066048-1, de Seara Relator: Des. José Volpato de Souza
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA - PRELIMINAR SUSCITADA DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - ASSERTIVA RECHAÇADA - DIREITO DO CONSUMIDOR - POSSIBILIDADE DE O MINISTÉRIO PÚBLICO QUESTIONAR, NESSE TIPO DE DEMANDA, A DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO - ESTAÇÃO MÓVEL (RURALCEL) - AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA BRASIL TELECOM PELA MIGRAÇÃO DOS SISTEMAS TDMA PARA GSM - ALEGAÇÃO REPELIDA - COMANDO QUE DETERMINOU A RECUPERAÇÃO DOS TERMINAIS - POSSIBILIDADE - PRAZO DE CUMPRIMENTO DE TRINTA DIAS - TEMPO EXÍGUO, TENDO EM VISTA AS ADEQUAÇÕES A SEREM FEITAS - AMPLIAÇÃO PARA SEIS MESES - MULTA DE R$ 50.000,00 - DESPROPORCIONALIDADE NA FIXAÇÃO DO VALOR DA MULTA - INTENTO INIBITÓRIO - PEDIDO DE MINORAÇÃO CONCEDIDA ANTE O PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - LIMITAÇÃO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n.
2010.066048-1, da comarca de Seara (Vara Única), em que é agravante Brasil Telecom S/A, e agravado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Público, por maioria de votos,
dar parcial provimento ao recurso, vencido parcialmente o Exmo. Des. Rodrigo Collaço, quanto à extensão do prazo. Custas Legais.
RELATÓRIO
Brasil Telecom S/A interpôs agravo de instrumento com pedido de efeito
suspensivo contra a decisão do MM Juiz da Vara Única da Comarca de Seara (fls. 568/571), que, nos autos da ação civil pública (068.10.000669-5), rejeitou as preliminares suscitadas na contestação e concedeu os efeitos da tutela à parte autora, para determinar que a ré restabeleça o sinal de telefonia dos consumidores na área rural da Comarca de Seara, no prazo de 30 (trinta) dias, "bem como migre todos os sistemas de telefonia TDMA para GSM, ou para telefonia fixa [...]" sob pena de multa diária, no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por dia de atraso (fl. 571). Aduz, em preliminar, ausência de legitimidade do Ministério Público, porque não há interesse social relevante que justifique a sua atuação, pois defende interesses dos potenciais 121 (cento e vinte e um) usuários mencionados na inicial, sem repercussão social; é inadequada a ação civil pública para a proteção de interesse individual, devendo a demanda ser extinta (art. 267, VI, CPC). No mérito, afirma que: a antecipação de tutela, concedida pelo MM. Juiz quanto à obrigatoriedade de investimentos para restabelecer o sinal do RuralCel e a migração da tecnologia TDMA para GSM ou promover a expansão do STFC, sem qualquer custo aos consumidores, é contrária ao Plano de Metas; não tem responsabilidade pela migração de tecnologia da telefonia móvel e sim das delegatárias do serviço de telefonia celular; inexiste perigo de dano irreparável da parte autora; evidente é o periculum in mora inverso diante dos vultuosos investimentos; impossível o cumprimento desta determinação; é Concessionária de Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC; o referido serviço, de telefonia fixa é prestado dentro da Área de Tarifa Básica (ATB), consoante dispõe a ANATEL em suas regras básicas; o que se encontra fora da área, pode se dar por meio de contrato específico, havendo custos para a manutenção do terminal telefônico instalado, a serem suportados pelos usuários; este atendimento RuralCel/Ruralvan é uma alternativa quando inexiste redes de transmissão de dados e de cabos telefônicos nas regiões mais afastadas, "sendo prestado mediante a utilização intermediária do Serviço Pessoal Móvel" (fl. 13); o sistema é utilizado tanto para uma modalidade de rede móvel como para a rede de telefonia fixa; para os usuários de telefonia RuralCel deve-se observar se a localidade comporta o recebimento do sinal telefônico, sendo este proporcionado pela utilização das Estações de Rádio Base (ERB) mantidas pelas operadoras que exploram a telefonia celular; o serviço que antes era tecnologia analógica, passaria a ser prestado através da tecnologia digital (artigo 1º, § 3º, do anexo à Resolução n. 454/2006), beneficiando todos os usuários da telefonia celular; a modificação imposta às delegatárias do SMP, exigiu a substituição das Estações e Rádio por outras com a mais nova tecnologia (Resolução da Anatel n. 477/2007), contudo, as ERB's possuem especificações técnicas próprias, sendo que "SMP não se revelou coincidente. Em algumas localidades que antes eram contempladas com a telefonia celular, passou, neste primeiro momento, a não mais ter acesso a referido serviço. [...] por ser o serviço prestado mediante interligação ao sistema de telefonia móvel, no caso, ao fornecido pela TIM" (fl. 15); destaca-se que é obrigação das operadoras de telefonia celular manter Estações de Rádio Base do SMP, jamais imputável às concessionárias do STFC; efetuou proposta "Consulta Pública ANATEL n. 24/2008", para minimizar o prejuízo dos usuários da RuralCel, requerendo a participação conjunta das operadoras SMP e do STFC, estando no aguardo DE deliberação; a universalização do serviço de telefonia é regulada por um Plano de Metas, que concentra investimento de forma racional; a obrigatoriedade da prestação do STF está regulada
Gabinete Des. José Volpato de Souza
nos artigos 4º, inciso I, e 11 do Decreto n. 4.769/2003; "se o serviço RuralCel fosse hoje requisitado para instalação em endereço não contemplado com sinal emitido pelas novas ERB's, não teriam seu pedido atendido por impossibilidade técnica", porque inviável direcionamento de investimentos para atender individualmente as solicitações; não houve comprovação nos autos de que as localidades rurais da Comarca de Seara satisfaziam as exigências impostas no Plano Geral de Metas; a expansão do STFC será promovida dentro dos critérios estabelecidos pela ANATEL, não podendo o Ministério Público, tampouco o Poder Judiciário interferir no mérito administrativo, ferindo, dessa forma, o princípio da separação dos poderes; não estão presentes os requisitos ensejadores à concessão da tutela antecipatória, mas, apenas, o periculum in mora inversum e caráter irreverssível. Ao final, requereu a reforma da decisão agravada, acolhimento das preliminares, extinguindo-se o feito sem julgamento de mérito (fls. 02/31). Juntou documentos às fls. 30/595. Juntada de petição, com anexos, informando a situação dos agricultores locais com a postura adotada pela agravante Brasil Telecom S.A. (fls. 601/603). Contrarrazões às fls. 604/613v. Documentos acostados às fls. 614/640 e 642/643. Pedido de apreciação da medida suspensiva (fls. 644/645 e 646/652). O Ministério Público do Estado de Santa Catarina requereu a juntada de nova decisão interlocutória prolatada pelo MM. Juiz, que deferiu o bloqueio das contas bancárias da requerida, até cumprimento da ordem judicial (fls. 653/662). Indeferido o efeito suspensivo (fls. 663/672). Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Jacson Corrêa, que se manifestou pela mantença dos efeitos da tutela de urgência deferida ao autor (fls.686/ 695).
VOTO
Tratam os presentes autos de agravo de instrumento, com pedido de
efeito suspensivo, contra decisão interlocutória proferida no Juízo da Comarca de Seara, em Ação Civil Pública n. 068.10.000669-5, afora da pelo Ministério Público de Santa Catarina em face da Brasil Telecom S/A, na qual foi deferida a antecipação de tutela para a restituição do sinal de telefone a todos os consumidores da região de Seara, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) . Objetiva a agravante a revogação da antecipação de tutela, acolhendo-se as preliminares suscitadas, com extinção do feito, sendo reconhecido o periculum in mora inversum em caráter irreversível, bem como a minoração do valor das astreintes ao patamar que melhor se harmonize à natureza da demanda (fl. 31). Antes de adentrar na análise das questões ventiladas no recurso, mister se faz, inicialmente, o registro de que, nos termos do art. 522 do Código de Processo Civil, o agravo de instrumento limita-se à análise do acerto ou desacerto da decisão interlocutória proferida no primeiro grau de jurisdição, porquanto a agravante alega que esta pode lhe causar lesão grave ou de difícil reparação.
Gabinete Des. José Volpato de Souza
Alega o recorrente, em preliminar, a ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público e a inadequação da via eleita. Não assiste razão à agravante quando alega que o Ministério Público não tem legitimidade para figurar no pólo ativo da demanda, como ocorre no presente caso. De acordo com o art. 127 da Constituição Federal o "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". Dentre suas funções institucionais está a promoção do inquérito civil e da ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129). Dentre os interesses coletivos lato sensu, está os individuais homogêneos (art. 81 do CDC), os quais apesar de apresentarem características de direito divisível, podendo ser postulado individualmente, são incluídos na tutela coletiva, porque na prática o dano se difunde de uma forma que gera uma homogeneidade na sociedade, sendo a este dado um tratamento coletivo. Ora, o art. 82 do Código de Defesa do Consumidor reconhece, expressamente, ao Parquet legitimidade para fins de defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas a título individual ou coletivo, quando se tratar de interesses individuais homogêneos, assim entendidos como aqueles de origem comum (art. 81). Na hipótese a empresa deverá restabelecer o sinal de telefonia para os 121 usuários mencionados na inicial, todos consumidores da área rural de Seara. O restabelecimento do sinal irá atingir um número indeterminado de pessoas residentes naquela localidade, além dos autores da presente ação, o que evidencia a homogeneidade do pedido. Além disso, quando o número de lesados impossibilitar, dificultar ou inviabilizar a tutela dos interesses e direitos afetados, estamos diante de relevância social decorrente de danos em massa, o que legitima instituição ministerial a atuar. Neste sentido: "As ações que versam interesses individuais homogêneos participam da ideologia das ações difusas, como sói ser a ação civil pública. A despersonalização desses interesses está na medida em que o Ministério Público não veicula pretensão pertencente a quem quer que seja individualmente, mas pretensão de natureza genérica, que, por via de prejudicialidade, resta por influir nas esferas individuais. 8. A ação em si não se dirige a interesses individuais, mercê de a coisa julgada in utilibus poder ser aproveitada pelo titular do direito individual homogêneo se não tiver promovido ação própria. 9. A ação civil pública, na sua essência, versa interesses individuais homogêneos e não pode ser caracterizada como uma ação gravitante em torno de direitos disponíveis. O simples fato de o interesse ser supra-individual, por si só já o torna indisponível, o que basta para legitimar o Ministério Público para a propositura dessas ações" (STJ, REsp n. 1005587/PR, rel. Min. Luiz Fux, j. em 14.12.2010). Ainda,
Gabinete Des. José Volpato de Souza
"AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAIS CONFIGURADOS. DECISÃO AGRAVADA. MANUTENÇÃO. I- O Ministério Público tem legitimidade processual para a propositura de ação civil pública objetivando a defesa de direitos individuais homogêneos. II- Não é da natureza individual, disponível e divisível que se retira a homogeneidade de interesses individuais homogêneos, mas sim de sua origem comum, violando direitos pertencentes a um número determinado ou determinável de pessoas, ligadas por esta circunstância de fato. Inteligência do art. 81, CDC"(STJ, AgRg no Ag 1323205 / SP, rel. Min. Sidnei Beneti, j. em 10.11.2010). Preleciona Ada Pellegrini Grinover: "Foi a relevância social da tutela a título coletivo dos interesses ou direitos individuais homogêneos que levou o legislador a atribuir ao Ministério Público e outros entes públicos a legitimação para agir nessa modalidade de demanda molecular" (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Editora Forense , 9ª ed., 2007, p. 837). Além disso, a ação civil pública é o meio adequado para a finalidade pretendida, de acordo com a Lei n. 7347/85 e com a Lei Orgânica do Ministério Público. Neste diapasão: "[...] a Lei Orgânica do Ministério Público, Lei n. 8.625/93, portanto mais recente que o diploma supra referido, encontra-se em perfeita sintonia com a ordem constitucional que recepcionou a Lei da Ação Civil Pública, ao consagrar que: "Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: "[...] "IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: "a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos"(AC n. 2008.071327-3, de Ituporanga, rel. Des. Jaime Ramos). Desse modo, não paira dúvida a respeito da legitimidade do Ministério Público para integrar à presente lide, como da mesma forma, adequada a ação civil pública para atingir a tutela almejada. Mérito Pretende a ora agravante ver-se destituída da obrigação que lhe foi compelida, arguindo a impossibilidade de dar cumprimento à determinação emanada na decisão interlocutória, pois não tem responsabilidade pela migração de tecnologia da telefonia móvel e sim das delegatárias do serviço de telefonia celular. O Juiz togado,com base nos documentos juntados aos autos, analisou adequadamente os fatos, intimando a Brasil Telecom S/A, para dar efetivo cumprimento ao despacho emanado em tutela antecipada (fls. 568/571), no prazo de 30 (trinta) dias, restabelecendo com isso, o sinal de telefonia para todos os consumidores rurais da Comarca de Seara, sob pena de multa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), que, em princípio, mostra-se viável esse comando,
Gabinete Des. José Volpato de Souza
uma vez que é de responsabilidade daquela prestar os serviços essenciais de telecomunicação na região afetada. E, como se pode observar dos autos, há muito tempo vêm, os usuários, solicitar o restabelecimento do sinal de telefonia, conforme informa o Ministério Público às fls. 641/643, deste agravo, que recebeu documento assinado pelo Gerente-Geral e Competição da Anatel, no qual a Brasil Telecom informa ter providenciado a recuperação de alguns terminais, mas que há 15 (quinze) deles sem o serviço disponível. Dessa forma, vê-se que a própria agravante se contradiz, quando afirma não ter condições de proceder à migração do sistema de telefonia TDMA para GSM, na medida em que providenciou o "conserto" de certas unidades. A agravante é pessoa jurídica de direito privado, concessionária de direito público e responsável direta pelo cumprimento das determinações da Lei n. 8.987/95, que alude em seu art. 1º, "as concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos." Nesse sentido, bem assentou o Desembargador Paulo Roberto Sartorato, quando do exame do efeito suspensivo almejado para esse recurso: "Dentre as regras aplicáveis aos contratos de concessão, destaca-se a imposição da prestação do serviço de forma adequada, consoante estabelece o inciso IV, do parágrafo único do artigo 175 da Constituição Federal: "Art. 175 [...] Parágrafo único. A lei disporá sobre: [...] IV - a obrigação de manter serviço adequado. Da mesma forma, prescreve o artigo 6º da Lei n. 8.897/95: Art. 6º - Toda concessão ou permissão pressupões a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1º - Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. Outrossim, não há dúvidas que, hodiernamente, o serviço de telefonia é considerado como serviço público essencial e, portanto, deve ser prestado de forma contínua e adequada, em atenção ao preceito estabelecido no artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código." (fls. 666/667). Assim, não há como aceitar as alegações da agravante, quando diz não ser responsável pela migração do sistema de telefonia.
Gabinete Des. José Volpato de Souza
Em suas razões recursais, aduz, ainda, que para a instalação da tecnologia necessária é impossível e remonta a investimentos absurdos. Contudo, diante do contrato firmado com a ANATEL (Contrato PBOA/SPB nº 108/2006), tanto com o poder público quanto com os consumidores, as cláusulas estabelecem a responsabilidade da concessionária para manter os serviços (fls. 372/373/375/376/378). Logo não há como se esquivar dessa obrigação. Todavia, defende a agravante que é necessária a cassação da liminar, porquanto as condições para o seu deferimento poderão reverter, pois, não estão presentes os requisitos ensejadores à concessão da tutela antecipatória, representando no caso, o periculum in mora inversum. É cediço que para o deferimento da antecipação da tutela, deverão estar devidamente preenchidos os pressupostos estabelecidos no art. 273 do CPC, que assim dispõe: - O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I- haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou II- fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. [...] § 2º Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Conforme lição de Hely Lopes Meirelles, "para a concessão da liminar devem concorrer os dois requisitos legais, ou seja, a relevância dos motivos em que se assenta o pedido inicial, e a possibilidade da ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante, se vier a ser conhecido na decisão de mérito" (Mandado de segurança. 29 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 81). Sem a coexistência desses dois requisitos deve ser denegada a liminar (RTJ 112/140). Assim, o periculum in mora se configura quando há prejuízo de qualquer natureza que comprometa ou impossibilite a plena eficácia de segurança que reconheça a pretensão, que, no caso, são consumidores, na maioria agricultores, necessitando dos serviços de telefonia, acarretando lesões a direitos de terceiros de boa-fé e demais interessados na comunidade. Além disso, é sabido que o interesse da coletividade se sobrepõe aos individuais da recorrente, portanto, não cabe aqui a análise do periculum in mora inverso. No mais, pelas provas carreadas nos autos, percebe-se que a recorrente tem condições de restabelecer o sinal na região reclamada e proceder à migração do sistema de telefonia, ou, não havendo condições, de migrar do sistema de telefonia TDMA para GSM, buscando, com isso, uma maneira viável para a instalação de linhas de telefonia fixa. Não se pode desconhecer que a ANATEL, órgão criado pelo Governo Federal, estabeleceu o prazo de até 360 (trezentos e sessenta) dias para a correção dos problemas tratados no presente feito quando editou a Resolução n. 562/2011. Diante disso, para que não haja mais protelações por parte da agravante
Gabinete Des. José Volpato de Souza
Brasil Telecom S/A em dar cumprimento ao restabelecimento do sinal de telefonia aos consumidores RuralCel da Comarca de Seara e/ou realizar a migração dos sistemas, é de se ampliar o prazo concedido para a regularização do serviço de 30 (trinta) dias para 180 (cento e oitenta) dias, pois mais condizente à espécie. Da mesma forma, minoro o valor da multa, aplicada no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para R$ 15.000,00 (quinze mil reais) ao dia, em atenção aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Deve vigir, em casos desse jaez, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sobre os quais Alexandre de Moraes leciona: O princípio da razoabilidade pode ser definido como aquele que exige proporcionalidade, justiça e adequação entre os meios utilizados pelo Poder Público, no exercício de suas atividades - administrativas ou legislativas -, e os fins por ela almejados, levando-se em conta critérios racionais e coerentes (Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 368). O Ministro Gilmar Mendes discorreu sobre o princípio da proporcionalidade nos seguintes termos: Um juízo definitivo, sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o fim atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade ou razoabilidade em sentido estrito). O pressuposto da adequação exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O requisito da necessidade ou da exigibilidade significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos. Assim, apenas o que é adequado pode ser necessário, mas o que é necessário não pode ser inadequado (Direito Constitucional Administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 115). Desse modo, em virtude das razões anteriormente expostas, conheço do agravo e dou parcial provimento ao recurso.
DECISÃO
Ante o exposto, a Quarta Câmara de Direito Público, por maioria de
votos, dar parcial provimento ao recurso, vencido parcialmente o Exmo. Des. Rodrigo Collaço, quanto à extensão do prazo. Conforme disposto no Ato Regimental n. 80/2007-TJ publicado no Diário Judicial Eletrônico de 07.08.2007, registra-se que o julgamento foi realizado em 28 de abril 2011, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Claudio Barreto Dutra (com voto) e dele participou com voto, além do relator os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Jaime Ramos e Rodrigo Collaço. Florianópolis, 29 de abril de 2010
José Volpato de Souza
RELATOR
Gabinete Des. José Volpato de Souza
Declaração de voto do Juiz Rodrigo Collaço Ousei divergir da douta maioria por entender que, em sede de decisão liminar, não havia premência que pudesse justificar a ordem do juízo a quo peculiarmente para que fosse feita a imediata migração da tecnologia TDMA para a digital (GSM). Caberia ao juízo, sim, em providência ontologicamente emergencial, tão só ordenar à concessionária ré que restabelecesse os serviços de telefonia, tal como já fazia, nas regiões que acabaram por perder o sinal necessário à utilização do RuralCel/Ruralvan exatamente sob o pretexto dessa mudança de tecnologia, considerando-se que, a despeito da eventual utilização de ERBs de terceiros ou da celebração de contrato específico por se tratarem de terminais fora da ATB, de qualquer modo era vedada a interrupção dos serviços. Daí porque reputei que, se por um lado se mostraria exíguo, conforme consta do voto condutor, o prazo de trinta dias para a ordem de mudança do sistema para o digital -- até porque, posteriormente ao ato judicial combatido, adveio a Resolução 562/11 da Anatel a fixar um período elastecido para a realização dessa medida em todo o país --, por outro ainda assim era razoável que, nesses mesmos trinta dias, fosse a Oi/Brasil Telecom ao menos compelida a reativar o serviço de telefonia outrora já prestado na área rural daquela comarca, garantindo sua continuidade, regularidade e eficiência, conforme previsto no art. 6º, § 1º, da Lei 8.987/95 (regulamentadora do art. 175 da Constituição da República), bem como no Contrato de Concessão PBOA/SPB n. 108/2006-ANATEL, em especial nas cláusulas 6.1, §§ 1º e 2º, 7.1, 15.1, I, III, VII, 16.1, II, III e IV. Assim, meu voto foi no sentido de dar provimento parcial ao agravo para restringir a liminar à ordem de reativação das linhas, mantido o prazo de trinta dias a tanto. Essas são, em síntese, as razões da dissidência. Florianópolis, 2 de maio de 2011