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Quem Somos Nós?

O fenômeno cultural do “misticismo quântico” no século XX

Gustavo Rodrigues Rocha

1 - Introdução:

O filme Quem Somos Nós?, cujo título original é What the Bleep do We Know?,
de 2004, é uma produção independente, dirigida e produzida pelos próprios autores,
William Arntz, Betsy Chasse e Mark Vicent, filmada nos Estados Unidos, na cidade de
Portland, que combina entrevistas e animações gráficas com uma narrativa que envolve
os problemas emocionais e existenciais de Amanda, uma fotógrafa surda chamada a
cobrir uma festa de casamento, protagonizada pela atriz Marlee Matlin. O filme mescla,
ao longo de seu enredo, o discurso científico – excepcionalmente algumas controversas
interpretações da física quântica – com o discurso neo-religioso – principalmente, como
tem sido apontado,1 em sua vertente “Nova Era”. O filme também ganhou uma versão
estendida em 2006, de título What the Bleep!?: Down the Rabbit Hole, uma referência à
obra de Lewis Carroll, Alice no País das Maravilhas.
A repercussão do filme é surpreendente quando se leva em consideração que a
produção de baixo orçamento, exibida com dificuldade pela primeira vez em Yelm,
pequeno município de Washington com cerca de 5000 habitantes, chegou a produzir,
em um curto intervalo de tempo, a margem de 10 milhões de dólares em bilheteria, e a
vender mais de um milhão de cópias em DVD.
Por um lado, o sucesso do filme rodou o mundo, conquistou uma multidão de fãs
e produziu um mercado milionário ao redor de sua temática. O sítio oficial mantido na
internet, por exemplo, permite aos fãs que contratem os entrevistados presentes no
documentário para palestras,2 que comprem todo tipo de “bugigangas quânticas” e que
formem grupos de estudos próximos de suas regiões (Disponível em:
http://www.whatthebleep.com/. Acesso em: 14 jan. 2010). O físico Fred Alan Wolf, por

1
Veja, por exemplo, a resenha do USA Today, jornal estadunidense de maior circulação nacional, em que
o filme What the Bleep Do We Know? é reconhecido como o mais novo modismo “Nova Era”
(Disponível em: http://www.whatthebleep.com/bleep-endorsements.pdf. Acesso em: 14 jan. 2010).
2
Os entrevistados do filme possuem também os seus sítios pessoais na internet. Veja, por exemplo, os
sítios mantidos pelos físicos Amit Goswami e Fred Alan Wolf: http://www.amitgoswami.org/ e
http://www.fredalanwolf.com/ (Acesso em: 14 jan. 2010).

1
exemplo, participou como palestrante convidado, em 2006, de um “cruzeiro quântico”,
uma viagem de 8 dias pelas ilhas do Caribe, onde o “paradigma quântico” é discutido e
estudado (Disponível em: http://www.thequantumcruise.com/private.html. Acesso em:
14 jan. 2010).
Por outro lado, o filme atraiu uma série de críticas severas, vindas de cientistas,
jornalistas e educadores de ciências, publicadas em jornais, livros e revistas de
divulgação científica. A Physics Today, por exemplo, devido ao sucesso do filme,
publicou, em sua edição de novembro de 2006, uma carta, Teaching Physics Mysteries
Versus Pseudoscience, na qual os autores afirmam que “um estudante de física é
incapaz de confrontar convincentemente as extrapolações injustificadas a respeito da
mecânica quântica, contrariamente a um estudante de biologia que é capaz de defender a
evolução contra o ‘Desígnio Inteligente’”. Para os autores, Fred Kuttner e Bruce
Rosenblum, professores de física da Universidade da Califórnia, a culpa não é dos
estudantes, mas do modo como a mecânica quântica é ensinada hoje, o qual nega,
tacitamente, os mistérios envolvidos em sua interpretação.
Portanto, as reações calorosas ao filme Quem Somos Nós?, tanto positivas,
quanto negativas, nos mostram a sua relevância enquanto fenômeno cultural. O seu
sucesso surpreendente tem sido, por vezes, explicado pela sua tática de divulgação,
chamada “Marketing de Guerrilha”.3 Contudo, em primeiro lugar, o método de
divulgação, sozinho, não explica nem a paixão, nem a aversão suscitadas pelo filme.
Além disto, em segundo lugar, o sucesso do filme não é um caso isolado, mas parte de
um fenômeno cultural mais amplo, o qual chamaremos, a partir de agora, de
“misticismo quântico”.
Desta maneira, o objetivo deste capítulo será duplo. Em primeiro lugar, a fim de
melhor entender o sucesso e a repercussão do filme Quem Somos Nós?, realizaremos
uma análise do discurso dos pontos-chave do próprio filme. Em segundo lugar, dentre
as várias alegações, supostamente científicas, contidas no filme, analisaremos,
sumariamente, aquela que parece ser central para toda a sua sustentação, ou seja, a
afirmação de que a física quântica, de certo modo, fundamenta a sua mensagem
principal, a saber, de que “você cria a sua própria realidade”.
A análise do discurso parte do princípio de que todo discurso é uma construção
social. Desta maneira, somente pode ser entendido em seu contexto histórico, o qual é a

3
Alexandra Bruce (2006), autora de Além de Quem Somos Nós?, defende essa tese a fim de explicar o
sucesso do filme.

2
condição, ou o pano de fundo, de sua produção. Portanto, o filme Quem Somos Nós? é o
produto de uma construção ideológica ou “visão de mundo” determinada, vinculada a
um grupo ou subgrupo social específico. Todavia, o próprio grupo, ou subgrupo, é o
resultado, em primeiro lugar, de sua inserção em um contexto histórico mais amplo e,
em segundo lugar, de sua interseção, ou interação, com fenômenos culturais adjacentes,
cujos discursos mantêm uma “semelhança de família”. Analisaremos estes contextos
nas seções 3, 4 e 5 deste capítulo, o que poderá ser resumido pelo gráfico apresentado
ao final da análise.
Com relação às alegações, ou teses, supostamente científicas, declaradas pelos
entrevistados, nos concentraremos, como mencionado, naquelas referentes a
determinadas interpretações da física quântica, expressas, principalmente, pelos físicos
Fred Alan Wolf, conhecido no Brasil, inicialmente, pela sua obra Espaço, Tempo e
Além (1982) e Amit Goswami, entrevistado, em duas ocasiões (2001 e 2008), pelo
programa “Roda Viva”, da TV Cultura, e autor, entre outros, do livro O Universo
Autoconsciente: Como a Consciência Cria o Mundo Material (1995). A suposta
veracidade destas interpretações da física quântica, apresentadas ao longo de todo o
filme, constitui a sua coluna vertebral, e será analisada na seção 6.

2 - As teses e os físicos envolvidos no filme

A fim de ornamentar esta coluna vertebral, o filme se vale de várias teses


secundárias controversas, frequentemente consideradas como pseudociência. John
Hagelin, por exemplo, – um líder da Meditação Transcendental – alega que em um
estudo, realizado em 1993, com um grupo de 4.000 meditadores teve um efeito
substancial, conhecido como “Efeito Maharishi”, sobre a diminuição da criminalidade
na cidade de Washington D.C. Masaru Emoto, escritor japonês, com 2 milhões de
exemplares vendidos, entre eles os dois volumes de Messages from Water, alega – o que
é mostrado no filme através de uma porta-voz que aparece expondo as suas fotografias
em uma estação de trem – que os padrões cristalizados do gelo – registrados através de
um microscópio de campo escuro ligado a uma câmera fotográfica de alta velocidade –
materializam as intenções ou os pensamentos direcionados à água congelada.
Finalmente, como último exemplo, mencionamos a referência de Joseph Dispenza à
incapacidade dos índios nativos americanos de verem os navios de Colombo quando ele
descobriu a América. O motivo, segundo o quiroprático, seria que apenas vemos o que

3
acreditamos ser possível. O suposto fenômeno é uma lenda urbana, cuja origem é
desconhecida, mas que começou a circular na década de 1990. Não existe nenhum
registro histórico da primeira viagem de Colombo que sustente esta alegação.
O que há em comum em todas estas teses é o papel do “observador” na
construção da realidade. Todas sugerem, implícita ou explicitamente, que “você cria a
sua própria realidade”. Contudo, estes “ornamentos” teóricos, como ressaltamos,
funcionam como “verificações experimentais” – um termo sucateado em filosofia da
ciência – daquilo que, supostamente, estaria previsto pela teoria quântica, cuja
veracidade analisaremos, como mencionamos, na seção 6 deste capítulo.
Finalmente, com relação aos físicos envolvidos no filme, duas observações são
relevantes. Em primeiro lugar, os físicos Fred Alan Wolf e John Hagelin são membros,
assim como os três produtores do filme, da Ramtha School of Enlightenment, ou Escola
Ramtha de Iluminação, localizada em Yelm. Ambos os físicos já haviam publicado
livros e proferido palestras pela Escola antes da produção de Quem Somos Nós?. Não
por acaso, os produtores foram acusados de desenvolverem o filme como estratégia de
aliciamento para a Escola, considerada um culto “Nova Era”.4 O faturamento da Escola
Ramtha é estimado em, no mínimo, 10 milhões de dólares anuais, o que levou a suspeita
de que o filme teria sido patrocinado.5 Ramtha é o controverso ente “canalizado” pela
fundadora da Escola, JZ Knight, cujo nome verdadeiro é Judith Hampton. A “médium”
aparece no filme com um sotaque anglo-indiano.
Os físicos Amit Goswami e William Tiller, por sua vez, são membros do
Institute of Noetic Sciences, ou Instituto de Ciências Noéticas, co-fundado pelo
astrônomo Edgar Mitchell, conhecido pela sua participação na missão Apollo 14. A
afinidade do Instituto com a Escola é evidente. Fred Alan Wolf e John Hagelin, por
exemplo, proferem, também, palestras no Instituto. Além disto, foi o Instituto que
desenvolveu o guia de estudos de Quem Somos Nós?. Os seus ensinamentos, portanto,
são semelhantes.
Em segundo lugar, o físico David Albert, professor da Universidade de
Columbia, manifestou, em várias ocasiões, a sua insatisfação com relação à edição que
os produtores realizaram de sua própria entrevista. Com efeito, David Albert deixa clara
a sua discordância com a mensagem central do filme, inclusive nos “extras” da segunda

4
Veja, por exemplo, Gorenfeld (2004).
5
Veja, por exemplo, Lydgate (2004).

4
versão do próprio filme, como podemos constatar, por exemplo, pela sua entrevista ao
jornal local de Portland, cujo trecho reproduzimos abaixo.

Eles devem ter me filmado por quatro horas. Tornou-se claro para mim que
eles acreditam que, pelo pensamento positivo, podemos alterar a estrutura do
mundo ao nosso redor. Fiquei muito tempo explicando por que isso não era
verdade, entrando em mínimos detalhes. Mas, no filme, minha opinião foi
modificada em 180 graus. (Gorenfeld, 2004)

Portanto, David Albert, diretor do Programa de Pós-Graduação em Fundamentos


Filosóficos da Física da Universidade de Columbia, não parece se “encaixar” no
contexto do fenômeno cultural do “misticismo quântico”, o qual, a partir de agora,
passaremos a analisar.

3 - A revolução copernicana e seus descontentes

A primeira parte de What the Bleep!?: Down the Rabbit Hole, a versão estendida
de Quem Somos Nós?, é o ponto-chave para entendermos o contexto mais amplo em
que o discurso do filme se desenvolve, a saber, a “revolução copernicana” e seus
descontentes e, particularmente, os descontentes que buscam “ressuscitar Deus”, ou
“encantar o mundo” novamente, através do discurso da ciência moderna. A “visão de
mundo” “Nova Era”, dentro deste contexto mais específico, é um melodrama
escatológico, cuja apoteose pertence ao privilegiado tempo histórico da geração baby
boomer, e cujos capítulos são resumidos de maneira caricatural nestes primeiros
minutos de What the Bleep!?: Down the Rabbit Hole.
Podemos, seguindo o sociólogo Max Weber, chamar este cenário mais amplo,
também, de “desencantamento do mundo”, fruto tardio da emergência da Modernidade
e da ciência moderna. A célebre frase de Galileu “a intenção do Espírito Santo é
ensinar-nos como se vai ao céu e não como vai o céu” (apud Rovigh, 1981:44) é
paradigmática, no sentido que expressa, em vários níveis, uma ruptura que define e
caracteriza a Modernidade. A condenação de Galileu pelo Santo Ofício no século XVII,
assim como as reações adversas à obra de Darwin na Era Vitoriana do século XIX, são
exemplos caricaturais, presentes em nossa cultura, que representam esta ruptura.
No nível sócio-cultural, esta ruptura significou a separação da Igreja e do
Estado, o que, de Max Weber a Jürgen Habermas, tem sido chamado de “distinção das
esferas de valores”, o que significa a distinção da arte, da moral e da ciência, a distinção
das esferas do público e do privado, dos juízos de fato e dos juízos de valor, da ciência

5
descritiva e da ciência prescritiva. No nível político-econômico representou profundas
transformações, desde a derrocada de um determinado sistema comercial e de antigos
regimes políticos, até o desenvolvimento do sistema de estados democráticos de direito
– como conhecemos hoje – e do liberalismo político e econômico.
No nível cognitivo-epistemológico representou uma mudança radical em nossa
percepção a respeito do próprio conhecimento. Habermas chamou a filosofia moderna
de “filosofia da consciência”, enquanto Heidegger a chamou de “metafísica da
subjetividade”. O próprio Kant havia comparado a sua filosofia crítica a uma “revolução
copernicana”. Todos estes termos representam uma mudança de ênfase da ontologia
para a epistemologia, do objeto para o sujeito do conhecimento. O filósofo americano
Edwin Burtt, em As Bases Metafísicas da Ciência Moderna, mostra como os homens,
entre 1500 e 1700, deixaram de pensar o Universo em termos de categorias escolásticas
– como substância e acidente, essência e existência, potência e ato – e passaram a
pensá-lo em termos de categorias modernas – como espaço, tempo, força, massa e
movimento.
O filósofo americano compara a visão de mundo apresentada na Divina Comédia
de Dante Alighieri, síntese da filosofia medieval – união da filosofia grega com a
teologia judaico-cristã – com a visão de mundo apresentada no ensaio A Free Man’s
Worship, de Bertrand Russel, no qual o autor resume a visão cosmológica do Homem
moderno. Na visão da Divina Comédia, onde o Motor Imóvel de Aristóteles e o Pai
personalizado dos cristãos haviam se tornado uma só coisa, havia uma Razão e um
Amor eternos, que eram, ao mesmo tempo, criador e fim de todo o esquema cósmico, e
com os quais o Homem, localizado no centro do Universo, como ser dotado de razão e
amor, tinha uma afinidade especial. Russel, por outro lado, mostra a visão moderna,
onde “o Homem é o produto de causas que não tinham qualquer previsão do fim que
estavam alcançando, que sua origem, seu crescimento, suas expectativas e medos, seus
amores e crenças são apenas o resultado de posicionamentos acidentais de átomos, que
todos os trabalhos das eras, toda devoção, todas as inspirações, todo o brilho esfuziante
do gênio humano estão destinados à extinção na vasta morte do sistema solar” (apud
Burtt, 1991: 16).
A partir do século XVIII, como aponta Weber, esta percepção, chamada
“revolução copernicana”, tomou espaço em todas as esferas de ação do Homem
ocidental. As contribuições de Bacon e Descartes, Galileu e Newton, dos iluministas, de
Locke e Hume, tornaram possível, por exemplo, que Kant, na Crítica da Razão Pura

6
(1787), fornecesse material suficiente para explodir a metafísica ocidental. A separação
entre númeno e fenômeno, entre fé e razão, a distinção entre uso normativo e uso
constitutivo da razão, transformaram a metafísica – a alma, o cosmo e Deus – num
conhecimento ilusório. A metafísica passou a ser entendida como produto de um uso
ilegítimo dos conceitos e das leis puramente formais do intelecto – a fim de se conhecer
“coisas em si”, ou seja, objetos fora da experiência, dos quais nada nos é dado no
intelecto. Kant fala de uma ilusão transcendental (a ilusão metafísica), que difere das
ilusões lógicas (como as falácias) e das ilusões físicas (como as ilusões de ótica). Nas
palavras do próprio Kant, “pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem
conceitos são cegas”. Podemos conhecer a estrutura – ou a forma – como conhecemos o
mundo, mas não o próprio mundo. Em linguagem hodierna, o mundo tem uma sintaxe,
mas não tem uma semântica. O animal humano é quem cria a ilusão semântica. O
mundo não tem “sentido” em si, somente na invenção humana. A continuidade da
crítica kantiana, da modernidade a pós-modernidade, representou uma destruição, sem
retorno, da metafísica antiga e medieval no pensamento ocidental. Podemos
exemplificar este ponto sem retorno através de obras filosóficas seminais do século XX,
como a Sintaxe Lógica da Linguagem (1934), de Rudolf Carnap, e o Tractatus Logico-
Philosophicus (1921), de Wittgenstein, de quem a frase “mesmo que todas as questões
científicas possíveis tenham obtido resposta, nossos problemas de vida não terão sido
sequer tocados” (6.52). Portanto, a atividade humana, essencialmente humana, está fora
da descrição do Universo, e este é, precisamente, o ponto em que a academia
contemporânea (pós-kantiana) entra em conflito com as tentativas sempre renovadas
(pré-kantianas) de “ressuscitar Deus” pelo discurso científico. O legado da “revolução
copernicana” é este: podemos compreender “como as coisas funcionam”, mas não “o
que são as coisas”; podemos captar a “sintaxe” do mundo, mas não o seu “sentido”.
Esta mudança no nosso vocabulário científico-filosófico, esta mudança na nossa
“gramática” decodificadora do mundo, esta mudança nas nossas categorias de
compreensão são o que se tem chamado da “morte de Deus” (Nietzsche) ou do
“desencantamento do mundo” (Weber) ou de “revolução copernicana” (Kant). Deste
modo, o anticlericalismo, o antidogmatismo e o anticristianismo, que tomaram “corpo”
nos níveis sócio-cultural e político-econômico, ganharam também uma “alma” no nível
filosófico-científico. Não houve, na pré-modernidade, uma ruptura de tamanha
radicalidade entre Ciência e Religião. O cosmo e o número dos Pitagóricos, o mundo
das Ideias e o Demiurgo de Platão, as causas finais e o Primeiro Motor de Aristóteles,

7
os orbes celestes dos medievais, toda ciência e concepção de mundo pré-moderna
incluía o Homem em sua descrição. O Homem possuía um papel importante no cenário
cósmico, o Universo e a existência possuíam um significado profundo. Já na
modernidade, o Homem é uma mera concatenação casual de poeira cósmica, um átimo
totalmente insignificante na história de um universo sem sentido.
Contudo, a “revolução copernicana”, ou “desencantamento do mundo”, no
Ocidente, não ocorreu sem fortes reações, e teve, entre os seus descontentes, muitos dos
maiores pensadores, e escolas filosóficas, do ocidente moderno. Precisamente neste
ponto, a teodiceia “Nova Era” incorre em imprecisões, pois apresenta a física moderna
como a primeira e decisiva contestadora de uma suposta hegemonia – mecanicista e
materialista – que nunca existiu. Para exemplificar, tomamos as palavras do próprio
Fritjof Capra, o famoso autor de O Tao da Física. Para Capra, em O Ponto de Mutação,
“o paradigma ora em transformação dominou a nossa cultura por muitas centenas de
anos”, “ele compreende certo número de ideias” que “incluem a crença de que o método
científico é a única abordagem válida do conhecimento” e “a concepção do universo
como um sistema mecânico composto de unidades materiais elementares” (apud
Carvalho, http://www.olavodecarvalho.org/livros/nelana.htm), ou seja, o cientificismo e
o mecanicismo. Na abertura de What the Bleep!?: Down the Rabbit Hole, encontramos
o mesmo chavão “Nova Era” (embora de forma muitos mais simplista), o que implica
que o materialismo e o mecanicismo teriam dominado o cenário cultural desde seu
nascimento até o advento da física moderna no século XX.
Em primeiro lugar, como mencionamos, esta afirmação não é correta. Vico e
Pascal, por exemplo, na época áurea dos cartesianos, criticaram, às vezes de maneira
quase “pós-moderna”, o cartesianismo dominante do século XVII. Blake, poeta
visionário do século XVIII, satirizou a visão mecanicista de seu conterrâneo Newton,
cuja influência era crescente em sua época. O século XVIII, que produziu o gênio de
Kant, também produziu o misticismo de Swedenborg, cuja obra desafiou a barreira
intransponível entre mundo fenomênico e mundo numênico. O Sentimentalismo do final
do século XVIII – o mal du siècle –, o Romantismo dos séculos XVIII e XIX – Goethe,
Wordsworth, Byron e Keats –, o Idealismo Alemão do século XIX – Fichte, Schelling e
Hegel – são, todos, reações ao “desencantamento do mundo”, ou seja, tentativas de se
reintroduzir o valor da subjetividade em nossa Weltanschauung, ou visão de mundo. Ao
final do século XIX, o culto à Vontade e ao Irracionalismo – Schopenhauer e Nietzsche
–, assim como o Esteticismo – Wilde – e, nos EUA, o transcendentalismo – Emerson e

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Thoreau – são exemplos de tentativas pertinazes de se devolver ao homem, e a seus
anseios espirituais, – sem, contudo, reintroduzir a metafísica clássica – um lugar de
importância no esquema cósmico. No final do século XIX e início do século XX, o
esoterismo – de Blavatsky a Krishnamurti – almejou preencher a lacuna deixada, ao
menos na classe culta, pelo declínio das instituições religiosas. No século XX, o
espiritualismo francês, de Maine de Biran e Gabriel Marcel, e o intuicionismo de
Bergson afirmaram que o método para o estudo dos objetos não poderia ser aplicado à
consciência e que o autêntico saber não se reduziria às ciências experimentais. Os
Perenialistas – René Guénon e Frithjof Schuon – defenderam um retorno à Philosophia
Perennis e sustentaram uma crítica radical à Modernidade esmagadoramente
materialista. A fenomenologia, de Husserl a Hartmann, questionou as orientações
neokantianas e positivistas da filosofia e afirmou a primazia da ontologia e da
metafísica sobre a teoria do conhecimento. O existencialismo, de Heidegger a Jasper,
defendeu um “pensar” – o chamado “primado da existência sobre a essência” – no qual
o sujeito que pensa inclui a si próprio no “pensar”, ou seja, recusaram a reduzir o
fenômeno humano a um “ente” – seja um animal racional, social, psíquico ou biológico
– da “reflexão objetiva”.
Em segundo lugar, não é correto afirmar que a física do século XX, ou a
mecânica quântica, tenha sido a primeira tentativa de “encantar o mundo novamente”
através do discurso científico, ou unir Ciência e Religião, como sugere o filme. Na
verdade, desde o início da ciência moderna, esta tem sido uma das estratégias de
“ressuscitar Deus”, ou seja, apresentar a Religião, ou os temas da “metafísica” e da
“espiritualidade”, como “Ciência”. O racionalismo do século XVII, por exemplo,
motivou o aparecimento dos deístas – para quem a existência de Deus e da alma podia
ser provada pela razão, independentemente da religião dogmática e devocional –, assim
como produziu o panteísmo e a ética geométrica de Spinoza. No século XIX, as teorias
da evolução (como apresentada, por exemplo, nas obras de Madame Blavatsky e Alan
Kardec), da segunda lei da termodinâmica e do eletromagnetismo (como encontradas,
por exemplo, na Naturphilosophie e em várias versões de vitalismo) foram fartamente
utilizadas pelo discurso neo-religioso. A partir do século XIX, talvez o século mais
cientificista de todos, e durante todo o século XX, os exemplos de tentativas de se
“encantar o mundo novamente” através do discurso científico são abundantes. O
espiritismo Kardecista do século XIX, notadamente inspirado no positivismo, talvez
seja o exemplo mais bem-sucedido no Brasil. Contudo, não é, nem de longe, o mais

9
atual. Nomes de seitas como Cientologia, Racionalismo Cristão e Ciência Cristã são
comuns na literatura neo-religiosa. No século XX, cristãos, como Teilhard de Chardin e
Pietro Ubaldi, desenvolveram cosmovisões cristãs construídas, inteiramente, dentro do
arcabouço conceitual da ciência moderna. As tentativas de se recuperar um sentido
cósmico, perdido pela “revolução copernicana”, no seio da cosmovisão científica,
continuam muito comuns até hoje, não apenas nas concepções do “misticismo
quântico”,6 mas também, por exemplo, no princípio antrópico e no argumento do
“Desígnio Inteligente” – em todas as suas variações, como a “complexidade
especificada”, a “complexidade irredutível” e o “universo bem afinado”. Portanto, este
seria o contexto histórico mais amplo do filme, ou seja, o descontentamento com a
“revolução copernicana”, em particular aquele expresso pela estratégia de “ressuscitar”
os temas da religião através da ciência natural.

4 - A revolução quântica e seus dissidentes

O papel dos físicos nesta estratégia discursiva, vale ressaltar, não é desprezível.
Encontramos, já no século XIX, livros de divulgação científica, bastante populares,
abordando a possível relação entre Ciência e Religião. Os físicos britânicos Peter Tait e
Balfour Stewart, por exemplo, escreveram um livro intitulado The Unseen Universe, de
grande sucesso na Era Vitoriana. Curiosamente, na abertura de What the Bleep!?: Down
the Rabbit Hole, os produtores afirmam que, desde o nascimento do materialismo
moderno, a Igreja seria portadora do invisível (Unseen) e a Ciência, do visível (Seen), o
que, supostamente, teria perdurado até a revolução quântica do século XX – cujas
consequências, nas palavras do narrador, “abolirão”, no século XXI, “a parede que
separa a Igreja e o laboratório”.
Contudo, em primeiro lugar, na obra The Unseen Universe, por exemplo, de
1875 – em uma época anterior, portanto, à revolução quântica –, os físicos britânicos já

6
A pretensão de Quem Somos Nós? de recuperar este sentido cósmico, perdido pela “revolução
copernicana”, é bastante clara numa afirmação do produtor Mark Vicent: “As pessoas estão muito
cansadas de viver essa velha realidade com a qual foram alimentadas.” [...] “O que este filme faz é dizer:
há uma ciência e há ideias tão maravilhosas que sugerem que temos um imenso poder dentro de nós. O
que estamos sugerindo é que todos têm a divindade dentro de si, que ela manifesta todo o tempo e que
todos têm o poder de mudar. As pessoas gostam muito dessa ideia. É muito mais interessante do que
imaginar que somos uma partícula estúpida na face do planeta, sem ter o que dizer, e que há um deus
exterior que nos mantém e ao qual temos de suplicar para ter o que queremos. Essa é uma ideia estúpida.
A outra – de que talvez sejamos esse deus – é muito mais excitante” (Disponível em:
http://www.salon.com/ent/movies/int/2004/09/09/bleep/index.html. Acesso em: 29 jan. 2010).

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promoviam, justamente, uma refutação do materialismo, e argumentavam a favor da
consistência da física com a imortalidade. Assim, ao contrário do que pensam os
produtores do filme, as tentativas de se unir, dentro da física, o “invisível” e o “visível”
datam de épocas mais remotas. Os autores de The Unseen Universe se envolveram com
a Sociedade de Pesquisas Paranormais (Society for Psychical Research). A Sociedade,
fundada em 1882 e em funcionamento até hoje, tem como objetivo “examinar
fenômenos supostamente paranormais a partir de princípios científicos” (Disponível em:
http://www.spr.ac.uk/expcms/index.php?section=1. Acesso em: 17 jan. 2010).
Participaram da Sociedade, também, os ilustres físicos vitorianos Lord Rayleigh e J. J.
Thomson, ganhadores do prêmio Nobel de física, em 1904 e 1906, respectivamente;
William Crookes, inventor do tubo de vácuo; e Oliver Lodge, inventor da vela de
ignição para motores de combustão interna. Lodge, por exemplo, defendia, em seu livro
Ether and Reality (1925), que o éter poderia explicar a continuidade da vida após a
morte. A física quântica, portanto, entra apenas como um capítulo nesta longa história
de tentativas de se apresentar a Religião como “Ciência”.
Além disto, em segundo lugar, a própria revolução quântica – cujas
consequências no século XXI são anunciadas, pelos profetas do “misticismo quântico”,
como em um “culto milenarista” como um evento prestes a se realizar – decorreu, na
verdade, há cerca de um século. Portanto, como em um “fim de mundo” que não
aconteceu, a revolução quântica, próxima de completar 100 anos, tem a sua “profecia”,
não realizada no século XX, postergada para o século XXI. Os livros de divulgação
científica que, já no início do século XX, obtiveram maior impacto, ao discutir questões
filosóficas e religiosas mais amplas da nova física, foram Science and the Modern
World (1925), do matemático Alfread Whitehead, The Nature of the Physical World
(1928), do astrofísico Arthur Eddington, e The Mysterious Universe (1930), do físico e
astrônomo James Jeans.7
Whitehead sustentou, em sua obra, que o materialismo científico, formado a
partir de um sistema físico-matemático, não representaria, apropriadamente, a natureza
da realidade. O materialismo moderno, afirmou Whitehead, deveria ser substituído pelo
conceito de organismo. Eddington, por sua vez, dedicou todo o último capítulo de seu
livro ao misticismo, e Jeans, que vendeu 70 mil cópias de sua obra, em 1930, apenas na
Grã-Bretanha, afirmou que “a partir das evidências intrínsecas de sua criação, o Grande

7
Veja o livro de Whitworth, The Clothbound Universe: Popular Physics Books, 1919-1939 (1996), para
uma lista mais completa dos livros de divulgação científica desse período.

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Arquiteto do Universo” começava a “se parecer como um matemático puro” (apud
Leane, 2007: 31). Por isto, a ênfase, no início desta seção, ao papel não desprezível dos
físicos na construção do discurso do “misticismo quântico”. Desta maneira,
pretendemos evitar a simplificação, muito comum em análises do fenômeno cultural do
“misticismo quântico”, pela qual se atribui toda a responsabilidade do discurso a não
especialistas.
Com efeito, o físico francês Alan Sokal, por exemplo, em 1996, submeteu um
artigo para a revista Social Text, um periódico de Estudos Culturais, de título
“Transgredindo as Fronteiras: em Direção a uma Hermenêutica Transformativa da
Gravitação Quântica”, construído, deliberadamente, sem nenhum conteúdo. O artigo foi
aceito e publicado pela revista. Posteriormente, Sokal anunciou que se tratava de uma
fraude, cujo objetivo era mostrar como citações pomposas e absolutamente sem sentido,
utilizando-se do vocabulário da ciência moderna, especialmente da física, havia se
tornado uma prática rotineira entre os acadêmicos pós-modernos. O incidente,
conhecido como “caso Sokal”, tornou-se uma paródia, cujo mérito, supostamente, seria
mostrar a distinção entre o “discurso científico”, realizado pelos cientistas, e o “embuste
científico”, realizado pelos não-cientistas. O “misticismo quântico”, neste caso, seria um
exemplo de “embuste científico”, praticado pelos não cientistas que, embora não
entendem nada de ciências, se utilizam de seu vocabulário.
Todavia, como pretendemos haver mostrado para o período que precedeu a
“revolução quântica”, a divisão cristalina entre discurso “científico” e
“pseudocientífico” é um artifício. Mara Beller, historiadora da mecânica quântica,
mostrou, por exemplo, em seu artigo de 1998, “The Sokal Hoax: At Whom Are We
Laughing?”, que o mesmo tipo de afirmações absurdas, criticadas pelo físico francês,
poderia ser encontrado, em abundância, nos escritos dos próprios pais fundadores da
mecânica quântica, como Niels Bohr, Werner Heisenberg, Wolfgang Pauli e Max Born.
Além disto, se, por um lado, os pais fundadores da mecânica quântica “foram
quase unânimes em declararem que a física moderna não oferece nenhum suporte e nem
estabelece nenhuma relação com qualquer espécie de misticismo”,8 por outro, sabemos
que Erwin Schrödinger foi adepto do Vedanta, simpático ao Budismo, e fortemente

8
Veja a coletânea de escritos de Heisenberg, Schröedinger, Einstein, de Broglie, Planck, Pauli e
Eddington, realizada por Ken Wilber, Quantum Questions: Mystical Writings of the World’s Great
Physicists (1984: 5).

12
influenciado pela filosofia de Schopenhauer.9 Bohr foi admirador do sistema Taoísta,
chegando a adotar o símbolo yin yang no brasão de sua família, e relacionou o princípio
de complementaridade a domínios fora da física.10 Albert Einstein foi leitor e grande
admirador de Spinoza, e, segundo Jammer, fortemente influenciado, em seu trabalho
científico, pela sua filosofia, oriunda, em certa medida, do misticismo judaico.11 Pauli
trocou correspondências com Jung durante mais de vinte anos e interessou-se, junto
com o psicólogo suíço, pela possível relação ente mente e matéria.12 Heisenberg, em
vários escritos populares, relacionou a física atômica com a filosofia platônica, como
verificamos pelas passagens abaixo.

Se quisermos oferecer uma descrição precisa de partícula elementar – e aí, a ênfase está no termo
“precisa” – a única coisa que poderemos apresentar é uma função de probabilidade. Mas, então
percebemos que nem mesmo o atributo de “ser” (caso este possa ser classificado de “atributo”)
pertence àquilo que está sendo descrito. A função de probabilidade diz respeito à possibilidade
de ‘ser’ ou uma tendência para “ser”. (Heisenberg, 1958: 102)

[...] Se falarmos assim, estaremos, é claro, voltando diretamente à filosofia de Platão. Nossas
partículas elementares são compatíveis aos corpos regulares do Timeu de Platão. São os modelos
originais, as ideias de matéria. (Heisenberg, 1971: 279)

Portanto, embora sua leitura de Heisenberg seja discutível, não parece notável
que encontremos Amit Goswami, em Quem Somos Nós?, citando o físico alemão.
Goswami afirma que “o próprio Heisenberg, depois da descoberta da física quântica,
disse que os átomos não são objetos, são tendências” e que, “ao invés de pensar em
objetos, você deve pensar em possibilidades”. Assim, os pais fundadores da mecânica
quântica, desenvolvida, aproximadamente, entre 1900 e 1930, ofereceram o ensejo para
o “misticismo quântico”.
Porém, somente a partir da década de 50, quando a “visão ortodoxa” da teoria
quântica passou a ser desafiada, é que todo um novo vocabulário foi elaborado, o qual
seria utilizado pelo “misticismo quântico” a partir da década de 1970. A visão ou
interpretação “ortodoxa” da teoria quântica é a chamada “interpretação de
Copenhagen”, associada aos nomes de Bohr e Heisenberg. O historiador da mecânica
quântica Olival Freire chamou de “dissidentes quânticos” os físicos que se afastaram

9
Veja a biografia Schröedinger: Life and Thought, de Walter Moore, e os escritos de Schröedinger em
My View of the World.
10
Veja Niels Bohr: Reflection on Subject and Object, de Paul McEvoy.
11
Veja Einstein and Religion: Physics and Theology, de Max Jammer.
12
Veja Pauli and Jung: The Meeting of Two Great Minds, de David Lindorff; Atom and Archetype: The
Pauli/Jung Letters, 1932-1958, editado por David Roscoe, e Deciphering the Cosmic Number: The
Strange Friendship of Wolfgang Pauli and Carl Jung, de Arthur I. Miller.

13
desta interpretação “ortodoxa” (Freire, 2009). A maior parte do vocabulário do
“misticismo quântico” tem sido retirado dos trabalhos dos “dissidentes quânticos”.
A interpretação de Eugene Wigner, prêmio Nobel de física, que enfatizou o
papel da “consciência” no “colapso da função de onda” (1967),13 a interpretação de
David Bohm de “variáveis ocultas” (1952), assim como sua ideia de “ordem implicada”
(1980), e a interpretação de Hugh Everett (1957), também chamada de “interpretação de
muitos mundos”, se tornaram os principais alvos, a partir da década 70, do “misticismo
quântico”.
Ao final da década de 70, os best-sellers de Fritjof Capra, O Tao da Física
(1975), e de Gary Zukav, A Dança dos Mestres Wu Li (1979), relacionaram,
amplamente para o grande público, os fundamentos da teoria quântica aos conceitos do
misticismo e do esoterismo moderno. O sucesso de Capra e Zukav foi seguido pelos
sucessos de Outros Mundos (1980), de Paul Davis, O Código Cósmico (1982), de Heinz
Pagels, À Procura do Gato de Schrödinger (1984), de John Gribbin, e A Realidade
Quântica (1985), de Nick Herbert.14
David Deutsch (1998) e Bryce DeWitt (1973) são autores bem conhecidos por
defenderem versões realistas da teoria de Everett. Jack Sarfatti (1975) e Evan Walker
(2000) têm divulgado amplamente a teoria de Wigner. Na década de 70, publicações
como Brain/Mind Bulletin – de Marilyn Ferguson, associada ao movimento “Nova Era”
– contribuíram para tornar estas abordagens bastante populares. O psicólogo Karl
Pribram, por exemplo, foi influenciado pela teoria da “ordem implicada” de Bohm na
formulação do seu modelo holonômico do cérebro.15 O físico Henry Stapp, enquanto
trabalhava no seu pós-doutorado com Pauli, escreveu um artigo, que não foi publicado
na época, chamado “Mente, Matéria e Mecânica Quântica”, o qual se tornou,
posteriormente, o título de seu livro (publicado em 1993). O físico Nick Herbert
escreveu amplamente, e lecionou no Instituto Esalen,16 sobre a relação entre mente e

13
London e Bauer já haviam sugerido, na década de 30, que a consciência seria responsável pelo colapso
da função de onda.
14
Com efeito, Elizabeth Leane (2007), ao realizar, utilizando-se o Arts and Humanities Citation Index
(via ISI Web of Knowledge), em 2005, um levantamento dos principais livros de divulgação científica de
mecânica quântica de impacto na crítica literária, começando em 1986, concluiu que esses foram os livros
e autores com maior “fator de impacto”.
15
Stuart Hameroff, professor de anestesiologia, e um dos entrevistados em Quem Somos Nós?, e Roger
Penrose, físico da Universidade de Oxford, também possuem um modelo para o funcionamento do
cérebro, chamado “redução objetiva orquestrada”, que especula que a consciência seria o resultado de
efeitos gravitacionais quânticos que ocorrem nos microtúbulos do cérebro.
16
Também participaram desses encontros, chamados Esalen Seminars on the Nature of Reality, físicos
como Henry Stapp, Bernard d’Espagnat e John Clauser. O Instituto Esalen, assim como o Instituto de

14
matéria – a partir do quadro teórico das interpretações alternativas da mecânica quântica
e do Zeitgeist do movimento da contracultura.17
Dentro desta atmosfera, autores fora da física, como o médico indiano radicado
nos EUA Deepak Chopra – incluído na lista da revista Times, em 1999, entre as “100
personalidades do século” – passaram a usar livremente os conceitos da mecânica
quântica a fim de defender os seus pontos de vistas – como em seu best-seller A Cura
Quântica – O Poder da Mente e da Consciência na Busca da Saúde Integral (1989). O
crescimento no número de publicações, onde o vocabulário oriundo das diversas
interpretações da mecânica quântica passou a ser utilizado, “explodiu” a partir da
década de 80 – estendendo-se de temas como Medicina Alternativa, fenômenos PES e
Psicologia Transpessoal até Administração, Gestão e Direito!
Além disto, a partir do trabalho de John Bell (1964), importante, por exemplo,
por re-conceitualizar o debate a cerca da “localidade”, o problema sobre os fundamentos
da teoria quântica se deslocou do terreno epistemológico para o terreno da física
experimental. Isto aconteceu quando começaram os primeiros testes experimentais da
chamada desigualdade de Bell, com John Clauser, em 1972, e Alain Aspect, em 1982. A
partir deste período, o discurso do “misticismo quântico” se apropriou, cada vez mais,
dos resultados obtidos em laboratório e de conceitos como “não-localidade” e
“emaranhamento”. Com efeito, certos autores, como Amit Goswami e Fred Allan Wolf,
diferenciam a si mesmos dos seus predecessores, como Capra e Zukav, pelas suas
referências aos testes experimentais. O trecho abaixo é retirado de uma entrevista de
Goswami.

[…] a partir de 1982, resultados começaram a aparecer dos laboratórios


experimentais de física. Este é o ano em que, na França, Alain Aspect e seus
colaboradores realizaram o grande experimento que conclusivamente
estabeleceu a veracidade das noções espirituais, e particularmente a noção de
transcendência. (Goswami, Scientific Proof of the Existence of God.
Disponível em: http://www.amitgoswami.org/scientific-proof-existence-
god/#more-228. Acesso em: 21 jan. 2010)

Já a partir da década de 60, físicos da estatura de David Bohm, um dos primeiros


“dissidentes quânticos”, e de Carl Von Weizsäcker, que chegou a trabalhar com

Ciências Noéticas, ambos localizados na Califórnia, coincidem, em seus ensinamentos, com os ideais do
Movimento do Potencial Humano.
17
Os títulos de algumas das obras destes autores são: The Physics of Consciousness: The Quantum Mind
And The Meaning of Life, de Evan Walker, The Fabric of Reality: The Science of Parallel Universes and
its Implications”, de David Deutsch, Destiny Matrix, de Jack Sarfatti, Mindful Universe: Quantum
Mechanics and the Participating Observer e Mind, Matter and Quantum Mechanics, de Henry Stapp, e
Elemental Mind: Human Consciousness and the New Physics, de Nick Herbert.

15
Heisenberg e Bohr, se associaram, publicamente, a místicos orientais. Bohm,
influenciado, simultaneamente, pela filosofia de Hegel e Whitehead, e pelo Budismo e o
Hinduísmo, tornou-se amigo do guru indiano Krishnamurti. Weizsäcker, por sua vez,
fundou, junto com o místico indiano Gopi Krishna, uma instituição com o objetivo de
“relacionar a ciência ocidental com a sabedoria oriental”. Em 1979, o Dalai Lama,
interessado pela teoria quântica, em sua visita à Europa, teve como seus “tutores” Bohm
e Weizsäcker. Enquanto em 1983, quando o Dalai Lama e uma delegação de monges
tibetanos visitaram o CERN,18 foram recebidos por John Bell.
Contudo, é importante ressaltar que Bell, assim como os fundadores da mecânica
quântica com inclinações místicas, não apoiava as especulações do tipo propagadas pelo
“misticismo quântico”. O criador do famoso teorema de Bell (1987: 170) considerava
“um mito a crença de que a teoria quântica, de alguma maneira, havia desfeito a
‘revolução copernicana’”. O físico norte-irlandês escreveu que, “a partir de certas
apresentações populares, o público leigo poderia ter a impressão de que a própria
existência do cosmos depende da nossa existência para observá-lo”, contudo, “não é
correto dizer ao público que um papel central para a consciência está interligado à física
atômica moderna” (Bell apud Leane, 2007: 94).

5 - A revolução sexual e a geração baby boomer

O Dalai Lama não foi a única celebridade religiosa, nesse período, a se interessar
pela física quântica. O indiano Maharishi Mahesh Yogi, por exemplo, criador do
movimento da Meditação Transcendental, ele próprio formado em física, buscou
“fundamentar” a sua ideia de “campo cósmico da mente” nas teorias de campo
unificado, muito em moda na época. John Hagelin, que aparece no filme e, como
mencionamos, é hoje um líder do movimento da Meditação Transcendental, foi aluno
do guru indiano, e atualmente é professor na Maharishi University of Management.
Durante as décadas de 1960 e 70, várias celebridades, como The Beatles, The
Beach Boys, o mencionado Deepak Chopra e Shirley MacLaine, se envolveram com
Maharishi e a Meditação Transcendental. O sucesso de Maharishi mostra um interesse
mais amplo, dentro desse período, pelas tradições pré-modernas e não-ocidentais. Com

18
O CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire) é o maior centro de pesquisas de física de
partículas do mundo. Fundado em 1954, com a colaboração de vários países, está localizado na fronteira
da França com a Suíça.

16
efeito, a geração da Beatlemania, nascida dentro do período pós-Segunda Guerra, entre
1946 e 1960, chamada geração baby boomer – os jovens e adolescentes das décadas de
1960 e 70 – é marcada pela inconformidade e insatisfação com os modelos e
alternativas tradicionais do ocidente moderno.
O movimento da contracultura das décadas de 1960 e 70, principalmente nos
Estados Unidos e na Inglaterra, é o espelho desta inconformidade e insatisfação. Os
protestos antiguerra, a explosão do Rock and Roll, as experiências com substâncias
alteradoras da consciência (e os seus gurus, de Allen Ginsberg e Jack Kerouac, da
Geração Beat, ao escritor Aldous Huxley, o psicólogo Timothy Leary e o budista Allan
Watts).19 Os movimentos de emancipação das minorias culturais, do movimento pelos
direitos civis ao movimento feminista. A revolução sexual (e os seus teóricos, como
Wilhelm Reich e Herbert Marcuse), o ambientalismo e a ecologia. A arte pós-moderna e
os Estudos Culturais na academia. O individualismo, o narcisismo e o consumismo da
Indústria Cultural. Os hippies e o movimento “Nova Era”. Todos estes elementos
compuseram o cenário discursivo da geração baby boomer.
Para a presente análise, a relevância do movimento da contracultura, na
construção do pano de fundo de Quem Somos Nós?, será resumida a dois pontos. Em
primeiro lugar, como nos mostra um artigo da revista Time, de 1993, ao citar a pesquisa
da socióloga Wade Roof, da Universidade da Califórnia, 42% dos jovens da geração
baby boomer abandonaram as religiões tradicionais (Disponível em:
http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,978164,00.html. Acesso em: 28 jan.
2010). Os cultos neo-religiosos, inspirados em religiões pagãs e não-ocidentais, como o
movimento “Nova Era” – da qual o filme Quem Somos Nós? é um produto cultural –
preencheram esta lacuna. Em segundo lugar, o narcisismo da geração baby boomer,
como nos têm apontado inúmeros estudos sociológicos, tem uma relação indireta,
distinta do idealismo filosófico, com a grande receptividade da crença de que “você cria
a sua própria realidade”.
Por um lado, não é incomum encontrarmos no discurso das seitas neo-religiosas
e neo-esotéricas, às vezes de maneira velada, às vezes de maneira explícita, um combate
às religiões ocidentais tradicionais. A estratégia mais comum destas seitas é se
apresentarem como uma doutrina “apolítica, não-sectária, não-religiosa e não-

19
Allen Ginsberg, Jack Kerouac, Aldous Huxley, Timothy Leary, Allan Watts frequentavam o Esalen
Institute, onde, como mencionado, aconteceram os “Seminários Esalen sobre a Natureza da Realidade”
com a participação de físicos como Henry Stapp, Bernard d’Espagnat e John Clauser.

17
dogmática”.20 O que há de ideológico nesta estratégia é a sua tentativa sub-reptícia de se
apresentar como uma “perspectiva a partir de lugar nenhum”. Portanto, como se podia
esperar, ao contrário dos grupos “Nova Era”, os grupos cristãos tradicionais, nos EUA
principalmente, se sentiram ofendidos pelo filme. O motivo deste ressentimento, e um
exemplo do desprezo das seitas neo-religiosas pelas religiões ocidentais tradicionais,
pode ser encontrado no discurso de dois dos entrevistados do filme, a saber, a
“médium” JZ Knight e o teólogo Micheal Ledwith.

Quando eu era jovem, tinha muitas ideias sobre o que Deus era. Hoje entendo
que não tenho consciência para saber o que esse conceito significa. [...]
Muitos dos problemas que a religião produziu através dos séculos vêm da
concepção que a religião tem de Deus ser algo distinto de nós, a quem
devemos adorar, cultuar, agradar esperando ser premiado no fim da minha
vida. Deus não é isso, isso é uma blasfêmia. [Micheal Ledwith]

Hoje temos uma incrível tecnologia. Imãs anti-gravitacionais, campos


magnéticos, energia de ponto zero... Mesmo assim ainda temos um conceito
retrógrado e supersticioso de Deus. As pessoas entram na linha quando
ameaçadas por essas “sentenças cósmicas”, pelo “castigo eterno”. Mas Deus
não é assim. [JZ Knight]

Por outro lado, os movimentos neo-religiosos e neo-esotéricos, como o


movimento “Nova Era”, são bastante favoráveis às religiões não-ocidentais – como o
Xamanismo dos nativos norte-americanos e as tradições espirituais do Oriente (como o
Budismo, o Hinduísmo e o Taoísmo) –, e pré-modernas – como as religiões neo-pagãs,
ou seja, movimentos religiosos modernos influenciados pelas crenças pagãs da Europa
pré-cristã (como a religião Wicca e o Neo-Druidismo). A insatisfação, ou – nas palavras
de Hedley Bull – a “Revolta contra o Ocidente”, como mencionamos, deixou um vácuo
cultural, principalmente após a Segunda Guerra, que foi preenchido, parcialmente, pelas
tradições pré-modernas e não ocidentais.
O filme Quem Somos Nós?, como produto desse ethos “Nova Era”, não por
acaso conta com dois entrevistados orientais, mencionados anteriormente, o físico
indiano Amit Goswami e o escritor japonês Masaru Emoto. O primeiro representa a
tradição do hinduísmo Vedanta, na qual o físico alega ter inspirado sua ideia de
“consciência cósmica”. O segundo representa a tradição do xintoísmo japonês, o que
pode ser notado pela sua devoção à natureza. Ademais, devemos, em primeiro lugar,
recordar a referência de Joseph Dispenza à visão não contaminada dos índios norte-
americanos e, em segundo lugar, assinalar que Ramtha, o ente “canalizado” pela

20
Veja as apresentações do Institute of Noetic Science em http://www.noetic.org/about.cfm e da Ramtha
School of Enlightenment em http://ramtha.com/html/pdf/introduction.pdf (Acesso em: 26 jan. 2010).

18
empreendedora JZ Knight, descreve a si próprio como um mestre espiritual que teria
vivido numa época anterior à destruição da Atlântida. Contudo, o chavão “você cria a
sua própria realidade”, comum aos entrevistados, nos revela um imediatismo e um
simplismo, comuns à espiritualidade “Nova Era” e à sociedade de consumo, muito
distantes das tradições espirituais que esses entrevistados supostamente representam.
As religiões neo-pagãs e o movimento “Nova Era” questionam, também, o
conceito judaico-cristão de sociedade baseada na família patriarcal. Já no início do
século XX, o psicanalista e anarquista Otto Gross, influenciado pelo antropólogo do
século XIX Johan Bachofen, propunha um retorno às formas pré-cristãs de sociedade e
afirmava que “a revolução futura seria a revolução do matriarcado” (apud Noll, 1996:
182). Jung, por exemplo, teria sido influenciado pelas teorias de Bachofen, e consentido
com a defesa à poligamia de Gross. A religião Wicca e o Neo-Druidismo, também,
valorizam, em seus cultos, divindades femininas, ou a “Mãe Natureza”. Embora a
influência de Bachofen e Gross tenha sido limitada em suas épocas, o “mito do
matriarcado” manteve um parentesco com três temas caros ao Zeitgeist da geração baby
boomer e do movimento “Nova Era”, a saber, o feminismo, o ambientalismo e a
“revolução sexual”. Deste modo, o “mito do matriarcado” do século XIX, a partir das
décadas de 1960 e 70, foi recuperado e renovado. Na mitologia retro-romântica da
“Nova Era”, homens e mulheres haveriam começado num tipo de paraíso primitivo – a
sociedade matriarcal, pacífica e ecologicamente saudável – cujo estado adâmico original
haveria sido rompido pelas forças sociais repressoras da racionalidade autoritária da
sociedade patriarcal. Assim, a “Nova Era”, ou “Era de Aquário” – dominada pelo
princípio feminino, diferente da “Era de Peixes”, dominada pelo princípio masculino –
cumpriria, na “cosmovisão” de seus adeptos, o papel de recuperar ou restabelecer esta
bondade original do paraíso matriarcal.
Deste modo, chegamos, através do “mito do matriarcado”, a uma estrutura
dicotômica básica do pensamento “Nova Era”, ou seja, a dicotomia entre “Era de
Peixes” (princípio masculino) versus “Era de Aquário” (princípio feminino), a qual se
expressa em inúmeras formas. Para o físico Fritjof Capra, por exemplo, em seu livro O
Ponto de Mutação, o patriarcado consistiria num complexo de três elementos: primeiro,
o domínio do homem sobre a mulher; segundo, o domínio da espécie humana sobre a
natureza; terceiro, o predomínio da razão (faculdade masculina) sobre a intuição
(faculdade feminina). São três lados de um fenômeno único, que Capra resume como a
supremacia do yang sobre o yin. No discurso de Capra, portanto, podemos encontrar,

19
implícita ou explicitamente, o feminismo, o ambientalismo e o intuicionismo. A “velha
ciência” (“paradigma cartesiano-newtoniano”) pertenceria a “Era de Peixes”
(racionalismo), enquanto a “nova ciência” (“paradigma quântico”) pertenceria a “Era de
Aquário” (intuicionismo).
No filme Quem Somos Nós?, esta matriz ideológica, ou estrutura dicotômica, é
bem nítida. Além da dicotomia “velha ciência” (racionalista) versus “nova ciência”
(intuitivista), podemos encontrar, no filme, Ramtha, um homem iluminado pré-
moderno, canalizado pela JZ Knight, uma mulher “médium” pós-moderna. O
significado desta “inversão” não é despercebido dos próprios organizadores da Escola
Ramtha, como podemos ler no seu sítio virtual.

A opção de Ramtha em canalizar a sua mensagem através de uma mulher, ao


invés de usar o [que foi] seu próprio corpo físico [masculino], mostra que
Deus e o divino não são prerrogativas somente dos homens, e que as
mulheres são valiosas expressões do divino [...] (Disponível em:
http://ramtha.com/html/pdf/introduction.pdf. Acesso em: 21 jan. 2010)

Nesta subversão retro-romântica dos valores modernos, a “repressão sexual”


seria cristã (deus patriarcal), a “liberação sexual” seria pré-cristã/pós-cristã (deusa
matriarcal); a primeira desvaloriza o corpo, a segunda valoriza o corpo, uma tem o
discurso racional (sério), a outra tem o discurso intuitivo (lúdico). O lado feminino e
infantil, o corpo e o prazer, como um microcosmo do estado adâmico dos povos pré-
modernos e pré-cristãos, são, portanto, valorizados.
A dicotomia aparece, também, através das generalizações, consideradas
pseudocientíficas,21 sobre a lateralização das funções cerebrais, na psicologia popular. O
hemisfério direito do cérebro seria verbal, lógico e analítico. O hemisfério esquerdo do
cérebro seria visual, intuitivo e holístico.
Deste modo, se, no âmbito político e social (macrocosmo), a “Nova Era” é a
alvorada, ou um retorno, a um período de paz e abundância, regido pelo princípio
feminino, no âmbito pessoal e individual (microcosmo), a “Nova Era” é a alvorada de
uma nova consciência, o contato com a criança interior, a “sincronização dos
hemisférios cerebrais”, o desenvolvimento da intuição, o contato com o próprio corpo.
O objetivo, portanto, é recuperar o lado feminino (intuitivo, lúdico, corporal), ou ao
menos harmonizá-lo com o lado masculino (racional, sério, mental).

21
Veja Mind Myths: Exploring Popular Assumptions about the Mind and Brain (1999), editado por
Sergio Della Sala, em particular o capítulo 2, de autoria de Michael Corballis.

20
No filme, a protagonista Amanda, por um lado, é séria e racional. Por outro, sua
amiga Jennifer é lúdica e intuitiva. Em uma cena, Amanda, ao escutar Jennifer tecer
elucubrações a respeito de seu sonho, manda a amiga “cair na real”. Enquanto Amanda
trabalha, Jennifer fica em casa. Em outra cena, ao chegar em casa, Amanda encontra a
amiga dançando e brincando com várias cores de tintas. Jennifer usa roupas coloridas e
descontraídas, chinelos pantufa, trancinhas e chiquinhas. Amanda sempre se veste de
maneira formal e procura manter a compostura. Além disto, Jennifer está bem consigo
mesma, enquanto Amanda toma antidepressivos. Enquanto Jennifer brinca com o
próprio corpo, Amanda briga com o seu corpo. Em uma cena, Amanda ataca o próprio
espelho. A analogia Amanda (cérebro direito/princípio masculino) e Jennifer (cérebro
esquerdo/princípio feminino) parece sugestiva.
Com efeito, os problemas emocionais e existenciais de Amanda são resolvidos
na medida em que a fotógrafa entra em contato com o seu lado intuitivo e aceita o seu
próprio corpo. Na cena do casamento, Amanda se permite perder a compostura, bebe e
dança. Em uma das cenas finais, Amanda, após entrar em conflito consigo, tem uma
catarse de risos, e aparece, finalmente, pintando o próprio corpo e brincando com a
pasta dental, se conciliando, portanto, com o seu lado lúdico e com o seu corpo. Além
disto, ao se lembrar da exposição de Masaru Emoto, parece aceitar o seu lado intuitivo,
ou a possibilidade de que ela esteja criando a própria realidade. O início desta
conciliação, contudo, é a sua decisão de enfrentar os seus “fantasmas”, ao aceitar cobrir
a festa de casamento, trabalho designado pelo seu chefe. A resistência de Amanda,
devido à sua desilusão amorosa, sugere um desafeto com o casamento e com a Igreja,
instituições do patriarcado.
Finalmente, o narcisismo da geração baby boomer tem sido caracterizado por
inúmeros estudos sociológicos como, por exemplo, as obras A Nation of Victims: The
Decay of the American Character, de Charles Sykes, The Abuse Excuse, de Alan
Dershowitz, e Culture of Complaint, de Robert Hughes, que enfatizam o fenômeno da
“vulgarização da vítima” nos EUA. Ken Wilber, um crítico de sua própria geração, na
sua obra Boomerite, argumenta que a tese de que “você cria a sua própria realidade” é
uma tese narcisista, típica da geração baby boomer. O narcisismo da geração baby
boomer, expresso no mote “você cria a sua própria realidade”, subverte os temas
tradicionais da filosofia clássica, a saber, das esferas supostamente “objetivas”
(transcendentais) do Verdadeiro, do Belo e do Bom.

21
A ênfase na importância do pluralismo, do contextualismo e da interpretação,
pelos Estudos Culturais, a partir da década de 1970, junto à noção de que os fatos, em
certa medida, não são “descobertos”, mas são “inventados” – e então impostos aos
outros pelos interesses (racistas, sexistas, eurocêntricos, logocêntricos, patriarcais e
assim por diante) de determinada sociedade –, chegou, quando levada ao extremo, à
negação de toda “verdade objetiva” (e todas as formas úteis de teorias de
correspondência ou representação). O resultado é o deslocamento da “descrição do
objeto” para a “construção do sujeito”, ou seja, a ênfase do papel do “observador” na
construção da realidade.
Com relação ao aspecto ético, Ken Wilber ilustra o narcisismo da geração baby
boomer, com o fenômeno da “vulgarização da vítima”, através do sistema jurídico
norte-americano, exemplos retirados dos livros supracitados.

Homens processaram clínicas de dietas porque só ofereciam programas de


perda de peso para mulheres. O San Francisco Giants foi processado por dar
presentes somente para homens no Dia dos Pais. Funcionários da
Pennsylvania State University retiraram da parede de uma sala de aulas uma
cópia da Maja Desnuda de Goya, após uma professora declarar que sua
exposição era uma forma de assédio sexual [...]
Um carteiro canhoto acusou os Correios de tendência discriminatória por
fornecer bolsas de cartas de acordo com a conveniência de carteiros destros.
[...]
Em Chicago, um homem entra com uma queixa na Divisão de Direitos das
Minorias da Procuradoria Geral dos EUA, alegando que um restaurante local
estava violando leis federais de proteção e direitos iguais, porque os assentos
não eram suficientemente espaçosos para seu invulgar e descomunal traseiro
[...]
Despedido por sempre chegar atrasado ao trabalho, um funcionário de uma
escola aciona seus ex-patrões, alegando que é vítima daquilo que seus
advogados chamam de “síndrome crônica de atraso” [...]. (Wilber: 2005: 168,
169 e 166)

Deste modo, em um sistema jurídico, formado, como apontam os estudos


supracitados, pela geração baby boomer, o certo e o errado não são fatos, mas
construções subjetivas, cujo idealismo esconde uma regressão ao ego. Portanto, “você
cria a sua própria realidade”.22
Com relação ao aspecto estético, desde o início do século XX, a arte moderna
mostra, em suas mais variadas correntes, uma falência, em geral, do conceito de

22
Ao final do filme, encontramos as seguintes afirmações de JZ Knight e Micheal Ledwith: “Este é o
único planeta habitado da via Láctea que está sob o julgo da religião. Sabe por quê? É por que as pessoas
definiram o certo e o errado. Se eu fizer isto, serei punido por Deus. Se eu fizer aquilo, serei
recompensado. Esta é uma descrição muito pobre que tenta mapear um caminho para seguirmos na vida,
mas com resultados deploráveis. Porque não existe esta coisa de ‘bem’ ou ‘mau’”.

22
representação, o que abriu espaço para o subjetivismo. O urinol de Duchamp é um
exemplo. Duchamp introduziu, numa exposição de Artes nos EUA, em 1917, um urinol,
comprado numa loja de construção. O que distingue o urinol de Duchamp de um urinol
qualquer? Apenas o fato de Duchamp o ter retirado de seu lugar de origem e o colocado
em uma exposição. O contexto da exposição é o que confere valor ao objeto exposto. O
valor não está relacionado com os dados objetivos da obra. O objeto artístico, em si
mesmo, não possui qualidades que o tornem reconhecível como obra estética. Não
existe, portanto, a feiura ou a beleza “em si”. A definição é puramente subjetiva, ou
intersubjetiva, depende apenas do observador, ou de seu contexto. Portanto, “você cria a
sua própria realidade”.
Todavia, a geração baby boomer conseguiu, com relação ao próprio aspecto
epistemológico, superar ou radicalizar os resultados da arte moderna. Com efeito, os
pós-estruturalistas, por exemplo, corrente que dominou grande parte da academia a
partir das décadas de 1960 e 70, começaram criticando a suposição mais elementar dos
estruturalistas, a saber, a existência de um significante “transcendental”, ou seja, uma
estrutura superior ao significado, assim como o projeto da hermenêutica filosófica, ou
seja, a busca pela restituição de um sentido unívoco que reproduziria o que um autor
originalmente teria como sua intenção expressar em um texto. Roland Barthes, por
exemplo, no seu famoso ensaio, “A Morte do Autor”, criticou a própria noção de autor,
como uma projeção desta noção de um significante “transcendental”. Ao entender que o
autor é a fonte que confere significado ao texto, inferimos, como entende a
hermenêutica, que compreender a intenção do autor é fornecer uma explicação última
do texto. Porém, para Barthes, isto seria o mesmo que acreditar em uma estrutura
“transcendental” ao texto. Portanto, para Barthes, todo texto oferece uma multiplicidade
de significados, o que foi entendido, pelos seus críticos, como “o nascimento do
leitor”.23 Logo, “você cria a sua própria realidade”. O resultado de nossa análise do
discurso nas seções 3, 4 e 5 do presente capítulo pode ser resumido pelo gráfico abaixo.

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As ferramentas para esta inflação egoica foram oferecidas (na maior parte) por intelectuais franceses,
liderados por Focault, Derrida, Lacan, Barthes, Bourdieu, Deleuze e Lyotard, que enfatizaram a
relatividade pluralista e a marginalização das minorias. Os críticos não demoraram a rebater os exageros
dos Estudos Culturais, exemplos são The Social Construction of What?, de Ian Hacking, “Imposturas
Intelectuais”, do já mencionado Alan Sokal e de Jean Bricmont – e a chamada Science Wars –, e a crítica
seminal à influência da academia francesa no século XX, French Philosophy of the Sixties: An Essay on
Antihumanism, pelos autores Luc Ferry e Alain Renault.

23
Finalmente, cabe dizer que o papel do sujeito na construção ou interpretação da
realidade é um elemento comum a uma longa tradição da literatura de autoajuda nos
EUA que se estende desde o pensamento positivo (mais realista, do tipo “você é o que
você pensa que é” – James Allen; versão moderna) à PNL (mais instrumentalista, do
tipo “o mapa não é o território” – Alfred Korzybski; versão pós-moderna). Desde o New
Thought Movement, a Church of Divine Science e o transcendentalismo, do final do
século XIX, até a Religious Science (ou Science of Mind), fundada, em 1927, pelo
escritor Ernest Holmes, e o sucesso, na primeira metade do século XX, dos primeiros
best-sellers na área.
Com efeito, o mercado de autoajuda, segundo dados de 2005, é um mercado
bilionário, de cerca 9,6 bilhões de dólares, anualmente, somente nos EUA. Exemplos de
autores e obras clássicas que alcançaram enorme sucesso popular na primeira metade do
século XX são: O Homem é Aquilo que ele Pensa (1902), de James Allen, Pense e
Enriqueça (1937), de Napoleon Hill, O Poder do Pensamento Positivo (1952), de
Norman Vincent Peale, e O Poder do Subconsciente (1962), de Joseph Murphy. Todas
essas obras possuem um sistema de crenças comum, como o “poder da mente”, ou seja,
“você cria a sua própria realidade”, que será, posteriormente, reciclado pelo “misticismo
quântico”. Portanto, ao contrário do que pode parecer pelo sensacionalismo do filme
Quem Somos Nós?, e também do filme O Segredo, de 2006, no qual reencontramos os

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físicos John Hagelin e Fred Alan Wolf, o mote de autoajuda “você cria a sua própria
realidade” é um sucesso de vendas desde o início do século XX. O filme estadunidense,
contudo, sugere um ingrediente não encontrado nessas obras do início do século, ou
seja, a expectativa de que a física quântica possa fundamentar a crença de que “você
cria a sua própria realidade”.

6 - A teoria quântica implica que “você cria a sua própria realidade”?

Com efeito, como mencionamos no início deste capítulo, esta expectativa é a


coluna vertebral de sustentação do filme, o qual conta com quatro físicos entre os seus
entrevistados. Dentre as interpretações, já mencionadas, desenvolvidas pelos
“dissidentes quânticos” e adotadas pelo “misticismo quântico”, duas são explicitamente
adotadas no filme Quem Somos Nós?, a saber, variações da interpretação de Eugene
Wigner, que enfatizou o papel da “consciência” no “colapso da função de onda” (1967),
e variações da interpretação de Hugh Everett (1957), conhecida como “interpretação de
muitos mundos”.
A primeira interpretação é sugerida em duas cenas do filme What the Bleep!?:
Down the Rabbit Hole. Primeiro, a cena, mais figurada, em que Amanda brinca com
Bob na quadra de basquetebol. Enquanto Amanda não observa Bob, há inúmeras bolas
quicando no chão. Depois que Amanda observa o garoto, há somente uma única bola
em cena. Segundo, a animação, mais explicativa, em que “Doutor Quantum”, um
desenho animado de Fred Alan Wolf, explica, ao seu modo, a experiência da fenda
dupla – mais especificamente o experimento realizado pela equipe do físico Tonomura e
publicado, em 1989, no American Journal of Physics.
A segunda interpretação é sugerida, também, pelo próprio Fred Alan Wolf
quando o físico declara que “parece que essas partículas aparecem e desaparecem o
tempo todo. Para onde vão quando não estão aqui? Essa pergunta é complicada. Vou dar
duas respostas. Número um vão para universos alternativos, onde as pessoas fazem a
mesma pergunta quando elas somem e vêm para cá. ‘Para onde elas foram?’”.
Em primeiro lugar, em ambos os casos, não seria exagero afirmar, as
interpretações sugeridas pelos físicos Fred Alan Wolf e Amit Goswami, e seus colegas,
estão entre aquelas que, curiosamente, têm, ao mesmo tempo, o maior impacto entre o
público em geral, interessado nas consequências filosóficas da mecânica quântica, e a
menor relevância dentro do meio acadêmico, entre físicos, historiadores e filósofos da

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física. O público, em geral, não tem consciência deste papel marginal, dentro da
comunidade científica, de físicos como Fred Alan Wolf e Amit Goswami. Com efeito, o
filósofo da física Osvaldo Pessoa, por exemplo, menciona quatro grandes grupos de
interpretações, históricas e correntes, dos fenômenos quânticos – as interpretações
ondulatória, corpuscular, dualista realista e dualista positivista (Pessoa, 2003). A
experiência, apresentada pelo “Doutor Quantum”, da fenda dupla, seria um exemplo de
fenômeno quântico. Para as quatro interpretações supracitadas, não é necessária, a fim
de se explicar o experimento da fenda dupla, a introdução do observador, ou da
“consciência”, como pretende o desenho animado de Fred Alan Wolf. O próprio Wigner
abandonou esta hipótese ao longo de sua vida.
Em segundo lugar, as duas interpretações, de Wigner e de Everett, não são,
necessariamente, compatíveis. Nenhum papel é atribuído à consciência dentro do
formalismo da “interpretação de muitos mundos”. O que sugere que o físico Fred Alan
Wolf não está comprometido com nenhuma interpretação em particular da mecânica
quântica, lançando mão, aqui e acolá, das teorias e especulações que melhor legitimam
o seu “misticismo quântico”. Finalmente, vale ressaltar que, embora o formalismo da
“interpretação de muitos mundos” seja bem aceito em parte da comunidade científica –
pelo seu mérito em lidar com os problemas filosóficos da mecânica quântica – a
sugestão de que o formalismo implique em universos paralelos que existam
simultaneamente é, geralmente, considerada absurda. A mecânica quântica, portanto,
segundo a visão hegemônica, no século XXI, das comunidades de físicos, historiadores
e filósofos da física, não implica que “você cria a sua própria realidade”.

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