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autor — HEsfoDo siete — TEOGONIA copyrignt — Hedra 2013 ‘readugto® _ Christian Werner corpo eaitoriet — Bruno Costa, Caio Gagliardi, Fabio Mantegari, luri Pereira, Jorge Sallum, Oliver Tolle, Ricardo Martins Valle, Ricardo Muse ageadactnente — O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Cicntifico ¢ Tecnol6gico ~ Brasil dos — Das Intermacionis de Catlogesdo ma Publicago (CIP) ‘Teogonia /Hesfodo, Tred nro, Chen ‘Werner. — Sao Paulo: Hed, 2013, = Biblogrfin ISBN 97-8857715-019-3 a 1. tuo 2, Literatura greg, 92-1383 - cop-822 fadice para catlogo sistem: 1 Tilo 2 Litratia gage 822 Direitos reservados em lingua portuguese somente para o Brasil EDITORA HEDRA LTDA. “=~ R. Bradigue Coutinho, 1139 (subsolo) (5416-011 Sio Paulo SP Brasil reietene/ree — +55 11 3097 8304 ‘aati _ editora@heda.com.br ‘ee _ wovuthedra.com.br Foi feito o depésit legal. autor — HESfOD0 ‘ieuto _ TEOGONIA Ccrganizagio « tradugdo — CHRISTIAN WERNER So Pavle — 2013 r 4 hedra + i j i i i | i ~ eogonia (em srego theogonia: theas = deus + genea = ovigem) & wm poeta de 1022 verso hextimetros datlicos que descreve a | tnigeme a genealogia dos deuses. Muito do que sabemos sobre 0s | fnligos mitos greges é gragas a esse poemna ie, pela narragdo em | Princ pessoa do proprio poeta, sstematicae organiza as Fistoras da enagdo do mundo o do nascimente dos ceases, com | {Enfase especial # Zeus es sas faganhas até chegar ao povter. A invocagio das Musas, filhas da Menta, pelo edo Hetfodo € | ‘qe Ihe 0 conhecimento das coisas passadas presents ea | possbitidade de cantar em celebragao da imertalidae dos dovses, ‘¢ patir dat questo nurs a peripélas qu consituer 9 surgimento do niversoe de seus Geuses prmordiis. Hesfodo foi um poeta grego arcaicoe, assim como ocorte com ~ “Momero, nie ¢ possvel provar que ee tena relinenie exist, Segundo ceria adic, porém, feria vivido por volta dos anos 750 | © 650 aC. Supoe-se, a partir de passagens do poem Trubulhos @. | dias, que 0 pa de Hestodo tenba nascido notional da Asiae | ‘igjado a a BeScia, para insal-se rum vile chamado Ascra, | nde teria nascido o poets; supée-se também que ele tena tio um | fnmo, Peses, que tela tentado se apopria, por meiosiegais, de | uma paste maior da heranga patema do que aque The cabin, | txigindo anda ajuda de Hesfodo. Acrect-se que a unica Viagem «que Hesfado teria realizado tenho sido Calis, com o objetivo de | Paticipar dos jogos fumeréros em hora de Anfidamas, des quais | {ena sido oganhatdr e recebido urn tripé pelo desempenbo na competigto de cantos. Apenas tr das obtasatibufdas a Hesfodo resisiram ao tempo e chegaram as nssas mos: sa elas os Trabathase dias, Teogonta c 0 escude de Heracles, Christian Werner 6 professor livre-docente de inguae literatura ‘regi na Faculdade de Letras da Universidade de Sa Palo (USP). Publcou, entre outros, Duas raga prepa: Hécuba e Toianas (Martins Fontes, 2003), SUMARIO a 3 : E $ i 29 ‘TROGONIA INTRODUCAO | Trepava deseo mals Honesto de todos, 08 0 mais sana, no tremelae,confrme ws quants. Sova 20 que fava, aes que falava, diferente nasutoridade, ‘mas com sia astride muito velo 4, Guimartes Rosa, Grande serdo: veredas | FUNDAMENTOS DO POEMA | Junto com Homero, Hesfodo & um poeta grego associado 208 séoulos Vite Vita, C, perfodo em que, na Grécia Antiga, | se sedimentou uma séeie de fendmenos culturas e politics (a | cidade-estado ou a pdlis, 0 oréeulo de Delfos como santusrio de | todos os gregos, 0s Jogos Olimpicos) que no s6 marearsi as | soviedades greges nos séculos posterior, mas também respon- | dem pelas primeiras assccieg6es que fazemos ao pensar nessa | civilizago. Ente esses fendmenos, destaca-se o politeismo | ego, ou sabe o poem em questo, Asia, prea, | dese agors, que 0 poema por si s6 nfo vale como uma espécie de tratado teol6gico desse fendmeno ~ muito mais complexo, no que diz respeito a priticas cultais etradigdes mitol6gicas, «que a organizaglo sincrSnica e dinerSniea constrida no poema Depois cle alguns séculos em que, nos terit6rios onde se falavam diferentes dialetos gregos, aescrta deixou de ser usada (aproximadamente, do final do seulo X11 a, C. até o final do 1x 2.C)), aintrodugao paulatina ea adaplagio de um alfabeto de origem fenicia motivon a modificagio de priticas socais que a historia ea arqueotogia s6 conseguem reconstruir com muitas ¢ grandes lacunas, Assim, nfo sabemos nem quando nem por 10 | que os poemas de Homero (WHiada ¢ Odisseia) ¢ os de Hesfodo!) yma esfera cultural que podemos chamar de poesia, mas que receberam sua primeira redagio, favolvia também msicn e danga iho celebrar as Musas antes de apresentar 0 canto que elas opiciam,? o poeta também fala da relagio que ha entre ele PERFORMANCE B AUTORIDADE Oe eo i eee POETA |; autoridade do canto que apresenta depende dela. Como pode Fato € que, nfo s6 nos séculos VI-VIt a. C., mas também entgo um mortal Talar de eventos pretensamente reais que nao nos seguintes, poemas mais ou menos musicades de toda sorte? pyesenciou, tl como o surgimento do mundo canecido e de to- eram apresentados oralmente em ocasides especificas, vériag) das as divindades, como dos mortais que com elas datmiram, se delas associacas ao calendirio religioso on certs priticas pos no apresentar e fundamentar sua relagao com ceria autoridade Iiticas da cidade. No que diz.respeito a poesia hesiddlica, esse, ranscendente? Nesse sentido, nao é mais possivel, para nés, contexto de performance & em larga medida desconhecido por) saber com certeza se algum dia houve um poeta chamado He rds, 0 que certamente representa empecilho para a interpretagtio’ sfodo, autor do poema que conhecemos, ou se “Hesfodo” teria do poema que nao deveria ser subestimado, jd que a difusto dos. sido uma autoridade mitica insepardvel de uma certa tradigaio poemas por meio da leitura passou a ser mais praicada apenas} poste, reencarnad a cad apresentagdo do poema, um pouco varios séculos depois. Quando, como e por que as primeiras’ como o ator que reencarnaria, com uma méscara ritual, nas plateias foram entretidas com a Teogonia e poemas semelhantes,, apresentagdes teatrais atenienses no século V a. C., as figuras disso € provivel que jamais tenhamos noticias mais precisas. | traicionais do mito. Assim, ainiciaeao no canto, conduzida Certamente € significativo que 0 narrador da Teogonia — pelas Musas, pela qual teria passado o poeta Hesfodo (9-34), 40 contrécio do narrador dos poemas homeéricos ~ se nomeie) também faria parte desse contexto mic no infeio do poema (mas apenas uma énica vez), no momento} ‘mesmo em que é nerrado seu encontr singular com aentidade religiosa tradicional que confereautoridade a seu canto c garante 4 precisio de seu conteido: as Musas. Os primeitos 115 versos do poema compéem um proémio, no qual se celebram essas} divindades (1-103) ¢ se demarca explicitamente 0 contetido do! canto a seguir (104-15). O trecho se assemelha a uma forma . pocico eligi tradicional em vis soededes amigas: | S808 sobreudonoshinos homérces maioes. Sua presenga hino em honra de um deus, que, em algum momento na Grécia} NSSe Pro€imio, porém. éubfqus: no sé como pai cas Musas & Antiga, ganhou uma versio neerativa a partir da tradigio épica =, &2 PAblico primeiro e principal (no nessa ordem ns sequéneia s0 os hines homéricos longos ou médios, O que hi de muita] 40 P0et), mas também como o deus pariculamente associado particular nesse hino da Teogonia, porém, 6 que somente os, # POE polico que, no mundo humano, €exerido pelos eis. reg0s conheceram essas divindades eoletivas responsdveis por| NiO surpreende, assim, que as Musas estejam associadas no 36 aos poetas (94-103), mas também aos reis (80-93), figura "até de Teogonia Tables ds, ous poems foram aus ese, Bad de Hence chegon compe an. 2 cosmogonn tragonia qe comegu no ven 11. ZBUS ‘Outro elemento saliente no proémio é Zeus. Como soberano dos deuses e dos homens, deus responsével pela forma final do ‘cosmo ({fisico e sociopolitico) e por sua manutengao, no ¢ raro ‘le desempenhar algum papel nos hinos aos deuses que conhe- ju R que, no contexto hesiédico, nio representa um monarca com amplos poderes, mas alguém que age sobretudo na fungio d tum juiz. (Gagarin, 1992) na esfera piblica. O tipo de poder real exereido por Zeus no poema, absoluto ¢ hereditéio, nio é homélogo aquele dos lideres politicos da época, O rei humana} & antes de tudo um aristoerata com prestigio local que participa dda administragdo da justiga. Que reis e poetas, porém, sio i auras dissocidveis, isso fica claro no destaque dado @ Apolo, De qualquer forma, 0 proémio sugere que os poetas slo figuras bastante préximas dos reis. i © ABISMO. | Para chegar a Zeus ¢ © modo como este controla 0 cosmo, tem central do poema, Hesfodo inicia do comego, ou seja, de Abismo (116), um espago vazio cuja delimitagao primeira surge na sequéncia, Terra. Nao se trata, porém, da Terra tal qual a conhecemos, mas de uma espagofisico ainda descaracterizado, ‘ou melhor, mareado pela sua fungdo futura: ser 0 espago de: atuagdo dos deuses responsdveis pelo equiliorio eésmieo, que! vai do Olimpo ao infero Tértaro. Antes de Terra comecar 8 gerat suas formas particulares (Montanhas e Mar) e das divindades aparecerem, divas coisas fundamentais séo necessérias: a pre senga de Eros (120), desejo sem 0 quail niio hé geragio, e os poténcias que permitem a sucesso temporal, Escuridiio, Noite, ter e Dia (123-25). ‘Todos os deuses descendem de duas linhagens principais, a de Abismo e a de Terra, mas entre elas nfo hii nenhuma unigo. Os descendentes de Abismo séo, em sua maioria, poténcias cuja esséncia € negativa (Noite, Morte, Agonia etc); vérias delas, além disso, expressam agées e emogdes que permeiam os even. tos violentos narrados na sucesso de geragGes da linhagem de Terra (Disputa, Batalhas, Brigas etc.) A linhagem de Abismo, portanto, através da descendéncia de Noite e Disputa, revela que a separagio entre Terra e Abismo nunca & total (as ages ‘e emogOes representadas como descendéncia de Abismo séo ‘executadas ou sentidas pelos descendentes de Terra). Iso iustra tima constante no poema: o encadeamento das linhagens entre sje também delas com as historias que se sucecem mostra um poema no qual 0s catélogos dos deuses nascentes © as narrtivas fem que os denses estio envolvidos nfo devem ser separados. ‘Tkata-se de uma articulagio de imagens e ideias que pressupoe uma temporalidade propria, na qual se mesclam o tempo da aartativa geneal6gica, 0 tempo da sucessio de um deus-rei e 0 tempo da natracdo. Fa partir disso que o leitor deve entender, por exemplo, 0 fato de que um deus &s vezes aparece como per- Ssonagem no poema antes do narrador mencionar seu nascimento propriamente dito GENEALOGIAS DIVINAS No poema, teogonia e cosmogonia so inseparéveis & me- dida que 0 espaco se constitu e as genealogias divinas se suce- dem. As divindades que passam pelo poema ~ mais de 300 — so de diversos tipos no que diz respeito a cultos e mitos: (1) os Zeus € 08 fillios deles resultantes (901-29); um catflogo mais abran: ‘gente de casamentos divinos (930-61), que revelam, de forma suméria, um pantedo muito bem organizado e potencialmente hhatménico (como que servindo de epitome, o easamento entre ‘Ares ¢ Afrodite prodz, por um lado, 05 machos Afugentador © Susto, mas, por outro, Harmonia); ¢finalmente um catélogo de deusas que se unizam a morta (962-1020). Ora, com as deusas. fémeas que se unem a machos mortais, 0 principio de ruptura por exceléncia ao longo do poema agora desloca-se ao mundo dos homens, mais precisamente, ao mundo dos herdis. E nese, mundo que filhos serio mais fortes que os pais, podendo, no limite, 6 que atesta Telégono, ftho de Circe ¢ Odisseu, mati-tos Para concluit, menciono que hé uma discussio sem fim sobre o verso em que a versio “original” da Teogonia teria ter rminado, Antores como Jenny Clay e Adrian Kelly mostraram ‘que 0s catilogos analisados compéem um final muito adequado a0 poema. Assim, provavelmente somente 0s quatro ou possi- velmente dois itimos versos foram acrescentados 20 poema em um certo momento de sua transmissio, para introduzir in outro poema atribuido a Hesfodo, o Catdloga das mutheres (obra que chegou a nés através de fragmentos), que procurava dar uma visio geral da idade dos hendis a partir das mulheres que com

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