Ψ Psicologia do Desenvolvimento
Psicologia do Desenvolvimento
© Celeste Duque1, 2004 (celeste.duque@gmail.com)
1. INTRODUÇÃO
O presente texto tem como objectivo fornecer aos alunos do Curso de Terapêutica da Fala, da Universidade
do Algarve, da ESSaF, uma forma sintética de estudar as Teorias da Personalidade consideradas mais
adequadas no enquandramento do programa da disiciplina da Psicologia do Desenvolvimento. Por mais
longo que possa parecer o desenvolvimento das mesmas, muito mais haveria a dizer sobre o assunto, pelo
que se recomenda a leitura das obras originais que constam da bibliografia ao aluno interessado em
aprofundar um pouco mais os diversos conceitos.
Aconselha-se igualmente a presença nas aulas, quer teóricas quer teórico-práticas já que nestas, e apesar de
se fornecer o texto síntese da teoria apresentada, são referidos inúmeros exemplos e a verbalização
utilizada vai sempre de encontro às necessidades, dúvidas e interesses dos alunos presentes, pelo que são
únicas e irrepetíveis. Fornecendo toda uma informação que não está escrita em nenhum livro, nem mesmo
nos apontamentos da disciplina, já que aí se tem o cuidado de relacionarem conceitos do âmbito da
Psicologia do Desenvolvimento apresentando uma contextualização histórica, e sócio-cultural, socorrendo-
se igualmente de outras áreas de saber sempre que isso se mostre relevante para a melhor explicação e
integração do conceito, por parte dos alunos.
Posto isto passamos a apresentar uma síntese teórica elaborada em 2001, e que foi totalmente revista para
melhor se adaptar ao Curso de Terapêutica da Fala do ESSaF.
Recomenda-se ainda a consulta dos apontamentos (Textos de Apoio) fornecidos na disciplina de
Introdução à Psicologia2, em 2003-2004.
2. TEORIAS DA PERSONALIDADE
Antes de se abordarem as Teorias da Personalidade, propriamente ditas é necessário definir-se o que se
entende por personalidade.
2.1. Personalidade
São padrões ou elementos relativamente constantes, duradouros e permanentes de percepcionar, pensar,
sentir e comportar-se que atribuem ou parecem atribuir aos sujeitos identidades separadas. Personalidade é
um ‘constructo sumário’ que inclui pensamentos, motivos, emoções, interesses, atitudes, capacidades e
outros fenómenos semelhantes.
1
Psicóloga Clínica; Formadora; Executive Coach; Student Mentor & Coach.
2
Sobre Metodologia em Psicologia e em Saúde, bem como os textos referentes à Personalidade (Teorias da
Personalidade e a Perspectiva Psicanalítica).
As páginas que se seguem são traduções mais ou menos livres de escritos de Sigmund Freud, de Margaret
Mahler e colaboradores. É igualmente utilizado o Vocabulário de Psicanálise, da autoria de Laplanche e
Pontalis, para maior clarificação de alguns dos conceitos psicanalíticos aqui abordados.
Admitimos que a vida psíquica é função dum aparelho ao qual atribuímos uma extensão espacial e que
supomos formado por diversas partes, Vemo-lo como uma espécie de telescópio, de microscópio ou algo
do género. A construção e o acabamento duma tal concepção são uma novidade científica, apesar das
tentativas análogas que já foram feitas.
Foi o estudo da evolução dos indivíduos que permitiu o conhecimento deste aparelho psíquico. À mais
arcaica das instâncias psíquicas constituintes deste aparelho damos o nome de Id. O seu conteúdo abrange
tudo o que o ser traz consigo ao nascer, tudo o que é constitucionalmente determinado, isto é e antes de
mais, as pulsões emanadas da organização somática e que encontram no Id, sob formas que nos são
desconhecidas, um primeiro modo de expressão psíquica. Todo o material que se encontra no Id está sob a
forma inconsciente. No Id encontram-se quer as pulsões de auto-conservação quer as pulsões de
destruição.
Sob influência do mundo exterior real que nos cerca, uma fracção do Id sofre uma evolução particular. A
partir da camada cortical original, fornecida com órgãos aptos a percepcionar os estímulos assim como a se
proteger contra eles, estabelece-se uma organização especial que, desde logo, vai servir de intermediário
entre o Id e o exterior, É a esta fracção do nosso psiquismo que damos o nome de Ego.
Segundo Freud, há dois princípios que regem o funcionamento mental: o princípio do prazer e o princípio
da realidade. Segundo o princípio do prazer, a actividade psíquica no seu conjunto tem por objectivo evitar
o desprazer e proporcionar o prazer. Na medida em que o desprazer está ligado ao aumento das
quantidades de excitação e o prazer à sua redução, o princípio do prazer é um princípio económico, O
princípio da realidade forma par com o princípio do prazer e modifica-o. Na medida em que o princípio da
realidade se consegue impor como princípio regulador, a procura da satisfação já não se efectua pelos
caminhos mais curtos, mas toma por desvios e adia o seu resultado em função das condições impostas pelo
mundo exterior.
Em termos do desenvolvimento psicossexual, e caso o sujeito se fixe numa das fases pré-genitais acima
descritas (fixação libidinal), ele fica marcado por experiências infantis, mantém-se ligado de forma mais ou
menos disfarçada a modos arcaicos de satisfação, a tipos arcaicos de objecto ou de relação. A fixação liga-
se à teoria da líbido e define-se pela persistência, particularmente manifesta nas perversões, de
características anacrónicas de sexualidade: o indivíduo exerce certos tipos de actividade ou então
permanece ligado a algumas características do ‘objecto’ cuja origem se pode encontrar em certo e
determinado momento da vida sexual infantil.
Com o desenvolvimento da teoria das fases pré-genitais do desenvolvimento psicossexual (fases oral, anal-
sádica e fálica) a noção de fixação assume nova extensão: pode não incidir apenas sobre um alvo ou um
objecto libidinal parcial, mas também sobre toda a estrutura da actividade característica de uma dada fase.
Assim, a fixação na fase anal está na origem da neurose obsessiva e de certo tipo de carácter. A fixação
libidinal desempenha um papel predominante na etiologia dos diversos distúrbios psíquicos, o que levou a
determinar a sua função nos mecanismos neuróticos. A fixação está na origem do recalcamento e pode
mesmo ser considerada como o primeiro momento do recalcamento tomado no sentido lato.
4. MARGARET MAHLER
se deixar modelar pelo e a se conformar ao seu ambiente. Esta capacidade do bebé se conformar aos
elementos do seu ambiente encontra-se já presente desde a primeira infância.
O trabalho desenvolvido por Margaret Mahler trata essencialmente da realização cognitivoafectiva da
consciência de ser separado (condição essencial a uma verdadeira relação de objecto) e do papel dos
aparelhos do Ego por exemplo, a motilidade, a memória e a percepção) e de funções do Ego mais
complexas (a prova da realidade, por exemplo) no acesso a um tal consciente. Mahler tenta mostrar como a
relação de objecto se desenvolve depois do narcisismo infantil, simbiótico ou primário, e em paralelo com
a realização da separação e da individuação, Como o funcionamento do Ego e o narcisismo secundário
nascem na relação com a mãe, de início narcísica e depois objectal.
Antes de mais, emprega-se o termo separação ou sentimento de estar separado em referência à realização
intra-psíquica dum sentimento de estar separado da mãe e, deste modo, do universo no seu conjunto. Este
sentimento de estar separado leva gradualmente a representações intra-psíquicas claras do Eu distinto das
representações do mundo objectal. Naturalmente, no curso normal dos acontecimentos que marcam o
desenvolvimento (as separações físicas reais da mãe – de rotina ou outras – por exemplo) são, para a
criança, contribuições importantes para o seu sentimento de ser uma pessoa separada. Mas o objecto dos
estudos de Margaret Mahler é o sentimento de ser um indivíduo separado e não o facto de estar fisicamente
separado de alguém. (Com efeito, nalgumas condições anormais o facto físico da separação pode conduzir
a uma negação com cada vez maior pânico ao facto de estar separado e ao delírio de união simbiótica).
Em segundo lugar, e de modo semelhante, recorre-se ao termo simbiose para designar uma condição intra-
pessoal e não um comportamento. Este estado é fruto duma dedução, pois está para além da observação
directa.
Em terceiro lugar, descrevem-se o autismo infantil e a psicose simbiótica como dois distúrbios extremos da
personalidade. O termo identidade é empregue no sentido da primeira consciência dum sentimento de ser,
de entidade – sentimento que compreende em parte um investimento de energia libidinal dirigida para o
corpo. O que está em jogo não é o sentimento de quem eu sou mas o sentimento de ser. E por isso é o
primeiro passo dum processo de desenvolvimento da individualidade.
Qual é a ‘maneira normal’ de vir a ser um indivíduo separado, a que as crianças psicóticas não têm acesso?
A que se parece o ‘processo de eclosão’ no bebé normal? Como compreender ao pormenor as
contribuições da mãe para este processo – como catalisadora, iniciadora, organizadora?
Ao autismo normal segue-se uma etapa de consciência difusa para o bebé de que não pode satisfazer as
suas próprias necessidades, que esta satisfação vem de alguma parte exterior a si. E isto designa-se por
narcisismo primário da fase simbiótica nascente.
A vida acordada do recém-nascido concentra-se em tomo dos seus esforços incessantes para realizar a
homeostasia. O bebé não consegue nem isolar os efeitos dos cuidados matemos, que lhe reduzem a fome,
nem os diferenciar dos seus esforços para reduzir a tensão pelos seus próprios meios, tal como urinar,
defecar, tossir, arrotar, vomitar – meios pelos quais a criança tenta desfazer-se de uma tensão desagradável.
O efeito destes fenómenos de expulsão, tanto como a gratificação obtida pelos cuidados matemos, ajudam
o bebé, no momento oportuno, a diferenciar uma qualidade de experiência ‘boa’/’agradável’ de uma outra
‘má’/’dolorosa’. A partir do 2º mês, uma consciência difusa do objecto de satisfação das necessidades
marca o começo da fase de simbiose normal, na qual o bebé se comporta e funciona como se a sua mãe e
ele formassem um sistema omnipotente – uma unidade dual no interior dum só limite comum. É neste
momento que começa a haver falhas na barreira quase sólida (negativa porque não investida) de protecção
contra os estímulos – é a concha autística que parava os estímulos exteriores, Graças ao deslocamento do
investimento para a periferia sensório-perceptiva, começa-se a formar um pára-excitações, protector mas
também receptivo e selectivo, investido positivamente, que começa a envolver a esfera simbiótica da
unidade dual mãe-criança.
É evidente que se o bebé depende de maneira absoluta do parceiro simbiótico, a simbiose toma um sentido
diferente para o parceiro adulto da unidade dual. A necessidade que o bebé tem da sua mãe é absoluta; a
necessidade que a mãe tem do seu bebé é relativa. Neste contexto, o termo simbiose é uma metáfora. Não
descreve, como o conceito biológico de simbiose, o que se passa realmente numa relação mútua benéfica
entre dois indivíduos separados de espécies diferentes. Descreve antes um estado de indiferenciação, de
fusão com a mãe, no qual o ‘eu’ não se diferencia ainda do ‘não-eu e onde o dentro e o fora só vêm
gradualmente a serem sentidos como diferentes. Toda a percepção desagradável, interna ou externa, é
projectada para lá do limite comum do meio interior simbiótico que inclui a gestalt do parceiro adulto
durante os cuidados maternos. E somente de maneira passageira que o bebé parece receber os estímulos
provenientes do exterior do meio simbiótico. O investimento libidinal fixado na esfera simbiótica substitui
a barreira inata de protecção contra os estímulos e protege o Ego rudimentar de toda a tensão prematura e
não adaptada, de todo o traumatismo de tensão. O carácter essencial da simbiose é uma fusão somato-
psíquica omnipotente, alucinatória ou delirante, à representação da mãe e, em particular, à ideia delirante
dum limite comum entre dois indivíduos fisicamente separados. E a este mecanismo que regride o Ego nos
casos mais graves de individuação e de desorganização psicótica, descritos como ‘psicose simbiótica da
criança’.
A função e os meios de auto-conservação estão atrofiados na espécie humana. O Ego rudimentar (ainda
não funcional) do recém-nascido e do jovem bebé deve receber em complemento o apoio emocional dos
cuidados atentos da mãe, espécie de simbiose social. É no seio desta dependência fisiológica e sócio-
biológica da mãe que se opera a diferenciação estrutural que conduz à organização adaptativa do indivíduo:
o Ego no seu conjunto de funções. O autismo normal e a simbiose normal são os dois primeiros estádios de
não indiferenciação, o primeiro an-objectal, o segundo pré-objectal. Ambos aparecem antes da
diferenciação da matriz indiferenciada, isto é, antes que sejam produzidas a separação e a individuação e a
emergência do Ego rudimentar como estrutural funcional. A fase simbiótica normal caracteriza-se no bebé
por um acréscimo do investimento preceptivo e afectivo de estímulos que definimos como provenientes do
mundo exterior, mas que o bebé, segundo a nossa concepção, não reconhece claramente a origem exterior.
O bebé começa por estabelecer ‘ilhotas mnésicas’ mas não ainda uma diferenciação entre o interior e o
exterior, o Eu e o outro. O mundo torna-se cada vez mais investido, sobretudo a pessoa da mãe, mas como
unidade dual, com um Eu ainda não claramente demarcado, nem cercado de fronteiras, nem
experimentado. O investimento na mãe representa a principal realização psicológica desta fase. Mas há,
ainda, continuidade com o que se passará de seguida.
Sabemos que o bebé responde de modo diferenciado aos estímulos provenientes do interior e aos do
exterior (a luz, por exemplo, será objecto duma experiência diferente da fome). Mas, se não queremos
postular a existência de representações inatas, temos boas razões para presumir que a criança não tem nem
conceito nem esquema de si e do outro ao qual atribuir e assimilar essas diferenças de estímulos. Pensamos
que a experiência do interior e do exterior se encontra ainda vaga: o objecto mais investido, a mãe, é ainda
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um objecto parcial. Os cuidados matemos e “o jogo” com a criança (segurá-la, apoiá-la, pegá-la ao colo,
sustentá-la, limpá-la, mexer nela...) são essenciais para a demarcação do Eu corporal no interior da matriz
simbiótica. Estas representações constituem o ‘esquema corporal’. A partir deste momento, as
representações do corpo que fazem parte do Ego rudimentar formam uma ligação entre as percepções
internas e externas. Isto corresponde à ideia de Freud que o Ego se modela pelo impacto da realidade, por
um lado, e pelas pulsões, por outro, O Eu corporal compreende dois tipos de representações de si: um
núcleo interno do esquema corporal, em que o limite se volta para o interior do corpo e o separar do Ego; e
um envelope externo de engramas sensório-perceptivos, que contribuem para os limites do corpo próprio’.
As sensações internas do bebé constituem o núcleo do Eu. Elas permanecem o ponto central, cristalizadas,
do ‘sentimento de si’ em tomo do qual se estabelecerá um ‘sentimento de identidade, O órgão sensório-
perceptivo (‘o envelope externo do Ego’ – Freud) contribui essencialmente para delimitar o Eu do mundo
objectal. As duas espécies de estruturas intrapsíquicas formam em conjunto o quadro de auto-orientação.
No seio da esfera simbiótica comum, pode-se dizer que os dois parceiros ou pólos da diade polarizam os
processos de organização e de estruturação. As estruturas derivadas deste duplo quadro de referência
representam uma base à qual todas as experiências deverão ser associadas antes de se tornarem no Ego
representações claras e unificadas do Eu e do mundo objectal. Spitz diz que a mãe é o Ego auxiliar do
bebé. Do mesmo modo, o ‘comportamento de apoio’ do parceiro materno, a sua preocupação materna
primária’ é o organizador simbiótico, a parteira da individuação, do nascimento psicológico.
formas. Noutros casos, em que a mãe agia claramente segundo as suas próprias necessidades simbiótico-
parasitárias mais do que em função do bebé, a diferenciação instala-se de modo quase veemente.
É no fim do primeiro ano e nos primeiros meses do segundo que podemos ver que há no processo
intrapsíquico da separação-individuação duas linhas de desenvolvimento, interligadas mas não tendo
sempre a mesma amplitude ou uma progressão proporcional. Uma destas linhas é a individuação, a
evolução da autonomia, da percepção, da memória, da cognição, da prova da realidade. A outra e a linha
intrapsíquica do desenvolvimento da separação, que leva à diferenciação, à distanciação, á formação dos
limites e ao afastamento da mãe. Todos estes processos de estruturação culminarão eventualmente em
representações interiorizadas do Eu, que são distintas das representações interiores do objecto.
Os fenómenos comportamentais superficiais do processo de separação-individuação podem ser observados
em inúmeras variações subtis como acompanhando o desenvolvimento psíquico. As situações óptimas
parecem ser aquelas em que a consciência da separação corporal em termos da diferenciação da mãe
seguem paralelamente (isto é, não estão muito para trás nem muito para a frente) ao desenvolvimento do
funcionamento autónomo do bebé – cognição, percepção, memória, prova da realidade, etc., isto é, as
funções do Ego que servem à individuação.
Há pelo menos três desenvolvimentos interligados mas identificáveis que contribuem para os primeiros
progressos da criança para a consciência de estar separada e para a identificação: a diferenciação corporal
face á mãe; o estabelecimento duma ligação específica com ela; o crescimento e o funcionamento dos
aparelhos autónomos do Ego em relação estreita com a mãe.
Este desenvolvimento parece abrir a possibilidade ao bebé de estender o seu interesse pela mãe para
objectos inanimados apresentados por ela – cobertor, almofada, brinquedo, o biberão antes da separação
para a noite. O bebé explora visualmente estes objectos e examina o seu gosto, a sua textura e o seu odor
através dos órgãos perceptivos de contacto, em particular a boca e as mãos, Seja qual for a fase de
diferenciação, é característico deste primeira etapa de ensaios que, apesar do interesse e da absorção destas
actividades, é o interesse pela mãe que parece tomar decisivamente a prioridade.
A maturação da locomoção e das outras funções ao longo do primeiro período de ensaios tem um efeito
dos mais salutares nas crianças que conheceram uma relação simbiótica intensa mas inconfortável. Parece
plausível que isto esteja ligado, pelo menos em parte, a um processo simultâneo de desprendimento
satisfatório por parte das mães. Estas mães, que estavam angustiadas por não poderem acalmar a aflição
dos seus bebés ao longo das fases de simbiose e de diferenciação, ficam agora mais aliviadas por verem os
seus filhos tomarem-se menos frágeis, menos vulneráveis e um pouco mais independentes. Estas mães e os
seus filhos não conseguiram ter prazer no contacto físico estreito, mas podem ambos ter agora prazer a
uma distância ligeiramente maior. Estas mesmas crianças tornam-se mais calmas e mais capazes de
recorrerem às suas mães para encontrarem conforto e segurança.
Pelo contrário, podemos observar um outro padrão de interacção mãe-criança ao longo do primeiro período
dos ensaios naquelas crianças que procuravam mais activamente a proximidade física da mãe, crianças
cujas mães tinham a maior dificuldade em entrar em relação com elas ao longo do processo de
diferenciação activo. Estas mães apreciavam a proximidade da fase simbiótica, mas uma vez esta fase
passada, elas gostariam de ver os seus filhos tomarem-se ‘grandes duma só vez. E interessante notar que
estas crianças acham difícil crescer. São incapazes de ter prazer na sua capacidade nascente de se
distanciarem e reclamam muito activamente a proximidade.
A capacidade de locomoção crescente ao longo da primeira subfase dos ensaios alarga o universo da
criança. Não só tem um papel mais activo na determinação da proximidade e da distância à mãe, mas as
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modalidades utilizadas até ai para explorar um ambiente relativamente familiar expõem-no, de súbito, a um
maior segmento da realidade: há mais para ver, mais para ouvir, mais para tocar. O modo de experimentar
este universo novo parece subtilmente ligado à mãe, ainda o centro deste universo da criança, donde ela sai
gradualmente por círculos cada vez mais largos.
As primeiras explorações servem para:
1. Estabelecer uma familiaridade com um segmento maior do universo;
2. Percepcionar e reconhecer a mãe, a ter prazer com ela a uma distância maior. São as crianças que têm um
melhor ‘contacto à distância com a mãe que se aventuram mais longe dela.
Um bebé que esteja neste período dos ensaios ocupa-se alegremente a explorar por si mesmo o seu
ambiente físico. De tempos a tempos volta à sua mãe para efectuar uma recarga emocional. Normalmente,
a mãe aceita este desprendimento gradual do seu bebé e encoraja o seu interesse pelos ensaios. Está
emocionalmente disponível, atenta às necessidades da criança, e assegura este apoio materno necessário a
um desenvolvimento óptimo das funções autónomas do Ego.
Quando a criança, graças à maturação do seu aparelho de locomoção, se tenta aventurar a uma maior
distância em relação à sua mãe, Está muitas vezes tão absorvida nas suas próprias actividades que, durante
longos períodos de tempo, esquece aparentemente a presença da mãe. Contudo, volta a ela regularmente,
parecendo ter necessidade de vez em quando da sua proximidade física.
A distância óptima, neste primeiro período dos ensaios, parece ser aquela que dá à criança a liberdade de se
deslocar, de explorar gatinhando e a oportunidade de explorar a uma certa distância física da mãe. E
necessário notar, contudo, que ao longo de toda a subfase dos ensaios a mãe continua a ser necessária
como ponto fixo, ‘porto de abrigo’, para preencher a necessidade de recarga por contacto físico. Os bebés
de 7 a 10 meses gatinham ou arrastam-se rapidamente em direcção à sua mãe, apoiando-se ao longo da sua
perna, tocando-a, ou simplesmente apoiando-se nela. É o que se designa por ‘recarga emocional’. É fácil
de constatar a rapidez com que o bebé abatido e cansado se ‘revigora’ após o contacto com a mãe: volta
rapidamente à sua exploração e deixa-se mais uma vez absorver pelo prazer que tem com o seu
funcionamento.
Com o desenvolvimento das funções autónomas, como a cognição, e mais particularmente a locomoção em
posição vertical começa ‘a história de amor com o mundo’, O bebé passa o maior degrau da individuação
humana. Caminha livremente em posição vertical. Por isso, o plano da sua visão muda. Dum ponto de vista
completamente novo, descobre perspectivas, prazeres e frustrações inesperados e novos. A posição em pé
trás um nível visual novo.
Durante estes preciosos 6 a 8 meses (dos 10 ou 12 meses aos 16-18 meses), o mundo é a ostra do bebé. O
investimento libidinal desloca-se de modo substancial para se meter ao serviço do Ego autónomo, em vias
de crescimento rápido, e das suas funções. E a criança parece intoxicada pelas suas próprias faculdades e
da imensidade do seu próprio universo, O narcisismo encontra-se no ponto auge! Os primeiros passos
independentes da criança em posição vertical marcam o início dos ensaios por excelência, com um
alargamento substancial do seu universo e da sua prova da realidade. Há um investimento libidinal,
crescendo de maneira estável, dos talentos motores para os ensaios, da exploração do ambiente que se
expande, tanto humano como inanimado. A principal característica deste período dos ensaios é, na criança,
o grande investimento narcísico das suas próprias fincões, do seu próprio corpo enquanto objecto e
objectivos da sua ‘realidade’ em crescimento. Paralelamente, constatasse uma impermeabilidade
relativamente grande aos golpes, quedas e frustrações (o facto de outra criança agarrar um brinquedo, por
exemplo).
A criança fica maravilhada com os seus próprios talentos, continuamente orgulhosa das descobertas que
faz no seu universo em vias de expansão e quase apaixonado pelo universo e pela sua própria grandeza e
omnipotência. A importância de caminhar para o desenvolvimento emocional da criança é inestimável.
Andar dá ao bebé muito mais possibilidade de descobrir a realidade e de fazer a prova do universo, sob o
seu próprio controlo e poder mágico. Ao longo do mês que se segue imediatamente à aquisição da
locomoção livre e activa, a criança faz sérios progressos na afirmação da sua individualidade. Parece ser o
primeiro grande passo para a formação da identidade, A locomoção livre em posição vertical parece tomar-
se para numerosas mães a prova suprema de que os seus bebés ‘conseguiram’.
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Resumindo, andar parece ter, tanto para a mãe como para o bebé, uma grande significação simbólica: é
como se o bebé que anda tivesse a prova, pela sua locomoção independente em posição vertical, de que ele
já foi promovido ao mundo dos seres humanos independentes. A antecipação e a confiança fornecidas pela
mãe, que tem um sentimento de que o seu filho pode ‘conseguir’, parecem servir de despoletadores
importantes para o próprio sentimento de segurança da criança e constituir o encorajamento inicial para
que ela troque uma parte da sua magia omnipotente pelo prazer ligado à sua própria autonomia e à estima
de si crescente.
perda do amor do objecto (mais do que o medo da perda do objecto) toma-se cada vez mais evidente. É
normal a existência de incompatibilidades e incompreensões entre a mãe e o seu filho. Estas
incompatibilidades e incompreensões estão enraizadas nalgumas contradições desta subfase. A exigência
do bebé de ver a sua mãe constantemente implicada parece contraditória para a mãe: agora que ele já não é
tão dependente e não está tão desarmado em comparação com seis meses atrás, e que o deseja ser cada vez
menos, manifesta, contudo e com cada vez maior insistência, o desejo de ver a sua mãe partilhar com ele
todos os aspectos da sua vida.
Ao longo desta 3ª subfase, o da reaproximação, quando a individuação se efectua muito rapidamente e que
a criança a exerce até ao limite, a criança toma-se igualmente cada vez mais consciente de estar e de ser
separada, e recorre a todos os mecanismos a fim de resistir a, e a desfazer, esta realidade de separação em
relação à mãe. É um facto, entretanto, que, seja qual for a influência exercida pela criança sobre a mãe, os
dois não podem funcionar efectivamente mais como uma unidade dual – isto é, a criança já não pode
sustentar o delírio da força omnipotente parental que, espera ele em determinados momentos, vai restaurar
o status quo simbiótico.
A comunicação verbal toma-se cada vez mais necessária. A utilização dos gestos por parte da criança e a
empatia pré-verbal mútua entre a mãe e a criança não são mais suficientes para atingirem o objectivo
comunicacional. O bebé apercebe-se pouco a pouco que os seus objectos de amor (os seus pais) são
indivíduos separados, tendo os seus próprios interesses pessoais. Ele deve, pouco a pouco e não sem
sofrimento, abandonar o seu delírio sobre a sua própria grandeza, muitas vezes através de lutas dramáticas
com a mãe – e em grau menor com o pai. É este cruzamento que se designa por ‘crise de reaproximação’.
Se a mãe está ‘discretamente disponível’, com uma provisão acessível de líbido objectal, se ela partilha as
explorações aventureiras do seu bebé, se ela interage com ele nos jogos e nas brincadeiras, e facilita deste
modo os seus esforços salutares para imitar e se identificar, então a interiorização da relação entre a mãe e
o bebé pode progredir até ao ponto onde, no momento previsto, a comunicação verbal se toma relevante,
mesmo se há ainda predominância dum comportamento gestual bem saliente, No final do 2º ano e início do
3º, a implicação emocional previsível por parte da mãe parece facilitar o desenvolvimento florescente dos
processos mentais do bebé, a prova da realidade e os comportamentos para os realizar. Por outro lado, o
crescimento emocional da mãe na sua função materna, a sua vontade emocional de deixar ir o bebé – de
lhe dar, como a mãe-pássaro, um ligeiro empurrão, um encorajamento para a independência – ajuda
grandemente. Pode mesmo ser uma condição sine qua non da individuação normal e sã.
Aquilo que se designa por ‘seguimento’ da mãe parece, até certo ponto, necessário ao bebé (ou o seu
contrário, a partida precipitada), muitas vezes verificada no início desta subfase). Nos casos normais, o
‘seguimento’ faz parte, na segunda metade do 3º ano, dum certo grau de permanência do objecto.
Entretanto, quanto menos a mãe se mostra disponível no momento da reaproximação mais o bebé tentará
solicitá-la intensamente e desesperadamente. Em certos casos, este processo canaliza de tal modo a energia
disponível da criança para o desenvolvimento que não restará suficiente energia, nem de líbido nem de
agressividade construtiva (ambas neutralizadas), para a evolução das numerosas funções ascendentes do
Ego.
Pelos quinze meses, regista-se uma mudança importante na qualidade da relação da criança com a sua mãe.
Ao longo do período dos ensaios a mãe representava o ‘porto de abrigo’ para o qual a criança retomava
quando necessitava – necessidade de comida, de reconforto ou de ‘recarga’, quando estava cansada. Mas,
ao longo deste período, a mãe não parecia ser reconhecida como pessoa separada de pleno direito. Para
algumas, perto dos 15 meses, a mãe não é somente o porto de abrigo’. Parecia transformar-se numa pessoa
com quem o bebé deseja partilhar as suas descobertas do mundo cada vez mais alargado. O sinal de
comportamento mais importante neste novo modo de relação é o facto, para o bebé, de trazer
incessantemente coisas à mãe, cobrindo os seus joelhos de objectos que ele encontra no seu universo em
vias de expansão. Todos eles têm interesse para ele, mas o investimento emocional principal repousa na
necessidade da criança os partilhar com a sua mãe. Ao mesmo tempo, o bebé indica à sua mãe, por
palavras, sons ou gestos, o seu desejo de a ver interessada nas suas ‘descobertas’ e partilhar o prazer que
ele tem. Ao mesmo tempo que começa a ter consciência de ser separada, a criança apercebe-se que os
desejos da sua mãe não parecem sempre idênticos aos seus – ou, pelo contrário, que os seus desejos não
coincidem sempre com os da sua mãe. Esta constatação representa um desafio imenso ao seu sentimento de
grandeza e de omnipotência do período dos ensaios, quando a criança se sentia nos ‘píncaros do universo’.
E dado um grande golpe na crença da sua omnipotência e é perturbada a beatitude da unidade dual!
A fonte de maior prazer da criança desloca-se da locomoção independente e da exploração do universo
inanimado em vias de expansão para a interacção social. Os jogos de esconde-esconde, assim como os
jogos de imitação, tomam-se nos passatempos favoritos. O reconhecimento da mãe como pessoa separada
do grande universo faz-se paralelamente à tomada de consciência da existência separada de outras crianças,
do facto de que elas são parecidas e, em simultâneo, diferentes do seu próprio Eu. A prova é dada pelo
facto das crianças manifestarem um maior desejo de ter e de fazer o que outra criança tem ou faz – isto é,
um desejo de reflectir em espelho, de imitar e de se identificar, até certo ponto, com outra criança. Ao
mesmo tempo que se desenvolvem estas novas características, aparece a ira especifica dirigida a um
objectivo, a agressividade se o objectivo não puder ser atingido. Não podemos esquecer que estes
desenvolvimentos se dão a meio da fase anal, com as suas características de aquisitividade, de ciúme e de
inveja.
Nesta subfase, o bebé parece experimentar o seu corpo como sua possessão. Deixa de gostar de ser
manipulado: resiste a ser segurado numa posição passiva quando o vestem, E não gosta de ser acarinhado e
abraçado, a não ser que esteja preparado. O desejo da criança por uma autonomia acrescida tem expressão
não só no negativismo face aos outros e à mãe, mas também se traduz numa extensão activa do universo
mãe-criança: principalmente a inclusão do pai. O pai, como objecto de amor, pertence muito cedo a uma
categoria de objectos de amor inteiramente diferente da da mãe. Se bem que ele não esteja completamente
fora da união simbiótica também não faz completamente parte. Mais, o bebé percebe provavelmente cedo
uma relação especial do pai com a mãe. Mas na altura da reaproximação a criança desenvolve relações
com outras pessoas que não o pai e a mãe.
Durante a primeira fase de reaproximação, regista-se uma mudança interessante nas reacções das crianças
face à presença ou ausência da sua mãe. Estão agora cada vez mais conscientes da ausência da mãe e
perguntam onde ela está. Por outro lado, contudo, são capazes igualmente de se manterem cada vez mais
absorvidas pelas suas próprias actividades, e muitas vezes não gostam de ser interrompidas. Querem ‘ir
ver’ a mãe, mas sem a intenção de se demorarem perto dela, só um momento, para de seguida continuarem
com as suas ocupações. À medida que progridem na subfase de reaproximação, as crianças encontram
novas maneiras activas de enfrentarem a ausência da mãe (considerando a hiperactividade e a agitação
motora como uma actividade defensiva precoce contra a tomada de consciência do afecto doloroso da
tristeza): entram em relação com substitutos adultos e absorvem-se nos jogos simbólicos. Numerosas
formas de jogo traduzem a sua identificação precoce à mãe ou ao pai – por exemplo, a sua forma de
segurar as bonecas ou os ursos. Parece instalar-se o início da interiorização da representação do objecto.
Para a maioria das crianças, o primeiro período da reaproximação conhece o seu apogeu perto dos 17-18
meses, pelo que parece uma consolidação e uma aceitação temporárias da consciência de ser separada. Isto
é acompanhado por um grande prazer em partilhar objectos e actividades com a mãe e com o pai e, cada
vez mais, com o universo social agora em vias de expansão, compreendendo não só os adultos mas
também outros bebés, crianças da sua idade e mais velhas. Ao longo do período dos ensaios a palavra
‘adeus’ era a mais importante. A palavra mais importante neste período de reaproximação é ‘olá’. Aos 18
meses, as crianças parecem muito impacientes por exercerem em toda a sua extensão a sua autonomia
rapidamente crescente. Cada vez mais, preferem não ser lembradas que em determinados momentos não se
conseguem desembaraçar sozinhas, Seguem-se conflitos que se parecem articular no desejo de ser
separada, grande e omnipotente, por um lado, e, por outro, de ver a sua mãe concretizar magicamente os
seus desejos, sem ter de reconhecer que a ajuda vem do exterior, do outro. É característico desta idade que
as crianças recorram à sua mãe como extensão do seu Eu – processo pelo qual negam a consciência
dolorosa de estarem separadas. Um comportamento típico deste género consiste em pegar na mão da mãe e
usá-la como instrumento para ir buscar o objecto desejado.
Aos 21 meses podemos observar uma atenuação dos esforços de reaproximação. Verifica-se, a
reivindicação por um controlo omnipotente, os períodos extremos de angústia de separação, a alternância
das exigências de proximidade e de autonomia diminuem. Enquanto isso acontece, parece que cada criança
procura, mais uma vez, encontrar a distância óptima à sua mãe, A distância a partir da qual a criança pode
funcionar melhor.
Os elementos de individuação crescente que parecem tomar possível esta capacidade de funcionar melhor a
uma distância maior, e sem a presença da mãe, são os seguintes:
1. O desenvolvimento da linguagem, no sentido de nomear os objectos e de exprimir os seus desejos com
palavras precisas. A possibilidade de nomear os objectos parece fornecer à criança um maior sentimento de
controlo do seu ambiente;
2. O processo de interiorização, que podemos inferir a partir de actos de identificação com a ‘boa’ mãe ou o
‘bom’ pai, fontes de aprovisionamento, e a partir da interiorização de regras e de exigências (início do Super-
Ego);
3. Um progresso na capacidade de exprimir os seus desejos e os seus fantasmas pelo jogo simbólico e a
utilização do jogo com fins de domínio da realidade.
Quando as crianças atingem o 21º mês constata-se que já não é possível reagrupá-las segundo os critérios
gerais anteriores. As vicissitudes dos seus processos de individuação são tão diferentes e produzem-se com
tal rapidez que não são mais específicos duma fase mas, antes, muito distintas individualmente e diferentes
de criança para criança. O ponto principal não é tanto a consciência de ser separada mas antes como essa
consciência é afectada pela, e afecta a relação mãe-criança, a relação pai-criança (esta última muito
claramente diferente da primeira), e a integração da personalidade individual e total da criança. Existem
grandes diferenças entre rapazes e raparigas. Enquanto que os rapazes manifestam uma maior tendência
para se separarem da mãe e terem prazer no seu funcionamento no universo em expansão, as raparigas
exigem uma maior proximidade e fixam-se nos aspectos ambivalentes da relação.
Ao 23º mês, parece que a capacidade dos crianças enfrentarem a consciência da separação, tanto quanto ao
facto físico da separação, depende, em cada caso, da história da relação mãe-criança e do seu estado actual.
Sejam quais forem as diferenças sexuais que pré-existam no domínio dos aparelhos do Ego e dos primeiros
modos do Ego, elas são certamente complexas e marcadas geralmente pelos efeitos da descoberta pela
criança das diferenças dos sexos. Isto produz-se ao 20º-21º meses, por vezes antes (16º- l7º meses).
A descoberta pelo rapaz do seu próprio pénis dá-se mais cedo. A componente sensório-táctil desta
descoberta pode dar-se no 1º ano de vida, mas subsistem dúvidas quanto ao seu impacto emocional. Aos
12-14 meses a posição vertical facilita a exploração visual e sensório-motriz do pénis.
Quando as raparigas descobrem o pénis são confrontadas com qualquer coisa que lhes falta. Esta
descoberta origina alguns comportamentos que indicam claramente a angústia, a cólera e a desconfiança
das raparigas. Elas desejam desfazer a diferença sexual.
Resumindo, parece que a tarefa de se tomar um indivíduo separado parece, neste momento, ser geralmente
mais difícil para as raparigas que para os rapazes, porque as raparigas descobrindo as diferenças dos sexos
têm tendência a revoltarem-se contra a mãe, a responsabilizá-la, a exigir dela, estão desapontados e, apesar
de tudo, permanecem ligadas a ela de maneira ambivalente,
Mas a permanência do objecto implica mais que a manutenção da representação do objecto de amor
ausente. Implica também a unificação do bom’ e do ‘mau’ objectos numa só representação global. Isto
favorece a intrincação das pulsões agressivas e libidinais, e ameniza o ódio ao objecto, quando a
agressividade é intensa. Num estado de permanência do objecto, um objecto de amor não será rejeitado ou
trocado por outro se já não dá satisfação. Neste estado, a nostalgia do objecto subsiste sempre e este não é
rejeitado (odiado) como sendo insatisfatório simplesmente por causa da sua ausência.
Os principais factores que determinam a permanência do objecto são:
1) a confiança e a segurança adquiridas graças à experiência repetida do alívio da tensão por um agente de
satisfação das necessidades e tão precocemente como a fase simbiótica. Ao longo das subfases do processo de
separação-individuação, o alívio da tensão da necessidade é gradualmente atribuída ao objecto total (a mãe),
fonte de satisfação das necessidades, e de seguida transferida, por meio da interiorização, para a representação
intrapsíquica da mãe; e
2) a aquisição cognitiva da representação simbólica interior do objecto permanente (segundo o significado
puramente cognitivo de Piaget), de objecto único de amor, a mãe.
A maturidade plena da relação, própria da criança em idade escolar e do adulto revela-se por uma relação
do objecto de amor sob a forma de uma troca mútua (dar e receber). Uma vez que é neste período que a
criança aprende a exprimir-se verbalmente, podemos traçar algumas vicissitudes do processo intrapsíquico
da separação com a mãe, e os respectivos conflitos, por intermédio do material verbal e pela
fenomenologia do comportamento. A comunicação verbal, que se Iniciou ao longo da 3 subfase,
desenvolve-se rapidamente nesta 4 subfase da separação-individuação e substitui lentamente as outras
formas de comunicação. A linguagem gestual do corpo continua, contudo, presente. Começa a ser
constituído um significado da temporalidade, e com ela uma maior capacidade de tolerar um adiamento da
gratificação e de prolongar a separação. A criança compreende e utiliza os conceitos de ‘mais tarde’ e
‘amanhã’.
A 4ª subfase caracteriza-se pelo desenvolvimento das funções cognitivas complexas: comunicação verbal,
fantasmatização e prova da realidade. Ao longo deste período de diferenciação rápida do Ego (dos 20 ou
22 meses até aos 30 ou 36 meses), a individualização desenvolve-se rapidamente e a aquisição das
representações mentais do Eu como distintamente separadas das representações do objecto, abre a via à
formação da identidade do Eu.
Ao longo da segunda metade do 3º ano, e nos casos ideais, o investimento libidinal persiste mesmo na
ausência de satisfação imediata e mantém o equilíbrio emocional da criança durante as ausências
temporárias do objecto. As principais condições da saúde mental, no que diz respeito ao desenvolvimento
pré-edipiano, repousam na aquisição pela criança duma capacidade contínua de manter e de restaurar a
estima de si, no contexto duma relativa permanência do objecto libidinal. Na 4ª subfase, que não tem fim,
as duas estruturas internas – a permanência do objecto libidinal e também a imagem unificada do Eu
baseada nas verdadeiras identificações do Ego – devem-se começar a desenvolver.
associacionistas da aprendizagem, também consideram que estas são “fenómenos particulares que devem
ser inseridos num sistema explicativo muito mais geral” (Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974, p. 34),
nomeadamente através de uma rigorosa experimentação realizada segundo os pressupostos de uma
epistemologia estrutural e genética (Piaget & Gréco, 1974; Inhelder, Sinclair, & Bovet, 1974).
Deste modo, Piaget não se situa no campo estritamente apriorístico: “Do ponto de vista epistemológico, a
ausência de toda a aprendizagem das estruturas lógicas, seria então naturalmente favorável a uma
interpretação apriorística. Recorrendo a um puro desenvolvimento interno, a redução possível de tal
aprendizagem, reconhecida como existente, à das estruturas físicas, conduziria pelo contrário a uma
interpretação empirista, enquanto o circulo presumido das estruturas lógicas aprendidas e das estruturas
anteriores constituindo a condição dessa aprendizagem sugeriria uma interpretação interaccionista, na
qual seria necessário aliás precisar o papel de existência e das actividades do sujeito” (Piaget, 1975, p.
25).
“O esquema de uma acção é, por definição, o conjunto estruturado dos caracteres generalizáveis da
acção, isto é, dos que permitem repetir a mesma acção e aplicá-la a novos conteúdos. Mas o esquema de
uma acção não é nem perceptível (percebe-se uma acção particular mas não o seu esquema) nem
directamente introspectável e só se toma consciência das suas implicações repetindo a acção e
comparando os seus resultados” (Piaget; op. cit. Battro, 1978, p. 92).
Deste modo, o esquema é o modo particular de apreensão da realidade, o modo de funcionamento da
estrutura cognitiva, organizador da experiência (Piaget, 1976a). Através do esquema da acção pode-se
inferir o papel da operação (acção interior, como designou Piaget, em 1976a) ou sistema de operações.
Mas a realidade psicológica, tal como é percebida pelo sujeito “...consiste em sistemas operatórios de
conjunto e não em operações isoladas concebidas a título de elementos anteriores a esses sistemas: é
portanto unicamente quando as acções ou representações (...) se organizam em sistemas tais que elas
adquirem (...) a natureza de ‘operações’ ” (Piaget, 1978, p. 48).
Mas as operações não são apenas acções interiorizadas: para que existam operações é necessário que essas
acções se tornem reversíveis e se coordenem em estruturas de conjunto (Piaget, 1973).
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Piaget, J. (1973). Estudos sociológicos. Rio de Janeiro: Forense.
Piaget, J. (1973). Problemas da psicologia genética. Rio de Janeiro: Forense.
3 A bibliografia que aqui se apresenta, não representa fielmente a citada ao longo do texto, já que partes de texto e
muitas das referências utilizadas para a escrita da actual sebenta, se perderam aquando de um grave problema
informático. Pelo que se optou por se mencionar uma bibliografia mais detalhada, por ex., da obra de Piaget.
©Celeste Duque 10-05-2011 21
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***
Como citar este texto:
Duque, C. (2004). Sebenta de Textos da disciplina de Psicologia do Desenvolvimento – Curso Terapêutica da Fala. Faro: UAlg-ESSaF. Retrieved
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Índice
1. Introdução .............................................................................................................................................. 1
2. Teorias da Personalidade .......................................................................................................................... 1
2.1. Personalidade ................................................................................................................................... 1
2.2. Instrumentos de estudo e metodologias ............................................................................................... 1
3. Teoria Psicanalítica de Sigmund Freud ........................................................................................................ 2
3.1. Primeira Tópica do Aparelho Psíquico (1ª Tópica) .............................................................................. 2
3.2. Segunda Tópica do Aparelho Psíquico (2ª Tópica) .............................................................................. 2
3.2.1. Principais características do Ego .......................................................................................... 3
3.3. A Evolução Psicossexual ................................................................................................................. 4
4. Margaret Mahler ...................................................................................................................................... 5
4.1. Nascimento psicológico do ser humano ................................................................................................ 5
4.1.1. Fases anteriores ao Processo de separação-individuação.................................................................. 6
4.1.2. Processo de separação-individuação ............................................................................................. 8
4.1.2.1. 1ª Subfase: Diferenciação e desenvolvimento do esquema corporal ..................................... 8
4.1.2.2. 2ª Subfase: Ensaios .................................................................................................... 10
4.1.2.3. 3ª Subfase: reaproximação .......................................................................................... 12
4.1.2.4. 4ª Subfase: Consolidação da individualidade e início da Permanência do objecto
emocional ............................................................................................................................... 15
5. Teoria do desenvolvimento cognitivo ........................................................................................................ 16
5.1. Desenvolvimento Cognitivo da Inteligência ......................................................................................... 17
5.1.1. Interaccionismo piagetiano ......................................................................................................... 17
5.1.2. Adaptação e Evolução ................................................................................................................ 17
5.1.3. Assimilação e Acomodação ......................................................................................................... 17
5.1.4. Construtivismo piagetiano .......................................................................................................... 18
5.2. Estádios do Desenvolvimento Cognitivo ............................................................................................. 18
5.2.1. Coordenação de Esquemas e Equilibração ..................................................................................... 18
5.3. Desenvolvimento e Aprendizagem ..................................................................................................... 18
5.4. Estrutura Cognitiva e 'inconsciente cognitivo'...................................................................................... 19
5.4.1. Estrutura Cognitiva e Equilíbrio ................................................................................................... 19
5.4.2. Acção e Sistema de Operações .................................................................................................... 19
5.5. Socialização da Inteligência Individual ............................................................................................... 20
5.5.1. Conflito Sociocognitivo ............................................................................................................... 20
6. Bibliografia ........................................................................................................................................... 21