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O PAPEL DA PROBLEMATIZAÇÃO NO “PENSAR HISTORICAMENTE” NO

ENSINO DE HISTÓRIA

JACKELINE SILVA LOPES*

A problematização na “nova” história escolar


Qual o sentido\razão de ser da história ensinada nas escolas?
Desde a década de 1980, inúmeros estudos se debruçaram sobre esta pergunta
Inicialmente, a dúvida não era se a história escolar tinha sentido para os estudantes (para os
professores de história oriundos de uma formação “crítica-marxista” isto era óbvio), mas sim
como, através de melhorias no ensino (na forma de abordagem do conhecimento histórico e
no método), poder-se-ia fazer os alunos perceberem a importância da disciplina na formação
de cidadãos críticos. Ou seja, a preocupação não era construir um sentido para a história
escolar – este estava definido a priore -, mas transmitir este sentido aos estudantes.
A estratégia adotada na década de 1990 e ratificada pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs) era evidenciar o quão a história pode contribui para a formação de um
sujeito histórico cidadão e comprometido com a transformação social, através da
disseminação do conhecimento histórico-crítico presente no ambiente acadêmico, mas ainda
distante das salas de aula da educação básica, via inovações sobre a história escolar, pautadas
principalmente na história problema e na pesquisa em sala de aula e fazendo uso de fontes
históricas em diferentes linguagens.
Por isso, o ensino está em processo de mudanças substantivas nos objetivos,
conteúdos e métodos. Parte dessas mudanças é decorrente da ansiedade em
diminuir distâncias entre o que é ensinado na escola fundamental e a
produção universitária, isto é, entre o saber histórico escolar e as pesquisas
e reflexões que acontecem no plano do conhecimento acadêmico. A tentativa
de aproximação entre estas duas realidades, nas quais o saber histórico está
presente, faz com que a escola se envolva a seu modo no debate
historiográfico atual, incorporando parte de suas tensões e contradições.
(BRASIL, 1996, 28)[grifos meus]

Ao mesmo tempo, estudos na área pedagógica apontavam para uma crescente


preocupação com os processos de aprendizagem e o papel dos estudantes neste processo,
pressionando por práticas curriculares que reconhecessem a singularidade desses sujeitos e

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Mestre, professora assistente da Universidade Estadual de Feira de Santana
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oportunizassem uma aproximação entre o saber escolar e a realidade em que eles estão
inseridos, bem como que valorizassem o exercício da autonomia. Buscando responder a esta
demanda, os PCNs do Ensino Fundamental II de História defendem o uso da problematização
da realidade escolar como método de ensino, uma vez que
As abordagens teóricas que problematizam a realidade social e identificam
a participação ativa de pessoas comuns na construção da História, nas suas
resistências, divergência de valores e práticas, reelaboração da cultura,
instigam, por exemplo, propostas e métodos de ensino que valorizam os
alunos como protagonistas da realidade social e da História e sujeitos
ativos no processo de aprendizagem. (BRASIL, 1996, 33)

Nesta perspectiva, a problematização dos conteúdos históricos tinha por finalidade


verificar os conhecimentos prévios dos alunos sobre determinados conteúdos, com vistas a
aproximar estes últimos da realidade em que estes estudantes estão inseridos e\ou facilitar o
processo de “desconstrução” da história tradicional para a construção de uma história
“crítica”, pautada no cotidiano e construída por diversos sujeitos sociais.
Vale salientar que embora os PCNs defendam que o conhecimento histórico escolar
deve instrumentalizar o estudante a ler a realidade presente, ao relacionar os conteúdos a
serem trabalhados em cada ciclo escolar, acabam por incorporar “toda a história da
humanidade”, organizada de forma linear e cronológica, da pré-história aos tempos atuais,
tendo a história europeia como central e prioritária. Deste modo, o máximo que se consegue é
uma aproximação com o presente via exploração de semelhanças e diferenças em relação a
outros tempos históricos e espaços, o que nem sempre permite aos estudantes refletirem sua
própria realidade e suas experiências históricas, tão pouco contribui para a construção de
sentido próprio ao conhecimento trabalhado em sala de aula.

Ressignificando a função da problematização no Ensino de História


Mais recentemente, as discussões da Didática da História impulsionadas por Rüsen,
Cerri, Schimidt, dentre outros, contribuem para reforçar a importância da história-problema
no desenvolvimento da consciência histórica mais crítica dos alunos. Entretanto, a didática da
história foca suas análises na produção do conhecimento histórico, portanto, na aprendizagem
e não no ensino, o que pressiona uma ressignificação da função da problematização no ensino
de história.
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Isso porque, para estes estudiosos, a história serve para nos orientar no tempo, mas
esta orientação demanda uma consciência deste tempo, uma consciência histórica, e embora o
pensar historicamente seja um fenômeno cotidiano e inerente à condição humana, as formas
de apreensão dessa historicidade variam, de modo que a consciência histórica se dá em
diversos estágios e amplia-se processualmente. (SCHIMIDT, 2008)
Assim, a função do ensino de história é contribuir para a ampliação desta consciência,
à medida que orienta o agir humano no tempo, permitindo o crescimento e a autonomia da
ação crítica de quem vive a história, de quem a investiga, de quem a ensina, de quem a
aprende – em um processo contínuo conscientização de sua própria historicidade. Isso se dá a
partir do cruzamento das três versões narrativas: a linguagem do quotidiano, a da
historiografia e a do ensino (MARTINS, 2011), buscando a construção de sentidos para a
história vivida e ensinada. (CERRI, 2001) Faz-se necessário, portanto, estar atento a outros
saberes históricos além do acadêmico e do escolar e pensar o ensino da história para além da
dicotomia tradicional/nova.
Ao deslocarmos o foco do ensino para a aprendizagem, ficou evidenciada a
necessidade de antes mesmo de se estabelecer objetivos, conteúdos e métodos para a
disciplina (preocupações que marcaram os estudos na área nas décadas de 1980\90), se
debruçar na construção de sentido para o conhecimento histórico escolar entre os sujeitos da
aprendizagem, condição indispensável para que estes possam “pensar historicamente” – ou
seja, ler a realidade que os cerca à luz do passado, buscando um casamento entre a história
acadêmica, a escolar e a vivenciada - e é aqui que a problematização como método de ensino
ganha papel fundamental.
No presente trabalho busco refletir a função da problematização no ensino de História
à luz da educação histórica, dialogando com experiências que vivenciei no acompanhamento
de estagiários da Universidade do Estado da Bahia - UNEB (2013-2017) e da Universidade
Estadual de Feira de Santana - UEFS (2017) e de professores da educação básica da Rede
Municipal de Ensino de Conceição do Coité (2016) em suas práticas pedagógicas em
ambientes escolares, onde pude perceber que tanto os estagiários quanto os professores em
exercício acompanhados consideram problematização a prática de elaborar questões a partir
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dos objetivos conteudinais para levantamento do conhecimento prévio dos alunos sobre o
assunto, confundindo problema com questão norteadora.
Por exemplo: numa sequência didática de uma estagiária da UEFS, ela se propõe a
trabalhar o tema “Segunda Guerra Mundial”, e elenca como problemas: “Quais as questões
políticas e sociais que auxiliaram no desencadeamento da Segunda Guerra Mundial? Quais os
diferentes discursos intolerantes que estavam sendo transmitidos pelos líderes?”
Noutro exemplo, este de propostas pedagógicas pensadas por professoras da rede
municipal de ensino de Conceição do Coité, objetivava-se trabalhar os conteúdos de Egito e
Mesopotâmia em turmas de 6º ano, elencando como questões norteadoras: Como eram as
civilizações egípcia e mesopotâmica? Qual a importância delas para a humanidade?
Considerando que a primeira sequência seria aplicada com estudantes do 9º ano de
uma escola pública de um bairro periférico na zona urbana de Feira de Santana e a segunda
seria aplicada a uma turma de 6º ano também de uma escola pública de um bairro periférico
na zona urbana de Feira de Santana, nota-se que tais questões não tornam o tema significativo
para os estudantes, pois em nada dialogam com a realidade deles. Tais questões apenas iriam
estimular os discentes a relatarem seus conhecimentos prévios sobre os temas, havendo a
possibilidade de não terem nenhum, uma vez que são temas bastante específicos e que
provavelmente não estudaram em nenhum outro momento da vida escolar. Portanto, para os
alunos estas questões não representavam uma problemática.
Mas se nem toda questão é um problema, o que é um problema?
Defendo que problema é algo que implica, inquieta, instiga na busca por uma solução,
de modo que considero indispensável para que uma questão norteadora seja um “problema”,
que ela parta do presente e, principalmente, das vivências históricas dos alunos, demandando
diagnóstico inicial não apenas dos conhecimentos prévios dos alunos, mas também deles e de
suas vivências históricas para identificação dos pontos de encontro entre o conhecimento que
se quer construir e tais experiências, ampliando assim a capacidade de apreensão deles.
Assim, a problematização não visa apenas a verificação dos conhecimentos prévios dos
alunos, mas principalmente a construção de sentido para os conteúdos históricos escolares
através da aproximação deste com o presente e com as experiências históricas dos alunos.
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Não é objetivo aqui alongar-me nos exemplos, mas importante destacar que
planejamentos didáticos semelhantes eram frequentes tanto na UNEB, quanto na UEFS,
quanto entre os professores de Conceição do Coité que fizeram parte do Projeto Formação na
Escola, mesmo após serem trabalhadas com eles as concepções de ensino\aprendizagem da
educação histórica.
Pareciam convencidos de que era preciso construir sentido para a história a ser
ensinada aos estudantes da educação básica, mas não sabiam como fazer isso. Quando
inqueridos quanto às possíveis razões desta dificuldade, a maioria afirmava que ao longo de
suas formações foram preparados para acumular conhecimentos históricos e para fazer a
transposição didática destes conhecimentos, através de métodos criativos\dinâmicos de
ensino-aprendizagem e fazendo uso de fontes de diferentes linguagens. Enfim: achavam que o
conhecimento histórico carregasse sentido próprio e não enxergavam a construção de sentido
para o conhecimento a ser trabalhado como uma etapa do planejamento do processo
pedagógico: o conhecimento histórico – comumente chamado de conteúdo – era tido como
posto, pré-determinado pelos PCNs e\ou pelos livros didáticos, cabendo ao professor apenas
pensar estratégias didáticas de torna-lo compreensível pelos alunos.
Também relatavam que nem eles mesmos eram instigados a pensar historicamente
quando estudavam os conteúdos das disciplinas “específicas de história” na universidade, uma
vez que não existia um exercício programado nas citadas disciplinas que os levassem a refletir
os reflexos daqueles temas estudados no nosso presente, a relacionar os conhecimentos
históricos abordados na disciplina às suas próprias experiências históricas, muito menos que
os impulsionassem a pensar como construir sentido para estes conteúdos a fim de torna-los
significativos para alunos da educação básica. É o que evidencia uma estagiária em um trecho
do seu relatório de estágio, destacado abaixo.
pontuo neste trabalho,(...) a dificuldade de se elaborar e de por prática uma
sequência didática, a partir de um recorte temático que relacione, o
conteúdo previsto com a realidade dos alunos, devido principalmente a dois
elementos: a falta de dialogo entre o que nós estudantes de história do curso
de licenciatura da (UEFS), aprendemos nas nossas salas de aula, (a sermos
pesquisadores) e a realidade de outro universo que é o ambiente escolar, e a
complexidade de se conseguir tecer sentido a uma determinada temática
entre os alunos do Ensino Básico, quando muitas vezes nós licenciandos não
temos acesso dentro dos nossos componentes curriculares específicos na
universidade, a uma aula que consiga dar conta de um debate, levando em
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consideração as várias questões postas para o mesmo.(Relatório de estágio


de A, junho-2017)

Analisando os currículos dos cursos de História da UEFS e da UNEB – Campus XIV,


notei que na primeira a prática como componente curricular corresponde a 15% da carga
horária das disciplinas específicas de história, o que torna o currículo prescrito favorável à
experimentação do “pensar historicamente” como estratégia de construção de sentido para a
história entre os graduandos e na educação básica. Entretanto, a leitura do parágrafo abaixo,
destacado do Projeto do Curso, sugere que esta não era uma das dimensões de trabalhos
pensados para serem desenvolvidos na carga-horária prática destas disciplinas.
Como dimensão prática entende-se as seguintes atividades: etnografias em
sala de aula (práticas de ensino de história) relacionadas a temas/recortes
específicos (ensino de História Antiga, Contemporânea, Brasil, etc) ou a
concepções de história que estão sendo difundidas (Teoria, Historiografia,
etc), análise de materiais de difusão do conhecimento histórico: Livros
didáticos e paradidáticos, sites na internet, Mídias e afins, formação de
materiais didáticos-pedagógicos para o uso nos ensino fundamental e
médio; tais como, textos de historiografia escolar, análise de
documentos/fontes e outras linguagens como recursos/mediadores para
transposição didática e trabalhos de campo. Como trabalho de campo
entendemos visita a museus, arquivos e estudos do meio. (UEFS, 2015,
30)[grifos meus]

Nota-se por trás do uso das palavras “difusão” e “transposição didática” que o foco
estava em prepará-los para a transposição didática, e não para a produção de um
conhecimento escolar específico, fruto do cruzamento entre a história acadêmica, a escolar e a
experienciada.
Em conversas com alunos em sala, tanto da disciplina de Estágio Supervisionado 2 (6º
semestre), quanto da de Currículo e História Escolar (3º semestre), ficou evidenciado que
poucos são os professores das disciplinas específicas que efetivamente incorporam esta
dimensão “prática” em seus programas de disciplina. Alguns discentes mostraram-se até
surpresos quanto à existência de um percentual para esta dimensão no currículo.
Na UNEB, por outro lado, a prática como componente curricular fica alocada em
disciplinas específicas para este fim, distribuídas do 1º ao 8º semestres: os laboratórios de
ensino. Já na ementa do Laboratório de Ensino de História I (1º semestre), está presente a
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preocupação de trabalhar na formação docente a construção do sentido dos conteúdos


históricos escolares:
Trabalha a dimensão prática do conhecimento científico-cultural e científico
pedagógico, através da materialização de situações de ensino e pesquisa
para articulação e resignificação teórica dos diversos componentes
curriculares, tendo em vista o enriquecimento da formação acadêmica.
Assume como dimensões dessa formação: a produção de conhecimentos
enquanto produção de sentido; a relação entre saber histórico e práticas
sociais(...) (UNEB, 2009, 25) [grifos meus].

Apesar disto, também era comum a queixa dos estudantes no que tange ao não
desenvolvimento da competência de pensar historicamente no curso, atribuindo esta
deficiência ao fato da prática estar alocada nos laboratórios de ensino e não dialogarem com
as disciplinas “específicas” de história, de modo que não eram exercitados a refletir no
momento em que estudavam os conhecimentos históricos, como estes dialogam com suas
experiências históricas, tão pouco em como fazê-los dialogar com as experiências históricas
dos alunos que viriam a ter na educação básica.
Uma vez detectada esta limitação entre eles, empreendia um exercício coletivo de
buscar construir sentidos aos conteúdos que seriam trabalhados. Para tanto, pedia que
descrevessem as turmas onde tais sequências seriam aplicadas.
No caso da estudante da UEFS, a turma em questão era de 9º ano de uma escola
localizada num bairro periférico da região urbana de Feira de Santana, composta por alunos
jovens (entre 15 e 18 anos), majoritariamente masculina, que já haviam repetidos séries
escolares, taxada pelos professores da escola como “a pior turma”, “que não querem nada”.
As poucas meninas da sala raramente abriam a boca e\ou participavam da aula, e quando o
faziam eram ironizadas\reprimidas pelos rapazes, que as chamavam de “burras” e “lerdas”,
dentre outras ofensas.
Questionei à estagiária, dentre todos os problemas relatados, qual, do ponto de vista
dela, mais chamava a atenção. Como militante das causas feministas, a estagiária considerou
que seriam as relações de gênero exacerbadamente conflituosas. Sugeri, então, que ela
refletisse como incorporar esta problemática no conteúdo da sequência didática. Inicialmente
ela considerou ser impossível, mas na aula seguinte ela trouxe a proposta de uma sequência
didática que refletia o papel da mulher na sociedade a partir do estudo do tema “A mulher na
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2ª guerra mundial”, onde trazia como questões norteadoras: Qual o lugar da mulher na nossa
sociedade atual? Ela sempre teve este lugar? Será que as mulheres participaram da segunda
guerra mundial? De que forma? Tal participação teria contribuído para que ela conquistasse o
lugar social que ela ocupa hoje?
Fui observar duas aulas de 50 minutos em que parte desta sequência era aplicada e
pude verificar o quão o tema foi significativo para aqueles alunos. Em aula anterior a
estagiária havia feito uma explanação geral sobre a 2ª guerra mundial (causas,
consequências...). Na aula em questão, a estagiária iniciou problematizando que lugares as
mulheres ocupam na nossa sociedade atual? Os rapazes listavam profissões tradicionalmente
atribuídas às mulheres: donas de casa, professoras, enfermeiras, cozinheiras, enquanto as
meninas não se pronunciavam. Em seguida, a estagiária apresentou imagens em datashow que
retratavam a atuação feminina em funções como administração de empresas, motoristas de
ônibus urbanos e caminhões, policiais, frentistas, lutadoras de MMA, etc e questionava o que
achavam disso. O debate fervilhou e todos queriam falar ao mesmo tempo. Alguns alunos
traziam falas machistas de que não deviam ser trabalhos para mulheres, que mulher devia
ficar em casa, etc, ao que algumas meninas começaram a se expressar em defesa própria. Em
seguida, a aluna apresentou algumas imagens da participação das mulheres na segunda guerra
mundial, trazendo a biografia de algumas delas e problematizando como tal participação
contribuiu para quebrar este estigma de que a mulher não seria capaz de exercer determinadas
funções tidas como masculinas.
Foi uma aula bastante produtiva, onde a estagiária conseguiu a atenção de toda a
turma, promovendo um caloroso debate, relacionando um evento histórico aparentemente
dissociado temporal e espacialmente da realidade daqueles alunos às experiências históricas
deles enquanto mulheres silenciadas\homens machistas.
No caso das professoras da rede de Conceição do Coité, também foi solicitada uma
descrição das turmas onde sua sequência didática seria aplicada. Eram turmas de 6º ano de
uma escola central do município, mas que atendia majoritariamente alunos da zona rural, que
conviviam frequentemente com a seca e cujos pais trabalhavam na agricultura familiar e\ou na
produção do sisal, enquanto os que viviam na zona urbana atuavam principalmente no
comércio.
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Fomos buscando aproximações entre a experiência histórica desses alunos e a dos


egípcios e mesopotâmicos, até que percebemos que também os egípcios e mesopotâmicos
viviam em regiões áridas, cujos rios em torno dos quais se instalaram eram fundamentais para
sua sobrevivência. Embora Conceição do Coité não tivesse rios, possuía um açude, o Itarandi,
que era vital para a sobrevivência de muitas comunidades locais em tempos de seca, mas
vinha sendo alvo de destruição ambiental recentemente.
Dai emergiu a ideia de trabalhar com uma sequência didática que tinha como tema “a
importância da água em regiões áridas”, tendo como problemáticas: Qual a importância do
açude Itarandi para a comunidade que vive às suas margens? E qual a importância dos rios
Tigre e Eufrates para os mesopotâmicos e do rio Nilo para os egípcios? Se os rios, lagoas e
açudes são tão importantes para as comunidades ribeirinhas, por que eles não são
preservados?
Fazendo uso da história oral, de vídeos que exploravam visualmente imagens das
civilizações egípcia e mesopotâmica, reportagens de sites que denunciavam a poluição do
Nilo e to Tigre e Eufrades na atualidade e de documentários e reportagens de blogs que
retratavam a importância do Itarandi para a população coiteense e sua recente degradação, as
professoras trabalharam esta temática sendo observadas por estagiários da UNEB. Na
socialização destas experiências, tanto as professoras quanto os estagiários trouxeram relatos
empolgados da grande participação dos alunos nas aulas, fazendo-os perceber a importância
de preservação da reserva de água da comunidade local, o quão os egípcios e mesopotâmicos
da antiguidade conseguiram construir uma relação respeitosa e cuidadosa com seus rios, mas
o quão hoje as populações que vivem ao redor deles descuidaram destes rios, tal qual os
coiteenses vinham descuidando do seu açude, de modo que tinham a aprender com os antigos
egípcios e mesopotâmicos.

Aprender para ensinar a pensar historicamente


Vivemos tempos sombrios, marcados por diversas crises (econômica, de identidades,
educacional, política, moral, nas ciências, na educação) e pelo assustador crescimento da
extrema direita e seu discurso segregacionista, machista, racista, homofóbico e anticomunista.
Tal contexto tem sido terreno fértil para a proposição – em alguns casos, já implementação –
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de políticas com graves efeitos sobre a educação pública do nosso país, a saber: aprovação do
teto de gastos públicos (dentre eles, os educacionais), reforma do ensino médio, base nacional
comum curricular que prioriza a história tradicional e eurocêntrica, sucateamento\privatização
do ensino superior e da ciência nacional, legitimação do Programa Escola sem Partido, dentre
outras.
Num contexto como este, mais do que nunca se faz necessária a disciplina escolar
história na formação de sujeitos críticos e socialmente atuantes, capazes de lutar pela
preservação de sua liberdade de pensamento e do direito à educação pública e de qualidade.
Entretanto, o que vemos é um crescente esvaziamento da disciplina história dos
currículos escolares, uma impotência dos profissionais da área em organizar um movimento
de oposição a esta tendência e a quase inexistência de defesa da manutenção deste espaço
formativo nas escolas por parte daqueles que lá estão, especialmente dos estudantes. a
pergunta é: por quê?
Ouso supor que parte desta ausência de defesa da história escolar esteja associada à
ausência de sentido que esta disciplina e o conteúdo que ela manipula tem para a maioria
destes estudantes, pois em pleno século XXI, três décadas após a “nova história escolar”,
ainda é recorrente entre os estudantes da educação básica o discurso de que a história é “uma
disciplina que estuda o passado” e que “não serve para nada”. E se formos esmiuçar a forma
como ela vem sendo trabalhada nas escolas – dissociada da realidade dos alunos -,
acabaremos concordando com esta afirmativa.
Assim, o presente texto buscou contribuir para a reflexão sobre o papel do professor
de história nos tempos sombrios que vivemos, problematizando as vivências históricas dos
seus alunos com vistas à construção de sentidos para os saberes históricos escolares e,
consequentemente, à ampliação das consciências históricas. Objetivou, ainda, apontar para a
necessidade dos cursos de formação de professores da UEFS e da UNEB priorizarem o
desenvolvimento desta competência entre os seus discentes, levando-os a exercitarem este a
reflexão do mundo à sua volta à luz do passado (pensar historicamente) à medida que constrói
o conhecimento histórico acadêmico, incorporando as experiências históricas dos
discentes\futuros docentes.
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São grandes os desafios para que tais propostas sejam empreendidas, mas podemos
pensar estas dificuldades de uma forma positiva: há muita história a ser construída, portanto,
estamos longe do fim dos tempos.

Bibliografia:
CERRI, Luis Fernando. Os conceitos de consciência histórica e os desafios da didática da
história. Revista de História Regional. V. 6, n. 2, inverno 2001, p. 93-112.
MARTINS, Estevão. Historicidade e consciência histórica. In Martins, Estevão (e outros).
Jörn Rüsen e o ensino de História. Curitiba: UFPR, 2011, p. 7-10
ROCHA, Helenice. Problematizando a organização do ensino de História. s.d. In:
http://www.ufrrj.br/graduacao/prodocencia/publicacoes/pesquisa-pratica-
educacional/artigos/artigo2.pdf
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Perspectivas da consciência histórica e aprendizagem em
narrativas de jovens brasileiros. Tempos Históricos. V. 12. 1º semestre, 2008, pp. 81-96.
UEFS. Colegiado de História. Projeto pedagógico do curso de licenciatura em história.
Feira de Santana, 2015.
UNEB. Departamento de Educação / Colegiado do Curso de História. Projeto do Curso de
Licenciatura Plena em História para Fins de Reconhecimento. Conceição do Coité, 2009.

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