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Avaliação

Avaliar para crescer

No ambiente escolar, a avaliação só faz sentido quando serve para auxiliar o estudante a superar as dificuldades

"Dar provas, corrigi-las e entregá-las não é mais suficiente para mim. Preciso saber onde estou falhando para planejar o que e como ensinar" 

Notas fechadas, boletins entregues, diários de classe arquivados. Missão cumprida? Não para Cristiane Ishihara, professora de Matemática das 5ªs séries no Colégio
Assunção, em São Paulo. Como faz ao final de cada bimestre, ela vai pegar as anotações que fez em sala de aula, os resultados dos exames e os questionários que a turma
responde após as provas. Tudo com um objetivo: avaliar o próprio desempenho. "Dar provas, corrigi-las e entregá-las não é mais suficiente para mim. Preciso saber onde
estou falhando para planejar o que e como ensinar", afirma. Cristiane está dando o primeiro e mais importante passo rumo a um sistema de avaliação escolar justo e
motivador. Culpar o aluno pelas notas baixas, o desinteresse ou a indisciplina nem passa pela cabeça dela. "Basta que alguns tenham ido mal nas provas para eu saber que
preciso mudar de didática ou reforçar conteúdos".

Ao rever seu trabalho, Cristiane mostrou que está mesmo no caminho certo. "Não interessa o instrumento utilizado. Pode ser prova, chamada oral, trabalho em grupo ou
relatório. O importante é ter vontade de mudar e usar os resultados para refletir sobre a prática", explica o consultor e educador Celso Vasconcelos. Para ele, de nada
adianta selecionar novos conteúdos ou métodos diferentes de medir o aprendizado se não houver intencionalidade — palavra que ele define, em tom de brincadeira, como
"a intenção que vira realidade". "Enquanto os alunos se perguntam o que fazer para recuperar a nota, os professores devem se questionar como recuperar a aprendizagem",
aconselha.

Mas por que mudar se tudo está correndo bem? O professor ensina, o aluno presta atenção e faz a prova. Se foi bem, aprendeu. Se foi mal, azar — é preciso seguir com o
currículo. Esse sistema, cristalizado há séculos, deposita nos conteúdos uma importância maior do que eles realmente têm. Até os anos 60, 80% do que se ensinava eram
fatos e conceitos. A prova tradicional avaliava bem o nível de memorização dos alunos. Hoje, essa cota caiu para 30%. Além de fatos e conceitos, os estudantes devem
conhecer procedimentos, desenvolver competências. E a mesma prova escrita continua a ser aplicada...

Se a missão da escola ao raiar do século XXI é desenvolver as potencialidades das crianças e transformá-las em cidadãos, a finalidade da avaliação tem de ser adaptada,
certo? "Na minha opinião, seu principal papel deve ser ajudar o aluno a superar suas necessidades a partir de mudanças efetivas nas atividades de ensino", define
Vasconcelos. "O ideal é que ela contribua para que todo estudante assuma poder sobre si mesmo, tenha consciência do que já é capaz e em que deve melhorar", diz Charles
Hadji, professor e diretor do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Grenoble, na Suíça (leia entrevista na segunda página).

É consenso entre os educadores que o aprendizado, na sala de aula, não se dá de forma uniforme. Cada um de nós tem seu ritmo, suas facilidades e dificuldades. Afinal,
somos pessoas distintas. O que complica bastante a vida do professor, que passa a ter de avaliar cada aluno de um jeito. "Sim, todos merecem ser julgados em relação a si
mesmos, não na comparação com os colegas", afirma o espanhol Antoni Zabala, especialista em Filosofia e Psicologia da Educação e professor da Universidade de
Barcelona. "Não dá para fugir", continua ele. "É essencial atender à diversidade dos estudantes."

Ele dá um exemplo. "Que altura deve pular um jovem de 11 anos?" A resposta é: "Depende..." Depende de sua potência motora, de suas capacidades físicas e emocionais,
das experiências anteriores e do treinamento, do interesse pela atividade e muito mais.

Por isso, alguns saltam 80 centímetros. Outros, 1 metro. Poucos, 1,20 metro. "Se estabelecemos uma altura fixa, excluímos os que não conseguirem chegar lá no dia em
que a habilidade for medida". Da mesma forma, "quanto" deve saber uma criança? A resposta também é depende. De sua história, dos conhecimentos prévios, da relação
com o saber e de incontáveis outros fatores. E não existe ninguém mais capacitado do que o professor para saber "quanto" essa criança domina (ou tem a obrigação de
dominar) em termos de conteúdos, conceitos e competências.

O papel do desejo

Quando a escola não leva isso em conta, o estrago é inevitável. Estudos realizados pela pesquisadora Kátia Smole sobre o impacto da avaliação na auto-estima do aluno
mostram que os boletins baseados no desempenho em provas têm apenas uma função: classificar a garotada em "bons" ou "maus", o que tem cada vez menos utilidade. "O
pressuposto de que existe uma inteligência padrão está ultrapassado", avalia. Segundo ela, o que acaba ocorrendo são desvios no objetivo maior da escola, que é ensinar.
Ao sentenciar que uns são mais e outros, menos, o saber fica em segundo plano. "O jovem valoriza a nota, não o aprendizado", exemplifica. "Em vez de se relacionar com o
mundo, ele só vai querer aprender em troca de prêmio (a nota) e, nesse ambiente, só sobrevive quem se adapta ao toma lá, dá cá."

Mas existe uma conseqüência mais nefasta: tirar da criança a vontade de aprender. Afinal, só existe motivação quando há desejo. O aluno que não valoriza o saber não tem
motivos para cobiçá-lo. "O antigo sistema forma pessoas submissas e intolerantes. Quem não consegue atender à expectativa do professor e da sociedade acaba
marginalizado", analisa Kátia.

Antoni Zabala apresenta exemplos bem práticos — e recheados de comparações com fatos do dia-a-dia — para ajudar a desatar esse grande nó. "O professor deve ser um
misto de nutricionista e cozinheiro", diz ele. "O primeiro preocupa-se em elaborar refeições saudáveis e o outro quer pratos apetitosos. No planejamento da aula, devemos
agir como nutricionistas, pensando nas competências que o aluno deve desenvolver. Na classe, precisamos atuar como cozinheiros, propondo atividades interessantes e que
possam ser executadas com prazer."

Na sua opinião, a avaliação completa envolve quatro etapas, tantas quantas uma dona-de-casa executa ao fazer compras. "Ela vê o que tem na despensa, lista o que falta,
estabelece objetivos — como preparar refeições balanceadas — e vai ao mercado", descreve. "Lá, ela começa uma série de observações, que podem mudar os rumos da
tarefa original. Se um produto estiver muito caro, a saída será buscar outro ponto de venda. Se estiver estragado, terá de ser substituído por outro de semelhante valor
nutritivo."

Traduzindo para a sala de aula, o professor precisa de objetivos claros, saber o que os alunos já conhecem e preparar o que eles devem aprender — tudo em função de suas
necessidades (avaliação inicial). O segundo passo é selecionar conteúdos e atividades adequadas àquela turma (avaliação reguladora). Periodicamente, ele deve parar e
analisar o que já foi feito, para medir o desempenho dos estudantes (avaliação final). Ao final, todo o processo tem de ser repensado, de forma a mudar os pontos
deficientes e aperfeiçoar o ensino e a aprendizagem (avaliação integradora). Clique aqui para conhecer um exemplo muito objetivo de como fazer isso, com estratégias
específicas para vários conteúdos, tendo como ponto de partida o estudo da Bacia Amazônica.
A primeira pergunta que professores, coordenadores e diretores devem fazer é: Com que objetivo vamos avaliar? Para formar pessoas ou futuros universitários? Para
classificar e excluir alunos ou para ajudá-los a aprender? Para humilhá-los com suas dificuldades ou incentivá-los com suas conquistas? É importante frisar que não existe
resposta certa ou errada. Ela está no projeto pedagógico de cada escola. Se a opção é selecionar os melhores e excluir os outros, então a melhor saída é a boa e velha
prova. Caso o compromisso seja no sentido de incentivar o aluno a enfrentar desafios, então a conversa muda de rumo.

Infelizmente, não existe uma fórmula mágica. Ao contrário. "A escola ideal, que atenda à formação de cada um individualmente, não existirá nunca. Mas estabelecer que
esse é o horizonte aumenta as chances de acertar o caminho", acredita Zabala. Celso Vasconcelos também entende que o sistema tradicional não atende aos objetivos da
escola do terceiro milênio, mas acha que é possível democratizá-lo. "Se a nota for dinâmica e servir como indicadora da situação do aluno naquele momento, ela pode
apontar rumos a seguir".

Idéias de mestre

"Enquanto os alunos se perguntam o que fazer para recuperar a nota, os docentes devem sempre se questionar sobre a melhor maneira de questionar sobre a melhor
maneira de recuperar a aprendizagem"

Celso Vasconcelos 
Íntegra da entrevista

   

"O professor tem de ser um misto de nutricionista e cozinheiro para elaborar refeições saudáveis e pratos apetitosos, ou seja, desenvolver atividades prazerosas e
eficientes"

Antoni Zabala 
Íntegra da entrevista

   

 
 

"É preciso romper definitivamente o estereótipo do mestre com a fita métrica na mão, pronto para medir, julgar e rotular cada um de seus estudantes"

Luiz Carlos de Menezes

Incentivo ao aprender

É justamente o que faz Cristiane Ishihara. Ela criou um jeito próprio de melhor aproveitar o exame. Dias depois de aplicá-lo, ela o distribui novamente, em branco, e pede
que cada aluno responda, para cada problema proposto, se:

fez e está seguro de que aprendeu;

fez, mas não está seguro de que tenha aprendido;

fez, mas tem certeza de que errou por ter-se confundido na resolução;

fez, mas tem certeza de que errou porque não aprendeu;

se não fez, qual o motivo.

"Essa foi a maneira que encontrei de colocar a prova a serviço dos estudantes", explica. Depois de tabular as respostas, ela detecta as dificuldades gerais da turma e as
específicas de um determinado grupo, além do nível de segurança de cada um em relação aos conteúdos. Se a maioria apresentou deficiência, Cristiane ensina tudo de
outra maneira. Se alguns não aprenderam, ela prepara exercícios para ser trabalhados em casa ou na sala de aula.

De mestre a parceiro

Esse método é elogiado por especialistas. "A dificuldade do aluno deve mesmo ser encarada como um desafio pelo professor", endossa Luiz Carlos de Menezes, físico,
educador e um dos autores da matriz de competências do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). "O importante é que a avaliação esteja fundamentada, explicando
claramente aqueles tópicos em que o estudante avançou e quais ele ainda precisa trabalhar." Sem esquecer, é claro, de mostrar como isso pode ser feito.

Dessa maneira, o educador se torna um parceiro, que quer e vai ajudar: "É preciso romper definitivamente o estereótipo do mestre com a fita métrica na mão, pronto para
medir, julgar e rotular cada um de seus estudantes." Assim como Zabala e Vasconcelos, Menezes encara a prova com muitas restrições, pois ela geralmente é centrada na
memorização e no uso de algoritmos e foca conteúdos científicos com dia e hora marcada para acontecer.

É por isso que muitos apontam o professor de Educação Infantil como um modelo a ser seguido. Todos os dias, ele oferece atividades diferentes e criativas para reter a
atenção das crianças, orienta todo o trabalho, que geralmente é feito em grupo, e observa. Observa muito, e aí está o segredo. A cada dois ou três meses elabora um
relatório para os pais, enumerando os pontos em que o aluno avançou e os que precisam ser trabalhados, tanto no que diz respeito a conhecimentos como a atitudes
(conheça experiência do Colégio Pueri Domus na página 3).

Mas como olhar atentamente e conhecer bem cada estudante, se as classes têm 30 ou 40 deles e o professor tem duas ou três aulas por semana com diversas turmas, que
mudam todos os anos? Já imaginou propor atividades diferentes de acordo com o nível de aprendizado e, ainda por cima, fazer um relatório personalizado no final de cada
bimestre?

Sim, é possível fazer isso. A saída mais eficiente, dizem os especialistas, é propor trabalhos em grupo, que permitem observar melhor as atitudes individuais e coletivas.
Menezes sugere ainda que se dê prioridade a estudos do meio, com propostas de atividades variadas, nas quais todos tenham a chance de explorar suas potencialidades.
Um bom exemplo disso é o Colégio Lourenço Castanho, que organiza viagens com finalidades didáticas (leia sobre na página4).

Outro consenso é a importância da auto-avaliação. Ela está diretamente ligada a um dos objetivos fundamentais da educação: aprender a aprender. É óbvio que o próprio
aluno tem as melhores condições de dizer o que sabe e o que não sabe, se um determinado método de ensino foi ou não eficaz no seu aprendizado e de que maneira ele
acredita que pode compreender determinados conteúdos com mais facilidade. Para isso, basta conversar com a turma, de forma sincera e direta, ou fazer questionários
onde todos possam expor livremente suas críticas e sugestões. Quanto mais freqüentes forem essas conversas mais rapidamente aparecerão os problemas e, o que
realmente importa, as respectivas soluções. Para caminhar nessa direção, as escolas da rede municipal de João Monlevade, em Minas Gerais, estão se reinventando (página
5 desta reportagem).

"Disciplinas, espaço e tempo devem ser instrumentos da educação, não seus carrascos", resume Zabala. E você? Gostou do que leu nessa reportagem e quer transformar
sua escola? Ouça o conselho de Zabala. "Se você quer mudar as formas de avaliar, parabéns. O passo mais importante para a mudança acaba de ser dado."

In http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0138/aberto/mt_246908.shtml Acesso em 15/09/2008

Anexos:

Entrevista > Celso dos Santos Vasconcelos

Intencionalidade: palavra-chave da avaliação

De nada adianta mudar ferramentas, se o professor continuar classificando os alunos em bons e maus
Quem quer fazer uma avaliação mais justa para ajudar o aluno a superar suas dificuldades pode começar
mudando sua intenção no ato de avaliar. Essa é a visão do educador Celso Vasconcelos. Leia a íntegra da entrevista
exclusiva que ele deu à NOVA ESCOLA.

Nova Escola > Qual a definição mais abrangente de avaliação?


Vasconcelos < Avaliar é localizar necessidades e se comprometer com sua superação. Em qualquer situação de vida, a
questão básica da avaliação é: o que eu estou avaliando? No sentido escolar, ela só deve acontecer para haver
intervenção no processo de ensino e aprendizagem.

NE > Porque o sistema de avaliação começou a ser questionado nos últimos anos?
Vasconcelos < Essa análise tem sentido se recuperarmos um pouco do papel da escola na sociedade. No século XVIII, a
burguesia usava a escola para formar mão-de-obra e era uma justificativa para as diferenças sociais. A educação, além
de fornecer homens-máquina para as indústrias que estavam surgindo, era um chamariz para a ascensão social. Essa
situação se manteve por mais de 2 mil anos. Hoje o diploma não garante colocação a ninguém. Não se pode mais
afirmar que uma pessoa formada terá um bom emprego, ou mesmo se vai ter emprego. Muitas escolas então usam
atualmente o apelo da educação como superação: formar uma pessoa para ser melhor do que as outras. Com a mudança
no mercado de trabalho e o avanço da consciência crítica dos educadores, é preciso quebrar a lógica de 10 mil anos da
avaliação excludente.

NE > Como a avaliação diferencia uma educação integradora de outra excludente?


Vasconcelos < Eu divido a prática de avaliar em quatro categorias. A primeira é o conteúdo, na qual se percebe o
conteúdo cognitivo do aluno. A segunda é a forma de avaliar: dar notas ou conceitos? Fazer ou não uma semana só de
exames? Dar questões longas ou curtas? Outra categoria é formada pelas relações que a avaliação estabelece na prática
de ensino: posso mudar a avaliação sem mudar o tipo de aula? Como avaliar uma classe grande? A última, e a mais
importante, é a intencionalidade. Mudanças nos outros aspectos sem mudar a intenção com a qual se avalia não levam a
nada.

NE > O que é então a intencionalidade?


Vasconcelos < Eu uso intencionalidade porque dá para brincar com as palavras intenção e realidade, ou seja, o desejo
traduzido em práticas concretas. Precisa querer. A primeira questão a ser feita é: avaliar para que? Para localizar a
necessidade do aluno e para atender à superação. Quando então temos um aluno, ou vários, que não estão
acompanhando, é preciso parar para atendê-los. É elementar. Quando a dificuldade é localizada, o professor precisa se
comprometer com a busca de uma estratégia e com a superação da barreira.

NE > Mas o professor tem tempo na grade curricular para atender esses alunos?
Vasconcelos < É preciso rever conceitos, repensar práticas de aula, replanejar o calendário escolar, buscar alternativas.
João Amós Comeno, pensador protestante, já dizia, em 1637, em seu tratado A Arte Universal de Ensinar Tudo a Todos
(Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa), que existiam três cavaleiros do apocalipse da educação: 1) a avaliação
classificatória; 2) o conteúdo estabelecido sem sentido e 3) o professor falando o tempo todo. Essas três coisas já são
denunciadas a tanto tempo e são realmente uma praga no ensino. Em Didática Magna, Comeno falava que o ensino
precisava ser mais participativo. Ele comparava a sala de aula com a vida, ressaltanto o perigo das classes homogêneas
e da padronização dos alunos. Ele dava o seguinte exemplo: na natureza existem flores diferentes; na sala de aula temos
também de ter pessoas diferentes. É singelo, mas de um sentido político profundo.

NE < Que tipo de perigos trazem esses três cavaleiros do apocalipse?


Vasconcelos < O conteúdo preestabelecido obriga o professor a cumprir um rol de temas. Por trás dessa exigência está
a avaliação classificatória: se ele não cumprir essa lista de assuntos, ele vai ser julgado pelos colegas da série seguinte,
pelos pais, pelo sistema, pelo vestibular como incompetente. Então o professor fica preocupado e quer cumprir o
programa. Para conseguir isso, ele dá aulas expositivas, já que uma aula interativa e participativa demanda tempo, e aí o
programa atrasa. Isso acaba com o processo pedagógico. Na minha opinião, o pior dos três cavaleiros é a avaliação
classificatória. Ela interfere em todas as outras práticas. E se quiser acabar mesmo com o processo, podemos chamar o
quarto cavaleiro: as condições precárias de trabalho. Na hora que o professor for parar para tirar uma conclusão dessa
intencionalidade, ele vai se defrontar com isso. Ainda que ele queira parar, como é que fica o programa? Um aluno que
não entende gera indisciplina, contamina outros. E agora esse professor tem problemas de aprendizagem e de
comportamento. Parece exagero mas não é. O professor precisa estar fortalecido na sua convicção de que parar é
necessário, para que ele enfrente todas as pressões. Ele precisa saber que a curva da aprendizagem não é linear. Ela é
exponencial: uma base bem trabalhada, ainda que demore mais, leva a uma aprendizagem mais rápida no futuro. A nova
intencionalidade pode se traduzir na prática de metodologia participativa em sala de aula, onde se faz a recuperação da
aprendizagem no próprio ato do ensino. Eu não fico esperando ensinar para depois avaliar. Se o aluno participa, dialoga,
já é possível perceber ali mesmo se ele não está entendendo. O trabalho de recuperação do aprendizado pode então se
dar concomitante ao ensino.

NE > Que peso as notas devem ter na avaliação de um aluno?


Vasconcelos < Nota é ridículo. Mas também pode ser democrática, se for pega como um indicador da situação do aluno
naquele momento. Pode-se aplicar notas se você tiver em mente que ela pode ser dinâmica. Alguns alunos perguntam o
que fazer para recuperar a nota. O professor deve perguntar o que deve fazer para recuperar a aprendizagem. Esse
método classificatório interfere no psicológico do aluno, interrompe a relação dele com o objeto do conhecimento.
Existe o currículo oculto, que ninguém pode negar: em sua trajetória escolar, o aluno aprende que o importante é a nota,
pois é isso que ele deve perseguir para passar de ano, e não o prazer em aprender. Se a opção for por um sistema que
não dê tanta importância à nota, mas sim ao aprendizado, isso precisa ser implantado desde as séries iniciais.

NE < Que instrumentos ele pode usar em um novo processo de avaliação?


Vasconcelos < Uma coisa simples é o diálogo, a exposição dialogada. Mas existem técnicas mais ativas, como
dramatização, relatórios, pesquisas, onde o professor pode perceber o nível de elaboração do aluno. A metodologia
participativa é fundamental na concretização da nova intencionalidade. Outro método simples: pedir para o aluno dizer
com as suas próprias palavras os conceitos apreendidos, para ver se houve internalização. Freqüentemente o estudante
repete as palavras do professor ou do livro didático. O trabalho em grupo em sala de aula é importante, com um colega
ajudando o outro. Ao invés de ter somente um professor na sala de aula, é possível ter cinco ou seis: os próprios alunos
fazendo esse papel. Outra prática muito legal é você fazer monitoria: os alunos passam a ajudar seus colegas em
determinadas disciplinas ou conteúdos. Como se pode ver, há uma série de iniciativas que traduzem essa nova
intencionalidade em práticas concretas. São coisas pequenas que o professor já pode começar a mudar, sem precisar
mexer no planejamento escolar. Claro que seria ótimo, por exemplo, se o professor tivesse 20 horas de trabalho em
classe e outras 10 na escola, quando ele pudesse atender o aluno com dificuldades fora da classe, entrevistá-lo,
conversar com ele. Isso seria excelente. No fundo, gostaríamos de chegar ao ponto em que o aluno desenvolvesse a
competência de se auto-avaliar e avaliar o trabalho do professor. Isso é importante porque o aluno passa a se localizar
no processo de aprendizagem. Essa é a verdadeira construção da autonomia que a educação moderna visa.

NE < Mas a escola também deve se integrar nesse processo de mudança?


Vasconcelos < Existem algumas práticas que demandam modificações mais profundas. Os professores do segundo
ciclo do Ensino Fundamental reclamam que não têm tempo com os alunos. Um professor de História da 5ª série, por
exemplo, vê cada turma somente algumas poucas vezes por semana. Mas se ele acompanhar esses alunos até a 8 ª, vai
conhecê-los cada vez melhor. Isso exige somente uma reengenharia de horários, coisa que está ao alcance da escola. Se
o professor já tem uma visão nova, a escola vai percebendo essas alternativas. Por isso é fundamental que o professor
participe do processo de repensar o projeto pedagógico na condição de sujeito, não de objeto. Infelizmente, muitas
mudanças ocorrem com o professor padecendo delas. Ele é simplesmente comunicado das mudanças. É o caso clássico
da questão do ciclo no Estado de São Paulo. Em outras realidades, as escolas aderiram aos ciclos, por etapas. Em São
Paulo os ciclos foram implantados de uma vez em 98. Porto Alegre vem fazendo 10 anos de caminhada com as escolas
de lá. O Ceará colocou em 98 ciclos somente da 1ª a 4ª, por adesão, para no máximo 40% da rede. Aos poucos, outras
escolas foram entrando no esquema novo. Isso parece pouco, mas não é. É mais demorado, mas evita-se o risco de o
processo ser uma grande mentira. Queima-se a idéia do ciclo porque ele é implantado de maneira inadequada. Se a
mudança é uma coisa violenta para o aluno, também o é para o professor. Não se muda por decreto. É preciso favorecer
a mudança de intencionalidade. E aí entra então o estudo. O professor não faz uma avaliação diferente porque ele não
sabe. O modelo que ele teve como aluno é o tradicional. Mesmo ensinando práticas diferentes de avaliação, os
professores de Educação, na hora da avaliação, mandam seus alunos, futuros professores, pegarem o papel e fazer uma
prova. Esse é um ponto sério. Outro ponto fundamental é o do projeto político pedagógico. Uma mudança fundamental
passa pelo sujeito, mas também pelas relações dentro da escola. Não dá para discutir avaliação se não discutir antes que
pessoa se quer formar: queremos reforçar a sociedade excludente que está aí? Se queremos, a avaliação tradicional está
perfeita. Mas se sonhamos com uma sociedade onde todos tenham voz ativa, então é preciso modificar tudo. Philippe
Perrenoud fala que mudar a avaliação é mudar a escola. Eu vou um pouco mais adiante. Digo que mudar a avaliação é
mudar a sociedade. No final, o que está em discussão é um projeto de sociedade. Nós acreditamos em uma sociedade
que tenha lugar para todos? É possível construí-la ou não? É preciso compreender o seu espaço de autonomia relativa e
atuar em cima disso, sabendo que você não é o redentor da humanidade, mas também não está totalmente amarrado.
Tem coisas que você pode começar a fazer, por isso que eu insisto muito em passos pequenos, mas concretos e
coletivos em uma nova direção. Essa perspectiva do processo é muito importante no resgate da potência do professor,
da alegria em ensinar. Quando ele percebe que existem práticas que ele pode começar a utilizar, sua auto estima começa
a aumentar. O mesmo acontece com o aluno. Eu defendo a reunião pedagógica semanal, pelo menos duas horas por
semana, remunerada. A ansiedade diminui só de saber que os colegas têm problemas iguais aos nossos.
NE < O senhor disse que o professor precisa parar e fazer uma avaliação para depois atender aqueles que precisam de
ajuda, e o passo seguinte seria a retomada, a mudança. O que o professor deve fazer para que esse processo ocorra em
prol do aluno?
Vasconcelos < O professor precisa pensar qual será o caminho que deve seguir: uma mudança de metodologia? Uma
outra forma de abordar o conteúdo? Um exercício complementar para ser feito em casa? Um atividade diversificada em
sala de aula? Um trabalho em grupo? É preciso buscar uma alternativa, o que não se aceita mais é ver o problema
constatado e não ocorrer mudanças. Não tem sentido o professor passar o fim de semana inteiro corrigindo provas e
atribuindo notas e na segunda-feira entregar o boleto na secretaria, ir para a sala como se nada tivesse acontecido,
bimestre novo, vida nova.

NE > Como o professor deve expor ao aluno a avaliação feita no decorrer do processo?
Vasconcelos < A questão fundamental é saber qual o perfil de pessoa que se quer formar, de acordo com o projeto
pedagógico da escola. Essa questão não é muito simples, pois nós perdemos muitos referenciais. A partir disso, o
professor vai ter os critérios para fazer o relatório. Tendo isso claro, ele pode dizer quanto essa criança está se
aproximando, ou não, dos objetivos. A vantagem do relatório é que ele permite ter uma idéia do processo, verificando
como a criança vivencia o processo escolar. Mas é preciso ter noção desse processo, para não tornar o relatório uma
ficha policial: "A criança é agressiva, dispersiva etc". Se o parecer for assim, prefiro a nota, por mais limitada que ela
seja. De 1ª a 4ª série é mais fácil, pois um professor acompanha o aluno o ano todo. Já de 5ª a 8ª torna-se mais
complicado, caso o professor não tenha um tempo semanal para ficar na escola e cuidar dessa tarefa. Muitas vezes os
professores montam alguns tipos de relatórios e os apresentam independente dos alunos que estão sendo avaliados. É
uma grande farsa. Mas se for inevitável, é possível criar uns 25 níveis de classificação e, dependendo do aluno avaliado,
ele é enquadrado em um desses níveis. Se o professor acrescentar algum comentário pessoal, por exemplo, o processo
torna-se transparente e eficaz. Sei que é muito fácil falar para os professores fazerem relatórios, mas muitas vezes eles
não têm tempo, principalmente os de séries mais avançadas. Sinceramente eu acredito que, das quatro categorias da
avaliação (conteúdo, forma, intencionalidade e relações), eu investiria mais energia na intencionalidade. Se eu tiver de
decidir entre conceito e relatório ou ter mais tempo de intervenções em sala de aula, eu não tenho a menor dúvida: dou
conceito e incentivo o professor a mudar sua prática no dia-a-dia.

NE < Como o professor pode se capacitar para entrar nessa nova realidade?
Vasconcelos < Ele deve deixar o bom senso aflorar, fazer e depois discutir com os colegas. Isso é o mais importante.
Depois ele pode partir para cursos e literatura. É interessante também o professor conhecer práticas que estão dando
certo em outras escolas.

Entrevista > Antoni Zabala

Educação Infantil inspira avaliação formativa

Para o educador espanhol, as técnicas para ensinar crianças pequenas deveriam ser conhecidas de todos os
professores

Monitorar os alunos que trabalham em grupos, observar suas reações e evoluções durante a aprendizagem e
fazer relatórios de desenvolvimento são alguns dos caminhos para ser fazer uma avaliação formativa. Essa é a opinião
de Antoni Zabala, educador espanhol que esteve no Brasil em setembro, e deu a seguinte entrevista para NOVA
ESCOLA.

Nova Escola > Qual a principal dificuldade que o professor enfrenta no processo de avaliação?
Zabala < A maior barreira é interna. Ele precisa se desfazer de toda sua história como aluno e como professor. As
propostas mundiais sobre o que deve ser o ensino implicam em mudança total, que afetam aquilo que é nuclear: a
avaliação. Eu diria: diga-me como avalia que eu te direi que professor você é. É na maneira de avaliar que aparece tudo
o que é importante para o professor. Se avaliamos somente os conceitos matemáticos, químicos ou a gramática não
estamos mudando nada. Só estou dando a entender que quero formar futuros universitários. Na verdade, os professores
deveriam tentar introduzir também seu pensamento de educador. Isso implica em falar de valores, de estratégias de
aprendizagem, de colocar técnicas de trabalho em equipe e itens que avaliem o que se considera o perfil ideal da pessoa
que se quer aprovar.

NE > Aconteceram várias mudanças nos conceitos do que seja a educação ideal, nos últimos 40 anos. O professor
consegue captar rapidamente esses novos parâmetros?
Zabala < A sociedade é bastante farisaica em relação à educação. Todos dão importância à ela, dizem que é aí que está
o futuro do país, que é fundamental, básica etc. Mas um caminho se constrói andando, com ações. Em quase todos os
países a educação tem sido meras palavras. O que realmente importa é a valorização profissional da educação. Mas isso
é deixado de lado. Em uma sociedade como a nossa, esse valor se dá em retribuições salariais e no valor econômico e
social atribuído ao profissional. A formação que os professores tiveram não foi suficiente, mas as motivações para que
as mudanças ocorressem foram mais do que insuficientes.

NE > Classes grandes e superlotadas prejudicam a concretização de um modelo ideal de avaliação?


Zabala < Existe um problema anterior. Todo pensamento precisa de estímulos para mudar. O professor precisa
capacitar-se, mas não é suficiente. É apenas um caminho. Os pensadores da educação defendem modelos impecáveis.
Esse é o discurso. É muito fácil fazer leis que atendam esses princípios. O problema está em colocar os meios que
levem essas idéias a cabo. É preciso aprender técnicas, estratégias e formas profissionais de se atuar em relação a esses
preceitos. Isso implica em um processo de aprendizagem: precisa ter um professor, informações básicas, alguma
experimentação... E aí não acontecem ações suficientes. Dizemos que avaliar de forma personalizada com 30 ou 40
alunos é difícil. Mas pode ser feito, se conhecermos as técnicas e as estratégias para isso.

NE > Quais seriam esses instrumentos e técnicas?


Zabala < Atender a uma avaliação formativa, respeitando as características de cada aluno, não é uma questão de tudo
ou nada. Pode ser feita aos poucos ou em parte. Sabemos que o ideal teórico é uma utopia. Dificilmente conseguiremos
que uma escola possa atender a todos os alunos segundo suas necessidades e possibilidades. Existem muitas estratégias,
porque uma das coisas que nós professores mais temos é criatividade para inventar atividades. Não é preciso consultar
teóricos. Essas estratégias estão aqui mesmo no Brasil, em muitas escolas de qualidade que estão atendendo a
diversidade. O segredo está na participação dos alunos nos processos de ensino. Os alunos devem ajudar outros alunos,
ser considerados agentes educadores dos companheiros. Todas as grandes experiências que existem no mundo de
atenção à diversidade não implicam em redução das classes. O papel do professor é provocar ajudas, dinamizar a classe
para que se trabalhe em pequenos grupos flexíveis, às vezes em pares. O que sabe mais ajuda o que sabe menos. As
técnicas passam por montar classes dinâmicas, onde existam relações interativas que provoquem conhecimento. Isso
implica uma mudança no papel do professor. O professor não é aquele que tem o conhecimento e o transmite. O
professor é aquele que veicula interações, provoca intercâmbio na aula e ajuda na busca de conhecimentos.

NE > Os próprios alunos serão então companheiros de ensino e aprendizagem?


Zabala < As técnicas para atender a diversidade estão na Educação Infantil. O que fazem as crianças lá? Ficam
sentadas umas atrás das outras, escutando o mestre? Não, elas fazem coisas. E não fazem sozinhas. Estão sempre com
os colegas, em pares ou trios. Um olha o outro e aprende com ele. Devemos usar essa estratégia. A professora não
transmite conhecimento, ela ajuda a todos, cobrando tarefas e querendo saber por que motivo não as executaram, quais
as dificuldades. O modelo de avaliação também está lá. Os professores não sancionam seus alunos, dizendo que não
sabem isso ou aquilo. Eles tentam averiguar o que eles não sabem para orientá-los. As crianças são mais espontâneas e
desarmadas. Contam o que sabem e o que não sabem fazer. Ao passo que quando são maiores, ninguém se atreve a ir ao
mestre e dizer "eu não sei fazer isso". Porque temem que ele imediatamente anote essa "falha" do aluno. Está claro que
devemos ir de um modelo seletivo para um modelo orientador, centrado no que o aluno sabe e não naquilo que ele não
sabe; na sua capacidade e potencialidade. A ação do mestre deve ser buscar o que o aluno tem de melhor e tentar
valorizá-lo. A função da escola não é preparar para a universidade, é preparar para a vida. E a vida tem quem vai ser
matemático, mas também tem cozinheiros, camareiros, motoristas. Tem de haver de tudo. E esse motorista tem de ser o
melhor possível, o arquiteto tem de ser o melhor possível. Isso implica em buscar aquilo em que o aluno é mais potente.
A função do professor é conhecer o aluno, valorizá-lo para despertar seu interesse em buscar o conhecimento. Buscar
ele próprio, não impor-lhe o conhecimento. Muitas vezes utilizamos as notas para controlar a disciplina do aluno e para
obrigá-lo a estudar. Mas por que devemos fazer alguém estudar algo que não lhe interessa? Quando não há interesse não
há aprendizagem.

NE > Em quais casos a retenção é necessária?


Zabala < Esse problema está aparecendo em todos os países. O dilema é: os alunos devem ser promovidos
automaticamente? Depende do jogo que estamos jogando. Se o modelo que temos é aquele em que a escola deve
preparar para a universidade, então o modelo seletivo deve prevalecer, assim como todas as regras que ele implica. Se
nos convencemos que o objetivo da escola é formar pessoas que se integrem à sociedade e dê respostas aos problemas
que a vida vai lhes trazer, então as normas devem mudar. O problema é que edita-se uma portaria para que as
orientações de um modelo sejam aplicadas em outro. Ou se muda tudo, ou é melhor não mexer. Se queremos formar
pessoas equilibradas e autônomas, elas devem ter uma boa auto-estima. Estamos ajudando a fomentar a auto-estima
quando obrigamos uma pessoa a deixar seu grupo de amigos e a freqüentar uma turma mais jovem? Isso é bom para seu
equilíbrio? Está claro que não. Para ela é uma humilhação repetir de ano. Ora, mas se no curso seguinte não existe um
modelo de ensino que atenda a diversidade, esse aluno não vai acompanhar a classe. Portanto, é melhor que repita. Mas,
cuidado! Isso acontece por um déficit do sistema, que não preparou esses professores para atender a diversidade. Mas se
eles sabem atender a diversidade, então não deve haver retenção.
NE > Que conselho o senhor daria para o professor que estará nesse mês de dezembro fazendo o planejamento escolar
para o próximo ano quando estarão querendo mudar o seu modo de avaliar?
Zabala < Se ele está tentado, quero felicitá-lo: está no caminho. Existem na maioria das escolas as técnicas e estratégias
necessárias para responder a essas dúvidas. É preciso estar alerta e escutar os demais. Escutar e refletir com os
companheiros.

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