Você está na página 1de 13

FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

TÓPICOS DE PALEOGRAFIA I
DOCENTE: Prof.ª Susana Tavares Pedro

Análise gráfica comparativa de dois


espécimes manuscrito
Foral de Botão e Registo dos Forais

ANO LETIVO 2021/2022

Ana Margarida Candeias, nº148427


1. INTRODUÇÃO
1.1. Objetivo

A análise gráfica comparativa deste trabalho tem como objetivo a classificação da


escrita e a distinção das mãos presentes nos manuscritos. Mais especificamente,
pretende-se perceber as semelhanças e diferenças entre o Foral de Botão e Registo do
Foral para poder retirar conclusões acerca dos objetivos já mencionados. Será seguida a
tipologia proposta por Derolez (2003) que divide as escritas entre: textualis,
semitextualis, cursiva e hybrida.

1.2. Objeto de Estudo

O objeto de estudo desta análise são o manuscrito do Foral do Botão e o Registo


do Foral. Estes manuscritos foram ordenados por D. Manuel I em 1514 com o propósito
de preservar os documentos que estavam num suporte danificado e para servir como
prova contra a sua falsificação. Pertencem à Leitura Nova, foram escritos no mesmo
período de tempo e encontram-se na Torre do Tombo. O suporte de escrita utilizado nos
manuscritos é o pergaminho e a língua o português, com uso da letra gótica. Os seus
calígrafos e iluminadores foram: Fr. Diogo, Francisco Peres, Fr. Gamarra e Fr. Pedro.
As cartas de foral eram passadas pelo chanceler-mor, assinadas pelo rei e registadas na
chancelaria. Era o escrivão da chancelaria ou os ajudantes “em seu ofício” que as
escreviam e após um longo caminho estas cartas eram recebidas para o último ato do
longo processo: a “publicação”.

1.3. Método de Estudo

A análise paleográfica entre estes dois manuscritos irá assumir um método


essencialmente baseado na comparação da morfologia das letras e no seu ductus.
Mallon (1952) refere-se ao ductus como uma representação da forma como a letra é
construída através de uma sequência de traços, tratteggio. Contudo, o estudo do ductus
por si só não é um argumento suficientemente forte para classificar a escrita de um
manuscrito. Gumbert (1975) altera para esse facto, exemplificando que em alguns tipos
de escrita, nomeadamente o textualis formata, os traços das letras serem por vezes
difícil de distinguir assim como a ordem e sentido em que os mesmo foram executados.

-2-
Assim sendo, embora os traços das letras não sejam omitidos completamente, este
trabalho terá como foco principal a forma das respetivas letras resultantes, ou seja, da
sua morfologia. Será utilizado ainda como um método auxiliar a medição da largura
média das letras proposto por Gilissen.

2. ANÁLISE
2.1. Comparação e Descrição da Morfologia e do Ductus

2.1.1. Maiúsculas

Foral de Botão

A B C D E F G H I J

Figura 1 – letras maiúsculas do Foral de Botão

Registo do Foral

a b c d e f g h i j
k

l m n

Figura 2 – letras maiúsculas do Registo do Foral

À primeira vista podemos verificar não só a existência de um maior número de


maiúsculas no Foral de Botão do que no Registo do Foral como também um traçado
mais trabalhado e elaborado. Contudo, como Derolez afirma:
«General impressions are important and (…) are often sufficient for
experiencied paleographer. Their great defiency, however, lies in the difficulty of

-3-
putting them into words in an unambiguous way. (…) they are based (…) on the
appearance of the page as a whole, and consequently take account of codicological
and ornamental features».

DEROLEZ (2003:7)

Assim sendo, as primeiras impressões não são suficientes para descrever a forma
das letras maiúsculas presentes em ambos os manuscritos, pelo que será necessário
fazer uma descrição mais completa da sua morfologia e do ductus das letras mais
relevantes:
O «a» maiúsculo do Foral de Botão (figura 1 (A)) apresenta linhas mais retas
contrariamente ao «a» maiúsculo que se pode observar no Registo do Foral que
apresenta linhas mais curvas. Os traços do primeiro «a» são ainda mais longos e
compridos do que os traços do segundo. Se verificamos o ductus (figura 3) de ambas as
letras podemos constatar que o «a» maiúsculo do Foral contém um maior número de
traços (cinco traços, três tempos) do que o «a» maiúsculo do Registo (três traços, três
tempos).

Foral de Botão Registo do Foral

Figura 3- ductus letra «a» maiúscula

O «c» de ambos os manuscritos (figura 1 (B) figura 2 (b)) é idêntico, sendo


composto por quatro traços feitos em quatro tempos e contendo dois traços decorativos
no seu olhal.
O «d» por outro lado já apresenta uma morfologia e ductus distintos. Embora
ambos tenham três traços o «d» do Foral (figura 1 (C)) e é feito em três tempos
contrariamente ao «d» do Registo (figura 2 (c)) que é feito em dois tempos. O «d» do
Foral tem um traço decorativo no seu olhal. Já o «d» do Registo apresenta uma cabeça
mais curvada mas com os traços inferioes mais reto e abertos.

-4-
Existem duas formas de «e» no Foral (figura 1 (D) e (E), um mais elaborado que
o outro, o «e» em (E) contém um traço decorativo na curvatura e em ambos nenhum
dos traços se toca. No Registo o «e» apresenta também duas formas (figura 2 (d) e (e)),
uma semelhante ao «e» em (D), porém tal como no «c» apresenta dois traços
decorativos no seu olhal. O mesmo acontece com o «e» em (e) que apresenta os meus
traços decorativos no seu olhal.
O «j» no Foral (figura 1 (F) e (G)) apresenta apenas uma forma porém em (G) a
haste descendente passa ligeiramente da linha de escrita O «j» no Registo (figura 2 (h))
apresenta apenas uma forma onde a haste descendente não passa da linha de escrita e
apresenta um traço decorativo curto à esquerda ligado à cabeça.
O «n» é distintivo em ambos os manuscritos. No Foral (figura 1 (H)) os traços
são mais curvados e no Registo (figura 2 (k)) mais retilineos. No Registo existe um
traço decorativo que separa as duas pernas do «n».
O «o» é idêntico em ambos os documentos conto no Foral (figura 1 (I)) a letra
apresente um traço decorativo no olhal e no Registo (figura 2 (l)) a parte inferior é igual
ao «d» e ao «e».
O «s» é distinto em ambos os manuscritos. Como se pode observar na figura 4,
no do Foral (figura 1 (J)) esta letra é feita com três traços curvos enquanto que o «s» do
Registo (figura 2 (m) é feito com quatro traços. Poré, o tempo de ambos é igual, sendo
três o número total de tempos. No «s» do Registo o primeiro e quarto traço tem um
topo que ascende acima do traço superior, ou de forma mais pronunciada ou menos
pronunciada. Para além disso a cabeça da letras fora um um olhal com o traço
intermédio.

Foral de Botão Registo do Foral

Figura 4 – ductus letra «s» maiúscula

As restantes letras maiúsculas, «f», «g», «l», «m» e «t« (figura 2 (f), (g), (i), (j) e
(n)), apenas se encontram no Registo do Foral.

-5-
2.1.2. Minúsculas

Foral de Botão

Figura 5 – letras minúsculas do Foral de Botão

Registo do Foral

Figura 6 – letras minúsculas do Registo do Foral

Se a análise das maiúsculas nos pode levar a querer que se trata de dois copistas
diferentes, a análise das minúsculas neste ponto do trabalho irá meter essa posição em
causa e levantar a hipótese que porventura se possa tratar do mesmo copista. Na tabela
1, apresentada de seguida, estão apresentadas todas as letras presentes no Foral de Botão
e no Registo do Foral que possuem uma morfologia e ductus aproximadamente igual:

-6-
FORAL DE BOTÃO REGISTO DO FORAL

Tabela 1 – letras minúsculas

Comparando as duas colunas da tabela podemos verificar que: o «a» apesar de


ter mais uma variação no Registo do Foral, tem em ambos uma cabeça e corpo muito
semelhante; o mesmo acontece na letra «c» que apresenta um olhal idêntico; o «d» em
ambos apresenta uma forma curvada feita com os mesmos traços e tempos, e apesar de
no Registo existir mais uma variação desta letra como acontece com a letra «a», o «d» é
um «d» uncial em ambas as formas presentes no manuscrito.

O «e» apresenta também duas formas. O primeiro «e» é formado três traços e o
segundo «e» por. O segundo «r» só se pode observar no Registo. O «h» possui em
ambos os manuscritos uma haste ascendente vertical, que não passa da linha de escrita e
um ombro que ultrapassa essa mesma linha de escrita e formando quase um também um
olhal e com uma saída curva. No «i», «m» e «n» podemos observar que as pernas são
traçadas de forma idêntica assim com os pés de cada letra. O mesmo acontece com as
letras «p» e «q» que apresentam uma haste descente semelhante. O olhal das letras
anteriores, assim como no «o», é também idêntico. O «r» existe em ambos os
manuscritos com duas formas. Um «r» redondo e curvo e o segundo «r» a que Derolez

-7-
designa com “straight r”. As últimas quatro letras («t», «u», «x» e «y») são todas elas
muitos semelhantes, apresentando pernas, curvaturas e hastes traçadas da mesma forma.

Quais são então as diferenças mais relevantes nas minúsculas? Comecemos por
analisar a letra «g»:

Foral de Botão Registo do Foral

Figura 7 - ductus letra «g» minúscula

Esta letra, apresenta no Foral uma cauda sob a linha de escrita, contrariamente
no Registo que passa dessa mesma linha. O olho em ambos é consideravelmente
diferente uma vez que no Foral o olho é mais aberto que no Registo. Relativamente à
cabeça no Registo este traço é mais perpendicular à linda de escrita contrariamente ao
Foral em que o mesmo traço se encontra com um ângulo mais na diagonal. O número de
traços e tempos, no entanto, é equivalente nos dois manuscritos.

De seguida, observemos o caso da letra «l»:

Foral de Botão Registo do Foral

Figura 8 - letra «l» minúscula

Nesta letra, embora a forma que se pode encontrar no Foral exista também no
Registo, onde a haste é idêntica e o pé também, podemos verificar a existência de uma
outra forma no Registo. Esta forma apresenta um pé com um traço muito mais comprido
do que no formato anterior. O número de traços das duas formas é também diferente, a
primeira forma apresenta apenas um traço feito na vertical enquanto a segunda forma
apresenta dois traços um na vertical e outro na diagonal.

-8-
O caso de maior diferença é na letra «s»:

Foral de Botão Registo do Foral

-9-
Figura 9 - letra «s» minúscula

Logo à primeira vista podemos verificar que existe um maior número de


variantes desta letra no Registo. No Foral o «s» tem três formas, uma com uma hasta na
vertical e uma cabeça curvada e outra onde se pode observar um olho e uma saída no
traço inferior. O primeiro «s» pode-se encontra no início e no meio de palavra enquanto
o segundo se observe apenas no final de palavra. Os «s» no Foral nunca passam da linha
de escrita. Relativamente ao Registo, apresenta uma grande variação na forma do «s»,
os traços são mais curvos, mais compridos e com saídas visivelmente maiores e são
raras as vezes em que esta letra não passa da linha de escrita.

2.2. Relação Modular

O método da relação modular foi proposto por Gilissen em 1973 introduzindo


assim uma fórmula de análise que possibilitava a determinação da relação entre a
largura e a altura das letras. A altura média que tem como medida a unidade de
regramento (UR) que irá ser dividida pela largura média, calculada em milímetros.
Para este trabalho foi apenas calculada a largura média, utilizada apenas como um
método suplementar aos métodos mencionados no ponto anterior. Para o cálculo da
largura média foram então medidas, em ambos os manuscritos, as colunas de ambos os
manuscritos e contadas 200 letras.

Foral de Botão (fólio 9)

Medida da coluna =105 mm


Número de letras contadas =200
Número de linhas até à 200ª letra = 7 + 15mm (termina na letra “i” da linha 8)

105 x 7 = 735mm
735 + 15 = 750mm

-10-
750 ÷ 200 = 3,75mm

Registo do Foral (Fólio 108, Coluna B)

Medida da coluna=58 mm
Número de letras contadas=200
Número de linhas até à 200ª letra= 8 + 12mm (termina na letra “s” da linha 9)

58 x 8 = 464mm
464 + 12 = 476mm
476÷ 200 = 2,38mm

Com os resultados apresentados anteriormente podemos concluir que as letras do


Foral de Botão têm uma largura média superior à do Registo do Foral.

3. CLASSIFICAÇÃO DA ESCRITA SEGUNDO DEROLEZ (2003) E DISTINÇÃO DAS MÃOS


DE ESCRITA

No seu livro de 2003, The Palaeography of Gothic Manuscript Books, Derolez dá


uma própria classificação à escrita na Península Ibérica afirmando que:

«In the Iberian Peninsulas (…) a distinctive style of writing was developed for the
production of well-made manuscripts, especially those in the vernacular, which takes
its place alongside Textualis. It has until now not been incorporated within the
Lieftinckian system, although it generally displays the same basic characteristics as
Hybrida. The script is bold, with club-shaped ascenders that are vertical or slope to the
left. It does not exhibit horizontal compression, but contains numerous Gothic fusions,
at least when traced with some care.»

DEROLEZ (2003:172)

Na tabela apresentada em baixo será feita uma comparação entre algumas das
letras minúsculas presentes no Foral de Botão e no Registo do Foral e a respetiva

-11-
classificação de Derolez para as mesmas, para, deste modo, ser possível determinar a
classificação da escrita dos manuscritos.

Manuscritos Classificação de Derolez


Foral de Botão Registo do Foral

Hybrida geral Southern Textualis

Cursiva
Portuguese and Spanish Northern
Hybrida and Semihybrida Textualis

Cursiva Antiquor

Semitextualis Hybrida geral

Southern Textualis

Hybrida and Semihybrida

Northern textualis

Southern Textualis

Southern Textualis Cursiva

Figura 10 - Manuscritos vs. Classificação Derolez (2003)

Após esta comparação podemos concluir que ambas as escritas podem ser
classificadas como hybrida. No entanto, o que as distingue são as suas influências. O
Foral de Botão como Derolez (2003:172) afirmou tem um influencia na textualis e o
Registo do Foral tem letras com a influência da escrita cursiva. Assim, devido as estas
diferentes influências, assim como a notória diferença no uso, traço e ductus das
maiúsculas, tal como a diferença na largura média das médias as conclusões finais deste

-12-
trabalho serão que se trata de manuscritos em que a sua escrita igual e é executada por
mãos distintas levando às diferenças e influências apontadas anteriormente.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHORÃO, Maria José Mexia Bigotte (1990). Os Forais de D. Manuel: 1496–1520.


Lisboa:
ANTT.
DEROLEZ, Albert. The Palaeography of Gothic Manuscript Books: From the Twelfth
to the Early
Sixteenth Century. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.
GILISSEN, Léon. L’expertise des écritures médievales: Recherche d'une méthode avec
application à
un manuscrit du XIe siècle: le Lectionnaire de Lobbes. Gand: Story-Scientia,
1973.
GUMBERT, J.P. “Proposal for a Cartesian Nomenclature”. in Miniatures, Scripts,
Collections: Essays presented to G. I. Lieftinck. Amsterdam: A.L. van Gendt &
Co., 1976.
MALLON, Jean. Paléographie Romaine. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones
Cientificas, Instituto «António de Nebrija» de Filología,1952.

-13-

Você também pode gostar