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Leonildo João Lourenço Manuel(*)

Das fraudes da
administração à
necessidade de
fiscalização financeira
das sociedades
comerciais: o caso dos
auditores externos

(*) Mestre em Direito. Docente da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho


Neto.
Sumário:

Introdução
1. Breves notas sobre os sistemas de fiscalização
1.1. Aproximação histórica
1.2. sistema de fiscalização das socieades comerciais
1.3. Designação e destituição do órgão de fiscalização
1.4. incompatibilidades para o exercício da função de membro do órgão
de fiscalização
1.5. Atribuições, competência e deveres dos membros do órgão fiscal
2. Fiscalização e revisão de contas
3. Caracterização da actividade de auditoria financeira e da figura do
auditor externo
4. Evolução histórica da actividade de auditoria
4.1. A actividade de auditoria na antiguidade e na idade média europeia
4.2. A actividade de auditoria no Reino Unido
4.3. A actividade de auditoria nos eUA
4.4. A actividade de auditoria na União europeia
4.5. A actividade de auditoria no Brasil
4.6. A experiência da actividade de auditoria externa na Nigéria e na
África do sul
4.7. A experiência da actividade de auditoria externa em Angola
5. As funções do auditor externo
5.1. A importância dos auditores externos no mercado de valores mobi-
liários
5.2. o Auditor externo como gatekeeper
5.3. Actividades dos auditores no mercado de valores mobiliários
5.4. Actuação dos auditores externos e os vários intervenientes do mer-
cado de valores mobiliários

RevistA CoMeMoRAtivA Dos 40 ANos DA FDUAN e 35 DA 1.a LiCeNCiAtURA


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6. A regulação e a supervisão da actividade de auditoria


6.1. Quid juiris sobre a possibilidade da CMC supervisionar em exclui-
vos a actividade de auditoria?
7. Enquadramento normativo do auditor externo no mercado de valores
mobiliários em Angola
7.1. orientações da iosCo relativas à actuação dos auditores no mer-
cado de valores mobiliários
7.2. Regime jurídico dos auditores e respectivo exercício de actividade Introdução
de Auditoria externa no mercado de valores mobiliários
7.3. Qualificação dos auditores externos
A eficiência dos mercados e a protecção dos seus intervenien-
7.4. Requisitos para que os auditores possam actuar no mercado de valo-
res mobiliários tes está intimamente associada à problemática da observância do
princípio da transparência que orienta a existência e a divulgação de
8. Deveres do auditor externo
8.1. Deveres de informação e de denúncia junto da CMC informação financeira credível, o que é fundamental para que os
8.2. o princípio da honestidade intervenientes no mercado financeiro possam decidir quando com-
8.3. o dever de diligência prar, deter ou vender um instrumento financeiro, como por exem-
Considerações finais plo: acções, quotas, obrigações ou outros títulos financeiros; avaliar
a capacidade da empresa de honrar os seus compromissos ou em
pagar remunerações e proporcionar outros benefícios aos seus tra-
balhadores; e determinar os lucros e os dividendos distribuíveis(1).
esta informação deve ter determinadas características qualita-
tivas, isto é, deve ser idónea e suficiente, no sentido de ser verda-
deira, completa, objectiva, clara, oportuna e actual. Neste sentido,
como escreve James Brown e outros(2), a informação financeira a
ser divulgada deve ter as seguintes notas:
i) Compreensibilidade (understandability), no sentido de que
deve ser rapidamente compreensível pelos utilizadores(3);

( 1) AkeRLoF, GeoRGe A., The market for “Lemons”: Quality uncertainty and the mar-
ket mechanism. the Quarterly Journal of economics, vol. 84, n.º 3. (Aug., 1970),
pp. 488-500.
(2) BRowN, JAMes R., FALAshetti, DiNo, oRLANDo, MiChAeL J., Auditor independence
and the Quality of information, in «Financial Disclosures: evidence for Market Dis-
cipline versus sarbanes-oxley». Proscriptions in American Law economics Review,
vol. 12, Number 1, AL&eA, spring 2010, pp. 41, ss.
(3) CostA, CARLos BAPtistA DA, Auditoria Financeira — Teoria e prática, Lisboa:
10.ª ed., Rei dos Livros, 2014, p. 45.

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ii) Relevância (relevance), no sentido de que pela sua cionais sobre estas matérias passaram a ser considerados nos pro-
natureza e materialidade é capaz de influenciar as deci- cessos de elaboração das regras societárias dos países membros.
sões económicas dos utilizadores e auxiliá-los a avaliar em 1995 foi publicado o Relatório Greenbury que impôs às
ou, quando possível, corrigir os eventos financeiros; sociedades comerciais o reforço da relação existente entre a
iii) Fiabilidade (reliability) no sentido de que, ao observar os remuneração e o desempenho do Conselho de Administração, a
princípios da idoneaidade e da suficiência, deve criar divulgação das remunerações nos relatórios anuais e a formação
e/ou manter a confiança que os utlizadores têm nas ope- de um Comité de Remunerações constituído por administradores
rações financeiras realizadas e no mercado em si mesmo, não executivos. Mais tarde, em 1998, a Bolsa de valores de Lon-
criando assim eficiência alocativa, operacional e institu- dres emitiu o Combined Code of Corporate Governance, que
cional no mercado; e derivou especialmente da revisão feita pela Comissão Hampel
aos relatórios Cadburry e Greenbury, com o propósito de atestar
iv) Comparabilidade (comparability), no sentido de que as
uma eficaz gestão das empresas pelos seus conselhos de adminis-
demonstrações financeiras de diferentes empresas per-
tração. Um novo relatório foi elaborado, em 1999, que consistia
mitem avaliar a tendência, a posição e o desempenho
num guia baseado no Combined Code of Corporate Governance,
financeiro de uma empresa no mercado(4).
que ficou conhecido por Relatório Turnbull, onde os principais
aspectos estavam relacionados com o controlo interno e com a
ora, decorre que nem sempre a informação financeira divul- gestão dos riscos pelas empresas(5).
gada pelo Conselho de Administração aos sócios e aos demais Do ponto de vista histórico pode-se afirmar que, ao lado da
terceiros da sociedade reúne todos os requisitos de qualidade, o Enron(6), da Tyco e da Worldcom (nos eUA), a royal Ahold, a
que é susceptível de causar danos a estas pessoas. Por exemplo,
em 1992 registaram-se os escândalos das sociedades britânicas
( 5) FeRNANDes, LúCiA MARiA De oLiveiRA, Alterações Normativas na Auditoria Após
como BCCi e a mirror Group, cuja problemática consitiu na SoX: Efeitos na opinião do Auditor, op. cit., p. 5. Cfr. CostA, CARLos BAPtistA DA,
transparência e na fiabilidade dos relatórios de prestação de con- Auditoria Financeira…, op. cit., p. 67.
tas e, em reacção, na inglaterra, foi divulgado o relatório Cad- ( 6) A enron foi uma empresa do sector energético do estado de texas, nos eUA, que
teve muito sucesso nos anos 90. Por detrás do seu sucesso aparente, a administração
burry, considerado o primeiro Código de boas práticas de gover- da empresa escondia um balanço de projectos falhados, divulgava lucros artificiais e
nação corporativa e, no mesmo período, foi divulgado nos eUA o contratos inexistentes, bem como ocultava dívidas avaliadas em mais de 25 milhões
Código de Governação Corporativa da General motors. em res- de dólares em contas falsas. imensos investidores aplicaram as suas rendas nos inves-
timentos da enron, mas com as suspeitas e as investigações da Securities and
posta à crise asiática de 1997-1998, por iniciativa da oCCDe Exchange Commission seC, em 2001, descobriu-se toda a fraude realizada por meio
(organização para Cooperação e Desenvolvimento económico) dos dados contabilísticos falsificados. Cfr. CoFFe, JohN, What Caused Enron —
A Capsule Social and Economic History of the 1990s, in «Cornell Law Review»,
criou-se um Fórum que discutiu o Business Sector Advisory vol. 89, issue 2 January 2004, Article 1, Available at: ˂http://scholarship.law.cornell.
Group on Corporate Governance, no qual os princípios interna- edu/clr/vol89/iss2/1˃. Cfr. JACksoN, GReGoRy, understanding Corporate Gover-
nance in the united States, Arbeitspapier 223, hans-Böckler-stiftung, 2010, p. 21.
Cfr. CoFFee, JoNh, understanding Enron: it´s About the Gatekeepers, stupid in the
Center For Law and economic studies at Columbia Law school, working paper
(4) ibidem, p. 49. n.º 207, July 30, 2002, p. 6.

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Skandia insurance of Sweden, a Parmalat e, recentemente, o internacional, o que chamou a atenção para a necessidade de se
Banco Espírito Santo — BES (na europa), são tão somente repensar o sistema de administração e controlo das sociedades
alguns dos exemplos de escândalos financeiros em que no epi- comerciais e do próprio Direito societário, com realce para o
centro estava a controvérsia do papel do Auditor externo na certi- resurgir ou a restruturação dos princípios sobre governação cor-
ficação das informações financeiras e contabilísticas disponibili- porativa(9) que têm estabelecido para os organismos de supervi-
zadas(7). são dos mercados financeiros a adopção de mecanimos capazes
estes escândalos não só colocaram a “nu” os erros grossei- de regular e superar as fragilidades e falhas identificadas na fisca-
ros do funcionamento das sociedades comerciais(8), como tam- lização das sociedades(10), bem como exigir a adopção de medi-
bém ditaram a pertubação da confiança depositada nos auditores das reguladoras urgentes para se reduzir ou mesmo impedir situa-
externos de algumas das sociedades cotadas de maior renome ções de fraude.
Foi neste sentido que, por exemplo, nos eUA, se publicou,
em 2002, a SoX Act(11) (Corporate and Auditing Accountability
(7) Alguns escândalos financeiros ocorridos nos anos 80 e 90 do século xx, nos eUA, and responsability Act)(12); a international organization of
podem ser apontados — trata-se do Barings, da Savings and Loans, da maxwell
Comunications ou do BCCi (Bank of Credit and Commerce international). Na
Securities Commissions (iosCo) publicou os seus princípios
europa, à semelhança do que aconteceu nos eUA, também surgem vários escândalos relativos à independência dos Auditores externos (Principles of
financeiros e falências de empresas, especialmente no Reino Unido, e foi neste cená-
rio que foi criada pela Bolsa de valores de Londres, em 1991, uma comissão sobre
Auditor independence and the role of Corporate Governance in
Corporate Governance, dirigida por sir Adrian Cadbury. surge assim o relatório monitoring Auditor’s independence)(13), no Reino Unido, publi-
Cadburry, que se centrou nos controlos internos e na necessidade de os Comités de
Auditoria serem eficazes. Cfr. CoFFee, JoNh, understanding Enron: it´s About the
Gatekeepers, stupid in the Center For Law and economic studies at Columbia Law ( 9) De acordo com PAULo CâMARA, “os episódios Enron, Worldcom e semelhantes con-
school, working paper n.º 207, July 30, 2002, p. 14; CoFFee, JohN C., Gatekeeper firmaram que as deficiências ligadas ao governo societário e ao rigor da informação
Failure and reform: The Challenge of Fashioning relevant reforms, in 84 Boston podem gerar desequilíbrios globais”. Vide “Actividade de Auditoria e a Fiscalização
University Law Review 301 (2004), pp. 1-2; Vide hAZeN, thomas Lee, The treatise de sociedades Cotadas: Definição de um Modelo de supervisão”, in «Caderno do
on The Law of Securities regulation, vol. 2, sixth edition, west — A thomson Reu- Mercado de valores Mobiliários», n.º 16, 2003, p. 93.
ters Business, 2009, § 9.6(1 A), p. 582. Cfr. hAMDANi, AssAF, Gatekeeper Liability in
(10) sARAivA, FRANCisCo, independência e responsabilidade Civil do Auditor Externo
southern California Law Review, vol. 77, p. 55. Cfr. BRowN, JAMes R., FALAshetti,
das Sociedades Comerciais Cotadas, Almedina, Coimbra, 2015, p. 18.
DiNo, oRLANDo, MiChAeL J., «Auditor independence and the Quality of information
in Financial Disclosures: evidence for Market Discipline versus sarbanes-oxley (11) ˂https://www.sec.gov/about/laws/soa2002.pdf˃.
Proscriptions» in American Law economics Review, vol. 12, Number 1, AL&eA, ( )
12 CoFFee, JoNh, understanding Enron: it´s About the Gatekeepers, Stupid, in «the
spring 2010; Cfr. FeRNANDes, LúCiA MARiA De oLiveiRA, Alterações Normativas na Center For Law and economic studies at Columbia Law school», working paper,
Auditoria Após SoX: Efeitos na opinião do Auditor, 2010, pp. 3-4. (Dissertação de n.º 207, July 30, 2002, pp. 2-4; hAZeN, thoMAs Lee, The treatise on The Law of Secu-
Mestrado, disponível no instituto superior de Contabilidade e Administração da Uni- rities regulation, vol. 2, west — A thomson Reuters Business, 2009, § 9.6(1 A),
versidade de Aveiro, Portugal); Vide GoMes, José FeRReiRA, A responsabilidade pp. 575, 578 582; MARQUes, tiAGo estêvão, responsabilidade dos membros de
Civil dos Auditores, in «Código das sociedades Comerciais e Governo das socieda- Órgãos de Fiscalização das Sociedades Anónimas, op. cit., p. 13
des», Almedina, Coimbra, 2008, p. 344; GoMes, José FeRReiRA, “A Fiscalização (13) A iosCo é a principal organização mundial sobre as autoridades reguladoras do mercado
externa das sociedades Comerciais e a independência dos Auditores — A Reforma de valores mobiliários e reúne mais de 120 jurisdições que possuem responsabilidades
europeia, a influência Norte-Americana e a transposição para o Direito Português”, diárias relativas à regulação e supervisão do mercado de capitais. Criada oficialmente
in «Caderno do Mercado de valores Mobiliários», n.º 24, 2006, p. 180. em 1983, a partir da transformação da antiga Associação Regional inter-Americana
( 8) MARQUes, tiAGo estêvão, responsabilidade dos membros de Órgãos de Fiscaliza- (criada em 1974), a iosCo está sedeada na cidade de Madrid e tem por objectivo
ção das Sociedades Anónimas, Coimbra: 1.ª ed., Almedina, 2009, p. 12. principal aumentar a protecção dos investidores; assegurar e promover a confiança na

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cou-se em 2006 o Companies Act(14); e na União europeia publi- externo das sociedades comerciais e, nesta medida, demonstram
cou-se o relatório Winter ii e a recomendação da Comissão a sua relevância enquanto mecanismo de controlo e de concilia-
2002/590/Cee, de 16 de Maio de 2002 (high level group of com- ção de vários interesses entre as sociedades e os seus stakehol-
pany law experts, report on a modern regulatory Framework ders, conduzindo assim a que os mesmos e o mercado funcionem
for Company Law in Europe)(15), um instrumento legislativo não de modo mais regular e transparente.
vinculativo(16).
todos estes diplomas incidiram sobre o papel do Auditor
externo e as suas responsabilidades no combate às fraudes finan-
ceiras e na certificação da informação contabilística. Com estes 1. Breves notas sobre os sistemas de fiscalização
intrumentos legais, tem-se concluído que um modelo eficiente de
governação corporativa deve incorporar um modelo igualmente 1.1. Aproximação histórica
eficiente e reforçado de fiscalização, centrado na distinção entre
as funções de administrar e de fiscalizar(17). Do ponto de vista histórico, foi durante o século xvii, com
é à volta da função de fiscalização financeira das sociedades as companhias holandesas, que se registaram os primeiros actos
de que nos ocuparemos, isto é, o presente escrito aborda a proble- de fiscalização da administração das sociedades comerciais, onde
mática do controlo societário em Angola, procedendo a caracteri- os sócios tiveram a possibilidade de nomear agentes para o exer-
zação da figura e do papel do órgão de fiscalização e do auditor cício desta função(18). Por exemplo, “na carta de fundação da
Companhia Holandesa das indias orientais previa-se a realiza-
ção de uma auditoria de dez em dez anos, encontrando-se o
integridade de um mercado justo, eficiente e transparente, por meio da cooperação na governo supremo a cargo de um colégio de dezasete senhores
luta conta a má conduta financeira e na supervisão dos mercados; e reduzir o risco sis-
temático. Para tal, a iosCo apresenta-se como um fórum de cooperação para o
representativos dos principais núcleos da república”(19). De
desenvolvimento, implementação e promoção da adesão às normas internacional- acordo com tiago Marques, a partir de 1963, esta companhia
mente reconhecidas e consistentes a nível da supervisão das instituições do mercado passou a contar com um órgão de supervisão denominado por
de valores mobiliários, bem como uma plataforma que promove a troca de informa-
ções e partilha de experiências entre as entidades reguladoras a fim de fortalecer a Comité dos Nove, a quem cabia auditar anualmente as contas(20).
infra-estrutura de mercado e implementar uma regulação adequada. ˂https://www. Apesar de os primeiros passos (ainda tímidos) terem sido
iosco.org/library/pubdocs/pdf/iosCoPD133.pdf˃.
dados pelo art. 31.º do Code Commerce francês e pela Lei Prus-
(14) FeRNANDes, LúCiA MARiA De oLiveiRA, Alterações Normativas na Auditoria Após
SoX: Efeitos na opinião do Auditor, op. cit., p. 1.
(15) ˂http://ec.europa.eu/internal_market/company/docs/modern/consult_en.pdf˃.
( )
16 CâMARA, PAULo, Actividade de Auditoria e a Fiscalização de Sociedades Cotadas… (18) LeyeNs, PC & hoPt, kLAUs J., modelos de órganos de Administración en Europa.
op. cit., p. 95. Desarrolos recientes en las estructuras internas de Gobierno Corporativo en Alema-
nania, reino unido, Francia e italia, in «estudios de Derecho de sociedades y Del
(17) MARQUes, tiAGo estêvão, responsabilidade dos membros de Órgãos de Fiscaliza-
Mercado de valores», Madrid: Marcial Pons, 2010, p. 89.
ção das Sociedades Anónimas, op. cit., p. 14. Cfr. sARAivA, FRANCisCo, independên-
cia e responsabilidade Civil do Auditor Externo das Sociedades Comerciais Cota- (19) CostA, CARLos BAPtistA DA, Auditoria Financeira…, op. cit., p. 22.
das, op. cit., p. 18. C ostA, C ARLos B APtistA DA, Auditoria Financeira…, op. cit., ( )
20 MARQUes, tiAGo estêvão, responsabilidade dos membros de Órgãos de Fiscaliza-
pp. 97-110. ção das Sociedades Anónimas, op. cit., p. 22.

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siana dos Caminhos-de-ferro de 3.11.1838 — Lei alemã sobre as do sistema dualista, que segrega a função de administração e fis-
sociedades por acções — foi com o Código Comercial Geral Ale- calização para órgãos distintos(24).
mão de 1861 que surgiram as primeiras exigências legais para o sistema dualista pode assumir dois modelos: o primeiro,
fiscalização da administração das sociedades na europa, pois este de origem germânica, atribui a tarefa de fiscalização a um conse-
Código previa a possibilidade de nomeação de um Conselho de lho geral e de supervisão, e o segundo modelo, de origem latina,
vigilância com funções de controlo da administração(21). expe- é aquele onde a tarefa de fiscalização se encontra atribuída a um
riência semelhante registou-se na itália, com o Código Comercial conselho fiscal ou fiscal único(25).
de 1865, ao instituir um sistema de fiscalização das sociedades na Como consequência das fraudes e dos escândalos financei-
sua fase de constituição, e mais tarde no Código de Comércio de ros a que nos referimos, as legislações sobre governação corpora-
1882, com a introdução do Collegio Sindacale, que tinha como tiva vieram introduzir alterações no Direito societário, funda-
função sindicar a administração da sociedade(22). mentalmente no reforço dos mecanismos de controlo da
em Portugal, a exigência legal de fiscalização da administra- administração e, por isso, como referido, hoje as sociedades anó-
ção surge em 1867 com a Lei das Sociedades Anónimas, de 22 de nimas podem assumir uma estrutura organizatória composta por:
Junho, que impunha a existência de um Conselho Fiscal com- i) Conselho de Administração e conselho fiscal (modelo
posto por, pelo menos, três sócios eleitos pela Assembleia Geral latino clássico);
e, dentre outras competências, tinha o poder de fiscalizar a admi-
ii) Conselho de Administração, compreendendo uma
nistração da sociedade e de dar parecer sobre o balanço, inventá-
comissão de auditoria e um auditor externo (modelo
rio e relatório. A responsabilidade dos seus membros era regulada
anglo-saxónico);
pelas regras do contrato de mandato(23).
iii) Conselho de Administração executivo, conselho geral e
de supervisão e auditor (modelo germânico). estes
modelos não são estanques, têm conhecido variantes,
1.2. Sistema de fiscalização das socieades comerciais por exemplo, em França e na itália introduziram altera-
ções no sistema monista.
tradicionalmente, existem dois sistemas de fiscalização de
sociedades: trata-se do sistema monista, original dos países anglo- (24) GoMes, José João MoNtes FeRReiRA, A Fiscalização Externa das Sociedades
-saxónicos, que se caracteriza pela concentração das funções de Comerciais e a independência dos Auditores, A reforma Europeia, A influência
Norte-Americana e a Transposição para o Direito Português, in «Caderno do Mer-
administração e fiscalização da sociedade num mesmo órgão que cado de valores Mobiliários», n.º 24, 2006, pp. 185-186. Cfr. CâMARA, PAULo &
integra o Conselho de Administração e a comissão de auditoria; e DiAs, GABRieLA FiGUeiReDo, o Governo das Sociedades Anónimas, in «o Governo
das organizações — A vocação universal do Corporate Governance», Almedina &
Governance LAB, Coimbra, 2011, pp. 73-78.
(25) Neves, RUi De oLiveiRA, o conflito de interesses no exercício de funções de fiscaliza-
(21) ibidem, p. 25.
ção nas sociedades anónimas, in «Conflito de interesses no Direito societário e
(22) ibidem, p. 27 Financeiro — Um balanço a partir da Crise Financeira», Coimbra: Almedina, 2010,
(23) ibidem, p. 30. p. 297.

RevistA CoMeMoRAtivA Dos 40 ANos DA FDUAN e 35 DA 1.a LiCeNCiAtURA RevistA CoMeMoRAtivA Dos 40 ANos DA FDUAN e 35 DA 1.a LiCeNCiAtURA
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em qualquer um dos modelos, a fiscalização de uma socie- função distinta do órgão de gestão e, por isso, desempenha um
dade assenta fundamentalmente num ideal de transparência e importante papel de controlo interno que consiste em fiscalizar os
independência que garanta um juízo acertivo e justo das informa- actos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus
ções submetidas à sua análise(26). e esta função de controlo e cer- deveres legais e estatutários, e emitir pareceres sobre o relatório
tificação, em regra, cabe a um órgão de fiscalização (conselho anual de administração, sobre as deliberações e sobre as demons-
fiscal, fiscal único ou comissão de auditoria) da sociedade(27), trações financeiras(33).
mas pode não lhe ser exclusivo, pois a lei pode impor ou os No Direito angolano, para as sociedades anónimas, adoptou-
sócios podem deliberar, adicionalmente, submeter as informa- -se o sistema dualista do tipo latino que consagra uma clara divisão
ções financeiras e contabilísticas a um Auditor externo(28) que, entre o exercício da função da administração e de fiscalização(34).
como o próprio nome indicia, é uma entidade externa e indepen- De acordo com o art. 315.º da LsC, este sistema estabelece dois
dente da sociedade fiscalizada. modelos de fiscalização, o primeiro constítuido por um conselho
Na realidade, a fiscalização de uma sociedade pode ser interna fiscal que é formado por três ou cinco membros efectivos e dois
ou externa(29). esta última, fiscalização externa, é aquela em que a suplentes [alínea a) do n.º 1 do art. 432.º da LsC] e o segundo
Lei ou os sócios remetem a entidades externas da sociedade fiscali- modelo é constítuido por um fiscal único, tal como estabelece a
zada, por exemplo: os tribunais, Ministério Público(30), as autorida- alínea b) do n.º 1 do art. 432.º da LsC(35).
des administrativas (órgãos de regulação e supervisão)(31), comis- Para garantir a independência do órgão de fiscalização da
sões de trabalhadores ou os auditores externos das sociedades(32). sociedade, os seus membros estão abrangidos por um conjunto de
Nos sistemas jurídicos lusófonos optou-se por consagrar um incompatibilidades, previstas no art. 434.º da LsC, no qual desta-
sistema de fiscalização dualista em que o conselho fiscal, apesar camos as seguintes:
de intergrar a estrutura da sociedade anónima, desempenha uma i) a regra proibitiva de integrar pessoas no conselho fiscal
que tenham benefícios particulares da sociedade;
(26) sARAivA, FRANCisCo, independência e responsabilidade Civil do Auditor Externo
das Sociedades Comerciais Cotadas, Almedina, Coimbra, 2015, p. 18.
(27) MARQUes, tiAGo estêvão, responsabilidade dos membros de Órgãos de Fiscaliza- (33) AAv, A Governação de Sociedades Anónimas nos Sistemas Jurídicos Lusófonos,
ção das Sociedades Anónimas, op. cit., p. 39. Coimbra: Almedina, 2013.
(28) Vide ibidem, pp. 19-20. Cfr. CostA, CARLos BAPtistA DA, Auditoria Financeira…, (34) Vide arts. 410.º, 411.º e 432.º, ss., da Lei n.º 1/04, de 13 de Fevereiro — Lei das socie-
op. cit., pp. 94-96. dades Comerciais (LsC). Para estudo vide DiAs, NeUsA tUkAyANA MANGUeiRA MAU-
ZiNho MeLão, A fiscalização das sociedades anónimas no Direito angolano: natu-
(29) Cfr. DiAs, GABRieLA FiGUeiReDo, Fiscalização de Sociedade e…, op. cit., p. 91.
reza, regime, atribuições e competências do órgão de fiscalização, in «Revista de
(30) Nos termos dos arts. 173.º e 174.º da LsC, o Ministério Público procederá à verifica- estudos Avançados», Ano 1, Maio de 2013, Faculdade de Direito da Universidade
ção da legalidade do contrato de sociedade e da ilicitude do objecto social. Agostinho Neto, p. 381. Cfr. vALe, soFiA, As Empresas no Direito Angolano, op. cit.,
(31) Como a Comissão do Mercado de Capitais (CMC), nos termos definidos nos arts. 25.º p. 848.
e 26.º do Código de valores Mobiliários (CódvM), o Banco Nacional de Angola (35) é importante referir que, de jure condendo, o n.º 2 do art. 373.º do Projecto de Código
(BNA) nos termos definidos no n.º 1 do art. 17.º da Lei n.º 16/10, de 5 de Julho, Lei Comercial prevê para as sociedades que não tiverem um conselho fiscal ou fiscal
do Banco Nacional de Angola. único a obrigatoriedade de contratarem, por meio dos sócios, um perito contabilista
(32) MARQUes, tiAGo estêvão, responsabilidade dos membros de Órgãos de Fiscaliza- para proceder à revisão legal das contas e para o qual se aplicam as incompatibilida-
ção das Sociedades Anónimas, op. cit., pp. 19-20. des estabelecidas para os membros do conselho fiscal.

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ii) os que tivessem integrado o órgão de administração nos auditoria externa que, dentre outras actividades, deve efectuar a
últimos três exercícios económicos; e recolha e análise da documentação financeira e contabilística,
iii) os que exerçam a actividade de fiscalização ou adminis- bem como a respectiva avaliação.
tração em sociedade com a qual a sociedade fiscalizada
tenha relação de grupo(36).

1.3. Designação e destituição do órgão de fiscalização


No mercado financeiro vem-se conhecendo um novo
modelo de estruturação societária constítuido pelo Conselho de
Como vimos, no sistema de governação corporativa adop-
Administração, comissão executiva e conselho fiscal. o pri-
tado em Angola, a sociedade inclui na sua estrutura um órgão de
meiro órgão é constítuido pelos administradores não executivos
fiscalização que pode assumir o figurino de um conselho fiscal
e pelos administradores independentes — estes não lidam no
ou de fiscal único. em qualquer dos casos cabe à Assembleia
dia-a-dia com a gestão corrente, pois esta actividade é reservada
Geral designar os membros do conselho fiscal ou, na segunda
à comissão executiva, liderada por um Presidente da comissão
situação, o fiscal único. segundo o art. 436.º da LsC, esta desig-
executiva.
nação pode ocorrer aquando da constituição da sociedade, no
o conselho fiscal na sua actuação está adstrito a um con-
contrato de sociedade ou pela assembleia constitutiva.
junto de princípios e deveres, no qual se destaca o princípio inde-
De acordo com o art. 437.º da LsC, os membros do órgão de
pendência, que se caracteriza pela existência de um conjunto de
fiscalização podem ainda, a requerimento da administração ou de
incompatibilidades para a nomeação dos seus membros (vide
qualquer accionista, ser designados judicialmente nos casos em
n.º 1 do art. 434.º da LsC).
que a Assembleia não os eleger e não designar os suplentes.
o conselho fiscal é o órgão responsável pelo controlo da
o legislador, no n.º 1 do art. 438.º da LsC, consagrou ainda para
gestão e da informação contabilística e financeira da sociedade.
os sócios minoritários que, em conjunto, tenham uma cifra
estas tarefas estão organizadas em dois grupos, nomeadamente:
de 10% do capital social, a possibilidade de requerem a nomea-
fiscalização politíca e fiscalização contabilística. A primeira
ção de um membro efectivo e de um suplente para o conselho fis-
abarca o controlo da administração e da legalidade do contrato e
cal, desde que tenha votado contra a eleição dos titulares designa-
da actividade social, e o segundo, fiscalização contabilística, con-
dos.
siste na revisão e certificação das contas da sociedade. Como
Nos casos em que a sociedade adoptou um conselho fiscal, a
veremos mais tarde, esta tarefa tem sido esvaziada do conselho
LsC dispõe que deverá ser constítuido por um número impar(37),
fiscal, na medida em que lhe tem sido apenas acometida a tarefa
isto é, deverá ser formado por 3 ou 5 membros efectivos, dos
de aprovação formal dos documentos contabilísticos, pois a sua
revisão e certificação tem sido remetida para um profissional de
(37) o art. 220.º do ante-projecto do Código Comercial prevê que o conselho fiscal deverá
integrar um contabilista ou perito contabilista, ou sociedade de contabilistas ou de
(36) Cfr. vALe, soFiA, As Empresas no Direito Angolano, op. cit., p. 848. peritos contabilistas.

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quais um deverá ser designado como presidente que, nas delibe- b) os membros dos órgãos de administração e de fiscaliza-
rações, terá voto de qualidade em caso de empate. ção de uma sociedade que se encontre com a sociedade
os membros do conselho fiscal ou o fiscal único e os respec- fiscalizada, em relação de domínio ou de grupo;
tivos suplentes, em princípio, devem ser pessoa física com plena c) o sócio de uma sociedade em nome colectivo que se encon-
capacidade de exercício de direitos e não devem ser pessoas rela- tre com a sociedade fiscalizada, em relação de domínio;
cionadas com os membros do Conselho de Administração. Dize-
d) os que prestem, com carácter permanente, serviços
mos em princípio porque o legislador permite que, no n.º 3 do
remunerados à sociedade fiscalizada ou à sociedade que
art. 433.º da LsC, as sociedadades de auditoria e as de advogados
com esta se encontre em relação de domínio ou de grupo;
possam integrar o conselho fiscal, competindo-lhes neste caso
indicar um dos seus auditores ou sócios para representá-las nas e) os que exercem funções em empresa concorrente;
reuniões do Conselho de Adminitração e da Assembleia Geral. f) os cônjuges, parentes e afins na linha recta e colateral até
os membros do órgão de fiscalização são destituídos por ao terceiro grau, das pessoas com vantagens particulares
justa causa pela Assembleia Geral quando ocorra justa causa pre- da própria sociedade ou dos membros do Conselho de
cedida de audição dos membros visados sobre os factos que lhes Administração;
são imputados (n.º 1 do art. 440.º da LsC), ou pelo tribunal, a g) os que exercem funções de administração ou de fiscali-
pedido da administração ou dos accionistas que hajam requerido zação em cinco sociedades, salvo tratando-se de socieda-
a sua nomeação, nos termos do art. 1484.º do Código de Processo des de peritos contabilistas ou de sociedades de advoga-
Civil (n.º 3 do art. 440.º da LsC). dos constituídas nos termos da lei; e
h) os menores não emancipados, os interditos, os inabilita-
dos, os notoriamente dementes ainda que não estejam
interditos ou inabilitados, os insolventes, os falidos e os
1.4. Incompatibilidades para o exercício da função de
condenados em penas que os inibam do exercício de fun-
membro do órgão de fiscalização
ções públicas, do exercício do comércio ou do desempe-
nho de funções de administração ou de fiscalização em
o ógão de fiscalização está adstrito ao princípio da tranpa-
qualquer sociedade ou empresa pública.
rência e da imparcialidade. este último impõe um conjunto de
limites e mecanismos para previnir e eliminar os conflitos de
interesses e é precisamente neste âmbito que, de acordo com o
art. 434.º da LsC, não podem ser eleitos ou designados membros 1.5. Atribuições, competência e deveres dos membros
do Conselho Fiscal ou fiscal único os seguintes: do órgão fiscal
a) os beneficiários de vantagens particulares da própria
sociedade e os que nela exercem ou tiverem exercido nos o legislador, no art. 441.º da LsC, delega ao órgão de fiscali-
últimos três anos funções de administrador; zação a tarefa de controlo da gestão e da informação contabilística/

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/financeira da sociedade e, como já referimos, o controlo da gestão ii) a gestão de risco e controlo interno;
tem natureza política na medida em que visa aferir a legalidade ou iii) auditoria interna; e
regularidade da actuação da administração em face da legislação,
iv) auditoria externa.
do estatuto ou das deliberações da Assembleia Geral. Nesta tarefa
pode incluir-se também a avaliação da oportunidade ou inoportuni-
De acordo com o art. 442.º da LsC, no exercício das suas
dade das opções de negócios feitas pela administração.
funções, cabe aos membros do órgão de fiscalização da sociedade
o controlo da informação financeira e contabilística tem por
o seguinte:
objectivo assegurar a materialização do princípio do full disclo-
sure, que impõe a transparência informativa, e do princípio do a) obter da administração, para exame e verificação, a apre-
accountability, segundo o qual as sociedades devem prestar infor- sentação dos livros, dos registos e dos documentos da
mações económico-financeiras com verdade e com rigor técnico. sociedade, bem como verificar as existências de qualquer
Como veremos mais adiante, apesar de nas sociedades que actuam classe de valores, designadamente dinheiro, títulos ou
nos mercados financeiros esta tarefa ter sido delegada aos audito- mercadorias;
res externos, o conselho fiscal, no processo de apreciação da certi- b) obter da administração ou de qualquer dos administrado-
ficação das contas, deve apreciar o relatório do auditor e, nos ter- res informações ou esclarecimentos sobre o decurso das
mos do n.º 2 do art. 453.º da LsC, proceder do seguinte modo: operações ou actividades da sociedade ou sobre qualquer
a) se concordar com a informação financeira e contabilís- dos seus negócios;
tica submetida à sua apreciação, deve declarar expressa- c) obter de terceiros que tenham realizado operações por
mente tal concordância no seu próprio relatório; conta da sociedade as informações de que careçam para
b) se recusar a aprovação ou se a conceder com reservas, o conveniente esclarecimento de tais operações;
deve mencionar a recusa ou a aprovação com reservas, d) assistir às reuniões da administração, sempre que o jul-
respectivamente; guem conveniente.
c) se aprovar as contas sem reservas ou se as aprovar com
reservas diferentes das indicadas no relatório do perito No âmbito das suas actividades, os membros do órgão de fis-
contabilista deve declarar que, pelas razões especifica- calização estão também adstritas a um conjunto de deveres como
das, o conselho não chegou a acordo sobre a aprovação por exemplo:
das contas. a) participar nas reuniões daquele órgão e assistir às Assem-
bleias Gerais e às reuniões do Conselho de Administra-
o órgão de fiscalização deve ter em especial atenção as ção para as quais sejam convocados pelo respectivo pre-
seguintes áreas de foco: sidente ou em que se apreciem as contas do exercício;
i) o relato financeiro mediante adequação das politícas b) exercer as suas funções de fiscalização de forma cons-
contabilísticas; cienciosa e imparcial;

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c) guardar segredo dos factos e informações de que tiverem mecanismos de controlo do órgão de gestão da sociedade e con-
conhecimento no exercício das suas funções, sem pre- feriu aos auditores externos o supremo poder e dever de detectar
juízo do dever para com o Ministério Público, no âmbito todas as falhas, desconformidades, fraudes e erros nas contas e
dos processos crimminais; relatórios de actividade das empresas auditadas(39).
d) dar conhecimento à administração das verificações, fis- em regra, para uma efectiva fiscalização da sociedade é tam-
calizações e diligências que tiverem feito e dos resulta- bém necessário uma rigorosa revisão de contas e é precisamente
dos das mesmas; neste ponto que surge a figura do Auditor externo, como o “pro-
fissional” chamado para revisar e certificar se a informação
e) relatar, na primeira Assembleia Geral que se realize,
financeira e contabilística disponibilizada pela administração
todas as irregularidades e inexactidões por eles verifica-
reúne os requisitos de idoneidade e suficiência(40). Ao ser cha-
das e, ainda, relatar se obtiveram ou não os esclareci-
mado para revisar e certificar as contas, o auditor externo desem-
mentos de que necessitavam para o exercício das suas
penha uma função de incomensurável importância no processo
funções.
de fiscalização da sociedade, pois tornam-se na pedra angular ao
assumir o papel de principal garante da veracidade, transparên-
cia, completude e fiabilidade da informação financeira disponibi-
lizada ao mercado pelas sociedades abertas(41).
2. Fiscalização e revisão de contas Na verdade, os auditores externos ficaram associados aos
escândalos financeiros, o que colocou a sua figura e a sua activi-
os conceitos de fiscalização e revisão de contas, apesar de dade no centro da reforma do Direito societário, sobretudo em
próximos, em bom rigor, devem ser sempre segregados, pois o matéria de responsabilidade civil face a terceiros de sociedades
primeiro está vinculado ao controlo da regularidade das práticas cotadas, tema de que nos ocupamos neste estudo, mas antes pro-
de negócios e de gestão adotados pela administração, por isso cederemos a caracterizar a figura do auditor externo(42).
muitas vezes conotada com a função de controlo político, e o
segundo, revisão de contas, é referente à certificação da informa-
ção financeira e contabilística disponibilizada pela administração
da sociedade, daí que seja designado como uma fiscalização
financeira pura(38).
A nível da europa, com as novas regras sobre governação cor- (39) DiAs, GABRieLA FiGUeiReDo, Fiscalização de Sociedade e responsabilidade Civil,
porativa que impuseram a obrigatoriedade da observância dos prin- Coimbra: Coimbra editora., 2006, pp. 18-19.
(40) CoFFee, JoNh, understanding Enron: it´s About the Gatekeepers, Stupid, in «the
cípios da transparência e da independência, a Directiva n.º 2006/ Center For Law and economic studies at Columbia Law school», working paper
/43/Ce estabeleceu a necessidade de segregação destes dois n.º 207, July 30, 2002, pp. 8-9.
(41) Vide BANDeiRA, PAULo, “o Governo dos Auditores”, op. cit., p. 460.
( )
42 CoFFee, JohN C., Gatekeeper Failure and reform: The Challenge of Fashioning
(38) Cfr. GoMes, FeRReiRA José, A responsabilidade Civil dos Auditores, op. cit., p. 380. relevant reforms, in «84 Boston University Law Review 301» (2004), pp. 4-6.

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3. Caracterização da actividade de auditoria ção e se esta está devidamente apresentada e divulgada; a audito-
financeira e da figura do Auditor externo ria dos sistemas de informação tem por objectivo aferir e certifi-
car se existem controlos apropriados e se os mesmos são imple-
Para traçar as linhas caracterizadoras da figura do Auditor mentados(45).
externo é necessário, a priori, caracterizar a actividade de “Audi- Face a esta multi-aplicabilidade, podemos concluir que a
toria”, cujo termo deriva do verbo latino “audire”, que significa auditoria é comumente entendida como um conjunto de acções
“ouvir o que conduz”, do latim “auditore”, para “aquele que de assessoria e consultoria que tem como finalidade verificar os
ouve, o ouvinte”. Nos primeiros tempos do exercício desta activi- procedimentos e a validação dos controlos internos adaptados
dade, os auditores retiravam as suas conclusões fundamental- pelas organizações, que permitam ao Auditor emitir uma opinião
mente com base nas informações que verbalmente lhes eram de aconselhamento ao órgão de gestão da entidade empresarial
transmitidas(43). em causa, garantindo, assim, precisão e segurança na tomada de
A expressão auditoria não é exclusiva do mundo financeiro, decisão(46). ou seja, é um exame cuidadoso e sistemático das
pois pode ser aplicada em diferentes actividade com objectivos actividades (financeiras e/ou de gestão) desenvolvidas nas orga-
similares, por exemplo, existem também a auditoria de conformi- nizações, realizado por um auditor com o objectivo de averiguar
dade, auditoria de gestão, auditoria forense, auditoria prospectiva se foram implementadas de acordo com as normas e princípios
e estragégica, etc. A auditoria forense é o processo de detenção, geralmente aceites e tendo em vista a formação de uma opi-
prevenção e correcção de actividades fraudulentas perpetradas nião(47).
pelo orgão de gestão, por trabalhadores ou por terceiros(44), audi- tal como as outras actividades de auditoria, a auditoria
toria de conformidade é aquela que visa aferir o grau de cumpri- financeira é uma tarefa singular que não consiste em produzir as
mento dos procedimentos existentes numa organização; a audito- demonstrações financeiras ou input para as mesmas e não cria um
ria de gestão tem por objectivo verificar o grau de eficiência e sistema de controlo interno, apenas apresenta a sua opinião
eficácia do Conselho de Administração de uma organização, isto baseada em amostras sobre a conformidade ou desconformidade
é, pretende avaliar e dar opinião sobre o desempenho dos gesto- da informação financeira analisada. Por isso tem sido definida
res e sobre o grau de rentabilidade de uma organização; a audito- como “um processo objectivo e sistemático, efectuado por um
ria previsional ou estratégica visa verificar e dar opinião sobre se terceiro independente, de obtenção e avaliação de prova em rela-
os pressupostos do órgão de gestão em que se baseia a informa- ção às asserções sobre acções e eventos económicos, para verifi-
ção prospectiva são consistentes com a finanlidade da informa- car o grau de correspondência entre essas asserções e os crité-

(43) tRiBUNAL De CoNtAs DA RePúBLiCA De ANGoLA, manual de Procedimentos de Audi-


toria Financeira, Luanda: 1.ª ed., Casa das ideias, 2014, p. 21. Cfr. FAveRo, FABRíCio, (45) CostA, CARLos BAPtistA DA, Auditoria Financeira…, op. cit., pp. 113, ss.
responsabilidade dos Auditores independentes — uma análise da sua função e crité- ( )
46 MoRAis, GeoRGiNA & MARtiNs, isABeL, Auditoria interna: Função e processo,
rios para sua responsabilização, são Paulo: Almedina, 2018, p. 26. 4.ª ed., Áreas editora, 2013, p. 19.
(44) ALMeiDA, BRUNo José MAChADo De, manual de Auditoria Financeira — uma aná- (47) tRiBUNAL De CoNtAs DA RePúBLiCA De ANGoLA, manual de Procedimentos de Audi-
lise integrada baseada no risco, Lisboa: 2.ª ed., escolar editora, 2017, p. 20. toria Financeira, op. cit., p. 22.

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rios estabelecidos, comunicando os resultados aos utilizadores cias encontradas, modificam a extensão de seus trabalhos de
da informação financeira”(48). acordo com as suas observações e a eficiência dos sistemas con-
Deste conceito podem-se extrair três actividades para o audi- tabilísticos e de controlo interno existentes(51).
tor, nomeadamente, a recolha de provas, avaliação das asserções A auditoria externa diferencia-se da interna pelo facto desta
e a comunicação dos resultados, isto é, o auditor recolhe as pro- última ser realizada por um funcionário da entidade auditada e
vas documentais sobre o funcionamento dos processos dos clien- visar a atender as necessidades da administração no cumprimento
tes, sobre a apresentação e divulgação das demonstrações finan- de políticas e normas, sem estar restrito aos assuntos financei-
ceiras e sobre a razoabilidade dos saldos e das transacções e, ros(52). A auditoria externa, por sua vez, é feita por um profissio-
tendo em conta a sua natureza de investigador, faz a avaliação e nal independente e visa atender às necessidades de terceiros da
análise da suficiência e da persuasão das provas recolhidas de entidade empresarial (sócios, estado ou outros) e em regra con-
modo imparcial e emite uma asserção, isto é, uma afirmação siste na verificação da veracidade da informação contabilística e
(explícita ou não) sobre uma acção ou evento relativo a um deter- financeira disponibizada(53).
minado período, e depois procede à divulgação(49). entre nós designados por Perito Contabilista e em Portu-
Do ponto de vista legislativo, alínea a) do n.º 2 do art. 8.º e o gal por revisor oficial de Contas (RoC)(54), o Auditor é a pes-
n.º 1 do art. 9.º da Lei n.º 3/01, Lei do exercício da Contabilidade soa que tem por profissão o execício da auditoria, ou seja, é o
e Auditoria, define a auditoria financeira como uma actividade profissional que examina cuidadosamente a informação conta-
exercida em regime de profissão liberal e que consiste num traba- bilística e financeira disponibizada com o objectivo de averi-
lho desenvolvido com o objectivo de expressar uma opinião pro- guar se as actividades desenvolvidas em determinada empresa
fissional e independente sobre se as demonstrações financeiras ou sector estão de acordo com as disposições planeadas e/ou
estão preparadas, com todos os aspectos materialmente relevan- estabelecidas previamente, se estas foram implementadas com
tes, de acordo com uma estrutura conceptual de relato financeiro eficácia e se estão adequadas à consecução dos objectivos.
identificada. o Auditor pode ser externo ou interno. o Auditor interno tem a
A actividade de auditoria financeira implica a avaliação do função de fiscalizar os processos da organização, analisando o
sistema de controlo interno e revisão analítica das contas, bem procedimentos para determinar quais são mais produtivos e
como a avaliação das demonstrações financeiras das organiza- adequados às áreas.
ções e criação de procedimentos(50). esta actividade pode ser
desempenhada a nível interno (auditoria interna) ou externo (51) CostA, CARLos BAPtistA DA, Auditoria Financeira…, op. cit., p. 113.
(auditoria externa) e na prática ambas adoptam a mesma técnica, (52) MoRAis, GeoRGiNA & MARtiNs, isABeL, Auditoria interna, op. cit., p. 22.
nomeadamente, formulam sugestões de melhorias para deficiên- ( )
53 DiAs, GABRieLA FiGUeiReDo, Controlo de Contas e responsabilidade dos roC, in
«temas societários», iDet, Colóquios n.º 2, Coimbra: Almedina, 2006, p. 172.
(54) Cfr. RoseNBooM, toRsteN, responsabilidade civil de profissionais que fiscalizam
(48) ALMeiDA, BRUNo José MAChADo De, manual de Auditoria Financeira…, op. cit., p. 3. sociedades anónimas cotadas em bolsa, em Portugal e na Alemanha, in «estudos de
Direito do Consumidor», Centro de Direito do Consumo da Faculdade de Direito da
(49) ibidem, p. 5. Universidade de Coimbra, n.º 6, Coimbra, 2004, p. 204. Cfr. CostA, CARLos BAPtistA
(50) ibidem, p. 129. DA, Auditoria Financeira…, op. cit., p. 129.

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As informações contabilísticas e financeiras de uma socie- lizações a auditoria era feita no âmbito das contas da administra-
dade comercial podem ser objecto de fiscalização de uma enti- ção pública para controlar o modo de utilização dos fundos públi-
dade distinta do conselho fiscal e externa da estrutura orgânica cos, por exemplo, ratificar as actividades praticadas, efectuar a
societária. Na verdade, trata-se do Auditor externo (também verificação dos registo de arrecadação de impostos e as inspec-
designado por Auditor independente) definido como uma pessoa ções nas contas de funcionários públicos. Por exemplo, na Pérsia,
(singular ou colectiva) especializada na revisão legal de contas, o imperador Dário i, ao realizar a reforma político-administra-
na auditoria às contas e outros serviços com aqueles relaciona- tiva, criou a função de “olhos e ouvidos do rei”, funcionários
dos. é um profissional (ou entidade) vocacionado e centrado na encarregados de vigiar a acção dos sátrapas (governadores das
revisão da informação que, atestando a sua fiabilidade e veraci- províncias persas), garantir o cumprimento das ordens imperiais
dade de acordo com as normas de auditoria em vigor, comporte a e fiscalizar a cobrança de impostos e o uso do tesouro real(57).
conformidade do produto auditado com a realidade financeira da Muitos anos mais tarde, durante o império Romano, os impera-
sociedade(55). é neste sentido que doravante utilizamos a expres- dores também nomeavam altos funcionários com a incumbência
são auditor, ou seja, quer se trate de pessoa singular ou colectiva, de supervisionar as operações financeiras de seus administrado-
quando nos referimos ao auditor é concernente ao auditor res provinciais e prestar-lhes contas verbalmente(58).
externo. Neste período, auditoria nas actividades comerciais não era
muito frequente, pelo facto de grande parte dos negócios existen-
tes serem propriedade de quem os explorava(59).
Durante a idade Média foi reconhecida cada vez mais impor-
4. Evolução histórica da actividade de auditoria tância à actividade de auditoria, por exemplo, no século xii, em
França, os barões realizavam a leitura pública de suas contas na
4.1. A actividade de auditoria na antiguidade e na idade presença de funcionários designados pela Coroa e, durante o
média europeia mesmo período, o imperador Carlos Magno instituiu a figura dos
inspectores reais, denominados por missi dominici, encarregados
Apesar de se apontar o século xix e o Reino Unido como os de percorrer o império e informar o soberano sobre a administra-
palcos do nascimento da actividade de auditoria, tal com a conhe- ção dos seus domínios.
cemos hoje, as suas premissas históricas datam de por volta de Ainda no período renascentista, o Rei de inglaterra, eduardo i,
4.000 a.C, período das civilizações egípcias, sumérias, sírias, cre- instituiu a figura do Probatur sobre contas que constituía num
tenses, gregas e romanas, que já realizavam registos das escritu-
rações de património adquiridos ou já possuídos(56). Nestas civi-
(57) CoRDeiRo, ANtóNio MeNeZes, introdução ao Direito de prestação de contas, Coim-
bra: Almedina, 2008, p. 16.
(58) iBRACoN. Auditoria — registros de uma profissão. são Paulo: ipsis gráfica e editora,
(55) sARAivA, FRANCisCo, independência e responsabilidade Civil do Auditor Externo 2006, p. 43. Cfr. FAveRo, FABRíCio, responsabilidade dos Auditores independentes,
das Sociedades Comerciais Cotadas, Coimbra: Almedina, 2015, p. 27. op. cit., p. 25.
(56) CostA, CARLos BAPtistA DA, Auditoria Financeira, op. cit., p. 66. (59) ALMeiDA, BRUNo José MAChADo De, manual de Auditoria Financeira, op. cit., p. 8.

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relatório de auditoria. Nos séculos xiv a xvii surgiram em mui- designação anual de um auditor independente pelos sócios que
tas regiões da europa diversas associações profissionais com a não podia ser titular de qualquer cargo na sociedade. em 1854 foi
missão de exercer a função de auditoria, por exemplo, o Conse- criada The Society of Accountnts in Edinburgh que, em 1951, deu
lhos Londrinos, em 1310; o Collegio dei raxonati, em 1581, na origem ao actual The institute of Chartered Accountants of Sco-
cidade de veneza; o tribunal de Contas, em 1640, em Paris; e a tland, primeiro organismo profissional de contabilidade e audito-
Academia dei ragionieri, em 1658, nas cidades de Milão e Bolo- res a nível mundial(62). em 1856 foi afastada a obrigatoriedade de
nha(60). revisão anual de contas por auditor, no entanto, a maioria das
sociedades manteve as auditorias anuais(63).
em 1879, o Companies Act reintroduziu as auditorias
obrigatórias para os bancos; criou-se na inglaterra, em 1880, o
4.2. A actividade de auditoria no Reino Unido secular institute of Chartered Accountants, e o Companies Act
de 1900 repôs tal obrigatoriedade para a generalidade das socie-
No Reino Unido, a origem da figura do auditor é bastante dades, a par da previsão de critérios de incompatibilidade nas
antiga, existindo desde cedo a função, a cargo de um membro da public companies, previstos com o intuito de assegurar a inde-
comunidade, de inspeccionar os registos contabilísticos de outrem, pendência dos auditores(64). Durante este período o focus da audi-
em benefício de quem o nomeava. Por exemplo, em 1314, durante toria estava centrado na utilização honesta e apropriada dos fun-
o reinado de eduardo ii, foi criada a profissão de auditor, concre- dos, por parte das pessoas a quem estes tinham confiado e, por
tizada no cargo de auditor do tesouro, que tinha por missão impri- isso, o principal objectivo da auditoria era a detenção de fraudes
mir um sistema de controlo dos gastos do governo e verificar as e, com isso, era realizado um exame detalhado baseado na exati-
receitas dos impostos. dão aritmética e na concordância com a autorização dada pela
A revolução industrial, ocorrida no século xviii, e o conse- custódia dos fundos(65).
quente crescimento das empresas e a expansão dos mercados, a em 1948 foram impostos requisitos mínimos de qualificação
necessidade de financiamento e a formação do mercado de capi- profissional, com o fim de garantir a qualidade do serviço pres-
tais foram factores importantes que determinaram a obrigatorie-
dade de divulgação de informações económico-financeiras ver-
dadeiras e credíveis. estas informações passaram a ser (62) CostA, CARLos BAPtistA DA, Auditoria Financeira, op. cit., p. 67.
(63) Vide MARQUes, tiAGo estêvão, responsabilidade dos membros de Órgãos de Fisca-
examinadas por um profissional independente da empresa e de lização das Sociedades Anónimas, op. cit., pp. 26-38. GoMes, José FeRReiRA, DA
reconhecida capacidade técnica, que confirmasse a sua qualidade Administração à Fiscalização das Sociedades – A obrigação de vigilância dos órgãos
e precisão(61). Por exemplo, em 1844, o Joint Stock Companies da sociedade anónima. Coimbra. Almedina, 2015, pp. 127-135. sANtos, ANDReiA
FiLiPA AMARAL, os revisores oficiais de Contas como Gatekeepers no seio das Socie-
instituiu o dever, a par da livre constituição das sociedades, de dades Anónimas, Dissertação de Mestrado em Direito empresarial, (2016), pp. 17-18.
Disponível na Faculdade de Direito Universidade Católica Portuguesa — escola de
Lisboa.
(60) iBRACoN. Auditoria — registros de uma profissão, op. cit., p. 42 (64) iBRACoN. Auditoria — registros de uma profissão, op. cit., p. 44.
(61) ibidem, op. cit., p. 43. (65) ALMeiDA, BRUNo José MAChADo De, manual de Auditoria Financeira, op. cit., p. 8.

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tado nas public companies. o Companies Act de 1964 veio esten- pedido do Federal Trade Comission foram apresentadas pelo
der os requisitos de qualificação e as incompatibilidades às pri- AiA em forma de memorandu sobre auditorias de balanços(67).
vate companies e, no registar of Companies, estabeleceu-se A crise de 1929 veio colocar no centro das discussões a pro-
novamente a obrigatoriedade da publicação das contas anuais. blemática da independência dos auditores e da sua responsabili-
em 1989, no âmbito da transposição da 8.ª Directiva, foi exigido dade civil, por isso, em meados dos anos 1930, foi criado um
que os auditors das private companies fossem membros de uma grupo de trabalho para avaliar e certificar as demonstrações finan-
entidade de supervisão e, apesar de aumentar os custos, tais ceiras das sociedades de auditoria das sociedades cotadas(68).
medidas trouxeram maior transparência a estas sociedades(66). em 1934, com o objectivo de restaurar a confiança dos
A partir dos anos 90 verificou-se um processo de desregu- investidores no mercado de capitais, protegê-los, zelar pela efi-
lação com vista a libertar as pequenas sociedades dos custos ciência e verdade dos mercados e facilitar a formação de capital,
inerentes à sujeição à revisão legal de contas e aos auditores foi criada a Securities and Exchange Commission (seC) que,
foi sendo conferida cada vez menos responsabilidade nestas para além de regular o mercado de valores mobiliários e os seus
matérias. intervenientes (como, por exemplo, os brokers e dealers, consul-
tores de investimentos, fundos mútuos e sociedades abertas),
cabia também regular e supervisionar a actividade de revisão e
auditoria da informação financeira. todavia, estas medidas não
4.3. A actividade de auditoria nos EUA tiveram grande impacto, principalmente devido à pressão exer-
cida pelos auditores(69).
Com o aumento do investimento britânico nos eUA no final em 1939 o American institute of Certified Public Accoun-
do século xix, os auditores britânicos passaram a controlar os tants (AiCPA) publicou as Statements on Auditing Standards
investimentos dos seus clientes neste país, o que levou ao desen- (sAs) que estabeleciam os procedimentos de auditorias e, em
volvimento do papel dos auditores. No início do século xx, as 1948, publicou as GAAS — Generally Accepted Auditing Stan-
questões referentes ao controlo societário conheceram um dards, ou seja, as normas de auditoria geralmente aceites.
impulso reformador cujo reflexo máximo consistiu no reforço do Na década de 1990, a actividade de auditoria das demonstra-
papel do auditor enquanto gatekeeper, isto é, como fiscalizador ções financeiras cresceu significativamente a nível mundial e
das grandes sociedades, no interesse dos investidores e do
público em geral. Foi neste contexto que, em 1887, foi criado o
American institute of Accountants (AiA), o qual, em 1917, publi- (67) CostA, CARLos BAPtistA DA, Auditoria Financeira, op. cit., p. 67.
cou os primeiros documentos técnicos sobre auditoria e que a ( )
68 ByRNes, PAUL eRiC; AL-AwADhi, ABDULLAh; GULLvist, BeNitA; BRowN-LiBURD,
heLeN; teeteR, RyAN; & vAsARheLyi, MikLos, Evolution of Auditing: From the Tra-
ditional Approach to the Future Audit, in «AiCPA — white Paper», New york,
November 2012, p. 2.
(66) GoMes, José FeRReiRA, Da Administração à Fiscalização das Sociedades — A obri- (69) ByRNes, PAUL eRiC; AL-AwADhi, ABDULLAh; GULLvist, BeNitA; BRowN-LiBURD,
gação de vigilância dos órgãos da sociedade anónima, Coimbra. Almedina, 2015, heLeN; teeteR, RyAN; & vAsARheLyi, MikLos, Evolution of Auditing: From the Tra-
pp. 127-135. ditional Approach to the Future Audit, op. cit., p. 2.

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estava concentrada em seis grandes empresas multinacionais, publicou-se a Directiva 86/635/Cee do Conselho, de 8 de
conhecidas por big six, a saber: Arthur Andersen, Pricewater- Dezembro de 1986, relativa às contas anuais e às contas consoli-
house, Ernst & Young, Deloitte Touche Tohmatsu, e KPmG Peat dadas dos bancos e outras instituições financeiras, e a Direc-
marwik e Coopers and Lybrand(70). tiva 91/674/Cee do Conselho, de 19 de Dezembro de 1991, rela-
tiva às contas anuais e às contas consolidadas das empresas de
seguros.
em 1999, em Portugal, foi aprovado o Código dos valores
4.4. A actividade de auditoria na União Europeia Mobiliários, através do Decreto-Lei n.º 486/99 de 13 de Novem-
bro, e no seu art. 245.º estabeleceu a obrigatoriedade dos docu-
em função dos escândalos e fraudes financeiras em que os mentos de prestação de contas das entidades emitentes de valores
auditores estavam envolvidos, na União europeia, a auditoria mobiliários serem acompanhados de um relatório realizado por
conheceu, desde o final da década de 70 do século xx, um auditor registado na Comissão do Mercado de valores Mobiliá-
desenvolvimento legislativo sem precedentes. Neste período, rios (CMvM) e certificada pelo RoC que integre o órgão de fis-
foram aprovadas um conjunto de directivas aplicáveis à regula- calização da mesma.
mentação e supervisão da actividade de auditor, por exemplo, a Como resultado dos escândalos a que já nos referimos, em
quarta, sétima e oitava directivas do Conselho. A Quarta Direc- sede dos quais foi emitida a Recomendação 2000/256/Cee
tiva (directiva do Conselho n.º 78/660/Cee, de 25 de Junho), de 15 de Novembro, relativa ao controlo de qualidade da revisão
relativa às contas anuais de certas formas de sociedades, e a legal das contas na União europeia, e a Recomendação 2002/
sétima Directiva (directiva n.º 83/349/Cee, de 13 de Julho), /590/Cee de 16 de Maio, sobre a independência dos auditores na
referente às contas consolidadas, apesar de terem uma vertente União europeia, em 2005, criou-se o European Group of Audi-
fundamentalmente contabilística, foram os primeiros instrumen- tor’s oversight Bodies (eGAoB), para garantir uma coordenação
tos jurídicos com efeitos nos trabalhos de auditoria produzidos eficaz de novos sistemas de supervisão dos revisores oficiais de
pela União europeia, pois consistiam num padrão a ser respei- contas e sociedades de auditoria na União europeia. A Comissão
tado na preparação das demonstrações financeiras. europeia continuou a elaborar documentos relacionados com a
em 1984, foi publicada a Directiva do Conselho n.º 84/253/ auditoria, como, por exemplo, os Livros verdes de 2006 intitula-
/Cee de 10 de Abril (oitava Directiva) que, incidindo sobre a dos “Papel, Estatuto e responsabilidade do revisor oficial de
aprovação das pessoas encarregadas da fiscalização legal de Contas na união Europeia” e o de 2010 com o título “Política de
documentos contabilísticos, veio harmonizar as normas sobre o Auditoria — Lições da Crise”(71).
exercício da profissão de revisor/auditor. Alguns anos mais tarde, em Portugal, as premissas do controlo societário começam
com o Código Comercial de Ferreira Borges de 1833 que, no seu

(70) AGRAwAL, ANUP. & CooPeR, toMMy, Corporate Governance Consequences of


Accounting Scandals: Evidence from Top management, CFo and Auditor Turnover, (71) sANtos, ANDReiA FiLiPA AMARAL, os revisores oficiais de Contas como Gatekeepers
in «Quarterly Journal of Finance», vol. 7, N.º 1 (2016), p. 4. no seio das Sociedades Anónimas”, op. cit., pp. 17-18.

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art. 546.º, estabelecia que as sociedades anónimas só seriam de supervisão pública dos auditores (RoC e das sociedades de
constituídas mediante autorização especial do Governo. Mas foi revisores oficiais de contas) a quem, por este facto, cabia a res-
a Carta de Lei de 22 de Junho de 1867, concretamente o seu ponsabilidade final pela supervisão do exercício da actividade
art. 21.º, que obrigou as sociedades anónimas a integrarem na sua dessas entidades bem como assegurar a cooperação e a assistên-
estrutura social um Conselho Fiscal e cujas funções estavam cia a entidades internacionais competentes para a aprovação,
reguladas no art. 22.º da mesma lei e foram incorporadas no registo, controlo de qualidade, inspeção e disciplina(75).
Código Comercial de 1888 de veiga Beirão(72). o CNsA foi extinto pela Lei n.º 148/2015 de 9 de setembro
Relativamente à actividade de auditoria, a figura do Revisor que, ao transpor para a ordem portuguesa a Diretiva 2014/56/Ue
oficial de Contas (RoC) surge, pela primeira vez, em 1969, atra- do Parlamento europeu e do Conselho, de 16 de Abril de 2014,
vés do Decreto-Lei 49 381, de 15 de Novembro, mas a profissão aprovou o actual Regime Jurídico da supervisão de Auditoria e
de RoC só foi institucionalizada em 1971, por meio da Lei este remeteu para a CMvM, desde Janeiro de 2016, as competên-
n.º 1/72 de 3 de Janeiro. As primeiras Normas técnicas de Revi- cias e as tarefas do CNsA.
são Legal das Contas foram aprovadas na Assembleia Geral de 17
de Maio de 1983 e, em 1987, foi promulgado o Código de ética e
Deontologia Profissional. este código viria a ser substituído em
2001 e, dez anos mais tarde, isto é, em 2011, sofreu nova actuali- 4.5. A actividade de auditoria no Brasil
zação, cujo texto está baseado no Código de ética do iFAC(73).
Com a entrada de Portugal na União europeia, esta evolução No Brasil, introduzida em função dos investimentos interna-
passou a estar directamente relacionada com a evolução da regu- cionais recebidos durante o século xix, período que marca o iní-
lamentação comunitária, e foi neste âmbito que, por meio do cio da industrialização, o primeiro trabalho de auditoria de que se
Decreto-Lei n.º 225/2008 de 20 de Novembro, se transpuseram tem registo foi realizado para fiscalizar o balanço da São Paulo
para a ordem jurídica portuguesa algumas disposições da Direc- Tramway, Light and Power Company, relativo ao período com-
tiva n.º 2006/43/Ce e, para além de se definirem as entidades de preendido entre Junho de 1899 e Dezembro de 1902, foi feito
interesse público, criou-se o Conselho Nacional de supervisão de pela sociedade de auditoria Auditoria Clarkson & Cross(76).
Auditoria (CNsA)(74) com a finalidade de organizar um sistema Com o aumento de investimento estrangeiro, nas primeiras
décadas do século xx as sociedades de auditorias da inglaterra e
(72) FeRReiRA, João CARLos GoNçALves, Evolução da regulamenação da Auditoria em
dos eUA estabeleceram-se no Brasil, por meio de sucursais. Des-
Portugal — os novos desafios do sector, Lisboa: dissertação de mestrado, 2017, tas destacam-se a sociedade de auditoria mcAuliffe Davis Bell
pp. 17-18, disponível na escola superior de Gestão do instituto Politécnico de tomar.
(73) ibidem, p. 18.
( )
74 era constituído e gerido por um membro de cada um dos órgãos seguintes: Conselho (75) FeRReiRA, João CARLos GoNçALves, Evolução da regulamenação da Auditoria em
de Administração do Banco de Portugal, Conselho Directivo da Comissão do Mer- Portugal, op. cit., p. 20.
cado de valores Mobiliários (CMvM), instituto de seguros de Portugal (isP), ordem (76) iBRACoN. Auditoria — Registros de uma profissão, op. cit., p. 65. Cfr. FAveRo, FABRí-
dos Revisores oficiais de Contas (oRoC) e subinspector-Geral da inspeção-Geral de Cio, responsabilidade dos Auditores independentes — uma análise da sua função e
Finanças. critérios para sua responsabilização, são Paulo: Almedina, 2018, p. 45.

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& Co, que é antecessora da actual Deloitte Touche Tohmatsu. dispunha que (art. 25.º) o trabalho técnico de contabidade consis-
em 1915, a PricewaterhouseCoopers incorporou-se à W. B. Peat tia na revisão de balanços e de contas em geral. Com o desenvol-
& Co. e Touche, Faller & Co., na América do sul, e abriu um vimento da economia brasileira e a necessidade de incentivar a
escritório na cidade do Rio de Janeiro. No fim da década de 50 iniciativa privada, durante os anos de 1964 a 1985 iniciou-se uma
estabeleceram-se no Brasil as sociedades de auditoria Arthur reforma do sistema financeiro que teve início com a publicação
Andersen (em 1957) e a Arthur Young & Co. e a Clarkson & da Lei 4.728/65 que criou novas regras para o mercado de capi-
Cross (antecessoras da actual ernst & young, em 1959)(77). tais e, consequentemente, novas regras sobre a prestação e revi-
Ao longo deste período de crescimento e transformação na são de informação financeira. Na segunda metade da década
economia brasileira, a actividade de auditoria evoluiu significativa- de 70 foi publicado um novo regime para o mercado de capitais
mente, o que permitiu a institucionalização do curso superior de consagrado na Lei 6.404/76 que definium um novo modelo para
contabilidade a fim de preparar os especialistas para as necessida- a divulgação de informação financeira para as socidades anóni-
des cada vez maiores de transparência nas demonstrações contabi- mas, e a Lei 6.385/76 que criou a Comissão dos valores Mobiliá-
lísticas das empresas. Foi neste ambiente que se criou (em 1957) o rios (CvM)(80).
instituto dos Contadores Públicos de são Paulo (iCPsP); (em
1968) o instituto Brasileiro dos Auditores independentes (ibai);
(em 1971) o instituto dos Auditores independentes do Brasil
(iAiB), que teve um papel central na formulação de normas e prin- 4.6. A experiência da actividade de auditoria externa na
cípios contabilísticos, com a criação da Comissão de valores Mobi- Nigéria e na África do Sul
liários (CvM) e a aprovação da Lei das sociedades Anónimas(78).
No sentido de alargar os seus associados e incorporar outras a) experiência nigeriana
valências, em 1982, o iAiB recebeu o nome de instituto Brasileiro A actividade de contabilidade e auditoria na Nigéria iniciou
de Contadores (iBRACoN) e publicou, em 1988, o livro Princí- em 1957, período em que a contabilidade e auditoria foram reco-
pios Contábeis que, dentre várias matérias, versava sobre sobre as nhecidos como profissões, logo após a obtenção da independência
normas brasileiras de Contabilidade do Conselho Federal de Con- política pela Nigéria, e as universidades e politécnicos introduzi-
tabilidade (CFC) e normas internacionais. em 1993 realizou o pri- ram cursos em contabilidade. em 1965 criou-se uma associação
meiro Congresso Brasileiro de Auditores independentes(79). de contabilidade designada institute of Nigerian Accountants
Do ponto de vista legislativo, publicou-se o Decreto-Lei (iCAN), por lei do Parlamento n.º 15 de 1965, para regular a acti-
n.º 9.295/46 que criou o Conselho Federal de Contabilidade e vidade de contabilidade e auditoria(81).
definiu as atribuições dos contabilistas e do guarda-livros, que

(80) FAveRo, FABRíCio, responsabilidade dos Auditores independentes, op. cit., pp. 45-47.
(77) FAveRo, FABRíCio, responsabilidade dos Auditores independentes, op. cit., p. 45.
(81) o’ReGAN, DAviD, institute of Chartered Accountants of Nigeria, «Auditor’s dictio-
(78) iBRACoN. Auditoria — registros de uma profissão, op. cit., p. 69 nary: terms, concepts, processes, and regulations», John wiley and sons, 2004,
(79) ibidem, p. 71. p. 143. isBN 0-471-53118-9.

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em 1993, com a finanlidade de concorrer com o iCAN, foi No caso do iCAN, o Governo da Nigéria nomeia cinco
criada a Associação de Contabilistas Association of Nigerian membros para o conselho de 25 membros; no entanto, na prática
Accountants (ANAN), pelo Decreto n.º 76 de 1993, que trouxe o iCAN nomeia os nomeados que o governo confirma. o conse-
um paradigma de mudança na profissão de contabilidade pois lho de governo da ANAN é eleito pelos seus membros e inclui
passou a ter a responsabilidade de regular e supervisionar a pro- representantes dos Auditores Gerais da Federação, do Governo
fissão de contabilidade e auditoria e estabelecer os padrões do estadual e Local e das universidades e politécnicos.
exercício da profissão. em 2010 a ANAN foi admitida como o iCAN concede uma certificação de revisor oficial de con-
membro da Association of Professional Bodies of Nigeria e da tas. é membro da Federação internacional de Contadores (iFAC)
Financial reporting Council of Nigeria (FRCN)(82). e tem forte base e relacionamentos internacionais. A ANAN tem
Actualmente, o iCAN e a ANAN são os dois organismos de um número de afiliações internacionais e é membro da Associa-
auto-regulação e supervisão da actividade e dos profissionais de ção internacional de educação e Pesquisa Contabilística.
contabilidade e de auditoria. Ambos os organismos estão, na prá-
tica, auto-regulados, com associações que elegem membros do b) experiência sul-Africana
conselho director. os membros de ambos os órgãos podem reali- Na África do sul, o primeiro instituto profissional de conta-
zar auditorias públicas, sob diferentes legislações e com alcance bilidade foi o instituto de Contabilistas e Auditores, formado na
diferente, e podem ser encontrados tanto no sector público como cidade de Joanesburgo em 1894 com 65 membros. Um ano mais
no privado. o iCAN é o maior dos dois com 27.000 membros tarde, foi criado o instituto de Contabilistas da cidade de Natal.
contra os 16.000 da ANAN(83). em face da necessidade de se estabelecer a regulação e a
supervisão para o exercício da profissão de auditor e de contabi-
(82) “The Association of National Accountants of Nigeria (ANAN) was chartered lista, criaram-se vários institutos provinciais que, de 1905 a 1909,
on 25 August 1993. The government had given ANAN the mandate to compete with desencadearam um movimento de padronização da actividade de
iCAN, and by 1994 the two organizations were fighting for control of the Chartered
Accountants profession in Nigeria. in 2002 iCAN applied to the courts to disqualify
auditoria e contabilidade. é importante dar nota que neste período
and/or bar mr Clement Akpamgbo from representing ANAN, and the matter was foram criadas sociedades de contabilidade nas cidades de Cape
referred to a lower court. ANAN appealed the decision, but the appeal was dismissed Town, do rio orange e de Natal. e, no final de 1907, a Sociedade
for lack of merit. in November 2007 a Federal High Court in Lagos dismissed a suit
by iCAN requesting the court to declare that the decree establishing ANAN was void. Transvaal de Contabilidades cresceu para 522 membros.
in march 2009, ANAN President Dr Samuel Nzekwe rejected an attempt by iCAN to o primeiro passo significativo para a certificação da activi-
set auditing standards for its members. He said that the Nigerian Accounting Stan-
dards Board (NASB) Act 2003 said that only the board could set standards for the dade de auditoria e contabilidade ocorreu em 1921, quando se
accounting profession. in June 2010 mr. Godson Nnadi, Executive Secretary of Nige- criou a Junta de Certificação das sociedades de Contabilidade da
ria Accounting Standards Board, spoke in favor of a new body to set accounting and
auditing standards for Nigeria and other African nations. The new body would be
África do sul, que teve a tarefa de conduzir o processo de exame
independent of both ANAN and iCAN. ANAN and iCAN are now set to settle dispute em nome das sociedades. o segundo grande marco no caminho
out of court”. para a unificação ocorreu em 1927, quando a Lei de Designação
(83) CiPFA — towards Professionalisation of Public Financial Management in Nigeria —
the Accountancy Profession, in progress towards professionalisation of Public
de Contadores e Revisores (Privada) foi aprovada pelo parla-
Financial Management Lessons from the field, March 2011, p. 92. mento.

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em 1945 foi constituído o primeiro órgão nacional, Certifi- sobre treinamento e desenvolvimento profissional de auditores
cate in the Theory of Accounting (CtA), que passou a actuar registados, as regras e requisitos para registos dos auditores e cer-
como um fórum para a cooperação entre as sociedades de audito- tificação de organismos profissionais de auditores, bem como
ria e contabilidade da África do sul e, a partir de 1950, o ensino e estabelece os deveres de conduta e as responsabilidades dos audi-
exames teóricos para o acesso à profissão de auditor e contabi- tores registados(85).
lista passou a ser realizado pelas universidades, mas o exercício esta determinou também que o Conselho de Auditores
da profissão passou a ser regulado e supervisionado pela CtA, Públicos e Auditores (PAAB) foi substituído pelo Conselho inde-
cujos primeiros exames foram realizados em 1951 e, por coinci- pendente de Auditores (iRBA) e neste sentido a Lei da Profissão
dência, a Lei dos Auditores Públicos e Auditores também foi de Auditoria separou, assim, o marco regulatório da parte de
publicada no mesmo ano. auditoria da profissão daquela da parte contabilidade da profis-
esta lei veio estabelecer a regulação da actividade de audito- são. Até hoje, a parte não auditada da profissão permanece menos
ria na prática pública. o CtA continuou a definir o exame de regulamentada.
qualificação até 1957, quando foi assumido pelo Conselho de
Auditores Públicos e Auditores (Public Accountants’ and Audi-
tors’ Board, doravante PAAB).
em 1966, foi criado o The National Council of Chartered 4.7. A experiência da actividade de auditoria externa
Accountants (Conselho Nacional dos Revisores oficiais de Contas) em Angola
que impulsionou o processo de unificação dos órgãos de regulação,
cujo objectivo foi finalmente alcançado em 1980, quando o South Apesar de não existirem dados que nos permitam precisar o
African institute of Chartered Accountants — SAiCA (instituto dos surgimento da actividade de auditoria em Angola durante o
Contabilistas da África do sul) foi formado, com 9012 membros. período colonial, sabe-se que após 1849, período que marca a
Mas antes deste facto, em 1973, foi publicada uma nova Lei das ocupação colonial efectiva e no qual se lançou para a construção
sociedades Comerciais que estabeleceu a exigência de as empresas de estradas, pontes, caminhos-de-ferro e indústrias, o estado por-
apresentarem demonstrações financeiras de acordo com as práticas tuguês sentiu a necessidade de fiscalizar as actividades das
contabilísticas geralmente aceites. e neste âmbito a CtA, as câma- empresas instaladas em Angola(86).
ras de comércio e a Bolsa de valores de Joanesburgo formaram o No período da Angola independente, a actividade de audito-
Conselho de Práticas Contabilísticas para emitir declarações de prá- ria tem as premissas do seu desenvolvimento a partir de 1990,
ticas de auditoria e contabilidade geralmente aceites(84). quando o estado se abriu para o investimento estrangeiro e, como
em 2005 foi publicada a Auditing Profession Act, número 26
of 2005 (Lei da profissão de auditoria) que estabelece as regras
(85) hoePPLi, thoMAs, The regulation of the Accountancy Profession in South Africa, in
FAB, Forum Accounting Bodies, 23 January 2013, p. 3.
(84) Accountants, sAiCA — south African institute of Chartered. “sAiCA history — (86) MAkUMBANi, ANtóNio kiALA, o papel da Auditoria externa nas Sociedades anóni-
About — sAiCA”. ˂www.saica.co.za˃. mas, Luanda: Faculdade de economia da Universidade Agostinho Neto, 2009, p. 13.

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consequência do recurso ao endividamento junto do Banco Mun- 5. As funções do Auditor externo


dial e do FMi, esta última entidade e os investidores estrangeiros
passaram a exigir que as contas de institutos e empresas públicas o auditor externo desempenha a função de verdadeiro
fossem auditadas pelos seus especialistas como garantia de que garante da exactidão e fiabilidade da informação financeira e
os fundos alocados ao estado angolano estavam a ser usados cor- contabilística da sociedade auditada e do seu correcto funciona-
rectamente. Foi assim que as empresas públicas (como a sonan- mento, protegendo assim, com a sua intervenção, os interesses e
gol e o BNA), a partir do ano de 1991 começaram a ser objecto expectativas dos stakeholders e confere um maior grau de credi-
de auditoria externa de sociedades de auditoria internacionais bilidade das contas aos olhos de terceiros da empresa. Na ver-
como PriceWaterhouse & Coopers e a Ernest & Young. dade, os auditores desempenham a função de fiscais públicos,
Com o crescimento do investimento externo, muitas empre- pois são responsáveis por atribuir um selo de qualidade nas infor-
sas estrangeiras com filiais ou sucursais em Angola passaram a mações que os investidores recebem(87).
enviar para as suas sedes informações financeiras certificadas por A actividade de auditoria externa integra os exames e outros
auditores externos que operavam no mercado angolano e, como serviços relacionados com as contas da empresa ou de outras
resposta ao volume de solicitações que vinham obtendo por parte entidades, efetuados de acordo com as normas de auditoria em
das holdings de empresas, as principais sociedades de auditoria vigor e compreendendo, precisamente, a revisão legal de contas
internacionais instalaram-se em Angola. exercida em cumprimento da disposição legal e no contexto dos
Na década de 2000, o crescimento vibrante da economia mecanismos de fiscalização das entidades ou empresas objecto
impulsionou a evolução da actividade, aumentou a solicitação das de revisão em que se imponha a designação de um revisor oficial
sociedades comerciais e, embora timidamente, de entes públicos de contas e a Auditoria às contas exercida, principalmente, em
para prestação de serviço de auditorias. Na maioria dos casos a cumprimento de uma disposição legal, estatutária ou contratual.
auditoria era contratada por entidades estrangeiras afins com inte- A revisão legal de contas opera mediante a emissão de uma
resses nas mesmas (em projectos de impacto sócio-económico). certificação legal das contas, pela qual, manifestando a aprecia-
Com a abertura do mercado de valores mobiliários, a CMC ção do auditor, este declara que “as demonstrações financeiras
tem imposto que as empresas devem divulgar informações finan- individuais e/ ou consolidadas” por si examinadas, “apresentam,
ceiras (relatórios e contas) auditadas, e esta exigência tem impul- ou não, de forma verdadeira e apropriada, a posição financeira
sionado o crescimento da actividade de auditoria externa que, no da empresa ou de outra entidade, bem como os resultados das
essencial, é desenvolvida pelas seguintes sociedades de auditoria: operações e os fluxos de caixa, relativamente à data e ao período
kPMG Angola, auditores e consultores, s.A; Price Waterhouse a que as mesmas se referem, de acordo com a estrutura de relato
& Coopers (Angola), L.da; Ernst & Young Angola, L.da; Delloite financeiro identificada e, quando for caso disso, de que as
demonstrações financeiras respeitam, ou não, os requisitos legais
Angola; BDo Auditangol Auditoria, impostos e Consultoria,
aplicáveis” e conclui com a expressão da sua opinião com ou sem
Lda; Siaron; Dicparol; Auren Angola Auditores, Acessores e
Consultores; Planiconta, L.da; Audiconta, Auditores e Consulto-
res, L.da e Gaconta. (87) Cfr. FAveRo, FABRíCio, responsabilidade dos Auditores independentes, op. cit., p. 32.

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reservas, da escusa da sua opinião, de uma opinião adversa, com no processo de avaliação dos emitentes e de outros agentes do
ou sem ênfases, de acordo com as modalidades definidas nas nor- mercado, em termos da verificação ou revisão de registos,
mas de Auditoria em vigor(88). demonstrações e procedimentos contabilísticos adoptados por
A certificação legal de contas está dotada de fé pública, ape- estas entidades, na medida em que implica avaliar a adequação e
nas podendo ser impugnada pela via judicial quando arguida a a veracidade das situações financeiras apresentadas, a mitigação
sua falsidade. verificada a inexistência, significativa insuficiên- do risco de informação (manipulação das contas ou a não refle-
cia ou ocultação de matéria de apreciação, o auditor emitirá xão da posição e desempenho real da empresa) e identificação
declaração de impossibilidade de certificação legal. dos riscos aos quais os emitentes estão sujeitos ou expostos.
Para Paulo Câmara, o auditores assumem um papel de aguda
relevância na salvaguarda da confiabilidade da informação finan-
ceira e, por isso, o seu relevo no âmbito da governação societária
5.1. A importância dos Auditores externos no mercado é acentuado(90). Na verdade, os auditores são chamados não só
de valores mobiliários para detectar e comunicar as irregularidades ou expressar em ter-
mos rigorosos as suas opiniões profissionais, mas também para
A informação disponibilizada constitui a base fundamental e organizar de forma eficiente a contabilidade da empresa audi-
indispensável para a tomada de decisão dos investidores e um tada(91).
meio de controlo da situação patrimonial e financeira das iFNB
ligadas ao mercado de valores mobiliários. Por esta razão, o
Código de valores Mobiliários (CódvM)(89) e a LBiF determi-
nam a existência de auditores externos que devem analisar as 5.2. O Auditor externo como gatekeeper
contas dos emitentes, dos agentes de intermediação e dos demais
intervenientes no mercado de valores mobiliários. A figura dos gatekeepers não constitui monopólio do Direito
os auditores externos são chamados a desempenhar um dos valores Mobiliários, é uma realidade existente em outros
papel fundamental no funcionamento do mercado de valores ramos de Direito e também em outras ciências sociais. inicial-
mobiliários, transmitindo a necessária confiança aos agentes do mente nasceu e foi desenvolvida no seio das teorias do corporate
mercado sobre a qualidade da informação financeira que é sub- governance, isto é, dos conflitos de agência tratados no seio do
metida para a sua certificação e, assim, influenciar as decisões de Direito societário dos eUA, mas foi importado para o Direito dos
investimento e o comportamento dos agentes económicos. Por valores Mobiliários.
este facto, a sua intervenção é de incomensuarável importância
(90) CâMARA, PAULo, manual de Direito dos Valores mobiliários, Lisboa: 4.ª ed., Alme-
( )
88 AFRA RosA, MARiA MADALeNA AtAíDe, A responsabilidade Penal do revisor oficial dina, 2018, pp. 326-329.
de Contas e do Técnico oficial de Contas no Contexto Empresarial (Dissertação de (91) CâMARA, PAULo, A Actividade de Auditoria e a Fiscalização de Sociedades Cotadas:
mestrado), Lisboa, 2014, disponível na Universidade Católica Portuguesa. Definição de um modelo de Supervisão, in «Caderno do Mercado de valores Mobiliá-
(89) Aprovado pela Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto. rios», n.º 16, 2003, p. 94.

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Na verdade, a expressão gatekeepers foi utilizada pela pri- independentes (por exemplo, auditores externos, administradores
meira vez por ReiNieR kRAAkMAN, em 1984, no seu artigo Cor- independentes, advogados, etc.) que têm meios e habilidades
porate Liability Strategic and the cost of legal controls publicado para prevenir, impedir ou influenciar que os emitentes não vio-
no yale Law Journal(92). os Gatekeepers são definidos como “the lem as regras do mercado, não adoptem práticas abusivas ou não
outside professionals who serve the board or investors”(93), prejudiquem os investidores. Neste contexto, os gatekeepers são
isto é, são profissionais cuja actividade consiste na imposição “thereby controlling acess to the capital markets”(96). Mais
de deveres de acompanhamento, fiscalização e de observância recentemente, o termo gatekeepers tem sido usado “in slighly
das regras existentes num certo sector do mercado(94). different sense, to encompass those professionals who can pro-
Para JeNNiFeR PAyNe, na generalidade, os gatekeepers são vide investors with protection by providing them with certifica-
intermediários financeiros (grosso modo) que operam entre os tion or verification services”(97).
investidores e os emitentes. Na expressão intermediários devem-se Retornando a ReiNieR kRAAkMAN, os gatekeepers são os
incluir também os auditores externos, os analistas e consultores, os indivíduos ou as instituições dotadas de qualificações especiali-
advogados e as agências de notação de risco. todos estes têm a pon- zadas, quase sempre ligadas a uma profissão, que se valem da
tencialidade de influenciar o sistema de protecção não só dos inves- confiança e da reputação adquirida para assegurar, ao mercado e
tidores, como também garantir o funcionamento eficiente e regular aos investidores, a conformidade ao ordenamento jurídico das
do mercado e, por isso, têm a função de garantir que as regras que operações submetidas a seu exame, ou seja, têm poder para pre-
regem a relação entre investidores e emitentes são observadas(95). venir a prática de actos ilícitos através da recusa de prestação dos
Na verdade, o termo gatekeepers tem sido usado de dife- seus serviços aos agentes do mercado(98), por isso MUhAMMAD
rente formas, ou seja, pode ser usado para referir os profissionais AsiF khAN entende que “the Gatekeepers are reputational inter-
mediaries who provide verification and certification services to
investors”(99), isto é, os Gatekeepers são intermediários de repu-
(92) kRAAkMAN, ReiNieR, Corporate Liability Strategic and the cost of legal controls, in
«yale Law Journal», 93, Apr. 1984, p. 868. Cfr. ARLeN JeNNiFeR & kRAAkMAN,
tação que procedem a verificação e certificação dos serviços para
ReFieR, Controlling corporate misconduct: an analysis of corporate liability regimes, os investidores.
in «New york University Law Review», vol. 72, october, 1997, Number 4, p. 687.
Cfr. hAeNseL, tAiMi, A Figura dos Gatekeepers — Aplicação às instituições interme-
Para GUiDo FeRRARiNi e PAoLo GiUDiCi, os gatekeepers são
diárias do mercado organizado de valores mobiliários brasileiro, são Paulo: Alme- guardiões do sistema mobiliário ou da conformidade da informa-
dina Brasil, 2014, p. 67.
(93) CUNNiNGhAM, LAwReNCe A., Choosing Gatekeepers: The Financial Statement insu-
rance Alternative to Auditor Liability, in «Boston College Law school Faculty
Papers, Boston College Law school» (6-20-2004), ˂lacunningham@law.gwu.edu˃, (96) ibidem, p. 256.
p. 10. Cfr. hAMDANi, AssAF, Gatekeeper Liability in Southern California Law (97) PAyNe, JeNNiFeR, The role of Gatekkepers, op. cit., p. 256.
review, vol. 77, p. 98. (98) kRAAkMAN, ReiNieR, Corprate Liability Strategic and the cost of legal controls, in
(94) Vide CoFFee, JohN C., Gatekeeper Failure and reform: The Challenge of Fashioning «yale Law Journal», 93, Apr. 1984, pp. 888-889; Cfr. hAeNseL, tAiMi, A Figura dos
relevant reforms, p. 10; no mesmo sentido. Cfr. hAMDANi, AssAF, «Gatekeeper Lia- Gatekeepers, op. cit., p. 68.
bility in southern California Law Review», vol. 77, p. 98. Cfr. hAeNseL, tAiMi, (99) khAN, AsiF, The reasons Behind a Corporate Collapse: A Case Study of Enron (Sep-
A Figura dos Gatekeepers, op. cit., p. 68. tember 6, 2011), p. 8. Available at ssRN: ˂https://ssrn.com/abstract=1923277˃ or
(95) PAyNe, JeNNiFeR, “The role of Gatekkepers”, op. cit., p. 255. ˂http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.1923277˃.

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ção prestada e que, por isso, servem os investidores através da vados para fiscalizar a informação recebida dos seus clientes
preparação, verificação ou certificação da informação que rece- servem de garantia à fiabilidade dessa mesma informação. A tais
bem(100). Para JohN C. CoFFee, o conceito de porteiro ou guar- incentivos privados acrescem incentivos legais, nomeadamente
dião significa que, por um lado, o gatekeeper é uma pessoa que os decorrentes da responsabilidade civil, disciplinar, administra-
tem um importante capital de reputação, adquirido durante mui- tiva e penal. os seus incentivos privados decorrem do penhor da
tos anos, muitos clientes e experiência, o que promete assegurar a sua reputação (o seu activo mais precioso e condição de acesso
precisão das declarações ou de informação financeira que faz ou ao mercado) na prestação dos seus serviços. Na medida em que
verifica e, por outro lado, deve receber uma boa contraprestação prejudiquem esse activo por um cliente, arriscam-se a perder os
(remuneração) pelo papel que desempenha e que consiste em demais clientes”(103).
verificar e certificar as informações remetidas para sua aprecia- Ao lado dos analistas financeiros, responsáveis pela análise
ção, por isso, estes dois elementos transformam o gatekeeper de informação relativa aos emitentes e aos valores mobiliários;
num intermediário reputacional(101). das sociedades de notação de risco(104), encarregadas pela análise
Na verdade, na esteira de ReiNeR kRAAkMAN, os gatekee- do risco de crédito; dos agentes de intermediação, responsáveis
pers, enquanto profissionais independentes, têm um benefício pela colocação da emissão e assistência no processo de oferta
muito reduzido nas práticas fraudulentas, pois assumem um risco pública e, por isso, está adstrito ao dever de “due diligence”; e dos
elevadíssimo, configurado em perder a reputação e, por este advogados, encarregados pela emissão de pareceres jurídicos
facto, não são necessários muitos incentivos legais para garantir essenciais para determinadas transações financeiras; destacam-se
o cumprimento da legalidade(102). No mesmo sentido, José Fer- os auditores externos como gatekeepers(105), que são responsáveis
reira Gomes entende que “a estabilidade do mercado assenta no pela revisão e certificação da informação financeira e contabilís-
papel desempenhado por estes profissionais cujos incentivos pri- tica prestada pela administração das sociedades comerciais(106).

(100) FeRRARiNi, GUiDo and GiUDiCi, PAoLo, Financial Scandals and the role of Private (103) Cfr. GoMes, José FeRReiRA, Da Administração à Fiscalização das Sociedades,
Enforcement: The Parmalat Case, op. cit., p. 22. No mesmo sentido, vide CâMARA, op. cit., p. 16.
PAULo, A Actividade de Auditoria e a Fiscalização de Sociedades Cotadas, op. cit., (104) FRADA, MANUeL A. CARNeiRo, responsabilidade Civil das Agências de Notação de
p. 94. Cfr. GoMes, FeRReiRA José, A responsabilidade Civil dos Auditores, in risco (rating), 1.ª ed., Coimbra: Almedina, 2018, p. 15.
«Código das sociedades Comerciais e Governo das sociedades», Almedina, Coim- (105) “Securities markets have long employed ´gatekeepers´ — independent professionals
bra, 2008, p. 344. who pledge their reputational capital — to protect the interests of dispersed investors
(101) Vide CoFFee, JohN C., Gatekeeper Failure and reform: The Challenge of Fashioning who cannot easily take collective action. The clearest examples of such reputational
relevant reforms, p. 10. intermediaries are auditors and securities analysts, who in different ways verify or
(102) kRAAkMAN, ReiNieR; ARMoUR, JohN & hANsMANN heNRy, Agency Problems, Legal assess corporate disclosures in order to advise investors. But during the late 1990s,
Strategies, and Enforcement, in «the Anatomy of Corporate Law: A Comparative and these protections seemingly failed, and a unique concentration of financial scandals
Functional Approach», second edition, oxford — University Press, 26 January 2017, followed, all involving the common denominator of accounting irregularities”.
p. 227. hANsMANN, heNRy and kRAAkMAN, ReiNieR, What is Corporate Law?, (Feb. Cfr. CoFFee, JohN C., Gatekeeper Failure and reform: The Challenge of Fashioning
25, 2004), yale Law & economics Research Paper N.º 300. Available at ssRN: relevant reforms, in 84 Boston University Law Review 301 (2004), p. 1.
˂https://ssrn.com/abstract=568623˃. Cfr. DAvis, PAUL & hoPt, kLAUs, Control Tran- (106) GoMes, FeRReiRA José, “A Responsabilidade Civil dos Auditores”, op. cit., p. 344. No
sactions, in «the Anatomy of Corporate Law: A Comparative and Functional mesmo sentido, cfr. hAMDANi, AssAF, Gatekeeper Liability in Southern California
Approach», third edition, oxford — University Press, 26 January 2017, p. 227. Law review, vol. 77, p. 98.

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enquanto gatekeepers, os auditores são responsáveis por lística e do rigor da informação financeira. e “é esta dupla fun-
aferir a veracidade da informação que passa do núcleo orgânico ção do auditor (prestação de serviço ao cliente e protecção do
da sociedade para a pluralidade de interessados na mesma, pois interesse de terceiros) que explica a essencialidade da sua inde-
desempenham o papel de guardiões da informação financeira(107) pendência”(110). Assim os auditores, enquanto gatekeepers, são
e da protecção dos interesses dos investidores. os investidores responsáveis por aferir a veracidade, corrigir e garantir a quali-
“confiam nas informações divulgadas justamente porque foram dade da informação que as sociedades disponibilizam no mer-
auditadas e, se houvesse alguma distorção em decorrência de cado e, por este facto, são reputados como auxiliares dos organis-
erro ou fraude, o auditor não permitiria o acesso da entidade ao mos de supervisão, pois a sua actividade de monitorar, de
mercado, ou se já inserido no mercado, divulgaria um relatório verificar e certificar tem uma função de interesse público(111).
com ressalvas, justamente apontando os problemas identificados. Para Paulo Câmara, existem várias razões para se reforçar as exi-
Esta confiança depositada nas actividades do auditor indepen- gências aos auditores quando o seu trabalho incide sobre socieda-
dente encontra seu fundamento de existência nos pilares essen- des cotadas em mercados regulamentados, pois o seu serviço
ciais que o caracterizam como um guardião do mercado”(108). afecta as decisões dos investidores e do mercado em geral(112).
De acordo com Paulo Câmara e Gabriela Figueiredo Dias, os gatekeepers devem ser muito bem remunerados, pois de
os auditores desempenham uma função de interesse público(109), contrário podem criar a possibilidade de dependência junto da
pois, enquanto gatekeepers, são guardiões da legalidade contabi- entidade a quem prestam serviço(113), por exemplo, como refere
John C. Coffee, uma das principais causas dos escândalos finan-
(107) Vide CoFFee, JohN C., Gatekeeper Failure and reform: The Challenge of Fashioning
ceiros que abalaram o mercado financeiro americano nos anos
relevant reforms, p. 11. Cfr. hAeNseL, tAiMi, A Figura dos Gatekeepers, op. cit., de 2001 a 2003 teve origem no aumento dos incentivos que as
p. 88. Cfr. CoFFee, JohN, Gatekeepers: The Profession and Corporate Governance,
oxford University Press, 2006, p. 35.
sociedades auditadas deram aos gatekeepers (dos quais se desta-
(108) FAveRo, FABRíCio, responsabilidade dos Auditores independentes, op. cit., pp. 82-83
cam os auditores) para serem coniventes com fraudes, por meio
(109) o auditor não persegue apenas o interesse da sociedade auditada, a sua actividade tem de falsificação ou de falta de denúncia das informações contabi-
interesse público e este é definido como ‘interesses difusos’, ou seja, interesse indivi- lísticas e financeira deficientes(114).
dual homogéneo que se projecta nos stakeholders. e neste âmbito discute-se se o con-
trato de auditoria terá a natureza de contrato a favor de terceiro, questão de que nos
ocuparemos neste estudo. GoMes, FeRReiRA José, A responsabilidade Civil dos Audi-
tores…, op. cit., pp. 363-366. Na verdade, como nos diz Gabriela Figueiredo Dias, na (110) CâMARA, PAULo, Actividade de Auditoria e a Fiscalização de Sociedades Cotadas:
prestação de serviço de auditoria existem um conjunto diversos de interesses em jogo: Definição de um modelo de Supervisão, in «Caderno do Mercado de valores Mobiliá-
trata-se do interesse dos auditores, como os lucros resultantes da prestação contratual rios», n.º 16, 2003, pp. 93-94.
de serviço, interesses sociais e reputacionais; do interesse da sociedade auditada, (111) hAeNseL, tAiMi, A Figura dos Gatekeepers — Aplicação às instituições intermediá-
como baixo preço do serviço de auditoria e interesse reputacionais e que salvaguarde rias do mercado organizado de valores mobiliários brasileiro, são Paulo: Almedina
a imagem da sociedade auditada; do interesse dos stakeholders da sociedade auditada Brasil, 2014, p. 84.
e dos investidores, como a divulgação de informação idónea e suficiente e que reve-
(112) CâMARA, PAULo, A Actividade de Auditoria e a Fiscalização de Sociedades Cota-
lem a realidade da sociedade auditada; e dos interesses económicos gerais, como a
das…, op. cit. 94.
credibilidade, rigor e qualidade da informação financeira, garantida pela actividade
dos auditores. Cfr. DiAs, GABRieLA FiGUeiReDo, Conflito de interesses em Auditoria, (113) Cfr. CoFFee, JohN, What Caused Enron — A Capsule Social and Economic History of
in «Conflito de interesses no Direito societário e Financeiro — Um balanço a partir the 1990s, pp. 269-309
da Crise Financeira», Coimbra: Almedina, 2010, p. 582. (114) “These scandals demonstrate that gatekeeper failure is a worldwide problem, but one

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Na verdade, como escreve taimi haensel, “a crise de 2001/ 5.3. Actividades dos Auditores no mercado de valores
/2002 trouxe atenção específica a determinados participantes do mobiliários
mercado, externos a emissor que, falhando em seu dever profis-
sional, contribuiram para a distorção de informações ao mer- No exercício da sua actividade, os auditores podem, con-
cado. Trata-se dos auditores independentes e dos analistas de soante o caso, emitir vários tipos de pareceres, sobre os quais
valores mobiliários que, respectivamente, deixaram de apontar assume co-responsabilidade solidária, onde destacamos:
manipulações em demonstrações financeiras e recomendações a i) o parecer com ressalva que é emitido, quando o Auditor
aquisição de activos cujos preços não encontram fundamento na conclui que o efeito de qualquer discordância ou restri-
situação financeira do emissor”(115). ção na extensão de um trabalho não é de tal magnitude
os auditores, enquanto gatekeepers, funcionam mais como que queira parecer adverso ou abstenção de opinião;
“entidades seguradoras dos emitentes de valores mobiliários e
ii) o parecer sem ressalva que é emitido, quando o Auditor
não como entidades fiscalizadoras” por isso respondem objecti-
está convencido sobre todos os aspectos relevantes dos
vamente pelos danos causados pela conduta fraudulenta dos emi-
assuntos tratados no âmbito de Auditoria;
tentes, desde que estes últimos sejam judicialmente condenados
no pagamento de uma indemnização ou cheguem a acordo extra- iii) o parecer adverso, quando verificar que as demonstra-
judicial nesse sentido. José Ferreita Gomes entende que o auditor ções contabilísticas estão incorretas ou incompletas, em
é sempre responsável objectivamente quando o seu cliente, o tal magnitude que impossibilite a emissão do parecer
emitente de valores mobiliários, omita informações relevantes ou com ressalva(117);
preste falsas informações nas contas anuais, independentemente iv) o parecer com abstenção de opinião é emitido quando
de o auditor desconhecer esse facto, ou da diligência que empre- houver limitação significativa na extensão de seus exa-
gou na análise dessas contas(116). mes que impossibilitem o Auditor de expressar opinião
sobre as demonstrações contabilísticas por não ter
obtido prova suficiente para fundamentá-la.

Dessa forma, o parecer do Auditor externo deve expressar


essa convicção de forma clara e objetiva(118).

(117) Por exemplo, a Deloitte (sociedade de auditoria) emitiu um parecer de auditoria sobre as
that has different causes and cures depending upon the diferente structures of cor- contas do Banco Regional do keve (BRk) no qual revelou insuficiências nas provisões
porate governance involved”. Para mais estudos vide Cfr. CoFFee, JohN C., Gate- criadas para prevenir o risco de perda de um volume de crédito cedido nos anos de 2015 e
keeper Failure and reform: The Challenge of Fashioning relevant reforms, pp. 4- 2016 e a manutenção operacional do banco, violando assim os preceitos consagrados nos
-5. No mesmo sentido, vide PAyNe, JeNNiFeR, “The role of Gatekkepers”, op. cit., Avisos n.º 11/2014 e n. 12/20014, e no instrutivo n.º 9/2015 do BNA. Vide RoDRiGUes, NeL-
p. 260. soN in «Jornal valor económico», p. 16, edição de segunda-feira, de 15 de Maio de 2017.
(115) hAeNseL, tAiMi, “A Figura dos Gatekeepers”, op. cit., p. 25. (118) FReiRe, MÁRio, Fusão entre o relatório do auditor externo e a certificação legal de
(116) GoMes, FeRReiRA José, A responsabilidade Civil dos Auditores…, op. cit., p. 403. contas, in «Cadernos do Mercado de valores Mobiliários», n.º 12, 2001, pp. 264-266.

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De acordo com o art. 3.º do Regulamento dos Auditores documento de oferta. o auditor assegura o incremento dos níveis
externos, a informação contida no parecer ou no relatório do de credibilidade e fiabilidade da informação financeira e de trans-
Auditor externo registado na CMC deve reunir os elementos téc- parência do mercado, bem como maior grau de certeza na defini-
nicos necessários, no sentido da informação ser precisa, concisa e ção de objectivos de investimento e acompanhamento dos opera-
adequadamente sistematizada. Para além deste aspecto, decorre dores do mercado de capitais.
ainda daquele preceito que a informação deve mencionar os fac-
tos ocorridos que se mostrem susceptíveis de afectar de modo
relevante a informação constante dos documentos de prestação
de contas e devem conformar estas informações com as normas 5.4. Actuação dos Auditores Externos e os vários inter-
internacionais de auditoria. venientes do mercado de valores mobiliários
Do ponto de vista de conteúdo o parecer deve especificar se
as demonstrações financeiras estão apresentadas de acordo com a) o auditor externo nas sociedades gestoras de mercado
os princípios contabilísticos geralmente aceites, ou identificar as regulamentado
circunstâncias em que tais princípios não foram observados; con- No âmbito da sua actividade, as sociedades gestoras de mer-
ter as notas explicativas às demonstrações financeiras deve ser cado regulamentado devem contratar um auditor externo para
considerado como razoavelmente adequado, excepto se tal for proceder à auditoria das contas, a fim de verificar e certificar a
especificado no relatório; conter uma opinião sobre as demons- regularidade dos livros, registos contabilísticos e documentos
trações financeiras, tomadas no seu todo, ou uma declaração no que lhe servem de suporte; quando o julgue conveniente e pela
sentido de que a opinião não pode ser expressa, sendo que as cor- forma que entenda adequada, a extensão da caixa e as existências
respondentes razões devem ser especificadas. em todos os casos de qualquer espécie de bens ou valores por ela recebidos em
em que o nome do auditor esteja associado às demonstrações garantia, depósito ou outro título; a exactidão do balanço e da
financeiras, o relatório deve conter uma indicação nítida da natu- demonstração de resultados; e se as políticas contabilísticas e os
reza do trabalho do auditor, bem como do grau de responsabili- critérios valorimétricos adoptados pela sociedade conduzem a
dade por ele assumido. uma correcta avaliação do património e dos resultados.
o processo de admissão à negociação envolve diversos De acordo com o art. 18.º do Regulamento n.º 3/14 de 30 de
agentes externos à sociedade emitente, nomeadamente, interme- outubro, o Auditor externo é contratado pela Assembleia Geral,
diários financeiros, escritórios de advogados, analistas de investi- sob proposta do órgão de fiscalização e deve estar registado na
mento e Auditor. este último tem a função de auditar e rever as CMC para proceder à auditoria das contas.
demonstrações financeiras, bem como avaliar se as informações esta disposição regulamentar tem suscitado dúvidas quanto
financeiras apresentadas no documento de oferta são apropriadas à sua conformidade legal nos casos das sociedades Gestoras de
e consistentes, reduzindo o risco de divulgação de informações Mercados Regulamentados que tenham participação de capitais
divergentes dos registos contabilísticos que possam fomentar públicos, como é o caso da BoDivA, sGMR, sA., pois a alí-
interpretações incorrectas sobre dados financeiros contidos no nea b) do art. 25.º da LBseP, estabelece que “o Titular do Poder

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Executivo ou quem este delegar deve definir o perfil do auditor a quando se trata de sociedade Gestora de Mercado Regulamen-
contratar, com recurso ao concurso público a realizar-se nos ter- tado e se tenha participação pública no seu capital social.
mos da lei”.
Na verdade, a disposição do art. 18.º do Regulamento b) o auditor externo nas sociedades abertas
n.º 3/14 contraria o disposto na Lei de Base do sector empresarial As sociedades abertas são sociedades anónimas especiais,
Público e tem levantado a questão sobre a validade da norma não só por se transformarem no meio privilegiado para o inves-
regulamentar face ao princípio do paralelismo normativo que timento mobiliário(119), como também pela especificidade do
orienta que uma disposição regulamentar não pode contrariar seu regime jurídico e das exigências que sobre si recaem e das
uma disposição legal. em face desta questão duas posições são- quais se destaca a fiscalização da sua administração e das suas
nos apresentadas em sentido distinto. contas.
A primeira entende que a norma do regulamento n.º 3/14 Diferente das sociedades anónimas comuns, as sociedades
vem desenvolver as matérias constantes do Regime Jurídico das abertas têm um regime próprio de fiscalização no qual se impõe a
sociedades Gestoras de Mercado Regulamentado definidas no intervenção de um auditor externo em todos os actos societário.
Decreto Legislativo Presidencial n.º 6/13 de 10 de outubro. este Por exemplo, as alíneas e) a g) do n.º 1 do art. 138.º do CódvM
diploma constitui um diploma especial em face de qualquer outro consagram para o órgão de fiscalização de uma sociedade aberta
(por exemplo a LBseP) pelo facto de consagrar as matérias espe- o poder de submeter para a auditoria externa os documentos de
céficas sobre a organização e actuação das sGMR. Neste con- prestação e de prestação de contas da sociedade, bem como de
texto, a primeira posição conclui que a disposição regulamentar propor à Assembleia Geral a nomeação do auditor externo.
ao desenvolver o regime jurídico das sGMR constitui uma norma Para além do facto de estarem adstritos à prestação de infor-
especial e, nesta medida, derroga o previsto no n.º 2 do art. 25.º mação contabilística periódica materializada nos Relatórios e
da LBseP, por constituir lei comum. Contas semestrais (art. 143.º) e nas informações trimestrais pre-
A segunda posição, na qual nos revemos, entende que apesar vistas no art. 144.º do CódvM e no art. 13.º do Regulamento da
de constituir regime especial, o Decreto Legislativo Presidencial CMC n.º 6/2016 de 7 de Junho, os relatos financeiros e outros
n.º 6/13 de 10 de outubro, não consagra nenhuma disposição documentos de gestão de emitentes admitidos à negociação (dos
sobre os Auditores externos e, por este facto, não podemos afir- quais se destacam as sociedades abertas) só devem ser divulga-
mar que a disposição do n.º 2 do art. 18.º do Regulamento dos, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 142.º do CódvM,
n.º 3/14 configura-se como uma norma especial em face do n.º 2 mediante relatório elaborado por um auditor externo.
do art. 25.º da LBseP. Na verdade, no âmbito do princípio do Na realidade, como dispõe a alínea h) do n.º 1 do art. 162.º e
paralelismo de forma, a norma regulamentar afigura-se como ile- a alínea b) do n.º 1 do art. 309.º do CódvM, o relatório ou parecer
gal na medida em que contraria o disposto num diploma hierar- de auditor constitui um dos elementos necessários para a instru-
quicamente superior e, neste sentido, a matéria relativa à contra-
tação de um Auditor externo deve ser alterada de modo a (119) ALMeiDA, ANtóNio PeReiRA De, Sociedades Abertas, in «Direito dos valores Mobiliá-
conformar com o disposto na Lei do sector empresarial Público, rios», vol. vi, Coimbra editora, 2006, p. 10.

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ção do pedido de registo de uma oferta pública e de aprovação do (n.º 3 do art. 33.º do RJoiC); o auditor deve elaborar o relatório e
conteúdo do prospecto de oferta pública de aquisição. contas dos oiC e comunicar à CMC sobre os factos que sejam sus-
este regime especial de prestação e fiscalização da informa- ceptíveis de constituir infrações às normas que regulam a actividade
ção financeira a que as sociedades abertas estão sujeitas resulta dos oiC ou de levar à elaboração de um relatório de auditoria que
da necessidade de se melhorar a fiabilidade das informações exprima uma opinião com reservas, uma escusa de opinião ou uma
financeiras através da certificação de que as demonstrações opinião adversa (n.os 1 e 2 do art. 75.º RJoiC); a informação sobre a
financeiras, preparadas pela administração, apresentam correcta- liquidação financeira do oiC deve ser acompanhada do parecer do
mente ou fornecem uma verdadeira e fiel visão sobre a situação auditor no qual procede à avaliação do património do oiC efec-
financeira e desempenho passado da sociedade aberta em confor- tuada pela entidade gestora (n.º 2 do art. 88.º RoiC); os relatórios e
midade com as normas aceites. e aqui o auditor externo desem- contas dos oiC devem ser objecto de relatório elaborado por um
penha um papel fundamental na concessão de credibilidade inde- auditor registado na CMC que deve pronunciar-se sobre a avaliação
pendente às demonstrações financeiras publicadas e utilizadas efectuada pela entidade gestora dos fundos, cumprimento dos crité-
por investidores, credores e outros interessados como base para rios de avaliação definidos nos documentos constitutivos e controlo
tomarem decisões relativamente à afectação de capital. dos movimentos de subscrição e de resgate das unidades de partici-
A percepção que o público tem da credibilidade da informa- pação (n.os 2 e 4 do art. 147.º RJoiC).
ção financeira da sociedade aberta é significativamente influen- o Regime Jurídico dos oiC de capital de risco (RJoiC-CR)
ciada pela percepção da eficácia de auditores externos na análise e o Regime Jurídico de titularização de Activos (RJPiC-tA)
e elaboração de relatórios sobre demonstrações financeiras. Um também consagram um conjunto de normas sobre actuação dos
elemento fundamental desta confiança da opinião pública é que auditores nas actividades dos oiCs de capital de risco e de titula-
os auditores externos operam e são vistos a operar, num ambiente rização de activos.
que apoia a tomada de decisões objectivas sobre questões-chave Por exemplo, estabelece-se para os oiC de capital de risco a
que têm um efeito significativo nas demonstrações financeiras. obrigatoriedade de, no regulamento de gestão do Fundo de Capi-
Para que tal aconteça, os auditores devem ser independentes das tal de Risco (FCR), se identificar o auditor responsável pela cer-
entidades que auditam, tanto em termos de actos concretos como tificação legal das contas do FCR (n.º 3 do art. 17.º RJoiC-CR);
aos olhos de terceiros. a obrigatoriedade das entradas em bens, diferentes de dinheiro,
ser objecto de relatório de auditor independente, registado na
c) os auditores nos organismos de investimentos Colecti- CMC e nomeado pela entidade gestora; e a obrigatoriedade das
vos contas do FCR encerradas anualmente serem objecto de relatório
Para validação das informações financeiras e contabilísticas de auditor registado na CMC (n.º 1 do art. 30.º RJoiC-CR).
divulgadas dos organismos de investimentos Colectivos é necessá- Para os oiC de titularização de activos também se consagra
ria a intervenção dos auditores externos, por exemplo, as contas da a obrigatoriedade das entradas em bens diferentes de dinheiro
liquidação dos oiC enviadas à CMC devem ser acompanhadas de serem objecto de relatório de auditor independente, registado na
um relatório de auditoria elaborado por auditor registado na CMC CMC e nomeado pela entidade gestora (art. 19.º RJoiC-tA).

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6. A regulação e a supervisão da actividade de Ainda para a iosCo, os auditores devem ser sujeitos a fisca-
auditoria lização por um organismo que aja e mostre que actua no interesse
público. enquanto a natureza de um organismo de fiscalização de
A nível internacional são várias as organizações com auditoria e o processo através do qual exerce a sua actividade
impacto e interesses em monitorar a actividade de contabilidade e pode ser diferente entre jurisdições, uma fiscalização eficaz
auditoria. Por exemplo, a international Federation of Accoun- inclui geralmente os seguintes mecanismos(122) ou processos que:
tants (iFAC), fundada em 1977 na Alemanha com a finalidade de a) exigem que os auditores tenham qualificação adequada e
fortalecer, a nível mundial, os profissionais de contabilidade e de competência profissional para serem autorizados a reali-
auditoria, é uma uma organização internacional que desenvolve zar auditorias;
normas sobre ética da actividade de auditoria. o iFAC é formado
b) retirem a autorização para a realização de auditorias, se
por dois um órgãos, o primeiro, a international Account Stan-
não forem mantidas a qualificação e competência ade-
dards Board (iAsB), é responsável pela regulação da actividade
quadas;
de contabilidade e, por exemplo, publicou a international Finan-
cial reporting Standards — iFRs; e o segundo, a international c) exigem que os auditores sejam independentes das empre-
Auditing and Assurance Standards Board (iAAsB), é responsa- sas que auditam tanto em termos concretos como aos
vel pela regulação da actividade de auditoria, por exemplo, a olhos de terceiros;
international Standard on auditing — isA(120). d) realizam a fiscalização sobre a qualidade da auditoria,
Relativamente ao acompanhamento e fiscalização dos audito- implementação da auditoria e independência e normas
res e das suas actividades, tradicionalmente é supervisionada na éticas, assim como mecanismos de controlo de quali-
generalidade por uma associação de profissionais de contabilidade dade;
que tem a responsabilidade de definir o perfil dos auditores, orien- e) exigem que os auditores sejam sujeitos à disciplina de
tar, criar normas e fiscalizar o exercício da actividade de auditoria. um organismo de fiscalização de auditoria que seja inde-
segundo a iosCo, os auditores devem estar sujeitos a níveis pendente da profissão de auditoria, ou, se o organismo
adequados de supervisão, ser independentes da entidade auditada e profissional agir como organismo de fiscalização, seja
os padrões de auditoria devem ser da mais alta qualidade, reconhe- fiscalizado por um organismo independente;
cida internacionalmente, onde o quadro regulatório deve consagrar
f) exigem que sejam realizadas análises periódicas pelo
mecanismos eficazes que garantam o cumprimento efectivo das
organismo de fiscalização de procedimentos de auditoria
normas emanadas no âmbito da actividade de auditoria(121).
e práticas das empresas que auditam as demonstrações
financeiras de emitentes públicos. As análises devem ser
(120) ALMeiDA, BRUNo José MAChADo De, manual de Auditoria Financeira, op. cit., pp. 22-23 realizadas de forma recorrente e devem ser concebidas
(121) iosCo, Metodologia para Avaliar a implementação dos objectivos e Princípios da
Regulação de valores Mobiliários da iosCo, Madrid: 2013, pp. 11-12. Disponível no
website da organização internacional das Comissões de valores em ˂www.iosco.org˃.
Acesso em 33/02/2016. (122) ibidem, p. 11.

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de forma a determinar até que ponto as empresas de audi- Um outro exemplo que pode ser adiantado é o da África do
toria cumprem as políticas e os procedimentos adequa- sul onde a actividade de auditoria compete ao independent regu-
dos de controlo de qualidade sobre todos os aspectos latory Board for Auditors (iRBA) que, regulado pela Auditing Pro-
relevantes da auditoria; fession Act, 2005 (Act No. 26 of 2005), efectua o registo, regula e
g) um organismo de fiscalização de auditoria deve também supervisiona os auditores e as suas actividades. No âmbito da
abordar outras questões como competência profissional, actuação no mercado de valores mobiliários, a actividade de audi-
rotação de pessoal de auditoria, contratação de pessoal toria é feita pela Johannesburg Stock Exchange (Jse).
de auditoria por clientes auditados, fornecimento de
outros serviços por empresas de auditoria e outras ques-
tões que considerar adequadas;
h) um organismo de fiscalização de auditoria deve ter auto- 6.1. Quid juiris sobre a possibilidade da CMC supervi-
ridade para estipular medidas de correcção para os pro- sionar em excluivos a actividade de auditoria?
blemas detectados e iniciar e/ou realizar processos disci-
plinares com o objectivo de impor sanções a auditores e em Angola, adoptou-se um modelo similar ao da África do
empresas de auditoria, conforme o caso. sul e do Brasil, onde, por um lado, a regulação e supervisão
genérica dos auditores compete a organismos distintos, por
em face das orientações da iosCo e dada a vocação gené- exemplo, a genérica é feita pela oCPCA e a específica é feita
rica das associações de profissionais de contabilidade e de audi- pelos diferentes organismos de regulação do mercado financeiro,
toria, que na maior parte dos casos não têm experiência e ciência por exemplo, cabe à CMC a regulação e supervisão dos auditores
suficiente para monitorar as actividades de auditoria em determi- quando actuam no mercado de valores mobiliários e o mesmo
nados segmentos (como nos mercados financeiros), a regulação e ocorre com o BNA e a ARseG quando actuam nos mercados sob
fiscalização dos auditores passou a ser partilha com outros orga- sua jurisdição.
nismos públicos. Por exemplo, no Brasil, a supervisão da activi- Diferente deste modelo, em Portugal a actividade de audito-
dade de auditoria é da competência de duas Associações profis- ria não é regulada ou supervisionada por uma associação de pro-
sionais, designadamente o Conselho Federal de Contabilidade fissionais e nem é partilhada entre esta e os diferentes organismos
(CFC) e o iBRACoN que, com responsabilidades distintas, nos de supervisão dos mercados financeiros. A Lei n.º 148/2015
termos do Decreto-lei n.º 9.295/46, regulam e fiscalizam o exer- de 9 de setembro (que estabelece o Regime Jurídico da supervi-
cício da profissão contabilística. Apesar destas competências, são de Auditoria e acolheu a Directiva n.º 2014/56/eU de 16 de
estas associações não têm o monopólio da regulação e supervisão Abril de 2014, do Parlamento e do Conselho europeu), submeteu
dos auditores, pois, por exemplo, a Comissão dos valores Mobi- os auditores à supervisão da Comissão do Mercado de valores
liários (CvM) também regula os auditores quando estes actuam Mobiliários (CMvM) que, dentre outros, terá como responsabili-
em sede do mercado de valores mobiliários, nos termos da instru- dade assegurar o controlo da qualidade e os sistemas de inspec-
ção CvM n.º 308 de 14 de Maio de 1999. ção dos Revisores oficiais de Contas (RoC) e das sociedades de

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Revisores oficiais de Contas (sRoC) e das suas actividades; tiva da actividade, por isso, torna-se necessário garantir que a
avaliar o desempenho do órgão de fiscalização de entidades de supervisão pública da actividade de auditoria seja assegurada por
interesses públicos; emitir regulamentos necessários sobre as uma entidade dotada de meios humanos, técnicos e financeiros
matérias de contabilidade e auditoria; e instruir e decidir proces- próprios e adequados à importância, dimensão e complexidade
sos de contra-ordenações derivados de violação `ss regras de con- do exercício da actividade.
tabilidade e auditoria(123). é necessário lembrar que a proposta da congregação da
situação similar foi adoptada pelos eUA(124), pela holanda tarefa de supervisão dos auditores tem como fonte inspiradora a
e itália, estes últimos por influência da Directiva n.º 2014/56/eU, realidade portuguesa, por sinal, onde antes se tinha adoptado um
ao conferirem ao regulador do mercado de capitais a tarefa de modelo de supervisão segregado, isto é, que remete para entida-
supervisão de auditoria. des distintas a fiscalização genérica e específica, o que implica
ora, tem-se colocado a questão de saber se em Angola se que a questão da migração deve ser precedida de uma exposição
deve migrar para o modelo adoptado em Portugal, isto é, deve a sumária das consequências desta alteração. ou seja, antes da
CMC ter o poder em exclusivo de supervionar de modo geral a entrada em vigor da Lei n.º 148/2015 de 9 de setembro, sobre o
actividade de auditoria e dos auditores (peritos contabilistas), Regime Jurídico da supervisão de Auditoria, em Portugal a
independentemente do mercado em que actuam. supervisão da actividade de auditoria competia à ordem dos
Antes de nos pronunciarmos sobre esta questão, é preciso Revisores oficiais de Contas (oRoC) e ao CNsA. tendo-se
dar nota que a oCPCA actua como uma entidade que concentra verificado a necessidade de aprefeiçoamentos no sistema de
essencialmente os dados estatísticos, para efeitos de cadastra- supervisão dos auditores, como medida, remeteu-se a uma única
mento dos auditores inscritos, bem como para garantir o aperfei- entidade, isto é, a CMvM a quem cabe agora interpretar, aplicar
çoamento da profissão, caracterizando a sua actividade numa e regulamentar as normas referentes à actividade de auditoria, e
supervisão de base comportamental, apesar de haver no seu esta- realizar as acções de supervisão e as correspondentes investiga-
tuto prerrogativas que extrapolam, ainda que de forma muito ções bem como apurar eventuais responsabilidades dos auditores
ténue, esta modalidade de supervisão. Assim, perante esta situa- e decidir as sanções a aplicar.
ção e face à necessidade de resposta urgente da oCPCA aos desa- esta transição foi justificada com o argumento de que procu-
fios que se impõem à organização da profissão e à regulação da rou-se aproveitar a experiência acumulada pela CMvM na supervi-
actividade de auditoria, não tem sido feita uma supervisão efec- são dos auditores nela registados e, por isso, ampliaram-se as suas
competências de forma a abranger a supervisão pública dos audito-
(123) ALMeiDA, BRUNo José MAChADo De, manual de Auditoria Financeira, op. cit., p. 27. res e das sociedades de auditoria. A extinção do CNsA, passando
( )
124 Após os escândalos da enron e worldcom, foi criada pela Lei sox o Conselho de as suas atribuições à CMvM, é criticada, não tanto pela extinção
supervisão de Contabilidade das sociedades abertas e empresas públicas (Public
Company Accounting oversight Board) para fiscalizar os auditores. esta entidade em si, mas pela não atribuição da supervisão da auditoria a uma
tem uma relação muito estreita com a seC, na medida em que remete para esta a entidade totalmente autónoma, confiando-a a um regulador do sis-
aprovação prévia das regras que emite no âmbito da fiscalização da actividade de
auditória. Cfr. CoFFee, JohN, Gatekeepers: The Profession and Corporate Gover-
tema financeiro já existente. As novas atribuições da CMvM são
nance, op. cit., pp. 45-47. consideradas como excessivas, visto que passou a ter (para além

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dos poderes de regulação, de supervisão, de fiscalização e sancio- Para a adopção de um modelo similar ao existente em Portu-
natórios do mercado de valores mobiliários), a tutela de supervisão gal, para além de todas as críticas que lhe são dirigidas (aumento
pública dos auditores e sociedades de auditoria no seu todo(125). de burocracia, custos, situações de conflitos de interesse), colo-
Na verdade, toda esta concentração de poderes na CMvM, cam-se as questões relativas à independêcia, competências refor-
para além de aumentar a burocracia e custos, é potenciadora de çadas e condições técnicas, financeiras e de recursos humanos
situações de conflitos de interesse e de quebra de independên- adequados para a regulação e supervisão genérica e específica
cia entre o exercício da supervisão de auditoria e o exercício dos auditores em todos os sectores da actividade empresarial ou
da actividade de supervisão das sociedades emitentes de valo- institucional. e, neste sentido, com base num olhar da realidade,
res mobiliários e, por este facto, poderá conduzir à violação facilmente podemos concluir que nenhum dos reguladores dos
de direitos e garantias fundamentais dos regulados e supervi- mercados financeiros angolano reúne as condições avançadas
sionados. para em exclusivo supervisionar a actividade de todos os audito-
Feitas estas considerações sobre a supervisão dos auditores, res, independentemente do sector em que actua.
podemos voltar à questão da possibilidade de migração do sis- A experiência da CMC na supervisão dos auditores quando
tema de supervisão consagrado em Angola, mas para isso é actuam no mercado de valores mobiliários, pensamos não ser
importante referir que até finais de 2014 o exercício da activi- suficiente para ter em exclusivo a supervisão geral da actividade
dade de auditoria e contabilidade era “supervisionado” pelo de auditoria. e mesmo o BNA, que tem uma estrutura mais
Ministério das Finanças e, formalmente, a oCPCA só começou a robusta e tem uma experiência de regulação e supervisão mais
funcionar no dia 12 de Dezembro de 2014, data em que se reali- longa, pois foi forjada desde os primórdios da actividade bancá-
zou a sua primeira Assembleia Geral, e durante a qual foram ria em Angola e do controlo das entidades intervenientes no sis-
nomeados os primeiros membros dos seus órgãos sociais. Desde tema bancário em que se incluem os auditores externos, não
a sua vigência, como já referimos, a oCPCA actua como uma pode arrogar-se de tal prerrogativa. Por isso, somos de opinião
entidade que concentra essencialmente os dados estatísticos, que o modelo dualista, aquele que confere à oCPCA a supervi-
para efeito de registo dos inscritos e para garantir o aperfeiçoa- são genérica e aos reguladores do mercado financeiros a supervi-
mento da profissão, o que aferiu uma supervisão de base com- são específica dos auditores, se adequa ao estágio actual do
portamental, essencialmente, apesar de haver no estatuto da desenvolvimento das actividades económico-financeiras de
ordem prerrogativas que extrapolam ainda que de forma muito Angola.
ténue esta modalidade de supervisão. tem-se procurado criar as
normas e supervisionar o exercício da actividade de auditoria e
contabilidade, realizando acções de formação e certificação dos
seus membros.

(125) FeRReiRA, João CARLos GoNçALves, Evolução da regulamenação da Auditoria em


Portugal — os novos desafios do sector, op. cit., p. 82.

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7. Enquadramento Normativo do Auditor Externo toria informativos, verdadeiros, justos e independentes, é neces-
no mercado de valores mobiliários em Angola sário que os auditores sejam fiscalizados não apenas por um
método de auto-regulação, desenvolvida por organizações profis-
7.1. Orientações da IOSCO relativas à actuação dos sionais (entre nós feita pela ordem dos Contabilistas e Peritos
auditores no mercado de valores mobiliários Contabilistas de Angola — oCPCA), mas também por organis-
mos de supervisão do mercado financeiro que devem, dentre
Criada com o objectivo de aumentar a protecção dos investi- outros, garantir que:
dores e de assegurar e promover a confiança na integridade de i) o trabalho de auditoria seja realizado em conformidade
um mercado justo, eficiente e transparente, por meio da coopera- com normas de elevada qualidade e reconhecidas a
ção na luta conta a má conduta financeira e na supervisão dos nível internacional;
mercados e de reduzir o risco sistemático, a iosCo aprovou,
ii) as regras sejam concebidas para promover a indepen-
em 2010, um conjunto de 38 princípios organizados em dez gru-
dência do auditor;
pos, designadamente: princípios para o regulador (princípios 1
a 8); princípio para auto-regulação (princípio 9); princípios para iii) existam mecanismos para garantir o cumprimento das
o enforcement da regulação (princípios 10 a 12); princípio para normas de auditoria; e
cooperação da regulação (princípios 13 a15); princípios para os iv) as auditorias sejam realizadas com um elevado nível de
emitentes (princípios 16 a 18); princípios para os auditores, objectividade.
agência de notação de risco e outras entidades fornecedoras de
informações (princípios 19 a 23); princípios para os organismos Atendendo ao facto de que as normas de auditoria são garan-
de investimentos colectivos (princípios 24 a 28); princípios para tias necessárias da fiabilidade da informação financeira e, quando
os intermediários do mercado (princípios 29 a 32); princípios elaboradas dentro dos padrões de alta qualidade e reconhecidas a
para o mercado secundário (princípios 33 a 37) e princípio rela- nível internacional, concorrem para proteger a integridade das
tivo à compensação e liquidação (princípio 38). demonstrações financeiras de uma sociedade cotada, a regulação
Relativamente aos princípios aplicáveis aos auditores, con- sobre auditoria deve exigir:
sagrou-se que os auditores devem ser sujeitos a níveis adequados
de supervisão (princípio 19); os auditores devem ser independen- i) a verificação independente das demonstrações financei-
tes da entidade emitente que auditam (princípio 20) e as normas ras e da conformidade com os princípios de contabili-
de auditoria devem ser de elevada qualidade e reconhecidas a dade através de uma auditoria profissional externa;
nível internacional (princípio 21). ii) a existência de mecanismos adequados para a definição
segundo o princípio 19 da ioSCo, para garantir que os ser- de normas de qualidade e para garantir que, nos casos
viços de auditoria sejam realizados com fiabilidade e integridade em que exista algum litígio ou incerteza, as normas pos-
e, deste modo, possam proteger os interesses dos investidores e sam ser objecto de interpretação oficial e atempada
aumentar o interesse público na preparação de relatórios de audi- aplicada de forma consistente;

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iii) que qualquer auditoria seja realizada em conformidade lativo Presidencial n.º 6A/15 de 16 de setembro, que estabelece o
com as normas de elevada qualidade e reconhecidas a Regime Jurídico dos organismos de investimento Colectivo de
nível internacional. titularização de Activos (RJoiC-tA), concretamente nos
arts. 19.º e 32.º.
os Auditores que prestam serviços às instituições financei-
ras bancárias que actuam no mercado de valores mobiliários,
7.2. Regime jurídico dos Auditores e respectivo exercí- como agentes de intermediação, são também disciplinados pelo
cio de actividade de Auditoria externa no mercado Aviso n.º4/2013 do BNA de 22 de Março, que regula a activi-
de valores mobiliários dade de Auditoria externa às instituições financeiras autorizadas
pelo BNA.
o regime jurídico que orienta a actuação dos Auditores vem Como acima se fez alusão, o CódvM, orientado pelos princí-
definida na Lei n.º 03/01 de 23 de Março — Lei do exercício da pios da iosCo sobre os auditores, estabelece um conjunto de nor-
Contabilidade e Auditoria; no Decreto Presidencial n.º 318/14 mas sobre a actuação dos Auditores no mercado de valores mobi-
de 28 de Novembro que estabelece o estatuto da oCPCA; nas liários, por exemplo (no art. 8.º), consagra-se a informação
normas técnicas n.º 1 e 2 da oCPCA, respectivamente, sobre a financeira a ser objecto de relatório ou parecer elaborado pelo
Aplicação das Normas internacionais de Auditoria (isA) emiti- Auditor externo registado na CMC(126); matéria sobre o estatuto e
das pelo internacional Auditing and Assurance Standards Board as competências do Auditor externo registado na CMC (art. 139.º);
(iAAsB) até Dezembro de 2014 e sobre os Relatórios de Audito- na alínea h) do n.º 1 do art. 162.º e na alínea b) do n.º 1 do art. 309.º
ria e de Revisão Limitada. estabelecem que o relatório ou parecer de Auditor constitui um dos
No mercado de valores mobiliários, a disciplina jurídica elementos necessários para a instrução do pedido de registo de uma
sobre os Auditores externos e sobre a actividade de prestação de oferta pública e conteúdo do Prospecto de oferta pública de aquisi-
serviços de Auditoria vem fixada no Código de valores Mobiliá- ção, respectivamente; e o art. 333.º consagra o dever de reporte dos
rios, concretamente nos arts. 8.º, 11.º, 138.º, 139.º, 142.º, 183.º, Auditores para com a CMC quando prestem serviços a agentes de
162.º, 309.º, 333.º e 353.º; no Regulamento n.º 2/15 de 15 de intermediação ou a empresas que com este estejam em relação de
Maio, sobre os Auditores externos, concretamente nos arts. 10.º, grupo e os seus actos constituirem crime ou transgressão.
12.º, 14.º, 15.º e arts. 16.º a 20.º; no Decreto Legislativo Presiden- estes preceitos são concretizados pelo Regulamento n.º 2/15
cial n.º 7/13 de 11 de outubro, que estabelece o Regime Jurídico de 15 de Maio, que consagra normas sobre os deveres de presta-
dos organismos de investimento Colectivo (RJoiC), concreta- ção de informação a que os Auditores estão adstritos após obten-
mente nos arts. 33.º, 47.º, 75.º, 76.º, 88.º, 91.º, 121.º, 122.º, 147.º, ção do registo (art. 10.º); normas sobre a denúncia dos Auditores
148.º, 158.º e 182.º; no Decreto Legislativo Presidencial n.º 4/15
de 16 de setembro, que estabelece o Regime Jurídico dos orga- (126) Contida em documentos de prestação de contas anuais, em estudo de viabilidade, em
prospectos e em outros documentos que devem ser submetidos à CMC, ser divulga-
nismos de investimento Colectivo de Capital de Risco (RJoiC- dos no âmbito de pedido de admissão ou respeitantes a organismos de investimento
CR), concretamente nos arts. 17.º, 22.º e 30.º; e no Decreto Legis- colectivo.

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para com a CMC sempre que, no exercício das suas funções, riscos associados às situações potenciadoras de conflitos de inte-
tenha conhecimento de factos ilícitos ou que sejam susceptíveis resses, salvaguardando-se, assim, a finalidade de ser atestada a
de afectar a continuidade do exercício da actividade da entidade adequação de um acto ou facto, com o fim de imprimir-lhe carac-
auditada (art. 12.º); normas sobre a verificação se as informações terísticas de confiabilidade.
e análises apresentadas no relatório de administração da entidade A oCPCA está a trabalhar num projecto de Código de ética
auditada estão em conformidade com as demonstrações financei- e Deontologia Profissional em que estabelece, no capítulo 2
ras auditadas e se o destino dos resultados está de acordo com as (2.1.1.), que os Auditores externos devem reger as suas activida-
disposições da Lei n.º 1/04 de 13 de Fevereiro — Lei das socie- des pelos seguintes princípios fundamentais: integridade, objecti-
dades Comerciais, com o seu contrato social e com os regulamen- vidade, competência e zelo profissional, confidencialidade e
tos da CMC (art. 13.º); e as normas sobre os deveres gerais dos comportamento profissional.
Auditores, dos quais se destaca o dever de comunicação relativo De acordo com o projecto de Código de ética, os Auditores
à celebração e cessão da vigência dos contratos de serviços de externos não se devem comprometer com qualquer relaciona-
Auditoria (art. 14.º). mento comercial, ocupação ou actividade que possa diminuir a
Para além destas normas, o Regulamento n.º 2/15 de 15 de integridade, a objectividade ou a boa reputação da profissão o
Maio, consagra um conjunto de normas sobre as qualificações e que, evidentemente, seria incompatível com os princípios funda-
independência dos Auditores que actuam no mercado de valores mentais.
mobiliários, por exemplo, no seu art. 17.º, trata sobre a qualifica-
ção técnica dos Auditores no qual se consagra que a CMC e a
oCPCA promovem em conjunto um exame de qualificação téc-
nica e controlo de qualidade dos serviços prestados pelos Audito- 7.3. Qualificação dos auditores externos
res externos; no art. 18.º estabelece-se o dever de rotatividade
segundo o qual os Auditores externos não podem exercer a activi- A auditoria financeira é uma actividade exigente e complexa
dade de Auditoria por um período superior a 4 (quatro) anos, cujo exercício exige do auditor uma boa preparação e formação
findo o qual só podem ser novamente seleccionados pela referida académica universitária, preferencialmente em ciências empresa-
entidade decorrido igual período; e no art. 19.º consagra-se a riais. Para além da formação, é também necessária alguma expe-
matéria sobre o controlo extremo de qualidade segundo o qual a riência, por exemplo, ter formação técnica adequada e proficiên-
qualidade dos trabalhos desenvolvidos pelo Auditor externo é cia para realizar a auditoria.
avaliada a cada 4 (quatro) anos por outro Auditor externo regis- A nível da União europeia, a Directiva 2006/43/Ce de 17 de
tado na CMC, a quem compete avaliar o cumprimento das nor- Maio, do Parlamento europeu e do Conselho, relativa à revisão
mas técnicas profissionais pelo Auditor externo avaliado. legal das contas anuais e consolidadas, consagrou no seu art. 6.º
o regulamento dos Auditores externos estabelece, ainda, as que uma pessoa singular só pode ser aprovada como auditor se
condições regulamentares indispensáveis que se propõem asse- tiver o seguinte: obtido um nível académico correspondente ao
gurar a efectiva independência dos Auditores e a mitigação dos que permite o acesso à universidade ou um nível equivalente;

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completado subsequentemente um curso de formação teórica; ter das pelo BNA; experiência relevante na realização de auditorias
obtido formação prática; obtido aprovação num exame de aptidão externas, preferencialmente no sistema financeiro; idoneidade
profissional de nível correspondente ao exame de fim de estudos pessoal e profissional; e meios humanos, materiais e financeiros
universitários ou equivalente(127), organizado ou reconhecido suficientes para o exercício da sua função.
pelo estado-Membro em questão. De acordo com o art. 5.º do Regulamento n.º 2/15 de 15 de
A oCPCA estabelece na alínea a) do art. 77.º dos seus esta- Maio, para que possa estar habilitado a prestar serviços em Mer-
tutos que os candidatos que requeiram a qualificação para exercer cado Regulamentado de valores Mobiliários, o Auditor externo,
a profissão de auditor (Peritos Contabilistas) devem possuir as pessoa singular, deverá
qualificações em: i) estar regularmente inscrito na oCPCA como Perito
i) curso superior de economia, licenciatura ou bacharelato Contabilista;
em finanças, contabilidade e gestão de empresas e cur- ii) dispor de procedimentos de controlo interno que lhe
sos de contabilistas dos antigos institutos Comerciais; permitam assegurar o cumprimento de todas as normas
ii) curso médio de contabilidade ministrado pelos institu- que regem a suas actividades;
tos Médios de economia, cursos ministrados pelo insti- iii) manter instalações próprias compatíveis ao exercício da
tuto de Formação Profissional do Ministério das Finan- actividade, em condições que garantam a guarda, a
ças nos níveis ii e iii (contabilidade geral e analítica) e segurança e o sigilo dos documentos e informações;
cursos equiparados e ministrados por instituições inter-
iv) ter uma situação patrimonial líquida não inferior a AoA
nacionais reconhecidas no ramo de contabilidade.
6.500.000 (seis milhões e quinhentos mil kwanzas) e
apresentar o relatório e contas dos últimos três exercí-
cios económicos; e
7.4. Requisitos para que os Auditores possam actuar no v) manter um seguro de Responsabilidade Profissional
mercado de valores mobiliários adequado a garantir o cumprimento das suas obriga-
ções, com cobertura não inferir a AoA 300.000.000
Para que possam actuar nos segmentos do mercado finan- (trezentos milhões de kwanzas).
ceiro sob supervisão do BNA, esta entidade impõe, no art. 5.º do
Aviso n.º 4/13, que o auditor externo deve possuir conhecimento
específico das matérias relativas à actividade financeira, designa-
damente do plano contabilístico e das normas prudenciais emiti- 8. Deveres do Auditor Externo

No exercício das suas actividades, para além de estar vincu-


(127) Apesar da directiva não esclarecer se o “exame de fim de estudos universitários” se
refere ao nível da licenciatura, mestrado ou doutoramento, na prática tem-se adoptado
lado a um conjunto de deveres junto da CMC, o Auditor externo
o curso de lincenciatura. está adstrito aos princípios da independência, da honestidade e da

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legalidade. estes princípios impõem que o comportamento do No âmbito dos deveres gerais, previstos no art. 14.º do
Auditor seja orientado pela integridade, confiança, ética, diligên- Regulamento dos auditores, os auditores externos registados na
cia e responsabilidade(128). CMC estão obrigados a:
a) organizar, relativamente a cada serviço prestado, um “dos-
sier” instruído de acordo com as normas de auditoria em
vigor, designadamente com a evidência do trabalho efec-
8.1. Deveres de informação e de denúncia junto da tuado e com a fundamentação das conclusões relevantes em
CMC que se basearam para formular a sua opinião profissional
por forma a emitir o relatório ou parecer, devendo conservar
Como já fizemos referência, a informação financeira exige, em boa guarda, pelo prazo mínimo de 5 (cinco) anos, toda a
para lá de uma infraestrutura adequada de suporte à recolha, tra- documentação, relatórios e pareceres relacionados com o
tamento e disponibilização da informação financeira produzida exercício das suas funções reguladas pelo presente Regula-
pelos agentes do mercado, um controlo eficiente do respectivo mento, podendo fazê-lo em suporte duradouro electrónico;
rigor e exactidão e a CMC, enquanto organismo de regulação e
b) comunicar à CMC, no prazo de 15 (quinze) dias, a cele-
supervisão, não é um ente omnipresente, omineciente, ou melhor,
bração e a cessação de vigência dos contratos relativos à
omnipotente, por isso, para garantir o regular e eficiente funcio-
execução dos serviços de auditoria;
namento do mercado e, sobretudo, a protecção dos investidores,
criou um sistema de controlo em que os auditores externos, c) comunicar aos órgãos de administração e de fiscalização
enquanto gatekeepers, desempenham um papel fundamental no da entidade auditada, bem como à CMC, as infracções ao
funcionamento do sistema financeiro, transmitindo a necessária disposto no presente regulamento e demais regulamenta-
confiança aos agentes sobre a qualidade da informação financeira ção aplicável, logo que delas tomem conhecimento.
que são chamados a certificar e, assim, influenciando as decisões
de investimento e, de um modo geral, o comportamento dos Relativamente aos deveres especiais, hic et nunc, cabe dar
agentes económicos. destaque ao dever de denúncia, previsto no art. 12.º, segundo o
Mas, apesar de ser um auxiliar dos organismos de supervisão qual os auditores externos que prestem os serviços de verificação
para a garantia da legalidade e da certificação da informação finan- ou certificação de contas a agentes do mercado de capitais devem
ceira divulgada no mercado e da protecção dos investidores, a actua- comunicar imediatamente à CMC os factos respeitantes a essas
ção dos auditores externos deve ser sempre disciplinada e vigiada e, entidades de que tenham conhecimento no exercício das suas
neste contexto, a CMC publicou o Regulamento dos auditores que funções, quando sejam susceptíveis de:
estabelecem um conjunto de deveres gerais e específicos. a) Constituir crime ou transgressão, previstos em lei ou
regulamento da CMC;

(128) hAZeN, thoMAs Lee, The treatise on The Law of Securities regulation, vol. 2, west
b) Afectar a continuidade do exercício da actividade da
— A thomson Reuters Business, 2009, § 9.6(1 A), p. 578. entidade auditada;

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c) Justificar a emissão de reservas, escusa de opinião, opi- de contas, se por limitação do âmbito do exame não se obtiver a
nião adversa ou impossibilidade de emissão de relatório informação suficiente ou, por desacordo, as demonstrações finan-
ou de parecer. ceiras apresentarem distorções ou incertezas significativas, o
auditor externo deve (nos termos do n.º 3 e 4 do art. 16.º, Regula-
Ao lado do dever de denúncia, os auditores externos estão mento n.º 2/15 de 15 de Maio) emitir uma opinião com reservas
adstritos a apertados deveres de informação e de diligência e cuja ou, em casos extremos, optar por não emitir opinião.
inobservância, para além de ser fonte de responsabilidade civil, De acordo com o art. 12.º do Regulamento n.º 2/15 de 15 de
constitui transgressão passível de advertência ou sanção. Por Maio, o auditor externo, no âmbito das suas funções, está adstrito
exemplo, durante o mês de Novembro de 2018, o Conselho de ao dever especial de denúncia que consiste em comunicar imedia-
Administração da Comissão do Mercado de Capitais deliberou tamente à CMC os factos respeitantes à entidade auditada que
(em sede de processo de transgressão, pela prática da transgres- sejam susceptíveis de constituir irregularidade (crime, erro, lapso
são prevista na alínea b) do n.º 3 do art. 427.º do CódvM — o ou insuficiência das informações auditadas) ou de afectar a conti-
envio de informação incompleta ao organismo de supervisão do nuidade do exercício da actividade da entidade auditada. Por
Mercado de valores Mobiliários) a aplicação de uma advertência exemplo, em Abril de 2018, o Banco de Portugal condenou a
às empresas de auditoria externa kPMG Angola — Audit, tax, kPMG Portugal ao pagamento de 3 milhões de euros por “infra-
Advisory, s.A. (kPMG)(129) e Deloitte & touche — Auditores, ções especialmente graves” e “prestação de informações falsas”
LDA. (Deloitte)(130), nos termos das disposições combinadas do sobre o Banco espiríto santo (Bes), em concreto por ter tido
n.º 3 do art. 450.º e do n.º 1 do art. 456.º, ambos do CódvM. conhecimento das perdas que o banco poderia ter de assumir
devido à situação do Bes Angola(132). e hoje, está novamente
envolvida num caso semelhante, isto é, práticas irregulares na audi-
toria às contas do Bank of New York mellon, onde, segundo David
8.2. O princípio da honestidade santiago, pode pagar uma coima de, no mínimo, 12,5 milhões de
libras (em torno de 14,2 milhões de euros)(133).
No âmbito do princípio da honestidade a que está adstrito, o
Auditor, mediante fundamentação, deve-se recusar a registar os
documentos ou assinar as declarações fiscais e demonstrações
financeiras quando entenda ou suspeite que os mesmos não cor-
respondem à verdade(131). e, no âmbito de uma certificação legal

(129) ˂http://www.cmc.gv.ao/sites/main/pt/Paginas/newsedit.aspx?ListiD=158&mid=2& (132) Vide sANtiAGo, sANtiAGo, “kPMG arrisca multa recorde superior a 14 milhões de
smid=29˃. euros”, in «NeGoCios», ˂https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/banca—-
(130) ibidem. financas/detalhe/kpmg-arrisca-multa-recorde-superior-a-14-milhoes-de-euros˃
( )
131 Cfr. hAZeN, thoMAs Lee, Principles of Securities regulation, third edition, west — (acesso 11/07/2019).
A thomson Reuters Business, 2009, § 9.6(1 A), p. 582, op. cit., § 63 (2 B), p. 196. (133) ibidem.

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8.3. O dever de diligência incumprimento das disposições legais e regulamentares aplicá-


veis às actividades da entidade auditada e à sua condição de enti-
o auditor, no exercício das suas actividades, deve agir com dade integrante do mercado de valores mobiliários tenham ou
diligência no sentido de apurar e rever cuidadosamente a informa- possam vir a ter reflexos relevantes nas demonstrações financei-
ção financeira e contabilística submetida para sua apreciação e, ras ou nas operações da entidade auditada.
neste exercício, deve adoptar uma atitude de “cepticismo profissio- No âmbito da duo-diligência, o n.º 2 do art. 13.º do Regula-
nal”, ou seja, de dúvida permanente sobre a informação a que mento n.º 2/15 de 15 de Maio, estabelece que o auditor deve ainda
tenha acesso, reconhecendo a possibilidade de que possa existir i) elaborar e entregar junto do órgão de administração e
uma distorção material devido a fraude, não obstante a experiência do órgão de fiscalização da entidade auditada, o relató-
passada do auditor acerca da honestidade e integridade da adminis- rio pormenorizado que contenha as suas observações a
tração e dos encarregados da governação da entidade auditada(134). respeito das deficiências ou ineficácias dos controles
o auditor deve agir sempre com cepticismo em relação a toda a internos e dos procedimentos financeiros da entidade
informação que analisa, deve adoptar um comportamento de des- auditada;
confiança e de alerta para a existência de condições que possam
indicar possíveis distorções devido a erro ou fraude(135). ii) indicar com clareza as contas ou sub-grupos de contas
No mesmo sentido, FABRíCio FAveRo entende que o auditor do activo, passivo, capital próprio e resultados que
deve partir do princípio de que “quem elabora as demonstrações estão afectados pela adopção de procedimentos confli-
financeiras, que serão objecto de auditoria, tem incentivo econó- tuantes com os princípios contabilísticos que sejam
mico para maquiar essas informações, com o objectivo de trans- aplicáveis, bem como os efeitos nos dividendos e no
mitir ao mercado que são mais lucrativas e estáveis do que real- resultado líquido por acção, conforme o caso, sempre
mente são. Por isso, a norma técnica impõe ao auditor assumir que emitir um parecer adverso ou com reserva;
uma postura de agir com descrença sobre os documentos e res- iii) facilitar o acesso à fiscalização por parte da CMC às
postas a indagações e outras informações obtidas junto à admi- informações financeiras que tenham servido de base à
nistração”(136). Por isso, entendemos que o auditor deve verificar emissão do relatório e parecer de auditoria;
se as informações e análises financeiras apresentadas no relatório iv) possibilitar, no caso de substituição, salvaguardados os
da administração da entidade auditada estão em conformidade aspectos de sigilo e mediante prévia autorização da
com as demonstrações financeiras auditadas e se o eventual entidade auditada, o acesso do novo auditor, aos docu-
mentos e informações que sirvam de base para a emis-
(134) CâMARA, PAULo, A Auditoria interna e o Governo das Sociedades, in «estudos em são dos relatórios e pareceres de auditoria dos exercí-
homenagem ao Professor Doutor Paulo de Pitta e Cunha», vol. iii, Almedina, 2010, cios anteriores.
pp. 304-306
(135) Cfr. FAveRo, FABRíCio, responsabilidade dos Auditores independentes, op. cit.,
p. 146. em sede do dever de diligência do auditor, com a criação da
(136) ibidem, p. 147. seC, em 1934, estabeleceu-se nos eUA a regra de que todas as

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sociedades que tivessem os seus valores mobiliários admitidos às Considerações finais


negociações no mercado de bolsa tinham de ter a sua informação
financeira auditada por um auditor externo com vista a conferir embora tenha muita repercursão no Direito comparado, a
maior credibilidade às suas demonstrações financeiras. ocorre matéria dos controlos societários e o papel dos auditores é, entre
que com base nesta regra, consagrada na secção 18 do Securities nós, um tema pouco discutido, mas tudo indica que diante do
Act, que estabelecia igualmente a cláusula geral da responsabili- desenvovimento do mercado de valores mobiliários e (das even-
dade civil por divulgação de informações falsas ou enganosas em tuais descobertas dos erros e fraudes contabilísticos por parte dos
relação a um determinado facto, foi julgado em 1974 pela Corte auditores,) espera-se que venha a ser discutido nos tribunais e nos
de Nova iorque o caso Herzfeld vs Laventhol em que os auditores centros académicos. A nossa análise verteu-se num primeiro
foram considerados responsáveis pelos danos causados ao plano ao sistema de fiscalização das sociedades comerciais e do
demandante, por dar um parecer favorável sobre demonstrações qual destacamos as questões sobre a designação, atribuição e
financeiras falsas e elaboradas pela administração da entidade competência do órgão de fiscalização. este órgão desempenha
auditada com a finalidade de tornar os números divulgados mais uma função relevante ao assegurar a integridade da gestão e a
atractivos. A Corte declarou que o auditor não deve limitar-se transparência do relato financeiro, o que é essencial para a con-
apenas à verificação formal das demonstrações financeiras. veri- fiança dos stakeholders das sociedades, mas as últimas crises e
ficar apenas a conformidade dos números com princípios conta- fraudes financeiras vieram submetê-lo a apertados escurtínios, o
bilísticos geralmente aceites não é necessariamente suficiente que suscitou a discussão sobre a responsabilidade dos seus mem-
para um auditor cumprir a sua função pública do mercado. este bros, pois muitas vezes estavam envolvidos nestes escândalos.
julgamento foi de tal importância para o Direito americano que Num segundo plano, olhamos para a fiscalização da infor-
passou a constituir um precedent case. e assim, a actividade do mação financeira que, em regra, é feita por um auditor externo,
auditor passou a ser referente não apenas à verificação formal da enquanto profissional independente da sociedade e, em sede
aplicação dos princípios contabilísticos, mas também na análise desta matéria, somos a concluir que a actuação dos auditores
material das afirmações geralmente feitas pelos administradores externos no mercado de valores mobiliáios vem concretizar dois
da entidade auditada e avaliar se estas retratam a real condição princípios fundamentais da governação corporativa — tratam-se
financeira da empresa(137). do full disclosure, que impõe a transparência informativa, e do
accountability, segundo o qual as sociedades devem prestar
informações económico-financeiras auditadas externamente.
os auditores, no âmbito destes princípios, desempenham um
papel fundamental para garantir a confiança dos investidores e de
todos aqueles que actuam nos mercados financeiros, por meio da
análise rigorosa e isenta da informação financeira e contabilística
que a administração das sociedades disponibilizam para os seus
(137) FAveRo, FABRíCio, responsabilidade dos Auditores independentes, op. cit., pp. 202-203. stakeholders. os auditores externos são gatekeepers, por isso,

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para além de responderem pela revisão e certificação da informa-


ção financeira e contabilística prestadas pela administração das
sociedades comerciais, desempenham o papel de guardiões da
informação financeira, pois são reputados como auxiliares dos
organismos de supervisão e, na sua actuação, devem ser efectiva-
mente independentes, e esta é garantida por meio de um conjunto
de condicionalismos legais que, por exemplo, previnem ou impe-
dem os conflitos de interesse entre os Auditores e a sociedades
auditadas.

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