DA EPISTEMOLOGIA DA APRENDIZAGEM
Resumo: Na sua longa trajetória histórica, a universidade tentou ocupar-se de diversas atividades, porém sempre
teve como principal eixo condutor de suas ações a socialização e produção do conhecimento mediado pela
docência. Problematizar a docência universitária em nosso contexto significa defrontar-se com uma das
principais atividades que identifica a Universidade. O presente estudo tem por objetivo refletir sobre o que
significa ensinar e aprender diante dos novos desafios que a Universidade precisa enfrentar. A partir de alguns
autores e de algumas constatações empíricas, defendemos a posição que o atual contexto exige que a docência
seja exercida a partir da “epistemologia da aprendizagem”. Nessa perspectiva a universidade tem hoje a missão
de lidar com a construção, desconstrução e reconstrução do conhecimento a partir de um processo de docência
que coloca a aprendizagem como centro. No presente texto, nos propomos inicialmente teorizar sobre o
significado de pensar a docência a partir da perspectiva da aprendizagem. Na sequência elencamos alguns
desafios que precisam ser enfrentados para que haja a passagem do paradigma do ensino para o paradigma da
aprendizagem nas práticas docentes da universidade.
Palavras-chaves: docência universitária; políticas educacionais; aprendizagem.
Considerações iniciais
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Pos-doc UAEM/México (bolsista Capes), Doutor em Educação (Ufrgs), Mestre em Filosofia (Pucrs), Professor
do PPG -Mestrado/Doutorado (UPF), E-mail: favero@upf.br.
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Mestranda UPF, Graduada em Pedagogia (URI), E-mail: marta.pr@gmail.com
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Não nos deteremos aqui em retomar ou reconstruir essas teorias, nem defender uma em
detrimento de outras. Nem sequer nos propomos a confrontá-las ou encontrar pontos de
inflexão que nos levassem a fazer juízos de valor em defesa desta ou daquela linha de
pensamento. Nossa intenção é contribuir no sentido de tornar a docência universitária um
objeto de observação, de reflexão e de análise a fim de que aquilo que fazemos diariamente,
durante décadas, possa ser transformado em objeto de pesquisa de nós mesmos, professores
universitários. Certamente para muitos, não existe nada de novo no que será registrado a
seguir. No entanto, o ato de repensar a aula com o intuito de inová-la, pode significar para
muitos professores uma nova forma de pensar a docência.
e atenta às diferenças conceituais dos alunos” a fim de que estes possam se sentir sujeitos do
processo de socialização e apropriação do conhecimento que estão adquirindo na
universidade.
Quanto a aprendizagem significativa, para que ela aconteça, “é necessário que a informação
oferecida , sob forma de conceitos ou de proposições, se integre no que o aluno já sabe e
possa ser expressa por outros símbolos ou por outras palavras” (SOUSA, 2005, p.50). Isso
requer do professor a sensibilidade de tratar os conteúdos de sua docência como algo
estruturado, coerente, organizado e acessível, ao mesmo tempo em que deve criar estratégias
didáticas para tomar conhecimento do que os alunos já sabem. Tal procedimento pode ser
ativado com o uso de “organizadores prévios”. O que são os “organizadores prévios”? São um
conjunto de ativadores que podem ser sugeridos antes de o assunto ser introduzido e é
constituído por conteúdos gerais, familiares ao aluno, e formulados num nível mais elevado
de abstração. São as leituras prévias que o professor pode indicar para que os alunos façam a
fim de se sentirem familiarizados com os conceitos que serão tratados na aula seguinte. “A
sua função é actualizar um quadro de referência em que o aluno integrará a nova informação
que lhe será fornecida. Constituem organizadores prévios uma pergunta, uma citação, uma
imagem, um filme” (SOUSA, 2005, p.51).
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exercer etc.).
O professor na perspectiva do paradigma da aprendizagem deixa de ser o centro da
transmissão do que deve ser ensinado e passa a se tornar um mediador e orientador do
processo pedagógico da aprendizagem. São redimensionados os três pilares anteriormente
indicados: 1) a organização curricular passa ser algo aberto, flexível, atualizado,
interdisciplinar, integrando teoria e prática, disciplinas básicas e profissionais, formação e
prática profissional; 2) o corpo docente passa a ser constituído por agentes que além de serem
professores são também pesquisadores não só da sua área específica de conhecimento, mas
também das competências e habilidades pedagógica pois compreendem que a aprendizagem
se realiza num processo de colaboração e participação dos diversos sujeitos envolvidos; 3) a
metodologia é pautada pela incessante redefinição dos objetivos da aula e de seu espaço
decorrente de um constante processo de avaliação e da utilização de procedimentos
participativos.
O aluno deixa de ser um objeto passivo que recebe informações para se tornar um
agente protagonista de aprendizagem o que requer por parte deste a “aquisição e domínio de
um conjunto de conhecimentos, métodos e técnicas científicas de forma crítica” (MASETTO,
2005, p.85). Assim, o aluno durante o processo de formação vai adquirindo uma “progressiva
autonomia na aquisição de conhecimentos ulteriores” e a consciência de que é necessário uma
“formação continuada” que se estende ao longo da vida. Não basta adquirir durante a
formação universitária um conjunto de conhecimentos que sejam suficientes para o exercício
profissional. Conforme ressalta o relatório Delors (1999, p.89) “é, antes, necessário estar à
altura de aproveitar e explorar, do começo ao fim da vida, todas as ocasiões de atualizar,
aprofundar e enriquecer estes primeiros conhecimentos, e de se adaptar a um mundo em
mudança”.
A Comissão Internacional que elaborou o Relatório para a Unesco sobre a Educação
do século XXI, foi incisiva ao dizer que “para poder dar resposta ao conjunto de su as missões,
a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo
de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento”
(DELORS, 1999, p.89-90). Os quatro pilares indicados pela comissão são os seguintes:
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. O próprio
relatório ressalta que “o ensino formal”, em regra geral, orienta-se quase que exclusivamente
para o aprender a conhecer e em menor escala para o aprender a fazer, marginalizando as
outras duas aprendizagens. Isso corrobora a tese de que ainda estamos fatalmente
contaminados pelo paradigma do ensino. A Comissão enfatiza que “cada um dos ‘quatro
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pilares do conhecimento’ deve ser objeto de atenção igual por parte do ensino estruturado, a
fim de que a educação apareça como uma experiência global” (DELORS, 1999, p.90).
Dificilmente a Educação Superior conseguirá dar conta de sua missão formativa na
perspectiva dos “quatro pilares” se continuar a se estruturar no paradigma do ensino.
Dificilmente teremos profissionais conscientes da dimensão social da própria profissão ou
mesmo da necessidade da formação continuada se durante seu processo formativo formal
foram tratados como receptáculos de depósito de informações. O prazer de compreender, de
conhecer, de descobrir, de inovar somente se efetiva se o próprio processo formativo
oportunizar tais práticas. Por isso a aula universitária deverá ser um tempo e um espaço que
“favorece o despertar da curiosidade intelectual, estimula o sentido crítico e permite
compreender o real, mediante a aquisição de autonomia na capacidade de discernir”
(DELORS, 1999, p.91).
Conforme já referimos acima, não se trata de uma simples troca de palavras ou de uma
troca de técnicas pedagógicas, mas sim de uma mudança de concepção. Muda-se a pergunta
que mobiliza a prática docente: se no paradigma do ensino a pergunta que mobiliza o
professor é “o que devo ensinar aos meus alunos?”, no paradigma da aprendizagem o
pergunta que orienta o trabalho docente é “o que meu aluno precisa aprender de todo o
conhecimento que tenho e de toda a experiência que tenho vivido para que ele possa
desenvolver sua formação profissional?”. Percebe-se que há uma profunda mudança de
ângulo, pois ocorre um reordenamento do processo educativo. De nada adianta o professor
ensinar, ministrar aulas magistrais, se os alunos não aprendem; de nada adianta repassar
informações se estas não fizerem parte do “horizonte de sentido” dos aprendizes. Que
consequências a mudança da ênfase no ensino para a ênfase na aprendizagem pode ter no
atual cenário da educação superior? No nosso entendimento, dentre as consequências, pode
haver uma instigante alteração na qualidade educativa e, possivelmente, essa pode ser
considerada uma inovação na docência universitária, visivelmente superior a supostas
“inovações” circunstancias que algumas instituições apresentam quando os seus professores
utilizam sofisticados aparatos tecnológicos.
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Considerações finais
Como avistamos anteriormente, o educador pode eleger entre duas possibilidades para
exercer a sua docência, em qualquer âmbito, inclusive na docência universitária. São eles: o
processo centrado no ensino ou o processo centrado na aprendizagem.
Possivelmente o educador que sustenta sua práxis pedagógica no paradigma do ensino
estará sendo conivente à reprodução deste modelo de sociedade desigual, em que os direitos
básicos de educação, saúde, moradia, saneamento não são assegurados a todos os c idadãos. E
assim manterá as injustiças sociais perante as minorias étnicas culturais, auxiliando a
ampliação dos polos econômicos entre poucos abastados e muitos pobres e miseráveis.
Nesta direção, o educando estará suficientemente adequado para realizar os
procedimentos técnicos que foram ensinados, porém, não foi preparado para pensar sobre seu
trabalho, sobre as condições da convivência em sociedade e todo o processo de exploração
que geralmente tem por trás do processo produtivo. Como também, não podemo s esperar
desse modelo educativo, posições críticas e criativas sobre a ciência, a sociedade, o
conhecimento, a política, o meio ambiente e a própria profissão, pois o mesmo é mero
reprodutor, copiador fidedignamente de uma identidade previamente estabelec ida. A
autonomia é visivelmente substituída pela formatação de um profissional robotizado que
apenas executa procedimentos programados num determinado contexto.
A ênfase no paradigma da aprendizagem parte do pressuposto de que todo
conhecimento que perpassa o processo formativo precisa ser significativo para o aprendiz.
Uma das grandes tarefas da educação superior nesse contexto é tornar o processo formativo
um espaço de educação do olhar a fim de desenvolver nos aprendizes a capacidade de
perceber os fenômenos problemáticos que encontram no exercício de sua profissão, bem
como desenvolver a capacidade de compreender a complexidade do mundo social em que
vivemos. Como ressaltam Pimenta e Anastasiou (2008, p.173):
Referências Bibliográficas:
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Editora Globo,
1969.
BENINCÁ, Elli; CAIMI, Flavia Eloisa. (Org.). Formação de Professores: diálogo entre a
teoria e a prática. 2. ed. Passo Fundo: UPF, 2004.
DELORS, Jacques (org.). Educação: um tesouro a descobrir. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1999.
PIMENTA, Selma Garrido; ANASTASIOU, Léa das Graças Camargo. Docência no Ensino
Superior. São Paulo: Cortez, 2008.