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Sobre a morte de Deus 2

Recorremos ao tema da “morte de Deus” porque desejamos lançar luz a esse fenômeno
que pode ao mesmo tempo ser histórico como mítico e cosmológico. A morte de Deus
começa por se fazer surgir, historicamente, desde o século XVII, juntamente com a
Revolução Industrial, o evento do progresso e da ciência. O homem passa a ser o centro
do universo e a Igreja perde espaço para o fenômeno da secularização. Na filosofia,
mais diretamente, é Hegel quem, nos séculos XVIII e XIX, irá anunciar a morte de
Deus. Mas é, num sentido todo novo e inusitado, que essa sentença da “morte de Deus”
será proferida por Nietzsche, em diversas passagens de sua obra. É a este filósofo
iconoclasta, original e vital que vamos acompanhar no presente trabalho. É a sua
filosofia que servirá de norte às nossas reflexões acerca do Deus. Em seguida abriremos
os debates para a participação de alguns mais autores que, contemporâneos a Nietzsche,
ou a ele posteriores, contribuirão para o prosseguimento da questão ou apresentarão
algum tipo de crítica pertinente.

Apesar das recorrências na cultura, e até mesmo na filosofia, é com Nietzsche que a
expressão da “morte de Deus” ganha vida e se promove. A primeira vez que a sentença
aparece em sua obra é na Gaia Ciência, no formato de um aforismo, em linguagem
metafórica. Aí o Deus é apresentado na forma de um mar que está sendo tragado, num
horizonte que está sendo apagado por uma esponja, e, por fim, de um sol que se vê
desatado da terra. Esse sol do qual nos afastamos para longe, que nos faz cair
continuamente, para trás, para os lados, para frente e em todas as direções, é o mesmo
Sol platônico sustentado pela Ideia do Bem, o Deus da metafísica. Senão, não teria
sentido anunciar àqueles que não acreditam em Deus, que o mesmo deixou de existir,
como o faz na narrativa o louco aos homens que acusa terem-no assassinado juntamente
com ele. De fato, não interessa muito a Nietzsche abordar o evento da existência de
Deus, a ele interessa saber da crença, anterior e posterior, de como fica esse homem
após a morte de Deus.

Sim, antes de tudo, é ao processo metafísico, que data do pensamento platônico até à
modernidade e toda a evolução do pensamento ocidental, é a essa metafísica que se
remete Nietzsche nesse afamado aforismo do “Insensato”. Mas ainda resta algo mais, o
Cristianismo com todo seu histórico moralista, também é alvo do nosso filósofo. Não
lhe passa despercebido que o Cristianismo seja um herdeiro do platonismo, com toda
sua teoria dos dois mundos e a sua prática de negação da vida. Assim, o Deus de
Nietzsche é metafísico, antes de tudo, mas é também cristão, sobretudo no que tange à
existência do agente moral que sustenta toda a crença e a subsistência da Religião
Cristã.

Após esse resgate metafísico da filosofia platônica, o presente trabalho apresentará três
tópicos principais que irão nos guiar na direção dessa temática da “morte de Deus”. São
eles o niilismo e as consequências de um vazio de vontade após um mundo sem Deus; a
abordagem da moralidade, sobretudo no sentido cristão de uma moral de rebanho, de
escravo, que representa negação e decadência; e, no sentido de uma superação, a
filosofia nietzschiana elabora a proposição de uma “transvaloração de todos os valores”.

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