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RELATOS DE CASOS

Papel da via subcutânea nos


Cuidados Paliativos domiciliários
FILIPA ALMADA LOBO*

RESUMO ABSTRACT
Enquadramento: Cerca de 60% a 70% dos doentes em cuidados paliativos Introduction: From 60 to 70% of palliative care patients become unable, during the
ficam, no decurso da doença, incapazes de utilizar a via oral (VO). disease course, to take drugs using the oral route (OR). Since palliative care should ideally
Uma vez que os cuidados paliativos devem ser, idealmente, prestados no be home-based, the most simple and suitable application method should be provided. The
domicílio, o método de aplicação mais cómoda e simples deve ser providenciado. subcutaneous route (SR) is easier than the endovenous route to use at home: there’s no
A via subcutânea (SC), relativamente à endovenosa, é de mais fácil utilização need of health professionals, it is less painful and can be used for longer periods.
no domicílio: não necessitando de profissionais de saúde para a sua administração, Case Description: 45-year-old woman, public servant until March 2005; Graffar level IV
é menos dolorosa e pode ser utilizada durante períodos de tempo mais longos. and Family APGAR score of 9; lived with her husband until that date, and since then also
Descrição do Caso: Mulher de 45 anos de idade, foi funcionária da Administração with her mother. No children. No relevant personal history; she had a family history of
Pública até Março de 2005; Graffar de nível IV e APGAR Familiar de 9. Morou com o pancreas cancer in her dead father. In March 2005, she visited her family doctor for
marido até essa data, e a partir daí também com a sua mãe. Não tinha filhos. weight loss, asthenia, abdominal pain and vomiting. After the investigation, she had been
Os antecedentes pessoais eram irrelevantes; ao nível dos antecedentes familiares, diagnosed sigmoid colon cancer with hepatic metastases. In May, she was referred to
verificou-se o falecimento do pai por neoplasia pancreática. Em Março de 2005, Portuguese Oncology Institute (POI) of Porto, where she was performed a colectomy and
recorreu ao seu médico de família por astenia, emagrecimento, dor abdominal e colostomy. Between June and October, due to uncontrolled pain and/or vomiting, she
vómitos. Na sequência do estudo pedido, foi-lhe diagnosticada uma neoplasia do seeked the emergency service (ES), despite her physical disabilities. In October, she went to
cólon sigmóide com metastização hepática. Em Maio, foi referenciada ao Instituto the continuous care unit of POI. By her choice, she is currently at home with a health
Português de Oncologia (IPO) do Porto, onde, em Junho, foi submetida a assistant. Whenever OR can not be applied due to frequent vomiting, SC was choosen to
uma colectomia com colostomia. Entre Junho e Outubro, por dor não controlada e/ou achieve control of symptoms.
vómitos, teve necessidade de recorrer várias vezes ao serviço de urgência (SU), apesar Discussion: Based on this case report, the author highlights situations of palliative care
da grande debilidade física de que já sofria. Em Outubro, foi referenciada à unidade de in which patients can stay at home with controlled symptoms, using SR, and shows that
cuidados continuados do IPO. Por sua opção, encontra-se, actualmente, em casa, com an earlier home-based health assistant could have avoided the frequent patient visits to ES.
assistência médica domiciliar. Por decisão conjunta, optou-se pela via SC para controlo Since one of the family doctor’s functions is to deliver home health care to terminal
de sintomas, sempre que, devido aos vómitos frequentes, a VO não seja possível. patients, he or she must be familiar with this drug administration route.
Discussão: Com o caso clínico apresentado, pretende-se ilustrar situações de cuidados
paliativos em que os doentes podem permanecer no domicílio com os sintomas Key-words: Palliative Care; Home Care; Subcutaneous Route.
controlados, recorrendo-se à via SC. Pretende-se também demonstrar que uma
assistência domiciliar mais precoce poderia ter evitado as idas frequentes ao SU.
Uma vez que a prestação de cuidados domiciliares aos doentes terminais faz parte da
função de médico de família, este deve estar familiarizado com esta via de administração.

Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Domicílio; Via Subcutânea.

actuar curativamente, e que visam, te, está privilegiadamente posicio-


IENTRODUÇÃO
DITORIAIS mais do que proporcionar uma «boa nada para esta tarefa.1
morte», ajudar o doente a viver me- A qualidade de vida e o conforto

O
s cuidados paliativos lhor a sua doença, através do alívio dos doentes terminais podem ser
são cuidados prestados do sofrimento psicológico, físico, es- melhorados através do controlo dos
aos doentes junto dos piritual e social, quer do doente, sintomas, do apoio emocional ao
quais já não é possível quer da sua família. A Medicina Fa- doente e à sua família, do trabalho
miliar, vocacionada para a prestação interdisciplinar e da adaptação fle-
*Médica de Família, CS de S. Mamede de Infesta
Ex-Interna Complementar de Medicina Geral e de cuidados integrais ao indivíduo e xível dos cuidados aos objectivos do
Familiar, USF Horizonte – CS de Matosinhos à família, do nascimento até à mor- doente.2 Cuidar das pessoas em fim

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de vida exige dos profissionais uma clear que se encontra na fase I do Ci-
DESCRIÇÃO DO CASO
abordagem holística do doente en- clo de Vida de Duvall. Trata-se de
quanto pessoa inserida numa famí- uma família ligada e estruturada
lia e numa comunidade. Identificação (Modelo de Olson), altamente funcio-
Cerca de 60% a 70% dos doentes I. M. G. F.: sexo feminino, 45 anos, nal (APGAR Familiar de 9) e com um
em cuidados paliativos ficam, no de- casada, natural do Porto e aí resi- índice de Graffar de IV.
curso da doença, incapazes de uti- dente. Tem como habilitações literá- Na Figura 1 estão representados
lizar a via oral, por vários motivos: rias um curso técnico-profissional, o genograma e a psicofigura de Mit-
incapacidade de deglutição, vómi- tendo exercido a profissão de funcio- chell.
tos, oclusão intestinal, confusão/ nária administrativa até Março de A doente encontra-se a morar
/agitação/delírio, estado de agonia, 2005. com o marido, com o qual tem uma
entre outros.3,4 Muitos estudos têm relação escassa. Não têm filhos. A re-
demonstrado eficácia semelhante Antecedentes Fisiológicos lação com a mãe é excelente e com
nos fármacos administrados por via Menarca aos 13 anos, ciclos regula- o irmão é boa.
subcutânea (SC) quando compa- res e 0 gesta.
rados com os recebidos por via Consulta no Médico de Família
endovenosa.5-8 Sendo a medicação Antecedentes Patológicos (30 de Março de 2005)
por via SC uma técnica simples, Apendicectomia aos 20 anos e rini- A 30 de Março de 2005, pela primei-
mais cómoda, mais fácil de utilizar te alérgica. ra vez, a doente queixa-se ao seu
no domicílio e associada a menos Como antecedentes familiares re- médico de família de dor abdominal,
efeitos secundários que a utilização levantes há a apontar a morte do pai náuseas e vómitos. Apresenta, em
da via endovenosa – não neces- por carcinoma do pâncreas, a mor- seis meses, um emagrecimento de
sitando de profissionais de saúde e te do avó paterno por icterícia de 5 a 6 kg, pele e mucosas descoradas
não alterando a autonomia do doen- etiologia desconhecida e o facto de a e uma massa dolorosa palpável na
te nas actividades de vida diária – avó materna ter sofrido de diabetes. fossa ilíaca esquerda. Perante este
é a opção terapêutica mais ade- quadro clínico, o médico de família
quada quando há necessidade de Avaliação Familiar pede-lhe uma colonoscopia e uma
administração parentérica de fár- A doente pertence a uma família nu- TAC abdominopélvica.
macos.9-14
Idealmente, os cuidados paliati-
vos devem ser providenciados no do-
micílio. Os familiares de pacientes
I Icterícea Diabetes
que morreram em casa, comparados
com os daqueles que morreram ins-
CA
titucionalizados, reportaram maior pâncreas
satisfação, menores preocupações
com os cuidados e menos necessi- II
dades não atendidas.15 No entanto,
apenas cerca de um terço concreti-
za o seu desejo. Inúmeros estudos
demonstraram que, na grande maio-
ria dos casos, os cuidados em fim de
III
vida são assegurados no domicílio,
por médicos de família e profissio-
nais de enfermagem.16 Relação excelente
Com este caso clínico pretende-se IV
Relação boa
demonstrar a importância que a via Relação escassa
SC pode ter na prestação de cuida- Relação pobre
dos adequados a doentes terminais
no domicílio. Figura 1. Representação da psicofigura de Mitchell (o círculo amarelo representa a doente).

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Consulta no Médico de Família ton Symptom Assessment Scale.17 grau 2 da escada analgésica da
(15 de Abril de 2005) A 27 de Julho, a doente vai à con- OMS) e com metoclopramida. Entre
Aproximadamente 15 dias depois, a sulta de grupo da dor do IPO. Apre- 29 de Julho e 7 de Agosto, por agra-
doente vai ao médico de família mos- senta dor e náuseas de intensidade vamento da sintomatologia, recorre
trar o resultado dos exames. Apre- moderada a grave e fica medicada várias vezes ao serviço de urgência
senta, na colonoscopia, uma lesão com um analgésico e um opióide (de- (SU) do IPO, não lhe tendo sido alte-
estenosante e vegetante a 2,5 cm da
margem anal; a TAC abdominopél-
vica revela metástases hepáticas e
neoformação do cólon sigmóide com C. Dor SU SU SU Internamento
extensão maior que 4 cm. Com o Suboclusão
diagnóstico de neoplasia do cólon
sigmóide metastizada, a doente é re-
Sintomas*

ferenciada ao Instituto Português de Dor


Oncologia (IPO) do Porto.
Náuseas e vómitos
Consulta de Grupo de Tumores
Digestivos do IPO (30 de Maio 27 28 29 30 31 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
de 2005) Julho Agosto

Cerca de um mês depois, na consul-


ta de grupo de tumores digestivos, a + Omeprazol 40 mg 1 x dia VO
doente mantém queixas de dor
Medicação
abdominal, náuseas, vómitos, aste- no Domicílio
Tramadol 100 mg 3 x dia VO
nia e anorexia intensas. Ao exame
Paracetamol 1 g 3 x dia VO
objectivo tem um aspecto muito Metoclopramida SOS VO
emagrecido e uma massa pálpavel *Edmond Symptom Assessment Scale
na fossa ilíaca esquerda; por toque
rectal, verifica-se que esta se encon- Figura 2. Representação esquemática da evolução dos sintomas entre 27 de Julho e 10 de Agosto.
tra a aproximadamente 8 cm da
margem anal. É decidido progra-
mar-se uma intervenção cirúrgica. C. Psicologia

Consulta de Grupo de Tumores SU


SU Internamento Interv. comport.
Digestivos do IPO (26 de Julho
Suboclusão
e relaxamento
de 2005)
Um mês após a cirurgia (colectomia Ansiedade
e colostomia) mantém a sintomato-
Sintomas*

logia e apresenta-se muito debilita- Dor


da e com um aspecto muito emagre-
cido. O exame anátomo-patológico Náuseas e vómitos
revela um adenocarcinoma modera-
damente diferenciado que invade
27 28 29 30 31 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
toda a estrutura cólica e tecido adi-
Agosto Setembro
poso. Perante um estadio pós-ope-
ratório T4N2M1, programa-se a rea- Tramadol 100 mg 3 x 3 dia VO
lização de quimioterapia paliativa. Medicação Paracetamol 1 g 3 x 3 dia VO
no Domicílio Omeprazol 40 mg x 1 dia VO
Nas Figuras 2 a 4 representa-se
Metoclopramida SOS VO
a evolução sintomática da doente ao *Edmond Symptom Assessment Scale
longo do tempo. Os sintomas foram
quantificados utilizando a Edmon- Figura 3. Representação esquemática da evolução dos sintomas entre 27 de Agosto e 10 de Setembro.

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doente é referenciada à consulta de


SU Internamento SU Internamento UCC psicologia, onde são efectuadas in-
Suboclusão tervenções comportamentais e de re-
Facilitação de verbalização laxamento (Figura 3).
Suboclusão emocional
Dor Como se esquematiza na Figura
4, entre 19 de Setembro e 13 de Ou-
tubro, por sintomas não controla-
Náuseas e vómitos
Sintomas*

dos, recorre três vezes ao SU e fica


Depressão duas vezes internada com um qua-
dro de suboclusão. Pelos mesmos
motivos, é internada de 17 de Outu-
Ansiedade
bro a 15 de Novembro. Associando-
19 23 27 1 5 9 13 17 21 25 29 26 30 3 7
-se aos sintomas de ansiedade, os
Setembro Outubro Novembro
sintomas depressivos vão-se tornan-
do cada vez mais evidentes. Neste
Tramadol 100 mg 3 x dia VO
Medicação sentido, são utilizadas pela psicólo-
Paracetamol 1 g 3 x dia VO
no Domicílio ga várias técnicas de facilitação da
Omeprazol 40 mg 1 x dia VO
Metoclopramida SOS VO verbalização emocional. Durante
*Edmond Symptom Assessment Scale
este internamento, é solicitada, pela
Figura 4. Representação esquemática da evolução dos sintomas de 19 de Setembro até à referênciação para a primeira vez, a ajuda da Unidade de
Cuidados Continuados (UCC) do
Unidade de Cuidados Continuados.
IPO. A partir desta altura, verifica-
-se uma diminuição progressiva da
Escala visual analógica para a dor gravidade dos sintomas, passando a
doente a ser seguida pela equipa da
UCC. À data da alta, refere uma dor
ligeira (0-3 na Escala Visual Ana-
Intensa lógica) e não apresenta náuseas ou
vómitos e verbaliza medo/angústia
de morrer. No Modelo de Kubler-
7
-Ross, adaptado à doença em fase
terminal, a doente encontra-se na
Moderada
fase 4, ou seja, de depressão. Man-
tém um aspecto emagrecido e, na
3 Escala de Karnofsky,18, 19 regista-se
uma quantificação de 70%, signifi-
Ligeira cando que necessita de cuidados
para si, sendo incapaz de continuar
Meses anteriores Após apoio domiciliário a sua actividade normal. Por decisão
com utilização da via SC
conjunta, inicia-se, no domicílio, a
administração de fármacos por via
Figura 5. Esquematização da dor abdominal apresentada pela doente, representada pela Escala Visual Analógica.
SC sempre que a via oral está res-
tringida devido às náuseas ou aos
rada a medicação no ambulatório. boclusão intestinal. A 4 de Setembro vómitos. Para o domicílio, são pres-
Da última vez que recorre ao SU, é tem alta, mantendo a medicação critos os medicamentos de via SC
internada por suboclusão intestinal para a dor (um analgésico e um opió- para serem administrados em SOS,
(Figura 2). ide moderado). Dois dias depois, re- e em função dos sintomas, pela
A 27 de Agosto, a doente recorre corre novamente ao SU por agrava- doente ou por algum familiar (Qua-
novamente ao SU, sendo novamen- mento sintomático. Devido ao au- dro I).
te internada por um quadro de su- mento progressivo da ansiedade, a Desde a altura em que foi diag-

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QUADRO I mília é o núcleo fundamental de


apoio ao doente, especialmente
MEDICAÇÃO PRESCRITA PARA O DOMICÍLIO, PARA SER ADMINISTRADA, POR VIA SC, EM SOS
no que respeita aos cuidados do-
Quando - em caso de: Fármaco Acção Frequência
miciliários.
dor contínua morfina 10 mg SC analgésico até 1/1 hora
• A promoção da autonomia e da
cólica abdominal butilescopolamina 20 mg SC anticolinérgico até 6/6 horas
dignidade do doente tem que ser
náuseas/vómitos metoclopramida 10 mg SC antiemético até 4/4 horas
tomada em consideração nas de-
cisões terapêuticas.
Legenda – SC: subcutânea • Deve desenvolver-se uma atitu-
de reabilitadora activa, evitan-
do-se expressões como “não há
nosticado o cancro já metastizado • ingestão, bem tolerada, de líqui- mais nada a fazer”.
a doente manteve uma dor abdo- dos fraccionados; • Deve ser dada importância ao
minal intensa a moderada; várias • menos de 1 vómito a cada 48 ho- ambiente, uma vez que uma
vezes teve necessidade de acorrer ao ras; atmosfera de respeito, conforto,
SU e de ser internada. Depois da • ausência de náuseas. suporte e comunicação influên-
referenciação à UCC verifica-se uma Foram raros os dias em que a cia de maneira decisiva o contro-
diminuição progressiva da dor, que doente não teve vómitos, tendo apre- lo dos sintomas.
se torna ligeira a moderada (Figu- sentado, como sintomas constantes, Os pacientes com doença em es-
ra 5). náuseas e dor. Tratava-se de uma tádio avançado, muitas vezes debi-
dor persistente com picos irruptivos. litados fisicamente e com alterações
Perante este tipo de queixas, teria cognitivas, ficam impossibilitados de
DISCUSSÃO sido importante, para além da me- utilizar a via oral. Nestes doentes –
dicação de base, a instituição de me- muitas vezes com pouca massa
Apesar da grande debilidade em que dicação para a dor irruptiva. O que muscular devido a caquexia, e com
a doente já se encontrava, esta tem obstou à medicação para os picos de veias quase sempre esclerosadas –
necessidade de recorrer nove vezes dor foi a frequente intolerância oral, é muito útil a utilização da via SC.
ao SU, em três meses e meio, por dor que a impedia de usar esta via. No Quadro II descrevem-se as prin-
não controlada, moderada a inten- Os cuidados paliativos surgiram cipais circunstâncias em que é indi-
sa, e/ou vómitos. Durante este pe- como reacção ao tratamento inade- cada a utilização da via SC e no Qua-
ríodo, é internada cinco vezes por quado dos doentes com doenças cró- dro III as principais vantagens de se
quadros de suboclusão intestinal. nicas avançadas que não têm a pos- recorrer a esta via.
Durante o pouco tempo de perma- sibilidade de cura ou de tratamento Existem diversos estudos publi-
nência no domicílio, é medicada com específico. A ideia fundamental é que cados que evidenciam a preferência
opióides do degrau 2 da escada anal- estes doentes devem ser objecto de dos doentes terminais em permane-
gésica da dor da OMS, apesar de tanto interesse e atenção como os cer no domicílio durante a assistên-
apresentar uma dor persistente- que se encontram em qualquer ou- cia à doença e em morrer em casa.
mente moderada a intensa. tra fase da doença porque, embora Se o doente terminal morrer em
Em tratamento paliativo, quatro não se lhes possa prolongar a vida, casa, várias são as vantagens para
meses após o diagnóstico, a doente muito se pode fazer para aliviar o seu todos os elementos envolvidos. O
apresenta como principais proble- sofrimento.3 doente, no seu ambiente, consegue
mas a dor abdominal e os quadros Os cuidados ao doente terminal escolher as companhias e as activi-
de suboclusão/oclusão intestinal. baseiam-se em cinco pontos funda- dades, expressar mais facilmente os
Perante um quadro de oclusão in- mentais:2 seus sentimentos e sentir a segu-
testinal, pode considerar-se um • Os cuidados devem ser inte- rança de poder morrer em casa, jun-
adequado controlo sintomático se se grais — tendo em conta os aspec- to dos seus familiares; tais circun-
verificarem:20 tos físicos, emocionais, sociais e stâncias contribuem consideravel-
• controlo da dor contínua e em có- espirituais — e continuados. mente para a sua qualidade de vida
lica (nível da escala visual analó- • O doente e a família são a uni- e conforto. O facto de o doente estar
gica menor que 3); dade a tratar, uma vez que a fa- no domicílio é também vantajoso

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QUADRO II nicamente os elementos da equipa,


24 horas por dia. A possibilidade de
CASOS EM QUE É INDICADA A UTILIZAÇÃO DA VIA SUBCUTÂNEA EM CUIDADOS PALIATIVOS
ter alguém para a aconselhar, ouvir
INDICAÇÕES
e acompanhar levou a uma diminui-
Doentes com intolerância à VO por vómitos persistentes ou quadros de oclusão intestinal
ção da ansiedade e à sua seguran-
Doentes com incapacidade de deglutição (lesões da boca, da faringe, do esófago, ou da laringe)
ça e da sua família.
Doentes com má absorção intestinal
Doentes com confusão/agitação/delírio CONCLUSÃO
Doentes em estado de debilidade grave/estado de agonia
Doentes sem resposta terapêutica aos fármacos tomados por VO
Doentes com necessidade de ingerir elevadas doses de medicação
Para que os nossos doentes termi-
nais possam ficar em casa até aos
Legenda – VO: via oral últimos dias das suas vidas devem
ser antecipados cenários, deve ser
promovido o ensino da família e de
para os seus familiares, uma vez que poderia ter ficado no domicílio se as outros cuidadores informais, deve
estes ficam com a possibilidade de três condicionantes fossem cum- ser providenciado o apoio domiciliá-
participar nos cuidados ao doente e pridas: rio do médico de família – enqua-
sentem menos angústia, e maior • preferência da doente: a doente drado numa equipa assistencial com
confiança e controlo. Finalmente, manifestou, desde sempre, o de- disponibilidade e acessibilidade – e
também é vantajoso para os profis- sejo de permanecer na sua casa, deve ser estabelecida uma coopera-
sionais de saúde, na medida em que junto dos seus familiares, sobre- ção estreita com a Unidade de Cui-
se promove a satisfação profissional tudo junto da mãe. dados Paliativos.
e a ligação ao doente, em que se pos- • apoio familiar: a doente tinha um Fazendo parte das funções do mé-
sibilita a avaliação do grau de adap- apoio incondicional da mãe; dico de família, cuidar dos doentes
tação e funcionalidade do doente no desde que a filha ficou debilitada, terminais no domicílio é respeitar o
domicílio, e em que se aumenta o co- esta passou a morar com ela e seu desejo e significa adequar a res-
nhecimento da família e de outros com o genro; posta médica às suas necessidades.
cuidadores informais.16 • controlo dos sintomas: se a A utilização da via SC facilita estes
Uma revisão sistemática de 2006 doente tivesse apoio domiciliário aspectos; daí a importância da fami-
procurou identificar os factores que e pudesse recorrer à via SC sem- liarização do médico de família, do
podem influenciar a escolha dos pa- pre que a via oral estivesse res- doente e dos seus cuidadores com
cientes terminais em permanecer tringida — o que nesta doente era esta via de administração.
em casa, com prestação de cuidados o mais habitual.
até à morte. Foram encontrados seis A assistência domiciliária mais
factores com uma forte associação a precoce, com a utilização da via
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
tal desejo: o mau estado funcional do SC, poderia ter evitado as idas fre-
doente, a preferência pessoal, a exis- quentes da doente ao SU e os inter- 1. WONCA. A definição Europeia de Me-
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de um bom suporte familiar. Deste diminuição progressiva da dor e a www.secpal.com/guiacp/ [acedido em
modo, os factores podem ser divi- uma menor necessidade de recorrer 20/06/2006].
didos em três grupos, relacionados ao IPO, o que, dada a grande debili- 3. Gonçalves F. Os últimos dias de vida.
com o indivíduo, com a doença e dade em que a doente se encontra- Arquivos de Medicina 1997; 11 (4): 229-
com o ambiente.16 va, foi muito importante. Para esta 233.
4. Ripamonti C, Zecca E, De Conno F.
Este caso representa a situação diminuição contribuiu também a
Pharmacological treatment of cancer pain:
de uma doente em cuidados palia- grande acessibilidade própria da alternative routes of opioid administration.
tivos com suboclusões intestinais UCC, na medida em que permite que Tumori 1998 May-Jun; 84 (3): 289-300.
recidivantes e dor não controlada; os doentes possam contactar telefo- 5. Breda M, Bianchi M, Ripamonti C,

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