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ISEIB- INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO IBITURUNA

MARCELO TADEU ALVES BONTEMPO

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O ESTADO DE DEMOCRÁTICO DE


DIREITO: OS RISCOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO

BELO HORIZONTE – MG
2019
ISEIB- INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO IBITURUNA
MARCELO TADEU ALVES BONTEMPO

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O ESTADO DE DEMOCRÁTICO DE


DIREITO: OS RISCOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO

Artigo Científico apresentado ao Instituto Superior


de Educação Ibituruna - ISEIB, como requisito
parcial para a obtenção do título de Especialista
em Direito Constitucional Aplicado.

BELO HORIZONTE – MG
2019
1

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E O ESTADO DE DEMOCRÁTICO DE


DIREITO: OS RISCOS DO NEOCONSTITUCIONALISMO

Marcelo Tadeu Alves Bontempo1

RESUMO

A preocupação básica deste estudo é refletir sobre o papel do STF (Supremo Tribunal Federal) no
arranjo institucional nacional, bem como sobre os riscos, para Estado Democrático de Direito, da
adoção, por parte da Corte, da doutrina neoconstitucionalista. Este artigo tem como objetivo trazer à
baila algumas questões recorrentes na academia sobre a atuação do Supremo, pelo prisma da
interpretação constitucional, no atual contexto político e institucional brasileiro. Realizou-se, nesta
perspectiva, uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de autores como Jorge
Octávio Lavocat Galvão, Lênio Luiz Streck e Oscar Vilhena Vieira, entre outros. Concluiu-se que a
adoção de uma postura de ativismo judicial por parte do Supremo Tribunal Federal, baseada nas
doutrinas neoconstitucionalistas e suas ferramentas de interpretação, sem a adoção, em termos
acadêmicos e jurisprudenciais, de uma teoria normativa de um lado, e da normatização dos
parâmetros de julgamento da Corte de outro, põe em risco os pilares do Estado Democrático de
Direito, ao enfraquecer os seus objetivos e finalidades.

1) Introdução

O presente artigo tem como objetivo trazer à baila, de forma crítica e através
de autores como Jorge Octávio Lavocat Galvão, Lênio Luiz Streck e Oscar Vilhena
Vieira, entre outros, algumas questões recorrentes na academia brasileira sobre a
atuação do STF (Supremo Tribunal Federal) no atual contexto político e institucional
brasileiro.
Com a opção brasileira por uma forma super-rígida de Constituição,
prevalecendo o constitucionalismo sobre a maioria democrática, o STF passou a
ocupar uma posição central no sistema político brasileiro. O protagonismo da Corte,
aliado a uma exposição crescente de seus Ministros e de seus julgados, inclusive
através de uma TV ligada ao judiciário (TV Justiça), trouxe à tona para o grande
público o peso da Corte para os rumos do país, bem como evidenciou o peso da
interpretação constitucional para as sua decisões.
A principal questão aqui tratada, refere-se aos riscos, para o Estado
Democrático de Direito brasileiro, da tendência atual de adoção por parte do STF,

1
Bacharel em Ciências Políticas pela UFMG e Oficial de Apoio Judicial TJMG
2

de uma doutrina conhecida como neoconstitucionalismo. Tal doutrina, com suas


ferramentas e técnicas de interpretação, concorre para o desequilíbrio institucional
do Estado Democrático de Direito, e evidencia a necessidade de uma maior
normatização dos parâmetros de julgamento da Corte, evitando os subjetivismos e
os motivos políticos, comprometedores de sua imagem e de sua legitimidade no
cenário institucional brasileiro.
Para essa empreitada, procurou-se, inicialmente, situar o caso brasileiro em
termos de arranjo institucional. Em seguida, adentrou-se na problemática da atuação
do STF, através dos conceitos e das discussões que permeiam este debate,
trazendo também referências a casos concretos, que ajudam a exemplificar tal
atuação. Para tanto, foi utilizada pesquisa bibliográfica especifica, focada
principalmente nos autores acima citados, além de artigos direcionados para sites
especializados, os quais permitem um contato maior com a realidade mais atual do
nosso tema.

2) Desenvolvimento

Com a ampliação das matérias não passíveis de deliberação pelo sistema


político (mesmo que pelo constituinte reformador), a Carta de 1988 colocou o STF
no centro do nosso arranjo institucional. Uma vez estabelecido o Brasil como um
“Estado Democrático de Direito” (art. 1º da Constituição Federal de 1988), uma das
principais questões do constitucionalismo moderno, qual seja, a tensão entre
democracia e Estado de Direito, direta ou indiretamente, passou a ocupar lugar de
destaque nos meios acadêmicos.
Nas palavras de Oscar Vilhena Vieira,

A conciliação dessas distintas concepções políticas não se dá sem


ambiguidades, principalmente se tomarmos a democracia em seu
significado meramente procedimental, enquanto governo da maioria, o e
estado de direito em seu sentido substantivo, enquanto governo das leis.
(...) A busca de uma composição empírica desse antagonismo teórico
parece ser a principal meta do constitucionalismo moderno e
contemporâneo. (VIEIRA, 1994, p. 72).

Com a adoção de uma Constituição super-rígida (no sentido da ampliação


das matérias não passíveis sequer de emenda constitucional, como os direitos
3

individuais), o Brasil adota o modelo constitucional, que, embora mantendo a


estrutura e a composição do STF, altera substancialmente, assim como complexifica
as atribuições do mesmo. Quanto mais ampla a gama de direitos resguardada das
decisões majoritárias, mais amplas as atribuições de um tribunal de controle de
constitucionalidade. (VIEIRA, 1994).
Sintetizando, podemos ter “um Estado mais constitucional, no sentido de
assegurador de direitos, ou um Estado em que a regra da maioria consiste no
procedimento por excelência de tomada de decisão política” (VIEIRA, 1994 p. 72).
Sem entrarmos numa discussão valorativa sobre a opção brasileira, fato é
que a adoção de um Estado mais constitucional marca um fortalecimento inédito dos
tribunais nacionais, principalmente da nossa corte suprema, que passa a ter um
papel preponderante em nossa engenharia institucional, inclusive em detrimento do
parlamento e da política.
Tal proeminência, aliada a uma superexposição midiática (vide as
transmissões da TV Justiça), traz para o centro das atenções do público mais atento,
e do mundo acadêmico, as questões referentes à interpretação constitucional. O
poder da última palavra nas mãos de onze ministros não eleitos, em relação aos
mais variados temas de relevância nacional, tem se revestido de polêmicas, tendo
em vista as divergências de pensamento e de interpretação entre os mesmos no
tocante às leis positivadas na Constituição, bem como a atuação cada vez mais
reformadora da Constituição, em detrimento de seu papel de legislador negativo.
(VIEIRA, 2008).
Aqui temos a principal preocupação deste trabalho: o cruzamento entre a
posição central ocupada pelo Supremo e as questões relativas à interpretação da
Constituição, bem como as suas consequências para o Estado de Direito. Tal
cruzamento ganha contornos ainda mais problemáticos se levarmos em
consideração a emergência na academia brasileira da doutrina neoconstitucionalista,
que prega “a adoção de uma série de posturas interpretativas que conferem maior
liberdade aos juízes ao decidirem os casos constitucionais no intuito de promover
transformação social pelo Direito.” (GALVÃO, 2012, p. 3).
Se a relação entre democracia e Estado de Direito é marcada por tensões,
temos que a postura neoconstitucionalista contribui para mais tensionamento, uma
vez que avança sobre os pilares daquele, podendo mesmo chegar a colocar em
questão a legitimidade das instituições. Para compreendermos tal processo,
4

necessário se faz recorrer às luzes lançadas por Jorge Otávio L. Galvão na relação
entre o neoconstitucionalismo e o Estado de Direito, em sua tese de doutoramento
“O neoconstitucionalismo e o fim do estado de direito”, o que passamos a fazer.2
Para Galvão, não há dúvidas de que o Estado de Direito é um ideal político
altamente venerado. Entre as razões mais óbvias dessa veneração, estariam a
limitação do poder dos agentes públicos e a previsibilidade das consequências
jurídicas das ações dos indivíduos. No entanto, um terceiro fator ganha cada vez
mais importância, ao levarmos em conta a pluralidade das sociedades
contemporâneas: trata-se do “modo digno como as instituições públicas se
apresentam aos cidadãos.” (GALVÃO, 2012, p. 5).
Nas sociedades contemporâneas, a perspectiva de consenso entre os
cidadãos sobre qualquer tema, inclusive aqueles de relevância para a vida social, é
mínima. Daí a necessidade de uma estrutura institucional que possibilite o agir
coletivo, mesmo em meio à todo tipo de desacordo e divergência. Tal contexto não
pode jamais ser ignorado por nenhum tipo de escola jurídica.
Nesse sentido, como ressaltado por Galvão,

Uma teoria constitucional contemporânea precisa encarar o fato de que,


mesmo acreditando na existência de direitos e da justiça, as pessoas
discordam apaixonadamente sobre o seu significado e suas implícâncias
nas situações concretas. Não há um repositório moral amplamente
compartilhado que possa ser consultado para a resolução dos conflitos que
permeiam a sociedade. (GALVÃO, 2012, p.6).

Um ponto fundamental nesse contexto, em que decisões das mais variadas


amplitudes devem ser tomadas em uma sociedade fundamentalmente plural e
dividida, é que a forma como as mesmas são tomadas é de importância crucial para
a legitimidade ou não do regime político e das suas instituições.
O mecanismo central e mais adequado de tomada de decisões é o processo
político democrático. Embora as forças que se movimentam nesse quadro de
deliberação não sejam neutras, e nem sequer possuam a mesma capacidade de
influência, cabe destacar a neutralidade formal desse processo, no sentido do
tratamento igual aos diferentes atores, com diferentes concepções morais e
políticas:

2
GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat. O neoconstitucionalismo e o fim do estado de direito, tese de doutorado,
Faculdade de Direito/USP, São Paulo, 2012.
5

Nesse modelo, após a manifestação das razões que animam as diferentes


visões de mundo sobre um determinado tema, decide-se a questão –
diretamente ou por representantes – através da adoção da solução que a
maioria entende ser a mais adequada naquelas circunstâncias. É por meio
da regra da maioria, portanto, que são editados os principais atos
normativos – como a Constituição e as leis ordinárias – em uma sociedade
que se importa em tratar os seus cidadãos de forma legítima. Somente
contando os votos de todos é possível dar tratamento igualitário aos
diferentes pontos de vista. (GALVÃO, 2012, p.7).

Tal modelo, obviamente, não elimina a existência de divergências, e nem o


pretende. Porém, os perdedores respeitam a decisão da maioria, tendo em vista a
consciência das regras do jogo do qual participaram. A forma democrática de
tomada de decisão é, sem sombra de dúvidas, a menos traumática, uma vez que
possibilita a expressão pública de todos os pontos de vista, sem privilegiar
nenhuma delas, e permite que, no futuro, os atuais perdedores, através de
mudanças no contexto econômico, social e político, possam reverter o
entendimento coletivo sobre os temas propostos. (GALVAO, 2012).
Tem-se assim, um compromisso mútuo entre Estado e indivíduos, não
podendo aquele modificar as decisões tomadas democraticamente sem o devido
processo político, e cabendo aos indivíduos a observância à decisão da maioria.
Trata-se, no Estado de Direito, de uma gestão da vida da coletividade através de
um ordenamento jurídico democraticamente construído, possibilitando que o
cidadão se conforme ao se deparar com normas contrárias aos seus interesses.
Toda essa engenharia formal, por mais problemas concretos e distorções
que possa apresentar, é fundamental para o que foi colocado anteriormente, no
tocante à legitimidade do processo político e de suas instituições: ao garantir a
participação de todos os pontos de vista, em igualdade de condições e sem limites
ao debate público, as instituições aparecem aos cidadãos de maneira digna.
Infere-se daí, de maneira absolutamente clara, a centralidade das leis no
Estado de Direito, como conformadoras e coordenadoras das condutas em uma
sociedade plural:

As normas, ao excluírem as razões pessoais sobre determinado assunto,


diminuem o grau de discricionariedade dos intérpretes, tanto dos
governantes como dos governados, trazendo previsibilidade e igualdade de
tratamento. Tem-se, então, que Estado de Direito é aquele que se utiliza de
normas jurídicas como pautas de conduta, cuja função é excluir as razões
6

pessoais dos agentes na formação do juízo, diminuindo sua


discricionariedade, seja limitando a atuação estatal ou demarcando a esfera
de autonomia individual, com o objetivo de promover a coordenação das
condutas e a eficiência no trato intersubjetivo em uma sociedade plural.
(GALVÃO, 2012, p.13).

Neste ponto, cabe retomarmos o foco sobre o Supremo Tribunal Federal,


uma vez que este, ocupando uma posição central nesse esquema institucional,
joga um peso grande na sustentação do ideal do Estado de Direito.
A atuação do STF tem se mostrado, com frequência, uma atuação
questionável em relação às leis democraticamente positivadas. Percebe-se uma
influência cada vez maior da doutrina neoconstitucionalista nos julgamentos, o que
acaba por fragilizar os pilares e os fins últimos do Estado de Direito, uma vez que
amplia a discricionariedade dos julgadores frente ao texto legal, através do uso de
certas ferramentas interpretativas.
Obviamente que não se pode deixar de destacar que o controle de
constitucionalidade é mais complexo e, por vezes, mais problemático, tendo em
vista as contradições e os antagonismos de visões presentes dentro da nossa
Constituição, o que ressalta e amplia as questões relativas à interpretação das
leis. Galvão coloca bem problema, ao dizer que

Em essência, a discussão gira em torno do modo como a Constituição deve


ser interpretada. Enquanto o ideal do Estado de Direito sugere que o papel
dos tribunais é o de manter os compromissos políticos assumidos pela
sociedade – inclusive os constitucionais – o Neoconstitucionalismo incita o
intérprete a explorar os potenciais emancipatórios presentes no texto
constitucional, vislumbrando na interpretação judicial um dos mais, senão o
mais, importante mecanismo de transformação social, o que leva a uma
constante revisão da compreensão do texto fundamental. (GALVÃO, 2012,
p 20).

Tal ímpeto de mudança social através da hermenêutica, utilizando (por


vezes em detrimento mesmo do texto legal) de princípios constitucionais,
ponderações de valores, direitos individuais, e de argumentos de caráter político,
amplia o poder dos julgadores, que muitas vezes passam a controlar as opções
legislativas, em detrimento do controle de constitucionalidade das leis. Nas
palavras de Vieira,
7

(...) nos últimos anos, o Supremo não apenas vem exercendo a função de
órgão de “proteção de regras” constitucionais, face aos potenciais ataques
do sistema político, como também vem exercendo, ainda que
subsidiariamente, a função de “criação de regras”; logo, o Supremo estaria
acumulando exercício de autoridade constitucional, inerente a qualquer
intérprete, com exercício de poder (VIEIRA, 2008, p.445).

As técnicas interpretativas pregadas pelo neoconstitucionalismo, quando


utilizadas em detrimento do texto legal, representam um claro e caro problema ,
uma vez que a nossa opção constitucional foi claramente pela instituição de
regras. Não há polêmicas quanto à classificação da nossa Constituição como
analítica, ou seja, como uma carta pormenorizada e detalhista. Em que pesem os
princípios nela presentes, ela foi vinculada a regras, não àqueles. (ÁVILA, 2009, p.
189, apud GALVÃO, p. 18).
O conceito de mutação constitucional, por exemplo, torna clara a
dimensão da questão: “a mutação constitucional é a alteração informal da
Constituição, que modifica o seu sentido e alcance, sem que se opere, no entanto,
qualquer modificação em seu texto” (BARROSO, 2009, p. 210, apud GALVÃO, p.
20).
Poder-se-ia argumentar que tal forma de atuar (com os objetivos e a visão
neoconstitucionalista do direito) seria fundamental para a proteção e a ampliação
dos direitos fundamentais, em detrimento de um conservadorismo positivista, que
serviria para manter o status quo, alheio aos problemas e às necessidades da
realidade brasileira. Porém, como ressaltado por Fabrício C. Lunardi,

Uma pesquisa empírica realizada sobre a jurisdição constitucional do STF


demonstrou que, entre os anos de 2000 e 2008, apenas 11% das decisões
de procedência em sede de ações diretas de inconstitucionalidade
mencionaram a proteção de direitos fundamentais. Além disso, dentre elas
(11%), 60% eram, na verdade, decisões em prol de interesses corporativos
(...) Isto comprova empiricamente que os direitos fundamentais não têm sido
o principal foco do STF no controle abstrato de constitucionalidade, e que
podem estar sendo usados desvirtuadamente como fundamento para
defesa de outros interesses. (LUNARDI, 2018, p. 3).

Na mesma direção temos o alerta de Lênio Streck, que diz que o


neoconstitucionalismo acaba por permitir o desenvolvimento do ativismo judicial,
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que seria distinto do fenômeno da judicialização da política, decorrente da


insuficiência dos demais Poderes do Estado. O ativismo judicial é a adoção de uma
postura judicial que extrapola os limites estabelecidos constitucionalmente.
(STRECK, 2011, p. 14).

Em que pesem exemplos de importante atuação do STF na seara dos


direitos fundamentais (vide os casos do aborto no caso de fetos anencéfalos e a
questão do reconhecimento da união homoafetiva, por exemplo), sobram
exemplos de atuações de cunho político, ao arrepio do texto constitucional, que,
na visão de vários estudiosos, beiram o arbítrio, no sentido de decisões que visam
impor a visão de mundo do julgador, e não aquilo que foi democraticamente
estabelecido no texto constitucional.
Recorrendo novamente ao que diz Lunardi,

(...) tem-se visto na doutrina constitucional a afirmação de que é a jurisdição


constitucional que dá o sentido da Constituição, e, inclusive, como constou
na fala do Ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa durante
o julgamento da ação penal n.º 470 (caso conhecido como processo
do“mensalão”): “A Constituição é aquilo que o Supremo Tribunal Federal diz
que é”. (LUNARDI, 2018, p. 3)

Vale, a título de exemplo e fonte de pesquisa, citarmos alguns casos


(embora existam inúmeros), analisados por Oscar V. Vieria, onde temos claramente
essa forma de atuação do Supremo. Salientamos, porém, que, dadas as pretensões
e os limites formais deste artigo, o leitor deve, para se aprofundar sobre os mesmos,
recorrer aos textos indicados:
 A apreciação da constitucionalidade do IPMF (Imposto Provisório
sobre Movimentação Financeira), quando o Supremo suspendeu, de
maneira polêmica, a vigência da Emenda Constitucional número 3, de
1º de março de 1993. (VIEIRA, 1994).
 O julgamento da lei de biossegurança, que autoriza a pesquisa com
células-troncoembrionárias congeladas, num claro embate entre o
legislado e a “visão” do Supremo sobre o tema. (VIEIRA, 2008)
9

 A decisão tomada no MS (Mandado de Segurança) 26.603/DF, que


cuida da questão da perda de mandato por infidelidade partidária.
(VIEIRA, 2008). Aqui, vale citarmos o Ministro Celso de Mello, em seu
voto: “A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais
incumbidos de aplicá-la [...]. Nos Tribunais incumbidos da guarda da
Constituição, funciona, igualmente, o poder constituinte.” 3

Por fim, vale citarmos ainda mais dois casos, mais atuais, que evidenciam o
tipo de preocupação que habita os argumentos de alguns dos ministros do STF. O
primeiro deles, refere-se à execução da pena após a condenação em segunda
instância, e o segundo, à possibilidade de candidaturas avulsas para pleitos
majoritários.
Nas palavras de Galvão,

(...) no julgamento em conjunto das ações declaratórias de


constitucionalidade 43 e 44, o ministro Luiz Fux, por exemplo, afirmou,
explicitamente, que a execução da pena após condenação em 2º grau seria
justificada para preservar o direito fundamental da sociedade em ver
aplicada a sua ordem penal, ainda que em detrimento de eventual direito do
acusado... Já no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário
1.054.490, o ministro Roberto Barroso, após diagnosticar que, atualmente,
há certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, convidou
os demais colegas a refletirem sobre a autorização de candidaturas avulsas
em eleições majoritárias como forma de aperfeiçoar o nosso sistema
político, concluindo que “aprimorar as instituições faz parte do núcleo de
nossa missão constitucional”. (GALVÃO, 2019).

A forma como tais questões são colocadas evidenciam uma preocupação


com a coletividade, claramente de cunho político. Seriam decisões baseadas em
argumentos de política, termo usado por Ronald Dworkin, que, segundo Galvão,
seria o autor da teoria constitucional contemporânea mais influente atualmente:

(...) na concepção do Direito como integridade de Dworkin, para que o


Direito não seja desnaturado, somente seriam legítimas decisões
constitucionais baseadas em argumentos de princípios, que são aquelas
em que há o reconhecimento de direitos universalizáveis, fundados no igual

3
MS 26.603/DF, Supremo Tribunal Federal. Voto do Ministro Celso de Mello, p. 50.
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respeito e consideração de todos, ainda que tal reconhecimento implique


uma diminuição no bem-estar da comunidade. Já as decisões baseadas
em argumentos de política (ou policies), que traçam uma estratégia para
promover o maior benefício à coletividade, muitas vezes em detrimento de
direitos individuais, seriam ilegítimas e, portanto, antijurídicas. (GALVÃO,
2109).

Trata-se de refletirmos como as doutrinas constitucionalistas


contemporâneas, de cunho mais progressista na aplicação do direito, têm sido
usadas nos nossos tribunais, sobretudo no STF, que exerce o controle de
constitucionalidade. Segundo Galvão, não houve, por parte dos autores brasileiros,
(diferentemente de Dworkin, por exemplo), o desenvolvimento de teorias que
restringissem o uso de raciocínio estratégico por parte dos julgadores, o que teria
feito “ruir o muro que protegia o Direito da política.” (GALVÃO, 2019).

3) Conclusão

Diante do exposto, concluiu-se que a adoção de uma postura de ativismo


judicial por parte do Supremo Tribunal Federal, baseada nas doutrinas
neoconstitucionalistas e suas ferramentas de interpretação, sem a adoção, em
termos acadêmicos e jurisprudenciais, de uma teoria normativa de um lado, e da
normatização dos parâmetros de julgamento da corte de outro, põe em risco os
pilares do Estado Democrático de Direito, ao enfraquecer os seus objetivos e
finalidades.
O foco no uso da hermenêutica como ferramenta de mudança social (sem
delineamentos claros e objetivos, em termos teóricos e jurisprudenciais), ou seja,
como procedimento visando um fim, pode desaguar em uma espécie de
pragmatismo jurídico, e, por que não, em arbítrio.
Vale lembrar que o Estado de Direito, antes de mais nada, refere-se à
dignidade de tratamento, e não de resultado. Trata-se de um meio legítimo de
procedimento no uso e na aplicação das normas jurídicas, que confere dignidade
às instituições aos olhos da população, e que restringe a discricionariedade por
parte de julgadores/governantes, e dos indivíduos no convívio social.
O aumento da discricionariedade dos julgadores fere sobremaneira o
processo político democrático, na medida em que eles, não raras vezes, e
utilizando cada vez mais argumentos de política, acabam por atuar como
11

verdadeiros legisladores. As razões pessoais dos agentes começam claramente a


atuar na formação do juízo, de forma que a declaração da inconstitucionalidade de
atos estatais passa a se dar não necessariamente por ferirem direitos, mas por
serem contrários ao projeto de nação ou à visão de mundo dos ministros.
As consequências desta forma de julgar são sentidas, por um lado, na
legitimidade das instituições, ao colaborar para o enfraquecimento do processo
político democrático e das instituições representativas (o parlamento em especial),
bem como para o enfraquecimento da imagem do Tribunal, que passa a ser visto
como fonte de insegurança jurídica e instabilidade institucional, dado o papel central
que ocupa, e a imprevisibilidade de suas decisões e interpretações do texto legal.
Por outro lado, na outra ponta, a dos cidadãos, temos que, em maior ou menor grau,
as instituições tendem a não serem mais vistas de maneira digna pelos mesmos, ao
perceberem que as normas, democraticamente construídas, passam a ser objeto de
interpretações por vezes calcadas em subjetivismos, e, por que não, sincronizadas
com os ventos do contexto político e do momento, gerando desconfiança quanto à
toda a engenharia institucional do Estado Democrático de Direito.

Referências

GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat. O neoconstitucionalismo e o fim do estado de


direito, tese de doutorado, Faculdade de Diretio/USP, São Paulo, 2012.

_________. Juízes representativos? A nova face do neoconstitucionalismo.


Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-mar-03/observatorio-constitucional-
juizes-representativos-face-neoconstitucionalismo > Acesso em 5 jan.2019.

LUNARDI, Fabrício Castagna. Entre freios e contrapesos: o poder político que


sustenta o controle judicial de constitucionalidade. Pensar: Revista de Ciências
Jurídicas, Fortaleza, 2018, v. 23, n. 2, p. 1-15, Abr-Jun.

MOURA, Emerson Affonso da Costa. Judicialização, ativismo e direitos


fundamentais: a garantia dos pressupostos essenciais ao processo democrático
pelas cortes constitucionais. Revista do Direito Público, Londrina, 2014, v. 9, p. 227-
244.

STRECK, Lênio Luiz. Contra o Neoconstitucionalismo. Constituição, Economia e


Desenvolvimento: Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba,
2011, n. 4, Jan-Jun. p. 9-27.
12

STRECK, Lenio Luiz; BARRETTO, Vicente de Paulo; OLIVEIRA, Rafael Tomaz de.
Ulisses e o Canto Das Sereias: Sobre Ativismos Judiciais e os Perigos da
Instauração de um “Terceiro Turno da Constituinte”. RECHTD: Revista de Estudos
Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, São Leopoldo, 2009, v. 1, n. 2,
Jul-Dez.

STRECK, Lênio Luiz; PEDRON, Flávio Quinaud. Senso Incomum -


Ceticismo e autodestruição: a moda do Direito retrô à brasileira. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2017-mai-18/senso-incomum-ceticismo-autodestruicao-
moda-direito-retro-brasileira > Acesso em 13 jan.2019.

VIEIRA, Oscar Vilhena. Império da lei ou da corte?. Revista USP, São Paulo, 1994,
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__________. Supremocracia. In: Revista Direito GV. São Paulo, 2008, 4 (2), p.441-
464, jul-dez.

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