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2.

Diálogos entre a Sociologia da Infância e a Sociologia da Educação


A educação das crianças envolvem um conjunto complexo de relações (ROCHA,
2002; 2011; VALENÇA, 2010). Rocha (2002, p.67) argumenta que:
A complexidade das relações que envolvem a educação da criança em
contextos colectivos, públicos e de forma complementar a família, e a
própria concepção da criança como sujeito social suscitam, sobre tudo
nas Ciências Humanas e Sociais, novas frentes de investigação que
articulem e aprofundem as diferentes dimensões envolvidas nos
processos educativos na infância.

Deste modo, a “infância e educação” constituem um campo de pesquisa multi e


interdisciplinar (ROCHA, 2002; SARMENTO, 2008; VALENÇA, 2010). Porém, nesta
secção centrar-nos-emos na relação entre a Sociologia da Infância e a Sociologia da
Educação, enquanto subáreas da Sociologia que se intercruzam e estabelecem um
permanente diálogo.
Embora Silva (2002) aponte que a educação tem se afastada do debate
sociológico, ela sempre foi um tema central das ciências sociais e da Sociologia em
particular e, continua sendo até aos nossos dias. Emile Durkheim é considerado um dos
clássicos da Sociologia que mais se dedicou à questão da educação, ao traçar um
histórico da construção do sistema de educação francês. Contudo, não foi o único. Max
Weber e Karl Marx, também clássicos da sociologia, dedicaram-se ao tema, a pesar
destes dois últimos não terem se debruçado explicitamente sobre o assunto (SILVA,
2002, p.76).
Diferentimente da educação, a infância como objecto de pesquisa sociológica foi
por muito tempo evitada pelos clássicos (AMBERT, 1986 apud QVORTRUP, 2010,
p.633). Qvortrup (2010) refere que, embora se possam encontrar publicações daquela
época relacionada às crianças, até mesmo com título “Sociologia da Infância” tais
estudos não se questionavam sobre o novo direccionamento que as pesquisas sobre a
infância e a criança vieram a tomar a partir do início dos anos 80 do século XX.
Valença (2010) na sua reflexão sobre a Sociologia da Infancia e educação das
crianças afirma que, a revisão dos conceitos e abordagens realizadas por especialistas
de diversas áreas de conhecimento, vem identificado dicotomias, determinismos e
equívocos presentes nos estudos sobre a criança e a infância. Entre os sociólogos, tais
revisões teórico-conceituais e metodológicas levaram a construção de um subcampo da
sociologia: a Sociologia da Infância.
Colonna (2012 apud MORTARI & MAZZIONI, 2010) identifica dois pontos de
referência que marcaram a virada ontológica, epistemológica e metodológica na
pesquisa das crianças. O primeiro é a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada
pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1989 e, o segundo é o surgimento da
chamada “nova” Sociologia da Infância a partir dos trabalhos de autores como Ambert
(1986); James & Prout, (1990); Jenks (1992); Qvortrup (1995) (FERNANDES, 2005,
p.IX).
A Sociologia da Infância tem como seu objeto a infância em si mesma e, assume a
autonomia analítica da ação social das crianças, considerando a infância como
construção social, historicamente localizada e, indo na contramão das perspectivas
naturalistas e universalistas (JAMES; JENKS; PROUT, 2002 apud COLONNA &
BRÁS, 2011p. 147). As paradigmáticas mudanças a partir dos finais dos anos 80 e
princípios dos anos 90 do século XX possibilitaram segundo Sarmento (2007, p.17)
“considerar a categoria social da infância como susceptível de ser analisada em si
mesma, que interpreta as crianças como actores sociais de pleno direito e que interpreta
os mundos de vida das crianças nas múltiplas interações simbólicas que as crianças
estabelecem entre si e com os adultos.”
A emergência da Sociologia da Infância veio renovar a tradição de estudos da
educação no geral e na Sociologia da Educação em particular que, até então, voltavam-
se para a análise dos processos e métodos pedagógicos, como forma de buscar
orientações únicas e gerais para a educação das crianças, tratadas de forma abstrata e
universal. Tais análises dos processos educativos e seus sujeitos eram feitas em um
isolamento (ROCHA, 2011, p.viii).
A revisão crítica de conceitos caros à sociologia como é o caso da
“socialização”1, que não apenas tendeu a colocar a criança em posição passiva, mas
também, reposava sobre uma visão da “criança adulto em miniatura” (NUNES, 1999)
permitiu a mudança de paradigma não apenas no estudo sociológico da infância, como
também, da Sociologia da Educação (veja-se FARIA & FINCO,2011). Nesse contexto,
o pressuposto básico com o qual se passa a olhar a infância é de que ela é uma
construção social e as crianças sujeitos sociais activos (que pensam, imaginam, desejam,
(re)inventam, interpretam, etc).

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A revisão do conceito de socialização implicou na revisão de uma série de outros conceitos marcados
pela uma visão eurodescendente e adultocêntrica de criança, a ele atrelados, como o conceito de cultura,
infância, e conseguintemente o conceito de educação.
A reinterpretação do conceito de socialização, com base nas novas representações
da infância e da compreensão da criança concreta, captadas nas pesquisas empíricas
gera resultados que tem repercursão nas instituições de educação e propõe acções
educativas que sejam compatíveis com essas novas representações, pois, a revisão desse
conceito, passa a absorver representaões da infância diferentes daquelas do passado.
Insiste-se no estudo da socialização como via de mão dupla, interessando incluir as
relaçoes não apenas entre crinças e adultos, como também, entre as crianças entre si
(VALENÇA, 2010, p.64-65).
O novo paradigma estabelecido pelos chamados “novos” Estudos Sociológicos da
Infância dialogam com a Sociologia da Educação, na medida em que, refletem sobre as
diferentes concepções de infância e e modos de ser criança, instigando-nos a pensar em
outras formas de educação, em outras concepções de professor e de professora, de
“adulto-professor diferente”, que possa propiciar condições favoraveis a autonomia
infantil, não apenas em relação à reconstrução, pela criança, do conhecimento existente,
como também, para a ação colectiva dessa experiêcia e da sua imaginação (FARIA,
1999, p.213 apud FARIA E FINCO, 2011, p.12).
O diálogo entre estas duas subáreas da sociologia exige “(...) pensar na formação
docente para a emergência de novas pedagogias, que promovam e recebam “com bons
olhos” a transgressão, a incerteza, a complexidade, a diversidade, a não linearidade, a
subjetividade, a singularidade, as perspectivas múltiplas e as especificidades espaciais e
temporais” (FINCO 2010, p.175 apud FARIA E FINCO, 2011, p.12).
Porém, o diálogo entre a Sociologia da Infância e a Sociologia da Educação não se
restringe somente à educação escolar, mas a educação no seu sentido mais amplo, de
reprodução da existência humana, pois, “ao mesmo tempo em que o mundo é
adultocentrico, as crianças aprendem mesmo quando o adulto não tem intenção de
ensinar” (GUNNARSSON, 1994 apud FARIA E FINCO, 2011, p.13). As crianças
estabelecem relacões com os adultos e com outras crianças, elas são simultaneamente
produto e produtoras das culturas infantis e dos processos educacionais que as
envolvem.
Nosso argumento neste artigo é de que essas duas subáreas do conhecimento
sociológico não podem ser pensadas de forma separada, pois, uma implina na outra.
Como Rocha (2002) e outros autores acima citados defendem e nós coroboramos, que a
infância e a educação constituem um campo complexo de investigação. Portanto, a
Sociologia da Infância sendo uma disciplina que analisa a relação entre a autonomia e
dependência infantil (relação adulto-criança e criança-criança) e as suas modificações
no tempo (HENGST & ZEIHER, 2004 apud FARIA E FINCO, 2011, p.13) não pode se
furtar em momento algum da reflexão sobre os processos educativos que envolvem
essas relações. Pelo que, uma perspectiva sociológica educacional sobre a infância faz-
se necessária para a compreensão das especificidades das culturas infantis (PROUT,
2004; SARMENTO, 2007 apud VALENÇA, 2010, p. 69).
Como nos lembra Valença (2010), numa perspectiva semelhante a de Barbosa
(2007):
Precisamos, pois, de ampliar nossa representação da educação para que
se torne compatível com as competências infantis constatadas em
pesquisas empíricas e modeladoras do conceito de socialização
predominante na sociologia da infância. Porém, temos que ir mais
adiante: é necessário entendermos que a apropriação da cultura pelas
crianças faz parte do processo educativo. E, ainda, que o trabalho
educativo, que tem como objetivo a humanização, inclui o conceito de
socialização (VALENÇA, 2010, p. 70).

Isso significa dizer em outras palavras, que a compreensão da criança concreta


(real) passa pela sua consideração como “sujeito dos processos de educação e
comunicação (...) que interage com outros seres que a cercam e fazem parte de seu
universo de socialização (seres humanos adultos e crianças, educadores e outros)”
(BELLONI, 2007, P.77 apud VALENÇA, 2010, p.73).

Referências bibliográficas

BARBOSA, Maria Carmen Silveira. (2007). “Culturas escolares, culturas infantis e


culturas familiares: as socializações e a escolarização no entretecer das culturas”.
Educação e Sociedade, Campinas, vol. 28, n. 100, p. 1059-1083

COLONNA, Elena. (2012). Eu é que fico com a minha irmã: vida quotidiana das
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Doutoramento em Estudos da Criança com especialidade em Sociologia da Infância)

COLONNA; Elena; BRÁS, Eugénio José. (2011). “Crianças e espaço urbano em


Maputo”. MULLER, Verônica R. (Org.) Crianças dos países de língua portuguesa:
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FARIA, Ana Goulart de; FINCO, Daniela (Org.) (2011). “Apresentação”. Sociologia
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FERNANDES, Natália. (2005). “Nota Introdutória”. CHRISTENSEN, Pia; ALISON,


James (Org.). Investigação com crianças: perspectivas e práticas. Porto: Ediliber
Editora de Publicações, Lda, p. VIII-IX
QVORTRUP, Jens. (2010) .“A infância como categoria estrutural”. Educação e
Pesquisa. São Paulo, V.36, n2, p. 631-643

ROCHA, Eloisa Acires Candal. (2002). “A Infância e Educação: delimitações de uma


campo de pesquisa”. Educação, Sociedade e Culturas, n°17, p. 68 -88 (Conferência
apresentada no ciclo de conferências do Mestrado em Sociologia da Infância do
Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho – PO, em Maio de 2001)

ROCHA, Eloisa Acires Candal. (2011). “Prefácio”. FARIA, Ana Goulart de; FINCO,
Daniela (Org.) Sociologia da Infância no Brasil. Campinas:SP, p.vii-viii

SARMENTO, Manuel Jacinto. (2007). “Culturas Infantis e interculturalidade”. In:


DORNELLES, Leni Vieira (Org.). Produzindo Pedagogias interculturais na infância.
Petrópolis: Vozes, p. 19-40.

SARMENTO, Manuel Jacinto. (2008). “‘Estudos da criança’ como campo


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VALENÇA, Vera Lúcia Chacon. (2010). “Sociologia da Infância e a educação das


crianças”. Inter-Ação, Goiânia, v. 35, n. 1, p. 63-80

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