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Braz J Periodontol - September 2019 - volume 29 - issue 03

AVALIAÇÃO DOS MECANISMOS DE CICATRIZAÇÃO DE


FERIDAS PERIODONTAIS EM PACIENTES DIABÉTICOS E
NÃO DIABÉTICOS
Evaluation of mechanisms of periodontal wound healing in diabetics and non-diabetics

João Carlos Moreira Jardim1, José Roberto Cortelli2.

1 Doutorando em Periodontia.
2 Professor Doutor dePeriodontia da Universidade de Taubaté (Unitau).

Recebimento: 06/03/19 - Correção: 02/05/19 - Aceite: 26/06/19

RESUMO

O Diabetes Mellitus é uma desordem sistêmica que afeta a produção de insulina excretada pelo pâncreas e
desencadeia uma série de eventos de resposta imunológica do hospedeiro fazendo com que ocorra uma alteração nos
tecidos periodontais. A doença periodontal é uma desordem inflamatória que atinge os tecidos de suporte dos dentes
e pode ser desencadeada pelas desordens sistêmicas previamente já instaladas. Uma ligação bidirecional entre Diabetes
Mellitus e doença periodontal tem sido evidenciada nos últimos anos. Cicatrização após tratamento odontológico é
prejudicada em pacientes diabéticos. Diabéticos possuem difícil cicatrização em decorrência da resposta imune deficiente,
devido ao comprometimento da resposta de neutrófilos, migração e proliferação de fibroblastos e angiogênese na
condição diabética,entretanto, poucos são os estudos que mostram a previsibilidade da cicatrização em cirurgias
periodontais em pacientes com diabetes mellitus. O objetivo do estudo foi avaliar os mecanismos fisiopatológicos da
cicatrização de feridas nos tecidos periodontais em diabéticos.
UNITERMOS: Doença Periodontal; Diabetes Mellitus; Estresse Oxidativo R Periodontia 2019; 29: 35-41.

INTRODUÇÃO periodontais ficará alterado, resultando na perda do suporte


periodontal (Pérez-Losada et al, 2016).
O Diabetes Mellitus (DM) é uma doença metabólica Pacientes com diabetes tem uma alta prevalência e taxa
caracterizada por uma hiperglicemia crônica devido à de progressão de problemas periodontais devido à infecção
ausência de insulina ou à incapacidade da insulina de por bactérias patogênicas, levando à perda progressiva do
promover seus efeitos, afetando o metabolismo dos periodonto de sustentação dos dentes envolvidos. Uma
carboidratos, lipídios e proteínas. É a principal causa de ligação bidirecional entre o diabetes mellitus e a doença
complicações macro e microvasculares (Wang et al.,2014; periodontal têm sido evidenciada nos últimos anos (Seshima
Kido et al., 2017; Takeda et al., 2018). et al., 2016 ;Takeda et al., 2018).
A doença periodontal (DP) é uma desordem inflamatória Alterações metabólicas podem influenciar a capacidade
que atinge os tecidos de proteção e suporte dos dentes, reparativa dos tecidos periodontais o que leva a um atraso
associada à destruição do osso adjacente e a perda dentária na cicatrização e uma predisposição para infecções. Esta
(Wang et al.,2014). Compreende um grupo de patologias cicatrização deficiente causa um comprometimento na
caracterizadas pela inflamação do periodonto causadas por ativação e resposta de neutrófilos, migração e proliferação
infecção. São induzidas por um acúmulo de microrganismos, de fibroblastos e angiogênese na condição diabética (Bagdas
principalmente bactérias, que provocam a ativação do et al., 2015; Kido et al., 2017; Takeda et al., 2018;).
sistema imunológico para combater a infecção. Se os O objetivo do estudo é avaliar os mecanismos
seus fatores etiológicos não forem eliminados, a resposta fisiopatológicos da cicatrização de feridas nos tecidos
imune será mais complexa e o metabolismo dos tecidos periodontais em diabéticos.
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REVISÃO DA LITERATURA envolve elevações na interleucina 1-β, fator de necrose


tumoral α, interleucina – 6, receptor ativador do fator nuclear
Diabetes Mellitus é uma síndrome caracterizada Kappa B, relação ligante/osteoprotegerina, estresse oxidativo
pelo funcionamento deficiente do metabolismo de e expressão do receptor Toll-like (TLR) (Sanz et al., 2018).
carboidratos, lipídios e proteínas. Sua principal característica O DM e a DP são doenças crônicas que há muito
é a hiperglicemia que atua como principal causa das tempo são consideradas biologicamente relacionadas. O
complicações microvasculares progressivas associadas ao DM é um dos principais fatores de risco para periodontite.
diabetes (retinopatia, nefropatia, neuropatia) (Pérez-Losada Estudos longitudinais e transversais identificaram que o risco
et al., 2016). de periodontite é aproximadamente 3 a 4 vezes maior em
O DM é classificado como Tipo 1 (DM1) que está pessoas com diabetes do que em não diabéticos. Existe uma
associado à destruição de células β-pancreáticas e aparece relação direta entre o nível de controle glicêmico e a gravidade
comumente em pacientes mais jovens e Tipo 2 (DM2) que é da periodontite (Wu et al., 2015).
caracterizado por uma diminuição progressiva da sensibilidade A hiperglicemia pode afetar os tecidos periodontais
à insulina em seus tecidos-alvo e / ou uma insuficiência do aumentando o estresse oxidativo como resultado do
pâncreas para aumentar a produção de insulina, evoluindo desequilíbrio entre as espécies reativas de oxigênio e os
para uma resistência à insulina. O DM2 compõe 90-95% antioxidantes, o que pode eventualmente levar ao acúmulo
de todos os casos de diabetes e foi catalogado como uma de produtos de glicação avançada (AGE). A ligação do AGE
epidemia do século XXI, tanto pela sua frequência como aos seus receptores (RAGE) desencadeia eventos intracelulares
impacto em termos de doença cardiovascular e neuropatia que aumentam a produção de citocinas pró-inflamatórias,
periférica, sendo nos últimos anos, a principal causa de morte quimiocinas e moléculas de adesão celular (Mohamed et al.,
no mundo desenvolvido (Pérez-Losada et al., 2016). 2015).
Existem vários fatores fisiológicos conhecidos que Os mecanismos que ligam a glicose alta à cicatrização
contribuem para as deficiências de cicatrização de feridas em de feridas gengivais foram investigados, criando feridas
pacientes com diabetes, que incluem diminuição da resposta bilaterais nos tecidos gengivais palatinos de ratos controle
angiogênica, produção de fatores de crescimento, acúmulo e ratos diabéticos induzidos por estreptozotocina, para
de colágeno, função de macrófagos e função de barreira investigação do estresse oxidativo durante o processo de
epidérmica (Scully & Cawson, 2005). cicatrização. Marcadores de estresse oxidativo RNAm e
A duração do diabetes é um importante fator do produção de espécies reativas de oxigênio foram medidas.
seu desenvolvimento e um fator de risco para a doença Ensaios “in vitro” de cicatrização e proliferação celular foram
periodontal. O número de anos desde o diagnóstico do realizados. Estudo mostrou que a proliferação e migração
diabetes é um fator mais significante do que a idade do celular diminuíram significativamente em diabéticos e grupos
indivíduo quando consideramos a severidade da doença de cultura de glicose alta comparadas com grupos controle. A
periodontal (Ryan et al., 2011).A atual classificação do diabetes cicatrização retardada da lesão gengival em ratos diabéticos
baseia-se nos mecanismos fisiopatológicos de cada forma da ocorreu devido à deficiência de proliferação de fibroblastos,
doença (Izuora et al., 2016). e esta destruição pode ocorrer devido à alta resistência à
A DP é uma inflamação crônica ao redor dos dentes com insulina induzida pela glicose através do estresse oxidativo
destruição dos tecidos de suporte, incluindo osso alveolar e, (Kido et al., 2017).
em última análise, perda dentária, se não tratada (Izuora et al., O estresse oxidativo ocorre após o comprometimento
2016). Compreende um grupo de patologias caracterizadas do equilíbrio pré-oxidante/antioxidante em feridas crônicas
pela inflamação do periodonto causadas por infecção. São e leva a atrasos prejudiciais no processo de cicatrização.
induzidas por um acúmulo de microrganismos, principalmente O estudo tratou a hipótese de que o estresse oxidativo na
bactérias, que provocam a ativação do sistema imunológico área da ferida pode ser controlado com terapia antioxidante
para combater a infecção. Se os seus fatores etiológicos não sistêmica, acelerando desta forma a cicatrização. O ácido
forem eliminados, a resposta imune será mais complexa e o clorogênico, um antioxidante dietético, foi utilizado em feridas
metabolismo dos tecidos periodontais ficará alterado (Pérez- diabéticas experimental. As feridas foram criadas no dorso
Losada et al., 2016). de ratos diabéticos induzidos por estreptozotocina. O ácido
Diabetes e periodontite são doenças crônicas não clorogênico (50mg/kg/dia) foi injetado por via intraperitoneal.
transmissíveis, associadas independentemente com a E em dias diferentes os ratos foram sacrificados e exames
mortalidade e possuem uma relação bidirecional. Esta ligação bioquímicos e histopatológicos foram realizados. O ácido

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clorogênico acelerou a cicatrização das feridas. Enquanto o o biofilme microbiano natural nos dentes e uma resposta
ácido clorogênico induziu efeitos colaterais citotoxicidade/ imune-inflamatória do hospedeiro. O processo inflamatório
genotoxicidade, 15 dias de tratamento atenuaram os níveis faz parte de uma resposta biológica complexa, sendo
de glicose no sangue, fornecendo uma melhor compreensão uma tentativa de proteção pelo organismo de remover os
na ingestão de antioxidantes no reparo das feridas diabéticas estímulos prejudiciais e regenerar tecidos danificados. O
(Bagdas et al., 2015). organismo precisa funcionar perfeitamente e necessita de
O diabetes agrava a necrose do retalho e causa ou energia para conduzir todos os processos bioquímicos. Esta
aumenta o estresse oxidativo nos tecidos em geral. A necrose energia é fornecida pela 5’- triphosphate (ATP). A maior
é frequentemente observada em tecidos no pós-operatório parte da energia é produzida pelas mitocôndrias através
e é um efeito indesejado. Alguns fatores são conhecidos por da cadeia de transporte de elétrons (ETC) e da fosforilação
desempenhar um papel importante nesta complicação, como oxidativa, o que implica em um processo de oxidação com o
isquemia, fluxo sanguíneo inadequado e drenagem venosa oxigênio como principal agente de combustão no processo
alterada. O objetivo do estudo foi determinar os efeitos do bioquímico. A reação bioquímica origina radicais livres e de
tratamento sistêmico do ácido clorogênico na sobrevida do espécies reativas de oxigênio. Manter o organismo saudável
retalho cutâneo em um padrão aleatório experimental de necessita o equilíbiro entre a produção de radicais livres
modelo de retalho cutâneo dorsal em ratos diabéticos. Foram no processo energético e os efeitos prejudiciais como o
utilizados 28 machos Wistar albinos com idade de 12-16 estresse oxidativo. Os antioxidantes são substâncias que
semanas e peso de 300-350 g, no começo do experimento. quando presentes podem atrasar ou impedir a oxidação
Divididos em quatro grupos iguais: tratados com solução dos substratos. A manutenção de um metabolismo celular é
salina tamponada com fosfato (não diabéticos-controle); essencial para enfrentar toda agressão que tenta destruir as
ratos não diabéticos tratados com ácido clorogênico; formas de vida, e isso depende dos processos de produção de
ratos tratados com solução salina tamponada com fosfato energia que ocorre nas mitocôndrias. A inflamação é um dos
(controle diabético) e ratos diabéticos tratados com ácido principais meios de defesa, se for modificado ou alterado de
clorogênico. O estudo demonstrou que a administração alguma forma, pode se tornar um mecanismo desencadeante
sistêmica de ácido clorogênico promove uma resposta iniciado por uma agressão patogênica que poderia explicar o
significativa neste modelo de retalho nos grupos. Grupos aparecimento de uma doença (Bullon et al., 2014).
tratados com ácido clorogênico, tanto os diabéticos quanto Uma maior incidência e gravidade de DP é evidenciado
os não diabéticos, tiveram sobrevida significativamente maior em pacientes diabéticos tipo 1 e tipo 2 em comparação
quando comparados com os grupos tratados com solução com indivíduos saudáveis. Quando o tipo 1 e tipo 2 são
salina tamponada de fosfato (Bagdas et al., 2014). comparados diretamente aumentam a prevalência da DP
O estresse oxidativo é um dos mecanismos fisiopatológicos de forma semelhante. A cicatrização tardia de feridas é
subjacentes à periodontite diabética, é sensibilizado pela uma complicação comum do DM, exibe infiltração celular
superprodução de espécies altamente reativas de oxigênio prejudicada e formação inadequada de tecido de granulação.
devido ao equilíbrio da atividade pró-oxidante/oxidante. Um membro da família dos fatores de crescimento de ligação
A geração excessiva de espécies reativas de oxigênio de heparina com diversas funções fisiológicas é o fator-2 de
está relacionada à destruição dos tecidos periodontais e crescimento de fibroblastos, considerado o estágio inicial do
comprometimento da capacidade antioxidante em pacientes processo de cicatrização de feridas e envolvidos na proliferação
diabéticos. Uma importante fonte de espécies reativas de e diferenciação celular durante a cicatrização, estimulando
oxigênio são as mitocôndrias e também o principal alvo de potencialmente o efeito angiogênico e mitogênico da
ataque. Excessivas espécies reativas de oxigênio geradas atividade de células mesenquimais (Bizenjima et al., 2015).
induz a danos oxidativos das proteínas mitocondriais que A periodontite é uma complicação cada vez mais
levará, posteriormente, a alterações estruturais e disfunção prevalente do DM, e a 25-hidroxivitamina D3 (25VD3) foi
das mitocôndrias. O aumento do estresse oxidativo, disfunção recentemente considerada uma reguladora da imunidade
e comprometimento da biogênese mitocondrial contribuem inata desta doença. A proteína tirosina fosfatase de células
para o agravamento da periodontite em diabéticos. T não receptora tipo 2 (PTPN2) é uma potencial proteína na
Restauração da função mitocondrial e a supressão do estresse via do receptor de 25VD3. Foi reconhecida como regulador
oxidativo pode representar uma nova abordagem contra a da redução da inflamação e da formação óssea, suprime a
periodontite diabética (Sun et al., 2017). produção de TNF-α em monócitos e inibe a proliferação de
A periodontite crônica resulta de um desequilíbrio entre células T na prevenção da inflamação. Pode afetar a IFN-γ e
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IL-6 em doenças relacionadas à imunidade e pode induzir a procedimentos periodontais regenerativos por causa do seu
diferenciação osteogênica. Camundongos db/db infectados papel fundamental no desenvolvimento de novo cemento,
com Porphyromonas foram tratados com 25VD3. A glicemia promovendo proliferação das células do ligamento periodontal,
de jejum e o peso corporal foram monitorados a cada duas formação óssea a partir da regulação de osteoblastos e
semanas e os níveis de perda óssea alveolar e citocinas osteoclastos. É reconhecido que um paciente deve controlar
inflamatórias séricas foram determinados no momento da o DM antes da cirurgia periodontal. No entanto, o controle
morte. Após o tratamento com 25VD3, citocinas inflamatórias da condição pode ser um desafio para alguns pacientes
séricas e perda óssea alveolar foram atenuadas, e a expessão (Correa et al., 2013).
de PTPN2 com 25VD3-reforçada diminuiu a expressão das Em pacientes com periodontite moderada a avançada,
proteínas de sinalização no epitélio gengival. Os autores a terapia periodontal cirúrgica é frequentemente utilizada,
concluíram que a PTPN2 contribuiu para a diminuição da após a realização de terapia periodontal básica. A terapia
inflamação periodontal no DM2 após o tratamento com periodontal regenerativa tem sido uma modalidade
25VD3 (Zhanget al.,2018). terapêutica amplamente utilizada, e que demonstra resultados
Indivíduos diabéticos têm alta frequência de periodontite muito satisfatórios. O uso do derivado de matriz de esmalte
ou perda dentária. Os problemas periodontais vão desde tem sido considerado um dos poucos biomateriais capaz
a cicatrização, resposta a inflamação prejudicada e alta de demonstrar uma excelente regeneração periodontal. No
prevalência de desordens cardiovasculares. O fator do estudo conduzido por (Seshima et al., 2016), 22 pacientes se
aumento dos níveis de glicose no sangue em pacientes apresentaram com pelo menos um defeito intraósseo ≥ 3mm
diabéticos influencia o processo de remodelamento ósseo, de profundidade. O derivado de matriz de esmalte foi aplicado
sendo um fator de risco para a falha dos implantes ou após o debridamento, e uma reavaliação foi realizada após 2
complicações em decorrência das respostas biológicas anos, e um total de 42 defeitos foram submetidos a análise de
adversas, por exemplo, em indivíduos com pobre controle do dados. Os resultados demonstraram um ganho significativo
DM (Kim et al., 2017). A idade é outro importante fator de em nível de inserção clínica e uma redução significativa da
risco para o DM2. Na Europa, 37% da população têm mais profundidade de sondagem o que foi comprovado pelas
de 50 anos e espera-se que isso aumente para 44% até 2030 avaliações dos parâmetros clínicos e radiológicos, durante
(Pérez-Losada et al., 2016). um período de 2 anos.
A diferenciação suprimida, proliferação e capacidade de O DM agrava a DP, aumentando a osteoclastogênese
formação óssea das células osteoblásticas durante o período e a apófise entre os osteoblastos. A cicatrização após o
crítico de cicatrização precoce têm sido apontadas como tratamento odontológico é prejudicada em pacientes com
um plausível mecanismo patogenético subjacente a pobre diabetes, uma vez em que a cicatrização de ferida é deficiente
formação óssea em DM descompensado. Estas alterações na condição diabética devido ao comprometimento da
podem diminuir a cicatrização e exacerbar a resposta ativação e resposta dos neutrófilos, migração e proliferação
inflamatória e assim diminuir a capacidade de reparo (Correa de fibroblastos e angiogênese. O estudo de (Takeda et al.,
et al., 2013). 2018) teve como objetivo investigar o efeito regenerativo
Alterações no metabolismo ósseo é uma observação periodontal do derivado de matriz de esmalte em diabetes.
comum em complicações em longo prazo em diabéticos. Trinta e seis ratos foram induzidos por estreptozotocina ou
Pacientes diabéticos do tipo II e resistente à insulina têm grupos controles (não diabéticos). Defeitos ósseos de três
mostrado fraturas ósseas ou perda óssea em ensaios clínicos paredes foram gerados cirurgicamente bilateralmente no
(Shirakata et al., 2014). molar de maxila, seguido pela aplicação de derivado de
Existem evidências que apoiam certos mecanismos matriz de esmalte. Os resultados foram avaliados pela análise
biológicos mediando o efeito da periodontite no controle histomorfológica e tomografia computadorizada. Níveis de
do diabetes. Evidências para a função beta-celular reduzida, expressão de RNAm de fatores inflamatórios e angiogênicos
estresse oxidativo elevado e dislipidemia em pessoas com nos defeitos foram quantificados por reação de cadeia de
diabetes tipo 2 e periodontite em relação diabetes sozinho. polimerase. Fibroblastos gengivais foram isolados de animais
Mediadores pró-inflamatórios circulantes são elevados em controle e cultivados em meio glicose ou controle. Os efeitos
pessoas com diabetes e periodontite, particularmente fator do derivado de matriz de esmalte na resistência à insulina e
de necrose tumoral α, PCR e mediadores do estresse oxidativo na sinalização PI3K/Akt/VEGF foram avaliados. A formação
(Sanzet al., 2018). de osso e cemento foram significativamente aumentadas em
A proteína derivada do esmalte é bem utilizada em locais tratados com derivado de matriz de esmalte em ratos

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diabéticos do que em locais não tratados com derivado de o processo de remodelamento ósseo em decorrência das
matriz de esmalte em ratos controle. Os autores concluíram respostas biológicas adversas. De fato, uma formação óssea
que o derivado de matriz de esmalte pode promover a reduzida devido à diferenciação suprimida, proliferação e
regeneração tecidual periodontal via sinalização Akt/VEGF, capacidade de formação óssea das células osteoblásticas pode
mesmo em condições diabéticas. diminuir a cicatrização e exarcebar a resposta inflamatória,
interferindo desta forma na capacidade de reparo (Correa et
DISCUSSÃO al.,2013; Scully & Cawson, 2005). Baseado nisso, alterações
no metabolismo ósseo é uma obser vação comum em
A presente revisão demonstra que a cicatrização de complicações em longo prazo em diabéticos (Shirakata et
feridas em diabéticos sofre alterações nos mecanismos al., 2014).
fisiopatológicos, e que está associada, principalmente, com Mecanismos biológicos mediando o efeito da periodontite
o comprometimento da função dos fibroblastos via estresse no controle do diabetes, são evidenciados, como a função
oxidativo. Poucas investigações foram relatadas sobre o beta-celular reduzida, o estresse oxidativo elevado e a
processo de cicatrização no tecido periodontal, embora dislipidemia em pessoas com diabetes tipo 2 e periodontite
a cicatrização deficiente no estado diabético seja bem (Sanz et al., 2018). Um dos mecanismos fisiopatológicos
conhecida. relacionado a periodontite diabética é o estresse oxidativo,
O DM é uma doença metabólica caracterizada por uma que é sensibilizado pela produção de espécies altamente
hiperglicemia crônica devido à ausência de insulina ou à reativas de oxigênio e que está relacionado à destruição os
incapacidade da insulina promover seus efeitos, levando a tecidos periodontais (Sun et al., 2017).
um desequilíbrio do metabolismo dos carboidratos, lipídios e Um fato a ser considerado em relação aos mecanismos
proteínas (Wang et al.,2014; Pérez-Losada et al., 2016; Kido et que ligam a glicose alta à cicatrização de feridas gengivais
al., 2017; Takeda et al., 2108). Quando associada à destruição é o aumento do estresse oxidativo durante o processo de
de células β-pancreáticas e afetando indivíduos mais jovens, cicatrização (Kido et al., 2017). O comprometimento do
é classificada como DM1; e, quando ocorre uma insuficiência equilíbrio pré-oxidante/antioxidante em feridas crônicas,
do pâncreas em produzir insulina e levando a uma resistência resulta um estresse oxidativo, logo, o processo cicatricial pode
à insulina, é classificada como sendo DM2 (Pérez-Losada et ser prejudicado (Bagdas et al., 2015).
al., 2016; Izuora et al., 2016). No entanto, existem hipóteses de que o estresse
A DP é uma inflamação crônica que ocorre ao redor dos oxidativo na área da ferida pode ser controlado com terapia
dentes e que leva a destruição dos tecidos de suporte. São antioxidante sistêmica, acelerando desta forma a cicatrização.
induzidas por um acúmulo de microrganismos, que ativam Baseado nisso, um antioxidante dietético foi utilizado em
o sistema imunológico na busca de combater a infecção ferida diabética experimental, como o ácido clorogênico,
(Pérez-Losada et al., 2016). Mais de 500 espécies bacterianas acelerando a cicatrização da ferida (Bagdas et al., 2014; Bagda
foram encontradas no biofilme periodontal, bactérias Gram- et al., 2015).
negativas pertencentes ao complexo vermelho e propostas Além disso, uma importante fonte de espécies reativas
como agente etiológico primário de periodontite (Wu et al., de oxigênio são as mitocôndrias e geração excessiva de
2015). Embora os patógenos periodontais sejam considerados espécies reativas de oxigênio levará a alterações estruturais
o fator inicial da doença, a destruição dos tecidos são uma e disfunção das mitocôndrias (Sun et al., 2017). O organismo
consequência da resposta do hospedeiro a esses patógenos. precisa de energia para funcionar perfeitamente e conduzir
O DM e a DP são doenças crônicas consideradas todos os processos bioquímicos, e o processo inflamatório
biologicamente com uma relação bidirecional envolvendo faz parte de uma resposta biológica complexa. Esta energia
elevações de interleucina 1-β, fator de necrose tumoral α, é fornecida pela 5’triphosphato (ATP), que é produzida pelas
interleucina 6 e estresse oxidativo, sendo o DM um dos mitocôndrias e essencial para a manutenção do metabolismo
principais fatores de risco para a periodontite (Wu et al., 2015; celular (Bullon et al., 2014).
Shirakata et al., 2016; Sanz et al., 2018). De fato, pacientes Outro fator importante relacionado ao processo de
com diabetes apresentam uma alta taxa de prevalência e taxa cicatrização de feridas está ligado ao fator-2 de crescimento de
de progressão de problemas periodontais devido à infecção fibroblastos, que estimula o efeito angiogênico e mitogênico
por bactérias patogênicas (Seshima et al., 2016; Takeda et da atividade das células mesenquimais (Bizenjima et al., 2015).
al., 2018). Outro achado interessante, é a 25-hidroxivitamina D3
Aumento nos níveis de glicose no sangue influencia (25VD3), considerada uma reguladora da imunidade inata

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na periodontite, e a combinação com a proteína tirosina the pathophysiological mechanisms of the wound healing in
fosfatase de células T não receptora (PTPN2) contribuem para periodontal tissues in diabetics.
a diminuição da inflamação periodontal no diabetes mellitus
tipo 2 (Zhang et al., 2018). UNITERMS: Periodontal disease; Diabetes Mellitus;
No que diz respeito na tentativa de desenvolvimento Oxidative stress.
de novo cemento, proliferação das células do ligamento
periodontal e formação óssea, procedimento periodontais
regenerativos são realizados com a utilização de proteína
derivada de esmalte (Correa et al., 2013), mas utilizada após
intervenção não cirúrgica, sendo considerado um dos poucos
Biomateriais com uma excelente regeneração periodontal
(Seshima et al., 2016). Além disso, em condições diabéticas, o
derivado de matriz de esmalte pode promover a regeneração
tecidual periodontal via sinalização Akt/VEGF.

CONCLUSÃO

O controle glicêmico alterado pode desencadear uma


resposta imuno-inflamatória, que levaria a uma diminuição
no processo cicatricial e interferir na capacidade de reparo dos
tecidos. A terapia periodontal, reduz os níveis de mediadores
químicos levando desta forma, a uma melhora no controle
metabólico. Mecanismos fisiopatológicos como aumento do
estresse oxidativo, disfunção da biogênese das mitocôndrias e
alteração do fator-2 de crescimento de fibroblasto, contribuem
para o agravamento nos mecanismos de cicatrização
de feridas em diabéticos, mas quando controlados e/ou
regulados, determinam melhoras na resposta tecidual. Como,
também, o tratamento a base de 25-hodrixivitamina D3, que
apresentou uma melhora da resposta inflamatória periodontal
em pacientes diabéticos tipo 2.

ABSTRACT

Diabetes Mellitus is a systemic disorder that affects the


production of insulin excreted by the pancreas and triggers
to a host of events in the host’s immune response, causing
a change in the periodontal tissues. Periodontal disease is an
inflammatory disorder that reaches the supporting tissues of
the teeth and can be triggered by previously installed systemic
disorders. A bidirectional link between Diabetes Mellitus
and periodontal disease has been evidenced over the last
years. Healing after dental treatment is impaired in diabetic
patients. Diabetics have difficulty in healing, due to impaired
immune response, due to compromised neutrophil response,
fibroblast migration and proliferation, and angiogenesis in
the diabetic condition. However, a few studies show the
predictability of healing in periodontal surgeries in patients
with diabetes mellitus. The aim of this study was to evaluate

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An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 41

Revista Perio Setembro 2019 - 3ª REV - 16-10-19.indd 41 16/10/2019 18:11:01

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