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Universidade Federal da Paraíba - Departamento de Ciências Sociais - Período 2020.

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Minicurso: “Como somos tão desiguais: filmes e retratos sociológicos pelas lentes de
Bourdieu, Lahire e Jessé Souza”
Estudante: Antônio Barbosa da Silva Neto – 22 – Ingressante de Ciências Sociais, Bacharelado

Encontro 4: Afetividade e Educação


É notório os diferentes tipos de relação com o mundo quando se destacam os enredos sociais de cada
indivíduo. Numa sala de aula, por exemplo, em que há uma variedade grande de etnias fica evidente os
contextos e suas diferenças, que se entrelaçam sob a sociedade. No filme "Entre Les Murs", Souleymane,
um garoto negro da África, que não se adapta à disciplina imposta pelo sistema educativo da escola,
transmite uma certa dificuldade de se encaixar nas diretrizes educacionais. Para entender sua situação é
preciso penetrar a superficialidade de seu personagem, sua vida íntima, seu contexto familiar, racial,
econômico, cultural etc. Tudo isso influencia na apreensão dos "ensinamentos" e "condutas" para se atingir
uma ascensão educacional. Souleymane, segundo seus colegas de classe "não consegue escrever seu próprio
nome", sua mãe, que não fala francês e não sabe ler, acaba assinando os avisos escolares do seu filho sem
saber do que se trata, o que gera um acúmulo de advertências e o adiamento de uma possível resolução, e
isso destaca toda uma rede de possíveis problemas sociais que intervém na sua educação, causa dos
bloqueios no seu aprendizado e disciplina. As atitudes negativas dos jovens são reflexos de suas vidas
íntimas, o que passam, o que sentem e o que de fato vivem na "realidade", tudo isso é refletido no ambiente
exterior da socialização.
A vulnerabilidade social de determinados indivíduos evidencia as falhas das políticas públicas do
Estado. Wey, aluno exemplar entre os professores que, porém, ainda possui dificuldades no aprendizado do
francês, vêm da China com seus pais e reside na França de maneira ilegal, sua mãe é deportada de volta para
China e isso é motivo de preocupação por parte dos professoras em relação ao futuro do aluno. Isso
evidencia todo um sistema de burocracias estatais que engendram as divisões territoriais, além disso, define
os meios de sobrevivência dos refugiados, delimitando seus próprios passos e impondo diretrizes identitárias
aos paradigmas sociais que dão espaço para a xenofobia e o racismo.
Entrando na perspectiva do papel social do educador diante das particularidades dos indivíduos, para
Bell Hooks, ensinar os alunos a "transgredir" as fronteiras raciais, sexuais e de classe a fim de alcançar o
dom da liberdade é o objetivo mais importante do professor¹. Existe uma necessidade de intervenção da
generosidade na educação, não há como negar o poder das afecções pessoais nas trocas entre um professor e
um aluno, negar isto é negar a abertura para o ensino e o aprendizado. É necessário repensar a prática da
educação na era do multiculturalismo. A dialética entre o ensino e a recepção do aprendizado é um embate
de contradições e questões sociais que requerem da relação um aprofundamento sensível nas
particularidades de todos os personagens. Tanto no ambiente educacional quanto no social a relação entre os
indivíduos necessita de uma dinâmica criativa, de uma dinâmica humanitária, e essa forma busca seu
conteúdo no poder da voz e na integralidade da escuta. A relação social é como um embate interpessoal, as
individualidades se impõem ao meio, e protestam por entendimento e respeito. Segundo Bell Hooks, "a
educação como prática da liberdade [parafraseando Paulo Freire] é um jeito de ensinar que qualquer um
pode aprender"², e não é exatamente isto que o professor François acredita quando tenta intervir na expulsão
do seu aluno, Souleymane?
No filme, Esmeralda fala sobre sua leitura de "A República" de Platão, a descrição feita demonstra a
necessidade da reflexão para o aprendizado, para o entendimento do mundo, para o entendimento de si
mesmo. Não seria essa a relação libertadora da prática da educação? Desenvolver a reflexão é o meio
emancipatório do indivíduo, o questionamento é a busca pelo entendimento. O diálogo reflexivo no
ambiente escolar é de suma importância para atingir uma melhor relação entre o professor e o aluno, para
entender até mesmo o meio social ao qual os indivíduos são submetidos e a importância de suas
particularidades na formação do seu “ser”.
"O respeito
Os adolescentes aprendem gradualmente a respeitar os seus professores por causa das ameaças deles ou pelo
medo de arranjarem problemas. Para começar, eu o respeito e o respeito deve ser mútuo. Por exemplo, se eu
não digo que o professor é histérico, porque é que o professor me chama disso? Eu sempre o respeitei, e é
por isso que não compreendo porque tenho de escrever isso. Sei que tem algo contra mim, mas eu não sei o
porquê. Resolvi me sentar no fundo da sala para evitar mais conflitos, a menos que me provoque. Admito
que posso ser insolente, mas só quando me provocam. Não voltarei a olhá-lo para que não volte a dizer que
o meu olhar é insolente. Normalmente, numa aula de Francês, devemos falar em Francês, e não da nossa
avó, da nossa irmã ou da menstruação das garotas. E é por isso que, a partir de agora, não volto a falar com
você [Professor François].
Assinado, Khoumba."
É necessário analisar profundamente a importância do papel social das identidades para lidar de
maneira respeitosa e atenciosa com a cada detalhe da emancipação do ser-no-mundo. A dinâmica da
aprendizagem baseia-se no reconhecimento. Há um enorme valor na afetividade.

¹ Bell Hooks, Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade.


² ibidem.

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