e arrendatários no interior. En-
daqueles trabalhavam com menos de 21 hectares.
tão, estes tinham que recorrer, para o crédito. ao
Os sistemas de parceria e arrendamento funcio-
dono da venda local. A este indivíduo, o negro com-
naram diferentemente da escravidão, de modo que
prava gêneros alimentícios básicos. sapatos e pano
no arrendamento o dono da terra nem se preocupava
para roupa. O negro comprava com dinheiro até a
com a produção e a sua comercialização; ele vivia
metade do ano agrícola; depois, esgotado o seu di-
exclusivamente de seus direitos de propriedade. Mas
nheiro, ele tinha que comprar fiado, pagando outros
é importante frisar que os novos sistemas não atin-
~reços incluindo altosjuros de50% a 60% anuais. No
giram a estrutura fundiária. Como antes. um nú-
fim da safra ele liquidava a dívida, para começar o
mero reduzido de pessoas continuou sendo o dono da
mesmo processo nou tro ano. .
maior parte da terra. Uma comparação da distribui-
Cada venda negociava com uma média de se-
ção de bens imóveis, em municípios representativos
tenta fregueses. Para garantir a dívida o vendeiro
do Sul em 1860 e 1870, revela que os 10% mais ricos
exigia que o negro plantasse mais algodão do que
detinham entre 57% e 60% de todos estes bens
gêneros alimentícios, porque o algodão envolvia me-
tanto antes quanto depois da guerra. '
nos riscos: ele era um produto não perecível, facil-
Para manter a subordinação dos negros, os fa-
mente armazenável, com rendimento por hectare e
zendeiros colaboraram estreitamente com os donos
preço futuro mais previsíveis. Como resultado, a pro-
das vendas. Antes da abolição, os fazendeiros tinham
dução de gêneros alimentícios. no Sul. sofreu um
recebido os empréstimos necessários. para custear o
declínio drástico de 50% depois da guerra. O déficit
ano agrícola. das casas de comissários, com a garan-
foi importado de outras áreas e vendido ao negro pelo
tia do penhor de seus escravos. Se a safra não desse
vendeiro. .
para pagar a dívida, o fazendeiro entregava alguns
Deste modo, o vendeiro' obrigava o negro a com-
escravos. Depois da abolição, como vimos. o fazen-
prar por preços extorsivos. Insistindo que o negro
deiro passava uma grande parte de seus custos para
plantasse algodão. o vendeiro mantinha o negro sem-
os parceiros e arrendatários e a garantia de escravos
pre endividado. O vendeiro esperto realizava uma
deixou de existir. Desde que nem o parceiro nem o
rápida acumulação de dinheiro que, em cinco anos
arrendatário pudessem oferecer a terra alheia como
permitia a ele comprar terras e se tornar fazendeiro:
garantia de empréstimo, a única coisa que lhes res-
Assim, os donos das vendas ajudaram os fazendeiros
tava era a safra.
a manter a dependência econômica do negro.
Mas nem as casas de comissários, nos portos ou
98 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 99

Finalmente, os próprios negros libertos tinham conhecidas como as Leis da Reconstrução. Estas leis
um projeto. Eles queriam uma reforma agrária, para submeteram a antiga Confederação ao governo mi-
que eles pudessem trabalhar a sua própria parcela de litar: a região foi dividida em cinco distritos cada um
terra. Esta terra seria confiscada ou expropriada dos governado por um general-de-brigada. A principal
brancos, para quem os negros trabalhavam como obrigação destes governos militares era de preparar
escravos desde a colônia. A idéia teve o apoio de um novo balanço de poder no Sul. Tal tarefa signi-
alguns Republicanos Radicais como o Representante ficou registrar os votantes negros, excluir os votantes
Thaddeus Stevens da Pensilvânia e o General O. O. brancos que tinham participado na rebelião, demitir
Howard, chefe do Departamento dos Libertos. O sumariamente quaisquer funcionários estaduais que
projeto de Stevens de dar 40 acres e 50 dólares (16 obstruíssem a Reconstrução e convocar constituintes
hectares e o valor de uma mula) para cada liberto estaduais que redigiriam novas constituições incor-
chefe de família, encontrou grande receptividade en- porando a 14~ emenda. Depois de cumprir todas
tre os negros, senão entre os colegas na Câmara dos estas exigências e o Congresso Federal aprovar as
Representantes, e passou para a consciência popular novas constituições, o governo militar seria retirado e
como a palavra de ordem "40 acres euma mula". Os o estado reentraria na União.
negros queriam também garantias eficazes de seus De fato, a Reconstrução no Sul virou o poder po-
direitos democráticos, para que eles pudessem ter lítico de cabeça para baixo nos anos imediatamente
voz ativa na política. onde se defenderiam em termos depois da guerra. Os principais cargos foram preen-
de igualdade com os brancos. chidos por nortistas, mormente militares. Muitos
nortistas civis também foram para o Sul; uns eram
ex-abolicionistas e idealistas que queriam colaborar
com os negros; outros, cognominados "aventureiros"
A Reconstrução Radical (carpet-baggers), queriam apenas lucrar com a si-
tuação. Os sulistas menos entusiastas da Confede-
Destes quatro projetos, algumas reivindicações ração, uma minoria durante a guerra, também aju-
dos Republicanos Radicais e dos negros receberam daram com a Reconstrução. Quando esta colabo-
apoio inicial do Governo Federal, devido a domi- ração mostrou-se mais interesseira, estes sulistas ga-
nação do Congresso pelos Radicais. Em resposta aos nharam o apelido de "mandriões" (scalawags).
vetos do Presidente Johnson e à resistência à 14~ No Sul devastado pela guerra, as tarefas da
emenda pelos estados sulistas, os Republicanos Ra- Reconstrução eram muitas. Os problemas passaram
dicais fizeram passar no Congresso uma série de leis da simples substituição nos cargos para a recons-
Guerra Civil Americana 101
100 Peter L. Eisenberg

destruição de suas lavouras e pelo desaparecimento


trução de rodovias, estradas de ferro, açudes, diques .
de seus escravos. Mas surgiu urna- nova oligarquia
. pontes, fábricas, prédios, orfanatos e asilos. Toda
terra tenente. de pessoas que ganharam o seu di-
uma rede de escolas públicas para os negros foi cria-
nheiro no comércio e nos bancos. e que compraram
da. Na Carolina do Sul. por exemplo, onde antes da
as fazendas falidas por preços baratos. Estes novos
guerra apenas 20000 crianças, quase todas brancas.
donos da terra muitas vezes moravam longe das suas
freqüentavam escolas públicas. em 1873 o número de
propriedades. e como absenteístas não tinham as
crianças era de 120000 e mais da metade era negra.
pretensões aristocráticas da oligarquia velha. Mas,
No Sul todo, foram estabelecidas no pós-guerra seis
como vimos, se os nomes das pessoas mudaram. a
universidades e dois institutos técnicos. especial-
concentração da riqueza continuou nas mãos de pou-
mente para os negros.
cos brancos.
Os negros ganharam outros benefícios da Re-
Com tanta gente inexperiente em posições de
construção. Pela primeira vez, eles votaram e servi-
poder. e tanta obra a ser realizada. o funcionalismo
ram nos júris. e estes direitos foram-Ihes garantidos
público já crescido e inchado pelo aumento do poder
contra a interferência oficial pela 15~ emenda à Cons-
do Estado durante a guerra e a Reconstrução tor-
tituição. aprovada em 1869. Muitos negros ocupa-
nou-se mais suscetível à corrupção. Uma tradição
vam cargos políticos. Foram eleitos quatorze negros
conservadora na historiografia norte-americana ca-
como representantes federais e dois como senadores.
racteriza como corruptos uma grande parte das pes-
Um foi nomeado governador e seis, vice-governa-
soas que subiram na política do Sul no pós-guerra.
dores. Vários servi ram como secretários estaduais e
Mas. por um lado, nada indica que o grau de cor-
muitos preencheram cargos locais. O pelourinho, a
ru?ç~o nas áreas reconstruí das excedesse àquela
marcação com ferro quente e o tronco desapare-
atingida no Norte. Lá, os Republicanos dó próprio
ceram como castigos legais, e se reduziu de vinte
Governo Federal. na pessoa do Vice-presidente, o
para dois o número de crimes puníveis com a sen- secretário particular do Presidente Ulysses S. Grant
tença de morte. (1869-1877). os Ministros da Guerra e da Fazenda o
Muitos brancos também se beneficiaram com a
presidente da Câmara. o embaixador na Inglaterra,
Reconstrução. As companhias formadas para restau-
funcionários importantes na Delegacia da Receita
rar e estender as estradas de ferro recebiam áreas
Federal e muitos membros dos dois partidos na Câ-
enormes de terra. Outros capitalistas tentaram trazer
mara e no Senado. além de toda a máquina política
a indústria para o Sul, sem muito êxito, mas com
do Partido Democrata na cidade de Nova lorque,
lucros para os promotores. Uma grande parte da
todos ficaram repetidamente envolvidos em escân-
velha oligarquia terratenente sumiu, arruinada pela
102 Peter L. Eisenberg Guerra Civi! Americana 103

dalos e abusos. Por outro lado, não se pode esquecer "Novo Começo". desassociou-se da ala mais tradicio-
que muitos nortistas missionários, professores. assis- nal. e também apoiou os Liberais em 1872.
tentes sociais e simples idealistas dedicaram-se à Re- As novas tendências políticas terminaram amea-
construção, por anos, de uma maneira desinteres- çando seriamente a hegemonia dos Republicanos Ra-
sada. Da mesma forma, muitos negros no Sul tenta- dicais e Leais. Quando estes conseguiram, em 1872,
ram honestamente administrar a Reconstrução. ape- reeleger o Republicano Leal Presidente Grant, um
sar das tentações de se corromper. herói de guerra muito popular, a maior parte dos
Republicanos Liberais ingressaram nas fileiras do
Partido Democrata. onde promoveram as idéias de
tarifas altas. dinheiro forte e industrialização. Os
o fim da Reconstrução Democratas, para apagar a sua velha imagem de
partido dos escravocratas. aceitaram gradualmente
Na década de 1870, depois de uma vida média estas novas idéias e adquiriram tamanha força elei-
de sete anos para os governos militares, a Recons- toral que em 1874. pela primeira vez desde 1856.
trução Radical terminou e o projeto político sulista o Partido Democrata ganhou uma maioria na Câ-
de excluir os negros venceu. EmParte, esta derrota mara dos Representantes.
ocorreu por rachas dentro do próprio Partido Repu- Um grupo de Republicanos no Sul formou o
blicano, e do fortalecimento de grupos hostis à Re- Partido Conservador, para atrair as pessoas da nova
construção Radical, e em parte ela resultou de uma elite econômica que se opunha às reformas sociais
conjuntura econômica difícil. A questão da corrup- em curso. mas que rejeitava. por enquanto, uma
ção, tanto no Norte como no Sul. atraiu as atenções volta ao Partido Democrata. Assim. Liberais, Demo-
dos reformadores, que antes tinham apoiado a aboli- cratas e Conservadores assumiram muitas velhas po-
ção e a Reconstrução Radical. Agora, estes bem- sições republicanas e fizeram oposição eficaz aos
intencionados perceberam o funcionalismo público Republicanos Radicais; estes ficaram isolados em
corrupto como sendo um problema mais importante sua defesa dos negros.
do que a Reconstrução do Sul em favor dos negros. Além desta oposição política, os Radicais tive-
Chamando-se de "Liberais" para se distinguir dos ram que enfrentar a oposição violenta do terrorismo
outros Republicanos apelidados "Leais", os refor- bm!!co no Sul. O Ku Klux Klªn. ~r exemplo, um
mistas concorreram âs'eleições presidenciais de 1872 clube de veteranos dos exércitos da Confederação,
com um candidato próprio, embora sem êxito. Uma virou uma organização de terroristas disfarçados em
ala importante do Partido Democrático. chamada lençóis e capuzes brancos. cavalgando à noite e per-
104 Peter L. Eisenberg
Guerra Civil Americana 105

seguindo os negros e os seus aliados com incêndios.


conseguiram novos depósitos ou empréstimos na Eu-
surras e linchamentos. Outras organizações clandes-
ropa para compensar o crédito excessivo estendido às
tinas como os Cavalheiros da Camélia Branca, os
companhias ferroviárias, eles ficaram sem poder en-
Cavalheiros do Sol Nascente, as Guardas Constitu- frentar as suas obrigações bancárias, e faliram.
cionais e os Caras-Pálidas também praticaram o ter- O colapso da Bolsa de Valores e dos grandes
rorismo contra os negros e os seus aliados. Calcula-se bancos e das muitas empresas destes dependentes
r ' .
~ que, apenas no período de 1867 a 1871, mais de
dobrou a freqüência de falências, e paralisou mais do
20000 pessoas foram mortas por terroristas brancos.
que a metade da indústria siderúrgica. Muitas em-
Quando em 1871 e 1872 o Governo Federal tar-
presas tentaram salvar-se demitindo operários e re-
diamente passou leis e tomou providências para con-
duzindo os salários em até 50%. No inverno de 1877-
trolar estas organizações, elas desapareceram. Mas
78, um total de 3 milhões de pessoas ficou sem em-
outras semelhantes, a Unha Branca, a Liga Branca.
prego, ou seja, um trabalhador na rua para cada
o Clube do Povo e as Camisas Vermelhas, surgiram
quatro ou cinco ganhando. Quando os operários re-
no Sul, e nesta altura contavam com a complacência
sistiram aos cortes com greves, foram reprimidos
e até o apoio de certos governos locais.
com bastante violência, como nas minas de carvão
A Depressão de 1873, cujos efeitos estenderam-
em 1875, onde dez grevistas foram executados, e nas
se nos EUA até 1879, foi a outra força que derrotou a
estradas de ferro, em 1877, onde batalhas entre gre-
Reconstrução Radical. Esta Depressão, a pior expe-
vistas e tropas deixaram centenas de mortos.
rimentada pela nação até então. em parte resultou de
Esta desesperada situação econômica apressou o
uma crise econômica na Europa. Tal crise levou os
declínio dos Republicanos Radicais. Os bancos de
europeus a venderem grandes quantidades das suas
Jay Cooke tinham sido uma fonte importante de
ações americanas, o que tanto deprimiu o nível de
apoio financeiro para estes Republicanos, que senti-
preços na Bolsa de Valores de Nova Iorque que, pela
ram a sua falta. Para o público, a corrupção tolerada
primeira vez, este importante mercado de capitais
pelos Republicanos Radicais agora parecia um des-
fechou. A Depressão de 1873, como o Pânico de
perdício inaceitável. No velho Noroeste, apareciam
1857, também foi agravada pela falência de bancos,
novos partidos políticos, como o Independente Refor-
como os de Jay Cooke, que tinham emprestado muito
dinheiro às companhias ferroviárias, sem ligar para o mista. que lutava contra a corrupção e a distribuição
fato de que algumas destas estavam sobrecapitali- desenfreada de terras às grandes companhias ferro-
zadas, e não estavam lucrando o necessário para viárias, e o Papel-Moeda iGreenback), que reivindi-
cava a expansão monetária e facilidades de crédito
amortizar os empréstimos. Quando estes bancos não
para os fazendeiros. Ambos os partidos opuseram-se
106 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 107

ao Partido Republicano, e atraíram Republicanos aprovação das "cláusulas de avô", que determina-
dissidentes para as suas fileiras. ram que somente as pessoas cujos pais e avós tinham
Em tais condições difíceis, tanto políticas quan- o sufrágio no começo de 1867, portanto antes da
to econômicas, o negro no Sul perdeu os seus aliados 14~ emenda, podiam votar.
brancos. Os governos reconstruçionistas apoiaram os A Reconstrução terminou em 1877. Na eleição
políticos Liberais e Conservadores e até adotaram as presidencial de 1876, o candidato Samuel Tilden do
palavras de ordem racistas dos Democratas de "su- Partido Democrata tinha ganho a maioria dos votos,
premacia branca" e "controle local". Em áreas onde mas em vários estados, principalmente no Sul, houve
os negros eram majoritários, como o Mississippi e a reclamações que levaram a uma nova contagem. Para
Carolina do Sul, as novas organizações de terrorismo conseguir, no Sul, o apoio dos Democratas e dos
branco aproveitaram-se da passividade oficial para Conservadores para o candidato Republicano Ru-
aumentar as suas campanhas de terrorismo. Eles therford B. Hayes, os Republicanos fizeram um acor-
afastaram os negros da política, esvaziaram as milí- do notório. Em troca de uma contagem que favore-
cias estaduais onde os negros ainda predominavam. cesse Hayes, os Republicanos prometeram uma es-
e desarmaram a população negra. O Governo Fede- trada de ferro do Texas até o Oceano Pacífico e ou-
ral permitiu que as autoridades locais resolvessem os tros melhoramentos internos, dois ministérios, e em-
casos de violência contra os negros, invocando os pregos federais para os Democratas no Sul. Fechada
velhos argumentos de direitos estaduais sempre em- a barganha, Hayes assumiu a presidência, retirou as
pregados pelos sulistas e por Andrew Johnson, dei- últimas 6000 tropas federais da Louisiana, Flórida e
xando nas mãos dos tribunais estaduais os casos de Carolina do Sul, e deixou que os Democratas no Sul
violações, por indivíduos, da 14~ e IS~ emendas. monopolizassem a política, como os fazendeiros
As legislaturas estaduais cortaram os programas brancos com os seus aliados já dominavam os negros
de ajuda aos negros e impuseram impostos regres- na economia rural.
sivos que atingiram mais aos pobres. Estas legisla- Doze anos depois do fim da Guerra Civil, o Go-
turas negaram o direito de voto aos negros através de verno Federal terminou de reintegrar o Sul na União.
diversas manobras, como a toleracão do suborno e da Neste Sul reintegrado predominavam grupos polí-
falsificação de votos; o redesenho (gerrymander) dos ticos e econômicos que, no que dizia respeito ao
I/ distritos eleitorais para dispersar o voto dos negros; o negro, pouco se distinguiam daqueles que dirigiam
uso de urnas múltiplas e a mudança das urnas na os destinos da região antes da guerra. Pelo abandono
última hora para confundir ao votante negro; a com- dos ideais da Reconstrução, o Governo Federal lavou
plicação dos testes de alfabetização e cidadania; e a as suas mãos da responsabilidade para com os ex-
108 Peter L. Eisenberg

escravos, entregando-lhes aos cuidados pouco com-


passivos dos brancos sulistas. A Guerra Civil liberou
os escravos. Mas, ironicamente, o último dos grandes
acordos entre o Norte e o Sul garantiu a nova sub-
jugação dos negros.
A Reconstrução Radical constituiu uma expe-
riência com a qual não existe paralelo na história do
Brasil, seja na época da abolição ou seja depois, onde
quase nada foi feito para integrar os libertos na
sociedade capitalista. Mas no fim desta experiência CONCLUSÃO
os negros americanos no Sul enfrentavam proble-
mas de pobreza e da negação de direitos civis que
ainda hoje os afligem.
Pela importância que a Guerra Civil teve na his-
tória dos EUA, é fácil entender que todas as gerações
de historiadores americanos têm procurado com-
preendê-Ia. A título de conclusão pretendemos rapi-
damente descrever as interpretações diferentes que
têm aparecido sobre a guerra e procurar situar a
perspectiva que orientou as nossas páginas anterio-
res.
Logo depois da guerra, como era de se esperar,
as interpretações publicadas eram abertamente par-
tidárias. Escritores do Norte chamavam-na de "Guer-
ra de Rebelião", acusando o Sul de ter plena respon-
sabilidade e de ter merecido os castigos e a derrota
que sofreu. Escritores do Sul a chamavam de "Guer-
ra entre os Estados", e a atribuíam à agressão do
Norte contra uma sociedade que só queria preservar c
continuar com o seu estilo de vida.
Trinta anos depois da guerra, na última década
110 Peter L. Eisenberg Guerra CiI';1 Americana 111

do século XIX, quando os EUA já tinham emergido todos os males que a Primeira Guerra Mundial devia
como uma nação industrializada e com ambições ter extirpado. Então. estes revisionistas atribuíram a
imperialistas no Caribe, na América Central e no Guerra Civil à "geração desajeitada" de políticos das
Pacífico, os historiadores (Rhodes, Dunning - veja- décadas de 1850 e 1860. Eram os sulistas exaltados e
se a bibliografia) tendiam a ver a Guerra Civil como os abolicionistas fanáticos do Norte. que precipita-
"um Conflito Irreprirnivel" que girou em torno da ram a Guerra Civil com a sua própria incapacidade
questão da escravidão, mas para a qual as duas política. Da mesma forma. eram os políticos revan-
regiões deviam ser responsabilizadas. Trágica e cus- chistas e corruptos que exploraram o Sul prostrado
tosa como foi a guerra, pelo menos permitiu a conti- durante a Reconstrução, até que os sulistas mode-
nuidade da União, sem a qual o crescimento e ex- rados reassumiram o controle de sua região.
pansão dos EUA não se teriam realizado. Logo depois da Segunda Guerra Mundial. sur-
Na década de 1920, quando o imperialismo ian- giram interpretações (Schlesinger, Nevins) que exal-
que já estava provocando sérias críticas internas e os taram a Guerra Civil. A escravidão, segundo estes
esforços dos progressivistas de controlar os excessos autores, era um obstáculo para o progresso social nos
do capitalismo monopolista tinham em grande parte EUA •. e particularmente dos negros. Infelizmente.
fracassado, interpretações novas (os Beards) caracte- era o tipo de problema moral, como a expansão na-
rizaram a guerra como um conflito entre o capita- zista, que somente uma guerra podia resolver.
lismo industrial do Norte e o capitalismo agrário do Nos últimos vinte anos; a contribuição ameri-
Sul, com cada região querendo dominar o Governo cana para a Guerra Fria e a renovada luta dos negros
Federal. A vitória do Norte nesta "Segunda Revo- pelos seus direitos civis têm levado diversos historia-
lução Americana" significava o triunfo de uma civi- dores americanos (Genovese, Moore, Carnejo, Mal-
lização que, se aboliu a escravidão. introduziu mui- lin, WilIiams) e estrangeiros (Luraghi) a retomar as
tas outras injustiças na sociedade americana. interpretações da década de 1920 e elaborá-Ias. No-
Na década de 1930, apareceu um grupo de his- vamente se lê que a Guerra Civil contrapunha duas
toriadores (Craven, Randall) chamados "revisionis- civilizações completamente diferentes. com contradi-
tas". Estes sentiram as desilusões dos americanos ções tão básicas. sobretudo com respeito à relação de •
que apoiavam a Primeira Guerra Mundial como "a trabalho predominante. que os arranjos costumeiros
Guerra para Fazer o Mundo Seguro para a Demo- entre as classes dominantes não conseguiram mais
cracia" e "a Guerra para Terminar com todas as contornar os problemas. Alguns destes historiadores
Guerras". Eles viram, na década de 1920 e na Gran- da "Nova Esquerda" caracterizam a Guerra Civil
de Depressão, a partir de 1929. o reaparecimento de como" A Última Revolução Capitalista", quando a
112 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 113

expansão do capitalismo do Norte exigia reformu- anos, têm-se sentido fascinados pela Guerra Civil
lações do poder político que somente seriam possíveis pela sua singularidade e excepcionalidade na história
depois da destruição do Sul pré-capitalista. Estes nacional. Talvez, se a considerarmos não como um
historiadores também percebem na Reconstrução um acontecimento grotesco, mas como a crise maior de
esforço honesto e digno de prover os negros com as um processo único. o da implantação do capitalismo
condições econômicas e políticas essenciais para a industrial, e por isso mesmo sem semelhantes. conse-
sua sobrevivência numa sociedade capitalista. Se guiremos compreendê-Ia melhor.
houve erro na Reconstrução, não era de exagero ou
de venalidade, mas de timidez.
Reconhecemos que este nosso estudo introdu-
tório deve muito àquela última interpretação. Mas
ninguém pode ficar indiferente às explicações mais
críticas e compreensivas de sua época. Parece claro
que nem o Norte nem o Sul era mocinho ou vilão.
Também é evidente que as forças econômicas e so-
ciais que determinavam a direção da história ameri-
cana durante o século XIX não podiam ter estado
ausentes na hora de sua crise maior. Se a escravidão
não era a única questão dividindo o Norte do Sul, ela
teve implicações e conseqüências tão profundas que é
bem possível entender que um impasse político sobre
esta questão tivesse levado as classes dominantes à
guerra. Nem sempre duas sociedades com formações
econômicas e sociais diferentes entram em combate
mortal. Mas, quando há grandes proximidades entre
as duas no mesmo corpo político, e quando as duas
têm as mesmas ambições para com uma outra região
ainda em formação, como foi o caso do Oeste, fica
mais provável que nem todas as diferenças políticas
encontrem resoluções amigáveis.
Os historiadores americanos, por mais de cem
Guerra Civil Americana 115

N. Current, T. Harry Williams e Frank Friedel,


American History, A Survey , 3~ edição (Nova Ior-
que, Alfred A. Knopí. 1971) e outro que, embora
velho e preconceituoso, ainda merece respeito pelos
seus detalhes é o de John D. Hicks, The Federal
Union e The American Nation , 2~ edição (Cam-
bridge. Massachusetts, Houghton Mifflin/Riverside
Press, 1952). Uma coletânea de artigos críticos foi
organizada por Allen F. Oavis e Harold D. Wood-
INDICAÇÕES PARA LEITURA mano Conflict and COIlSeIlSUS;1/ Early American His-
tory. 5~edição (Lexington, Massachusetts, O. C.
Heath, 1980). Para resumos de pesquisas e perspec-
tivas recentes. veja-se Benjamin Larabee, America's
A bibliografia em português sobre a história Nation-Time, 1607-/789; Raymond H. Robinson,
norte-americana está muito pobre. Poucos brasileiros TI/e Growing of America, /789-/848; e Donald M.
ou portugueses pesquisam e publicam sobre esta his- Jacobs e Raymond H. Robinson, America's Testing
tória. e poucos livros escritos por historiadores es- Time. /848-/877. todos os volumes de uma série
trangeiros conseguem traduções. Em vista do papel organizada por J. Joseph Huthmacher t Boston, Allyn
que os EUA desempenham na economia e na política e Brown, 1972-73). Há também, em português, C.
do Brasil. sem falar do mundo, tal escassez de es- Vann Woodward (org.), Ensaios Comparativos sobre
tudos e de divulgação torna-se lamentável. No inglês, a História Americana. traduzido por Octavio Men-
por outro lado. há uma verdadeira indústria de livros des Cajado (São Paulo, Cultrix, 1972) e Celso
sobre a Guerra Civil, e todo ano aparecem novos tí- Furtado, Formação Econômica do Brasil, IS~ edição
tulos. Nesta bibliografia, incluímos apenas os livros (São Paulo, Nacional, 1977), especialmente Capi-
utilizados na preparação deste volume e aqueles de tulosV, VleXVIlI.
enfoque mais abrangente ou mais atualizado. História Econômica da América do Norte: tem
Trabalhos gerais: felizmente existe uma valiosa uma análise detalhada em português: Ross M. Ro-
tradução de uma coleção' de documentos: Harold C. bertson, História da Economia Americana, 2 volu-
Syrett (org.), Documentos Históricos dos Estados mes, traduzido por J. L. Mello (Rio de Janeiro, Re-
Unidos, traduzido por Octavio Mendes Cajado (São cord, 1967). Para estudos mais gerais de todas as
Paulo, Cultrix, 1980). Um manual útil é de Richard regiões, veja-se Stuart Bruchey, The Roots o/ Ame-
116 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 117

rican Economic Growth, 1607-1861. An Essay in Mundo dos Senhores de Escravos (Rio de Janeiro,
Social Causation (Nova Iorque, Harper e Row, 1968) Paz e Terra, 1979) e Carl Degler, Nem Preto nem
e Douglas North. Una Nueva História Econômica. Branco. Escravidão e Relações Raciais no Brasil e
Cresc:imiento y Bienestar en el Passado de los Esta- nos Estados Unidos (Rio de Janeiro, Labor do Brasil,
dos Unidos (Madri. Tecnos, 1969). 1976). De Eugene D. Genovese, veja-se também
O Norte: as monografias clássicas são de Tho- Roll, Jordan, Rol/. The World the Slaves Made (Nova
mas C. Cochran e William Miller, The Age of Enter- lorque, Random House, 1972) e From Rebellion to
prise. A Social History of Industrial América, edição Revolution. Afro-American Slave Revolts in lhe Ma-
revisada (Nova lorque, Harper e Row, 1961); Geor- king of lhe Modern World (Baton Rouge, Louisiana
ges Rogers Taylor, The Transportation Revolution. State University Press, 1979). O primeiro trabalho
/8/5-/860 (Nova lorque, Harper e Row, 1968) e sobre a resistência dos escravos foi o de Herbert
Marcus Lee Hanson. The Atlantic Migration, 1607- Aptheker, American Negro Slave Revolts (Nova Ior-
/860. A History of lhe Continuing Settlemenl of lhe que, International Publishers, 1974).
United States (Nova Iorque, Harper e Brothers, Representativos dos novos enfoques da história
1961). Vejam-se também os sumários mais recentes social e econômica são Gavin Wright, The Politica/
de Robert L. Heilbroner e Aaron Singer, The Eco- Economy of lhe Cotton South. Households. Masters
nomic Transformation of Americu (Nova Iorque, and Wealth in lhe Nineteenth Century (Nova Iorque,
Harcourt, Brace, Jovanovich, 1977) e Zane L. Miller, W. W. Norton, 1978); Robert William Fogel e Stan-
The Urbanization of Modern América, A Brief His- ley L. Engerrnan. Time on lhe Cross. The Economics
tory (Nova Iorque, Harcourt, Brace, Jovanovich, of American Negro Slavery , 2 volumes (Boston,
1973). Little, Brown, 1974) e AlIan Weinstein c Frank Otto
O Sul: as obras básica são de Lewis Cecil Gray, Gattell, American Negro Slavery, 2~ edição (Nova
History of Agriculture i11 lhe Southern United States Iorque, Oxford University Press, 1973).
to /860, 2 volumes (Gloucester, Massachusetts, Peter O Oeste: Ray Allen Billington, The Far Western
Smith, 1958); U. B. Phillips, American Negro Sla- Frontier 1830-1860 (Nova Iorque, Harper e Row,
very (Baton Rouge, Louisiana State University Press, 1962) e Paul W. Gates, The Farmer's Age: Agri-
1966) e Clement Eaton, The Growth of Southern culture, 18/5-/1'/60 (Nova Iorque, Harper e Row,
Civilization, /790-/860 (Nova lorque, Harper e Row, 1960), são sumários exemplares. Em português, veja-
1961). Para aspectos da história do Sul em portu- se Dee Brown, Enterrem () meu Coração na Curva do
guês, veja-se Eugene D. Genovese, A Economia Polí- Rio (São Paulo, Melhoramentos, 1973), sobre os Ín-
tica riu Escravidão (Rio de Janeiro, Palias. 1976) e O dios, e Emília Viotti da Costa, Da Monarquia à·
118 Peter L. Eisenberg Guerra Civil Americana 119

República. Momentos Decisivos (São Paulo, Gri- da Ditadura e da Democracia, traduzido por M. L.
jalbo, 1973). capítulo IV. onde a autora compara a F. Couto (Lisboa, Cosmos, Santos. Martins Fontes,
lei de terras no Brasil (1850) com a dos EUA (1862). 1975), especialmente o capítulo 111; Raimundo Lu-
As causas da guerra: um tema que tem atraído raghi, The Rise and Fali of lhe Plantation South
muitos historiadores, entre os quais os melhores são (Nova' Iorque, New Viewpoints, 1978) e William
Louis Filler, The Crusade against Slavery, 1830-1860 Appleman Williams, The Contours of American 1-lis-
(Nova Iorque, Harper e Row, 1960); Martin Duber- tory (Chicago. Quadrangle Books, 1966). especial-
man (org.), The Antislavery Vanguard (Princeton, mente "The Age of Laissez Nous Faire: 1819-1896",
Princeton University Press, 1965); David M. Potter, capítulo IV.
The Impending Crisis, 1848-/86/ (Nova Iorque, Har- A guerra civil: os estudos mais detalhados são de
per e Row, ]976), e Eric Foner, Free Soil, Free AlIan Nevins, Ordeal of the Union , 8 volumes (Nova
Labor. Free Meu: The Ideology of lhe Republican Iorque, Charles Scribner's Sons, 1947-71); J. G.
Party before lhe Civil War (Nova lorque, Oxford Randall e David Donald, The Civil War and Recons-
University Press, 1971). Para interpretações, veja-se truction , 2 volumes (Boston, D. C. Heath. 1961)
James Ford Rhodes, fhe History of lhe United States e Bruce Catton, Centennial History of the Civil War,
from lhe Compromise of /850 to lhe Final Restora- 3 volumes (Garden City, Doubleday, 1961-65). Re-
tion of Home Rufe ;1'1 the South in 1877, 7 volumes sumos mais acessíveis incluem Thomas H. O'Con-
(1893-1906); Charles e Mary Beard, The Rise of nor, The Disunited States. The Era of Civil War
American Civilization . 2 volumes (Nova Iorque, and Reconstruction (Nova Iorque, Dodd, Mead,
Macmillan, 1930); William A. Dunning, Essays 01'1 1973) e Emory Thomas, The Confederacy as a Revo-
lhe Civil War and Reconstruction (1904); Avery' O. lutionary Experience (Englewood Cliffs, Nova Jersey,
Craven, The Coming of lhe Civil War, 2~ edição Prentice-Hall, 1971). Uma apreciação jornalistica,
(Chicago, University of Chicago Press, 1957); Ed- mais interessante pela importância de seus autores,
win C. Rozwenc (org.), The Causes of lhe American é de Karl Marx e Friedrich Engels, La Guerra Civil
Civil Wa.r (Boston, D. C. Heath, 1961); Thomas J. en los Estados Unidos, traduzido por Nestor R. O.
Pressly, Americans Interpret their Civil War (Nova Oderigo(Buenos Aires. Rosa Blindada. 1973).
Iorque, Free Press, 1965); Charles Crowe (org.), The A reconstrução: os trabalhos pioneiros neste pe-
Age of Civil War and Reconstruction, 1830-1900: A ríodo são de W. E. B. DuBois. Black Reconstruc-
Book of Interpretative Essays (1966); lrwin Unger tion in America, /860-1880 (Nova lorque, Athe-
(org.), Essays 01'1 lhe Civil War and Reconstruction neum, 1979); Kenneth M. Stampp, The Era of Re-
(1970). Barrington Morre Junior, Origem Sociais construction, 1865-1877 (Nova lorque, Alfred A.
120 Peter L. Eisenberg

Knopf, 1965); John Hope Franklin, Reconstruction


after the Civil War (Chicago, University of Chicago
Press, 1961) e C. Vann Woodward, Reunion and
Reaction: The Compromise 011877 and lhe End 01
Reconstruction (Nova Iorque, Doubleday, 1956) e
The Burden 01 Southern History , edição revisada
(Nova Iorque, New American Library, 1968). Auto-
res mais recentes, que analisam com mais detalhes
a situação do negro, são Reger C.Ransom e Richard
Sutch, One Kind 01 Freedom. The Economic Canse-
Sobre o Autor
quences 01 Emancipation (Nova lorque, Cambridge
University Press, 1977). Jay R. Mallin, The Roots 01
Peter Louis Eisenberg nasceu na cidade de Nova lorque em 1940.
Black Poverty: The Southern Plantation Economy
Bacharelou-se em Filosofia na Universidade de Yale, em 1961; fez o
after the Civil War (Durham, Duke University Press, mestrado em Estudos Hispano-Americanos e Luso-Brasileiros na Uni-
1978). Peter Camejo, Racism, Revolution, Reaction, versidade de Stanford, em 1962; e completou o doutorado em História na
186/-1877. The Rise and Fali 01 Radical Recons- Universidade de Colúmbia, em 1969.
Iniciou a carreira docente em Rutgers. a Universidade Estadual
truction (Nova lorque, Monad, 1976); James C. de Nova Jersey, em 1965. Trabalhou também na Universidade das Indias
Roark, Masters Without Slaves. Southern Planters Ocidentais em Trinidad e Tobago. Desde março de 1975 leciona na
in lhe Civil War and Reconstruction (Nova Iorque, Universidade Estadual de Campinas (SP) - UNICAMP.
As suas ohras principais incluem o livro Modernização sem Mu-
W. W. Norton, 1977) e Leon F. Litwack, Been in the dança: a Indústria Açucareiro em Pernambuco, 1'840-1910 (Rio de Ja-
Storm so Long, The Aftermath 01 Slavery (Nova 101:-- neiro, 1977, tradução) e diversos artigos e capítulos publicados nos EUA,
que, Random House, 1980). Veja-se também Robert na Inglaterra, na França e no Brasil.
B: Toplin, Freedom and Prejudice: the Legacy 01
Slavery in lhe United States and Brazil (Westport,
Greenwood, 1980).

Você também pode gostar