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VISÕES DA CIDADE DE SÃO LUÍS - MA: entre leituras e conceitos

urbanos vistos em um pouco mais de quatro séculos de existência da


capital maranhense

Cilícia Dias dos Santos Belfort Brito1


Iury Santos Watanabe2

1 INTRODUÇÃO

A Geografia Urbana é uma subárea da Geografia que nos permite a leitura


socioespacial da cidade de forma clara, dinâmica e a ponto de conversar com múltiplos
elementos que compõem o cenário urbano. Permite ainda analisar a vida urbana, o
crescimento e como o espaço em questão se comporta com o passar do tempo.
A temática urbana perpassa por diversas áreas do conhecimento, nesse
interim, inclui-se a geografia em duas grandes áreas de sistematização. Há muito se
discute a cidade, sendo esta como fonte de atração populacional (fruto do viés industrial
capitalista), ou como representante diversificada das manifestações socioeconômicas
atuais. São Luís afirma para os seus cidadãos a ruptura desde o seu processo de
fundação (em 1612) pelos franceses, evidenciado pelo processo de invasão pelos
holandeses e por fim, colonizada pelos portugueses. São mais de quatro séculos de
existência, evolução do seu sítio e inúmeras transformações socioespaciais urbanas.
Tem-se a ideia original de se trabalhar visões geográficas e históricas. O
cenário é São Luís, capital do Maranhão. Cidade que já fora pólo econômico no período
colonial com seus grandiosos ciclos de movimentação econômica e, também, cidade
refletida em berço cultural. Ah, a Atenas Maranhense! Mais este foi apenas um dos
muitos títulos que São Luís um dia carinhosamente recebeu.
Inicia-se afirmando que a leitura da cidade se dá de forma clara, todavia
para desempenhar essa ação não se pode impor o rótulo de que é algo fácil e sem

1
Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) e Mestre em Geografia
pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR). E-mail: ciliciadias@yahoo.com.br;
2
Licenciado em Geografia pela Faculdade Santa Fé/IDESP. E-mail: iurywatanabe@gmail.com .

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complicações. O próprio dinamismo da cidade e as ações do cotidiano impelem a
convivência e percurso apenas em áreas que são de conveniência e interesse. As
relações sociais ocorrem no espaço da cidade, ininterruptamente 24 horas. Sendo uma
árdua tarefa acompanhar todas as transformações ocorridas na cidade, num período de
400 anos, a torna, algo muito difícil, porque não afirmar que é quase impossível

2 OBJETIVOS

Entre os objetivos deste trabalho destacam-se: Analisar a problemática


urbana de São Luís de forma a apresentar e discutir tópicos para o debate acadêmico;
Observar o crescimento populacional e o aumento da ocupação territorial urbana na
capital maranhense nas últimas décadas; Destacar através das teorias e conceitos da
Geografia Urbana a multiplicidade das visões e leituras urbanas e como se pode
interpretá-las na atualidade.

3 ENCONTROS HISTÓRICO-GEOGRÁFICOS ENTRE A SÃO LUÍS DE


ONTEM E A SÃO LUÍS DE HOJE

Figura 01 - Localização geográfica de São Luís – MA


Fonte: Atlas do Desenvolvimento Humano Municipal, 2015.

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São Luís tem um pouco mais de 04 (quatro) séculos. Nesse período muitas
transformações ocorreram em seu espaço urbano. Funções urbanas que foram
redefinidas, bem como o modo de vida de seus habitantes. O poeta Gonçalves Dias
(1847) em seus “Primeiros Cantos” destacou beleza e diversidade pela terra onde canta
o sabiá:

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar sozinho, à noite
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

O poeta Bandeira Tribuzzi em “Louvação a São Luís” demonstra seu amor


pela cidade, que tornou-se símbolo e hino oficial da cidade:

Ó minha cidade deixa-me viver


Que eu quero aprender tua poesia
Sol e maresia, lendas e mistérios
Luar das serestas e o azul de teus dias

Quero ouvir à noite tambores do Congo


Gemendo e cantando dores e saudades
A evocar martírios, lágrimas, açoites

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Que floriram claros sóis da liberdade

Quero ler nas ruas fontes, cantarias


Torres e mirantes, igrejas, sobrados
Nas lentas ladeiras que sobem angústias
Sonhos do futuro, glórias do passado

As belezas cantadas em verso e prosa pelos poetas maranhenses traduzem a


grandiosidade de um passado onde a capital maranhense representava um estratégico
lugar das representações do poder colonial. Mas o tempo passou e São Luís revelou a
todos inúmeras facetas urbanas. Burnett (2008) destaca inúmeras fases da urbanização
de São Luís e suas características mediante a sua afirmação enquanto cidade, ocupação
do território e crescimento populacional (Quadro 01).

URBANIZAÇÃO TRADICIONAL EM SÃO LUÍS


FASE PERÍODO TÍTULO CARACTERÍSTICAS
Início e consolidação da Fracasso da colonização portuguesa/
1ª fase 1612-1750
ocupação portuguesa Invasões francesa e holandesa.
Companhia Geral do Grão- Primeiro surto de desenvolvimento
2ª fase 1750-1820 Pará e Maranhão e a vocação econômico; polarização da
comercial economia no eixo São Luís/ Belém.
Imprecisão acerca do contingente
Expansão industrial e o parque
3ª fase 1820-1900 populacional da época; Perfil
têxtil
econômico.
Integração à economia Estagnação econômica por volta de
4ª fase 1900-1965
nacional e renovação urbana 1920/ declínio da produção têxtil.
URBANIZAÇÃO MODERNISTA EM SÃO LUÍS
Processo de expansão urbana/ novas
vias urbanas; implantação dos
Os grandes projetos nacionais
1ª fase 1965-1980 grandes projetos minero-
e a urbanização fordista
metalúrgicos (atração de mão-de-
obra e explosão populacional).
Falência dos programas de moradia
subsidiada/ estagnação urbana/
Crise urbana e os polos de
2ª fase 1980-2000 oferta de áreas para loteamentos
urbanização
populares (ocupação espontânea de
vazios urbanos).
Quadro 01 - Síntese dos tipos de urbanização observados em São Luís – MA.
Fonte: Burnett, 2008 (Adaptado)

Observa-se nos quadros 02 e 03 a evolução populacional de São Luís em


períodos distintos.

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PERÍODO/ ANO POPULAÇÃO
Fins do século XVII 10.000
Fins do século XVIII 17.000
1820 20.000
1868 30.000
1872 31.604
1920 52.929
1940 84.221
Quadro 02 - São Luís: evolução demográfica, final do século XVIII até a década de 1940.
Fonte: LOPES, Raimundo (1916) e BRASIL. Recenseamento geral: 1872, 1920, 1940, apud FERREIRA
(2014).

POPULAÇÃO POPULAÇÃO POPULAÇÃO


ANO
URBANA RURAL TOTAL
1950 93.764 26.021 119.785
1960 124.606 33.686 158.292
1970 205.512 59.974 265.486
1980 247.392 202.041 449.433
1991 246.244 450.127 696.371
2000 837.584 32.444 870.028
2010 955.600 56.343 1.014.837
2015 ----- ----- 1.073.893
Quadro 03 - São Luís: Evolução populacional no período de 1950 a 2015
Fonte: IBGE (Censos demográficos de 1950 a 2010 e Estimativa populacional, 2015)

A leitura da evolução populacional de São Luís traz inúmeras interpretações,


principalmente, a do crescimento ocorrido a partir da década de 1970 impulsionada pela
atração de mão-de-obra para os grandes projetos instalados no estado naquele período,
que de certa forma impulsionaram o crescimento urbano e de diversos setores da
economia na cidade. Diniz (2007, p. 169) aponta que:

Em virtude desse crescimento, a cidade apresentou problemas de ordem


sócio-econômica bastante visíveis. O crescimento populacional desordenado
trouxe problemas de habitação, saúde, segurança e favoreceu o surgimento de
ocupações irregulares, palafitas e favelas, problemas esses que têm evoluído
consideravelmente, á medida que a urbanização cresce.

O crescimento populacional em São Luís trouxe diversas consequências


para a cidade que não aguardava esse momento, ou se aguardava, não foi preparada para
tal. A ocupação espontânea foi uma das características da cidade entre os anos de 1970 e
1990, o que garantiu a continuidade do modelo de urbanização horizontal. SANTOS e
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SILVA (2011) destacam os processos de verticalização, segregação socioespacial e
especulação imobiliária na São Luís contemporânea como fruto da ação capitalista. Os
autores ainda confrontam os espaços da cidade e seus usos, sendo parte da cidade
verticalizada e parte em expansão horizontal, onde abordam a ocupação dos referidos
espaços entre “grupos dominantes x grupos dominados”.
Dentre os inúmeros problemas que a ausência de planejamento urbano
acarretou a São Luís é pertinente fazer questionamentos e reflexões sobre a cidade que
se quer. Neste sentido, um pouco antes da capital maranhense completar 400 anos
Ferreira (2009, p. 07) fez alguns questionamentos e convém aqui ressaltar a sua
pertinência:

A cidade de São Luís tem demandas básicas em se tratando de uma capital.


Mesmo com o título de patrimônio cultural da humanidade, o bumba-meu-
boi, o porto do Itaqui, o reggae, etc, etc, etc, urge que se discuta acerca de
que cidade queremos? Uma, como a atual, cheia de problemas e forte
segregação socioespacial? Ou uma mais justa social e ambientalmente?

Atualmente, em seus 403 anos de existência São Luís enfrenta, entre outros,
problemas relacionados à: falta de infraestrutura, insegurança urbana, déficit
habitacional, precariedade nos transportes públicos, ocupação espontânea de vazios
urbanos etc. É conveniente frisar que a omissão dos entes públicos, através da ausência
de efetividade nas políticas públicas, geram transtornos à população ludovicense e a
própria dinâmica da cidade, em muitas vezes, impedindo o seu desenvolvimento.

4 METODOLOGIA

Inicialmente foram utilizados como procedimentos metodológicos para o


desenvolvimento da temática deste trabalho: processo de revisão bibliográfica, pesquisa
de dados demográficos, levantamento de imagens antigas e registro fotográfico recente
da cidade.
Após esse primeiro momento, foi realizado um minicurso de 03 (três) dias
abordando a temática urbana ludovicense durante a I Jornada de História e Geografia da
Faculdade Santa Fé, no período de 28 a 30 de outubro de 2015, com o título: “Visões da
cidade de São Luís após seu 4º centenário” e com a presença de 20 (vinte) participantes.
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Durante a realização do minicurso aconteceram momentos distintos, a saber:
1º dia: apresentação teórica, apresentação do objeto de análise – em verso e prosa; 2º
dia: apresentação de imagens da cidade e roda de conversa entre os participantes
envolvendo temas urbanos relacionados à capital maranhense; 3º dia: produção de
materiais didáticos com (cartazes/painéis) a partir de recorte de jornais.
A sistemática de exibição das imagens seguiu a ordem de apresentação de
uma imagem antiga e outra recente da mesma área da cidade. O que permitiu aos
participantes do minicurso identificar inúmeras transformações nas áreas destacadas.
Optou-se por utilizar, principalmente, imagens da área central da cidade por ser uma
área histórica e de transformações desde a sua fundação em 1612, bem como, imagens
das principais avenidas e pontos que sofreram intervenções urbanísticas recentes.
Foi realizada uma roda de conversa com debates mediados após
apresentação de imagens as participantes que mostrassem a São Luís “de ontem” e “de
hoje”, propiciando aos mesmos a comparação de áreas distintas da cidade em diversas
fases do seu crescimento urbano.

5 RESULTADOS

Observou-se que a metodologia utilizada durante a realização do minicurso


permitiu debater temáticas urbanas com foco na cidade de São Luís, tais como: São Luís
em verso e prosa; crescimento populacional; transporte público; déficit habitacional;
violência urbana; pobreza urbana; metropolização; planejamento urbano local, a “São
Luís que temos” e a “São Luís que sonhamos”; etc., bem como as principais
problemáticas que ao longo de 04 (quatro) séculos de crescimento socioespacial urbano,
não foram evidenciadas pelos gestores públicos como algo importante para se pensar e
planejar a cidade de São Luís.

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Figura 02: Avenida Beira-Mar por volta de 1970 Figura 03: Avenida Beira-Mar no ano de 2015
Fonte: Fernando Cunha, 2015. Fonte: Maurício Moreira, 2015

As figuras 02 e 03 representam parte do acervo de imagens da área central


de São Luís. Utilizou-se a técnica de comparação de imagens da cidade com o intuito de
identificar as transformações do espaço e, propiciar o debate entre os participantes.
Ressalta-se que o debate gerado por alunos e professores durante a realização da
atividade acadêmica, significou para cada um dos participantes novas formas de ver a
cidade e interagir com a mesma, resultando em releituras e visões esclarecedoras, até
então para muitos, desconhecidas.

Figura 04: Poluição em praia de São Luís. Figura 05: Palafitas com prédios ao fundo
Fonte: Portal Imirante, 2015. Fonte: Portal Imirante, 2015.

As figuras 04 e 05 fazem parte do conjunto de imagens utilizadas com a


finalidade de demonstrar aos participantes problemáticas recentemente observadas na
cidade de São Luís.

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Figura 06: Exibição de cartazes com temas urbanos Figura 07: Cartazes produzidos ao término da atividade
Fonte: Os autores, 2015. Fonte: Os autores, 2015.

Ao final do minicurso foi solicitado aos participantes que produzissem


materiais com temáticas urbanas que pudessem ser utilizados em sala de aula como
recurso didático, para tanto foram fornecidos: cartolinas, papéis coloridos (criativo e
sulfite), cola, tesouras, pincéis, tintas, jornais, revistas etc., resultando na produção de
cartazes e exposição dos mesmos e socialização dos materiais produzidos. (Figuras 06 e
07).

CONCLUSÃO

A leitura da cidade é um exercício que deveria ser feito por todos os


indivíduos que nela habitam. Muitos podem acreditar que o referido exercício seja algo
dispensável, todavia, o dinamismo do espaço e, consequentemente, da cidade moderna
pode nos levar a refletir acerca do processo de tomada de decisão para com o espaço da
cidade.
Dentre os debates propiciados estranhou-se o fato de alguns participantes
desconheceram a história e a geografia da cidade em que vivem, pois muitos estão

9
presos em uma cômoda zona de conforto que os impede de observar que a cidade vai
além ao percurso que é percorrido em nossas jornadas do cotidiano.
Optou-se por trabalhar com imagens e conclui-se que o uso destas como
ferramentas didáticas enriquece a apresentação dos temas na diversidade geográfica.

REFERÊNCIAS

BURNETT, Frederico Lago. Urbanização e desenvolvimento sustentável: a


sustentabilidade dos tipos de urbanização em São Luís do Maranhão. São Luís: UEMA,
2008.

DINIZ, Juarez Soares. As condições e contradições no espaço urbano de São


Luís (MA): traços periféricos. Ciências Humanas em Revista - São Luís, V. 5,
n.1, julho 2007.

FERREIRA, Antonio José de Araújo Ferreira. São Luís do Maranhão: em que cidade
vivemos? Que cidade queremos no quarto centenário? Ciências Humanas em Revista.
São Luís, v. 7, n. 2, 2009.

FERREIRA, Antônio José de Araújo. A produção do espaço urbano em São Luís do


Maranhão: passado e presente; há futuro? São Luís: EDUFMA, 2014.

MARTINS, José Ribamar. São Luís era assim. Brasília: Gráfica e Editora Equipe Ltda.,
2007.

RIBEIRO JÚNIOR, José Reinaldo Barros. Formação do espaço urbano de São Luís:
1612-1991. São Luís: Edições FUNC, 1991.

SANTOS, Luiz Eduardo Neves dos; SILVA, Jadson Pessoa da. Produção e
fragmentação do espaço urbano de São Luís - MA. Anais da V Jornada Internacional de

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Políticas Públicas, 23 a 26 de setembro de 2011. São Luís: Universidade Federal do
Maranhão, 2011.

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