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IED Ponto 4

Prof.: Hélio Capel Filho


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4. O DIREITO COMO NORMA

4.1. NORMA

O homem é, ao mesmo tempo, indivíduo e ser social. Embora seja um ser independente, não
deixa de fazer parte, por outro lado, de um todo, que é a comunidade humana.

Com efeito, desde o nascimento o ser humano pertence a algum grupo. E em todos os grupos
há normas disciplinadoras do comportamento de seus membros. Neste caso, vemos que as
normas limitam as ações das pessoas que a compõe, definindo-lhes os direitos e deveres.
Entre as normas que dirigem o comportamento humano na vida coletiva, podemos citar:

 as normas morais, fundadas na consciência;


 as normas religiosas, fundadas na fé;
 as normas sociais, como usos e costumes – hábitos de convivência, recreação,
esportes, moda, estética, etiqueta, etc.;
 e as normas jurídicas, que, distinguindo-se das demais, constituem o campo do direito.

O direito é, por certo ângulo, um manto protetor de organização e de direção dos


comportamentos sociais. O Direito tutela os comportamentos humanos, garantindo a paz
social. E para que esta garantia seja possível é que existem as normas de direito, para amparar
a convivência social.

Cada norma jurídica importa na qualificação típica (fato), lógica (norma) e axiológica (valor)
de uma situação ou evento que interesse ao Direito, ou seja, na definição de um fato jurídico
tipológico, com as respectivas consequências axiológicas e de regramento. Ver Teoria
Tridimensional de Miguel Reale.

4.1.1. Características

Como distinguir, então, as normas jurídicas?

Duas características fundamentais distinguem as normas jurídicas das demais regras sociais.

A primeira delas é a aplicação da força coercitiva do poder social. As normas penais, as leis
sobre impostos, salários, propriedade, família, etc., são obrigatórias não apenas no foro da
consciência, mas por uma imposição que pode ir até o emprego da força para sua execução.

A segunda característica se refere ao seu conteúdo ou matéria. Fundamentalmente, o direito


encontra seu conteúdo na noção de justo. É a justiça que dá sentido à norma jurídica.

Portanto, toda norma jurídica expressa um poder (ver direitos subjetivos) e um sentido (ver
aulas sobre a Justiça).
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4.1.2. Classificação

Mas a expressão norma jurídica se encerra na definição de lei? Todas as normas jurídicas são
leis? Existem outras espécies de normas jurídicas, diversas do que entendemos por “lei”?
Essas questões se dissipam no estudo da classificação das normas jurídicas.

Vejamos o significado de “lei”, a partir de sua etimologia:

 do verbo latino legere, que significa “ler” – norma escrita, que se lê, em oposição às
normas costumeiras, que não são escritas.
 ligare, que significa “ligar”, “obrigar”, “vincular”. A lei obriga ou liga a pessoa a uma
certa maneira de agir .
 Eligere, que significa “eleger”, escolher, porque a lei é a norma escolhida pelo
legislador como o melhor preceito para dirigir a atividade humana.

Em suas origens, a palavra “lei” está ligada ao conceito de norma do comportamento humano,
isto é, à lei ética, moral ou humana e, especialmente, à lei jurídica. Mas há outra acepção do
vocábulo – leis físicas ou naturais. Ex.: Lei da gravidade, lei da propagação do som, etc.
Todas, porém, são “leis da natureza” e podem ser físicas ou morais. A lei física é o curso de
todos os fenômenos físicos da natureza e a lei moral é a regra das ações humanas.

Assim, vislumbramos numa ordem de generalidade decrescente, os três sentidos da palavra


“lei”:

 a lei em sentido universal, ou lei cósmica, que se aplica a todos os setores da natureza;
 a lei humana, ética, ou moral, que regulam o uso e o abuso de liberdade (respeito à
dignidade humana, dever de não mentir, solidariedade, etc.);
 a lei jurídica, constituída pelas normas de conduta impostas pela autoridade social.

Somente esta última nos interessa para efeito dos presentes estudos.

O vocábulo “lei jurídica”, em sentido amplo, abrange todas as normas jurídicas – a lei escrita,
o costume jurídico, a jurisprudência, etc.

Como definir a lei em sentido jurídico? Existem três acepções diferentes do termo “lei” no
campo do direito:

 em sentido amplíssimo, como sinônimo de norma jurídica, incluindo quaisquer regras


escritas ou costumeiras;
 em sentido amplo, a palavra lei ou legislação é empregada para indicar quaisquer
normas jurídicas escritas, sejam as leis propriamente ditas, oriundas do Poder
Legislativo, sejam elas decretos, medidas provisórias, regulamentos, resoluções,
portarias, ou outras normas baixadas pelo Poder Executivo;
 e, em sentido estrito ou próprio, “lei” é apenas a norma jurídica aprovada regularmente
pelo Poder Legislativo; poder competente, conforme alguns autores.

Entendida a norma jurídica como conceito mais amplo do que a lei em sentido estrito, nos
prenderemos agora na análise da lei neste último sentido, para melhor compreendermos o
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conceito de lei e suas características, para só depois classificarmos definitivamente todas as


normas jurídicas, onde de fato as leis e as normas jurídicas serão exemplificadas.

Conceito de lei em sentido estrito: É uma regra de direito geral, abstrata e permanente,
proclamada obrigatória pela vontade da autoridade legislativa competente e expressa de forma
escrita.

Três elementos integram esse conceito:

1. Elemento material – a norma jurídica é, em regra, uma norma de direito “geral”, “abstrata”
e “permanente”.

Norma geral - A generalidade da norma jurídica consiste em que ela obriga a todos os
membros da sociedade que se achem igual situação jurídica. É dirigida a todos os homens
residentes no País, a todos os cidadãos de uma cidade, a todos os funcionários públicos, a
todos os pais, a todos os vereadores, enfim, é geral para alcançar todas as pessoas de um
mesmo grupo.

Abstrata – não é destinada a um determinado caso concreto, mas sim, define normas de
"dever-ser", "dever-fazer", ou "dever-deixar-de-fazer" para o futuro, para várias situações
possíveis. Dispõe sobre ações ou situações definidas “abstratamente”, alcançando todos os
eventos da mesma espécie que ocorrerem no futuro. Exemplo: Art. 121 do Código Penal:
Matar alguém, pena: 6 a 20 anos. 

Permanente – A lei é uma norma permanente, isto é, tem continuidade no tempo e se aplica
indefinidamente aos casos ocorrentes, enquanto não for revogada ou não se esgotar o tempo
de sua vigência.

2. Elemento formal – é ainda necessário que esse preceito seja declarado obrigatório por
decisão do órgão legislativo competente. É esse, na terminologia jurídica usual, o aspecto
“formal” ou “orgânico” da lei. Mas qual é o órgão ou autoridade competente para exercer esse
poder? Quem é o legislador?

No Brasil, a Constituição estabelece que “O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso


Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal” (art. 44). O art. 48
diz que cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre
todas as matérias de competência da União.

Nos Estados, as Assembleias Legislativas são as casas onde são elaboradas as leis estaduais,
pelos Deputados Estaduais.

Nos municípios, o poder legislativo é exercido pelos vereadores, que elabora as leis
municipais nas Câmaras dos Vereadores.

3. Elemento Instrumental – sua forma escrita. A lei é sempre formulada num texto escrito
dividido em artigos, parágrafos e incisos e, muitas vezes, em capítulos, títulos, seções, etc.

Por ser escrita, distingue-se a lei do “costume jurídico”, que também é norma jurídica, mas
não escrita. Veremos mais adiante o que são os costumes jurídicos.
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VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA

VALIDADE

Para ser considerada válida a norma jurídica precisa ter sido inserida no sistema normativo
seguindo as exigências previstas para a Técnica da Formulação das normas jurídicas. Uma lei
só terá validade se houver sido submetida ao poder competente e passar por todos os trâmites
da normogênese, com a votação, promulgação e publicação da lei, na forma prevista na
Constituição Federal. Essa primeira análise é denominada de validade formal.

Além da validade formal, a norma jurídica necessita de que o seu conteúdo esteja em sintonia
com o sistema jurídico, ou seja, com as normas hierarquicamente superiores a ela, não
podendo, no caso brasileiro, ser contrária à Constituição Federal ou às Normas
infraconstitucionais superiores à norma que está se analisando. Esta é denominada como
validade material.

De acordo com Maria Helena Diniz, “uma norma inferior só será válida se fundar em uma
superior, reveladora do órgão competente e do processo para sua elaboração. (...) promulgada
por um ato legítimo de autoridade, não tendo sido revogada.”.

Eis, segundo aquela autora, os requisitos necessários para se constatar a validade formal:

1°) elaboração por órgão competente, legitimo, constituído para tal fim;

2°) competência ratione materiae do órgão, (a matéria objeto da norma deve estar contida na
competência do órgão);

3°) atenção e obediência aos processos ou procedimentos exigidos por lei para sua produção
(que nos EUA é chamado de due process of Law).

Não se confunde validade formal e a validade material. Validade formal se verifica com o
cumprimento das exigências legais para o procedimento de criação da norma jurídica,
enquanto validade material sugere a sintonia do seu conteúdo como o sistema jurídico posto e
hierarquicamente constituído.

Diante disto, podemos afirmar que a norma jurídica só será válida se preencher todos os
requisitos da validade formal e estiver em sintonia com a validade material.

VIGÊNCIA

O artigo 1° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro institui que “salvo


disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de
oficialmente publicada”.

A vigência é propriedade das regras jurídicas que estão prontas para propagar efeitos, tão logo
aconteçam, no mundo fático, os eventos que elas descrevem.
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Sendo válida, a norma pode iniciar sua vigência, que é a aptidão para produzir seus efeitos no
mundo jurídico e no mundo fático.

Segundo Paulo de Barros Carvalho, “Viger é ter força para disciplinar, para reger, cumprindo
a norma seus objetivos finais”.

Não se confundem vigência e validade. Validade é a condição de estar a norma integrada ao


ordenamento jurídico, formal e materialmente. Vigência é a própria existência fática da norma
no universo jurídico, o que ocorre após sua publicação e, se for o caso, transcurso do período
da vacatio legis (vacância da lei, que estudaremos em ponto posterior).

Uma norma pode ser válida e não ser vigente, uma vez que pode está submetida a uma
condição suspensiva ou de vacância, ou, ainda, ter tido sua vigência encerrada. Por outro lado,
a validade sempre será pressuposto para a vigência, consequentemente todas as normas
vigentes terão que ser necessariamente válidas.

A norma será vigente quando puder ser exigida.

EFICÁCIA

A eficácia está relacionada com a produção de efeitos.

Paulo de Barros Carvalho divide este instituto em Eficácia Técnica, Eficácia Jurídica e


Eficácia Social.

Eficácia técnica – quando a lei descreve fatos que, uma vez ocorridos, tenham aptidão de
irradiar efeitos jurídicos.

Eficácia jurídica – está presente quando os fatos jurídicos desencadeiam as consequências que
o ordenamento prevê. Está relacionada com o fato de o Estado ter aparato jurídico para fazer a
norma ser cumprida. Isto é, se os agentes estatais têm condições de fazer a norma ser exigida.

Eficácia social – ocorre quando há produção concreta de resultados na ordem dos fatos
sociais. A norma pode ser válida, estar em vigência, mas não ter eficácia social. Isso pode
ocorrer por dois motivos:

1. impossibilidade material ou ausência de condições (ex. norma que prevê obrigação de uso
de certo equipamento para certa atividade, mas que ainda não está disponível ou acessível a
todos os que devem observar, como aconteceu no início de exigências como a de ponto
eletrônico no trabalho ou de cadeirinha para criança no automóvel);

2. por desobediência a norma, quando a norma não tem sucesso, ou no popular, quando a
norma “não pega” (ex.: norma que prevê o fim das sacolinhas plásticas nos supermercados).

Neste ponto da matéria é imprescindível ler o material de apoio


complementar intitulado ‘PROCESSO LEGISLATIVO E AS ESPÉCIES
LEGAIS’, que está à disposição no Site e na Pasta do Professor. Pegue o
referido material e leia antes da próxima aula.
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Agora sim! Depois de conhecermos melhor o objeto, estamos prontos para classificar as
normas jurídicas.

Toda classificação é baseada em critério determinado. Por esta razão, é imenso o número de
classificações possíveis para as normas jurídicas, a saber:

 Quanto à hierarquia
 Quanto à obrigatoriedade
 Quanto à sanção
 Quanto à natureza de suas disposições
 Quanto à sua aplicabilidade
 Quanto à sistematização
 Quanto à esfera do poder público onde se origina
 Dentre outras formas apresentadas pela diversificação doutrinária.

 
4.1.2.1. Quanto à hierarquia

a) Constituição Federal + Emendas Constitucionais

b) Leis Complementares

c) Leis Ordinárias

d) Leis Delegadas (art. 68, CF)

e) Medidas Provisórias (art. 62 CF)

f) Decretos Legislativos

g) Resoluções do Congresso

h) Decretos regulamentares ou regulamentos

i) Outras normas de hierarquia inferior. (Portaria, Instruções normativas, Ordens de serviço,


Resoluções, Regulamentos de empresas, Contratos (lei entre as partes).

Atenção, autores de nosso tempo vêm firmando entendimento doutrinário no sentido de


que não existe hierarquia entre Leis Complementares e Leis Ordinárias. O STF também
assim o declarou.

Aqueles que defendem a tese da existência de hierarquia argumentam que o constituinte, ao


tratar a lei complementar como espécie normativa diferenciada no art.59 , CF e ao exigir
quorum especial para a sua aprovação (art. 62 , CF), posicionou-a numa escala intermediária
entre as leis ordinárias e as normas constitucionais, ou seja, admitem a existência de
hierarquia entre as leis ordinárias e leis complementares.

Já os contrários a esse entendimento argumentam que as leis complementares e ordinárias são


espécies normativas primárias, que retiram sue fundamento de validade diretamente
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da Constituição Federal , não havendo que se falar em hierarquia entre ambas, mas sim, em
atuação distinta, o seja, de competência distinta de cada uma delas.

Assim, a lei complementar se caracteriza por dois principais aspectos: pelo campo obrigatório
de atuação expressamente delineado pelo legislador constituinte e pelo quorum especial para a
sua aprovação (maioria absoluta*), diferente daquele exigido para a aprovação da lei
ordinária.
A tese que prevaleceu na jurisprudência do STF foi a da não existência de hierarquia entre lei
complementar e lei ordinária. Para o STF, não existe hierarquia entre essas espécies
normativas, sendo que a distinção entre elas deve ser aferida em face da Constituição ,
considerando o campo de atuação de cada uma.

Portanto, se lei complementar pode veicular matéria reservada à lei ordinária, sem incorrer em
vício de inconstitucionalidade formal, mas, nesse caso, tal lei só será apenas formalmente
complementar (será materialmente ordinária), isto é, o conteúdo dessa lei permanecerá com
status ordinário. Logo, poderá ser posteriormente modificada ou revogada por lei ordinária.
Já a lei ordinária, assim como outras espécies normativas (lei delegada, medida provisória)
não podem regular matéria reservada pela Constituição Federal à lei complementar, sob pena
de incorrerem em vício de inconstitucionalidade formal.

*A diferença entre maioria simples e maioria absoluta é a quantidade de pessoas que estarão
presentes… na maioria absoluta não importa a quantidade de pessoas sempre a maioria absoluta
será fixa… por exemplo, se existe 100 deputados, mas comparece 54, a maioria absoluta de votos
deve ser no mínimo 51 votos. Pegando o mesmo exemplo, na maioria simples seria de 28 votos.

4.1.2.2. Quanto à obrigatoriedade

Com base na sua força obrigatória, as leis podem ser:

a) Leis Imperativas: (CF Art. 5º II)

Possuem obrigatoriedade absoluta. Vale dizer, mandam ou proíbem de modo incondicionado


– não podem deixar de ser aplicadas. Podem nos obrigar a fazer algo (imperativa
positivamente) ou a não fazer algo (proibitiva). Podem Assim ser subdivididas em:  

- Imperativas propriamente ditas ou Imperativas positivamente.

Ex. Código Civil – “Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no


casamento:
        I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da
celebração do casamento;
        II - da pessoa maior de sessenta anos;
        III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial."

    - Proibitivas – “Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período
do serviço militar obrigatório, os conscritos.” (Constituição Federal, art. 14, § 2º).
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b) Leis Dispositivas

Também denominadas indicativas, são as que se limitam a permitir determinado ato ou a


suprir a manifestação da vontade das partes. Podem ser subdivididas em:

- Permissivas – corresponde ao Direito Faculdade. Ela nos permite fazer algo mas não nos
obriga. “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens
o que lhes aprouver” (CC, art. 1.639). “O consumidor pode desistir do contrato no prazo de 7
(sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato do recebimento do produto ou serviço, sempre
que a contratação de fornecimento de produtos ou serviços ocorrer fora do estabelecimento
comercial, especialmente por telefone ou a domicílio” ( Código de Defesa do Consumidor,
art. 49).

- Supletivas – suprem a falta de manifestação da vontade das partes. Só se aplicam quando os


interessados não disciplinarem suas relações. Ex.: “Efetuar-se-á o pagamento no domicílio do
devedor, salvo se as partes convencionarem diversamente, ou se o contrário resultar da lei, da
natureza da obrigação ou das circunstâncias.” (CC, art. 327).

4.1.2.3. Quanto à sanção

a) Perfeitas

São aquelas cuja sanção consiste na nulidade automática ou na possibilidade de anulação do


ato praticado contra sua disposição. Violando uma lei perfeita o ato praticado é nulo. Ex. Art.
1.548 CC / CLT Art. 9º e 468

Art. 468 CLT "Nos contratos individuais de trabalho só é lícita qualquer alteração com mútuo
consentimento e ainda assim, desde que, direta ou indiretamente não resultem prejuízo ao
empregado sob pena de nulidade.

Ato nulo x ato anulável


- Ato nulo não produz efeito nunca.
- Ato anulável produz efeito enquanto não anulado.
 

b)Imperfeitas

Ao contrário da perfeita, não prevê anulação do ato nem qualquer outra penalidade quando
são violadas. Não são dotadas de sanção, apenas visam orientar ou dificultar determinados
atos.

Ex.: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e


incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205, CF).
 

c) Mais que perfeitas

Sua violação acarreta nulidade do ato e ainda a imposição de uma pena ou castigo.
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Ex.: “Contrair alguém, sendo casado, novo casamento: Pena – reclusão de 2 a 6 anos”
(Código Penal, art. 235).

 
d) Menos que perfeitas

Aquelas cuja violação não provoca a nulidade do ato, mas traz uma penalidade para o ato.

Ex.: “O viúvo ou a viúva, com filhos de cônjuge falecido, que se casar antes de fazer o
inventário do casal e der partilha aos herdeiros, perderá o direito ao usufruto dos bens dos
mesmos filhos.” (CC/1916, art.225).

4.1.2.4. Quanto à natureza de suas disposições

a) Leis materiais (substantivas) ® (O que)  - Definem relações jurídicas ou criam direitos. É o


caso das disposições do Código Civil, Código Comercial ou Código Penal.

b) Leis processuais (adjetivas) ® (Como) – Regulam o modo ou o processo para fazer


cumprir as leis substantivas. Códigos Processuais.

4.1.2.5. Quanto à sua aplicação (aplicabilidade)

a) Auto Aplicáveis - Vem completas, com todos os requisitos exigidos para que produza os
efeitos esperados. Apresentam todos os requisitos necessários para sua vigência imediata ou
no prazo legal. Ex.: CF “Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos ou rurais...
XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;”

b) Dependentes de Regulamentação - será dependente de regulamentação quando tácita ou


expressamente seu texto assim exigir.
Ex.: Art. 7º, XIX, CF -> "licença-paternidade, nos termos fixados em lei”.

4.1.2.6. Quanto à sistematização

a) Leis Avulsas, esparsas ou extravagantes:


Nas leis esparsas ou avulsas não existe nenhum tipo de sistematização, o que dificulta sua
utilização. São editadas isoladamente. Ex.: Lei de falências.

b) Leis codificadas ou Códigos:

Constituem um corpo orgânico de normas sobre determinado campo do direito. Ex.: Código
Civil, Código Penal, etc..

c) Consolidação - É a reunião de forma organizada de leis esparsas já existentes em um único


volume. Esse momento também se presta para a criação de novos direitos. Como se vê, é um
meio caminho entre a lei avulsa e o Código. Atualmente no Brasil só existe uma
consolidação: a Consolidação das Leis de Trabalho.
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4.1.2.7. Quanto à esfera do poder público

No Brasil essa origem tanto pode ser a União (Leis Federais) como os Estados (Leis
Estaduais) e ainda os Municípios (Leis Municipais).
No topo da Hierarquia encontramos as Leis Federais, em 2º as Estaduais e em 3º as
Municipais.

a) Leis Federais - São elaboradas no Congresso Nacional, poder Legislativo. Valem para todo
o território Nacional.

b) Leis Estaduais - São aquelas preparadas nas assembléias legislativas de cada Estado. São
válidas e aplicáveis somente no Estado onde foram discutidas, votadas e aprovadas. A Lei
Estadual não pode contrariar a Lei Federal.

c) Leis Municipais - Têm sua origem nas Câmaras Municipais ou Câmaras de Vereadores,
valem exclusivamente no município onde foram aprovadas. A Lei Municipal não pode
contrariar a Lei Estadual nem a Lei Federal.

A competência normativa de cada uma dessas esferas está fixada pela CF, nos arts. 22, 23, 24,
25, 29, e 30.

4.1.3. Aplicação das Leis no Tempo e No Espaço

ESTUDOS NA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO

DECRETO-LEI N.º 4.657, DE 04 DE SETEMBRO DE 1942, com as alterações introduzidas


pela Lei n.º 3.238, de 1º de agosto de 1957.

4.1.3.1. Conflito de Leis no Tempo

O princípio da irretroatividade da lei, que assevera que a lei não pode provocar efeitos antes
do período de sua vigência, é consagrado na maioria dos ordenamentos mundiais. Contudo,
no Brasil, tal princípio não é absoluto, posto que a própria Constituição Federal não veda a
retroatividade de qualquer lei, com exceção da norma penal que não beneficie o acusado
("Art. 5º, XL – A lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;")

Assim, a regra poderá iniciar sua vigência somente após a sua inserção no ordenamento
jurídico. A LINDB – Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, estipula um lapso
para que essa norma inicie a sua vigência – 45 dias – tempo ideal (com base na realidade
tecnológica de 1942) para que o comando legal chegue ao conhecimento da população. Esse
período chama-se vacatio legis. Vale ressaltar que o período de 45 dias é supletivo, aplicável
sempre que a lei não dispor de lapso próprio diverso para entrar em vigor, pois a LINDB
ressalva, da regra dos 45 dias, as disposições em contrário contidas na própria lei, portanto, a
vacatio legis pode variar de acordo com o expressamente definido na lei a entrar em vigência,
podendo esta dispor que sua vigência iniciará dali a trinta ou sessenta dias, ou, ainda, dali a
um ano (como se deu com a Lei n.º 10.406/2001 – novo Código Civil), ou mesmo no exato
dia de sua publicação. A contagem do referido prazo se inicia no dia seguinte ao da
publicação, como se dá com a maioria das contagens de prazo no Ordenamento Pátrio.
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A vacatio legis não deve ser entendida como um "tempo sem lei". Em tese, naquele período,
continua a viger a norma anterior, que está para ser revogada.

A publicação tornará a regra conhecida e, assim, obrigatória. O veículo utilizado para sua
publicação deverá, por regra, ser órgão oficial do ente criador da norma:

 no caso de lei federal – Diário Oficial da União;


 no caso de lei estadual – Diário Oficial do Estado;
 no caso de município – Diário Oficial do Município (se o tiver)

Como a maioria dos municípios brasileira não tem um Diário Oficial, a publicação da lei
municipal poderá se dar em jornais de maior circulação naquele município ou, na falta deste,
em jornais de grande circulação no Estado. Em pequenos municípios, será válida a publicação
até mesmo com a afixação da lei em local de fácil acesso ao público, como no Prédio da
Prefeitura, no Fórum, na Igreja ou no Clube Social.

Justifica-se analisar a eficácia da lei brasileira em solo internacional. Exemplo disso seria uma
lei que impõe regras ao funcionalismo público, que deverá ser obedecida pelos funcionários
das embaixadas brasileiras no exterior, os cônsules, os diplomatas, etc. A obrigatoriedade, no
exterior, de lei recém sancionada no Brasil, iniciará com uma vacatio legis especial – de três
meses após sua publicação. Sempre que o período de início de vigência for superior a três
meses, será essa também a vacatio legis no estrangeiro.

Nova publicação da lei durante a vacatio legis determina o reinício do período de transição. É
relativamente freqüente no Brasil nova publicação de uma lei com a observação "republicada
por ter saído com incorreção". Nesses casos, o início da vacatio legis se deslocará para a data
da publicação definitiva. Note-se que eventual publicação após o término da vacatio legis,
portanto já na vigência da lei, será entendida como revogação dessa norma.

Em regra, as correções a texto legal ocorrem em relação a alguns dispositivos da norma e não
em todo o seu texto, sendo rara, assim, a ab-rogação pela norma posterior. De qualquer
maneira, a parte corrigida será tida como lei nova, iniciando-se, com a publicação, sua
vacatio legis.

Quanto ao período de vigência da norma, observamos duas possibilidades: a vigência poderá


ser temporária ou determinada; ou poderá ser permanente ou indeterminada. Se temporária,
não pairam dúvidas acerca de sua vigência, já que estará expressamente delineada pelo texto
da lei. Em se tratando, porém, de norma que silencia quanto ao espaço temporal em que estará
em vigor, sua vigência se dará até que outra norma posterior a modifique ou revogue.

Derrogação e ab-rogação são espécies de revogação, que constitui o gênero. Quando uma
nova lei modifica outra que lhe seja anterior, apreende-se que a revogou parcialmente – há aí,
a derrogação da referida norma. Caso ocorra a supressão da norma em sua totalidade, por
outra que lhe seja posterior, estaremos diante da ab-rogação da referida norma.

A derrogação não retira a vigência da norma que lhe foi objeto, senão em relação à parcela a
que se refere, enquanto a norma ab-rogada é eliminada da ordem jurídica da qual fazia parte.

Cabe salientar que uma norma só pode ser revogada por outra posterior e que esteja no
mesmo plano hierárquico ou no plano superior daquela que lhe antecedeu.
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A revogação será expressa ou direta quando o corpo da nova lei, literalmente, a prever. Será
tácita ou indireta quando se constatar a incompatibilidade, parcial ou total, do conteúdo
normativo posterior com o anterior.

Verificando-se que a nova lei se ocupa integralmente da matéria objeto da lei anterior,
ocorrerá a revogação tácita desta última. Mas é imprescindível reconhecermos que não haverá
revogação alguma, caso a lei posterior, mesmo tratando da matéria de lei precedente, com ela
possa coexistir harmonicamente na ordem jurídica, ou seja, o critério é a existência de um
conflito legal ou, então, a explícita indicação da derrogação ou da ab-rogação da regra antiga.

A revogação de uma lei que veio revogar uma anterior não devolve à primitiva a sua vigência.
Assim, imaginemos que a Lei "A" (anterior), foi revogada pela Lei "B"(posterior). Se uma tal
Lei "C" (que é posterior à Lei "B") revogar a Lei "B", não fará com que a Lei "A" retorne
automaticamente ao ordenamento, o que só poderá ocorrer se a Lei "C" assim o definir
expressamente. Essa regra reflete a proibição da repristinação tácita, ou seja, uma lei
revogada não readquirirá vigência pela simples ab-rogação daquela que lhe retirou o vigor.

Retroatividade e Irretroatividade da Lei

Retro (para trás) + Atividade (Ação) – Retroatividade significa “atividade ou ação para trás”,
vale dizer, é quando a lei, ao entrar em vigor, provoca efeitos em atos ou fatos passados,
ocorridos antes de sua vigência.

Esse problema recebe o nome de conflito das leis no tempo, ou direito intertemporal.

Irretroatividade da lei, por sua vez, é a impossibilidade de alcançar fatos e atos pretéritos,
quando a lei não pode produzir efeitos que atinjam as relações anteriores à sua vigência.

No Brasil, os casos gerais em que a lei não pode ter efeito retroativo estão fixados na
Constituição Federal, art. 5º, XXXVI: “A lei não prejudicará: o direito adquirido, o ato
jurídico perfeito e a coisa julgada.”.

Também a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Art. 6º: “A lei em vigor terá
efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e coisa julgada”.

Direito adquirido é aquele que já se incorporou ao patrimônio ou personalidade do indivíduo.


Direito adquirido é diferente de expectativa de direito, que se configura com a simples
possibilidade de se adquirir um direito.

O mesmo art. 6º define o que vem a ser “ato ou fato jurídico perfeito” (aquele já consumado
segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou - § 2º) e, no § 3º, define “coisa julgada”
(decisão judicial de que não caiba mais recurso).

Importante salientar que só se considera coisa julgada a decisão proferida em matéria de


jurisdição contenciosa (quando existem dois ou mais interesses em conflito, ou seja, quando
existe um litígio. Ex.: ação de cobrança), Diferente é a jurisdição voluntária, onde não se
figura um litígio, mas apenas um pedido do autor para que o judiciário lhe garanta ou
reconheça um direito.
13

Assim, as leis e demais normas jurídicas aplicam-se aos fatos presente e aos anteriores à sua
edição, exceto àqueles que se enquadram nas hipóteses configuradas na Constituição.
Também se excetua o Direito Penal. A irretroatividade é a regra neste ramo do Direito. A lei
penal não tem efeito retroativo, a não ser nas ocasiões em que a retroatividade possa
beneficiar o réu (art. 2º, Código Penal).

4.1.3.2. Conflitos de Leis no Espaço

Enquanto o conflito de leis no tempo se configura pela existência de duas leis nacionais,
promulgadas em épocas distintas e que regulam uma igual ordem de interesses, o conflito de
leis no espaço caracteriza-se pela concorrência de leis pertencentes a diferentes Estados
soberanos.

A questão dos conflitos de leis no espaço sempre foi muito controvertida e, muitas vezes, a
escolha da lei aplicável ao caso concreto é muito difícil. O problema da eficácia da lei no
espaço e os conflitos daí derivados competem ao direito internacional privado. A questão do
conflito de leis, quando as relações situam-se no campo das relações internacionais, envolve o
universo multiestatal onde coexistem o Direito Internacional Público e o Direito Internacional
Privado, envolvendo a soberania e os interesses de todos os agentes que participam das
relações internacionais, sejam pessoas de direito público ou pessoas de direito privado.

Entre os princípios básicos que o direito Interespacial apresenta, temos:

a) Territorialidade - aplicação das leis locais sem considerar as alienígenas. O juiz não poderá
aplicar outras leis senão as nacionais (Arts. 8º e 9º da LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS
DO DIREITO BRASILEIRO).

b) Extraterritorialidade - corresponde aos efeitos das leis além das fronteiras do país, havendo
permissão legal ao juiz para aplicar normas estrangeiras (Art. 17, da LINDB).

O princípio da territorialidade da lei prega que toda norma tem campo de aplicação limitado
ao espaço guardado pelas limitações fronteiriças do território do Estado que a promulgou.
Aqui, esse espaço inclui as terras ou território propriamente dito, as águas nacionais e a
atmosfera que o cobre, além, no nosso caso, do espaço interno das embarcações brasileiras e
das embaixadas, que também são considerados extensões do território nacional.

Através de tratados internacionais, também é possível admitir a aplicação de leis estrangeiras


em território nacional e vice-versa, nos casos específicos previstos nas leis nacionais e nos
referidos tratados. Os casos mais comuns são os de estrangeiros que interferem em relações
jurídicas no território nacional, ou quando um nacional possui bens ou realiza negócios
jurídicos em território estrangeiro, ou, ainda, em matéria penal, quando se reivindica a
extradição de um criminoso.

No Brasil, o princípio da territorialidade regula o regime jurídico de bens e de obrigações,


como previsto nos caputs dos arts. 8º e 9º da LINDB.
14

Já no tocante ao começo e o fim da personalidade, o nome e a capacidade das pessoas, os


direitos de família e a sucessão, serão aplicadas as normas do país em que for domiciliada a
pessoa. (art. 7º).

O art. 10 prevê que a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era
domiciliado o defunto ou o desaparecido.

Sobre a autoridade competente para conhecer e julgar as ações no caso de possíveis conflitos
de jurisdição, dispõe o art. 12: “ É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o
réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação”.

Em proteção à soberania, à ordem pública e os bons costumes, prega o art. 17: “As leis, atos e
sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no
Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.
15

4.2. FONTES DO DIREITO

A expressão "fonte" vem do latim fons, fontis, nascente, significando tudo aquilo que origina,
que produz algo. O estudo das espécies de normas jurídicas está estreitamente vinculado ao
problema das fontes do direito. De que fontes provém o direito positivo (as normas jurídicas)
de uma nação? Das leis escritas? Dos usos e costumes? Das decisões dos tribunais? Das
reflexões dos juristas?

Fonte é o ponto em que surge o veio de água. É o lugar que ela passa do subsolo à superfície,
do invisível ao visível. Fonte é o próprio curso de água, no ponto de transição entre as duas
situações. É a sua primeira aparição na superfície da terra.

De forma semelhante, a fonte do direito é o próprio direito, em sua passagem de um estado de


fluidez e invisibilidade, ao estado de segurança e clareza. Procurar a fonte de uma regra
jurídica significa investigar o ponto em que ela saiu das profundezas da vida social para
aparecer na superfície do direito. Assim, dizemos que a obrigação do serviço militar tem sua
fonte na Constituição Federal.

As fontes do direito podem ser:

4.2.1. Fontes formais – os instrumentos que dão a uma regra social o caráter de direito
positivo e obrigatório.

4.2.1.1. Fontes formais primárias.

As fontes formais primárias correspondem às normas que são efetivamente acatadas como lei
pelos membros de uma sociedade e cuja necessidade de observância é não só reconhecida,
mas também imposta, coativamente, pelos órgãos estatais com poder para tanto. Equivalem às
"fontes de Direito Positivo". A legislação – leis e demais normas produzidas pelo Estado são,
no nosso sistema jurídico, as principais fontes do direito e em relação a elas se observa a
seguinte hierarquia:

Constituição Federal e Emenda Constitucional;


Lei Complementar;
Lei Ordinária, Código, Lei Delegada, Acordo ou Tratado Internacional, Decreto-Lei e Medida
Provisória;
Decreto Legislativo, Resolução e Decreto;
Normas Complementares (portarias, instruções normativas, ordens de serviços, atos
declaratórios).

Já notamos então, que a lei é a mais importante das fontes formais da ordem jurídica. Com
efeito, ela serve de base para a solução da maior parte dos problemas do direito. Mas então as
demais fontes devem ser eliminadas ou ignoradas? Não! A legislação nunca conseguirá
englobar todos os casos ocorridos na vida social, por isso, as demais fontes do direito têm
grande importância para a formação da consciência jurídica de uma sociedade.
16

4.2.1.2. Fontes formais secundárias.

As fontes formais secundárias são os costumes, a jurisprudência, a doutrina, o poder negocial


e o poder normativo dos grupos sociais.
Sobre as fontes formais primárias, já nos retivemos em análise quanto a sua natureza, conceito
e classificação. Vejamos agora um pouco sobre as fontes formais secundárias.

a) OS COSTUMES JURÍDICOS

Conceito

É a norma jurídica que resulta de uma prática geral constante e prolongada, observada com a
convicção de que é juridicamente obrigatória.

Elementos

Para que certo uso se transforme em costume jurídico é necessária a constatação da ocorrência
de dois elementos ou condições:

- elemento externo ou uso - deve ser praticado por longo tempo, de forma constante e geral,
aplicando-se a todos os casos compreendidos naquela espécie, naquele lugar;

- elemento interno ou psicológico – é necessária a convicção de que ele é obrigatório, de que


constitui uma regra ou preceito correspondente a uma necessidade jurídica.

Apresenta-se, pois, como uma verdadeira norma jurídica, criada espontaneamente pela
consciência comum do povo e não editada pelo poder público.

Sua importância

A sua importância é de caráter histórico, posto que fonte originária do direito. Existem países
de direito predominantemente costumeiro, como a Inglaterra e os EUA.

Quanto à importância do Costume, existem duas correntes extremadas de pensamento. Uma


acentua a importância do costume e pretendem reduzir todo o direito ao costume jurídico; a
outra nega valor ao costume. Para esses, a lei é um valor absoluto, onipotente e a única fonte
das normas jurídicas.

Montoro ensina que cada fonte de direito tem sua função própria. Que em relação à lei, os
costumes apresentam vantagens e desvantagens:

- Vantagens – A grande vantagem do costume sobre a lei é que o costume é dinâmico e


mutável, acompanhando a evolução da consciência coletiva de certa sociedade,
correspondendo sempre à vida real.. As leis permanecem rígidas, engessadas, até que seja
alterada, revogada ou vire letra morta.

- Desvantagens – O costume, por não ter uma formulação escrita, fixa e clara, presta-se a
maior número de dúvidas e insegurança.
17

Aplicações do costume

- No Direito Comercial – A aplicação dos costumes é maior no Direito Comercial. Os "usos e


costumes" comerciais mais comuns numa determinada praça são periodicamente reunidos em
compilações, pelas Juntas Comerciais. Não têm caráter impositivo, apenas informa sobre os
costumes vigentes em determinada praça.

- No Direito Penal – No Direito Penal moderno o costume não tem acolhida como fonte
normativa. Por proteção de princípio penal, ninguém poderá ser condenado criminalmente
com fundamento no costume. É o que garante o art. 1º do CP – "Não há crime sem lei anterior
que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal".

- Direito Internacional – No Direito Internacional as normas costumeiras têm maior


importância, determinada pela inexistência de um Estado mundial, capaz de legislar. O
costume, juntamente com os tratados ou convenções internacionais, é fonte formal dos
direitos e obrigações regulados pelo direito internacional. Sua obrigatoriedade procede de
uma prática geral admitida como lei.

- Direito Administrativo – No Direito Administrativo, o costume, a praxe administrativa, a


reiteração dos casos, servem geralmente de elemento essencial à construção não só da
doutrina, mas também das demais normas jurídica.

- Direito Civil – É raro encontrar um costume com caráter de norma jurídica no Direito Civil.
Ele é admitido, excepcionalmente, para suprir lacunas ou deficiências da lei. O art. 4º da Lei
de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – dispões que: "Quando a lei for omissa, o juiz
decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito".

É o caso do art. 445, § 2º:


Seção V
Dos Vícios Redibitórios
............................................       
Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo
de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já
estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.
        § 1o ...................................
        § 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os
estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no
parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.

Espécies

- segundo a lei (Secundum legem) – quando a lei a ele se reporta expressamente,


reconhecendo sua obrigatoriedade. Ex.: art. 569, II, do Código Civil – "O locatário é
obrigado: (...); II – a pagar pontualmente o aluguel nos prazos ajustados e, em falta de ajuste,
segundo o costume do lugar".
- na falta da lei (praeter legem) – quando intervém na falta ou na omissão da lei. A lei deixa
lacunas que são preenchidas pelo costume. Ex.: A lei silencia quanto ao modo pelo qual o
arrendatário deve tratar a propriedade arrendada; devemos então socorrer-nos dos costumes
locais;
18

- contra a lei (contra legem) – quando contraria o que dispõe a lei. Pode se dar no desuso,
quando o costume supre a lei, que vira letra morta, ou no costume ab-rogatório, que cria uma
nova regra.

Embora as duas primeiras espécies sejam bem aceitas pela doutrina, as legislações
naturalmente negam a possibilidade de um costume contra a lei escrita. É o caso da disposição
da LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO, art. 2º - “Não se
destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue”. Da
controvérsia formaram-se duas correntes distintas: de um lado, a tendência racionalista,
legicista ou formalista, que rejeita a validade dos costumes contra legem, por incompatível
com a regra de que as leis só se revogam por outras leis; e de outro, as escolas de orientação
histórica, sociológica e realista sustentam que o costume contra legem representa a “revolta
dos fatos contra os códigos” e constitui o verdadeiro direito positivo da comunidade.

b) A JURISPRUDÊNCIA

Conceito

Como fonte formal do direito, Jurisprudência é o conjunto de decisões uniformes e constantes,


sobre casos semelhantes.

Não se confunde com sentença. Esta, isoladamente, é decisão individualizada, aplicável a um


caso concreto específico, enquanto a jurisprudência constitui uma norma geral, resultante das
seguidas e idênticas decisões dos tribunais acerca de pedidos semelhantes.

A formação da jurisprudência

Da mesma forma que o costume se forma pela repetição de fatos individuais, a jurisprudência
se constitui através de sentenças idênticas. Daí a aproximação entre a jurisprudência e o
costume. Há certas características que permitem distinguir, com clareza, o costume da
jurisprudência:

 o costume é criação da consciência comum do povo e a jurisprudência é obra


exclusiva dos juizes e tribunais;
 o costume nasce naturalmente, do exercício de direitos e obrigações. A jurisprudência
decorre de decisões sobre casos em conflito;
 o costume é espontâneo; a jurisprudência é reflexiva; provém do trabalho de reflexão
dos julgadores.

Tanto a jurisprudência quanto a lei traçam uma norma jurídica geral. Mas se distingue a
jurisprudência por sua maior flexibilidade e maleabilidade.

O Juiz não é o aplicador mecânico das regras legais, mas um verdadeiro criador de direito
vivo, enquanto a lei é a “justiça inanimada”.

Em algumas matérias, a jurisprudência antecipa-se ao trabalho legislativo, chegando mesmo a


abalar conceitos tradicionais.
19

Importância da jurisprudência como fonte de direito

Entendem alguns doutrinadores que, “por mais reiterada que seja, a jurisprudência não
constitui norma imperativa como fonte formal do direito positivo”, afirma Washington de
Barros. Nenhum juiz está obrigado a decidir em determinado caso concreto de acordo com a
jurisprudência dos Tribunais Superiores, por mais firmada que seja.

Em oposição se coloca a chamada “escola do direito justo”, de H. Kantorowics, que sustenta,


em nome da justiça e da elaboração social do direito, a validade da jurisprudência, até mesmo
contrária ao texto da lei.

O reconhecimento da validade e importância normativa da jurisprudência pode ser


demonstrado pela criação da “Súmula da Jurisprudência Predominante”, do Supremo Tribunal
Federal, que é publicada oficialmente, como Anexo ao Regimento daquele Tribunal.

É, assim, impossível negar à jurisprudência o valor da verdadeira fonte jurídica. E o Supremo


Tribunal Federal o confirma ao admitir que “a invariável seqüência dos julgamentos torna-se
como que o suplemento da própria legislação” (RT 199/608).

c) A DOUTRINA

Conceito

Do latim doctrina, de decere (ensinar, instituir, mostrar), na terminologia jurídica, é tido, em


sentido lato, como o conjunto de princípios expostos nos livros de Direito, em que se firmam
teorias ou se fazem interpretações sobre a ciência jurídica. Mas, em acepção mais estreita,
quer significar a opinião particular, admitida por um ou vários jurisconsultos, a respeito de um
ponto de direito controvertido. E, neste sentido, aplica-se mesmo o vocábulo para exprimir o
princípio que se possa firmar em uma sentença ou num acórdão, desde que, por ele, se
estabeleça um esclarecimento a respeito da aplicação do direito, for por força da doutrina, que
ali se encerra. (SILVA,De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15.ed. Rio de Janeiro: Forense,
1999, p.291).

Doutrina é o estudo de caráter científico que os juristas realizam a respeito do direito, seja
com o propósito puramente especulativo de conhecimento e sistematização, seja com a
finalidade prática de interpretar as normas jurídicas pra sua exata aplicação. Em outras
palavras, é o resultado da atividade dos juristas (estudiosos do Direito) em pesquisas, análise e
interpretação das normas jurídicas, ensinamentos dos professores, pareceres dos
jurisconsultos, opiniões dos tratadistas, etc. Assim podemos exemplificar com um livro de
Direito, uma monografia, uma tese, um artigo, etc..

A doutrina como fonte do direito

Há os que negam à doutrina o caráter de norma jurídica. Os que o fazem (Paulo de Barros
Carvalho, Miguel Reale e outros), vêem na doutrina somente um instrumento para
compreender o Direito e não um instrumento capaz de alterar a sua natureza prescritiva – sua
forma escrita.
20

Inegável que a doutrina vem ganhando importância cada vez maior na formação do direito,
pois é hoje um importante recurso à produção de normas jurídicas individuais para preencher
determinadas lacunas, sendo valiosa fonte de cognição.

No nosso direito o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prevê o


recurso aos princípios gerais do direito, sendo que muitos deles são de formação doutrinária.
É a doutrina que constrói noções gerais, conceitos, classificações, teorias, sistemas.

É na obra dos juristas que se encontram a origem de inúmeras disposições de lei e a inspiração
de julgados que inovam e aperfeiçoam o direito. Foi o que se deu com as teorias da
imprevisão, do abuso do direito, do direito social, do direito da concubina e dos filhos
adotivos e adulterinos, da responsabilidade civil em geral e do dano moral, etc..

O art. 1246 do Código Civil de 1916, consagrava, explicitamente, o princípio da


imutabilidade do preço nos contratos de empreitada:

“Art. 1.246 - O arquiteto, ou construtor, que, por empreitada, se incumbir de executar uma
obra segundo plano aceito por quem a encomenda, não terá direito a exigir acréscimo no
preço, ainda que o dos salários, ou o do material, encareça, nem ainda que se altere ou
aumente, em relação à planta, a obra ajustada, salvo se se aumentou, ou alterou, por
instruções escritas do outro contratante e exibidas pelo empreiteiro.”

Ante a realidade social, a doutrina jurídica moderna e os tribunais já admitiam, mesmo antes
da Lei 10.406/02 – novo Código Civil –, a possibilidade de revisão dos contratos, em casos
graves, quando da superveniência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis por
ocasião da formação dos pactos, que tornem impossível a execução do contrato. É a teoria da
imprevisão, criada a partir de estudos doutrinários, em análise do texto da lei, para adequar a
norma aos preceitos da justiça.

d) O PODER NEGOCIAL

E o contrato, deve ser incluído como fonte do direito?

As pessoas físicas ou jurídicas criam normas contratuais, exercendo um poder limitado


legalmente, que as vincula à prática dos direitos e deveres avençados. O negócio jurídico
resultante desse poder é ato de autonomia privada com o qual o particular regula por si os
próprios interesses. Assim, um contrato de locação fará lei entre as partes quanto às cláusulas
ali pactuadas, mas não poderá contrariar as normas gerais pertinentes, no caso, o Código
Civil.

As partes contratantes acordam que se deve conduzir de determinada maneira, uma em face
da outra. A norma jurídica negocialmente criada, que não estatui sanção, mas uma conduta
que se descumprida gerará uma sanção aplicável pela norma jurídica geral, não é norma
jurídica autônoma, mas sim não-autônoma, pois só será jurídica em combinação com norma
geral estatuidora de sanções.
21

e) PODER NORMATIVO DOS GRUPOS SOCIAIS

Como já vimos, o Estado não é o único elaborador de normas jurídicas. Existe uma legislação
canônica da Igreja Católica; há uma legislação corporativa de entidades públicas ou privadas,
com objetivos culturais, econômicos, políticos ou desportivos, obrigatórios para todos os seus
componentes, sujeitando-os a sanções, inclusive de caráter penal.

Não resta dúvida que os grupos sociais são fontes de normas, pois têm o poder de criar suas
próprias ordenações jurídicas que garantem a consecução dos fins que pretendem atingir. Um
bom exemplo é a deliberação e fixação de valores e parâmetros para a cobrança da
Contribuição Confederativa, instituída por força dos estatutos dos respectivos sindicatos e
devida por todos os empregados e empresas àqueles associados, com base no art. 8º, IV, da
Constituição Federal e pela deliberação das respectivas Assembléias Gerais. Outros bons
exemplos seriam o regimento interno de uma empresa e o estatuto de um condomínio.

4.2.2. Fontes Materiais

São os elementos e fatores que determinam o conteúdo das normas jurídicas. Neste sentido,
duas são as fontes materiais, que fornecem ao legislador e ao aplicador da lei, os elementos
relativos à matéria ou conteúdo das normas jurídicas. São elas:

- a realidade social ou os dados de fato, que contribuem para a formação do direito (elemento
sociológico);
- os valores, que o direito procura realizar, sintetizados no conceito de justiça (elemento
axiológico).

A realidade social é fator básico na elaboração do direito. Ela é representada, em primeiro


lugar, pelos problemas econômicos, culturais, políticos, sociais, que o direito deve resolver.
Formam o conjunto de fatos sociais determinantes do conteúdo do direito.

Assim, temos os fatores econômicos que historicamente encabeçaram as maiores mudanças


nas legislações do mundo inteiro, a partir da revolução industrial, cujos efeitos nunca mais
deixaram de produzir resultados nas legislações do mundo todo. O que dizer da globalização,
fator econômico atual e que faz pipocar normas jurídicas em todos os cantos do globo?

O fator religioso e sua influência no direito de família é outro exemplo. A crescente violência
e insegurança jurídica, a corrupção alarmante, são fatos que estão em voga em nosso País,
provocando na sociedade uma voz coletiva de exigência de resposta legislativa. Como negar,
então, as influências dos fatores morais e políticos como fontes materiais? No Brasil, cada
movimento político desencadeia uma série de alterações no direito positivo.

Ao lado dos fatores indicados, que representam a realidade social, fizemos referência aos
“valores”, isto é, à justiça que se almeja a partir das transformações sociais produzidas pelos
fatos sociais. Esses valores é que fazem fluir as fontes formais – as normas positivas. São
esses valores (ordem, segurança, paz social, justiça) que fazem a inspiração do direito
positivo. Diante de um fato social, o povo o valoriza e o critica, o que resulta em normas para
assegurar que aquele fato não provocará a injustiça.
22

4.3. DA APLICAÇÃO DO DIREITO

4.3.1. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

Invertendo a ordem do programa disciplinar, entendemos imperioso diferenciar interpretação


de hermenêutica, antes de classificarmos as espécies, os processos e as escolas da
interpretação.

INTERPRETAÇÃO E HERMENÊUTICA

As leis são formuladas em termos gerais e abstratos, ou seja, válidas para todos os casos da
mesma espécie. Cabe ao aplicador do direito (juiz, advogado, administrador, contratante, etc.)
enquadrar o texto abstrato ao caso concreto.

Em primeiro lugar, necessário fixar o verdadeiro sentido da norma jurídica, para em seguida
determinar o seu alcance e extensão. Este é o trabalho de interpretação, hermenêutica ou
exegese. Embora sejam normalmente tratados como sinônimos, interpretação e hermenêutica
tem significados diferentes:

INTERPRETAR é determinar o sentido e o alcance da norma jurídica. Três elementos


formam este conceito:

a fixação do sentido – eis que a norma jurídica possui uma significação, sentido, finalidade.
Ex.: A norma que diz que a lei não retroagirá para atingir os direitos adquiridos, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada, visa a garantia da segurança dos atos jurídicos. Esta é a finalidade
ou o sentido da norma;

determinar o alcance do preceito - posto que duas normas jurídicas podem ter o mesmo
sentido, contudo possuir um alcance diferente. Ex.: O Estatuto dos Funcionários Públicos
Federais e a Consolidação das Leis do Trabalho, ao estabelecer o descanso semanal
remunerado, o fazem com o mesmo sentido, mas alcances diferentes, sendo a primeira
estendida somente aos servidores públicos federais e a segunda a todos os empregados de
empresas.

norma jurídica – de forma genérica e não somente as leis, como entendem alguns autores.

E quando a lei for clara, necessitará ser interpretada mesmo assim? Claro! A interpretação
(determinação do sentido e alcance da norma) é sempre necessária, haja vista a clareza de um
texto ser algo muito relativo e subjetivo – o que parece claro para alguém, pode ser obscuro
para outrem.

HERMENÊUTICA é a teoria científica da interpretação, tem por objeto o estudo e a


sistematização dos processos de interpretação da norma.

Também não podemos confundir interpretação com integração da norma jurídica. A primeira
é o ato de determinar o sentido e o alcance da norma e a segunda é a investigação do princípio
jurídico a ser aplicado nos casos de lacunas nas normas vigentes, objeto de estudo que
veremos mais à frente.
23

4.3.1.1. ESPÉCIES E PROCESSOS DE INTERPRETAÇÃO

I - Quanto à sua origem:

a) Pública

É a que é prolatada pelos órgãos do Poder Público, Legislativo, Executivo, ou Judiciário.

A interpretação pública é geralmente dividida pelos autores em:

- autêntica ou legal - oriunda do próprio órgão autor da lei, levada a efeito mediante a
confecção de diplomas interpretativos que valem lei nova. Quase sempre se exerce através de
lei interpretativa, por via da qual se determina o verdadeiro sentido, o exato significado, do
texto controvertido.

- judicial, judiciária ou usual - é a que realizam os juízes ao sentenciar. Possui força


obrigatória para as partes a que se aplica, quando se trata de sentença isolada. E, no caso de
firmar jurisprudência, essa interpretação passa a constituir para os casos análogos uma fonte
formal de direito.

- administrativa - realizada por órgãos do Poder Público que não fazem parte do Poder
Legislativo nem do Judiciário. Pode ser dividida, por sua vez, em: regulamentar e casuística.
Regulamentar é aquela que se destina ao traçado de normas gerais como a grande massa dos
decretos, portarias, etc., em relação a certas prescrições das leis ordinárias. Casuística aquela
que se orienta no sentido de esclarecer dúvidas especiais, de caráter controversial ou não, que
surgem quando da aplicação, por parte dos órgãos, das normas gerais aos casos concretos.

b) Privada, doutrinal, doutrinária ou científica

É a que é levada a efeito pelos particulares, especialmente pelos técnicos da matéria de que a
lei trata. Ora se encontra nos chamados "comentários", ora nas doutrinas propriamente ditas.
É de se ponderar que está diretamente ligada à questão do direito científico como forma de
expressão.

Maximiliano ensina que a interpretação é uma só. Entretanto se lhe atribuem várias
denominações conforme o órgão de que procede.

II – Quanto ao método

Quanto aos processos ou métodos utilizados, a interpretação pode ser:

a) gramatical ou filológica - é a mais antiga das espécies de interpretação, e tempo houve, no


direito romano, em que era a única permitida, como observa Ihering. Fundada sobre as regras
da lingüística, examina-se literalmente cada termo do texto, quer isolada, quer sintaticamente,
atendendo-se à pontuação, colocação dos vocábulos, origem etimológica e outros dados.
Assim, a interpretação gramatical tem por objeto as palavras de que se serve o legislador para
24

comunicar seu pensamento. Contribui para o aperfeiçoamento da redação das leis. Por si só é
insuficiente, porque não considera a realidade social.

b) lógico-sistemática – leva em consideração o sistema em que se insere o texto e procura


estabelecer a concatenação entre o texto e os demais elementos da própria lei, do respectivo
campo de diretio ou do ordenamento jurídico geral. A lei é examinada em seu conjunto
orgânico, analisando-se os períodos, combinando-os e confrontando-os entre si, mediante
recursos lógicos, de molde a resultar perfeita harmonia e coerência.

c) histórica – baseia-se na investigação dos antecedentes da norma. O hermeneuta se atém às


necessidades jurídicas emergentes no instante da elaboração da lei, às circunstâncias eventuais
e contingentes que provocaram a expedição da norma (elemento teleológico). Verifica então
qual a real intenção do legislador, a razão de ser norma, isto é, seu espírito, a finalidade social
a que ela é dirigida. São materiais de grande significativo para a interpretação histórica as
justificativas do legislador, apostas na exposição de motivos.

d) sociológica – baseia-se na adaptação do sentido da lei às realidades e necessidades sociais.


Esta adaptação está prevista no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:
“Na aplicação da lei o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum”.

III – Quanto ao Efeito

Quanto ao efeito, resultado ou extensão, a interpretação pode ser:

a) declarativa – é aquela cujo enunciado coincide, na sua amplitude, com aquele que, à
primeira vista, parece conter-se nas expressões do dispositivo. O intérprete limita-se a
simplesmente declarar o pensamento expresso na lei, sem estendê-la a casos não previstos ou
restringí-la mediante a exclusão de casos inadmissíveis. É o tipo comum de interpretação, pois
espera-se que o legislador sabia exatamtente o que queria quando a fez.

b) extensiva ou ampliativa - diz-se da interpretação segundo a qual a fórmula legal é menos


ampla do que o seu alcance, ou seja, a norma é mais ampla do que indicam os seus preceitos
ou deve ser aplicada a determinadas situações não previstas expressamente, adaptando essa
intenção do autor da norma às novas exigências da realidade social.

c) restritiva - é a interpretação cujo resultado leva a afirmar que o legislador, ao exarar a


norma, usou de expressões aparentemente mais amplas que o seu pensamento. O intérprete
vê-se forçado a restringir o sentido da lei, a fim de dar-lhe aplicação razoável e justa.

4.3.1.2. Sistemas Interpretativos OU ESCOLAS DE INTERPRETAÇÃO:

SISTEMAS TRADICIONAIS OU LEGALISTAS E SISTEMAS MODERNOS

I - Sistema Dogmático, Exegético ou Jurídico-tradicional


25

O método tradicional ou clássico foi adotado pela chamada Escola da Exegese, que se formou
na França no início do século XIX. Também conhecido como sistema francês, por isso que,
intimamente, está ligado à promulgação do Código de Napoleão e à atitude que, à face desse
diploma, passaram a assumir os intérpretes.

O pensamento utilizado na Escola da Exegese era codicista, para os seguidores o código


encerrava todo o Direito, não havendo nenhuma outra fonte jurídica a ser pesquisada.

Com essa formação de pensamento ficava o Estado como único autor do Direito, já que
possuía monopólio das leis e código, não dando oportunidade à sociedade de criar o Direito
costumeiro.

Dentro desse sistema, podemos distinguir ainda duas orientações: extremada e moderada.

Extremada, encabeçada por Laurent, para quem o pressuposto geral nesta matéria é sempre o
de que a lei á clara, e que, portanto, os seus termos correspondem ao pensamento do
legislador. Assim, a missão do intérprete é "não reformar a lei, mas explicá-la", devendo
ainda "aceitar os seus defeitos".

Como representante da orientação moderada, podemos citar Baudry-Lacantinerie, visto como


expõe a matéria em seus Précis de droit civil. Muito embora se trate ainda de um dogmático,
alinha regras para a interpretação das leis, que bem demonstram a sua posição menos aguda.
Com efeito, para os casos duvidosos, recomenda a interpretação sistemática a consulta às
fontes que propiciaram o texto ao legislador, o exame dos trabalhos preparatórios, a
ponderação das conseqüências das interpretações possíveis e, finalmente, a indagação do
espírito da lei.

Contra o exagerado legalismo dos sistemas tradicionais surgiram críticas e reações em


diversos países, dando origem aos chamados sistemas modernos de interpretação.

II - Sistema Histórico-evolutivo

O sistema de evolução histórica, também chamado histórico-evolutivo ou escola atualizadora


de direito, tem em Saleilles seu maior representante.

Esta nova corrente, que surgiu no final do século XIX, atribuía ao intérprete papel relevante.
Neste pensamento, as leis eram dotadas de vida própria de modo que corresponda às
necessidades que lhe deram origem e também as transformações ocorridas através da
evolução histórica; não estava mais presa na forma e no conteúdo, velhas fórmulas.

Cabe ao intérprete fazer uma interpretação atualizadora devendo levar em conta não apenas o
que o legislador "quis" mas também o que ele "quereria", se viesse no meio atual, isto é,
"adaptar a velha lei aos tempos novos" e assim, "dar vida aos Códigos".

Mesmo com essas inovações diante da escola Exegese, a escola histórico-evolutivo


apresentava defeitos, como exemplo, a deficiência em não ter soluções para o caso das
lacunas da lei, fazendo com que não se pudesse atualizar uma lei que não existisse, tornando o
método incompleto.
26

III - Sistema da Livre Indagação Científica do Direito

Na última década do século XIX surgiu uma teoria de aplicação do Direito mais arrojada, não
se contentava com interpretar amplamente os textos, ia muito além, criava Direito novo. O
Juiz, intérprete da norma, diante da lacuna da lei, poderia recorrer às demais fontes do direito
(costume, jurisprudência, doutrina) e, caso não encontrasse nelas a solução para o litígio,
poderia ele próprio criar a norma aplicável, como se fosse o próprio legislador.

A lei, diz Geny, é a fonte mais importante do direito, mas não a única. Diante de uma lacuna
na legislação, o intérprete deve recorrer a outras fontes - costume, jurisprudência, doutrina -, e
não violentar a lei para forçá-la a dizer o que ela não pôde ter previsto, como pretende a
doutrina da evolução histórica. Acrescenta ainda, que se as outras fontes forem insuficientes,
incertas ou contraditórias, cabe ao próprio intérprete criar a norma aplicável, como se fosse o
legislador. Nesse trabalho ele usará o método da livre indagação científica, procurando uma
norma que corresponda à natureza das coisas.

Montesquieu observou que todos os poderes constitucionais tendem a exagerar as próprias


atribuições, invadindo outros campos. Acrescenta ainda, no Brasil, onde o Poder Judiciário é
o juiz supremo da sua competência, se fosse autorizado a legislar em parte, não tardaria a
fazê-lo com freqüência. Nas palavras de Maximiliano, seria perigoso autorizar o juiz a
transpor as raias da sua competência de simples aplicador do Direito.

IV - Sistema do Direito Livre

Na Europa, em 1906, Armínio Kantorowicz produz a monografia - A Luta pela Ciência do


Direito, induzindo o magistrado a buscar o ideal jurídico, o direito justo, onde quer que se
encontre, dentro ou fora da lei, na ausência desta ou a despeito da mesma, isto é, a decidir
praeter legem (acima da lei) e também contra legem (contra a lei).

A monografia foi seguida de outra - Pela Teoria do Direito Justo, onde identificou as falhas e
estreitezas da prática judiciária contemporânea, e também o preparo de futuros magistrados.

Na prática a doutrina seguiria um procedimento onde o juiz se encontrando com um caso


concreto daria a melhor solução de acordo com seu sentimento de justiça e após sua decisão
"pessoal", abriria o código para localizar o embasamento jurídico para a sentença.

Esta nova concepção fazia com que o juiz julgasse os fatos, mas também as leis em face dos
ideais da justiça, fazendo com que o juiz tivesse autonomia de marginalizar as leis e criar
normas para casos específicos. Devendo o juiz buscar o ideal jurídico do "direito justo",
dentro da lei ou fora desta, não se preocupando com os textos e as construções interpretativas.
Inspira-se preferencialmente nos dados da realidade social, tomando como guia o seu
sentimento e sua consciência jurídica.

Um famoso caso histórico que pode ser encaixado nesta idéia encontra-se nos julgados do
"bom juiz Magnaud" (1889-1904), de Chateau-Thierry, na França. Contrariando muitas vezes
os textos legais, desculpava os pequenos furtos, amparava as mulheres, os fracos, os menores,
atacando os privilégios e erros dos poderosos.

As críticas que eram mencionadas quanto ao sistema do direito livre eram a de que substituir a
"lei", que representava a vontade geral pelo critério do "juiz", individual e subjetivo, significa
27

retroceder ao desenvolvimento do direito. Achavam os críticos que a lei, apesar das suas
limitações, era a garantia da segurança para todos.

Em contrapartida, a teoria trazia consigo o benefício de denunciar os erros de uma


interpretação rígida e dogmática dos textos legais e chamar a atenção para a necessidade de
uma melhor consideração quanto aos textos legais na aplicação do direito.
28

4.3.2. INTEGRAÇÃO DO DIREITO E O PROBLEMA DAS LACUNAS DA LEI.

Em qualquer ordenamento jurídico sempre existirão falhas ou omissões legais, posto que o
legislador jamais alcançará, na letra da lei, todas as aspirações da sociedade. Impossível
também seria para o legislador prever, no texto legal, todas as possibilidades e nuances que
abarcassem resoluções para todos os problemas resultantes de fatos e atos que se alteram
conforme a evolução sócio-evolutiva. Como poderia a lei prever situações futuras?

A primeira condição para que se possa falar de lacuna é a de que o caso não esteja regulado: o
caso não está regulado quando não existe nenhuma norma expressa, nem específica, nem
geral, nem generalíssima, que diga respeito a ele.

Segundo John Gilissen, o exame histórico das lacunas passa por quatro fases:

Fase do Sistema Irracional – Antes do séc. XII – período das ordálias – teste de resistência,
chamado de "juízo de Deus". Na falta de normas, submetia-se as partes a duras provas
divinas: marcação a ferro incandescente, banho em água fervente, fogueira, etc. A parte
inocente sairia ilesa;
Fase do Direito Consuetudinário – sécs. XIII a XV. Supremacia dos costumes. Os juízes das
jurisdições rurais procuravam juízes mais sábios, mais instruídos para preencher as lacunas;
Fase dos tempos modernos – sécs. XVI a XVIII. Duas soluções: costumes do lugar e analogia
com os costumes de lugares vizinhos. Surge a hierarquia das fontes: lei, costumes e o Direito
Romano (último recurso, associado ao Direito Canônico e produção de juristas). Se o costume
decretado não resolvia, recorria-se ao costume do lugar e, em seguida, ao da província, sendo
que na França havia ainda o recurso ao costume de Paris, considerado por excelência. Nesta
fase surge ainda o recurso ao rei, monarca absoluto, que preenchia as lacunas.
Fase do Período da Preponderância da Legislação – séc. XVIII até os dias atuais. Surgiu na
época da revolução francesa, com o conceito da soberania da nação, que passou do senhor
territorial ou do rei, à nação.

Houve época em que o juiz deveria não julgar se houvesse a falta de disposição legal para o
caso. Foi a tese daquele que melhor personificou a crença na completitude do direito. Hans
Kelsen, autor da Teoria Pura do Direito, afirmava ser a lacuna uma ficção jurídica. Explicava
o eminente doutrinador que se determinada queixa não encontrava resposta num preceito do
ordenamento, isto significava que, a priori, tal questão era irrelevante ao direito, uma vez que
via este como um todo ordenado, fechado e completo. Dizia Kelsen que o juiz, ao recusar a
demanda sob a alegação de que não havia norma aplicável, de fato aplicava o direito vigente,
pois ninguém deve se sentir obrigado a proceder conforme determinada conduta se esta não
lhe é exigida pelo direito posto. Isto é, haveria uma regra, negativa, afirmando ser a pretensão
exigida questão juridicamente irrelevante.

Atualmente, a doutrina mais progressista já ultrapassou o debate acerca da completitude do


ordenamento jurídico (sistema dogmático), admitindo ser o direito incompleto, aberto,
comportando em seu seio dimensões que não apenas a normativa, mas abraçando também e
principalmente conteúdos de teor axiológico (valorativos). O direito não se limita a seu
aspecto normativo, mas inclui em seu cerne conteúdos históricos e sociológicos, pois tem sua
origem dentro de um determinado contexto cultural. Para admitirmos a existência de lacunas,
temos necessariamente que aceitar a tese de que o direito é mais do que um todo hermético,
uma vez que protege inclusive aquelas pretensões para as quais lhe falta solução expressa,
29

com vistas a atingir seu objetivo supremo, qual seja, realizar justiça. No nosso ordenamento a
solução se integrou de forma expressa no art.4o da LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS
DO DIREITO BRASILEIRO: "Quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com
a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito".

Dispõe ainda o CPC, no art.126: "O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando
lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não
as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito".

Assim, se existe norma legal ou costumeira (costume jurídico) aplicável ao caso, a tarefa do
juiz é de simples interpretação e aplicação. Não existindo tal norma, o juiz deve recorrer a
integração da ordem jurídica; deve procurar e fixar a norma aplicável ao caso, recorrendo a
dois elementos: a analogia e os princípios gerais do direito.

4.3.2.1 A Analogia

A analogia consiste em aplicar a um caso não previsto, a norma já existente que rege outro
caso semelhante.

Para que se permita o recurso à analogia, três requisitos são necessários:

I) é preciso que o fato considerado não tenha sido especificamente objetivado pelo legislador;
II) regule situação que apresenta ponto de contato, relação de coincidência ou algo idêntico ou
semelhante;
III) finalmente requer-se esse ponto comum às duas situações (a prevista e a não prevista),
haja sido o elemento determinante ou decisivo na implantação da regra concernente à situação
considerada pelo julgador.

O processo de integração pela analogia tem seu suporte na seguinte operação mental: de
determinada norma, que regula certa situação, parte o intérprete para outra regra, ainda mais
genérica, que compreenda não só a situação especificamente prevista, como também a não
prevista.

Cumpre ressaltar que não se trata de interpretação extensiva, eis que esta se difere da
analogia. Interpretação extensiva é o mecanismo que consiste na extensão de uma norma
jurídica aos casos que esta não prevê, mas que deveria prever. Significa que tais casos não são
previstos expressamente pela norma, todavia o são de forma tácita, uma vez que o legislador
apenas não os alinhou com os consignados na literalidade legal. O alcance da norma, enfim, é
alargado para englobar as espécies não registradas pela letra da lei, por uma falha ou
esquecimento do legislador. Na interpretação extensiva, nos limitamos à redefinição de um
termo, mas a norma aplicada é sempre a mesma.

A analogia se resume no fato de se encontrar, num e noutro caso, o mesmo princípio básico e
de ser uma só a idéia geradora tanto da regra existente como da que se busca.

Um exemplo seria aplicar, à televisão, um preceito legal referente ao rádio; ou a uma empresa
de transportes rodoviários uma norma relativa às companhias ferroviárias. Porém, não basta a
semelhança dos casos ou situações, é necessário que exista a mesma razão. Por exemplo: a
mesma razão que justifica o preceito da responsabilidade da companhia ferroviária em relação
à vida e integridade dos passageiros, aplica-se analogicamente às empresas de transporte
30

rodoviário. Mas não há a mesma razão para aplicar analogicamente às empresas rodoviárias, o
preceito de responsabilidade das ferrovias pela conservação do leito ferroviário, como
dormentes, trilhos, etc.

Espécies de analogia

Existem duas modalidades de analogia, a legal e a jurídica. A primeira (analogia legis) é a


tirada da própria lei, quando a norma é extraída de outra disposição legislativa, ou de um
complexo de disposições legislativas. De certa norma, aplicável a determinado caso concreto,
extraem-se os elementos que autorizam sua aplicação a outro caso concreto, não previsto, mas
semelhante.

A segunda, analogia jurídica (analogia juris) é extraída filosoficamente dos princípios gerais
que disciplinam determinado instituto jurídico, a norma é tirada do inteiro complexo da
legislação vigente, ou do sistema legislativo, compreendentes neste caso, as demais normas
jurídicas e não só as legisladas.

4.3.2.2 Os Princípios Gerais do Direito

Na ausência de preceitos análogos, as legislações modernas, inclusive a brasileira, levam o


aplicador aos "princípios gerais do direito".

O conceito do Princípio Geral do Direito corresponde aos princípios da justiça. São os


elementos fundamentais da cultura jurídica humana em nossos dias.

Mesma se não expressos nos textos legais, tais princípios existem. Não são eles criados pela
jurisprudência. Seu enunciado é a manifestação do próprio espírito de uma legislação.

Dentre outros, de forma global (mundial) podem ser mencionados os seguintes exemplos:

ninguém pode transferir mais direitos do que tem;


ninguém deve ser condenado sem ser ouvido;
quem exercita o próprio direito não prejudica ninguém;
pacta sunt servanda – o contrato faz lei entre as partes (hoje enfraquecido diante do Princípio
rebus sic stantibus – teoria da imprevisão;

Para as doutrinas de inspiração positivista, Princípios Gerais do Direito são aqueles princípios
historicamente contingentes e variáveis, que inspiraram a formação de cada legislação.

No Brasil, por exemplo, são princípios gerais do direito os valores correspondentes ao sistema
republicano, federativo, municipalista, a nossa formação histórica, latina, cristã, etc. E, ao
mesmo tempo, os princípios absolutos e permanentes de "dar a cada um o que é seu",
"respeitar a dignidade pessoal do homem", "manter a vida social", "contribuição de todos para
o bem comum", e os demais decorrentes do conceito de justiça.

A analogia e os Princípios Gerais do Direito, ao lado dos costumes, constituem os elementos


de que se socorre o juiz para suprir as lacunas da lei, sendo que, ao contrário dos dois
primeiros, os costumes não serão base para integração, mas objeto para ser interpretado e
aplicado, posto que se trata de fonte formal do direito.
31

4.3.3 ANTINOMIAS JURÍDICAS:

Os dicionários da língua portuguesa definem antinomia como antítese, oposição,


contradição, contraste.
Marcus Cláudio Acquaviva, já com base na Teoria Geral do Direito, aponta a
origem do grego Anti = oposição + nomos = norma, conceituando antinomia como "Conflito
entre duas normas jurídicas, cuja solução não se acha prevista na ordem jurídica."

CONCEITO

Sempre que estivermos diante de um conflito entre duas normas, ou entre dois
princípios, ou ainda, entre uma norma e um princípio, e não existirem critérios postos no
ordenamento que resolvam esses conflitos, estaremos diante de uma antinomia jurídica.
Antinomia ocorre com a existência de duas normas, tipificando a mesma conduta, com
soluções antagônicas, onde repousem três requisitos: incompatibilidade, indecidibilidade e
necessidade de decisão.

Ex.: Art. 1º, do Decreto-Lei n. 3.200, de 19 de abril de 1941:

"Art. 1º O casamento de colaterais, legítimos ou ilegítimos do terceiro grau, é


permitido nos termos do presente decreto-lei."

Art. 1.521, da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002:


       "Art. 1.521. Não podem casar:
...................................................
        IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro
grau inclusive;
..................................................."

Aqui, os dois dispositivos são antagônicos, pois um permite que tio e sobrinha se
casem, respeitados os pareceres médicos. O outro, do Código Civil de 2002, proíbe o
casamento entre aqueles. Se fôssemos julgar este caso, o que faríamos?
A solução é relativamente simples: o Código Civil de 2002 revogou tacitamente o
art. 1º do Decreto-Lei n.º 3.200/41. Como chegamos a essa conclusão? Vejamos mais à frente
como resolver esse conflito.

REQUISITOS

Para que se admita haver uma antinomia jurídica, deve-se observar a existência
dos seguintes requisitos:

 que as normas que expressam ordens ao mesmo sujeito emanem de


autoridades competentes num mesmo âmbito normativo;
 as instruções dadas ao comportamento do receptor se contradigam e, para
obedecê-las, ele deve também desobedecê-las;
32

 o sujeito deve ficar numa posição insustentável, sem nenhuma regra


jurídica que aponte uma solução positivamente válida para a solução do
conflito.

CLASSIFICAÇÃO DAS ANTINOMIAS


Podemos classificar as antinomias:

1. Quanto ao critério de solução – Hipótese em que se terá:

1.1 Antinomia aparente – são aquelas para as quais o ordenamento encontra forma
sistêmica de solução. Os critérios para solução estão no próprio ordenamento.

1.2 Antinomia real – quando não houver na ordem jurídica qualquer critério
normativo para solucioná-la, sendo, então, imprescindível à sua eliminação a edição de uma
nova norma ou extirpação de uma daquelas normas conflitantes.

2. Quanto ao conteúdo – Ter-se-á:

2.1 Antinomia própria – quando uma conduta aparece ao mesmo tempo e em duas
normas conflitantes: prescrita e não prescrita, proibida e não proibida, prescrita e proibida.
Ex.: norma do Código Militar que prescreve a obediência incondicionada às ordens superiores
e disposição do Código Penal que condena a prática de certos atos, como matar. Ante a ordem
de um Capitão que ordena o fuzilamento de um prisioneiro de guerra, o soldado se vê às
voltas com duas normas conflitantes – a que impõe obediência e a que impõe pena por matar
um ser humano. Somente uma delas pode ser tida como aplicável.
Não podem existir duas regras jurídicas que impõem dois juízos concretos de
dever contraditórios e que sejam ao mesmo tempo válidas. Essa é a denominada antinomia
jurídica própria. Uma regra sendo válida deve-se fazer o que ela exige. As antinomias
próprias caracterizam-se pelo fato de o sujeito não poder atuar segundo uma norma sem violar
a outra, devendo optar, e esta sua opção implica a desobediência a uma das normas em
conflito.
2.2 Antinomia imprópria – a que ocorrer em virtude do conteúdo material das
normas. Por exemplo, o conceito de posse em direito civil é diverso daquele que lhe é dado
em direito administrativo. Essas antinomias são impróprias porque não impedem que o sujeito
aja conforme as duas normas, cada qual no seu ramo, embora sejam materialmente
conflitantes.
A doutrina refere-se à antinomia jurídica imprópria, quando o conflito alinhado
entre normas não conduz à conclusão de que a escolha de uma delas, em detrimento de outra,
implica desobediência à segunda. O conflito se manifesta, há incompatibilidade entre ambas,
porém, não resulta em antinomia jurídica própria, ou seja, a escolha por uma delas, não
implicará necessariamente em descumprimento de outra.
Maria Helena Diniz, citando Karl Engisch, complementa que, entre estas, incluem-
se:
 antinomias de princípios (quando as normas de um ordenamento protegem valores
opostos, como liberdade e segurança);
 antinomias de valoração, (quando, v.g., atribui-se pena mais leve para um delito mais
grave);
 antinomias teleológicas (quando há incompatibilidade entre os fins propostos por
certas normas e os meios propostos por outras para a consecução daqueles fins).
33

3. Quanto ao âmbito – poder-se-á ter:

3.1 Antinomia de direito interno – que ocorre entre normas de um mesmo ramo do
direito ou entre aquelas de diferentes ramos jurídicos, num dado ordenamento jurídico.
3.2 Antinomia de direito internacional – a que aparece entre normas de direito
internacional, como convenções internacionais, costumes internacionais, princípios gerais de
direito reconhecidos pelas nações civilizadas, etc.
3.3 Antinomia de direito interno-internacional – que surge entre norma de direito
interno de um país e norma de direito interno de outro país, também ocorrendo entre norma de
direito interno e norma de direito internacional. Resume-se no problema das relações entre
dois ordenamentos, na prevalência de um sobre o outro.
Em geral, se o juízo que vai decidir é internacional, a jurisprudência consagra a
superioridade de norma internacional sobre a interna. Se o juízo é interno, temos diferentes
soluções. A Primeira reconhece a autoridade relativa do tratado e de outras fontes na ordem
interna, entendendo que o legislador não quer ou não quis violar o tratado, salvo os casos em
que o faça claramente, caso em que a lei interna prevalecerá. A segunda reconhece a
superioridade do tratado sobre a lei mais recente em data. A terceira também reconhece essa
superioridade, mas liga-se a um controle jurisdicional da constitucionalidade da lei.

4. Quanto à extensão da contradição – teremos:

4.1 Antinomia total-total – se uma das normas não puder ser aplicada em nenhuma
circunstância sem conflitar com a outra em todos os seus termos. Ocorre entre normas com
âmbitos de validade idênticos, caso em que a aplicação de qualquer das duas necessariamente
elimina inteiramente a aplicação da outra.

4.2 Antinomia total-parcial – se uma das normas não puder ser aplicada, em
nenhuma hipótese, sem entrar em conflito com a outra, que tem um campo de aplicação
conflitante com a anterior apenas em parte. O âmbito de validade das normas é coincidente,
porém o de uma delas é mais restrito, sendo que, quanto a esta última, a aplicação da norma
antinômica exclui totalmente a sua eficácia, o que não ocorre com a norma mais abrangente
quando o dispositivo contrário é aplicado, já que continua a reger sua área própria. A primeira
norma não pode ser em nenhum caso aplicada sem entrar em conflito com a segunda; a
segunda, por sua vez, tem uma esfera de aplicação em que não entra em conflito com a
primeira.

4.3 Antinomia parcial-parcial – quando as duas normas tiverem um campo de


aplicação que, em parte, entra em conflito com o da outra e em parte não. O conflito
permanece apenas em parte do âmbito de validade das normas, havendo ainda espaços de
regulação exclusiva para ambas fora desta área cinzenta. Cada uma das normas tem um
34

campo de aplicação em conflito com a outra, e um campo de aplicação no qual o conflito não
existe.

CRITÉRIOS TRADICIONAIS PARA SOLUÇÃO DAS ANTINOMIAS

Para haver conflito normativo, as duas normas devem ser válidas, pois se uma
delas não o for, não haverá qualquer colisão. O aplicador do direito ficará num dilema, já que
terá de escolher e sua opção por uma das normas conflitantes implicaria a violação da outra.
A ciência jurídica aponta, tradicionalmente, os seguintes critérios a que o aplicador
deverá recorrer para sair dessa situação anormal:

I – O hierárquico – baseado na superioridade de uma fonte de produção jurídica


sobre a outra, embora, às vezes, possa haver incerteza para decidir qual das duas normas
antinômicas é a superior. Através do critério hierárquico, por meio do brocardo lex superior
derogat legi inferiori (norma superior revoga inferior), procura-se solucionar a antinomia de
forma a sempre prevalecer a lei superior no conflito.

II – O cronológico – que remonta ao tempo em que as normas começaram a ter


vigência. O critério cronológico permite resolver o choque normativo por intermédio do
brocardo lex posterior derogat legi priori (norma posterior revoga anterior), conforme
expressamente prevê o art. 2.º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

III – O de especialidade – que visa a consideração da matéria normada. A


superioridade da norma especial sobre a geral constitui expressão da exigência de um
caminho da justiça, da legalidade à igualdade. O critério da especialidade é a forma de
resolver o conflito normativo por meio do postulado lex specialis derogat legi generali
(norma especial revoga a geral), visto que o legislador, ao tratar de maneira específica de um
determinado tema faz isso, presumidamente, com maior precisão.

Tradicionalmente, desses critérios, o mais sólido é o hierárquico, mas nem sempre


por ser o mais potente, pode ser tido como o mais justo, calcado em princípio superior.
Ora, mas se esses critérios são aplicáveis na solução dos conflitos de normas,
valeria dizer que o sujeito não estaria frente a uma situação insustentável, pois teria uma saída
para solucionar a antinomia. Por essa razão, Bobbio entende tratar-se de antinomia aparente,
se a solução for possível através dos referidos critérios. Para este doutrinador, só se configura
a antinomia real se houver conflito entre os critérios.
Caso não seja possível a remoção do conflito normativo, ante a impossibilidade de
se verificar qual é a norma mais forte, surgirá a antinomia real ou lacuna de colisão. Deve-se
valer dos metacritéirios, ou seguir a mais justa ou a mais favorável, procurando salvaguardar a
ordem pública ou social.
35

ANTINOMIAS DE SEGUNDO GRAU E OS METACRITÉRIOS PARA SUA


RESOLUÇÃO

Haverá situações em que surgem antinomias entre os próprios critérios, quando a


um conflito de normas seriam aplicáveis dois critérios. Por exemplo, num conflito entre uma
norma constitucional anterior e uma norma ordinária posterior, qual haverá se ser aplicada?
Se considerarmos o critério hierárquico, aplicaremos a norma constitucional; se
aplicarmos o critério cronológico, haverá preferência da norma ordinária.
Igual problema teríamos ao deparar com o conflito entre uma norma anterior-
especial e uma posterior-geral, onde seria a primeira preferida pelo critério da especialidade e
a segunda pelo critério cronológico.
Poderá ocorrer, também, de haver uma norma superior-geral, antinômica a uma
inferior-especial, ocasião em que o critério hierárquico indicará a aplicação da primeira, e o
da especialidade, a segunda.
Realmente, os critérios de solução de conflitos não são consistentes, daí a
necessidade de a doutrina apresentar metacritérios para resolver antinomias entre critérios,
também chamadas antinomias de segundo grau.
Assim, na hipótese de haver conflito entre o critério hierárquico e o cronológico,
prevalecerá o primeiro, por ser mais forte e soberano que o segundo, posto que a competência
se apresenta mais sólida do que a sucessão no tempo.
Em caso de antinomia entre o critério da especialidade e o cronológico, não haverá
regra definida, pois, conforme o caso haverá supremacia, ora de um, ora de outro critério.
No conflito entre o critério hierárquico e o de especialidade, se deverá optar,
teoricamente, pelo hierárquico, em especial em se tratando de norma constitucional-geral em
confronto com norma ordinária-especial.
Em caso extremo de falta de um critério que possa resolver a antinomia de
segundo grau, o critério dos critérios para solucionar o conflito normativo seria o do princípio
supremo da justiça: entre duas normas incompatíveis dever-se-á escolher a mais justa.
Nesses casos, o aplicador do direito está autorizado a recorrer aos princípios gerais
do direito, para proporcionar a garantia necessária à segurança da comunidade. O juiz deverá,
portanto, optar pela norma mais justa ao solucionar o caso concreto, servindo-se de critério
metanormativo, agastando a aplicação de uma das normas em benefício do fim social e do
bem comum.
Em qualquer dos casos, é de grande importância que se destaque: no campo
infraconstitucional, quando resolvido o conflito de normas, uma delas será sempre
considerada inválida, eis que a colisão de regras assim se resolve. Não significa dizer que a
norma desconsiderada será extirpada do ordenamento, mas será considerada inaplicável para
aquele caso concreto. Na dimensão da validade, poderíamos de forma lúdica intitular Efeito
Highlander – no fim, só pode restar um!
É de se observar que muitos autores não admitem a existência de antinomia
jurídica entre princípios do direito, pois a aplicação de um, não significaria o afastamento do
outro. O julgador deverá valorar a aplicação ao caso concreto, sem contudo afastar
definitivamente a aplicação do princípio ali desprezado. Em casos futuros, quando em
confronto dois princípios, um prevalecerá sobre o outro, no caso concreto, segundo a melhor
aplicação do julgador em busca da justiça.
36

ABORDAGEM AXIOLÓGICA E A HIERARQUIZAÇÃO DE VALORES, PRINCÍPIOS E


REGRAS

Agora analisemos as normas no plano constitucional. Como vimos, as normas


constitucionais tem, em regra, um mesmo marco inicial de validade, com a promulgação da
Constituição; não se pode aceitar como regra, também, a idéia de hierarquia entre as mesmas;
e, por fim, não se pode afirmar que elas têm grau de especialidade umas sobre as outras.
Por vias diferenciadas, as antinomias constitucionais também podem ser
resolvidas. Ao contrário do que ocorre no plano infraconstitucional, aqui a composição do
confronto de normas não se dará na dimensão da validade, ou seja, a decisão que acatar uma
norma em detrimento de outra, não fará com que a desprezada seja considerada inválida,
mesmo para o caso em análise.
No plano constitucional, a antinomia não se resolverá pelos critérios e
metacritérios tradicionais. Não que eles sejam insuficientes, mas sim voltados para uma
concepção de sistema focado na dimensão deontológica, ou seja, num plano normativo
somente.
Quando se fala em unidade do sistema do direito, o primeiro reflexo conclusivo é
de que se fala unicamente de uma pirâmide de normas, de regras jurídicas, hierarquicamente
arranjadas e dispostas, tendo como Lei maior a Constituição Federal e, sustentando toda essa
estrutura, a Norma Fundamental de Hans Kelsen.
Contudo, o sistema do Direito possui duas dimensões bem definidas, que se
complementam numa seqüência muito bem definida pela Teoria Tridimensional de Miguel
Reale – fato, valor e norma – onde valor e norma compõem o sistema do Direito.
Os valores fazem parte da dimensão axiológica do sistema. Conforme Robert
Alexy, os valores têm natureza de normogênese, pois formam o peso e a medida que, aplicada
sobre os fatos, definirão os parâmetros da criação da norma.
Na dimensão deontológica residem os princípios e as regras. É a face normativa do
sistema. Os critérios de solução das antinomias, conforme estudado até agora, procuram
resolver os conflitos normativos exclusivamente na ótica e no plano deontológico, vale dizer,
dentro do plano normativo.
Alexandre Walmott Borges sugere seja analisado o problema das antinomias
jurídicas, nesses casos, considerando também outro plano do sistema do Direito, formada
pelos valores, a dimensão axiológica que, juntamente com a deontológica, se complementarão
para formar um plano harmônico para esta finalidade.
O emérito Professor pondera que, pela hierarquização axiológica, sempre haverá a
possibilidade de solução dos conflitos de normas, sejam eles de primeiro ou de segundo grau.
Assim, o que difere os critérios tradicionais do critério proposto é a abordagem axiológica,
substituindo, e ao mesmo tempo complementando, a disposição formal com uma
hierarquização de valores, princípios e regras.
Havendo confronto entre princípios, pelo critério proposto haverá a sobreposição
de um princípio a outro, na ponderação acerca de qual deles é axiologicamente mais justo
para o caso concreto, ou seja, os valores, nesses casos, terão peso decisório na decisão de qual
deles será utilizado e qual deles será desprezado na aplicação do direito ao caso concreto.

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