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Cardiopatia Carcinoide

Definição: Tumores carcinoides são tumores neuroendócrinos derivados de células


enterocromafins de maior incidência no trato gastrointestinal (principalmente apêndice) e
brônquios pulmonares. Dos pacientes com esse tipo de tumor, cerca de 20-30% desenvolvem a
síndrome carcinoide e 50% dos pacientes com síndrome carcinoide desenvolvem
comprometimento cardíaco, principalmente das câmaras direitas, caracterizando a cardiopatia
carcinoide.

Fisiopatologia

A hiperprodução de serotonina pelo tumor carcinoide é postulada como o principal fator para o
acometimento cardíaco. Acredita-se que a serotonina elevada na circulação estimule a
formação de placas compostas por matriz extracelular, miofibroblastos e células musculares
lisas espumosas, e sua consequente deposição nas estruturas cardíacas.

O coração direito é o mais acometido, principalmente pela drenagem da veia cava, quando o
fígado não consegue neutralizar toda a serotonina produzida.

O coração esquerdo é menos afetado e a teoria é que o pulmão é capaz de metabolizar a


serotonina impedindo a ação nas cavidades esquerdas. Pacientes com acometimento
cardíaco à esquerda tendem a ter alguma comunicação entre as cavidades, como um forame
oval patente, por exemplo.


Apresentação Clínica

Anamnese

A lesão valvar mais comum é a insuficiência tricúspide, seguida da estenose pulmonar. O


acometimento valvar do lado direito, inicialmente, é assintomático, porém com o tempo leva à
insuficiência cardíaca de VD, apresentando o paciente queixa de fadiga e dispneia aos
esforços.

Fatores de risco:
Níveis elevados de serotonina (5-HIAA);

Mais de três episódios de flushing por dia;

Níveis de NT-proBNP elevados.

Exame Físico

No exame físico é possível identificar turgência jugular, hepatomegalia e edema de membros


inferiores. Caso acometa o coração esquerdo, os sintomas passam a ser dispneia aos
esforços, ortopneia e episódios de edema agudo de pulmão.
O exame físico costuma exibir sopros condizentes com as lesões valvares e as alterações
descritas acima, e ainda pode ocorrer ascite e crepitação pulmonar à ausculta.

O paciente pode desenvolver arritmias supraventriculares, principalmente fibrilação atrial, o


que indica gravidade do quadro.


Abordagem Diagnóstica

Pacientes com suspeita de cardiopatia carcinoide ou com síndrome carcinoide, ainda sem
evidencia de lesão cardíaca, devem ser avaliados quanto a um possível acometimento do
coração.

Exames laboratoriais: Hemograma completo, bioquímica e eletrólitos devem ser solicitados


para esses pacientes. Coagulograma também é um exame importante, tendo em vista a
possibilidade de acometimento hepático pela insuficiência cardíaca de VD.

Mais especificamente para avaliação diagnóstica da doença devem ser solicitados NT-
proBNP, que se maior que 260 pg/dL tanto sugere a doença quanto indica prognóstico e
avaliação da gravidade da doença. É usada também no diagnóstico e acompanhamento da
dosagem de serotonina urinária (5-HIAA) em 24 horas.

Valores acima de 300 micromol/24 horas sugerem o diagnóstico da doença e, caso os valores
persistam em medidas seriadas, há forte correlação com desenvolvimento e gravidade da
doença cardíaca. Ambos os marcadores são sensíveis e específicos para a doença.

Ecocardiograma: Um exame rápido, facilmente acessível e que não envolve radiação, sendo
capaz de avaliar as lesões cardíacas causadas pela doença.

As principais lesões encontradas no ecocardiograma são insuficiência tricúspide, praticamente


universal na doença, estenose pulmonar (presente em quase praticamente metade dos casos)
e lesões nas válvulas cardíacas à esquerda, além de efusão pericárdica (as duas últimas bem
menos comum). É aconselhável fazer o teste de microbolhas para avaliação de forame oval
patente.

Ressonância nuclear magnética (RNM) do coração: É um exame com maior acurácia que
o ecocardiograma para avaliar as câmaras cardíacas direitas. A RNM consegue trazer
informações mais precisas quando o ECO falha em sua avaliação e ainda é capaz de detectar
as placas carcinoides quando usada a técnica do realce tardio.

É um exame pouco disponível e de alto custo, e o contraste gadolíneo não pode ser utilizado
em pacientes com insuficiência renal avançada.

Exames como eletrocardiograma e radiografia de tórax costumam não contribuir com o


diagnóstico e são utilizados apenas como exames de avaliação cardiovascular geral.


Critérios Diagnósticos
Como o ecocardiograma não é um exame tão acurado para a avaliação das câmaras direitas,
alguns protocolos de avaliação específicos para a doença são recomendados, dentre os mais
usados podemos citar o protocolo de Westberg pela sua fácil execução.

Protocolo de Westberg:
Avaliação estrutural das válvulas tricúspide e pulmonar:

0: normal;

1: espessamento discreto;

2: espessamento moderado;

3: espessamento moderado a importante com retração;

4: espessamento importante com retração;

Regurgitação tricúspide:

0: ausente;

1: mínima;

2: leve;

3: moderada;

4: importante;

Regurgitação pulmonar:

0: ausente;

1: mínima;

2: leve;

3: moderada;

4: importante.


Diagnóstico Diferencial

Lesão de Válvula Tricúspide por Cabo de Marca-passo; * INFO

Insuficiência Cardíaca de VD; * INFO

Endocardite Infecciosa. * INFO



Acompanhamento e Prognóstico

A despeito do tratamento clínico, a cardiopatia carcinoide quando muito avançada tem baixa
expectativa de vida.

O tratamento da IC tem pouco impacto na doença e a retirada do tumor é a melhor medida


para evitar a cardiopatia.

Pacientes com cardiopatia grave devem ser pesados quanto ao risco elevado da cirurgia. O
acompanhamento deve ser feito com equipe multidisciplinar (oncologista, endocrinologista,
cardiologista e cirurgiões cardíaco e oncológico).


Abordagem Terapêutica

Pacientes com síndrome carcinoide sem cardiopatia devem proceder para a retirada do tumor
a fim de prevenir o surgimento da doença cardíaca.

Quando instalada a insuficiência cardíaca k PRESC , o tratamento segue as diretrizes vigentes


para outras etiologias, com diuréticos, restrição hidrossalina, IECA/BRA e betabloqueadores.

O tratamento específico para a cardiopatia carcinoide é a cirurgia de troca valvar, que deve
ser bem pesada devido a uma maior taxa de mortalidade em relação a outras valvulopatias.
As principais indicações são:

Sintomáticos refratários ao tratamento clínico;

Oligossintomáticos com dilatação progressiva ou disfunção de VD;

Assintomáticos com disfunção de VD e insuficiência tricúspide (indicação questionável).

A cirurgia é capaz de melhorar os sintomas, a qualidade de vida e reduzir a mortalidade


significativamente quando bem sucedida.

Alguns cuidados devem ser tomados antes da cirurgia cardíaca. A troca valvar é preferível à
plastia da válvula, principalmente quando há dupla lesão.

As válvulas biológicas são preferíveis para evitar a anticoagulação por longo tempo. Elas
apresentam boa durabilidade e sem evidência de recidiva da doença carcinoide.

Trocas multivalvares devem ser bem avaliadas por aumentar o tempo cirúrgico e reduzir a
taxa de sucesso.

Atentar para o risco de crise carcinoide e hipotensão que podem ser prevenidas com infusão
de octreotide 50-100 nanogramas/hora (iniciar 2 horas antes e interromper 48 horas após o
término da cirurgia).

Evitar na indução anestésica o uso de opioides, bloqueadores neuromusculares,


catecolaminas e isoproterenol.

Autoria

Autor(a) principal: Gabriel Quintino Lopes (Clínica Médica e Cardiologia).

Equipe adjunta:

Gustavo Guimarães Moreira Balbi (Clínica Médica e Reumatologia);

Lívia Pessôa de Sant'Anna (Clínica Médica e Hematologia);

Luiza Ruschel Siffert (Clínica Médica, Endocrinologia e Nutrologia);

Maikel Ramthun (Clínica Médica, Nefrologia e Medicina Intensiva).


Referências Bibliográficas

Westberg G, Wängberg B, Ahlman H, et al. Prediction of prognosis by echocardiography in


patients with midgut carcinoid syndrome. Br J Surg. 2001;88(6):865-72.

Bhattacharyya S, Davar J, et al. Carcinoid heart disease. Circulation. 2007;116(24):2860-5.

Davar J, Connolly HM, Caplin ME, et al. Diagnosing and Managing Carcinoid Heart Disease in
Patients With Neuroendocrine Tumors: An Expert Statement. J Am Coll Cardiol.
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Hajjar LA, Filho RK, Hoff PMG. Manual de condutas em cardio-oncologia. 1. ed. Rio de
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